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reitor
Prof. Dr. Angelo Roberto Antoniolli
vice-reitor
Prof. Dr. André Maurício Conceição de Souza
2ª. Edição
imagem de capa
Baseada na obra de Paul Klee, “Senecio”, 1922.
Textura vetorial – Freepik.com
ISBN 978-85-7822-548-3
CDU 7:51(091)
Editora UFS
Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos
CEP 49.100-000 – São Cristóvão – SE.
Telefone: 3105-6922/6923. e-mail: editora@ufs.br
www.editora.ufs.br
Dedico este trabalho
a Acássia e ao Dia 11 de dezembro de 2010.
Agradecimentos
Aos meus pais (in memoriam), por me ensinarem a joalheria da vida;
11 INTRODUÇÃO
19 CAPÍTULO 1
DEUSES PRIMORDIAIS
37 CAPÍTULO 2
TRILHAS EUCLIDIANAS
61 CAPÍTULO 3
OUTRAS BASES EPISTEMOLÓGICAS
87 CAPÍTULO 4
REBELIÃO DE CONCEITOS
119 CAPÍTULO 5
NÚMEROS E IMAGENS
Estabelecer relações entre a matemática e a arte tem sido uma tarefa fre-
quente ao longo da história, entretanto, a complexidade das relações entre
os campos parece ser sempre fecunda e os estudos insuficientes, posto que
a gama de possibilidades analíticas mantém-se em constante crescimento.
Ao longo das páginas que se seguem, procurei sublinhar uma via de mútua im-
plementação entre arte e ciência, distante das posturas que podem pensá-las
como reflexo ou desdobramento uma da outra, ao contrário, investigando em
que medida resultam de uma realidade plasmada, de um contexto construtor
de subjetividades que se esgarçam e se reconstroem.
Para tanto, foi imprescindível recorrer aos Gregos, aos físicos nucleares, aos
teóricos do caos e aos artistas e suas obras, com seus estilos e paradigmas
eloquentes e fascinantes, costurados através dos estudos semióticos funda-
mentados na leitura do invisível e do não óbvio.
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INTRODUÇÃO
Ao estudar a matemática e a geometria, assim como diferentes campos do
saber, é possível perceber a existência de estruturas subjacentes, às vezes
imediatamente visíveis, às vezes não, podendo constituir-se numa possível
maneira de aprofundar a discussão sobre a inter-relação existente entre se-
tores aparentemente distantes, como, por exemplo, a ciência e a arte, tendo
em mente que a adoção de um modelo geométrico, está em conexão com
um contexto sócio-político-econômico-cultural.
Escolhi a matemática e a física para servirem como elos, como elementos ca-
pazes de possibilitar o trânsito por áreas diferentes, em especial suas relações
com a arte e a história da arte, fornecendo suporte a uma investigação que
passa pelas bases das constituições específicas de cada área, pelas implicações
histórico-epistemológicas.
Para iniciar essa discussão vou buscar na civilização grega as origens de alguns
elementos importantes para compreender o desenrolar do pensamento geo-
métrico. Parece-me inegável a influencia de várias séries de forças presentes
na sociedade grega que contribuíram para a organização da geometria.
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e os processos que levaram a sua manutenção, alinhavando acontecimentos
que compõem a base da “separação” entre matemática e arte.
Não há, e isto precisa ficar bastante explicito, a pretensão de promover, aqui,
uma historiografia, em nenhum momento, visto que existem inúmeras obras
bastantes bem elaboradas, voltadas para este âmbito. A intenção é a de encon-
trar elementos que sirvam como subsídios ao aprofundamento das questões
levantadas, sobretudo no que tange à estreita relação entre matemática e arte.
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A trilha percorrida conduz ao encontro com “OUTRAS BASES EPISTEMOLÓ-
GICAS”, passando pela geometria fractal, as lógicas não aristotélicas, a física
não newtoniana, relativizando constantemente a presença de um “não”, que
precede geometria, lógica ou física, mas não caracteriza um rompimento
definitivo nem uma completa negação, mantendo vínculos com seus pre-
decessores. A física quântica, por exemplo, continua a valer-se da clássica.
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igualmente afligida pelos condicionantes impostos, às vezes superando-os,
às vezes sucumbindo a eles, nunca indiferente ou relegada a certa dimensão
“purista” que a isentaria de todos os percalços.
Macro e micro são postos à prova na nova física que tem de por na balança
não só os pesos maiores, mas, principalmente, os que sempre se quis qualificar
como desprezíveis e insignificantes.
Incorporar o antes banido não é tarefa fácil. Os princípios de nossa tão antiga
lógica aristotélica, dicotômica e excludente, revelam-se incompetentes para
arcar com esta nova realidade. A pergunta crucial parece ser mesmo: como
lidar com essas novas lógicas emergentes? Da dialética à fuzzy, da nebulosa
às lógicas das patologias (loucura), da biologia, sociologia, da ciência, da arte,
de todas as formas de expressão.
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cia aproxima/reaproxima aquilo que vinha sendo mantido como separação
obrigatória, ou pelo menos, com limites francamente demarcados.
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Essa tarefa requer a consciência de alguns limites que se apresentam:
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e desavisada, assumo, desde já, a consciência de meus condicionantes; não
volto as costas a eles, tento pensar de maneira relacional e não excludente, o
que, reconheço, nem sempre é possível, inclusive por estar tentando mostrar
o quanto estames arraigados aos códigos.
Acredito ser tal conjuntura única, não no que toca ao aspecto da unicidade,
uma vez que tantos outros momentos históricos já se depararam com rupturas
e quebras de paradigmas, modificações econômico-político-sociais e uma
quase completa desestruturação do ambiente acadêmico estabelecido, mas,
no que se refere ao conjunto das dificuldades apresentadas: a impossibilida-
de crescente de cobrir o território do saber, nos mais diferentes campos, o
“desafio” a razão fundadora e justificadora, mesmo dentro de áreas até então
predominantemente “racionais” e “objetivas” e a substituição dos alicerces
que garantiam a sustentação epistemológica.
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CAPÍTULO 1
DEUSES
PRIMORDIAIS
Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também. Terra de amplo seio,
de todos sede irresvalável sempre, dos imortais que têm a cabeça do
Olimpo nevado, e Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias,
e Eros: o mais belo entre os Deuses imortais, solta-membros dos Deuses
todos e dos homens todos, ele doma no peito o espírito e a prudente
vontade (“Os Deuses Primordiais”, Teogonia, Hesíodo, 1992).
Para iniciar esse estudo torna-se importante trazer à tona algumas caracte-
rísticas contextuais da civilização grega, responsáveis pela orientação dos
procedimentos empregados pelos pensadores da época – norteadores das
bases de grande parte do nosso conhecimento – fundamentais para tentar
uma compreensão, ainda que aproximada, da relação manutenção/permanên-
cia de conjuntos estruturantes da produção do científico-filosófico ocidental.
1 Sobre a poética de Hesíodo e suas ligações com o contexto da Era Arcaica, veja-se, em particular, o
estudo de Torrano (1992), que faz uma análise dos versos, considerando-os dentro do conjunto do
pensamento grego dos séculos VIII-VII a.C.
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própria classe” (HAUSER, 1975, p. 98). Isso acontece, porque em sua arte estão
presentes fatores socioeconômicos, políticos e culturais.
Hesíodo, por sua vez, possui uma posição mais próxima das camadas não
nobres da população. Não que se trate de uma poesia popular, como a en-
tendemos hoje ou, mesmo, de uma poesia que pudesse ser cantada pelos
camponeses, mas expressava a existência dessa dicotomia, ou seja, dessa
“[...] tensão social, de um antagonismo de classes. [...]. Era a primeira vez
que soava na literatura a voz do povo trabalhador [...]. Pela primeira vez o
poeta se aparta dos temas do culto e da religião ou do panagérico da Corte
[...]” (HAUSER, 1975, p. 97).
Figura 1
Detalhe de cerâmica
em estilo Dipylon
Fonte: Imagem de Domínio
Público. https://commons.
wikimedia.org/wiki/
File:Dipylon_amphora_close_
front_(Prothesis).jpg.
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O estilo geométrico empregado na cerâmica de estilo Dipylon datada de 700
a.C. demonstra uma radicalidade de esquematização, “[...] na qual a abstra-
ção da realidade – a distorção violenta e muitas vezes arbitrária das formas
naturais – não pretende dissimular que tem sua origem na forma do objeto”
(HAUSER, 1969, p. 99). Este tipo de composição perdurará até que uma série
de mudanças ocorra dentro de cujo espírito a arte vai tender a uma menor
rigidez – entenda-se menos geométrico – e mais naturalista.
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dual era tão forte que não foi possível superar essa dicotomia. Ao pensar
forma e conteúdo, os gregos quase sempre o fizeram como “um e outro”,
raramente como “um/outro”, estabelecendo a célebre separação com a qual
continuamos lutando.
2 Durante todo o desenrolar do presente estudos estarei me referindo à geometria euclidiana e à lógica
aristotélica. A conceituação de ambos aparecerá mais detalhadamente nos capítulos a seguir, mas não
estará restrita a esses dois momentos. Procurarei arrolar o maior número possível de elementos na
intenção/intensão de ir fornecendo densidade a tais noções, fugindo da conceitualização descritiva
usualmente encontrada em trabalhos de matemática ou lógica.
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entre o concreto e o abstrato, entre a contemplação e a ação, entre a
teoria e a prática, foi particularmente nefasta para o pensamento humano
(LEFEBVRE, 198, p. 110).
Muitas das ideias forjadas no “momento grego” continuam “vivas” até hoje.
Algumas – é bem verdade – distorcidas ou conformadas para responder às
expectativas de determinados grupos. Dificilmente o conceito de democracia,
entre outros, é empregado no sentido dado pelos gregos, embora estejamos
acostumados a tomá-lo como se fosse exatamente esta a proposta grega; é
importante lembrar que a imagem composta sobre todo o ideário da demo-
cracia ateniense distancia-se, e muito, da democracia efetivamente por eles
estabelecida.
24 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
do trabalho3, o direcionamento para uma economia monetária, a desestabiliza-
ção da nobreza, incomodada por uma camada que não possuía a importância
conferida pelo nascimento, mas pelo dinheiro, a ruptura com a noção de
cidadania restrita à pólis, o desenvolvimento de uma base científica pautada
pela ordem, pela sistematização, tornando-se cada vez menos oral e mais
gráfica, alfabética, repleta de novos termos que davam corpo à crescente
abstração da linguagem.
3 Sobre a divisão do trabalho cabe lembrar que: “As cidades nascem para a democracia no exato mo-
mento em que o trabalho se divide e se diferencia” (LEFEBVRE, 198, p. 165). O trabalho manual recai
sobre os não livres, aqueles que não eram considerados cidadãos, mas mão-de-obra abundante e
escrava. Assim sendo, fica evidente a separação existente na sociedade, como tem sido abordado
nesse capítulo.
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O pensamento grego – particularmente na Jônia – herdou a elabo-
ração confusa, mas preciosa, iniciada pelas civilizações do oriente
médio, do Egito: fixação de calendários, inícios de astronomia,
geometria e aritmética prática dos egípcios; nas cidades e na vida
urbana gregas, a natureza começa a ser verdadeiramente dominada
por uma técnica superior (navegação, arquitetura, etc.) e por uma
organização social (prática jurídica) (p. 165).
26 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
outras culturas, como mostra Platão, no seu “Fedro”, ao revelar a admiração
pela sabedoria egípcia, em especial ao deus Thoth, inventor do cálculo, dos
números, da geometria e, não por acaso, do jogo de dados (MANACORDA,
1989, p. 9-10) ou Tales de Mileto (663 a.C./556 d.C.), que incorporava aos
seus estudos, conhecimentos da matemática egípcia, por exemplo, trazidos
de suas viagens. Em ambos os casos citados tal aproximação não representa
uma norma. Havia, portanto, um problema de tradução, não somente de uma
tradução verbal, mas de uma tradução mais completa. Faltava, o que Zumthor
(1988) chamava de “desejo de aprender a linguagem do outro”4.
4 Segundo Zumthor existem três níveis de alteridade: Absoluta – produzida pelo confronto entre sujeito
e objeto, que pertence ao plano existencial; Radical – que exclui todo o sentimento de pertencer a um
universo comum e a Relativa – que convida à tradução engendra o desejo de aprender a linguagem
do outro. Para estudos mais detalhados veja-se ZUMTHOR, 1988, p. 36-37.
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mesma nos limites da ágora, excluindo violentamente de seu território
o representante da ameaça ou agressão exterior. O representante
representa, sem dúvida, a alteridade do mal que vem afetar e afeta
o dentro, irrompendo nele imprevisivelmente. Mas o representante
do exterior não é menos constituído, regularmente disposto pela co-
munidade, escolhido, se assim se pode dizer, em seu seio, sustentado,
alimentado por ela (DERRIDA, 1991, p. 80).
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A relativização da ordem, a rejeição ao conceito de caos, às explicações esta-
belecidas sobre uma norma fundadora, serão discutidas mais adiante. Preten-
de-se mostrar como tais razões foram extremamente significativas para alguns
dos nomes com os quais iremos trabalhar e, mais, como todo esse contexto,
em que agiam determinadas relações de força, teve uma importância capital,
especialmente no que toca ao peso embutido no pensamento aristotélico.
Demócrito (460-370 a.C.), que acreditava ser o universo composto por átomos,
então descritos como elementos indivisíveis formadores de toda a matéria, viu
suas suposições sucumbirem diante da proposição aceita de que o universo
era formado a partir dos quatro elementos – terra, água, fogo e ar. Se for
verdade que a noção de átomo remonta aos gregos, é igualmente verdadeiro
o fato de que apenas muito recentemente, por volta do início do século XX,
que tal noção obteve o reconhecimento devido, e a ideia do átomo passou a
ser considerada nas pesquisas físicas.
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uma forma de condicionar a produção desse conhecimento e, ainda, como
forma de garantir ao pensamento grego permanência através dos tempos.
Os ensinamentos gregos surgiam como algo novo, o novo que tanto busca-
vam. Os “antigos” são tomados como “instrumentos” dos intelectuais, com
os quais estruturam todo um modelo de pensar e agir.
30 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
dos árabes que retornaram os manuscritos banidos pela Igreja. Esse processo
merece ser visto com cuidado: as pressões da Igreja, tentando respaldar as
escrituras sagradas, em livrá-las de qualquer contradição, expulsam toda
literatura que fosse de encontro ao seu dogmatismo. Cristãos heréticos e
judeus perseguidos carregam pelas trilhas de seu exílio as obras de Euclides,
Aristóteles, Platão, Ptolomeu, Galeno. Os escritos encontraram acolhida
entre os muçulmanos, que os estudam e guardam em suas bibliotecas. Ao
fazerem o caminho de volta deparam-se com uma situação mais favorável e
começa um processo de tradução. Esse trabalho tradutório é realizado com
o objetivo de preencher:
[...] as lacunas deixadas pela herança latina na cultura ocidental: a
filosofia e, sobretudo, as ciências. As matemáticas com Euclides, a
astronomia com Ptolomeu, a medicina com Hipócrates e Galeno, a
física, a lógica e a ética com Aristóteles, eis a imensa colaboração
desses trabalhadores. E, mais ainda talvez que o conteúdo, o método.
A curiosidade, o raciocínio e toda a “Lógica Nova” de Aristóteles: a
das duas “Analíticas”, a dos “Tópicos”, dos “Elencos”, que veem se
juntar à Velha Lógica [...] (LE GOFF, 1989, p. 27-28).
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teses com Al-Farabi e Avicena. Juntamente com as obras também os
termos como algarismo, zero e álgebra, são transmitidos pelos árabes
aos cristãos, ao mesmo tempo em que o vocabulário de comércio:
alfândega, bazar, albergue, gazela, cheque, etc. (LE GOFF, 1989, p. 28).
32 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
de Platão no neoplatonismo cristão levou a caracterizar a matéria como de-
ficiência das Ideias e, como o compreensível devia identificar-se com o Bem,
chegou-se a identificar a matéria com o Mal” (HEISENBERG, 1974, p. 38).
No Oriente, por sua vez, a ciência caminha por trilhas diferentes – especial-
mente no mundo islâmico, onde as barreiras ideológicas impostas eram de
outra ordem que não as da igreja – sem precisar adequar postulados às tábuas
da lei. “Entre 700 e 1200 a civilização islâmica é uma força [...] As cruzadas
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que vão desde o século XI até o século XIII, levam a Europa a tomar contato
com novos processos e técnicas, inclusive como o compasso, a manufatura
do papel, o relógio na base do pêndulo e uma forma de impressão, sem
mencionar a tomada de contato com um sistema de notação numérica mais
eficiente” (GILES, 1987, p. 76).
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Nessa direção, é preciso buscar outras abordagens que dêem conta da nova
conformação social, caindo por terra a concepção teocentrista e como expli-
cação e justificação da realidade:
Se a nobreza continua a exercer seu poder por direito divino, aque-
les que ela despreza por terem um emprego passam a exercer um
domínio crescente sobre a natureza: inventam a máquina a vapor,
descobrem a eletricidade, exploram as minas de Anzin e Creusot,
mecanizam a produção têxtil e metalúrgica, promovem a criação das
primeiras escolas [...] Eles não esperam mais que Deus intervenha,
por meio de milagres, no curso dos acontecimentos. O mundo físico
e humano obedece a leis próprias, que a ciência deve descobrir. Na
realidade, [...] esse domínio sobre o mundo e a nova forma que as-
sume a indagação sobre o homem caracteriza uma classe social que
toma consciência de si própria. Se elimina Deus, é porque se pretende
senhora do seu destino (BISSERET, 1979, p. 34-35).
Assim, a ordem social estabelecida pela democracia exige uma nova racio-
nalidade científica, onde o homem e não mais Deus é o centro de referência.
A Razão humana, principalmente a partir do século XVIII com a Revolução
Francesa, parece não ter limites, a tudo desafiando em nome do “progresso
da humanidade”. O ideário Iluminista, presente nesse processo, expressa e
justifica essa organização social. Na modernidade, portanto, a ciência ganha
centralidade e um impulso extraordinário, abrindo espaço para os mais di-
versos campos do conhecimento e todo um desenvolvimento tecnológico.
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com a ciência moderna é apenas uma das muitas contribuições em diversos
campos do saber.
Após esse breve esboço histórico já é possível passar a uma releitura epis-
temológica das “ciências dos números” – matemática, geometria e física
– observando como os “deuses primordiais” têm mandado seus “anjos men-
sageiros” para guardar a episteme das tentações de mil demônios caóticos.
Anjos, diga-se de passagem, nada inofensivos, parecidos com aquele de Paul
Klee, cujo olhar não deixa de transparecer certa falta de ingenuidade (como
no interessante “Anjo com guizo” de Paul Klee (1939) (Figura 2).
Figura 2
Paul Klee, “Anjo com guizo”,
1939
Fonte: Imagem disponível para
uso não comercial/acadêmico.
Fair Use. Disponível em: http://
www.studiolum.com/wang/
indrikov/klee-angel-2-293.jpg.
36 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
CAPÍTULO 2
TRILHAS
EUCLIDIANAS
Donzelas com esquadros
e compassos, velando
as lousas estelares
Riscavam e borravam
a luz dos ares gizes
e apagadores frios.
Seu anjo dos números voa também nos estúdios, ateliês, pousa em telas, sobre
esculturas, atravessa ruas e perde o halo em meio a lodaçais de macadame.
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No seu percurso carrega poesia e contamina equações. A criatividade está
nos números tanto quanto arte.
Inferia, com isso, que outros “[...] ‘seres pensantes’, em universos diferentes,
a conceberiam tal como nós” (HEISENBERG, 1974, p. 137). Mesmo não sendo
possível, ainda hoje, comprovar tal hipótese, o núcleo da proposição de
Heisenberg faz da matemática um produto da mente humana, dando-lhe
amplitude, mas, deixando de lado o aspecto contextual, ou seja, as condições
materiais nas quais as matemáticas se desenvolvem.
7 Santos (1990) critica o rigor exagerado, mas estabelece uma dicotomia rígida colocando de um lado
o construtivo e de outro o destrutivo.
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Durante séculos, mais de 20, as superfícies matemáticas construíram-se sobre
o rigoroso alicerce grego, euclidiano. Euclides (300 a.C.) foi quem primeiro
sistematizou o pensamento matemático grego, reunindo num conjunto de
livros (13 volumes) praticamente todo o conhecimento matemático conhecido
então8. Sua obra (Elementos, do grego “Stoicheia”) serviu como base para toda
a teoria matemática posteriormente desenvolvida. Embora os treze volumes
não constituíssem a melhor forma de estruturar esse conhecimento, sua
organização e os critérios de precisão impressos ao trabalho levaram à sua
adoção, privilegiada, entre outras razões por essa organicidade, que não es-
tava presente noutras formas de reunir o conhecimento matemático, algumas
delas mais significativas, no sentido de proporcionar uma leitura relacional
da matemática. Entretanto, em muitos casos, as anotações encontravam-se
dispersas, compostas de um amontoado de notas e comentários difíceis de
serem utilizados e, principalmente, difundidos.
8 Para observar a forma de estruturação de seu pensamento, aponto algumas de suas proposições:
“1 – Duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si; 2 – Se parcelas iguais forem adicionadas a
quantias iguais, os resultados continuarão sendo iguais; 3 – Se quantias iguais forem subtraídas das
mesmas quantias, os restos serão iguais; 4 – Coisas que coincidem umas com as outras são iguais;
5 – O todo é maior que as partes” (EUCLIDES, 2009).
9 A título de ilustração no que se refere ao caráter pedagógico da geometria euclidiana, transcrevo uma
epígrafe escrita numa lápide de criança datada do século II d.C.: “Penetrei as doutrinas de Pitágoras e
de outros sábios, li os líricos, li os sagrados textos de Homero, aprendi os ensinamentos matemáticos
de Euclides. E gozei também de brincadeiras e animadas diversões” (MANACORDA,1989, p. 84). Ainda
cabe citar que, no século XIII, momento em que surge a universidade, os programas escolásticos
adotam a concepção geométrica de Euclides: “Na faculdade de Artes em Paris, a lógica e a dialética
se sobressaem, sendo comentado quase tudo de Aristóteles [...], em Bolonha se enfatiza entre outras
coisas, as ciências matemáticas e astronomia, especialmente com Euclides e Ptolomeu” (LE GOFF,
1989, p. 67).
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onde eram estudadas conjuntamente. É, nesse sentido, uma sistematização
claustrofóbica, criando um conjunto fechado de argumentações, sustentadas
por axiomas pretensamente incontestáveis, funcionando, mais ou menos,
como uma bíblia, na qual são encontrados dogmas irrefutáveis e a partir dos
quais se deve iniciar e fundamentar qualquer construção teórica.
Euclides alicerçou sua geometria sobre alguns conceitos chave: ponto, reta e
plano. Tomemos como exemplo uma superfície matemática euclidiana: uma
região delimitada do plano. Tal região é formada por infinitos segmentos de
retas, que por sua vez são formados por infinitos pontos. Euclides10 definiu
ponto como sendo “aquilo que não tem partes”; consequentemente não
tem também extensão, é adimensional; logo, uma superfície matemática é
constituída por não partes, não sendo, teoricamente, palpável.
10 Newton da Costa, a respeito de Euclides, observa: “Na matemática o método axiomático vem sendo
praticado desde Euclides que aplica o método no desenvolvimento da geometria, embora do ponto
de vista lógico a obra não seja perfeita. Segundo a tradição oriunda de Euclides, na exposição siste-
mática da geometria parte-se de determinadas noções tidas como claras (ponto, reta...) e de certas
proposições admitidas sem demonstração. Estas proposições normalmente se dividem em duas
categorias: a primeira, que podemos denominar categoria dos axiomas, compõe-se de enunciados
comuns a todas as ciências, como ‘o todo é igual à soma de suas partes’; na segunda, a categoria
das proposições chamadas postulados, que exprimem propriedades estritamente geométricas (às
vezes não tão evidentes quanto os axiomas), incluem-se enunciados como ‘por um ponto dado fora
de uma reta, passa no máximo uma paralela a essa reta dada’”, [esse enunciado é chamado de pos-
tulado das paralelas; estou fazendo menção desse fato pois ele será trabalhado quando tratar mais
especificamente das geometrias não euclidianas], e, ainda: “A obra de Euclides não é inteiramente
satisfatória, entre outras razões, porque o geômetra grego, em suas demonstrações, lança mão, em
diversas oportunidades, de suposições que não enunciou de modo explícito. Por conseguinte, Euclides
não se limitou a tirar consequências exclusivamente das proposições primitivas que explicitou, donde
sua axiomática não era perfeita” (COSTA, 1992, p. 50).
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Esse raciocínio complexo, aparentemente paradoxal, vai tornando-se cada vez
mais intrigante. Para chegar à noção abstrata de ponto, um longo caminho
foi percorrido. A ideia de ponto foi associada a um pequeno seixo, a partir do
qual foram sendo elaboradas outras abstrações: a linha seria uma sucessão
de pontos – seixos – e assim por diante. No bojo dessa discussão aparece a
dificuldade de discernir entre o contínuo e o descontínuo (LEFEBVRE, 1983,
p. 167). Vejamos a seguinte observação:
Um ponto, segundo Aristóteles deveria estar “em contato” com
aqueles pontos que estão sobre a semirreta limitada pelo ponto,
e isto não pode acontecer, já que o “contato” não poderia fazer-se
senão sobre uma “parte” do ponto, e um ponto “não tem partes”
(DIEUDONNÉ, 1990, p. 229).
42 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
e concreto – é bastante complexa, especialmente quando pensados longe de
definições, comumente, dicotômicas. Langevin (1934) expressa de maneira
mais drástica essa interação de (aparentes) contrários, afirmando: “o concreto
(...) é o abstrato que se torna familiar pelo uso” (LANGEVIN, 1934, p. 45, apud
PATY, 1995, p. 25).
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 43
marginais abertos contracorrente, mas, antes, instiga a um comportamento
subversivo inquisidor, capaz de sobrepujar ao máximo o corte proposto pelas
estruturas detentoras do poder de ditar direções a serem seguidas.
Cada conjuntura tem seu próprio modo de lidar com o concreto e o abstrato.
Os deuses gregos assumiam formas humanas e não podiam livrar-se dos
problemas típicos da humanidade – amor, ódio, vingança, prazer, guerras,
inveja, ou seja, não se encontravam “acima” dos vícios e fraquezas por nós
enfrentados. Sua abstração, com base nesses dados, não era uma abstração
como a entendemos hoje. Os Pitagóricos, ao traduzirem tudo em números,
pretendiam uma ordenação do cosmos, pretendiam dar concretude ao que
lhes rodeava, em última instância, procuravam o concreto e não o abstrato.
É verdade que ao desenvolverem o conceito de número deram início a um
processo que vai, paulatinamente, colocando o homem na esteira de uma
complexificação das relações estabelecidas entre os âmbitos do pensado e
do experenciado. Se isso ocorre é porque acontece, simultaneamente, uma
série outra de fatos importantes. A modificação no pensamento matemático
encontra-se aliada ao desenvolvimento social e político das cidades-estado
da Grécia e à evolução da lógica, entre outros fatores.
44 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
naturais, muito distante da abstração que introduzirá a álgebra ou
da abstração quinta-essência da matemática de hoje. As figuras da
matemática grega não são entes abstratos muito diferentes dos ele-
mentos químicos, dos gases perfeitos, das espécies biológicas, das
formas cristalográficas (BABINI, 1985, p. 124)11.
11 Números irracionais são aqueles que não podem ser expressos sob a forma de uma fração, isto é, sob
a forma a/b, como, por exemplo, a raiz quadrada de três. A infinitude de tais números foi motivo de
medo e incompreensão. “Sabe-se que os pitagóricos da Grécia antiga, que levaram o crédito de have-
rem descoberto no sexto século a.C. a natureza infinita dos números irracionais, ficaram maravilhados,
confusos e cheios de temor diante dessa descoberta. Tentaram, então, mantê-la em segredo, a ponto de
instituírem a pena de morte para quem ousasse revelá-la. Diz a lenda que um violador dessa proibição
fugiu para o mar e afogou-se. Sua morte foi atribuída ao castigo divino” (DOCZI, 1990, p. 5).
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 45
ela continua intensamente presente no cotidiano, multifacetada, submersa,
replicante, escandida, estrategicamente escondida sob capas coloridas, mas,
todavia, fortemente, presente. Como lembra Heisenberg, “Se tem procurado
que, para todas as nossas medições, seja válida a geometria de Euclides e que
nada se alheie a ela” (HEISENBERG, 1974, p. 115). Historicamente tem-se ten-
tado adequar os problemas apresentados aos referenciais teóricos disponíveis.
Uma ciência considerada exata começa a lidar com “objetos visíveis apenas
para o pensamento” (DIEUDONNÉ, 1990, p. 53), tanto que na obra de Lobat-
chevisky (1793-1856), “Pangèometriè”, não aparece uma única figura; é um
trabalho “imaginário”. Os novos objetos matemáticos deixam de ter “imagens”
acessíveis aos sentidos e seguem por dimensões impensáveis plasticamente,
mas não poeticamente. E os olhos de Pedro Salinas (em seu poema “Ver lo
que veo”, de 1974) tateiam tentando “ver na córnea”, traduzir ao imaginário
o que os números já viram e mostraram:
46 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
VER LO QUE VEO
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 47
superou obstáculos construídos através da intuição geométrica
imposta pelo mundo exterior e o hábito mental imposto pelos
“Elementos”, [...] elaborou de forma rigorosamente dedutiva um
novo edifício geométrico (BABINI, 1952, p. 124).
A circularidade, como tem sido vista ao longo desse estudo, remonta à pré-
-história, pelo menos, e persiste até hoje. Augusto de Campos lança mão
dessa circularidade para produzir seu OVONOVELO, um exercício que leva
às últimas consequências os princípios arquetípicos, mandálico-ancestrais
48 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
dessa forma, evitando, entretanto, fechar o poema nos seus limites, deses-
tabilizando o centro que surge no “pé” do poema, fixando outros centros e
outras circunferências (como em “OVONOVELO”, de Augusto de Campos,
escrito em 1955).
Figura 3
Paul Klee, “Ab ovo”,
1917
Fonte: Imagem de
Domínio Público.
Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/
wiki/File:Paul_Klee_-_Ab_
ovo.jpg.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 49
Ptolomeu (11 d. C.) escreveu no “Almagesto”:
Tudo é medida, música, tudo está de acordo; os corpos emitem ou
recebem luz; segundo o lugar que ocupam – realidade cinzelada,
geométrica: xadrez como na cúpula de estuque os polígonos estre-
lados [...] o tempo, a Terra está no centro, fixa; à sua volta os corpos,
inseridos em esferas distintas, deslocam-se em movimentos perfeitos,
quer dizer circulares e uniformes (SARDUY, 1974, p. 36).
É sabido que o círculo é uma forma que sempre aparece nos achados
antropológicos, na vasta documentação iconográfica que nos foi legada.
A presença marcante da forma circular no pensamento humano tem sido fonte
de muitas complicações, visto que se tem tentado, historicamente, conformar
nossa realidade a um modelo de perfeição comandado pelas equações que
regem a circularidade.
50 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
subsequentes, reformar significa formar de novo e, assim, ao relativizar os
centros, ele alterou significativamente a ordem cósmica.
12 Em “Last Supper”, datada de 1986, época da restauração das obras de da Vinci, Andy Warhol cria
serigrafias de tamanho grande e em versões diferentes, convidando o público a substituir as imagens
tradicionais. A superexposição do trabalho de da Vinci, denunciada pelo estilo de Warhol, reflete
uma tendência encontrada, também, nos livros especializados em história da arte, onde se percebe
a recorrência de algumas obras. Ao optar por colocar aqui a desconstrução justamente da “Ceia”
foi porque além de representar um momento que reflete uma orientação geométrica específica da
representação, ela aprece com bastante frequência nos livros consultados, parecendo, mesmo, ser
presença obrigatória, sem a qual seria criada uma “lacuna imperdoável”.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 51
Figura 4
Leonardo Da Vinci,
“A Última Ceia”,
1495-1497
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Disponível em:
https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=24759.
Figura 5
Linhas de força em
Leonardo Da Vinci,
“A Última Ceia”,
1495-1497
Fonte: Intervenção da autora
sobre Imagem de Domínio
Público. Disponível em:
https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=24759.
Figura 6
Andy Warhol,
“Last Supper”, 1986
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Fair Use. Disponível em:
http://www.wikiart.org/en/andy-
warhol/the-last-supper-1986.
Ainda, para Huyghe:
Le Christ, à líntersection de l’axe vertical de symétrie et de lorizon-
tale de la table, sous la fenêtre centrale, seule incurvêe selon un
tracé dont il est le centre, le Christ, placé encore au point précis òu
viennent se fondre toutes les lignes de fuit du sol est élegantment
le lieu géométrique si l’on peut dire, de l’attencion passionne et si
humainement varieé des Apôtres. Par le même miracle se noue ici
tout ce qui existe de réatités physiques, de conceptions plastiques,
de sentiments profonds dans l’oeuvre (HUYGHE, 1955, p. 225).
13 Aristóteles, note-se, era partidário de uma cosmologia esférica e, como Platão, escreve muitas vezes
em forma de diálogos.
54 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
O mistério da criação seja ele de que tipo for, está distribuído em múltiplas
camadas, como acontece com um cientista ou com um artista, portador de
olhos que procuram expressar o sensível, o invisível, o que está diante de nós
e foge ao nosso entendimento, aquilo que não passa de uma possibilidade,
de uma impressão ou uma forma que nos escapa. Talvez nenhuma busca
tenha sido tão cruel quanto à de Kepler (1561-1630). Gastou a vida modifi-
cando conteúdos para dar suporte a uma forma – a circularidade das órbitas
dos planetas para descobrir, quase no fim, que o engano estava na forma.
Mas quem poderia, então, questionar e ir contra a fantástica perfeição do
círculo? Parecia ser antinatural pensar que os planetas se movessem sobre
outra trajetória, parecia ser uma heresia, era lógico manter a continuidade
do movimento no sentido de obedecer ao “natural”.
Figura 7
Modelo de Kepler dos
sólidos platônicos
para o sistema solar,
publicano no “Mysterium
Cosmographicum”, 1600
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Disponível em:
https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=37300.
PLANETA
Figura 8
Interpretação esquemática SOL
da Lei de Kepler – Órbita F1 F2
elíptica
Fonte: Elaboração própria.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 55
A crise formal vivida por Kepler encontrou escândalo igual e contemporâneo
na obra de Caravaggio. Em especial numa encomenda feita por uma igreja de
Roma, que deveria conter a imagem de São Mateus escrevendo o evangelho,
acompanhado por um anjo simbolizando a inspiração divina. O quadro foi
recusado em sua primeira versão (Figura 9) por reapresentar São Mateus
como uma figura que fugia dos cânones clássicos. A obra recusada teve uma
segunda versão (Figura 10), mais “conformada”, de acordo com a imagem
que a igreja esperava de um santo, um homem de qualidades quase divinas.
Uma série de anjos vem invadindo esse capítulo sobre os números. O “anjo”
nº1 de Caravaggio (Figura 9) não agradou; o nº2 foi mais “feliz” (Figuras 10).
Figuras 9 e 10
Caravaggio, “São Matheus e
o Anjo I”, 1601-1602 e “São
Matheus e o Anjo II”, 1602
Fonte: Imagens de domínio
público. Disponíveis em: http://
www.unicamp.br/chaa/Imagens/
neville/pq-042.jpg (Figura 9)14
e https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=136502
(Figura 10).
14 Versão colorizada com base em foto em preto e branco, em função da destruição da obra original de Cara-
56 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
vaggio, que se encontrava no “Kaiser-Friedrich-Museum”, Berlin, durante bombardeio dos aliados em 1945.
Retomando Kepler, ele também tinha seus anjos. Extremamente místico,
tenta encontrar explicações transcendentais para o que foge à racionalidade
científica, embora não deixe de lutar por um modelo que esteja de acordo com
essa racionalidade. Assim, nomeia para cada um dos planetas um “angelus
rector”, uma espécie de anjo da guarda, cuja função é preservar, conservar,
proteger.
58 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Figura 11
William Blake, “Newton”,
1795-1805
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Disponível em: https://
upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/0/0e/Newton-
WilliamBlake.jpg.
Nas pegadas dessa ascensão seguem estratégias de marcação do tempo de
cuja precisão decorre um encolhimento progressivo de nosso tempo. A um
encurtamento do tempo disponível soma-se paradoxalmente uma ampliação
do “dia”15, reordenado por uma “luz” digital que nos coloca “on line” 24 horas
por dia. Essa plugagem não representa um «ganho» já que o tempo só poder
ser esticado através da supressão de outro tempo, o do sono/descanço. Não
é a toa que no século XVIII se comparava o universo a um relógio; a ideia de
relógio, como se sabe, expressa uma possibilidade de controle, e equalização,
e estabelece uma analogia com o uso dos processos mecânicos tecendo/
marcando o ritmo da sociedade na esteira da revolução industrial. O avanço
das pesquisas, e o consequente avanço da tecnologia, modificaram teoriza-
ções e modos de vida. A coerção cronométrica traduz-se na citação de Atalli
(1993): “Todo processo que mede o tempo contém violência [...] a cada grande
alteração do poder, mudam também a medida e a concepção do tempo: o
relógio solar, a clepsidra, o relógio de quartzo são signos anunciadores das
profundas rupturas da ordem social” (172).
15 Pode-se dizer que a extensão do dia deveu-se, em primeiro lugar, ao estabelecimento de um dia
químico – marcado pela iluminação à luz de velas; depois se seguiram os dias elétricos – energia
elétrica e, os dias chamados eletrônico-digitais – permitindo a comunicação ininterrupta com uma
série de serviços e, inclusive, com o mercado financeiro que pode permanecer sempre acordado. Para
uma leitura mais atual sobre o tema ver Crary (2014).
60 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
CAPÍTULO 3
OUTRAS BASES
EPISTEMOLÓGICAS
Tudo que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.
62 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Figura 12
Peter Paul Rubens,
“La Kermesse”, 1635-1638
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/w/
index.php?curid=30142901.
Figura 13
Linhas de força simulando o
símbolo do infinito na obra
de Peter Paul Rubens, “La
Kermesse”, de acordo com
HUYGHE, 1955
Fonte: Elaboração própria com
base em discussão de HUYGHE,
1955, p. 56. Linhas desenhadas
sobre Imagem de Domínio
Público. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/w/
index.php?curid=30142901.
outras ciências não passava de uma radicalidade extrema de Rutherford, basta
lembrar que ele ganhou o prêmio Nobel em química, pois a área de estudos
por ele desenvolvida pertencia ao universo da química; só posteriormente
é que passou a integrar o âmbito da física. Quando Heisenberg afirma que
“existe na geometria algo notavelmente estranho e emocionante” (CLINE, 1992,
p. 194), demonstra o quanto à mudança na geometria significou para a física.
Com Prigogine (1996), vai ser possível compreender melhor a atual posição da
física no conjunto das ciências, através da Teoria das Estruturas Dissipativas,
que, promove uma mudança:
[...] da ordem através de flutuações, estabeleceu sistemas abertos,
funcionando nas margens da estabilidade. A importância dessa teoria
está na nova concepção da matéria e da natureza que propõe uma
concepção dificilmente compatível com a herdada da física clássica.
Ao invés do determinismo e do mecanismo, a imprevisibilidade.
A superação do mecanicismo através de uma síntese com o orgânico
constitui, sem dúvida um dos problemas básicos do homem, neste
fim de século XX (p. 11-12).
64 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
de cientistas como Kepler. O vício da circularidade – que tem no círculo a
forma mandálica, implícita nas articulações do braço – como resposta, ofus-
cou os olhos que demoraram a enxergar dentro de outra lógica. Uma lógica
não circular. “Traçar um círculo: o gesto mais imediato e universal, anônimo,
pulsão primeira da mão, escondida sobre milênios de técnica e cultura [...]”
(SARDUY, 1974, p. 105).
O mesmo deu-se com o modelo atômico concebido por Neils Bohr, em 1912
(Figura 14), uma espécie de micro sistema solar, dotado de um núcleo em
cujas órbitas gravitavam elétrons. Sabe-se hoje que a comparação muito se
distancia da realidade. Não é assim que o átomo se comporta, é de modo
bastante diferente, de uma forma que não se pode descrever. Essa dificuldade
de visualização fez com que o modelo de Bohr continuasse sendo utilizado,
colaborando para dificultar os avanços nas pesquisas sobre o átomo.
Increasing energy
n=3 of orbits
n=2
n=1
Figura 14
Modelo do átomo de Neils
Bohr, 1912
Fonte: Imagem de Domínio A photon is emitted
Público, de Enoch Lau. with energy E = hf
Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/w/
index.php?curid=180152.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 65
bulência, imprevisibilidade, trabalhando diferentemente com os conceitos
de ordem e desordem. As barreiras que separavam as disciplinas científicas
foram novamente enfrentadas e, transformando em parcial e insatisfatória a
análise isolada de um fator. Vejo nas telas de Jackson Pollock uma similaridade
antecipada à proposta da teoria do caos, seu trabalho não reflete a atitude
de quem conta com somente com o acaso, mas de quem sabe da imprevisi-
bilidade existente em sua técnica, “[...] empregando os instrumentos de seu
ofício, as telas e as tintas, de maneira contrária a todas as regras” (ARGAN,
1993, p. 622), mescla ação e acaso, como em “No. 5”, de 1948 (Figura 15).
66 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Figura 15
Jackson Pollock,
“No. 5”, 1958
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Fair Use. By Taken from Art
Market Watch.com., Fair use,
https://upload.wikimedia.
org/wikipedia/en/4/4a/
No._5%2C_1948.jpg.
Como afirmou Demócrito, cinco séculos antes de cristo: “Tudo o que existe
no universo é fruto do acaso e da necessidade” (DEMÓCRITO, apud MONOD,
1971, p. 54), ou, contemporaneamente, Jacques Monod (1971): “O acaso e
somente o acaso está na origem de toda inovação” (p. 122) e, poeticamente
Ana Hatherly em “A deslocação no espaço ou no tempo”:
A DESLOCAÇÃO NO ESPAÇO OU NO TEMPO
68 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
do outro lado do acaso se chamará passar para o outro lado
Ou cruzar a fronteira do acaso é buscar o uso da colocação a utilidade
intrínseca do
acontecimento deslocado no movimento do acontecimento.
O viajante que a todo o instante tenta cruzar a fronteira do espaço ou
do tempo ou do acontecimento arde na intensa pira do acontecimento
perseguido e no espaço ou
no tempo ou no movimento ocasiona o núcleo invisível da fronteira
que separa um, acontecimento do outro e tudo reúne sob a forma
de deslocação.
O acaso está sempre em estado de ser colocado e a todo o instan-
te procurado se recoloca no acontecimento instante do seu ser
entretanto
acaso único e usual utente.
E no desfazamento entre o que é acaso e o que ocasionalmente é
ocasionado está o acaso permanentemente descolocado.
(HATHERLY, 1967, p. 30).
A geometria fractal detona uma avalanche que vai abalar nossa concepção de
ciência, arte e, como não poderia deixar de ser, de mundo. Fractal deriva de
fractus – que significa: irregular, interrompido. A linguagem fractal identifica,
na complexidade do real “coisas extremamente simples”, confere formas
geométricas, encontra equações e modelos matemáticos para situações antes
impensáveis. Um objeto fractal pode ser descrito, em sentido intuitivo, como
“[...] qualquer coisa cuja forma seja extremamente irregular, extremamente
interrompida ou descontínua, seja qual for a escala em que a examinemos.
Um ‘objeto fractal’ é, pois, um objeto físico (natural ou artificial) que mostra
intuitivamente uma forma fractal” (CALABRESE, 1987, p. 135).
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 69
Leonardo Da Vinci” (1478) (Figura 17) e “Espiral de Fraser” (1908) (Figura 18),
para perceber a proximidade.
Figuras 16, 17 e 18
Mosaico Romano (século
II), Símbolo da Academia de
Leonardo da Vinci (1490) e
Espiral de Fraser (1908)
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Fair Use. Disponível em: http://
www.didatticarte.it/public/
simmetria-radiale-mosaici.jpg
(Figura 16). Imagem de Domínio
Público. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/wiki/
File:Emblem_of_school_of_
Leonardo_da_Vinci.jpg
(Figura 17). Imagem de Domínio
Público. Disponível em: By
Mysid – Self-made in Inkscape;
based on en:Image: Frasers.
gif., Public Domain, https://
commons.wikimedia.org/w/
index.php?curid=2543680
(Figura 18).
70 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
A auto similaridade foi precocemente empregada por Escher, levando às
últimas consequências, ao limite do visível, a repetição de um padrão (como
em “Samaller and Smaller”, de 1958) (Figura 19).
Figura 19
M. C. Escher, “Smaller and
Smaller”, 1956
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Fair Use. Disponível em: http://
www.wikiart.org/en/m-c-escher/
not_detected_204750.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 71
Radiografando Escher, aparece com maior evidência, ainda, a estruturação
sobre uma forma matemática perfeitamente simétrica, subdividida em partes
também perfeitamente simétricas.
72 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Há que abandonar a noção Aristotélica de substância como o extrato
básico de que se compõem as coisas do mundo, bem como toda a
ambição de uma previsibilidade e determinismo absolutos; toda forma
é precária, pois toda essência é imprecisa e se dissolve em acidentes,
e o futuro é inexoravelmente probabilístico. O que chamamos de
“mundo objetivo” seria então a expressão macroscópica de uma trama
infindável de relações quânticas que não padecem, elas mesmas, de
“objetividade” (NOVELLO, 1995, p. 88).
O impalpável cada vez mais invade nossas vidas, “o vazio quântico não é
uma privação, mas uma flutuação com a marca da multiplicidade, por conter
potencialmente todas as partículas possíveis que surgem constantemente
para desaparecer de imediato” (ALLIEZ, 1988, p. 88).
16 Tal distinção faz-se necessária, pois algumas correntes da física afirmam: “O vazio e a matéria são a
mesma coisa” (PETIT, 1982, p. 67).
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 73
Na mecânica quântica não deveria haver verdades absolutas, os aconteci-
mentos comportam certa dose de relatividade (é interessante ver o trabalho
de Escher, “Relativity”, 1953) (Figura 20).
74 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Figura 20 – M. C. Escher,
“Relativity”, 1953
Fonte: Imagem para fins não
comerciais/acadêmicos. Fair
use. Disponível em: https://
en.wikipedia.org/w/index.
php?curid=29612930 .
o universo, interferindo no cotidiano do homem. Foi preciso que Einstein,
no início deste século, conseguisse dar ao átomo vestimenta matemática,
uma fundamentação teórica rígida para que as dúvidas fossem sanadas.
A força da matemática, mais uma vez, é usada para dar sustentação e conferir
respaldo a uma estrutura, ingressando no mundo do infinitamente pequeno
e assustadoramente poderoso: o universo quântico.
76 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Proveniente da lógica aristotélica uma argumentação da forma: se “a=b” e
“b=c” então “a=c”, não importando o que “a”, “b” ou “c” signifiquem, tornou-
-se uma atitude tão arraigada aos processos de comunicação que tem sido
muito difícil deixar de lado todo o condicionamento imposto por séculos de
aristotelização de nossas linguagens. É trivial mencionar a linguagem verbal
como veículo portador da dicotomia aristotélica. Ao mesmo tempo em que se
tem denunciado sua contínua utilização, vemo-nos inegavelmente atrelados
a ela. Sob a lógica formal subjaz uma orientação metafísica, instituída por
Aristóteles. Conforme Lefebvre, “Chamamos de metafísica, por definição,
aquele pensamento que separa o que é ligado” (LEFEBVRE, 1983, p. 53).
Na história da arte uma série de obras traduz essa conjuntura, provendo uma
desconstrução das “cabeças”: “Cabeça”, de Pablo Picasso, 1928 (Figura 21);
“Cabeça”, 1928, de Alberto Giacometti (Figura 22); “Senecio”, de Paul Klee,
1922 (Figura 23); “A cabeça mecânica, o espírito do nosso tempo”, de Raoul
Haussman, 1921 (Figura 24); “Fish and Balcony, Still Life by Moonlight”, de
Salvador Dali, 1928 (Figura 25), entre outras.
17 “O lógico e o racional, em certo sentido, coincidem. Os princípios basilares da razão (ou do contexto
racional) constituem, na realidade, as leis da lógica (matemática) tradicional” (COSTA,1994, p. 17).
18 Sobre esse tema, Lefebvre escreve: “A lógica dialética teve que superar a oposição entre o racional
e o real, e descobrir um novo movimento do pensamento” (1983, p. 171).
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 77
Figura 21
Pablo Picasso, “Cabeça”,
1928
Fonte: Imagem para fins
não comerciais/acadêmicos.
Fair use. Disponível em:
https://s-media-cache-ak0.
pinimg.com/736x/e0/8d/bc/
e08dbc2f02886596df1d1aaeecc
f46bf.jpg.
Figura 22
Alberto Giacometti,
“Cabeça”, 1928
Fonte: Imagem para fins não
comerciais/acadêmicos. Fair
use. Disponível em: http://www.
thecityreview.com/giacom9.gif.
Figura 23
Paul Klee, “Senecio”, 1922
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Disponível em: http://
uploads5.wikiart.org/images/
paul-klee/senecio-1922(1).
jpg!Large.jpg.
Figura 24 Figura 25
"A cabeça mecânica, o "Fish and Balcony,
espírito do nosso tempo”, Still Life by Moonlight",
de Raoul Haussman, 1921 de Salvador Dali, 1928
Fonte: Imagem disponível Fonte: Imagem de Domínio
para finas não comerciais/ Público. Disponível em:
acadêmicos. Fair Use. By http://img.wikioo.org/Art.
Source, Fair use, https:// nsf/O/8XYV5R/$File/Salvador-
en.wikipedia.org/wiki/index. Dali-Still-Life-by-Moonlight.JPG.
php%3Fcurid%3D18106762.
80 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Sucessivas desestruturações tornaram imperativas as mudanças no sistema
lógico, abrindo espaço para o estabelecimento de outros conjuntos de pro-
posições, capazes de superar a rigidez, até então, irrefutável. O fio que nos
une à lógica não foi desatado, reforçando o fato de “Estarmos ainda hoje
densamente influenciados pelo modo de pensar dos gregos, sobretudo pela
lógica aristotélica, que nos vem ‘ensinando’ como dicotomizar o mundo e
pensar de maneira excludente” (SANTOS, 1990, p. 5), mesmo com as surpreen-
dentes transformações ocorridas. No entender de Newton da Costa, “O fato
de a lógica ter permanecido praticamente invariável durante dois mil anos
deve-se a fatores culturais, em sua maior parte externos a ela, derivados das
contingências de sua história” (1994, p. 27).
19 Os teoremas de Gödel podem ser enunciados assim: “I – Toda axiomática consistente da aritmética
é completa. II – A consistência de qualquer axiomática consistente da aritmética não pode ser de-
monstrada nessa axiomática”. Os teoremas de Gödel mostram que o método axiomático está sujeito
a grandes limitações. (COSTA, 92, p. 57).
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 81
(HAMILTON, Catálogo para a 21ª Bienal de São Paulo). Acrescento, não cabe
mais sequer pensá-los em termos de oposição.
Figura 26
René Magritte, “Isto não é
um cachimbo”, 1928-1929
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Fair Use. By Image taken from
a University of Alabama site,
“Approaches to Modernism”: [1],
Fair use, Disponível em: https://
en.wikipedia.org/w/index.
php?curid=555365.
82 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Repensar a lógica requer repensar conjuntamente toda a ciência. Quando na
física, constata-se a impossibilidade de explicar/controlar tudo, o elemento
caótico passa a ser presença constante nas pesquisas. O cristal líquido, por
exemplo, é uma substância (cujo próprio nome nos revela) que possui proprie-
dades tanto dos sólidos quanto dos líquidos. A luz apresenta características
ora de onda, ora de partícula, deixando evidente seu caráter eminentemente
material, muitas vezes esquecido. Os átomos de carbono, de acordo com a
forma como se arranjam na natureza, originam diamante, grafite ou ainda,
uma substância chamada buckminsterfullerene. Na microfísica, Heisenberg
descobriu que “Os átomos e as partículas não são tão reais, eles formam,
antes, um mundo de potencialidades, do que um mundo de coisas e fatos”
(HEISENBERG, apud COSTA, 1992, p. 125). Esse princípio ficou conhecido como
o Princípio da Incerteza20.
20 O princípio da incerteza leva a pensar que a física assumiu uma condição ilógica. Para um maior
detalhamento desta questão veja-se a obra de Newton da Costa, “Ensaios sobre os fundamentos
da lógica”.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 83
Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.
O físico italiano Carlo Rubbia afirma que “[...] a maior realização da física nes-
tes 40 anos foi ter entendido o papel da simetria [...] É preciso achar simetria
num mundo que não a mostra claramente [...] as propriedades das partículas
também têm uma relação com a propriedade da simetria. Elas seriam o resul-
tado de princípios invariáveis. Confirmando o papel-chave das propriedades
84 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
invariáveis, começa-se a perguntar por que elas estão tão ocultas à primeira
vista” (RUBIA, 1992, p. 8) (grifo meu). A necessidade de encontrar uma si-
metria é um indicativo de que a sua ausência causa um profundo incômodo.
“A razão não é estática” (COSTA, 1992, p. 16). Ela está, pois, em constante
movimento. O cérebro é, ainda, um labirinto. Temos lhe imputado um com-
portamento linear, enquanto que sua capacidade de complexificação nos
remete para uma absoluta não linearidade. Estamos novamente diante da
desordem. Quando parecemos estar prestes a tocar uma das “paredes” do
labirinto mais um novo caminho nos é apresentado. O físico Rogério César
de Cerqueira Leite, descreve o intelecto como sendo um “empilhamento de
matrizes de percepção”. Estas matrizes estariam recebendo informações e
organizando-as dentro de um quadro mais amplo. Nossa memória parece
antever que determinadas informações nos serão indispensáveis em um
futuro próximo e as armazena cuidadosamente. O esquecimento exerce um
papel fundamental dentro do âmbito da cultura. Sua função é a de seleção:
Nossas culturas só se lembram esquecendo: só se mantém rejeitando
uma parte daquilo que experimentaram dia-a-dia. A seleção saneia,
assim é que ela criva. Ela desconecta; corta o contato imediato que
temos com nossa história no momento em que vivemos. Afasta-nos
um pouco permitindo que seja criada uma perspectiva (...) esse
esquecimento é dinâmico: é rejeição em vista de. Ele não aniquila,
mas, pole, apaga, e assim clarifica o que abandona a lembrança [...]
(ZUMTHOR, 1988, p. 83).
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 85
A cultura, no futuro, acena com possibilidades inacreditáveis. O filme “Total
Recall”, estralado por Arnold Swartzneagger, baseado num romance de Philliph
K. (“Nós relembramos para você”), mostra a memória sendo artificialmente
implantada, a partir de opções do indivíduo, de modo que ele não poderá
distinguir entre o que ocorreu realmente e o que lhe foi implantado. Isso de-
terminaria uma impensável estrutura social, onde a oscilação seria assimilada
e a instabilidade integrada.
86 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
CAPÍTULO 4
REBELIÃO DE
CONCEITOS
DE pronto, sin motivo:
graznido, palaciego,
cejijunto, microbio,
padrenuestro, dicterio;
seguidos de: incoloro,
bisiesto, tegumento,
ecuestre, Marco Polo,
patizambo, complejo;
en pos de: somormujo,
padrillo, reincidente,
herbívoro, profuso,
ambidiestro, relieve;
rodeado de: Afrodita,
núbil, huevo, ocarina,
incruento, rechupete,
diametral, pelo fuente;
en medio de: pañales,
Flavio Lacio, penates,
toronjil, nigromante,
semibreve, sevicia;
entre: cuervo, cornisa,
imberbe, garabato,
parásito, almenado,
tarambana, equilátero;
en torno de: nefando,
hierofante, guayabo,
esperpento, cofrade,
espiral, mendicante;
mientras llegan: incólume,
falaz, ritmo, pegote,
cliptodonte, resabio,
fuego fatuo, archivado;
y se acercan: macabra,
cornamusa, heresiarca,
sabandija, señuelo,
artilugio, epiceno;
en el mismo momento
que castálico, envase,
llama sexo, estertóreo,
zodiacal, disparate;
junto a sierpe... ¡No quiero!
Me resisto. Me niego.
Los que sigan viniendo
han de quedarse adentro.
88 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
átomos componentes de um sistema, mas como derivam para um modo de
ação subatômico, carregando em sua face significante um aparente reco-
nhecimento e por trás dela a frenética agitação de muitas partículas movi-
mentando-se, obrigando-nos a ter em mente o fato de não corresponderem
a uma noção única; como adverte Morin (1977), são de conceitos-enigmas a
serem continuamente desvendados.
Nem sempre é possível encontrar uma definição que faça jus ao que se
quer expressar. Determinados objetos de estudo precisam conviver com
explicações aproximadas e até mesmo imprecisas, não correspondendo ao
rigor pretendido pela ciência, para cada uma de suas partes. “Um conceito
não é uma coisa, mas não é tão pouco somente a consciência de um con-
ceito. Um conceito é um instrumento é uma história, isto é, um feixe de
possibilidades e de obstáculos envolvidos num mundo vivido” (GRANGER,
apud BARTHES, 1988, p. 13).
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 89
Esse fato aponta a necessidade, imprescindível, de historiar-se um conceito,
considerando toda a complexidade das palavras, como mostram os versos
de Huidobro:
ALTAZOR
O uso da palavra Geometria pouco tem a ver com as intenções iniciais que
a escolheram:
Gy e Metron-palavras gregas que significam Terra e medida, já não
correspondem ao objetivo da Geometria como ciência. [...] A Geo-
metria é a ciência do espaço ou, dito de outro modo, o espaço está
em todos os corpos (COLERUS, 1952, p. 19).
90 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
O conceito lato de geometria desprende-se das suas origens, escapa das
dimensões da mensuração terrestre e vai invadir a arte, onde sempre esteve,
ainda que sutilmente, presente.
Grande parte dos estudos a esse respeito reveste-se, ainda, de uma fala en-
trecortada, sintoma da extensão da proposta de pesquisa, da recorrência de
elementos e da complexidade inerente à proposta de pensar arte e geometria
de modo não meramente complementar, mas intercomplementar.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 91
O espaço de Vallejo é um lugar que parece desaparecer sob seus pés,
refletindo angústia, tensão, desterro:
TRILCE
[...]
[...]
92 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
mento das ciências e à reorganização sócio-histórica do homem. Há sempre
um componente circunstancial envolvido, como a falta de conhecimento de
um determinado aspecto, causada pela insuficiência de meios disponíveis e/
ou pelas barreiras político/culturais estabelecidas.
Isaac Newton estabeleceu um espaço matemático que não deve ser confundi-
do com o espaço de nossa experiência cotidiana; Berkley afirmou: “o espaço
matemático de Newton era imaginário, pontos e linhas não são objetos físicos
nem psicológicos“21.
21 Uma discussão mais detalhada sobre a questão do espaço encontra-se em minha dissertação de
mestrado: FRANÇA, 1994.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 93
possuía a forma de um tabernáculo construído no deserto por Moisés; hoje,
a Terra é sabidamente esférica e o universo que habitamos continua sem
uma configuração exata; alguns físicos o vêem como tendo a “forma inversa
de uma esfera”, isto é, ele não pode ser encarado como algo fechado, deli-
mitado; outros o vêem como “um círculo cujo centro está em toda parte e a
circunferência em parte alguma”22, enfim, como algo bastante complexo, o
que contribui para aumentar a angustia de um homem que desconhece seus
limites, temendo ser engolido por um buraco negro, bem como temeu des-
pencar de um abismo ao chegar ao final de um planeta plano. A mudança de
referenciais vai atravessar inúmeras etapas, abrangendo discussões internas
e externas, específicas e contextuais.
22 Essas expressões aparecem nos estudos de vários físicos, entre eles Stephen Hawking.
94 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Figura 27
Salvador Dali, “The
architectonic angelus of
Millet”, 1933
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais. Fair Use.
Disponível em: http://www.
wikiart.org/en/salvador-dali/the-
architectonic-angelus-of-millet.
Figura 28
Pablo Picasso, “Guitar ang
jug on a table”, 1918
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais. Fair Use.
Disponível em: http://uploads6.
wikiart.org/images/pablo-
picasso/guitar-and-jug-on-a-
table-1918.jpg!Large.jpg.
Figura 29
Paul Klee, “Cosmic
Composition”, 1919
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Disponível em: http://
uploads7.wikiart.org/images/paul-
klee/cosmic-composition-1919(1).
jpg!Large.jpg.
Figura 30
Piet Mondrian,
“Tableau I”, 1921
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/w/
index.php?curid=37668615.
Figura 31
Alexander Calder,
“Blue Feather”, 1948
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais. Fair Use.
Disponível em: http://uploads4.
wikiart.org/images/alexander-
calder/blue-feather-1948.jpg.
A escolha de outros espaços rompe com a obrigatoriedade da moldura, faz com
que a poesia apareça em jornais, cartazes, camisetas. Cada movimento dialoga
com o novo e o antigo, como o cubismo, onde adota um novo espaço de luta:
A um espaço compartimentado sucede-se outro, homogêneo que cor-
responde ao “subjetivismo” moderno e que prevalece até o cubismo:
espaço simbolizado, na sua representação, pela convergência num
ponto ideal, embora definido no quadro, das linhas de fuga; todas
as ortogonais coincidem nesse ponto único, o que corresponde à
geometrização progressiva do universo nele compreendido, na sua
expressão pelas coordenadas cartesianas” (SARDUY, 1974, p. 130).
Próximo destas indagações, José Teixeira Coelho fala do espaço como “um
conjunto analisável de signos” (1979, p. 21), e aponta para a necessidade de
se pensar de maneira inter-relacional tudo o que está ligado à espacialidade.
A afirmação de Rilke de que: “As obras de arte nascem sempre de quem afron-
tou o perigo, de quem foi até o extremo de uma experiência, até o ponto que
nenhum ser humano pode ultrapassar. Quanto mais longe a levamos, mais
nossa, mais pessoal, mais única se torna uma vida” (RILKE, apud BACHELARD,
1989, p. 253-254), mostra o combate empreendido pela arte.
23 Para maiores informações sobre a ciência Ocidental e não-Ocidental, ver R. Rashed (1984), especial-
mente o apêndice: “La Notion de Science Occidental”.
98 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Talvez se possa falar em “prazo de validade das imagens”, isto é, uma imagem
adequa-se ao tempo-espaço em que é produzida, ligando-se aos determinan-
tes científicos, às teorias matemáticas, à disponibilidade dos meios para sua
execução e ao entendimento que a sociedade tem da vida e do universo, os
quais o artista consegue elaborar e plasmar, sintetizando numa obra a efer-
vescência do cotidiano. Novamente friso a importância de ter em conta os
aspectos conjunturais, pois se evita, dessa forma, estabelecer comparações
valorativas, sem sentido. Por isso, Herbert Read (1957) prefere não pensar em
termos de desenvolvimento ou de evolução da arte, mas numa complexifica-
ção e diferenciação, de acordo com cada contexto espaço-temporal.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 99
Figura 32
Detalhe de “La Grande
Vache Noir” – Caverna de
Lascaux, França, período
neolítico
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Par HTO — Travail
personnel (own photo),
Domaine public, Disponível
em: https://commons.
wikimedia.org/w/index.
php?curid=6909479.
Hoje, numa era em que se buscam “pós-imagens”, ainda permanecem as
indagações: O que é arte concreta? O que é arte abstrata? O que é concre-
to? E abstrato? Costumava-se considerar como concreta a arte inspirada na
natureza, ou melhor, a própria definição de arte se colava a este clássico
pressuposto, que retomou Amaral (2001): “Arte é a natureza vista através de
um temperamento” (p. 63). A Abstrata não utilizaria nenhum modelo natural,
não teria nenhuma relação imediata com o mundo. Ambos os conceitos já não
podem mais ser assim considerados, outras implicações precisam ser levadas
em conta. Contra argumenta-se que a arte concreta é, na verdade, abstrata,
pois se trata de uma representação do real, que, conforme Júlio Plaza, pode
ser expresso como “[...] uma espécie de conjunto polifônico de mensagens
parciais que realizam um contraponto, determinando a inteligibilidade maior
ou menor do conjunto” (PLAZA, 1987, p. 86).
24 A divisão em dois tipos de obras proposta por Worringer será utilizada nesse estudo apenas como
referencial contextualizador, uma vez que existem inúmeras formas intermediárias entre o que ele
chama de “empatia” e “abstração”.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 101
A arte abstrata relaciona-se com o público por meio de outros processos de
interação, trabalhando a conexão formal através de intrincados pressupostos.
Koestler, no seu livro “Jano”, nos apresenta a história de duas pessoas con-
versando, em uma sala, sentadas próximas a uma pintura abstrata numa das
paredes. O visitante não conseguia desligar-se da tela e, intrigado, olhava-a
ininterruptamente. Angustiado, pergunta ao dono da casa o que significava,
e recebe, como resposta, o título da obra. Essa nomeação do desconhecido
fez com que ela se encaixasse dentro de parâmetros reconhecíveis, cessando
o diálogo e o questionamento, afinal “aquilo” era um por do sol, mesmo que
não se parecesse com um (KOESTLER, 1981). Um bom exemplo dessa expe-
riência pode ser visto em “The Morning Star (from Constellations)”, de Juan
Miró, 1941 (Figura 33).
O estranhamento causado por esse tipo de obra leva a uma rejeição inicial,
pois não é o tipo de expressão que acalente ou embale, pedindo uma leitura
que promova ebulição interior, distante da produção direcionada para “épater
le burgeois”.
102 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Figura 33
Juan Miró, “The Morning
Star (from Constellations)”,
1941
Fonte: Imagem disponível
para fins não comerciais/
acadêmicos. Fair Use. By Source,
Fair use, Disponível em: https://
en.wikipedia.org/w/index.
php?curid=33391022.
Figura 34
Jackson Pollock, “Untitled”,
1951
Fonte: Imagem disponível
para fins não comerciais/
acadêmicos. Fair Use.
Disponível em: http://uploads0.
wikiart.org/untitled-1951(1).
jpg!Large.jpg.
Figura 35
Jackson Pollock, “Number
23”, 1948
Fonte: Imagem disponível
para fins não comerciais/
acadêmicos. Fair Use. Disponível
em: http://uploads6.wikiart.org/
number-23(1).jpg.
Segundo Peirce (1977) “Somos compelidos a pensar certas coisas como
estando mais próximas entre si do que outras” (PEIRCE, 1977, p. 16); seria o
caso da tendência a se classificar uma obra naturalista, como estando mais
próxima da natureza do que outra, abstrata, comparação esta, incompatível
com um pensar mais cuidadoso, considerando todo um estado de coisas que
resultaram numa determinada obra.
Ainda que seus quadros não tivessem nenhum elemento figurativo, alguns
críticos reconheceram em suas telas padrões do mundo “concreto”, compa-
rando-as a uma colônia de bactérias vista ao microscópio; um mundo que o
olho não pode ver sem o auxílio de um instrumento. Quantos outros mundos
existem que ainda não podemos ter acesso? A representação da estrutura de
uma célula seria uma abstração na pré-história.
O processo de abstração segue, pelo menos, por dois caminhos: o primeiro parte
de um objeto, ou elemento da natureza, e vai reelaborando-o, até encontrar
sua estrutura básica, como o fez Picasso em “Bull”, 1945 (Figura 38); o segundo
foge a essa referência formal, trabalhando diretamente com o inorgânico, como
foi o caso de Piet Mondrian.
104 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Figura 36
Dominique Ingres,
“A Banhista de Valpinçon”,
1808
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Disponível em: http://
uploads6.wikiart.org/images/
jean-auguste-dominique-ingres/
the-bather-of-valpin%C3%A7on.
jpg!Large.jpg.
Figura 37
Wassily Kandinsky, “Primeira
Aquarela Abstrata”, 1910
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Disponível em: http://
uploads1.wikiart.org/images/
wassily-kandinsky/first-abstract-
watercolor-1910.jpg!Large.jpg.
Figura 38
Pablo Picasso, “Bull”, Partes
I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX
e X, 1945
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Fair Use. Disponível em: (Parte
I) http://uploads2.wikiart.org/
images/pablo-picasso/bull-
plate-i-1945.jpg!Large.jpg ;
(Parte II) http://uploads2.wikiart.
org/images/pablo-picasso/
bull-plate-ii-1945.jpg; (Parte
III) http://uploads3.wikiart.org/
images/pablo-picasso/bull-plate-
iii-1945.jpg; (Parte IV) http://
uploads3.wikiart.org/images/
pablo-picasso/bull-plate-iv-1945.
jpg!Large.jpg ; (Parte V) http://
uploads2.wikiart.org/images/
pablo-picasso/bull-plate-v-1945.
jpg!Large.jpg ; (Parte VI) http://
uploads3.wikiart.org/images/
pablo-picasso/bull-plate-vi-1945.
jpg!Large.jpg ; (Parte VII) http://
uploads4.wikiart.org/images/
pablo-picasso/bull-plate-vii-1945.
jpg!Large.jpg ; (Parte VIII) http://
uploads4.wikiart.org/images/
pablo-picasso/bull-plate-viii-1946.
jpg ; (Parte IX) http://uploads2.
wikiart.org/images/pablo-
picasso/bull-plate-ix-1946.jpg ;
(Parte X) http://uploads2.wikiart.
org/images/pablo-picasso/bull-
plate-x-1946.jpg!Large.jpg ; (Parte
XI) http://uploads2.wikiart.org/
images/pablo-picasso/bull-plate-
xi-1946.jpg.
A busca de um novo ideal de uma pintura “pura” faz Mondrian projetar-se (do
latim “projicere”, lançar-se, arrojar-se) na busca de composições purificadas,
numa imposição espiritual apoiada em princípios geométricos.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 107
Figura 39
Piet Mondrian,
“Composição em Amarelo,
Azul e Vermelho”, 1937-1942
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Por Piet Mondrian –
Disponível em: http://www.
tate.org.uk/art/artworks/
mondrian-composition-with-
yellow-blue-and-red-t00648
Domínio público, https://
commons.wikimedia.org/w/
index.php?curid=43911892.
Figura 40
Piet Mondrian, “Victory
Boogie Woogie”
(inacabado), 1943-1944,
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Por Piet Mondrian –
Gemeentemuseum Den Haag,
Domínio público. Disponível
em: https://commons.
wikimedia.org/w/index.
php?curid=37614350.
No caso da fotografia instantânea, vista por muitos teóricos como um fla-
grante, com cada ponto devendo corresponder a um ponto real, represen-
tação «fiel» da realidade, mas como isso é possível, se já pratica um recorte
bidimensional dessa realidade?
A afirmação de Panofsky, de que “[...] nada está na mente a não ser o que
estava nos sentidos; mas é pelo menos igualmente verdadeiro que muita coisa
está nos sentidos sem nunca penetrar na mente” (PANOFSKY, 1976) nos coloca
diante da necessidade de legitimar as formas de representação do homem.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 109
ondulatória.” (FRANCASTEL, 1966), uma geometria de base euclidiana não
se adequa a uma realidade fractal.
Figura 41
Pablo Picasso, “Guernica”,
1937
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Fair Use. Por Papamanila –
Fotografia própria, CC BY-SA
3.0. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/w/
index.php?curid=9469068.
110 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
De qualquer modo, estarão presentes, nessa representação, uma forma e
um conteúdo. Numa obra de arte, assim como na geometria, é impossível
dissociar esses dois elementos. Classificar uma pintura abstrata como uma
expressão da forma, mas sem conteúdo, é minimizar a atividade de depuração
e de sintonia com a realidade.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 111
A clássica fotografia já não é mais nada do que uma imagem congelada [...]”
(VIRILIO, 1993, p. 109).
Figura 42
Marcel Duchamp, “”The
Bride Stripped Bare by Her
Bachelors, Even (The Large
Glass)”, 1965
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Fair Use. Disponível em:
https://en.wikipedia.org/wiki/
112 File:Duchamp_LargeGlass.jpg.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Andy Warhol polemiza a fama, critica-a, ridiculariza-a ao mesmo tempo
em que dela se serve. Matematiza séries de «silk-screens», fractalmente
auto similares, dotadas do poder de extrair da saturação o novo. Dele não
escapam nem Elvis, nem Mick Jagger, nem Mao-Tsé-Tung, nem latas de sopa
(Figura 43), fazendo ver o visível invisível na profusão de signos em que se
encontravam imersos.
Figura 43
Andy Warhol, “Sopa
Campbell’s”, 1968
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Fair Use. Disponível em: https://
en.wikipedia.org/w/index.
php?curid=4268566.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 113
Estamos longe de enxergar a démarche, se é que ela existe, entre ciência e
arte, tão pouco de compreender que processos levam proposições teóricas
tão áridas a serem transformadas em obras de arte. Ainda atravessamos a
fase da tatilidade no que tange a estas questões.
Para Gauss “[...] o infinito não é senão um modo de falar” (GAUSS, apud
BABINI, 1952, p. 123), tamanha a complexidade que deriva de sua existência.
Riemann vai diferenciar ‘infinito’ de ‘ilimitado’, ponderando: “Quando se
estendem as construções do espaço ao infinito grande, há de distinguir-se
o ilimitado do infinito. O primeiro pertence às relações de extensão, o se-
gundo as relações métricas. Daí que a propriedade do espaço ser ilimitado
possui uma certeza empírica que nenhum outro dado empírico possui”
(BABINI, 1986, p. 152).
114 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
forma de simetria mais interessante na arte é a simetria oculta, a que se
localiza em composições bem mais complexas, nas quais aparece como
um dos elementos, cuja preocupação não é a correspondência especular,
mas o equilíbrio, entendido como um “estado de distribuição no qual toda
ação chegou a uma pausa”; a busca de uma simetria, mesmo não explícita,
parece ser um desejo comum, uma vez que sua ausência desestabiliza e,
nem sempre, a desestabilização é bem vinda. Mesmo em produções artística
que se pretendem inovadoras, críticas e designadoras de novas formas de
representação, encontramos a preocupação com um “ideal de harmonia”,
ainda preso aos ditames clássicos do mundo helênico.
25 A presente citação está sem os dados de autoria. Lembro-me de tê-la encontrado, há algum tempo
atrás, num documento mimeografado que circulava numa exposição de arte. Desse documento
só restou a cópia manuscrita das frases escritas sobre um pedaço de papel que mantive junto ao
material separado para trabalhar nesta pesquisa1.0000 Considero-a extremamente pertinente ao
assunto em pauta, por isso resolvi mantê-la assim mesmo, ainda que destituída das notas técnicas
que necessariamente deveriam acompanhá-la.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 115
vezes, a matemática conta com a claustrofobia do encerramento num con-
junto de teoremas e a arbitrariedade dos que a pensam como ferramenta
capaz de, por si só, tudo explicar. O mais difícil é pensá-la como terreno de
trocas, recebendo/fornecendo informações e, por isso, está em constante
movimento, determinando e sendo determinada pelos segmentos que
fazem parte da vida.
116 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Conceitos, como temos visto, são mais que palavras. Estão em nossa mente/
corpo como um conjunto de informações sensórias ou não,
Toda palavra falada desperta em nós não só a impressão de algo
conhecido de antemão e que poderíamos designar como o signifi-
cado em geral da palavra em questão, senão que, ademais, a cada
palavra vai unida uma série de significações veladas e de associações
através da penumbra de nossa consciência, cada uma sendo quase
inapreciável (HEISENBERG, 1974, p. 108).
26 Veja-se, por exemplo, a seguinte citação de DOCZI (1990, p. 3): “Desde que não existe uma palavra
adequada para esse processo universal de criação de padrões, um novo vocábulo – dinergia – é
proposto. Dinergia é formado por duas palavras gregas: ‘dia-através, por entre, oposto’ e ‘energia’”.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 117
Portanto, estamos obrigados a aprender uma nova linguagem, estra-
nha em muitos aspectos à linguagem habitual. Uma nova linguagem
significa um modo novo de pensar, e por ele se lhe impõe à ciência,
com toda a sua agudeza uma exigência que já nesses tempos se
aprecia em muitos outros setores da vida (HEISENBERG, 1974, p. 125).
118 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
CAPÍTULO 5
NÚMEROS E
IMAGENS
Com alterações dentro das delimitações pertencentes aos domínios dos “nú-
meros”, tradicionalmente voltados para manter certa “exatidão», o homem
(seja ele cientista ou não) obriga-se a olhar o mundo de outras formas.
Obriga-se a olhar diferente porque, justamente, está vendo diferente. Desta
visão surge a necessidade de rever os sistemas que davam suporte ao olhar;
outros postulados, premissas, axiomas, perspectivas, pedem reformulações
teórico-práticas, pois, é evidente, o simples uso de recursos tecnológicos não
garante, por si só, inovação ou originalidade. Nesse sentido é possível ser
bem menos euclidiano com papel e lápis se for empregada uma boa dose de
criatividade e se se mantiver a intenção de procurar subverter o código a que
se está arraigado há séculos.
Isso pode ser percebido no desenho de Paul Klee, onde as “garatujas” de Klee,
denominadas “exemplos figurados de aumento e diminuição” apresentam-se
como exemplo dessa subversão de códigos com papel e lápis (no caso bico
de pena). O que chama de “medição”, tendência matemática de mensurar o
mundo, representa muito mais uma “ocupação” do espaço, mostrando a preo-
cupação didática (resultado de seus trabalhos como professor na Bauhaus),
demonstrando de modo prático a relação matemática/arte, num exercício
de tradução criativa que lança mão de uma base teórica, de uma formação
dentro dos cânones tradicionais, e consegue modificá-la. As linhas, conceito
euclidiano, aparecem sobre o papel como visualização não trivial de eventos
cotidianos, inovando exaustivamente em temas já trabalhados27. Em obra
120 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Figura 44
Paul Klee, “Legend of the
Nile”, 1937
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Disponível em: http://
uploads7.wikiart.org/images/
paul-klee/legend-of-the-
nile-1937(1).jpg!Large.jpg.
Figura 45
Frantisek Kupka, “Study in
Black and White”, 1924
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Fair Use. Disponível em: http://
uploads7.wikiart.org/images/
frantisek-kupka/study-in-black-
and-white-1924.jpg!Large.jpg.
posterior de Klee, “Legendo f the Nile”, 1937 (Figura 44), é possível observar
uma composição similar:
Em “Diagonal Planes”, 1925 (Figura 46), Kupka faz com que cada plano envie
interaja com outros, mesclados por uma profusão de tons de verde, “saindo”
dos limites da tela, continuando além do chassis. Apesar de estarem presen-
Figura 46
Frantisek Kupka, “Diagonal
Planes”, 1925
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Fair Use. Disponível em: http://
uploads7.wikiart.org/images/
frantisek-kupka/diagonal-
planes-1925.jpg!Large.jpg .
122 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
tes muitos elementos da geometria euclidiana opera-se uma superação, na
medida em que Kupka utiliza-os para sair do convencional.
Não é a toa que muitos autores dediquem tão poucas páginas ao assunto
(veja-se o caso de David Harvey, que em seu livro, de cerca de 350 páginas,
Condição Pós-moderna, escreve apenas duas e meia páginas sobre “A obra de
arte na era da reprodução eletrônica e dos bancos de imagem”).
28 O termo “imaterial” padece de uma dessas confusões crônicas em nossa rede de conceitos. Frequente
encontra-se citações aonde a arte por computador ou a holografia, entre outros, são chamados de
imateriais. Levando-se em conta que a luz é o veículo suporte dessas manifestações e a luz já é
comprovadamente matéria (parte onda, parte partícula), então, nesse caso, imaterial só pode ser
escrito como uma metáfora. Quando se atribuem a tais manifestações o êxito de terem abandonado
a matéria, procede-se um corte, a meu ver equivocado e reducionista, pois a especificidade que lhes
permite “representar” o mundo diferente é de uma natureza bem mais complexa.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 123
da computação gráfica e das técnicas de simulação/modelização, fundados
em modelos matemáticos.
Em “Woman encircled by the flight of a bird”, de Juan Miró, 1941 (Figura 47),
recompõe o voo de um pássaro ao redor de uma mulher, condensando
espaço-tempo em um jogo de linhas de força.
“Em algumas civilizações o que vem primeiro são certas figuras. No pa-
ganismo [...] o que existia inicialmente eram os ídolos. Eram, portanto
imagens, estátuas em torno das quais o texto se desenvolvia” (BUTOR,
1992, p. 30-36). As imagens, nesse caso, obedecem a uma característica
essencialmente estática, funcionando, quase sempre, como objeto de culto:
ídolos, ícones, totens, santos, deuses (como, por exemplo, acontecia com
a figura de Tumi, articulada a narrativas que cercavam as cerimônias de
sacrifícios na civilização incaica do Peru – Figura 48).
124 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Figura 47 Figura 48
Juan Miró, “Woman Imagem de Tumi
encircled by the flight of a Fonte: Imagem disponível
bird”, 1941 para fins não comerciais/
acadêmicos. Fair Use. Disponível
Fonte: Imagem disponível para
em: By Sean Pathasema/
fins não comerciais/acadêmicos.
Birmingham Museum of Art,
Fair Use. Disponível em: http://
CC BY 3.0, https://commons.
uploads2.wikiart.org/images/
wikimedia.org/w/index.
joan-miro/woman-encircled-by-
php?curid=16278253.
the-flight-of-a-bird.jpg!Large.jpg.
vêem-se arroladas a outros repertórios, sofrem novos tipos de análise e
interpretação. A presença do elemento tecnológico reconfigura as práticas,
as técnicas de tratamento da imagem, remodelando-a quer como repre-
sentação de uma estrutura atômica, quer como motivo da criação artística.
126 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
século, o cinema fosse a forma de expressão mais elástica, atingindo milhares
de pessoas, transpassando barreiras e atingindo grandes massas.
Figura 49
Giacomo Balla, “Abstract
Speed”, 1912
Fonte: Imagem disponível
para fins não comerciais/
acadêmicos. Fair Use.
Disponível em: http://
uploads4.wikiart.org/images/
giacomo-balla/abstract-
speed-1913.jpg!Large.jpg.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 127
A contemporaneidade traz a imagem sintética, digital, numérica, apontando
para um tempo não vivido, o tempo da possibilidade. Típicas do universo tec-
nológico distinguem-se das imagens ótico-químicas e ótico-eletrônicas, pois
podem preceder a existência do objeto mostrado, retratando-o enquanto é
apenas um “estado latente” ou, como pensa Couchot, é o “caráter numérico e
descontínuo da imagem informática que a distingue das demais” (COUCHOT,
1982, p. 57). Quero crer que, além disso, esse “terceiro tempo”, não o passado
nem o simultâneo, nem o da adivinhação, somado ao desenvolvimento de
lógicas simbólicas complexas e a modificação parcial da perspectiva suporte
do olhar, pode encontrar na geração de imagens numéricas, espaço para uma
produção completamente diferente das demais.
Dentro dessa ótica “tudo é número”, mas também é muito mais que núme-
ro. A matemática e a geometria fornecem uma concepção, uma maneira de
interpretação da realidade, procurando, com “régua e compasso”, resolver
os problemas da humanidade.
128 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
matrizáveis” (COUCHOT, 1992, p. 56-57). Esta primeira definição de imagem
numérica dialoga de imediato com um conceito básico: o de ponto. Não se
costuma definir ponto; embora seja freqüentemente empregado permanece
como um postulado, abstrato e adimensional; pode-se chamar qualquer coisa
de ponto29, desde que se estabeleça uma referência (ponto de partida, ponto
morto, ponto final, etc). O ponto transmite a ideia sem transmitir a imagem.
A partir de dois pontos, temos uma direção e dois sentidos, temos uma
reta, segundo a definição tradicional, imanipulável, porém mensurável.
A reta não ocupa espaço, mas organiza os espaços. Um conjunto de retas
(ou de no mínimo três delas) com determinadas propriedades, determina
um plano, uma espacialidade. Para se reconhecer esta espacialidade é
necessário obter uma identidade, transformar o espaço em forma, isto é,
conferir-lhe uma dimensão, uma proporção e uma estrutura.
29 Na imagem sintética o ponto é representado pelo “pixel”, como uma espécie de “unidade mínima de
significação”.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 129
tem limites. Ao mesmo tempo, os signos eletrônicos – essa escritura
imaterial – invadem nossa cotidianidade, desfilando em nossas telas
de TV e deixando seus traços em nossas mentes (PLAZA, 1990, p. 98).
O momento é tão aflitivo quanto aquele que precedeu a época das grandes
navegações: o homem temia despencar de um planeta plano. Hoje os abis-
mos são outros, buracos negros desconhecidos, inimagináveis. A percepção
digital deve associar-se a uma mudança radical de mentalidade, para além
da «ordem visual própria da cultura ocidental, que se pode definir como a
ordem da ‘re-presentação’” (COUCHOT, 1990, p. 60), ingressando na ordem
do intangível, mas de um intangível cuja natureza não é metafísica, mas de
uma abstração complexa. “A imagem de síntese não representa mais o real,
ela simula” (COUCHOT, 1990, p. 85), coloca o homem dentro do quadro, faz
com que deixe de ser expectador para participar da cena, obriga-o a intera-
gir, a reagir, a desviar de números que partem em direção de seu corpo, tão
reais quanto bolas de tênis, insetos ou naves, confundindo os sentimentos,
obrigando-os a uma «defesa». A realidade virtual paralisa, desarma, deixa
perplexos todos os que tomam contato com ela. Será possível no futuro rea-
lizar o irrealizável, o que não passava de sonho, como já é possível voar num
caça F-16 ou manejar um submarino atômico. As interfaces espacializam-se
tanto que é difícil imaginar o ponto a que possam checar.
Além de tudo, como afirma Couchot (1990), “As imagens numéricas são
eternas” (p. 121), quer dizer que não mais se pode falar em cópias, são todas
130 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
imagens originais; a informação virtual é sempre original, não degenera,
mantém a qualidade de seus atributos mesmo quando multiplicada ao in-
finito. Quando Couchot (1990) afirma serem as imagens numéricas eternas
faz, acima de tudo, um exercício de “futurologia”; não se sabe ao certo até
que ponto podem permanecer inalteradas com a ação do tempo. Ao acentuar
hiperbolicamente a durabilidade mostra seu fascínio pela permanência, pela
conservação de conjuntos de bits. Daqui a alguns séculos talvez seja possível
avaliar essa “eternidade”.
Por isso mesmo, falar do cinema eletrônico implica sempre num risco, per-
tinente a tudo aquilo de que se trata sem ter ainda parâmetros claramente
estabelecidos. O cinema eletrônico integra-se às discussões sobre arte via
computador, “numerizada”, montada sobre a “mais pesada” matemática. Sua
similitude intensifica-se ao pensarmos na afirmação do poeta Murilo Mendes,
“só não existe o que não pode ser imaginado”.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 131
diante dos olhos com uma intensidade táctil, ferindo a retina e movimentando
regiões do cérebro inalcançáveis pelos meios tradicionais.
Diante dessa tempestade, “ver o filme” significa, mais uma vez, “ler o filme”,
numa leitura escultórica, implicada às referências de cada pessoa e, especial-
mente, a sua visão de mundo, o que, se não é novo enquanto modo de ver o é,
certamente, enquanto processo. Ao conceber a película o cineasta deve fazer
uso de uma lógica diferente, distante da lógica formal, considerando o con-
teúdo como parte da forma, pensando não trivialmente, mas complexamente.
Figura 50
Peter Greenaway, Frame do
filme “Prospero´s Book”, 1991
Fonte: Frame retirado de
“Prospero´s Book Fair Use
Clip”. Imagem disponível
para fins não comerciais/
acadêmicos. Fair Use. Disponível
em: https://www.youtube.com/
watch?v=46SmncwWVM0.
132 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
tividade, setores tradicionalmente mais “carrancudos”, no que toca a este
contado, estendem suas sondas por campos diferentes e inovadores. A física
vale-se da imagem de síntese para visualizar ocorrências no espaço sideral,
simulando a criação do universo. A matemática busca um meio de “ver”
dimensões “invisíveis”. A biologia cria moléculas virtuais.
Figura 51
Cecil B. DeMille, Frames
extraídos de “The Cheat”, 1915
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Public Domain Full
Movies. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=-
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
eExydVWC00. 133
Mantinha-se, dessa forma, um distanciamento entre texto e imagem. No cine-
ma mudo, contrapunham-se, havia um corte da imagem para o texto e deste
para a imagem. Entretanto, a linguagem empregada, por assim dizer, passível
de entendimento, em grande parte, sem a preocupação com as barreiras da
língua. No início do cinema falado os filmes americanos eram exportados
numa versão silenciosa, mantendo as características básicas do cinema mudo.
O som traz as legendas, que não dialogam com o que a tela exibe, ao contrário,
travam uma luta pela atenção do expectador, que não sabe se lê o texto escrito
ou o cinematográfico, as legendas são antes de tudo interferência (Figura 52).
O cinema eletrônico instaura uma era, por assim dizer, onde texto e imagem
se (con)fundem, originando uma composição que conta com a especificidade
do verbal e do visual.
Paul Klee insere um “F” em “The Chapel”, 1917, “escreve” em “Once Emerged
from the Gray of Night”, 1918 e destaca um “R” em “Ville R”, 1919 (Figura 54).
Figura 52
Frame legendado da
entrevista “Cinema is dead,
long live Cinema” proferida
por Peter Greenaway na
Humboldt-Universtät em
Berlim, fevereiro de 2007
Fonte: Imagem de Domínio
Público. “Fronteiras do
Pensamento”. Disponível em:
https://www.youtube.com/
watch?v=zbhXug5OigU .
134 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Figura 53
Toulouse-Lautrec, “Avril”, 1893
Fonte: Imagem de Domínio
Público. Por Henri de Toulouse-
Lautrec, Domínio público.
Disponível em: https://commons.
wikimedia.org/w/index.
php?curid=1471809.
Figura 54
Paul Klee: “The Chapel”,
1917; “Once Emerged from
the Gray of Night”, 1918;
“Ville R”, 1919
Fonte: Imagens de Domínio
Público.
https://www.wikiart.org/
en/paul-klee/the-chapel-
1917?utm_source=returned&utm_
medium=referral&utm_
campaign=referral.
https://www.wikiart.org/en/
paul-klee/once-emerged-
from-the-gray-of-night-
1918?utm_source=returned&utm_
medium=referral&utm_
campaign=referral.
http://virusdaarte.net/wp-
content/uploads/2016/08/vir.jpg.
Picasso conversa com os tipos do jornal em várias telas: “Bottle, glass, violin”,
1912; “Guitar, Sheet music and Wine glass”, 1912 e “Student with newspaper”,
1913, entre outras telas em que letras e números invadem a geometria cubista
e nela se inserem perfeitamente (Figura 55).
Tais citações permitem observar que não se trata de uma incorporação aditiva
do tipo texto+imagem, ao contrário, cada letra é também uma pincelada, uma
forma, que, por sua vez, remete a um dado contexto.
Figura 55
Pablo Picasso, “Bottle,
glass, violin”, 1912; “Guitar,
Sheet music and Wine
glass”, 1912 e “Student with
newspaper”, 1913
Fonte: Imagens disponíveis para
fins não comerciais/acadêmicos.
Fair Use. Disponíveis em:
http://uploads0.wikiart.org/
images/pablo-picasso/bottle-
glass-violin-1912.jpg!Large.
jpg ; http://uploads5.wikiart.
org/images/pablo-picasso/
guitar-sheet-music-and-wine-
glass-1912.jpg!Large.jpg ; http://
uploads3.wikiart.org/images/
pablo-picasso/student-with-
newspaper-1913.jpg!Large.jpg.
Com o final da Segunda Guerra Mundial, 1945, surge na França, principalmen-
te, o movimento chamado “Letrismo”, que emprega o uso de letras e palavras
pelo seu valor gráfico-visual. Exemplos aparecem em: Jacques Villeglé, “Les
Ternes (Lettres Jaune sur Fond Rouge)”, 1957 (Figura 56) e Mira Schendel:
“Untitled (Alle)”, 1965 e “Untitled (Toquinho)”, 1965 (Figura 57).
Figura 56 Figura 57
Jacques Villeglé, “Les Ternes Mira Schendel, “Untitled
(Lettres Jaune sur Fond (Alle)”, 1965 e “Untitled
Rouge)”, 1957 (Toquinho)”, 1965
Fonte: Imagem disponível para Fonte: Imagens disponíveis
fins não comerciais/acadêmicos. para fins não comerciais/
Faire Use. Disponível em: http:// acadêmicos. Faire Use.Disponível
uploads3.wikiart.org/images/ em: http://uploads2.wikiart.org/
jacques-villegl/les-ternes-lettres- images/mira-schendel/untitled-
jaune-sur-fond-rouge-1957.jpg. alle-1965.jpg!PinterestLarge.
jpg; http://uploads6.wikiart.
org/images/mira-schendel/
untitled-toquinho-1970.
138 jpg!PinterestLarge.jpg.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
Multiplicidade é a palavra do momento, tudo está sendo colocado em rela-
ção: simultaneidade de informações, trama complexa, busca sem tréguas
de eventos relacionáveis, acompanhando o “[...] percurso velocíssimo dos
circuitos mentais que captam e reúnem pontos longínquos do espaço e do
tempo” (CALVINO, 1993, p. 61).
Figura 58
Frame retirado de “Media
Ecology Ads”, Antonio
Muntadas, 1982
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Faire Use. Disponível em:
http://catalogue.li-ma.nl/
site-2013/?page=%2Fsite-
2013%2Fart_play.
php%3Fid%3D264.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 139
que propiciam uma “renovação das coordenadas espaço-temporais do
imaginário” (BALZOLA, 1989, p. 51).
O fascínio que tem pelo texto está sempre presente, mesmo antes de in-
corporá-lo explicitamente; fez referências constantes a literatura e ao texto
escrito, como em: “O Cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante”, 1989,
que tem como personagem principal um livreiro que lê livros num restau-
rante. Nesse filme, também a marcação do tempo é feita através de uma
sucessão de cardápios diários que tomam toda a tela, mostrando o dia/ o
prato do dia (Figura 59). Os caracteres usados para compor o cardápio foram
escolhidos de modo a fazer parte da cenografia, interagindo com ela. Estes
aspectos como tantos outros que poderiam ser retomados demonstram que
nos procedimentos de Greenaway nada é gratuito.
140 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
O mesmo acontece em “Afogando em números”, 1988, números vão surgindo
e “contando” a estória. O “2” pode estar escrito numa banheira, o “14” no
suporte de um telefone, o “13” na parede de um celeiro e assim por diante
(Figura 60).
Nesses dois filmes não havia a utilização do computador nem da edição mais
requintada das modernas ilhas de vídeo, mas, mesmo assim, as diretrizes que
viriam nortear os trabalhos seguintes se fazem presentes. Com a utilização
da tecnologia, a potencialidade latente observada anteriormente encontra
uma forma de expressão, resultando numa gama infinita de combinações.
Figura 59
Frame retirado do trailer de
“O Cozinheiro, o ladrão, sua
mulher e o amante”, 1989
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Faire Use. Disponível em:
https://www.youtube.com/
watch?v=XprA_HPqST8.
Figura 60
Frame retirado do trailer
de “Afogando em números”,
1988
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Faire Use. Disponível em:
https://www.youtube.com/
watch?v=oTLfuOQRiEI.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 141
Figura 61
Imagem de divulgação de
“M is for man, music and
Mozart”, 1991
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Faire Use. Disponível em:
http://petergreenaway.org.uk/
mmm.htm.
então, um fenômeno de libertação do texto, como explica Lucrécia D’Aléssio
Ferrara: “[...] o texto verbal liberta-se da sucessão gráfica dos caracteres e
adiciona-se aos índices dispersos” (1981, p. 20), formulando um novo contexto
em conjunto com a imagem.
“Quem entrar aqui, abandone toda a esperança”, está escrito numa tabuleta à
porta do “Inferno” de Dante. O aviso serve para aqueles que se aventurarem
pela “TV Dante”, 1993, série produzida por Tom Phillip e Peter Greenaway
(Figura 62), para ser apresentada em capítulos na televisão, a “mania” classifi-
catória e enciclopédica de Greenaway é levada às últimas consequências, sua
fixação em dicionários, números, caligrafias, alfabetos, mapas, associam-se
a um texto repleto de citações, cenas, personagens, sons, cores, enfim, um
“inferno” queimando a retina.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 143
Figura 62
Imagens de divulgação da
“TV Dante”, 1992
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Faire Use. Disponível em:
http://petergreenaway.org.uk/
dante.htm .
dados relativos ao “Inferno” da “Divina Comédia”. Esse trabalho merece a
denominação de plural, com uma preocupação em intercambiar linguagens
e originar um produto absolutamente não linear.
Figura 63
Imagem de divulgação do
catálogo “Watching Water”,
1993
Fonte: Imagem disponível para
fins não comerciais/acadêmicos.
Faire Use. Disponível em:
http://www.anobii.com/books/
Peter_Greenaway._Watching_
water._Catalogo_della_mostra_
%28Venezia,_1993%29/97888
43544578/019d29ad539b1bef52.
IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS 145
para a diminuição da acirrada disputa existente entre a secular hegemonia
do verbal e a força da visualidade contemporânea. Vai tornando-se claro que
“[...] os diferentes registros semióticos que concorrem para o engendramento
da subjetividade não mantém relações hierárquicas obrigatórias, fixadas
definitivamente» (GUATARRI, 1992, p. 11), o modo de produção multicompo-
nencial abriga instâncias múltiplas, todas concorrendo de igual para igual na
obtenção de um resultado final.
Figura 64
Peter Greenaway,
“Last Supper”, 2010
Fonte: Imagem de divulgação
“Park Avenue Armory”. Fonte:
Imagem disponível para fins
não comerciais/acadêmicos.
Faire Use. Disponível em: http://
www.armoryonpark.org/photo_
gallery/slideshow/last_supper_
peter_greenaway.
146 IMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENSENÚMEROSEIMAGENS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Matemática e arte aproximam-se/afastam-se paradoxalmente, entrecruzam-
-se, embatem-se; pensá-las próximas pede um tratamento conjunto, plural,
criativo-desvelador.
Dessa preocupação exagerada, não digo que não seja importante, com linhas
e pontos de fuga, configurações elípticas ou circulares, intersecções de figuras
geométricas, resultam estudos que visam revelar formas ocultas, assumindo
uma postura formalista, presa/restrita a um exame interno da obra. Um pro-
cedimento necessário, embora insuficiente, posto que desconsidera aspectos
externos à obra, cuja contextualização pode alterar significativamente a
relação entre forma e conteúdo e consequentemente, engendrar uma com-
preensão mais complexa.
Esse tipo de análise deve considerar simultaneamente os elementos internos e
externos sem o que poderia incorrer-se num tratamento unilateral, separando
aspectos interligados radicalmente. A própria fronteira entre o que é conside-
rado interno ou externo aparece como extremamente sutil, obrigando a um
pensar radical que se opera na transformação dessas noções, relativizadas e
tratadas não como opostos irreconciliáveis, mas interligados.
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Apesar das profundas transformações por que passaram e vêm passando as
diferentes civilizações, constata-se certa permanência, chegando quase a
beirar uma espécie de “naturalização” de esquemas de pensamento como no
caso da lógica aristotélica e da geometria euclidiana, que só recentemente,
pensando-se do ponto de vista secular, têm sido postas fractais, a física quân-
tica, a microfísica, as lógicas não-triviais, entre outras, apresentando-se no
acelerado desenvolvimento tecnológico que vêm alterando as bases técnicas
de pensar e vivenciar o cotidiano; em outras formas de procurar entender
o universo; nas manifestações artístico-culturais, enfim numa proposta de
revisão de campos filosófico-epistemológicos, pondo em relação áreas até
então tidas como excludentes.
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