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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

MARÍLIA RODRIGUES ANDREATA

“QUEM É VOCÊ?”

NARRATIVAS COM O COTIDIANO ESCOLAR: UM CURRÍCULO MARCADO


PELA DIFERENÇA

VITÓRIA
2017
MARÍLIA RODRIGUES ANDREATA

“QUEM É VOCÊ?”

NARRATIVAS COM O COTIDIANO ESCOLAR: UM CURRÍCULO MARCADO


PELA DIFERENÇA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Centro de Educação da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito
parcial para obtenção do grau de Licenciatura
Plena em Pedagogia.

Orientador: Prof. Dr. Fabio Hebert da Silva.

VITÓRIA
2017
MARÍLIA RODRIGUES ANDREATA

“QUEM É VOCÊ?”

NARRATIVAS COM O COTIDIANO ESCOLAR: UM CURRÍCULO MARCADO PELA


DIFERENÇA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Centro de Educação da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito
parcial para obtenção do grau de Licenciatura
Plena em Pedagogia.

Banca Examinadora:

_____________________________________
Prof. Dr. Fabio Hebert da Silva
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientador

_____________________________________
Prof.ª Drª. Maria Elizabeth Barros de Barros
Universidade Federal do Espírito Santo
AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente a todos que atravessaram minha vida e de alguma forma contribuíram
para minha formação pessoal e profissional.

Aos meus familiares, por estarem sempre ao meu lado, cuidando e acreditando.

Aos meus pais, Tânia e Jalmir, por tudo. Por nunca desistirem de lutar e sempre oferecer
sempre o seu melhor a mim e Vinícius. Por me ensinarem que sempre podemos ir além.
Muito obrigada!

Ao meu irmão Vinícius, pela companhia e amor.

Ao meu orientador Fabio Hebert, pela confiança, sugestões, atenção e comprometimento.

À Luziane Siqueira e Fabiano Moraes, por todos os conselhos, sugestões, apoio e


compreensão.

À Maria Elizabeth Barros de Barros, membro da banca, por aceitar o convite e estar presente
nesse momento especial.

À EMEF Experimental de Vitória, pela oportunidade.

Aos meus amigos, pelos bons encontros e composições.

À Marly Callegari e Carlos Eduardo Amaral, por confiar e acreditar em meu trabalho. Por
permitir que eu fizesse parte da vida de uma pessoa tão especial e importante, que tanto me
ensina, inspira e transforma. “Alice”, cuja luz e sabedoria sobre amor fraterno, respeito e
dedicação são infinitos.

À “Alice”, pelas lições sobre a vida, amor, carinho, amizade e respeito.


RESUMO

Este trabalho é efeito da realização do estágio não obrigatório em uma Escola Municipal de
Ensino Fundamental (EMEF) da Rede Municipal de Ensino de Vitória/ES, durante os anos de
2015 a 2017. Neste período, tivemos a oportunidade de acompanhar o currículo e cotidiano de
um aluno público alvo da educação especial. Tomamos o cotidiano como um problema, como
um território que se constitui a partir das diferenças e multiplicidades. Imersos nesse
território, notamos a evidente relação entre o diagnóstico e o espaço escolar. A partir disso,
passamos a mapear as diferentes narrativas dos sujeitos que compõem o cotidiano, a fim de
refletir e problematizar acerca dos efeitos de se reduzir a relação pedagógica ao diagnóstico.
Utilizamos a história de Lewis Carroll, “Alice no País das Maravilhas”, bem como o filme
“Alice”, de Jan Van Svankmajer, como intercessores para nos auxiliar à escrita do texto.
Problematizamos também os mecanismos utilizados pelo aluno-diagnóstico em seu cotidiano
escolar como forma de resistência aos padrões impostos pelo mercado.

Palavras-chave: Currículo; cotidiano escolar; diferença; multiplicidades; resistência.


ABSTRACT

This paper is the result of a non-obligatory internship on a Municipal Elementary School


(EMEF) within Vitoria’s Public Education Network, from 2015 to 2017. In this period, we
had the opportunity to follow the curriculum and routine of a special education’s target
student. We took the daily routine as a case, as a realm which constitutes itself from
differences and multiplicities. Immerse in this realm, we noticed the evident relationship
between the case and the school environment. Starting there, we have mapped the different
narratives which constitute the daily routine, with the aim of reflecting and discussing about
the implications of reducing the pedagogical relation to diagnosis. Using Lewis Carroll’s
“Alice in Wonderland”, as well as the movie “Alice”, from Jan Van Svankmajer, as
intermediation to bolster the paper’s writing. Also, we discussed the mechanisms used by the
student-subject in his daily school routine as a form of resistance to the standards imposed by
the market industry.

Keywords: Curriculum, school routine, difference, multiplicities, resistance.


7

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Cena do filme "Alice" ...................................................................................... 17

Figura 2 Cena do filme "Alice" ..................................................................................... 18

Figura 3 Diário de campo ............................................................................................... 23

Figura 4 Cena do filme "Alice" ..................................................................................... 25

Figura 5 Diário de campo ............................................................................................... 27

Figura 6 Cena do filme "Alice" ..................................................................................... 31

Figura 7 Diário de campo ............................................................................................... 35

Figura 8 Cena do filme "Alice" ..................................................................................... 38

Figura 9 Diário de campo ............................................................................................... 39

Figura 10 Diário de campo ............................................................................................. 40

Figura 11 Diário de campo ............................................................................................. 41

Figura 12 Diário de campo ............................................................................................. 42

Figura 13 Cena do filme "Alice" ................................................................................... 44

Figura 14 Cena do filme "Alice" ................................................................................... 45

Figura 15 Cena do filme "Alice" ................................................................................... 46


8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10
1 “DESCENDO À TOCA DO COELHO” ............................................................................. 12
1.1 SOBRE ALICE .................................................................................................................... 17
2 “CORTEM-LHE A CABEÇA!” .......................................................................................... 20
2.1 O GATO INGLÊS: UM SORRISO SEM UM GATO ......................................................... 24
2.2 “O JOGO DO TOQUE-EMBOQUE”: DO DIREITO À EDUCAÇÃO .............................. 29
3 A EXPERIÊNCIA DO/NO/COM O COTIDIANO ESCOLAR E A PRODUÇÃO DE
SENTIDOS: UM CURRÍCULO MARCADO PELA DIFERENÇA................................... 34
3.1.”QUEM É VOCÊ?” .............................................................................................................. 43
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 47
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 48
9

“[...] o outro é tudo aquilo exterior a um eu. [...] a realidade não se restringe ao visível e a
subjetividade não se restringe ao eu: à sombra disso tudo, no invisível, o que há é uma
textura ontológica que vai se fazendo de fluxos e partículas que constituem nossa
composição atual, conectando-se com outros fluxos e partículas com os quais estão
coexistindo, somando-se e esboçando outras composições. [...]” (ROLNIK, 1993, p. 3).
10

INTRODUÇÃO

Entre os anos de 2015 e 2017 tivemos a oportunidade de realizar estágio em uma


Escola Municipal de Vitória, com um aluno público alvo da educação especial, onde nos
deparamos com uma realidade que até então era desconhecida para nós. Passamos a viver a
diferença e, com isso, viver narrativas que são repletas de pré-conceitos.
Percebemos que as narrativas do/no/com os cotidianos tratavam não de um aluno, mas
do diagnóstico que possuía. Seria ele então o seu diagnóstico? Qual o lugar do aluno nesse
cotidiano?
O sujeito da nossa pesquisa utiliza como mecanismo de resistência diferentes estórias
para narrar e potencializar seu cotidiano e, por isso, decidimos utilizar Alice no País das
Maravilhas a fim de fomentar nossa escrita.
A partir disso, pretendemos narrar um currículo e cotidiano marcado pela diferença.
Utilizamos como estratégia de escrita a coleta das múltiplas narrativas do cotidiano a fim de
nos fazer pensar sobre esse currículo. Acreditamos que essa narrativa representa os
diferentes sujeitos presentes nos diferentes espaços escolares, o que nos impulsionou ainda
mais a escrita.
Nomeamos os capítulos do texto com títulos, personagens ou falas presentes em
Alice no País das Maravilhas, a fim de ressaltar alguma característica do filme e/ou
personagem que também se faz presente em nosso cotidiano. Além disso, decidimos intitular
nosso personagem principal como Alice, já que ambas, Alice, de Lewis Carroll e Alice, da
Escola Municipal de Ensino Fundamental, possuem características de resistência ao padrão
do mercado.
Como em Alice no País das Maravilhas iniciamos nosso texto “Descendo à toca do
coelho”, possibilitando a apresentação dessa pesquisa. Acreditamos que o termo “descer à
toca do coelho” representa a forma como nos sentimos durante a problematização dos
nossos questionamentos, antes mesmo da escrita desse trabalho. Por isso, utilizamos esse
capítulo para apresentar nossa personagem, bem como o lugar em que se faz presente.
Seguimos nossa escrita com o capítulo intitulado “Cortem-lhe a cabeça”, como uma
referência à Rainha de Copas, que ordena que isso seja feito sempre que algo a desagrada ou
que fuja do seu padrão. Iniciamos nossa escrita descrevendo brevemente sobre o histórico da
loucura e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). Com isso,
pretendemos marcar o DSM como um mecanismo que define os sujeitos e afirma as suas
11

identidades, pois notamos ao longo do nosso processo de pesquisa que Alice tornou-se seu
diagnóstico.
O que não pertence à curva da normalidade é um “sorriso sem um gato”, por isso
utilizamos esse título como subitem para tratar acerca da (a)normalidade e patologia,
propondo uma discussão do tema partindo da normatividade e padrão constituído
socialmente. Com isso, buscamos maneiras de problematizar a (a)normalidade no currículo
e cotidiano escolar, e o lugar (ou o não lugar) que a mesma ocupa.
Tratamos as políticas públicas como um “campo de toque-emboque”, como no jogo
preferido da Rainha de Copas, a quem pertence esse capítulo. Utilizamos essa comparação
por acreditar que a legislação que trata da deficiência é como um tabuleiro, possuindo os
jogadores, que se movem de forma confusa e atônita, e uma rainha que esbraveja a todo
momento para que cortem as cabeças. A legislação atual institui a pessoa com deficiência
como sujeito de direitos, mas não lhe garante a efetiva constituição enquanto sujeito de
direito no espaço escolar.
Em seguida, damos início a um novo capítulo, discutindo acerca da diferença no
currículo e cotidiano escolar. Narramos a escola como um espaçotempo constituído pela
experiência. A identidade no/do/com o currículo e cotidiano escolar é, a todo momento,
marcada e afirmada pelo diagnóstico, mas Alice encontra maneiras de resistir ao
enquadramento e normatividade. Devido a isso, concluímos nosso texto com a mesma
pergunta feita à Alice: “Quem é você?”, como um mecanismo de questionar quem é Alice, a
verdadeira: Alice-lobo, Alice-esquilinho, Alice-potência, Alice-resistência, Alice-sujeito,
Alice.
12

1 “DESCENDO À TOCA DO COELHO”1

Aproveitando a experiência do estágio não obrigatório realizado na Rede Municipal


de Ensino de Vitória, em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF), entre os
anos de 2015 e 2017, passamos a pensar e problematizar o cotidiano como um lugar vivido e
habitado, e suas redes de relações sendo tecidas e partilhadas pelos diferentes sujeitos e, com
isso, observar e aprender sobre as redes de saberesfazeres (FERRAÇO, 2016) que fazem
parte do cotidiano da escola. Nos anos em que foi realizado o estágio, fomos responsáveis
pelo acompanhamento de um aluno público-alvo da educação especial diagnosticado com
microcefalia e hiperatividade2, o que nos possibilitou a construção, problematização e
composição das narrativas cotidianas. Desta forma, passamos a acompanhar e mapear seu
processo de constituição, bem como nossa prática pedagógica, a partir das narrativas dos
praticantes do currículo e cotidiano escolar (FERRAÇO, 2016). Utilizaremos neste texto o
nome “Alice” para identificá-lo.
Todo o processo de pesquisa e construção de conhecimento foi possível graças a um
evento ocorrido nos primeiros dias da prática de estágio. “Alice” havia passado um dia
tranquilo e agradável. No entanto, ao final do dia, encontrava-se um pouco agitada. Na “hora
da saída”, ao notar que sua mãe estava estacionando o carro, correu ao seu encontro,
dirigindo-se ao estacionamento. Em um impulso, fomos atrás de Alice, esperando que sua
passagem pelo portão fosse impedida, o que não ocorreu. Havia muitas pessoas naquele
momento, mas ninguém a repreendia, apenas “davam passagem” para Alice. Nos
direcionamos a ela dizendo “Calma! Sua mãe já está vindo!”. Alice não nos ouvia, queria ir
ao encontro de sua mãe. Em um ímpeto, seguramos o braço de Alice. Nesse momento, a
menina nos notou e indagou: “O que você está fazendo? Me solta!”. Em seguida, Alice
esmurrou o rosto de sua estagiária algumas vezes. Sem reação, levamos Alice ao carro de
sua mãe, que também parecia não saber o que falar. Retornamos para a escola e, no
caminho, ouvíamos falas, como por exemplo3: “Como pode uma criança dessa ficar no
mesmo ambiente que as outras crianças?” , “Eu acho que tínhamos que nos juntar para
expulsar esse garoto daqui!”, “Se ele faz isso com a professora, imagina com nosso filho?”.
Ao passar pelo coordenador, que vigiava o portão, questionamos “Por que não impediu que
1
Este título faz referência ao primeiro capítulo do livro “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll. É
nele que toda a história de Alice, a partir de sua “queda” na toca do coelho, que a fantasia e a realidade se
tornam um só. A escolha deste título deu-se pelo mesmo motivo.
2
Trata-se do diagnóstico mais recente.
3
Resolvemos não nominar as falas citadas por se tratarem de pessoas desconhecidas e por não fazer parte do
nosso cotidiano de forma rotineira.
13

ele saísse da escola?”. A resposta foi: “Eu? Pra que? Para levar um soco na cara? Não estou
aqui para isso!”.
Naquele momento tudo era muito confuso, mas mesmo assim passamos a nos
questionar acerca das narrativas que ouvimos sobre Alice: por que falam dela dessa forma?
O que ela fez para essas pessoas? Por que o fato de deixarem-na sair da escola ou da
estagiária ter intervindo de maneira incorreta não foram questionados? O que Alice
representa para a escola e seus atores? Não há lugar para crianças com algum tipo de
transtorno na escola? A escola está preparada para isso?
No processo de pesquisa, percebemos que o ambiente escolar conta com os mais
diferentes sujeitos e histórias. Mas, o discurso hegemônico pensa a sociedade de modo
bastante dualista. Ele a divide em duas partes: os normais e os anormais. O cotidiano escolar
sempre foi pensado a partir desse mesmo discurso e, portanto, mesmo sendo um lugar de
encontro dos mais diversos sujeitos e suas diferenças, também está submetido aos padrões
criados por esse discurso e essas práticas. Desta maneira, uma grande parcela da
comunidade escolar é posicionada à margem daqueles e por aqueles considerados normais.
Segundo Guattari e Rolnik (2005), a subjetividade é efeito de um processo de
produção coletiva, que se configura como um processo de mutação maquínica, estando em
conjunto com a multiplicidade de agenciamentos, produzindo coletivamente os sentidos e as
subjetividades (DELEUZE, 1992, apud CARVALHO, 2008). As subjetividades são
constituídas e modeladas, vividas e assumidas de forma criativa, produzindo a
singularização, ou são constituídas de forma alienada à subjetividade capitalística
(GUATTARI; ROLNIK, 2005).
Entendemos aqui a subjetividade capitalística como aquela produzida pelas
sociedades disciplinares e normativas, em que os diferentes sujeitos estão reduzidos a um
padrão comportamental e estão subordinados às leis do mercado, provocando estereótipos e
ideais comportamentais. Em outras palavras, como afirma Deleuze (1992, apud
CARVALHO, 2009), trata-se de um capitalismo que objetiva preparar o homem para o
mercado.
Imersos nesse campo de múltiplas relações, os sujeitos se constituem em meio a essas
experiências e encontros. Segundo Espinosa, a virtude do corpo é afetar outros corpos e por
eles ser afetado. Assim, “[...] a sociologia do cotidiano passeia nos caminhos de
encruzilhada entre a rotina e a ruptura [...]” (PAIS, 2003, apud CARVALHO, 2009, p. 21),
potencializando assim as redes de relações.
14

Ao longo da pesquisa tomamos o cotidiano como um problema, como um território


que se constitui a partir das diferenças e das multiplicidades. Entendemos o currículo e o
cotidiano escolar como um território. Segundo Costa,

[...] podemos falar em territórios subjetivos, territórios afetivos, territórios


estéticos, territórios políticos, territórios existenciais, territórios desejantes,
territórios morais, territórios sociais, territórios históricos, territórios éticos e assim
por diante [...] (COSTA, 2014, p. 68).

Este trabalho se passa em um lugar que é ao mesmo tempo singular e coletivo, está
sempre em movimento, está entre (PAIS, 2003, apud CARVALHO, 2009, p. 68).
Acompanhamos processos e possibilidades, constituindo nossos passos dentro do próprio
campo de pesquisa (PAIS, 2003, apud CARVALHO, 2009, p. 70), utilizando como recurso
as narrativas que pertencem ao cotidiano: conversas, gestos, desenhos, falas, cartazes,
fotografias, silêncios, lembranças, memórias, diários de campo, filmes, entrevistas,
cadernos, atividades escritas. Enfim, buscamos “beber em todas as fontes”, a fim de
encontrar as mais variadas possibilidades no/do/com o cotidiano escolar, mas sobretudo
acessar a importância do coletivo (ALVES, 2002). Buscando produzir outra narratividade
possível do cotidiano escolar, pensamos em algumas estratégias que fossem possíveis
construir juntos. Por isso, todas as fotografias do espaço físico escolar foram registradas pela
própria Alice, em seu cotidiano escolar, quando foi entregue à mesma um celular para que
pudesse captar a escola a partir de seu olhar.
Em relação à Alice, não nos interessa conceituar diagnósticos e sim mapear as
potencialidades e os movimentos de acesso ao mundo que se inventa com o outro. Mas para
compor as narrativas desse texto, sentimos a necessidade de “beber em fontes” que se
aproximam das discussões da saúde mental. Desse modo, buscamos o diálogo com
profissionais ligados ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)4, bem como familiares de
pessoas que também são diagnosticadas com algum tipo de “transtorno mental”, a fim de
ampliar nossa visão acerca do tema, bem como nos inspirar e entender o que se passa na
vida de quem vive na diferença e exclusão. Sabemos que Alice possui vários diagnósticos.
Durante nosso processo de pesquisa, descobrimos que Alice já foi diagnosticada por
diferentes profissionais da saúde e em diferentes estados do Brasil. Mas nossa escolha por

4
O CAPS é o“[...] lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses,
neuroses graves e demais quadros, cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência num
dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida. O objetivo dos CAPS é
oferecer atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a
reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos
laços familiares e comunitários. É um serviço de atendimento de saúde mental criado para ser substitutivo às
internações em hospitais psiquiátricos”. (BRASIL, 2004, p. 13).
15

sistematizar nossas pesquisas, bem como utilizar no texto as nomenclaturas “loucura” ou


“transtorno mental”, se deu pelo fato de percebermos que Alice é descrita desta maneira, em
seu cotidiano. Na verdade, não é importante diferenciar as nomenclaturas e sim afirmar o
lugar e a existência da exclusão, como afirma Lobo (2008), sobre as existências infames:
“[...] sem notoriedade, obscuras como milhões de outras que desapareceram e desaparecerão
no tempo sem deixar rastros [...] (LOBO, 2008, p. 17).
Na prática do estágio notamos que o aluno com diagnóstico é muitas vezes aluno da
Educação Especial apenas, não fazendo parte do restante do corpo discente. No processo de
pesquisa, ouvimos a frase de uma mãe: “Eles dizem que meu filho está sendo incluído, mas
como? Eu sinto na pele a exclusão, desde que ele entrou na escola. Logo o lugar que eu
esperava o acolhimento” (Brenda). Aparentemente, pertencem a um lugar ainda
desconhecido. Não estamos aqui culpabilizando o espaço escolar, a Rede de Ensino ou
mesmo os cursos de graduação, sabemos que isso se dá devido ao processo histórico de
exclusão. Acreditamos que a educação e a saúde mental estão intrinsecamente ligadas, já
que muitas vezes a falta de informação sobre a seriedade do tema e o respeito que deve ser
destinado aos sujeitos e seus familiares acaba por banalizar sua “condição”. Desta forma, a
procura por profissionais especializados não objetivou o entendimento de conceitos ou
“receitas prontas” e sim, a busca por possibilidades e completude das lacunas que
percebemos durante o percurso da pesquisa, interferindo de forma direta na escrita desse
texto e no processo da pesquisa.
Inserimos ao longo do texto narrativas cotidianas que, por vezes, se confundem com
a própria escrita formal e acadêmica. No entanto, durante o processo de escrita, percebemos
que muitas delas são marcadas por dor, pré-conceitos e julgamentos. Ouvimos inúmeras
vezes sua história contada a partir da “dor do outro”, ou seja, Alice é vista como uma criança
sem história, já que é a partir das experiências do outro que é citada, como uma coadjuvante
da sua própria narrativa, em uma espécie de culpabilização daquilo que não é considerado
normal. Percebemos isso na própria narrativa de Alice, como uma narradora observadora de
sua própria história. Desta forma, os fios das redes de relações tecidas no currículo e
cotidiano escolar (FERRAÇO, 2016) são atravessados pela cultura da patologia, diferença e
exclusão. As narrativas, embora falem desse preconceito e sofrimento, trazem também
criação de estratégias de afirmação de outros processos de formação e possibilidade de
desviar daquilo que é considerado normal. Assim, as narrativas nos impulsionaram e
potencializaram durante todo nosso processo de escrita.
16

Como nosso objeto de pesquisa são “narrativas”, decidimos utilizar o livro “Alice no
País das Maravilhas”, de Lewis Carroll5 a fim de nos auxiliar a narrar e compartilhar nossa
experiência na prática escolar, além de potencializar e sustentar nossa proposta, utilizando-a
como dispositivo de escrita, no sentido de disparar as análises do texto. “Alice no País das
Maravilhas” ganhou o título de nonsense, da mesma forma que a Alice da Rede Municipal
de Ensino. No entanto, Deleuze, em seu livro “Lógica do Sentido” (2015), afirma que a
lógica do sentido se encontra nos paradoxos. Também utilizamos como recurso a narrativa
fílmica surrealista “Alice”, dirigida pelo cineasta tcheco Jan Van Svankmajer, que possui
técnicas de encenação e animação. Seus personagens , espaços enigmáticos e sombrios não
remetem à “Alice no País das Maravilhas” inocente e encantadora, e sim à realidade do
currículo e cotidiano escolar: cheio de angústias, enigmas e surpresas. Tendo como
características ultrapassar os padrões estéticos e os limites da imaginação, acreditamos que o
surrealismo seria uma forma de potencializar e enfatizar sobre o que objetivamos escrever
nesse trabalho.
Durante a elaboração do tema de pesquisa fomos diversas vezes aconselhados a não
limitar nossos estudos acerca da “esquizofrenia”. Ouvimos que aqueles sujeitos que faziam
parte do nosso cotidiano escolar não deveriam ter suas vontades e falas levadas em
consideração. Percebemos que as pessoas a tratavam de forma diferente e isso nos fez
pensar: “Porque não? O que existe de errado em pesquisar e ser?”. A partir disso, novos
movimentos e redes passaram a ser tecidos.
Desta forma, decidimos mapear alguns modos de subjetivação por meio das
narrativas estabelecidas nas redes de relações do currículo e cotidiano escolar e analisar
como as diferenças potencializam a experiência do/no/com o cotidiano escolar (FERRAÇO,
2003). Toda a discussão sempre se dará a partir dos sentidos provocados em nós:
pesquisadores no/do/com o cotidiano. Assim, não pretendemos falar "sobre" o cotidiano de
uma aluna da Rede Municipal de Ensino de Vitória/ES e sim, "com". Afinal, como sugere
Ferraço:
[...] se estamos incluídos, mergulhados, em nosso objeto, chegando, às vezes, a nos
confundir com ele, no lugar dos estudos 'sobre', de fato, acontecem os estudos
'com' os cotidianos. Somos, no final de tudo, pesquisadores de nós mesmos, somos
nosso próprio tema de investigação [...]. Assim, em nossos estudos 'com' os
cotidianos, há sempre uma busca por nós mesmos. Apesar de pretendermos nesses
estudos, explicar os 'outros', no fundo estamos nos explicando. Buscamos nos
entender fazendo de conta que estamos entendendo os outros, mas nós somos
também esses outros e outros 'outros' (FERRAÇO, 2003, p. 160).

5
Foi utilizado para esse trabalho a versão comemorativa da Editora Cosac Naify, 2015.
17

1.1 SOBRE ALICE

Não poderíamos deixar de falar que, na verdade, essa é bem a estória de uma criança
chamada Alice, mas de Lagartas... e Lucas e... , com 15 anos mais ou menos (ou será que
são 06?). Gosta muito de comer bolo de chocolate e, somente às sextas-feiras, sanduíches. É
simpática e muito engraçada, adora fazer amigos, brincar, ir à praia, criar estórias. Vou
compartilhar algo importante: Alice pode ler o que está além das palavras, enxergar além
das cores e imagens e ouvir e dar sentido aos mínimos ruídos. Alice não liga muito para o
que os outros estão dizendo. Ela pode ver o mundo e as pessoas em cores vibrantes, cheiros
e texturas.
Alice adora passear e faz isso com frequência. Em um desses passeios, num belo e
ensolarado dia de verão, ela estava andando pela Ilha de Vitória, observando os pássaros que
cantavam belas canções, os cachorros que dormiam debaixo das árvores e as diferentes
pessoas que andavam pelas ruas, quando, de repente, avistou uma grande mesa, bem ali
mesmo, no meio da rua. E em cima dessa mesa estavam vários papeis estranhos, com
palavras que não tinham sentido nenhum para a menina. Ela não sabia, mas neles estavam
escritas palavras como Currículo e Legislação. “Mas, o que é isto?”, ela pensou. Havia
também uma gaveta enorme, “O que será que tem aqui dentro?”, disse a curiosa Alice.

Figura 1 Cena do filme "Alice"

De repente, ela levou um susto. “Abra a gaveta, querida”, “Entre na gaveta!”, “Não
tenha medo!”, “Entre já!”, “Você vai gostar”, “Lá existem crianças”, “Você irá se divertir”,
“Vai aprender muito”, “Entre!” “O que será isso?” Alice ouviu várias pessoas dizendo o que
deveria fazer e ela conhecia essas vozes. Resolveu bisbilhotar dentro da gaveta. Lá existiam
muitas coisas diferentes e cada vez mais ela olhava o fundo da gaveta, e mais, e mais...
18

No instante seguinte, ela se deu conta de que estava em um lugar diferente de tudo o
que já havia visto. Olhava a sua volta e via pessoas que não conhecia. Havia muitas crianças
e todas estavam vestidas com roupas iguais. “Onde estou?”, pensou assustada. Começou a
andar pela terra desconhecida, até que viu uma placa enorme “Se esta placa fosse um pouco
maior, chegaria às nuvens. Mas, o que está escrito ali? ES - CO - LA. Escola?! O que é
isso?”. Seus pensamentos se dispersavam quando as diferentes pessoas desse lugar vinham
sorridentes falar com a doce menina. Como era muito curiosa, passou a observar tudo à sua
volta e, em meio a versos e canções, tagarelava sem parar: “Ei! Quem é você? Que pinta é
essa na ponta do seu nariz? Mas que lugar estranho! Por que eu tenho que ficar aqui? Já está
na hora de comer bolo? Por que você é tão chata assim? Eu já estou cansada de ficar sentada
aqui, podemos ir ao balanço? Com licença, agora eu irei voar! Será que se eu esticar meus
braços, eu consigo pegar aquela nuvem? Psiu, psiu! Eu sou Alice, muito prazer! E você,
quem é? Na verdade, hoje, eu sou o Lobo. Aliás, por que eu preciso ser sempre a Alice?
‘Quem tem medo do lobo mau, lobo mau, lobo mau ?!’.”
E não é que ela tem razão? Por que a Alice precisa ser somente Alice, dentre as
tantas pessoas que somos e que nos constituem?

Figura 2 Cena do filme "Alice"


19

Alice não entendia muito bem, mas disseram para ela que aquela terra cheia de
mistérios e que se chamava Escola. Seria o lugar onde ela iria aprender muitas coisas
importantes: “Escola? Mas o que é isso? Eu já sei de muitas coisas importantes”.
Quando ela disse que poderia ser ou não a Alice, as pessoas não entenderam. “O que
essa menina está falando? Como ela pode não ser ela?!”, disse assustada uma senhora que
usava óculos. “Por que ela está correndo? Ei! Menina volte aqui! Aqui não é lugar de
bagunça!”, disse outra pessoa.
Com o passar dos dias, cada vez mais, essas pessoas diferentes repreendiam a
menina: “Cadê a postura para cantar o hino?”, “Não grite”, “Não corra”, “Não fale”, “Não
babe”, “Coma direito”, “Coma tudo”, “Anda direito”, “Senta”, “Faz o dever”, diziam para
ela, “Essa menina não é normal”. Alice nunca entendeu muito bem o que isso tudo queria
dizer. Afinal, por que ela precisa ser igual aos outros?
Disseram para Alice que ela era diferente das pessoas daquele lugar “O que eles
querem dizer com diferente? O que é diferente?”, pensou a menina. O que as pessoas diziam
para ela não fazia sentido. Ela continuou sendo Alice, Lobo Mau, Roberta, Marcela,
Alexandre e quem mais ela desejasse ser.
20

2 “CORTEM-LHE A CABEÇA!”6:

Colocado o desafio de acompanhar a constituição do currículo e cotidiano escolar,


percebemos que a diferença é vista como um problema para este espaço. Por isso,
acreditamos ser importante discutir acerca da história e os saberes médicos sobre os
transtornos mentais, já que ambos afirmam a constituição dos alunos no espaço escolar,
produzindo diferentes sentidos.
Historicamente, a doença mental como patologia e operador da medicina somente
ganha consistência a partir do final do século XVIII, sendo designada para se referir a
inúmeros transtornos mentais.
Há registros de fósseis das sociedades pré-históricas com vestígios de psicocirurgias
primitivas, que indicam a tentativa de retirar o “mau espírito” do corpo. Além disso,
registros hebraicos e egípcios também atribuíam esse diagnóstico à possessão. Já entre em
500 a.C. e 500 d.C. a doença mental, muitas vezes relacionada à loucura, foi associada ao
desequilíbrio dos fluidos corporais. Na Idade Média, o louco era a personificação do mal, o
qual deveria ser retirado do corpo via técnicas de exorcismo realizadas pelo Clero, já que a
loucura era obra do Demônio. No período do Renascimento, a loucura volta a ganhar espaço
na medicina e muitos estabelecimentos, reservados aos loucos, foram criados, mas ainda
havia quem julgasse a loucura como obra satânica (HENRIQUES, 2012). Mas ainda hoje,
em nosso cotidiano, ouvimos algumas vezes frases do tipo: “Gente! O que ele tem hoje? Não
deve estar sozinho!” (Bruno).
No entanto, foi no Renascimento que a exclusão da loucura tomou forma e ganhou
nome, o chamado período da “Grande Internação”, em que eram internados todos aqueles
que não podiam fazer parte da sociedade burguesa da época. Com o esvaziamento dos
hospitais que tratavam a lepra, o espaço passou a ser usado para o tratamento de todo o tipo
de doença, inclusive, da loucura. A criação do Hospital Geral de Paris e, em seguida, de
várias outras casas de internação, especialmente na Europa, foi o estopim que deu origem à
construção da estrutura de exclusão (FOUCAULT, 2014a). Nesse espaço moral de exclusão,

[...] a loucura, [que] durante tanto tempo manifesta e loquaz, entra num tempo de
silêncio no qual permanecerá por um longo período, ao menos até Freud, que
reconheceu na desrazão uma linguagem comum capaz de comunicar algo. Durante
seu período de silêncio, a loucura é despojada de sua linguagem e, se se pôde

6
“Cortem-lhe a cabeça!” é a frase mais utilizada pela Rainha de Copas quando algo à desagrada. Este título
busca comparar a história da loucura, do seu surgimento até sua patologização, com a criação do DSM, com a
guilhotina utilizada pela Rainha.
21

continuar a falar algo dela, ser-lhe-á impossível falar acerca de si mesma.


(HENRIQUES, 2012, p. 19).

Philippe Pinel, médico, filósofo e ideólogo passa então, em 1793 a classificar e a


agrupar os diversos tipos de loucura em classe, gênero e espécie, inaugurando a clínica
psiquiátrica como uma ciência da observação. A partir dos sintomas, o louco era
classificado, às vistas do deslizamento do padrão moral (HENRIQUES, 2012).
A alienação mental passa a ser objeto de estudo e de observação por vários
estudiosos da época, ocupando um espaço nosográfico na medicina, momento em que passa
a ser classificada como uma patologia. Segundo Foucault, a sociedade “[...] tende a ordenar
conforme a distinção do normal e do patológico o poder de delimitar o irregular, o desviante,
o desarrazoado, o ilícito e o criminal [...]” (FOUCAULT, 2011, p. 271). O autor continua
seu texto afirmando que a partir do século XVIII “[...] uma das grandes funções da medicina
psíquica [...] foi precisamente substituir a religião e converter o pecado em doença, mostrar
que aquilo que era um pecado talvez não fosse punido naquele tempo, mas certamente será
agora [...]” (FOUCAULT, 2011, p. 306). É nos séculos XIX e XX que “[...] o poder começa
a se ligar ao conhecimento [...] o mundo está evoluindo rumo a um modelo hospitalar, e o
governo adquire função terapêutica [...]”. Os indivíduos são adaptados “aos processos de
desenvolvimento” e a terapia médica ganha a forma e função da repressão, já que “[...]
determina categoricamente ‘a normalidade’ e ‘a loucura’[...]” (FOUCAULT, 2011, p. 307).
Com a junção entre o poder e o saber biomédico, foi criado em 1844 uma classificação
estatística de transtornos mentais, que serviu como antecessor do Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). Após a Segunda Guerra Mundial foi
desenvolvida uma classificação médica que funciona como um esquema cognitivo
denominado DSM, que serve como base para definições de doenças psíquicas, servindo
também como referência para certa clínica e auxiliando todos os profissionais ligados à
saúde mental, proporcionando “[...] diretrizes para diagnósticos que podem informar
tratamentos e decisões de manejo [...]” (AMERICAN PSYCHIATNC ASSOCIATION,
DSM-V, p. 6). Atualmente, o DSM está em sua 5ª edição, denominada DSM-V, que será
utilizada ao longo desse texto servindo de base para nossas discussões.
“Porque os médicos são tão frios com a gente?”. Esta frase foi dita por uma mãe no
processo de pesquisa, referente à “criança cheia de mistérios”, como ela mesmo o intitulou.
Durante a conversa, ficou evidente que ao mesmo tempo em que o mesmo foi diagnosticado,
22

todas as possiblidades acerca do futuro da criança foram dadas de forma superficial e


generalizadas.
Essa generalização de informações foi possibilitada graças à forma como se constituiu
o DSM. Todas as definições do DSM-V se embasaram em “estudos empíricos”, envolvendo
psiquiatras, outros profissionais da saúde e vários pacientes. Envolvendo também testes de
campo, sobre isso o DSM afirma que

[...] O uso de testes de campo para demonstrar confiabilidade de forma empírica


foi um aprimoramento significativo introduzido no DSM-III. A elaboração e a
estratégia de implementação dos Testes de Campo do DSM-5 representam várias
mudanças relativas à abordagem [...], particularmente na obtenção de dados sobre
a precisão de estimativas de confiabilidade kappa (uma medida estatística que
avalia o nível de concordância entre avaliadores que corrige para concordâncias ao
acaso devido a taxas de prevalência) [...] (AMERICAN PSYCHIATNC
ASSOCIATION, DSM-V, p. 7).

Questionamos facilmente o DSM, quando ouvimos narrativas do tipo: “Quando a


médica trouxe meu filho, depois de nascer, não foi bonito. Ela só chegou e falou: seu filho
provavelmente vai vegetar a vida toda. Mas hoje ele faz tudo: anda, fala, escreve, lê.”
(Arianna).
Para os diagnósticos do DSM são levados em conta diversas classificações de
diferentes transtornos, incluindo os níveis ao qual se aplica (leve, moderado ou severo) e que
é definido a partir das observações do clínico - respeitando vários critérios a partir do
Manual - e denominado em uma classificação alfanumérica. Cada anormalidade (desvio da
curva normal), ou psicopatologia, determinada no Manual possui um breve resumo de suas
características, bem como o tempo de duração das mesmas. Após isso é indicada uma
padronização dos transtornos nos diferentes pacientes a serem observados.
Alice também foi classificada de acordo com o DSM. Atualmente, está com 14 anos
e, ao longo dos anos, sua família percorreu diferentes estados do país, sendo atendida por
diferentes profissionais da saúde especializados no assunto. Segundo sua mãe, a menina já
foi classificada com esquizofrenia, autismo, deficiência intelectual, síndrome de Asperger,
entre outros diagnósticos. Atualmente, foi inserido em seu diagnóstico a hiperatividade, “os
médicos me falam que ele não se encaixa em nenhum diagnóstico. Não tem como saber
porque ele tem características de vários transtornos” (Cecília). Em nosso cotidiano
percebemos os reflexos dos infinitos diagnósticos quando Alice é nomeada como “aquela
menina que tem problema de cabeça” (Fernanda). Com isso, percebemos que Alice perde a
sua identidade, tornando-se os seus inúmeros diagnósticos.
23

Nosso objetivo não é classificar Alice em um diagnóstico. Pretendemos analisar os


diagnósticos e sua relação com o espaço escolar. Com o estudo acerca do DSM, percebemos
que a proposta de padronização e ampliação das possibilidades dos diagnósticos gera
dúvidas e sofrimento para seus familiares. Durante nosso processo de pesquisa, ouvimos a
seguinte passagem: “uma médica receitou uma medicação para ele se baseando no
diagnóstico que ela entendeu que era o certo. Quando eu fui dar a medicação, ele quase teve
uma overdose. Tive que sair correndo para o hospital. Isso já aconteceu algumas vezes”
(Arianna).
Assim, generalização das características dos transtornos não leva em conta as
especificidades dos sujeitos, bem como todo o seu processo de constituição. O DSM leva em
conta apenas padrões existentes nos diferentes “pacientes”.
Levando em consideração que os diagnósticos de Alice se deram no contexto da
infância e no período escolar, ressaltamos que o DSM e/ou CID são utilizados também nas
escolas para definir o público alvo da educação especial. Notamos que os diagnósticos
recebidos pela escola marcam os alunos, tornando-os o próprio diagnóstico. Em certo
momento ouvimos de uma mãe: “quando ele estava no CMEI, a professora usava o
diagnóstico dele como desculpa para tudo que dava errado na sala de aula. Em uma reunião
eu saí chorando de lá, porque a todo momento ela dizia: ‘Mas eu tenho um aluno especial na
minha sala!’” (Cecília).
Ainda sobre a prática pedagógica, durante nosso cotidiano na escola, por diversas
vezes nos foi questionado: “Mas ele faz o que na sala de aula?” (Elizabeth).

Figura 3 Diário de campo


24

Com isso, fica evidente a potência que o diagnóstico possui diante do aluno no
espaço escolar. Desta forma, um saber científico e padronizado se torna um padrão cultural.
Assim, todo o processo de aprendizagem e experiência se resume ao diagnóstico do aluno,
influenciando de forma direta na relação entre os sujeitos da escola e o aluno-diagnóstico.

2.1 “O GATO INGLÊS”: UM SORRISO SEM UM GATO7

__ Que tipo de gente vive por aqui?


___ Naquela direção - [...]- mora um Chapeleiro e naquela direção
– [...] – vive ma Lebre Aloprada. Visite qualquer um deles, tanto faz.
Ambos são loucos.
(CARROLL, Lewis. p. 74)

Percebemos que todos aqueles que são considerados como parte do desvio da curva
normal, ou anormais, são destituídos de seus direitos e autonomia.
Em nosso cotidiano fomos constantemente indagadas: “Ele é normal?” (Rafaela),
“Ele tem algum problema?” (Mateus), “Olha como está correndo pela escola!” (Evandro),
“Ele é aquele menino que tem problema de cabeça?” (Karina). Passamos, a partir dessas
questões, observar os diferentes sujeitos do currículo e cotidiano escolar. Curiosamente,
muitas atitudes ressaltadas em Alice estavam presentes nos outros sujeitos da escola, como
por exemplo “falar alto”, “não querer fazer o dever”, “achar graça de coisas que eu não vejo
graça”. Assim, nos questionamos: porque as atitudes de Alice são evidenciadas como
“anormais”?
Canguilhem (2011) recorre ao Vocabulaire technique et critique de la philosophie,
de Lalande para explicar o termo normal: designado como “aquilo que não se inclina nem
para a esquerda nem para a direita” (CANGUILHEM, 2011, p. 79), assim, “normal” é tudo
aquilo que está em conformidade. Desta forma, o autor questiona a “média”, o equilíbrio
fisiológico e social, exemplificando à beira-mar, um lugar ventilado, como um fato normal
para insetos alados e anormal para insetos ápteros (CANGUILHEM, 2011, p. 94).

O autor afirma que “[...] é em relação à espécie de ser vivo que utiliza em seu
proveito que um meio pode ser normal. Ele é normal apenas porque tem como ponto de

7
Para tratar da (a)normalidade, nos inspiramos em uma fala de Alice, do livro de Lewis Carroll, como
subtitítulo, a fim de expressar ao rompimento de padrão proposto por Georges Caguilhem (2011).
25

referência uma norma morfológica e funcional” (CANGUILHEM, 2011, p. 94). Assim, em


todas as espécies haverá condições de normalidade e de anormalidade, as quais irão variar
de acordo com suas especificidades. Esse ser vivo será considerado normal, na medida em
que possuir condições de responder às exigências do meio em que vive, sendo essa, uma
atividade normativa. Canguilhem afirma que

[...] em filosofia, entende-se por normativo qualquer julgamento que aprecie ou


qualifique um fato em relação a uma norma, mas essa forma de julgamento está
subordinada, no fundo, àquele que institui as normas. No pleno sentido da palavra,
normativo é o que institui as normas. (CANGUILHEM, 2011, p. 80).

Por isso, o fato dito normal é a expressão de sua norma. Sempre que forem alteradas
as condições tomadas como referência, será modificado o sentido de normalidade
empregado naquele meio. Há uma tentativa de enquadrar os sujeitos às normas instituídas,
social e fisiologicamente, e são determinados como “anormais” a partir do momento que
fogem das mesmas, ou seja, o desvio se refere “a um comportamento desadaptado à norma
socialmente estabelecida” (AMARANTE, 2007, p. 50).
O espaço escolar constitui-se dentro de um padrão de normalidade, mesmo sendo
construído entre multiplicidades. Desta maneira, ao longo do processo da pesquisa fica
evidente que o diagnóstico impõe e resume o aluno a uma certa forma. Produzindo, também,
uma forma de como o sujeito irá se relacionar com o restante da instituição, estabelecendo
uma relação de inferioridade e exclusão.

Figura 4 Cena do filme "Alice"


26

Quando se trata de normas fisiológicas, Canguilhem (2011) distingue anomalia de


anormal, já que anomalia designa um fato biológico, que pode ser explicado, e anormal é
um termo apreciativo, que diz respeito a “qualquer particularidade orgânica apresentada por
um indivíduo comparado com a grande maioria dos indivíduos de sua espécie, de sua idade,
de seu sexo, e que constitui o que pode ser chamado de uma Anomalia” (CANGUILHEM,
2011, p. 86). O autor diferencia os termos para problematizar que a anomalia, enquanto
variação individual, indiscernível, não é uma anormalidade. A anomalia tornou-se
patológica e passou a ter um valor vital negativo. Conforme explica Canguilhem,

[...] do seu ponto de vista objetivo, o cientista só quer ver, na anomalia, o desvio
estatístico, não compreendendo que o interesse científico do biológico foi
suscitado pelo desvio normativo. [...] a existência de anomalias patológicas é que
criou uma ciência especial das anomalias que tende normalmente [...] a banir, da
definição da anomalia, qualquer implicação normativa. Quando se fala em
anomalias, não se pensa nas simples variedades que são apenas desvios
estatísticos, mas nas deformidades nocivas ou mesmo incompatíveis com a vida,
ao nos referirmos à forma viva ou ao comportamento do ser vivo, não como a um
fato estatístico, mas como a um tipo normativo de vida [...] (CANGUILHEM,
2011, p. 89).

Durante uma aula, Alice foi repreendida por estar falando alto em um momento
indevido e rapidamente questionou: “Tia, eu não posso mais falar nada nesse lugar? Essa
aula é chata, o que estou fazendo aqui?”. Em seguida, a professora regente questionou: “Ele
não tem dever pra fazer?” (Amanda), Alice respondeu: “Claro que tenho, ó, tô desenhando
meus amigos, não tá vendo?”.
27

Figura 5 Diário de campo

Notamos que estar “fora da norma” gera um estranhamento dos sujeitos que
constituem o espaço escolar. Ao mesmo tempo em que os alunos com diagnósticos são
“deixados de lado” ou julgados como incapazes, são cobrados em relação aos seus
comportamentos e atitudes.
Em uma passagem, o autor levanta uma importante questão: “na medida em que
seres vivos se afastam do tipo específico, serão eles anormais que estão colocando em perigo
a forma específica, ou serão inventores a caminho de novas formas? (CANGUILHEM,
2011, p. 93)”. Tomamos essa passagem como inspiração para discussões posteriores. Mas,
ainda assim, problematizamos a anormalidade tomada enquanto patologia e enquanto
construção valorativa.
O autor não invalida os estudos e a ciência acerca das doenças, o que questiona é o
fato de a patologia ser definida como algo não natural ao homem e a delimitação dos campos
do que é normal e do que é patológico. Assim, uma vez que a saúde e a doença são
constitutivos aos seres vivos, não devem ser instituídos à vida valores normativos, pois a
vida em si já possui seu valor.
Nos referindo ao nosso problema de pesquisa, nos remetemos a Amarante (2007),
que problematiza a ideia de saúde mental quando relacionada à “nenhuma forma de
desordem mental” (AMARANTE, 2007, p. 18). Para o autor, se nos referirmos à noção de
28

doença enquanto ausência de saúde, estamos frente à um problema científico muito grave,
pois a saúde “ [...] diz respeito ao estado mental dos sujeitos e das coletividades [...]”
(AMARANTE, 2007, p. 19). Assim, “[...] qualquer espécie de categorização é acompanhada
do risco e um reducionismo e de um achatamento das possibilidades da existência humana e
social [...]” (AMARANTE, 2007, p.19).
Voltando ao início do texto, quando tratamos brevemente sobre a modulação da
noção de loucura e da exclusão, podemos afirmar que todos aqueles que historicamente
foram de encontro com as normas socialmente impostas, eram considerados anormais,
sofrendo punições, tentativas de imposição à norma por meio de severas formas de
tratamento e exclusão. Não objetivamos, neste texto, invalidar os conhecimentos científicos
acerca da doença/transtorno mental. O que buscamos aqui é problematizar sua
conceitualização enquanto patologia, que implica diretamente no conceito de pathos, “[...]
sentimento direto e concreto de sofrimento e de impotência, sentimento de vida contrariada
[...]” (CANGUILHEM, 2011, p. 89). A anormalidade, para Canguilhem, nada mais é do que
a vida em si, são formas diferentes de ser e de agir, sem que se tome um padrão como algo a
ser seguido. O normal e o anormal são construções sociais, ditadas pela vigência política e
econômica. A fisiologia do homem não tem consciência do patológico ou saudável normal.
Assim, a máquina capitalista impõe ao homem o que é ser normal. Mas então nos
perguntamos, quem é então normal? Podemos afirmar, desta maneira, que a anormalidade,
como doença, da nossa protagonista, baseia-se em uma construção social imposta por um
saber hegemônico tendo como consequência o fato de até mesmo “[...] uma simples
necessidade básica [...] ser entendida como um mero sintoma. Nada é do sujeito: tudo se
refere à doença!” (AMARANTE, 2007, p. 68).
Tomando a ideia de que são “os seres vivos como inventores a caminho de novas
formas” (CANGUILHEM, 2011, p. 93), nos remetemos à Alice que, ao mesmo tempo em
que inventa novas formas, também desconstrói todo tipo de forma, reinventando e
produzindo constantemente o sentido dos corpos.

“Ora vejam só! Sempre vi gatos sem sorriso [...], mas nunca tinha visto um sorriso
sem um gato! É a coisa mais curiosa que eu já vi em toda minha vida.”
(CARROLL, LEWIS, p. 76).
29

2.2“O JOGO DE TOQUE-EMBOQUE”8: DO DIREITO À EDUCAÇÃO

“Inclusão? Talvez ele seja incluído nos trabalhos acadêmicos, nos textos que vão ser
publicados. Na prática? Só se for em sonho!” (Arianna). Iniciamos nosso texto acerca das
políticas públicas com a frase de um familiar de um aluno público alvo da educação
especial, quando discutia sobre a “inclusão”. Com isso, questionamos se as escolas estão
preparadas para receber alunos com deficiência.
No Brasil e no Mundo, a partir da década de 1990, as discussões acerca da igualdade
de direitos e da política contra a exclusão ganharam força. No âmbito da Educação Especial
não é diferente. A inclusão surge, em ruptura com a integração e, com ela, as políticas
públicas capazes de garantir a constituição dos sujeitos no espaço escolar (VICTOR,
DRAGO, CHICON, 2010).
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB):

Art. 5º O acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo


qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização
sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério
Público, acionar o poder público para exigi-lo. (BRASIL, 1996).

Desta forma, é garantido, como obrigatório, a todo cidadão o direito à educação


básica. O direito à Educação Especial, por sua vez, passou a existir em 1961, a partir da
criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº 4.024/61
(BRASIL, 2007). Ao longo dos anos, diversas políticas públicas alteraram o atendimento às
pessoas com deficiência, mas o acesso à educação ainda era concebido como “política
especial”. Em 1999, a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência passa a definir “a educação especial como uma modalidade transversal a todos
os níveis e modalidades de ensino, enfatizando a atuação complementar da educação
especial ao ensino regular” (BRASIL, 2008, p. 3).

[...]Eu já tentei matricular meu filho em uma escola particular muito conceituada
aqui em Vitória. Mas, quando fui efetivar a matrícula eles disseram que iriam me
ligar depois para dizer se haveria vaga, mas nunca ligaram. Disseram que a escola
não iria garantir um estagiário para ele e mais um monte de coisas que me fizeram
desistir de colocar ele lá. Eu acho que as escolas particulares escolhem quem serão
seus alunos da educação especial. [...]
DIÁRIO DE CAMPO, BRENDA.

8
Assim como no campo de toque-emboque, onde acontece o jogo de mesmo nome, o Direito à Educação
possui obstáculos, regras e relações de poder.
30

Foi em 2001 que as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação


Básica, com a Resolução nº 2/2001, passaram a determinar que: “Os sistemas de ensino
devem matricular todos os estudantes, cabendo às escolas organizarem-se para o
atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as
condições necessárias para uma educação de qualidade para todos” (BRASIL, 2007, s/p,
apud MEC/SEESP, 2001). Ampliou-se o caráter da educação especial para atendimento
educacional especializado, admitindo uma política inclusiva, fato que proporcionou diversas
políticas públicas de inclusão, as quais passaram a estabelecer objetivos e metas
complementares ou suplementares à escolarização regular, favorecendo o atendimento ao
estudante, bem como a formação ao profissional da educação, numa tentativa de
rompimento com as políticas de integração. Alterações na LDB passaram a assegurar o
direito à educação dos sujeitos com deficiência:

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade
de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação. § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio
especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de
educação especial. § 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas
ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos
alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular. §
3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem iní- cio na
faixa etária de 0 (zero) a 6 (seis) anos, durante a educação infantil (BRASIL,
1966a, s/p).

Assim, a educação especial é considerada como uma modalidade de ensino,


abrangendo todos os níveis, etapas e modalidades, possuindo o atendimento educacional
especializado como um serviço que orienta o processo de ensino aprendizagem dos
estudantes, sendo mediado por profissionais especializados (BRASIL, 2008).
“Professora, a senhora teria um horário para conversamos sobre as atividades que
serão trabalhadas com a Alice?” (Laura), indagou a professora de Educação Especial à
professora regente de uma disciplina específica. “Infelizmente eu não tenho tempo. Na
verdade, é sua função adaptar as atividades dela” (Cristal). Com esse diálogo, percebemos
que instituir a Educação Especial como modalidade de ensino não garante a efetiva
participação e apoio necessário aos alunos público alvo, já que por muitas vezes acabam
sendo vistos como alunos da educação especial, não fazendo parte do corpo discente da
escola.
31

Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva de Educação


Inclusiva
[...] os sistemas de ensino devem organizar as condições de acesso aos espaços,
aos recursos pedagógicos e à comunicação que favoreçam a promoção da
aprendizagem e a valorização das diferenças, de forma a atender as necessidades
educacionais de todos os estudantes. A acessibilidade deve ser assegurada
mediante a eliminação de barreiras arquitetônicas, urbanísticas, na edificação –
incluindo instalações, equipamentos e mobiliários – e nos transportes escolares,
bem como as barreiras nas comunicações e informações. [...] (BRASIL, 2008, s/p).

Observamos que é cada vez mais garantido o acesso dos estudantes com deficiência
ao ambiente escolar. São considerados público alvo da educação especial os “estudantes
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação”
(BRASIL, 2008). Também é notório que as políticas pretendem inserir nas escolas, com o
direito do atendimento educacional, o maior número possível de alunos com deficiência.
Mas sabemos que a inclusão dos alunos na escola não garante a efetiva ação pedagógica que
atenda as experiências singulares, ou seja, a falta de condições concretas não garante uma
efetiva inclusão dos alunos com deficiência.
Remetendo-nos ao campo e ao jogo de toque-emboque da Rainha (CARROLL,
2015), cheio de regras e submissos aos desejos da Rainha, conta com jogadas coletivas e
confusas, ouriços que se movem e flamingos atônitos. Além da Rainha esbravejando
“Cortem-lhe a cabeça!”, a todo o momento.

Figura 6 Cena do filme "Alice"


32

As políticas públicas, juntamente com sua efetivação no currículo e cotidiano


escolar, quando comparado ao campo de toque-emboque, também possuem regras,
obstáculos e relações de poder. Tivemos a oportunidade de conversar com diferentes
professores responsáveis pelo núcleo de educação especial das escolas da Grande Vitória. A
maioria afirmava que “Nós temos muito material para trabalhar com os alunos, mas nos falta
apoio” ou então “Já ouvi de outros professores que eu não consigo dar conta de 10 alunos,
enquanto ele dá conta de 35 em uma sala. Será que ele avaliou que as especificidades são
diferentes?”. Não objetivamos neste trabalho discutir o tema “inclusão”, mesmo estando
cientes de que estamos atravessados pelo mesmo. Sabe-se que a discriminação e o
desconhecimento de várias deficiências por parte da sociedade e da comunidade escolar, de
uma forma geral, devem-se ao fator histórico. Com esse aprofundamento, desejamos
relacionar as políticas públicas, destinadas ao aluno com deficiência e as escolas que
recebem este aluno.
33

Alice se pôs a pensar que nunca tinha visto um campo de toque-emboque tão esquisito em
toda sua vida. Ele era todo cheio de pequenos buracos e morrinhos, as bolas eram ouriços
vivos, os tacos eram flamingos também vivos e arcos, por dentro dos quais as bolas
deveriam passar, eram formados por soldados que se dobravam, apoiando os pés e as mãos
no chão. (CARROLL, Lewis, 2015, p. 99)
34

3 A EXPERIÊNCIA DO/NO/COM O COTIDIANO ESCOLAR E A PRODUÇÃO


DE SENTIDOS: UM CURRÍCULO MARCADO PELA DIFERENÇA

O cotidiano não pode ser reduzido às práticas rotineiras e/ou à “mesmidade” e deve,
pelo contrário, ser pensado como o lugar habitado, praticado e vivido por sujeitospraticantes
em estado de constante devir (CERTEAU, 1994, apud FERRAÇO, 2003). Por isso,
tomamos o cotidiano escolar e seus diferentes contextos como um espaçotempo9 que produz
múltiplos sentidos em que seus praticantes agem como protagonistas dessas produções
(FERRAÇO, 2013).
Considerando o cotidiano como o lugar da experiência, Larrosa nos diz que

[...] a experiência supõe, em primeiro lugar, um acontecimento ou, dito de outro


modo, o passar de algo que não sou eu. E “algo que não sou eu” significa também
algo que não depende de mim, que não é uma projeção de mim mesmo, que não é
resultado de minhas palavras, nem de minhas ideias, nem de minhas
representações, nem de meus sentimentos, nem de meus projetos, nem de minhas
intenções, que não depende nem do meu saber, nem de meu poder, nem de minha
vontade. “Que não sou eu” significa que é “outra coisa que eu”, outra coisa do que
aquilo que eu digo, do que aquilo que eu sei, do que aquilo que eu sinto, do que
aquilo que eu penso, do que eu antecipo, do que eu posso, do que eu quero. [...]
(LARROSA, 2011, p. 5).

É possível entender que a experiência cotidiana é tudo aquilo que passa e ultrapassa
todos os que entram em contato com tal realidade. Isto é, devemos considerar que sempre
existe um outro que produz em conjunto as suas experiências. A experiência é aquilo que
ultrapassa a noção do “Eu”, assim podemos dizer que a experiência é o lugar da produção de
sentido.
Sobre isso, nos remetemos ao pensamento de Deleuze (2015), quando este trata da
produção de sentido dos corpos, afinal, para o filósofo, o sentido acontece na superfície de
um corpo, em sua forma mais pura. É o que nos explica o autor na seguinte passagem:

[...] o sentido não é nunca princípio ou origem, ele é produzido. Ele não é algo a
ser descoberto, restaurado ou re-empregado, mas algo a produzir por meio de
novas maquinações. Não pertence a nenhuma altura, não está em nenhuma
profundidade, mas é efeito de superfície, inseparável da superfície como sua
dimensão própria. (DELEUZE, 2015, p. 75).

9
“Estética da escrita que aprendemos com Nilda Alves (apud, 2002a) na tentativa de, ao unirmos determinadas
palavras, ampliar seus significados, inventando outros tantos, buscando romper com as marcas que carregamos
da ciência moderna, sobretudo a maneira dicotomizada de analisar a realidade”. (FERRAÇO, CARVALHO,
2005, p. 5).
35

Assim, os diferentes corpos se atravessam no cotidiano, agindo na produção de


subjetividade a partir das “[...] múltiplas práticas experimentadas nos cotidianos das escolas
que potencializam diferentes sentidos do que é vivido pelos sujeitos [...]” (FERRAÇO;
SANTOS, 2014, p. 24), produzindo sentido na superfície dos corpos. O cotidiano é o lugar
do movimento, da experiência e da produção de sentido.

Figura 7 Diário de campo

Questionamos então: como um corpo expressa e produz sentido no cotidiano? Nunes,


baseando-se em Deleuze, diz que “[...] o sentido se refere ao que paradoxalmente está no
corpo, delimita e relaciona o corpo e linguagem, porque a linguagem está no corpo e o corpo
se expressa na/pela linguagem [...]” (NUNES, 2015, p. 187). Dessa forma, tomamos a
linguagem narrativa como produtora de sentido dos corpos no cotidiano. Narrativa cotidiana
é tudo aquilo que pertence ao cotidiano: falas, gestos, cartazes, figuras, silêncios, conversas,
desenhos, lembranças, memórias (ALVES, 2002). Ou seja, nos utilizamos de todas as
narrativas cotidianas que evidenciavam e/ou constituíam a diferença.
Enxergamos a escola como um espaçotempo e as experiências do/no/com o cotidiano
(FERRAÇO, 2003) como lugar de produção de sentido dos corpos.
A partir da reflexão acerca do currículo e do cotidiano escolar de Alice por meio das
diferentes narrativas existentes nesse campo, entendemos que, assim como a Alice de Lewis
Carroll, a nossa Alice “é aquela que vai sempre nos dois sentidos ao mesmo tempo: o País
36

Das Maravilhas tem uma dupla direção sempre subdivida. Ela é também aquela que perde a
identidade, a sua, a das coisas e a do mundo” (DELEUZE, 2015, p. 81). A obra de Lewis
Carroll é pensada por Deleuze, no livro “Lógica do Sentido” (2015), o qual, através de jogos
de linguagem e de não sentido, encontra uma lógica do sentido. Para o autor, a obra de
Carroll “trata dos acontecimentos na sua diferença em relação aos seres, às coisas e estados
de coisas” (DELEUZE, 2015, p. 10), tornando-se o devir-ilimitado o próprio acontecimento,
sendo um paradoxo: incorporal, ativo e passivo, futuro e passado, causa e efeito. A
linguagem de Carroll estabelece limites e, ao mesmo tempo, ultrapassa-os e, por isso, seu
sentido não possui um lugar fixo, está sempre se deslocando e criando outros possíveis,
desta forma, todo o acontecimento está em constante devir, por isso é um devir-ilimitado.
Toda a obra de Carroll, para Deleuze, se dá em um devir-ilimitado: “[...] sua ascensão à
superfície, sua desmistificação da falsa profundidade, sua descoberta de que tudo se passa na
fronteira [...] (DELEUZE, 2015, p. 10)”.
Devido aos paradoxos do sentido de Carroll, suas estórias foram classificadas como
nonsense, ou seja, como desprovidas de sentido. Mas, segundo Deleuze, “sentido é uma
entidade não existente, ele tem mesmo com o não-senso relações muito particulares”
(DELEUZE, 2015, s/p) e, portanto

[...] devemos estar atentos às funções e aos abismos muito diferentes do não-senso,
à heterogeneidade das palavras-valise que não autorizam nenhum amálgama entre
os que inventam e mesmo os que os empregam. [...] ainda a insuficiência do lógico
não nos autoriza a refazer, contra ele, uma trindade. Ao contrário. O problema é o
da clínica, isto é, do deslize de uma organização para outra ou da formação de uma
desorganização progressiva e criadora. O problema é também o da crítica, isto é,
da determinação dos níveis diferenciais em que o não-senso muda de figura, a
palavra-valise de natureza, a linguagem inteira de dimensão. [...] (DELEUZE,
2015, p. 86).

Os jogos de linguagem e de deslocamentos de sentido de Carroll deslizam pela


superfície, distribuindo-se entre suas fronteiras e alcançando outros sentidos. Sobre isso,
“[...] seria um mau jogo de palavras supor que não senso diga seu próprio sentido, já que,
por definição, ele não possui. Esta objeção é infundada. O que é jogo de palavras é dizer que
não senso tem um sentido, que é o de não ter sentido” (DELEUZE, 2015, p. 70). Assim, “o
não senso é ao mesmo tempo o que não tem sentido, mas que, como tal, opõe-se à ausência
de sentido, operando a doação de sentido. E é isso que é preciso entender por non-sense”
(DELEUZE, 2015, p. 74).
37

Como a Alice de Carroll, a nossa Alice também produz uma narrativa singular
dotada de um sentido próprio. Sua linguagem desliza pela superfície, alcançando e
produzindo outros sentidos.
Em nosso cotidiano éramos constantemente indagados acerca das histórias que Alice
compartilhava. “Como é possível uma aranha voar?”, diziam alguns, “Mas galinha não
fala!”, diziam outros, “Você acredita que ele disse que é um esquilinho?”, indagavam. Todas
as falas sempre foram acompanhadas de olhares espantosos, irônicos ou risadas,
normalmente seguidos da frase: “Só a Alice mesmo para falar uma coisa dessas!”. Alice,
sempre muito questionadora, sempre devolvia a questão: “Mas como pode uma aranha não
voar? Olha só tia, ele não sabe muito bem das coisas, não é?”. Sobre os paradoxos, Deleuze
afirma que “têm por característica o fato de ir em dois sentidos ao mesmo tempo”
(DELEUZE, 2015, p. 78). Mas, sua potência “não consiste absolutamente em seguir a outra
direção, mas em mostrar que o sentido toma sempre os dois sentidos ao mesmo tempo, as
duas direções ao mesmo tempo” (DELEUZE, 2015 p. 79).
“Alice”10 desliza e percorre os mais diferentes sentidos e significados das palavras,
coisas, objetos e tudo o que estão a sua volta. Ultrapassa as barreiras de sentido impostas e,
por isso, seu cotidiano é marcado pela diferença. A forma como expressa seus sentidos,
paradoxos e linguagem própria causa estranhamento frente a todos os que estão imersos na
cultura produzida. Ou seja, Alice sempre é vista como “a diferença”, tornando-se esta sua
“identidade”. Sobre isso Tomaz Tadeu da Silva nos diz que

[...] identidade e diferença partilham uma importante característica: elas são o


resultado de atos de criação linguística. Dizer que são o resultado de atos de
criação significa dizer que não são elementos" da natureza, que não são essências,
que não são coisas que estejam simplesmente aí, à espera de serem reveladas ou
descobertas, respeitadas ou toleradas. A identidade e a diferença têm que ser
ativamente produzidas. Elas não são criaturas do mundo natural ou de um mundo
transcendental, mas do mundo cultural e social. Somos nós que as fabricamos, no
contexto de relações culturais e sociais. A identidade e a diferença são criações
sociais e culturais. Dizer, por sua vez, que identidade e diferença são o resultado
de atos de criação linguística significa dizer que elas são criadas por meio de atos
de linguagem. Isto parece uma obviedade. [...] Reencontramos, aqui, em contraste
com a ideia de diferença como produto, a noção de diferença como a operação ou
o processo básico de funcionamento da língua e, por extensão, de instituições
culturais e sociais como a identidade, por exemplo. [...] (SILVA, 2000, p. 2)

E afirma:

10
Nesse caso, nos referimos a Alice de Lewis Carroll, e Alice, da Rede de Ensino de Vitória.
38

[...] A afirmação da identidade e a enunciação da diferença traduzem o desejo dos


diferentes grupos sociais, assimetricamente situados, de garantir o acesso
privilegiado aos bens sociais. A identidade e a diferença estão, pois, em estreita
conexão com relações de poder. O poder de definir a identidade e de marcar a
diferença não pode ser separado das relações mais amplas de poder. A identidade e
a diferença não são, nunca, inocentes. [...] (SILVA, 2000, p. 3).

A fixação dessa identidade instituída e normalizada acaba por classificar e


hierarquizar as diferenças. Tal ideia nos remete à cena do filme “Alice”, de Jan Svankmajer,
quando a protagonista chega no “País das Maravilhas” por meio de um elevador, numa
espécie de túnel, interage com objetos, através da técnica de animação conhecida como stop
motion. Ora grande demais, ora pequena demais, Alice, a todo o momento, tem seus sentidos
aguçados por objetos que a tocam ou aparecem nas cenas, cheiros que percebe no ambiente,
sons presentes na cena ou alimentos que são oferecidos. No entanto, percebemos que, no
decorrer do filme, dentre todas as narrativas presentes, a que mais pertence à Alice é o
silêncio. As falas da menina se fazem presentes em momentos específicos: ao referenciar
outro personagem – quando se torna narrador observador – ou para se defender de algum
tipo de acusação. Assim como a Alice da EMEF, que possui o silêncio como marca. Não
pelo fato de não falar ou expressar-se, mas por não ser ouvida. Refere-se a si mesma muitas
vezes na terceira pessoa e, além disso, precisa esforçar-se para que acreditem nela.

Figura 8 Cena do filme "Alice"

Alice não se identifica com o padrão comportamental instituído no “País das


Maravilhas” e, por isso, (re)significa os sentidos, tornando-se diferente. No “País das
39

Maravilhas” – ou na Escola Municipal de Ensino Fundamental –, Alice11 quebra os padrões


normativos quando decide ser Jack, ao invés de Alice; ao brincar de Lobisomem e agir como
ele; ao ter vários amigos “imaginários”12 e interagir com os mesmos; e ao criar outras
situações cotidianas que causam estranhamento, como quando afirma que um lobo vive e
protege sua escola.

Figura 9 Diário de campo

Muitas vezes, esse estranhamento faz com que Alice e os profissionais da Educação
Especial tornem-se um só. Alice não é vista como uma aluna, como os outros, sempre é
“aquela criança é da educação especial, olha a estagiária dela ali”. Não estamos aqui para
julgar a comunidade escolar, apenas tomamos o silêncio de Alice em seu currículo e
cotidiano como uma “representação” (SILVA, 2000) da diferença instituída na sociedade
capitalista e normalizadora.
Notamos a cristalização dos processos de produção da subjetividade na prática
pedagógica ao ouvir narrativas como: “Essa menina não entra na sala de jeito nenhum,
quando entra, só fica dez minutinhos e olhe lá!” (Helita), “Será que você pode falar para ela
prestar atenção na aula?” (Penha), “Hoje eu irei dar uma atividade tão legal, pena que ela
não pode participar” (Matheus), “Olha lá! Só quer saber de balanço” (Rúbia), “Nossa! É
sério que ela sabe ler?”(Cláudio), “Por que ela vem para a escola? Ela consegue aprender
algo? (Francisca)”. Desta forma, percebemos que ao mesmo tempo em que à Alice era
imposta a identidade de alguém incapaz ou limitado, era cobrado à docilidade de seu corpo e

11
Nesse caso, nos referimos a Alice da Rede Municipal de Ensino de Vitória.
12
Utilizamos a palavra “imaginário” no sentido de amigos “imateriais”, não no sentido de irreais.
40

sua responsabilidade acadêmica, e não respeitado seus desejos e especificidades, ou seja, ao


mesmo tempo que a julgavam como incapaz, cobravam dela à necessidade de se fazer
presente nos mesmos espaços e realizando as mesmas atividades que todos os outros alunos
da escola.
Nossa prática pedagógica possuía a rotina marcada pela exploração do espaço físico,
que compõe o currículo e cotidiano escolar e suas inúmeras narrativas. As experiências
desse espaço potencializaram sua relação com os sujeitos da escola.
Todos os dias, após a realização das atividades, Alice ia “parquinho”, sendo sempre
questionada pelo motivo de estar “fazendo nada” e não na sala de aula “aprendendo”.
Mesmo com a preocupação de muitas pessoas em relação ao aprendizado de Alice,
continuou indo ao balanço, casinha, quadra, escorregador... Enfim, cada vez mais passamos
a frequentar os diferentes espaços. Este foi um combinado feito entre Alice e Sandra,
professora regente da época em que iniciamos o estágio, e logo passou a se tornar um
combinado entre Alice e todos que conviviam com ela. Percebemos que a exploração do
espaço físico escolar fazia bem à menina. Era o momento em que tinha total liberdade de
“estar na cena13”, além de poder brincar do que desejar. O que permitia que realizasse as
atividades propostas, em sala de aula, de forma mais tranquila e centrada.
Percebendo que esse espaço era tão agradável para a menina, foi entregue à mesma
um celular, para que pudesse captar o espaço físico da escola a partir do ângulo em que mais
a agradasse. Por isso, todas as imagens do espaço físico escolar foram tiradas por Alice.

Figura 10 Diário de campo

13
Alice costuma brincar de reproduzir cenas de seus filmes preferidos, por isso gosta de dizer que “está
na cena”.
41

Outras pessoas, alunos e/ou profissionais, também exploraram os diferentes espaços.


Mas, notamos que ao ver Alice o medo sempre se fazia presente, não sentiam-se a vontade
perto dela: “Ela vai me bater?” (Bernardo), “Tia, fica aqui com a gente!” (Julia), “Ai meu
Deus!” (Hanna), e a menina dizia ‘Tia, por que eles não querem brincar comigo?”. Nunca
entendemos o motivo disso acontecer, “Ela não vai fazer nada”, dizíamos, “ Ela só quer
brincar com vocês!”. Muitas vezes, aproveitávamos os momentos em que Alice estava
entretida para questionar às crianças: “Por que vocês não querem brincar com ela?”. A
resposta era a mesma: “Eu não sei!” (Katia), ou, “Minha mãe disse para ficar longe dela,
mas eu não sei o porquê” (Pedro).
Mesmo com a resistência, todos os dias Alice foi ao encontro dos outros alunos,
insistindo para poder fazer parte das brincadeiras e rodas de conversa. Aos poucos,
percebemos que os diferentes sujeitos passaram se sentir a vontade para interagir com a
menina. Perceberam que Alice é apenas uma criança, como as outras. Novas relações foram
tecidas, em meio ao medo e desconfiança. Atualmente, as relações ultrapassaram as
brincadeiras do parque, balanço ou quadras, Alice é convidada a participar de diferentes
atividades do dia a dia.

Figura 11 Diário de campo

A diferença, quando relacionada à anormalidade (ou aquilo que não cabe na curva
normal) é dogmatizada como algo que incapacita os sujeitos. Sandra, professora regente da
Educação Especial entre os anos de 2015 e 2016, iniciou o processo de alfabetização de
Alice no ano de 2015, quando cursava o 6º ano do Ensino Fundamental, nos orientando
constantemente em relação às atividades propostas e a maneira de trabalhar. Em poucas
semanas, Alice relacionava os sons às letras, bem como a escrita correta do alfabeto. Ao ler
42

uma letra ou sílaba sentia-se cada vez mais estimulada e feliz. O espanto das pessoas que
liam o que a menina havia escrito ou ouviam sua leitura era geral: “Como assim ela
consegue ler?” (Katia), “Foi ela mesmo quem escreveu?” (Enzo). Cada conquista de Alice
servia de estímulo para novos aprendizados e conquistas, estimulando cada vez mais a sua
relação social.
No ano de 2017 a professora Laura tornou-se responsável pelo núcleo de educação
especial da EMEF. Notando o avanço de Alice em relação à leitura e escrita, passou a
adaptar atividades propostas ao 8º ano do Ensino Fundamental. Assim, Alice realiza
atividades destinadas ao seu nível escolar.

Figura 12 Diário de campo

Não buscamos defender que todo aluno deve realizar as atividades propostas no
currículo formal, desejamos demonstrar que Alice é capaz de realizar atividades, basta que
se invente modos de conexão com aquilo que lhe faz sentido. Contradizendo, dessa maneira,
os diagnósticos que recebeu ao nascer, afirmando que seria uma criança e adulto sem
quaisquer perspectivas.
43

Entendendo o cotidiano escolar como um espaçotempo que produz múltiplos


sentidos e que a formação dos indivíduos tem a ver com a experiência do encontro, da
alteridade e da diferença, ou seja, o encontro “[...] com o que não sou eu, com o que não é
apenas uma repetição ou uma projeção de mim mesmo [...]” (LARROSA, 2012, s/p),
defendemos que no encontro com o outro e com as diferenças há a produção de novos
sentidos e significados. Assim, a cada dia novas redes são tecidas no currículo e cotidiano
escolar (FERRAÇO, 2016), potencializadas pelas narrativas cotidianas dos diferentes
sujeitospraticantes do currículo.

3.1 “QUEM É VOCÊ?”14

- Eu... Eu neste momento não sei muito bem, minha senhora... Pelo menos, quando acordei
hoje pela manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que depois mudei várias vezes...

CARROLL, Lewis.

Sendo o currículo e cotidiano escolar marcados pelas diferenças, nos remetemos a


Larrosa (2012) para defender que indivíduo possui o direito de ser quem é, com suas
características e particularidades, sem que isso seja algo que o institua ou o rotule
pejorativamente, ou seja, possui o “direito à indiferença”. Desta forma, devemos nos atentar
não ao que determina as identidades, mas ao que nos toca, “[...] ao que modela de modo
sempre dinâmico e provisório os acontecimentos, as ações, as relações e os comportamentos
[...]” (LARROSA, 2012, s/p), pois são essas diferenças, que estão presentes no cotidiano,
que constituem uns e outros. Assim, todos os diagnósticos que pré-estabelecem e
determinam nossa protagonista, nada mais são que padrões comportamentais impostos.
Enquanto profissionais da educação em processo de formação e com convívio diário
com Alice, aprendemos que são as diferenças que dão força e movimentam as narrativas
cotidianas, potencializando as redes de relações, práticas pedagógicas e as próprias
narrativas.
Sobre as diferenças, entendemos que as questões de estranhamento estiveram
presentes em várias ocasiões, sendo exigido de Alice o enquadramento às normas
capitalistas, que agem de forma potente sobre a vida.

14
Narrativa entre Alice e Lagarta, fazendo-a refletir sobre si mesma e produzir outros sentidos.
44

Foucault (2014b) discorre acerca do poder sobre a vida, afirmando que foi
desenvolvido em duas formas principais: o corpo como máquina, “[...] no seu adestramento,
na ampliação de suas aptidões, na extorsão de suas forças, no crescimento paralelo de sua
utilidade e docilidade, na sua integração em sistemas de controle [...]”; e no corpo-espécie
“[...] transpassado pela mecânica do ser vivo como suporte dos processos biológicos: a
proliferação, os nascimentos e a mortalidade, o nível de saúde [...]” (FOUCAULT, 2014b, p.
150). Assim desenvolveu-se a organização do poder sobre a vida, onde investe-se sobre ela
de todas as maneiras possíveis, iniciando-se a era do biopoder, elemento fundamental para o
desenvolvimento do capitalismo (FOUCAULT, 2014b).

Figura 13 Cena do filme "Alice"

Em uma das cenas do filme de Svankmajer, Alice passa por uma porta do Reino da
Rainha de Copas, se deparando com o formato da Rainha. Assim como a Alice de
Svankmajer, o cotidiano de Alice, da EMEF, é repleto de “formatos” em que é exigido que a
mesma se adeque. Durante um evento em comemoração à semana dos Direitos Humanos,
algumas turmas da escola, inclusive a turma de Alice, foram convidadas a assistir curtas-
metragem relacionados à temática. Assim, os alunos e profissionais se dirigiram ao cinema.
Durante a exibição, falante como de costume, indagava questões acerca do curta,
questionava sobre seu dia a dia e queria conversar sobre vários assuntos. De repente
“shhhh!!”, exclamou alguém que estava sentado atrás da menina. Nesse momento, sua
professora disse: “Eu sei que é importante ter silêncio, mas ele é público alvo da educação
45

especial, tem deficiência intelectual” (Laura), em seguida, a pessoa respondeu “Ok! Mas
pede pra ele fazer silêncio por favor” (Geane). A professora então, explicou para Alice que
era importante conversar em voz baixa, pegou seu celular e mostrou as horas para a menina,
a fim que ela entendesse que ainda faltavam vinte minutos até o fim da apresentação dos
curtas. Foi então que a mesma pessoa falou: “A luz do seu celular está atrapalhando.
Desligue o celular ou vá para a última fileira com ele” (Geane). Nesse momento, Alice
interrompeu: “shhh, pra você! Sua esquisita!”. Alice, diariamente, expressa estratégias de
resistência aos padrões que são a ela impostos.
No filme de Svankmajer, Alice é julgada pelo “roubo das tortas”, sendo acusada
antes mesmo de qualquer tipo de julgamento. A forma encontrada para resistir foi
questionando:

Figura 14 Cena do filme "Alice"

Alice, da EMEF, resiste e luta pelo seu direito à indiferença. Acreditamos que seu
processo de resistência se dá quando pergunta “O que você acha que sou?” ou ao dizer: “Por
que você está me chamando de louco?”, “Mas é claro que eu sou o esquilinho, quem está
brincando aqui sou eu!”, também resiste ao permanecer nos espaços em que é notável o
incômodo das pessoas, ao permanecer na escola e gostar de estar alí, ao se fazer notada.
Resiste ao surpreender a todos com seus avanços motores e pedagógicos, ao aprender a ler e
escrever, ao construir esquemas de pensamentos, mesmo possuindo diagnósticos de que isso
46

nunca seria possível. Alice é resistência ao enquadramento, à formatação, ao ofício de aluno.


Alice resiste ao afirmar uma saúde como capacidade de inventar modos de estar no mundo,
modos de funcionamento, ao contrário de um saber hegemônico que insiste em enquadrá-la.
Sobre isso Foucault afirma que
[...] lá onde há poder há resistência [...] esses pontos de resistência estão presentes
em toda a rede de poder. [...] Elas são o outro termo nas relações de poder;
inscrevem-se nessas relações como interlocutor irredutível. [...] Da mesma forma
que a rede das relações de poder acaba formando um tecido espesso que atravessa
os aparelhos e as instituições, se se localizar neles, também a pulverização dos
pontos de resistência atravessa as estratificações sociais e as unidades individuais.
E é certamente a codificação estratégica desses pontos de resistência que torna
possível uma revolução, um pouco à maneira do Estado que repousa sobre a
integração institucional das relações de poder [...] (FOUCAULT, 2014b, p. 104-
105).

Enfim, as “Alices” resistem quando afirmam o direito de serem elas mesmas:

Figura 15 Cena do filme "Alice"

Concluímos que nas redes de relações do currículo e cotidiano escolar, constituídas


pela relação entre poder e resistência, “[...] eu preciso dos meus intercessores para me
exprimir, e eles jamais se exprimiriam sem mim: sempre se trabalha em vários, mesmo
quando isso não se vê. E mais ainda quando é visível [...]” (DELEUZE, 2007, p. 156). Logo,
as narrativas cotidianas produzidas pelos sujeitospraticantes, nos potencializaram e
possibilitaram diferentes movimentos, sensações, direções, conexões, paixões, enfim,
devires, já que por meios do encontro há a produção e transformação dos sentidos.
47

Assim, com as múltiplas possibilidades, mapeamos os processos de constituição do


currículo e cotidiano escolar, através das diferentes narrativas que compõem esse espaço.
Entendemos Alice como potência, resistência, sujeito, como símbolo do currículo e
cotidiano de diferentes “Alices” existentes nos mais diversos espaços escolares. Percebemos,
com isso, que os diagnósticos refletem diretamente na constituição e relação dos
sujeitospraticantes do currículo (CERTEAU, 1994, apud FERRAÇO, 2003), que encontram
cotidianamente diferentes mecanismos de resistência aos mecanismos normativos e de
poder.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando iniciamos nossa prática de estágio no ano de 2015, não imaginávamos que
iríamos ter o prazer conviver e fazer composições com Alice. Aos poucos, fomos notando as
diferentes narrativas dos sujeitos do currículo e cotidiano escolar. Narrativas que, muitas
vezes, são cruéis. Passamos a questionar o sofrimento que estas geram a inúmeras famílias
que possuem sujeitos em condições parecidas e estão inseridos na escola.
A partir disso, decidimos mapear as diferentes narrativas cotidianas e, juntamente
com a história de Lewis Carroll e o filme de Jan Van Svankmajer, problematizar o currículo
e cotidiano escolar de Alice.
Consideramos o cotidiano escolar como um território que se constitui a partir das
diferenças e das multiplicidades. Mas, durante nosso processo de pesquisa, percebemos que
não fazer parte do que é considerado curva normal impõe padrões de relacionamento entre o
aluno-diagnóstico e a instituição escolar, estabelecendo relações de exclusão.
Alice é uma menina que a todo o momento resiste às formas impostas pelo mercado.
Resiste ao afirmar ser a Alice ou quem ela decidiu ser naquele dia. Resiste quando inventa
modos de estar no mundo, indo de encontro ao saber hegemônico que insiste em enquadrá-
la.
Pudemos notar, durante a prática de estágio, que a cada dia que os diferentes sujeitos
que fazem parte do cotidiano de Alice se dispõem a conhecê-la e a não a enquadrar em
determinados formatos, passam a entender que Alice é apenas uma menina, com desejos,
sonhos, felicidades e afetos.
Ao fazer esta pesquisa nos constituímos em meio a narrativas, reflexão, leitura e
encontros. Assim como Alice, que afirma que mudou várias vezes durante uma manhã, fazer
parte do currículo e cotidiano de Alice foi uma experiência potente e transformadora.
48

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