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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA

FRANCISCO EDUARDO ALVES DE ALMEIDA

A IMAGEM DO HERÓI HORATIO LORDE NELSON (1758-1805) NA


HISTÓRIA NAVAL SEGUNDO SIR JOHN KNOX LAUGHTON (1830-1915)
E ALFRED THAYER MAHAN (1840-1914) : UMA ANÁLISE
COMPARADA.

Rio de Janeiro
2013
FRANCISCO EDUARDO ALVES DE ALMEIDA

A IMAGEM DO HERÓI HORATIO LORDE NELSON (1758-1805) NA


HISTÓRIA NAVAL SEGUNDO SIR JOHN KNOX LAUGHTON (1830-
1915) E ALFRED THAYER MAHAN (1840-1914) : UMA ANÁLISE
COMPARADA.

Tese apresentada para obtenção do título de doutor em


História Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em
História Comparada da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.

Orientador: Prof. Dr Francisco Carlos Teixeira da Silva.

Rio de Janeiro

2013
FRANCISCO EDUARDO ALVES DE ALMEIDA

A IMAGEM DO HERÓI HORATIO LORDE NELSON (1758-1805) NA


HISTÓRIA NAVAL SEGUNDO SIR JOHN KNOX LAUGHTON (1830-
1915) E ALFRED THAYER MAHAN (1840-1914) : UMA ANÁLISE
COMPARADA.

Tese apresentada para a obtenção do título de doutor em


História pelo Programa de Pós-Graduação em História
Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Data da aprovação:

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira da Silva - Orientador


PPGHC-UFRJ

Prof. Dr. José Miguel Arias Neto – Membro Externo


PPGH- UEL

Prof. Dr. Paulo André Leira Parente – Membro Externo


PPGH- UNIRIO

Prof. Dr Karl Schurster Veríssimo de Sousa Leão- Membro Externo


PPGH - UPE

Prof Dr José D´Assunção Barros – Membro Interno


PPGHC – UFRJ

Prof Dra Gracilda Alves – Membro Interno


PPGHC - UFRJ

Rio de Janeiro
2013
Ao meu pai, capitão-de-mar-e-guerra Ney
Moura de Almeida, historiador amador e
ávido entusiasta de Horatio Lorde Nelson e
minha mãe Daisy Faria Alves de Almeida, por
me incutirem o prazer da leitura e da pesquisa.
AGRADECIMENTOS

Por cerca de sete anos venho estudando e pesquisando a vida e obra dos historiadores
navais Sir John Knox Laughton e Alfred Thayer Mahan, personagens fundamentais para se
compreender de que forma o poder naval britânico defendeu os interesses do Império dos
séculos XVI ao XX. Reconheço ser um entusiasta da Marinha Real britânica, afinal foi ela
que indicou os caminhos para todas as demais marinhas do ocidente, incluindo a Marinha
brasileira. Fomos formados pela mão firme de Thomas Lorde Cochrane, o Primeiro
Almirante da Armada Imperial brasileira. Somos assim filhos da Royal Navy.
Da mesma forma que Laughton e Mahan, adquiri grande admiração pelo seu principal
almirante, Horatio Lorde Nelson, talvez o mais cultuado herói inglês da bela e diversificada
história naval inglesa. Para que eu pudesse compreender as ações de Nelson, um homem
tão fascinante quanto complexo, me vali das duas biografias de sua vida escritas por
Laughton e Mahan em pleno século XIX. Tive muita curiosidade em comparar as duas
visões, de modo a compreender como esses historiadores perceberam esse herói nas suas
múltiplas facetas, daí a razão dessa pesquisa.
Para que essa pesquisa se concretizasse contei com o apoio e o incentivo de diversas
instituições e pessoas que de maneiras variadas me auxiliaram nessa jornada.
Inicialmente devo agradecer a minha querida Escola de Guerra Naval que me acolheu
em seus quadros como professor, pesquisador e membro do Centro de Estudos de Política e
Estratégia e sempre, em todas as três ocasiões em que lá passei, me exigiu estudar mais e
mais a história e a estratégia navais para que as aulas por mim ministradas aos oficiais-
alunos fossem melhor compreendidas. Como Laughton e Mahan, a Escola de Guerra Naval
me atrai e fascina.
Ao Instituto de Geografia e História Militar do Brasil gostaria de externar a minha
alegria em pertencer aos seus quadros como membro emérito e durante quatro anos como
seu Segundo Vice-Presidente e pelo debate sempre presente, inclusive com
questionamentos de muitos de meus colegas que me estimularam a pesquisar sempre a
história naval com mais profundidade.
Ao Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do
Rio de Janeiro e aos seus dedicados professores que, além de me transmitirem
conhecimentos necessários ao aperfeiçoamento da profissão de historiador e pesquisador,
me indicaram a nobreza que é ser professor, apesar de todas as dificuldades pelas quais se
defrontam no dia a dia. Fui formado desde a graduação no IFCS no Largo de São
Francisco, passando pelo mestrado e finalmente pelo doutorado. Se algum valor esse
trabalho possui, eu devo a esses professores dignos e abnegados. A esses operários do
ensino dedico grande parte deste trabalho.
Ao Navy Records Society do Reino Unido, no qual estou agregado como membro
associado, agradeço a disponibilidade da documentação primária de Sir John Knox
Laughton e de Lorde Nelson. Essa sociedade fundada em 1893 por Sir John vem
contribuindo enormemente para a disseminação da história naval britânica, da qual sou um
modesto pesquisador e interessado.
Ao contra-almirante Reginaldo Gomes Garcia dos Reis, chefe do Departamento de
Ensino da Escola de Guerra Naval agradeço o incentivo, interesse, orientações e o mais
importante, a sua amizade. A confiança que o senhor me transmitiu me fez avançar cada
vez mais no perigoso, escorregadio e fascinante mundo de sua especialidade que é a
estratégia naval. Sem a sua confiança e amizade, o caminho trilhado seria bem mais
trabalhoso e incerto.
Ao saudoso amigo e mestre vice-almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal, um
dos maiores estrategistas da Marinha de Guerra e membro destacado do Instituto de
Geografia e História Militar do Brasil, agradeço a sua atenção e orientações no campo da
estratégia naval. Os escritos do almirante Vidigal me inspiraram a imitá-lo, embora eu
tivesse certeza que me encontrava muitas milhas náuticas atrás desse intelectual em
conhecimento, tirocínio e erudição. Sinto muita falta do meu amigo Almirante Vidigal e
tenho certeza que se estivesse vivo estaria sentado no auditório do IFCS no dia de minha
defesa de tese, torcendo por mim. O senhor me faz muita falta.
Ao vice-almirante Hélio Leôncio Martins, o maior historiador naval brasileiro na
atualidade, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e do Instituto de
Geografia e História Militar do Brasil e decano de todos nós que trabalhamos com a
história naval, agradeço as críticas e o incentivo que o senhor sempre me transmitiu,
tornando-se não só um exemplo de pesquisador profícuo e detalhista, mas também de
docente entusiasmado e criativo. O senhor em seus belos 98 anos de idade continua sendo o
mais jovem de todos nós.
Ao vice-almirante Mario Augusto de Camargo Ozório, meu ex-comandante, amigo e
verdadeiro pai, agradeço o incentivo e a orientação sempre segura tanto na vida naval como
na vida privada. Suas palavras de estímulo e carinho me fizeram prosseguir na carreira de
professor e pesquisador. Como conselheiro e vice-presidente do Centro de Estudos Político-
Estratégicos da Escola de Guerra Naval, me transmitiu o amor incondicional a Escola de
Guerra Naval que procurei seguir. Eu tinha consciência que a cada dificuldade teria no
senhor um porto seguro e um orientador em todas as horas. O senhor se tornou um farol
fundamental para meu progresso pessoal e profissional. Sem o senhor essa minha pesquisa
seria bem mais árdua.
Aos meus amigos do Centro de Estudos de Política e Estratégia da Escola de Guerra
Naval, comandantes Fernando Irineu, Luiz Carlos de Carvalho Roth, William de Sousa
Moreira, Walter Maurício Nunes de Miranda, André Panno Beirão e aos professores
doutores Nival Nunes de Almeida, Sabrina Evangelista Medeiros e Renato Petrocchi,
agradeço as discussões acaloradas, as críticas sempre bem-vindas e ao bom ambiente
reinante no nosso ambiente de trabalho acadêmico. Sem o auxílio, amizade e compreensão
de vocês, essa pesquisa seria bem mais trabalhosa.
Ao professor doutor John Hattendorf, docente e chefe do Departamento de História
Marítima da Escola de Guerra Naval dos EUA, a casa de Alfred Mahan, agradeço as
indicações sempre precisas das referências bibliográficas de Mahan. Sua simplicidade e
modéstia me sensibilizaram e reafirmaram que prestígio e conhecimento independem da
soberba. Muito pelo contrário.
Ao professor doutor e amigo André Figueiredo Rodrigues, um dos maiores
especialistas em Inconfidência Mineira no Brasil, forjado na Universidade de São Paulo e
docente da Universidade Estadual Paulista e professor de Metodologia Científica, agradeço
as sugestões para o aperfeiçoamento do texto e da metodologia empregada. Seus livros me
foram de muita valia, tanto para a confecção das notas de rodapé como na elaboração das
referências bibliográficas. Seu exemplo de docente dedicado me serve sempre de exemplo e
estímulo. O mais importante, no entanto, continua sendo a nossa amizade forjada
inicialmente nos encontros acadêmicos da Associação Nacional de História, estendida
agradavelmente ao campo pessoal e familiar. Ao amigo só tenho a agradecer sua amizade e
orientação.
Ao meu querido orientador, mentor e “padrinho” professor doutor Francisco Carlos
Teixeira da Silva, agradeço tudo o que fez por mim nessa jornada começada em 1998 na
Escola de Guerra Naval. Naquela oportunidade o senhor me estimulou a perseguir a
carreira de historiador, desejo refreado desde a juventude. Durante todo o meu período de
graduação, de mestrado e por fim de doutorado o professor Francisco Carlos me
acompanhou e orientou, indicando os caminhos a serem seguidos. Nos momentos de maior
dificuldades e dúvidas lá estava o meu orientador, indicando caminhos possíveis para
encontrar as respostas que procurava. Se hoje concluo mais essa etapa, devo a esse
intelectual. Sempre contei com sua orientação segura e precisa e me considero com muito
orgulho seu “afilhado”. Seu exemplo de historiador dedicado, pesquisador refinado e
docente muito querido e admirado, me serve de estímulo e de exemplo, mas o mais
importante é manter viva a nossa amizade de muitos anos forjada inicialmente na EGN e
depois no IFCS/UFRJ. Obrigado mestre estimado pelos ensinamentos e orientação. Sem o
senhor dificilmente chegaria aonde cheguei, o tão almejado título de doutor. Esse trabalho
lhe pertence em grande parte e ao senhor eu também o dedico.
Por fim, agradeço as minhas amadas Maria Helena, Mariana e Roberta, razão de ser
dessa tese. A essas três devo a tranqüilidade familiar e o estímulo necessário na condução
de uma pesquisa que requereu muita leitura, reflexão, interpretação atenta das fontes, todas
em língua inglesa e o natural afastamento dos lazeres que nos eram caros. Sem o estímulo e
o amor dessas três, dificilmente concluiria um trabalho vasto, detalhado e desafiador. A
Maria Helena, em especial, agradeço as críticas sempre inteligentes e vivas (como dizia o
almirante Leôncio) com o meu texto e o mais importante, por não se zangar comigo se
algumas vezes tive que “conversar” mais com Nelson, Laughton e Mahan do que com ela.
Sem o seu amor, compreensão e entendimento certamente não chegaria aonde cheguei. A
vocês três também dedico essa pesquisa.
May God bless my king and country and all
those who I hold dear. My relations it is
needless to mention: they will of course be
amply provided for.

Nelson and Bronte.

Manhã de 21 de outubro de 1805. Últimas


palavras escritas por Nelson no dia de sua
morte em combate em Trafalgar.
RESUMO

Esta tese tem como propósito comparar duas biografias do herói naval britânico Horatio
Lorde Visconde Nelson (1758-1805), morto em combate na batalha de Trafalgar contra a
esquadra francesa. A primeira biografia foi escrita pelo historiador britânico Sir John Knox
Laughton (1830-1915) em 1895 e a segunda escrita pelo historiador norte-americano Alfred
Thayer Mahan (1840-1914) em 1897. O que se pretende é utilizando a metodologia de
história comparada de Jurgen Kocka confrontar as duas biografias, procurando indicar as
semelhanças e diferenças de percepção sobre esse personagem entre os dois biógrafos. Para
que essa investigação tenha consistência são apresentados estudos sobre o que significa o
heroísmo, em especial a visão dos teóricos que discutiram o papel do grande homem na
história no século XIX, a teoria dos limites do herói na história formulada por Sidney Hook
e a jornada do herói mítico de Joseph Campbell. É apresentada também a Marinha Real
britânica no tempo de Nelson, as trajetórias acadêmicas de Laughton e de Mahan como
historiadores profissionais, como um prelúdio para as conclusões. Ao se comparar as duas
biografias, os resultados apontam para diferenças de percepção entre os dois biógrafos,
sendo que Laughton, por ser vitoriano e conservador se revela mais sóbrio em suas
conclusões sobre Nelson, enquanto Mahan, religioso e moralista critica o modo como o
herói Nelson conduziu sua vida privada, corroborando os estudos teóricos de Mikhail
Bakhtin que indicou uma identificação entre o biógrafo e o biografado quando na
confecção do texto biográfico. Ao mesmo tempo, segundo os textos de Laughton e Mahan,
Nelson atendeu às características determinadas pela teoria dos limites do herói na história
formulada por Hook e seguiu uma trajetória condizente com a jornada do herói conforme
idealizada por Campbell, confirmando assim sua perenidade no imaginário nacional
britânico até os dias atuais.

PALAVRAS-CHAVE: Horatio Lorde Nelson, Poder Naval Britânico, O Heroísmo,


Biografias Comparadas, a Guerra no Mar no Século XVIII.
ABSTRACT

This dissertation has the purpose of comparing two biographies written on the british naval
hero Horatio Lord Viscount Nelson (1758-1805), killed in action during the battle of
Trafalgar against the French Fleet. The first biography was written by the british historian
Sir John Knox Laughton (1830-1915) in 1895 and the second one by the american historian
Alfred Thayer Mahan (1840-1914) in 1897. The intention of this research is to compare the
two biographies using Jurgen Kocka comparative methodology, indicating perception
similarities and diferences on Nelson. In order to get a specific research order there are
studies on heroism, specially the different visions of the role of the great men in history by
19th century scholars, the theory of the hero´s limit on history formulated by Sidney Hook
and the Joseph Campbell mytic hero journey. The Royal Navy at Nelson´s time is discussed
as well as the academic patterns of Laughton and Mahan as professional historians. When
two biographies were compared, different perceptions had come up. Laughton, being a
conservative victorian had been more sober on Nelson while Mahan, more religious and
moralist had been more critical on his hero specially on Nelson private life, confirming in
some way the studies conducted by Mikhail Bakhtin who indicated an identification
between the biographer and his character when translated into the written text. At the same
time Nelson fullfilled the characteristics pointed by the Hook theory of the hero´s limit in
history and followed a mytic hero journey as indicated by Campbell, confirming the
endurance of Nelson on british national imagination until today.

KEY WORDS:: Horatio Lorde Nelson, British Sea Power, The Heroism, Compared
Biographies, Sea Warfare on 18th Century.
LISTAS DE APÊNDICES E TABELAS

LISTAS DE ANEXOS

A- Tipos de Liderança.

B- Navios em atividade na Marinha Real, 1793 a 1805.

C- Canhões e caronadas e suas especificações na Marinha Real no século XVIII.

D- Número de oficiais e Primeiros Lordes do Mar entre 1803 e 1805.

LISTAS DE APÊNDICES

A- Bibliografia sobre Horatio Lorde Nelson – Século XIX.

B- Classes de Navios da Marinha Real do século XVIII.

C- Tripulação típica de uma fragata de 36 canhões de 5a classe.

D- Forças em confronto no Nilo.

E – Forças em confronto em Trafalgar.

F- Trajetórias Pessoais e Profissionais de Alfred T. Mahan e John K. Laughton.

G- A história e o ofício de historiador segundo Alfred T. Mahan e John K. Laughton.


LISTA DE FIGURAS E TABELAS

LISTA DE FIGURAS E TABELAS

1- Primeira Fase da Batalha Naval do Cabo de São Vicente..............................................368

2- Segunda Fase da Batalha Naval do Cabo de São Vicente..............................................370

3- Primeira Fase da Batalha Naval do Nilo.........................................................................393

4- Segunda Fase da Batalha Naval do Nilo........................................................................ 395

5- Posições na Batalha Naval de Copenhagen................................................................... 423

6- O Ataque em Tragalgar..................................................................................................457

LISTA DE TABELAS

1- Tabela de grupos sociais ou ocupação dos pais para entrantes na RN..................122

2- Postos hierárquicos de almirantes..........................................................................139

3- Tonelagens dos principais poderes navais nas vésperas da Grande Guerra..........280


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

DNB Dictionary of National Biographies


EUA Estados Unidos da América do Norte
GB Great Britain- Grã-Bretanha
HMS Her (His) Majesty Ship
IDC Imperial Defense College
NRS Navy Records Society
NWC Naval War College
PRO Public Records Office
RHS Royal Historical Society
RN Royal Navy – Marinha Real britânica
RNC Royal Naval College
RUSI Royal United Services Institution
UK United Kingdom – Reino Unido
SUMÁRIO

Dedicatória iv

Agradecimentos. v

Epígrafe. ix

Resumo. x

Abstract. xi

Listas. xii

INTRODUÇÃO. 1

CAPITULO 1 A IMAGEM DO HERÓI NA HISTÓRIA. 21

1.1 – A arte do historiador, a biografia. 22

1.2 - O que é ser herói. 38

1.3 – O herói e as interpretações historiográficas. 47

1.4 – As percepções do heroísmo no século XIX. 62

1.5 – A teoria dos limites do herói na história. 79

1.6 – O mito e o herói mítico. 88

CAPÍTULO 2 A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE NELSON 98

2.1- O século XVIII e a emergência do poder naval britânico. 99

2.2- A Marinha Real britânica no século XVIII: a organização e os meios de


combate. 110

2.3- A Marinha Real britânica no século XVIII: os recursos humanos. 120

2.4 – A Marinha Real britânica no século XVIII: os recursos técnicos e táticos. 158
CAPÍTULO 3 JOHN KNOX LAUGHTON: O FUNDADOR DA MODERNA
HISTORIOGRAFIA NAVAL BRITÂNICA 175

3.1 – Os anos de formação na carreira do historiador. 175

3.2- A carreira docente no King´s College. 189

3.3- Os últimos anos de Laughton. 213

3.4 – Sir John Knox Laughton: um historiador acadêmico. 227

CAPÍTULO 4 ALFRED THAYER MAHAN: O EVANGELISTA DO PODER


MARÍTIMO 235

4.1- Alfred Thayer Mahan: um marinheiro relutante. 235

4.2- Alfred Thayer Mahan: a maturidade intelectual. 248

4.3- Alfred Thayer Mahan: uma nova carreira. 262

4.4- Alfred Thayer Mahan: um historiador auto-didata. 284

CAPÍTULO 5 FOR KING AND COUNTRY: A FORMAÇÃO DO HERÓI


HORATIO LORDE NELSON 306

5.1- Os primeiros anos do herói. 311

5.2- O casamento e o príncipe William Henry. 330

5.3- Nelson e o HMS Agamemnon. 337

5.4- Sir John Jervis assume o Comando-em-Chefe do Mediterrâneo. 356

5.5- A batalha naval do Cabo São Vicente. 363

CAPÍTULO 6 THANK GOD I HAVE DONE MY DUTY: A CONSAGRAÇÃO DO


HERÓI HORATIO LORDE NELSON 379

6.1- Um golpe de gênio: a batalha naval do Nilo. 386

6.2- O encontro com Emma Lady Hamilton. 399


6.3- O caso Caracciolo. 408

6.4 – O caminho para Copenhagen. 417

6.5 – A volta ao Mediterrâneo. 429

6.6- O herói encontra o seu destino em Trafalgar. 444

CONCLUSÃO 468

REFERÊNCIAS

ANEXOS

APÊNDICES
1

INTRODUÇÃO

A biografia tem percorrido um trajeto acidentado na história. Enaltecida no passado,


passou a ser desprestigiada no século XX, em razão principalmente dos ataques da Escola
dos Annales. No entardecer do século passado, ela parece ter vindo para se estabelecer com
maior intensidade. Interesse do público, congregado a novas pesquisas e descobertas, têm
feito da biografia um gênero interessante para o leitor comum. Mesmo críticos severos da
biografia como Jacques Le Goff, digno representante da terceira geração dos Annales, na
introdução de sua obra magistral São Luiz, pareceu render-se à legitimidade e importância
desse gênero historiográfico nos estudos contemporâneos. Diria ele em 1989 que a
“biografia era o ápice do trabalho do historiador”.1
Nos países de língua inglesa, em especial no Reino Unido (UK), houve um enorme
interesse do público no trabalho biográfico, a partir do século XIX. Segundo Peter Gay,
nesse período houve um verdadeiro ‘apetite biográfico’.2 Em razão desse interesse, muitas
biografias desmascaram reputações até então intocadas, de modo a enaltecer virtudes
burguesas e indicar caminhos que não deviam ser trilhados. Vivia-se no UK o chamado
período vitoriano.
Por outro lado, biografias que discutissem heróis navais tinham grande interesse
popular no mundo anglo-saxão, pois o poder marítimo foi o instrumento que permitiu por
cerca de trezentos anos que o Império Britânico dominasse as linhas de comunicação
mundiais. Esse domínio significou uma supremacia comercial relevante. Segundo Paulo
Visentini “a supremacia naval também foi determinante para que a Inglaterra tenha sido
pioneira no desenvolvimento capitalista industrial”.3 Assim o mar foi fundamental para os
interesses britânicos.
Por sua história naval passaram nomes que suscitam o imaginário nacional britânico e
a necessidade de disseminar trabalhos biográficos sobre seus feitos. Francis Drake, Walter
Raleigh, Robert Blake, George Monck, George Anson, Edward Hawke e John Jervis foram
1
BORGES, Vavy Pacheco. Grandeza e misérias da biografia. In: PINSKY, Carla Bessanezi (org). Fontes
Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 209.
2
GAY, Peter. O Coração Desvelado. A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud. V.4. Trad: Sergio
Bath. São Paulo: companhia das Letras, 1999, p. 171.
3
VISENTINI, Paulo Fagundes; PEREIRA, Analúcia Danilevicz. História do Mundo Contemporâneo.
Petrópolis: Vozes, 2008, p.19.
2

representados e construídos como heróis e formadores da Marinha Real (RN) e da própria


nacionalidade britânica no século XIX, suscitando um grande número de biografias. O
propósito de tal construção era claro e inquestionável: enaltecer os feitos e ações de homens
tornados heróis que “construíram” a nação que surgia vigorosa, a partir do mar. Entretanto
o nome mais reverenciado e biografado foi e tem sido até hoje o de Horatio Lorde Nelson
(1758-1805).
Oficial de marinha com maior número de biografias escritas no UK, Nelson tem sido
discutido e analisado nas escolas de altos estudos navais de todo o mundo, como o tipo
ideal de “herói” e líder militar, sendo enaltecido com um belo monumento em sua memória
no centro de Londres na Trafalgar Square. Sua influência no imaginário popular britânico
tem sido muito acentuada.
Nascido em plena Guerra dos Sete Anos, cedo entrou para a RN, distinguindo-se em
combate, até liderar as forças navais britânicas no Mediterrâneo contra a França no início
do século XIX. Vencedor de três grandes batalhas navais no período napoleônico, Aboukir,
Copenhagen e Trafalgar, veio a falecer nessa última. Por suas ações consideradas heróicas,
teve um funeral solene na Catedral de Saint Paul, no qual compareceram o rei da Inglaterra
e toda a hierarquia real e governamental. Em torno de seu nome criou-se uma aura de
invencibilidade em combate e no cumprimento do dever profissional. O rei Jorge III diria
logo após sua morte que “os transcendentes e heróicos serviços do Visconde Lorde Nelson
permanecerão, segundo penso, para sempre no imaginário do meu povo”4. E assim
permaneceram.
Entretanto a vida privada de Nelson estava longe de ser tão triunfal. Sua atitude
perante o sexo feminino demonstrava uma imaturidade sentimental que deixava perplexos
seus mais chegados companheiros. O capitão Fremantle, um de seus amigos mais
próximos, disse em 1795 o seguinte: “jantei com Nelson... Dolly a bordo [o objeto de
desejo de Horatio, a cantora lírica Adelaide Correglia]...ele [Nelson] se tornou ridículo com
aquela senhora”5. Nesse ano, Nelson completaria oito anos de casado com Frances Nisbet.
O grande escândalo ocorreria alguns anos depois, quando, como contra-almirante,
conheceu Emma Hamilton, esposa do embaixador britânico no Reino das Duas Sicílias, Sir

4
HARRISON, James. The Life of honorable Horatio Lord Viscount Nelson. V.1. London :Ranelagh Press,
1806, p.2.
5
MORRISS, Roger. Nelson. The Life and Letters of a hero. London: Collins & Brown, 1996, p.63.
3

William Hamilton e com ela manteve um relacionamento amoroso até a sua morte,
culminando com o nascimento de uma filha, Horatia, quando Emma ainda mantinha-se
casada com o sempre passivo Sir William Hamilton. Um escândalo na sociedade britânica,
moralista e preconceituosa, em especial com membros de seu próprio círculo.
Ademais, Nelson desobedecia frontalmente ordens emanadas de seus superiores, se
elas ferissem seus anseios de glória e honra e significassem contemporizar com seus
inimigos. Em Nápoles, por ocasião da revolta jacobina em 1799 contra o rei das Duas
Sicílias, Nelson aceitou a rendição dos revoltosos, quando já ocorria a prometida anistia
geral. Em seguida, determinou o julgamento do príncipe Caracciolo, um dos líderes da
revolta. Depois de especificada a culpa de Caracciolo pelo tribunal, concordou com sua
execução pública, apesar da promessa de anistia, fato que maculou sua biografia. Apesar
desses percalços, Nelson continuou a ser o grande paradigma de herói para o inglês comum.
Esses pecados foram relevados em prol da defesa da Grã-Bretanha (GB) em sua luta contra
Napoleão.
Em 2005 houve grandes comemorações no UK no aniversário de duzentos anos de
sua morte na batalha de Trafalgar. Foi incentivada pelo governo britânico a produção de
novas biografias desse herói. O mito heróico de Nelson continuou presente, passados 200
anos de sua morte em Trafalgar. Muitas das biografias de Nelson, escritas anteriormente, já
tinham se tornado clássicas, duas delas, inclusive, transformaram-se em marcos na
historiografia naval. A primeira, escrita em 1895 pelo historiador britânico Sir John Knox
Laughton, e a segunda pelo historiador norte-americano Alfred Thayer Mahan em 1897,
exatamente no período que Peter Gay apontou como o ápice do período vitoriano no UK.
O inglês Sir John Knox Laughton (1830-1915) professor de história do King´s
College em Londres foi o primeiro intelectual britânico que estudou a história naval de seu
país em bases científicas no século XIX. Em 1893 tornou-se secretário e fundador do Navy
Records Society, instituição de produção historiográfica que até hoje dissemina e incentiva
a pesquisa de história naval no UK. Em 1907 foi elevado a cavaleiro da Ordem do Banho,
vindo a ser considerado um dos mais importantes intelectuais ingleses do século XIX6.
Rankiano por convicção e método, Laughton escreveu cerca de vinte e três livros,
sendo que três deles foram ou biografias completas ou ensaios biográficos de marinheiros

6
SCHURMAN, Donald. The Educaion of a Navy. London: Cassell, 1965, p.83.
4

ingleses. Em 1895 lançou no mercado editorial essa conhecida biografia sobre Nelson,
complementada por um ensaio sobre esse personagem naval escrito em seqüência. Em toda
a sua obra, Nelson aparece como o protótipo do herói nacional, responsável pela derrota
naval de Napoleão, impossibilitando o desembarque francês no UK.
Além dessa visão heróica de seu personagem, Laughton foi o grande responsável pelo
estabelecimento da profissão de historiador naval no UK, tradição que perdura até hoje no
King´s College com pesquisadores do quilate de Andrew Lambert e Geoffrey Till.
Laughton, apesar de acreditar em Deus, não era um religioso, no entanto era um
conservador típico vitoriano, espelhando uma característica típica de sua classe social.
Um fato interessante era que Laughton utilizava amplamente o método comparativo
em suas pesquisas, no entanto acreditava que o historiador não deveria conjeturar o futuro,
tarefa que imputava aos políticos. Para ele o passado e o presente eram os instrumentos de
trabalho do historiador profissional. Ele conseguiu ainda disponibilizar e organizar diversos
arquivos históricos que estariam perdidos ou mesmo indisponíveis para pesquisa. Por sua
atuação marcante, Laughton tem sido considerado por diversos historiadores ingleses como
o pai da historiografia naval moderna.7
O oficial da marinha norte-americana Alfred Thayer Mahan (1840-1914) em 1890
lançou o seu clássico livro The Influence of Sea Power upon History 1660-17838 no qual
procurou explicar, a partir da história naval inglesa, as razões desse predomínio e como
conseqüência, formulou uma teoria de emprego de poder marítimo muito discutida nas
escolas de altos estudos navais ocidentais. Para ele o mar era o centro das disputas entre
estados e, por conseguinte, quem o dominasse prevaleceria no difícil e sempre tumultuado
ambiente internacional. O nome de Mahan está intimamente ligado ao da Escola de Guerra
Naval norte-americana, onde lecionou estratégia e história naval por muitos anos, vindo a
ser um de seus primeiros professores. Apesar de não ser historiador acadêmico como
Laughton, Mahan escreveu cerca de vinte livros, a maioria abordando assuntos relativos à
história, estratégia, política e relações internacionais. Em razão de suas limitações teórico-
metodológicas, Mahan relutava em pesquisar documentação primária arquivística,

7
LAMBERT, Andrew. The Foudations of naval history. London: Chatham, 1998, p. 61.
8
MAHAN, Alfred Thayer. The Influence of Sea Power upon History 1660-1783. Boston: Little Brown 1890.
5

preferindo, ao invés, utilizar obras prontas e a partir delas formular conceitos estratégicos
navais. Uma dessas formulações foi o que viria a ser o poder marítimo (sea power).
Mahan foi criado em uma profunda fé religiosa protestante e seu modo de proceder
era conservador e moralista, refletindo essa postura diretamente nos seus textos. No que diz
respeito a sua visão de poder, ele indicou que existiam seis elementos fundamentais que
compunham o poder marítimo; a posição geográfica, a conformação física, o tamanho do
território, o tamanho e caráter da população e por fim o caráter do governo. No elemento
caráter da população, Mahan afirmou que a propensão natural para o mar constituía um
importante fator para o fortalecimento desse poder marítimo. Nesse elemento, Mahan
citava freqüentemente Horatio Nelson, representante ideal desse fator, que para ele
corporificava o heroísmo britânico no seu sentido mais puro. A partir das ações estratégicas
e táticas desse personagem, Mahan constituiu parte de sua teoria de poder, enaltecendo a
ofensiva, a batalha decisiva e a liderança em ação de combate, fatos que emanavam da
personalidade de Nelson. Para Mahan, Nelson era o “herói” naval por excelência. Em razão
desse interesse, Mahan escreveu uma biografia sobre Nelson em 1897 em dois volumes,
que se tornou um clássico da literatura naval9. Como uma exceção ao seu método de
pesquisa, Mahan procurou retratar a vida de Nelson, a partir de documentação primária,
transformando seu trabalho em uma obra de referência. Para Mahan, Nelson possuía as
qualidades que o fizeram a “corporificação” do poder marítimo da GB, daí o título de seu
livro10. O que mais fez Mahan admirado no UK foi a sua inclinação natural pela história
naval britânica e sua afeição por tudo que vinha das ilhas, apesar de ser norte-americano.
Por essa biografia foi premiado e enaltecido como um dos grandes nomes da historiografia
naval contemporânea11.
Ambos biógrafos eram personagens do século XIX e assim escreviam para um
público ávido por biografias de heróis, especialmente se representassem o nacionalismo
inglês, seguindo uma tendência de enaltecimento de heróis típica desse século. Segundo
Sabina Loriga, muitos autores do século XIX consideravam que “o espírito de uma época
ou civilização não podia ser entendido a não ser por intermédio da realização pessoal de

9
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson:the embodiment of the sea power of Great Britain. 2v. Boston:
Little Brown, 1897.
10
‘Embodiment’ traduzido por corporificação.
11
SUMIDA, Jon. Inventing Grand Strategy and teaching command: the classic works of Alfred Thayer
Mahan reconsidered. Washington: John Hopkins University Press, 1997, p.xi.
6

grandes protagonistas”12 e como tal os grandes homens é que faziam a história, em uma
concepção muito comum naquele período. As biografias de ambos autores vieram a se
agregar a outras que reafirmaram o poder carismático e heróico de Nelson na memória de
seu país, reafirmando a “aura” do personagem invencível no imaginário britânico.
A presente tese pretende pesquisar as similaridades e discordâncias entre as visões de
Laughton e Mahan ao descreverem seu biografado, utilizando o método comparativo. Não
se deseja escrever uma nova biografia de Nelson, ou mesmo analisar pontos obscuros de
sua trajetória, mas sim discutir as percepções que Laughton e Mahan tiveram de seu “herói”
e verificar se percebiam as qualidades e defeitos de Nelson da mesma maneira, apesar de
provirem de países distintos, de meios sociais desiguais, de percepções de vida e de
profissões diferentes.
Dessa maneira o problema principal dessa investigação é discutir e analisar as
similaridades e discordâncias das biografias de Horatio Lorde Nelson escritas por Sir
John Knox Laughton e Alfred Thayer Mahan utilizando o método comparativo, de
modo a apontar se o que Laughton e Mahan eram e acreditavam interferiu no modo
como eles perceberam e escreveram sobre Lorde Nelson.
Esta análise complementará, de modo amplo, o papel dos dois autores como
historiadores do poder marítimo, demonstrando a importância dessas biografias para o
estudo da história naval. Qual seria o papel do exemplo pessoal heróico nessa afirmação do
predomínio naval? Como esse exemplo influenciou esses biógrafos? Quais as
características de liderança de Nelson apontadas por Laughton e Mahan ? Como os
biógrafos encararam as máculas reconhecidas de Nelson? De que maneira essas biografias
auxiliaram a reafirmar a imagem de Nelson como “modelo de herói” para o UK?
Pouco se tem discutido acerca das biografias escritas por Laughton e Mahan. Mesmo
fora do Brasil poucos historiadores, notadamente norte-americanos e ingleses, chegaram a
pesquisar especificamente essas biografias. Trabalhos sobre história naval, assim como
pesquisas específicas sobre heróis, como percebidos pela historiografia, ainda são raros no
Brasil, preteridos por assuntos mais atrativos aos historiadores nacionais.

12
LORIGA, Sabina. A biografia como problema. In: REVEL, J. Jogos de escalas: a experiência da micro-
análise. Rio de Janeiro: FGV, 1998, p.233.
7

É sempre oportuno mencionar o historiador Peter Gay que afirmou que “toda a
história é em alguma medida psico-história e a psico-história não pode ser toda a
história”.13 Pretende-se, dessa forma, fazer uma breve incursão na psico-história por meio
do estudo do mito do herói, ficando esse estudo restrito a pesquisar as idéias de Joseph
Campbell e não em psicoanalisar Nelson ou Mahan ou Laughton. Peter Gay conclui sua
idéia sobre a importância da psicologia para o historiador, afirmando que “o historiador
profissional tem sido sempre um psicólogo...ele opera com uma teoria sobre a natureza
humana...atribui motivos, estuda paixões, analisa irracionalidades...descobre causas e sua
descoberta geralmente inclui os atos mentais”.14 Motivos, paixões, irracionalidades e
causas são o que se procurará analisar nos textos de Laughton e Mahan.
Dessa forma, o objetivo geral será comparar as biografias de Horatio Lorde Nelson
escritas por Sir John Knox Laughton e Alfred Thayer Mahan, de modo a apontar
similaridades e diferenças de percepção utilizando o método comparativo, de modo a
demonstrar se o que Laughton e Mahan eram e acreditavam interferiu no modo como eles
perceberam e escreveram sobre Lorde Nelson
Como objetivos secundários podem ser apontados os seguintes:
- Discutir a biografia sob o ponto de vista de sua tipologia, o papel do historiador, a
disponibilidade de fontes e a construção da narrativa textual, utilizando trabalhos
de François Dosse, José van den Besselaar, Giovanni Levi, Jean Orieux, Benito
Bisso Schmidt, Peter Gay, Peter Burke e a teoria de estética verbal de Mikhail
Bakhtin.
- Discutir o que vem a ser o herói na história, as interpretações e o percurso do
herói da Antiguidade, Idade Média e Período Moderno, apontando os exemplos
mais significativos de cada um desses períodos.
- Discutir a percepção do herói e do grande homem na história no século XIX,
segundo concepções de Georg Friedrich Hegel, Thomas Carlyle, John Stuart Mill,
Friedrich Engels, Herbert Spencer, Friedrich Nietszche, Georges Plekhanov, Max
Weber e Frederick Adams Wood.
- Discutir a teoria dos limites do herói na história de Sidney Hook.

13
GAY, Peter. Freud para historiadores. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p.13.
14
Ibidem, p. 25.
8

- Discutir o papel do mito e do herói mítico a partir do final do século XIX


enfocando em especial o de Joseph Campbell.
- Discutir a organização, os recursos humanos e a vida cotidiana da RN nos séculos
XVIII e XIX, período de vida do biografado Lorde Nelson.
- Discutir as trajetórias intelectuais e pessoais de Sir John K. Laughton e Alfred T.
Mahan.
- Analisar as percepções de história e a historiografia de Sir John K. Laughton e
Alfred T. Mahan.
- Analisar as biografias de Nelson escritas por Sir John K. Laughton e Alfred T.
Mahan correlacionando, sempre que possível, à teoria dos limites do herói na
história de Sidney Hook, à formação do mito do herói de Joseph Campbell, às
concepções discursivas de Mikhail Bakhtin e à metodologia comparativa de
Jurgen Kocka.
A vida de Horatio Lorde Nelson suscitou interesse dos pesquisadores desde a sua
morte em 1805. Sem considerar os manuscritos e os documentos arquivísticos publicados,
foram escritos na forma de poemas, elogios e panfletos diversos cerca de 41 trabalhos no
século XIX15. Foram, também publicadas 31 biografias completas sobre ele nesse século,
segundo levantamento documental e biográfico de Leonard W. Cowie16.
A primeira biografia relevante de Lorde Nelson foi escrita quando ele ainda vivia. Ela
foi escrita em 1802 por John Charnock17 que muito o admirava, logo após a batalha de
Copenhagen, tendo inclusive devotado mais de um terço do texto descrevendo essa batalha
e suas preliminares. Charnock foi um voluntário na RN e utilizou extensivamente
informações orais e cartas escritas por Nelson fornecidas pelo capitão William Locker. Essa
biografia recebeu o título de Biographical Memoirs of Lord Viscount Nelson with
observations, critical and explanatory.

15
Ver Apêndice A).
16
COWIE, Leonard W. Lord Nelson 1758-1805, a bibliography. London: Meckler, 1990.
17
CHARNOCK, John: Biographical memoirs of Lord Viscount Nelson, with observations, critical and
explanatory. H.D. Symonds & J. Hatchard, London, 1802.
9

A segunda biografia que merece comentários foi a escrita por James Harrison em
180618 logo depois da morte de Nelson em dois extensos volumes. Muito do que foi
discutido por Harrison em seu vasto trabalho incluiu cartas escritas e recebidas por Nelson
e parte de sua correspondência (cerca de 139 cartas) com Emma Lady Hamilton. Essa obra
recebeu críticas de Laughton por discutir anedotas e informações que não puderam ser
comprovadas por outros pesquisadores que trabalharam com o tema. Em que pese essas
observações de Laughton, o trabalho de Harrison é bem documentado e não deve ser
abandonado.
A terceira biografia escrita no século XIX que merece registro foi a escrita por Robert
Southey em 181319. Robert Southey ficou conhecido no Brasil por escrever uma história do
Brasil sem ter conhecido nosso país, a partir apenas de documentação coletada na Inglaterra
e em Portugal. O livro de Southey é considerado um clássico da literatura naval, sendo
muito comentado por Peter Gay em sua grandiosa obra em cinco volumes A Experiência
Burguesa da Rainha Vitória a Freud. Para sua biografia Southey baseou-se em comentários
de seu irmão Tom Southey, um tenente a bordo do navio HMS Bellona, que participou
ativamente da campanha do Báltico conduzida por Nelson. Além dessa fonte de
informações, Southey utilizou cartas e documentos fornecidos pelo irmão de Nelson, do
Duque de Clarence, Lorde Hood e Lady Nelson.
A quarta obra destacada publicada sobre Nelson foi a compilação de suas cartas e
despachos por Sir Nicholas Harris Nicolas. Nessa monumental obra de sete volumes escrita
entre 1844 e 1846 Sir Nicholas compilou 3.500 cartas e despachos do herói inglês. Essa
publicação é considerada a referência para quem pretende escrever uma biografia sobre
Nelson20. Muitas dessas cartas estão arquivadas atualmente na Biblioteca Britânica (British
Library).
A quinta biografia relevante escrita no século XIX foi a de Sir John Knox Laughton
escrita em 1895 que servirá de referência para esse estudo comparativo21. Esta obra deve
ser lida em conjunto com outro trabalho de Laughton de 1899 que levou o nome de The

18
HARRISON, The Life of the Right Honourable Horatio Lord Viscount Nelson. 2v. London: Ranelagh
Press, 1806.
19
SOUTHEY, Robert. The Life of Nelson. London: Cassell and Co, 1909.
20
NICOLAS, Harris Nicholas. The despatches and letters of vice-admiral Lord Viscount Nelson. 7v. London:
Henry Colburn, 1844-1846.
21
LAUGHTON, John Knox. Nelson. London: MacMillan and Co, 1895.
10

Nelson Memorial: Nelson and his companions in arms22. As duas obras devem ser lidas
conjuntamente, pois além de serem complementares, elas são referências para quem estuda
a vida de Nelson, apresentando o resultado da investigação conduzida por Laughton que
primou por seu rigor metodológico e uma pesquisa arquivística de mérito.
A sexta biografia escrita no século XIX, que merece registro, foi a obra de Alfred
Thayer Mahan que será a obra de referência para a comparação com o trabalho de
Laughton. Recebeu o título de The Life of Nelson: the embodiment of the sea power of
Great Britain em dois volumes. Mahan nessa biografia utilizou extensivamente
documentação primária, em especial as cartas de Nelson. A relevância desse trabalho reside
em seu nível de detalhamento e a importância que Mahan teve e tem na estratégia naval.
Sua visão de Nelson o correlaciona continuamente com a concepção estratégica naval por
ele formulada, sendo assim um trabalho original e criativo.
Uma investigação que envolve a análise de biografias com o propósito de compará-las
pode ser abordada de diversas formas. A mais usual é a análise de discurso que transita com
grande intensidade no campo da lingüística, embora seja um instrumento eficaz utilizado
também na própria história. Serão utilizados conceitos de análise discursiva e de
hermenêutica formulados por Mikhail Bakhtin que correlacionou a interação do trabalho do
biógrafo com o biografado, a ser discutida no próximo capítulo.
Quanto à discussão do herói e heroísmo, foi dada preferência a uma abordagem
baseada em uma concepção teórica formulada pelo filósofo pragmático norte-americano,
Sidney Hook, que trata do que ele mesmo chamou de teoria dos limites do herói na
história.23
Disse ele que as fontes de interesse para os biógrafos e leitores se debruçarem sobre
as vidas dos heróis são muitas. Assim, apontou em seu estudo cinco razões básicas ou
características dos heróis. A liderança em todas as formas de interação social; a capacidade
do herói influenciar a juventude com os seus atos; a imagem do herói como salvador,
redentor ou mesmo profeta; a capacidade do herói em fornecer modelos explicativos
teóricos e por fim características psicológicas que influenciam os leitores e atraem os

22
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial:Nelson and his companions in arms. London: George
Allen, 1899.
23
HOOK, Sidney. The Hero in History. Boston: Beacon, 1955.
11

biógrafos24. Além desse estudo, Hook caracterizou o herói como homem-momento que
seria o herói cujas ações influenciaram desenvolvimentos subseqüentes numa direção
diferente daquela que teria sido seguida, se suas ações não tivessem ocorrido e como
homem-época que seria um homem-momento cujas ações são conseqüência de
extraordinária capacidade de inteligência, vontade e caráter, em vez de acidentes de
posição.25 Por Hook não discutir em detalhes sua visão de liderança como uma
característica fundamental do herói, em todas as formas de interação social, mas apenas
mencioná-la como uma importante característica, torna-se necessário analisar uma forma
fundamental de interação social que envolve o mundo militar naval, a teoria de liderança
militar, de modo a se discutir como Laughton e Mahan perceberam Nelson como líder
naval e se apontaram características distintas em seus textos. Assim pretende-se utilizar o
estudo conduzido pelo historiador britânico Sir John Keegan que irá complementar as
idéias de Hook. Para Keegan a liderança possui cinco imperativos que são de afinidade, de
prescrição, de sanção, de ação e de exemplo26.
Portanto, o que se pretende nessa tese é comparar as percepções de Laughton e Mahan
sobre Nelson, tendo como quadro de referência27 as cinco características apontadas por
Hook, como também caracterizar esse herói como homem-momento ou homem-época.
Esses serão os itens a serem referenciados nas duas biografias a serem investigadas, além
dos imperativos de Keegan.
Sob o ponto de vista epistemológico, Francisco Murari Pires e Francisco Marshall
indicaram a necessidade de se distinguir o estudo do herói histórico, como descrito por
Laughton e Mahan, do estudo sistemático do mito do herói inaugurado na segunda metade
do século XIX28. Assim um estudo sobre o herói Nelson em toda a sua complexidade,
aponta necessariamente para a discussão do mito do herói. Se tal discussão não abranger tal
enfoque, o estudo poderá tornar-se incompleto.

24
Ibidem p. 11.
25
Ibidem, p. 130.
26
KEEGAN, John. The Mask of Command. New York: Penguim, 1988.
27
Entende-se como quadro de referência a linha filosófica, religiosa, política e ideológica de um autor que
serve para mostrar o seu modo de pensar e o seu quadro teórico. Fonte: CIRIBELLI, Marilda Corrêa. Projeto
de Pesquisa. Um Instrumental da Pesquisa Científica. Rio de Janeiro: Letras, 2000, p.30..
28
MARSHALL, Francisco; PIRES, Francisco Murari. Os Mitos do Herói e as Figurações de poder.
Disponível em www.ffl.usp.br/dh/heros/mitoheroi/apresentac.html Acesso em 1 de abril de 2009.
12

Dessa maneira, muitos foram os investigadores nesse campo psico-antropológico,


sendo os mais destacados Edward Tylor, Johann Georg Von Hahn, Vladimir Propp, Otto
Rank, Fitz Roy Richard Somerset Raglan, Carl Jung e Joseph Campbell.
Joseph Campbell, baseando-se na teoria junguiana, percebeu que os mitos do herói
nas sociedades pretéritas eram intrinsecamente os mesmos, recontados com diversas
interpretações. Esses heróis seguiam ciclos envolvendo a sua partida, sua iniciação e por
fim o seu retorno. O herói procurava sua aventura longe de casa e os personagens que
cruzavam em seu caminho eram arquétipos. Sua partida era a chamada à aventura e nessa
fase poderia ter o auxílio de um mentor ou mentores que atuariam como protetores contra
seus adversários. Após passada essa fase, novas etapas o esperavam. Para ele só a vitória
lhe interessava. Apareceria, então, uma mulher que ensinaria e despertaria no herói o amor
carnal, voluptuoso e tentador. A sexualidade seria a tônica dessa relação conflituosa. Após
passar por essas provas, o herói estaria mudado, transformado e renasceria para novas
aventuras. Ele poderia voltar para casa e transmitir seus conhecimentos a seu povo, ou
prosseguir na jornada para completar sua aventura. Enfrentaria, então, a morte que poderia
ser derrotada ou perecer cumprindo seu destino. A morte do herói não significava o fim da
jornada. Haveria sempre um aprendizado ou experiência a ser transmitida com sua morte.
Segundo Campbell “o herói morreu como homem moderno; mas como homem eterno
renasceu”29. Ademais, não pode ser esquecido que Nelson morreu “gloriosamente” no
convés da HMS Victory com o seu melhor uniforme, ostentando todas as suas
condecorações, como se atraindo para si os atiradores franceses postados nos mastros dos
navios inimigos. A morte gloriosa era seu objetivo. Dessa morte gloriosa formou-se o mito.
O que se pretende com essa discussão é apontar se Nelson cumpriu algumas etapas da
jornada do mito do herói de Campbell e dessa maneira teve sua memória enraizada no
inconsciente britânico. Estariam os textos de Laughton e Mahan indicando essas etapas da
jornada do herói Nelson e assim contribuindo para reafirmar no imaginário britânico o
papel heróico desse almirante, confirmando a visão de Campbell de que o mito do herói é
sempre o mesmo, contado com outra interpretação? Para essa resposta a discussão do mito
do herói passa a ser necessária.

29
CAMPBELL, Joseph. O herói de Mil Faces. Trad: Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Pensamento, 2007,
p.28.
13

Outro texto teórico de referência será o de Norbert Elias publicado em The Genesis of
the Naval Profession30 no qual discutiu a formação da profissão de oficial de marinha na
GB e suas diferenças para seus principais antagonistas, a França e a Espanha. Esse estudo
importante esclarecerá e discutirá a formação que Nelson teve nos seus anos de
aprendizado.
Esta pesquisa, dessa maneira, trafegará em diversos domínios tais como a história da
vida privada, das idéias e representações. Quanto às dimensões, serão enfocados aspectos
da história política, psico-história, história cultural e história social; no que diz respeito à
abordagem serão apresentados aspectos sobre as biografias e a história naval militar,
considerando-a como uma abordagem da história política e na metodologia de história
comparada31. Essas análises servirão para complementar a principal discussão da pesquisa
que é a comparação entre as visões do herói nas biografias de Nelson, escritas por Laughton
e Mahan.
As hipóteses representam as prováveis respostas ao problema básico proposto e
podem ser desdobradas em básica e secundárias, sendo, ao final da tese, negadas ou
confirmadas. Pode-se, em pesquisas qualitativas, substituir as hipóteses por questões
norteadoras que deverão ser respondidas ao final da pesquisa.32 Pretende-se, assim,
formular uma questão central e sua provável resposta e questões secundárias, sem o
propósito de se obter respostas imediatas.
A questão central básica norteadora é “de que maneira Sir John Knox Laughton e
Alfred Thayer Mahan descreveram o herói Nelson em suas biografias ? Seriam as
percepções idênticas ? Quais as diferenças entre essas percepções ?” Presume-se que
ambos perceberam Nelson como militar de formas semelhantes, variando em intensidade e
duração textual, no entanto na discussão de sua vida privada as visões parecem ter sido
distintas. Laughton, por ser vitoriano e pouco dado a grandes paixões, procurou criticar
moderadamente as “escapadas” amorosas de seu herói, em especial seu relacionamento
com Lady Hamilton, que resultou em uma filha adulterina, procurando mencionar certos
aspectos pouco lisonjeiros da conduta de Nelson de modo superficial ou simplesmente nada

30
ELIAS, Norbert. The Gênesis of the Naval Profession. Dublin: University College of Dublin, 2007.
31
Foram utilizados os conceitos apontados por José D Assunção Barros em O campo da história. Petrópolis:
Vozes, 2004.
32
GONÇALVES, Hortência de Abreu. Manual de Projetos de Pesquisa Científica. São Paulo: Avercamp,
2004, p. 44.
14

mencionando. Mahan, por outro lado, por ser um admirador explícito de Nelson procurou
enaltecer com maior intensidade os aspectos militares heróicos e geniais de Horatio Nelson,
ao mesmo tempo em que procurou criticar intensamente as “escapadas” de seu herói, em
razão de sua religiosidade extremada e conservadorismo social exagerado. Essa hipótese, se
respondida, indica um alinhamento com as conclusões de Peter Gay sobre o século XIX e
as biografias e as concepções de Mikhail Bakhtn sobre a relação entre o biógrafo e o
biografado.
As demais questões norteadoras secundárias seriam as seguintes:
- Que tipo de biografias seriam os trabalhos de Sir John Knox Laughton e Alfred
Mahan sobre Nelson? Quais as principais características desses trabalhos biográficos?
Quais seus estilos?
- Que autor do século XIX, que discutiu o papel do herói, mais se aproxima das
percepções de Laughton e Mahan sobre Nelson? Que características da teoria dos limites do
herói na história seriam atendidas por Nelson, a partir da leitura dos textos biográficos de
Laughton e Mahan? O percurso traçado por Nelson em sua vida atenderia que etapas da
jornada do herói de Joseph Campbell, a partir da análise dos textos de Laughton e Mahan?
No capítulo um pretende-se iniciar a discussão da imagem do herói na história, pois
sem essa análise a compreensão do papel de Nelson na história britânica e sua obsessiva
procura por um desempenho heróico e glorioso em sua comunidade a RN e por extensão a
GB ficaria restrita. A compreensão do papel do herói na história e sua evolução tornam-se
necessárias e convenientes. Para que isso seja realizado pretende-se iniciar a discussão com
definições do que seja o trabalho biográfico na história utilizando-se estudos de Vavy
Pacheco Borges, Francisca Nogueira Azevedo, Otávio Tarquínio de Sousa, Pierre
Bourdieu, François Dosse, José van den Besselaar, Peter Burke e Giovanni Levi. Em
seguida pretende-se analisar o trabalho do biógrafo utilizando os estudos de Jean Orieux,
Leonor Arfuch, Benito Bisso Schmidt e de Peter Gay que, inclusive, servirá de base para a
discussão dos estilos de Laughton e Mahan. Em complemento, serão discutidas as
concepções hermenêuticas discursivas de Mikhail Bakhtin, como forma de verificar se os
discursos biográficos de Laughton e Mahan seguiram as formulações desse teórico.
A partir dessas definições teóricas bem sedimentadas, pretende-se demonstrar o
percurso traçado no mundo ocidental das biografias heróicas da Antiguidade até o século
15

XIX, século em que foram escritas as duas biografias de Nelson por Laughton e Mahan.
Nessa discussão pretende-se discutir o que Peter Gay cunhou como o ‘século das biografias
vitorianas’, para se verificar se Laughton possuía as características típicas de um historiador
vitoriano, fato a ser verificado também com Mahan. Em seguida, pretende-se discutir o que
se entende por heroísmo segundo as concepções de Paul Johnson, Dixon Wecter, Lucy
Hugues-Hallett e Rauol Girardet. Em continuação, será apresentada a evolução do conceito
de heroísmo desde os tempos homéricos, passando por Plutarco com suas biografias
comparadas, o período medieval com trabalhos biográficos de Beda e Jean Froissart, no
período moderno com a visão de François Marie Arouet de Voltaire e por fim no período
contemporâneo até 1897, data em que Laughton e Mahan escreveram seus trabalhos sobre
Nelson. Nesse período discutiram o papel do herói e do grande homem na história Georg
Friedrich Hegel, Thomas Carlyle, John Stuart Mill, Friedrich Engels, Herbert Spencer,
Friedrich Nietszche, George Plekhanov, Max Weber e Frederick Adams Wood. Pretende-se
discutir as visões de heroísmo desses autores. Ao final dessa sessão, será discutida a teoria
dos limites do herói na história formulada por Sidney Hook, apresentando as cinco
características dessa teoria e em seguida a evolução do mito do herói, pois sem essa
discussão qualquer teoria sobre heroísmo perde consistência. Ao final desse bloco de
discussão, pretende-se apresentar brevemente a jornada do herói como imaginada por
Joseph Campbell, de modo a se perceber se Nelson percorreu uma “jornada” que se
transformou em uma jornada heróica, em especial na sua morte gloriosa em Trafalgar,
fixando-se no imaginário britânico. Este capítulo sobre heroísmo englobará uma pesquisa
qualitativa bibliográfica, com a forma de estudo descritivo-analítico, consultando-se fontes
em sua maioridade secundárias e as primárias que forem necessárias. As principais fontes
teóricas que servirão de suporte para o estudo serão O estilo na história e A Experiência
Burguesa da Rainha Vitória a Freud. O Coração Desvelado. volume 4. de Peter Gay; A
estética da criação verbal de Mikhail Bakhtin, The hero in history de Sidney Hook e The
power of myth e o herói de mil faces de Joseph Campbell.
No segundo capítulo pretende-se apresentar o universo no qual Nelson estava
envolvido, isto é, a RN do século XVIII. Tal análise torna-se importante, pois muito do que
Laughton e Mahan apresentaram em suas biografias estão imersas nessa discussão. Por ser
um mundo à parte do usual do homem britânico do século XVIII, com suas características e
16

tradições próprias, a RN será apresentada como um texto de suporte contextual para as duas
biografias de Nelson a serem analisadas. Inicialmente pretende-se fazer uma breve
discussão sobre o século XVIII na Europa e destacar os pontos que fizeram a emergência
do poder naval britânico no período. Nessa discussão pretende-se apresentar as seis
características do poder marítimo da GB que a fizeram prevalecer como uma potência
naval, segundo Mahan. Procurar-se-á, para não ampliar a base discursiva, se concentrar nos
eventos navais do período, em um típico texto de história naval central.33 Em seguida,
pretende-se discutir a organização e os meios de combate disponíveis da RN no século
XVIII. Nessa discussão pretende-se utilizar os trabalhos dos professores Brian Lavery,
Gregory Fremont-Barnes e Nepean Longridge. Nelson, durante sua trajetória na vida naval,
serviu em diversos navios e assim pretende-se apresentar as características operacionais das
seis classes de navios que compunham a armada da GB. Seguir-se-á outra discussão sobre
os recursos humanos que guarneciam esses navios e como era a carreira dos oficiais e
praças. Nessa apresentação pretende-se utilizar os textos de Brian Lavery, Gregory Freman-
Barnes e James Masefield. O trabalho inovador do historiador Michael Lewis sobre a vida
social da RN será também indicado e discutido, assim como o livro referência de Nicholas
Tracy que discute o papel histórico-biográfico dos principais personagens da armada da GB
no tempo de Nelson. Sendo o herói de Burham-Thorpe um produto da formação do oficial
do período, será feita uma ampla discussão do estudo de Norbert Elias, apresentado em seu
livro The Genesis of Naval Profession no qual o sociólogo alemão procurou analisar os
motivos que levaram os oficiais britânicos a terem um eficiente desempenho quando
comparados com seus rivais franceses e espanhóis. No caso dos praças serão descritos não
só a sua arregimentação, mas a disciplina, inclusive as punições e a vida a bordo dos
navios, com as diversas funções e tarefas a eles alocadas. Em razão da série de ferimentos
sofridos por Nelson, pretende-se discutir como era a medicina praticada a bordo dos navios
de combate britânicos do período, utilizando-se não só dos trabalhos de Brian Lavery,
como também de Rex Hickox. Por fim, porém não menos importante, pretende-se discutir o
modo britânico de combater e procurar entender as razões que levaram os ingleses a terem

33
Segundo o historiador naval norte-americano Jon Sumida, história naval central aborda basicamente
questões de política, diplomática e militar. Fonte: SUMIDA, Jon; ROSENBERG, David. Machines,men,
manufacturing, management and money: the study of navies as complex organizations and the transformation
of 20th century naval history. In: HATTENDORF, John. Doing Naval History. Rhode Island: Naval War
College Press, 1995, p. 26.
17

superioridade tática sobre seus opositores. Essa discussão é fundamental, pois a partir
desses preceitos poderá se compreender por que Nelson foi um fenômeno único na tática
como na estratégia. Essa pesquisa será qualitativa bibliográfica, com estudos descritivos e
analíticos. As fontes para essa discussão serão secundárias, baseadas em Brain Lavery em
seu Nelson´s Navy. The Ships, Men,and Organization 1793-1815, uma referência para
quem estuda a guerra naval no período. Os livros de Gregory Freman-Barnes The Royal
Navy 1793-1815 e Nelson´s Officers and Midshipmen e Sea Life in Nelson´s Time de John
Masefield serão também utilizados. Nicholas Tracy com o seu Who is who in Nelson´s
Navy será referenciado sempre que for necessário apontar e descrever um personagem
específico do período. Na descrição e análise dos navios do período a obra de Nepean
Longridge The Anatomy of Nelson´s Ships será a referência, assim como a formação dos
oficiais será baseada no texto de Norbert Elias já indicado. Para a discussão da vida social
na RN a obra de Michael Lewis A Social History of the Navy 1793-1815 torna-se
fundamental. Na discussão da medicina a bordo dos navios será utilizado o livro de Rex
Hickox All you wanted to know about 18th century Royal Navy.
No terceiro e quarto capítulos pretende-se apresentar os dois biógrafos de Nelson, Sir
John Knox Laughton e Alfred Thayer Mahan. Sem essa introdução a pesquisa poderá
tornar-se incompleta. Essa apresentação deverá constar de uma breve biografia de seus
percursos pessoais, suas influências, metodologias e o mais importante, as percepções de
cada um dos historiadores sobre a história naval e a escrita da história. Pretende-se, em
paralelo, fazer uma ampla discussão da historiografia de cada um desses dois historiadores,
procurando-se comentar seus livros e escritos. Da mesma forma como se pretende
apresentar as principais influências nesses dois pesquisadores, pretende-se analisar a
influência que eles exerceram sobre o modo de se perceber e escrever a história naval. Um
fato fundamental que não pode e não deve ser esquecido é a forma como esses biógrafos
percebiam a vida e o cotidiano. Essa visão pessoal de cada um sobre a vida social, segundo
Bakhtin, irá ser decisiva para a escrituração da biografia de Nelson e assim não pode ser
relegada. Como apresentado, presume-se que Sir John Knox Laughton tenha sido um
historiador típico do período vitoriano (pretende-se conceituar o que é ser vitoriano na
apresentação de sua breve biografia), conforme discussão de Peter Gay a ser conduzida no
primeiro capítulo. Essa forma de ser poderá se refletir em sua escrituração biográfica sobre
18

Nelson e dessa maneira presume-se que ele evitará assuntos que abordem questões sensuais
e morais ou simplesmente mencionará esses assuntos de modo bem mais moderado. No
caso específico de Alfred Mahan, por ser excessivamente religioso e moralista, ele abordará
esses assuntos com cores bem mais vivas e de forma reprovável, como por exemplo o
relacionamento do herói Nelson com Lady Hamilton, dois casados em processo de
adultério explícito. Para Mahan esse fato conspurcou a biografia do herói de Burham
Thorpe, enquanto que para Laughton foi deplorável, mas o mais importante era o que
realizou pela GB. Dessa maneira, essa discussão torna-se fundamental para corroborar a
hipótese básica levantada. Esse capítulo será qualitativo bibliográfico e documental,
aproveitando-se os grandes comentadores desses dois historiadores. As fontes para essa
discussão serão secundárias e primárias, principalmente a documentação passiva e ativa de
Laughton e Mahan. No que se refere ao historiador inglês pretende-se utilizar os estudos de
seu principal biógrafo no UK, Andrew Lambert, professor catedrático de história naval do
King´s College, cátedra que leva o nome de John Knox Laughton chair of naval history
com o seu The Foundations of Naval History. John Knox Laughton, the Royal Navy and the
Historical Profession. Andrew Lambert, também, realizou ampla pesquisa sobre a
documentação pessoal de Laughton e a publicou no UK. Outro comentador da obra de
Laughton a ser utilizado será Donald Schurman com seu estudo inovador sobre a educação
naval no UK, The Education of a Navy. Quanto ao historiador norte-americano serão
utilizados os trabalhos de Charles Carlisle Taylor, The life of Admiral Mahan, naval
philosopher, uma das primeiras biografias de Mahan de 1918; o clássico estudo de Robert
Seager II sobre a vida de Mahan, a partir de suas cartas em Alfred Thayer Mahan. The man
and his letters; a conhecida crítica The Reluctant Seaman de Donald Lankiewicz sobre a
carreira de Mahan; o trabalho inovador de Jon Tetsuro Sumida Inventing Grand Strategy
and teaching Command: the classic works of Alfred Thayer Mahan reconsidered sobre a
percepção de Mahan sobre comando e estratégia e os estudos de William Livezey Mahan
on Sea Power; Mahan, the evangelist of sea power, de Margareth Sprout; Christianity and
the evangelist of Sea Power: the religion of Alfred Thayer Mahan de Reo Leslie, além dos
próprios livros e artigos publicados por Mahan. As fontes primárias serão Letters and
papers of professor John Knox Laughton 1830-1915 organizada pelo Navy Records Society
sob a coordenação de Andrew Lambert; Letters and papers of Alfred Thayer Mahan em
19

quatro volumes organizada pelo United States Naval Institute sob a coordenação de Robert
Seager II e Doris Maguire e a própria autobiografia de Mahan From Sail to Steam.
Os dois últimos capitulos abordarão a discussão das duas biografias escritas por Sir
John Knox Laughton e Alfred Thayer Mahan. Esse será o fulcro da discussão de toda a
tese, no qual, a partir dos quatro primeiros capítulos, se poderá comparar essas duas
percepções. Nessa apresentação pretende-se, a partir das biografias, apontar as diferenças e
semelhanças de percepção dos dois autores sobre o personagem biografado, Horatio
Nelson. Como metodologia comparativa preferiu-se adotar o método de Jurgen Kocka.
Segundo esse autor, o ato de comparar pressupõe a separação analítica dos casos a serem
comparados, não ignorando ou negligenciando as inter-relações entre os casos. Tais inter-
relações fazem parte de um modelo comparativo, ao se analisar fatores que levam às
similaridades e diferenças, convergências e divergências entre os casos a serem
comparados.34 Como forma de análise pretende-se apontar as visões que forem diferentes
ou convergentes segundo forem aparecendo nos textos biografados, ao invés de se separar
em capítulos específicos para cada autor. Por coerência, pretende-se apresentar a vida de
Nelson sob o ponto de vista dos dois autores, em ordem cronológica de vida do herói,
fazendo as correlações sempre que forem convenientes, discutindo os fatores que levaram
às similaridades e diferenças, convergências e divergências entre as duas percepções, de
modo a se manter fiel ao método de Kocka. Tampouco serão esquecidas as inter-relações
entre as visões, procurando-se sempre que for necessário, explicar por que determinada
visão foi divergente da outra. Pretende-se, no início desse capítulo, indicar as características
de cada biografia de Nelson, segundo os estudos apresentados no capítulo inicial, de modo
a tipificá-las segundo critérios comparativos. Da mesma forma, pretende-se indicar em
notas de rodapé quais características heróicas de Nelson foram indicadas por Laughton e
Mahan em suas biografias que se relacionam com a teoria dos limites do herói na história
de Sidney Hook. Pretende-se indicar que tipo de herói Nelson se aproximou daqueles
expostos por intelectuais do século XIX discutidos no bloco inicial, sempre em relação aos
textos de Laughton e Mahan. Pretende-se também indicar em notas de rodapé, sempre a
partir dos textos dos dois historiadores, que estágios da jornada do herói de Joseph
Campbell foram completados por Nelson, de modo a se comprovar se o seu percurso

34
KOCKA, Jurgen. Comparation and beyond. In: History and Theory. Wesleyan University, feb 2003, p. 44.
20

heróico se enquadra em uma jornada heróica e assim mais suscetível de se tornar também
um mito. Parte-se do pressuposto de Campbell de que um percurso heróico tem
características similares em todas as culturas e assim torna-se mais fácil de ser enquadrado
e reconhecido por essas culturas, reafirmando-se na crença coletiva do mito do herói,
característica que, sem dúvida, Nelson possui na cultura britânica. Esse percurso discursivo
da vida de Nelson será iniciado a partir de seu nascimento e prosseguirá até o seu funeral
em Londres, sempre e somente tendo como parâmetros os dois textos de Laughton e
Mahan. Essa pesquisa será tão somente baseada em textos primários de Laughton e Mahan
e pelas cartas de Nelson em diversas coleções disponibilizadas. Torna-se necessário
confrontar, em certas situações, as interpretações de ambos os biógrafos com as cartas
escritas, de modo a se perceber se as visões foram realmente diferentes ou iguais. Essa
pesquisa será qualitativa bibliográfica, documental e comparativa. As fontes primárias
desse capítulo serão: Nelson de 1895 e The Nelson Memorial de 1899 escritos por
Laughton; The Life of Nelson. The Embodiment of the sea power of Great Britain em dois
volumes de 1897. Quanto a documentação de Horatio Nelson serão utilizadas as seguintes
coleções de cartas: Nelson´s Letters and despatches de 1886 publicadas e selecionadas por
John Knox Laughton; Nelson´s Letters to his wife and other documents organizadas por
George Naish de 1958; The Letters of Lord Nelson to Lady Hamilton with supplement of
interesting letters by distinguished characters em dois volumes publicadas por MacDonald
and Son de 1814 e Letters and despatches of Horatio Nelson organizadas e publicadas pelo
War Times Journal em 1996.
21

CAPÍTULO 1

A IMAGEM DO HERÓI NA HISTÓRIA

Heródoto, considerado o “pai da história”, em seu clássico História, descreveu de


uma forma pungente e dramática a batalha das Termópolis travada em 480 aC. Nesse
confronto contra os invasores persas liderados por Xerxes, se bateu um pequeno grupo de
espartanos e téspios liderados por Leônidas, rei de Esparta. Foram 300 espartanos e pouco
mais de 3500 helenos de diversas procedências35 contra 5.283.220 combatentes de diversas
satrapias do império persa36.
Depois de diversos dias de resistência, os helenos foram finalmente sobrepujados.
Dos 300 lacedemônios que iniciaram a batalha só sobreviveram dois, que teriam regressado
a Esparta, um doente e outro um simples mensageiro37. Um suicidou-se e o outro,
desonrado por abandonar o campo de batalha, mesmo que por uma razão justa, reabilitou-se
em Platéia no ano seguinte.
Exageros numéricos à parte38, Heródoto fez questão de enaltecer aqueles heróis
defensores da Hélade de uma forma marcante. Além do próprio Leônidas, ele apontou
Dieneces como um exemplo de herói a ser referenciado. Disse ele o seguinte sobre esse
herói:

Os lacedemônios e os téspios se comportaram com coragem igual, mas


segundo se diz um homem sobrepujou todos os outros em bravura, o
espartano Dieneces, que de acordo com esses relatos teria pronunciado as
palavras mencionadas a seguir antes de entrar em combate com os
medos: ouvindo um dos traquínios dizer que, quando os bárbaros
disparavam os arcos, o sol era ocultado pela enorme quantidade de suas
flechas, tão grande era o seu número, ele, sem perturbar e sem dar a

35
HERODOTO, Historia. VII, 202.
36
Ibidem, VII, 186.
37
Ibidem, VII, 229.
38
O historiador alemão Hans Delbruck, já no final do século XIX, ao estudar o campo de batalha das
Termópilas constatou que os números de Heródoto foram super dimensionados. Acreditava que os números
de combatentes persas eram próximos aos dos helenos, em torno de 12.000 combatentes. Nas Termópilas
houve uma desproporção considerável, no entanto para ele durante a guerra algumas vezes os persas foram até
inferiores aos gregos. Fonte: CRAIG, Gordon. Delbruck: the military historian. In: EARLE, Edward Mead.
Makers of Modern Strategy. Military thought from Machiavelli to Hitler. Princeton: Princeton University
Press, 1973, p. 266.
22

menor importância à imensidão das tropas medas, teria dito que a notícia
trazida pelo estrangeiro de Traquis era excelente, pois se os medos
escondiam o sol , os helenos iriam combatê-los a sombra e não ao sol.39

Heródoto, continuando o seu relato, disse que em honra dos heróis tombados nas
Termópilas, foram gravadas inscrições que diziam “aqui um dia quatro mil peloponésios
lutaram bravamente contra três milhões...dize aos lacedemônios, estrangeiro, aqui jazemos
em obediência as suas leis”.40
Esse combate ficou marcado no inconsciente grego de forma indelével. Antes de
Heródoto, Homero já enaltecera as qualidades do que era ser herói em duas obras
marcantes, A Ilíada e a Odisséia. O que se pretende nesse capítulo é exatamente discutir o
papel do herói na história.
Inicialmente serão feitas considerações sobre o trabalho biográfico, suas
características e tipologia, como um dos gêneros historiográficos de discussão do herói
para, em seguida, discutir-se o que é ser herói nos seus diferentes tipos e nos diversos
períodos históricos até o século XIX, fulcro principal das biografias de Nelson escritas por
Sir John Knox Laughton e Alfred Thayer Mahan. Pretende-se apresentar, com maiores
detalhes, os autores que discutiram o herói no século da história.
Em seqüência, será apresentada a teoria dos limites do herói na história formulada
por Sidney Hook, com uma ênfase especial na questão da liderança heróica, um de seus
requisitos. Por fim, serão discutidas as questões do mito e do herói mítico, com abordagens
de autores a partir do século XIX, culminando na apresentação da jornada do herói mítico
imaginada por Joseph Campbell.

1.1- A arte do historiador, a biografia:

O gênero historiográfico da biografia teve um percurso acidentado na história.


Enaltecido no passado, desprestigiado no século XX, em razão dos ataques da Escola dos
Annales, já ao final desse século, parece ter vindo para permanecer com maior vigor.
Interesse do público, aliado a novas técnicas narrativas, fazem da biografia um gênero
fascinante para o leitor comum. A curiosidade com seus ídolos e a descoberta de novos

39
HERÓDOTO, História., VII, 226.
40
Ibidem, VII, 228.
23

aspectos da vida de homens destacados têm atraído cada vez mais os historiadores
profissionais com as potencialidades estilísticas da biografia. Não só de grandes homens se
nutre o trabalho biográfico. A história do personagem pequeno, invisível no contexto social
e político tem, também, atraído a atenção dos historiadores. Esse foi o caso da biografia
inovadora do jesuíta Matteo Ricci, escrita pelo historiador britânico Jonathan Spence.
Spence situou o seu estudo a partir de imagens que o próprio Ricci compôs em suas viagens
para o Extremo Oriente, em busca de novas almas a serem convertidas para o cristianismo
ao final do século XVI41. Enfim, como se poderia conceituar a biografia dentro dos gêneros
historiográficos?
A biografia é uma narrativa oral, escrita ou visual dos fatos particulares das várias
fases da vida de uma pessoa ou personagem. Pode, também, ser a compilação de biografias
de homens importantes e gênero literário cujo objeto é o relato da aventura biográfica de
uma pessoa ou personagem.42 O termo é oriundo do grego bios, vida e graphein escrever,
acrescido de ia, um formador de substantivo abstrato.43 Durante muito tempo a biografia
tradicional esteve ligada a exaltação de grandes heróis nacionais, daí uma reação até
justificada dos Annales em repeli-la. O propósito principal de uma biografia, antes da
crítica analítica, era bem claro. Ensinar aos leitores os passos de homens e mulheres do
passado, “vivendo em um mundo menos civilizado, muitas vezes convivendo com uma
dura realidade, conseguindo sobressair-se em relação aos demais seres humanos”, segundo
palavras de Magda Ricci44.
Para Francisca Nogueira de Azevedo45 existe uma distinção clara entre a chamada
biografia histórica e a biografia literária. A primeira não se restringe mais a revelar somente
o sujeito, mas a relação dele com os seus atos e com os fatos. Para o historiador torna-se
necessário recorrer à documentação que imprime um ponto de vista à narrativa e orienta o

41
SPENCE, Jonathan. O palácio da memória de Matteo Ricci. Trad: Denise Bottman. São Paulo: Companhia
das Letras, 1986.
42
BORGES, op.cit, p. 204.
43
Idem.
44
RICCI, Magda. Como se faz um vulto na História do Brasil. In: GUAZELLI, César Augusto Barcellos;
PETERSEN, Silvia Regina Ferraz; SCHMIDT, Benito Bisso; XAVIER, Regina Célia Lima. Questões de
Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Editora UFRS, 2000, p. 154.
45
AZEVEDO, Francisca Nogueira. Biografia e gênero. In: GUAZELLI, César Augusto Barcellos;
PETERSEN, Silvia Regina Ferraz; SCHMIDT, Benito Bisso; XAVIER, Regina Célia Lima. Questões de
Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Editora UFRS, 2000, p. 131.
24

caminho a percorrer46. O trabalho do historiador necessita de provas em que se apóie e


confronta essas provas com outras coletadas durante a sua pesquisa, conotando esse
procedimento como um trabalho rigoroso e científico. Isso não significa que o historiador
seja apenas um artífice preocupado com a ciência, esquecendo a arte em sua confecção.
Octavio Tarquínio de Sousa apontou que em nenhuma tarefa o historiador se aproximou
mais do artista do que na biografia. Ele, historiador, havia de utilizar sua imaginação
sabendo o mais possível recriar a vida que se extinguiu e restaurar o tempo que passou. Só
com essa visão o trabalho biográfico deixaria de ser um amplo relatório e lograria
“apresentar, em perfeito sincronismo, o indivíduo e o seu meio histórico”.47
Na biografia literária, por outro lado, o autor não se fixa apenas na documentação,
mas pode deixar a imaginação fluir recorrendo constantemente à ficção, tornando sem
dúvida sua narração mais interessante para o leitor, porém mais afastada da realidade.
Nesse caso o escritor deixaria a sua imaginação livre para propor enredos, diálogos e
situações que pouco se relacionariam com o que efetivamente ocorreu.
Uma das melhores traduções do que seja uma biografia em sua natureza foi transcrita
pelo historiador Benito Bisso Schmidt, a partir do livro A mulher calada48 de Janet
Malcolm, no qual a autora procurou conceituar as diversas biografias escritas sobre o seu
objeto biográfico Sylvia Plath, uma das grandes poetizas do século XX. Disse Malcolm:

A biografia é o meio pelo qual os últimos segredos dos mortos famosos


lhes são tomados e expostos à vista de todo mundo. Em seu trabalho, de
fato, o biógrafo se assemelha a um arrombador profissional que invade
uma casa, revira as gavetas que possam conter jóias ou dinheiro e
finalmente foge, exibindo em triunfo o produto de sua pilhagem. O
voyerismo e a bisbilhotice que motivam tanto os autores quanto os
leitores das biografias são encobertos por um aparato acadêmico
destinado a dar ao empreendimento uma aparência de amenidade e
solidez semelhante as de um banco. O biógrafo é apresentado quase
como uma espécie de benfeitor. Sacrifica anos de sua vida no trabalho,
passa horas intermináveis consultando arquivos e bibliotecas,
entrevistando pacientemente cada testemunha.49

46
Idem.
47
DE SOUSA, Octávio Tarquínio. Introdução à História dos Fundadores do Império do Brasil. Rio de
Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1957, p. 10.
48
MALCOLM, Janet. A mulher calada: Sylvia Plath, Ted Hugues e os limites da biografia. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
49
SCHMIDT, Benito Bisso. Construindo biografias...historiadores e jornalistas: aproximações e afastamentos.
Estudos Históricos. Indivíduo, biografia e história. Rio de Janeiro: FGV, v.10,n.19, 1997, p. 18.
25

A definição de Janet Malcolm parece se ajustar em realidade naquilo que realmente é


uma biografia. Seja como for, o medievalista Jacques Le Goff, digno representante da
terceira geração dos Annales, que combateu severamente a biografia enaltecedora de
exemplos, afirmou em 1989 que a biografia era um complemento indispensável de análise
das estruturas sociais e dos comportamentos coletivos. Dez anos depois disse que a
biografia era o ápice do trabalho do historiador50. Sem dúvida sua biografia de São Luiz51,
escrita nos anos 90 do século passado, procurou, segundo suas próprias palavras, “contar,
mostrar e explicar tudo que podemos sobre um personagem enquanto indivíduo. É um
ensaio sobre o indivíduo no século XIII”.52 Na introdução dessa monumental obra de quase
1000 páginas, Le Goff, criado na tradição analista da história social com reservas marcantes
ao gênero biográfico, pareceu render-se à legitimidade e importância da biografia nos
estudos históricos contemporâneos.
Ainda na discussão sobre biografia, Pierre Bourdieu falou de uma “ilusão
biográfica”53 afirmando que não se podia tratar a vida como um relato coerente de fatos,
pois assim agindo o historiador estaria reduzindo a vida de um indivíduo a uma ilusão
retórica. Complementava dizendo que tal procedimento era incorreto, pois a vida de
qualquer pessoa era descontínua e fragmentada. Era fundamental a reconstrução do
contexto, a superfície social54, o local onde o indivíduo agia em uma pluralidade de tempo
e espaço.
Por outro lado, François Dosse sugeriu que ocorreram três fases no percurso da
biografia no processo histórico. A primeira fase, chamada de “idade heróica”, na qual o
autor da biografia tinha a tarefa de transmitir valores, modelos de conduta e procedimentos
para as gerações seguintes. Uma segunda fase, a que chamou de “biografia modal”, na qual
a biografia teria valor somente para apontar o coletivo, o plural, isto é, a sociedade do

50
BORGES, op.cit. p. 209.
51
LE GOFF, Jacques. São Luiz. Rio de Janeiro: Record, 1999.
52
BORGES, op.cit. p. 229.
53
BOURDIEU, Pierre. A Ilusão Biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes, AMADO, Janaína. Usos e
Abusos da História Oral. 8.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 182-191.
54
Para Bourdieu superfície social era o conjunto das posições simultaneamente ocupadas em um dado
momento por uma individualidade biológica socialmente instituída e que agia como suporte de um conjunto
de atributos e atribuições que lhe permitiam intervir como agente eficiente em diversos campos. Fonte:
Ibidem, p. 190
26

biografado nos diferentes e distintos tempos e espaços e por fim uma terceira fase, que se
estende até os dias de hoje, que ele chamou de “idade hermenêutica”, instante em que a
biografia transformou-se no campo de experimentação do historiador, influenciado por
diversas tendências disciplinares.55 Em realidade, de algum tempo para cá, os historiadores
passaram a abordar a questão biográfica de diversas maneiras, propondo tipologias
pessoais, de forma a classificá-las segundo determinados parâmetros.
Uma dessas tipologias apontadas para classificar as biografias foi proposta por José
van den Besselaar que as dividiu em quatro grupos56. O primeiro constituído das biografias
moralistas que tinha em Plutarco seu principal representante. Esse tipo de biografia
praticado na antiguidade tinha como característica principal o seu efeito moralista, no qual
o biografado tinha algo a transmitir, a ensinar, a exemplo da “idade heróica” proposta por
Dosse. Não interessavam as grandes relizações nem a conexão histórica, mas sim a
afirmação do caráter do herói e suas ações moralizantes57. O segundo grupo para Besselaar
era a hagiografia, também muito praticada na antiguidade e no período medieval, no qual
tinha como propósito glorificar a Deus mediante a ação de seus santos e propor aos
homens, modelos de virtude e santidade58. A vida dos santos era a principal finalidade
desse grupo e assim de grande importância para os católicos. O terceiro grupo para
Besselaar era a autobiografia. Esse tipo inexistia na antiguidade clássica como gênero
autônomo, uma vez que os antigos costumavam “se esconder discretamente atrás de suas
obras”. Besselaar comentou que Aristóteles dissera que uma pessoa de sentimentos
verdadeiramente nobres não falava de si próprio.59Em relação a esse grupo, Peter Burke
afirmou que as autobiografias e memórias eram meios particularmente efetivos para “as
pessoas apresentarem o que podia se chamar ‘versão autorizada’ de sua vida, fazendo
parecer que elas buscavam certas metas sem as hesitações, as distrações e as confusões que
faziam parte da vida de todos”.60 Por fim, o quarto grupo era chamado de vida romanceada
que Besselaar apontou como um gênero recente de biografia. Segundo ele, esse tipo não
devia ser confundido com histórias “perfumadas” que recorriam continuamente a

55
BORGES, op.cit. p. 207.
56
BESSELAAR, José van den. Introdução aos estudos históricos. São Paulo: Herder, 1968.
57
Ibidem, p. 81.
58
Ibidem, p. 82.
59
Ibidem, p. 83.
60
BURKE, Peter. O historiador como colunista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p.31.
27

imaginação e falsificavam a realidade. A vida romanceada mantinha o interesse do público


pela vida do biografado e atraía o leitor a entrar em contato com esse personagem. Ao
mesmo tempo, Besselaar criticou a biografia científica que pecava por excesso e eruditismo
e pela “falta completa de conteúdo humano”61. Dizia ele que as vidas romanceadas podiam
ser boas ou más. A primeira escrita pelo historiador de forma clara, realista, sem eruditismo
e atraente para o leitor, a segunda falsificada, irreal e pouco atraente.
Outra tipologia do gênero biográfico foi idealizada por Giovanni Levi. A primeira
maneira proposta por ele foi a prosopografia e biografia modal. Para Levi os elementos
biográficos que constavam das prosopografias só eram considerados historicamente
reveladores quando possuíam alcance geral. A infinidade de combinações, a partir de
experiências estatisticamente comuns às pessoas de certo grupo, determinava a ‘infinidade
de diferenças singulares’ e da mesma forma a conformidade e estilo do grupo, indicando
uma concordância com Bourdieu. Esse tipo de trabalho biográfico comportava abordagens
de grupos, de massas, ou o que Michel Vovelle indicou “dos anônimos, dos que jamais
puderam dar-se ao luxo de uma confissão, por menos que seja literária: os excluídos, por
definição, de toda biografia”62. No caso da biografia modal, Levi afirmou que esse tipo de
trabalho comportava a biografia de um indivíduo que concentrava todas as características
de um grupo em determinado tempo e espaço.
A segunda maneira imaginada por Levi foi a biografia e contexto na qual o meio e a
ambiência eram muito valorizados como fatores capazes de caracterizar uma atmosfera que
poderia explicar a singularidade de trajetórias63. O contexto era fundamental nessa biografia
e devia ser visto de duas formas. Por um lado, a reconstituição do contexto histórico e
social permitia compreender o que inicialmente parecia incompreensível e inexplicável. Por
outro lado, o contexto servia para preencher as lacunas de documentos inexistentes por
meio de comparações com outros personagens que eram similares aos biografados com
trajetórias parecidas, usando-se assim a analogia como instrumento.

61
BESSELAAR, op. cit, p. 84.
62
LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: FERREIRA, Marieta de Moraes, AMADO, Janaína. Usos e Abusos
da História Oral. 8.ed. Rio de Janeiro: FGV.2006, p. 174.
63
Ibidem, p. 175..
28

A terceira maneira era a biografia e os casos extremos64. Levi, nessa forma, apontou
que ao descrever os casos extremos, podiam ser lançadas luzes sobre as margens do campo
social, dentro do qual era possível ocorrerem esses casos. Voltando a Michel Vovelle, esse
afirmou que “o estudo de caso representa o retorno necessário à experiência individual, no
que ela tem de significativo, mesmo que possa parecer atípica”65. O exemplar típico dessa
forma de trabalho biográfico foi o inovador livro de Carlo Ginsburg O queijo e os vermes66
no qual utilizou a biografia de Menocchio como um caso extremo e não modal. Apesar do
caso de Menocchio ter sido extremo, ele permitiu revelar especificidades culturais e foi
representativo de um período da história religiosa européia no século XVI e de suas
percepções.
Ao se proceder a um trabalho biográfico, quatro elementos devem ser analisados, o
papel do historiador, as fontes disponíveis, o contexto no qual o biografado se inclui e por
fim a narrativa textual.
Segundo o historiador Jean Orieux, o biógrafo tem que reunir o maior número
possível de conhecimentos sobre o seu personagem, com o propósito de se aproximar ao
máximo da precisão, autenticidade e probidade67. O importante é ter o máximo de
informações sobre o biografado. Para Orieux o historiador precisa ser entusiasmado e
aproveitar todos os documentos que lhe venham à mão, não esquecendo que a solidão desse
trabalho é a situação mais propícia para aproximar o pesquisador de seu herói. Dessa
intimidade que nasce a biografia. O biógrafo conhece, também, todas as faces de seu
biografado, por que reuniu todos os testemunhos dos que o conheceram e julgaram. A partir
desses testemunhos diferentes, o historiador é capaz de montar um retrato o mais próximo
da realidade do seu objeto. Para Orieux o trabalho biográfico se aproxima da arte, pois não
se trata de adquirir conhecimentos sobre o herói, mas “transformar conhecimentos mortos
num homem vivo”68. A intuição faz parte do seu trabalho, porém só se contribuir para a
verdade histórica e psicológica do personagem. O biógrafo precisa se interessar, se divertir,
se comover, se agradar do seu herói. Não só seus méritos e triunfos interessam ao

64
Ibidem, p. 176.
65
Ibidem, p. 177.
66
GINSBURG, Carlo. O queijo e os vermes.O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela
Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
67
ORIEUX, Jean. A Arte do biógrafo. DUBY, Georges; ARIES, Philippe; LADURIE, Emmanuel, LE GOFF,
Jacques. História e Nova História. 3.ed. Trad: Carlos da Veiga Ferreira. Lisboa: Teorema, 1994, p. 39.
68
Ibidem, p. 44.
29

historiador, mas também suas misérias, defeitos e até vícios. Para Orieux uma biografia é
um casamento. O biógrafo deve conviver intensamente com o seu biografado e quando
chega ao ponto de confundir a sua identidade com a dele, atingiu o ponto de impregnação e
assim caminha no rumo certo. Para Orieux, se entre o historiador e o seu objeto tudo correr
bem, pode-se ver o biografado caminhar “bem vivo, entre leitores igualmente vivos, que o
recebem, que por vezes o compreendem e chegam a acarinhá-lo. É esse o segredo da arte da
biografia”69.
Qual seria afinal a relação entre o biógrafo e o biografado ? Seria essa relação de
afastamento ou de simbiose ? Mikhail Bakhtin parece ter uma explicação interessante sobre
essa relação. Para esse autor russo o biógrafo está muito próximo de seu herói, pois os dois
“como que podem trocar de lugar, e por essa razão é possível a coincidência pessoal entre o
personagem e o autor”.70 Por certo para Bakhtin o narrador se vê ou se torna personagem.71
Para ele existem dois tipos básicos de narrativa biográfica, o primeiro chamado de
aventuresco-heróico, muito utilizado no Renascimento, na época do Sturm and Drang e no
tempo de Niesztche e o segundo chamado de social de costumes ligado ao sentimentalismo
e em parte ao realismo.72 Por essa análise envolver discussões relativas ao herói Nelson, o
primeiro tipo é que tem relevância ao problema.
Os valores biográficos aventurescos-heróicos se baseiam na vontade de ser herói, de
ser relevante, na vontade de ser amado e na vontade de superar a fabulação da vida,
analisando a diversidade das suas vidas interior e exterior. Essas três vontades para Bakhtin
é que se organizam na vida e nos atos do herói biográfico, sendo valores essencialmente
estéticos e representados pelo biógrafo.73 Ocorrerá uma familiaridade com o herói, quando
tanto o leitor como o biógrafo irão se colocar a si mesmo nele.74 Há que se notar que
Bakhtin considera que ao criar o personagem e sua vida, o biógrafo se orienta pelos
mesmos valores do personagem. Ao representar as aventuras do herói, o biógrafo parte
desse mesmo interesse pela aventura, o personagem age heroicamente e o autor o heroifica

69
Ibidem, p. 47.
70
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. Trad: Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p.
139.
71
Ibidem, p. 141.
72
Ibidem, p. 142.
73
Ibidem, p. 143.
74
Idem.
30

do mesmo modo.75 Para o autor russo, o biógrafo se combina com o personagem nas
convicções e no amor, isto é, os mesmos valores que o personagem toma em sua vida
estética são compartilhados. Certo é que para Bakhtin o biógrafo nem sempre coincide ou
concorda com o pensamento de seu biografado, “eles são dois” independentes, no entanto
entre eles não há contraposição de princípios e ambos pertencem ao mesmo universo de
valores.76 A relação entre o autor e o personagem é tensa, substancial e de princípios.77
Dessa maneira há uma relação íntima entre o biógrafo e o biografado e muito do que
o autor narra de seu herói ele traz de seu meio, de suas convicções e de seu modo de pensar
e ser; como diz Bakhtin “eles são dois”. O autor se espelha e se projeta no biografado e o
enaltece quando assim concorda com seus atos e o recrimina quando dele discorda. Essa é a
relação intrínseca entre os dois, autor e personagem, segundo Bakhtin.
Com respeito às fontes disponíveis, os diários íntimos e memórias assumem um papel
fundamental na construção biográfica. Neles podem ser encontradas informações
importantes de determinado personagem, assim como confissões pessoais que podem
ajudar a compor o imaginário íntimo desse biografado. Não só os diários de personagens
biografados, mas também diários de pessoas que com eles conviveram. Por meio deles
pode-se, inclusive, montar o contexto que cercava o personagem e o mais significativo, as
diferentes percepções desse ambiente. Da simples informação diária insignificante até um
sentimento, uma paixão ou atitude tomada em determinado instante crucial de vida, poderá
ser fundamental para o biógrafo montar o quadro de seu objeto de pesquisa. Um exemplo
marcante desse tipo de fonte foi o diário de campanha de Manuel Carneiro da Rocha78,
pertencente ao estado-maior do vice-almirante Joaquim Marques Lisboa, então visconde de
Tamandaré, comandante das forças navais brasileiras na Guerra da Tríplice Aliança contra
a República do Paraguai, que abrangeu o período de 8 de fevereiro a 31 de dezembro de
1866. Nele Carneiro da Rocha discutiu não só as ações de Tamandaré como chefe naval,
como sua rotina de combate como comandante da canhoneira Itajaí em ação no rio
Paraguai. Um documento importante para quem quer construir uma biografia de
Tamandaré. Ao mesmo tempo em que o biografado expõe seus pensamentos mais íntimos,

75
Ibidem, p. 150.
76
Ibidem, p. 151.
77
Ibidem, p. 160.
78
ROCHA, Manuel Carneiro da. Diário da campanha naval do Paraguai, 1866. Rio de Janeiro: SDM, 1999.
31

ele pode escamotear ou disfarçar certas passagens por temor que seus sentimentos possam
se tornar públicos, daí a prudência do pesquisador em desconfiar do que se encontra
apontado nesses diários pessoais. O confronto com outras fontes torna-se não só prudente,
como necessário por parte do biógrafo. Leonor Arfuch, ao analisar a importância do diário
pessoal afirmou:

Dos gêneros biográficos cunhados na modernidade, talvez seja esse [o


diário pessoal] o precursor da intimidade midiática, o que aprofundou a
brecha para o assalto da câmara, o que contribuiu em maior medida para
uma inversão argumentativa: antes, o íntimo podia ter dito, não
mostrado; agora se mostra mais do que se diz79.

Outra fonte fundamental para o biógrafo é a correspondência entre o personagem e


seu círculo de relacionamento, nas suas vertentes passiva e ativa. As cartas, a partir do
século XVIII, passaram a ter um papel mais relevante na expressão de sentimentos,
emoções e experiências.80 As cartas expressam normalmente a vida privada, revelações
íntimas e jogos simbólicos entre personagens. Segundo Teresa Malatian, nas cartas ocorre
um jogo sutil estabelecido entre o público e o privado, o íntimo e o ostensivo81. Muitas
cartas referem-se a assuntos corriqueiros e sem importância que, entretanto, podem
significar chaves explicativas importantes para o pesquisador. Outras cartas poderão
escamotear sentimentos e ações, inclusive com a utilização de pseudônimos e códigos entre
os missivistas. As cartas podem provocar em seus autores ou destinatários sentimentos
ambivalentes de desejo de preservação ou destruição, segundo Malatian. A proteção da
intimidade de olhares indiscretos, principalmente nos momentos de entrega espontânea,
inspirou desejos de destruição após a sua leitura82, ao mesmo tempo em que, para outros
personagens, inspirou a sua conservação como vestígios de afetos verdadeiros e
sentimentos considerados eternos. Um exemplo muito conhecido na biografia de Lorde
Nelson foi a utilização de pseudônimos na correspondência entre ele, Lady Emma
Hamilton e o objeto do adultério de ambos, a filha Horatia. Nelson se referia a Horatia,

79
ARFUCH, Leonor. O Espaço Biográfico. Dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: Editora
da UERJ, 2010, p. 144.
80
MALATIAN, Teresa. Narrador, registro e arquivo. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tânia Regina de.
O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009, p. 196.
81
Ibidem, p. 197.
82
Ibidem, p.200.
32

como filha de um colega marinheiro chamado de senhor Thompson, a Emma como senhora
Thompson e ele como amigo de Thompson, como forma de esconder seu relacionamento
adúltero com ela. As cartas enviadas por Emma a Nelson foram por ele destruídas83, o
mesmo não ocorrendo com as de Emma, o que proporcionou um rico depositório de
informações do relacionamento entre os dois, para alegria de muitos de seus biógrafos,
incluindo aí Sir John Knox Laughton e Alfred Mahan.
Da mesma forma como se aborda os diários e memórias, o pesquisador deve ter
cuidado na análise da correspondência de seu objeto, uma vez que poderão existir
subterfúgios que o afastam da realidade. Assim ele deve observar por que determinado
missivista provocou aquele subterfúgio para entender o contexto e a verdade por detrás
daquele ato iniciamente falso ou inverídico. Repetindo Peter Burke, para os detalhes da
vida de um indivíduo, coletâneas de cartas desse tipo devem ser tratadas com alguma
desconfiança, como memórias e autobiografias. Ainda assim, como documentos da auto-
imagem da pessoa, são inestimáveis84.
Finalmente existem à disposição do biógrafo documentos oficiais, arquivos pessoais e
judiciários, imagens, objetos arqueológicos, periódicos, fontes orais, fontes áudio-visuais,
moedas, selos, canções, atas administrativas, atas e planos militares, enfim todas as fontes
disponíveis para o trabalho do pesquisador biógrafo.
No que diz respeito ao contexto, torna-se fundamental incluir o biografado nele.
Benito Bisso Schmidt aponta que uma boa biografia é aquela que “insere” o indivíduo no
seu contexto e que ele mantenha uma relação de exterioridade com a época vivida.85
Repetindo Ginsburg, Schmidt afirma que o contexto se coloca como ‘um campo de
possibilidades historicamente delimitadas’, lembrando que os biografados a cada momento
têm diante de si caminhos incertos e indeterminados que se oferecem como escolhas
pessoais, sendo assim fundamental trazer à tona as incertezas, oscilações, incoerências e o
próprio acaso, mostrando que suas trajetórias não estavam predeterminadas desde o

83
HUDSON, Roger. Nelson and Emma. London: Folio Society, 1994, p. 170.
84
BURKE, Peter. O historiador como colunista. op.cit p. 31.
85
SCHMIDT, Benito Bisso. A biografia histórica: o retorno do gênero e a noção de “contexto”.In:
GUAZELLI, César Augusto Barcellos; PETERSEN, Silvia Regina Ferraz; SCHMIDT, Benito Bisso;
XAVIER, Regina Célia Lima. Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Editora UFRS,
2000, p. 123.
33

início86. Um exemplo marcante dessa característica foi a gama de opções oferecidas a


Lorde Nelson quando se encontrava em Nápoles, sob a influência de Emma, e as escolhas
nem sempre felizes de suas ações, inclusive na morte de Caracciolo quando, por estímulo
de seu amor proibido e da corte napolitana, decretou a morte desse personagem. Uma
escolha infeliz para uma biografia que se marcava como irrepreensível.87 Não se pode
considerar, tampouco, que o contexto seja imutável e homogêneo no tempo e no espaço.
Ele sofre modificações e o biógrafo deve perceber essas mudanças e indicar no texto como
essas alterações afetam o comportamento do biografado.
Schmidt prossegue afirmando que o contexto de determinada época em que o
biografado viveu pode ser utilizado pelo historiador para preencher lacunas documentais.
Se não existem fontes precisas que esclareçam determinadas ações e comportamentos do
personagem, pode ser construída pelo pesquisador hipóteses, a partir das percepções do
contexto da época. Para ele, o mais importante é que esses momentos de ‘invenção’ sejam
apontados, explicitamente, ao leitor por meio de expressões como ‘possivelmente’, ‘talvez’,
‘ao que tudo indica’ e ‘é possível’88. Esse recurso é mais efetivo quando se trabalha com ‘o
homem comum’ a respeito do qual a documentação é freqüentemente esparsa e indireta.
Um caso clássico desse recurso é o livro de Eduardo Silva, Dom Oba II D´Africa, o
príncipe do povo de 199789, no entanto Schmidt aponta que nos primeiros capítulos dessa
obra o protagonista da história, Dom Oba, é “engolido” por sua época, na qual a quantidade
de fontes disponíveis sobre a Bahia do século XIX obscureceu a trajetória do personagem
em razão da escassez de fontes pessoais90. Outro exemplo marcante desse procedimento foi
o interessante livro de Natalie Zemon Davis O retorno de Martin Guerre de 198791 no qual
a autora procurou identificar características de mulheres camponesas da região no período
considerado, para montar as características e atividades de Bertrande, mulher de Martin
Guerre, interpretando, imaginando e construindo essa personagem92.

86
SCHMIDT, Benito Bisso. Grafia da vida: reflexões sobre a narrativa biográfica. História Unisinos.São
Leopoldo: Unisinos, v.8, n.10, 2004, p. 139.
87
Esse caso será discutido em detalhes no capítulo 6.
88
SCHMIDT, Benito Bisso. A biografia histórica: o retorno do gênero e a noção de “contexto”. op.cit. p. 126.
89
SILVA, Eduardo. Dom Oba D´ Afica II, o príncipe do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
90
SCHMIDT, Benito Bisso. A biografia histórica: o retorno do gênero e a noção de “contexto”. op.cit. p. 127.
91
DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin Guerre. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
92
XAVIER, Regina Célia Lima. O desafio do trabalho biográfico. In: GUAZELLI, César Augusto Barcellos;
PETERSEN, Silvia Regina Ferraz; SCHMIDT, Benito Bisso; XAVIER, Regina Célia Lima. Questões de
Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Editora UFRS, 2000, p. 167.
34

Finalmente a narrativa traduz o trabalho final do biógrafo e sua relação com o leitor.
No campo da biografia o estilo da narrativa torna-se fundamental. Para Peter Gay, o estilo é
a arte da ciência do historiador93. Para ele o estilo é a forma e conteúdo “entrelaçados para
formar a tessitura de toda arte e todo o ofício e também a história”94. O historiador é um
escritor profissional sofrendo a pressão de se tornar estilista mantendo-se cientista,
proporcionando prazer sem comprometer a verdade. Ele é também leitor, prezando a
qualidade literária, absorvendo fatos e interpretações, explorando palavras em busca da
verdade. O estilo passa a ser um veículo de conhecimento ou instrumento de diagnóstico,
dando ao mesmo tempo informação e prazer.95
Para Gay existem alguns estilos perfeitamente identificáveis para o ofício do
historiador. O estilo literário96 é o que se refere ao manejo das frases, o emprego de
recursos retóricos, sua divisão capitular e o ritmo da narração. Esse estilo se relaciona com
sua capacidade de utilizar a gramática e o arranjo que ele dá a trama. Outro estilo é o que
ele chamou de estilo emocional do historiador que significa o tom com que aborda o seu
objeto, sua tensão ou tranqüilidade na abordagem de situações apresentadas, seus adjetivos
preferidos e suas escolhas de episódios mais significativos. Um terceiro estilo apontado por
Gay é o que chamou de estilo profissional que se origina em suas escolhas técnicas de
pesquisa, os instrumentos profissionais preferidos e o modo como ele apresenta as suas
provas, trabalha as suas fontes documentais e escolhe os métodos historiográficos. Por
último Gay indica o estilo de pensar do historiador como a expressão prática e incisiva que
relaciona o próprio estilo e o conteúdo, em um sentido mais que somente metafórico. O
modo como o pesquisador vê o mundo e sua constituição ontológica têm reflexos diretos
nos três estilos anteriores, o literário, emocional e profissional. Para o historiador alemão,
“os estilos compõem uma rede de indícios que apontam uns para os outros e somados para
o homem”, o próprio historiador em atividade.97
Afinal, qual foi o percurso da biografia no mundo ocidental? Na antiguidade imperou
a chamada biografia clássica na qual enfatizava um caráter político, moral ou religioso do

93
GAY, Peter. O estilo na história. Trad: Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 196.
94
Ibidem, p. 17.
95
Ibidem, p. 18.
96
Ibidem, p. 21.
97
Ibidem, p. 24.
35

personagem abordado. Um exemplo de tal percepção foi o clássico Vidas Comparadas98 de


Plutarco com seu efeito moralizante e exemplar, dentro de sua concepção de grandeza. A
vida dos grandes homens era um espelho para nossas ações e serviam de exemplos a serem
imitados. Essa obra compõe-se de 25 pares de biografias, em cada uma figura um herói
grego e um herói romano; se falta crítica rigorosa a Plutarco, sobra objetividade e o estilo é
agradável99 e muitas vezes emocional.
No período medieval imperaram as hagiografias, embora tal gênero, também, tenha
existido na antiguidade. O propósito era glorificar a Deus por meio da vida dos santos e
propor a humanidade modelos de virtude e santidade. Um exemplo desse tipo de biografia
foi a obra de Gregório de Tours com sua Glory of the Confessors100 no qual exaltou
milagres de uma pedra sobre a qual São Martinho sentou-se, de uma árvore que se moveu,
de uma capela na qual ele rezou e uma videira que ele plantou101. Ao documentar esses
fatos, Gregório quis demonstrar que Deus estava presente nas ações de Martinho. O
propósito fundamental de Gregório era mostrar ao cristão a onipresença de Deus e sua
conversão à fé verdadeira, o cristianismo.
Peter Burke indicou que na Renascença existiam cinco características relativas às
convenções da biografia que revelavam a sua estrutura. A primeira, que embora algumas
biografias tivessem organização cronológica, sua estrutura era temática ou tópica. Outra
característica informava sobre a grandeza futura do herói, tal como a vida dos santos
medievais e grandes homens na antiguidade. Existiam, também, narrativas biográficas para
rituais descritos de maneira dramática, patética e detalhada, principalmente se o
protagonista ocupasse cargo público. Ênfase era dada a banquetes, procissões e cerimônias
ritualizadas. Como quarta característica, existia um paralelo entre a biografia renascentista
e a ficção quase como um “romance biográfico” e por fim houve uma ênfase nos diálogos e
falas dos personagens biografados102. Um exemplo típico desse tipo de biografia, Burke

98
Plutarch. The Lives of the Noble grecians and Romans. Chicago: Encyclopedia Britannica Inc and
University of Chicago, 1952.
99
No próximo item serão discutidos com maiores detalhes o estilo e as características dos heróis escolhidos
por Plutarco.
100
TOURS, Gregory. The Glory of Confessors. Transl: R. Van Dam. Liverpool: Liverpool University Press,
1988.
101
HUGUES-WARRINGTON, Marnie. Cinquenta pensadores da História. Trad: Beth Honorato. São Paulo:
Contexto, 2002, p. 157.
102
BURKE, Peter. A Invenção da Biografia e o Individualismo Renascentista. Estudos Históricos. Indivíduo,
biografia e história. Rio de Janeiro: FGV, v.10, n.19, 1997, p.89.
36

apontou a biografia do cardeal Wolsey escrita por George Cavendish103 em 1557. Nessa
obra Cavendish destacou os rituais, frases e “as sentenças e afirmações brilhantes na
câmara do conselho” proferidas por Wolsey.
Na passagem da Idade Moderna para a Contemporânea a concepção de biografia
passou por alterações. Vavy Pacheco Borges apontou que o marco inicial do que se chama
hoje em dia de biografia foi inaugurado pela obra de James Boswell, publicada na
Inglaterra em 1791 sobre a vida de Samuel Johnson104. Disse a historiadora brasileira que
nesse trabalho de Boswell houve grande busca por novos métodos de se investigar a vida
do biografado, compreendendo forte relação de convivência entre o historiador e o
personagem, um interesse em evitar o panegírico e uma preocupação em contar a verdade,
com a dramatização de diálogos, a partir da documentação disponível e das diversas
entrevistas com pessoas que conviveram com o seu objeto105. Até 1831 houve dez edições
da Life of Samuel Johnson, um verdadeiro sucesso editorial. Como disse o literato inglês
Richard Holmes, um dos estudiosos da obra de Boswell, que ele [Boswell] era o avô da
biografia inglesa106.
O século XIX, principalmente nos países de língua inglesa, em especial no UK, houve
um enorme interesse no trabalho biográfico. A curiosidade do público se centrava nos
pecados e virtudes dos antepassados, pronto a tolerar até mesmo receber com agrado as
biografias que se recusavam a esconder essas falhas pretéritas. Segundo Peter Gay houve
um verdadeiro apetite biográfico nesse século. A biografia devia ser, ao mesmo tempo,
científica e artística, e uma forma de contribuir para o conhecimento, a crítica e a reflexão
de pessoas cultas.107 Longas Biografias surgiram, algumas compilando dez volumes como,
por exemplo, a de John Nicolay e John Hay que narraram a vida de Lincoln, assim como
edições baratas de biografias de personagens conhecidos, de modo a atingir grande público.
Dicionários biográficos proliferaram tanto nos Estados Unidos da América como no UK.
Em razão do próprio interesse do público, muitas biografias desmascararam reputações até
então intocadas, de modo a exatamente enaltecer as virtudes burguesas e indicar caminhos

103
CAVENDISH, George; CHURCHYARD, Thomas. The Life of Cardinal Wolsey. Whitefish, Montana:
Kessinger Publishing, 2006.
104
BOSWELL, James. The Life of Samuel Johnson. New York: Plume, 1968.
105
BORGES, op.cit. p. 205.
106
Ibidem, p. 206.
107
GAY, Peter. O Coração Desvelado. op.cit, p. 171.
37

que não deveriam ser seguidos. Vivia-se intensamente o chamado período vitoriano no
UK.108 Houve uma exacerbação da história dos grandes homens e o culto do herói, sendo
seu representante maior Thomas Carlyle.109 Passou a existir uma idolatria por esses heróis
idealizados, ao mesmo tempo em que, no final do século, surgiram autores que contestavam
essa versão heróica com interpretações anti-heróicas.110 A visão heróica de certos
personagens tinha o comprometimento de apresentar homens superiores com atributos
essenciais a uma vida gloriosa, dedicação ao trabalho, capacidade de sacrifício, temperança
e sentido de dever, sendo o caráter mais importante que o intelecto.111 Peter Gay chegou a
indicar que o caráter de um indivíduo excepcional podia purificar o caráter de toda uma
nação.112
Os biógrafos vitorianos, no entanto, procuravam evitar assuntos que pudessem
conspucar certos dogmas heróicos de seus personagens, como por exemplo, nos domínios
do erotismo e da sexualidade, considerados por eles campo minado. Muitos evitavam ou
enfrentavam de má vontade verdades que pudessem vir a público denegrir a imagem
positiva de seus biografados. Existia uma concordância quase geral de que os detalhes da
infância podiam ser insignificantes e desinteressantes, como se esses heróis não tivessem
vivido a infância.
Gay prosseguiu afirmando sobre as biografias desse período vitoriano que a luta dos
biógrafos do século XIX e de seus leitores com os desejos de conhecer e idealizar seus
heróis era exacerbada, por uma disputa correlata entre a privacidade e a franqueza. A
prática de respeitar a invasão de privacidade de olhos indiscretos se coadunava com um
vício cultural sintomático, a hipocrisia, um esforço para enganar o leitor, ocultando casos
de cobiça e sensualidade.113 Muitas vezes os biógrafos se escondiam de certos fatos
perturbadores de seus personagens, em particular experiências eróticas, permanecendo na
superfície dos eventos, sem expor os seus heróis a críticas do público. A privacidade atingiu
inclusive nesse período uma prioridade sem precedentes no mundo britânico em especial,
decaindo aos poucos para o final do século XIX e início do seguinte. A privacidade não era

108
No capítulo 3 serão discutidas características que indicavam o que era ser vitoriano.
109
Será discutido à frente neste capítulo alguns conceitos desse historiador britânico.
110
Ibidem, p. 177.
111
Ibidem, p. 179.
112
Ibidem, p. 181.
113
Ibidem, p. 189.
38

um direito de nascença, mas uma conquista, segundo Gay.114 Resistir a tentação de expor os
personagens à crítica popular em razão de assuntos “constrangedores” era um efeito da
civilização e o privado deveria ser mantido intacto. O moralismo biográfico prevaleceu. Por
isso muitos dos biógrafos de Nelson se viram às voltas com as ações de Emma Hamilton e
pouco puderam fazer para esconder a influência que ela tinha sobre Nelson, em razão
principalmente de seu erotismo exacerbado e sua falta de escrúpulos em algumas situações,
expondo as falhas de comportamento do herói admirado e amado na GB. Mesmo assim
muitos deles se calaram ante ao adultério de Nelson e Emma, ou pelo menos procuraram
não explorar demasiadamente esse aspecto do herói de Burham Thorpe.
Seja o que for, o século XIX foi o século das grandes biografias e nesse período John
Knox Laughton e Alfred Thayer Mahan se debruçaram sobre a vida de Nelson com todas as
alternâncias dessa vida voltada para a RN, para o seu país e finalmente para o amor de
Emma115. Esse foi o herói Nelson, amado ainda em vida e defensor da GB contra Napoleão,
porém como se pode efetivamente conceituar o substantivo “herói”? Quais as suas
características principais e como ele se relaciona com o seu período histórico?
É o que será discutido na próxima seção.

1.2- O que é ser herói:

O herói exerce uma grande fascinação sobre o homem. Ele personifica a figura ideal
do espécime humano, defendendo as causas consideradas justas e por isso há uma imediata
identificação com o seu grupo social. Seus desafios, medos, vitórias, derrotas e fama
assombram o seu semelhante. Ele é o consolo em tempos tormentosos e o salvador em
situações extremas. Segundo Lutz Muller, ele mostra ao ser humano as virtudes de honra,
sacrifício e os mais altos valores humanos. Pelo seu exemplo o homem se identifica e
procura copiá-lo. O herói possui algumas capacidades anímicas e essenciais que o coloca
acima dos demais homens116. Muller afirmou que o herói “sabe”, isto é, ele tem uma
elevada disposição para aprender, uma abertura para o novo, uma curiosidade criativa e

114
Ibidem, p. 190.
115
A partir do capítulo 5 serão discutidas as percepções que Laughton e Mahan tiveram de Nelson.
116
MULLER, Lutz. O herói. Todos nascemos para ser heróis. Trad: Erlon José Paschoal. São Paulo: Cultrix,
1997, p. 34.
39

uma grande necessidade de entender e compreender as inter-relações sociais. Ele “ousa”,


significando que tem a coragem para o risco calculado, para o desconhecido e capacidade
de superar os conflitos que surgem, por se distanciar das normas coletivas, mantendo-se fiel
a si mesmo. Ele “quer” expressando a força de seguir o caminho que ele mesmo escolheu
com paciência, firmeza e intencionalidade, apesar de todos os revezes que possam ocorrer e
por fim ele se “cala” denotando uma disciplina emocional, autodeterminação, autonomia e
capacidade para ser objetivo nos seus propósitos.117
A palavra ‘herói’ vem do grego héros que significa homem extraordinário por seus
feitos guerreiros, por seu valor, ou por sua magnanimidade. Assim cada homen tem o seu
valor e alguns são mais valiosos que outros, segundo Fernando Seffner. Para ele atos
magnânimos são aqueles que revelam grandeza da alma, generosidade, desprendimento e
nobreza.118 Por outro lado, para Peter Burke os heróis agem como modelos ou símbolos de
nossas próprias identidades e valores culturais. Ver o herói poderá ser, também, uma
expressão de esperança no futuro119. Apesar de se viver uma época anti-heróica, Burke
indica que a maioria dos seres humanos necessita do herói para melhor convívio com os
seus semelhantes. Para esse historiador inglês, a necessidade de heróis não irá desaparecer.
Parece impossível viver sem heróis psicologicamente, quer sejam vistos com olhos críticos
ou não. Burke complementou afirmando que se pode dizer “que a maturidade psicológica é
marcada não pela rejeição dos heróis, mas pela capacidade de admirá-los, enquanto o
[homem] permanece cônscio de suas fraquezas humanas”120.
Paul Johnson, mais pragmático, definiu o herói como sendo qualquer ser humano
encarado ampla e entusiasticamente e por muito tempo como heróico por uma pessoa
racional ou mesmo irracional121. A percepção para ele é mais importante que a ação. Ele,
assim definindo o herói, se aproxima mais da percepção do heroísmo por parte de uma
pessoa do que o ato heróico de per si. Ele distingue quatro pontos principais para que um
herói seja identificado como tal. Em primeiro lugar, o herói deve possuir absoluta
independência mental, que surge de sua capacidade de pensar em tudo por si mesmo e tratar

117
Idem.
118
SEFFNER, Fernando. O herói e o mito no espaço da sala de aula de história: algumas impressões. In:
FELIX, Loiva Otero; ELMIR, Cláudio. Mitos e heróis. Construção de Imaginários. Porto Alegre: Editora da
UFRS, p. 195.
119
BURKE, Peter. O historiador como colunista. op.cit. p. 36.
120
Idem.
121
JOHNSON, Paul. Os Heróis. Rio de Janeiro: Campus, Elsevier, 2008, p. iii.
40

com desconfiança e ceticismo o consenso sobre qualquer assunto. Em segundo lugar, após
tomada a decisão de realizar o ato, ele deve agir com firmeza e coerência para cumprir sua
missão. Em terceiro lugar, ele deve ignorar ou rejeitar tudo o que os meios de comunicação
lançarem sobre a opinião geral, desde que permaneça convencido de que está agindo
corretamente e por fim, como quarto ponto, agir com coragem pessoal todo o tempo,
independentemente das conseqüências que possam advir. Não existe para Johnson
substituto para a coragem que é a mais nobre e positiva de todas as qualidades humanas e o
único elemento indispensável em todas as manifestações do homem.122 Para ele tornaram-
se heróis personagens como Alexandre, o Grande, Júlio César, Sir Thomas Morus, Mary
Stuart, Elizabeth I, Nelson, Wellington, Lincoln, Lee, Churchill, De Gaulle, Marylin
Monroe, Ronald Reagan, dentre alguns por ele citados.
Uma visão particular do que seja o herói foi a especificada pelo norte-americano
Dixon Wecter. Segundo esse estudioso havia uma necessidade nos Estados Unidos da
América do Norte (EUA) de se homenagear os heróis locais como uma parcela essencial do
patriotismo. Wecter conceituou o patriotismo norte-americano como sendo ligado àquele
local no qual residia seu cidadão, onde ele considerava o seu lar, a região onde encontrava
outros cidadãos com os pensamentos semelhantes aos seus. Dessa maneira os símbolos
coletivos, a bandeira, a declaração de independência, a constituição e as façanhas dos heróis
serviam como um sentido de continuidade nacional123. Para Wecter os heróis norte-
americanos serviam de conselheiros além das sepulturas, guiando o povo com “uma
sabedoria santificada pelo tempo”.124 O culto aos heróis nos EUA constituiu uma inspiração
para as boas ações, desde que seus objetivos fossem bons. Dizia ele que era raro o homem
não dispor de heróis para cultuar, “nada encontrando capaz de excitar seu sangue na
memória de sua raça, ou nação ou dos atos de seus contemporâneos”.125 O culto ao herói
era uma religião secular, constituindo uma forma de culto aos ancestrais. O modelo de
perfeição de seus heróis como George Washington e Abraham Lincoln não devia ser
discutido e qualquer tentativa de se denegrir esses modelos era ressentido pela maioria,
segundo Wecter. Os próprios souvenirs desses heróis cultuados eram quase que sagrados.

122
Ibidem, p. 257.
123
WECTER, Dixon. Os heróis,sua influência na formação de um povo. Rio de Janeiro: Lidador, 1965, p. 11
124
Ididem, p. 12.
125
Ibidem, p. 13.
41

As camas em que dormiam, as roupas que vestiam, as casas que habitavam, enfim relíquias
que a eles pertenciam deviam ser bem preservados e admirados pelo norte-americano
comum.126 Os aniversários dos heróis transformavam-se em dias sagrados e os lugares de
seus feitos deviam ser relicários.127 Para ele o herói era escolhido pelo próprio povo dos
EUA, como devia ser numa democracia, no entanto a propaganda bem estruturada podia ser
benéfica para a montagem do culto e uma biografia positiva podia contribuir para essa
percepção. Em segundo lugar, os heróis norte-americanos, segundo ele, foram homens de
boa vontade. O herói devia ser modesto e cortês e não devia autoproclamar-se infalível.
Devia ser superior à média, porém em tudo concordante com a massa. A vontade coletiva
era o seu rumo. Wecter apontou que os homens fortes, os soldados profissionais, os
vitoriosos militares não foram heróis duradouros nos EUA. Muitos desses militares, ao
investirem no “mundo civil” fracassaram e deixaram de ser cultuados. Ele citou os casos de
militares como William Henry Harrison e Zachary Taylor que foram presidentes
medíocres128. Não considerava que Washington e Jackson tenham sido militares, mas sim
políticos que se sobressaíram. O que se requer do herói norte-americano era que fosse
altruísta, sem ostentar a fama conquistada e a grandeza pessoal. O sacrifício do herói em
prol de uma causa era fundamental para a constituição do herói, isso não significava que a
vitória fosse o seu resultado sacrificial. Muito pelo contrário, as derrotas tinham um peso
maior na constituição do heroísmo.129 Uma última característica do herói norte-americano
era que ele não seria reconhecido como herói se ainda estivesse vivo. A posteridade diria se
ele foi realmente bom e valoroso. Para Wecter o norte-americano comum criticava sempre
os homens vivos e nenhuma criatura viva valia tanto para ser cultuada130.
A britânica Lucy Hugues-Hallett, por outro lado, conceitua o herói de modo menos
etnocêntrico e determinista. Para ela os heróis são pessoas dinâmicas e sedutoras, de outra
forma não seriam heróis, e a fúria heróica é emocionante de ser contemplada. O herói é a
expressão de um espírito soberbo, associado à coragem, à integridade e ao desdém pelas

126
Ibidem, p. 18.
127
Ibidem, p. 19.
128
Ibidem, p. 22.
129
Ibidem, p. 26.
130
Ibidem, p. 23.
42

pequenas concessões que permitem que a maioria não-heróica prossiga com suas vidas131.
O furor heróico pode, também, desestabilizar a ordem, daí ser uma característica que o
herói se vale para perseguir seus objetivos. Na hora da necessidade o homem certo irá
surgir, o herói. Em tempos de emergência é que se procuram heróis. Sua visão do herói e da
nação é diferente da de Wecter. Para Hugues-Hallett uma nação sem heróis pode ser
considerada afortunada, pois eles são uma ameaça ao equilíbrio de qualquer grupo social.
No entanto, uma nação não pode prescindir de seus heróis, pois eles representam a salvação
em momentos de perigo, protetores ou paladinos. Para Hugues-Hallett ser virtuoso não é
uma qualificação necessária ao herói. Os heróis não devem ser modelos a serem seguidos,
pois sua essência é única e inimitável132. Eles não são personagens perfeitos, muito pelo
contrário, alguns mentem, fingem, aproveitam-se de outras pessoas, não se exigindo que os
heróis sejam altruístas, honestos e competentes. Eles devem apenas inspirar confiança e
embora não sejam efetivamente bons, trazem consigo a imagem de grandiosidade133. A
autora britânica não concorda com a visão de adoração pelo herói de Thomas Carlyle134
uma vez que a veneração exagerada de um indivíduo permite a seus defensores eximir-se
da responsabilidade, procurando no grande homem a salvação ou a realização daquilo pelo
que deveriam estar buscando eles mesmos. Os heróis, para ela, são insubordinados e
rebeldes, fazendo isso parte de seu encanto135. Eles não apreciam a ordem e a autoridade
estabelecida e contra elas se rebelam muitas vezes. A natureza e a função do herói
modificam-se juntamente com a mentalidade da cultura que o produz, bem como as
qualidades atribuídas ao herói, os seus feitos e o seu lugar nas estruturas social e política de
onde provém136. O culto ao herói, também, tem uma dimensão erótica, sendo a beleza e o
encanto trunfos do herói. Mesmo a falta deles, um estilo e presença imponentes, também,
surtem os efeitos desejados de heroísmo. O herói seduz ou intimida, tem talento e
personalidade forte, sendo o heroísmo, teatral.137 Ele é autoconfiante, arrogante e
orgulhoso, ao mesmo tempo em que, se assim for necessário, humilde e subserviente,

131
HUGUES-HALLETT, Lucy. Heróis, salvadores, traidores e super-homens. Trad: Maria Alice Máximo.
Rio de Janeiro: Record, 2007, p.13.
132
Ibidem, p. 14.
133
Ibidem, p. 15.
134
A frente neste capítulo será discutida, em maiores detalhes, a visão de Thomas Carlyle.
135
Idem.
136
Ibidem, p. 20.
137
Ibidem, p. 21.
43

porém sempre espetaculoso e visível. Ele é o personagem, protagonista e ator de fatos e


estórias contadas por outros e depois de morto torna-se um símbolo maleável.138 O herói
oferece maneiras diferentes de se pensar sobre a morte, uma vez que se expõe a perigos
mortais na busca da imortalidade e assim não envelhece. Hugues-Hallett aponta que “um
herói pode sacrificar-se para que outros vivam, ou para que ele próprio viva para sempre na
memória de outros. Porém, mesmo quando seus feitos são realizados por razões puramente
egoístas e temporais de ambição ou ganância, o mero fato de sua fama ser duradoura é um
símbolo de imortalidade”139.
Um fenômeno interessante na construção do herói é a chamada heroificação ou a
capacidade de qualificar o personagem em herói, engrandecê-lo e glorificá-lo. Para
Adhemar Lourenço da Silva existem três fatores que correlacionam a historiografia e o
universo empírico ao se analisar a heroificação, tomando como exemplo o movimento
operário. O primeiro é o compromisso político-ideológico de seus historiadores
tradicionais. A heroificação pode ser determinada pela crença político-ideológica do
analista e sua convicção de que a ação daquele personagem é um ato heróico, apesar de
existirem questões a serem discutidas e até contestadas por outros analistas. O segundo,
como observado por Rauol Girardet, não há simplesmente heróis, mas narrativas heróicas.
A mitificação das condutas de certos heróis tende a dissociá-los do tempo cronológico, com
relatos que tem força no presente. Seus atos parecem ser permanentes e suas condutas
sempre exemplares e dignas de serem seguidas. O terceiro e último fator jaz na concepção
do que os agentes sociais têm de sua passagem no processo histórico140. O compromisso
assumido por cada agente social transformado em herói no processo histórico em curso e no
seu desenrolar transforma-se em uma “missão histórica” a ser cumprida por ele.
O próprio Raoul Girardet expande as narrativas heróicas em quatro grandes modelos
interpretativos. O primeiro modelo de narrativa heróica refere-se ao caso de um velho
personagem com a vida coberta de glórias, que exerceu elevados cargos, grandes
comandos, retirado da vida política por escolha e longe dos tumultos da vida pública141. Ele

138
Ibidem, p. 23.
139
Ibidem, p. 24.
140
DA SILVA, Adhemar Lourenço. O herói no movimento operário. In: FELIX, Loiva Otero; ELMIR,
Cláudio. Mitos e Heróis. Porto Alegre: Editora da UFRS, 1998, p. 116.
141
GIRARDET, Rauol. Mitos e mitologias políticas. Trad: Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das
Letras, 1987, p. 73.
44

então regressa à atividade, interrompendo a velhice tranqüila e respeitável, sua tarefa passa
a ser o apaziguamento, a proteção e a restauração. Sua função é salvar uma situação crítica
e sua conduta passa a ser a firmeza na provação, a experiência, a prudência, o sangue-frio, o
comedimento e a moderação. Exemplos típicos dessa tarefa foram o de Napoleão em 1815,
quando regressou à França da ilha de Elba para restaurar a grandeza da nação francesa e o
sempre mencionado Petain que regressou em 1940 para “salvar” a França dos alemães.
Surpreendentemente esse último não cumpriu com o que se esperava dele e passou à
história como colaboracionista. O segundo modelo está relacionado com o grande
conquistador com uma visão de futuro promissor, atrás de glória e poder. Ele se apodera
das multidões e a legitimidade de seu poder não provém do passado, não depende da
lembrança, mas sim no brilho de sua ação imediata. Ele “atravessa a história como um raio
fulgurante” 142segundo Girardet. Um exemplo típico dessa narrativa é o caso de Alexandre
o Grande com seu ímpeto pela glória e fama. Segundo esse modelo, há um momento
culminante desse herói, no qual será definido ou não o processo narrativo da heroificação.
É exatamente o momento de sua punição ou morte, momento a partir do qual se cristalizam
os relatos que tratam de definir se seu ciclo de vida será ou não heróico.143 O terceiro
modelo do homem providencial é o do legislador, normalmente surgindo nos momentos de
tumulto. Ele organiza o grupo social e dá sentido a ele. Um exemplo indicado por Girardet
desse modelo foi o de De Gaulle que regressou à política em 1958, estabelecendo os
princípios e as regras da nova república.144 O quarto modelo de heroificação especificado
por Girardet é o de profeta, o anunciador dos tempos que virão145. Ele guia o seu grupo
pelos caminhos do futuro. Há um processo de identificação do destino individual com o
coletivo, de todo o grupo com o intérprete profético e heróico. Normalmente é pela palavra
que ele convence, guia e conduz. Ele encarna os desejos coletivos de seu grupo, a sua
marcha para a glória sob sua orientação segura. Um exemplo típico desse modelo foi o de
Adolf Hitler na Alemanha. Baldur Von Schirach, chefe da Juventude Hitlerista compôs o
verso seguinte para exprimir a relação estreita entre o ‘profeta’ Hitler e a multidão

142
Ibidem, p. 75.
143
DA SILVA, Adhemar Lourenço. O herói no movimento operário. op.cit. p. 118.
144
GIRARDET, op.cit. p. 77.
145
Ibidem, p. 79.
45

germânica que nele acreditou e seguiu, exprimindo esse modelo típico de narrativa heróica
referenciada por Girardet:

Sois vários milhares atrás de mim;


E vós sois eu e eu sou vós;
Não tive pensamentos que não tenham nascido em vossos corações;
No momento em que falo não posso senão exprimir;
O que se encontra já em vossa vontade;
Pois sou vós e vós sois eu
E todos nós cremos, a Alemanha em Ti.146

Há certamente nesse último modelo uma apropriação simbólica efetiva, sendo o


domínio do imaginário popular e do simbólico um importante lugar estratégico. Cornelius
Castoriadis147 observa que o imaginário tem que utilizar o simbólico, não para se expressar,
mas para existir, para poder deixar de ser algo virtual e converter-se em algo mais,
exatamente naquilo que Rauol Girardet chamou no processo de heroificação de
“transmutação do real em sua absorção pelo imaginário”148. Assim a heroificação passa
necessariamente pelo domínio do imaginário popular e do simbólico para se estabelecer e
essa é uma chave importante para se compreender o papel do herói no seu grupo social e
sua permanência no tempo e espaço.
Um tipo de herói muito representativo é o chamado herói mítico, ligado ao estudo do
mito. A maioria dos povos primitivos teve em sua evolução estórias relacionadas com
grandes homens que venceram as adversidades e foram classificados como heróis,
normalmente após cumprirem uma série de etapas a que tinham que se submeter e
ultrapassar. Com os gregos, eles tiveram o seu esplendor, transformados em mitos. Pode-
se, então, afirmar que o nascimento do herói se deu com a criação do mito.149 O mito, em
verdade, se refere às crenças de um povo ou de um grupo social. Martin Feijó apontou que
o mito sobrevive em um povo, não por que lhe explique a sua realidade, mas por refletir um
aspecto real dele mesmo, isto é, os mitos refletem sempre um medo de mudança150. Assim,

146
Ibidem, p. 80.
147
CASTORIADIS, Cornelius. La Instituicion Imaginaria de la Sociedad In: COLOMBO, Eduardo (org) El
Imaginário Social. Montevideo: Altamira, 1993, p. 43 apud FELIX, Loiva Otero. A Fabricação do carisma: a
construção mítico-heróica na memória republocana gaúcha. In: FELIX, Loiva Otero; ELMIR, Cláudio. Mitos
e Heróis. Porto Alegre: Editora da UFRS, 1998, p. 142.
148
GIRARDET, op.cit. p. 71.
149
FEIJÓ, Martin Cesar. O que é herói. São Paulo: Brasiliense, 1995, p.12.
150
Ibidem, p. 13.
46

o herói mítico traz consigo muito daquele grupo de onde deriva. O ciclo heróico grego
corresponde ao ciclo em que existiam os semideuses, filhos de deuses com mortais que se
destacaram por seus atos e empreendimentos. Desse grupo surgiu o grande Aquiles, figura
ímpar da guerra de Tróia, imortalizado por Homero na Ilíada. Filho de Peleu, rei da Ftia e
uma ninfa do mar, Tétis, Aquiles representou o ideal heróico em sua essência. Em sua
procura pela glória se defrontou com o grande herói e príncipe troiano Heitor, filho de
Hécuba e Príamo. Heitor representou o ideal do sacrifício heróico defronte a um oponente
quase imortal como Aquiles. Seu combate contra o pelides, perante as muralhas de Tróia,
sob as vistas de seus pais, tornou-se épico. Nada se iguala em beleza e espírito de sacrifício
o que Heitor pediu a Aquiles depois de dar três voltas em torno da cidade, procurando
evitar o confrontro direto contra o filho de Tétis. Aquiles necessitava eliminar Heitor, pois
este matara Pátroclo, seu grande amor em um combate singular, no qual imaginou estar
lutando contra o próprio Aquiles. Ao ver que a fuga pouco afugentava Aquiles, resolveu
enfrentá-lo sabendo que seria morto. Na Ilíada Heitor pediu a Aquiles que seu corpo não
fosse conspurcado, a maior desonra para um herói morto em combate. Seu pedido foi
pungente e doloroso:

Ante a cidade vezes três Pelides, sem te suster girei; não mais te fujo;
Agora a te arrostar me força o brio, ou vencer ou morrer. Porém
guardemos pacto que os deuses testemunhem todos;
Se da vida privar-te eles me outorgam, teu corpo restituo inteiro e puro, e
só das pulcras armas despojado; igual favor, Pelides, me assegures.151

Aquiles, enfurecido, rejeitou o pacto e partiu para o combate com o desafortunado que
depois de certa resistência caiu morto perante as muralhas de Tróia para desespero de seus
pais que a tudo assistiam. Não satisfeito, Aquiles amarrou o corpo de Heitor em uma biga e
deu diversas voltas em torno da cidade, de modo a desfigurar o corpo do herói troiano
morto para defender a sua honra e da cidade. Os deuses, contudo, reconhecendo a valentia
do herói Heitor, não permitiram que seu corpo sofresse os efeitos da conspurcação e o
preservaram para as libações, após o pedido suplicante de Príamo a Aquiles, para que
devolvesse o corpo de seu filho para o enterro fúnebre ao final da obra magna de

151
HOMERO. Ilíada. XX, 203..
47

Homero.152 Esse exemplo demonstra o que o herói mítico representa no estudo do herói. O
ato heróico transformando-se em mito do herói.
Francisco Marshall e Francisco Murari Pires153 apontam que do ponto de vista
epistemológico o estudo do herói inaugurado na antiguidade se destingue do estudo
sistemático do mito do herói, como proposto a partir do século XIX. No primeiro caso, com
repercuções até o próprio século XIX, são abordadas questões de carisma, liderança e
grandeza, normalmente relacionados com a disputa de poder e liderança política,
expressando muitas vezes admiração por suas ações. Para os dois professores essa tradição
teve em Thomas Carlyle o seu grande representante e esse tipo de leitura continua, de uma
certa forma, sendo praticado até os dias de hoje. Pode-se apontar esse heroísmo como
historiográfico.
A partir das obras de Edward Tylor em 1871 e de Johann Georg von Hahn em 1876
começou o estudo analítico do mito do herói com um tratamento mediado por métodos
científicos típicos do cientificismo do século XIX154. A partir desses estudos sistemáticos o
herói passou a ser analisado sob o ponto de vista das estruturas mentais recorrentes e das
recorrências de episódios de mitos heróicos. Pode-se apontar esse tipo de heroísmo como
mítico.
Na próxima seção será discutido o primeiro aspecto do herói, o historiográfico, por
meio das interpretações de Homero, com sua intercessão com o mito e de Plutarco no
período antigo, para em seguida serem discutidas as percepções de Beda e Jean Froissart no
período medieval, Voltaire no moderno e os grandes intérpretes do século XIX, período em
que as biografias de Nelson foram escritas por Sir John Knox Laughton e Alfred Thayer
Mahan. Para isso serão apresentadas as visões de Georg Friedrich Hegel, de Thomas
Carlyle, de John Stuart Mill, de Friedrich Engels, de Herbert Spencer, de Georg Plekanov,
de Friedrich Nietszche, de Max Weber e por fim de Frederick Adams Wood.

1.3- O herói e as interpretações historiográficas:

152
Ibidem, XXIV, 375.
153
MARSHALL, Francisco; PIRES, Francisco Murari. Os Mitos do Herói e as Figurações de Poder.
Disponível em: www.ffl.usp.br/dh/heros/mitohreroi/apresentac.html. Acesso em 1 de abril de 2009.
154
Idem.
48

Por uma questão de referência temporal, pretende-se iniciar a discussão sobre o herói,
no chamado mundo ocidental, por Homero e suas duas obras-primas, a Ilíada e a Odisséia.
Ao se debruçar sobre a percepção de heroísmo homérico, deve-se discutir inicialmente o
conceito de arete que permeava esse período e os séculos posteriores. Para Werner Jaeger
os gregos compreendiam por arete uma força, uma capacidade. Para os helênicos vigor e
saúde eram a arete do corpo e a sagacidade e penetração a arete do espírito.
Originariamente arete designava um valor objetivo, uma força que lhe era própria,
constituinte de sua própria perfeição pessoal. Muito freqüentemente arete tinha
secundariamente um sentido de aceitação social, traduzido em respeito e prestígio155.
A arete era o atributo próprio da nobreza humana, sendo que em qualquer posição
social dominante a destreza e a força eram a base de seu suporte. Ainda segundo Jaeger, a
designação da arete como destreza e força estava ligada aos guerreiros ou lutadores e acima
de tudo heroísmo, não no sentido moral, mas ligado a ele intimamente156. Na Odisséia
Homero enalteceu Odisseu, seu herói principal, acima da própria valentia, destacando sua
prudência e astúcia, atributos da arete. O conceito de arete revelava uma expressão de força
e de coragem heróicas que estavam enraizadas na poesia heróica e esse significado
permaneceu por muito tempo.157
Uma característica ligada à arete era a honra, nos primeiros tempos inseparável da
habilidade e do mérito. Segundo o próprio Aristóteles, a honra era a expressão natural do
ideal da arete que ele desejava. Os homens, para ele, aspiravam à honra para assegurar o
seu valor próprio, a sua arete.158 A negação da honra era, nos tempos homéricos, a maior
das tragédias humanas. Os heróis assim possuíam arete e a cultivavam como um valor
superior, ao mesmo tempo em que se tratavam mutuamente com respeito e honra
recíprocas. A ânsia pela honra era uma busca insaciável do herói, sendo natural para os
grandes heróis a exigência de uma honra cada vez mais alta.
O herói homérico então tinha como característica fundamental a busca pela honra, sua
morte física só teria efeito se houvesse um aperfeiçoamento de sua arete, isto é a sua fama
deveria transcender a morte. Para o herói até mesmo os deuses deveriam reconhecer a sua

155
JAEGER, Werner. Paidea. A Formação do Homem Grego. 4.ed. Trad: Artur Parraeira. São Paulo: Martins
Fontes, 2001, p. 26.
156
Ibidem, p. 27.
157
Idem.
158
Ibidem, p. 31.
49

morte honrosa e comprazerem do culto que glorificaram os seus feitos. Não à toa Príamo
foi reclamar com Aquiles o corpo de Heitor, morto em defesa de sua arete. Esse último,
como um ato de reconhecimento ao herói troiano e em respeito ao velho rei de Ilium, cedeu
o corpo de Heitor para as libações reclamadas não só pelos troianos, mas também pelos
deuses. Os deuses deveriam ser honrados pelos homens e Aquiles, um filho de mortal e
imortal, não se insurgiu contra isso.
O herói homérico deveria ser valente e nobre guerreiro e o principal representante
dessas qualidades foi naturalmente Aquiles. Outros heróis guerreiros se destacaram na
guerra de Tróia tais como Ájax, o Grande, da ilha de Salamina, sobrinho de Peleu e primo-
irmão de Aquiles; Filoctetes da Tessália, o mais hábil dos arqueiros aqueus, herdeiro do
arco e flecha do mais célebre dos heróis Heracles; além do nobre Heitor.
O herói homérico deveria ser desejoso de glória e por ela pronto a se sacrificar. Ao se
preparar para a guerra, Aquiles foi visitado por sua amorosa mãe, a deusa Tétis, quando
caminhava por uma praia na Hélade. Desejosa de ver o filho querido afastado daquele
conflito tenebroso que surgia, Tétis profetizou a Aquiles:

Meu filho, agora você deve optar entre dois caminhos. Pode escolher
uma vida longa e pacata; nesse caso morrerá no anonimato e logo será
esquecido, mas conhecerá o gosto da felicidade. O outro caminho leva à
glória, mas também à morte prematura. Se for a Tróia você morrerá ainda
jovem e sua alma descerá rapidamente à Mansão dos Mortos; mas sua
lembrança viverá para sempre enquanto houver homens sobre a Terra159.

Aquiles, sem hesitação, murmurou ‘morte e glória’, no que foi seguido pelas palavras
tristes e chorosas de sua mãe, ‘você as terá’, desaparecendo em seguida no mar. Esse era o
espírito que norteava o herói homérico.
O herói homérico deveria ser, também, sagaz, inteligente e ardiloso, como o era
Odisseu, o principal representante dessa característica de heroísmo. Odisseu, herói máximo
da Odisséia160 homérica, em sua jornada de volta a Ithaca, enfrentou o terrível ciclope
Polifemo, comedor de carne humana. Após presenciar a morte de seus amigos na caverna
do ciclope, imaginou Odisseu um ardil para matá-lo e assim prosseguir em sua jornada. Por
três vezes ofereceu vinho a Polifemo, de modo a embebedá-lo para ter uma chance de matá-
159
BOTELHO, José Francisco. Mitologia. Heróis. São Paulo: Abril, 2011, p. 77.
160
HOMERO. Odisséia. Trad: Manoel Odorico Mendes. São Paulo: Martin Claret, 2002.
50

lo. O ciclope, então bêbado, perguntou o nome daquele homem que lhe oferecera tão
deliciosa bebida. Como recompensa, o ciclope afirmou que comeria Odisseu por último
como um presente de hospitalidade, pretendendo devorar seus companheiros em primeiro
lugar. Sagazmente o herói respondeu que seu nome era “ninguém” e esperou o monstro
adormecer em razão da bebida. Logo após, auxiliado por seus companheiros, Odisseu
enterrou uma estaca de oliveira em braza no único olho de Polifemo. Terrível foi o urro do
monstro que, distraído pela dor, gritou para os outros ciclopes das cavernas vizinhas para
virem auxiliá-lo a caçar aqueles homens que fugiam de sua caverna, estando Odisseu à
frente. Na chegada dos outros ciclopes, esses perguntaram a causa da aflição do ciclope
ferido, diálogo retratado na Odisséia de uma forma marcante:

Sobre ventosos cumes habitavam. Aos gritos acudindo, eles à entrada.


O que aflige indagam: “Polifemo, por que a noite balsâmica perturbas
E nos rompe o sono com tais vozes ? Acaso ovelha ou cabra te roubaram
Ou por dolo ou por força alguém matou-te ?”
“Amigo, do antro Polifemo disse, o ousado que por dolo, não por força,
matou-me, foi Ninguém”. Replicam logo: “se ninguém te ofendeu, se
estás sozinho, morbos que vêm de Jove não se evitam; pede que te alivie
ao pai Netuno”. Com isso vão-se andando e eu rio n´alma de que meu
nome e alvitre os enganasse161.

Os outros ciclopes então se afastaram já que “ninguém” ferira Polifemo. Utilizando a


astúcia e inteligência, Odisseu salvou seus amigos de uma morte terrível na mão do
horrendo Polifemo. O heroísmo homérico definido pela inteligência e perspicácia de
Odisseu. Aquiles, Heitor, Ájax, Odisseu, Filoctetes, Enéas, Agamenon, Pátroclo,
Palamedes, Antíloco, Mêmnon162 e outros tantos heróis homéricos representativos de um
heroísmo que prosseguiu até o tempo de Alexandre, o herói macedônico, que se
considerava um dos descendentes dessa plêiade de heróis, muito bem discutido pelo
historiador Plutarco no século I d.C.
Esse tipo de heroísmo iria perpassar o período homérico e avançar até o predomínio
romano no ocidente. A ênfase na defesa da honra, valentia, ânsia pela glória, sagacidade,
inteligência e ardilosidade eram características do heroísmo helênico. Quando a Pítia tinha

161
HOMERO, IX, 310.
162
STEPHANIDES, Menelaos. Ilíada. A Guerra de Tróia. 2ed. Trad: Luiz Alberto Machado Cabral. São
Paulo: Odysseus, 2000.
51

respondido à pergunta dos lacedemônios sobre o propósito da guerra contra os medas, ela
respondera que ou Esparta deveria ser destruída por Xerxes ou “então seu rei teria de
perecer”. Heródoto claramente indicou que “refletindo sobre esse oráculo e por querer
conquistar a glória apenas para os espartanos Leônidas mandou os aliados embora”163.
Glória, honra e valentia em combate foram características de Leônidas naquela luta
desigual nas Termópilas. Leônidas transformou-se em herói. Da mesma maneira,
Temístocles provocou uma derrota naval a Xerxes em Salamina que motivou o fim de sua
investida na Hélade. Por meio de um ardil e de um inteligente planejamento tático
encurralou os persas em Salamina que ficaram indisponíveis para manobrar seus barcos.
Temístocles transformou-se em herói.
Outro intérprete do herói exemplar foi Plutarco de Queronéia que, em sua obra magna
Vidas Paralelas, escreveu a biografia de 25 pares de personagens gregos e romanos que se
destacaram. Sua obra biográfica tinha para ele três características principais; foram escritas
por prazer, tentou humanizar os biografados e destacou detalhes significativos.164 Um par
biográfico típico da obra de Plutarco foi “as vidas comparadas de Alexandre e César” que
segundo a ordenação de seu filho Lâmprias, assumiu o número 22 de seu catálogo.165
A preocupação de Plutarco era de caráter moralizante, procurando apontar a moral do
homem de bem, embora nem sempre seus biografados tenham sido homens benevolentes.
Esse foi o caso de Demétrio (par biográfico 25 no catálogo de Lâmprias) que, apesar de
notável, era conhecido por sua maldade. Seus biografados ofereciam exemplos a serem
seguidos por todos. Seus heróis eram homens idealizados exemplares e no texto A
malignidade de Heródoto, Plutarco criticou severamente esse autor por apontar os grandes
homens com suas falhas e limitações166, fato que considerava inconcebível descrever. Para
Plutarco os heróis deveriam ser seguidos e não criticados. Ao descrever os seus heróis, o
autor grego tinha como finalidade educar as gerações futuras, de modo a que servissem
como exemplos e assim os leitores não cometeriam os mesmos erros de seus

163
HERÓDOTO, VII, 220.
164
KURY, Mario da Gama. In: PLUTARCO. Alexandre e César. São Paulo: Ediouro, 2001, p. 14.
165
SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. Plutarco historiador.São Paulo: Edusp, 2006, p. 30.
166
KURY, op.cit. p. 16.
52

antecessores167. Dessa maneira as suas biografias comparadas tinham um caráter


pedagógico.
Para Plutarco a verdade dos fatos narrados era o ponto mais importante a ser
perseguido, procurando compilar as mais variadas fontes sobre seus heróis, inclusive as
orais. Ateve-se, também, na estrita cronologia e na contextualização do mito, não o
reconhecendo como verdade, mas sim como um componente fundamental do texto para se
compreendesse o ambiente vivido pelo herói.
Mario da Gama Kury, ao comentar a obra de Plutarco, afirmou que o autor grego
revelou em suas biografias o que havia de mais nobre na alma humana. Seus heróis eram
exemplos de virtude e grandeza moral. Para Kury, quando se fala em “um grande homem
de Plutarco”, tem-se presente no espírito “um tipo particular, talvez mais ideal que real,
mas de qualquer forma admirável”.168
Plutarco procurou em suas biografias descrever as grandes tragédias e feitos de seus
heróis, expondo dramas, emoções e fatos que marcaram as suas vidas de modo indelével. A
historiadora britânica Judith Mossmam, uma das principais pesquisadoras sobre a obra de
Plutarco, apontou que no caso da biografia de Alexandre, o autor de Queronéia se inspirou
no paradigma poético de um herói homérico, o grande Aquiles, sendo que para ela Plutarco
se baseou na Ilíada para compor o personagem macedônico. Esse estilo trágico-épico seria
uma particularidade de seu método textual, tornando o relato da vida do herói mais
atrativo.169 Um aspecto interessante de suas biografias comparadas era o enaltecimento do
herói grego em comparação com o romano, demonstrando com isso uma preferência pela
superioridade de educação dos helenos.170
O grande exemplo de herói para Plutarco foi Alexandre. Esse guerreiro macedônico
tinha uma enorme atração pela Ilíada e esse fato foi enaltecido por seu biógrafo de
Queronéia. Alexandre, ao atravessar o Helesponto em suas conquistas, se reportou a
Aquiles, seu ideal de heroísmo. Plutarco assim descreveu esse fato em sua biografia
comparada:

167
SILVA, op.cit. p. 43.
168
KURY, op.cit.p. 17.
169
MOSSMAM, Judith. Plutarch, Pyrrhus and Alexander In: STADTER, P. A. Plutarch and the Historical
Tradition. London: Routledge, 1992 apud SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. Plutarco historiador.São
Paulo: Edusp, 2006, p. 42.
170
SILVA, op.cit. p. 44.
53

Com tal resolução vigorosa e sua mente assim preparada, ele [Alexandre]
atravessou o Helesponto e em Tróia fez sacrifícios para Minerva e
honrou a memória dos heróis que lá foram enterrados com solenes
libações; especialmente na coluna funerária de Aquiles e com seus
amigos seguindo um costume antigo andou nu em torno de sua sepultura
e colocou ali uma coroa, declarando alegremente que muito o estimava
por ter, enquanto viveu, um amigo fiel e quando morreu teve um poeta
que enalteceu suas façanhas. Caminhou depois pelas ruínas e observou
curiosidades do lugar, sendo perguntado se desejava ver a harpa de Paris
respondeu pouco me importo com ela, contudo ficaria feliz se pudesse
ver a harpa de Aquiles com que cantou as glórias e as grandes ações de
homens bravos’ ”.171

Alexandre, para Plutarco, era o modelo especial de herói e suas características


apontavam para uma superioridade moral, valentia e nobreza que caracterizavam sua idéia
de heroísmo.
Por outro lado, o herói romano trazia consigo, além da valentia e inteligência, uma
forte ligação pessoal com seu torrão natal, isto é com Roma e com a superioridade de sua
‘civilização’ em relação aos bárbaros. Victor Hanson escreveu que um herói legionário
romano, que estava prestes a morrer em Canas, tinha consciência que morria acreditando
que seu neto, cidadão romano como ele, algum dia vestiria a mesma armadura que ele,
passaria por treinamentos como ele passou, e em alguma batalha futura vingaria sua morte
e a desgraça de Roma172. Seria, também, um herói como ele, que se sacrificara contra
Aníbal. Para os romanos a virtude relacionava-se com o valor militar, o louvor e a glória
heróica significavam glória militar173. A parada militar por Roma, o “triunfo”, para os
heróis, era o feito mais alto a ser concedido a um cidadão. A idéia de defesa de sua
cidadania e de sacrifício por Roma foram fatores importantes no heroísmo romano.
No período medieval houve uma mudança no enfoque do heroísmo. Jacques Le
Goff apontou que na Antiguidade o termo herói designava um personagem fora do comum
em função de sua coragem, valentia, glória e vitórias, sem que por isso o herói pertencesse

171
PLUTARCH, The Lives of the Noble Grecians and Romans. The Dryden Translation. Chicago: University
of Chicago and Encyclopedia Britannica Inc, 1952, p. 547.
172
HANSON, Victor Davis. Por que o ocidente venceu. Massacre e cultura da Grécia Antiga ao Vietnã.
Trad: Fernanda Abreu. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 164.
173
DAWSON, Doyne. As Origens da Guerra no Ocidente. Trad: José Lívio Dantas. Rio de Janeiro: Bibliex,
1999, p. 195.
54

às categorias superiores de deuses e semideuses, conforme discutido174. Na Idade Média


esse termo sofreu grande transformação. Os considerados heróis eram um novo tipo de
homem, o santo e o rei, no entanto para ele existia outro tipo de herói, o que foi chamado
inicialmente de corajoso, depois de destemido, um bom cavaleiro e por fim ao final do
período o herói cortês, gentil, belo e franco175. A honra, por sua vez, estava ligada ao
progresso da cavalaria. A Instrução de um jovem príncipe escrita na Baixa Idade Média por
Guillebert de Lannoy, a serviço do duque de Borgonha, afirmou que a honra era a força
motriz necessária para a realização dos ideais da cavalaria176. O cavaleiro devia ser de
condição nobre e franca, sendo a cavalaria um corpo social superior, definido pela origem e
por uma aprendizagem especial177. A cavalaria, em sua essência, moldaria o
comportamento de um verdadeiro cavaleiro e permitiria a condenação do falso.178
Muitos desses heróis habitaram o imaginário medieval com exemplos de conduta, ora
em defesa do cristianismo como os santos, ora do cavaleiro valente defensor da fé pronto
para sacrificar sua vida em prol de uma dama em apuros ou da busca do ideal cavaleiresco,
o Graal. Interessante mencionar que muitos dos heróis medievais ilustraram a ausência de
fronteiras entre o mundo imaginário e o mundo transformado em fantasia que caracterizou
o universo medieval, conforme apontou Le Goff, ignorando qualquer linha demarcatória
entre o natural e o sobrenatural, a terra e o além, a realidade e a fantasia.179 Heróis reais
como Carlos Magno, Ricardo Coração de Leão e São Luiz se misturavam com heróis
imaginários como Robin Hood e Arthur de Pendragon e heróis reais transformados em
imaginários como Rolando e El Cid.
Os grandes heróis típicos da Alta Idade Média foram homens que se sacrificaram pela
religião cristã. Dentre os escritores que melhor retrataram esses heróis avultou o padre
inglês Beda nascido em 673 d.C, cuja obra foi amplamente lida nesse período. Os heróis de
Beda eram responsáveis por milagres, por acalmar tormentas e salvar cidades ao recorrerem
às graças de Deus. Os seus heróis hagiográficos tinham a tarefa de transmitir “a verdade” e

174
LE GOFF, Jacques. Heróis e Maravilhas da Idade Média. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 15.
175
Ibidem, p. 16.
176
MUCHEMBLED, Robert. Os humildes também. In: GAUTHERON, Marie (org). A Honra. Imagem de si
ou dom de si, um ideal equívoco. Trad: Cláudia Cavalcanti. Porto Alegre: LPM, 1992, p. 44.
177
Ibidem, p. 45.
178
BRAUDY, Leo. From Chivalry to Terrorism. War and the changing nature of masculinity. New York:
Vintage, 2005, p. 74.
179
LE GOFF, Heróis e maravilhas da Idade Média. op.cit. p. 21.
55

os ensinamentos de Deus por seus atos e ações, auxiliando a conversão das pessoas à
doutrina cristã. Os heróis transformados em santos eram os instrumentos de Deus para
indicar o caminho dos crentes e não crentes, mesmo à custa de sacrifícios como na morte de
São Albano. Beda, em um texto carregado de emoção, indicou que esse santo, ao ser
conduzido para o local de execução, o rio que margeava o caminho tornou-se seco para a
sua passagem, comovendo o carrasco que apressou-se a colocar-se em seu lugar para
morrer. São Albano continuou sua caminhada em direação a seu destino traçado por Deus e
ao morrer tornou-se um santo e herói recebendo “a coroa da vida que Deus prometeu
àqueles que o amam”.180 Os principais heróis de Beda foram Agostinho de Canterbury,
Benedict Biscop, São Albano, Santa Hilda, Santo Cuthbert e o Bispo Aidan. Sobre a vida
desse último, Beda fez a seguinte descrição que retrata o seu ideal de heroísmo e santidade:

Ele [Aidan] nunca procurou obter ou se importar com os bens materiais,


mas adorava doar aos pobres que tinham a sorte de encontrá-lo tudo
quanto ganhasse dos reis ou de pessoas abastadas. Tanto na vida quanto
no campo ele sempre viajava a pé, a menos que houvesse necessidade de
cavalgar; e com todas as pessoas com as quais se deparava em suas
andanças, fossem importantes ou humildes, ele parava e conversava. Se
fossem pagãs, impelia-as ao batismo; e se fossem cristãs, fortalecia-lhes a
fé e iluminava-lhes o espírito com palavras e feitos para que levassem
uma vida saudável e fossem generosas com o próximo.181

Beda foi um autor típico do heroísmo cristão orientado para a piedade, a


determinação, a crença, ao miraculado, ao sacrifical, ao disseminador do mundo de Deus e
antes de tudo foi um conversor da fé cristã. Ele faleceu em 735 d.C.
Na Baixa Idade Média, embora ainda existissem autores que reverenciassem os heróis
santos, a ênfase passou a ser conferida aos heróis da cavalaria, do qual o grande artífice foi
o francês Jean Froissart nascido em 1337.
Como Beda, Froissart era padre e descreveu a história dos feitos de nobres e heróis
ocidentais, em especial aqueles que estiveram envolvidos na Guerra dos Cem Anos.
Froissart desejou preservar a memória dos heróis que exprimiram o ideal cavalheiresco.

180
BEDA, The Ecclesiasatical History of the English People. Trad: J. McClure; R. Collins. Oxford: Oxford
University Press, 1994, Livro 1, & 7 apud: HUGUES-WARRINGTON, op.cit. p. 21.
181
Ibidem, Livro 3, & 5 apud Ibidem, p. 23.
56

Seus heróis deviam possuir as características de honra, lealdade, fidelidade e cortesia, no


entanto foi um crítico do clero, quando ele contribuiu para a desordem social, embora
enaltecesse figuras pias e bispos guerreiros.182
Os heróis de Froissart foram os grandes cavaleiros que tinham na honra e na pureza
de caráter os ingredientes principais típicos do heroísmo do período. Segundo Kristel Mari
Skorge, Froissart tinha o propósito de transmitir os valores da cavalaria para a posteridade.
Um nobre que “não agisse com heroísmo não podia alcançar a honra perfeita juntamente
com a glória do mundo e sua atividade principal era a estima do povo”.183 A honra aqui
referenciada, segundo Skorge, referia-se a um capital simbólico como definido por Pierre
Bourdieu. Para esse pensador francês, o capital simbólico significava algo diferente do
capital material, como, por exemplo, o prestígio alferido por alguém e percebido pelo grupo
do qual provinha. No caso em estudo, a percepção provinha da nobreza medieval, como
algo com valor e importância percebidos imediatamente quando alguém agia contra o
código ético do período e assim passível de perda de prestígio e poder. Esse capital
simbólico apresentava-se como algo percebido como necessário ao herói para a sua
afirmação no grupo, a defesa de sua honra cavalheiresca. Um dos mais discutidos heróis de
Froissart foi o Conde de Foix, Gaston Fébus (1331-1391), um dos cavaleiros que lutou
contra os ingleses na Guerra dos Cem Anos.
Froissart teve contato direto com Gaston durante certo período, ao freqüentar a corte
do conde. Sua descrição física desse nobre francês pareceu ter o propósito de integrá-lo no
ideal físico de seu tempo “criando uma imagem de um herói cavaleiro carismático, um
homem que outros homens admiravam e obedeciam”.184 Na época uma bela forma física
era a prova de um bom caráter e o ideal de heroísmo de Froissart significava, também,
beleza física.185
Outra característica do heroísmo de Froissart era a habilidade no combate e o
destemor perante o perigo, como no caso do rei inglês Eduardo III, descrito por ele como
um herói destemido, um combatente hábil e cavaleiro nobre. Seu combate contra o mais
valente cavaleiro francês da época Eustache de Ribeaumont nas portas de Calais foi

182
HUGUES-WARRINGTON, op.cit. 127.
183
SKORGE, Kristel Mari. Ideals and values in Jean Froissart´ chronicles. Bergen, Noruega, 2006. 225 pag.
Tese de doutorado, História, Universidade de Bergen, p. 26.
184
Ibidem, p. 34.
185
Ibidem, p. 36.
57

enaltecido por Froissart, principalmente por que Eduardo lutou como um cavaleiro comum,
sob a insígnia de Sir Walter Manny. Ao final da luta Eustache após infligir ferimentos em
Eduardo, rendeu-se a ele. Para Froissart a honra de ambos foi mantida pela intensidade e
vigor com que os dois contendores se bateram na refrega.186
Para Froissart a cortesia, também, fazia parte do capital simbólico do herói
cavalheiresco. Seu exemplo de cortesia feudal ocorreu após a batalha de Crecy quando o
Príncipe Eduardo recebeu o derrotado rei da França João II com grande cerimônia e o
serviu pessoalmente, declinando de sentar-se à mesa com o rei francês, por não se
considerar honrado o suficiente para dividir o alimento com “o bravo soldado rei da França
que se provou digno naquele dia”.187 Em Crecy, João havia mostrado o seu valor e o
Príncipe Negro demonstrou sua admiração pela cortesia e generosidade que se esperava de
outro cavaleiro honrado. Como João, Eduardo tornou-se um herói admirado pelo autor
francês. Froissart, ao descrever João, afirmou que o rei da França era o mais valioso e
poderoso rei do mundo e que o Príncipe Negro demonstrou, por seu ato, um caráter
cavalheiresco, uma conduta exemplar, uma cortesia suprema que foi capaz de conseguir a
admiração de seus pares e se estabelecer como primus inter pares com pouca idade.188
Outra característica do herói apontado por Froissart era a sua fidelidade a um senhor,
como foi o caso do cavaleiro John Audley que se voluntariou para seguir à frente do
Príncipe Eduardo no combate de Poitier. Depois de intensa luta e por demonstrar uma
lealdade extrema a Eduardo, Audley foi recompensado pelo príncipe inglês por “sua
coragem e lealdade”.189
Por fim, o herói de Froissart deveria ser pio, galanteador e refinado, quando tratando
com damas. Novamente o autor francês citou Eduardo III como exemplo de piedade e
galanteio refinado ao cortejar a Condessa de Salisbury, considerada uma das mais belas
mulheres da Inglaterra.190
Dessa maneira, o herói de Froissart, típico da Baixa Idade Média, deveria ser belo,
cortês, generoso, leal, pio, intrépido em combate, corajoso e galanteador com as damas.

186
Ibidem, p. 38.
187
LUCE, Simeon (org). Chronicles de Jean Froissart. Paris: Societé de l´ Histoire de France, 1869, livro 1,
tomo V, & 397 apud Ibidem, p. 40.
188
Idem apud Ibidem, p. 42.
189
LUCE, Chronicles, livro 1, tomo V, & 384.
190
LUCE, Chronicles. Livro 1, tomo II, & 157-160.
58

No período que se seguiu, a chamada Idade Moderna, inaugurada no século XV até o


final do século XVIII algumas dessas características heróicas se alteraram. O próprio
conceito de honra também sofreu algumas alterações significativas. A historiadora Arlette
Jouanna citou o texto de um moralista contemporâneo do rei Henrique IV, David Rivault de
Fleurance que definiu honra como sendo:

Não há nada de mais honroso para o costureiro do que fazer a roupa na


medida do corpo. Da mesma maneira, a honra do soldado é combater
valentemente; e a do chefe é conduzir e combater ao lado, com coragem
e destreza...assim a honra deve primeiramente ser medida segundo a
consciência e o padrão universal. Depois, a distinção advém da diferença
das profissões, ofícios ou tipo de vida, segundo os quais uns devem ser
mais hábeis numa virtude, outros noutra. O cantor na música, o
magistrado na justiça, o fidalgo na magnanimidade.191

Percebe-se, assim, uma alteração significativa no conceito de honra no período em


relação ao medievo. A honra estava, dessa maneira, ligada intrinsecamente a certas
profissões, as de nobres ou de soldados, no entanto já se podia perceber que a honra não se
ligava somente a carreira das armas ou dos nobres fidalgos, mas também a certos ofícios,
profissões e atividades, em uma percepção mais ampla. Nessa concepção, Paul Johnson
qualificou como um grande herói do período Thomas Morus que pagou com sua vida por
defender princípios universais de moralidade contra os ditames de Henrique VIII. Apesar
de aprisionado na torre, Morus não se dobrou ante as ameaças do rei Tudor e não o aceitou
como chefe da Igreja Anglicana, uma manobra para concretizar seu casamento com Ana
Bolena e se divorciar de Catarina de Aragão, além de confiscar bens da Igreja de Roma em
teritório inglês. Morus foi executado em 1535 com grande dignidade, afirmando no
patíbulo que “sede testemunha comigo de que vou morrer agora na e pela fé da Igreja
Católica Romana. Vivi como bom servidor do rei, mas Deus vem primeiro”192. Tornou-se
após sua morte um mártir da igreja e santo.
Os heróis passaram também a serem ligados a formação do estado e não mais a
apenas grupos sociais dispersos. Na Idade Moderna no ocidente ocorreu o início do

191
BILLACOIS, François. Fogueira Barroca e Brasas Clássicas. In GAUTHERON, Marie. A Honra. Imagem
de si ou dom de si, um ideal equívoco. Trad: Cláudia Cavalcanti. Porto Alegre: LPM, 1992, p. 52.
192
JOHNSON, op.cit. p. 75.
59

processo de formação de estados nacionais e nessa criação os heróis tornaram-se


paradigmas fundamentais. Paul Johnson discutiu em seu livro Os Heróis inicialmente
heróis pertencentes a chamada era do machado, o próprio Thomas Morus, Lady Jane Grey,
Mary Stuart, Elizabeth I e Sir Walter Raleigh, ligados a princípios e comportamentos
honrosos e em seguida heróis ligados ao barulho de tiros de canhão como George
Washington, Arthur Wellesley, Duque de Wellington e finalmente Horatio Nelson,
Visconde Nelson, todos os três ligados ao estabelecimento e consolidação do estado de seus
respectivos países.
Um autor que correlacionou o heroísmo com a grandeza e consolidação do estado
nacional no século XVIII foi François Marie Arouet de Voltaire em seu livro que se tornou
célebre o Siecle de Louis XIV lançado em 1751193. Nele Voltaire fez uma apologia ao
reinado de Luis XIV, falecido em 1715, correlacionando-o a uma era ou a um período de
magnificência da França. Para Voltaire o rei francês foi um dos maiores reis que a França
possuiu e a partir de suas realizações nos campos político, militar, científico, literário,
musical, legal, econômico, pictórico e escultural a França se distinguiu de outros estados
nacionais europeus, tornando-se uma potência no cenário internacional.
Para Voltaire existiram quatro fases antes da ascensão de Luis ao trono da França. A
primeira foi composta do mundo grego com personagens tais como Felipe, Alexandre,
Péricles, Demóstenes, Aristóteles, Platão e Fidias e fora desse limite grego só existia o
bárbaro. A segunda fase compreendeu o mundo romano com todo o seu esplendor e poder
com homens como Júlio César, Augusto, Cícero, Tito Lívio, Virgílio, Horácio e Ovídio. A
terceira fase se iniciou com a queda de Constantinopla em 1453 e o início do
Renascimento, centrado nas cidades-estado italianas como Florença, Gênova e outros
núcleos de arte e ciência que se espraiaram para o resto da Europa, trazendo à discussão
homens do quilate de Miguelângelo, Rafael e Ariosto. Por fim, a quarta e última fase de
esplendor para Voltaire se iniciou na França de Luis XIV e para ele foi a fase que mais se
aproximou da perfeição, realizando muito mais que as três fases anteriores194.
Voltaire procurou em seu Siecle de Louis XIV apontar o rei francês como o principal
artífice de seu reinado e assim digno de admiração de todos os franceses. A historiografia

193
VOLTAIRE, François Marie Arouet. The Age of Louis XIV. Trad: William Fleming. Indianapolis:OnLine
Library Liberty Project, 2010.
194
Ibidem, p. 8.
60

tem apontado que Voltaire, ao elevar Luis XIV a condição de herói de sua época, estaria em
realidade procurando apontar a situação de crise que se encontrava a França sob Luis
XV195. Com essa visão parece concordar Marco Antonio Lopes em um interessante texto
sobre a trajetória intelectual de Voltaire, no qual indicou que “Voltaire teria elevado demais
a figura de Luis XIV com o propósito de rebaixar a de Luis XV, o que parece
verossímil”196. Seja qual fosse a sua motivação, Voltaire enalteceu Luis XIV como o maior
dos heróis franceses e assim o ligou diretamente à grandeza da França. O certo foi que o
livro bateu recordes de venda no período, chegando a ter oito edições em menos de dez
meses.197
Voltaire, em determinado trecho de seu Siecle de Louis XIV, afirmou o seguinte sobre
a grandeza de seu ídolo bigrafado:

Nenhum dos severos censores de Luis XIV pode negar que até a batalha
de Hochstadt ele foi o mais poderoso, o mais magnífico e o maior dos
homens do mundo, pois embora tenham existido heróis tais como Jon
Sobieski e os reis da Suécia que o eclipsaram como guerreiro, nenhum
foi capaz de eclipsá-lo como monarca. É necessário confessar que ele
[Luis] suportou e remediou suas perdas. Ele teve defeitos, e cometeu
erros, no entanto aqueles que o condenam teriam cometido os mesmos
erros se estivessem em seu lugar.198

Embora Voltaire tenha mencionado os reis da Suécia como heróis mais qualificados
na arte da guerra que Luis, o autor francês não dispensou elogios exagerados ao monarca
biografado no campo militar. Em certo trecho de sua obra, comentou que Luis mantinha
seus soldados prontos para o combate, fortificando as cidades fronteiriças, aumentando o
número de tropas em locais sensíveis, treinando esses homens e freqüentemente
inspecionando-os.199 Seus oficiais, também, eram disciplinados e assim, por suas

195
LEAL, Djaci Pereira. Voltaire. Ensaio sobre os costumes. A História como elemento educativo para a
tolerância. Maringá, 2008. Dissertação de mestrado. História da Educação. Universidade Estadual de
Maringá, p. 108.
196
LOPES, Marco Antonio. Embates e combates: o batismo do historiador na Escola do Antigo Regime
(Voltaire, um capítulo da História Intelectual). História: Questões e Debates. Curitiba: Editora da UFPR, n.
34, 2001, p. 270.
197
Ibidem, p. 273.
198
VOLTAIRE, op.cit. p. 228.
199
Ibidem, p. 59.
61

campanhas vitoriosas, assegurou honra para o seu nome.200 Luis sabia, também, respeitar os
seus inimigos honrados. Quando tomou conhecimento que um dos seus grandes
adversários, o nobre almirante holandês De Ruyter havia morrido em combate em 1676,
afirmou consternado que “estava afligido pela morte daquele grande homem”201.
Voltaire, ao enaltecer Luis, fêz questão de indicar que seu herói era também
humilde202 e que o povo francês o venerava, sendo que a população de Paris o idolatrava203.
Ao mesmo tempo em que Luis era bondoso, Voltaire chamou a atenção para os conselhos
que Luis deu a seu neto, Felipe V que assumiria em breve o trono espanhol. Disse Luis que
Felipe deveria “amar e promover a alegria de seus súditos; diminuir os impostos; postar-se
à frente das tropas se fosse a guerra inevitável; preferir o trabalho em vez do prazer; tratar
todos os súditos com bondade; amar seus parentes; não esquecer que ele era francês; não
ridicularizar outros costumes; e não sofrer por estar reinando, sendo sempre o seu mestre,
escutando e decidindo”.204
O heroi idealizado por Voltaire na pessoa de Luis refletia não apenas o heroísmo
ligado aos ofícios da guerra, mas também ao heroísmo sábio, cortês, bondoso,
empreendedor, glorioso e fundamentalmente grandioso, capaz de transformar um século e
uma era. A França foi grandiosa por que teve um rei herói que a tornou grandiosa e essa
parece ser a mensagem de Voltaire. Nas partes finais de seu livro o autor francês comparou
a obra de Luis XIV com o Império Romano. Disse ele o seguinte:

A época de Luis XIV tem sido comparada com aquela de Augusto. Não
que o poder e os eventos pessoais possam ser comparados. Roma e
Augusto foram dez vezes mais consideráveis que Luis XIV e Paris. No
entanto deve ser chamada a atenção que Atenas foi igual a Roma em tudo
que não derive de seu valor em força e poder...entretanto, a Europa é bem
superior a Roma. Na época de Augusto só existia uma nação e hoje em
dia existem diversas que são bem estruturadas, guerreiras e ilustradas,
com mais arte que é estranha aos gregos e romanos e entre essas nações
não existe nenhuma mais ilustrada que essa formada em alguma medida
por Luis XIV.205

200
Ibidem, p. 60.
201
Ibidem, p. 95.
202
Ibidem, p. 107.
203
Ibidem, p. 112.
204
Ibidem, p. 241.
205
Ibidem, p. 261.
62

Essa percepção do herói ligado à consolidação e grandeza do estado, conforme


apontado por Voltaire em relação a Luis XIV teve uma continuidade no século seguinte, o
XIX, considerado o século da apologia do herói. Pensadores como Georg Friedrich Hegel e
Thomas Carlyle discutiram teoricamente o que entendiam ser o heroísmo. Na próxima
seção serão discutidas as diferentes perceções do que era compreendido como o papel do
herói na história, sendo que essa discussão torna-se relevante na medida em que Sir John
Knox Laughton e Alfred Thayer Mahan escreveram suas biografias de Nelson nesse
período e podem ter percepções similares a de alguns desses pensadores.

1.4- As percepções do heroísmo no século XIX:

O século XIX se destacou como o século da discussão do papel dos grandes homens
na história. Embora os heróis continuassem a se relacionar com o estado, o sentido de
nacionalismo, um processo discutido por Eric Hobsbawm206 que para ele se iniciou no final
do século XVIII e início do XIX, veio a exacerbar essa relação já estreita. Heróis como
Napoleão, Giuseppe Garibaldi e Nelson vieram a ser correlacionados com a emergência do
nacionalismo em seus respectivos estados. Para esse autor britânico as nações não
formavam os estados e os nacionalismos, mas sim o contrário207 e assim os heróis faziam
parte dessa formação nacional. A teoria do grande homem na história teve o seu apogeu
nesse século XIX. Essa teoria procurou demonstrar a importância que o grande homem, ou
o herói, tinha no curso da história. O seu grande teórico foi o historiador britânico Thomas
Carlyle e suas idéias serão discutidas à frente. Muitos outros intelectuais se filiaram a essa
teoria e outros a refutaram completamente. O que se pretende nessa sessão é discutir essas
diferentes visões do papel do herói na história e o primeiro teórico a ser apresentado é
Georg Friedrich Hegel (1770-1831).
Para Hegel, as grandes figuras históricas, os heróis, eram instrumentos inconscientes
do espírito objetivo que se manifestava no direito, na moralidade e na etnicidade. O direito
visava ao bem abstrato universal e fundava a propriedade privada. A moralidade tratava da

206
HOBSBAWN, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. 4ed. Trad: Maria Célia Paoli e Anna Maria
Quirino. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
207
Ibidem, p. 19.
63

liberdade interior e a etnicidade, cujas formas concretas se materializavam pela família, as


sociedades econômicas e por fim o estado.208 Para ele o estado era absoluto, tendo como
única norma a sua racionalidade. Nele reinava a razão.209 Os heróis hegelianos contribuíam
para o nascimento de manifestações superiores desse espírito objetivo, graças às quais a
humanidade podia chegar a um grau cada vez mais elevado de auto-consciência,
racionalidade e liberdade.210
Para Hegel existiam quatro espécies de homem. O cidadão, cuja moral era o estado; o
indivíduo, cuja moral era a idéia absoluta; a vítima, cuja moral era a situação privada que
não contava historicamente e por fim o herói, cuja moral era a do espírito do mundo.211 No
herói estava concentrada a situação histórica, sendo ele a matéria-prima do espírito do
mundo, e a força motora da própria história, cuja direção era determinada pelo espírito. O
herói era que empurrava a história para o progresso, orientado pelo “espírito do mundo”212
que o utilizava para os seus próprios fins. O curso da história, no entanto era impessoal,
dessa forma, o herói se tornava impessoal e tiranizava os outros indivíduos, que para Hegel
eram “menos históricos”213.
Os grandes homens da história, os heróis, pareciam se esgotar em si mesmos e “suas
ações produziram situações e condições mundiais que pareceram ser unicamente sua tarefa
e sua obra”.214 Esses heróis não tinham nos seus objetivos a consciência da idéia, mas eram
homens práticos e políticos. Eram, também, pensadores com a visão do necessário e do que
era oportuno. Esses heróis deviam ser reconhecidos como sábios, já que suas ações e seus
discursos eram o que existia de melhor nas suas respectivas épocas. O que eles desejavam
era a sua própria satisfação e eram os que melhor entenderam os seus períodos. Os demais
homens o seguiam, pois sentiam nesses guias heróicos a força irresistível do seu próprio
espírito vindo aos seus encontros. Os heróis nunca tinham descanso, toda a sua vida era
composta de trabalho e esforço, toda a sua natureza era apenas a paixão. Para Hegel esses

208
BESSELAAR, José Van den. As Interpretações da História através dos séculos. V1. São Paulo: Herder,
1957, p. 141.
209
Ibidem, p. 143.
210
Ibidem, p. 145.
211
HEGEL, Georg Friedrich. A Razão na História. Introdução de Robert Hartman. Trad: Beatriz Sidou. São
Paulo: Centauro, 2001, p. 30.
212
Muitas vezes traduzido para espírito universal.
213
Ibidem, p. 36.
214
HEGEL, Georg Friedrich. A Filosofia da História. 2.ed. Trad: Maria Rodrigues e Hans Harden. Brasília:
UnB, 1999, p. 33.
64

heróis morriam cedo como Alexandre, ou eram assassinados como César ou exilados como
215
Napoleão Esses homens foram tocados pela razão divina. Eles podiam morrer, ou
parecer que fossem derrotados, mas a história sempre os justificava. Em relação a
Napoleão, Hegel era um entusiasta. Em uma carta a um amigo referiu-se a entrada do corso
em Iena logo após a batalha vencida, afirmando “vi o Imperador, essa alma do mundo,
atravessar a cavalo as duas portas da cidade...é uma impressão prodigiosa ver um indivíduo
que...sentado em um cavalo, se estende sobre o mundo e o domina”.216
Para Hegel esses heróis não foram homens felizes e suas vidas privadas se realizaram
em condições muito diversas. O invejoso, aborrecido pelos grandes feitos desses homens,
pelo extraordinário, tentou inferiorizá-los e encontrou nesses heróis, defeitos. Os heróis
quiseram realizar ações grandes, corretas e necessárias e não atos ligados ao imaginário e
ao fictício.217 Alexandre, por exemplo, conquistou a Grécia e depois a Ásia impelido pela
mania de conquistas, agindo pela obsessão e paixão trazendo-lhe, por conseguinte, a glória.
O grande homem para Hegel era aquele que tinha consciência de que a razão das coisas
falava por meio de suas palavras e feitos. Cada idade tinha o seu “grande homem” ou herói.
O herói não fazia a história, ele era invocado pelos “grandes tempos” que eram períodos de
transição em que a humanidade ascendia de um estágio de liberdade e organização a outro.
Dessa maneira, o herói descrito por Hegel tinha o espírito do tempo como guia e era
superior aos demais mortais. Ele era um instrumento de forças históricas em cujas águas
navegava em direção à fama, à conquista e à glória.
Outro teórico destacado que discutiu o papel do herói no curso da história foi Thomas
Carlyle (1795-1881). Considerado o maior expoente da teoria do grande homem na história,
Carlyle baseou suas idéias em uma série de seis conferências proferidas em maio de 1840 e
publicadas posteriormente no seu livro clássico On Heroes, Hero-Worship and the Heroic
in History.218Para esse historiador escocês a história poderia ser resumida na biografia dos
heróis. Seu principal objetivo era o culto a esses personagens heróicos, que teriam o papel
estabilizador de uma heroarquia (governo de heróis) que evitaria as transformações

215
Ibidem, p. 34.
216
ROCHA, Filipe. Teorias sobre a História. Braga: Faculdade de Filosofia, 1982, p. 185.
217
HEGEL, Filosofia da História. op.cit. p.34.
218
CARLYLE, Thomas. On Heroes, Hero-Worship and the Heroic in History. London: Oxford University
Press, 1912.
65

219
revolucionárias e seria um fator inibidor contra a anarquia. Os heróis assumiriam um
caráter divino, uma encarnação do universal e uma sociedade que levasse em conta o culto
ao herói respeitaria a hierarquia como algo fundamental, assim a democracia teria um
caráter pernicioso, pois poderia provocar a ascensão de homens incapazes no governo e o
declínio dos grandes homens. Afirmou que “o verdadeiro herói é o filho da ordem; sua
missão é garanti-la; e seu culto é a garantia das tradições, dos credos e das sociedades
instituídas”.220 O culto do herói para Carlyle era o mais antigo elemento da vida social do
homem e via nessa demonstração “uma duradoura esperança para a direção do mundo”.221
Logo na primeira página de seu livro, Carlyle afirmou textualmente que “ a história
universal, a história do que o homem realizou no mundo, é no fundo a história dos grandes
homens que aqui trabalharam”.222 O herói era o salvador de sua época, e para ele o culto
dos heróis existia para sempre e em toda parte, embora afirmasse tal fato por temer que a
época em que vivia não fosse de grandeza. Ele diria, após a publicação de seu livro sobre os
heróis em 1852, que não existiam mais heróis, em nenhuma parte se via mais heroísmo e o
“gênio do mundo está esperando o heroísmo e por meio da compulsão ou da sedução faz o
que pode para pervertê-lo ou extingui-lo”.223
O ser humano, para o autor escocês, não podia observar imperfeitamente o grande
homem, sem agregar algo positivo emanado dele. O grande homem, ou o herói, era uma luz
viva no qual era bom estar próximo. Essa luz que iluminava e continuava a iluminar a
escuridão do mundo. Ela não era somente uma luz acesa, mas sim uma iluminação natural
brilhando como um presente dos céus. O heroísmo, era para Carlyle, uma relação divina
que em todos os períodos unia o grande homem aos outros homens.224
Para Carlyle os homens não necessitavam apenas de heróis, mas de um mundo que
fosse digno deles e não um mundo de “servos” ou da massa. O mundo das massas devia ser
governado pelos falsos heróis. Ou o homem aprendia a reconhecer um herói, um verdadeiro
governador e comandante, quando o encontrasse ou seria governado pelos não-

219
FEIJÓ, op.cit. p. 33.
220
Ibidem, p. 34.
221
CASSIRER, Ernst. O mito do estado. Trad: Álvaro Cabral. São Paulo: Codex, 2003, p. 226.
222
CARLYLE, op.cit. p. 1.
223
GAY, Peter. O Coração Desvelado. A Experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud. op.cit p. 177.
224
CARLYLE, op.cit. p. 2.
66

heróis.225Dizia Carlyle que o herói era sempre da mesma espécie de material, provindo da
natureza. Afirmava que não tinha conhecimento de um homem verdadeiramente grande que
não tivesse todas as espécies de homens reunidas. Além disso, para ele, “a sinceridade, uma
grande, profunda e genuína sinceridade” era a primeira característica dos heróis226. Não o
herói que se diz sincero, mas a sinceridade emanada dele, a sinceridade instintiva que
provinha de seu heroísmo. O grande homem era sempre sincero como condição primordial.
Napoleão, para ele, tinha dentro de si palavras que eram como o desenrolar da batalha de
Austerlitz, assim o herói podia ser profeta, poeta, rei ou sacerdote ou tudo que desejasse, de
acordo com a espécie de mundo em que nascesse. Segundo o filósofo Sidney Hook227,
Carlyle teria afirmado que se Newton tivesse nascido em uma comunidade de primitivos
australianos teria necessariamente feito alguma importante descoberta científica e Napoleão
teria sido um grande chefe militar primitivo, demonstrando uma correlação direta com o
determinismo genético dos heróis.
O primeiro grande herói apontado por Carlyle foi Odin, representando a espécie mais
antiga e primária de heroísmo, o heroísmo divino. Para esse autor, Odin era um herói em
sua maneira rude de ser, um homem sábio, talentoso e de bom coração. Odin era um herói,
profeta e deus, o maior de todos.228 O segundo grande herói de Carlyle foi Maomé. Seu
heroísmo era não mais divino emanado de deus, mas como um inspirado por deus. Maomé,
o herói profeta, o mais verdadeiro deles229. O terceiro grupo de heróis para o autor escocês
era composto de Dante Alighieri e William Shakespeare, os heróis poetas. Os poetas,
segundo ele, eram personagens heróicos que pertenciam a todas as épocas. Dante e
Shakespeare eram santos da poesia para Carlyle.230 O quarto grupo de heróis era composto
por Martinho Lutero e John Knox, representando os heróis pregadores. Para Carlyle os
pregadores também eram profetas, pois possuíam uma espécie de inspiração, influenciando
a crença dos homens.231 O quinto grupo de heroísmo apontado por Carlyle era formado
pelos heróis como homens das letras. Eram eles Samuel Johnson, Jean-Jacques Rousseau e

225
CASSIRER, op.cit. p. 229.
226
CARLYLE, op.cit, p. 45.
227
A frente serão discutidas as idéias desse pensador sobre o heroísmo.
228
Ibidem, p. 28.
229
Ibidem, p. 43.
230
Ibidem, p. 85.
231
Ibidem, p. 116.
67

Robert Burns, sendo produtos originários das novas épocas e fenômenos únicos.232 Uma
vez que o espiritual sempre determinava o material, esses heróis podiam ser considerados
como as pessoas mais importantes da modernidade. A arte de escrever era a mais
miraculosa de todas as realizações imaginadas pelo homem. Nos livros repousava o espírito
de todo o passado, a voz articulada desse passado quando “a substância corporal e material
desapareceram como um sonho”233. Por fim, o último heroísmo era representado pelo herói
rei. Carlyle indicou como exemplos desse heroísmo, Oliver Cromwell e Napoleão
Bonaparte. Esse tipo era para ele o mais importante dos heroísmos, pois esses heróis
congregavam todos os heróis anteriores. Eles eram os mais importantes dos grandes
homens.234
Thomas Carlyle foi o principal representante da teoria do grande homem na história.
Seus heróis não eram apenas guerreiros famosos, mas sim homens que se destacaram por
suas realizações pessoais. Como toda teoria determinista, ela possuía limitações naturais
que Ernst Cassirer muito apropriadamente indicou, afirmando o seguinte:

[Carlyle] falava de todos os seus heróis com o mesmo entusiasmo. Na


sua ‘transcendente admiração’ pelos grandes homens, parece perder
algumas vezes o sentido de todas as proporções...no seu livro sobre o
culto do herói...tentou muito mais persuadir do que convencer...não
devemos insistir demasiado nesssas inconsistências. Um historiador da
categoria de Carlyle tem o direito de ser julgado segundo a sua própria
concepção de um verdadeiro método histórico.235

John Stuart Mill (1806-1873), embora não tenha utilizado especificamente a


expressão ‘herói’, discutiu o que chamou de gênio, o homem com características
superiores. Para ele o gênio se destacava das pessoas comuns como um farol, um fenômeno
raro e inexplicável. Ele possuía mais ardor e vontade, com um poder capaz de transformar o
desejo no amor mais passional pela virtude e no mais ‘rígido auto-controle’.236 Mill
descreveu o homem superior, o herói, como ativo, rígido, destacado dos demais homens,

232
Ibidem, p. 155.
233
Ibidem, p. 161.
234
Ibidem, p. 197.
235
CASSIRER, op.cit. p. 232 e 234.
236
LINDHOLM, Charles. Carisma. Êxtase e perda de identidade na veneração do líder. Trad: Carlos
Augusto Costa Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993, p. 32.
68

enérgico e desejoso de transformar o seu ambiente e o mundo que o circundava, segundo o


seu ideal de vida e perfeição. Segundo ele, os homens superiores tinham a liberdade de
apontar o caminho para o restante da humanidade.237
Stuart Mill afirmou, também, que os seres superiores, os gênios, ou mesmo heróis,
tinham outra característica. Eles eram mais receptivos aos prazeres mais elevados do que os
homens comuns. Acreditava que esses ‘prazeres mais elevados’, eram poéticos, artísticos e
inspiradores. Esses homens superiores, receptivos aos prazeres mais elevados, estavam
acima dos demais seres humanos que ‘sentiam’ apenas sensações animais e inferiores.238 A
grande vantagem desses gênios ‘heróicos’ era ter a capacidade de promover naturalmente
esses ‘prazeres mais elevados’, levando os demais seres humanos menos importantes a
experimentá-los, elevando o nível da sociedade e a função social do prazer. Segundo
Charles Lindholm, a glorificação do gênio, do ser superior, feita por Mill, foi precursora da
moderna noção de carisma239, uma das principais características do heroísmo. Mill assim
ligava o gênio à elevação moral por meio do conceito de alma poética da genialidade. Os
heróis de Stuart Mill eram poetas e connoisseurs, homens essencialmente superiores, como
Carlyle havia apontado com os seus heróis em seu On Heroes.
Existem certamente características semelhantes entre as concepções de herói de Stuart
Mill e Thomas Carlyle, no entanto há uma grande diferença fundamental. Para Carlyle os
grandes homens conduziam a história, enquanto para Mill eles se destacavam dos demais
seres humanos por sua superioridade e não necesariamente como condutores do processo
histórico. Sobre essa mudança do curso da história, Mill foi certamente menos enfático,
embora afirmasse a capacidade do gênio em apontar caminhos para os seus semelhantes.
Uma diferença de ênfase e de foco entre os dois pensadores.
Friedrich Engels (1820-1895), também, discutiu o papel do grande homem na
história. Para ele o domínio da história estava submetido a uma “necessidade” que se
manifestava por meio de uma série de acontecimentos que perfaziam a experiência diária.
Essa “necessidade” se ligava a uma expressão econômica, assim as ações humanas podiam
se coadunar com ela ou contra ela, mas sempre em relação a essa expressão. O
desenvolvimento econômico da sociedade se realizava em razão de uma oposição ou

237
Idem.
238
Idem.
239
Idem.
69

conflito entre essas forças de produção e as relações restritivas de produção. Sendo a


história feita pelos homens, as dificuldades deviam ser removidas pelos homens. Quanto
maior as dificuldades, maior a necessidade de mudanças e quanto maior a necessidade de
mudanças, maior o grande homem para liderar essas mudanças. Esse herói prepararia as
mentes dos semelhantes para as mudanças que estariam a caminho. O grande homem,
assim, era o organizador da luta de classes que levaria à vitória ou derrota na revolução.
Esse homem herói seria encontrado sempre que fosse necessário.240 Suas ações ajudariam a
liberar as forças produtivas e satisfariam os anseios da sociedade por um novo sistema de
relações sociais.241
O herói de Engels era uma resposta inevitável a uma necessidade social que surgia
para a sociedade. Disse ele que a casualidade era que indicava determinado grande homem
e não outro, em certa época em dado contexto. Mesmo que ele fosse eliminado, haveria
sempre um substituto, mesmo que tal aparição levasse tempo. Comentando sobre Napoleão,
disse que ele surgiu por acaso, “mas na falta de um Napoleão, alguém teria tomado o seu
lugar, o que era comprovado pelo fato de que sempre que um homem fosse necessário, ele
seria encontrado: César, Augusto, Cromwell”242. Engels, no entanto admitiu que os grandes
homens apenas raramente faziam suas reverências na história. Para ele a crise social não era
somente condição necessária, mas também suficiente, para o aparecimento do grande
homem na história.
Outro pensador nascido no mesmo ano que Engels, que discutiu o papel do grande
homem, o herói na história, foi Herbert Spencer (1820-1903). Sua teoria da evolução social
admitia que todas as sociedades evoluíram de maneira uniforme, gradual e progressiva. Se
a ação ou talento de determinado herói na mudança do curso da história fosse verdadeiro,
levando a sociedade a outros caminhos indeterminados, não haveria evolução uniforme,
gradual e em direção ao progresso. Disse ele que “era uma visão primitiva, infantil,
romântica e não científica a atribuição de eventos decisivos aos talentos de indivíduos ao
invés de a leis fundamentais da física ou da evolução social”243. Ele atribuía a popularidade
da teoria do grande homem na história, cujo grande expoente foi Thomas Carlyle , a um

240
HOOK, Sidney. O Herói na História. Rio de Janeiro: Zahar, 1962, p. 70.
241
Ibidem, p. 71.
242
Carta a Starkenberg, apresentada em Ibidem.
243
SEGAL, Robert. Hero Myths. Oxford: Blackwell, 2005, p. 3.
70

amor universal por “personalidades”, a satisfação de um instinto não muito afastado dos
‘mexericos de aldeias’244 e a preferência por explicações “fáceis de se entender”.245
Defendia a idéia de que mesmo que um pesquisador se debruçasse sobre todas as biografias
escritas de grandes heróis como, por exemplo as de Napoleão, ele não seria capaz de
entender os fenômenos da evolução social. Disse que o historiador ao analisar um processo
ou acontecimento histórico não deveria apontar determinado homem como causador de
mudanças decisivas, mas deveria continuar suas pesquisas para investigar aquilo que
produziu aquele indivíduo e o que levou a agir como agiu. “Antes que ele, o herói, possa
refazer a sua sociedade, sua sociedade deve fazê-lo”.246
Spencer não negava que o grande homem era efetivamente um agente de mudança
social, contudo afirmou que o herói (o grande homem) e suas realizações apareciam como
um passo apenas em um processo que dependia grandemente de outros fatores. Ele não
admitia, em nenhuma hipótese, que esse passo pudesse redirecionar o processo histórico,
que se subordinava a diversas outras contingências sociais. A aparição do herói devia ser
explicada como o produto de determinada sociedade em certo estágio de desenvolvimento.
Spencer chegou a ponto de declarar que:

de uma tribo de canibais, cujas canções na preparação de uma festa


antropofágica são ritmos compassados, não existirá a mínima
possibilidade de surgir um Beethoven, assim precisa ser admitido que a
gênese do grande homem depende de uma longa série de influências
complexas que produziu a raça a qual ele pertence e o estado social no
qual essa raça se desenvolveu lentamente247

Dessa maneira, o herói era um produto da sua própria sociedade. O herói, então, era
uma resultante do meio e da sociedade do qual ele procedeu e as mudanças que ele pudesse
ter provocado no curso da história eram causas motivadas por sua herança social e das
alterações provocadas pelas gerações que o procederam248. Essa visão se contrastava
diretamente com as visões anteriores, principalmente com a de Carlyle. Herbert Spencer é

244
No texto original em inglês “of the village gossip”.
245
Idem.
246
HOOK, Sidney. O Herói na História. op.cit. p. 62.
247
SEGAL, op.cit. p. 3.
248
Idem.
71

considerado um dos pais do chamado darwinismo social e sua visão do herói se encaixa
perfeitamente nessa teoria.
Friedrich Nietzsche (1844-1900) no livro Assim Falou Zaratustra249 de 1892 expôs
sua visão de heroísmo. Segundo Arno Mayer, Nietzsche era um darwinista social
inveterado e do tipo pessimista e brutal, embora recuasse em relação a Charles Darwin no
sentido em que rejeitou os postulados progressivos da teoria da evolução. O mundo era um
local de luta permanente, não só pela existência, como pela dominação, exploração e
subjugação.250 Para Nietzsche o gênio era um guerreiro, sua virtude era sua vitalidade
esmagadora. Disse ele que “grandes homens, assim como grandes épocas, eram um
material explosivo em que se acumulou uma enorme energia”. Essa capacidade explosiva
era a manifestação do que ele chamou de ‘vontade de poder’.251 A vontade de poder era
uma paixão e mais especificamente a paixão de dominar. Aqueles homens que expressavam
essa paixão de dominar, comandar, transgredir e explodir, controlavam os mais fracos.
Eram eles os verdadeiros heróis que criavam suas próprias leis não-convencionais, baseadas
nos impulsos de seus desejos pessoais252. O herói possuía essa capacidade inata para o
comando. O bom, para ele, era tudo que elevava a vontade de poder, o próprio poder do
homem. O mau era a fraqueza. A felicidade, o sentimento de que o poder aumentava. Na
explosão do fluxo de sensações intensas, provocadas por um sentimento transbordante de
vida e energia, no qual até mesmo a dor agia como um estímulo, que a vontade de poder era
liberada e revelada. Os sentimentos desse homem especial eram mais fortes do que nos
outros, sua vitalidade emocional que fazia dele o homem superior, o super-homem253, o
grande herói. A moralidade estava na força, a meta do esforço humano não devia ser a
elevação de todos, mas o desenvolvimento dos melhores, os super-homens. A última coisa
que o super-homem deveria querer era melhorar a humanidade, ela não melhorava, ela era
em verdade uma abstração.
Para Nietzsche um grande homem não requeria um coração compassivo, mas
dominava os servos, seus instrumentos; na sua lida com os homens, seu único objetivo era

249
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. Trad: Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2001.
250
MAYER, op.cit. p. 276.
251
LINDHOLM, op.cit. p. 33.
252
Idem.
253
Ibidem, p. 34.
72

produzir alguma coisa a partir deles.254 A força do desejo e a emoção da vontade de


dominar como valores definitivos levavam à exaltação do herói, carregada de vitalidade.
Esse super-homem não desejava esconder o desejo da vontade de poder, sob a capa da
razão. O seu argumento básico era ‘eu quero’, o seu desejo era a sua própria justificativa e a
consciência, a piedade ou o remorso não tinham qualquer efeito255. A piedade, inclusive,
era um luxo mental paralisante, um desperdício de sentimento pelos estragados,
incompetentes, defeituosos, pelos perversos, pelos culposamente doentes e pelos
criminosos. O amor para o super-homem era apenas um desejo de posse, fazer a corte para
o combate, o acasalamento, o domínio.256 O super-herói era um indivíduo superior nascido
do lodoçal da mediocridade da massa, devendo sua existência mais à reprodução deliberada
e à criação cuidadosa do que acasos da seleção natural.257 Esse homem especial só podia
sobreviver por meio da seleção humana, da previsão eugênica e de uma educação
enobrecedora. Os super-homens só deveriam se casar com super-mulheres, o amor ficaria
em segundo lugar e só serviria para a massa. O casamento serviria para a reprodução e o
mais importante para o desenvolvimento. O super-herói deveria se submeter a uma escola
rigorosa, a qual a perfeição seria exigida com a maior naturalidade, sem elogios. Pouco
conforto, muitas responsabilidades, sofrimento corporal silencioso, vontade para aprender e
obedecer e principalmente comandar eram qualificações fundamentais para forjar o herói
nietzschiano. Esse herói estaria, assim, acima do bem e do mal, seria mais temido que
bondoso. Sua característica principal era o amor ao perigo e à luta desde que houvesse uma
finalidade. Assim “uma boa guerra santificava qualquer coisa”.258 Para Nietzsche a
liberdade significava que os instintos viris que se deleitavam na guerra e na vitória
predominavam sobre todos os outros instintos. O super-homem era guerreiro e o mais
elevado tipo de homem livre que devia ser buscado onde era superada a mais alta
resistência: a cinco passos da tirania, junto ao limiar do perigo da servidão.259 Energia,
intelecto e orgulho eram qualidades fundamentais do super-homem. Elas deviam, no

254
Ibidem, p. 35.
255
DURANT, Will. A História da Filosofia.. Trad: Luiz Carlos do Nascimento Silva. São Paulo: Nova
Cultural, 1996, p. 389.
256
Ibidem, p. 388.
257
Ibidem, p. 391.
258
Ibidem, p. 393.
259
NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos ìdolos. Trad: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006, p. 89.
73

entanto, ser harmonizadas, pois essas paixões só se tornariam poderes quando selecionadas
e unificadas por um grande propósito260. Nietzsche utilizou como exemplo de super-herói
Napoleão. Para ele o corso era diferente, herdeiro de uma civilização mais forte, mais
longa, mais antiga do que a que na França se esvaía, ali ele se tornou senhor, ‘o senhor’. Os
“grandes indivíduos são necessários, o tempo em que aparecem é casual; o fato de
dominarem seu tempo ocorre por serem mais fortes, mais velhos” afirmou Nietzsche.261
Nietzsche mencionou que o caminho para o super-homem era a aristocracia e que a
democracia devia ser erradicada, daí abjurar Cristo que ele relacionava com o começo da
democracia. Assim o primeiro passo a ser dado era destruir o cristianismo que trouxe a
corrupção às raças superiores pela louvação católica das virtudes femininas, pelos ideais
puritanos e plebeus da Reforma e pelo casamento com espécies inferiores.262
Lucy Hugues-Hallett resume de modo muito interessante o super-herói de Nietzsche:

O super-homem de Nietzsche é ‘como uma estrela lançada no espaço


vazio e no sopro gelado da solidação’. Não tem uma comunidade no
interior do qual se esconder, não tem religião, um sistema legal ou código
moral que lhe sirva de guia, nenhum grupo ou instituição com os quais
compartilhar a responsabilidade por suas escolhas. É um ser
absolutamente exposto.263

Visão totalmente distinta de Nietzsche tinha o russo Georges Plekhanov (1857-1918).


De orientação marxista, Plekhanov acreditava que os grandes homens, graças a
determinadas particularidades, podiam influir nos destinos da sociedade. Essa influência e
sua proporção eram determinadas pela organização interna dessa mesma sociedade e pela
correlação de forças que nela atuavam, além da relação com outras sociedades. Essa
influência dependia do caráter, sujeito aos condicionamentos da época e seu talento
pessoal.264 O grande homem, quaisquer que fossem as suas particularidades, não podia
eliminar relações econômicas determinadas, quando elas correspondiam a um determinado
estado de forças produtivas. Entretanto as particularidades da personalidade do grande

260
DURANT, op.cit p. 393.
261
NIETZSCHE op.cit, p. 93.
262
DURANT, op.cit. p. 395.
263
HUGUES-HALLETT, op.cit. p. 18.
264
PLEKHANOV, Georges. Reflexões sobre a história.Lisboa: Presença, 1970, p. 152.
74

homem tornavam-na mais ou menos aptas a satisfazer as necessidades sociais que surgiam
em virtude das relações econômicas determinadas ou para opor-se a essa satisfação.265 Há
que se reafirmar que para Plekhanov particularidades de inteligência e do caráter do grande
homem podiam fazer variar o aspecto individual dos acontecimentos e algumas de suas
conseqüências parciais, mas não podiam fazer variar a sua orientação geral que era
determinada por outras forças.266 Dizia o pensador russo que duas condições eram
necessárias para que o grande homem exercesse grande influência sobre o curso da história.
Era preciso que o seu talento correspondesse melhor que os outros às necessidades sociais
de certa época. Como exemplo, se Napoleão, em lugar de ter o gênio militar, tivesse
possuído o gênio musical de um Beethoven, não teria chegado a ser imperador. Em
segundo lugar, o ambiente social da época não devia erguer obstáculos no caminho do
grande homem necessário e útil justamente naquele período. Napoleão teria morrido como
um general ou coronel pouco conhecido se a Antigo Regime tivesse durado na França mais
setenta e cinco anos.267 Dessa maneira, os grandes homens apareciam onde existiam
condições sociais favoráveis para o seu desenvolvimento, sendo eles fruto das relações
sociais268. A época, o lugar, a extensão das mudanças elaboradas pelos grandes homens
dependiam das condições econômicas de seus tempos e da ação recíproca dos interesses de
classe que derivavam dessas condições, afirmou o autor russo269.
O grande homem era para Plekhanov um iniciador, por que “via mais longe” que os
outros e desejava mais “fortemente” que os outros. O grande homem resolvia os problemas
científicos colocados pelo curso anterior do desenvolvimento intelectual da sociedade,
indicando novas necessidades sociais criadas pelas relações sociais anteriores e tomando a
iniciativa para satisfazer essas necessidades. Para ele o grande homem era o herói, não que
ele pudesse deter ou modificar o curso natural da história, mas no de que a sua iniciativa
constituía uma expressão consciente e livre desse curso necessário e inconsciente. Nessa
parte é que residia a importância e a força do herói. A sua importância colossal e sua força
prodigiosa.270

265
Ibidem, p. 156.
266
Ibidem, p. 160.
267
Ibidem, p. 163.
268
Ibidem, p. 164.
269
HOOK, Sidney. O Herói na História. op.cit. p. 81.
270
PLEKHANOV, op.cit. 172.
75

Max Weber (1864-1920), baseado em conceitos sociológicos, definiu o herói de


forma distinta de Plekhanov. Ele foi o primeiro pensador a introduzir o termo ‘carisma’ na
sociologia, o primeiro a tentar analisar a personalidade carismática e o primeiro a discutir
como o carisma implicava na relação entre o grande homem e seus seguidores271. Para
Weber, os heróis ou líderes naturais nas situações de dificuldade, foram os portadores de
dons específicos do corpo e do espírito, sobrenaturais, não acessíveis a todos. Eles não
eram necessariamente ocupantes de cargos nem titulares de uma ‘ocupação’ remunerada272.
Esses homens especiais eram dotados de carisma. Esse carisma desconhecia uma forma ou
um processo ordenado de nomeação ou demissão. O carisma só conhecia a sua
determinação interna e seu portador, o herói, tomava a tarefa que lhe era adequada e exigia
obediência a um séqüito em virtude de sua missão. Sua pretensão carismática falhava
quando sua missão não era reconhecida por aqueles que deveriam segui-lo. Os seguidores
deveriam reconhecê-lo como líder carismático qualificado e assim serem por ele
conduzidos. De modo geral, o herói carismático rejeitava todo comportamento econômico
racional, uma vez que o carisma jamais era a fonte de lucro privado para ele.273 O herói
carismático não deduzia a sua autoridade de códigos ou estatutos, nem deduzia sua
autoridade do costume tradicional ou dos votos feudais de fé. O herói carismático ganhava
e mantinha a autoridade exclusivamente provando sua força nas ações. Se profeta, devia
realizar milagres. Se guerreiro, devia realizar feitos heróicos. Ele devia ‘provar’ seu valor,
fazendo seus seguidores se entregarem a ele e se saírem bem. Se falhasse, ele provaria que
não era o herói carismático esperado. Caso o herói carismático provasse seu valor, seus
seguidores deveriam ‘reconhecer’ a missão confiada ao mestre e nasceria uma dedicação
fiel. A dominação que surgia significava uma rejeição a todos os laços com qualquer ordem
externa, em favor de uma glorificação do herói, daí sua atitude ser revolucionária e acima
de todos os valores274. Tratava-se de um carisma revolucionário e criativo, ocorrendo em
épocas de crise social, abrindo caminho para um novo futuro. Os seguidores não obedeciam
mais aos costumes ou à lei, mas às exigências imperiosas dessa figura heróica, cujas ordens
“não eram legitimadas pela lógica, nem pela posição do herói em qualquer hierarquia

271
LINDHOLM, op.cit. p. 39.
272
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 2.ed. Trad: Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1971, p. 283.
273
Ibidem, p. 286.
274
Ibidem, p. 288.
76

estabelecida, mas somente pelo ‘poder de comando’ do indivíduo carismático”, segundo


palavras de Charles Lindholm.275
Weber discutiu o caso do rei como um senhor da guerra e o seu reinado como
conseqüência de seu heroísmo carismático. Como senhor da guerra ele adquiria seu carisma
provando seu heroísmo a um séqüito voluntário, em incursões bem sucedidas que levavam
à vitória e ao saque. Quando a guerra e a caça pesada estavam ausentes, o chefe
carismático, o senhor da guerra, também estava ausente. Tornava-se assim uma figura
permanente quando a guerra se tornava uma situação crônica. Isso acarretava a existência
desse senhor da guerra dependente exclusivamente de um estado de guerra crônico e de
uma organização global estruturada para a guerra.276 A disciplina não era hostil ao carisma,
pelo contrário, os governos de grandes territórios ou grandes organizações pelos líderes
carismáticos só podiam ser conduzidos por meio de uma disciplina rigorosa. Um herói
carismático podia fazer uso da disciplina para controlar e continuar expandindo sua esfera
de domínio, dessa maneira Napoleão criou uma organização disciplinar rigorosa para a
França.277
Na guerra a liderança carismática buscava influenciar seus seguidores por meio da
‘inspiração’ e treiná-los para a ‘compreensão enfática’ da sua vontade. Os pontos
sociologicamente decisivos eram, em primeiro lugar, os fatores emocionais
‘imponderáveis’ e irracionais, todos calculados. Em segundo lugar, a dedicação a uma
causa comum, a um êxito pretendido racionalmente278. A expressividade emocional do
herói carismático, com seu ardor combativo, no discurso inflamado do demagogo ou na
calma reflexiva do profeta era o que atraía os seguidores, contaminando-os com entusiasmo
e um sentimento de pertencimento e vitalidade.
Weber afirmou, também, que o carisma autêntico baseava-se na legitimação do
heroísmo pessoal ou da revelação pessoal. Precisamente essa qualidade do carisma como
um poder extraordinário, supranatural, divino, o transformava numa fonte adequada para a
aquisição legítima de poder soberano pelos sucessores desse herói carismático.279

275
LINDHOLM, op.cit. p. 40.
276
WEBER, op.cit. p. 291.
277
Ibidem, p. 293.
278
Ibidem, p. 294.
279
Ibidem, p. 303.
77

Da mesma forma que Carlyle com o enaltecimento exagerado no papel do herói na


história, Max Weber, “o mais sofisticado e desencantado dos pensadores racionais, se torna
vítima, em última análise e a despeito de si próprio, de uma idolatria desesperada pelo herói
carismático”280, complementou Charles Lindholm, criticando a discussão weberiana ao
culto do herói carismático.
Por fim será apresentado um dos pensadores que tem sido pouco discutido no Brasil,
autor de um livro que, embora muito criticado, apresentou uma visão singular sobre o papel
do grande homem na história, o The Influence of Monarchs,281 seu autor, o norte-americano
Frederick Adams Wood (1873-1939).
O que Wood quis apresentar foi uma tentativa de dar a sua hipótese, a importância
dos monarcas (os grandes homens) na condução da história, uma fundamentação científica.
Disse ele que seu estudo foi a primeira aplicação dos métodos de medida histórica, a
historiometria282, para as grandes questões de crescimento e declínio nacional283. Para ele
reconhecia-se que muitos estados nacionais tiveram suas épocas de esplendor e de
decadência e que esses ciclos foram gerados pelos grandes homens desses estados, os
monarcas.
Seu universo de pesquisa começou no século X até a Revolução Francesa, abarcando
386 monarcas de 14 países diferentes, França, Inglaterra, Portugal, Holanda, Rússia,
Prússia, Suécia, Áustria, Dinamarca, Escócia, Turquia, Castela, Aragão e a Espanha Unida.
O poder dos soberanos nesse período nunca foi tão absoluto em períodos anteriores ou
posteriores. Wood apresentou duas séries de mudanças históricas, a primeira relativa a
sucessivas alterações nas condições materiais nos 14 estados apresentados e a segunda
relativa ao tipo de personalidades dos soberanos cujas características morais e mentais
foram analisadas284, a partir de diversas opiniões de historiadores e estudiosos desses reinos

280
LINDHOLM, op.cit. p. 43.
281
WOOD, Frederick Adams. The influence of Monarchs. Steps in a new science of history. New York:
Macmillan Company, 1913.
282
Segundo o próprio Frederick Adams Wood, historiometria é um tipo de pesquisa no qual os fatos da
história são objeto de tratamento estatístico, de acordo com determinado método de medida mais ou menos
objetivo ou impessoal em sua natureza. Essa pesquisa tem o propósito de listar ou classificar os personagens
históricos de modo a que se possa estudar a hereditariedade mental e apreciar os problemas associados com a
psicologia dos gênios. Fonte: WOOD, Frederick Adams. Historiometry as an exact science. Science. New
York: AAAS, v. 33, n. 850, 14 april, 1911, p. 568.
283
WOOD, The Influence of Monarchs. op.cit. p. Vii.
284
Ibidem, p. viii.
78

no período apontado. Em relação à primeira série, as condições materiais, os reinos foram


classificados como o de prosperidade com o sinal +, o de declínio com o sinal – e
indiferente com o sinal + e -. Os reis também foram classificados como fortes, com o sinal
+, fracos com o sinal – e medíocres com + e -. Wood, em seus estudos, encontrou uma
grande unanimidade nos julgamentos dos historiadores e especialistas em relação ao
desempenho dos monarcas e das condições materiais (quase exclusivamente nos aspectos
políticos e econômicos) dos reinos analisados. Wood não considerou as atividades
literárias, educacionais, científicas ou artísticas na análise.285 Depois de cruzar as
informações das duas tabelas das condições materiais e do desempenho dos monarcas no
período estudado, Wood chegou a uma interessante conclusão: a de que os monarcas fortes,
fracos e medíocres estavam ligados a períodos de prosperidade ou fortes, de declínio ou
fracos e indiferentes ou medíocres em cerca de 70% dos casos, (+ com +, - com -, + e –
com + e -). Monarcas fortes estavam ligados a períodos fracos (+ com -) e monarcas fracos
e períodos fortes (- com +) em cerca de 10% dos casos e monarcas medíocres estavam
ligados a períodos fortes ou fracos a 20% dos casos (+ e – com + e com -). Segundo esses
resultados três hipóteses se apresentaram. A primeira de que condições históricas
produziram monarcas fortes, fracos ou medíocres. A segunda de que os monarcas
produziram as condições históricas de prosperidade, declínio e indiferença por fim a
terceira de que ambos, os monarcas e condições históricas eram o resultado de uma terceira
série de fatores. Wood então abandonou as primeira e terceira hipóteses, preferindo a
segunda que, para ele, tinha maior consistência teórica.
Essa constatação de Wood se harmonizava com a interpretação heróica da história e
de que o monarca era esse herói por excelência e que esse soberano era também
essencialmente uma criação biológica e não social, uma interpretação gamética bem
condizente com o período em que Wood viveu, o final do século XIX e início do XX.
Dessa maneira, pode-se perceber incoerências gritantes de suas conclusões, tais como
desconsiderar os personagens eminentes que não pertenciam à nobreza; desprezar os fatores
ambientais e outras influências que teriam afetado o desempenho do monarca no período;
imputar às características hereditárias dos reis, os seus desempenhos na condução dos
processos políticos, como se caráter, inteligência, destreza e perspicácia fossem fatores

285
HOOD, Sidney. O Herói na História. op.cit. p. 44.
79

herdados; considerar que os monarcas eram seres superiores aos demais humanos, como se
eles fossem os únicos condutores do processo histórico; desconsiderar os monarcas que
reinaram após a Revolução Francesa, afirmando que os soberanos dos séculos XIX e XX
foram fracos, embora concordasse que nesse período houve um contínuo progresso;
imputar à biologia a criação de heróis, como se fosse possível ‘criar seres superiores’, a
partir de ‘formas prontas’; considerar que as condições existentes no país eram resultado de
apenas um homem, o monarca; imputar os períodos de prosperidade, declínio e indiferença
aos estados a partir de análises limitadas e incompletas de outros analistas; classificar os
reis como fortes, fracos e medíocres como se fosse possível qualificá-los por simples
adjetivos, desconsiderando o quadro geral conjuntural; desconsiderar o declínio de poder
dos soberanos nos séculos XVII e XVIII em relação aos períodos anteriores e por fim
considerar que a história era conduzida pelo desempenho dos heróis e só por eles, em uma
interpretação determinista e reducionista.
Uma questão que surge imediatamente após toda essa discussão é se existe uma teoria
que consiga problematizar a questão do herói e procure por meio de referenciais apontar
características individuais que permitam indicar se realmente o personagem pesquisado
possa ser considerado um herói. Existiria uma teoria que abarcasse a questão heróica em
toda a sua plenitude? Teria o herói algumas características-chave que o qualificariam
realmente como um herói?O filósofo norte-americano Sidney Hook (1902-1989) procurou
responder esses questionamentos com sua teoria dos limites do herói na história que será
discutida na próxima seção.

1.5) A teoria dos limites do herói na história:

Sidney Hook, ao estudar o papel do grande homem na história, verificou que durante
períodos convulsionados envolvendo guerras e revoluções, os destinos dos participantes
pareciam estar dependentes das decisões de uma só pessoa, algumas vezes por algumas
poucas, que tinham a capacidade e a iniciativa de decidir, os heróis de seu tempo. Certo que
muitas dessas decisões eram fruto de ações tomadas no calor dos eventos, mas existiam o
que ele chamou de fontes de interesse que eram muitas e profundas e podiam identificar a
priori algumas características que apontavam o herói como elemento fundamental na trama
80

histórica. Essas fontes variavam de intensidade e caráter, segundo determinado período


histórico, no entanto essas fontes eram indicações claras do que se baseava o heroísmo.
Podia-se, inclusive, correlacionar essas fontes com características que indicavam o que
deveria possuir um herói.
A primeira fonte de interesse no herói era encontrada na própria educação da
juventude. A história nacional apresentava como conseqüência de sua evolução a ação e
realização dos grandes homens que conduziam o processo histórico. Algumas vezes esses
homens eram glorificados até a situação de ‘pais da nação’, como, por exemplo, foi o caso
de George Washington nos EUA e Joana D´Arc para a nação francesa. Esse tipo de
transmissão heróica pedagógica tinha um efeito permanente na mente dos jovens. Na
maioria dos países, em especial os totalitários, o culto do herói e do líder foi
cuidadosamente nutrido, tanto na mente dos adultos como nas crianças, de modo a
confirmar que suas atuações foram determinantes no progresso nacional. O herói devia
tornar-se acreditado para ter credibilidade e efetividade. Essa característica pedagógica é a
primeira fonte de interesse no herói.286
A segunda fonte de interesse era a característica do herói ser o salvador de sua
sociedade. Havia para Hook uma tendência natural do ser humano, em momentos de crise e
gravidade, ter esperança no aparecimento de uma liderança forte, de um herói, para afastar
a crise e resolver a situação que se apresentava. Quanto pior a crise, tanto mais intensa a
necessidade de surgir um herói resoluto para resolvê-la. Ele podia receber diversas
alcunhas, ‘o redentor’, ‘o profeta’,‘o revolucionador científico’, ou mesmo de ‘líder’,
dependendo do credo ou partido.287 O caso de Adolf Hitler era emblemático. Eleito pela
maioria dos alemães, Hitler surgiu com uma plataforma política ‘salvadora’ para trazer a
Alemanha de volta a sua grandeza e combater o marxismo que só desgraças traria à nação
alemã. Na história ocorreram crises e nesses momentos críticos sentiu-se a necessidade de
um herói que tomasse para si as rédeas, organizasse as ações e dirigisse sua comunidade.
Essa característica salvadora é a segunda fonte de interesse no herói.288
A terceira fonte de interesse no herói era a sua capacidade de tornar-se uma fonte de
questões teóricas de análise histórica. As próprias teorias do grande homem na história,

286
HOOK, Sidney. The Hero in History. Boston: Beacon, 1955, p. 8.
287
HOOK, Sidney. O Herói na História. op.cit. p. 18.
288
HOOK, Sidney. The Hero in History. op.cit. p. 12.
81

cujo grande expoente foi Thomas Carlyle, corroboraram essa fonte de interesse. Para
Carlyle o grande homem, o herói, era responsável até pelas condições de seu aparecimento
na história e de sua efetividade. Outros teóricos procuraram estudar o papel dos grandes
homens, travando uma batalha surda com essas idéias de Carlyle, tais como Spencer,
conforme discutido anteriormente, no entanto, segundo Hook, “esses críticos a substituíram
[a concepção de Carlyle] por outra doutrina igualmente extravagante, embora definida em
linguagem mais prosaica e monótona”.289 Hook, inclusive, foi um crítico severo dessa
necessidade de se explicar teoricamente o papel do herói na história. Disse ele que durante
o século XX a maioria dos historiadores se subordinaram, de uma forma ou de outra, a
certo determinismo social, embora muitas de suas pesquisas tenham sido frutíferas.
Complementou questionando se eles historiadores foram realmente imparciais para com a
atividade dos heróis nos períodos críticos da história, “cujas raízes desvendaram tão
bem”.290 Essa característica teórica explicativa é a terceira fonte de interesse do herói.
A quarta fonte de interesse era a capacidade que os heróis tinham de influenciar seus
seguidores. Essa fonte baseava-se intensamente na psicologia das massas. O primeiro
aspecto a ser analisado era a necessidade de segurança psicológica, quase como uma
proteção paterna freudiana para com as massas. Muitas pessoas nunca conseguiram se
libertar da dependência dos pais ou professores que assumiam um papel dominante durante
o crescimento. O herói ou líder falava e agia sempre com segurança, quase como um pai.
Quanto pior a crise, mais necessidade do líder heróico que acalmava os temores e
aumentava a confiança, assumindo um papel paterno na condução das massas. Um segundo
aspecto psicológico a ser considerado era a admiração dos seguidores com o êxito do herói.
Seu esplendor, força e brilho eram compartilhados imaginariamente por todos. O herói
atraía para si as emoções dirigidas às tradições históricas nacionais, instituições, símbolos e
ideologias.291 A necessidade de compensar suas próprias deficiências, projetando no herói a
identificação do sucesso e do orgulho nacional, foi um traço fundamental percebido por
Hook na identificação desse aspecto psicológico das massas. Um terceiro aspecto
psicológico identificado por Hook foi o pouco desejo dos seguidores em assumir posições
de poder e responsabilidade. A história tinha demonstrado para Hook que os aspirantes à

289
HOOK, Sidney. O Herói na História. op.cit. p. 20.
290
Ibidem, p. 24.
291
Ibidem, p. 26.
82

liderança constituíam um grupo pequeno em cada sociedade. As massas tendiam a delegar a


um homem forte, um líder ou herói seus próprios destinos, assumindo responsabilidades
que elas mesmas teriam dificuldades de tomar. O grande homem seria capaz de realizar
essas tarefas e as massas o seguiriam sem temor. Essa identificação para Hook vinha a ser
um processo consciente e não uma busca por um pai-substituto292. Essa característica
psicológica é a quarta fonte de interesse do herói.
Por fim, a quinta fonte de interesse pelo herói e, por certo, a mais significativa, era a
sua capacidade de exercer a liderança. O herói carregava em si uma grande capacidade de
liderar seus seguidores, havendo uma tendência natural de associar o líder aos resultados
obtidos sob a sua liderança.293 Heróis como Napoleão, César e Cromwell exerceram a
liderança de uma forma plena. Pode-se estudar a liderança de diversas maneiras diferentes.
Preferiu-se, por ser Horatio Nelson um oficial de marinha de carreira o objeto de discussão,
incursionar no campo da liderança militar, recorrendo-se aos estudos de Sir John Keegan
para se compreender a essência da liderança, um dos traços fundamentais do herói militar.
Hook discutiu pouco essa característica essencial na identificação do herói, daí recorrer-se a
teoria de liderança de Keegan.
Pode-se definir a capacidade de liderança do herói militar como a sua habilitação para
influenciar os subordinados, no sentido de obter deles o engajamento pessoal no
cumprimento da missão e na concretização dos objetivos da organização por ele
conduzida294. Sua capacidade de liderança seria fortalecida pela sua reputação295, por sua
competência, caráter e dedicação. Existem diversos tipos de liderança militar na literatura
especializada. Por uma questão de abordagem, seguindo critérios baseados nos métodos de
atuação do líder em relação aos liderados, preferiu-se a classificação que identifica dois
tipos básicos de liderança, a liderança autocrática ou coercitiva e a liderança democrática
ou persuasiva. A primeira (a autocrática ou coercitiva) é aquela em que o líder repousa sua
atuação no domínio, seu método predominante é a coerção e sua relação com o liderado se

292
Ibidem, p. 28.
293
Ibidem, p. 12.
294
COUTINHO, Sérgio Augusto de Avelar. Exercício do Comando. A Chefia e a Liderança Militares. Rio de
Janeiro: Bibliex, 1997, p. 45.
295
Reputação pode ser entendida como o reconhecimento público do valor profissional do herói militar que
decorre de seu preparo técnico, de sua experiência de comando e de sua formação moral. Fonte: Ibidem, p.
127.
83

faz sob a forma de ordem e obediência.296 A segunda liderança ( democrática ou


persuasiva) é aquela em que o líder exerce sua influência por meio de métodos de atuação
persuasivos e sugestivos. Sua relação com os liderados se dá na forma de mobilização e de
297
participação. Sabe-se pela experiência que não existe um tipo puro coercitivo nem um
tipo puro persuasivo, mas diversos tipos intermediários, dependendo das circunstâncias. As
características mais significativas de cada tipo especial de liderança estão apontadas no
anexo A) a esse capítulo.
O historiador militar inglês Sir John Keegan indicou que o líder de sucesso seria a
pessoa que percebeu claramente os imperativos do comando e soube como se servir deles.
Esses imperativos eram poucos e podiam ser apontados como os seguintes:
O imperativo de afinidade, cuja característica principal era a capacidade do líder em
se cercar de uma aura de mistério, no qual o liderado deveria perceber que com ele
mantinha uma afinidade ou um vínculo especial. O liderado deveria ter consciência que o
líder se preocupava com ele. A atuação do herói deveria ser baseada em uma aura de
mistificação e na percepção de que atendendo os seus desejos, o subordinado o estaria
agradando. O líder deveria ser, ao mesmo tempo, distante e próximo de seus liderados.
Muitas vezes ele deveria ser visto pelos liderados nos momentos de crise, outros deveria
manter-se afastado, evitando a super-exposição. O líder deveria escolher, criteriosamente,
os seus auxiliares diretos, de modo a que atuassem como conselheiros francos, de modo a
indicar caminhos que muitas vezes não seriam por ele percebidos. Esse vínculo afetivo
deveria ser mantido sempre pelo líder. Disse Keegan que “Grant e Wellington tiveram
sucesso ao criar um vínculo de afinidade entre eles e seus subordinados, cercando-se com
auxiliares que não ameaçaram suas determinações, ao mesmo tempo em que eram soldados
de qualidade capazes de obter o respeito do exército”.298
O segundo imperativo indicado por Keegan era o de prescrição. Nesse caso o herói
deveria ter o dom da comunicação com os seus subordinados, falando diretamente com
eles, elevando seus espíritos nos momentos de dificuldade, inspirando-os nas crises e
recompensando-os na vitória.299 Quanto mais heróico fosse o líder, mais forte seria esse

296
Ibidem, p. 238.
297
Idem.
298
KEEGAN, John. The Mask of Command. New York: Penguim, 1988, p. 318.
299
Idem.
84

imperativo. Quanto melhor orador fosse o líder, mais resultados ele poderia obter de seus
liderados. Por meio de suas palavras o herói inocularia coragem em seus subordinados.
Keegan se apropriou de algumas idéias de Raimondo Montecuccoli, general que lutou na
Guerra dos Trinta Anos, para indicar os caminhos nesse imperativo. Alguns pontos
indicados por Montecuccoli deveriam ser cultivados pelo líder. Inicialmente o líder deveria
convencer os seus seguidores da necessidade do patriotismo, da certeza de sua causa, da
vitória como única solução e da vilania de seu inimigo. Em seguida, ele deveria exaltar o
temor pela infâmia, pela derrota e a abominação que seria a covardia no combate. Os seus
olhos estariam fixados neles e caso fossem derrotados nada restaria. Continuando, o herói
deveria exaltar os prêmios, glória e conquistas que os liderados teriam, caso obtivessem a
vitória e as incertezas, caso fossem derrotados. Por fim, o líder deveria instilar confiança na
vitória por suas palavras, postura e expressão facial. Ele deveria transmitir destemor e
confiança absoluta no resultado positivo. Keegan disse, então, que “entre os imperativos de
comando, aquele que destaca a arte de falar [do herói] como ator e como orador aos
soldados sob seu comando, avulta como o primeiro”300.
O terceiro imperativo de Keegan para o herói líder de homens é o de sanção. Esse
imperativo aponta para a capacidade de punir e premiar os seguidores, conforme a situação
se apresente. Nesse mister, para o caso de premiação aos melhores soldados no campo de
batalha, caberia instituir comendas e medalhas tais como a Legion d´Honneur instituída por
Napoleão em 1802 e a britânica Victoria Cross. Promoções, também, seriam bem-vindas e
atuariam como um fator motivador para os liderados. Por outro lado, o herói não deveria
temer punir ou rebaixar os subordinados que não cumpriram com suas obrigações. A
coerção, para Keegan, era um componente do comando tão essencial como a afinidade e a
prescrição, no entanto idealmente a sanção deveria “permanecer implícita e quando se
manifestasse explicitamente, ela deveria ser tão rara quanto possível como força física,
exceto em casos de extrema emergência, nunca falhando na essência e nunca ameaçando a
maioria [dos soldados]”.301
O quarto imperativo do herói é o de ação. O herói deveria conhecer o inimigo antes
de tomar qualquer decisão. Seria tolice se assim não o fizesse. O conhecimento total do

300
Ibidem, p. 321.
301
Ibidem, p. 324.
85

inimigo e do campo de batalha seria um requisito fundamental. Para isso o herói deveria ter
um eficiente sistema de comando, de controle, de comunicações e de inteligência. Ao
mesmo tempo, ele deveria perceber os caminhos que o inimigo poderia tomar, sua força,
capacidade de ação e reais intenções. Deveria, também, ter em mente uma grande
capacidade de conjecturar o tempo e o espaço seguido pelo adversário e por suas próprias
forças, sendo capaz de selecionar grande quantidade de informações coletadas, separando
as pertinentes das não aproveitáveis, processá-las instantaneamente, transmitir as ordens de
modo expedito e ser capaz de monitorar o cumprimento dessas ordens. O herói deveria usar
sua inteligência e experiência para predizer, antecipar e influenciar os resultados por ele
esperados, tendo assim certeza do sucesso. Duas palavras seriam a chave para esse
imperativo, “saber e ver”. Os generais que utilizaram a expressão “algumas vezes” tiveram
mais sucesso que aqueles que preferiram expressões como “sempre e nunca”. Keegan
apontou que Grant e Wellington “percorrendo o estreito espaço entre o heroísmo extremo e
o falso heroísmo, tiveram sucesso no perigoso ambiente de risco para eles e seus exércitos e
assim lideraram, mesmo que da retaguarda, seus soldados à vitória”302. Eles, também,
tiveram sucesso em cumprir “o melhor e o maior dos imperativos...aquele da participação
conspícua nos perigos que se defronta fortemente o soldado raso, o imperativo do
exemplo”303
O quinto e último imperativo de um herói era o do exemplo que seria para Keegan o
maior imperativo de comando de um herói. Aqueles heróis que se impuseram ao perigo
precisariam ser vistos pelos seguidores e deveriam visitar e estimular seus subordinados nos
momentos de maior perigo físico. O destemor pelo perigo por parte do chefe certamente era
um tônico para os seguidores e fator de estímulo para prosseguir na ação. Muitos exércitos
cujos comandantes não se fizeram presentes nos momentos de tensão, sucumbiram.304 A
sensação de derrota sempre foi contagiosa para uma tropa e o herói deveria interferir nos
momentos decisivos para evitar que essa sensação surgisse, mostrando-se destemido. Essa
sensação ocorreu em maio de 1940 com o exército francês durante a invasão alemã.
Naquela oportunidade os generais franceses pouco se fizeram mostrar, dando a percepção
de que não se importavam com os destinos dos soldados na trincheira. A derrota total deu-

302
Ibidem, p. 328.
303
Ibidem, p. 329.
304
Idem.
86

se em apenas 15 dias de combate.305 Keegan afirmou sobre a necessidade do herói se


mostrar destemido que “a liderança com um estilo suficientemente heróico para satisfazer
as exigências de Alexandre da Macedônia, é o tipo de comando que os modernos generais
aspiram hoje em dia. Os seus exércitos reagiriam de acordo”.306
John Keegan apontou cinco imperativos fundamentais para a liderança heróica, os
imperativos de afinidade, prescrição, sanção, ação e exemplo. Sem elas um chefe militar
teria poucas chances de obter sucesso no campo de batalha.
Sidney Hook, após indicar as cinco fontes de interesse e características de um herói, a
pedagógica, a salvadora, a teórica, a psicológica e a liderança, procurou definir o herói na
história como sendo aquele personagem a quem podemos atribuir justificadamente
preponderante influência na determinação de um fato ou evento, cuja conseqüência seria
totalmente diferente se ele não tivesse agido daquela forma.307 Isso leva a uma distinção
entre dois papéis exercidos pelo herói no curso do processo histórico.
O primeiro papel heróico é o que Hook chamou de homem momento que seria
qualquer homem cujas ações influenciaram subseqüentes desenvolvimentos em uma
direção totalmente diferente daquela que deveria ter sido seguida, se suas ações não
tivessem ocorrido308. Um exemplo típico de um homem momento foi o caso do almirante
Francisco Manuel Barroso durante a batalha naval de Riachuelo em 1865 contra os
paraguaios, quando em um momento crucial do combate investiu com a fragata Amazonas
contra os navios inimigos, afundando muitos deles e invertendo a situação crítica que se
encontrava a armada imperial até aquele momento. Barroso com aquela ação tornou-se um
homem-momento.
O segundo papel heróico apontado por Hook foi o que ele chamou de homem época.
Para ele o homem época seria um homem momento cujas ações são conseqüência de
atributos superiores de inteligência, determinação e caráter, ao invés de acidentes de
posição. Essa distinção, apontou Hook, tentaria fazer justiça a crença geral de que um herói
não era grande somente em virtude do que fazia, mas em virtude do que ele era. Para Hook

305
Um livro fundamental para se compreender essa campanha foi escrito por Marc Bloch, oficial subalterno
convocado no Exercito francês e chama-se A Estranha Derrota publicado pela Zahar em 2011. Um clássico
para se entender a débâcle francesa em 1940.
306
KEEGAN, John. The Mask of Command.. op.cit. p. 337.
307
HOOK, Sidney. The Hero in History. op.cit. p. 154.
308
Ibidem, p. 155.
87

quando se falasse de herói ou do grande homem da história deveria se mencionar o homem


época.309 Um exemplo marcante de homem época foi Oliver Cromwell, o Lorde Protetor,
que com mão de ferro conduziu a Inglaterra pelo período republicano, destacando-se como
excepcional político e militar, tendo sido responsável pelo Ato de Navegação inglês de
1651 que praticamente catapultou a Inglaterra a ser um poder marítimo, disputando o
comércio com os holandeses.
Tanto o homem momento como o homem época surgiram em pontos de decisão da
história. As possibilidades de suas ações já estavam preparadas pela direção dos
acontecimentos antecedentes. A diferença era que no caso do homem momento a sua
preparação estava avançada, bastava um fator desencadeador como, por exemplo, um
comando, uma decisão imediata ou um ato intempestivo, sendo que ele seria julgado pelo
sucesso de sua ação pontual e nas qualidades pessoais que tivesse310. O homem época, por
outro lado, ajudaria a criar a situação histórica e não apenas esperaria que ela ocorresse.
Sua superior capacidade deixaria sempre uma marca positiva em sua trajetória de vida e na
própria história, mesmo depois de desaparecer do cenário. Suas ações seriam permanentes.
Hook deixa a distinção de um papel ou outro aos historiadores, afirmando, no entanto,
que “a mesma personagem histórica pode ser homem momento em certo aspecto e homem
época em outro e nem uma nem outra coisa”.311
O herói histórico não foi o único a ser estudado desde a antiguidade. O estudo do
subconsciente e da psique levou outros autores a correlacionar o heroísmo com a mitologia
e as estruturas psicológicas a partir do século XIX. Francisco Murari Pires afirmou que um
novo capítulo se inaugurou nesse século XIX com obras de autores que procuraram
correlacionar os mitos dos heróis e as estruturas mentais recorrentes. Foi, segundo disse,
quando o mito do herói passou a ser submetido a um tratamento analítico, “mediado por
métodos e categorias típicos do cientificismo do século XIX”312. Procuraram esses teóricos
entender os diversos mitos do herói, identificando similaridades, padrões distintos e
tipologias com o desempenho dos heróis históricos. Nessa vertente, diversos campos do
conhecimento se viram envolvidos, tais como a sociologia, a antropologia, a própria

309
Ibidem, p. 154.
310
Ibidem, p. 157.
311
HOOK, Sidney. O Herói na História. op.cit. p. 133.
312
PIRES, op.cit. p. 2.
88

história, a psicologia e a psicanálise. A trajetória do herói passou a ter novo tratamento


analítico, no qual a mitologia e a lenda tornaram-se a base comparativa para se explicar o
heroísmo em suas mais diversas vertentes e dessa maneira a fixação do herói no imaginário
popular.

1.6) O mito e o herói mítico:

Considerando o ponto de vista epistemológico, Francisco Marshall e Francisco Murari


Pires indicam a necessidade de se distinguir o estudo do herói histórico, como visto até
agora, do estudo sistemático do mito do herói inaugurado na segunda metade do século
XIX.313 Para isso torna-se necessário, antes de mais nada, discutir-se o que se entende como
mito.
Segundo Everardo Rocha o mito é uma narrativa, um discurso no qual as sociedades
espelham suas contradições, seus paradoxos, suas dúvidas e inquietações.314 Para esse
autor, o mito traz consigo uma descrição de um “fato” ou “passagem” muito antiga, algo
ocorrido nos tempos da “aurora” do homem, nos “tempos fabulosos”, embasado na
tradição. Por detrás do mito haveria uma mensagem cifrada, nem sempre verdadeira no seu
conteúdo manifesto e literal, possuindo, no entanto eficácia na vida de uma sociedade315. O
mito, assim, é capaz de “revelar o pensamento de uma sociedade, a sua concepção da
existência e das relações que os homens devem manter entre si e com o mundo que os
cerca”,316 segundo esse autor.
Ulpiano Bezerra de Meneses, por outro lado, aponta que o mito é um modo de
comunicação em que para entendê-lo, “importa menos o seu conteúdo do que os suportes
de expressão de que ele se vale”.317 Além disso, é necessário que o mito exista, pois além
de ser um fenômeno coletivo que retrata uma indispensável base de interação social, ele
torna evidente e perceptível não só os valores e sentidos dessa sociedade, como procura

313
PIRES, op.cit. p. 1.
314
ROCHA, Everardo. O que é mito. São Paulo: Brasiliense, 1999, p.7.
315
Ibidem, p. 11.
316
Ibidem, p. 12.
317
MENESES, Ulpiano Bezerra de. Mito e museu: reflexões preliminares. In: FELIX, Loiva Otero; ELMIR,
Cláudio. Mitos e Heróis. Porto Alegre: Editora da UFRS, 1998, p. 44.
89

explicar, dar sentido, tornar claro o complexo, o multifacetado, o heterogêneo, o obscuro,


induzindo, de alguma maneira, práticas e padrões de comportamento daquela sociedade.318
Mas afinal qual a relação existente entre o mito e o herói ? Os chamados heróis
mitológicos estariam inseridos no campo da mitologia, na qual deuses, semi-deuses e os
próprios heróis atuariam. Segundo Marc Auge, os heróis fundam a história dos homens
juntamente com os deuses, “mas além deles, graças a um efeito que não pode ser de mera
redundância...a existência de heróis cosmogônicos e civilizadores, ou símbolos de história e
de cultura...convida a interrogarmo-nos sobre os traços recorrentes em que se configura o
poder e sobre os limites intelectuais do pensamento humano”319. Para Maria Eunice Maciel,
o mito estaria localizado no campo antropológico, mas não exclusivamente nele, como uma
narrativa plena de significação, possuidora de um segredo, um enigma, organizando e
dando um sentido à sociedade. Os mitos operariam assim no campo simbólico, atuando por
meio de signos. Eles possuiriam certamente uma eficácia simbólica.320
O herói a ser analisado inclui-se, assim, no campo do mito, da irrealidade, embora
carregado de eficácia simbólica, afastando-se do campo histórico. O mitólogo FitzRoy
Richard Somerset, Lord Raglan, chegou ao ponto de afirmar que existia uma linha clara
entre a história e o mito, sendo que os heróis míticos não seriam históricos e que eles nunca
venceram batalhas reais e que quando se analisa os seus feitos observa-se que eles
combateram singularmente contra outros reis heróis míticos, contra gigantes, dragões e
animais celebrados. Eles não existiram na história.321 Isso não significa dizer que heróis
históricos não possam se transformar em heróis mitificados. Em toda a sua plenitude, o
próprio Nelson tornou-se um personagem heróico mitificado.
As teorias que abordam os heróis míticos procuram conhecer a natureza de todos os
heróis míticos, respondendo a questões fundamentais tais como, qual a origem do herói
mítico? Qual a sua função e quais as suas realizações? Para Francisco Murari Pires, a
descrição de episódios heróicos desses personagens, sua ordenação em um modelo

318
Ibidem, p. 47.
319
AUGÉ, Marc. Heróis. In: Enciclopedia Einaudi (Religião-Rito). Portugal: Imprensa Nacional/Casa da
Moeda, 1994, p. 128, 129 apud MACIEL, Maria Eunice. Procurando o Imaginário Social: apontamentos para
uma discussão. In: FELIX, Loiva Otero; ELMIR, Cláudio. Mitos e Heróis. Porto Alegre: Editora da UFRS,
1998, p. 76.
320
Eficácia simbólica indica que os símbolos possuem propriedades de induzir resultados no mundo real,
segundo concepção de Claude Levy-Strauss. Fonte: Idem.
321
SEGAL, Robert. op.cit, p. 11.
90

estrutural tornaram-se um padrão de análise, confirmado e modulado em diversos


momentos, entretanto eficiente como critério para o indiciamento da presença do mito do
herói.322
O estudo dos mitos dos heróis iniciou-se aproximadamente em 1871 quando o
antropólogo inglês vitoriano Edward Tylor (1832-1917) argumentou que muitos dos heróis
míticos seguiam um padrão uniforme composto de uma exposição, quando do seu
nascimento, seguido por uma salvação por outros humanos ou mesmo por animais e por
fim por uma determinação inexorável ao se transformar em um herói nacional. O que Tylor
desejava era estabelecer um padrão comum a todos os heróis míticos e não necessariamente
analisar suas origens, funções ou significados. O que ele queria demonstrar era que existia
uma uniformidade no padrão de vida dos heróis míticos ao serem comparados entre si, não
importando suas origens, funções ou realizações. Disse ele que “o tratamento de mitos
similares de diferentes regiões, agrupando-os em grandes segmentos comparados,
possibilita traçar na mitologia a operação de processos imaginados recorrendo-se a leis
mentais de evidentes regularidades”323. Assim a comparação entre mitos de heróis era a
base de seu estudo.
Cinco anos depois, em 1876, foi publicado um estudo do pesquisador austríaco
Johann Georg Von Hahn (1811-1869) envolvendo 14 casos de heróis míticos. Nesse
trabalho Von Hahn argumentou que as estórias de heróis arianos seguiam um processo mais
específico de “exposição e retorno”. Seus elementos de estudo foram casos envolvendo
estórias de heróis gregos e albanos. Em todos os casos o herói nascia ilegítimo, era
abandonado por seu pai que temia as profecias que apontavam para a sua futura grandeza,
era salvo por animais e criado por pessoas humildes, lutava em guerras memoráveis,
retornava para casa em triunfo, derrotava seus opositores, libertava sua mãe, tornava-se rei,
fundava uma cidade e morria jovem.324
Recorrendo a tradição de heróis míticos russos, o folclorista russo Vladimir Propp
(1895-1970) procurou demonstrar em 1928 que essas estórias míticas seguiam um padrão
biográfico no qual o herói se lançava em uma aventura de sucesso, e ao regressar de sua
aventura casava-se e arrebatava o trono. Propp não se preocupou com o nascimento e a

322
PIRES, op.cit. p. 1.
323
TYLOR, Edward. Primitive Culture. V1. 5.ed. New York: Harper, 1958, p. 282.
324
SEGAL, op.cit. p. 12.
91

morte do herói. Da mesma maneira que Tylor e Von Hahn, Propp tentou somente
estabelecer um padrão comum e não analisar as funções e realizações dos heróis
apontados.325
Um estudioso que procurou analisar essas funções, realizações e percursos foi o
psicoanalista vienense Otto Rank (1884-1939), baseando-se nos estudos conduzidos por seu
colega Sigmund Freud. O seu livro básico nesse estudo foi o The Myth of the Birth of the
Hero326 publicado em 1909. Nele Rank se baseou intensamente nos estudos de Freud e em
uma parte do livro chegou a pedi-lo que escrevesse um ensaio sobre o ‘romance familiar’.
A ênfase de Rank não foi no nascimento do herói, mas sim nos estágios posteriores de sua
vida, em especial a relação com seus pais, sedimentada em sua juventude. Há que
considerar, no entanto, que o nacimento do herói era decisivo, não por causa da separação
de sua mãe, mas principalmente por que seus genitores procuraram afastá-lo das
conseqüências de um parricídio profetizado, o que nos remete a estória de Édipo. Para Rank
os mitos serviam para resolver problemas e não perpetuá-los, eles eram progressivos ao
invés de regressivos e se ajustavam ao mundo ao invés de sublimá-los. Os mitos eram tão
diferentes como iguais aos sonhos. Rank apontou que o heroísmo lidava com a primeira
metade da vida, isto é com o nascimento, infância, adolescência e a fase adulta inicial,
envolvendo o estabelecimento do ser heróico como uma pessoa independente no mundo
que o cercava. A independência imaginada por ele incluía a conquista de um objetivo e de
uma companheira e abarcava não a rejeição de seus genitores, mas a auto-suficiência do
herói. O herói para Rank era o filho de pais importantes, geralmente da realeza. Sua origem
era precedida por dificuldades, podendo até seu nascimento ser motivado por relações
incestuosas ou proibidas. Durante a gestação ocorria uma profecia por meio de um sonho
ou por oráculo, no qual era dito que o pai poderia morrer nas mãos do futuro filho que
nasceria. Em seguida, a criança já nascida era lançada a água em uma caixa, sendo salva
por animais, e entregue a um casal humilde. Depois de crescer, ele reencontrava seus pais
verdadeiros, se vingava de seu pai, matando-o, e era reconhecido, finalmente adquirindo
cargos e honra.327 Sempre o herói era uma figura masculina e passava a ser herói, pois a

325
Idem.
326
RANK, Otto. The Myth of the Birth of the Hero. New York: Journal of Nervous and Mental Disease
Publishing, 1909.
327
Ibidem, p. 57.
92

partir da obscuridade alcançava o objetivo maior, o trono. Ele era uma vítima inocente de
seus pais e do destino. A morte do pai era justificada, pois ele apenas eliminou quem o
desejou eliminá-lo. Inconscientemente ou simbolicamente ele era herói, não por que
alcançou o trono, mas por que ousou matar o pai. O parricídio era intencional e a causa não
era vingança, mas sim frustração sexual, apontou Rank, em um estilo típico freudiano. Sua
mãe era o seu desejo e seu pai um obstáculo. O herói procurava poder e não incesto. A
conquista do trono era o ápice para o herói mítico, segundo Rank328.
Rank não se preocupou com a relação entre o mito e o ritual. O mitólogo inglês
FitzRoy Richard Somerset Raglan, ou Lorde Raglan (1885-1964), ao contrário,
correlacionou o mito do herói aos rituais, sendo assim considerado um mitólogo ritualista.
Para ele o herói mítico era levado por sua comunidade e em um ato ritual era sacrificado
por essa mesma comunidade. O herói podia, também, ser um rei humano ou divino. Esse
herói rei seria sempre do sexo masculino. Raglan indicou um padrão que perseguia o herói
de seu nascimento até a sua inevitável morte em 22 passos que cobria toda a sua vida. Seus
pais eram reis e aparentados e as circunstâncias de seu nascimento eram pouco claras sendo
considerado filho de um deus. No seu nascimento o pai ou o avô tentava matá-lo, no
entanto ele conseguia sobreviver e era criado por pais adotivos em um lugar distante.
Durante a sua infância e adoslescência nada lhe foi dito de sua origem e ao atingir a idade
adulta viajou a um reino afastado. Entrou em luta contra o rei da região ou contra um
gigante ou dragão e o matou. Casou-se com a princesa local, normalmente a filha do rei
morto por ele e se transformou em rei. Durante certo tempo reinou e praticou a justiça, no
entanto, com o tempo perdeu as boas graças com os deuses e súditos e foi destronado,
afastando-se do reino. A morte o colheu em condições misteriosas, normalmente em um
monte. Seus filhos não o sucederam no trono e seu corpo permaneceu sem um enterro
digno, entretanto ele teve uma ou mais sepulturas ou locais de veneração sagrados, sendo
assim considerado posteriormente herói329.
Raglan, então, procurou apontar essas regularidades com heróis míticos tais como
Édipo, Teseu, Rômulo, Heracles, Perseu, Jazão, Bellerophon, Pelops, Dionísio, Apolo,
Asclépio, Zeus, José, Moisés, Elias, Watu Gunung, Nykang, Sigfried, Arthur, Llew

328
SEGAL, op.cit. p. 14 e 15.
329
RAGLAN, Lord. The Hero. A Study in Tradition, Myth and Drama.. New York: Dover, 2003, p. 175.
93

Llawgyffes e Robin Hood.330 A simbiose entre o ritual e o mito é perceptível. No mito o


protagonista é humano, no ritual é divino. No mito a trama segue de seu nascimento até sua
misteriosa morte, no ritual apenas é discutida a morte do rei antagonista. Ao analisar esses
aspectos, Raglan apontou que “a conclusão a que se chega é que o deus é o herói como
aparece no ritual e o herói é o deus como aparece no mito, em outras palavras o herói e o
deus são dois diferentes aspectos do mesmo ser humano”.331 Para Raglan os heróis eram
heróicos por que querendo ou não eles serviram as suas comunidades, por meio de suas
vitórias. Sem o herói a sua comunidade simplesmente morreria.332
Diferentemente da visão freudiana do herói mítico, Carl Jung (1875-1961) procurou
compreender esse fenômeno de outra maneira. O mito do herói para ele era mais comum e
conhecido, sendo encontrado desde a Grécia Clássica, em Roma, na Idade Média, Extremo
Oriente e entre as tribos primitivas contemporâneas. Relatos da mesma estória do herói
nascido humilde tornaram-se comuns, tais como uma precocidade incrível na infância e
juventude, tomada de poder e notoriedade, um embate titânico contra as forças do mal,
erros cometidos, orgulho desmedido, declínio e por fim um sacrifício ‘heróico’, advindo a
morte. Apareciam nas estórias sempre guardiões que os auxiliavam a realizar as tarefas
heróicas, compensando uma aparente fragilidade, como, por exemplo, na lenda de Teseu
que tinha como guardião Poseidon. Em verdade para Jung esses personagens divinos eram
representações simbólicas da psique humana, desenvolvendo no indivíduo a consciência do
ego. Cada ciclo do herói era correlacionado ao desenvolvimento de sua consciência do ego
e a imagem do herói evoluía de modo a refletir cada estágio da evolução da personalidade
humana.333 Um exemplo típico dessa evolução do herói junguiano foi o ciclo heróico dos
winnebagos, uma tribo de índios norte-americanos publicado pelo pesquisador Paul Radin
em 1948. Nesse estudo Radin observou que esse ciclo heróico passava por quatro etapas
distintas em uma clara progressão do mito desde o conceito mais primitivo de herói até o
mais sofisticado. Essa progressão era idêntica em outros ciclos heróicos, daí o interesse em
discuti-los. Radin observou existirem o ciclo Trickster que correspondia ao primeiro ciclo
de vida do herói, o mais primitivo, no qual esse personagem só queria satisfazer seus

330
Ibidem, p. 184.
331
Ibidem, p. 203.
332
SEGAL, op.cit. p. 26.
333
HENDERSON, Joseph. Os mitos antigos e o homem moderno. In: JUNG, Carl. O Homem e seus símbolos.
2.ed. Trad: Maria Lúcia Pinho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p. 144.
94

desejos mais primários, sendo cruel, cínico e insensível. Ele começava como um animal,
evoluindo para a forma humana ao final do ciclo. O segundo ciclo chamado de Hare
indicava o herói transformador, uma espécie de ‘herói da cultura’334. Esse personagem era
mais civilizado que o Trickster, corrigindo os impulsos infantis e malévolos do ciclo
anterior. O terceiro ciclo era chamado de Red Horn e o herói atendia os requisitos de um
heroísmo arquétipo335, vencendo seus adversários em provas difíceis e em batalhas. Suas
vitórias eram obtidas pela astúcia ou pela força. Ele possuia um guardião na figura de um
pássaro-trovão cuja força auxiliava as realizações de Red Horn. Chegava-se nessa fase ao
mundo essencialmente humano, logo para os winnepagos a felicidade e segurança
começaram a ser ameaçadas nesse ciclo. Por fim, o último ciclo chamado de Twins no qual
podia-se perguntar, por quanto tempo os humanos poderiam sucumbir a seu próprio
orgulho e ambição, tornando-se vítimas de si próprios? Eles eram gêmeos, porém
constituiam uma só pessoa. De um lado um herói conciliador, introvertido, pacato e sem
iniciativa, de outro um herói extrovertido, dinâmico, rebelde, capaz de grandes realizações.
A todos, os gêmeos derrotaram e nada os impediu de ultrapassar todos os limites possíveis
razoáveis, chegando a ameaçar a perpetuação do universo. Seu ciclo heróico deveria
terminar. A morte dos heróis era o castigo merecido. O sacrifício ritual era a punição para o
orgulho e afronta dos heróis. A morte era a única solução possível. Os twins assustados
com tal desígnio concordaram em viver em estado de repouso permanente, em uma morte
ritual.336 Essa concepção junguiana do ciclo heróico foi muito apropriadamente discutida
por um de seus mais importantes discípulos, Joseph Campbell (1904-1987).
O norte-americano Joseph Campbell, baseando-se nos estudos conduzidos por Carl
Jung e em mitologia comparada, percebeu que todos os mitos do herói nas sociedades
primitivas eram basicamente os mesmos, recontados com variadas interpretações. Para ele
o herói era alguém que doava a sua vida, podendo ser um homem ou uma mulher, para
atingir algo maior. Existiam dois tipos de façanhas heróicas, a primeira uma façanha física
no qual o herói realizava um ato de coragem em batalha e salvava uma vida. Outro tipo de
façanha era espiritual, no qual o herói aprendia a experimentar a vida espiritual humana e

334
Ibidem, p. 146.
335
Arquétipo para Jung significava uma tendência instintiva a formar representações de um motivo,
originadas na consciência humana, sendo assim uma impressão ou imagem dessas representações em nossa
consciência. A figura do herói seria um arquétipo, por exemplo. Fonte: Ibidem, p. 83 e 90.
336
Ibidem, p. 147.
95

voltava com uma mensagem.337 Existia por detrás dessa façanha um objetivo moral que era
o de salvar uma sociedade ou pessoa, ou mesmo uma idéia e dessa forma o herói se
sacrificava para atingir esse objetivo.338 Esses mitos heróicos seguiam ciclos envolvendo a
sua partida, sua iniciação e por fim o seu retorno. Para Campbell o herói começava sua
jornada na segunda parte de sua vida, sem especificar uma idade definida. O seu herói não
necessitava ser de origem real como o de Rank. O herói deveria procurar sua jornada em
uma terra distante, em um novo mundo, em um outro reino e os personagens constantes da
aventura do herói eram arquétipos. Seu herói necessitaria, para completar sua jornada,
ultrapassar 17 etapas e retornaria para casa para libertar outros humanos339. Sua jornada
começaria com sua partida. Nela o herói seria chamado à aventura e iria cumprir um evento
que mudaria sua vida completamente. Nessa fase o herói poderia ter o auxílio de um ou
mais mentores, normalmente mais velhos que atuariam como figuras protetoras contra as
forças malévolas que em breve o herói iria enfrentar340. Prosseguindo, ele encontraria as
trevas, o desconhecido e o perigo. A partir desse ponto alguns guardiões tentariam bloquear
sua passagem, contudo o herói deveria ultrapassá-los, de modo a prosseguir na aventura e
em sua jornada. O herói então se prepararia para o mundo especial dos testes, provas e
desafios de modo a enfrentar as provações que viriam à frente na próxima fase.
Iniciaria, então, a segunda fase de sua jornada com seis etapas a serem vencidas. O
herói deveria enfrentar nessa fase a primeira grande provação que poderia lhe retirar a vida.
Ele estaria face a face com a morte e como tal deveria vencê-la para prosseguir sua jornada.
Esse seria um momento crítico no qual a morte poderia alcançar o herói. Os testes o
prepararam para a vitória e só a vitória contaria. Também nessa fase o herói encontraria a
deusa na figura de mulher que representava na linguagem pictórica da mitologia a
totalidade do que podia ser conhecido. O herói aprenderia com ela. A deusa atrairia e
guiaria o herói, sendo do sexo feminino a guia para o sublime auge da aventura sexual. O
seu encontro com essa deusa seria o teste final do talento de que o herói seria dotado para
obter o amor.341 Nesse ponto da aventura o herói seria tentado por uma mulher voluptosa e

337
CAMPBELL, Joseph. The Power of Myth. New York: Doubleday, 1988, p.123.
338
Ibidem, p. 127.
339
CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. Trad: Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Pensamento, 2007,
p. 40.
340
Ibidem. p. 74.
341
Ibidem. p. 119.
96

não poderia permanecer inocente diante dos desígnios da carne, pois “ela [a mulher]
tornou-se a rainha do pecado”.342 Campbell ilustrou essa etapa com o exemplo de Santo
Antonio que foi perturbado por alucinações sexuais perpetradas por demônios femininos
que se viram atraídos pela magnética solicitude e humildade do santo. Aparições dessa
ordem com quadris irresistíveis, seios a mostra são conhecidas em muitos mitos do herói.343
Mônica Martinez aponta nessa etapa que o herói não deveria pender apenas para a
satisfação sexual com a mulher, de modo a experimentar os prazeres carnais, ao mesmo
tempo em que não deveria sublimar o desejo erótico envolvido nesse encontro, anulando
seus desejos afetivos e sexuais em troca de uma vida mais espiritualizada.344 Um
balanceamento de desejos seria auspicioso para o herói. Nas próximas etapas dessa fase o
herói já conseguiu vencer as provações e sobreviveu a morte. Ele estaria mudado. Ele não
se limitaria a encarar a morte e voltar para casa. Estaria ele transformado, modificado após
enfrentar a morte. Segundo Christopher Vogler, após passar por essa zona, muitas vezes
nos limites da morte, o herói renasceria e nada seria mais igual345. A proximidade da morte
tornaria a vida mais real.346 A partir desse ponto teria início a terceira fase de sua jornada, o
retorno. Ele deveria retornar para transmitir o conhecimento adquirido para a humanidade.
Ele poderia ser perseguido por inimigos ainda latentes que tentariam impedir seu regresso e
uma fuga intrépida seria necessária. O percurso de regresso atingiria seu ponto máximo.
Seria a difícil passagem que o levaria do reino místico à terra real. Ele deveria passar por
um limiar para transmitir a sociedade aquilo que ele realizou e aprendeu. A etapa seguinte,
depois de ultrapassado esse limiar, indicaria o ponto alto de sua jornada. Embora estivesse
próximo de completar sua aventura, ele ainda poderia morrer. Seria o último e mais
perigoso encontro com a morte.347 Nessa etapa o herói necessitaria passar por uma
purgação final, uma purificação antes de ingressar de volta no mundo do qual partiu.348 Ele
então venceria a morte mais uma vez e se purificaria. No entanto poderia ocorrer o
contrário. Nesse último encontro com a morte, o herói, no entanto, poderia ser abatido e
morto. O destino o alcançou finalmente no penúltimo degrau de sua jornada, no entanto,

342
Ibidem, p. 123.
343
Ibidem, p. 125.
344
MARTINEZ, Mônica. Jornada do Herói. São Paulo: Annablume, 2008, p. 97.
345
VOGLER, Christopher. A Jornada do Escritor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011, p. 262.
346
Ibidem, p. 263.
347
MARTINEZ, op.cit. p. 104.
348
VOGLER, op.cit. p. 313.
97

seu conhecimento e exemplo seriam considerados na última etapa de sua jornada.


Vencendo a morte, o herói regressaria trazendo todo o conhecimento de sua jornada, suas
aventuras e vitórias para a sociedade. Christopher Vogler indicou, no entanto, que a morte
atingindo o herói não significaria o fim da jornada na etapa anterior. Haveria sempre um
aprendizado, uma experiência a ser transmitida com a morte do herói.349 Disse Campbell
que o herói não seria herói se temesse a morte. Segundo ele “a primeira condição do
heroísmo é a conciliação com o túmulo”.350 Complementando, afirmou que “o herói que em
vida representava a perpectiva dual ainda é, depois de sua morte uma imagem síntese...ele
apenas dorme e se levantará na hora que o destino o determinar ou estará entre nós sob
outra forma”.351
A sociedade precisa de heróis por que necessita de imagens referenciais para manter-
se unida, para dirigir-se em uma determinada direção e para operar como um corpo
uníssono, afirmou Campbell.352 A lembrança de seus atos e suas realizações em prol de
uma idéia ou de um princípio, estará sempre presente, e sua imagem entre nós permanecerá
sob outra forma, a admiração pela morte do herói defendendo esse princípio. Essa é a
essência e a razão de ser do estudo do heroísmo.
Horatio Nelson foi considerado um herói no Reino Unido, no entanto para se
compreender suas realizações como percebidas por Sir John Knox Laughton e Alfred
Mahan, deve-se mergulhar no mundo no qual ele pertencia para entender suas motivações,
cultura e modos de pensar. Torna-se assim necessário discutir a RN no seu período de vida.

349
Ibidem, p. 348.
350
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. op.cit. p, 339.
351
Ibidem, p. 342.
352
CAMPBELL, Joseph. The Power of Myth. op.cit. p. 134.
98

CAPÍTULO 2

A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON

O historiador inglês Gerald Graham disse, com propriedade, que o comando do mar,
como o almirante Mahan tão freqüentemente repetia, era algo exclusivo; ele não podia ser
dividido e só se aplicava a uma nação de cada vez.353 No século XVIII o comando do mar
pertenceu à Grã-Bretanha (GB) e somente a ela. Desde a Guerra de Sucessão da Espanha
até as Guerras Napoleônicas, no final desse século, o poder naval britânico se fez presente
no Atlântico, Mediterrâneo, Índico e Pacífico, estendendo e estabelecendo o que viria a ser
“o vasto império no qual o sol nunca se põe e cujas fronteiras a natureza ainda não
determinou”354, segundo palavras de Sir George Macartney355.
Horatio Nelson nasceu em 1758, dois anos depois do início da Guerra dos Sete Anos,
o que para Paul Kennedy foi a mais decisiva vitória da GB em guerra como estado-
nação.356 Com 12 anos de idade entrou para a RN e lá permaneceu até sua morte em 1805.
Nelson viveu o auge do poderio naval britânico. Ele conviveu em uma comunidade com
seus costumes, tradições e linguagens próprios, algumas vezes contrastantes com a
chamada sociedade “civil”357 inglesa. Nesse mundo ele se criou, viveu, amou e acabou
morrendo em combate.
O que se pretende discutir neste capítulo é a constituição da RN, de forma a se
compreender o universo no qual Nelson estava inserido. Inicialmente pretende-se
apresentar o panorama político europeu, com enfoque na guerra no mar a partir da Guerra
de Sucessão da Espanha no início do século XVIII até a Guerra dos Sete Anos, último

353
REYNOLDS, Clark. Command of the Sea. The History and Strategy of Maritime Empires. New York:
William Morrow, 1974, p. 211..
354
FERGUSON, Niall. Império. Como os britânicos fizeram o Mundo Moderno. São Paulo: Planeta, 2010, p.
58.
355
Sir George Macartney, primeiro conde Macartney nasceu em 1737 e morreu em 1806, tendo sido um
diplomata e administrador britânico competente. Ficou conhecido por essa expressão.
356
KENNEDY, Paul. The Rise and Fall of British Naval Mastery. London: Penguim, 2004, p.97.
357
Segundo Ronald Jacobs “sociedade civil” se refere a todos os lugares em que indivíduos se reúnem para
conversar, defender interesses comuns e ocasionalmente tentar influenciar a opinião ou as políticas públicas.
Em muitos aspectos, a sociedade civil é onde as pessoas passam o tempo quando não estão no trabalho ou
em casa. Fonte: SCOTT, John. Sociologia: conceitos-chave. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 199.
99

grande conflito antes da entrada Nelson no mundo naval, para em seguida discutir-se a
própria constituição da RN.
Essa discussão será dividida em três blocos temáticos. O primeiro, abarcando a
organização naval, seus meios de combate, órgãos de apoio e construção naval. Em
seguida, pretende-se discutir os recursos humanos, os modos de entrada na RN de oficiais e
praças, o recrutamento e as tarefas a bordo. Por fim, serão apresentadas a vida cotidiana nos
navios da armada e as táticas de combate, muitas das quais fizeram Nelson se sobressair
entre seus pares.
Essa apresentação se faz necessária, na medida em que muito do que será discutido da
vida de Nelson por Sir John Laughton e Alfred Mahan está referenciado neste capítulo.

2.1- O século XVIII e a emergência do poder naval britânico:

Desde o século XVI a Inglaterra vinha se sobressaindo nos assuntos europeus. Em


três guerras no século XVII contra os holandeses pelo comércio marítimo, os ingleses se
estabeleceram como um poder naval a ser considerado na Europa. Pode-se admitir que os
ingleses atuaram como corsários contra os espanhóis no século XVI, mercantilistas contra
os holandeses no século XVII e dominadores contra os franceses no século XVIII. A
França passou a ser o grande antagonista nesse último século.
Os interesses comerciais ingleses e depois britânicos após o Ato de União com a
Escócia em 1707358 se expandiram, assim como suas colônias, tanto na América como no
Mediterrâneo, no Índico e no Pacífico. Segundo Alfred Mahan, a GB contava com fatores
positivos ou vantagens que a levaram a dominar os mares naquele período.

358
Durante os séculos XVI e XVII a Inglaterra era representada pelo pavilhão da Cruz de São Jorge, santo
padroeiro desse país, consistindo de uma bandeira branca com uma cruz vermelha. Com a união dos
parlamentos inglês e escocês em 1707 foi assinado o Ato de União, formando a Grã-Bretanha (GB). Sua
bandeira foi novamente modificada, incluindo-se a cruz escocesa branca de seu padroeiro São André em um
fundo azul ao pavilhão anterior. A Inglaterra foi colocada acima da bandeira escocesa por ser mais antiga.
Essa bandeira foi chamada de Union Flag. Em 1801 a cruz de São Patrício, patrono da Irlanda, foi adicionada
à Union Flag, representando a união da GB à Irlanda, sob domínio britânico. Formou-se então o Reino Unido
ou United Kingdom (UK). Fonte: HICKOX, Rex. All you wanted to know about 18th Century Royal Navy.
Bentonville: Rex Publishing, 2005, p. 92.
100

Primeiramente sua posição geográfica359 insular favorecia sua expansão marítima.


Por não contar com fronteiras terrestres passíveis de invasão, a GB tinha vantagens em
relação à França, Espanha e Holanda, vulneráveis em suas ligações por terra. Uma invasão
da ilha demandaria forçosamente o domínio do Canal da Mancha, fato não permitido pelos
ingleses. Além disso, sua posição geográfica em frente às linhas de comunicação no Canal
da Mancha e no Mar do Norte permitia concentrar ou dispersar suas forças navais
dependendo do tipo de ameaça presente no momento. Outra vantagem perceptível era sua
posição central em relação à Holanda e à França, possibilitando o deslocamento de forças
navais para leste ou oeste dependendo da ameaça e impedindo a união das duas esquadras
antagonistas em caso de coalização contra os seus interesses. Não deve ser esquecido que a
conquista de Gibraltar pela Inglaterra durante a Guerra de Sucessão da Espanha em 1704
impedia, da mesma maneira, a junção das esquadras francesas de Brest e Toulon e das
esquadras espanholas do Atlântico e do Mediterrâneo. Outras bases nas Índias Ocidentais e
Orientais, assim como no próprio Mediterrâneo, permitiam pontos de abastecimento para as
marinhas mercante e de guerra, além de pontos estratégicos fundamentais para a imposição
do seu domínio do mar.
Uma segunda vantagem da GB era sua conformação física360 com numerosos portos
de águas profundas como Portsmouth, Sheerness, Chatham e Plymouth. Esses portos, além
de bem constituídos, eram bem defendidos contra ataques provindos do mar. Ademais, o
acesso do interior do país para esses portos era facilitado, em razão das boas estradas que
permitiam a agregação de bens nesses portos para exportação, como da importação de
produtos provenientes principalmente de suas colônias.
Uma terceira vantagem era sua extensão territorial361 com um bom comprimento de
costa marítima. Essa extensão deveria ser combinada com a população lá residente. Uma
grande extensão com parca população era um fator de fraqueza, assim essa vantagem
deveria ser combinada com a população lá localizada. A GB contava com uma boa
quantidade de população nos e nas imediações dos grandes portos.

359
MAHAN, Alfred Thayer. The Influence of Sea Power upon History 1660-1783. New York: Dover, 1987,
p. 29.
360
Ibidem, p. 35.
361
Ibidem, p. 42.
101

Uma quarta vantagem apontada por Mahan era o tamanho da população362 residente
na GB. Não importava para ele o tamanho absoluto da população, mas sim o relativo ligado
às lides marinheiras e nesse grupo encontravam-se marinheiros da marinha mercante,
combatentes da RN, pescadores, agentes marítimos, operários de indústrias marítimas e de
outras atividades ligadas ao mar. Esse contingente serviria, também, como reserva
mobilizável em caso de conflito. Ele comparou a França com a GB e apontou que a
população da primeira era bem maior que a britânica, no entanto era bem menor, quando
ligada ao mar, o que, em relação ao poder naval, se traduzia em inferioridade.
Uma quinta vantagem da GB era o que Mahan chamou de caráter nacional363, isto é
a propensão que um povo tinha para o comércio marítimo. O amor pelo lucro era a
motivação e nesse fator os ingleses tinham ampla vantagem em relação aos seus
contendores espanhóis e franceses. Embora os ibéricos no século XVI tivessem como
motivação a descoberta de ouro e prata no Novo Mundo, esse impulso se transformou em
avareza364, uma vez que essa iniciativa não se traduziu em comércio florescente e assim sua
marinha não obteve os créditos necessários para desenvolver a navegação comercial e sua
correspondente proteção. Os ingleses eram, ao contrário dos espanhóis, “homens de
negócio, comerciantes, produtores e negociantes”365, segundo palavras de Mahan. A
necessidade de comerciar foi algo inerente aos ingleses e assim o mar foi o caminho natural
para essa atividade. Do comércio para a conquista de colônias foi um passo. A colonização
tinha como objeto principal o comércio. Para ele o caráter do colono inglês e não o
incentivo governamental foi o princípio do desenvolvimento colonial e assim do comércio.
A última vantagem da GB foi o caráter dos governos366 do período. A Inglaterra e
depois a GB contou com estadistas como Cromwell que estabeleceu o Ato de Navegação de
1651, privilegiando o transporte comercial inglês em detrimento dos holandeses que não
viram outra alternativa que não a guerra contra a Inglaterra por três ocasiões distintas.
Embora tivessem, em algumas passagens, obtido sucesso, os holandeses se encontraram
exaustos ao final da Terceira Guerra Holandesa. A união das coroas inglesa e holandesa em
1688 veio a praticamente anular a rivalidade comercial entre ambos estados. Outros

362
Ibidem, p. 44.
363
Ibidem, p. 50.
364
Idem.
365
Ibidem, p. 52.
366
Ibidem, p. 58.
102

estadistas privilegiaram o poder naval britânico, mantendo os recursos necessários para a


proteção de suas linhas de comércio marítimo como William Pitt, notável político inglês
que percebeu a importância que o mar tinha para a GB e carreou recursos para a expansão
da RN.
Com todas essas vantagens, a GB tinha todos os ingredientes para desafiar qualquer
contendor no século XVIII.
Logo no início do século houve a Guerra de Sucessão da Espanha entre 1702 e 1713
em razão da sucessão dinástica na Espanha. Luis XIV desejava impor seu neto Felipe como
sucessor de Carlos II, o último monarca Habsburg da Espanha, que faleceu sem deixar
herdeiros diretos. A união das coroas da França e da Espanha bourbônica não interessava a
diversos países europeus que viam nessa manobra um perigo para a estabilidade política.
Assim, uma coalizão de estados foi formada para se contrapor a essa medida. A Inglaterra
se aliou ao Santo Império Romano, sob um rei Habsburg, a Holanda, Portugal367, Prússia e
o Ducado de Sabóia contra a França de Luis XIV, que contou com a Espanha ligada a
Felipe e o Eleitorado da Baviera.
Os combates se deram basicamente nos Países Baixos e na própria Espanha e foram
essecialmente terrestres, com repercussões na América do Norte e nas Índias Ocidentais. O
poder naval inglês teve a tarefa de impedir que forças navais francesas conquistassem
territórios espanhóis nas Índias Ocidentais e interferissem direta ou indiretamente no
comércio da Inglaterra com essa região, ao mesmo tempo em que pretendeu garantir os
privilégios comerciais conseguidos de acordos com o falecido rei espanhol Carlos II.368
Os ingleses utilizaram o seu poder naval para isolar a França de suas colônias e por
conseguinte anular seu comércio marítimo, aguardando a decisão militar no continente.
Tais ações levaram Luis XIV a dispender grandes recursos no continente sem receber o
fluxo logístico marítimo para a manutenção de seus exércitos, o que quase o levou à
falência.
A necessidade de manter uma poderosa esquadra inglesa no Mediterrâneo, de modo a
influenciar as operações na Península Ibérica e vigiar a frota francesa em Toulon, se tornou

367
Data desse período o conhecido Tratado de Methuen de 1703 entre Portugal e Inglaterra que praticamente
cedeu o comércio português a esse último estado. O ouro explorado no Brasil foi enviado a Londres o que,
segundo Mahan, foi uma vantagem enorme que auxiliou materialmente a manutenção da guerra no continente
e a própria RN. Fonte: Ibidem, p. 206.
368
Ibidem. p. 204.
103

fundamental. A conquista de uma base para seus navios tornou-se premente e necessária. A
conquista de Gibraltar em 1704 pela Inglaterra foi um duro golpe em Luis XIV, que se viu
impedido de unir as suas duas grandes esquadras localizadas em Brest e Toulon. Não
satisfeito, o rei francês enviou forte esquadra para recapturar Gibraltar, ocorrendo então a
batalha de Málaga, indecisa, o que foi vantajosa para os ingleses que se apossaram da
‘Rocha’ definitivamente. Não satisfeitos, os britânicos conquistaram Minorca e seu porto
de águas profundas, Port Mahon, em 1708, um excelente local para bloquear a base de
Toulon. Além dessas conquistas, os britânicos tomaram a Nova Escócia, a Terra Nova, e
territórios na Baía Hudson na América do Norte, todos à custa da França.369 Além disso, os
espanhóis cederam direitos de exploração do comércio de escravos na América espanhola
por trinta anos. O Império Espanhol foi mantido, no entanto foram perdidos territórios nos
Países Baixos, Nápoles, Milão e Sardenha para a Áustria, a Sicília e partes da Itália para a
Sabóia.
A paz foi assinada em 1713 e 1714 pelos Tratados de Utretch e Rastaff
respectivamente. A França saiu exausta da guerra e perdeu diversos territórios, embora
tenha conseguido impor Felipe como rei da Espanha, sem, no entanto, unir as coroas e
reinvidicar qualquer pretensão ao trono francês.
Os franceses, durante esse conflito, abdicaram da batalha naval em prol de ataques ao
comércio marítimo inglês, o que, ao final da guerra, não teve a eficácia esperada. A GB
saiu do conflito fortalecida e com uma dominação marítima incontestável. Sua estratégia de
manter tropas aliadas lutando no continente europeu, com o mínimo de tropas inglesas
engajadas nos combates terrestres e a utilização de forças navais para bloquear os inimigos
no mar e proteger seus interesses comerciais, foi uma marca mantida durante todo esse
período, com exceção da Guerra de Independência dos Estados Unidos da América e das
campanhas napoleônicas.
A GB era, a partir daquele instante, um poder naval mediterrâneo e atlântico. Sua
armada e marinha mercante cresceram às custas da França. Segundo o historiador Bryan
Ranft “esses foram os frutos de uma estratégia global no qual o poder naval, aliado ao

369
POTTER, E.B. Sea Power. A Naval History. 2.ed. Annapolis: Naval Institute Press, 1982, p. 20.
104

gênio militar de Marlborough370, trouxe uma capacidade decisiva de atacar seus inimigos
em locais e ocasiões que escolhesse”.371
O próximo conflito que envolveu diretamente o poder naval britânico foi a Guerra da
Orelha de Jenkins ou Guerra Espanhola de 1739. Essa guerra envolveu a Espanha e a GB,
em razão da primeira insistir em revistar navios britânicos nas Índias Ocidentais, o que
contrariava interesses da GB no comércio de escravos com suas colônias. O nome do
conflito é bem sugestivo e merece um comentário. A guerra efetivamente foi declarada em
razão da apresentação no Parlamento de um comandante da marinha mercante britânica
Robert Jenkins que alegou ter sido aprisionado pelos espanhóis em 1731 e que durante o
seu cativeiro teve uma de suas orelhas decepada pelos espanhóis, o que provocou imediatos
protestos e indignação popular contra a Espanha. O que, no entanto, estava por detrás desse
fato eram razões de ordem comercial.
Um evento interessante nessa guerra foi a derrota de forças britânicas em 1741 que
tentaram um desembarque anfíbio em Cartagena de las Índias, defendida por um almirante
espanhol cego de um olho, sem um braço e manco, porém extremamente valente. Seu nome
Blaz de Lezo. Um pouco antes, em 1739, o almirante inglês Edward Vernon atacou Porto
Bello, uma cidade espanhola exportadora de prata no Panamá e a ocupou durante um
período de tempo. Outra façanha de grande repercussão foi a viagem de circunavegação do
comodoro George Anson, que tinha o propósito de atacar as possessões espanholas no
Pacífico em 1740. Essa viagem levou cerca de três anos para ser concluída e apesar das
inúmeras mortes de marinheiros britânicos por doenças, ela pode ser considerada uma
vitória, em razão do apresamento de um galeão espanhol nas Filipinas, abarrotado com um
milhão de moedas de ouro. Anson seria, posteriormente, indicado para ser o Primeiro Lorde
do Almirantado em razão de suas conquistas. Nessa guerra a França manteve-se neutra.
Esse conflito foi seguido imediatamente pela Guerra de Sucessão da Áustria com maiores
repercussões em 1740.

370
John Churchill, primeiro duque de Marlborough nasceu em 1650 e faleceu em 1722. Foi um general inglês
que se distinguiu na Guerra de Sucessão da Espanha. Venceu as batalhas de Blenheim em 1704 e Ramillies
em 1706 contra os franceses. Segundo o historiador Sir John Keegan “existem boas razões para considerar
Marlborough um dos grandes soldados da GB, uma vez que inexiste talento que ele não possuísse. Ele tinha a
imaginação e o comando detalhado para planejar uma grande estratégia”. Fonte: KEEGAN, John;
WHEATCROFT, Andrew. Who is who in Military History. London: Routledge, 1996, p. 188.
371
RANFT, Bryan. War of Spanish Sucession. In: KEMP, Peter. History of the Royal Navy. London: Arthur
Barker, 1969, p. 49.
105

A Guerra de Sucessão da Áustria se iniciou sob a alegação de que Maria Teresa não
poderia suceder seu pai Carlos VI, rei da Áustria, em razão da lei sálica que determinava
que somente poderiam assumir tronos varões sucedendo seus genitores, uma desculpa
conveniente por parte da França e da Prússia que queriam contestar a dominação Habsburg
na Áustria. Carlos VI, por meio de concessões diplomáticas, conseguiu garantir, por todas
as potências européias, um testamento solene conhecido como “Sanção Pragmática”, no
qual se estabelecia que “os estados da Áustria seriam sempre indivisíveis e que a falta de
filhos sucederiam filhas pela ordem da primogenitura”372. Apesar disso, logo após a sua
morte, o Eleitor da Baviera reclamou o trono e Frederico II da Prússia invadiu a Silésia,
dando início à contenda. Imediatamente a Áustria se aliou à GB, a Hanover, Holanda,
Sardenha, Rússia e Saxônia após 1742 contra a França, Prússia, Suécia, Gênova, Sicília,
Baviera, Nápoles, Espanha e Saxônia até 1742.
A GB utilizou o seu poder naval contra as forças francesas e espanholas, em especial
na América do Norte e na Índia, embora o principal interesse estivesse no Mediterrâneo e
nas águas em torno das ilhas britânicas. A batalha naval de Toulon travada em 1744 foi
uma oportunidade perdida pela RN para derrotar as esquadras da França e da Espanha que
ameaçavam as possessões austríacas na Itália. O resultado da contenda foi indeciso, em
razão da falta de coordenação entre os almirantes ingleses, o que resultou no
estabelecimento de uma corte marcial contra o almirante Thomas Mathews que foi
considerado culpado, multado e dispensado do serviço ativo.
No ano seguinte, a França preparou uma invasão da Inglaterra, em apoio ao
pretendente Stuart ao trono inglês, príncipe Carlos, já firmemente estabelecido na Escócia.
Imediatamente a RN realizou incursões nos portos franceses na Mancha e abortou essa
empreitada. Ao final, Carlos acabou derrotado e abandonou sua pretensão ao trono inglês.
Dessa maneira, foi estabelecido um forte esquadrão naval britânico pronto para a ação a
ocidente do Canal da Mancha, de modo a interceptar qualquer tentativa francesa de invasão
da ilha a partir de Brest.
Em 1747 houve a batalha naval do cabo Finisterre com vitória britânica sob o
comando de Anson, no qual foram capturados seis navios franceses. Essa vitória impediu o

372
MATTOSO, Antonio. História da Civilização. Idade Média, Moderna e Contemporânea. 5.ed. Lisboa: Sá
da Costa, 1952, p. 408.
106

reforço de tropas francesas as suas colônias nas Índias Ocidentais. Nesse mesmo ano,
também próximo do cabo Finisterre, houve novo encontro naval com vitória inglesa, sob o
comando do almirante Edward Hawke, com a perda de mais seis navios por parte dos
franceses373. Ataques ao comércio foram realizados pelos dois lados, afetando
principalmente os franceses que, ao final do conflito, estavam exaustos, embora tenham
obtido sucessos na guerra terrestre. Novamente os britânicos dominaram os mares.
A Guerra da Sucessão da Áustria encerrou-se em 1748 com o Tratado de Aix-la-
Chapelle, retornando-se ao status quo ante bellum. Francisco I, marido de Maria Teresa, foi
reconhecido como imperador austríaco e a França, GB e Holanda restituíram
reciprocamente as conquistas realizadas durante as hostilidades. O único beneficiado com
territórios foi Frederico II que manteve a Silésia em poder da Prússia374.
Por cerca de apenas oito anos manteve-se a paz na Europa. Em 1756 estourou o
principal conflito do século XVIII até aquele momento, a Guerra dos Sete Anos. Paul
Kennedy, comentando sobre esse conflito, afirmou o seguinte:

Apesar das grandes potências terem lutado na Europa e em terras


longínquas anteriormente, a Guerra dos Sete Anos pode reclamar o título
de primeira guerra verdadeiramente mundial, em relação às outras
contendas anteriores, em razão da quantidade de lutas que ocorreram em
três continentes e também por causa dos dois principais contendores
alocarem uma grande importância às campanhas coloniais.375

Até aquele momento, a França havia combatido a Casa da Áustria, no entanto a


emergência da Prússia de Frederico preocupava Luis XV, além disso, a ameaça da GB às
suas prósperas colônias na América trazia intranqüilidade ao rei da França. Coalizões foram
estabelecidas. A GB se uniu a Frederico contra a sua eterna rival França, que se juntou a
Áustria que pensava readquirir a Silésia, perdida na guerra anterior, com o auxílio da
Rússia.

373
PEMSEL, Helmut. A History of War at Sea. Annapolis: Naval Institute Press, 1989, p. 66.
374
MATTOSO, op.cit. p. 410.
375
KENNEDY, Paul. The Rise and Fall of British Naval Mastery. op.cit. p. 98.
107

Em realidade, houve uma abertura de hostilidades dois anos antes da Guerra dos Sete
Anos entre tropas inglesas e francesas na América do Norte, no que ficou conhecido como
Guerras Indígenas.
Ao final, quase todos os estados europeus estavam envolvidos no conflito. Logo no
início da guerra, os franceses atacaram Port Mahon na Ilha de Minorca no Mediterrâneo. A
RN designou, então, o almirante John Byng com uma esquadra para defendê-la. Ao chegar
no local, Byng engajou os franceses, no entanto o combate foi indecisivo. Acreditando que
haveria uma ameaça a Gibraltar, Byng se retirou da região, o que provocou a queda de Port
Mahon para os franceses em 28 de junho de 1756. Essa ação foi considerada pelo
Almirantado em Londres como covardia e falta de iniciativa de Byng. Ele deveria se
manter nas águas ao redor de Minorca para impedir a chegada de reforços franceses e tentar
novo engajamento com as forças navais inimigas. O Almirantado queria um ‘bode
expiatório’ pela derrota no Mediterrâneo e Byng foi o natural candidato.
Foi então estabelecida uma corte marcial e durante o julgamento Byng foi
considerado culpado por negligência por não ter “realizado o seu máximo”376. A acusação
de covardia foi retirada, no entanto a sentença de negligência perante o inimigo requeria a
pena de morte. Diversas petições de clemência foram feitas ao rei que as negou todas. A
sentença foi então mantida: morte por fuzilamento no convés do seu próprio navio, o HMS
Monarque. A sentença foi cumprida no dia 14 de março de 1757.377
Esse evento teria um efeito aterrador sobre todos os almirantes britânicos do período e
existem questionamentos de historiadores contemporâneos da forma como foi conduzido
esse julgamento que marcou profundamente a RN. Muitos como Chris Ware consideram
que a política interna na ocasião e a própria inconsistência estratégica do Almirantado, no
que diz respeito às ações no Mediterrâneo, levaram a aquele desfecho. Para Ware, Byng era
em sua essência “um homem honrado”378.

376
A expressão inglesa de seu indiciamento foi “guilty of failing to do his utmost”. Fonte: POTTER, op.cit. p.
25.
377
Voltaire diria sobre esse trágico evento que a Marinha Real britânica gostava de vez em quanto de fuzilar
alguns de seus almirantes “para encorajar os outros”. Fonte: KENNEDY, Paul. The Rise and Fall of British
Naval Mastery. op.cit. p. 100.e WILSON, Alastair; CALLO, Joseph. Who is who in Naval History. London:
Routledge, 2004, p. 39.
378
O livro que melhor descreve esse evento dramático da RN foi escrito por Chris Ware e chama-se Admiral
Byng. His Rise and Execution. de 2009 da editora Pen and Sword.
108

Nesse período, a GB contou com uma dupla eficiente no governo. O Primeiro-


Ministro foi o Duque de Newcastle e o principal Secretário de Estado William Pitt. Ambos
compreenderam a importância do poder naval para a sobrevivência da GB e obtiveram nos
anos de 1756 a 1760 uma série de vitórias sem paralelo na história de seu país. A Pitt coube
o supremo controle das relações externas, do exército e da RN. O historiador Peter Kemp
diria que “Pitt fez tudo...ele era um administrador de primeira classe e a isso pode ser
agregado um brilhantismo estratégico que podia perceber claramente as necessidades
imediatas da guerra e os movimentos e campanhas que deviam ser conduzidas”.379 Até
1760 Pitt contou com o apoio, embora relutante, do rei Jorge II, no entanto com o
falecimento do rei e ascensão de Jorge III sua influência começou a diminuir efetivamente,
culminando, ao final, no seu afastamento em 1761.
Pitt considerou que uma campanha terrestre na Europa drenaria recursos do erário
britânico e não alcançaria os resultados esperados. Resolveu, então, patrocinar os aliados no
continente e atacou a França nos locais mais vulneráveis, isto é no seu vasto império
colonial. Seus alvos foram o Canadá, as Índias Ocidentais e a Índia. Instituiu, então, um
bloqueio naval à costa francesa, principalmente em frente a Toulon e Brest e determinou
ataques a diversos portos como, por exemplo, Rochefort, St Malo e Cherburgo, provocando
a fixação de tropas francesas no Canal e na costa atlântica e a impossibilidade de um
desembarque nas ilhas britânicas.380
Ocorreram alguns engajamentos navais entre a GB e a França durante essa guerra que
estabeleceu a primeira como “senhora dos mares”381. A batalha da Baía de Lagos em frente
a Portugal em agosto de 1759 opôs Edward Boscawen e de la Clue, com vitória para
Boscawen, praticamente varrendo os franceses do Mediterrâneo. A esse combate seguiu-se
a importante batalha da Baía de Quiberon em novembro desse mesmo ano. Do lado
britânico encontrava-se o eficiente almirante Sir Edward Hawke e do lado francês o
almirante Conflans. Ao final do encontro, os franceses perderam sete navios de linha contra
duas perdas britânicas, uma das vitórias mais famosas da RN. Essa vitória anulou por
completo a ameaça francesa em águas européias.

379
KEMP, Peter. History of the Royal Navy. London: Arthur Barber, 1969, p. 61.
380
Ibidem, p. 62.
381
Em inglês a conhecida expressão ‘mistress of the seas’.
109

No Índico os britânicos conquistaram Calcutá e Chandernagore e Robert Clive com


forças terrestres derrotou os franceses, expulsando-os da Índia. No Canadá, Louisburg,
Quebec e Montreal foram tomados pelos britânicos. Nas Antilhas, Guadalupe, Martinica e
Dominica foram capturadas por forças da GB, ao mesmo tempo em que Havana foi tomada
de forças espanholas que se aliaram à França. No Pacífico as Filipinas foram conquistadas
por forças inglesas.
Em 1763 foi assinado o Tratado de Paris entre a França e Espanha de um lado e a GB
e Portugal de outro, terminando essa guerra sangrenta. A França cedeu à GB o Canadá, a
Ilha do Cabo Bretão, Minorca, algumas ilhas das Antilhas, parte do Senegal e algumas
colônias da Índia, enquanto a Espanha entregou-lhe a Flórida382. Cinco dias depois, foi
assinado o Tratado de Hubertsburgo entre a Prússia, Polônia e Áustria, confirmando a posse
da Silésia a Frederico II. Surgia, assim, novo contendor na Europa, a Prússia de Frederico.
Essa guerra demonstrou que o comércio era um fator considerável na conduta das
operações em terrra. O comércio marítimo britânico aumentou consideravelmente. Os
franceses, por outro lado, foram virtualmente varridos dos mares pela RN, provocando uma
exaustão de seus recursos e conseqüentemente sua derrota. Gerald Graham disse que
“quanto mais se estuda a história naval francesa, mais se torna claro que os problemas
franceses [na Guerra dos Sete Anos] foram tanto psicológicos como materiais”383. A
superioridade naval britânica se estendia, também, ao campo psicológico. Ao final do
conflito, a GB emergia como o único poder naval dominante na Europa, embora tenha
perdido 1.500 homens nos combates e cerca de 100.000 baixas por doenças, principalmente
para o escorbuto.384
Alfred Mahan disse sobre o final da Guerra dos Sete Anos que “os ganhos da
Inglaterra foram muito grandes, não somente em termos territoriais, nem na dominação
marítima, mas no prestígio e posição conquistados perante outras nações, agora abertas a
seus grandes recursos e extraordinário poder”.385 Prosseguiu Mahan afirmando que “seu

382
MATTOSO, op.cit. p. 411.
383
KENNEDY, Paul. The Rise and Fall of British Naval Mastery. op.cit. p. 100.
384
PEMSEL, op.cit. p. 69.
385
MAHAN, Alfred Thayer. The Influence of Sea Power upon History 1660-1783. op.cit. p. 323.
110

poder [da GB] estava em todos os locais que seus navios alcançassem e não existia
ninguém a disputar os mares com ela”.386
Oito anos depois, em 1771, Horatio Nelson entrava na Marinha Real com 12 anos de
idade sob a indicação de seu tio capitão Maurice Suckling. Como era a RN naquele período
posterior a Guerra dos Sete Anos ? Como eram seus meios de combate, seu pessoal e sua
forma de lutar que obteve tanto sucesso contra os franceses e espanhóis?

2.2- A Marinha Real britânica no século XVIII: organização e os meios de combate.

A GB era uma monarquia constitucional, sendo o seu rei Jorge III, que não exercia o
poder absoluto, dependendo assim de um primeiro-ministro apontado por ele e um gabinete
para as funções executivas. Desde que assumiu o trono em 1760, Jorge III fazia questão de
interferir nos assuntos do gabinete, o que complicava a administração, uma vez que ele
alternava períodos de insanidade, o que se tornou permanente em 1811. Esse gabinete
possuía um primeiro lorde do Almirantado, normalmente um político escolhido pelo
primeiro-ministro e referendado pelo rei. Podia ser, também, um almirante elevado ao
pariato. A esse político cabia a condução política da RN.
A House of Commons (Câmara dos Comuns), composta de elementos conduzidos
pelo sufrágio distrital, representantes da pequena burguesia, votava a aprovação de recursos
destinados à marinha, ao mesmo tempo em que, junto com a House of Lords (Camara dos
Lordes) ou “casa superior”, debatia assuntos específicos relativos à condução política da
RN. A House of Lords era mais poderosa que a House of Commons, sendo composta de
um número pequeno de membros, geralmente pares e ricos detentores de terras.
A responsabilidade pela organização, planejamento, estratégia e a designação das
esquadras da RN cabia ao Almirantado (Admiralty Board)387. Esse órgão respondia ao
gabinete, ao qual pertencia também o primeiro lorde do Almirantado. Ao todo compunham
o Almirantado sete membros, os lordes comissários que normalmente eram almirantes, não
necessariamente pares388. Esses lordes eram chamados de “sea lords” e seu membro mais

386
Ibidem, p. 328.
387
O Almirantado ficava localizado em Londres na Whitehall.
388
FREMONT-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. Oxford: Osprey, 2007, p. 44.
111

antigo era chamado de “First President Sea Lord”389. Esse grupo de comissários era apoiado
por um grande grupo de funcionários e auxiliares que conduziam as funções executivas.
Esses sete homens, além das tarefas apontadas, exerciam o controle geral da RN, da
logística naval, da incorporação de novos meios de combate, dos fuzileiros reais, e o
comissionamento de oficiais.
Subordinados a esses sete membros encontravam-se o Navy Board, o Ordnance
Board390, o Transport Board,391 o Sick and Wounded Board392 e o Victualling Board393. O
Navy Board, responsável basicamente pela contratação e construção de navios nos arsenais
e estaleiros no país, tinha dez membros, entre oficiais e civis, e o seu chefe era chamado de
“controller of the Navy” sempre um oficial de marinha. Em verdade, o Navy Board era
quase independente do Almirantado, embora a ele se reportasse. Ao Navy Board competia,
também, a designação de suboficiais (os warrant officers) como carpinteiros, cozinheiros e
pessoal de manobra para os navios da RN.
Esses boards eram também responsáveis pela condução das operações, pessoal, docas
e arsenais, armas, munições, logística, recursos financeiros, equipamentos diversos e
quaisquer outros recursos necessários para manter a RN funcionando. A marinha de guerra
era a maior e mais custosa organização da coroa britânica.394
A esquadra era a principal organização operacional da RN. Normalmente ela se
preparava para o combate em uma linha contínua de navios, sob o comando de um
almirante, que dividia os navios na linha segundo critérios pessoais, recebendo as ordens
diretamente do Almirantado. Pela distância do centro de comando em Londres e a
dificuldade que o Almirantado tinha em transmitir ordens a esse oficial-general, ele tinha
total liberdade para tomar decisões que considerasse apropriadas. Ele tinha a

389
HICKOX, op.cit. p. 13.
390
O Ordnance Board era responsável pelo guarnecimento de todo o armamento nos navios da RN de pistolas
e armas portáteis até os canhões e caronadas. Fonte: FREMONT-BARNES. The Royal Navy 1793-1815.
op.cit. p. 48.
391
O Transport Board era responsável pela contratação de navios mercantes para o esforço de guerra. Fonte:
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. The Ships,Men and Organization 1793-1815. Annapolis: Naval Institute
Press, 1989, p. 25.
392
O Sick and Wounded Board era responsável pelos cirurgiões de bordo e sua logística, a administração dos
hospitais navais e prisioneiros de guerra. Fonte: Idem.
393
O Victualling Board era responsável pelos regulamentos e designação dos comissários dos navios (pursers)
e do apoio logístico com gêneros alimentícios e água. Fonte: Idem.
394
HICKOX, op.cit. p. 13.
112

responsabilidade suprema de defender os interesses do Império britânico e de manter,


treinar e incentivar seus subordinados, requerendo dessa maneira uma grande autonomia.
Esse almirante podia dividir sua esquadra em esquadrões subordinados, comandados
por até seis almirantes mais modernos que ele395. Normalmente um esquadrão comportava
em torno de dez navios de linha. Os esquadrões podiam, da mesma forma, dividir-se em
divisões sob o comando de almirantes modernos ou comodoros.
Cada esquadra era designada para uma área geográfica de responsabilidade e o
número de navios que compunham a esquadra variava de acordo com a importância
estratégica da área ou região. Existiam cerca de seis a oito esquadras ao final do século
XVIII, além de esquadrões independentes, destaques de fragatas e brigues em regiões com
menos importância.
A principal esquadra da RN era a Esquadra do Canal, geralmente localizada em
Portsmouth, Spithead, Torbay e Plymouth no sul da Inglaterra. Suas tarefas eram proteger
os comboios que trafegavam no Canal da Mancha, vigiar os portos franceses no canal em
especial Brest, engajando com navios franceses ou inimigos que se aventurassem na
Mancha, impedir qualquer tentativa de desembarque na GB e bloquear os portos franceses
em caso de conflito. Seus efetivos variavam, em 1795 existiam 26 navios de linha mais 17
fragatas e em 1805, ano da morte de Nelson, existiam 35 navios de linha e 16 fragatas.396
A segunda esquadra em importância da RN era a Esquadra do Mar do Norte
localizada em Yarmouth, Nore, Downs, Sheerness e Leith. Suas tarefas eram similares a da
Esquadra do Canal, uma vez que ela tinha como área de responabilidade o Mar do Norte e
o setor do Canal da Mancha a leste que chegasse às costas belga e holandesa. Em 1797
existiam 20 navios de linha mais 36 outros meios entre fragatas e brigues e em 1805 11
navios de linha e 20 fragatas.397
A terceira esquadra da RN era a Esquadra do Mediterrâneo, na qual Nelson se
destacou no Cabo São Vicente, no Nilo e em Trafalgar. Suas bases eram Gibraltar, Malta,
Port Mahon em Minorca, Lisboa e outras menores. Suas tarefas eram proteger os comboios
de interesse da GB, apoiar com apoio de fogo os aliados no Mediterrâneo, vigiar o porto
francês de Toulon e espanhol de Cadiz e bloqueá-los em caso de conflito. Sua área de

395
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 251.
396
FREMONT-BARNES. Gregory. The Royal Navy 1793-1815. op.cit. p. 15.
397
Idem.
113

responsabilidade comportava, também, a aproximação do Mediterrâneo provindo do


Oceano Atlântico. Por essa esquadra a GB impunha seus interesses aos estados
mediterrâneos. Seus efetivos variavam conforme a ameaça. Em 1795 contava com 16
navios de linha e 11 fragatas e dois anos depois aumentou os efetivos para 23 navios de
linha e 24 fragatas.398
A quarta esquadra da RN era a Esquadra do Báltico e sua importância variava
conforme o tipo de ameaça. Por exemplo, em 1801 com o estabelecimento da Liga da
Neutralidade Armada congregando a Dinamarca, Suécia e Rússia seus efetivos dobraram.
Nessa esquadra Nelson venceu a batalha de Copenhagen. Suas tarefas variavam, no entanto
a principal era a proteção dos comboios de navios mercantes que traziam madeira do
Báltico, além de “mostrar a bandeira” aos estados bálticos. Assim pode-se considerar que
essa esquadra variava de tamanho conforme a missão a ela atribuída. Em 1801, por
exemplo, era constituída por 21 navios de linha e 11 fragatas399.
A quinta esquadra da RN foi a Esquadra das Índias Ocidentais localizada em
Antigua, Barbados e Jamaica. Efetivamente essa esquadra foi dividida em dois comandos,
um nas Ilhas de Sotavento e outro em Port Royal na Jamaica. Sua importância variava
conforme o tipo de ameaça. Suas tarefas básicas eram a proteção aos comboios que saíam
das Antilhas para a GB e ataque aos corsários franceses e espanhóis que assolavam a
região. Em 1795 essa esquadra possuía cinco navios de linha e sete fragatas, aumentando
em 1805 para 3 navios de linha, 14 fragatas e 24 chalupas.400
A sexta esquadra da RN foi a Esquadra das Índias Orientais e do Cabo cuja tarefa
básica era a proteção dos interesses britânicos na Índia e na África do Sul e apoio aos
comboios que provinham dessas regiões. Suas bases eram na região da Cidade do Cabo e
em Madras e Bombaim na Índia. Em 1797 ela era composta de dez navios de linha e 17
fragatas. Em 1805 atingiu oito navios de linha401.
Existiam esquadrões menores no Mar Irlandês na base de Cork no sul da Irlanda com
cerca de um navio de linha e fragatas e brigues, dependente da Esquadra do Canal; na
América do Norte em Halifax, Nova Escócia, Terra Nova e eventualmente nas Bermudas,

398
Ibidem, p. 17.
399
Ibidem, p. 16.
400
Ibidem, p. 17.
401
Ibidem, p. 20.
114

com efetivos variados, chegando a ter três navios de linha em 1795 e por fim uma divisão
no Atlântico Sul nas costas do Brasil que em 1808 chegou a ter cinco navios de linha e três
fragatas402.

- tipos de navios que compunham as esquadras da RN:

Os navios de guerra básicos no século XVIII eram os navios de combate à vela, isto é,
os navios que compunham a linha de batalha e as fragatas. Eles eram construídos de
madeira, carvalho na maior parte, com algumas seções de metal, incluídas aí uma parte
submersa de cobre nos cascos que servia como atrator eletrolítico, ao mesmo tempo em que
congregavam micro-organismos, impedindo a acumulação desses animais em outras partes
mais vulneráveis submersas dos navios.
Os conveses dos navios eram mantidos tão baixos quanto possível, de modo a manter
o centro de gravidade o mais próximo da linha dágua, melhorando o seu desempenho e
estabilidade. Os grandes navios de linha possuíam até três conveses enquanto os menores
como as fragatas possuíam apenas um convés corrido.
Todos os navios de combate possuíam três mastros principais. O mais de vante era
chamado de mastro traquete403. O mastro localizado no centro do convés principal era
chamado de mastro grande404 e por fim o mastro mais de ré era chamado de mastro da gata
ou mezena.405 Todos esses três mastros possuíam mastaréus e vergas que suportavam velas
que quando infladas pelo vento movimentavam o navio406. O vento era então a única
propulsão disponível para esses navios. A combinação da direção de onde vinha o vento e
das angulações de mastaréus e vergas, com suas respectivas velas, determinava a direção do
deslocamento do navio. Dessa maneira a velocidade do navio à vela dependia grandemente
da direção de onde vinha o vento. Conforme o vento aumentava de intensidade era
necessário reduzir os panos, de modo a manter a estabilidade da embarcação, chegando-se

402
Ibidem, p. 13.
403
Em inglês “the fore mast”. Fonte: LIMA, Alexandre de Azevedo. Termos Náuticos. Inglês-Português. V1.
5ed. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1981, p.313.
404
Em inglês “main mast”. Fonte: Ibidem, p. 472.
405
Em inglês “mizzen mast”. Fonte: Ibidem, p. 481.
406
A altura do mastro grande do HMS Victory do convés até o tope do mastro era de 78 pés ou 24 metros. O
mastro traquete tinha 21 metros e a mezena 20 metros. Fonte: LONGRIDGE, Nepean. The Anatomy of
Nelson´ Ships. Hertfordshire: Model and Allied Publications, 1977, p. 190 e 157.
115

até ao ponto de navegar-se sem nenhuma vela, no caso de vento extremamente forte, quase
com força de furacão.407
Assim os navios de combate eram conhecidos como de 1a classe até o de 6a classe408,
dependentes da quantidade de canhões disponíveis e do número de conveses. Pelo apêndice
B) pode-se ter uma idéia das dimensões dos navios de combate do período, em relação a
tonelagem, número de canhões, conveses, tripulação409, graduação do comandante e custo
de construção.
Pode-se constatar que os grandes navios de linha de 1a classe deslocavam até 2.600
toneladas, possuindo mais de 100 canhões, dispostos nos três conveses, com uma tripulação
de cerca de 950 homens. Geralmente esses navios constituíam-se nos capitâneas de
almirantes, uma vez que possuíam acomodações específicas para esses oficiais-generais. O
HMS Victory foi o navio de 1a classe, utilizado por Nelson na batalha de Trafalgar e até
hoje se encontra preservado como museu. Eram navios muito grandes, de difícil manobra e
caros que existiam em pequenos números.
Os navios de 2a classe, também, eram navios grandes com três conveses,
transportando até 98 canhões e de difícil manobra. Podiam comportar também um
almirante. Os navios de 3a classe com dois conveses e 74 e 64 canhões eram os mais
comuns navios de linha e compunham quase a metade dos navios de linha do período. Eles
combinavam boas qualidades marinheiras e grande poder de fogo, principalmente o de 74
canhões. Eles eram, também, bem proporcionados e bons de navegação em mares
agitados410. Nelson, ainda capitão em 1793, ficou extremamente feliz ao ser designado
comandante de um navio de 3a classe, o HMS Agamemnon de 64 canhões, declarando que
“depois do tempo ruim veio o sol. O Almirantado sorriu para mim e estou tão surpreso
quanto compenetrado”.411

407
Um livro interessante que descortina a navegação à vela é a de Alberto Piovesana Júnior, Noções Básicas
sobre Navios a Vela publicado em 2006 pela Fundação de Estudos do Mar.
408
A expressão “rate” foi traduzida como classe, no entanto em inglês “class” significa navios de desenhos
idênticos, o que não era o caso para os “rated ships”. Assim, na falta de expressão mais condizente em
português optou-se por classe para “rate” em relação a quantidade de canhões e conveses. Fonte: LAVERY,
Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 40.
409
A tripulação era composta da oficialidade, os oficiais de bordo e da guarnição, os suboficiais e
marinheiros.
410
Os navios de 64 canhões não eram os mais queridos entre os oficiais de marinha ingleses, pois não
possuíam as qualidades de manobrabilidade e eficiência em combate do de 74 canhões, no entanto foram
navios muito construídos na RN. Fonte: Ibidem. p. 48.
411
LAVERY, Brian. Life in Nelson´ Navy. Gloucestershire: Sutton Publishing, 2007, p. 17.
116

O navio de linha de 4a classe com dois conveses podia ou não constar da linha de
batalha, por decisão do almirante comandante da divisão, em razão do pequeno número de
canhões transportado, em especial os de 50 canhões. A partir de 1770 o navio de 4a classe
com 50 canhões passou a executar tarefas de patrulha e como capitânea em pequenos
esquadrões em tempo de paz.
Os navios de 5a e 6a classes eram fragatas com apenas um convés com 20 a 44
canhões e não participavam da linha de batalha. Geralmente executavam tarefas de
patrulha, de esclarecimento, de ataque ao tráfego marítimo inimigo, escolta de comboios de
navios mercantes e de retransmissor de mensagens na linha de batalha. Eram navios úteis,
versáteis e velozes que atuavam muitas vezes independentemente.
Muitos comandantes de fragatas britânicas tornaram-se famosos tais como Lorde
Thomas Cochrane e Sir Philip Bowes Vere Broke412, que tornaram-se extremamente ricos
pelos butins conquistados dos inimigos. A fragata, com sua grande velocidade e
independência de ação, era muita disputada pelos capitães que queriam obter fama e
recursos e pelos marinheiros que queriam parte dos butins conquistados, de espaço em
melhores acomodações e espírito de equipe, por serem em menor número que os navios de
linha. Um fato interessante é que as fragatas francesas eram superioras às inglesas, por
possuírem maiores velocidades e qualidades marinheiras, isso não impediu, no entanto,
uma superioridade em combate dos navios britânicos.
As chalupas, brigues e escunas eram navios menores com até 28 canhões e um
convés, cujos comandos não eram de capitães, mas sim de tenentes e de alguns
comandantes413. Alguns navios possuíam três mastros, outros dois mastros. Suas tarefas
eram similares as das fragatas, contudo não tinham as vantagens marinheiras dessas
últimas. Operavam basicamente no Canal da Mancha próximos da costa, no Caribe e no
Mediterrâneo, sempre em tarefas subsidiárias. Eram o primeiro passo para um capitão em

412
Lorde Thomas Cochrane, conde Dundonald nasceu em 1775, foi promovido a capitão em 1801 e a contra-
almirante em 1832. Foi o Primeiro Almirante e organizador da Marinha Imperial brasileira em 1823,
contratado por Dom Pedro I. Sir Philip Bowes Vere Broke nasceu em 1776, foi promovido a capitão em 1801
e a contra-almirante em 1830. Ficou famoso por capturar o navio norte-americano USS Chesapeake em 1812
quando comandava a fragata HMS Shannon. Recebeu o pariato em 1813 com o título de barão. Fonte:
TRACY, Nicholas. Who is who in Nelson´s Navy. London: Chatham, 2006, p. 77 e 61.
413
Comandantes como posto hierárquico, em inglês ‘commander’. Será apresentada à frente a escala
hierárquica dos oficiais da RN.
117

potencial e excelentes escolas de marinharia e manobra para futuros comandantes414 de


navios de linha e fragatas.
Existia um entendimento tácito e uma convenção obedecida por todas as marinhas do
período de que uma fragata não deveria engajar um navio de linha mais poderoso, pois sua
destruição seria quase certa. Ao mesmo tempo, os navios de linha não abriam fogo sobre as
fragatas, a não ser que fossem atacadas pelas últimas. Tal ato seria considerado desleal
segundo a convenção da guerra no mar415. Dessa forma, existem poucos relatos na história
naval de fragatas engajando navios de linha mais poderosos, embora existam muitos relatos
de ações independentes envolvendo combates entre fragatas adversárias.
A partir de 1793, com o início das Guerras da Revolução, a RN aumentou em muito
os efetivos de seus navios de linha, fragatas e navios auxiliares. De 304 meios de combate
em 1793 seus efetivos foram aumentando paulativamente, chegando a 534 navios em 1805,
ano da morte de Nelson416. Pode-se perceber, também, que os navios de linha de 3a classe e
as fragatas de 5a classe foram as que mais foram construídas nesse período, permanecendo
quase estáveis os efetivos dos navios de linha de 1a e 2a classes, assim como os de 4a classe.
Os brigues e escunas também tiveram um incremento considerável, em razão das patrulhas
realizadas no Canal da Mancha, a partir de 1799. Os números variavam em razão dos
períodos de paz e de guerra, estando muitos desses meios em reserva por ocasião dos
períodos de paz, prontos para serem guarnecidos em caso de necessidade.

- tipos de canhões, caronadas e munição dos navios da RN:

Desde o século XVI os navios de combate eram municiados por canhões que
mudaram muito pouco nesses duzentos anos. Eles consistiam de um tubo de bronze onde
em sua extremidade era colocada uma carga de pólvora negra acionada por uma espoleta
fora do tubo417. O projétil esférico era colocado na boca do tubo e a explosão da pólvora
lançava o projétil contra o navio inimigo. A partir de 1780 o canhão passou a ser de ferro,

414
Comandantes como função, em inglês ‘commanding officer’.
415
FREMONT-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. op.cit. p. 58
416
Ver anexo B).
417
A pólvora negra era um composto de nitrato de potássio, enxofre e carvão, convertidos em grãos de
diferentes tamanhos estocados na forma de invólucros especificados para cada projétil a ser disparado. Como
exemplo para se disparar um projétil de 32 libras eram necessárias 11 libras de pólvora. Fonte: FREMONT-
BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. op.cit. p. 64.
118

mais resistente e confiável, com menores possibilidades de provocar acidentes. Os canhões


eram posicionados sobre carretas de madeira que se colocavam nos conveses corridos e
deslizavam em rodas para manuseio e recuo durante o tiro. Muitos marinheiros britânicos,
inclusive, foram mortos ou feridos pelo recuo dos canhões durante o combate. Essas
carretas eram fixadas à estrutura do navio de modo a não deslizarem durante o balanço em
mares bravios.
Os pesos dos projéteis esféricos determinavam o tipo de canhão disponível. Um
canhão de 24 pounders418 correspondia assim ao peso do projétil lançado por ele contra os
inimigos. Os principais canhões do período estão indicados no anexo C) no qual são
especificados o peso total do canhão, o alcance a tiro tenso, o alcance máximo e o número
de marinheiros que os guarneciam. O peso do maior canhão do período, o 42 ponder, era
de 3,25 toneladas para um alcance de tiro tenso de 400 jardas e alcance máximo de 2.740
jardas, sendo necessário uma guarnição de 16 homens para efetuar o tiro. O canhão mais
utilizado na RN foi o de 32 pounder. Os canhões se localizavam nos conveses corridos
tanto a bombordo419 como a boreste420 do costado421 em seteiras422 a serem abertas por
ocasião do combate. Pela localização dos canhões pode-se perceber que a maior eficiência
dos canhões provinha exatamente em colocar-se lado a lado com o navio adversário, de
modo a descarregar uma bordada de tiros contra o navio inimigo.
Outro canhão de menores dimensões era a caronada que foi inventada pelo general
Robert Melville em 1752 e primeiramente usada na RN em 1779.423 Ela era menor e usava
uma carga explosiva restrita, podendo disparar projéteis esféricos de até 64 libras. Era o
armamento disponível nos tombadilhos das fragatas e a principal artilharia nos brigues,
chalupas e escunas. Tinha a vantagem de provocar grandes baixas entre os adversários
quando utilizada contra o madeirame do inimigo, pois provocava grande quantidade de
lascas de madeira que penetravam nos corpos dos combatentes. Tais ferimentos eram os
mais críticos em combate, pois evoluíam, na maior parte das vezes, para infecções graves.

418
Um pound ou uma libra corresponde a 0,453 quilo.
419
Lado esquerdo do navio.
420
Lado direito do navio.
421421
Costado é o invólucro do casco acima da linha d`água. Fonte: DIRETORIA DE PORTOS E COSTAS.
Manual do Tripulante. Rio de Janeiro: DPC, 1975, p. 204.
422
Portinholas de onde saiam os tubos dos canhões no costado.
423
BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. op.cit. p. 61.
119

Deve-se lembrar que nesse período ainda não existiam as sulfas e antibióticos que viriam a
combater as infecções. Essas armas disparavam, também, outros tipos de projéteis anti-
pessoal de formas diversas que provocavam grandes baixas em adversários que se
encontravam a descoberto nos conveses. As caronadas normalmente se localizavam nos
castelos à vante.
Alguns projéteis tinham a função de avariar os mastros e velame do inimigo,
geralmente duas bolas de ferro ligadas por correntes lançadas tanto dos canhões como de
caronadas. Os franceses preferiam atirar nos mastros de modo a diminuir a velocidade dos
britânicos, enquanto os últimos preferiam atirar na linha ou abaixo da linha d`água de modo
a afundar o navio adversário.424
É importante mencionar que existia uma grande probabilidade de acidentes quando
trabalhando com pólvora negra a bordo dos navios. Era estritamente proibida a utilização
de objetos metálicos próximos a munição, de modo a que não houvesse uma centelha que
provocasse a explosão do paiol onde estava estocada a pólvora negra. Esse paiol425, por
uma questão de segurança, ficava localizado ao centro e fundo do navio, de modo a se
afastar dos tiros inimigos, de pontos de iluminação e de centelhas, ao mesmo tempo em que
era monitorado para impedir vazamentos de água salgada que inutilizariam a munição. Se
fosse observado fogo no paiol de munição as chances de explosão eram altíssimas com a
conseqüente destruição do navio.
Essa pólvora negra provocava grande quantidade de fumaça que poderia obscurecer
tanto a pontaria dos canhões como a visibilidade do inimigo. Com falta de vento no
combate, a fumaça poderia permanecer minutos para ser dispersada e muitos combates
tiveram que ser interrompidos em virtude da falta de visibilidade. A expressão “nuvem de
guerra”426 derivou-se exatamente desse fenômeno, embora depois de 1815 tenha alterado
seu significado na teoria da guerra.427
O efeito da pólvora negra sobre os artilheiros era perigoso, pois além das queimaduras
nas mãos, braços e faces provocadas pelo manuseio da munição, ela tinha o efeito colateral
de provocar sede, dores de cabeça e enjôos.

424
MASEFIELD, John. Sea Life in Nelson´ Time. 3.ed. Annapolis: Naval Institute Press, 1971, p. 16.
425
Em inglês chamado de “powder room” ou paiol de munição.
426
Em inglês “fog of war”.
427
FREMONT-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. op.cit. p. 64.
120

O armamento individual dos marinheiros e fuzileiros reais constava de mosquetes,


pistolas, machados, espadas, sabres de abordagem, facas, baionetas e cutelos, normalmente
utilizados a curta distância ou em abordagens. Os mosquetes e pistolas disparavam apenas
um projétil de cada vez, assim a rapidez no municiamento e disparo da arma significava
vida ou morte para os combatentes. As abordagens eram comuns na guerra naval do
período.
Normalmente um navio de linha de 3a classe possuía 74 canhões de 24 pounder ou
mesmo 74 canhões de 18 pounder, assim não existia uniformidade de calibres nas classes
indicadas. A nau capitânea de Nelson em Trafalgar, o HMS Victory de 1a classe possuía 30
canhões de 32 pounder, 28 canhões de 24 pounder, 32 canhões de 12 pounder, 12 canhões
de 6 pounder, e por fim duas caronadas de 68 pounder, perfazendo um total de 104 canhões
e caronadas428.

2.3 – A Marinha Real britânica no século XVIII: os recursos humanos.

Antes da Guerra de Independência dos Estados Unidos da América do Norte em


dezembro de 1775 o primeiro-ministro britânico William Pitt em discurso na Câmara dos
Comuns disse sobre a RN que “devemos ter nossa marinha tanto e tão bem tripulada quanto
possivel antes de declarar guerra...não é pois agora necessário para nós, uma vez que
estamos à beira de uma guerra, usar todos os métodos pensáveis para encorajar os
marinheiros mais hábeis e capacitados a ingressar no serviço de Sua Majestade?”429 O que
Pitt desejava era aumentar os efetivos da RN com os melhores homens disponíveis em mais
55 mil marinheiros, desejo atendido pelo Parlamento logo em seguida.
Alfred Mahan dizia, ao final do século XIX, que a GB contava com os melhores
marinheiros do século XVIII, pois além da quantidade de população disponível voltada
para o mar, os britânicos possuíam um “caráter” que os distinguia de seus contendores
franceses e espanhóis. Seria isso verdade? Como combatentes tais como Horatio Nelson
eram convocados e adestrados para a luta no mar? É extamente isso o que se pretende

428
LONGRIDGE, op.cit. p. 20.
429
FERGUSSON, Neil. Império. Como os britânicos fizeram o Mundo Moderno. op.cit, p.56.
121

discutir nesse item, o modo como se formavam os oficiais de carreira, os suboficiais430 e os


marinheiros da RN no período de vida de Nelson.

- Os oficiais de carreira:

A entrada de um jovem na RN no século XVIII, para se tornar um oficial de carreira,


não se dava por concurso público ou por um processo de escolha por almirantes. A RN
espelhava a sociedade britânica estratificada do período431, no qual se sabia quem provinha
de uma classe nobre ou de uma mais abastada ou mesmo da burguesia e classe mais baixa
da população. Por essa estratificação dificilmente um jovem da classe mais modesta da
sociedade teria chances de subir na carreira até alcançar o posto de capitão, ainda menos de
almirante, contudo isso não seria, por si só, impossível.
Um jovem que desejasse se voluntariar para ser midshipman432, primeiro passo para
ser oficial na RN, deveria provir de algumas classes sociais perfeitamente determinadas na
sociedade britânica. Ele poderia ser originário da classe nobre, ligada à família real, como
por exemplo, o príncipe William, filho de Jorge III e futuro William IV, que teve um papel
relevante na carreira de Nelson como será discutido à frente. Ele poderia provir, também,
da aristocracia que adquiriu um pariato, como foi o caso do almirante Howe, neto de
visconde, ou Lorde Cornwallis que era filho de um conde. Segundo Brian Lavery as
chances de promoção rápida para esses voluntários era grande e por certo teriam grande
influência na condução dos destinos da RN433.
Outro grupo de voluntários poderia ser originário da classe de proprietários de terra
que, embora não tivessem o pariato, por sua condição financeira e atividade política, tinham
influência em seus condados e comunidades. Esse era percentualmente um grupo de
voluntários muito numeroso.
Um grupo, também, muito numeroso era de jovens filhos de oficiais de marinha ou de
parentes de oficiais de marinha. Existiam famílias muito tradicionais ligadas à RN como a

430
Em inglês “warrant officers”.
431
MACFARLANE, Alan. História do casamento e do amor. São Paulo: Companhia das Letras,1990, p. 60.
432
Em inglês a palavra é “midshipman” traduzida em português para guarda-marinha, um posto intermediário
entre aspirante e oficial. Por uma questão de fidelidade com o sentido da palavra “midshipman”, que também
pode significar cadete do mar, prefere-se utilizar a palavra original em inglês “midshipman” para descrever,
como era no século XVIII, o aprendiz de oficial no mar. Trata-se de uma escolha pessoal de nomenclatura.
433
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy.op.cit. p. 90.
122

Samaurez, os Hood ou os Parker. Se um jovem tivesse um capitão ou um almirante na


família, suas chances de ser midshipman eram realmente grandes. Nelson, por exemplo,
contou com a indicação e proteção do irmão de sua mãe, capitão Maurice Suckling para
entrar na RN. Fatos incríveis, no entanto, ocorreram nesse grupo, como o do célebre
almirante Rodney, vencedor da batalha dos Santos que, por sua influência, promoveu seu
filho de apenas 15 anos de idade ao posto de capitão. Mais tarde esse jovem oficial
fracassaria na profissão e seria levado à corte marcial por negligência e impedido de ser
promovido a almirante434.
O outro grupo de voluntários provinha da classe média, como filhos de ministros da
Igreja da Inglaterra, comerciantes, médicos, advogados, do exército e do serviço estatal,
grupo também expressivo de candidatos.
Por fim, o grupo menos numeroso provinha da burguesia comercial e de trabalhadores
mais modestos. Segundo Brian Lavery, a maioria desses midshipmen não conseguiu
prosseguir na carreira por falta de “influência”.435
O historiador inglês Michael Lewis, baseando-se no Dicionário Biográfico Naval436
de William O´Byrne, publicado em Londres em 1849 e na Biografia da Marinha Real437 de
John Marshall, também publicada em Londres em 1823, listou um grupo de 1.800 oficiais
da RN entre os anos de 1793-1815 e de onde provinham os seus genitores, chegando a um
número interessante por cada grupo de midshipmen entrantes na RN no século XVIII, o que
dá uma idéia dos números e do percentual das classes sociais dos quais os oficiais eram
oriundos. Os números são os seguintes:

Grupo Social ou Número Absoluto no Percentual no total de


Ocupação dos Pais. Grupo. listados.
Família Real e Pares do 216 12 %
Reino.
Proprietários de Terra 494 27,4%
Família Naval. 434 24,1%
Igreja 156 8,7%

434
Idem.
435
Idem.
436
Ver indicação na Bibliografia.
437
Idem.
123

Exército 132 7,3%


Advogados, Médicos, 177 9,9%
Serviço Governamental,
Artistas
Comércio e Classe 191 10,6%
Trabalhadora.
Total 1.800 100%
Tabela 1. Fonte: LEWIS, Michael. A Social History of the Navy 1793-1815. London: Chatham,
2004, p. 31 e 36.

Dessa maneira, um jovem que desejasse entrar na RN como midshipman deveria ser
indicado a um capitão, geralmente comandante de um navio de guerra. Normalmente essa
escolha seria pessoal do próprio capitão, atendendo a um parente ou pedido de conhecido
de influência em sua comunidade. Esse capitão não necessitava da autorização do
Almirantado para aceitar um jovem como midshipman em seu navio, bastava ele querer
recrutá-lo. Não existia custo com essa escolha, assim um comandante de navio recrutava o
aprendiz naval que desejasse. Existiam famílias abastadas e influentes que solicitavam o
recrutamento de seus filhos por meio apenas de conexão social. Esses jovens eram tratados
como jovens ‘gentlemen’438 por normalmente provirem de classes mais abastadas da
sociedade britânica. Michael Lewis afirmou o seguinte sobre a característica de ser
gentleman na sociedade britânica do período, que vale a pena reproduzir:

Naqueles dias [século XVIII] a expressão ‘officer and gentleman’ [oficial


e cavalheiro] tinha um significado real, tão real que qualquer homem que
chegasse a ser um oficial poderia se considerar (se não fosse
anteriormente) a ser também um ‘gentleman’; e seu status era
frequentemente aceito pela opinião pública e algumas vezes até pela
sociedade. Mas tal ascensão era rara. A grande maioria dos oficiais já era
nascida ‘gentlemen’ ou pelo menos ‘quase nascidos gentlemen’,
enquanto a grande maioria dos homens não era nem de perto
‘gentlemen’. 439

438
A palavra em português é “cavalheiro”, no entanto, por uma escolha pessoal prefere-se utilizar a expressão
inglesa “gentleman” por ser mais característica que cavalheiro que nos conduz a pensar em “homem de
sentimentos e ações nobres”. A sua denotação no século XVIII incluía essa designação e também o homem de
boa sociedade, de educação esmerada, cortês, brioso, nobre e honrado.
439
LEWIS, op.cit. p. 23.
124

O ser oficial de marinha e gentleman era uma condição social inseparável na RN do


século XVIII, no entanto tal condição provinha de uma longa luta por poder e influência na
marinha de guerra desde os tempos de Elizabeth I no século XVI.
O sociólogo alemão Norbert Elias nos anos 30 do século XX efetuou um estudo
sociológico sobre a gênese da profissão naval que se tornou paradigmático para os
historiadores navais. Ao estudar a origem da oficialidade naval inglesa, Elias percebeu
claramente um antagonismo e franca disputa entre dois grupos sociais que compunham a
comunidade naval no século XVI. De um lado os ‘gentlemen’, isto é membros da nobreza e
da aristocracia com suas ‘virtudes’ de honra, berço, brio e fina educação e de outro lado
membros das classes mais baixas como comerciantes e artesãos que primavam pela
praticidade, pouco refinamento e baixa educação formal. Dessa rivalidade entre os dois
grupos surgiu a institucionalização da profissão de oficial da marinha inglesa.
Elias percebeu inicialmente que os oficiais da marinha britânica do século XX se
consideravam, ou pelo menos, queriam ser considerados gentlemen. De onde surgira aquele
desejo? Elias percebeu que dominar as lides marinheiras era apenas uma das funções desses
oficiais. Tanto no passado, como no tempo em que ele viveu, os oficiais de marinha da RN
imaginavam ser líderes militares no comando de homens no mar. Uma de suas funções
mais importantes era combater com eficiência no mar, dominando tanto a tática naval como
a arte de manobrar navios. Em tempos de paz, assim como de guerra, esses oficiais teriam
contato com representantes de outros países, esperando-se que fossem capazes de falar uma
ou duas línguas estrangeiras, de representar dignamente o seu país com tato e polidez e se
comportar com boas maneiras e civilidade. Em resumo, deveriam unir em uma só pessoa as
qualidades de um bom marinheiro com um gentleman. Essas características provinham de
longo tempo e grandes disputas na RN.
Por certo, o comando de um navio do século XVI ao século XVIII requeria essas duas
características fundamentais. Por um lado, o comandante deveria possuir competência no
campo militar para efetuar os combates no momento e no local mais apropriados e por
outro lado deveria agregar conhecimentos marinheiros suficientes para levar sua
embarcação para esse local, percebendo as condições de navegação e de mar mais
125

favoráveis440. A primeira carcterística de um bom comandante, a competência militar,


derivava dos valores e habitus441 dos nobres, logo de gentlemen, isto é coragem, espírito de
combate, colaboração, nobreza, orgulho, disciplina e hierarquia. A segunda característica
de um eficiente comandante, sua condição de bom marinheiro, provinha de homens
acostumados com as lides náuticas, não associadas à nobreza e sim a mercadores, que
aprenderam essas habilidades, a partir de navios mercantes em mares bravios, com a
utilização de trabalho manual ostensivo, não condizente com a característica de se ser
gentleman.442
Os tarimbeiros, provindos das classes baixas e médias urbanas que ascendiam ao
comando de navios, começavam cedo na carreira, normalmente como grumetes com 10 ou
11 anos de idade, passando por um período de sete anos de aprendizado a bordo, podendo
servir tanto em embarcações mercantes como de guerra. Aos poucos eles iam subindo na
hierarquia, sempre em constante contato com as lides náuticas. A distância entre os
comandantes tarimbeiros e os marinheiros era pequena. Esses comandantes não se
mostravam superiores, podendo dormir no convés “sem coisa alguma sobre ele, exceto uma
lona443, que seus marujos estariam satisfeitos”.444 Se ele levasse um filho consigo para o
navio, ele seria elogiado ou punido junto com outras crianças a bordo sem qualquer
preferência ou distinção. Um comandante tarimbeiro exigia pouco para si, suas
acomodações eram frugais, sendo capaz de conversar com seus marujos, conhecer todos
pelo nome, beber juntos no convés e enfrentar o mau tempo ao lado de todos.
Os gentlemen, por outro lado, provindo das classes mais elevadas, com conexões na
corte, chegavam ao comando de navios em razão das suas relações sociais com o rei,

440
A expressão inglesa para esse tipo de marinheiro que viria a se opor aos ‘gentlemen’ era ‘tarpaulin’ que
pode ser traduzido em português para tarimbeiro. Na língua inglesa tarpaulin significa “encerado, pano
alcatroado, capa encerada” que se relacionava com o marinheiro criado nas lides marinheiras, no qual o
alcatrão era muito usado em lonas e cabos a bordo. Fonte: LIMA, Alexandre de Azevedo. op.cit. p. 765.
441
O conceito de habitus está associado à obra de Pierre Bourdieu. Para esse sociólogo francês o habitus
queria denotar certas propriedades implantadas nas mentes e nos corpos dos seres humanos. Ele definiu tais
propriedades como disposições transferíveis e duráveis por meio dos quais as pessoas percebem, pensam,
apreciam, agem e avaliam o mundo. Elas podem variar desde formas de comportamento corporal, fala, gesto,
vestuário e maneiras sociais até tipos específicos de conhecimento mútuo e memória coletiva, passando por
uma ampla gama de habilidades motoras e práticas. Fonte: SCOTT, op.cit. p. 98.
442
ELIAS, Norbert. The Genesis of the Naval Profession. Dublin: University College Dublin Press, 2007, p.
3.
443
Daí a expressão em inglês ‘tarpaulin’.
444
ELIAS, Norbert. Escritos e Ensaios. Estado, Processo, Opinião Pública. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p.
101.
126

normalmente nos navios de guerra, uma vez que não cogitavam de um período a bordo de
aprendizado para aprender o ofício do marujo comum. Preocupavam-se, precipuamente,
com seu desempenho militar. Quando embarcados, os gentlemen levavam consigo criados,
músicos, barbeiros e diversos acompanhantes. Eles assumiam, em relação aos marujos, um
ar de superioridade que os distinguiam das classes mais baixas. O seu estilo de vida
permanecia o mesmo que em terra, com comida diferenciada, melhores acomodações,
normalmente no tombadilho, local onde se encontravam os oficiais gentlemen445. Quando
comandando um navio de guerra, o comandante gentleman fazia questão de se afastar dos
seus marujos e raramente entabulava uma conversa com o simples marinheiro. Essa
distância era bem marcada pelo posicionamento de um fuzileiro real permanentemente de
plantão na porta que dava acesso ao seu camarote particular, de modo a manter os marujos
distantes.
Os gentlemen não queriam se misturar com os marinheiros que provinham de outra
classe social, pois os consideravam brutos, desonrados e mal educados. Por outro lado, os
marinheiros não queriam se envolver com aqueles nobres esnobes, no entanto mantinham
um desejo latente de um dia, também, se tornarem gentlemen.
O ser bom comandante requereu a agregação de ambas habilidades, no entanto a
necessidade de um gentleman ser forçado a realizar trabalho manual como as classes mais
baixas da sociedade inglesa, lhe era extremamente traumatizante e desonrosa. O que Elias
quis entender era, como poderia um gentleman tornar-se um tarimbeiro sem perder a sua
característica de ainda ser gentleman nem diminuir o seu status social?
A rivalidade entre esses dois grupos socialmente divergentes resultou em uma fusão
de características militares e náuticas que moldou o ser oficial de marinha inglês, a partir do
século XVI até o final do século XVIII. Esse tipo de rivalidade foi essencial, segundo Elias,
para que a Inglaterra e depois a GB tivesse condições de competir com vantagem contra
seus maiores opositores do período, a Espanha e a França que não tiveram essas mesmas
condições446, permanecendo atreladas à diferenciação e afastamento entre os dois grupos
sociais, com terríveis conseqüências para a luta no mar. Para Elias, o sistema político inglês
provou ser o mais adequado para o desenvolvimento de uma marinha de guerra e a

445
Idem.
446
ELIAS, Norbert. The Genesis of the Naval Profession. op.cit, p. 3.
127

supremacia marítima britânica pode ser imputada a sua estrutura política e a rivalidade
eficaz desses dois grupos pelo controle dos comandos navais, resultando por conseqüência
assim em aberta cooperação ao invés de antagonismo.447
Na França, a burocracia foi uma das razões para a inferioridade das suas forças
navais, transformando seus oficiais em combatentes cautelosos. Segundo Elias “quando
uma ação dava errado, os oficiais [franceses] tinham que fazer um relatório detalhado dos
eventos, dos quais eram considerados responsáveis. Isso os tornava super cautelosos”.448 Na
marinha francesa, os nobres continuaram a dominar os rumos da marinha, com um fosso
profundo entre combatentes nobres e marinheiros, pelo menos até a Revolução Francesa,
quando muitos desses aristocratas foram executados e afastados de suas atividades pelos
revolucionários, com nocivos resultados para a armada francesa, em razão da falta de
especialistas para combater os britânicos no mar. Na Inglaterra a colaboração entre os dois
grupos a partir do século XVI foi maior e a fusão desses dois “tipos” em um só elemento, o
oficial de marinha, redundou no domínio das tarefas militares e marinheiras, resultando em
eficiência no combate.
Para Elias, o conflito entre gentlemen e tarimbeiros na RN levou a criação de uma
nova instituição hierárquica que permitiu adquirir tanto conhecimentos militares específicos
de gentlemen, como habilidades marinheiras de tarimbeiros, o posto de midshipman e
assim moldar um novo corpo de oficiais de marinha mais profissional e completo.449 Essa
especialização do corpo de oficiais, a partir de midshipman, foi o resultado de uma
interdependência intensa entre os dois grupos, de longa duração, induzindo os protagonistas
a cooperar e a ter “fortes sentimentos de solidariedade”.450 Esse processo foi longo, cheio
de altos e baixos e extremamente conflituoso. A criação do posto de midshipman foi uma
tentativa acertada para dotar os jovens gentlemen entrantes na RN de instrumentos que os
tornassem marinheiros.
A idade média de recrutamento de um jovem era de apenas 11 anos de idade, no qual
se agregava como “voluntário de 1a classe”, ficando por dois anos até ser designado
oficialmente como midshipman. Segundo o antropólogo inglês Alan Macfarlane existia

447
Ibidem, p. 14.
448
Ibidem, p. 13.
449
Ibidem, p. 17.
450
Ibidem, p. 20.
128

uma tradição inglesa de se enviar filhos jovens, crianças, para ganhar o sustento fora de
casa. A RN foi uma instituição que acolhia esses jovens, rompendo os vínculos da “unidade
doméstica de produção e consumo, separando as gerações dos pais e dos filhos”451. Para
esse estudioso existiam fortes evidências que esse padrão comportamental prevaleceu até o
século XIX. Em um navio de linha de 1a classe podiam existir até 24 midshipmen, em um
de 2a classe 18, em um 3a classe 12, nas 4a , 5a e 6a classes variava o número, de acordo
com os seus diferentes tamanhos.452
Um midshipman, também, poderia entrar na RN via Portsmouth Naval Academy
fundada em 1729 que tinha a tarefa de preparar jovens gentlemen para serem futuros
oficiais, sendo geralmente escolhidos filhos de oficiais de marinha. Essa academia
ministrava aulas formais a alunos entre 13 e 16 anos de idade por um período de três anos
escolares. Eram ensinadas navegação, marinharia, matemática, física, astronomia,
artilharia, fortificação e outras matérias aos alunos. Essa instituição de ensino da RN nunca
foi popular, possivelmente, segundo Brian Lavery, pela aversão de estudos acadêmicos na
RN e por burlar o privilégio dos capitães indicarem os voluntários a servirem em seus
navios453. Essa academia formava poucos voluntários, sendo que em 1773 tinha apenas 15
alunos. Michael Lewis acredita que somente 2,7% dos midshipmen vieram de Porstmouth,
um número pequeno realmente e a maioria de filhos de oficiais de marinha.454 Finalmente
em 1806 a academia foi formalmente fechada; dois anos depois ela foi substituída pelo
Royal Naval College, também em Portsmouth, que continuou a educar jovens voluntários
gentlemen para se transformarem em oficiais, dessa feita em outros moldes e currículos455.
Normalmente o jovem midshipman recebia aulas formais a bordo de navegação,
astronomia, trigonometria, além de artilharia por um mestre-escola devidamente contratado
para isso. A disciplina era rígida e era exigido o cumprimento de diversas tarefas a bordo e
qualquer deslize era reportado ao comandante para as punições regulamentares. Quando
não existia um mestre-escola, o próprio comandante do navio ministrava as aulas. Era
muito comum o midshipman ficar sem almoçar se não estabelecesse com precisão a

451
MACFARLANE, op.cit. p. 94.
452
FREMONT-BARNES, Gregory. Nelson´s Officers and Midshipmen. Oxford: Osprey, 2009, p. 8.
453
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 88.
454
LEWIS, op.cit, p.148.
455
RONALD, D.A B Young Nelsons. Boys Sailors during the Napoleonic Wars. Oxford: Osprey, 2009, p. 59.
129

posição astronômica do navio na carta.456 A vida a bordo para aqueles jovens gentlemen
midshipmen era realmente muito dura.
Uma vez alcançada a idade de 15 anos, as aulas formais terminavam e era permitido
que tivessem uma ração de bebida, normalmente rum, além de mudarem de acomodações
para junto dos midshipmen mais antigos.
Em tempos de guerra, os midshipmen se desencumbiam de uma série de tarefas a
bordo dos navios da RN. Eles poderiam ser mensageiros durante o combate, ou serem
responsáveis pelas guarnições dos canhões, ou mesmo auxiliares do comandante ou de
tenentes transmitindo ordens e incentivando os marujos. O que se esperava, no entanto, é
que agissem com valentia e fossem honrados. Quando o príncipe William, futuro rei, aos 13
anos de idade se agregou à RN em 1779, seu pai, o rei da Inglaterra Jorge III, lhe escreveu a
seguinte carta:

Embora em casa você seja um príncipe, a bordo no HMS Prince George


você é somente um jovem aprendendo a profissão naval: mas o príncipe
que você é o acompanha, assim o que os outros jovens fazem, você não
deve fazer. Nunca deve ser abandonada de seus pensamentos que maior
obediência é necessária de você para seus superiores na Marinha, maior
polidez a seus colegas e maior compreensão com seus inferiores do que
aos outros que não foram informados que essas qualidades são essenciais
para um gentleman457.

Durante a batalha de Trafalgar muitos desses jovens midshipmen aguardaram o


combate valentemente. No próprio capitânea de Nelson, o HMS Victory, existiam um
jovem de dez anos de idade, quatro de 12 e seis de 13. Pouco antes da batalha, Nelson se
dirigiu aos seus midshipmen dizendo “amanhã, eu farei algo que vocês jovens gentlemen
terão muito o que dizer e pensar pelo resto de suas vidas”.458 Thomas Dalrymple, um
mestre-escola instrutor de midshipmen a bordo do HMS Mars, que participou de Trafalgar,
afirmaria posteriormente que muitos de seus pupilos “se comportaram como jovens
Nelsons”459. Esse era o espírito que acompanhava o ser midshipman no final do século
XVIII.

456
FREMONT-BARNES. Gregory Nelson´s Officers and Midshipmen. op.cit. p. 8.
457
RONALD, op.cit. p. 35.
458
Ibidem, p. 200.
459
Ibidem, p. 15.
130

Ao atingir a idade de 19 anos de idade os midshipmen podiam se candidatar ao exame


para tenente, conjuntamente com um certificado emitido pelos comandantes de que os
candidatos possuíam “tempo de mar” de pelo menos seis anos. Muitos dos certificados
podiam conter informações falsas, tanto na idade dos candidadtos a tenente, uma vez que
era exigida a idade mínima de 19 anos de idade, quanto no “tempo de mar” inflados
emitidos por comandantes inescrupulosos, em razão de interesses nem sempre ostensivos.
O próprio Nelson teve a idade alterada de 15 para 18 anos, de modo a poder submeter-se
antecipadamente ao exame para tenente.460
O exame para tenente requeria um grupo avaliador de três capitães que tivessem
experiência de mar e comandado navios da RN. Os exames podiam ser conduzidos em
Londres, Portsmouth e Plymouth ou em postos avançados da RN, com a devida autorização
do comandante-em-chefe local. Normalmente o exame constava de questões teóricas e
práticas envolvendo marinharia, navegação, astronomia, matemática e liderança. Se o
midshipman falhasse na prova poderia realizar outros exames meses depois. Muitos
midshipmen tentaram inúmeras vezes essas provas, permanecendo nesse posto anos ou
mesmo décadas.
Se o jovem passasse no exame para tenente, ele ainda deveria aguardar comissão nos
navios da RN. Em períodos de guerra ele seria aproveitado imediatamente, pois existiriam
vagas para tenentes. Em períodos de paz, ele poderia permanecer anos até abrir uma vaga
para tenente em algum navio da RN. O historiador inglês Gregory Fremont-Barnes
argumentou que existiam 2.000 midshipmen sem função na condição de “aprovados para
tenente” em 1813 esperando comissão.461 Muitos aceitavam ser suboficiais em outros
navios até a abertura de vagas, de modo a ter uma melhor remuneração que midshipman.
Ao se apresentar em um navio, o jovem tenente era incluído na Navy List462 e assim
elegível para receber metade do salário463, caso não houvesse vagas no futuro. Daquele
momento em diante, o jovem tenente gentleman dependeria de suas conexões sociais, além
de seu desempenho no mar na guerra e na paz como oficial a bordo de um navio da RN.

460
LEWIS, op.cit. p. 157.
461
FREMONT-BARNES, Gregory. Neosn´s Officers and Midshipmen. op.cit. p. 10.
462
A Navy List era uma listagem de todos os oficiais da RN a partir do posto de tenente até almirante por
antiguidade.
463
Esse caso chama-se ‘half pay’ e protegia o oficial em caso de indisponibilidade para o serviço por doença
ou falta de vagas. No capítulo 3 será feita uma discussão sobre esse caso.
131

Sua promoção na escada hierárquica era por escolha, não necessitando aguardar a
reserva ou morte daqueles tenentes mais antigos que ele. Isso criava situações insólitas,
como por exemplo, o tenente mais antigo da Navy List em 1799 estar como o número um
desde 1744, isto é por mais de 50 anos. Ou mesmo o número dois desde 1747, o três e
quatro desde 1757.464
Normalmente o jovem tenente assumia uma divisão de marinheiros a bordo do navio,
sendo assim responsável pelo bem-estar e asseio de seus subordinados. Além disso,
coordenava os trabalhos de sua divisão, supervisionava as tarefas dos midshipmen,
mantinha o navio em formatura, reportando ao comandante qualquer anormalidade,
mantinha as dependências de sua divisão arrumada e limpa e treinava seus homens em
armas leves e em técnicas de artilharia e abordagem.
O tenente mais antigo de bordo era designado primeiro-tenente e eventual substituto
do comandante, responsável pela administração do navio, pela preservação da disciplina e
pela navegação465. Esse oficial não corria quartos466, no entanto deveria estar sempre
disponível no tombadilho467 para qualquer eventualidade. Os primeiros-tenentes de navios
de 1a classe tinham maiores chances de serem promovidos, em razão da aproximação de
almirantes e maior exposição, no caso de serem eficientes. Em um navio de linha existiam
de três a oito tenentes, que se acomodavam em camarotes próprios para a sua graduação e
dividiam a praça d´armas468. Em um navio de linha de 3a classe de 74 canhões, por
exemplo, existiam cinco tenentes e em uma fragata de 5a classe três ou quatro469. Em
combate os tenentes comandavam baterias de canhões, auxiliados pelos midshipmen.
O jovem tenente poderia ser promovido por escolha de três formas distintas. A
primeira, em razão de suas conexões políticas e sociais, sendo inclusive comum os filhos de
pares, com ligações com almirantes do Almirantado, serem escolhidos primeiro para

464
Ibidem, p. 11.
465
Na Marinha brasilreira era e continua sendo chamado de ‘imediato’. Em inglês esse cargo foi
posteriormente designado ‘executive officer’, o mesmo que sub-comandante.
466
Correr quartos significa correr os turnos obrigatórios de serviço de um grupo de oficiais e marinheiros.
Normalmente os quartos corriam em dois turnos, alguns navios em três turnos. Com dois quartos, metade da
tripulação estaria de serviço e a outra metade descansando. Com três turnos, 1/3 estaria de serviço no período
noturno. Os tenentes eram os responsáveis pelos quartos de serviço. No caso de fainas gerais, os quartos eram
suspensos e todos se apresentavam para as funções gerais a bordo. Fonte: LAVERY, Brian. Life in Nelson´
Navy. op.cit. p. 39.
467
Em inglês ‘quarterdeck’, local próprio a bordo onde ficavam os oficiais.
468
Em inglês ‘wardroom’, local das refeições dos oficiais de bordo.
469
Ibidem, p.29.
132

promoção. A segunda, o jovem tenente chamar a atenção do almirante comandante-em-


chefe de uma estação que tinha a autoridade de indicar o oficial para promoção,
normalmente ratificado pelo Almirantado. No caso de morte de comandantes ou
afastamento de oficiais por corte marcial, esse almirante poderia promover
automaticamente os tenentes. Assim, naturalmente, vagas de tenentes em navios de 1a
classe eram muito procuradas, pois eram passaportes para a promoção. Em 1797 a bordo do
HMS Ville de Paris de 1a classe foram promovidos de uma só vez sete tenentes.470 A
terceira forma de promoção era por meio de suas ações em combate. Normalmente depois
de importantes batalhas, um número grande de tenentes era promovido. Após as batalhas do
Glorioso Primeiro de Junho e Trafalgar, todos os primeiros-tenentes dos navios
participantes das batalhas foram promovidos. As ações individuais de navio contra navio
também eram recompensadas com promoções. Nelson, por exemplo, demonstrou grande
habilidade desde jovem. Aos 19 anos de idade, já um distinto tenente, sob a indicação de
seu tio, capitão Maurice Suckling, comtroller da RN, conseguiu ser promovido a mestre e
comandante e um ano depois era novamente promovido a capitão, com apenas 20 anos de
idade.
Os tenentes podiam comandar pequenas embarcações do tipo escuna com até 18
canhões. Um caso conhecido foi o do tenente William Bligh, comandante do HMAV
Bounty envolvido em um motim célebre orquestrado por seu imediato, mestre Fletcher
Christian.471 Podiam, também, substituir comandantes mortos durante determinado período
até a chegada de novo comandante nomeado pelo Almirantado.
O tenente poderia ascender aos postos acima, de capitão ou mestre e comandante472,
conforme suas conexões profissionais e políticas. Caso tivesse boas conexões, ele passaria
diretamente a capitão, e assim passível de comandar um navio de linha. O posto de mestre e

470
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 97.
471
William Bligh escreveu um livro célebre sobre esse motim ocorrido em 1789 a bordo de seu navio, o
HMAV Bounty, cujo título foi “Mutiny on the Bounty” ,arquitetato por seu imediato, Fletcher Christian. O
motivo alegado para o motim foi os maus tratos de Bligh contra a tripulação. Bligh chegaria em 1814 a ser
promovido a vice-almirante na RN. Bligh lutaria ao lado de Nelson como comandante do HMS Glatton de 54
canhões na batalha de Copenhagen em 1801.Em 1961 foi lançado pelo mercado cinematográfico o filme “O
Motim do Bounty”, estrelado por Marlon Brando, no papel de Fletcher Christian, cabeça do motim e Trevor
Howard como Bligh, Fonte: BLIGH, William. Mutiny on the Bounty. Vercelli: White Star, 2006 e TRACY,
op.cit. p. 44
472
Não confundir o posto de comandante, “commander” em inglês com o de comandante de navio, em inglês
“commanding officer”. O tenente podia ser um comandante de navio, isto é, commanding officer.
133

comandante fora inicialmente criado no final do século XVII e era um intermediário entre
tenente e capitão. Sua criação oficial foi em 1747 e correspondeu ao posto de major no
exército britânico. A partir de 1794, esse posto passou apenas a ser comandante, perdendo a
designação de mestre e o único caminho para ser promovido a capitão.473 O mestre e
comandante poderia comandar pequenos navios como brigues e chalupas, com até 28
canhões474. Alguns oficiais sem conexões permaneceram como mestres e comandantes até
o fim de suas carreiras em ‘half pay’ sem possibilidades de acesso a capitão. Durante o
período de guerra as promoções de todos os postos foram aceleradas, assim muitos mestres
e comandantes foram promovidos nesses períodos.
Suas tarefas como comandantes de navios eram idênticas aos comandantes do posto
de capitão, embora não estivessem elegíveis a ascender a almirantes. A partir de 1827
foram designados imediatos de navios de linha comandados por capitães475.
Nelson, como tenente, foi promovido a mestre e comandante, permanecendo apenas
seis meses nessa graduação, indo rapidamente a capitão, segundo o historiador Joel
Hayward em razão de “sua excepcional habilidade, energia e comprometimento” e por ter
recebido o comando de uma chalupa e depois de uma fragata, navio típico de um comando
de capitão, “tudo antes de 21 anos de idade”476. Seja como for, Nelson foi a capitão com
muito pouca idade e por certo suas conexões no Almirantado, por meio de seu tio, capitão
Suckling, o ajudaram a galgar postos rapidamente.
O posto seguinte e mais desejado por um oficial de marinha era o de capitão477, que
lhe permitia comandar um navio de 1a a 6a classes. Eles eram colocados em ordem de
antiguidade na promoção na Navy List e não existia escolha para a promoção a almirante.
As promoções ao posto seguinte, contra-almirante, seguiam rigorosamente a lista por
antiguidade constante da Navy List. Com até três anos de posto, o jovem capitão era

473
HICKOX, Rex. op.cit. p. 30.
474
FREMONT-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. op.cit 57.
475
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 98.
476
HAYWARD, Joel. For God and Glory. Lord Nelson and his Way of War. Annapolis: Naval Institute
Press, 2003, p.2.
477
O posto de capitão era chamado de “post captain” no final do século XVIII. Em português o posto de
capitão é chamado de capitão-de-mar-e-guerra. Por uma questão de escolha pessoal resolveu-se manter a
palavra capitão para identificar esse posto. Assim os postos de RN no período eram midshipman, tenente,
mestre e comandante e capitão. Os postos de oficial-general serão apresentados a frente. Outro detalhe
importante é que em inglês o comandante de navio, ‘commanding officer’, também era chamado de captain
pela tripulação, nesse caso indicando uma função e não um posto hierárquico.
134

equivalente a tenente-coronel no exército britânico. Ao ultrapassar os três primeiros anos


ele conseguia alguns privilégios, como a correspondência a coronel no exército, podendo
vestir duas dragonas em seu uniforme, ao invés de uma como capitão com menos de três
anos.
Normalmente o tamanho dos navios de linha correspondia ao tempo de posto, assim
um capitão recentemente promovido comandava inicialmente uma fragata de 5a ou 6a
classe478. Outro capitão mais antigo na Navy List comandaria um 2o ou mesmo 1a classe,
com o respectivo aumento de responsabilidades e salários. Dessa forma, o comando de uma
fragata era considerado o passo inicial para o comando de um navio de linha de maior
classe. A RN possuía comandantes de fragatas que depois foram promovidos ao
almirantado com distinção, em razão de suas capacidade marinheira, valentia e ousadia em
combate.
Existia somente uma exceção a isso, que era o caso do navio capitânea do almirante
comandante da esquadra ou divisão. Esse oficial general normalmente escolhia seu ‘capitão
de bandeira’, isto é, o comandante de seu navio de linha capitânea, não se importando com
sua antiguidade na Navy List. Nelson, por exemplo, em Trafalgar estava a bordo de um
navio de linha de 1a classe, o HMS Victory, navio enorme para a época com mais de 100
canhões. O comandante do navio era o capitão Thomas Hardy479, jovem capitão com
apenas 36 anos de idade, bem mais moderno que a maioria dos capitães subordinados a
Nelson. Hardy já havia comandado o HMS Elephant sob as ordens de Nelson na batalha de
Copenhagen, como ‘capitão de bandeira’. Thomas Hardy era um dos seus favoritos e esteve
ao seu lado nos momentos finais em Trafalgar.
No mar o capitão, comandante de um navio, era responsável por tudo o que ocorria a
bordo. Sua responsabilidade era tão grande que existia um ditado que dizia que “um navio
não era melhor que seu capitão”.480 Sua reputação de gentleman e de combatente eficiente
baseava-se naquilo que era percebido por sua tripulação e pelos almirantes seus
comandantes. Como apontado, o capitão comandante de navio tinha poder total sobre seus
marinheiros e oficiais e ampla liberdade de ação, inclusive para escolher os midshipmen
que seriam adestrados em seu navio.

478
LAVERY, David. Nelson´s Navy. op.cit. p. 98.
479
TRACY, op.cit. p.171.
480
HICKOX, op.cit. p. 29.
135

Sua postura era normalmente distante, embora em combate estivesse todo o tempo no
tombadilho ao lado de seus oficiais. Em tempos de paz, ele tinha o poder de diminuir
salários de seus subordinados e usar a chibata para corrigir faltas disciplinares. O navio
refletia a postura de seu comandante. O capitão Edward Riou481 da fragata HMS Amazon,
que foi morto em combate ao lado de Nelson em Copenhagen, produzia uma série de
ordens e obrigações escritas a serem cumpridas pela tripulação, sendo muito querido por
todos que com ele privavam. Outros eram detestados, tais como o capitão James
Gambier482 do 3a classe HMS Defense de 74 canhões, extremamente religioso que
procurava impingir a seus comandados os ditames da Bíblia e textos sagrados com grande
resistência e impopularidade por parte de sua tripulação.
Ao receber o comando de um navio por ordens do Almirantado, o capitão se
apresentava na nova comissão, içava o seu pavilhão de comando e passava a dormir a bordo
para coordenar a preparação de sua unidade para o mar. Ele verificava todo o armamento, a
situação de navegabilidade e conservação do navio, os abastecimentos estocados e a
necessidade de adquirir outros itens de recompletamento, além dos claros sempre existentes
na tripulação, de modo a determinar que fossem estabelecidos grupos de captura para
arregimentar à força novos marinheiros.483 Ele contava com o seu imediato, na figura do
primeiro-tenente, para conduzir os serviços administrativos de bordo, sempre a ele se
reportando. A ele, capitão, era imputada a tarefa de julgar os faltosos de bordo, punindo os
transgressores, inibindo uma série de vícios, imoralidades e indisciplinas e defendendo a
honra da GB “queimando, afundando e destruindo” o inimigo, no total 48 itens a serem
observados por ele durante o seu período de comando.484 O capitão, comandante de navio,
era um juiz da suprema corte e conforme o historiador John Masefield diria em 1905 o
“capitão era uma espécie de homem próximo da divindade”.485 Não existia recurso de seus
atos, suas decisões eram absolutas, com poder sobre seus homens de vida ou morte.486
Assim, ele podia transformar a vida de qualquer um a bordo em um paraíso ou em um
inferno. Vivia dessa maneira sozinho em suas acomodações espaçosas a bordo na popa,

481
TRACY, op.Cit. p. 305.
482
Ibidem, p. 148.
483
Esses grupos eram chamados de “press gangs”. Ainda neste capítulo serão discutidos os critérios e
métodos de captura de ‘novos marinheiros’ à força.
484
MASEFIELD, op.cit. p. 26.
485
Idem.
486
Ibidem, p. 27.
136

longe de seus marinheiros, inacessível e distante, protegido sempre por um fuzileiro real
que guardava a porta de seu camarote contra intrusos487. Almoçava e jantava sozinho com
seus pensamentos. Quando se dirigia ao tombadilho, local apropriado para os oficiais
gentlemen ficarem, todos os demais tenentes e midshipmen se dirigiam para bombordo,
afastado dele, em sinal de respeito. A ele ninguém poderia se dirigir, a não ser para discutir
assuntos de serviço. Nenhum marinheiro poderia falar com o capitão sem estar descoberto,
isto é, sem chapéu ou gorro. Quando voltava de uma conferência ou visita protocolar no
porto para o navio, ele era recebido com honras por um contramestre que utilizava o apito e
um toque especial para ele, com marinheiros formados488, tradição que permanece até hoje
em todas as marinhas. Os oficiais e midshipmen, também, o aguardavam no portaló para os
cumprimentos. Essa cerimônia servia tanto para a chegada como para a partida do capitão.
Em viagem ele não corria os quartos de serviço e não interferia nas atividades
administrativas de bordo, deixando ao primeiro-tenente essa supervisão. Um fato curioso é
que os marinheiros não apreciavam capitães que fossem considerados ‘bonzinhos demais’.
Gostavam de comandantes do tipo tarimbeiros que fossem também gentlemen, justos e
disciplinados, que conhecessem tanto as lides marinheiras como boas maneiras e etiqueta e
julgassem suas faltas com isenção e imparcialidade489. A eles não apreciava tampouco
capitães rígidos e cruéis, que não entendiam o mundo no qual vivia a guarnição de
marinheiros. Nelson, por exemplo, era muito querido e respeitado por seus oficiais e
marinheiros. Em certa ocasião, durante o bloqueio naval ao porto francês de Toulon, um
marinheiro o derrubou acidentalmente com sua maca de dormir, fato que poderia levar a
uma punição pelo código disciplinar naval. Ao ver Nelson caído, esse marinheiro o ajudou
a levantar-se constrangidíssimo, pronto para ser punido ou pelo menos repreendido. Nelson,
com humor e bom senso disse ‘menino, não foi culpa sua, mas minha. Eu deveria prestar
mais atenção, ao invés de ficar no seu caminho’490. A tripulação adorou tal observação
vinda de um herói nacional e gentleman.
O capitão, comandante de navio, que visse seu navio incluído na lista de reserva e
descomissionado da RN, corria o sério risco de ficar em ‘half pay’ até surgir nova vaga em

487
Uma das características fundamentais do ‘gentleman’.
488
Os chamados “side boys”.
489
Idem.
490
LAVERY, Brian. Life in Nelson´ Navy. op.cit. p. 24.
137

outro navio. Ele não reverteria a comandante, mas permaneceria em ‘half pay’ até ser
chamado para nova comissão pelo Almirantado.
Até 1794 um capitão estava autorizado a ter quatro serventes para cada 100 homens a
bordo. Se ele fosse designado para outro navio poderia levar com ele não somente
serventes, mas o patrão e a guarnição de seu escaler, alguns suboficiais, seu secretário, seu
comissário de abastecimentos e alguns marinheiros selecionados. Se fosse para um navio de
1a classe poderia levar até 80 homens, de 2a classe 65, 3a classe 50, 4a classe 40, 5a classe
20 e 6a classe 10.491
Sua promoção a contra-almirante, primeiro posto do almirantado, se daria
exclusivamente por antiguidade, assim ele dependia da promoção de oficiais mais antigos
abrindo as vagas correspondentes ou por falecimentos de almirantes. Dessa maneira, ao ser
promovido, o capitão passava a ser o contra-almirante mais moderno da Navy List e
iniciava a ascensão na longa escada hierárquica do almirantado. Não existia possibilidade
de um capitão ser selecionado por influência política ou mesmo proteção de almirantes
mais antigos para ultrapassar oficiais mais antigos na lista de capitães, no entanto, poderiam
ser abertas vagas de almirantes colocados em ‘half pay’ por falta de comissões na atividade,
abrindo, dessa forma, novas vagas para promoção, sempre por antiguidade.
Um posto transitório acima de capitão e anterior a contra-almirante era o de
comodoro. Esse posto, raramente preenchido, não era permanente e era designado a um
capitão comandante de um grupo ou pequeno esquadrão de navios, quando não existiam
almirantes para assumir esses comandos. Os comodoros eram escolhidos na lista de
capitães pelo Almirantado e correspondia ao posto de brigadeiro-general no exército
britânico. Sendo temporário, ao terminar a missão ou tarefa, o comodoro revertia ao posto
de capitão em sua antiguidade na Navy List.492 Esse posto passou a ser permanente em
1806.
Os postos acima de capitão eram os almirantes, designados pelo Almirantado.
Normalmente os almirantes comandavam divisões e esquadrões de navios que compunham
as esquadras. Por serem promovidos automaticamente por sua antiguidade eram homens
com grande experiência em operações navais e de grande conhecimento nas lides

491
MASEFIELD, op.cit. p. 26.
492
FREMONT-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. op.cit. p. 26.
138

marinheiras, com diversos comandos de navios de linha. O número de anos nos quais
labutaram na RN os faziam conhecidos pela força. Caso fossem incapazes de assumir
funções de mando, o Almirantado os promoviam a contra-almirante e imediatamente os
colocavam sem função em ‘half pay’, o que aumentava a flexibilidade da administração
naval. A aqueles promovidos e designados para funções de comando eram esperadas
qualidades de liderança, experiência administrativa, conhecimento técnico-profissional,
perspicácia tática e estratégica, e a mais importante, a percepção política para defender os
interesses do Império, quando afastado da GB, agindo independentemente em uma época
em que as comunicações eram difíceis e problemáticas.
Alguns almirantes assumiam funções administrativas em terra, arsenais, bases e
colônias britânicas espalhadas ao redor do globo. Existiam, também, funções específicas no
Almirantado, geralmente completadas por oficiais generais nos últimos postos, em razão de
suas conexões políticas e desempenho profissional. Um exemplo clássico desse caso foi o
do almirante Lorde John Jervis, primeiro conde St. Vincent. Em 1797, quando comandava
uma divisão de navios, em frente às costas espanholas, com a missão de impedir a saída de
navios franceses e espanhóis do Mediterrâneo para se agregarem aos navios franceses de
Brest para a projetada invasão da GB, Jervis interceptou uma divisão espanhola que se
encontrava perto do cabo São Vincente. Irrompeu então um combate naval que ficou
conhecido na história naval como batalha do cabo São Vicente com uma estrondosa vitória
de Jervis. Nelson, inclusive como comodoro, teve uma participação destacada nesse
combate naval493. Pela atuação de Jervis nessa batalha, ele foi alçado ao pariato, recebendo
o título de conde St. Vincent. Por suas qualidades de liderança e desempenho profissional
Jervis foi designado Primeiro Lorde do Mar entre 1801 e 1804.494
A partir das Guerras anglo-holandesas no século XVII, a RN foi dividida em três
esquadras que receberam cores designativas. A esquadra mais antiga foi chamada de
esquadra vermelha. A seguinte de esquadra branca e a mais moderna de esquadra azul. Os
almirantes dessas esquadras hasteavam seus pavilhões de cores nos topes dos mastros de
seus navios capitâneas. Como as esquadras eram divididas em divisões comandadas por
almirantes mais modernos, as cores acompanhavam seus chefes, assim uma divisão da

493
No capítulo 5 serão feitas considerações sobre esse encontro naval.
494
Ibidem, p. 47.
139

esquadra vermelha comandada por um contra-almirante, também, tinha seu pavilhão de cor
vermelha hasteado no mastro de seu navio capitânea.
Existiam então três postos de oficiais-generais. O mais moderno e primeiro posto do
almirantado era o contra-almirante495, seguido do vice-almirante496 e do almirante497, o
posto mais antigo e máximo da hierarquia. Assim pode ser percebido que existiam
inicialmente nove postos de oficial general na RN, acrescido de outro posto em 1805, na
seguinte seqüência abaixo determinada:

Terminologia em Português. Terminologia em Inglês.


Almirante de Esquadra. Admiral of the Fleet
Almirante da Esquadra Vermelha – a partir de Admiral of the Red
1805.
Almirante da Esquadra Branca Admiral of the White
Almirante da Esquadra Azul Admiral of the Blue
Vice-Almirante da Esquadra Vermelha Vice-Admiral of the Red
Vice-Almirante da Esquadra Branca Vice-Admiral of the White
Vice-Almirante da Esquadra Azul Vice-Admiral of the Blue
Contra-Almirante da Esquadra Vermelha Rear-Admiral of the Red
Contra-Almirante da Esquadra Branca Rear-Admiral of the White
Contra-Almirante da Esquadra Azul Rear-Admiral of the Blue
Tabela 2.

A escada hierárquica era longa a partir de contra-almirante, sempre por antiguidade.


Quando um almirante da Esquadra Vermelha ascendia a almirante de esquadra ou quando
falecia, ele automaticamente abria uma vaga e um almirante era promovido por antiguidade
a almirante da Esquadra Vermelha, abrindo uma vaga de almirante da Esquadra Branca e
assim por diante, seguindo até o contra-almirante da Esquadra Azul que abria uma vaga
para um capitão ascender ao almirantado. Só existia um almirante de esquadra apenas na
RN, os demais postos mantinham-se com os efetivos completos, conforme as necessidades

495
Em inglês rear-admiral, ou almirante da divisão de ré da esquadra (rear division).
496
Em inglês vice-admiral ou almirante da divisão de vante da esquadra (van division).
497
Em inglês admiral ou almirante comandante da esquadra, normalmente localizado no centro.
140

em caso de guerra e paz, utilizando-se o conhecido processo de ‘half pay’498. Os almirantes


mantinham-se sempre em atividade e sua graduação era mantida até o seu falecimento.
Um caso excepcional de longevidade na RN foi o do almirante de esquadra Provo
Wallis. Nascido em 1791, Provo entrou para a RN em 1800 com apenas nove anos de
idade, como um jovem midshipman e gentleman. Em 1813 ele era tenente, sendo
promovido por atos de heroísmo a comandante nesse mesmo ano.499 Em 1819 foi
promovido a capitão. Em 1851 foi promovido a contra-almirante, vice-almirante em 1857 e
almirante em 1863, já contando com 72 anos de idade, sempre em atividade. Em 1877 ele
foi promovido a almirante de esquadra, já com quase 87 anos de idade, em ‘half pay’
naturalmente, pois a idade já pesava bastante. O mais interessante é que Provo continuava
na Navy List como ‘half pay’, podendo ser chamado a qualquer momento pela RN ! No seu
centésimo aniversário Provo continuava lúcido, escrevendo e lendo com facilidade, sendo
festejado não só na RN como em todo UK como um dos sobreviventes do período de
Nelson. Veio a falecer um ano depois com 101 anos de idade, um dos últimos almirantes de
esquadra do período à vela na RN.500
As responsabilidades de um almirante em comando no mar eram grandes. Ele era
responsável, além de sua divisão de navios, de guiá-los com eficiência em combate,
procurando sempre destruir o adversário.501 Era esperado, também, que ele tivesse
capacidade de representar diplomaticamente a GB, principalmente em locais onde
inexistiam embaixadores ou cônsules britânicos. Como o sistema lidava com capitães que
reconhecidamente estavam despreparados para assumir uma função de mando como contra-
almirante da Esquadra Azul ?
Em razão da rigidez hierárquica, o Almirantado não poderia preteri-lo na promoção,
uma vez que a antiguidade era o critério no avanço profissional, no entanto poderia
promovê-lo a contra-almirante da Esquadra Azul e coloca-lo em ‘half pay’, aguardado
futura comissão502. Ao mesmo tempo, se o sistema desejasse promover um capitão mais

498
Para uma idéia do número de oficiais que compunham a RN no período de vida de Lorde Nelson entre
1803 e 1805 e os Primeiros Lordes do Mar entre 1793 e 1805 ver anexo D).
499
Durante uma ação na Guerra de 1812 contra os EUA.
500
LEWIS, op.cit. p.184.
501
Exatamente nesse aspecto que o almirante Sir John Byng falhou, levando-o a sua corte marcial e posterior
fuzilamento.
502
Pejorativamente esse almirante era chamado de contra-almirante da Esquadra Amarela ou almirante
amarelo. Fonte: LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 99.
141

moderno na Navy List, ele promoveria os capitães mais antigos e os colocaria em ‘half
pay’, permitindo a promoção desse oficial a contra-almirante da Esquadra Azul. Esse
expediente foi utilizado pelo Almirantado para promover Nelson a contra-almirante. Esse
sistema de esquadrões por cores subsistiu na RN até 1864, quando foi descontinuado e a
bandeira de cor branca foi adotada para todos os navios de guerra. A cor vermelha denotou,
a partir daquele instante, os navios da marinha mercante.503
Apesar das promoções serem por antiguidade, existia o patronato de alguns almirantes
com capitães promissores, o que para o sistema não era uma atividade danosa, pois os
capitães eficientes eram logo percebidos pelos seus chefes imediatos, almirantes, que
queriam promovê-los e engajá-los como seus assistentes, comandantes de divisão e a
certeza de que contariam com almirantes leais e competentes.
As acomodações dos almirantes a bordo de seus navios capitâneas ficavam na popa,
constando de uma cabine de trabalho com varanda, um camarote de dormir com sanitários
próprios e uma cabine de refeições, secundado por serventes, cozinheiros, secretário e
auxiliares, tendo sempre, como o comandante do navio, um fuzileiro real zelando por sua
segurança. Normalmente em navios de 1a classe, as acomodações do almirante ficavam no
convés abaixo do comandante e acima da praça d´armas dos oficiais.504
O que se esperava de um almirante durante o combate ? Primeiro, que agisse como
gentleman, defendendo sua honra, dignidade e a GB. Segundo, que se posicionasse no
tombadilho próximo do comandante para que fosse visto por todos os marinheiros, exposto
a todos os perigos do combate. Por essa postura Nelson acabou sendo localizado por um
atirador francês durante a batalha de Trafalgar e alvejado mortalmente. Em terceiro, era
fundamental que o almirante mantivesse frieza na ação, de modo a que a eficiência e moral
fossem mantidos em combate. Em quarto lugar, era primordial que o almirante não
demonstrasse nenhuma hesitação, temor ou preocupação. E por fim, esperava-se que
tomasse as decisões táticas com critério e objetividade, sendo que o mais importante era a
vitória. Se ele procedesse conforme apontado e não obtivesse a vitória, esperava-se que ele
pelo menos salvasse o maior número de navios subordinados a ele e apoiasse aqueles
avariados, impedindo a sua captura pelo inimigo505. Porém nada substituía a vitória.

503
HICKOX, op.cit. p. 28.
504
No caso de navios de 1a classe como o HMS Victory. Fonte: LONGRIDGE, op.cit. p. 20.
505
FREMONT-BARNES, Gregory. Nelson´s Officers and Midshipmen. op.cit. p. 57.
142

Um exemplo típico de como deveria se comportar um gentleman almirante é descrito


por William Smith de 21 anos de idade, servente do almirante Cuthbert Collingwood,
segundo no comando de Lorde Nelson, durante a batalha de Trafalgar. Smith afirmou que
Collingwood falava calmamente durante a fase mais árdua do combate, dizendo que :

Em nenhuma ocasião eu pude observar uma pequena mudança de sua


maneira de proceder usual. Isso me impressionou tanto que não se
apagará de minha mente. Eu me pergunto como uma pessoa cuja mente
estava absorvida com tantas coisas importantes, poderia com a maior
calma e equanimidade, perguntar gentilmente como eu estava me
sentindo e falar de assuntos comuns como se nada importante estivesse
acontecendo.506

A RN esperava exatamente esse tipo de reação de um gentleman almirante da RN


durante o combate.

- Suboficiais:

Os suboficiais507 eram indicados e designados pelo Navy Board508, diferentemente


dos oficiais que eram comissionados pelo Almirantado. A procedência dos suboficiais era
diversa. Algumas funções a bordo eram completadas pela classe média, outras pela classe
trabalhadora provinda dos estratos mais modestos da sociedade da GB, idênticos aos
estratos de onde provinham os marinheiros. Em verdade, existiam quatro classes de
suboficiais na RN509. A primeira, a classe mais elevada, que pertencia ao ‘tombadilho’510,
freqüentando a praça d´armas e quase igual aos oficiais. A segunda classe com suboficiais
responsáveis pela manutenção, os chamados ‘standing officers’, em razão de permanecerem
com o navio até a sua baixa; a terceira classe consistindo do mestre disciplinar, auxiliares

506
Ibidem, p. 56.
507
Em inglês “warrant officer”. A tradução para o português pelo dicionário de Termos Náuticos Inglês-
Português, Volume I, publicado pelo Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1981 é ‘suboficial’, no
entanto a hierarquia de um ‘warrant officer’ é superior a suboficial e abaixo de midshipman. Por não existir
tal posto nas forças armadas brasileiras para correspondência, prefere-se manter a tradução tradicional
‘suboficial’. Fonte: LIMA, Alexandre Azevedo. Termos Náuticos. op.cit. p. 823.
508
Ver item 2.2.
509
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 100.
510
Ao ‘quarterdeck’, local próprio para oficiais.
143

dos mestres, dos cirurgiões, dos artilheiros e dos carpinteiros; e por fim a quarta classe de
suboficiais com atividades especializadas mais próximas dos conveses de baixo ou dos
marinheiros511 como cozinheiros, contramestres de manobra, de calafeto e de velas.
Uma obrigação para todos os suboficiais que os distinguiam dos marinheiros era a
capacidade de leitura e de realizar pequenas operações matemáticas. O regulamento
estipulava que “nenhuma pessoa podia ser designada para uma função na qual tivesse que
se responsabilizar por dotações logísticas, sendo obrigatório que tivesse capacidade de ler e
escrever, devendo ser capaz de realizar operações aritméticas para manter os registros
atualizados”512.
Na primeira classe de suboficiais, os que freqüentavam as dependências dos oficiais,
incluíam-se o mestre, os cirurgiões, os comissários e os cléricos. O mestre era responsável
pela navegação do navio, tendo precedência sobre todos os midshipmen, correspondendo
em hierarquia ao tenente, porém a ele subordinado. Vinha normalmente de uma classe que
não era gentleman, no entanto sua função era extremamente importante, pois mantinha o
Livro de Bordo atualizado com todas as indicações de navegação, sob a responsabilidade
do capitão. Era o suboficial mais antigo de bordo, recebendo por isso um camarote junto
aos tenentes e próximo ao capitão. Supervisionava as atividades de navegação dos
midshipmen e mantinha os equipamentos de navegação em boas condições, por meio de
seus auxiliares. A ele competia, também, o controle da bebida a bordo, além das velas,
mastreação e cordame. Sua remuneração era mais alta de todos, com exceção da do capitão
e do primeiro tenente imediato. Muitos mestres provinham da marinha mercante e
passavam por uma prova conduzida por um capitão e três outros mestres, quando então
recebiam comissão do Navy Board513.
Os cirurgiões normalmente eram artífices e não necessitavam de graduação em
medicina. Aprendiam o seu ofício em terra e deveriam se submeter a uma prova oral
conduzida pelo Surgeon´s Hall514 em Londres antes de receberam do Navy Board a
comissão a bordo. Distinguiam-se dos médicos que eram graduados em medicina, que se
recusavam a servir a bordo dos navios da RN. Os cirurgiões, apesar de se submeterem a

511
Em inglês os membros dos “lower decks”, ou local onde ficavam os marinheiros.
512
Idem.
513
Ibidem, p. 101.
514
Uma comissão de cirurgiões que atestavam a sua proficiência na profissão.
144

uma prova oral na qual foram aceitos na marinha, eram muito limitados e muito mal vistos
pelos capitães que os consideravam inferiores, embora freqüentassem a praça d´armas de
oficiais515. Eram considerados civis, embora estivessem hierarquicamente no nível de
suboficial habitando camarotes individuais. Sua responsabilidade era tratar os feridos e
doentes a bordo, fumigar o navio periodicamente contra germes, bactérias e maus odores e
supervisionar a limpeza do navio e da tripulação, o que poderia ser um contra-senso, uma
vez que o banho de água doce inexistia normalmente e o banho de água salgada era
dispensado516. Geralmente, em períodos de chuva, os marinheiros aproveitavam para lavar
suas roupas e lavar os seus corpos, sob a supervisão do cirurgião. Com o tempo, os
cirurgiões se tornavam exímios em amputações de membros superiores e inferiores em
condições de combate. A maior preocupação dos cirurgiões eram as doenças que grassavam
nas tripulações, principalmente o escorbuto.
O comissário517 era o responsável por todos os gêneros recebidos e controlados por
ele durante as viagens. Normalmente era um antigo secretário do capitão e lhe era
subordinado diretamente, sendo dessa maneira um homem de sua inteira confiança. Era
responsável pelo Muster Book518 que controlava toda a movimentação de entrada e saída de
marinheiros do navio. Sua remuneração não era boa, no entanto recebia a diferença de 1/8
do total de gêneros, em razão de perdas por ação de ratos, baratas, mofo, calor, frio e
contaminação por água salgada519. Além disso, recebia uma comissão de 5 a 10% pela
função, dessa forma a posição de comissário era muito procurada e muito mal vista pela
guarnição. Os acertos com fornecedores eram comuns e a corrupção endêmica, recheando o
bolso de muitos comissários.
Os cléricos que embarcavam em navios da RN provinham das classes mais modestas
da GB. Não eram vistos como essenciais a bordo pelos oficiais e marinheiros. Somente a
partir de 1790 começaram a melhorar suas reputações. Normalmente existiam poucos
cléricos nos navios da RN, principalmente em navios de 1a a 3a classes. Os cléricos
provinham da religião anglicana, a maior parte, e alguns católicos e presbiterianos, embora

515
HICKOX, op.cit. p. 36.
516
Idem.
517
Em inglês ‘purser’.
518
Na Marinha brasileira existe o Muster Book que é chamado de Livro de Portaló, sob o controle do
imediato.
519
Ibidem. p. 33.
145

essas religiões não fossem oficialmente reconhecidas pela RN.520 Nelson era um homem
extremamente religioso e seu capelão foi Alexander John Scott, uma figura excepcional
com qualidades que extrapolavam as religiosas. Foi um assessor muito próximo de Nelson,
exímio lingüista e extremamente inteligente521, destacou-se sobremaneira na vida do herói
inglês.
A segunda classe de suboficiais era o dos chamados ‘standing officers’ que
permaneciam com o navio até a sua baixa e eram os responsáveis pela manutenção.
Incluíam-se nesse grupo o mestre de manobra, o artilheiro e o carpinteiro. Eles não
freqüentavam os espaços reservados a oficiais.
Normalmente o mestre de manobra522 provinha de marinheiro e o regulamento
determinava que ele servisse pelo menos um ano como auxiliar de manobra antes de
assumir essa função. Era obrigatório que soubesse ler, no entanto o que dele era exigido
somente congregava experiências nas fainas de manobra do navio. Ele era responsável pela
manutenção e conservação das velas e dos cabos, além das embarcações pequenas, âncoras
e mastros. A ele se subordinavam os veleiros e auxiliares de manobra. Por suas atividades,
os mestres de manobra tendiam a ser personagens pitorescos a bordo, por serem muito
ligados aos marinheiros que realizavam o serviço duro, muitos deles inclusive tendiam a
beber demasiado e a serem punidos por faltas ligadas a bebida523.
Os artilheiros tinham pouca oportunidade de conhecer a ciência da balística e da
direção de tiro. Eles eram obrigados a se submeter a um exame, embora os regulamentos
não especificassem quem aplicaria essa prova. Os artilheiros e seus auxiliares deveriam
servir pelo menos um ano como marinheiros antes de obterem a comissão de suboficiais.
Suas responsabilidades incluíam a manutenção dos canhões e seus periféricos, não se
responsabilizando pelo disparo a cargo dos tenentes e midshipmen. Pelo Anexo C) pode-se
perceber que as guarnições dos canhões, sob a supervisão dos tenentes, eram grandes,
entretanto para cada quatro canhões existiam um artilheiro, dois auxiliares de artilheiro e
um armeiro. A esse grupo competia municiar as buchas para o disparo, balins e cartuchos
de munição para os quatro canhões, examinar o estado desses canhões e de seus suportes e

520
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 102.
521
LAVERY, Brian. Life in Nelson´ Navy. op.cit. p. 35.
522
Em inglês ‘boatswain’.
523
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit p. 103.
146

reparos e consertá-los, caso estivessem avariados. Além disso, a eles competiam a


manutenção do armamento portátil e dos implementos de artilharia como, por exemplo,
soquetes. Ao artilheiro chefe competia o adestramento de seus auxiliares, tanto em
artilharia, como em armas portáteis. Não existia uma progressão hierárquica para os
artilheiros, havendo apenas uma movimentação dos artilheiros mais antigos para navios de
maiores classes.
Os carpinteiros, diferentemente dos outros ‘standing officers’, deveriam aprender o
seu ofício em terra. Além de serem já especialistas, os carpinteiros deveriam servir na RN
por um período mínimo de seis meses e deveriam obter certificados de boa conduta
emitidos pelos capitães comandantes de navios. Muitos desses carpinteiros eram
convocados pela chamada ‘press gang’524 e obrigados a servir nos navios da RN, uma vez
que sua utilidade era inquestionável a bordo. Normalmente o carpinteiro chefe contava com
um número grande de auxiliares, até dez em um navio de 1a classe. Suas responsabilidades
eram grandes. Era o responsável pelo calafeto e madeirame do navio, com sua conservação
e manutenção. Em combate tinha uma função parecida com o que hoje se chama nas
marinhas contemporâneas de ‘controle de avarias’. Reparava e tamponava furos nos
costados provocados pela artilharia inimiga e procurava consertar mastros avariados por
fogo adversário durante a batalha, assim sua função a bordo era muito importante, tanto em
períodos de paz como em guerra.525
A terceira classe de suboficiais incluía os mestres disciplinares, auxiliares de mestres,
de cirurgiões, de artilheiros e de carpinteiros. Não freqüentavam os círculos dos oficiais.
Todos os navios da RN possuíam mestres disciplinares526. Suas tarefas eram “inspecionar a
conduta da guarnição do navio como um todo e reportar qualquer impropriedade que
testemunhar que venha a afetar a disciplina do navio”.527 Como pode ser percebido esse
suboficial tinha grande poder a bordo. Auxiliava os artilheiros no adestramento de armas
portáteis, daí a origem de seu nome em inglês master at arms. Em navios maiores contava
com auxiliares. Muitos mestres disciplinares eram odiados a bordo, pois a eles era imputada
a delação de faltas de marinheiros para os oficiais e posterior julgamento pelo comandante

524
Será discutido à frente as tarefas da ‘press gang’ na convocação de marinheiros para os navios da RN.
525
Idem.
526
Em inglês ‘master at arms’.
527
Ibidem, p. 135.
147

do navio. Normalmente eram homens provenientes de marinheiros, com histórico de


valentia e destemor. Não era uma função desejada a bordo, pois poucos queriam ser
‘policiais’ de seus colegas a bordo.
Os auxiliares de mestres, como o título indicava, auxiliavam o mestre em suas
múltiplas atividades. Ajudavam o mestre na manutenção dos instrumentos de navegação,
cartas de navegação e livros náuticos. Em complemento, supervisionavam a condição das
âncoras do navio e auxiliavam o adestramento dos midshipmen. Muitos eram voluntários e
deviam passar determinado período de tempo como auxiliares até assumirem a função de
mestre, quando havia abertura de vagas. Acomodavam-se nos alojamentos dos
midshipmen.528
Os auxiliares de cirurgiões529 eram normalmente provenientes diretamente da Surgeon
Hall. Em navios de 1a classe, o cirurgião contava com três assistentes, os demais navios de
linha dois e por fim nos navios pequenos apenas um. Esses assistentes deveriam servir
nessa função por pelo menos três anos, logo existiam assistentes de 1o, 2o e 3o graus,
conforme avançavam nos anos de serviço. O cirurgião e seus auxiliares deveriam prover os
seus próprios instrumentos de trabalho, enquanto o governo provinha os remédios e
produtos medicinais530.
Os auxiliares de artilharia531 auxiliavam o artilheiro chefe na manutenção e
conservação da artilharia a bordo. Normalmente eram os encarregados de paióis de
munição e apetrechos de artilharia. Os paióis de munição, por serem vulneráveis ao tiro
inimigo, localizavam-se nos conveses inferiores. Os auxiliares deveriam manter esses locais
secos e prontos para serem utilizados em combate. Quando o navio sofria qualquer
manutenção, o artilheiro e seus auxiliares retiravam toda a munição de bordo e a estocava
em um paiol em terra até o término da manutenção, normalmente quando os navios se
encontravam em dique seco, retornando com ela ao final desse período532.
Os auxiliares de carpinteiros533 auxiliavam o carpinteiro chefe a manter e conservar o
madeirame de bordo. Eles começavam, assim como os carpinteiros, com o aprendizado em

528
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 101.
529
Em inglês “surgeon’ mate”.
530
MASEFIELD, op.cit. p. 43.
531
Em inglês “gunner’s mate”.
532
FREMONT-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. op.cit. p. 35.
533
Em inglês “carpenter´s mate”.
148

terra, passando para auxiliares do carpinteiro chefe até assumir essa função depois de
alguns anos nos navios da RN. Existiam situações em que os auxiliares de carpinteiro
provinham de marinheiros, quando não existia um número suficiente de auxiliares em
determinados navios e o carpinteiro chefe escolhia entre os marinheiros de bordo aqueles
mais afeitos a trabalhar com madeira.
Por fim, o último grupo de suboficiais era formado pelos cozinheiros e contramestres
de manobra, calafeto, velas e auxiliares dos mestres de manobra. Esse grupo de
profissionais provinha das classes mais baixas da sociedade britânica e se identificavam
com os marinheiros.
Os cozinheiros não necessitavam ser especialistas em cozinha, embora alguns
cozinheiros tivessem algum conhecimento em culinária por terem trabalhado em
tavernas534. Muitos cozinheiros assumiram essa função por estarem impossibilitados de
desempenhar funções mais rústicas a bordo, ou por terem sido feridos, ou serem muito
idosos. Em um navio de 3a classe existiam cerca de três cozinheiros, um chefe e dois
auxiliares. Suas responsabilidades abarcavam a confecção da comida de bordo e da
limpeza da cozinha, tendo, como sempre, a preocupação de assegurar que nenhum acidente
com fogo ocorresse, o que seria um desastre, em razão do navio ser quase todo de madeira.
Como era de se esperar, não cozinhavam para o comandante que tinha o seu próprio
cozinheiro.
Os contramestres de manobra, calafeto e velas535 normalmente assumiam função de
manobra no timão do navio para levá-lo de um lado para outro, sob as ordens dos tenentes e
eventualmente do capitão comandante do navio. Como tarefa complementar auxiliavam o
comissário na estocagem de provisões. Eram marinheiros que, por seu tempo de serviço e
experiência, eram elevados a essa função536. Possuíam auxiliares nessa tarefa e eram em
número de seis em um navio de 3a classe, podendo seu número chegar a oito em navios
maiores. Alguns contramestres, por suas experiências, também auxiliavam o mestre de

534
Ibidem, p.37.
535
Em inglês “quartermasters”.
536
Muitos desses marinheiros eram qualificados como ‘petty officers’, isto é, como marinheiros
especializados e transitavam em uma área entre os suboficiais e os marinheiros comuns, assim é importante
ressaltar que esses dois últimos grupos de suboficiais possuíam características que os colocavam mais como
petty officers do que suboficiais, isto é, mais como marinheiros especializados.
149

manobra537 em suas atividades de manobra de velas, auxiliar na calafetagem, poleame538 e


maçame539.
Algumas funções a bordo transitavam entre os quatro grupos de suboficiais e tinham
uma tarefa especial. A primeira função especial era o dos mestres-escola540. Não
freqüentavam a praça d´armas de oficiais e não possuíam camarores específicos a bordo.
Passavam por uma prova para serem admitidos na RN e tinham que, além de saber ler e
escrever com desembaraço, ter conhecimentos aprofundados em navegação, astronomia e
matemática. Suas tarefas eram ensinar essas disciplinas aos midshipmen e a ler e escrever
para os marinheiros. O pagamento e a sua posição a bordo pouco privilegiada não atraía
muitos candidatos, pois normalmente esses personagens tinham boa formação intelectual e
social. Aos poucos a RN iria mudar o modo como o mestre-escola era visto a bordo, sua
remuneração e sua condição hierárquica entre seus colegas, atraindo jovens recém-saídos
da universidade. Durante o século XIX passariam a ser considerados no mesmo nível
hierárquico que os oficiais.
Outro grupo totalmente distinto dos demais era o formado pelos fuzileiros reais.
Todos os navios da RN possuíam um contingente de fuzileiros que se distinguiam dos
marinheiros por utilizarem um uniforme vermelho. Compunham cerca de 1/5 de todo o
efetivo do navio, assim existiam 120 fuzileiros para um navio de 3a classe. Em navios
maiores podiam chegar a ser 150 homens. Originavam-se de soldados retirados de
regimentos do exército que se voluntariavam para servir a bordo, não existindo conscritos
nesse grupo. Quando não empregados nos navios, eram encaminhados para quatro quartéis
em terra, localizados em Chatham, Portsmouth, Plymouth e Woolwich. Mantinham-se
sempre em adestramento a bordo, eram obedientes e disciplinados. Seus efetivos variavam
dependendo da ocorrência de guerras. Em 1793 existiam 5.000 fuzileiros reais e no ano da
morte de Nelson, em 1805, seus números chegaram a 30.000 homens. Eles tinham duas
tarefas a bordo. Quando em tempo de paz patrulhavam e vigiavam locais importantes do
navio como os camarotes dos almirantes e comandantes, o paiol de munição, o paiol de

537
Em inglês ‘boatswain mates’.
538
Poleame é o conjunto de todas as peças que servem para fixar ou dar retorno aos cabos dos aparelhos do
navio. Fonte: FONSECA, Maurílio. Arte Naval. V2. Rio de Janeiro: SDM, 1985, p. 489.
539
Maçame significa todos os cabos empregados nos aparelhos fixos e móveis do navio. Fonte:
PIOVESANA, Alberto. op.cit. p. 24.
540
Em inglês “schoolmaster”.
150

bebidas e outros locais designados pelo capitão. Inibiam, também, quaisquer indisciplina e
motins a bordo. Seus alojamentos eram separados dos marinheiros e localizavam-se
estrategicamente entre os alojamentos da guarnição e os camarores dos oficiais para
servirem como escudo, em caso de motim ou de necessidade. Podiam cooperar com os
marinheiros nas fainas de peso nos navios, embora essas tarefas não fossem por eles muito
apreciadas. Quando em tempo de guerra, guarneciam os conveses dos navios em combate,
provendo fogo de armas portáteis contra os inimigos. Podiam compor grupos de abordagem
e repelir abordagens de adversários. Podiam, quando necessário, auxiliar os artilheiros nos
canhões, movimentando e municiando esse armamento. Podiam, também, compor grupos
de desembarque de ataques contra fortes inimigos, guardar prisioneiros e compor guarnição
de presas de navios capturados.541Normalmente esses destacamentos de fuzileiros eram
comandados por um oficial fuzileiro que compunha a praça d´armas de oficiais. Os
fuzileiros foram soldados leais e destemidos e instrumentos disciplinadores fundamentais
para os comandantes de navios.

- Marinheiros:

Quem eram os marinheiros que compunham as tripulações dos navios da RN ? Brian


Lavery transcreveu parte de um diário de cirurgião, recentemente chegado a bordo de um
navio no século XVIII, ainda sem a influência das lides marinheiras, impressionado com
aqueles tipos especiais e diferentes de homens. Disse esse cirurgião o seguinte:

São somente homens de tal descrição que enfrentam as fadigas e os


perigos da vida no mar; existe uma necessidade de se estar acostumado a
essa vida desde criança. O modo de pensar, pelo costume e exemplo, é
treinado para enfrentar com valentia a fúria dos elementos em suas
diferentes formas com um grau de desprendimento com o perigo e a
morte que não se vê em qualquer outro lugar...as deficiências de
educação não são sentidas e o conhecimento geral irrelevante. O orgulho
consiste em ser reconhecido como um marinheiro puro sangue e eles
vêem o homem de terra como inferior. Isso tem a sua marca de uma
maneira singular com uma linguagem marinheira em qualquer transação
na vida, algumas vezes com ostentação pedante. Tendo pouco contato
com o mundo exterior, são facilmente enganados e passados para trás em
qualquer lugar que vão; seu dinheiro é gasto ostentosamente em grande

541
Ibidem, p. 40.
151

profusão; boas roupas para sua namorada, um relógio de prata e cintos de


metal para o seu próprio uso, são os únicos retornos para tantos anos de
trabalho e sacrifício.542

Esse era o tipo de homem que guarnecia os navios da armada real da GB. Provindo
das classes mais baixas, eram rústicos, brutos e iletrados. Eram capazes de ficar 36 horas
sem dormir enfrentando mares bravios, esses homens não se importavam com as difíceis
condições de vida nos navios britânicos. Muito poucos liam alguma coisa, os marinheiros
viviam um dia atrás do outro, com a única pespectiva de subir um ou dois degraus na difícil
hierarquia da RN. Suas acomodações eram ruins, úmidas, desconfortáveis e infestadas de
ratos e baratas, normalmente nos conveses abaixo, daí serem chamados de grupo dos ‘lower
deck’ em contraposição ao grupo do ‘quarterdeck’, os oficiais. Eram homens que se
arriscavam a recolher as velas a vinte ou trinta metros de altura nos mastros principais de
bordo, muitas vezes em péssimas condições de mar e vento. Algumas vezes ingênuos,
outras vezes violentos, tinham uma relação de amor e ódio com seus oficiais e muitas vezes
com seus suboficiais. Podiam amar seu capitão, como era o caso com Nelson quando
comandou o HMS Agamemnon, ou podiam odiar seu comandante como foi o caso com
William Bligh do HMAS Bounty. No entanto espelhavam um desejo comum de glória e
principalmente de butins apreendidos de navios inimigos como prata, ouro e bens diversos.
Muitas vezes os marinheiros passavam dias, semanas e até meses sem tomar banho, o
que para eles não era nada extraordinário, principalmente por que na sociedade britânica o
banho não era algo tão comum como nos trópicos. O Almirantado não se importava com
uma carreira profissional para seus marinheiros e nem atraía os bons homens com bons
salários, o que aumentava tanto o número de desertores, um efeito crônico na RN, como a
insatisfação a bordo, culminando, inclusive nos diversos motins ao final do século XVIII
como os de Spithead e Nore. A idéia que as autoridades tinham dos marinheiros da RN era
de serem mentalmente inferiores, simplórios, alegres, leais e naturalmente preguiçosos.
Como disse o historiador naval brasileiro Hélio Leôncio Martins, os almirantes
consideravam os marinheiros “imprevidentes, o pagamento devendo ser controlado. Com a

542
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 134.
152

tendência para se embriagarem, sua ida para a terra era prejudicial, enfim crianças dirigidas
e vigiadas pelos comandantes e almirantes”.543
Existiam três formas de se entrar na RN como marinheiro. A primeira como
voluntário, a segunda por quota e por fim, a pior de todas, por conscrição obrigatória.
O voluntariado não era o maior segmento de marinheiros, contudo existiam milhares
de voluntários na RN. Muitos desses voluntários eram marinheiros da marinha mercante
que procuravam maiores aventuras, outros eram marinheiros que compunham os grupos
que acompanhavam os almirantes e capitães de um navio para outro. Outro grupo era
composto de trabalhadores na agricultura e no comércio que, por uma razão ou outra, se
voluntariaram para receber partes dos butins conquistados de navios inimigos, o que era
totalmente legal, ou por serem atraídos por aventuras e viagens exóticas para as Índias
Orientais e Ocidentais. Um exemplo foi John Nicol que se voluntariou com 21 anos de
idade afirmando que lera “Robinson Crusoe muitas vezes e desejava ir para o mar...todo o
meu tempo foi gasto em barcos e em embarcações costeiras”.544
Brian Lavery frizou que o patriotismo não teve muito efeito sobre esses voluntários,
em razão desse sentimento não estar devidamente concientizado nesses homens, apesar de
existirem diversos cartazes com propaganda para se alistarem.545 Outro método de atrair
voluntários era por meio de recompensas em dinheiro. Muitas dessas recompensas foram
impingidas sobre homens que estavam prestes a serem conscritos compulsoriamente.
Os voluntários podem ser classificados em dois grupos etários. O primeiro formado
por garotos e o segundo por homens adultos. As razões para o voluntariado do primeiro
grupo racaía sobre a possibilidade de aventuras no mar, ou por maus tratos em casa ou
mesmo por oferecimento dos genitores à RN para a melhoria das condições de vida de seu
filho. Existiam três classes de garotos voluntários. O primeiro grupo, chamado de
‘voluntários de 1a classe’, consistia de jovens gentlemen que iriam ser futuros midshipmen
que serviam inicialmente como serventes de oficiais e do próprio comandante, entrando na
cota pessoal do capitão, conforme debatido anteriormente. Trata-se assim de futuros
oficiais e pessoal do ‘tombadilho’. O segundo grupo, o dos conveses inferiores, os do

543
MARTINS, Helio Leôncio. Dois motins. Navigator. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da
Marinha, v.4, n.7, junho de 2008, p 57.
544
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 124.
545
Idem.
153

‘lower decks’, consistia de garotos de 15 a 17 anos de idade que eram serventes e auxiliares
de marinheiros, preparando-se para assumirem funções efetivas de marujos a bordo. Eram
chamados de ‘voluntários de 2a classe’. O terceiro grupo, também do grupo dos conveses
inferiores, consistia de garotos de 13 a 15 anos de idade, ‘os voluntários de 3a classe’, que
serviam igualmente como serventes e auxiliares de marinheiros. Eram jovens mais moços
que aprendiam o ofício sem necessariamente conduzir trabalhos muitos pesados ou árduos,
mais condizentes com os garotos ‘voluntários de 2a classe’ ou marinheiros. Muitos desses
jovens atuavam como serventes dos oficiais546.
Existia uma sociedade, a Marine Society, fundada em 1756, que auxiliava o
recrutamento de jovens para a RN. Era uma organização de caridade dedicada a recrutar
jovens pobres abandonados nas ruas das cidades inglesas. Ela acolhia esses jovens
abandonados, os alimentavam e os vestiam, dando um mínimo de treinamento naval com o
propósito de oferecê-los a RN como voluntários. Em 22 anos de guerras contínuas contra a
França de 1793 a 1815 foram oferecidos à RN cerca de 22.973 jovens voluntários.547
Outro modo interessante de recrutar marinheiros era por meio do convencimento de
prisioneiros de guerra capturados e mantidos em prisão. Era oferecida a liberdade para se
agregarem a RN e certa quantia em dinheiro com o voluntariado. Houve alguns realistas
franceses que se agregaram à RN contra os revolucionários de 1789, principalmente da
Bretanha e da Normandia, províncias pouco amigáveis com a Revolução, além de
voluntários de outras nações que lutavam contra a França. Para se ter uma idéia da
diversidade de nacionalidades dos marinheiros que se agregaram como voluntários ou
conscritos em um navio da RN, pode-se listar a tripulação da HMS Implacable de 3a classe:
483 britânicos, sendo 285 ingleses, 130 irlandeses, 29 escoceses e o restante de rincões da
GB e 80 estrangeiros, incluindo 28 norte-americanos, 8 suecos, 8 prussianos, 7
dinamarqueses, 5 portugueses, além de voluntários da Espanha, Jamaica, Trinidad,
Bermuda, Holanda, Alemanha, Índia, Sicília, Minorca, Córsega, S. Domingo, S. Kitts,
Martinica, Santa Cruz, Ragusa, Madeira, Índias Ocidentais e um do Brasil ! No total 86%
de britânicos e 14% de estrangeiros.548

546
LEWIS, op.cit. p. 89.
547
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 124.
548
LEWIS, op.cit. p. 129.
154

Outro grupo de voluntários era composto de pequenos criminosos cumprindo pena


por dívidas, ou por contrabando. Os primeiros utilizavam os prêmios pelo voluntariado
como forma de pagar suas dívidas. Os últimos eram considerados por muitos oficiais bons
marinheiros e eram os preferidos.
O segundo grupo de marinheiros provinha do que se chamava de atos de quota. Esses
atos tinham como propósito aumentar o número de marinheiros que guarneciam os navios
da RN após a declaração de guerra entre a GB e a França a partir de 1793. Foram dois os
atos de quota aprovados pelo Parlamento sob a inspiração de William Pitt. O primeiro de
1795 de número 35 Geo III c5 obrigava que cada município549 provesse uma certa
quantidade de “homens capazes de servir nos navios de Sua Majestade”.550 Esses homens
deveriam ser escolhidos dentre as classes mais pobres e a eles seriam oferecidos prêmios
em dinheiro para o voluntariado. As condições e qualificações pessoais dos escolhidos
ficariam inteiramente a critério dos municípios e as comarcas judiciais enviavam esses
homens para a RN. Como exemplo, o número de voluntários nesse processo variava, de
Bedford deveriam ser indicados 57, de Berkshire 108 e Buckinghamshire 117. O segundo
ato, também de 1795, de número 35 Geo III c9 estabelecia a mesma obrigação para as
cidades portuárias inglesas. Caso fosse indicado um marinheiro especializado, esse número
contaria por dois voluntários. Os números, então aumentaram consideravelmente. De
Londres, por exemplo, vieram 5.704 voluntários. Esses dois atos nada mais eram que o
recrutamento forçado por quotas, passando essa responsabilidade para os municípios que
muitas vezes se viram impossibilitados de atingir as quotas estabelecidas e tiveram que
recorrer a vagabundos e pequenos criminosos que, na primeira oportunidade, desertavam,
provocando, por parte da RN, a proibição da saída de marinheiros dos navios atracados nos
portos ingleses e escoceses.
Pode-se afirmar que os atos de quota tiveram sucesso em aumentar os efetivos da RN,
passando de 87.331 marinheiros em 1794 para 114.365 em 1796, muitos desses voluntários
provindo dos atos de quota de 1795. Alegremente Pitt diria na Câmara dos Comuns que
esses atos conseguiram aumentar o número de marinheiros na RN de forma eficiente, o que
não foi contestado pela oposição.551

549
Em inglês “county”.
550
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 128.
551
Idem.
155

O almirante Collingwood, comandante de um navio de linha no período, diria que o


sistema de quotas foi prejudicial a RN e provocou em 1797 os motins de Spithead e Nore
por trazerem maus elementos e despreparados para o seio da marinha de guerra.
A última maneira de se entrar na RN como marinheiro era por conscrição
obrigatória.552 Esse sistema era detestado e brutal. Em razão dos claros na RN em períodos
de guerra, o sistema de voluntariado e de quotas não atingia, por si só, os efetivos
necessários para a luta contra a França no final do século XVIII. A própria França
empregou esse sistema de conscrição após a Revolução de 1789. Os recrutados
compulsórios eram baratos e numerosos. Caso morressem mil recrutados na guerra, o
estado poderia recrutar obrigatoriamente mais mil combatentes rapidamente e suprir os
claros. Por ser um sistema obrigatório, ele era temido e sempre que possível enganado,
tanto pelos recrutados, como pelas famílias que deles dependiam. Em verdade esse sistema
de conscrição nunca fora abolido na Inglaterra e depois GB. Ele provinha desde a Idade
Média com maiores e menores intensidades. Ele era considerado legal, se existisse um
grupo volante de recrutadores553 conduzido por um oficial da marinha em atividade e uma
autorização assinada pelos lordes do Almirantado, dando-lhe autoridade para recrutar
homens em idade de conscrição, que não era especificada, ficando tal avaliação a cargo do
próprio oficial. Isso não significava que qualquer homem podia ser recrutado. A lista de
proibições era longa e incluía comandantes e mestres da marinha mercante, marinheiros em
atividade de pesca, aprendizes já escalados para a marinha mercante, estrangeiros, práticos
de portos ingleses, a não ser que tivessem encalhado algum navio na atividade de
praticagem, funcionários do rei e, como sempre ocorria, privilegiados que obtinham isenção
de autoridades reais.
O serviço de recrutamento (Impress Service) estava localizado na Tower Hill em
Londres e existiam divisões de recrutamento em quase todos os portos na GB, chefiados
por oficiais de marinha. Os grupos volantes de recrutadores eram formados por um oficial e
seis a oito homens, muitos de grande truculência, provocando inclusive muita resistência
das autoridades locais contra seus métodos brutais. Ser um membro do grupo de
recrutadores significava automática isenção de conscrição, o que era bom e lucrativo, pois

552
Em inglês “impressment” A definição de ‘press’ era o ato de coagir alguém a se agregar ao serviço
governamental. Fonte: HICKOX. op.cit. p. 17.
553
Em inglês “press gang”.
156

muitos desses verdadeiros marginais eram suscetíveis a corrupção, alertando muitos locais
dos dias de recrutamento. Em 1797 existiam um almirante chefe do serviço, 47 capitães e
comandantes e 80 tenentes realizando tarefas de conscrição554.
O método de conscrição era simples. Esse grupo saía pelas ruas para procurar
conscritos, de preferência ex-marinheiros normalmente com idades entre 18 e 55 anos,
porém a critério do oficial que trazia a autorização do Almirantado. Ao encontrar um
homem ‘candidato’ em tavernas ou andando nas ruas, tentariam convencê-lo a voluntariar-
se para a RN. Eles o convidariam para uma bebida, uma conversa amena, sem discutir o
voluntariado. Caso aceitasse, tentariam embebedá-lo até o deixarem inconsciente. Ao
atingir esse estágio, o levariam para um navio da RN555 localizado no porto e a partir desse
instante já era considerado marinheiro. Outro artifício, caso não conseguissem embebedá-
lo, era colocar um shilling em seu bolso. Ao ser descoberta a moeda, ele era declarado
marinheiro por ter aceito o dinheiro e era levado à força para o navio. No caso de na
primeira abordagem não aceitar o voluntariado, ele era simplesmente agredido e levado à
força para o navio. Era uma verdadeira abdução legal.
Alguns capitães comandantes de navios da RN tinham, também, a permissão do
Almirantado para recrutar no mar. Caso encontrassem um navio mercante, eles poderiam
pará-lo e recrutar seus principais marinheiros, com exceção dos oficiais e aprendizes,
trocando-os por seus próprios marinheiros, normalmente os mais doentes e debilitados. Isso
significava uma verdadeira prisão para muitos marinheiros que ficavam afastados de casa
anos a fio. Só era permitido recrutar em navios mercantes que se dirigiam para a GB e não
navios que saíam dos portos.556 Pode-se imaginar o desespero dos marinheiros mercantes
depois de um ou dois anos longe de casa, ao se aproximar de Porstmouth, e observar um
navio de guerra determinar que parassem para uma inspeção. Muitos comandantes de
navios mercantes escondiam seus marinheiros para evitar essa conscrição desumana e
traumática. Pode-se entender por que a proporção de deserções nos navios da RN chegou a
25% dos efetivos ! Os capitães, para evitar essas deserções, proibiam a saída dos

554
Idem.
555
Em inglês “receiving ship” ou navio recebedor. Poderia, também, ser levado para qualquer outro navio da
RN que estivesse com falta de marinheiros.
556
Ibidem, p. 18.
157

marinheiros dos navios atracados nos portos e permitiam que as prostitutas para lá se
dirigissem, como forma de compensação, mesmo assim as deserções continuavam altas.
A conscrição forçada foi um sistema injusto para muitos cidadãos e trouxe em seu
bojo deserções, indisciplinas e resentimentos, terminando somente na Guerra de 1812
contra os EUA, motivada por recrutarem-se cidadãos norte-americanos nos navios
britânicos.
Dessa maneira, os marinheiros da RN depois de se agregarem às tripulações dos
navios podiam ser classificados em três postos hierárquicos distintos.
O primeiro grau hierárquico era o dos chamados ‘landsmen’557. Eles eram homens
que não tinham nenhuma experiência nas lides marinheiras, recém-chegados a bordo,
levando cerca de dois anos para adquirir os conhecimentos necessários para galgar o
próximo posto. Não existia nenhum treinamento para transformar landsmen em
marinheiros. Normalmente realizavam tarefas auxiliares nos mastros, velas e artilharia, sem
nenhuma especialização. O índice de deserções nesse primeiro grupo, como esperado, era
alto.
O segundo grau hierárquico era o dos chamados marinheiros ordinários558. Eram
marinheiros com experência de mar e muito procurados pelos grupos de conscrição
forçada. Era o primeiro posto de um verdadeiro marinheiro. Seu avanço dependia de seus
conhecimentos e de seu desempenho. Normalmente atuavam como auxiliares de suboficiais
e de marinheiros mais treinados.
O terceiro grau hierárquico, o mais alto, era o dos chamados marinheiros
especializados.559 Eram marinheiros com grande experiência de mar e responsáveis a bordo
por mastros específicos, velas e manobras de marinharia, auxiliando os suboficiais. Podiam
ascender a suboficiais auxiliares, os chamados ‘standing officers’, já apresentados. Era
comum um marinheiro especializado reverter a marinheiro ordinário, caso apresentasse
ferimentos incapacitantes para certas funções a bordo, o que provocava uma diminuição de
salários.

557
Em inglês ‘landman’ significa alguém que vive em terra. Era então uma expressão ou grau hierárquico
para denotar a pouca familiaridade do recém chegado com as atividades marinheiras. Prefere-se utilizar a
expressão original em inglês.
558
Em inglês ‘ordinary seaman’.
559
Em inglês ‘able seaman’.
158

Nos navios da RN as proporções de landsmen, de marinheiros ordinários e


especializados variavam. Alguns números podem ser, no entanto, apresentados. Em 1793 o
HMS Prince tinha um total na guarnição de 47% de suboficiais e marinheiros
especializados, 22% de marinheiros ordinários e 31% de landsmen. O HMS Bellerophon
tinha 35% de suboficiais e marinheiros especializados, 27% de marinheiros ordinários e
38% de landsmen.560
Depois de discutir o material e o potencial humano disponível na RN, torna-se
necessário apresentar algumas características especiais que fizeram essa marinha se
distinguir de suas rivais no século XVIII e outros aspectos do mundo que permeou a vida
de Nelson durante os seus 34 anos no serviço naval.

2.4- A Marinha Real britânica no século XVIII: os recursos técnicos e táticos.

A Marinha Real britânica a qual Nelson se agregou em 1771 era um instrumento de


política externa da GB com rotinas, procedimentos e táticas que a faziam, apesar das
inúmeras deficiências, uma máquina eficiente.
O que se pretende discutir neste item são alguns desses aspectos, tais como a vida
cotidiana e difícil que permeava todos os tripulantes da RN, o sistema disciplinar violento e
arbitrário como a única forma compreensível de controle daqueles homens rudes, o modo
como os doentes e feridos eram tratados pelos cirurgiões e as táticas de combate que
tiveram tanto sucesso contra os adversários, principalmente franceses.

- A vida cotidiana e a rotina a bordo dos navios da RN:

Sem uma organização mínima, um navio de linha do século XVIII não poderia ser
conduzido com eficiência em combate. O número de tripulantes era grande, em razão das
atividades realizadas a bordo, principalmente dos trabalhos nos mastros, velas e canhões
que demandavam grandes guarnições. Naquela época não existia nenhuma automação e
todos os serviços eram realizados manualmente, daí a demanda por grandes efetivos.

560
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 130.
159

Os marinheiros e suboficiais eram divididos em grupos de serviço e designados para


determinadas tarefas específicas. Eles poderiam servir em certos mastros, abrindo e
ferrando velas ou em certos canhões como carregadores e municiadores. Ao primeiro-
tenente competia designá-los para essas tarefas, de acordo com suas aptidões ou
necessidades do navio. Geralmente ele dividia a tripulação em dois ou três grupos de
serviço, sendo o primeiro sistema, o de dois grupos o mais comum, assim para cada tarefa
existiam sempre dois homens, um em atividade e outro descansando.
Os suboficiais e auxiliares não concorriam a esses grupos de serviço. Eram os
chamados ‘permanentes’,561 pois suas funções eram fixas e podiam ser requisitados a
qualquer momento, independente dos grupos de serviço. Normalmente não trabalhavam à
noite, a não ser que fossem requisitados em emergência ou quando fossem tocados ‘postos
gerais’ para a tripulação. Faziam parte desse corpo o mestre disciplinador e seus auxiliares,
o armeiro, o mestre do navio, carpinteiro chefe, cozinheiros, secretários de oficiais e alguns
outros suboficiais com tarefas específicas. Em uma fragata de 36 canhões existiam 12
permanentes para cada grupo de serviço. No total esse grupo variava entre 7% e 10% da
guarnição562.
Outro conjunto de marinheiros era o dos gajeiros563, com mais adestramento e
composto de marujos com melhores condições físicas e técnicas. A esse grupo cabia a
manobra de velas nos três mastros principais do navio, o traquete a vante, o grande no
centro e a mezena à ré. Por serem os melhores marinheiros disponíveis, trabalhavam as
velas nesses três mastros, a 20 ou 25 metros de altura, muitas vezes em mares bravios e em
condições adversas. Requeria-se coragem, sangue-frio, boas condições físicas e arrojo para
essas funções. Os mais jovens normalmente guarneciam as vergas564 mais altas dos
mastros. Seus números variavam conforme a classe do navio. Em uma fragata com 36
canhões existiam 12 gajeiros no traquete, 13 no grande e 9 na mezena em cada grupo de
serviço. Existiam suboficiais que eram os encarregados do traquete, do grande e da
mezena.565

561
Em inglês ‘idlers’.
562
GREGORY-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. op.cit. p. 21.
563
Em inglês ‘topmen’.
564
Vergas eram pedaços grandes de madeira que se fixavam nos mastros em ângulos retos para suportar as
velas do navio.
565
GREGORY-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. op.cit. p. 21.
160

566
Outro conjunto era o dos gajeiros dos gurupés567que, por serem mais velhos e
pesados, trabalhavam na parte de vante do navio, sem ter que subir nos mastros como os
gajeiros do conjunto anterior. Eram considerados bons marinheiros, no entanto não
possuíam as virtudes e o vigor dos jovens. Além dos gurupés, trabalhavam também nas
âncoras do navio. Seu número variava, em uma fragata de 36 canhões existiam 10 gajeiros
dos gurupés para cada grupo de serviço.
Outro conjunto de marinheiros era o dos marinheiros de ré568 que, por sua pouca
experiência, atuavam à ré do navio, no tombadilho e na popa. Apesar de sua pouca
experiência esse grupo era formado, em sua maioria, por ‘landsmen’ mais antigos
conduzidos por marinheiros especializados ou ordinários. Podiam cooperar com os gajeiros,
em caso de necessidade. Em uma fragata de 36 canhões existiam 14 marinheiros de ré em
cada grupo de serviço.
Outro conjunto era o dos marinheiros recrutas569 formado, em sua maioria, de
‘landsmen’ sem nenhuma experiência a bordo, normalmente recém-embarcados.
Realizavam os piores e mais trabalhosos serviços no navio, como limpadores, carregadores
de peso, transportadores de munição e faxina geral. Em uma fragata de 36 canhões existiam
8 marinheiros em cada grupo de serviço.
Para uma idéia geral da divisão de efetivos em um navio da RN, pode-se tomar por
base a tripulação de uma fragata de 36 canhões, 5a classe, discriminada no apêndice C).
Quanto à organização administrativa, ela era dividida em relação ao número de
tenentes a bordo. A tripulação era dividida igualmente em número de membros da
guarnição pelos tenentes que tinham a responsabilidade de zelar pela saúde e bem-estar de
seus homens, incluindo a situação sanitária e o impedimento da bebida generalizada a
bordo. Eram organizadas inspeções periódicas pelos tenentes, midshipmen e suboficiais
para verificar essas condições gerais e qualquer anormalidade era reportada para o
julgamento do comandante, única autoridade investida para punir a tripulação.
A rotina diária pouco diferia da rotina dos navios à vela do século XVI. A tecnologia
naval avançara pouco naqueles duzentos anos de atividade marítima. Quando navegando, o

566
Gurupés é considerado também um mastro. Prolonga-se pela proa do navio, em uma inclinação
aproximada de 35 graus. Fonte: PIOVESANA, Alberto. op.cit. p. 35.
567
Em inglês ‘forecastle men’.
568
Em inglês ‘afterguard”.
569
Em inglês ‘waister’.
161

dia típico em um navio da RN começava cedo, ainda de madrugada, quando os


contramestres acordavam os marinheiros que entrariam de serviço às oito horas da manhã.
Após o despertar, esses marinheiros arrumavam suas cobertas e limpavam os conveses
pouco antes do café da manhã, que ocorria por volta das 07 horas da manhã. Essa era uma
boa ocasião para as conversas entre os marinheiros e os comandantes tendiam a deixar seus
subordinados à vontade nesse período, só os interrompendo em caso de emergência. Esse
café da manhã durava cerca de 45 minutos. Das 08hs às 12 hs entrava um grupo de serviço,
em atividade nas velas e cabos, enquanto o outro grupo realizava atividades de manutenção
e limpeza. Os períodos de serviço iam de 08hs às 12 hs, depois das 12hs às 16 hs, seguido
de 16hs às 18 hs, 18hs às 20hs, ou o primeiro quarto noturno, quando um grupo podia
descansar, das 20h às 00h, das 00 h às 04 horas, e das 04 hs às 08 horas570, recomeçando
novamente o dia. Não existiam horas livres para nenhum dos dois grupos de serviço,
exceto à noite e quando ordenado pelo comandante, normalmente aos domingos. O
propósito era a manutenção do navio e o combate, sendo a monotonia em travessias longas
normal. Existiam funções importantes no serviço de bordo como timoneiros e vigias que
mantinham o navio no rumo e verificavam a aproximação de outra embarcação.
Às 11hs ocorria uma grande inspeção diária conduzida pelos oficiais e midshipmen.
Ao meio dia os oficiais e midshipmen faziam observações do sol para corrigir as posições
astronômicas do navio e dessa maneira a sua derrota. Durante a manhã e grande parte da
tarde eram, também, conduzidos exercícios de armas portáteis, de marinharia e de
artilharia. Caso estivessem em conjunto com outros navios, existiam exercícios de
bandeiras coordenados pelo almirante e seus auxiliares. Logo depois era servido o jantar
por volta das 14hs e essa ocasião era a mais agradável parte do dia. As mesas eram servidas
pelos cozinheiros e as conversas durante a refeição levavam cerca de uma hora. Nessa
ocasião servia-se rum, o que era uma esperada oportunidade para relaxarem. Os dois ou três
grupos jantavam juntos, com execeção daqueles serviços que não podiam ser rendidos,
como timoneiro e vigias. Existia ainda às 16hs uma sopa servida a tripulação com uma
pequena dose de rum.

570
Em inglês esse período de 04 às 06hs e de 06 às 08hs era chamado de ‘dog watch’ de modo a criar
variedade e impedir que os períodos se repetissem para os tripulantes. Fonte: LAVERY, Brian. Nelson´s
Navy. op.cit. p. 200.
162

A comida a bordo dos navios da RN era a principal preocupação de toda a tripulação,


além das doses de cerveja e de rum. De uma maneira em geral a comida era ruim. Às
segundas-feiras, terças-feiras, quintas-feiras e domingos os marinheiros comiam uma libra
de porco ou carne sempre salgados para conservação. Nos demais dias servia-se peixe seco.
Existiam, também, biscoitos secos duros feitos de pão, no qual era comum encontrar-se
vermes, em razão do tempo em exposição dessas guloseimas. Esses biscoitos, por serem
duros demais, irritavam a gengiva e amoleciam os dentes dos tripulantes. Servia-se,
também, pequena quantidade de cerveja, vinho, brandy ou rum por dia. A água era
racionada e logo se deteriorava. O que normalmente se fazia era filtrá-la a cada vez que
fosse usada em pedras levadas nos barris, o que melhorava um pouco o seu gosto. Algumas
vezes se utilizava mantega e queijo, dependendo da extensão das viagens. Frutas eram bem
vindas quando se chegava a um porto nas Índias Ocidentais, América, África e Índias
Orientais, pois evitavam doenças.571
As principais diversões dos marinheiros eram o ‘contar estórias navais’
principalmente para os ‘landsmen’ que embarcavam pela primeira vez e cantar canções
populares acompanhadas de violinos572, fato que poderia ocorrer inclusive no período
noturno. Depois do jantar o navio era preparado para a navegação noturna, ocorrendo o
silêncio às 20hs no verão e 21hs no inverno573. Todas as luzes eram extintas à noite, de
modo a se evitar incêndio e de indicar a posição do navio aos inimigos. O mestre
disciplinador era o responsável em enfatizar esse requisito. Os grupos de serviço eram
rendidos às 00h e 04 hs, e a rotina era cumprida logo após esse horário e um novo dia
recomeçava. Essa era a rotina básica de um navio da RN na época de Nelson.

- A medicina a bordo dos navios da RN:

A saúde era fundamental para manter tanto o moral como a eficiência do navio em
combate. O próprio Nelson disse que “a grande coisa em todo o serviço militar é a
saúde”574. O grande responsável pela manutenção da saúde da tripulação era o cirurgião.

571
HICKOX, op.cit. p. 17.
572
LAVERY, Brian. Life in Nelson´s Navy. op.cit. p. 49.
573
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 200.
574
Ibidem, p. 212.
163

Em um navio de linha de 3a classe existiam dois auxiliares que o ajudavam nas atividades
diárias.
Além das atividades sanitárias a bordo, o cirurgião deveria manter registros dos
tripulantes e informar sempre ao comandante a situação de saúde da tripulação. Os homens
recentemente chegados no navio passavam por uma inspeção de saúde, principalmente os
convocados compulsoriamente e os provindos do sistema de quotas. Existia no navio uma
enfermaria,575 normalmente no castelo de proa a boreste576, com macas suspensas577, dotada
de um banheiro, para alojar os doentes lá localizados. Esse local era considerado adequado,
pois afastava os doentes dos sãos que se alojavam nos conveses a meio navio578, além
disso, era ventilado e permitia que aqueles que estivessem com diarréia recorressem a um
banheiro privativo.
A medicina do período era rudimentar e muitas vezes bárbara. Não existia penicilina
para combater infecções, nem anestesia para aliviar as dores. Como a sociedade inglesa no
século XVIII, as condições de higiene eram ruins579, fruto da ignorância e até de
superstições. A bordo proliferaram ratos, pulgas, baratas e piolhos e o cheiro era
insuportável. Muitos cirurgiões acreditavam que as doenças eram transmitidas pela
respiração dos doentes, os ‘miasmas’. A expectativa de vida dos marinheiros no período era
de 36 anos de idade e todos eram infestados de parasitas que existiam em suas roupas e
macas de dormir, provocando coceiras e irritações580.
A principal doença que afligia os marinheiros no século XVIII era o escorbuto,
causado pela falta de vegetais frescos. A partir de 1795 foi determinado que os navios
levassem limões para o combate a essa doença, o que diminuiu sobremaneira a sua
incidência. Doenças infecciosas eram muito temidas e o tifo foi a pior. Embora as opiniões
variassem, a maior parte dos cirurgiões acreditava que roupas sujas, água de má qualidade e
‘ares ruins’ eram as causas dessa doença. Durante o ano de 1797 o cirurgião do HMS

575
Em inglês ‘sick berh’.
576
Na parte direita.
577
Em inglês ‘hammock’.
578
Esse arranjo foi criado pelo comandante do HMS Centaur, capitão Markham ao final dos anos 1790 e se
tornou padrão nos navios da RN. Fonte: Ibidem, p. 214.
579
Aproximadamente 2/3 das crianças nascidas na GB durante o século XVIII morreram antes de
completarem cinco anos de idade. Fonte: HICKOX, op.cit. p. 39.
580
Ibidem, p. 40.
164

Gladiator tratou 17 homens com febre, a maioria com tifo, e nenhum com escorbuto.581 Em
razão dessas condições, os cirurgiões auxiliavam diretamente os tenentes na preservação
das condições de higiene das divisões.
A febre amarela era a mais comum nos trópicos.582 Era uma doença muito temida por
todos e ocorreram surtos dessa doença, principalmente nas Índias Ocidentais, com trágicas
conseqüências para as tripulações. Uma epidemia entre 1794 e 1796 matou milhares de
soldados do exército britânico na região, além de atingir os navios nessa estação. Dos 500
homens a bordo da fragata HMS Vanguard, 120 faleceram em razão da febre amarela. O
combate a essa doença na época era a sangria, totalmente ineficaz como se sabe hoje.
Além das doenças contagiosas, ocorriam outras enfermidades que incomodavam
bastante os tripulantes. Hérnias eram comuns e o remédio era um cinto de metal usado pelo
doente para pressionar o local afetado583. Pode-se imaginar a dor desses sofredores com tal
expediente! Reumatismo era também comum, em razão principalmente das difíceis
condições a bordo, além de doenças psicosomáticas que atingiam um a cada 1000 homens
no mar, sete vezes mais que a média inglesa no período, em razão principalmente do
estresse e das condições insalubres e perigosas584. Os cirurgiões utilizavam intensivamente
‘sangrias’ para ‘limpar’ o sangue, pois acreditavam que o sangue contaminado era
substituído por outro limpo pelo próprio organismo.
As doenças venéreas, também, eram comuns, principalmente depois de atracar em
portos estrangeiros. Por muito tempo o Almirantado acreditou que os marinheiros
procuravam se contaminar para fugir dos embarques e os multava a cada contaminação.
Essa prática terminou somente em 1795. O tratamento para gonorréia e sífilis constava de
um preparado de sulfato de mercúrio a ser tomado por 25 dias, complementados por
purgantes. Muitos comandantes permitiam a entrada de prostitutas a bordo, de modo a
manter os marinheiros nos navios e evitar as constantes deserções. Muitas dessas prostitutas
mantinham relações sexuais com diversos marinheiros dias a fio, agravando a transmissão
de doenças e infecções. Os cirurgiões tinham dificuldades em manter o controle das

581
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 215.
582
Idem.
583
Em inglês ‘trusser’.
584
Idem.
165

doenças nessas circunstâncias. O temor das deserções suplantava a preocupação com


doenças.
Ocorriam muitos acidentes a bordo dos navios, principalmente quedas de mastros e
vergas com fraturas e hemorragias internas. Se as fraturas fossem graves muitos preferiam a
amputação do membro afetado. Faziam-se suturas de cortes no corpo, no entanto não
existia a assepsia, o que podia provocar infecções. Para ferimentos perfurantes
normalmente aumentava-se a área atingida, provocando hemorragia local, de modo a
‘retirar o sangue contaminado’ e depois se procurava retirar o objeto perfurante. Se a
perfuração fosse no abdômen pouco o cirurgião podia fazer, em razão da contaminação
fecal, advindo a morte por infecção generalizada.585
Em combate a enfermaria era um teatro de horror. No piso colocava-se areia para
absorver o sangue dos feridos e evitar tropeços. Geralmente os ferimentos eram provocados
por tiros de mosquetes que entravam no corpo trazendo sujeira e pedaços de roupa do
atingido, contaminando o marinheiro. Outro ferimento comum era de farpas de madeira que
voavam em todas as direções quando um mastro ou convés era atingido por tiros de canhão.
Também evoluíam para contaminação e infecção.
Muitos desses ferimentos requeriam amputações. O paciente recebia rum, uísque ou
láudano como anestésico e o cirurgião tinha poucos minutos para realizar a amputação de
um membro. Quanto mais rápido agisse, melhor, pois diminuía a possibilidade de maior
perda de sangue e choque. Colocava-se também um pedaço de couro na boca do paciente
para ele morder e uma serra era utilizada no procedimento. Algumas amputações levavam
no total de quatro a cinco minutos no máximo. Muitos feridos desmaiavam de dor ou
morriam de infecção dias depois. As artérias eram cauterizadas.
Durante o combate os mortos e membros amputados eram simplesmente lançados ao
mar para dar espaço a outros feridos serem operados, com execeção dos oficiais mais
graduados, cujos corpos eram conduzidos para seus camarotes para serem sepultados no
mar posteriormente. Nelson depois de sua morte em Trafalgar foi mantido em um tonel
repleto de brandy para ser enterrado na Inglaterra.

585
HICKOX, op.cit. p. 41.
166

A vida a bordo de um navio da RN no período era bem difícil, basta ver que as
deserções eram endêmicas. De que maneira os oficiais conduziam a disciplina dos
marinheiros nesses navios?

- Disciplina e punições nos navios da RN:

A base legal para a disciplina naval se baseava nos chamados The Articles of War que
foram formulados no período de reinado de Carlos II após a Restauração, sofrendo
alterações em 1749 e após a morte do almirante Byng na Guerra dos Sete Anos,
modificando-se, inclusive, o artigo que reiterava a pena de morte para as circunstâncias que
o atingiram.
Os Articles of War podiam ser divididos em quatro grandes grupos. O primeiro,
abarcando artigos que atentavam contra Deus e a religião, incluindo ofensas contra o
Criador, linguagem ofensiva e profana. O segundo grupo incluía artigos que puniam contra
crimes atentatórios ao poder executivo do rei e do governo. Nesse grupo estavam incluídos
crimes como espionagem, negligência do dever e manter contato com o inimigo; muitas
dessas faltas eram punidas com a pena de morte. O terceiro grupo apresentava artigos que
puniam atos que violavam e transgrediam os direitos e tarefas que os “homens deviam a
seus iguais”, incluindo aí assassinato, roubo e furto, muitos passíveis de pena de morte. Por
fim, o último grupo incluía as ofensas militares tais como recusa de combater o inimigo,
negligência, ou covardia, também passíveis de pena de morte586.
Existiam diversas brechas nessa legislação que permitiam a livre interpretação do
comandante do navio que era o único que poderia imputar a qualquer membro da tripulação
uma pena. A ele competia o julgamento e a intensidade da pena. Se fosse um comandante
justo, a sorte seria da guarnição. Se fosse injusto, azar para todos. A liberdade e poder
imputados a um comandante eram enormes e isso tinha uma explicação interessante e
pertinente. Muitas vezes um navio da RN encontrava-se afastado de sua base por muitos
meses, e até anos, submetido apenas a disciplina dos oficiais sob a direção do comandante.
As comunicações do século XVIII eram precárias e a disciplina tinha que ser imposta de
qualquer maneira em tripulações geralmente rudes e brutas, pois, caso contrário,

586
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 216.
167

degeneraria em confusão, desordem e caos. Pode-se compreender essa liberdade de ação e


poucas vezes o Almirantado interferiu nas decisões desses capitães, interpretando que esse
comandante agiu corretamente nos melhores interesses da GB e do rei.
De forma a manter um navio com eficiência era necessária uma disciplina estrita. Rex
Hickox considerava como disciplina em um navio da RN no século XVIII, a soma de
obediência, competência, lealdade e confiança mútua587. Quando um marinheiro era punido
ele o era por que colocara seus companheiros em perigo e dessa maneira o próprio navio.
Todos dependiam de todos para conduzir o navio e lutar no mar. Geralmente não existia
prisão a bordo, prendendo-se o culposo em ferros e diminuindo suas rações de comida e
bebida, dessa maneira, a chibata588 era o instrumento mais eficiente utilizado naquele
período.
Um ponto importante era o tipo de punição por chibateamento que era imposta a
guarnição. Dura, brutal e rápida. Hoje, ao discutirmos a chibata como um instrumento
punitivo cruel e desumano, estamos analisando sob o ponto de vista do século XXI, com
valores e cultura ocidental do tempo presente. Realmente utilizar-se um instrumento de
castigo que infligia dor ao punido era cruel, no entanto, naquele período toda a comunidade
naval dos oficiais e marinheiros considerava esse expediente normal e muitas vezes até
necessário. Muitos marinheiros consideravam a chibata como a única forma de controlar
maus elementos que eram negligentes e covardes, expondo suas vidas à morte a todo o
momento. A chibata, segundo os marinheiros do período, não era ruim por si só. Ela se
transfomava em instrumento cruel, se fosse utilizada em qualquer falta por comandantes
insensíveis, o que não era incomum. Existiam marinheiros que eram costumazes em receber
chibatadas e eram normalmente indiferentes a essa punição589.
A tripulação gostava de comandantes que fossem justos na chibata, que fossem
bravos, bons marinheiros e intransigentes com a negligência. Esses marinheiros
suportariam qualquer punição provindo desse capitão e o acompanhariam a qualquer ação,
pois para eles, seus atos eram sempre justos. Esses marinheiros, por outro lado, destestavam
comandantes pouco exigentes que não exigissem o melhor da tripulação, pois sabiam que

587
HICKOX, op.cit. p. 23.
588
A chibata era chamada de ‘cat of nine tails’ ou gato de nove rabos por possuir nove cordas de couro,
saindo de um cabo de madeira. Fonte: Ibidem, p. 106.
589
MASEFIELD, op.cit. p. 71.
168

esses capitães os deixariam na hora do perigo, em situações perigosas, perdoando os


faltosos e negligentes. Pior ainda, eles detestavam os comandantes tiranos que chibateavam
todos por pequenas infrações e arbitrariamente. Eles eram não só temidos, mas odiados.590
Muitos comandantes não gostavam de utilizar a chibata para corrigir seus faltosos.
Um desses casos foi o do capitão, depois almirante Collingwood, segundo de Nelson em
Trafalgar. Disciplinador severo, Collingwood exigia o máximo de seus homens. Todos o
temiam. Ele trazia seu navio em perfeita ordem, disciplina e total fidelidade de sua
guarnição, utilizando a chibata o mínimo possível. Dizia ele que os seus marinheiros iriam
bater continência para um uniforme que estivesse secando no convés, se assim ele
determinasse, tal o nível de confiança e respeito que seus homens tinham por ele. Ele
raramente chibateava mais que um marinheiro por mês e punia apenas faltas graves tais
como bebedeira a bordo, incitamento ao motim e roubo com seis, nove e no máximo 12
chibatadas.591
O chibateamento, assim, era o método mais usual usado a bordo para controlar a
guarnição, embora não fosse tão comum como imaginado. Sua aplicação requeria uma
formatura geral assistida por todos. Os chapéus eram retirados da cabeça, o comandante lia
a sentença a ser aplicada ao faltoso, indicando o artigo do Article of War referenciado na
punição, passando a palavra ao faltoso para qualquer justificativa, normalmente excusada.
O marinheiro, então, era preso ao mastro e sua camisa era retirada. O contramestre então
aguardava ordem do comandante que, então, determinava “cumpra o seu dever”592 e as
chibatadas eram aplicadas ao faltoso até o máximo de doze chibatadas593. A chibata então
era limpa pelo contramestre, retirando-se carne e sangue do punido e o cirurgião se
aproximava para ver as condições do faltoso. Normalmente era colocado vinagre e sal nos
ferimentos de modo a evitar infecções594. O cerimonial então estava terminado. Logo que
possível o marinheiro voltava às suas funções rotineiras. Ele tinha um efeito intimidador e
dissuasório para a tripulação.

590
Idem.
591
Ibidem. p. 72.
592
Em inglês a ordem era ‘do your duty’.
593
Muitos comandantes aplicavam mais de 12 chibatadas. Se existisse mais de uma falta poderia ser
transferida a punição para outros dias até o máximo de 100 chibatadas. Fonte: LAVERY, Brian. Life in
Nelson´ Navy. op.cit. p. 52. e HICKOX, op.cit. p. 107.
594
HICKOX, op.cit. p. 24.
169

Existiam cortes marciais para faltas graves, tais como as que requeriam penas de
morte como motins, considerada a pior de todas e envolvendo oficiais, iniciadas
normalmente por uma parte circunstanciada do comandante do navio. Essa corte, depois de
reunida, congregava pelo menos de cinco até 13 capitães ou almirantes para definir as
punições, depois de ouvir a parte ou partes envolvidas no crime. Se o acusado fosse
considerado culpado, ele era enforcado, normalmente em seu próprio navio. Na ocasião, os
outros navios surtos no porto enviavam representantes oficiais e marinheiros para
testemunhar a execução. Antes de qualquer punição, a sentença de pena de morte precisava
ser confirmada pelo Almirantado. Existia a possibilidade da pena ser perdoada pelo rei, o
que ocorria algumas vezes. Normalmente levava-se o acusado para o convés para ser
enforcado e no último instante, o perdão do rei era lido para todas as testemunhas595. Pode-
se imaginar a agonia e desespero do acusado aguardar até o último momento para o perdão
real que era mantido em segredo até aquele instante. O almirante Byng não obteve o
esperado perdão em 1757. Para o caso de oficiais, a sentença de morte era por fuzilamento.
Existiam casos esporádicos de punições envolvendo deserções ou agressões a oficiais
em que não se aplicava a pena de morte, mas sim chibateamento com 100 a 1000
chibatadas, decididas por corte marcial, o que era um sofrimento atroz para o faltoso. Um
marinheiro no século XVIII havia pedido, inclusive, para ser morto em vez de sofrer tal
martírio, dizendo que “estou certo que não poderei passar por essa tortura; preferiria ser
sentenciado à morte por fuzilamento ou enforcado na verga”.596 Geralmente essa punição
requeria o chibateamento a prestação em diversos navios da RN, 20 em cada um, tomando
diversos dias e servindo como fator inibidor para outros recalcitrantes. Muitos marinheiros
que sofreram essa punição morreram no processo.
As deserções eram faltas crônicas nos navios da RN. Presume-se que cerca de 25%
das tripulações desertaram naquele período. Entre maio de 1803 e junho de 1805,
ocorreram 5.662 deserções de marinheiros especializados, 3.903 deserções de marinheiros
ordinários e 2.737 deserções de ‘landsmen’ na RN597, números impressionantes. Esse tipo
de falta podia corresponder do chibateamento até a pena de morte, no caso de reincidências.

595
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 217.
596
Idem.
597
LEWIS, op.cit. p. 134.
170

As punições aplicadas normalmente eram as seguintes: bebedeira a bordo, a mais


comum, 12 chibatadas. Reincidência, 12 chibatadas a mais. Roubo, 36 chibatadas. Sujeira
contumaz, 18 chibatadas. Dormindo em serviço, seis chibatadas. Urinando na popa, 12
chibatadas. Ações libidinosas com jovens marinheiros598, 48 chibatadas e dois meses de
confinamento599.
Existia uma punição que envolvia a própria tripulação como executora. O
comandante, em vez de mandar aplicar chibatadas no faltoso, transmitia a punição para ser
aplicada pela própria tripulação600. Normalmente envolvia casos de furto. O ladrão era
colocado amarrado e sentado em uma banheira puxada no convés principal. Duas filas de
marinheiros eram colocadas nesse convés, todos munidos de chicotes de três pontas e o
faltoso passava sentado por essas duas filas apanhando com os chicotes em um verdadeiro
corredor de chicotadas. A severidade da punição variava com os sentimentos dos
tripulantes contra esse ladrão. Esse tipo de punição foi abolido em 1806601.
Outras punições menos drásticas envolviam redução da quantidade de comida e da
ração de rum a bordo (muito temida, pois a bebida era muita apreciada pela guarnição),
rebaixamento de posto e diminuição do soldo. Outro sistema muito antipático utilizado a
bordo era o uso de pequenas varas de bambu ou cabos solteiros por oficiais, midshipmen e
suboficiais para chicotear marinheiros que eram lentos ou negligentes nas atividades
rotineiras a bordo. Houve alguns casos de marujos e até midshipmen que, por terem sido
indolentes, foram amarrados no maçame de bordo durante algumas horas. O confinamento
também foi utilizado, no entanto ele servia para prender com correntes o pé ou a perna
daqueles faltosos que aguardavam o julgamento do comandante.
Pode-se observar que as punições eram geralmente severas, assim como a vida a
bordo era dura. A severidade das punições variava de navio a navio, dependendo da
autoridade maior a bordo, o seu comandante. Alguns comandantes foram acusados de
brutalidade, no entanto suas penas foram brandas em relação ao sofrimento infligido a seus

598
Em inglês ‘attempting an unnatural crime with a boy’, em outras palavras sodomia.
599
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. Op.cit. p. 218.
600
Chamado em inglês ‘running the gauntlet’.
601
Ibidem, p. 219.
171

subordinados. No ano de 1881 finalmente o chibateamento foi abolido na RN depois de


forte oposição da opinião pública na GB602.

- A tática e o modo britânico de combater:

As tarefas alocadas à RN no século XVIII eram fustigar as colônias dos adversários


apresando seus navios mercantes e atacando suas bases coloniais, defender a ilha contra a
ameaça de invasão pelo mar, proteger as linhas de comunicação britânicas e dos aliados
contra ataques inimigos, proteger nacionais estacionados em diversas possessões no
império e ‘mostrar’ a bandeira em defesa dos interesses britânicos nos mares e oceanos.
Normalmente as fragatas, em razão de sua maior velocidade e flexibilidade, atacavam
as linhas de comunicação inimigas, protegiam os comboios de navios mercantes britânicos
e engajavam em combates individuais as fragatas inimigas. Os navios de linha, por terem
maiores dimensões, executavam ações de bloqueio e confrontavam a linha de batalha
inimiga. Os britânicos, ao engajarem os seus adversários, tinham em mente a destruição
efetiva da esquadra inimiga, ao contrário dos franceses, que premidos por circunstâncias
políticas e econômicas preferiam o engajamento à distância, avariando os mastros e velas
dos ingleses, de modo a impedir a sua perseguição e dificultar a manobra desses
adversários603.
Geralmente a organização da esquadra competia ao almirante comandante que tinha a
tarefa de compor uma ou duas linhas de batalha com navios de 1a a 4a classe. Um navio se
posicionava atrás do outro, em distância aproximada de 200 a 300 jardas, estando um grupo
à frente sob o comando de um vice-almirante604 e outro grupo a ré sob o comando de outro
almirante, um contra-almirante605. O comandante em chefe da esquadra tinha um grupo sob
o seu controle no centro da formatura. As fragatas ficavam fora, de modo a transmitir as
comunicações desse almirante aos demais navios na linha e proceder a esclarecimentos a
vante da formatura. Utilizavam-se bandeiras com sinais específicos que quando agrupadas

602
Royal Navy & Marine Customs and Traditions. Disponível em www.hmsrichmond.org/avast/customs.htm.
Acesso em: 31 de janeiro de 2011.
603
HUGHES JR, Wayne. Fleet Tactics. Theory and Practice. Annapolis: Naval Institute Press, 1986, p. 48.
604
Vice-almirante relativo ao grupo de navios de vante(van), provindo a expressão vice-admiral em inglês.
Ver seção 2.3.
605
Contra-almirante relativo ao grupo de navios de ré (rear), daí a expressão em inglês rear-admiral. Ver
seção 2.3.
172

formavam ordens. Existiam megafones de metal que eram usados para troca de mensagens
entre navios próximos um do outro.
Dessa forma, a maioria dos engajamentos entre esquadras adversárias se dava por
combates de linha contra linha, podendo ser oblíquas ou paralelas. Cada navio,
teoricamente engajava seu adversário na linha oposta. O propósito de se engajar pelas
laterais era concentrar a artilharia contra o adversário, por boreste ou bombordo.
Os navios eram dependentes do vento reinante, tanto em intensidade como em
direção. Aquele que estivesse a barlavento606 poderia escolher o tipo e a aproximação do
combate, enquanto o que se encontrasse a sotavento607 deveria aguardar a aproximação do
inimigo ou fugir do combate, assim era vantajoso procurar a chamada ‘perna do vento’ para
se colocar a barlavento e ter a iniciativa das ações. O maior desejo de um almirante seria
concentrar dois navios contra um adversário608, o que se dava na maior parte das vezes
quando ele se encontrasse a barlavento. Outra manobra desejada era a quebra da linha
adversária609, desorganizando sua defesa e permitindo a concentração de fogos em ambos
os bordos.
Os ingleses, a partir das Guerras Anglo-holandeses, publicaram as chamadas Fighting
Instructions610 que estabelecia obrigatoriamente a coluna como formatura de combate. A
idéia original era pertinente, pois permitia o controle dos navios por parte do almirante e a
concentração de fogos eficiente. Essas instruções permearam o modo inglês de lutar por
quase 150 anos e caso o almirante se afastasse das orientações delas emanadas, suas
chances de corte marcial aumentariam. O combate linha contra linha passou a ser o lugar
comum no final do século XVII e século XVIII.
O que deveria ser uma vantagem no século XVII, transformou-se em desvantagem ao
final do século seguinte, em razão do aumento dos navios de linha e das táticas
postergadoras francesas, o que começou a impedir a decisão na batalha. De instruções
gerais passou-se ao dogma. Nada podia ser modificado. Aquele que ousasse mudar alguma
coisa deveria ser punido pelo Almirantado. Segundo o professor Wayne Hughes as táticas

606
Direção de onde vem o vento ou bordo da embarcação voltado para a direção de onde vem o vento.
607
Direção contrária de onde vem o vento ou bordo contrário de onde o vento sopra.
608
Em inglês ‘doubling the enemy’.
609
Em inglês ‘break the line’.
610
O livro de história naval que melhor descreve a evolução das Fighting Instructions a partir de 1530 até
1816 foi escrito por Sir Julian Corbett cujo título é Fighting Instructions 1530-1816 publicado em 1905 pelo
Navy Records Society, volume 29.
173

inglesas simplesmente se ‘ossificaram’.611 Qualquer tática inovadora ou criativa era


descartada. O formalismo prevaleceu na RN até que em 1782 Lorde Rodney se afastou do
dogmatismo das Fighting Instructions na batalha dos Santos e obteve brilhante vitória
contra os franceses. Naquela oportunidade ele quebrou a linha adversária, fugindo do
combate formal em linha. Em 1794 na batalha do Glorioso Primeiro de Junho, Lorde Howe
também dispensou as normas dogmáticas e derrotou o almirante francês Villaret Joyeuse.
Dessa vez, Howe rompeu a linha inimiga por bombordo em diversos pontos, trazendo
confusão para a esqudra francesa. As Fighting Instructions começavam a ser abandonadas
por táticas criativas e por comandantes ousados. John Jervis em 1797 cumprimentou
Nelson por ter explorado novas idéias durante a batalha do Cabo São Vicente. Foi o
sepultamento definitivo das Fighting Instructions.
O professor Hughes indicou que após a batalha do Nilo vencida por Nelson em 1798,
cinco pontos cruciais a respeito da guerra no mar afetaram a tática naval. O primeiro, a
concentração de liderança, moral, treinamento, condicionamento físico e mental, poder e
permanência na ação que eram os elementos mais importantes na guerra naval, interessando
mais os homens do que qualquer outro fator. Para ele Nelson estabeleceu essa ascendência
no Nilo. O segundo, a doutrina como elemento da liderança e como base de treinamento,
sem ser dogmática. A doutrina indicava um procedimento no caos do combate, embora
reconhecesse que ‘nenhum plano sobrevivia ao contato com o inimigo’. Flexibilidade
aproveitando a doutrina. Segundo Hughes, Nelson entendeu que ela era a cola necessária
para uma boa tática. O terceiro, a tática e a tecnologia seguiam juntas e Nelson
compreendeu perfeitamente a dependência de uma da outra. Diria Hughes que ‘conhecer a
tática significa conhecer as armas’. Nelson compreendeu perfeitamente essa máxima. O
quarto, enquanto se queira destruir o adversário no mar, o propósito da guerra sempre
deverá ser as ações em terra. Lá estará a decisão. Nelson percebeu isso no Nilo. Ao destruir
a esquadra francesa em Aboukir, forçou a retirada de Napoleão do Egito e por fim o quinto
ponto é utilizar sempre a ofensiva, atacando vigorosamente o adversário. Atacar sempre e
rápido, essas eram ações que Nelson sempre procurava e por isso teve êxito, segundo
Hughes612.

611
HUGHES JR, op.cit. p. 48.
612
Ibidem, p. 24.
174

A importância de Nelson no campo da tática e no modo de combater britânico não


estava escrita, mas se fundamentava em aplicação prática. Ele não gostava de ordens
escritas formais, preferindo reunir seus comandantes de navios, os seus ‘band of brothers’ e
com eles discutir o que desejava, ouvindo, discutindo, aceitando e contestando. Ele, ao
contrário de muitos de seus colegas almirantes, deixava a critério de seus comandantes
subordinados, a iniciativa das ações. Dizia sempre que “nenhum comandante agirá errado
se colocar seu navio ao lado de um inimigo”613, afirmando com isso que a iniciativa dos
seus oficiais era incentivada.
Por ter sido único em sua época e em épocas posteriores, Nelson se destacou de seus
pares. Sua liderança arrojada e sua personalidade fulgurante, em um momento de perigo
para a GB, quando Napoleão ameaçava a integridade britânica, trouxe naturalmente a
curiosidade de diversos escritores e historiadores em quererem prescrutar esse herói
nacional morto em defesa do rei e da GB. No século XIX, o chamado século da história, as
biografias de heróis nacionais floresceram. Dessas as de Nelson atraíam muitos leitores.
Dois historiadores se dedicaram a escrever suas versões dos eventos da vida de Nelson.
O primeiro, Sir John Knox Laughton, inglês, ligado a RN, um dos primeiros
historiadores navais do UK, admirador confesso de Nelson. O segundo, Alfred Thayer
Mahan, oficial de marinha dos EUA, historiador e teórico naval do Escola de Guerra Naval
(NWC), que se baseou muito em Nelson para formular uma teoria de emprego de poder
marítimo até hoje discutida nos escolas de altos estudos de diversas marinhas do mundo.
Nos próximos dois capítulos serão discutidos as trajetórias e visões desses dois
historiadores navais biógrafos e admiradores da vida do herói Horatio Lorde Nelson.

613
LAVERY, Brian. Nelson´s Navy. op.cit. p. 259.
175

CAPÍTULO 3

JOHN KNOX LAUGHTON: O FUNDADOR DA MODERNA HISTORIOGRAFIA


NAVAL BRITÂNICA

O professor Andrew Lambert, titular da cadeira de história naval do Departamento de


Estudos de Guerra do King´s College de Londres afirmou que Sir John Knox Laughton foi
“uma pessoa rara, um educador com energia e lógica para convencer uma força armada a
aceitar as idéias que defendia e segui-lo em novos caminhos. No processo, desenvolveu a
história naval como uma parte reconhecida da nova profissão de historiador. Era ele, de
qualquer prisma, um homem notável”614. Esse reconhecimento de Lambert, um conhecido
historiador naval do século XXI, indica a perenidade das idéias e do legado de Laughton
para aqueles profissionais que trabalham com temas de história naval na atualidade.
Laughton foi um produto da revolução historiográfica do século XIX, com
aperfeiçoamentos na crítica historiográfica, cujo grande arquiteto foi Leopold Von Ranke.
Por meio de suas aulas de história no Royal Naval College615 (RNC) e no King`s College,
de seu engajamento na organização dos arquivos navais no UK e na fundação do Navy
Records Society (NRS)616, Laughton deixou sua marca.
O que se pretende discutir nesse capítulo é a trajetória pessoal e profissional desse
historiador que influenciou a maneira como a história naval devia ser abordada e sua
percepção de como ela deveria ser analisada e escrita.

3.1 – Os anos de formação na carreira do historiador.

614
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. John Knox Laughton, the Royal Navy and the
Historical Profession.. London: Chatham, 1998, p. 11.
615
O Royal Naval College foi fundado em 1733 na cidade de Portsmouth, sendo transferido para Greenwich
em 1873. Essa unidade de ensino foi responsável pelo aperfeiçoamento dos oficiais da Marinha Real. Fonte:
LAMBERT, Andrew. History is the sole foundation for the construction of a sound and living common
doctrine: The Royal Naval College, Greenwich and doctrine development down to BR 1806. In: DORMAN,
Andrew; SMITH, Mike Lawrence; UTLEY, Matthew. The Changing Face of Maritime Power. London: Mac
Millan Press, 1999, p. 35.
616
O Navy Records Society foi fundado por Laughton em 1893. Serão discutidas neste capítulo as razões e as
conseqüências de sua criação.
176

John Knox Laughton nasceu na cidade de Liverpool na Inglaterra no dia de São Jorge,
23 de abril de 1830, em plena Pax Britannica617, no auge do poderio social, econômico,
militar e político do UK. Liverpool era uma cidade que crescia em razão da Revolução
Industrial e do conseqüente influxo de grandes parcelas de população rural atraídas a essa
cidade pelo emergente mercado de empregos. Presume-se que Liverpool tenha saltado de
75 mil para 400 mil pessoas entre 1801 e 1851618.
Há que se considerar que a GB não contava com mais de nove milhões de habitantes
no início do século XIX, aumentando sua população paulatinamente a 17 de milhões em
1837 e 21 milhões quando John Knox completou 21 anos de idade. Tal crescimento deveu-
se ao aumento da fecundidade, a diminuição da mortalidade infantil em razão das melhores
condições de saúde pública e a uma imigração maciça de origem irlandesa.619
John Knox era filho de James Laughton, comerciante de vinhos e um ex-marinheiro
da Marinha mercante e de Ann Laughton. Criado na fé luterana, John possuía três outros
irmãos, James Brotherson, dez anos mais velho e duas irmãs mais novas, Margaret e Ann.
Em razão da prosperidade de seu pai no comércio de vinhos, a família mudou-se para
a Ilha de Man, onde John Knox freqüentou a Forester School entre 1841 e 1843.
Após retornar a Liverpool, ele cursou a prestigiosa Royal Institution School nos
próximos dois anos, até 1845, quando então entrou em um curso preparatório para a
universidade em Cambridgeshire. Seu pai, já abastado, reconheceu em John um talento
natural para a ciência e os estudos e de bom grado patrocinou esse curso privado,
conduzido pelo reverendo J. L. Russell, especialista em educação no UK. Andrew Lambert
reconhece que esse afastamento de Liverpool foi decisivo para John Knox aperfeiçoar o seu
talento inato para a docência, uma vez que o afastou do mundo comercial e de negócios
dessa cidade.620

617
Termo cunhado por Joseph Chamberlain em 1893 para caracterizar as conseqüências da dominação
britânica na Índia. A expressão rapidamente definiu uma era a partir de 1815 quando esse estado, graças a seu
poderio naval tornou-se a maior das grandes potências de então. Fonte: GOOCH, John. The weary titan:
strategy and policy in Great Britain, 1890-1918. In: MURRAY, Williamson; KNOX, MacGregor;
BERNSTEIN, Alvin. The Making of Strategy, rulers, states and wars. Cambridge: Cambridge University
Press, 1994, p.278.
618
LESSA, Antonio Carlos. História das Relações Internacionais. A Pax Britannica e o mundo do século
XIX. Petrópolis: Vozes, 2005, p.62.
619
CHASTENET, Jacques. A vida quotidiana em Inglaterra no começo da Era Vitoriana (1837-1851).
Lisboa: Livros do Brasil. [s.d], p.8.
620
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p.15.
177

Na Inglaterra vitoriana era totalmente estranha a concepção de que a instrução


constituía um direito da cidadania, como formulada na França revolucionária no final do
século XVIII. Era a família inglesa burguesa abastada que proporcionava as condições
necessárias para seus filhos entrarem nos melhores colégios disponíveis e em seguida para
as tradicionais e elitistas Universidades de Oxford e Cambridge. Ao estado britânico não
competia tal ação e tampouco interferia nesse processo de entrada621. James Laughton,
como membro daquela burguesia abastada emergente, incentivou John a perseguir um título
acadêmico, como era costume no período.
No dia 28 de fevereiro de 1848 John Knox foi admitido no Caius College da
Universidade de Cambridge no curso de matemática, graduando-se em 1852 com méritos.
O historiador Arno Mayer apontou que tanto em Oxford como em Cambridge a ênfase
acadêmica recaía nos estudos clássicos e humanísticos, negligenciando-se a química, a
física e a engenharia “em grande parte por que seus vínculos sociais e financeiros com a
indústria e o comércio eram muito tênues”622. Por que afinal John Knox escolheu a
matemática para a sua carreira profissional? Ao que tudo indica seu pai teve alguma
influência nessa escolha, talvez imaginando que seu filho pudesse sucedê-lo no comércio
de vinhos e no intrincado mundo dos números.
Ao sair da universidade, John decidiu se candidatar a uma vaga de instrutor
embarcado623 na RN. Discute-se as razões que o teriam levado a se decidir pela marinha.
Lambert acredita que Laughton ficou sem opções profissionais, uma vez que carreiras na
igreja, no serviço governamental e na universidade estavam impedidas de acesso pela falta
de um mecenas abastado624. Pode-se, no entanto, considerar como razões para Laughton
escolher a marinha a sua proveniência de uma cidade costeira, Liverpool, com um comércio
marítimo em expansão, de seu pai ter sido marinheiro da Marinha mercante e ter, de uma
forma ou de outra, transmitido ao filho algumas características da vida embarcada e de ter
surgido uma oportunidade de docência na Marinha Real, fatores que influenciaram sua

621
CHASTENET, op.cit. p. 145.
622
MAYER, Arno. A Força da Tradição. A persistência do Antigo Regime 1848-1914. Trad: Denise
Bottmann. São Paulo: Cia das Letras, 1987, p. 252..
623
A função de instrutor embarcado foi criada pela Marinha Real em 1836 para substituir a antiga função de
mestre-escola a bordo dos navios, contratando-se docentes com qualificação universitária para ensinar
aspirantes e guardas-marinha em assuntos referentes a navegação e assuntos técnicos matemáticos. A seção
2.3 do capítulo 2 há uma discussão sobre o papel do mestre-escola no século XVIII até 1836.
624
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p.17.
178

decisão de se candidatar a essa função docente. Com toda a certeza não foi a motivação
financeira que o levou a voluntariar-se, uma vez que os instrutores embarcados não
percebiam bons salários, apesar da marinha procurar atrair graduados de universidades para
compor seus quadros de instrutores.
Em 1853, ano de sua entrada na carreira naval, a RN era a mais poderosa do mundo.
Seis anos depois, em 1859, ela contava com 68 navios de linha, 74 fragatas e outros 563
navios de diversas classes. A marinha que mais se aproximava em números era a francesa
com cerca de 47 navios de linha, 43 fragatas e outros 285 navios de classes diferentes625,
bem menor em números. Suas responsabilidades eram globais e sua tarefa principal era a
proteção das linhas de comércio entre o UK e as colônias em seu vasto império. Como
função secundária, a RN tinha a missão de suprimir a pirataria e o comércio de escravos no
Atlântico, Índico, Mediterrâneo e no Mar da China. Além disso, outras missões eram
realizadas, tais como a exploração marítima e a confecção de cartas náuticas, as
intervenções navais em colônias controladas pelo UK e a sempre necessária diplomacia de
canhoneiras “mostrando a bandeira” quando e onde fosse necessária. Para isso, existiam
bases navais e de abastecimento em Porto Royal na Jamaica, Gibraltar, Halifax, Porto
Mahon na Ilha de Minorca, Malta, Trincomalee, Ilhas Falklands, Aden, Hong Kong,
Bermuda, Singapura, Lagos, Chipre, Alexandria, Mombasa, Zanzibar e We-hai-wei626. O
historiador inglês Niall Ferguson diria que “em nenhuma outra época da história um poder
dominou tão completamente os oceanos do mundo como os britânicos o fizeram na metade
do século XIX. A Rainha Vitória tinha bons motivos para se sentir segura perto do mar”.627
Seus oficiais e marinheiros eram os melhor adestrados nas lides marinheiras e eram vistos
com admiração por todas as marinhas ocidentais. Uma carreira nessa instituição, que
remontava ao século XVI, era promissora, embora não brindasse pelos melhores salários no
império. O historiador inglês James Morris diria que:

A Marinha Real era o coração e o orgulho do império. Sobre ela, como


todos sabiam, a segurança do reino se assentava e em torno dela como
uma nuvem de sinais poderosos, aumentada por lendas e memórias de

625
PEMSEL, Helmut. A History of War at Sea. Annapolis: U.S.Naval Institute Press, 1989, p. 156.
626
GEORGE MODELSKI; WILLIAM THOMPSON. Sea Power in global politics, 1494-1993. Seattle:
University of Washington Press, 1988, p. 209.
627
FERGUSON, Niall. Império. Como os britânicos fizeram o mundo moderno. São Paulo: Planeta, 2010, p.
184.
179

vitórias, eram acrescidos a maturidade, o fogo de artilharia, o rum e a


água salgada628.

Laughton deve ter ponderado todos esses fatores para decidir pela carreira docente na
Marinha Real.
Sua primeira comissão como instrutor foi no encouraçado a vapor HMS Royal
George629, sob o comando do capitão-de-mar-e-guerra630 Henry Codrington, filho mais
novo do almirante Sir Edward Codrington, vencedor da batalha naval de Navarino631 e que
no futuro alcançaria o posto de almirante-de-esquadra. Em março de 1854 esse navio foi
designado para compor a esquadra britânica no Báltico sob o comando do almirante Sir
Charles Napier durante a Guerra da Criméia, em um teatro de operações secundário. Esse
período para Laughton foi de grande aprendizagem sobre as peculiaridades das operações e
do mundo naval com seus costumes, tradições e rotinas.
Em 1856 Laughton foi designado para outro navio, o HMS Calcutta632 que seguia
para a China. Nesse vaso de guerra, Laughton participou de ações bélicas na Segunda
Guerra do Ópio. Foi também instrutor de diversos oficiais que mais tarde alcançariam o
almirantado633 e o reconheceriam como um “instrutor de primeira classe”634.
Em 1859 Laughton regressou à Inglaterra em tempo de visitar seu pai que viria a
falecer no final do ano. No início do ano seguinte, foi recolocado no encouraçado HMS
Algiers635 que pertencia a Esquadra do Canal da Mancha, ainda como instrutor de guardas-
marinha636. Nesse navio teve a oportunidade de conhecer o então capitão-tenente637 Cyprian

628
MORRIS, James. Pax Britannica. The clímax of an Empire.. London: Faber & Faber, 1968, p. 421.
629
O HMS Royal George era um encouraçado a vapor com 120 canhões. Fonte: LAMBERT, Andrew. The
Foundations of Naval History. op.cit. p. 18.
630
Na Marinha britânica o posto era captain, mesma designação do século XVIII à época de Nelson. A partir
deste capítulo serão usadas as designações traduzidas para o português correlacionadas aos postos da MB.
631
A batalha naval de Navarino teve como a principal característica ter sido a última batalha naval
inteiramente combatida por navios a vela.
632
O HMS Calcutta era um navio de guerra à vela com 84 canhões. Fonte: Ibidem. p. 19.
633
Dentre eles se destacariam o comodoro James Graham Goodenough, os almirantes Sir Arthur Knyvet
Wilson, Sir Edward Hobart Seymour, Sir Richard Vessey-Hamilton, Sir William Robert Kennedy, Sir Harry
Holdsworth Rawson, Sir Michael Culme-Seymour e Sir Thomas Sturges-Jacques. Todos alcançariam altos
postos na Marinha britânica. Fonte: Idem.
634
Idem.
635
O HMS Algiers era um encouraçado a vapor com 90 canhões. Fonte: Ibidem, p.20.
636
Na Marinha Real no meio do século XIX guarda-marinha era midshipman, posto existente na época de
Nelson. Ver as tarefas do midshipman na seção 2.3 do capítulo 2.
180

Bridge638 que viria a ser um dos mais respeitados estrategistas da Armada Real e um dos
seus mais chegados amigos até o falecimento de Laughton em 1915. Durante três anos os
dois serviram juntos no Algiers e das discussões que travaram sobre história, tática e
estratégia navais, surgiram novas questões que levariam Laughton, posteriormente, a optar
pela carreira de historiador, em detrimento da docência em ciências matemáticas, área de
sua graduação em Cambridge e de instrutoria na RN.
Em 1863 foi transferido para o HMS Trafalgar639 e no ano seguinte para o HMS
Prince Consort640, sempre na instrutoria de navegação e matemática para os guardas-
marinha embarcados. Sua reputação como professor já alcançava os círculos externos à
esquadra, sendo considerado um educador por muitos almirantes em função de comando,
dessa forma sua escolha para servir como professor no RNC, localizado em Portsmouth em
1866, foi natural e esperada. No ano anterior a sua entrada no RNC, sua mãe viria a falecer
e logo depois iria casar-se com Isabella Carr, residente em Dunfermline. Uma nova fase de
sua vida iria se iniciar.
A Marinha Real batera a sua rival, a Marinha francesa, na corrida tecnológica naval
em razão da maior disponibilidade de recursos e da própria prioridade dos diversos
governos britânicos nos séculos XVIII e XIX que desenvolveram políticas marítimas
voltadas ao poder naval. Muitos analistas navais perceberam a importância e vantagem dos
canhões raiados carregados pela culatra para a artilharia de bordo, que até bem pouco
tempo antes ainda utilizava canhões de alma lisa carregados pela boca, com menor precisão
dos projéteis. O uso intensivo do vapor, em substituição à energia eólica, que permitia
deslocar o navio independentemente do vento e a vantagem da couraça que protegia os
vasos de guerra de tiros de outros contendores, vieram a modificar as táticas e estratégias

637
Na Marinha Real do século XIX capitão-tenente era lieutenant, posto existente na época de Nelson. Ver as
tarefas do lieutenant na seção 2.3 do capítulo 2.
638
O futuro almirante Cyprian Bridge seria um renomado intelectual e historiador naval do final do século
XIX e início do XX. Foi o autor de inúmeros livros dentre os quais se destacaram The Art of Naval Warfare
de 1907 e Sea Power and Other Studies de 1910. Veio a falecer em 1924.Fonte: ALMEIDA, Francisco
Eduardo Alves de. O Poder marítimo sob o ponto de vista estratégico entre 1540-1945: uma comparação
entre as concepções de Alfred Thayer Mahan e Herbert William Richmond. 2009. 308 f. Dissertação
(Mestrado em História Comparada) – Programa de Pós-Graduação em História Comaparada, Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
639
O HMS Trafalgar foi um encouraçado de aço com 90 canhões. Fonte: LAMBERT, Andrew. The
Foudations of Naval History. op.cit. p. 21.
640
O HMS Prince Consort foi uma fragata mista (à vela e a motor) lançada ao mar em 1862, deslocando
6.830 toneladas e armada com 7 canhões de 7 polegadas. Fonte: ARCHIBALD, E.H.H The Metal Fighting
Ship in the Royal Navy 1860-1970.New York: Arco Publishing, 1971, p. 3.
181

navais da época641. Todas essas experiências foram desenvolvidas nas Guerras da Criméia e
da Secessão Norte-americana durante os bombardeios aos fortes em terra. Laughton a tudo
observava e imaginava que seria necessário discutir essas inovações no que se conformasse
ao emprego da linha de batalha, às ações de bloqueio, proteção do comércio e operações
costeiras, tarefas normalmente executadas pela RN. O RNC poderia ser um local ideal de
discussão dessas inovações.
O RNC tinha como tarefa básica o treinamento de até vinte e cinco oficiais que se
encontrassem em trânsito para novas comissões. As disciplinas ministradas no Colégio
incluíam a matemática, balística e a artilharia. O RNC contava com um pequeno plantel de
docentes, no entanto dotados de grande talento642. Laughton distinguiu-se de sua tarefa
docente de modo destacado, discutindo não só a matemática básica para o estudo da
balística, como também questões de astronomia, oceanografia e meteorologia, e em razão
de sua distinção nessas áreas, foi indicado para membro do Royal Geographical Service no
ano de 1869.
Nas discussões sobre meteorologia e oceanografia, Laughton percebeu a inexistência
de textos básicos para os alunos, decidindo, com o auxílio do capitão-de-mar-e-guerra
Frederick Evans e capitão-de-fragata643 Thomas Hull, destacados hidrógrafos, editar seu
primeiro livro Physical Geography in its relation to the Prevailing Winds and Currents644,
lançado no mercado editorial em 1870. Nessa obra Laughton, além de apresentar idéias
sobre o mecanismo dos ventos e correntes marítimas, contestou a teoria prevalente
formulada por Hadley-Maury sobre a circulação da atmosfera, considerando-a não
científica e incompatível com o que se sabia sobre esse fenômeno. Baseou-se para essa
conclusão na própria dinâmica dos fluidos.645 No prefácio disse ele o seguinte:

A generalização é necessária para a classificação científica; é necessária


para o correto entendimento do fenômeno classificado, isso é necessário
mesmo que somente como um auxílio à memória, no entanto uma

641
Para a análise da tecnologia naval e dos procedimentos de combate do século XVIII ver seção 2.3 do
capítulo 2.
642
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit p.23.
643
Na Marinha Real esse posto era commander, existente na época de Nelson. Ver as tarefas do commander
na seção 2.3 do capítulo 2.
644
LAUGHTON, John Knox. Physical Geography in its relation to the Prevailing Winds and Currents.
London: J. D. Potter, 1870.
645
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History,op.cit. p.24.
182

generalização apressada é, com certeza, perigosa, e baseada em dados


incorretos, indicará resultados nos quais não haverá confiança. A obra
que acabei de escrever não estaria completa sem generalização: sem isso
seria impossível tentar explicar um estudo sistemático de meu objeto ou
discutir a importante questão que é a causa; contudo para essa
generalização fui guiado por milhares de observações independentes e
orientadas, sem considerar qualquer teoria que pudesse me guiar646.

Esse tipo de abordagem seria utilizado por Laughton durante toda a sua carreira
acadêmica. Dois anos depois, comentou em seu segundo livro An Introduction to the
Practical and Theoretical Study of Nautical Surveying647, ainda discutindo questões
referentes à oceanografia e meteorologia, que o conhecimento dos princípios básicos sobre
a disciplina apresentada permitia que o jovem pesquisador chegasse a seu propósito que era
dominar esse campo de estudos, ao mesmo tempo em que permitia que os colegas, de
forma mais rápida e inteligente, pudessem criticar seus resultados. Esses dois livros
serviram de base para os currículos da RNC nos anos vindouros.
Data desse período o início de seu interesse profissional pela história naval. Era
comum na era vitoriana as discussões de assuntos relativos a literatura, religião, história,
ciência, política e guerra em periódicos de circulação geral, em detrimento da própria
publicação de livros, bem mais caros e com circulação restrita. Laughton assim, escreveu
breves resenhas de livros relativos à guerra no mar, além de discutir estratégia e história
navais em revistas como a Fortnightly Review, Edinburgh Review, Journal of the Royal
United Services Institution e Quarterly Review de grande circulação no UK. A idéia
principal desses veículos de comunicação era informar e instruir a população em assuntos
diversos.
Esses periódicos eram brochuras espessas com artigos escritos com cuidado e em
geral longos. Como exemplo, Thomas Macauly consagrou a Francis Bacon no Edinburgh
Review um artigo com nada mais nada menos que 104 páginas! Os assuntos discutidos
nesses periódicos eram tratados com competência e em tom dogmático.648 Esses periódicos
também eram meios de circulação que demonstravam de forma cristalina a vida espiritual,

646
LAUGHTON, John Knox. Physical Geography in its relation to the Prevailing Winds and Currents. op.cit
p. v.
647
LAUGHTON, John Knox. An Introduction to the Practical and Theoretical Study of Nautical Surveying.
London: Longman & Green, 1872.
648
CHASTENET, op.cit. p. 192.
183

literária e artística da época. Ter o privilégio de escrever algum artigo nesses meios era o
auge para qualquer pesquisador.
O primeiro texto analítico de Laughton sobre história naval foi escrito em 1870 cujo
título foi Sketches in Naval History publicado no periódico St Paul Magazine. Disse ele que
o que ocorreu no passado poderia ocorrer novamente no presente e isso era exatamente o
que constituía a pesquisa histórica. Muitas passagens instrutivas sobre a história poderiam
ser encontradas em fatos comuns, tanto na exploração marítima como na guerra no mar.649
Nesse ano, Laughton teve a oportunidade de conhecer e trocar idéias sobre estratégia
e história naval com o capitão-de-mar-e-guerra Stephen Luce da Marinha norte-americana
que viria a ser o fundador do Naval War College (NWC) dos EUA em 1884.650 O foco
principal dessas discussões foi o papel que a história naval teria na aprendizagem de
estratégia e política. Houve entre os dois uma simpatia imediata, que se estendeu por toda a
vida de Laughton. Ambos dividiam interesses “navais” que iam desde a história como a
base para a tática, aspectos relacionados à navegação marítima e fluvial até canções
marinheiras das duas marinhas. Stephen Luce se destacava por seu pragmatismo, devotando
grande parte de sua vida a desenvolver a educação acadêmica na Marinha norte-americana
e com certeza Laughton transmitiu muito das práticas britânicas, refletidas diretamente no
modo como Luce fundou e estabeleceu o NWC. Andrew Lambert imputa ao encontro
desses dois importantes personagens “a fundação da moderna estratégia naval e dos estudos
históricos no mundo anglo-saxão.”651 Exageros à parte, esses dois nomes da historiografia
naval contemporânea se destacaram de seus pares e Luce, em particular, foi um dos
principais incentivadores de Alfred Thayer Mahan, como será discutido no próximo
capítulo.
Laughton viria a se aproximar de Mahan nos anos vindouros, mantendo com ele uma
intensa correspondência, principalmente nos seus últimos anos, após 1900. Pela análise das
cartas de Laughton e Mahan pode ser possível pecorrer a evolução da historiografia naval
no final do século XIX e início do XX. Houve entre eles um respeito mútuo, Mahan

649
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit p. 29.
650
Ver capitulo 4, seção 4.1. Stephen Luce foi o primeiro presidente do Naval War College (NWC) dos EUA
e responsável pelo convite a Alfred Thayer Mahan para ministrar aulas de estratégia e história naval.
651
Ibidem, p. 30.
184

considerando Laughton “o” historiador, enquanto o segundo considerava Mahan um


eminente analista e pensador.652
Em 1869 o Hospital Naval de Greenwich foi fechado, permitindo que suas belas
instalações fundadas após a batalha naval de La Hogue em 1692 ficassem disponíveis. O
acanhado prédio onde se localizava o RNC em Portsmouth necessitava de reparos urgentes,
o que impedia a acomodação dos corpos docente e discente. O Almirantado britânico
percebeu a necessidade de expandir o número de alunos e aperfeiçoar os currículos de
ensino. Dessa forma, determinou a criação de um comitê, sob a coordenação do almirante
Sir Charles Shadwell, para estudar a possibilidade de transferir o RNC de Porstmouth para
as instalações de Greenwich e propor alterações nos currículos. Depois de um determinado
tempo esse comitê propôs ao Almirantado algumas sugestões. Inicialmente propôs a
expansão dos currículos para incluir disciplinas relativas a línguas, química, metalurgia,
geologia, mineralogia e tática naval. Laughton foi consultado pelo comitê e, por estranho
que possa parecer, foi contrário à mudança para Greenwich e não propôs a inclusão da
disciplina história naval no currículo. Houve, então, uma cisão na decisão de se transferir o
RNC para Greenwich. Os civis do comitê eram favoráveis à mudança, enquanto os oficiais
da marinha eram contrários, em razão do afastamento do mar e do ensino “prático”. Os
círculos externos à marinha apoiavam a mudança e, ao final, a decisão recaiu no Primeiro
Ministro William Gladstone do Partido Liberal que se encontrava no poder em 1872.
Gladstone acabou apoiando a mudança. Em fevereiro de 1873, o RNC foi transferido para
Greenwich e com ele veio Laughton, que assumiu o departamento de meteorologia e
oceanografia.
Com o estabelecimento do RNC em Greenwich, bem próximo dos principais
institutos de pesquisa em Londres, houve um aumento do número de professores e
instrutores, de modo a atender a demanda de mais alunos, em torno de 200 tenentes e da
expansão dos currículos, além do intercâmbio com universidades, sendo que a maior
aproximação ocorreu com a Universidade de Cambridge. Laughton, com a reputação em
alta, foi convidado a ministrar palestras de história naval, seu campo de interesse recente,
em diversos institutos de pesquisa, em especial o Royal United Services Institution

652
LAMBERT, Andrew. Letters and Papers of Professor John Knox Laughton 1830-1915. London: NRS,
2002, p. 3.
185

(RUSI)653. Essa sociedade inglesa foi fundada em 1831, com o propósito de ser um local
de debate para oficiais da marinha e do exército interessados em assuntos militares. No
início da existência da RUSI os assuntos apresentados eram de natureza tecnológica, no
entanto conferências sobre táticas e estratégia foram, depois de certo tempo, proferidas654.
O RUSI patrocinava palestras de personalidades importantes que lá se dirigiam para
discutir assuntos de defesa do império, assim ser convidado para proferir conferências
nesse local era considerado um prestígio especial. O RUSI, também, tinha uma tarefa
importante que era permitir que arestas entre as forças armadas fossem lá aparadas. Era, da
mesma forma, um local onde os militares podiam debater abertamente assuntos que, por
sua natureza, não seriam permitidos dentro da caserna655. Com o passar do tempo, o
instituto passou a ser considerado um local respeitado e considerado pela qualidade dos
trabalhos apresentados. Foi exatamente no RUSI que Laughton conheceu Stephen Luce.
Interessante notar, no entanto, que a expansão do RNC não trouxe aceitação unânime
na Marinha Real. Muitos almirantes consideravam que um curso de um ano de duração
para tenentes era exagerado. Alegavam que os navios da marinha permaneceriam sem as
dotações de tenentes necessárias ao seu pleno funcionamento, uma alegação infundada em
razão do percentual de oficiais cursantes que era pequeno em relação ao total de oficiais
subalternos. Laughton alegava que qualquer profissão que não preparasse seus membros
para as novas demandas estaria fadada ao fracasso656, o que para ele era o caso. O tempo
gasto por esses jovens oficiais seria recompensado com melhores desempenhos em razão
do aprendizado. Dizia ele que a educação superior permitiria aumentar o conhecimento e
desenvolver o poder de se auto-educar que era vital, uma vez que a marinha esperava que
esses oficiais adquirissem conhecimento em suas carreiras, em contraste com o simples
treinamento. Considerava que a base matemática permitiria aperfeiçoar o intelecto esperado
de oficiais de marinha657. Sua preocupação com a educação dos oficiais e a resistência de
muitos almirantes tinha fundamento, pois logo depois a Marinha Real extinguiu a função de
Diretor da Educação Naval, deixando o RNC sem um órgão coordenador.

653
A RUSI existe até hoje na Inglaterra, sendo uma sociedade muito importante nas discussões dos assuntos
de defesa.
654
SCHURMAN, Donald. The Education of a Navy. London: Cassell, 1965, p.8.
655
Idem.
656
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 35.
657
Ibidem, p. 36.
186

Em 1873 foi instituído um concurso pela Junior Naval Professional Association, uma
associação voltada para proporcionar oportunidades de instrução e informação para oficiais
modernos da RN, fuzileiros navais e reservistas em todas as questões de interesse
profissional e científico e de fomentar as discussões e o debate de opiniões em temas
profissionais. Era, assim, uma sociedade que requeria a associação voluntária de seus
membros. O tema do concurso foi “Manobras e sistemas táticos adotados pelas esquadras
modernas considerando os albaroamentos, artilharia pesada e torpedos em alto-mar”. Os
ensaios deveriam ser anônimos, julgados por três almirantes658. Laughton ficou em segundo
lugar659, tendo o seu trabalho sido considerado de excelente valor, “indicando grande
cuidado e pesquisa”.660 Esse trabalho foi publicado com o título de Essay on Naval
Tactics661 ao final desse ano. Laughton nesse ensaio utilizou a história para demonstrar que
os resultados das ações navais de 1794 a 1805 foram anômalos, refletindo em verdade o
mau adestramento das guarnições francesas e espanholas, em contraste com o bom
desempenho britânico. Complementou afirmando que as vitórias britânicas no século XVIII
foram em verdade derrotas, uma vez que os inimigos evitaram as ações decisivas, culpando
por isso as Fighting Instructions criadas nas Guerras holandesas. Essas instruções eram
completamente inapropriadas para as condições das guerras contra a França662.
Em 1874 Laughton proferiu a palestra The Scientific Study of Naval History663 no
RUSI que se tornaria clássica. Nela ele estabeleceu a história naval como a base para o
desenvolvimento da doutrina, além de considerar que a metodologia de estudos utilizada
nas teorias de circulação oceânica e atmosférica poderia ser útil para a história.
Em razão de suas qualificações em história naval, Laughton foi convidado em 1876
pelo Diretor de Estudos do RNC para proferir palestras dessa disciplina para os oficiais
alunos. Após estudar os currículos, propôs o seguinte programa para o vice-almirante Sir
Edward Gennys Fanshawe, Presidente do RNC:

658
Os almirantes julgadores foram Sir Alexander Milne, Sir Alfred Ryder e Sir Astley Cooper Kay. Fonte:
Ibidem, p.44.
659
O vencedor foi o Comandante Gerard Noel, amigo de Laughton.
660
Idem.
661
LAUGHTON, John Knox Laughton. Essay on Naval Tactics. Portsmouth: Griffin & Co, 1873.
662
Ver seção 2.4, capítulo 2 em especial o debate sobre as Fighting Instructions no século XVIII.
663
Na seção 3.4 serão discutidas, com maior detalhes, as suas idéias contidas nesse artigo.
187

Eu proporia tal curso [de história naval] com seis palestras que seriam
ministradas neste ano [1876]; sendo um apanhado geral de história naval,
discutindo a ciência da guerra naval e expandindo um ou dois desses
tópicos, por ano, fazendo o curso incluir, além do apanhado geral, o
exame detalhado de algum período particular. O presente curso de seis
palestras pode ser apresentado como se segue: 1- guerras de galeras nos
períodos antigo e medieval, no Mediterrâneo até a batalha de Lepanto; 2-
a origem e a organização das marinhas ocidentais e a história da guerra
medieval no Ocidente até a morte de Elizabeth I; 3- o desenvolvimento
das marinhas na Europa durante o século XVII, incluindo as guerras
entre a Inglaterra, Holanda, França e Espanha até o Tratado de Utretch;
4- as guerras do século XVIII até 1780; 5- a Guerra da Independência
Americana com interesse especial no ano 1782; 6- da paz de 1783 ao
tempo presente, incluindo a Revolução Francesa. A essas palestras
seriam incluídas ações entre fragatas, navios isolados e pequenos
esquadrões e o valor estratégico do ataque ao comércio inimigo.664

Logo em seguida, o curso de história naval no RNC foi aprovado pelo seu presidente
e conduzido por Laughton. Em suas palestras ele reconhecia que a história naval devia ser
abordada cientificamente. Em sua concepção, a história, até ali, tinha sido estudada pelos
oficiais de uma forma romântica, inacurada e inútil. Para ele a história naval devia ser
analisada em profundidade, por conter lições de grande importância no campo da estratégia
e da tática. Além da profundidade de suas palestras, Laughton foi um excelente
comunicador, que convencia os alunos com suas conclusões claras e convincentes. O
próprio Presidente do RNC, Almirante Fanshawe, ao assistir muitas de suas conferências,
comentou que “estava favoravelmente impressionado pela didática e diligência com que ele
[Laughton] reunia o material e a habilidade e proficiência com o qual deduzia conclusões
pertinentes dos dados coletados”.665
Foram poucos os alunos que tiveram a chance de assistir suas aulas no RNC, no
entanto seu prestígio e reputação ultrapassaram os portões de Greenwich. Aos poucos a
história naval ia substituindo as ciências matemáticas em seu universo. Paulatinamente
Laughton tornava-se um historiador. Isso não impediu que em 1878 ele escrevesse textos
sobre geografia para crianças, pensando em seus próprios filhos, que foram compilados em
uma pequena obra que levou o nome de At Home and Abroad: or First Lessons in

664
Carta de John Knox Laughton para Edward Gennys Fanshawe escrita de Greenwich em 13 de março de
1876. Fonte: LAMBERT, Andrew (Ed). Letters and Papers of Professor John Knox Laughton 1830-1915.
op.cit, p. 13.
665
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 51.
188

Geography.666 Sua contribuição no campo da geografia e meteorologia o fez conselheiro,


secretário e posteriormente vice-presidente da Meteorological Society. Em 1882 assumiu a
presidência dessa sociedade, incentivando a adesão de novos membros e aumentando a
produção acadêmica dessa entidade. Por seu prestígio pessoal e realizações, a sociedade
recebeu da Rainha Vitória o reconhecimento e o título de “real”, passando a ser designada
Royal Meteorological Society. Na Royal Geographical Society foi convidado para ser
conselheiro e propiciou a aproximação dessa sociedade com a RN.667
Apesar de todo esse prestígio pessoal, Laughton não conseguiu influenciar a cúpula
naval da importância do RNC para a Marinha Real. O Almirantado decidiu diminuir as
atividades do colégio. Por ser de caráter essencialmente voluntário para os oficiais e não ser
um requisito de carreira para a promoção aos postos superiores, o número de candidatos
reduziu-se sobremaneira. Aos poucos o número de professores e instrutores foi se
aproximando do número de oficiais alunos, tornando a instituição inviável. Naquele
período ainda persistia a idéia de que não era necessário ensinar nada a oficiais
embarcados. O mais importante era o adestramento exclusivamente no mar, com operações,
exercícios de tiro e manobras táticas. Ensinar a guerra no mar em sala de aula era
considerado inadequado pelos almirantes. A prática se sobressaía à educação.
O Presidente do RNC, vice-almirante William Luard recomendou ao Almirantado
uma redução drástica no número de instrutores e professores efetivos da marinha, propondo
a sua substituição por professores civis contratados. Ao mesmo tempo, as atividades
acadêmicas seriam reduzidas, o que provocaria a transferência e disponibilidade de muitos
oficiais, instrutores e professores do colégio. O Almirantado concordou com essas
sugestões e determinou a diminuição das atividades do RNC.
Em dezembro de 1884 o próprio almirante Luard convocou Laughton a seu gabinete e
lhe participou que “apesar da satisfação dos lordes do Almirantado com os seus serviços”
sua função docente seria descontinuada. Ele poderia ser redesignado para uma função
embarcada como instrutor, um rebaixamento, ou permanecer em disponibilidade, sem
função docente, em casa.668 Como consolação, Laughton seria mantido como docente de

666
LAUGHTON, John Knox. At Home and Abroad: or First Lessons in Geography. London: [s.n], 1878.
667
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 53.
668
Essa situação era chamada de “half pay” por não existir função a ser completada na lista de atividade. O
professor assim recebia metade do que na ativa e ficava disponível para novas designações. Essa situação
189

história naval no colégio em tempo parcial, o que não aliviaria sua situação financeira.
Pode-se imaginar a frustração e a decepção de Laughton com essa decisão. Pai de quatro
filhos com idades variando entre 10 e 16 anos, viúvo recente, com cerca de 30 anos de
serviço e com 55 anos de idade, Laughton preferiu solicitar sua transferência para a reserva,
afastando-se da sua amada Marinha Real. Pelo menos poderia tentar novos caminhos como
professor, de modo a engordar os seus parcos vencimentos na inatividade. Foi exatamente
isso o que ocorreu.

3.2 – A carreira docente no King´s College:

Em maio de 1885, o professor de história moderna no King´s College Samuel Rawson


Gardiner resignou de sua função docente para aceitar uma cadeira de pesquisa na
Universidade de Oxford, abrindo uma vaga importante a ser completada e a chance de
Laughton engordar seus parcos recursos na inatividade. O posto aberto por Gardiner no
King´s College não era, no entanto, dos mais prestigiosos669.
Em julho de 1885 Laughton enviou ao Colegiado do King´s College uma proposta
para assumir o posto de Gardiner nos seguintes termos:

Eu me proponho a ser candidato para o posto de professor de história


moderna vago com a resignação do senhor S.R. Gardiner. Sou membro
da Igreja da Inglaterra e tenho 55 anos de idade, além de ser graduado
por Cambridge como o trigésimo quarto wrangler670 em 1852. Servi
como instrutor naval na Marinha Real e nos últimos 19 anos fui
empregado em docência no RNC, primeiramente em Portsmouth e depois
em Greenwich. Tenho, dessa forma, uma grande experiência tanto na
área de ensino, como na área de exames. Pelos últimos dez anos tenho
sido lente e examinador em história naval no RNC em Greenwich e
durante o mesmo tempo tenho sido um freqüente articulista no
Edinburgh Review.671

podia ser breve, no entanto nada garantia essa situação. Dessa maneira os vencimentos eram diminuídos
bruscamente, afetando o orçamento do docente. Essa situação existia para os oficiais de marinha que podiam
também ficar em “half pay” conforme discutido na seção 2.3 no capítulo 2.
669
LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 31.
670
Wrangler significa “disputante”. Na Universidade de Cambridge se intitulava de “wrangler” o aluno que se
destacava como de primeira classe nos estudos matemáticos.
671
Carta de John Knox Laughton ao Colegiado do King´s College de Londres, escrita de Greenwich em 6 de
julho de 1885. Fonte: Ibidem, p. 33.
190

O King´s College não ocupava uma posição proeminente na área acadêmica, uma vez
que se encontrava entre o prestígio das universidades mais antigas como Oxford e
Cambridge e as universidades públicas recentemente inauguradas, pouco relevantes na
época. O colégio não era público e subordinava-se a um seminário estabelecido para
preparar membros da Igreja da Inglaterra, dirigido por bispos, que desejavam difundir as
doutrinas do anglicanismo. Há que ser considerado que a Igreja anglicana gozava de grande
dignidade na sociedade inglesa. Sem levar em consideração a Escócia, que era em sua
maioria presbiteriana pertenciam a Igreja da Inglaterra a maioria dos gentlemen, quase
todos os burgueses ricos e a grande maioria dos camponeses. Além da estrita hierarquia,
essa igreja era essencialmente uma instituição rica, graças aos atos realizados por Henrique
VIII e a agregação das terras confiscadas a nova religião criada.672 Segundo Chastenet, a
Igreja anglicana era uma instituição que tinha por fim dotar com um gentleman cada
paróquia do reino.673
O King´s College não oferecia cursos de graduação e não era, tampouco na ocasião,
parte da Universidade de Londres. Somente em 1910, em razão de dificuldades financeiras,
ele se agregaria a essa universidade e passaria a se dedicar a pesquisas institucionais, o que
não interessava antes da fusão. A maioria de seus alunos pretendia seguir a carreira
religiosa e administrativa no governo e não tinha aspirações de se agregar à carreira
acadêmica como professores ou pesquisadores. Além disso, o salário oferecido aos
professores do colégio não era dos mais atrativos, no entanto Laughton poderia
complementar os vencimentos provenientes da marinha. A grande vantagem dessa função
docente era permitir a troca e o contato com outros historiadores britânicos com suas
pesquisas e grupos de estudos, dos quais se destacavam Oscar Browning, Charles Yonge e
Charles Hadfield Firth674. Laughton, no entanto, fez questão de manter o seu posto de
professor de história naval no RNC, em tempo parcial, com suas seis palestras anuais para
os cursos regulares. A marinha, apesar de tudo, ainda o atraía.

672
CHASTENET, op.cit. p. 122.
673
Idem.
674
LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 31.
191

Como demonstração de apreço e admiração, um de seus alunos no RNC, o capitão-de-


mar-e-guerra Sir Thomas Sturges Jackson, futuro almirante, encaminhou uma carta à
Congregação do King´s College, antes de sua agregação, afirmando o seguinte :

Antes que o senhor Laughton se devotasse ao estudo da história naval,


existiam duas formas de abordá-la; a primeira, bem precisa, porém com
relatos restritos de ações no mar; a segunda, vibrante, no entanto com
narrativas inverídicas, aparentemente escritas com o propósito de
propagar a crença na inerente superioridade do marinheiro inglês sobre
os outros. O senhor Laughton teve sucesso em nos mostrar a verdadeira
história...eu alegremente atesto que tenho a mais alta opinião de sua
habilidade como professor e devo muito de meu sucesso na Marinha Real
as suas aulas no mar e no RNC.675

Logo depois, no final de julho de 1885, a Congregação aceitou a indicação de


Laughton como professor de história moderna do King´s College.
Em 1886 Laughton casou-se pela segunda vez. Sua escolhida foi Maria Josepha de los
Angeles di Alberti, espanhola da cidade de Cadiz. Aos seus quatro filhos do primeiro
casamento, um homem e três mulheres, se agregariam mais cinco filhos, três homens e duas
mulheres que ele teria com Maria, perfazendo um total de nove filhos de dois casamentos,
incrementando a necessidade de maiores recursos com a grande família.
Essa propensão a ter muitos filhos, nove no total, parecia confirmar com o ideal
anglicano que incentivava a concepção de muitos filhos, não só por estar escrito nos
evangelhos ‘crescei e multiplicai’, mas também por ser moral incluir na sociedade futuros
trabalhadores “cujo labor contribuirá para o progresso econômico”.676 Muitos casais
britânicos da época tinham muitos filhos. Charles Dickens, por exemplo, tinha dez antes de
separar-se de sua mulher; Lorde Gray, responsável pela reforma eleitoral de 1832 e político
destacado tinha 15 rebentos; o arcebispo anglicano Harcourt, 16 filhos e o influente
parlamentar Lancelot Shadwell, 17. A taxa de mortalidade, que vinha decaindo rapidamente
no período, não excedia 15% na classe média e 10% na classe alta da sociedade.677

675
Carta de Thomas Sturges Jackson a Congregação do King´s College, escrita em 1 de julho de 1885. Fonte:
LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton.. op.cit. p. 37.
676
CHASTENET, op.cit. p. 119.
677
Ibidem, p. 137.
192

Laughton, apesar de não ser um crente anglicano extremado, era um anglicano social
conservador, um gentleman que levava a sério muitos preceitos religiosos. O número de
seus rebentos se encaixava nesse perfil.
Nesse ano, Laughton reeditou e condensou a obra monumental de Harris Nicolas em
sete volumes de 1844 sobre a documentação e os despachos de Horatio Lorde Nelson678. A
motivação dessa reedição proveio de suas discussões com o vice-almirante Sir Geoffrey
Thomas Phipps Hornby, Presidente do RNC em 1881 e a necessidade de transformar essas
edições em um trabalho de mais fácil consulta para os oficiais de marinha. Sir Geoffrey foi
um oficial excepcional e excelente almirante. Provindo de uma família ilustre de
marinheiros e políticos da era vitoriana, foi considerado um brilhante tático e hábil líder.
Sir Geoffrey tinha assumido o RNC provindo do Comando-em-Chefe da Esquadra
britânica do Mediterrâneo, ainda um dos principais comandos no mar da RN e lá havia se
distinguido como um eficiente comandante. Em Greenwich foi um presidente atuante,
participando das palestras de Laughton e discutindo questões de tática com os alunos.
Laughton se aproximou de Hornby e foi um dos seus grandes amigos e admiradores.
Hornby acreditava que as evoluções táticas dos navios da RN tinham o objetivo de
desenvolver as habilidades de manobras de grupos de navios ou de navios independentes e
que esses exercícios eram extremamente complexos para serem utilizados efetivamente em
combate. Hornby considerava perigoso desenvolver sistemas táticos rígidos sem
improvisações ou maior independência de unidades navais. Laughton, um grande
admirador desse almirante, conseguiu convencê-lo que a história naval forneceria a base e
as respostas para as novas formulações táticas necessárias para o combate naval do
futuro679. Andrew Lambert considera que existe uma falha evidente na historiografia naval
britânica por inexistir uma biografia completa sobre Sir Geoffrey680. A ele, Horby,
Laughton dedicou essa reedição que levou o título de Letters and Despatches of Horatio
Viscount Nelson.681

678
Consultar a lista bibliográfica das obras sobre Horatio Nelson publicadas no século XIX constantes do
Apêndice A).
679
LAMBERT, Andrew. The Development of Education in the Royal Navy 1854-1914. In: TILL, Geoffrey
The Development of British Naval Thinking. London: Routledge, 2006, p. 45.
680
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 76.
681
LAUGHTON, John Knox. Letters and Despatches of Horatio Viscount Nelson. London: Longmans &
Green, 1886.
193

Até a compilação dessa documentação Laughton não havia se debruçado sobre


aspectos da vida de Lorde Nelson. Embora Nelson fosse considerado o “grande herói”
naval inglês e possuidor de um grande número de biografias682, Laughton não havia
produzido nada de especial sobre ele. Seus artigos publicados até ali versavam mais sobre
personagens navais franceses, austríacos e norte-americanos do que de Nelson. Pode-se
considerar a reedição e condensação dessa documentação sobre Nelson o despertar de seu
interesse sobre esse herói inglês.
Nessa obra, Laughton demoliu a noção defendida por muitos analistas de que Nelson
partia sempre e em qualquer circunstância para o combate, sem se preocupar com as
manobras táticas para a ação, seguindo a máxima de Lorde Cochrane que preconizava “não
se preocupe com as manobras, sempre parta para cima do inimigo”683. Para Laughton o
melee, isto é, o encontro naval sem organização, era a negação da habilidade tática.
Somente com o controle das manobras, as vitórias poderiam ocorrer, como aconteceu em
Trafalgar com Nelson, quando este utilizou corretamente o princípio da concentração.
Laughton percebeu, também, que as qualidades de liderança de Nelson moldaram a
confiança de seus comandantes de navios, inspirando esses oficiais a sempre acreditarem na
vitória com base em um plano bem conhecido e bem executado. A partir dessa obra,
Laughton transformou Nelson em seu objeto de admiração e o exemplo de chefe naval,
apontando o seu “supremo profissionalismo, sua superioridade na tática e na estratégia, sua
inspiração como líder e humanista...permanecendo o centro de seu trabalho e de seu
exemplo”684, segundo Lambert. Nelson, com sua liderança e habilidade tática, chegou para
modificar o modo como Laughton percebia a história naval e a estratégia.
Nesse mesmo ano, o periódico English Historical Review publicou uma resenha dessa
compilação de cartas e despachos de Nelson produzida por Laughton, assinada por OB, no
qual destacava que “o trabalho no livro merece todos os elogios. Ele é bem diagramado e
claramente arranjado de modo a servir como referência; as conexões da narrativa são bem e
modestamente escritas; o índice é completo e bem escriturado”685. No entanto, apesar de
destacar os pontos altos, o resenhador apontou que Laughton poderia interpretar novos

682
Ver Apêndice A).
683
LAMBERT, Andrew. The Development of Education in the Royal Navy 1854-1914 op.cit. p.45.
684
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 77.
685
O B. Resenha do livro Letters and Despatches of Horatio, Viscount Nelson. Editado por John Knox
Laughton. English Historical Review. Oxford: Oxford University Press, v.I, p. 598, jul, 1886.
194

pontos na biografia de Nelson, ou mesmo publicar uma coleção de novos documentos sobre
o herói inglês, a partir dos arquivos dos quais ele era bem familiar. Em uma carta para seu
amigo Oscar Browning686, professor de Cambridge, Laughton respondeu às críticas da
seguinte maneira:

Alguns de meus críticos estão dizendo que não vêem utilidade no livro
que acabei de lançar [Letters and Despatches of Horatio Viscount
Nelson]. Só o fato de induzir os pesquisadores a examinar as cartas de
Nelson, isentando-os de pesquisar apenas sumários já é uma justificativa
completa e satisfatória [para sua obra]687.

O conhecido explorador inglês do Ártico, almirante Sir Francis Leopold McClintock


ficou tão maravilhado com essa compilação sobre Nelson que escreveu para Laughton o
cumprimentando pela tarefa, dizendo que “a sua grande pesquisa na história da vida e do
tempo [de Nelson] me justifica em dizer que ninguém poderia realizar tal serviço à história
do país [da Inglaterra] e da verdadeira religião a não ser o senhor [Laughton]”688.
Começava naquele período para Laughton a idéia de escrever uma biografia completa sobre
Horatio Lorde Nelson, ao invés de uma compilação das cartas sobre esse personagem.
Em 1887 Laughton lançou o seu primeiro livro exclusivamente de história naval,
Studies in Naval History689. O propósito desse livro foi publicar breves biografias de heróis
navais, não necessariamente britânicos, a partir de diferentes fontes pesquisadas por ele,
inclusive “documentos que foram gentilmente permitidos consultar pelo Almirantado”.690
Os heróis escolhidos por Laughton foram Jean de Vienne, Jean Baptiste Colbert, Abraham
Du Quest, Pierre André de Suffren Saint-Tropès, Wilhelm Von Tegetthoff, Fortunatus

686
Seria o próprio Oscar Browning o autor da resenha ? Afinal o autor utilizou OB como marcas de sua
crítica, correspondendo a Oscar Browning. A historiografia não responde a essa pergunta, contudo tudo indica
que sim. O próprio Laughton parecia acreditar nisso ao enviar uma carta resposta exatamente para esse
historiador.
687
Carta de John Knox Laughton para Oscar Browning escrita em 28 de maio de 1886. Fonte: LAMBERT,
Andrew. Letters and papers of Professor John Knox Laughton. op.cit. p. 42.
688
Carta de Sir Francis Leopold McClintock para John Knox Laughton escrita em 9 de fevereiro de 1887.
Fonte: Ibidem, p. 52.
689
LAUGHTON, John Knox. Studies in Naval History. London: Longmans 1887.
690
Ibidem, p. i.
195

Wright, George Walker, Jean Bart, Du Guay-Trouin, François Thurot, John Paul Jones e
Robert Surcouf.691
Donald Schurman considerou esse livro “uma coleção de artigos previamente
editados que devotava uma atenção simpática com algumas proeminentes personalidades
navais francesas”.692 Outros historiadores opinaram favoravelmente sobre esse livro.
Montagu Burrows, professor de história moderna na Universidade de Oxford, reconheceu
que o impacto educacional do texto, a originalidade do método e a qualidade excepcional
do capitulo de Tegettoff mereceria uma segunda edição.693 Seu amigo Cyprian Bridge e
Stephen Luce receberam cópias enviadas por Laughton e fizeram comentários elogiosos
sobre o conteúdo dos capítulos. Para Lambert o Studies in Naval History era um novo tipo
de história naval, “escrito para educar a Marinha Real”.694 Seja como for, o livro tem a
qualidade de descrever biografias de personagens navais da França, em sua maioria,
observadas sob o ponto de vista de um historiador naval inglês, o que aumenta a sua
originalidade. Enquanto Laughton se debruçava sobre essas obras, a Europa caminhava a
passos largos para um confronto.
Ao final do século XIX a política européia entrava em um período de grandes tensões
com a emergência de uma Alemanha unida desde 1870. Começava a ocorrer uma corrida
armamentista naval de grandes proporções, ameaçando a estabelecida superioridade da RN
desde o início do século anterior. Como forma de contrabalançar essa situação e manter sua
superioridade, o UK implantou uma política naval agressiva em 1889 chamada de “Two
Power Standard”. Ela definia que a esquadra de batalha britânica deveria ser igual ou maior
em números que os dois poderes navais europeus que se seguiam. Em memorando do início
do século XX ao Primeiro Ministro, o Primeiro Lorde do Almirantado, Reginald Mc Kenna
estabelecia o que essa política realmente pretendia:

O recente despertar e utilização dessa política [two power standard]


como uma medida do poderio naval britânico pode ser imputada a Lorde
George Hamilton que a mencionou como uma reação ao
desenvolvimento das esquadras de combate da Rússia e da Alemanha

691
Mahan seguiria os seus passos anos depois publicando Types of Naval Officers drawn from the History of
the British Navy, especificamente com oficiais britânicos.
692
SCHURMAN, op.cit. p. 90.
693
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit p.71.
694
Idem.
196

depois de 1885. Até aquele ano a França era o único país, além do Reino
Unido, com algum poder naval e a implementação do ‘two power
standard’ não tinha sentido. Está claro que a supremacia britânica não
poderia ser adequadamente obtida em todo o tempo e em todas as
circunstâncias, somente construindo navios em número suficiente para
permitir que enfrentemos qualquer das duas marinhas apontadas[...] em
alguns casos essa política [two power standard] tem significado
igualdade com qualquer combinação de dois poderes navais[...] outros
políticos tem considerado essa política simplesmente como a soma
aritmética de navios da esquadra de combate das duas potências que se
seguem ao Reino Unido[...] por razões práticas, o problema a ser
considerado será, qual grau de superioridade em encouraçados devemos
possuir sobre o seguinte poder naval europeu ?695

O programa resultante dessa política, o “Naval Defense Act”, com duração de sete
anos, estabelecia a construção de oito encouraçados tipo HMS Royal Sovereign696,
considerados de primeira classe, dois do tipo HMS Centurion697, considerados de segunda
classe, nove cruzadores de grandes proporções e 29 leves, quatro canhoneiras e 18
torpedeiros, que deveriam estar prontos para 1894, com um orçamento de 21,5 milhões de
libras, uma verdadeira fortuna.698 Iniciava-se, assim, um período chamado de
“navalismo”699 que iria desembocar na construção de grandes navios como o encouraçado
HMS Dreadnought no início do século XX e no interesse do público com os assuntos
navais.
Como Laughton analisou esse programa ? Acreditava que esses oito grandes
encouraçados da classe Royal Sovereign não eram as melhores escolhas para a RN. Para ele
a melhor opção recairia em encouraçados menores de 9 a 10.000 toneladas, armados com
canhões de menores calibres, de seis polegadas ao invés dos grandes 13.5 polegadas. Por
que essa preferência ? Acreditava fundamentalmente em canhões menores com maior

695
Memorando de Reginald McKenna, First Lord of the Admiralty, para o Primeiro Ministro H. Asquith em
maio de 1909. Fonte: BRITISH NAVAL DOCUMENTS 1204-1960. London: Navy Records Society, 1993,
p.754.
696
Os encouraçados classe HMS Royal Sovereign deslocavam 15.585 toneladas com quatro canhões de 13.5
polegadas, capazes de velocidades de 18 nós. Fonte: ARCHIBALD, op.cit. p. 33.
697
Os encouraçados classe HMS Centurion deslocavam 10.500 toneladas com quatro canhões de 10
polegadas, capazes de velocidades de 17 nós. Fonte: Idem.
698
MARTIN, L.W. O Início da Corrida Naval. In: História do Século XX. Tradução Paulo Sérgio de Moraes;
André Maria Pompeu Villalobos. São Paulo: Abril, 1974, p. 171.
699
Navalismo era uma teoria estratégica que estabelecia que quem dispusesse uma grande marinha oceânica
obteria o atributo essencial para se tornar uma grande potência mundial. Seu principal representante foi Alfred
Thayer Mahan, cuja trajetória será discutida no próximo capítulo. Fonte: KEEGAN, John. The Price of the
Admiralty. London: Penguim Books, 1988, p. 333.
197

cadência de tiro que anulariam os grandes canhões lentos e desajeitados que armavam os
navios propostos700. Além disso, os menores navios teriam capacidade de desenvolver
maiores velocidades com menores custos de construção. Em vista disso, preferia os
encouraçados de segundo tipo, classe Centurion. Interessante notar que sua percepção não
se baseava em estudos de história ou estratégia, mas sim em pura percepção de como seria
combatida a guerra no mar do futuro. Laughton acabou sendo voto vencido, pois o
programa foi conduzido até o final701.
A Marinha Real não necessitava apenas de grandes navios, mas de grandes mudanças
estruturais. Laughton percebia que essas mudanças eram necessárias e somente com uma
mudança na educação naval e no modo como a profissão era percebida se poderia reverter
algumas percepções no seio da armada. O historiador naval Lisle Rose afirmou que “a
grande maioria dos oficiais [britânicos] aristocráticos da época vitoriana e eduardiana
estavam convencidos que tradição, arrogância e indolência constituíam a melhor
educação”.702 Para ele a educação terminava onde tinha começado, na Escola Naval de
Dartmouth, berço da formação de guardas-marinha. A entrada nessa escola era difícil, uma
vez que só tinham condições financeiras de permanecer nessa escola filhos de famílias
abastadas, que podiam pagar pelo menos 700 libras por ano703, uma verdadeira fortuna no
período vitoriano. Da mesma forma que nos tempos de Nelson, a distância entre os oficiais
e praças era enorme. Uma anedota comum na época, contada por um sargento da velha
escola, referia-se ao futuro almirante Sir Robert Arbuthnot, rígido, distante e aristocrata,
que acabara de transferir o comando de seu navio a outro colega. Logo depois da cerimônia
de transmissão de cargo, uma gaivota, sobrevoando o convés do navio, defecou exatamente
no tombadilho704. Esse sargento, com uma pitada de humor, disse que Sir Robert nunca
permitiria que a gaivota fizesse aquilo !

700
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 109.
701
Os navios dessa classe Royal Sovereign foram Empress of Índia, Ramillies, Repulse, Resolution, Revenge,
Royal Oak, Hood e o próprio Royal Sovereign. Fonte: ARCHIBALD, op.cit. p. 33.
702
ROSE, Lisle. Power at Sea. The Age of Navalism 1890-1918. Missouri: University of Missouri Press,
2007, p. 28.
703
Idem.
704
Superestrutura na parte extrema da popa (parte de ré do navio), acompanhada de elevação da borda, local
onde permaneciam os oficiais. Ver seção 2.3 capítulo 2. Fonte: Diretoria de Portos e Costas. Manual do
Tripulante. 3.ed. Rio de Janeiro: DPC, 1975, p. 205.
198

Um almirante dos anos 1880 julgaria a eficiência de um navio de Sua Majestade pela
cor da sua luva após uma inspeção705. A mania por limpeza era tanta que um navio eficiente
era o que fosse mais limpo, indicando que os comandantes que manobrassem seus navios
com rapidez e com limpeza teriam mais chances de melhores postos e promoções mais
rápidas do que aqueles que se dedicassem ao estudo da história naval, das táticas e dos
procedimentos operativos, uma total distorção do que era combater no mar. Lisle Rose diria
que “durante as duas últimas décadas do século XIX, a Marinha Real havia declinado
consideravelmente em relação às marinhas de outras potências”.706 A diminuição das
atividades do RNC só veio a confirmar essa mudança de atitudes em relação ao que deveria
ser uma marinha de combate. Enquanto isso a Marinha germânica crescia em números e em
qualidade. Laughton se preocupava com esse estado de coisas na RN e a diminuição das
atividades do RNC vinha a corroborar sua preocupação.
Durante as suas aulas de história moderna e contemporânea no King´s College,
Laughton transmitia aos seus alunos as idéias de pesquisa e crítica historiográfica
formuladas por Leopold Von Ranke. Andrew Lambert afirmou que em 1885 os
historiadores britânicos ainda não tinham se transformado em profissionais, “incertos sobre
qual método de estudo”707 deveria ser utilizado no estudo da história. Poucos historiadores
universitários, para Lambert, eram efetivamente acadêmicos originais, “evitando questões
desafiadoras”708 , sendo preferencialmente docentes ao invés de pesquisadores
historiadores. Pesquisadores mais conhecidos como Thomas Carlyle e James Anthony
Froude709 estavam fora da universidade e consideravam que suas pesquisas históricas eram
a última palavra no campo, pouco se importando com os estudos universitários. Durante as
suas preleções, Laughton encorajava seus alunos e, como conseqüência, os futuros
historiadores navais a abandonar o foco exclusivo no campo da tática e das ações de
batalhas e se concentrarem nas implicações das ações navais no contexto nacional,
procurando sempre a documentação primária e a crítica historiográfica.

705
ROSE, op.cit. p. 29.
706
Idem.
707
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 83.
708
Ibidem, p. 84.
709
James Anthony Froude foi um dos mais disntintos historiadores britânicos, especializando-se no período
elizabetano e nos estudos sobre o cisma anglicano no período de reinado de Henrique VIII. Fonte: GOOCH,
George Peacock. História e historiadores em el Siglo XIX. México: Fondo de Cultura Económica, 1942, p.
337.
199

Dois historiadores britânicos tiveram grande influência sobre Laughton em sua


percepção do que era história. O primeiro foi Sir John Seeley que era professor de história
em Cambridge desde 1869. Seeley era um positivista que acreditava que o valor da história
moderna servia para ensinar política aos políticos. Considerava que era dever do historiador
afastar qualquer visão romântica da história. Seeley escreveu um clássico na historiografia
britânica The Expansion of England710, lançado em 1886, no qual procurou entender os
motivos que levaram o UK a tornar-se uma grande potência e de que maneiras as nações
emergiram e submergiram no cenário internacional. O livro congregou uma série de
palestras ministradas por Seeley que abordou a trajetória da Inglaterra e depois GB no
período compreendido entre 1688 e 1815.
Essa obra de Seeley, no espaço de apenas dois anos, tornou-se um clássico, vendendo
mais de 80 mil cópias, permanecendo em catálogo até 1956.711 O que ele queria no fundo
era encontrar as explicações necessárias para evitar que o UK sucumbisse como outras
nações naufragaram no passado. Sua perpectiva era imperialista712 e com essa visão
Laughton concordava; a obra de Laughton, inclusive, espelhava uma visão de caráter
imperialista e civilizacional, sendo que o Reino Unido, para ele, seria a ponta de lança da
civilização para os rincões menos desenvolvidos.
Outra visão de Seeley que conformou o pensamento de Laughton foi sua desconfiança
com a democracia de massa, aproximando-se, assim, das idéias de Edmund Burke que
afirmava que a democracia degenerava facilmente em tirania. Diria Burke que o estado
sofreria opressão se permitisse que pessoas como cabeleireiros ou fabricantes de velas
governassem713. Esse espírito era comum no período vitoriano. A historiadora norte-
americana Barbara Tuchman, ao descrever as características de Lord Salisbury, Primeiro
Ministro inglês em 1895, típico representante dessa corrente de pensamento, diria que ele
não escondia sua aversão por massas e a possibilidade do poder ser exercido
democraticamente pela população inglesa. Ele lutou de todas as formas para evitar no
710
SEELEY, James. The Expansion of England. London: Wormell, 1886.
711
FERGUSON, Niall. op.cit, p. 236.
712
O imperialismo aqui definido no caso de Laughton refere-se a definição do Oxford Dictionary que
estabeleceu que ‘o imperialismo era um princípio ou política de procurar, ou pelo menos de não recusar uma
extensão do Império Britânico nas direções onde houver interesse comercial e investimentos que requerem a
proteção de sua bandeira e dessa maneira unir as diferentes partes do império com governos próprios para
assegurar certos propósitos como declaração de guerra, comércio interno, comunicações postais como se
fossem um só estado’. Fonte: MORRIS, op.cit, p. 115.
713
HIRSCHMAN, Albert. A Retórica da Intransigência. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.25.
200

Parlamento que qualquer concessão fosse oferecida às massas, considerando a democracia


como perigosa para a liberdade e que se fossem feitas concessões à classe trabalhadora “os
ricos pagariam todos os impostos e os pobres fariam todas as leis”714. Tanto Seeley como
Laughton concordavam com essa visão de Lord Salisbury.
Sir John Seeley, com o seu livro, desejava um estreitamento dos laços do UK com
suas colônias, povoadas por muitos britânicos que para lá emigraram, sendo essa
aproximação “música para os ouvidos de uma nova geração de imperialistas”715 ingleses,
segundo Niall Ferguson. Nesse grupo de imperialistas Laughton se incluía, tendo inclusive
proferido em 1902 uma palestra cujo título foi “A Unidade do Império Britânico” na qual
destacou a expansão das colônias do UK baseada no poder marítimo britânico. Nessa
palestra Laughton iniciou sua alocução mencionando Seeley que afirmara ser “a história
não somente a gratificação da curiosidade do passado, mas uma clara visão do presente e
uma projeção para o futuro”716.
A segunda grande influência sobre Laughton foi Samuel Rawson Gardiner, seu
antecessor no King´s College. Esse historiador, agora ligado a Universidade de Oxford, era
um grande seguidor das idéias de Leopold Von Ranke e da Escola Alemã de história.
Gardiner apregoava a visão rankeana de que a crítica de documentação primária seria o
modo “científico” de escrever a história. Ele incentivava, também, a publicação de material
primário em compêndios editados e apoiou diversos historiadores e pesquisadores que se
aventuravam nesse campo. Diria o historiador George Peacock Gooch717 que competia a
Gardiner a glória de ter narrado o período mais crítico e discutido da história inglesa, o
século XVII, pela primeira vez com absoluto conhecimento e firme juízo718. Segundo
Gooch, Gardiner foi um dos mestres da profissão de historiador, afirmando que “seu
completo saber e a universalidade de seu temperamento o capacitavam para entender os
homens que não podiam se entender mutuamente”719. A sofisticação intelectual de Gardiner
foi muito bem apreciada por Laughton que o considerou um grande historiador e amigo de

714
TUCHMAN, Barbara. The Proud Tower. A portrait of the world before the war 1890-1914. New York:
MacMillan, 1966, p. 11.
715
FERGUSON, Niall. op.cit. p. 264.
716
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 196.
717
George Peacock Gooch foi aluno de Laughton no King´s College entre 1888 e 1891, tendo publicado a
obra History and Historians of the Nineteenth Century em 1913.
718
GOOCH, op.cit. p. 361.
719
Ibidem, p. 362.
201

muitos anos. Gardiner e Laughton trabalharam em um mesmo projeto em 1882 o


Dictionary of National Biography (DNB) coordenado por dois periódicos The Cornhill
Magazine e o The Pall Mall Gazette. O propósito dessa obra era criar uma consciência
nacional britânica720, a partir da descrição de figuras importantes, incuindo os heróis
nacionais, nas áreas da política, economia, ciência, cultura e militar. Laughton ficou
encarregado de escrever artigos biográficos de personalidades navais do UK.721 O primeiro
volume do DNB foi publicado em 1885 e o último em 1900, tendo Laughton escrito no
total 900 biografias no projeto. Esse tipo de material publicado tinha um objetivo bem
claro, enaltecer a história nacional como uma reafirmação do caráter britânico e a
participação de Laughton nesse projeto demonstra a sua importância no mundo
historiográfico anglo-saxão, em especial na história naval. Lambert considera que o DNB
foi uma grande contribuição ao processo de consciência popular inglesa, ao prover um meio
eficaz de troca de idéias entre a comunidade acadêmica formada por historiadores
profissionais e as massas cultas que emergiam no mundo vitoriano, além de ser uma grande
contribuição para o desenvolvimento da história naval inglesa722.
Gardiner, ao mesmo tempo em que participou com Laughton no DNB, convenceu-o a
editar as memórias manuscritas de Lord Torrington723. Esse manuscrito original cobria a
carreira do almirante Sir George Byng até 1705 tendo sido adquirido pelo Museu Britânico
em 1882. Esse convite veio a ocorrer em boa época e medida, uma vez que Laughton nutria
grande admiração por Byng. A edição dessa obra em 1889, que levou o título de Memoirs
relating to the Lord Torrington724 fez com que entrasse em contato com a Camden Society,
da qual Gardiner era diretor e a Royal Historical Society (RHS), o que permitiu estreitar

720
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 90.
721
Vavy Pacheco Borges classifica esse tipo de biografia como artigo de dicionário biográfico que significa
um breve resumo da vida de uma pessoa pública por vezes famosa. Fonte: BORGES, Vavy Pacheco.
Grandeza e misérias da biografia.op. cit. p. 213.
722
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 91 e 95.
723
O almirante George Byng (1663-1733) foi um conhecido oficial da Marinha Real que derrotou uma força
naval espanhola na Batalha do Cabo Passaro em 1718. Esse combate foi considerado um dos mais
significativos e decisivos na história naval inglesa no século XVIII. Ele não deve ser confundido com seu
filho John Byng que foi executado em 1757 por ter falhado em reconquistar a Ilha de Minorca. George Byng
recebeu o título de Visconde Torrington em 1721 e foi Primeiro Lorde do Almirantado entre 1727 e 1733,
falecendo no posto. Fonte: WILSON, Alastair; CALLO, Joseph. Who is Who in Naval History. London:
Routledge, 2004, p. 28.
724
LAUGHTON, John Knox. Memoirs relating to the Lord Torrington. London: Camden Society, 1889.
202

ainda mais seus contatos com o meio acadêmico e propiciar os instrumentos necessários
para organizar o que viria a ser o NRS.
Outra breve biografia escrita por Laughton no DNB foi a do almirante Sir Charles
Napier725 e essa biografia teve uma característica distinta das demais. A única fiha de Sir
Charles, Frances Jodrell disponibilizou todos os seus manuscritos para Laughton,
afirmando que “toda a correspondência daquele oficial [Sir Charles] foi deixada para mim,
sua filha única, e tenho o grande prazer em colocar em suas mãos qualquer carta ou
documento que considerar relevante”.726
O rigor crítico documental de Gardiner veio a sedimentar as convicções de Laughton
com relação a abordagem científica da história, no qual Ranke foi a grande referência.
Gardiner viria a falecer em 1902, no entanto seus filhos continuaram a freqüentar a família
Laughton e sua viúva se mudou para uma casa próxima de John em Wimbledon.
A reputação de Laughton como historiador e pesquisador crescia. Outros colegas já o
percebiam como “a” autoridade intelectual em história naval. Seu companheiro e grande
influenciador Sir John Seeley diria que o trabalho de Laughton era importante e que os
historiadores ingleses desejavam exatamente um escritor que pudesse congregar como ele,
as qualidades de historiador com as de especialista em assuntos navais.727
Entre 1889 e 1896 Laughton escreveu três clássicos sobre o seu grande herói, Horatio
Lorde Nelson. O primeiro, de 1889, Nelson728 na série English Men of Action, cujo
propósito era disseminar a importância da RN ao público doméstico em geral e a trajetória
de seu principal expoente e herói Horatio Nelson. Era sua segunda incursão na vida de
Nelson, que confirmou a certeza no universo historiográfico de que Laughton era um
especialista nesse personagem. Interessante notar que as biografias no final daquele século
XIX eram textos populares e muito procurados pelo público. Não deve ser esquecido que
essa biografia tinha, também, o objetivo de aumentar os seus vencimentos, apertados depois
de seu segundo casamento com o nascimento de seus outros filhos, recebendo essa
725
Sir Charles Napier (1786-1860) foi um almirante da Marinha Real. Comandou a esquadra inglesa no
Báltico no início da Guerra da Criméia, fracassando na tomada dos fortes de Kronstadt e Helsingfords, sendo
por isso destituído do comando. Ele ficou conhecido pela frase “a maior parte dos homens com mais de 60
anos de idade é muito velha para ser impulsionadora e empreendedora”. Fonte: WILSON, CALLO, op.cit. p.
224.
726
Carta de Frances Jodrell para John Knox Laughton escrita em 4 de abril de 1892. Fonte: LAMBERT,
Andrew. Letters and Papers of Professor Sir John Knox Laughton 1830-1915. op.cit.p. 79.
727
Carta de John Seeley para John Knox Laughton escrita em 10 de junho de 1890. Fonte: Ibidem,.p. 66.
728
LAUGHTON, John Knox . Nelson. “English Men of Action”. London: MacMillan, 1889.
203

encomenda da editora MacMillan,. Essa biografia teve enorme aceitação e outras revisões
se seguiram em edições mais baratas em 1895, 1900, 1904 e 1905.
Em seu prefácio729 Laughton apontou que os principais livros e documentos que
discutiram a vida profissional de Nelson eram as obras de Nicholas em sete volumes, a de
William James, as correspondências de Lord Hood, Lorde Saint Vincent, Lord Keith e de
Sir William Hamilton arquivados no Public Records Office (PRO), além de outras obras
francesas de Chevalier e Troude. Sobre a vida privada de Nelson ele indicou como
referência a documentação trocada entre Emma, William Hamilton, a rainha de Nápoles e
Lord Nelson. Nesse prefácio Laughton criticou acidamente o livro de James Harrison The
Life of the Right Honourable Horatio Lord Viscount Nelson730 em dois volumes de 1806,
obra considerada clássica na historiografia sobre Nelson. Nessa crítica Laughton afirmou
que muitas das anedotas indicadas no texto por Harrison foram deturpadas ou foram
inventadas, de modo a magnificar a atuação e as reclamações de Emma Hamilton ao
governo britânico. Para Laughton essas anedotas foram “mentiras” e não devem ser aceitas
de antemão, a não ser se confirmadas por outras fontes, em uma clássica crítica externa
como ensinada por Ranke. O livro Nelson foi dividido em 11 capítulos com um total de 240
páginas na edição de 1895731.
Seu amigo Cyprian Bridge, comandando o cruzador encouraçado HMS Orlando na
Austrália, ao ler o seu livro sobre Nelson disse que estava encantado ao ver que Laughton
havia trazido “Nelson à vida, de uma forma tão conveniente e com belo estilo e que esse
livro deveria ser adquirido e lido por quase todos os oficiais da marinha”.732 Vale a pena
comentar, também, a resenha publicada no jornal The New York Times sobre essa edição de
1895. Nesse comentário, que a propósito não estava assinado, o autor apontou o avanço do
estilo biográfico e que a biografia naquele tempo “assumiu o calmo e judicioso tom de
crítica historiográfica”, sendo Barthold Niebuhr um dos grandes responsáveis por essa
renovação. Para o crítico era um prazer ler o livro de Laughton que se baseou em farta

729
Ibidem, p.i.
730
HARRISON, James. The Life of the Right Honourable Horatio Lord Viscount Nelson. 2v. London:
Ranelagh, 1806.
731
Nos capítulos cinco e seis serão feitas maiores discussões sobre esse livro, em especial será comparada
essa biografia com a biografia escrita por Alfred Mahan sobre Nelson, fulcro dessa pesquisa.
732
Carta de Cyprian Bridge para John Knox Laughton escrita da Austrália em 23 de setembro de 1895. Fonte:
LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 115.
204

documentação original, inclusive de fontes francesas. Em um período do texto o autor


escreveu:

As questões que emergem em uma atenta mente são não somente as


origens de tal homem [Nelson] e quais os métodos que o tornaram
grandioso, mas qual era realmente o seu caráter ? Quais eram as
qualidades humanas que destacaram o nome de Nelson nas páginas do
tempo ? Trinta ou quarenta anos atrás, os biógrafos responderiam essas
perguntas tentando mostrar que o herói do Nilo e Trafalgar foi um gênio
trazido do céu, uma espécie de semi-Deus, um anjo humano, como a
concepção popular de George Washington ou mesmo uma chama na
memória dos camponeses ingleses sobre Napoleão antes de
Waterloo....Laughton mostrou-nos todos os lados do caráter de Nelson.

Prosseguia a resenha destacando que Laughton apontou que muito do que Nelson
utilizou em suas batalhas tinha vindo diretamente de outros chefes navais como Hawke, não
desconsiderando, no entanto, a sua habilidade e perspicácia tática. O texto conclui
afirmando que Laughton demonstrou claramente que as relações entre Nelson e Lady
Hamilton eram escandalosas e “que elas [relações] tornaram-se uma sombra sobre o seu
nome”.733
O seu segundo livro sobre Nelson foi The Story of Trafalgar734 uma descrição da
batalha de Trafalgar publicado por Griffin em 1891 que não teve grande repercussão e o
terceiro livro The Nelson Memorial (Nelson and his Companions in Arms)735 de 1896.
Nesse último, Laughton cometeu um erro básico, ao indicar no frontspício do livro o sinal
que Nelson utilizou em Trafalgar, England expects that every man will do his duty736 com o
código de 1808, erro grosseiro, uma vez que esse código foi criado três anos depois da
batalha ter ocorrido. Nelson efetivamente utilizou o código de 1799 e não o de 1808.737
Outro erro notado foi a saída noturna de Nelson de Copenhagen, interpretando assim a boa
fé do almirante inglês em oferecer um armistício aos dinamarqueses738, fato contestado por
Alfred Mahan que pesquisou o livro de quarto do navio de Nelson. Laughton

733
RESENHA. The Hero of Trafalgar. The New York Times. New York. Publicado na Seção “New
Publications” em 18 de setembro de 1895.
734
LAUGHTON, John Knox. The Story of Trafalgar. Porstmouth: Griffin & Co, 1891.
735
LAUGHTON, John Knox The Nelson Memorial (Nelson and his Companions in Arms). London: George
Allen, 1896.
736
A tradução é “A Inglaterra espera que cada um cumpra com o seu dever”.
737
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 101.
738
Idem. No capítulo seis será discutido com maiores detalhes essa batalha.
205

posteriormente aceitou as ponderações de Mahan e admitiu o erro, o que deve ter sido
difícil para um historiador detalhista como Laughton. Lambert imputa tal incorreção às
diversas atividades de Laughton no King´s College, provocando essa distração739. No
prefácio do Nelson Memorial, Laughton apontou que foram escritas muitas biografias sobre
Nelson e que aquele trabalho não queria competir com esses trabalhos. No outro livro
escrito, Nelson, ele havia descrito a vida desse grande personagem naval e o presente
trabalho tinha um objetivo diferente que era descrever as influências que moldaram o
caráter e a vida de Nelson e de onde ele tirou sua inspiração para procurar a “liberdade e
estabelecer a grandeza da Inglaterra”740. Para Laughton, Nelson tinha sido representado
como um semi-Deus, um santo ou sentimentalista e algumas vezes como um animal com
seu instinto e amor pelo combate. Segundo ele, seu propósito foi descrevê-lo como um
homem comum, com suas paixões e fraquezas, sua genialidade e sua capacidade de
suportar a dor. O livro de Laughton, assim, foi dividido em oito capítulos com um total de
351 páginas na edição de 1899741.
Em 1893, Laughton, em conversa com Cyprian Bridge, na ocasião Diretor da
Inteligência Naval e seu grande amigo, imaginou criar uma sociedade que fosse capaz de
editar e posteriormente publicar documentação primária sobre a história naval britânica que
estivesse arquivada no Almirantado. A associação com a Inteligência Naval seria
fundamental, de modo a selecionar aquilo que poderia ser publicado ou não. Laughton,
devidamente autorizado, vinha há muito levantando a documentação do Almirantado e
temia que essa fonte de memória naval fosse ou perdida ou indisponibilizada aos
pesquisadores. Bridge e Laughton mantinham uma amizade que chegava há trinta anos e se
preocupavam com o destino dessa documentação. A fundação de uma sociedade
independente parecia a solução final.
Os seis primeiros membros dessa sociedade, que levou o nome de Navy Records
Society (NRS) foram Laughton, Bridge, o capitão-de-fragata Charles Napier Robinson, seu
conhecido da Exibição Naval Real realizada em 1891, os seus velhos companheiros
almirantes Fanshawe e Hornby e o correspondente naval do periódico The Times Sir James

739
Idem.
740
LAUGHTON, John Knox. Nelson Memorial. op.cit. p. viii.
741
Nos capítulos cinco e seis serão feitas maiores discussões sobre esse livro, em especial será comparada
essa biografia com a biografia sobre Nelson escrita por Alfred Mahan, fulcro dessa pesquisa.
206

Thursfield. Aos poucos foram outros membros sendo agregados à sociedade. Nomes como
o Duque de Norfolk, o adido naval dos Estados Unidos da América, comandante Caspar
Goodrich e Lorde Northbrook vieram a compor os quadros da NRS. Enfim, em 13 de junho
de 1893 na RUSI a sociedade foi oficialmente criada com o propósito de “publicar
trabalhos raros ou manuscritos de interesse naval, de modo a permitir o acesso de
documentação de [nossa] história naval e elucidar questões de arqueologia naval,
construção, administração, organização e vida social [da Marinha]”742. Os principais
membros da diretoria foram o Earl743 Spencer, Primeiro Lorde do Almirantado, Presidente;
Alfred Ernest, Duque Saxe-Coburg e Gotta, segundo filho da Rainha Vitória e George
Frederick, Duque de York, filho da Rainha Vitória e futuro Rei George V, patronos da
sociedade. Laughton foi eleito secretário e Sir Henry Frances Yorke, servidor do
Almirantado, como tesoureiro.
Aos poucos os membros da sociedade aumentaram nos anos seguintes, 400 ao final de
1895 e 500 um ano depois. Cada membro contribuiria com uma anuidade que teria o
objetivo de patrocinar as atividades da sociedade. A NRS não dependeria apenas de
documentação proveniente dos arquivos oficiais. Muitas coleções de manuscritos e
documentos familiares foram doados à sociedade que continua até hoje a editar
documentação referente à história naval britânica. Laughton, que foi o grande mentor do
NRS e secretário até 1912, disse em 1896 “aqueles de vocês [membros] que estiverem aqui
daqui há cinqüenta anos poderão dizer a seus netos ou bisnetos que o que eles souberem da
arte da guerra no mar e das glórias de nossa nação, será em razão da existência do NRS”.744
A NRS trouxe a história naval para os estudos históricos, tendo sido um dos centros
de difusão e pesquisa histórica no UK, além de ser o local onde se discutia as políticas
navais e se disseminava a importância que o mar adquiriu para a sobrevivência da nação. A
sociedade proporcionou, também, uma simbiose entre historiadores profissionais e oficiais
de marinha que tiveram a oportunidade de trocar idéias e editar novos volumes de história
naval. Fizeram parte da sociedade historiadores do quilate de Sir Julian Corbett745, Samuel

742
SCHURMAN, op.cit. p. 93.
743
Earl é correspondente a conde.
744
Ibidem, p. 94.
745
Sir Julian Corbett (1854-1922) historiador naval e especialista no período elizabetano, foi o autor do
clássico Some Principles of Maritime Strategy de 1911 até hoje muito estudado nas escolas de altos estudos
navais nas marinhas ocidentais. Foi palestrante no RNC.
207

Gardiner, Charles Firth746, Joseph Tanner747, Sir Clements Markham748, Montagu


Burrows749, Sir John Seeley e oficiais da marinha do padrão do Príncipe Louis de
Battenberg750, Phillip Colomb751 e Herbert Richmond752. A criação dessa sociedade trouxe,
ao mesmo tempo, apoio à UK, que lutava por maiores orçamentos em um período de
corrida armamentista no final do século XIX e por auxiliar a causa naval no Parlamento.
Muitas personalidades importantes do período viriam a se afilliar ao NRS tais como Joseph
Chamberlain e Rudyard Kipling, além de muitos jornalistas que se interessavam em
assuntos de defesa.
Ao mesmo tempo em que Laughton criava o NRS, ele se aventurava nos arquivos
ainda intocáveis do PRO, relativos à história naval britânica, inacessíveis, até aquele
momento, pelo Almirantado por razões de segurança. A política de disponibilidade dos
documentos navais por parte do Almirantado até ali determinava que o pesquisador
solicitasse com antecipação quais documentos seriam lidos, havendo então uma triagem do
que poderia ser disponibilizado ou não, o que demandava tempo e requeria um
conhecimento pessoal com algum membro do Almirantado para obter autorização para o
PRO liberá-lo. Cada caso era analisado independentemente. Laughton, aproveitando sua
amizade com o Primeiro Lorde do Mar, almirante Sir Astley Cooper Key, conseguiu a
autorização para pesquisar a documentação do Almirantado guardada no PRO, sem as peias
de caso a caso, obtendo, depois de certo tempo, autorização para que outros historiadores
tivessem, também, acesso a essa vasta documentação ainda inexplorada, principalmente
para os documentos anteriores a 1793.
Esse acesso de Laughton à documentação naval o fez se aproximar de Hubert Hall,
chefe da Seção de Busca do PRO e membro distinto da RHS que já o indicava as

746
Charles Firth (1857-1936), historiador e especialista no período de governo de Oliver Cromwell, professor
de história moderna em Oxford. Fonte: Ibidem, p. 93.
747
Joseph Robson Tanner (1860-1951), historiador naval professor em Cambridge. Fonte: Ibidem, p. 96.
748
Sir Clement Markham (1830-1916), geógrafo e historiador. Membro da Royal Geographical Society.
Fonte: Ibidem, p. 94.
749
O comandante Montagu Burrows foi professor de história moderna em Oxford. Fonte: LAMBERT,
Andrew. The Foundations of Naval History op.cit. p. 144.
750
Louis Alexander Mountbatten, Primeiro Marquês de Milford Haven (1854-1921), almirante de esquadra,
Primeiro Lorde do Mar no início da Grande Guerra em 1914. Fonte: SCHURMAN, op.cit p. 91.
751
Phillip Colomb foi vice-almirante e estrategista, autor do livro Naval Warfare. Fonte: SCHURMAN,
op.cit. p. 36.
752
Herbert Richmond foi almirante de esquadra e historiador, professor de história de Cambridge. Fonte:
SCHURMAN, op.cit. p. 110.
208

descobertas de novos documentos, tais como os descritos abaixo em uma carta de 10 de


dezembro de 1887. Disse Hall a Laughton o seguinte:

Acabei de descobrir os livros de bordo e o diário do Endeavour,


Resolution e Discovery pertencentes ao Capitão Cook753 e não sei se eles
são importantes, no entanto essa descoberta me foi muito interessante...de
qualquer forma pensei em lhe contar imediatamente de modo a
disseminar essa descoberta. Tenho consciência que existem grandes
oportunidades de estudar esses diários, embora eu tenha percepção de
que esses documentos servem somente para pesquisas científicas.754

A primeira obra editada por Laughton em 1894 como secretário do NRS foi o State
Papers relating to the Defeat of the Spanish Armada755 sobre o conhecido evento histórico
envolvendo a derrota da força naval espanhola enviada por Felipe II para invadir as Ilhas
Britânicas sob o reinado de Elizabeth I em 1587. Em sua introdução, Laughton, ao
contrário do que muitos historiadores haviam declarado, afirmou que a derrota dessa força
naval ibérica não podia ser creditada apenas ao vento, mas sim à determinação dos
comandantes navais ingleses e seus navios, nos quais se destacavam líderes como Sir
Francis Drake e Sir Walter Raleigh, que efetivamente derrotaram seus inimigos e
impediram o desembarque desejado por Felipe II. Utilizando a documentação primária
disponível, Laughton procurou sustentar sua argumentação com fatos registrados e
declarações de personalidades envolvidas nesse evento, transformando essa obra como a
base para os futuros pesquisadores que estudaram a marinha nos tempos elizabetanos756.
Essa documentação lhe seria útil na escrituração do livro From Howard to Nelson757
de 1899 quando escreveu uma breve biografia sobre Lord Howard of Effingham. Nessa
obra Laughton convidou oito distintos oficiais de marinha para, com ele, escrever doze
biografias de heróis navais da Inglaterra758. Em seu prefácio afirmou que quando a história

753
O Capitão Cook foi um grande navegador inglês do século XVIII.
754
Carta de Hubert Hall para John Knox Laughton escrita em 10 de dezembro de 1887 no Public Records
Society. Fonte: LAMBERT, Andrew. Letters and Papers of Professor Sir John Knox Laughton 1830-1915.
op.cit.p. 55.
755
LAUGHTON, John Knox . State papers relating to the defeat of Spanish Aramada. London: NRS, 1894.
756
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 99.
757
LAUGHTON, John Knox Laughton (Ed). From Howard to Nelson. Twelve Sailors. London: Lawrence
and Bullen, 1899.
758
Foram convidados o vice-almirante Sir Frederick Bedford (biografia de Sir Francis Drake), comandante
Montagu Burrows (biografia de Sir Robert Blake), contra-almirante Penrose Fitzgerald (biografia de Sir
George Rooke), vice-almirante Albert Markham (biografia de Sir George Anson), contra-almirante Sir
209

inglesa começou a ser contada, a marinha já era uma instituição consolidada, embora
reconhecesse a importância de Henrique VIII, pai de Elizabeth I, no estabelecimento e
organização da Marinha Real. Apesar desse longo tempo de criação e seus altos e baixos, a
Marinha inglesa foi a grande responsável pela segurança do reinado e do futuro império.
Laughton, dessa maneira, escolheu doze marinheiros a serem biografados que poderiam ser
denominados como construtores do império759. O que ele Laughton desejava era mostrar
como o trabalho e os métodos utilizados por esses construtores poderiam influenciar os
marinheiros de sua época, o final do século XIX. Em razão de sua importância, esse livro
foi utilizado como texto básico no RNC.
O ano de criação do NRS, 1893, além do desafio de criar uma sociedade para
preservar a documentação naval no UK, trouxe um grande dissabor e preocupação para
Laughton. De modo a incentivar a discussão de assuntos navais, ele escrevia resenhas de
livros sobre história naval lançados no mercado editorial britânico, em diversos periódicos
de grande circulação nacional. Em um desses periódicos, o Army and Navy Gazette,
Laughton chamou a atenção do público para livros que utilizavam “linguagem vulgar e
indecente”760, citando explicitamente o livro publicado em 1885 em três volumes cujo título
foi The Navy in the Present Year of Grace, cujo autor se identificava com o pseudônimo
“Um indistinto oficial de marinha”, aproveitando assim a anonimidade. Em verdade, o
autor foi um antigo contador da RN chamado Henry James Boyle Montgomery. Esse
cidadão havia sido submetido à corte marcial por duas vezes, preso por dois anos e
dispensado da marinha com desonra por furto em 1887.
O livro escrito por Montgomery era um ataque direto à RN, ao corpo de oficiais, ao
RNC, aos instrutores navais (deve-se recordar que Laughton fora um), a influência da
maçonaria na marinha, ao Almirantado e ao patronato naval que protegia os filhos de lordes
em detrimento das classes mais modestas da sociedade inglesa. Alguns dos ataques de
Montgomery se dirigiam diretamente às autoridades navais facilmente distinguíveis,
somente poupando as praças da armada. Citava, maldosamente, que só existiam dois

Edmund Fremantle (biografias de Sir Edward Hawke e de Sir Edward Boscawen), almirante Sir Vesey
Hamilton (biografias de Sir George Rodney e Sir Alexander Hood), contra-almirante Sturges Jackson
(biografia de Sir Richard Howe) e vice-almirante Sir Philip Colomb (biografias de Sir John Jervis e Horatio
Nelson). Laughton escreveu a biografia de Lord Howard of Effingham.
759
Ibidem, p. vii.
760
A palavra utilizada por Laughton foi “scurrilous” que foi traduzido como “linguagem vulgar e indecente”.
210

capitães-de-mar-e-guerra capazes na Marinha Real, Frederick Richards e John Fisher761,


uma inverdade, com certeza. Laughton ficou indignado com o livro e não poderia deixar
passar essa situação. Recebeu, também, o apoio da Marinha Real em seu ataque a
Montgomery.
Montgomery reagiu imediatamente à crítica de Laughton e procurou a justiça
demandando indenização de 2.000 libras, por injúria e difamação, uma fortuna na época. A
ação envolvia indenizações contra Laughton, assim como contra o periódico.
Imediatamente Laughton procurou seus amigos na marinha, especialmente o almirante Sir
Geoffrey Hornby, que se prontificaram a ajudá-lo. Seu amigo de longa data Hornby
escreveu para Laughton o seguinte, comentando o incidente:

É com certeza um escândalo que um pilantra que não vale nada como
Montgomery possa ser capaz de chantagear qualquer pessoa responsável,
sendo ele completamente irresponsável, no entanto acho que a lei e
nossas instituições necessitam uma grande alteração. Nos dias de hoje um
homem honesto considera difícil viver na Inglaterra na qual patifes e
vagabundos florescem.762

A audiência entre as partes ocorreu nos dias 11 e 12 de junho de 1894. Além das
testemunhas a seu favor, dentre os quais se destacavam diversos almirantes de ilibada
reputação, Laughton contou com o apoio da imprensa britânica, simpática ao periódico e à
RN. Seu defensor foi Sir Henry James, um conhecido advogado na Inglaterra. Montgomery
foi defendido igualmente por outro conhecido advogado, Lorde Reading. Como não
poderia deixar de ser, Laughton acabou sendo dispensado de pagar qualquer indenização a
Montgomery, no entanto Lorde Reading conseguiu anular uma possível ação a ser ajuizada
no futuro contra seu cliente por Laughton ou o editor do Army and Navy Gazette, alegando
que Montgomery escrevera os textos atacando a marinha de boa fé e sem malícia.

761
O professor Lambert descreveu com vivos detalhes esse acontecimento envolvendo Laughton em seu livro
The Foundations of Naval History. LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 117.
762
Carta de Sir Geoffrey Hornby para John Knox Laughton escrita em 16 de junho de 1894. Fonte:
LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 102.
211

Apesar da vitória no tribunal, Laughton arcou com os custos advocatícios que se


elevaram a mais de 100 libras763. Todos os seus conhecidos sabiam de suas dificuldades
financeiras, em razão do aumento de sua família nos últimos anos. Novamente seus amigos
da marinha entraram em cena e criaram um fundo especial em nome de Laughton, no qual
contribuiriam para arcar com as despesas com advogado e custas processuais, de modo a
demonstrar a solidariedade e o apreço que a RN tinha pelo distinto professor de história.
Dentre os organizadores desse fundo arrecadador destacaram-se o príncipe Louis de
Battenberg, Sir Geoffrey Hornby, Sir Vesey Hamilton e seu grande amigo Cyprian Bridge.
Em um instante foram arrecadadas 120 libras que cobriram as custas processuais,
demonstrando o prestígio que Laughton gozava na Marinha Real. Como uma vingança do
destino, Montgomery, que já havia sido processado por violência doméstica, viria a ser
preso posteriormente por cinco anos por furtar 1000 libras de uma firma da qual foi
secretário.
A tensão dos últimos meses de 1894 trouxe, em paralelo, para Laughton uma perda
progressiva de um dos olhos, motivada por uma inflamação não controlada da íris. Pode-se
imaginar a aflição e a preocupação do velho mestre com a perda de visão, um de seus
instrumentos de trabalho por ser historiador.764
Entre 1896 e 1913, Laughton publicou pelo NRS cinco obras tratando de
documentação relativa à história naval. A primeira editada em 1896 tratou do diário do
almirante Sir Bartolomew James, organizada juntamente com o comandante James Young
Sulivan, que levou o título Journal of Rear-Admiral Sir Bartholomew James765. Essa edição
apresentou a autobiografia expandida das memórias do almirante Bartholomew James que
descreveu suas realizações durante a Revolução Americana, incluindo o cerco de Yorktown
e sua posterior carreira comandando navios mercantes e de guerra até a paz de 1808.766
A segunda obra organizada em 1901 por Laughton levou o nome de The Naval
Miscellany Volume One767 e compreendeu a compilação de documentos de história naval

763
Para que se tenha uma idéia do custo de vida em libras em 1895, a linha de pobreza na Inglaterra vitoriana
se encontrava em torno de 55 libras/ ano para uma família de cinco pessoas. Fonte: TUCHMAN, op.cit. p. 27.
764
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 119.
765
LAUGHTON, John Knox. (org) Journal of Rear Admiral Bartholomew James 1752-1828. London: NRS,
1896.
766
Essa edição foi a sexta do NRS. Fonte: NAVY RECORDS SOCIETY. NRS Volumes. Disponível em
www.navyrecords.org.uk/volumes/wk.5.htm. Acesso em 02 de agosto de 2010.
767
LAUGHTON, John Knox.(org) The Naval Miscellany Volume I. London: NRS, 1902.
212

do século XVI até a virada do século XVIII para o XIX, a maioria relativa à Revolução
Francesa e às Guerras Napoleônicas. Dos dois documentos relativos ao século XVI, um se
referia ao código de sinais franceses e o outro relativo à expedição de Cadiz. Laughton
compilou, também, uma tradução portuguesa da batalha da Baía Quiberon e os diários do
capitão Duncan entre 1776 e 1782. O restante da documentação tratou da correspondência
do Visconde Hood, cartas diversas descrevendo a rotina diária na RN, correspondências
descrevendo a vida a bordo dos navios da Companhia das Índias Orientais, despachos
relativos à captura de Heligoland em 1807 e cerca de 41 missivas envolvendo Lorde
Nelson.768
A terceira obra compilada por Laughton em 1906, contando com a colaboração do
almirante Sir Richard Vesey Hamilton foi The Recollections of Commander James Anthony
Gardner 1775-1814769. Nesse volume (de número 31) os dois editores apontaram na
introdução que ele continha pouco de história das operações navais, porém o comandante
Gardner, apesar de uma carreira apagada, foi um dos grandes contadores de estórias e um
querido colega de bordo na RN. Suas estórias da marinha do final do século XVIII e início
do XIX foram hilariantes e esse volume é considerado pela própria sociedade como um dos
mais engraçados da coleção.770
O quarto trabalho documental de Laughton foi o Letters and Papers of Charles, Lord
Barham 1758-1813771 em três volumes, editados em 1907, 1910 e 1912. Charles
Middleton, o futuro Lorde Barham foi um dos mais interessantes e influentes personagens
da história da RN. Foi membro do Almirantado de 1794-1795, quando Nelson estava em
plena atividade e Primeiro Lorde do Almirantado por ocasião da batalha de Trafalgar,
quando Nelson foi morto. Lorde Barham foi uma figura importante na reforma da
administração naval e assessor especial de muitos primeiros-ministros do período. No
primeiro volume da série, Laughton compilou a documentação pessoal e administrativa de
Barham com seus companheiros, em especial com Sir Samuel Hood, durante a Revolução

768
Essa edição foi a vigèsima do NRS. Fonte: NAVY RECORDS SOCIETY. NRS Volumes. Disponível em
www.navyrecords.org.uk/volumes/wk.16.htm. Acesso em 02 de agosto de 2010.
769
LAUGHTON, John Knox; HAMILTON, Vesey. (org). The Recollections of Commander James Anthony
Gardner 1775-1814. London: NRS, 1906.
770
NAVY RECORDS SOCIETY. NRS Volumes. Disponível em
www.navyrecords.org.uk/volumes/wk.22.htm. Acesso em 03 de agosto de 2010.
771
LAUGHTON, John Knox (org). Letters and Papers of Charles, Lord Barham 1758-1813. 3v. London:
NRS, 1907, 1910 e 1912.
213

Americana. No volume dois foram selecionados documentos referentes a seu período como
Controller of the Navy772 entre 1779 e 1790, em especial os referentes a reformas
administrativas e por fim no volume três Laughton separou a documentação sobre o
período de Barham como membro do Almirantado, como Primeiro Lorde do Almirantado e
a troca de correspondência com outros almirantes e políticos773.
Por fim, a quinta obra foi a The Naval Miscellany Volume Two774 de 1912. A
documentação selecionada por Laughton englobou a do século XVI ao XIX, incluindo a
referente a pirataria inglesa contra os espanhóis, a de um navio escocês preparando-se para
partir e a captura do navio espanhol Madre de Dios em 1592. Estavam incluídos, também,
dois documentos do século XVII relativos a uma descrição da batalha de Santa Cruz do
almirante Stayner, extratos do Almirantado sobre estratégia, operações e administração,
uma descrição das impressões sentimentais de um marinheiro em 1750, uma carta relativa
ao motim da RN em Nore, três conjuntos de documentos pessoais de Sir John Jervis, Lorde
St Vincent, além de documentos diversos sobre as operações no Egito em 1801 e nos Países
Baixos, as memórias de um comandante de fragata, a tentativa de fuga de Napoleão de
Bordeaux em 1815, fragmentos do diário do almirante Page e a descrição de um incidente
naval em 1850.775
Pode-se perceber a necessidade que Laughton tinha em disseminar a documentação
arquivada no PRO por meio do NRS, em detrimento dos próprios textos por ele produzidos,
contudo uma característica relevante foi o incentivo a novos historiadores navais que
surgiam no universo historiográfico britânico. Os últimos anos de vida de Laughton foram
de transmissão de conhecimentos e de preparo de novos pesquisadores.

3.3 – Os últimos anos de Laughton.

772
O Controller of the Navy era o oficial mais antigo do Navy Board que tinha a tarefa de construir e equipar
os navios de guerra e administrar os arsenais reais além de adquirir os abastecimentos necessários e
equipamentos para esses navios.Ver seção 2.2 capítulo 2. Fonte: FREMONT-BARNES. The Royal Navy
1793-1815. op.cit. p. 47.
773
Tratam-se dos volumes 32, 38 e 39 da coleção. Fonte: NAVY RECORDS SOCIETY. NRS Volumes.
Disponível em www.navyrecords.org.uk/volumes/wk.23..htm. Acesso em 03 de agosto de 2010.
774
LAUGHTON, John Knox (org) . The Naval Miscellany Volume Two. London: NRS, 1912.
775
NAVY RECORDS SOCIETY. NRS Volumes. Disponível em
www.navyrecords.org.uk/volumes/wk.109.htm. Acesso em 03 de agosto de 2010.
214

Aos poucos o NRS foi se estabelecendo como uma sociedade produtiva de


documentação primária da história naval britânica, em parte pelo esforço pessoal de
Laughton. Apesar desse trabalho lhe ser agradável, Laughton, como secretário da NRS,
precisou recorrer a colegas e promissores pesquisadores para lhe auxiliar nessa tarefa de
compilação. Dentre os diversos colaboradores que Laughton contou e incentivou nesse
período dois se distinguiram em especial, tanto como historiadores navais competentes,
como formuladores de estratégias e concepções teóricas que teriam perenidade nos estudos
estratégicos. Eram eles Sir Julian Stafford Corbett e Sir Herbert William Richmond.
Julian Corbett nasceu em 1854 de uma família abastada de Surrey, formando-se em
direito por Cambridge. Inicialmente iniciou uma carreira literária escrevendo novelas
históricas, desistindo de uma promissora carreira de advogado em 1882, voltando-se
integralmente para a história naval, em especial para o período de reinado de Elizabeth I.
Em 1893, Laughton ficou extremamente impressionado com um artigo escrito por
Corbett sobre a viagem de circunavegação de Drake e Doughty776 que culminou na
execução do segundo por ordem do primeiro. Em carta a Corbett, Laughton escreveu o
seguinte:

Acabei de ler seu artigo sobre “Doughty” com muito interesse. Você
utilizou uma argumentação forte para defender o seu ponto de vista, que
é provavelmente tão boa quanto qualquer um poderia se valer. Você sabe
como John Doughty [irmão de Thomas] regressou à Inglaterra ? Seu
nome não está entre os tripulantes do Golden Hind [navio da frota de
Drake] que testemunharam a favor de Drake...você leu as palestras de
Froude sobre os marinheiros do tempo de Elizabeth no Longman´s
Magazine ? Vale a pena lê-los, com certeza, embora existam passagens
que eu particularmente não concordo. Na última parte publicada ele
[Froude] sugere que Doughty estava a soldo da Espanha, o que é
possível.777

Em razão da boa impressão que causou, Corbett foi convidado em 1896 por Laughton
para editar pelo NRS os documentos primários relativos à Guerra Espanhola de 1585 a

776
CORBETT, Julian Stafford. The tragedy of Thomas Doughty: his relations with Sir Francis Drake.
Macmillan Magazine. V. LXVIII, 1893, p. 258-268.
777
Carta de John Knox Laughton para Julian Stafford Corbett escrita em 8 de agosto de 1893. Fonte:
LAMBERT, Andrew. Letters and Papersof Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p.91.
215

1587778, sendo tal tarefa o início de sua carreira de historiador naval e teórico respeitável.
Atraído pela vida de Francis Drake, Corbett, sempre apoiado por Laughton, iniciou uma
vasta pesquisa sobre esse corsário inglês, publicando em 1899 uma obra muito lida pelos
historiadores navais chamada Drake and the Tudor Navy779 em dois volumes. Essa obra se
destacou das demais por demonstrar um equilíbrio de análise e uma “maestria nas técnicas
de investigação histórica surpreendente para um virtual iniciante”,780 segundo Donald
Schurman. A orientação de Laughton foi importante para o seu primeiro trabalho de fôlego
em história naval.
A partir daí a carreira de Corbett decolou, sendo aos poucos reconhecido como um
dos mais influentes intelectuais ingleses do início do século XX. Sua aproximação com
Lorde Jack Fisher, Primeiro Lorde do Mar entre 1904 e 1910 e de 1914 a 1915, o fez ser
convidado para ser professor de história e estratégia do RNC, além de proferir conferências
de história na Universidade de Oxford a partir de 1903. Seu livro mais famoso foi o Some
Principles of Maritime Strategy781 de 1911, lido e discutido até hoje nas escolas de altos
estudos militares, inclusive na Escola de Guerra Naval brasileira. Sua ligação estreita com
Fisher o tornou um elemento essencial no nível decisório mais elevado na RN e seus
escritos passaram a ser praticamente, embora não explicitamente, doutrina estratégica naval
britânica.782
Em 1914, um ano antes da morte de Laughton, Corbett recebeu a Medalha de Ouro
Chesney783 da RUSI e em 1917 recebeu a Ordem do Banho, no grau de cavaleiro784
podendo apor antes de seu nome o título de “Sir”. Sua afiliação ao NRS pelas mãos de
Laughton o fez editar outras obras da sociedade, dentre as quais se destacaram o Fighting
Instructions 1530-1816785, Views of the Battles of the Third Dutch War786, Signals and

778
CORBETT, Julian. (org) Papers relating to the Spanish War 1585-1587. London: NRS, 1897.
779
CORBETT, Julian. Drake and the Tudor Navy with a history of the rise of England as a Maritime Power.
2v. London: Longmans & Green, 1899.
780
SCHURMAN, Donald. The Education of a Navy. op.cit. p.148.
781
CORBETT, Julian. Some Principles of Maritime Strategy. London: Longmans and Green, 1911.
782
PROENÇA, Domício; DINIZ, Eugênio, RAZA, Salvador Guelfi. Guia de Estudos de Estratégia. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 108.
783
A descrição dos critérios de recebimento e da criação dessa medalha será feito à frente no próximo capítulo
quando for descrito o recebimento dessa medalha por Mahan em 1900.
784
O título em inglês é Knight Commander of the Order of the Bath (KCB).
785
CORBETT, Julian (org) Fighting Instructions 1530-1816. London: NRS, 1905.
786
CORBETT, Julian (org) Views of the Battles of the Third Dutch War. London: NRS, 1906.
216

Instructions 1776-1794787 e o Private Papers of George 2nd Earl Spencer788 em dois


volumes. Pelas orientações de Laughton, Corbett denegria o valor da história aprendida
“meramente de livros-texto” em comparação com a história compreendida de um longo
estudo de “papéis confidenciais de Estado”, apoiado por uma observação direta das
políticas e deliberações dos detentores do poder.789
Como forma de agradecer a seu velho amigo e mentor Laughton, Corbett viria a
proferir no RNC em 1916 a palestra “O Renascimento da História Naval” na série de
conferências Laughton Memorial Lectures em homenagem ao mestre inglês. Sir Julian
Corbett faleceria em 1922 de ataque cardíaco. Donald Schurman escreveu em 1981 que
“Julian Corbett criou mais que o esperado. Em relação ao seu papel na história, pode ser
dito que seus livros se colocam como suas sentinelas”.790
O segundo de seus pupilos foi Herbert William Richmond. Nascido em Hammersmith
na Inglaterra em 1871, Herbert veio da classe média alta e decidiu entrar na RN em 1885
com quatorze anos de idade. Percorreu todos postos subalternos e superiores da marinha
com distinção até atingir o almirantado em 1920, quando foi designado Presidente do RNC,
lá permanecendo três anos. Já como vice-almirante foi brindado por seu amigo Sir David
Beatty, Primeiro Lorde do Mar, com a missão de ser o primeiro Presidente do recém-
inaugurado Imperial Defense College que iniciou suas atividades em janeiro de 1927. Foi
transferido para a reserva contra a sua vontade, após criticar abertamente a política naval
vigente, fato imperdoável para uma organização burocrática que era baseada na hierarquia e
na disciplina. Após a sua retirada da RN, foi convidado pela Universidade de Cambridge
para ser professor de história imperial, onde permaneceu por dois anos, sendo convocado
para ser reitor de um de seus Colleges, o Downing College, até o seu falecimento.
Seu contato com Laughton ocorreu na ocasião em que Richmond comandou o antigo
cruzador de segunda classe HMS Furious em 1911, quando aceitou a incumbência de
Laughton para editar pelo NRS o volume Papers relating to the loss of Minorca in 1756791

787
CORBETT, Julian (org) Signals and instructions 1776-1794. London: NRS, 1908.
788
CORBETT, Julian (org) The Private Papers of George 2nd Earl Spencer. 2v. London: NRS, 1913, 1914.
789
SUMIDA, Jon. The historian as contemporary analyst. Sir Julian Corbett and Admiral Sir John Fisher. In:
HATTENDORF, John; GOLDRICK, James. Mahan is not enough. The proceedings of a conference on the
works of Sir Julian Corbett and Sir Herbert Richmond. Newport: Naval War College Press, 1993, p. 131.
790
SCHURMAN, Donald. Julian Corbett 1854-1922 Historian of british maritime policy from Drake to
Jellicoe. London: Royal Historical Society, 1981.
791
RICHMOND, Herbert. (org) Papers relating to the loss of Minorca in 1756.London: NRS, 1913.
217

o que lhe trouxe muito gosto e alegria, tendo essa obra sido um trabalho de pesquisa
arquivística de fôlego publicada em 1913. Laughton não mais exercia a função de secretário
da sociedade, mas permanecia no seu conselho editorial. Nessa obra Richmond discutiu na
introdução o desastre da perda da Minorca para os franceses na Guerra dos Sete Anos, por
parte do almirante inglês John Byng, o que acabou levando a seu posterior fuzilamento em
1757, um caso raro e traumático na Marinha Real.792 Essa importante compilação de
documentação primária, incluindo cartas, memorandos, ordens de operação e despachos foi
conduzida por Richmond, sob a atenta supervisão de Laughton.
Nesse período, em razão de seus conhecimentos em história naval, Richmond foi um
palestrante contínuo no RNC, tendo Laughton como paradigma. Diria ele, como uma
homenagem a seu mestre, no prefácio de sua obra The Navy in the War of 1739-1748793 que
era “afortunado em receber do falecido Sir John Laughton, que estava sempre disponível
para transmitir aos outros uma boa parte de seu vasto conhecimento”794. Richmond estava
não apenas enaltecendo o auxílio de Laughton na confecção do livro. Ele estava
agradecendo, efetivamente, a sua formação como historiador acadêmico, forjado pela
orientação do velho professor do King´s College de Londres.
A capacidade de criticar as fontes e delas tirar aquilo que era pertinente ao objeto
proposto foi um legado deixado a Richmond por Laughton795. Outro ponto apreendido por
Richmond foi a capacidade de detalhar eventos históricos, em uma seqüência lógica e desse
detalhamento apontar lições táticas e estratégicas, exatamente como Laughton preconizava.
A sua procura exaustiva por fontes primárias, de acordo com a metodologia utilizada por
Laughton, foi outro legado que acompanharia Richmond em toda a sua carreira docente.796
Richmond, também, sofreu uma grande influência de Julian Corbett em sua trajetória
intelectual e ambos tornaram-se grandes amigos.
Richmond viria a compilar outros volumes do NRS, a continuação dos documentos do
Conde Spencer, Primeiro Lorde do Almirantado entre 1794 e 1801, depois da morte de
792
Ver seção 2.3, capítulo 2.
793
RICHMOND, Herbert. The Navy in the War of 1739-1748. Cambridge: Cambridge University Press, 1920.
Essa obra foi lançada no mercado em 1920, cinco anos após o falecimento de Laughton.
794
Ibidem, p. vii.
795
ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de. O Poder Marítimo sob o ponto de vista estratégico entre 1540 e
1945: uma comparação entre as concepções de Alfred Thayer Mahan e Herbert William Richmond. Rio de
Janeiro, 2009. 308 p. Dissertação de Mestrado em História Comparada. Programa de Pós-Graduação em
História Comparada, Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 258.
796
Idem.
218

Laughton, obra iniciada por Julian Corbett em 1913 e 1914. Essa obra The Private papers
of George, 2nd Earl Spencer, First Lord of the Admiralty 1794-1801797 foi publicada em
1923 e em 1924 nos seus dois volumes.
Em julho de 1926 Richmond foi elevado pelo rei a cavaleiro da Ordem do Banho e
também elegível para apor antes de seu nome o título de “Sir”. Nesse ano, também, recebeu
a Medalha de Ouro Chesney da RUSI, distinção previamente conferida a apenas um oficial
de marinha, Alfred Thayer Mahan, pela qualidade de sua obra The Navy in the War of
1739-1748. O biógrafo de Richmond, o professor Barry Hunt disse em 1982 que :

Pela idade, temperamento e trajetória, Richmond foi muito receptivo às


idéias de Alfred Mahan, Sir John Knox Laughton, dos irmãos Colomb,
de Julian Corbett e outros cujas obras formaram uma importante parte no
despertar do interesse público em assuntos navais e nos estudos
históricos nas últimas décadas do século XIX 798

Da mesma forma que seu amigo Corbett, Richmond morreria de ataque cardíaco em
1946.
Em 1894 falecia um dos bons amigos de Laughton, Henry Reeve, o que deixou o
velho professor do King´s College pesaroso. Reeve fora o editor do periódico Edinburgh
Review e ofereceu essa revista para Laughton publicar diversos de seus artigos e resenhas
sobre o poder marítimo. Além disso, Reeve foi um dos seus grandes apoiadores, tanto em
sua candidatura ao King´s College, como na fundação do NRS. Segundo Andrew Lambert,
Reeve foi um dos principais civis influenciadores de Laughton nas discussões sobre o poder
naval britânico, em especial depois de acompanhar pessoalmente as ações navais na Guerra
da Criméia, abrindo as páginas do seu periódico para escritores de temas navais, incluindo
Laughton799. Dessa maneira, de modo a homenagear o seu velho amigo Reeve, Laughton
escreveu em 1898 uma biografia baseada em sua correspondência privada, contando com o

797
RICHMOND, Herbert (org). The Private Papers of George, Second Earl Spencer, First Lord of the
Admiralty, 1794-1801. 2v. London: NRS, 1923,1924.
798
HUNT, Barry. Sailor-Scholar, Admiral Sir Herbert Richmond 1871-1946. Waterloo: Wilfred Laurier
University Press, 1982, p.9.
799
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 185.
219

auxílio de Cyprian Bridge, que levou o título de Memoirs of the Life and Correspondence
of Henry Reeve800 em dois volumes.
No dia 22 de janeiro de 1901 a Rainha Vitória faleceu, depois de reinar por 64
anos801. Laughton tinha sete anos de idade quando Vitória assumiu o trono. Sua
importância na história britânica foi tal que esse período foi chamado de era vitoriana, uma
época de prosperidade para a população do UK e de benefícios advindos das colônias e da
revolução industrial que teve nesse estado um amplo desenvolvimento. A população da
Inglaterra aumentara consideravelmente passando de 17 milhões em 1851 para 30 milhões
em 1901802, época do falecimento da monarca. O termo vitoriano não designou apenas um
período temporal, mas também significou um modo de ser, uma postura, um
comportamento. Segundo o Oxford English Dictionary o adjetivo “vitoriano” apareceu pela
primeira vez em 1839, isto é, dois anos depois da ascensão de Vitória ao trono, adornando
moedas, medalhas, carruagens e outros itens803. Segundo Peter Gay, o termo “vitoriano” se
transformou, a partir da década de 1870, no nome abreviado dessa era presidida por Vitória,
um “ícone doméstico benigno e melancólico, estimada pela sua reputação impecável, sua
felicidade doméstica exemplar”804 atingida pela morte prematura de seu amado príncipe
Albert em 1861. Com o tempo, para alguns, a palavra “vitoriano” passou a ser um insulto,
um sinônimo de hipocrisia, pudicícia e mau gosto. Para outros, a palavra passou a
significar bom-senso, praticidade, propensão às lágrimas, vida regular e conscienciosa, o
racionalismo, compromisso com o amor autêntico e a virtude no casamento805, em razão
principalmente da vida austera da soberana longeva e sua identificação com a moralidade
social.
Para Jacques Chastenet a importância política, econômica e social assumida pelas
classes médias inglesas fêz com que o ideal ético, de base religiosa e utilitária ao mesmo

800
LAUGHTON, John Knox. Memoirs of the Life and Correspondence of Henry Reeve. 2v. London:
Longmans and Green, 1898.
801
O reinado mais longo, até o momento, na história britânica.
802
JEFFERIS, Julie. Focus on People and Migration . Texto sobre a população do UK no passado, presente e
futuro, 2005, p. 3. Disponível em :
www.statistics.gov.uk/downloads/theme_compendia/fom2005/01_fopm_population.pdf. Acesso em 12 de
agosto de 2010.
803
GAY, Peter. Guerras do Prazer. A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud. V.5. Trad: Rosaura
Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 29.
804
Idem.
805
Ibidem, p. 30.
220

tempo, tendia a tornar-se o ideal moral de toda o UK. De forma a granjear o respeito de
seus eleitores, os aristocratas tinham que beber menos, jogar menos, praguejar menos,
freqüentar mais assiduamente a igreja e alardear menos as suas fantasias amorosas.806 A
preocupação com a respeitabilidade tornou-se geral, não sem uma certa hipocrisia, o apego
ao trabalho ascendeu a virtude fundamental e o êxito material considerado como um
merecido testemunho de ‘benevolência divina’ proporcionada pela fé anglicana.807
Chastenet complementou afirmando que o desejo de dar um bom exemplo era
comum. A seriedade tornou-se moda e o recatamento atingiu um nível extremamente alto.
Os britânicos naquela oportunidade recorriam a paráfrases para designar as coisas mais
simples e pudicícias. Uma mulher não estava mais grávida, estava ‘em via de família’ e o
ventre só podia ser chamado de ‘estômago’. Charles Dickens e o poeta Tennyson gabaram-
se de não escrever uma linha que “pudesse ruborizar as faces da inocência” e a Academia
Real de Pintura não autorizava que seus alunos, a menos que fossem casados,
reproduzissem nus femininos. Nos romances em moda na época, o vício era sempre
castigado e a virtude recompensada.808
Essa postura não significava, em verdade, que a transgressão terminasse de uma hora
para outra. O inglês médio continuava transgredindo, apenas não se gabava mais disso e
admitia, como um ato de penitência, que existiam coisas que se podia fazer, mas que não
deviam nunca ser ditas. Afogados no silêncio, esses atos pareciam inexistentes, embora
ocorressem à vista de todos. A grande preocupação das classes mais privilegiadas
vitorianas era a grande consideração de se prevenir contra um escândalo público observado
pelas classes mais baixas. Contanto que as infidelidades ficassem atrás dos muros, tudo
estava resolvido. A preservação das aparências era uma necessidade. Assuntos como
adultério, castidade, aborto e prostituição eram evitados, em razão dos bons costumes
vigentes no período. Adultérios continuaram a ocorrer como sempre, no entanto estavam
ocultos da vista de todos. A expressão da traição se transformou, mais apropriadamente em
‘affair’, isto é, negócio, expressão em uso até os dias de hoje.809

806
CHASTENET, op.cit. p. 11.
807
Ibidem, p. 12
808
Ibidem, p. 121.
809
Ibidem, p. 141.
221

Ainda em relação a esse período, para Bárbara Tuchman a classe dirigente inglesa se
vangloriava da educação recebida, geralmente proveniente de duas universidades favoritas,
o Christ Church de Oxford e o Trinity College de Cambridge810. O que interessava a essa
classe era ser “gentleman” e educado, sem demonstrar grandes emoções com as atitudes
dos mais modestos. Tuchman descreveu o modo de ser da elite inglesa com um fato
envolvendo Sir Charles Tennant, membro proeminente da classe abastada, que se deliciava
jogando golfe com um amigo. Em determinado momento do jogo, a dupla foi interrompida
por um estranho que demonstrou claramente ser de outro estrato social, substituindo a bola
calmamente colocada por Sir Charles no local para lançamento de sua própria bola. Ao
invés de explodir, Sir Charles virou para o seu colega de jogo e disse “Não fique bravo com
ele [o estranho] talvez não seja exatamente um gentleman, pobre rapaz, pobre rapaz”811.
Um fato interessante e curioso era que os membros da classe aristocrática dos
gentlemen atingiam altas idades, em virtude de seus cuidados com a saúde e o bem estar.
Dos 19 membros do gabinete de 1895, 17 atingiram mais de 70 anos de idade, sete
passaram dos 80 e dois alcançaram os 90 anos, em um país em que a expectativa de vida
atingia apenas 44 anos de idade.812
A pergunta que deve ser feita é se Laughton se encaixava como um personagem
vitoriano ? Era ele um gentleman ? Sendo proveniente de uma família de classe média de
uma cidade industrial, Laughton possuía algumas características apontadas por Gay,
Tuchman e Chastenet.
Ele era um homem austero que prezava sua reputação, sem a afetação apontada por
Tuchman em relação a Sir Charles Tennant. Seu comportamento era, com certeza,
moralista e ele se identificava com a classe privilegiada, procurando evitar escândalos que
viessem a denegrir sua reputação. Pode-se imaginar a sua tristeza e insatisfação com o
processo público que lhe foi aberto por Montgomery. Apesar dessa postura aristocrática,
Laughton passava por sérias restrições financeiras, fruto da sua crescente família.
Suas cartas apontavam para um homem que não era dado a grandes demonstrações de
afeto, embora demonstrasse preocupação com o bem-estar de seus amigos e de sua família.
Normalmente possuía bom humor, embora contido. Laughton era um homem voltado para

810
TUCHMAN, Bárbara. op.cit. p. 20.
811
Ibidem, p. 22.
812
Ibidem, p. 29.
222

a família, para a RN e para o desenvolvimento da história naval na Inglaterra e no mundo


de língua inglesa. Tinha grande preocupação com a preservação da documentação naval,
procurando estabelecer e consolidar a profissão de historiador naval no UK, congregando e
estimulando jovens pesquisadores como Julian Corbett e Herbert Richmond. Sua reputação
na RN era grande e muitos dos oficiais generais que vieram a comandar essa força foram
seus alunos, muitos se tornando seus amigos. Seus grandes amigos por toda a vida foram
Sir Cyprian Bridge, Sir Geoffrey Hornby, Samuel Gardiner, Sir John Seeley, Sir Phillip
Colomb e Alfred Mahan.
Em essência, acreditava convictamente que a monarquia era o melhor sistema de
governo para o UK, pois vira com alegria a multidão que compareceu para festejar o
Jubileu de Diamantes da rainha Vitória em 1897 e em 1902 o rei Eduardo VII abrir as
atividades no Parlamento sob os acordes pujantes do “God Save the King”.813
Laughton quis, também, que a história naval fosse apreendida pelos oficiais de
marinha que poderiam, a partir de sua análise, retirar importantes lições táticas e
estratégicas. Dessa forma, suas aulas no RNC tinham o propósito de “educar” os seus
alunos por meio da história naval, sendo que Horatio Lorde Nelson lhe servia de exemplo
de como combater no mar. A genialidade de Nelson era descrita por ele com naturalidade,
procurando não endeusá-lo como um exemplo a ser seguido em todas as circunstâncias.
Possuía um refinado tato para tratar com seus pares, uma grande racionalidade e se
considerava um gentleman. Sua preocupação com os detalhes era grande e se esforçava em
analisar um fato histórico em todas as suas contingências. O NRS foi uma realização
importante na vida de Laughton e a essa sociedade dedicou muitos anos de sua vida, assim
como ao King´s College e RNC.
Politicamente Laughton era um conservador e crente no papel histórico do UK no
mundo, sendo a RN a ponta de lança civilizacional de seu amado império. Tinha plena
consciência no papel civilizador do UK e considerava que seu país tinha uma tarefa sagrada
de “civilizar” os menos desenvolvidos. Ele via com admiração a difusão da língua inglesa
no mundo, em rincões como a América do Norte, África do Sul, Austrália, Índia, sem
contar as ilhas dominadas pelo UK, agindo como uma forma de colonização e disseminação

813
LAUGHTON, John Knox. Lecture Series Lent 1902. Fonte: LAMBERT, Andrew. Letters and papers of
Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 213.
223

do espírito do povo inglês, embora reconhecesse que a colonização francesa foi superior à
inglesa814. Concordava, dessa forma, com as idéias de Joseph Chamberlain que o
historiador Niall Ferguson considerou o “primeiro político imperialista genuinamente
autoconsciente”.815 Chamberlain acreditava que os diversos ramos da raça anglo-saxã
formavam o Império Britânico e que esse império baseava-se numa comunidade que
chamava de “sacrifício” e quando essa visão se perdesse, o UK se afundaria no
esquecimento como ocorreram com outros impérios na história, mesmo depois de
mostrarem ao mundo provas de seu poder e sua força.816 Embora não tão enfático quanto
Chamberlain que certa vez comentara que “a Inglaterra sem o império ! Podemos conceber
isso ? A Inglaterra nesse caso não seria a Inglaterra que amamos !”817, Laughton
concordava com essa visão imperialista.
Como Chamberlain, Laughton temia a perda de poder do UK no mundo, embora
considerasse que essa alteração de poder custaria a ocorrer. A RN seria um elemento que
poderia impedir essa perda de prestígio, imaginava Laughton. Ao mesmo tempo, ele não
percebia a emergência de novos poderes navais como os EUA e o Japão como ameaças à
Marinha Real no Pacífico.818
Como imperialista, Laughton não via com bons olhos qualquer mudança política em
seu Reino Unido, da mesma forma que não admitia que grupos nacionais dentro do império
buscassem autonomia e independência e mencionava explicitamente o caso dos habitantes
da Ilha de Malta, parte integrante do império. Para ele, os malteses não eram historicamente
provenientes da ilha e assim não tinham “a menor pretensão de direitos políticos de
qualquer espécie”.819
Embora não fosse religioso, era ligado formalmente à Igreja da Inglaterra, um dos
requisitos para entrar no King´s College, embora seguisse os fundamentos moralistas
calvinistas820. Da mesma maneira que os seus contemporâneos da classe alta inglesa,
Laughton viria a atingir 85 anos de idade. Como diria o próprio Laughton, ser instrutor

814
Ibidem, p. 214.
815
FERGUSON, Niall. Império. op.cit. p. 264.
816
Ibidem, p. 266.
817
MORRIS, op.cit. p. 250.
818
SCHURMAN, Donald. The Education of a Navy. op.cit. p. 102.
819
LAUGHTON, John Knox. Hardman´s History of Malta. Edinburgh Review. Edinburgh, 1910, p.214 apud
Idem.
820
LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit.p. 103.
224

naval como ele requeria “tato, habilidade e bom humor”821. Laughton era certamente um
homem de tato, habilidade e bom humor.
Assim, tendo em vista essas características, pode-se classificar Laughton como um
gentleman vitoriano que prezava a moralidade, a correção de atitudes e a compostura
social.
Os últimos anos de sua vida foram de intensa correspondência com Mahan,
principalmente pelo interesse de ambos por Nelson. Como discutido, a Universidade de
Londres, naquele início de século, incorporou o King´s College, fazendo com que Laughton
se agregasse a seu corpo docente como professor de história imperial, o campo da história
que estudava o UK e sua interseção com a história naval. A partir da fundação dessa
cadeira universitária, Laughton estabeleceu uma tradição que se estende até hoje no King´s
College, uma cadeira voltada, exclusivamente, para o estudo da história naval no UK,
sendo ela batizada como Sir John Knox Laughton Chair of Naval History, estando ocupada
na atualidade pelo professor Andrew Lambert.
Em verdade, Laughton iniciou uma campanha para estabelecer um departamento de
história naval na Universidade de Londres, contando com o apoio do conhecido professor
Albert Pollard dessa universidade, responsável pelos cursos de pós-graduação. Pollard, em
sua palestra inaugural no curso de história no ano de 1904, diria que “o primeiro e mais
importante assunto é o estudo da história naval”. Alegava o professor que, por considerar o
império como o maior do mundo, por considerar a sua história naval a mais gloriosa e mais
perene já escrita, por considerar que o império foi formado sobre o poder marítimo e que
em larga medida a interpretação verdadeira e a apreciação das lições da história naval
deveriam ser cultivadas, era “um fato estarrecedor saber que nunca houve uma cadeira ou
uma docência em história naval em qualquer universidade no UK ou nos vastos domínios
do império”.822 O propósito de Laughton com esse departamento era preparar historiadores
navais no UK, no nível de pós-graduação, em resposta ao aumento das atividades da RN.
Em 1902 seu grande amigo Samuel Gardiner, depois de um severo derrame cerebral,
faleceu, o que o deixou muito abatido. Dois anos depois, Laughton recebeu o título de
doutor honoris causa pela Universidade de Oxford e em 1907 foi feito pesquisador

821
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 18.
822
POLLARD, Albert. The University of London and the Study of History. The National Review. December
1904, p. 650. apud Ibidem. op.cit. p. 212.
225

associado na University College em Londres. Nesse mesmo ano de 1907, Laughton foi
declarado cavaleiro da Ordem do Banho pelo rei da Inglaterra, Eduardo VII em razão de
suas realizações no campo da história naval.
Em 1910, Laughton se aproximou dos 80 anos de vida e começou a diminuir suas
atividades acadêmicas. Nesse ano recebeu a Medalha de Ouro Chesney do RUSI por suas
atividades no NRS e em consideração por suas “valiosas contribuições na literatura
naval”823, dez anos após Mahan receber a mesma medalha. Nesse mesmo ano, no RUSI
Laughton foi homenageado por diversos de seus amigos e ex-alunos, dentre os quais se
destacaram o príncipe de Gales e o príncipe Louis de Battenberg, pelos diversos anos
dedicados ao ensino, ao aperfeiçoamento da profissão de historiador e pela revitalização e
interesse pela história naval britânica.
Em 1912, Laughton, em razão da idade, resignou de sua cadeira no King´s College,
ao mesmo tempo em que se afastou da secretaria de sua querida NRS, mantendo no entanto
contato com a Universidade de Londres como palestrante eventual. Mahan, ao saber de seu
afastamento do secretariado, declarou que “você [Laughton] tem a satisfação de olhar para
trás e observar a grande quantidade de trabalhos de peso publicados [pela NRS]”.824 A
partir daí, a NRS passou a ser dirigida por Sir Julian Corbett, Reginald Custance e Graham
Greene.
Laughton, embora afastado das atividades executivas e docentes do NRS e King´s
College, continuou a incentivar a publicação de documentos primários e a proferir palestras
especiais sobre história naval. Em 1913 ministrou palestra sobre a historiografia naval
britânica no Congresso Internacional de Ciências Históricas em Londres, alertando os
historiadores a estudarem a história naval britânica, em razão da própria importância da
Marinha Real na história do Reino Unido. Na platéia encontravam-se o Primeiro Lorde do
Mar, o príncipe Louis de Battenberg, oficiais que foram seus alunos, além de uma grande
quantidade de historiadores ingleses.
Sua grande ambição nesse período foi escrever um livro que correlacionasse a
história britânica com o poder marítimo. Esse livro, imaginava ele, seria o texto básico para

823
Ibidem, p. 204.
824
Ibidem, p. 171.
226

o departamento de história naval que desejava criar no King´s College e levaria o nome de
The Interdependence of England´s Naval and Political History.
No início da Grande Guerra, Laughton já estava afastado das atividades, embora
continuasse a acompanhar as ações militares e navais da guerra. Em dezembro daquele ano
tomou conhecimento da morte de seu grande amigo Mahan, adiantando-se para escrever
um obituário que acabou não sendo publicado. Sua saúde estava debilitada em razão de sua
avançada idade (viria a comemorar 85 anos de idade em 23 de abril de 1915).
Em setembro de 1915, Laughton veio a falecer, deixando viúva e nove filhos, sem ver
o seu sonho realizar-se, a criação do departamento de história naval no King´s College e
sem terminar o seu projeto de vida, a escrituração do The Interdependence of England´s
Naval and Political History, embora tenha escrito dois capítulos e iniciado o terceiro,
abarcando o período de 1066 até o tempo de Henrique VIII. Os manuscritos nunca foram
publicados como livro, no entanto o professor Andrew Lambert publicou os escritos de
Laughton como adendos a seu Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton em
2002.
Sir James Richard Thursfield, editor chefe em assuntos navais do The Times e um dos
membros fundadores do NRS escreveu em seu periódico o seguinte obituário em
homenagem a Laughton:

Ele [Laughton] não era um estudante de história naval em seu sentido


restrito. Ele entendeu e nunca subestimou a relação da história naval com
a história geral, da qual tinha completa compreensão e é por meio de sua
influência e exemplo que o estudo da história naval neste país [Reino
Unido] saiu das mãos de meros especialistas ou analistas e a incluiu com
um espírito mais abrangente na grande história moderna...no entanto
talvez seu trabalho mais duradouro tenha sido a criação do Navy Records
Society. 825

Em obediência a seus desejos, Laughton foi cremado dois dias depois de sua morte e
suas cinzas foram lançadas ao mar no estuário do Rio Tâmisa a bordo do encouraçado HMS
Conqueror da Marinha Real, sua grande paixão.

825
THURSFIELD, James Richard. Obituary of Sir John Knox Laughton. The Times. London, september 15th,
1915, p. 9. apud LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 218.
227

3.4 – Sir John Knox Laughton: um historiador acadêmico.

O principal biógrafo de Laughton, o professor Andrew Lambert, afirmou ser


Laughton o intelectual que aperfeiçoou a historiografia naval ao basear-se em evidência
documental, agregada com características do jargão naval, utilizada pela comunidade de
historiadores profissionais recentemente instituída. A partir dessas idéias fomentadas por
Laughton e de sua energia contagiante que a historiografia naval tomou forma e foi criado o
NRS.826 Como afinal Laughton imaginava ser a história e de que forma ela deveria ser
escrita ?
Dizia ele que o estudo da história naval era negligenciado pelos oficiais da RN.
Existia nesse grupo de militares uma idéia de que a história não continha lições práticas
para o futuro, no entanto existia uma curiosidade natural a respeito dos feitos dos ancestrais
e dos detalhes de suas vidas e ações, quase uma reverência ao passado glorioso, de relíquias
tais como o uniforme que Nelson utilizou em Trafalgar. Para ele, no entanto, esse tipo de
visão era anti-científica. A simples narração de batalhas, de armas, de vitórias ou derrotas e
do enaltecimento dos heróis navais, sem se observar o curso dos eventos desde a sua
origem, apontando as causas e as influências que proporcionaram aqueles resultados, era
negligenciar o que realmente ocorreu, transformando a história em algo imperfeito. A
maneira como uma marinha foi formada e o sistema político na qual ela se formou eram
questões que afetavam o poder naval.827 Principalmente para os ingleses, a história naval
tinha um especial interesse, sendo a RN uma instituição popular e a responsável, por muitos
séculos, por formar a Inglaterra como uma nação poderosa. O comércio que essa marinha
protegeu tornou-se a fonte de prosperidade e a base para a industrialização nacional,
estendido para o império posteriormente criado. O mar, assim, foi a fonte de poder nacional
para o UK.
Laughton justificava a importância do mar para a Inglaterra, GB e depois UK com a
explicação do que para ele era o “domínio do mar”, uma faixa de mar entre a Inglaterra e a
França. Esse domínio tinha o mesmo sentido que um monte ou um regato na terra de um
lorde, isto é, o seu valor era absoluto sem relativismo. Essa faixa de mar pertencia à

826
LAMBERT, Andrew. The Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 197.
827
LAUGHTON, John Knox. The Scientific Study of Naval History. The RUSI Journal. V.18, N. 79, 1874,
p. 509.
228

Inglaterra e não existiam questionamentos. Desde o rei João no século XIII todos os navios
que circularam por esse mar tinham a obrigação de pedir autorização de passagem, sendo
assim submetidos a restrições e obrigações. Essa faixa se estendia até a costa francesa e
logo depois incluiu as águas que circularam a ilha britânica. Assim, essa posse ou domínio
era um direito legal em sua origem e em sua manutenção828. Dessa forma, esse direito
exigiu um poder coercitivo para ser implementado, a marinha de combate. Se fosse
determinado que um navio arriasse o seu pavilhão ao penetrar naquelas águas, isso deveria
ser obedecido, pois era território legal inglês e sujeito às suas leis. Essa postura legal
perpassou diversos séculos e só perdeu efetividade no início do século XIX.829 Apesar
disso, a RN continuava importante como o esteio do império e a história naval vinha para
descrever a forma como essa força tinha sido utilizada nesses períodos históricos. O que o
incomodava era saber que apesar desses fatos conhecidos, os historiadores dispensavam
pouca atenção à história naval inglesa.830 Dizia que a história naval só poderia ser
dominada por aqueles historiadores que combinassem a dedicação ao detalhe, a acuidade,
ao estudo acadêmico e que possuíssem o “olho” do marinheiro. Considerava que devia ser
abandonada pelo historiador a ênfase no combate e ser procurada a correlação da história
naval com o contexto do desenvolvimento nacional.
A história naval poderia servir, também, como base para o estudo da estratégia e
tática navais, desenvolvendo-se a moderna doutrina naval e as conseqüentes estratégias
nacionais.831 Afirmou que o passado que indicou o futuro para o UK e o estudo da
estratégia e tática navais estavam ligados intrinsecamente com o estudo da história naval
inglesa e que saber o que os homens do passado fizeram e por que e como eles fizeram e
conhecer aquilo que eles falharam era o melhor modo de guiar a nação inglesa para obter
sucesso e evitar os erros.832 Nesse mister, Laughton citava constantemente o exemplo de
Lorde Nelson como brilhante tático e o “exemplo” a ser seguido, apontando seu
profissionalismo, seu domínio perfeito dos campos da tática e da estratégia, sua inspiradora

828
Ibidem, p. 512.
829
Ibidem, p. 513.
830
LAUGHTON, John Knox. Historians and Naval History. In: CORBETT, Julian; EDWARDS, H.J. Naval
and Miltary Essays, International Congress of Historical Studies 1913. Cambridge: Cambridge University
Press, 1914, p. 3.
831
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 122.
832
LAUGHTON, John Knox The Study of Naval History. The RUSI Journal. 1896, p. 795. apud Ibidem, p.
163.
229

liderança e sua humanidade. Somente estudando atentamente a vida de Nelson, o maior de


todos os almirantes da RN, segundo ele, se poderia dominar a arte do combate naval. Isso
não significou que Laughton tenha desenvolvido um pensamento ou uma concepção tática
ou estratégica própria, o que não surpreende, em virtude de sua própria formação docente
que requeria a compreensão do que ocorrera no passado e não a formulação de novos
conceitos, que imaginava, estavam além de suas funções de ensino.833
A história naval servia como base, também, para a educação dos oficiais de marinha.
Existia, afirmava, uma determinada tendência por aqueles que eram responsáveis pela
educação na RN de confundir os meios e os fins e imaginar que tudo que se requeria era um
conhecimento sólido de ciências tais como a matemática, física, geografia, astronomia,
navegação, artilharia ou arquitetura naval. Em realidade, afirmava, no que dizia respeito aos
deveres dos oficiais de marinha, esses eram apenas campos, apesar de importantes, de uma
ciência maior chamada “arte da guerra” que era o que deveria dominar sua atenção em toda
a sua carreira. Essa arte poderia ser adquirida pela instrução dos oficiais, no entanto a
habilidade de usar essa instrução pelos chefes navais necessitava uma abordagem diferente.
Terminada a instrução, começava a alta educação que congregava a própria experiência do
chefe, a leitura, a reflexão e o julgamento. No caso da falta de experiência, deveria ser
observada a experiência de outros, dessa maneira a arte de comandar seria retirada da
história dos grandes chefes navais. O oficial que desejava vencer requeria preparação para
qualquer eventualidade e nesse ponto a história naval passava a ser fundamental, lhe
ensinando o que ocorreu, além de indicar caminhos que não foram trilhados, mas que
poderiam ocorrer e a história naval e somente ela poderia oferecer os meios para isso.834
Assim ele reconhecia que a guerra era uma arte, no entanto considerava que o papel da
ciência era fundamental para o domínio daquela arte.835
Laughton temia que a tendência em reverenciar a tradição que vinha dando certo na
marinha se transformasse em dogma. O dogma, para ele, era perigoso, principalmente se
aplicado à conduta da guerra naval. O que sempre foi aplicado no combate naval no

833
Essa foi uma das críticas do professor Donald Schurman em seu The Education of a Navy. Há que
considerar que Schurman não procurou explicar nem compreender o por que dessas limitações de Laughton
Fonte: SCHURMAN, op.cit. p. 105.
834
LAUGHTON, John Knox Laughton. Tegettoff : experiences of steam and armour. Fraser´s Magazine.
June 1878, p. 671. apud LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 68.
835
LAMBERT, Andrew. Education in the Royal Navy 1854-1914. op.cit, p. 46.
230

passado não significava que teria sucesso no presente. Aqueles oficiais mais conservadores
que recorriam às tradições derivadas da história naval para justificar certas ações no
presente poderiam causar sérias repercussões na guerra naval do futuro836. A história naval
não poderia ser dogmática, afirmou Laughton.
Para Laughton os historiadores tendiam, até bem pouco tempo antes, a considerar a
história naval como fora de seu campo de observação e pesquisa, separada das histórias
política, religiosa, social, industrial e comercial ou mesmo da história militar, quase como
um campo de estudos à parte, sem nenhuma conexão com esses campos historiográficos.
Dessa maneira, esses historiadores deixavam tudo que se relacionava com o mar para o que
chamavam de “historiadores navais”, que podiam ser correlacionados com o que se
chamava em inglês guinea pigs.837
Com respeito à metodologia aplicada à história, Laughton se baseava naquilo que
aprendera nas ciências exatas, no entanto sabia que a transposição de um método
matemático para histórico era incorreta e anacrônica, preferindo fazer alterações em sua
abordagem. Afirmava que a história deveria ser abordada cientificamente, significando que
ela devia ser acurada, exata e precisa, por conter “lições de significado fundamental”.
Queria criar, assim, uma metodologia coerente desenvolvida, a partir de uma massa crítica
documental.838 Dizia ele que o mais importante em uma pesquisa era procurar a
documentação primária que apoiasse seus argumentos. Acreditava que se escorar em fontes
secundárias poderia levar o pesquisador a erros de interpretação e a impossibilidade de
compor um quadro correto da situação histórica estudada, sendo essa sua maior crítica a seu
amigo Mahan, a preferência por fontes secundárias. Isso não significava abandono de
fontes secundárias. Considerava que um método básico de aproximação de um problema
em história era iniciar a pesquisa com aquilo que já existia (fontes secundárias) de modo a
começar uma narrativa com essas informações já conhecidas, passando-se para uma crítica
severa dessas interpretações e a partir daí recorrer-se ao fundamental, as fontes primárias.839

836
SCHURMAN, Donald. The Education of a Navy. op.cit. p. 86.
837
Laughton quis correlacionar os historiadores navais como estranhos ao campo da história, segundo seus
colegas historiadores, comparando-os com o animal chamado “porquinho da índia” que em inglês é “guinea
pig”, isto é, não era porquinho nem era da Guiné, assim os historiadores navais não seriam historiadores nem
seriam ligados ao mar. LAUGHTON, John Knox. Historians and Naval History. op.cit. p. 8.
838
LAUGHTON, John Knox. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 62.
839
Ibidem, p. 64.
231

Normalmente ele começava a abordagem como um estudo de caso, examinando


pontos específicos que desejava aprofundar, combinando como afirmado, com fontes
secundárias, de preferência confrontando-as com outras fontes secundárias de línguas que
não o inglês para selecionar o que era pertinente. Muitas vezes Laughton utilizou contatos
pessoais com outros colegas para esclarecer pontos obscuros. Sua crítica era baseada na
comparação, aplicando seu conhecimento de história geral e naval no problema estudado,
com boa dose de lógica e bom senso. O domínio de muitas línguas o auxiliva nesse caso,
pois além do inglês, Laughton lia com desenvoltura o francês, o alemão e o espanhol. A
partir desses fatos bem elaborados, ele deduzia suas conclusões e desenvolvia o que
acreditava serem “lições” que tinham o propósito de convencer seus leitores de suas
conclusões, como um modelo pedagógico. Freqüentemente, Laughton procurava, por meio
da utilização de reductio ad absurdum, convencer seus leitores, o que segundo Lambert840 o
fez se aproximar de seu contemporâneo alemão Hans Delbruck, professor da Universidade
de Berlim e um dos mais importantes historiadores militares do ocidente.841 Laughton
queria é que seus leitores tivessem a certeza que os seus textos seriam claros, concisos e
precisos.
Para historiadores que não tinham conhecimento específico no campo naval, como
por exemplo Julian Corbett, Laughton considerava ser fundamental o estudo acadêmico da
história via universidade, com sua ênfase no preparo e no conhecimentos dos métodos
historiográficos, complementados por adestramentos específicos no campo da guerra no
mar842, de modo a poder compreender as especificidades da história naval.
Laughton admirava a metodologia e a crítica de Leopold Von Ranke, no qual
postulava a máxima objetividade na avaliação científica das fontes. A Ranke pode ser
creditada a fundação do “método científico” na escrita da história, um ofício a ser
aprendido, a ciência que “relatava os fatos como eles efetivamente ocorreram”, insistindo
que sem os documentos, a história simplesmente “não havia existido”. Essa postura anti-
840
Ibidem, p. 62.
841
Uma excelente referência sobre Delbruck é o livro Delbruck´s Modern Military History. O historiador
Gordon Craig da Universidade de Stanford nos EUA diria que a obra History of the Art of War de Delbruck
permanecerá como um dos melhores exemplos da aplicação da moderna ciência à tradição do passado e
apesar de modificado nos detalhados, o coração da obra permanece sem contestações. Para Craig Delbruck
era “o” historiador militar por excelência. Fonte: CRAIG, Gordon. The Military Historian. In: PARET, Peter.
Makers of Modern Strategy. From Machiavelli to the Nuclear Age. Princeton: Princeton University Press,
1986, p. 353.
842
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 194.
232

teórica foi o nascedouro do que se chama de historicismo843 e esse método historicista


serviu como uma forma de contrabalançar a imaginação criativa dos contadores de estórias
que dominaram a historiografia romântica do século XIX, com o qual Laughton discordava,
por se afastarem do que realmente ocorreu e ao se travestirem de historiadores844. A história
para Ranke se fazia com os documentos e ela só podia começar onde os monumentos se
tornavam inteligíveis e onde existiam documentos dignos de fé.845
Ranke havia formulado o problema relativo à questão do estatuto da história dizendo
que a história se distinguia das demais ciências por ser simultaneamente arte. A história era
ciência ao coletar, achar e investigar e era arte ao dar forma ao que havia sido coletado, ao
conhecido e na sua representação. Para ele outras ciências satisfaziam-se em mostrar o
encontrado meramente como encontrado. Na história operava a faculdade da reconstituição
e sendo ciência ela seria ligada à filosofia e como arte com a poesia846. Com essa visão
Laughton concordava integralmente.
Os professores Jorge Luis Cassani e Perez Amuchástegui imputam a Ranke o
estabelecimento de normas precisas na investigação, crítica e publicação das fontes, sendo
assim considerado o “pai da heurística”847. Pode-se dizer, por comparação, que Laughton
foi o “pai da heurística naval inglesa”, por sua ênfase na coleta, crítica e publicação das
fontes navais britânicas. A concordância de Laughton na ênfase do método historiográfico
que narrava, explicava e retirava a sua substância de fontes primárias extraídas dos
arquivos, além de sua precisão e pormenorização que fosse perfeitamente verificável, o
aproximava sobremaneira do historiador alemão. Para Ranke, assim como para Laughton, o
historiador deveria mostrar “como é que o fato se produziu exatamente”848. A verdade
deveria ser apresentada nua e crua, “sem nenhum ornamento”.849 Para ambos existia a
virtude exclusiva no fato, o prazer de conhecer. Ambos, também, anunciavam que o ofício

843
Historicismo seria a noção que o passado precisava ser compreendido simplesmente como ele era e tal
entendimento estava disponível somente por meio de análise detalhada das fontes. Fonte: HOWELL, Martha;
PREVENIER, Walter. From Reliable Souces. An Introduction to Historical Methods. Ithaca: Cornell
University Press, 2001, p. 12.
844
SCHURMAN, Donald. The Education of a Navy. op.cit. p. 99.
845
MARROU, Henri-Irénée. Sobre o Conhecimento Histórico. Trad: Roberto Cortes de Lacerda. Rio de
Janeiro: Zahar, 1978, p. 55.
846
RUSEN, Jorn. História Viva. Trad: Estevão de Rezende Martins. Brasília:Editora da UnB, 2007, p.18.
847
CASSANI, Jorge Luis; AMUCHÁSTEGUI, A J Perez. Del Epos a la Historia Cientifica. Una Vision de la
Historiografia a traves del metodo. Buenos Aires: Nova, 1971, p. 139.
848
CARBONELL, Charles-Olivier. Historiografia. Trad: Pedro Jordão. Lisboa: Teorema, 1981, p.104.
849
RUSEN, op.cit. p. 23.
233

de historiador, ao mesmo tempo em que se convertia numa profissão, se estabeleciam as


regras do seu exercício850, no caso específico de Laughton, da profissão de historiador
naval.
Em relação aos historiadores navais ingleses do século XIX, Laughton creditava
alguma qualidade ao clássico The Naval History of Great Britain from the declaration of
war by France in 1793 to the accession of George IV851 em cinco volumes de 1822, escrito
por William James. Apesar de elogiar a obra por seu valor referencial para a história naval,
Laughton considerava James vaidoso, dogmático e preconceituoso. Outro autor que
Laughton mencionou foi Sir Nicholas Harris Nicolas, especialmente sua obra History of the
Royal Navy from the earliest times to the wars of the French Revolution852 em dois volumes
publicados a partir de 1847. Para ele Sir Nicholas foi o melhor historiador naval até o seu
tempo e um precursor para futuros historiadores navais.853 Apesar de reconhecer talento em
diversos “novos” historiadores como Alfred Mahan, Julian Corbett e Herbert Richmond,
Laughton era um crítico ácido de novos profissionais que se aventuravam no campo da
história naval, principalmente aqueles que desconheciam as especificidades do campo naval
e escreviam “pequenos livros populares mentirosos”854 acreditando escrever historiografia
naval.
Laughton considerava que os historiadores não deveriam especular sobre o futuro,
uma vez que seu campo de atuação era o passado. Para ele o futuro era o campo de análise
de políticos e planejadores governamentais. Os historiadores deveriam mais “modestamente
examinar as realidades do passado”855, segundo suas próprias palavras. Acreditava que, na
maior parte do século XIX, os historiadores tendiam a se fiar em explicações relativas a
concentrações e mudanças no poder político; assim quando essas mudanças sofriam ações
intensas dos campos econômico e militar, esses pesquisadores tendiam a trabalhar esses
campos de um modo amador, sem as referências documentais pertinentes. Dessa maneira a
disponibilidade da documentação naval no NRS permitia que, pelo menos no campo naval,
850
Idem.
851
JAMES, William. The Naval History of Great Britain from the declaration of war by France in 1793 to the
accession of George IV, 5v. London: Richard Bentley, 1837.
852
NICOLAS, Nicholas Harris. History of the Royal Navy from the earliest times to the wars of the French
Revolution. 2v. London: Richard Bentley, 1847.
853
LAUGHTON, John Knox. Historians and Naval History .op.cit p. 21.
854
Laughton utilizou a expressão “mendacious chapbook” que foi traduzido como “pequenos livros populares
mentirosos”.
855
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 69.
234

essa limitação fosse amenizada.856 O historiador deveria, então, buscar sempre a


documentação primária e as fontes secundárias que indicassem caminhos interpretativos e
ser antes de tudo um artífice, no entanto deveria ter a graça e capacidade de ser, também,
um artista. Laughton gostava de dizer que a história naval era igual a natureza, que sob
determinada direção, fornecia os vegetais e a carne, enquanto a arte, também sob
determinada supervisão, fornecia bons cozinheiros. Dessa forma a natureza com a arte
fornecia bons jantares. A natureza forneceria os arquivos e o material original e a arte,
conduzida com habilidade e estudo, forneceria boa história naval que, como o bom vinho,
provindo de boa videira, apagaria a ignorância dos ingleses.857 O historiador deveria, assim,
procurar a natureza e agir com arte para escrever boa história naval.
Apesar de todas essas realizações, Laughton não pode ser considerado um
revolucionário no campo da história naval. Sua natural tendência a ser partidário da RN e
seu conservadorismo, aliado a um vitorianismo explícito, impediam que ele fosse
considerado um revolucionário que abalou as estruturas da história naval. Donald
Schurman disse, inclusive, que “o apoio [da alta classe social vitoriana] não poderia
realmente ser conseguido se sua mente fosse revolucionária, provindo de áreas de fora
dessa classe mais alta”.858
Apesar disso, Laughton foi o grande pioneiro da história naval no mundo anglo-saxão
e seu trabalho influenciou diversas gerações de historiadores navais que se seguiram. Ele
passou muitos anos de sua vida disseminando a documentação histórico-naval do UK e
propôs as fundações de uma doutrina naval a partir da história. Segundo Lambert “sem o
seu trabalho [de Laughton] o pensamento estratégico naval permaneceria no campo da
crônica... sendo ele que deu o impulso crítico na direção e no desenvolvimento [da história
naval] e dessa maneira devia ser considerado o pai da historiografia naval moderna”.859
Do outro lado do Atlântico, seu amigo Alfred Thayer Mahan também pontificava na
história naval, em caminhos diferentes, é verdade, mas com maior visibilidade e por que
não dizer, com maior sucesso editorial.

856
SCHURMAN, Donald. The Education of a Navy. op.cit. p. 95.
857
LAUGHTON, John Knox. Historians and Naval History. op.cit. p. 22.
858
SCHURMAN, Donald. The Education of a Navy. op.cit. p. 100.
859
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit. p. 61, 231.
235

CAPÍTULO 4

ALFRED THAYER MAHAN : O EVANGELISTA DO PODER MARÍTIMO860.

Alfred Thayer Mahan, o evangelista do poder marítimo. Com esse título Margaret
Tuttle Sprout denominou o seu artigo publicado em 1973 sobre esse historiador e
estrategista que alterou o modo como se deveria perceber o poder marítimo no
desenvolvimento das nações, a partir do estudo da história naval. Sprout iniciou seu artigo
dizendo que “nenhuma outra pessoa teve tão direta e profundamente influenciado a teoria
do poder marítimo e a estratégia naval como Alfred Thayer Mahan”.861
Até hoje os historiadores navais discutem a importância histórica e teórica dos
estudos de Mahan, para se compreender a guerra no mar, a partir do século XVII e suas
repercussões no desenvolvimento das nações nos períodos moderno e contemporâneo.
O que se pretende apresentar nesse capítulo é a trajetória pessoal e profissional desse
personagem que estabeleceu um novo paradigma na discussão dos temas navais e
influenciou a história naval e as políticas nacionais de diversos países no final do século
XIX. Em complemento, será discutida a maneira como ele percebia a história e como
desenvolveu a sua historiografia.

4.1- Alfred Thayer Mahan: um marinheiro relutante.

Alfred Thayer Mahan nasceu na cidade de West Point no estado de Nova Iorque nos
EUA em 27 de setembro de 1840. Filho do professor de engenharia militar da Academia
Militar de West Point, Dennis Hart Mahan862 e de Mary Helena Okill Mahan, Alfred,
desde cedo, adquiriu de seu pai um profundo sentido de dever e responsabilidade.

860
Este capítulo é uma adaptação e uma ampliação do capítulo dois de minha dissertação de mestrado cujo
título foi O Poder Marítimo sob o ponto de vista estratégico entre 1540 e 1945: uma comparação entre as
concepções de Alfred Thayer Mahan (1840-1914) e Herbert William Richmond (1871-1946) defendida no
Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2009.
861
SPROUT, Margaret Tuttle. Mahan: evangelist of sea power. In: EARLE, Edward Mead. Makers of
Modern Strategy. Princeton: Princeton University Press, 1973, p.415.
862
Dennis Hart Mahan nasceu em 1802 em Norfolk, Virginia. Graduou-se pela Academia Militar de West
Point em 1824 como primeiro aluno de sua turma. No ano seguinte seguiu para a França onde se formou em
engenharia de fortificações. Em 1838 tornou-se professor dessa academia, lá permanecendo até sua morte em
236

Apesar de seu pai ter sido criado na religião católica, em virtude de sua origem
irlandesa, Alfred tornou-se protestante, em razão da ascendência de sua avó Mary Jay, que
era extremamente religiosa e muito o influenciou nessa religião.863
O jovem Alfred viveu a maior parte de sua infância em West Point, local onde seu pai
era professor. Com 12 anos de idade foi enviado à escola secundária em Hagerstown no
estado de Maryland e dois anos depois entrou para o Columbia College, hospedando-se na
casa de seu tio, Milo Mahan864, professor de história eclesiástica no Seminário Geral
Teológico na cidade de Nova Iorque. Milo foi outro parente que teve profunda influência
na vida religiosa de Alfred. De Milo Alfred adquiriu um grande amor pelo estudo da
história, um modo cartesiano de analisar os fatos históricos e algumas técnicas
historiográficas que viriam a auxiliá-lo no futuro865.
Desde cedo Alfred desejou entrar para a Marinha dos EUA, apesar da oposição de seu
pai que acreditava ser mais produtiva para o seu filho a vida em uma profissão liberal.
Sobre isso disse Alfred :

Minha entrada na marinha foi totalmente contra o desejo de meu pai. Eu


não me lembro todos os seus argumentos, mas me disse que eu era muito
mais preparado para a vida civil que a vida militar, pelo o que ele me
conhecia. Acredito hoje em dia que no fundo ele estava certo; apesar de
eu não ter motivos para reclamar de qualquer insucesso, estou
convencido que faria melhor na vida civil.866

Armado com uma carta de recomendação do presidente do Columbia College,


Charles King e da contida desaprovação de Dennis Mahan, o jovem Alfred, como era
costume na ocasião, enviou uma carta ao deputado de seu estado, Nova Iorque, Ambrose
Murray, solicitando indicação para a Academia Naval de Annapolis. Escreveu ele o
seguinte:

1871. Casou-se com Mary Helena em 1839. Fonte: SEAGER II, Robert. Alfred Thayer Mahan. The man and
his letters. Annapolis: United States Naval Institute, 1977, p.3.
863
TAYLOR, Charles Carlisle. The life of Admiral Mahan, naval philosopher. New York: George Doran,
1920, p.3 e SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters op.cit, p.6 .
864
Milo Mahan foi professor de teologia e de filosofia, tendo estudado em profundidade os filósofos gregos.
Fonte: SEAGER, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p.5.
865
Ibidem, p. 10.
866
MAHAN, Alfred Thayer. From sail to steam. New York: Harper & Brothers Publishers, 1907, p.xiv.
237

Eu não posso permitir que essa ocasião passe sem expressar minha
sincera gratidão pelo gentil apoio que o senhor me tem dado para obter o
fim que tenho em mente. Sua gentileza tem sido muito apreciada, pelo
meu profundo desejo de entrar nessa profissão [da marinha] e realmente
seria um grande desapontamento eu ser obrigado a desistir desse
desejo867.

Em 30 de setembro de 1856 o jovem Alfred foi declarado aspirante de marinha na


Academia Naval de Annapolis, no estado de Maryland. Tinha 15 anos de idade na ocasião.
No início de sua estada na academia, sentiu profunda melancolia pelo afastamento de
sua família868, recuperando-se aos poucos, depois de se convencer da inevitabilidade de sua
decisão de prosseguir na carreira. Por ter cursado dois anos em Columbia, foi autorizado a
se agregar ao segundo ano em uma turma de 49 aspirantes.
Após os primeiros difíceis dias, Mahan começou a apreciar o ambiente naval e
tornou-se, inicialmente, um aspirante alegre, confiante e acima da média intelectual da
turma869. Um dos seus mais chegados colegas de turma, Samuel Ashe870, declararia que
Mahan “era o homem mais intelectualizado que conhecera. Ele [Mahan] tinha uma
brilhante memória, mas também a capacidade de compreender e clareza de perceber
problemas que o fazia se distinguir entre os seus pares pela inteligência”.871
O desempenho acadêmico de Mahan foi acima da média. Com o passar dos anos na
academia, entretanto, Mahan tornou-se convencido de sua superioridade, sendo incapaz de
se relacionar satisfatoriamente com seus colegas de turma que considerava limitados e sem
imaginação. Durante os anos em Annapolis, Mahan fez poucos amigos e tornou-se uma
figura impopular.
Sua classe de Annapolis, quase em sua totalidade, o considerava extremamente rígido
em seus procedimentos, sem o mínimo sentido de companheirismo e solidariedade.
Diversos choques ocorreram entre Mahan e seus colegas, especialmente nas ocasiões em
que ele se encontrava de serviço e assim responsável pelo comportamento de seus pares.

867
Carta de Alfred Thayer Mahan a Ambrose Murray de 14 de abril de 1856, escrita de Nova Iorque. Fonte:
SEAGER II, MAGUIRE. V.1. Letters and papers of Alfred Thayer Mahan., op.cit, p.3.
868
SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p.12.
869
Ibidem, p.12.
870
Samuel Ashe era colega de turma de Mahan e natural da Carolina do Norte. Pediu demissão de Annapolis
em 1858 em razão de moléstia crônica. Ele e Mahan foram amigos por toda a vida. Fonte: Ibidem, p. 3.
871
TAYLOR, op.cit. p.8.
238

Muitas vezes Mahan anotava as faltas de seus colegas e as entregava aos oficiais
comandantes de companhia em Annapolis, o que era interpretado pela comunidade dos
aspirantes como uma traição à cultura de “proteção” natural que colegas de turma deveriam
ter uns com os outros. Essa interpretação de seus pares com o seu “entreguismo” iria
acompanhar Mahan por toda a sua carreira e o transformaria em um solitário em sua
própria comunidade naval.
Em seu último ano em Annapolis, 1858, Mahan pensou em largar a academia e seguir
a carreira de pastor evangélico. Em uma carta a seu amigo Ashe, disse ele o seguinte “eu
não ficaria surpreso, entretanto, se entrasse no ministério [religioso] em algum desses dias,
em razão de minha mãe contar-me freqüentemente, antes de minha entrada na marinha, que
desde a época que nasci ela desejava me oferecer ao serviço de Deus e ela rezava para isso
acontecer”872. Essa religiosidade acentuada iria permanecer com Mahan até o fim de sua
vida e viria influenciar os seus escritos, em especial na forma como descreveu a vida
privada de seu grande herói Horatio Nelson. Há que se considerar, no entanto, que Mahan
não tolerava extremismos, segundo ele, que transformassem a religião em um dogma. Na
academia foi criada, por um grupo de oficiais e aspirantes, uma sociedade que tinha o
propósito de estudar a bíblia. Mahan chegou a freqüentar as primeiras reuniões, entretanto,
em razão da visão extremada de certos componentes dessa agremiação, retirou-se,
criticando essas reuniões por seu dogmatismo exacerbado.873 Aceitava pouco os dogmas
dos outros e aceitava como natural os seus próprios.
Mahan permaneceu três anos em Annapolis, vindo a graduar-se em segundo lugar na
classe de 1859. Somente 20 alunos conseguiram graduar-se de um total inicial de 49
aspirantes.874 Disse que o grande número de abandonos durante o curso espelhava a
imperfeição do processo educacional em todo o país e não a severidade dos testes na
academia. O problema, para ele, estava no próprio ensino nacional, que não preparava os
alunos para o estudo e a instrução, e não no rigor na avaliação dos alunos em Annapolis.
Acreditava mesmo que as avaliações e provas eram “moderadas”, não havendo necessidade

872
Carta de Alfred Thayer Mahan a Samuel Ashe de 30 de outubro de 1858, escrita de Annapolis. Fonte:
SEAGER II, MAGUIRE. V.1. Letters and papers of Alfred Thayer Mahan., op.cit, p.10.
873
SEAGER II, Robert. Alfred Thayer Mahan. The Man and his Letters. op.cit. p. 16.
874
O primeiro aluno da turma de 1859 foi William Briggs Hall que pediu demissão da marinha quando foi
deflagrada a Guerra de Secessão. Agregou-se ao Exército da Confederação e depois do término da guerra foi
assessor do exército egípcio, indicado pelo General Sherman. Fonte: TAYLOR, op.cit. p.10.
239

dos alunos se aplicarem com afinco nos estudos.875 Apesar disso, acreditava que a academia
se constituía numa atmosfera perfeitamente de acordo com a vida que os aspirantes teriam
na marinha, bem mais relaxada que no exército, uma vez que havia, segundo ele, liberdade
na troca de experiências com os professores e instrutores.876
O ambiente em Annapolis era favorável à causa do Sul, inclusive com muitos
aspirantes de lá provenientes, ardorosos de seus ideais. Acreditavam que a justiça estava a
seu lado e que a União queria limitar seus direitos e liberdade877. O cerne da desconfiança
entre os dois lados já contagiava o ambiente acadêmico e dentro de poucos anos, muitos
daqueles colegas de turma estariam lutando em lados opostos, inclusive Mahan, que se
agregou à União, mais para preservá-la do que para abolir a escravidão, principal causa da
guerra878.Em verdade, segundo Robert Seager, Mahan acreditava convictamente na
“enorme superioridade...do homem branco sobre o negro”. Estava convencido, também,
que os asiáticos eram racialmente superiores aos negros americanos, colocando em uma
escala o branco, seguido do asiático e por último o negro. Para ele justificava-se chamar os
negros de ‘niggers’ e ‘darkies’, numa clara postura descriminatória.879
Apesar de ter dificuldades de adaptação em sua turma de aspirantes, Mahan tinha sua
auto-estima em alta conta. Escreveu a Ashley o seguinte, pouco antes de sua graduação:

Em verdade, reconhecendo uma estimativa de mim mesmo, me considero


um homem bonito, muito talentoso e um favorito na sociedade local com
um caráter melhor que 9/10 dos aspirantes da academia e sinto que daria
qualquer coisa se a isso fosse adicionado um alto grau de valor cristão da
humildade880.

Por sua postura superior em relação aos seus colegas de classe, Mahan era muito mal
visto por esses pares. Sua pouca propensão a humildade ocasionou rompimentos definitivos
com muitos de seus colegas que perdurariam por toda a sua vida, provocando nele um
comportamento avesso a relações pessoais permanentes com os pares, com a exceção de

875
MAHAN, From Sail to Steam, op.cit. p.75.
876
Ibidem, p.84.
877
Ibidem, p.85.
878
TAYLOR, op.cit. p.11.
879
SEAGER II, Robert. Alfred Thayer Mahan. The Man and his Letters. op.cit. p. 29 e 37.
880
Carta de Alfred Thayer Mahan a Samuel Ashe de 1 de fevereiro de 1859, escrita de Annapolis. Fonte:
SEAGER II, MAGUIRE, v.1, Letters and papers of Alfred Thayer Mahan., op.cit, p.56.
240

Samuel Ashe e uma insatisfação com tudo o que se relacionasse com o seu tempo de
aspirante em Annapolis. Mahan tinha, também, o costume de não aceitar naturalmente
qualquer tipo de crítica, fosse ela feita por um colega ou mesmo por um oficial da
academia. Estava convencido que era o “mais capaz e inteligente aspirante” em Annapolis,
realçando ainda mais a sua vaidade.881
Após sua graduação, o guarda-marinha882 Mahan foi designado para a fragata USS
Congress883 que se encontrava em patrulha no Atlântico Sul, na função de ajudante de
ordens do comodoro Joshua Sands, comandante da Estação Naval do Brasil. Nessa
oportunidade teve a chance de conhecer o Rio de Janeiro. Disse ele sobre a cidade brasileira
que a magnífica paisagem do Rio permanecia e precisava “permanecer próximo de uma
visão tipo ‘terremoto’; o Pão de Açúcar, a distante Serra dos Órgãos, as altas montanhas
próximas que nos rodeiam, as numerosas curvas de sua linha de costa e diversificadas
escarpas que nos dão a conhecer, são contínuas novidades”884. Ainda sobre o Rio de Janeiro
diria mais tarde que “era belo ver as sombras formadas pelas luzes da cidade e o grande Pão
de Açúcar, provavelmente o morro mais interessante do mundo...tudo era uma bela e
interessante vista”.885
Em 31 de agosto de 1861 foi promovido a capitão-tenente886, embarcando, logo após,
na corveta a vapor USS Pocahontas887 destacada na Flotilha do Rio Potomac. Sua ascensão
rápida a capitão-tenente foi motivada pela aceleração das promoções durante o primeiro
ano da Guerra de Secessão, deflagrada pouco tempo antes.
Mahan se filiou à causa da União e participou no Pocahontas do ataque às forças
confederadas em Port Royal na Carolina do Sul em novembro de 1861. Em seguida, o
navio foi designado para a estação de bloqueio do Atlântico Sul, em patrulha entre
Georgetown na Carolina do Sul e Ferdinanda na Florida, longe dos grandes combates

881
SEAGER II, Robert. Alfred Thayer Mahan. The Man and his Letters. op.cit. p. 28.
882
Em inglês, ‘passed midshipman’.
883
O USS Congress era um navio à vela do tipo fragata com 1.867 toneladas de deslocamento, completada em
1842, armada com 50 canhões de diversos calibres. Foi afundada durante a Guerra de Secessão pelo navio
confederado CSS Virginia. O USS significa “United States Ship”. Fonte: SEAGER II, MAGUIRE, v.1,
Letters and papers, op.cit. p.84.
884
MAHAN, From Sail to Steam, op.cit. p.147.
885
Carta de Alfred Thayer Mahan a Samuel Ashe de 5 de outubro de 1860, escrita a bordo do USS Congress.
Fonte: SEAGER II, Robert, MAGUIRE, Doris. Letters and papers of Alfred Thayer Mahan V1, op.cit. p.87.
886
Em inglês, lieutenant na Marinha dos EUA.
887
O USS Pocahontas era uma corveta deslocando 694 toneladas, com 11 canhões e uma tripulação de 173
homens. Fonte: SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters , op.cit. p.36.
241

navais entre a União e a Confederação. Nessa estação de pouca atividade bélica, Mahan
travou contato com as péssimas condições dos escravos na Carolina do Sul, tornando-se
imediatamente um abolicionista.888
Em setembro de 1862, Mahan foi designado para servir na Academia Naval, como
instrutor de marinharia, transferida de Annapolis para Newport, Rhode Island, de modo a
afastá-la dos combates da guerra. Sendo um oficial distante dos aspirantes e pouco
simpático, não deixou boas lembranças. Ainda na academia foi designado para o USS
Macedonia889, acompanhando os aspirantes em uma viagem de instrução.
Esse período no Macedonia foi de muita alegria para Mahan, pois o navio foi
destacado para um cruzeiro à Europa, onde teve oportunidade de visitar Paris, que muito o
encantou. Além disso, nesse mesmo navio, travou estreito contato com o comandante,
capitão-de-corveta890 Stephen Luce que viria a ter um importante papel na carreira de
Mahan e com William Sampson, futuro almirante que se destacaria na Guerra Espano-
americana em 1898.
No regresso de sua comissão, Mahan foi designado para servir no USS Seminole891
agregado ao esquadrão de bloqueio do Golfo, em frente a Sabine Pass e Galveston. Essa
fase lhe foi extremamente frustrante. Dizia ele que essa comissão era desesperadamente
tediosa e que “nunca tinha visto um grupo de homens inteligentes reduzidos à total
imbecilidade, como os meus colegas de navio”.892 Logo em seguida, foi designado para o
estado-maior do comandante-em-chefe do esquadrão de bloqueio do Atlântico Sul,
almirante Dahlgren, a bordo do USS James Adger893, quando este almirante entrou em abril
de 1865 no porto de Charleston, recentemente capturado.
Robert Seager II atestou que seu desempenho como oficial de armamento do
esquadrão, sob as ordens de Dahlgren, não foi dos melhores, uma vez que este almirante o
transferiu de volta ao Seminole por não controlar adequadamente os estoques de munição

888
Ibidem, p.37.
889
O USS Macedonia era um navio obsoleto armado com quatro velhos canhões. Tinha a tarefa de adestrar os
aspirantes da Academia Naval nas fainas marinheiras. Fonte: Ibidem, p.37.
890
Capitão-de-corveta é tenente-comandante (lieutenant-commander) na Marinha norte-americana.
891
O USS Seminole era uma pequena chalupa armada com nove canhões. Fonte: Ibidem, p.38.
892
Ibidem, p.38.
893
O USS James Adger era uma escuna a vapor armada com 17 canhões. Fonte: SEAGER II, MAGUIRE,
v.1, Letters and papers, op.cit. p. 88.
242

do esquadrão894. Apesar desse fraco desempenho, Mahan esteve presente na captura de


Charleston pelas forças da União em abril de 1865.
Nesse mesmo ano de 1865, logo depois do término da guerra civil, foi promovido a
capitão-de-corveta, tendo sido designado imediato895 do USS Muscoota896, navio que
congregava grande número de bêbados, desertores e contraventores. Novamente foi
atingido por forte depressão, sentindo-se frustrado, solitário e sem amigos próximos897. A
vida no mar definitivamente não lhe agradava de maneira alguma.
Depois de um breve período no Estaleiro Naval de Washington, Mahan foi designado
para servir na fragata USS Iroquois na Estação Asiática, onde pôde visitar a China, o Japão
e o Extremo Oriente. Nessa região, Mahan foi atingido por forte doença quando em
Nagasaki898, afastando-se de seu navio por breve período de tempo. Sentia-se mal a bordo e
aquele tipo de vida o desagradava. Em abril de 1867 escreveu o seguinte para a sua mãe:

Minha situação a bordo é de grande isolamento e muitas vezes é difícil


suportar. Sobre mim o peso é maior por que eu não estou certo de que
isto é o que quero fazer. Eu tenho dúvidas se devo insistir, quando
menciono minhas dificuldades e dúvidas. Deus me colocou em uma
situação, como disse, de quase total isolamento, de sofrer a dúvida da
disciplina e da incerteza.899

Em maio de 1868 continuava deprimido e escreveu em seu diário que sintia-se


“nervoso, irritável, deprimido e perturbado do espírito em razão de não estar satisfeito com
o meu trabalho”.900 Atritava-se constantemente com os oficiais e com o próprio
comandante, capitão-de-mar-e-guerra Earl English, que considerava incapaz e
despreparado, recorrendo muitas vezes a bebida para curar sua própria frustração.901
Em realidade o mar o assustava sobremaneira. Por diversas vezes observara a fúria do
oceano e a impotência de seu pequeno navio em frente das intempéries atmosféricas.

894
Ibidem, p.41.
895
Imediato é o mesmo que sub-comandante.
896
O USS Muscoota era uma barca de madeira armada com dez canhões de diversos calibres. Fonte: SEAGER
II, MAGUIRE, v.1, Letters and papers, op.cit. p.94.
897
SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p.43.
898
TAYLOR, op.cit, p.18.
899
Carta de Alfred Mahan para sua mãe Mary Helena Okill Mahan escrita a bordo do USS Iroquois em 28 de
abril de 1867. Fonte: SEAGER II, MAGUIRE, v.1, Letters and papers, op.cit. p.99.
900
Diário de Alfred Mahan no dia 2 de maio de 1868. Fonte: Ibidem, p. 150.
901
Ibidem, p. 193.
243

Embora procurasse esconder em suas cartas o temor que o mar lhe provocava, em seu
diário pessoal as aflições e sentimentos afloravam com mais liberdade, No período entre 26
de abril de 1868 e 10 de setembro de 1869 podem ser reproduzidos alguns trechos que
atestavam o seu estado de espírito e temor perante os mares inclementes do oriente.
Escreveu ele o seguinte:

Tenho estado muito ansioso e perturbado, assim mesmo com a graça do


Senhor tenho sido capaz de enfrentar meus medos e a depressão...Deus
me protegeu firmente durante a tormenta mas...a reação que tive durante
a tempestade e essa terrível covardia me fez aflito...fico doente com o
medo, incapaz de conduzir minhas tarefas, contudo torno-me capaz de
rezar e prosseguir...covardia e falta de confiança em Deus têm sido
minhas piores tentações...tivemos muitas tormentas e mares bravios e
estou muito ansioso; minha mente parece explodir com a tensão. Se eu
pudesse deixar a marinha estaria feliz em ir embora...estou deprimido e
irritável...mal consigo esconder meus murmúrios em razão de estar com
muito medo...meu temor constante ainda me persegue...não é o perigo
real, mas o medo real que me oprime.902

Seu relacionamento com a tripulação do navio era difícil. Procurava, por meio da
religião, incutir disciplina e ordem em seu ambiente de trabalho, fato não aceito por muitos
de seus colegas e subordinados que não queriam misturar religião com trabalho. Muitos,
inclusive, o consideravam um fanático religioso que tinha o propósito de convertê-los a
seguir as escrituras e abandonar os costumes arraigados nos velhos marinheiros
profissionais que preconizava que se deveria trabalhar duro no mar e ter bebedeiras e sexo
desvairado no porto. Isso Mahan não tolerava em seus subordinados, colocando-o cada vez
mais em uma situação de isolamento a bordo.
O seu período no Iroquois, embora extremamente penoso, foi profícuo para a sua
formação intelectual. Mahan leu avidamente obras de John Motley, Leopold Von Ranke e
de François Pierre Guizot. A história começou a fazer parte de sua vida. As lides do mar,
por outro lado, só traziam desesperança e temor.
O ano de 1870 foi um ano importante para Mahan, pois ao passar pela Europa, pôde
assistir a queda do império francês esmagado pelos alemães. Esse acontecimento histórico,
segundo ele, fez desaparecer o velho, Napoleão III, e surgir o novo, o império alemão, uma

902
Extratos retirados de seu diário entre 26 de abril de 1868 e 10 de setembro de 1869, publicado por Robert
Seager II e Doris Maguire. Fonte: SEAGER II, MAGUIRE, v.1, Letters and papers, op.cit. p. 146 a 332.
244

“força organizada e disciplinada”.903 Esse fato provocou profundo impacto em seu


pensamento.
No período entre 1870 e 1875 serviu ora em unidades de terra, ora em navios, no
segundo caso para o seu contragosto, tais como no navio mercante USS Worcester904, e em
fevereiro de 1873 no comando do USS Wasp905 no Rio da Prata, um navio em péssimas
condições operacionais. A inabilidade de Mahan em manobras marinheiras mostrou-se
quando no comando do Wasp.
Um fato inusitado ocorreu em Junho de 1874. Ele chocou o seu navio com a porta
flutuante de um dique seco em Montevideo, impedindo a sua retirada até o reparo total da
porta. Ficou preso nesse dique por cerca de dez dias. Não satisfeito, logo depois, Mahan
abalroou uma barca no mesmo porto e em 3 de novembro de 1874 colidiu o seu navio com
um vaso de guerra argentino no porto de Buenos Aires durante uma tempestade.906
Data desse período a morte trágica de seu pai Dennis Hart que se suicidou, atirando-se
no Rio Hudson. Dennis já vinha apresentando severa depressão por quase um ano após
receber a notícia de sua reserva compulsória na docência de West Point, o que muito o
magoou. Alfred sentiu imensamente o falecimento de seu pai e lamentaria por muitos anos
o seu trágico desaparecimento.
Pouco antes de assumir o comando do Wasp, Mahan casou-se em junho de 1872 com
Ellen Lyle Evans. Foi um relacionamento que perdurou durante toda a sua vida. Dessa
relação nasceram duas mulheres, Hellen Evans nascida em Montevideo em 1873, Ellen
Kuhn em 1877 e um homem, Lyle Evans, em 1881. A Ellen Lyle pode ser imputada parte
do sucesso editorial de Mahan, já que foi uma grande incentivadora de seu marido, muitas
vezes transcrevendo seus textos em máquina de escrever e revisando os manuscritos.
Em agosto de 1875 Mahan foi designado para o Arsenal Naval de Boston, já capitão-
de-fragata,907 e em 1877 voltou a Annapolis como chefe do departamento de artilharia,
onde permaneceu por três anos. O evento mais significativo ocorrido com Mahan nesse
903
TAYLOR, op.cit, p.19.
904
O USS Worchester era um mercante armado de 3.050 toneladas de deslocamento, com 14 canhões. Fonte:
SEAGER II, MAGUIRE, v.1, Letters and papers, op.cit. p.359.
905
O USS Wasp foi um navio britânico que forçava o bloqueio estabelecido pela União, tendo sido capturado
durante a Guerra de Secessão. Seu nome foi mudado para “Wasp” em junho de 1865.
906
LANKIEWICZ, Donald. The Reluctant Seaman. 2007, p.4. página www.thehistorynet.com. Acesso em 26
de abril de 2007.
907
O posto de capitão-de-fragata na Marinha brasileira corresponde a commander na Marinha norte-
americana. Mahan foi promovido a este posto em 1872.
245

período foi o terceiro lugar obtido em um concurso de monografias, com um trabalho sobre
a educação naval, patrocinado pelo United States Naval Institute em 1878. Embora na
competição tenham concorrido apenas dez artigos, o texto de Mahan foi considerado
reformista, uma vez que propunha a modernização dos currículos da Academia Naval, de
modo a incrementar as qualificações acadêmicas dos aspirantes908. Essa vitória no campo
das letras compensou uma série de artigos anteriormente rejeitados na Harpers Magazine e
no The Army and Navy Journal.
Em julho de 1880, voltou a servir no Arsenal Naval de Nova Iorque no Brooklin,
onde permaneceu até 1883, quando assumiu o comando do USS Wachusset909, estacionado
em Callao no Peru. Em 1882, Mahan escreveu seu primeiro livro, The Gulf and Inland
Waters910 que tratou das operações navais ocorridas durante a Guerra de Secessão. Ele
servira no teatro de operações da guerra durante pouco tempo, no entanto lera um grande
volume de relatórios dos dois lados e se correspondeu com numerosos participantes dos
eventos ocorridos, o que lhe fez escrever um trabalho com razoável sustentação
argumentativa, embora sem ser brilhante. Nessa obra, Mahan elogiou o almirante David
Glasgow Farragut, tanto no ponto de vista político como no militar, por sua rápida captura
de Nova Orleans em 1862911. Alguns anos depois, Mahan escreveria a biografia de
Farragut, o seu modelo de almirante norte-americano vencedor. O seu amigo John Knox
Laughton, em carta para Stephen Luce, diria em 1889 que essa obra de Mahan já o havia
impressionado com sua habilidade em expor os fatos e sua clareza de raciocínio.912
As filhas de Mahan começaram a ler no início dos anos 80 e ele não perdeu tempo
para instruí-las em história, literatura e principalmente teologia. Elas eram levadas por ele a
ler a bíblia regularmente e estudar as escrituras sob o seu olhar vigilante e atento. Seus
conselhos às filhas eram conservadores e moralistas, com uma fixação nos preceitos
religiosos que iria perdurar até o seu falecimento em 1914. Mahan chegou a escolher os
livros que ambas deveriam ler, proibindo terminantemente títulos que abordassem estórias

908
SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p. 120.
909
O USS Wachusset era uma escuna lançada ao mar em 1861, armada com sete canhões de diversos calibres.
Fonte: SEAGER II, MAGUIRE, v.1, Letters and papers, op.cit. p.556.
910
MAHAN, Alfred Thayer. The Gulf and Inland Waters New York: Charles Scribner, 1883 .
911
SUMIDA, Jon Tetsuo. Inventing Grand Strategy and teaching command.The classic works of Alfred
Thayer Mahan reconsidered. Washington DC: John Hopkins University Press, 1997, p.19.
912
Carta de John Knox Laughton para Stephen Luce escrita em 11 de agosto de 1889. Fonte: LAMBERT,
Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit p. 62.
246

populares que mencionassem sexo ou liberdade feminina. Ambas permaneceriam solteiras


até o fim de suas vidas913.
A inabilidade em manobrar navios se fez presente mais uma vez. Mahan colidiu, em
um dia claro e mar calmo, com uma barca à vela que tinha, sem dúvida alguma, preferência
de passagem. O Wachusset deveria permitir que a barca passasse, porém, mais uma vez
Mahan cometeu um erro, levando à colisão. O tenente Hugh Rodman, oficial do navio, em
conversa com um colega oficial, logo após o acidente, recebeu como resposta sarcástica em
relação ao ocorrido o seguinte comentário “o Oceano Pacífico não foi grande o bastante
para o Wachusset se manter afastado do caminho dos outros”.914 Todos a bordo do
Wachusset discutiam, de modo jocoso, sua falta de habilidade nas lides marinheiras.
Essa estação naval não o agradou. Ele mantinha uma visão cínica e crítica da política
e dos políticos daquela região da América Latina. Considerava que a sua tarefa de proteger
cidadãos e interesses dos EUA na costa do Pacífico da América do Sul era uma perda de
tempo e até o fim de seus dias manteve uma grande antipatia pelos latino-americanos915.
Foi nesse ambiente hostil e de poucas alegrias pessoais que Mahan recebeu, quando o
seu navio estava em Guaiaquil no Equador, um convite que o deixou extasiado. O
comodoro916 Stephen Luce917 estava organizando o Naval War College (NWC)918 em
Newport, Rhode Island919. Ele precisava de um professor de história naval e estratégia para
se agregar ao corpo docente da escola. Mahan não foi o primeiro nome escolhido por
Luce920. Ele convidara o capitão-de-corveta Caspar Goodrich que acabara de se estabelecer
em Washington e em virtude do desejo de permanecer nessa cidade, declinou do convite.
Mahan foi a escolha que se seguiu. Imediatamente aceitou o convite e em carta para Luce
disse o seguinte:

913
SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p. 126.
914
LANKIEWICZ, op.cit. p. 4.
915
SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p. 141.
916
Posto inexistente na Marinha do Brasil, correspondendo a um grau intermediário entre capitão-de-mar-e-
guerra e contra-almirante. Na Marinha Real existia esse posto como pode ser visto na seção 2.3 do capítulo 2.
917
O comodoro Stephen Luce é considerado o “pai” do Naval War College. Nasceu em 1827 e faleceu em
1917. Fonte: SEAGER II, MAGUIRE, v.1, Letters and papers, op.cit. p. 577.
918
O Naval War College é a atual Escola de Guerra Naval dos Estados Unidos da América, localizada ainda
hoje em Newport no estado de Rhode Island.
919
O NWC acabou sendo estabelecido em 6 de outubro de 1884. Fonte: SEAGER II, MAGUIRE, v.1, Letters
and papers, op.cit. p.577.
920
Segundo o professor Phillip Crowl, Mahan foi efetivamente a terceira escolha. O segundo nome escolhido
por Luce não foi por ele citado. Fonte: CROWL, Phillip. Alfred Thayer Mahan: the naval historian. In:
PARET, Peter. Makers of modern strategy. Princeton: Princeton University Press, 1986, p.446.
247

Eu gostaria muito de assumir essa função. Acredito ter a capacidade e


talvez alguma aptidão natural para o estudo em questão. Ao me
questionar, não acredito ter nesse momento o conhecimento específico
que penso ser necessário possuir. Temo que o senhor me dê mais crédito
do que realmente possuo e ter dado mais atenção a questão do que
eu....minha resposta ao senhor é sim, eu gostaria de servir [no NWC], se
o senhor depois de ler minha carta ainda me quiser. Certamente não
acredito estar certo em me recusar a ajudar neste novo, difícil e
necessário trabalho, se, no julgamento de outros eu for útil.921

Mahan se dedicou, logo em seguida, aos estudos históricos preparando-se para


assumir a docência em Newport. O historiador William Livezey afirmou que a designação
de Mahan para o NWC foi o ponto de virada em sua até ali apagada carreira. Disse Livezey
que “de um amplo ponto de vista, a carreira de Mahan começou com a criação em 1884 do
NWC”922. A existência da escola se devia para qualificar oficiais dos postos mais elevados
da Marinha dos EUA em estratégia e na arte de conduzir a guerra, de modo a que
estivessem preparados para assessorar os chefes navais em política naval nacional e quando
ordenado assumir o comando de importantes unidades da marinha no “intrincado mundo da
guerra”.923
A concepção do que seria o poder marítimo (sea power) no pensamento de Mahan
ocorreu extamente no Peru, mais precisamente na sala de leitura do Clube Phoenix em
Lima, enquanto estudava para se preparar para assumir a função de professor de história
naval e estratégia no NWC924. Por cerca de dois anos ele se preparou com afinco para a sua
nova função, que muito lhe agradava. Conduziu, assim, um estudo sistemático da história
naval, centrando suas pesquisas nos séculos XVII e XVIII, procurando analogias entre as
guerras terrestres e navais, de modo a constituir uma teoria de estratégia e tática navais.925
Para ele a conduta das guerras do passado não era somente uma questão de conhecimento e
da aplicação de princípios gerais, mas de equilibrado julgamento, sem o qual a informação

921
Carta de Alfred Mahan para Stephen Luce de 4 de setembro de 1884, a bordo do USS Wachusset, em
Guaiaquil no Equador. Fonte: SEAGER II, MAGUIRE, v.1, Letters and papers, op.cit. p.577.
922
LIVEZEY, William. Mahan on Sea Power. Oklahoma: Oklahoma University Press, 1981, p. 11.
923
TAYLOR, op.cit. p.37.
924
FERREIRO, Larrie. Mahan and the English Club of Lima, Peru. The genesis of the Influence of Sea
Power upon History. Journal of Military History. Lexington, Virginia: Virginia Military Institute, v. 72, n.3,
jul 2008, p.901.
925
SPROUT, Mahan: evangelist of Sea Power. op.cit. p.417.
248

e as regras, sendo incorretamente aplicadas, se tornariam sem valor.926 A história seria a


ferramenta necessária para a tomada de decisão por parte dos chefes militares, além da
própria experiência adquirida em guerras anteriores. Acreditava que, em virtude da lenta
construção dos navios de guerra e das armas modernas, o ataque inicial em uma guerra
devia ser vigoroso, de modo a não proporcionar recuperação ao inimigo. Usando uma frase
sua muito conhecida dizia que “não haveria tempo para a resistência organizada do inimigo
se apresentar, sendo que o ataque deveria recair na esquadra organizada do oponente e o
restante de força disponível resultaria em nada”927. Com esse pensamento do primeiro e
decisivo golpe, Mahan cristalizou a idéia de que o principal objetivo militar na guerra era o
aniquilamento das forças armadas do adversário e assim surgiu o conceito de “batalha
decisiva”. Apesar de existirem outros objetivos, a destruição total do poder militar do
inimigo era o propósito principal.928
Com esses pensamentos bem definidos, a carreira acadêmica de Mahan realmente
começou em Newport, onde atingiu sua maturidade intelectual.

4.2- Alfred Thayer Mahan : a maturidade intelectual.

Em outubro de 1885 Mahan se agregou ao corpo docente do NWC, iniciando suas


aulas no ano seguinte, lá permanecendo até 1892, com pequenas interrupções em 1889 no
Arsenal de Puget Sound e em poucos anos em que a escola não ministrou cursos regulares.
Em Newport Mahan foi promovido a capitão-de-mar-e-guerra929em 1886, vindo
posteriormente a substituir Luce na presidência da escola930 designado para comandar a
Força Naval do Atlântico Norte.
Houve muita resistência ao NWC nos círculos navais norte-americanos no período.
Em uma época de grandes avanços tecnológicos no campo da guerra naval, os estudos de
história naval e das táticas realizadas por Nelson nas guerras napoleônicas eram
considerados irrelevantes e anacrônicos. O importante para qualquer oficial da época era

926
MAHAN, Alfred. Lessons of the War with Spain, and other articles. Boston: Little Brown, 1899. p. 10.
927
MAHAN, Alfred. The influence of Sea Power upon History 1660-1783. New York: Dover Publication,
1987, p. 46.
928
SCHURMAN, The Education of a Navy. op.cit. p. 77.
929
O posto de capitão-de-mar-e-guerra na Marinha norte-americana é nomeado como captain, exatamente
como na Marinha Real britânica.
930
Mahan foi presidente da NWC por dois períodos, de 1886 a 1889 e de 1892 a 1893.
249

estudar as inovações técnicas agregadas aos sistemas de máquinas e de artilharia modernas


e não história. Considerava-se que o que ocorreu no passado não teria qualquer aplicação
na nova guerra do final do século XIX. Para esse grupo considerável de oficiais, a ênfase na
história era “não só reacionária, como impraticável”, segundo Phillip Crowl.931
Ao se preparar para a tarefa de transmitir conhecimentos sobre estratégia e táticas
navais para os alunos da NWC, Mahan fazia uma série de afirmações enfáticas.
Considerava que as futuras batalhas navais seriam travadas da mesma maneira como
tinham sido no período à vela, apesar dos avanços tecnológicos recentes. Para ele, esses
combates navais seriam controlados, ordenados e precisos. O elemento humano, também,
tinha a sua importância e se refletia no resultado dos encontros. Dizia que “o conhecimento
do caráter pessoal do almirante inimigo e da eficácia de sua força naval são elementos
legítimos em nossos planos, como foram nos planos do almirante Nelson”.932 Em
complemento, em carta a seu colega William Anderson, disse o seguinte:

Quando fui inicialmente designado para ministrar aulas de história naval


em nossa NWC me perguntei como transformar a experiência com
navios à vela de madeira com seu armamento rudimentar em utilidade no
presente ? A primeira resposta que obtive foi demonstrando a tremenda
influência que o poder naval, sob qualquer forma, exerceu no curso da
história. A segunda resposta veio com o prosseguimento de meus
estudos, que foi demonstrar que os princípios de guerra receberam
confirmação na velha experiência naval, da mesma forma que eles
receberam em relação a guerra terrestre em todas as várias fases nos
últimos vinte e cinco séculos. 933

A partir de suas palestras, abarcando o período dos séculos XVII e XVIII, Mahan
escreveu e publicou em 1890 o livro que se tornaria um clássico de história naval, o The
Influence of Sea Power upon History, 1660-1783. Em seu prefácio, Mahan tinha como
finalidade proceder a um exame geral da história da Europa e da América, com vistas ao
efeito que teria o poder marítimo sobre os rumos dessa história. Essa obra teve imediato
impacto no meio naval, principalmente no UK. As razões para isso eram evidentes. O livro

931
CROWL, op.cit. p. 447.
932
SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p. 173.
933
Carta de Alfred Mahan para William Henderson escrita de Elizabeth, New Jersey em 5 de maio de 1890.
Fonte: SEAGER II, MAGUIRE, v.2, Letters and papers, op.cit. p.9.
250

baseava-se na própria história naval britânica e o mais importante, respaldava o sucesso de


suas políticas navais do período. O historiador inglês Michael Oppenheim, especialista da
Marinha Real no período Tudor e membro do NRS diria que “do ponto de vista naval, o
livro de Mahan pode ser considerado um dos grandes livros já publicados no mundo. Fico
pesaroso por ele [livro] não ter sido escrito por um inglês”.934
Apesar de todo esse sucesso, a busca por um editor que publicasse o seu texto foi
penosa para Mahan. Inicialmente tentou a Charles Scribner´s Sons que havia editado o seu
primeiro trabalho The Gulf and Inland Waters. Os analistas dessa prestigiada editora
rejeitaram o livro alegando que essa obra era “muito técnica e especializada para agradar a
maioria dos leitores”. Em seguida, Mahan enviou o livro para diversas editoras menores,
todas declinando de publicá-lo. Em nenhum momento naquele processo ele perdeu o apoio
de Luce e de Ellen que o incentivaram a continuar procurando um patrocinador à altura
daquela obra. Mahan chegou a ponto de verificar a possibilidade de publicar o The
Influence of Sea Power upon History com seus próprios recursos e de seus amigos, o que
acabou não ocorrendo, em razão do interesse da Little Brown and Company de Boston em
publicá-lo, possivelmente após verificar que inexistia no mercado editorial norte-americano
trabalho tão original e abrangente sobre história naval no período moderno. Há que se
considerar, no entanto, que Sir John Seeley havia publicado um ano antes no Journal of the
Military Service Institution of the United States um artigo denominado War and the British
Empire no qual defendia a centralidade do mar nos destinos do UK, argumento
fundamental do livro do autor norte-americano935. Apesar desse pequeno inconveniente, o
livro de Mahan foi um estrondoso sucesso.
Mahan iniciou a introdução do livro argumentando que os negócios marítimos
tiveram um grande e decisivo efeito sobre o curso da história e na prosperidade das
nações.936 O seu argumento principal foi baseado na proposição básica de economia de que
as viagens e o tráfego marítimo foram mais fáceis e mais baratos do que em terra. Desde o
início de sua proposição, Mahan procurou enfatizar a centralidade do mar nos destinos das
nações. Uma interessante discussão foi a realizada em relação as seis condições que
afetavam o poder marítimo, a posição geográfica, a conformação física, o tamanho do

934
LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit p. 90.
935
SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p. 192.
936
SUMIDA, op.cit, p. 27.
251

território, o caráter do povo, tamanho da população e o caráter do governo. Para ele os


EUA possuíam essas condições e só necessitava de liderança, vontade e determinação para
desenvolver o seu poder marítimo.
A partir do capítulo dois, Mahan se concentrou na apresentação das grandes
campanhas e batalhas navais desde 1660, isto é, a partir da restauração Stuart com Carlos II
na Inglaterra, da assunção de Luiz XIV nos negócios de Estado francês, após a morte do
Cardeal Mazarino e da reorganização européia após os Tratados de Westphalia em 1648 e
dos Pirineus que propiciou, segundo ele, “um estado de paz externa geral, destinada a ser
atingida brevemente por uma série de guerras universais que durariam enquanto Luiz XIV
vivesse”.937 Para ele, nessas guerras contínuas o poder marítimo tivera, em menor ou maior
grau, uma grande importância.938 O período abarcado pelo seu estudo transita até 1783, isto
é o fim da Revolução Americana, com o tratado de paz assinado em Versailles em 3 de
setembro de 1783.
John Knox Laughton recebeu o livro The Influence of Sea Power upon History
enviado por Stephen Luce e comentou que, excetuando alguns erros menores, considerava
o trabalho “uma importante contribuição à literatura naval que surgiu nos últimos anos”.
Considerava que as incorreções cometidas por Mahan eram resultado da busca de
informações, na maior parte da obra, em livros franceses que continham erros básicos. No
Edinburgh Review da Escócia, Laughton apresentou o livro de Mahan afirmando que o The
Influence of Sea Power upon History era uma “esplêndida apoteose da coragem,
tenacidade, habilidade e poder da Inglaterra”939. Ainda no Edinburgh Review disse que “o
livro era para ser considerado, primariamente, não somente uma contribuição à história,
mas uma exposição dos princípios de estratégia naval e da tática e dos objetivos e métodos
da ciência da guerra naval”.940 Era uma resenha favorável, escrita por um renomado
historiador britânico, com imenso prestígio no meio acadêmico. Laughton, em verdade,
admirava Mahan por ter desenvolvido, utilizando a história, um sistema coerente de estudos
estratégicos. Mahan ficou extremamente agradecido com as opiniões esposadas por
Laughton.

937
MAHAN, Alfred The Influence of Sea Power upon History, op.cit. p. 91.
938
Ibidem, p.91.
939
LAUGHTON, John Knox. Captain Mahan on Maritime Power. Edinburgh Review. Edinburgh. V. CLXXII,
p 420-453, out, 1890. apud LIVEZEY, op.cit. p. 61.
940
LAMBERT, Andrew. The Foundations of Naval History. op.cit p. 123.
252

Julian Stafford Corbett, comentando sobre o livro, disse que pela primeira vez a
história naval adquiria uma base filosófica e que, a partir de um grande número de fatos
históricos, grandes generalizações foram possíveis, havendo poucos livros que tenham
produzido tanto efeito na ação, como no pensamento político.941
Os ingleses se encantaram por ter sido um norte-americano e não um britânico que
melhor descrevera as políticas navais inglesas da época, o que não deixou de ser uma
grande surpresa. Além disso, a época em que o livro foi lançado não poderia ter sido mais
propícia para o autor, assim como para o Almirantado britânico. No ano de 1889 havia sido
estabelecida a política do “Two Power Sandard”942 e Mahan, sem perceber, proveu de
argumentos os políticos ingleses que desejavam a expansão britânica no mar.
Em 1891 o conhecido estrategista inglês, almirante Philip Colomb lançou no mercado
editorial do UK, um denso livro de história naval e estratégia, o Naval Warfare943, assim
um ano após a obra de Mahan. Embora fosse um livro muito bem elaborado, ele foi
totalmente eclipsado pela obra de seu colega dos EUA, inclusive em seu país natal944.
Reconhecendo esse fato, Colomb escreveria, com charme e modéstia, para Mahan que “eu
acredito que todos os membros do mundo naval consideram o seu livro como ‘o’ livro da
geração e meu livro vem muito atrás do seu em mérito literário”.945
Na Alemanha o livro foi um estrondoso sucesso. O kaiser, ao ler o livro de Mahan,
viu o respaldo necessário para a expansão colonial de sua nação e o desenvolvimento de um
forte poder marítimo, de modo a contestar o poder do UK. Em maio de 1894 diria que não
estava lendo somente o livro de Mahan, mas sim o devorando, com o propósito de decorá-
lo e fazer com que sua leitura fosse obrigatória nos navios de sua marinha.946
No Japão, o próprio governo colocou os livros de Mahan em todas as escolas e as
academias militares adotaram o The Influence of Sea Power upon History como livro texto.

941
WESTCOTT. Allan. Mahan on Naval Warfare. Selections from the writings of Rear-Admiral Alfred
Mahan. op.cit, p.xv.
942
Ver Capítulo 3, seção 3.2.
943
COLOMB, Phillip. Naval Warfare. 3.ed. London: Allen, 1899.
944
TILL, Geoffrey. Maritime Strategy and Nuclear Age. New York: St Martin Press, 1982, p.28.
945
SCHURMAN, Donald. The Education of a Navy.op.cit, p.66.
946
CAMINHA, João Carlos Gonçalves. Mahan: sua época e suas idéias. Revista Marítima Brasileira. Rio de
Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 3 Trim 1986, p. 22.
253

Livezey afirmou que o Japão estava se preparando para Tsushima e assim estabeleceu os
fundamentos de sua política de “esfera de co-prosperidade”.947
No país de Mahan, os EUA, o livro inicialmente obteve menor impacto, no entanto foi
avidamente lido por Theodore Roosevelt, que viria a ser presidente da república. Roosevelt,
não só adorou o livro, como disse que “durante os dois últimos dias gastei metade do meu
tempo, atarefado como estava, lendo o seu livro. Incorro em grave erro se ele não se
converter em um clássico naval”.948 O senador Cabot Lodge, também, ficou vivamente
impressionado com o livro, ao ver defendida a sua tese de expansão de seu país em direção
ao Caribe e ao Pacífico. Mahan defendera com entusiasmo a obtenção de bases nessas
regiões como um dos pilares para o estabelecimento de um poder marítimo poderoso dos
EUA. Por seu lado, seu comandante, o almirante Luce disse o seguinte, a respeito dessa
obra de Mahan:

Esta obra é um trabalho excepcional; não existe nada como isso em toda
a literatura naval. Nenhum outro autor, com o qual mantive contato,
conduziu esse tema com o espírito liberal e por que não dizer filosófico
ou comentou a história da marinha e suas realizações nos negócios do
estado, apontando a sua importância para a vida nacional. Esse trabalho é
inteiramente original em sua concepção, brilhante em sua constituição e
acadêmico em sua execução949.

Em outros países, o impacto dessa obra de Mahan foi, também, considerável.


Traduções para o francês, alemão, japonês, russo, espanhol e italiano foram logo
disseminadas. Incompreensivelmente não houve traduções para o português950.
O que efetivamente Mahan desejava com o seu livro era demonstrar a importância
que o mar tinha para o desenvolvimento das nações, tomando como exemplo o UK. Além
disso, queria compreender que princípios governavam a guerra no mar desde o alvorecer da
Idade Moderna. O que realmente Mahan queria era despertar na classe política dos EUA a
centralidade das políticas navais para o desenvolvimento nacional. Considerava que a
Marinha norte-americana tinha uma postura defensiva, voltada para a guerra costeira, sem

947
LIVEZEY, op.cit. p.76.
948
CAMINHA, João Carlos Gonçalves. Mahan: sua época e suas idéias. op.cit. p.22.
949
TAYLOR, op.cit. p.46.
950
Existe um projeto a ser conduzido pela Escola de Guerra Naval do Brasil no ano de 2014 para finalmente
se traduzir esse livro para o português.
254

pretensões além fronteiras. Acreditava que essa postura era deficiente e equivocada,
indicando que o melhor caminho era a ofensiva e a projeção internacional.
Por muito pouco Mahan não se viu retornando para o mar. O chefe do Bureau de
Navegação da Marinha norte-americana,951 comodoro Francis Ramsay, pretendeu
movimentá-lo para uma nova função embarcada, logo após a publicação de seu livro.
Acreditava Ramsay que não era função de um oficial de marinha escrever livros. Se não
fosse pelo prestígio de Mahan e o sucesso de seu livro, ele seria certamente transferido.
A antipatia mútua entre Mahan e Ramsey era evidente e intensa, embora mantivessem
uma cordialidade formal. Segundo Robert Seager, Ramsey era um homem rígido e sem
imaginação, entretanto também era orgulhoso, dotado de muito sucesso profissional e
altamente eficiente como oficial de marinha. Mahan, de acordo com ele, deveria ter um
pouco mais de tato quando lidasse com Ramsey. O ego de Mahan era efetivamente imenso
e seu livro deveria ter o título, segundo esse professor norte-americano, The Influence of
Sea Power upon Mahan 952como uma demonstração de sua postura arrogante e desafiadora
perante um oficial mais antigo (Ramsey) que tinha o poder legal de movimentá-lo para
outra comissão. Afinal Ramsey apenas reagiu a essa atitude grotesca de Mahan.
Em 1892 Mahan lançou o segundo livro da série chamado de The Influence of Sea
Power upon the French Revolution and Empire953. Novo sucesso de vendas e de crítica.
Laughton, entusiasmado, diria que esse novo livro era “uma grande obra e deverá abrir os
olhos de muitos cegos a respeito das verdades que você tem demonstrado claramente”.954
Agradecido pelos comentários de seu amigo, Mahan responderia no dia 21 de março
daquele ano o seguinte:

Gostaria de expressar a extrema satisfação que me causou sua carta do


dia 11. Sua distinguida reputação como um mestre da história naval e
escritor de assuntos sobre a guerra naval me tem sido muito conhecida e
adiciona muito ao valor de suas observações a respeito de mim...gostaria

951
O Bureau de Navegação da Marinha dos EUA era o órgão responsável pelas movimentações e designações
de comissões para os oficiais da marinha.
952
SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p. 218.
953
MAHAN, Alfred Thayer. The Influence of Sea Power upon the French Revolution and Empire 1793-1812.
v.2, Boston: Little Brown, 1892.
954
Carta de John Knox Laughton para Alfred Thayer Mahan escrita de Londres em 11 de março de 1893.
Fonte: LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 82.
255

de mencionar que eu apreciei imensamente sua boa opinião[ sobre o


livro]955

Ao contrário do primeiro livro, essa obra baseou-se em fontes primárias, sendo que o
período abarcado foi cerca de 1/5 do anterior, no entanto, em razão da profundidade e
extensão da pesquisa, foi publicado em dois volumes. Em sua essência, essa vasta obra era
uma continuação da primeira, no entanto sua análise foi mais detalhada. Segundo Sumida, a
diferença marcante entre esse livro e o anterior foi a forma como o seu texto foi analisado,
“alterando-se fundamentalmente a forma e a substância de seu argumento
governamental”956. Nela encontra-se uma frase célebre em que o autor norte-americano
comentou que “o mundo jamais viu uma demonstração mais impressionante da influência
do poder marítimo na história. Aqueles navios distantes e desgastados por tempestades que
a Grand Armée francesa nunca se preocupou, se contrapunham a ela e o domínio do
mundo”.957 Queria dizer que naquela esquadra combativa e desgastada do UK estava a
barreira que impediria a própria dominação mundial francesa, fato não percebido por
Napoleão. Há certamente na afirmação de Mahan um certo exagero, no entanto a frase
tornou-se famosa nos círculos navais.
Além de elogiar o desempenho da Armada Real, Mahan nesse livro comentou as
ações heróicas de Nelson, o que trouxe mais elogios de personalidades inglesas que viam
nesses comentários uma forma de enaltecer as virtudes do almirante nascido em Norfolk e
da própria GB como um bastião contra as ambições desmedidas de Napoleão. Sobre essa
nova obra de Mahan, Laughton publicaria ainda no Edinburgh Review em abril de 1893 o
seguinte comentário:

No maior e melhor senso, o livro do comandante Mahan é um tratado de


filosofia da história, da história ensinada em exemplos....o verdadeiro
grande mérito [de Mahan] foi que ele arranjou [ os fatos] e que os seus
significados agora iluminam, projetados como uma luz nas nuvens no

955
Carta de Alfred Thayer Mahan para John Knox Laughton escrita de Newport em 21 de março de 1893.
Fonte: Ibidem, op.cit. p. 85.
956
SUMIDA, op. cit. p.33.
957
MAHAN, Alfred Thayer. The Influence of Sea Power upon the French Revolution and Empire 1793-1812.
op.cit p. 118.
256

céu, para induzir a todos a se imiscuirem em sua esfera de compreensão.


958

Mahan considerava Laughton ‘o’ historiador naval por excelência e o comentário


acima descrito foi para o primeiro mais que um elogio. Foi uma aceitação de sua
qualificação como historiador naval profissional.
As duas obras compuseram, juntamente com Sea Power in its relations to the War of
1812959 de 1905 em dois volumes, a série de três livros “The Influence of Sea Power”
cunhada pelo professor Sumida960.
Mahan tornou-se, assim, figura conhecida, tanto nos EUA como em outros países. Ele
viria a descobrir que escrever era o seu campo de atuação e não tripular navios. Sua
importância cresceu tanto que, mesmo quando não podia estar presente em suas aulas para
os oficiais alunos dos cursos em Newport, suas palestras eram lidas em voz alta por algum
aluno. Esse inusitado procedimento levou o comodoro Ramsay, o mesmo que quisera
movimentá-lo anteriormente, a comentar que “era tolice enviar oficiais para cursarem a
NWC para fazê-los apenas ler, para si próprios, os livros de Mahan”.961
Em 1892, Mahan completou a biografia do almirante norte-americano David
Farragut962, pelo qual nutria profunda admiração. Além de suas qualidades de liderança e
coragem, Mahan acreditava ter algo em comum com ele: Farragut era profundamente
religioso, modesto e desprovido de presunção, pelo menos assim se percebia o egocêntrico
Mahan.963 Há que se notar, entretanto, que esse livro não teve uma boa vendagem no
mercado doméstico norte-americano.
Dentre as cartas de reconhecimento que recebeu a respeito desse livro, a que muito
lhe agradou foi a do filho do almirante, Loyall Farragut que, anteriormente escrevera outra
biografia de seu pai. Disse Loyall que “o autor do Influence of Sea Power upon History
encontrou no almirante Farragut uma simpática pessoa, trabalhando o material disponível

958
LAUGHTON, John Knox. Captain Mahan on Maritime Power. Edinburgh Review. Edinburgh. p. 484-
518, abr, 1893. apud LAMBERT, Andrew, The Foundations of Naval History op.cit. p. 127.
959
MAHAN, Alfred Thayer. Sea Power in its relation to the War of 1812. 2. v. Boston: Little Brown, 1905.
960
SUMIDA, op.cit. p.120. Sumida inclui o livro The Life of Nelson como o quarto livro da série, no entanto
essa obra foi uma detalhada biografia de Nelson e assim seria melhor classificada dentro da série de suas
biografias.
961
CROWL, op.cit. p.447.
962
MAHAN, Alfred Thayer Mahan. Admiral Farragut.New York: Appleton, 1897.
963
TAYLOR, op.cit. p.54.
257

de uma maneira magistral [...] não teremos palavras suficientes para elogiar a maneira
como o comandante Mahan nos disponibilizou o melhor de Farragut”.964
Em maio de 1893 Mahan foi designado para assumir, a seu contragosto, o comando
do cruzador USS Chicago. Ramsay acabou vencendo a quebra de braço com Mahan.965
As razões que levaram a essa transferência são até hoje discutidas. Mahan contava
com a proteção de Luce, de Theodore Roosevelt e Cabot Lodge que tudo fizeram para que
ele permanecesse em terra, no entanto, no início de 1893, Mahan escreveu uma carta racista
publicada no The New York Times comentando as implicações raciais para os EUA da
recente revolução no Havaí. O título de sua missiva era sugestivo: “o perigo amarelo”. Nele
apontava as razões para a aquisição das ilhas havaianas pelos EUA. Dentre elas indicava
que o Havaí seria um local ideal para receber a ‘onda amarela bárbara’, os chineses, que
desejassem emigrar para os EUA, como uma maneira de impedir a sua chegada à costa
oeste norte-americana. Complementou essa carta com um artigo publicado na revista The
Fórum com o título “O Havaí e o nosso futuro poder marítimo” no qual reafirmava as suas
idéias sobre o papel do Havaí e a necessidade premente de se anexar esse arquipélago, além
de enfatizar que a zona de influência dos EUA incluía o Caribe com a Zona do Canal e todo
o Pacífico.966
Esse artigo não poderia ser publicado em pior momento político. No início de 1893
um novo governo tomara posse nos EUA com o democrata Grover Cleveland que rejeitava
qualquer anexação de novos territórios. A reação do governo foi clara, ‘movimentem
Mahan’. Os esforços de Luce, Roosevelt e Cabot Lodge tornaram-se vãos. Mahan, que
desejava permanecer em terra, foi imediatamente designado comandante do USS Chicago
como forma de puni-lo e afastá-lo de declarações incômodas. Por trás dessa movimentação,
seu inimigo Ramsay967.
O Chicago era um dos mais novos navios da marinha, tendo sido comissionado em
1889. Era um cruzador protegido com 4.500 toneladas de deslocamento, capaz de
velocidades de 33 nós, armado com quatro canhões de oito polegadas, oito de seis

964
Ibidem, p.55.
965
SCHURMAN, The Education of a Navy. op.cit. p.66.
966
SEAGER, Robert. Alfred Thayer Mahan. The man and his letters. op.cit p. 248.
967
Ibidem, p. 247. O mais irônico de tudo é que o próprio Ramsay era conhecido na marinha como um oficial
que adorava funções em terra e sempre que podia evitava embarcar em navios, segundo Robert Seager II.
258

polegadas e dois de cinco polegadas. Na ocasião era o segundo maior navio em dimensões
da Marinha norte-americana968. Com certeza essa designação seria muito comemorada por
qualquer oficial de marinha daquele tempo, no entanto, para Mahan, não foi. Disse ele o
seguinte sobre essa nova comissão:

Estava pronto para ir para o mar, entretanto nesse período eu decidi que
escrever tinha para mim maiores atrações que seguir com minha
profissão e me indicava uma maior e recompensadora situação com mais
idade. Eu deveria ter solicitado logo a minha reserva, se tivesse os
necessários quarenta anos de serviço, no entanto ainda faltavam quatro
anos. Meu propósito era escrever logo a Guerra de 1812, enquanto os
eventos dessa guerra estivessem vivos na minha mente e por isso solicitei
não embarcar em navio algum, alegando que solicitaria minha reserva
quando completasse quarenta anos. Minha solicitação foi descabida, pois
eu não dera nenhuma garantia para isso e a abertura desse precedente
seria ruim para a marinha.969

Assim, Mahan assumiu o comando do Chicago e logo depois rumou para a Europa,
compondo uma força tarefa norte-americana, sob o comando do almirante Henry Erben.
Logo que o Chicago chegou ao UK, um grande número de pessoas influentes quis
conhecer Mahan, convidando-o para diversas solenidades. Em Queenstown na Irlanda,
Mahan recebeu um telegrama da embaixada norte-americana em Londres dizendo que
Lorde Spencer, Primeiro Lorde do Almirantado, gostaria de convidá-lo para um jantar e
perguntava qual a data mais conveniente para esse evento.
Esse jantar ocorreu na chegada do navio à Inglaterra e a ele compareceram, além de
Mahan e Erben, o Vice-Rei da Irlanda, diversos membros do gabinete, almirantes e
generais. Em seguida, Mahan foi convidado para jantar com a Rainha Vitória, o que o
deixou profundamente emocionado e preocupado, pois foi a primeira vez que deveria jantar
com o seu uniforme de gala, ornado de medalhas e espada. Ficou vivamente impressionado
com o luxo dos uniformes e das condecorações utilizadas pelos almirantes ingleses.
Compareceram ao banquete em sua homenagem, além da rainha, o Príncipe de Gales
(posteriormente Rei Eduardo VII), o Duque de York (futuro Rei George V), Lorde Roberts,

968
SEAGER II, MAGUIRE, v.2, Letters and papers, op.cit. p. 103.
969
MAHAN, From Sail to Steam, op.cit. p.313.
259

o almirante-de-esquadra Sir Henry Keppel, além de inúmeros dignitários ingleses e


estrangeiros970.
Semelhantes elogios Mahan recebeu, também, na França. O crítico francês Auguste
Moireau disse que “depois de seu primeiro livro, e especialmente a partir de 1895, Mahan
estabeleceu a base para todo o pensamento em assuntos navais; foi assim visto claramente
que o poder marítimo era o princípio que determinaria se os impérios cresceriam ou
cairiam”.971.
Em sua segunda visita à Inglaterra, ainda como comandante do Chicago, no ano
seguinte, em 1894, Mahan foi homenageado com um banquete público patrocinado pelo
Lorde Prefeito de Londres no St James Hall que contou com cerca de 400 convidados, entre
almirantes, generais, políticos do UK e historiadores conhecidos como seu amigo John
Knox Laughton. Após o jantar, no momento dos brindes costumeiros à rainha, ao
Presidente dos EUA, a Mahan, ao almirante Erben e aos oficiais do Chicago, Mahan
agradeceu proferindo as seguintes palavras:

Certamente os oficiais da Marinha norte-americana sentem uma peculiar


simpatia pelos ingleses, acima inclusive de seus conterrâneos. Por causa
de nossa educação e nosso modo de pensar, somos trazidos a ter simpatia
e contato com os interesses britânicos e nós, como oficiais de marinha,
temos especial simpatia com o maior dos interesses que é a Armada Real.
A Marinha Real é a primeira linha de defesa da Grã-Bretanha [...] quando
se menciona essa marinha, os sentimentos que por ventura existam de
indiferença, transformam-se em admiração e entusiasmo pelo passado de
glórias que não foi ultrapassado por nenhuma outra força nos anais do
tempo.972

Mahan admirava a RN e esse sentimento era explícito e muito bem correspondido


pelos ingleses. Mahan era uma celebridade amiga do UK. Pelo sucesso de seus livros,
recebeu os títulos de doutor honoris causa das Universidades de Oxford e Cambridge em
maio de 1894973. Ficou encantado com o ambiente e a atmosfera em Oxford escrevendo

970
TAYLOR, op.cit. p.62.
971
WESTCOTT. op.cit, p.xiv.
972
Ibidem, p.64.
973
Ele viria depois a ser doutor honoris causa em história pelas Universidades de Harvard, Yale, Columbia,
Dartmouth e McGill. Fonte: TAYLOR, op.cit. p.107.
260

para o seu filho que Oxford era um lugar “fascinante e charmoso e os ingleses estavam
certos em amar o seu país, pois não existia nenhum país mais amável”.974
Em janeiro de 1895, Sir John Seeley, titular de história moderna da Universidade de
Cambridge975 faleceu, abrindo uma vaga nessa cadeira. Imediatamente, especulou-se na
imprensa inglesa que o melhor nome para esse posto seria o de Mahan976, no entanto
continuava como comandante do Chicago e uma mudança de vida tão brusca não estava em
seus planos.
Data desse período o início de sua pesquisa sobre Nelson, com o claro propósito de
escrever uma biografia de seu herói naval. Apesar de ter pesquisado nos arquivos ingleses
muitas cartas de Nelson em suas visitas ao UK, Mahan teve que abandonar a escrituração
dessa biografia, em razão da própria condução do Chicago, que efetivamente não ia bem.
Isso o aborreceu tremendamente. Em carta a sua filha Helen diria que a biografia de Nelson
seria “o grande trabalho de sua vida, se Deus lhe desse o tempo e a oportunidade. Era um
grande projeto e será difícil para mim não trabalhar no livro [sobre Nelson] em razão de
uma forçada abstinência. Entretanto, isso também é o desejo de Deus e não devemos
reclamar”.977
A bordo do Chicago seu relacionamento com Erben era ruim. O almirante
comandante da força era um velho ‘lobo do mar’, da velha escola de navios à vela. Além
disso, era egocêntrico, desbocado, profano e de temperamento irascível. O mais incrível é
que não lera nenhum livro de Mahan, ou melhor, não gostava de ler nenhum livro.978 Seu
relacionamento com o comandante de seu capitânia, o Chicago, passou a ser terrível. Erben
não compreendia como um oficial de marinha abria mão de embarcar, em detrimento de
escrever livros ‘sobre o passado’. Além disso, Mahan por ser excessivamente introvertido e
intelectualmente superior, afastava ainda mais seu comandante imediato e Erben reagia mal
a esse estado de coisas. O almirante considerava Mahan um mau oficial de marinha, pouco
dotado para as lides marinheiras979. Da mesma forma, a opinião de Mahan sobre Erben não

974
LIVEZEY, op.cit, p.68.
975
Ver seção 3.2, capítulo 3 sobre o professor Sir John Seeley e sua relação com Sir John Knox Laughton.
976
Ibidem, p.75.
977
Carta de Alfred Thayer Mahan para Helen Evans Mahan escrita de Nápoles em 18 de fevereiro de 1894.
Fonte: SEAGER II, MAGUIRE, Letters and papers v.2, op. Cit, p. 229.
978
SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p.255.
979
O Almirante Erben escreveu para o Bureau de Navegação em dezembro de 1893 dizendo que os interesses
de Mahan estavam fora da marinha e que ele se importava pouco com a sua profissão, sendo assim um mau
261

era diferente, um oficial limitado, pouco dotado intelectualmente. A atitude egocêntrica e


desafiadora de Mahan complicava ainda mais essa relação explosiva. Certa feita dissera a
sua mulher que ‘poder marítimo significava Mahan’, em um acesso de vaidade
inexplicável. Esse tipo de prepotência era muito mal recebida por Erben.980
Seu período de comando lhe foi de grande sacrifício. Mahan detestava a vida no mar,
o que lhe trazia dissabores com Erben que o considerava ineficiente como comandante.
Continuava, também, com a reputação de ser um mau manobrador de navios. No dia 27 de
maio de 1893, quando manobrando o Chicago para entrar em um dique seco no Estaleiro
Naval de New York no Brooklin, colidiu com o navio de treinamento USS Bancroft da
Academia Naval de Annapolis, avariando-o moderadamente. Sem dúvida Erben tinha razão
em criticá-lo. Mahan atraía colisões e esse acidente aumentou ainda mais a sua insegurança
como comandante de navios de combate. Em certa situação, disse a seu amigo Samuel
Ashe que estava na profissão errada por quase 40 anos:

Sou forçado diariamente a compreender que estou ficando velho e que


todo o charme da vida de bordo está esquecida. Estou sobrevivendo, não
vivendo. Tenho a consciência dolorosa que estou gastando muita energia
para fazer algo que me é indiferente, ao mesmo tempo em que estou
impedido de fazer o que tenho capacidade. Não tem sido um sentimento
agradável, especialmente quando vem acompanhado do conhecimento de
que minha cabeça dura da juventude me colocou nessa profissão que para
dizer o menos, não foi a melhor escolha que tive para minhas
qualificações981.

Em maio de 1895, Mahan finalmente deixou o comando do Chicago, o que foi de


extrema alegria para ele, pois se encontrava à beira de um ataque de nervos. Até a sua
reserva do serviço ativo em novembro de 1896, Mahan permaneceu em algumas comissões
temporárias em Newport. A sua opção pela reserva indicou a preferência pela vida
acadêmica ligada a produção de conhecimentos na área de história naval e estratégia. Sua

oficial de marinha. Seus interesses estavam voltados para a “literatura”, segundo suas palavras, e sem
qualquer conexão com o serviço naval. Fonte: SEAGER, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters,
op.cit. p.278.
980
Ibidem, p. 277.
981
Carta de Alfred Mahan para Samuel Ashe escrita de Genova, a bordo do USS Chicago em 24 de novembro
de 1893. Fonte: SEAGER II, MAGUIRE, Letters and papers, op.cit. p. 181.
262

vida na marinha tinha sido um sacrifício que fazia questão de esquecer. Começava uma
nova carreira voltada para o estudo e a reflexão sobre o poder marítimo na história.

4.3- Alfred Thayer Mahan: uma nova carreira.

Em 1897 Mahan completou o clássico de história naval The Life of Nelson: the
embodiment of the Sea Power of Great Britain982, escrito em dois volumes. Foi uma obra
realmente magistral sobre Horatio Lorde Nelson. Nesse livro Mahan recorreu, em caráter
extraordinário a fontes primárias, como as cartas de Nelson, o que lhe foi penoso, uma vez
que não apreciava a busca arquivística, preferindo recorrer a fontes secundárias.
A publicação dessa biografia de Nelson pela Little Brown & Co foi acelerada pelo
aparecimento do livro de Laughton The Nelson Memorial: Nelson and his companions in
arms. Mahan declararia para o seu editor John Brown que “tenho dado uma olhada no
Nelson Memorial [de Laughton] para observar se Laughton desenterrou uma carta que
descobri no vasto repositório de cartas da coleção Morrison983...entretanto acredito que eu
ainda tenha ainda muito material não publicado e mais que me veio a memória”.984 Sua
preocupação com o ineditismo de sua obra era evidente nessa missiva e Laughton, embora
amigo, era uma preocupação. Apesar disso, Mahan declinou de escrever uma resenha do
livro de Laughton, em razão da delicada situação de publicar a sua obra depois da dele
sobre o mesmo assunto, uma biografia de Nelson. Mantinha Mahan um respeito contido
pelo mestre inglês.
Desde o seu livro The Influence of Sea Power upon the French Revolution and
Empire, Mahan se envolveu com esse personagem que se confrontou com a poderosa
esquadra de Napoleão, impedindo o domínio do mar francês.
Mahan, em sua biografia de Nelson, afirmou que esse almirante inglês atuava como
um verdadeiro agente do estado britânico, fazendo cumprir os ditames governamentais
aonde fosse necessário com os seus navios de guerra. Mahan procurou, também, enfatizar

982
MAHAN, Alfred Thayer. The life of Nelson: the embodiment of Sea Power of Great Britain. 2.v. Boston:
Little Brown, 1997.
983
Série de documentos descobertos por Alfred Morrison em 1880 sobre Lorde Nelson e Lady Hamilton.
984
Carta de Alfred Thayer Mahan para John Brown escrita de New York em 15 de dezembro de 1896. Fonte:
SEAGER II, MAGUIRE, Letters and papers, op.cit. p. 476.
263

as características de comando de Nelson, que possuía uma combinação de qualidades


políticas, administrativas e militares, raras, segundo ele, em apenas um homem. Nelson
exibiu, de acordo com sua opinião, superioridade nesses três campos.985
Em Nelson, Mahan apontou “uma apreciação sagaz das condições reinantes,
combinada com alta resolução e firme discrição”.986 Com esse tipo de percepção, Nelson
procurava sempre a decisão pela batalha como uma questão de princípio. Esse ponto era
muito admirado por Mahan que via nesse procedimento de Nelson o toque ofensivo e
resoluto em destruir a esquadra inimiga, quando e onde se fizesse necessário.
Mahan, além disso, considerava Nelson um gênio e sua admiração por ele igualava a
de Antoine Henri Jomini987 por Napoleão. Dizia Mahan que “um alto grau de raciocínio
ilumina o processo mental de Nelson, porém não é só por meio do raciocínio, quando cara a
cara com o perigo, ao ultrapassar o abismo, que separa a percepção, apesar de clara, da
convicção interna que sozinha sustenta a ação mais elevada”988.
Seu envolvimento com Nelson foi total. Em carta a Laughton, Mahan comentando o
livro do historiador norte-americano William Milligan Sloane sobre Napoleão989, diria que
“Sloane é friamente imparcial [em sua visão de Napoleão]. Eu não acredito em escrever a
biografia de um homem do qual você não sinta admiração entusiástica de algum ponto de
vista”990. Nelson provocava entusiástica admiração em Mahan. Mahan declarou
francamente que deveria existir uma simbiose positiva entre o biógrafo e seu biografado991.
Reconhecia que não teria condições de escrever uma biografia de um personagem que não
apreciasse, o que não era caso com Nelson do qual tinha grande admiração. Ele estava
convencido que biografias só podiam ser escritas por admiradores.
Mahan, também, abordou o Nelson homem, com sentimentos, defeitos e qualidades.
Ao contrário de outros biógrafos mais eloquentes, inclusive em relação a Robert Southey992

985
SUMIDA, op.cit. p.37.
986
MAHAN, Life of Nelson, v.2, op.cit. p. 306.
987
Ver seção 4.4 deste capítulo que analisa a influência de Jomini sobre Mahan.
988
Ibidem, p.324.
989
SLOANE, William Milligan. Life of Napoleon. 4.v. New York: The Century Co, 1896.
990
Carta de Alfred Thayer Mahan a John Knox Laughton de 6 de novembro de 1896. Fonte: LAMBERT,
Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 131.
991
Mahan com essa afirmação se aproximou das conclusões esposadas por Mikhail Bakhtin sobre a relação
biógrafo e biografado, discutida no capítulo 1 seção 1.1.
992
Robert Southey é muito conhecido na historiografia brasileira por ter escrito uma História do Brasil em
1819, apesar de nunca ter visitado o Brasil. Disse Southey sobre sua obra de História do Brasil que “daqui a
séculos meu livro se encontrará entre aqueles que estão destinados a não morrer e será para os brasileiros o
264

que escrevera uma biografia clássica sobre Nelson em 1813, de cunho mais crítico da
conduta de Nelson, principalmente na questão dos fuzilamentos por ele ordenados em 1799,
depois dos jacobinos já terem se rendido honradamente no Reino das Duas Sicílias, Mahan
procurou descobrir os impulsos privados nas ações públicas de Nelson993, procurando
analisar sua vida íntima. Um dos pontos mais polêmicos de Nelson foi o seu
relacionamento com Emma Hamilton, que foi devidamente discutido por Mahan, no
entanto o autor norte-americano mencionou o caráter manipulador de Emma sobre seu
marido, Sir William Hamilton, embaixador britânico no Reino das Duas Sicílias e sobre o
próprio Nelson, “amante devotado, um homem crédulo que necessitava de adulação”994,
segundo palavras do historiador Peter Gay. Mahan, da mesma forma, considerou Emma
como uma grande manipuladora e mentirosa995. Em carta para Laughton diria ele o
seguinte:

Estou feliz em saber que irei receber o restante da correspondência


Nelson-Hamilton. Não estou com pressa, porém sinto que ela [Emma]
sendo como é, como você diz, mentirosa ( como poderia ela ser outra
coisa ?) não posso perceber a verdade dos sentimentos de Nelson em
relação a ela, exceto pelos meios. O caráter das relações existentes entre
eles é para mim comparativamente imaterial 996

Para Mahan, Nelson possuía as qualidades que o fizeram “a incorporação do poder


marítimo da Grã-Bretanha”.997 Como não poderia deixar de ser, o livro teve imediata
aclamação na Inglaterra. Seu editor inglês R. B. Marston disse o seguinte:

O senhor trouxe Nelson à vida novamente. Como inglês e o primeiro a


ler o seu livro posso verdadeiramente agradecer em nome de toda a
minha nação, entretanto tudo que farei é lhe anunciar que os

que a obra de Heródoto é para a Europa”. Fonte: SOUTHEY, Robert. História do Brasil. v1. 4.ed. São Paulo:
Melhoramentos, 1977, p. 13.
993
GAY, Peter. A Experiência Burguesa da Rainha Vitória a Freud. O Coração desvelado.v4. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999, p.185.
994
Ibidem, p.185.
995
Será discutida essa relação com maiores detalhes nos capítulos 5 e 6.
996
Carta de Alfred Thayer Mahan para John Knox Laughton escrita de Napoles em 18 de fevereiro de 1894.
Fonte: LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 99.
997
Tradução literal de “Embodiment of Sea Power of Great Britain”, título do seu livro.
265

agradecimentos do Reino Unido estão vindo, tão cedo quanto Little


Brown envie os livros para as livrarias.998

O crítico literário do The Times de Londres J. R. Thursfield profetizou que o Life of


Nelson se tornaria um dos maiores clássicos da literatura naval. Disse ele que muitas
memórias de Nelson foram escritas, mas o livro de Mahan não tinha rival à altura. Todos os
estudantes de história que pesquisarem Nelson deveriam ler esse livro como a “mais
autorizada, acurada, adequada e psicológica biografia”999 do herói inglês, segundo
Thursfield. A busca em fontes primárias lhe rendeu bons frutos. Esse livro foi o seu melhor
trabalho biográfico, uma vez que foi baseado intensamente nas cartas escritas por Nelson,
em cartas de amigos e conhecidos, em declarações de muitos contemporâneos e na síntese
das fontes secundárias disponíveis. Mahan tinha a convicção de que essa biografia de
Nelson era o apogeu de sua carreira como autor.
Spencer Wilkinson, professor de história militar na Universidade de Oxford enalteceu
a metodologia utilizada por Mahan, além de seu grande detalhamento nos fatos descritos.
Francis Halsey, comentarista do periódico New York Times, em resenha a respeito do livro,
afirmou que “a coisa mais interessante a respeito dos livros do comandante Mahan era que
não respondia a uma questão fundamental: como ele [Mahan], um oficial de marinha, se
dedicou a literatura e se saiu tão bem nesse campo de ação com tanta honra?”.1000
Mahan, com seu livro sobre Nelson, procurou obter o reconhecimento de seu grande
mentor John Laughton, procurando manter uma intensa correspondência com esse
historiador. Em carta a Laughton, Mahan agradeceria a resenha publicada no Edinburgh
Review na qual o professor do King´s College elogiou o seu livro, dizendo o seguinte:

Permita-me dizer que você não somente me fez um generoso elogio mas
o que eu agradeceria com mais veemência foi a sua apreciação
discriminando o que procurei fazer...diferimos em alguns pontos, claro.
Presumo que se conhecêssemos Nelson por mais tempo e com
intimidade, como, por exemplo, capitães de bandeira, nossas avaliações

998
TAYLOR, op.cit. p.84.
999
Ibidem, p.82.
1000
SEAGER II, Robert. Alfred Thayer Mahan. The man and his letters.op.cit, p. 340.
266

variariam em alguns pontos materialmente, quanto mais nos valemos de


suas cartas e apreciemos os episódios controversos.1001

As vendas do Life of Nelson na Inglaterra foram extraordinárias. Seis mil cópias


foram vendidas, um verdadeiro best seller, em menos de um ano. Nos comentários que não
foram favoráveis ao livro, Mahan foi desdenhoso. Diria para o seu editor da Little Brown
que “estava triste em dizer que existia uma clara disposição de alguns escritores de história
naval, sem dúvida poucos, em invejar o meu trabalho [The Life of Nelson]”.1002 Com o
correr do tempo as vendas viriam a cair, em razão do aumento do número de críticas e do
próprio mercado, que se viu inundado de outras obras marcantes de história naval.
Apesar desses pequenos percalços, a biografia de Nelson foi seu melhor livro, ou pelo
menos o melhor pesquisado e analisado. Robert Seager apontou que essa obra de Mahan foi
extraordinária e original e “nenhum outro de seus trabalhos historiográficos foi tão
profundo e baseado em fontes primárias”1003.
Nesse mesmo ano de 1897, Mahan lançou outro livro The Interest of America in Sea
Power, Present and Future1004 uma seleção de oito ensaios escritos por ele1005, nos quais
foram discutidas questões relativas ao Havaí e sua importância para os EUA, a necessidade
de se obter o controle do istmo do Panamá, as possibilidades de uma união de objetivos
comuns entre o UK e os EUA, as perspectivas estratégicas do Mar do Caribe e do Golfo do
México, o futuro do poder marítimo dos EUA, perspectivas da política externa norte-
americana, a sua preparação para a guerra naval e prognósticos para o Século XX.
Em resumo, esses ensaios foram escritos para diversos periódicos entre dezembro de
1890 e outubro de 1897, contudo essa obra de compilação não obteve inicialmente o
mesmo reconhecimento obtido com seus livros anteriores, sendo mais um trabalho
ensaístico, sem o rigor historiográfico de algumas de suas obras anteriores, no entanto ele
foi escrito em um período importante da história norte-americana, quando o Caribe passou
a preocupar a política externa dos EUA, culminando, no ano seguinte, na Guerra Espano-

1001
Carta de Alfred Thayer Mahan a John Knox Laughton de 29 de abril de 1897. Fonte: LAMBERT,
Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 139.
1002
SEAGER II, Robert. Alfred Thayer Mahan. The man and his letters.op.cit, p. 340.
1003
Idem.
1004
MAHAN, Alfred Thayer Mahan. The Interest of America in Sea Power, Present and Future. Boston:
Little Brown, 1897.
1005
Os periódicos referenciados foram o Atlantic Monthly, o Forum, o North American Review e o Harpers
New Monthly Magazine. Fonte: Ibidem, p.vii.
267

americana. Em realidade, o livro obteve mais crédito no UK do que nos EUA, contudo com
o advento da guerra em 1898 esses ensaios foram lidos com maior detalhe e
“entusiasticamente resenhados por jornais norte-americanos, influenciados pelo momento
do conflito com a Espanha.”1006 Hoje em dia esse livro tem sido pouco mencionado.
Em 1898, logo depois da eclosão dessa guerra, Mahan foi chamado para compor o
Naval War Board, com o propósito de fornecer ao Secretário da Marinha John Long
assessoria técnica e estratégica sobre as operações em curso.1007 Segundo o historiador
Russell Weigley, o Naval War Board não teve qualquer interferência na questão estratégica,
uma vez que, embora não existissem planos contingentes, a Marinha dos EUA já tinha
decidido atacar o “decrépito esquadrão naval espanhol nas Filipinas, de modo a obter
superioridade na eventual mesa de negociações de paz”1008.
A posição de Mahan perante a guerra contra a Espanha era clara. Acreditava que a
causa norte-americana era justa e que a constituição de seu país deveria ser interpretada
para permitir a aquisição e administração de colônias1009. Estava convicto de que a
emergência dos EUA na arena internacional traria a consciência do povo norte-americano
de que uma aliança com o UK era necessária, sendo essa união anglo-saxônica benéfica
para o mundo. Em carta a seu amigo inglês George Sydeham Clark disse o seguinte:

Pessoalmente acredito que essa guerra [contra a Espanha] é não somente


justa, mas que os sentimentos de nossa democracia como um todo ao
entrar na guerra está livre de qualquer contaminação[...] a extensão da
influência dos EUA, a expansão territorial e de colônias é aceita como
quase uma unanimidade de pensamento1010.

Mahan percebeu desde 1896 a necessidade e a oportunidade de expansão comercial


dos EUA no Pacífico e nos mercados chineses, dentro de uma visão imperialista1011.
Acreditava que a aquisição de estações de carvoagem em Manila, Guam e na foz do Rio

1006
SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters , op.cit. p.352.
1007
Faziam parte do Board juntamente com Mahan, o almirante Montgomery Sicard e o capitão-de-mar-e-
guerra Crowninshield. Fonte: TAYLOR, op.cit. p.88.
1008
WEIGLEY. Russell. The American Way of War. Bloomington: Indiana University Press, 1977, p.183.
1009
SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op.cit. p.388.
1010
Carta de Alfred Mahan para George Sydeham Clarke escrita em 24 de maio de 1898 de Washington DC.
Fonte: SEAGER II, Letters and papers, op.cit. p.556.
1011
A definição do conceito de imperialismo está na seção 3.2 do capítulo 3
268

Yang Tse eram adequadas à futura expansão comercial em direção à China.1012 Certo, no
entanto, foi que Mahan acreditava que Deus conduzia os EUA para uma missão
civilizadora nas colônias convertidas.1013 A religião permeava o seu pensamento
expansionista e civilizador.
Mahan continuava a influenciar o comportamento de suas filhas por meio da religião.
Certa feita, durante uma de suas viagens, enviou uma missiva a Helen, então com 21 anos
de idade, sobre como deveria ser o comportamento de uma mulher distinta e como lidar
com as dificuldades e frustrações. Disse nessa ocasião o seguinte a ela:

Acredito que minha velha regra de nunca sair à noite no sábado deva ser
considerada por você, pois como poderá estar preparada na mente e no
coração para receber a comunhão na manhã seguinte se estiver excitada e
acordada na noite anterior? Ser moderada em tudo é o ensinamento da
Bíblia e esteja certa que a pressa que nos atinge nesses dias é
essencialmente falta de fé... sentar nos pés do Senhor dando tempo para
ouvir o que Ele tem a dizer é o caminho não só da santidade somente,
mas para a alegria e o sucesso real...minha querida criança, pense nessas
coisas e confie Nele para mostrar-lhe o que fazer.1014

Esse tipo de ensinamento religioso não permitia grandes liberdades sociais a suas
filhas. A religião e a conduta pessoal eram enaltecidas por Mahan e qualquer tipo de
liberalidade e independência pessoal de Ellen e Helen era combatida por ele, sob o olhar
complacente de Elly. Ao fim e ao cabo, ambas permaneceram solteiras sob a aprovação
tácita de Mahan. Com Lyle sua tática surtiu pouco efeito. Lyle demonstrou desde jovem
uma independência que muito incomodou o rígido autor. Tornar-se-ia advogado.
Em 1899 Mahan foi convocado para compor a delegação de seu país como
especialista naval 1015 na primeira Conferência de Paz de Haia, sob a presidência de Andrew
White. Um fato que marcou a participação de Mahan na conferência foi seu voto contra a
proibição do uso de gases asfixiantes, propugnado pela maioia das delegações presentes.
Essa atitude, muito criticada na época, se deveu a uma interpretação pouco ortodoxa de

1012
SEAGER, Letters and papers op.cit p.391.
1013
Ibidem, p.394.
1014
Carta de Alfred Thayer Mahan para Helen Evans Mahan de Argel em 26 de dezembro de 1894. Fonte:
SEAGER II, MAGUIRE, v.2, op.cit. p. 378.
1015
Delegação composta além de White e Mahan, de Seth Low e Stanford Newel, políticos norte-americanos,
William Crozier do Exército e Fred Holls, secretário da delegação. Fonte: TAYLOR, op.cit. p.94.
269

Mahan. Acreditava que não se conheciam, ainda, os efeitos dos gases asfixiantes nos seres
humanos e seu propósito principal com o voto contrário foi permitir que os cientistas norte-
americanos tivessem a capacidade de pesquisar e desenvolver uma arma eficaz que teria
efeito destrutivo sobre qualquer inimigo que desejasse atacar os EUA. Mahan não defendeu
o uso dessa arma. Ele apenas concordou com a pesquisa e eventual utilização em caso de
ataque contra o seu país.
Ao final da conferência apenas os EUA e o UK votaram favoravelmente ao uso desse
tipo de gás, contra 26 países que votaram contra1016. Em 1907, os britânicos votaram contra,
deixando os EUA como o único país favorável a utilização. A Grande Guerra de 1914
assistiria a Alemanha utilizar essa arma mortal, apesar do que foi decidido na conferência.
Entre 1899 e 1900, Mahan publicou seguidamente três livros. Lessons of War with
Spain, The Problem of Asia and its effect upon International Policies e The Story of War in
South África 1899-1900.
O primeiro livro1017 foi uma análise da Guerra Espano-americana que acabara de
ocorrer. Mahan procurou descrever as lições retiradas da guerra contra a Espanha, a
conferência de paz que se seguiu e os aspectos morais da guerra. Em seguida, dissertou
sobre as relações existentes entre os EUA e os seus novos protetorados, encerrando com
dois capítulos referentes às qualidades dos navios de guerra no conflito e as falácias
correntes, segundo sua percepção, sobre alguns temas navais1018.
No segundo livro1019 Mahan discorreu sobre a questão asiática e os efeitos dessa
questão na política mundial, terminando com algumas considerações sobre o conflito no
Transvaal. Infelizmente o livro não teve uma boa recepção no mercado editorial, fruto
possivelmente de sua pesquisa superficial e recorrência a fontes secundárias, sem a
profundidade adequada. O livro saiu quase todo de sua imaginação, com poucas evidências
que corroborassem suas idéias.1020

1016
Ibidem, p.97.
1017
MAHAN, Alfred Thayer. Lessons of the War with Spain and Other Articles. Boston : Little Brown, 1899.
1018
Esse livro foi composto da compilação de artigos para os periódicos Mc Clure´s Magazine, North
American Review, Engineering Magazine, Scripps-Mac Era Newspaper League e Harpers Monthly
Magazine, entre junho de 1898 e outubro de 1899. Fonte: Ibidem, p.xvi.
1019
MAHAN, Alfred Thayer. The Problem of Asia and its effect upon International Policies. Boston: Little
Brown, 1900.
1020
SEAGER Letters and papers op.cit, p.462.
270

No terceiro livro1021, mais específico, escrito em apenas três meses, ele abordou o
conflito dos Boers e os combates contra os ingleses em sete capítulos. Disse que o livro que
escrevera tinha como propósito demonstrar ao “homem comum das ruas”1022 isto é ao
público leigo norte-americano, a justeza da causa britânica em sua luta contra os bôeres.
Nesse ano de 1900, Mahan recebeu uma comenda que muito o emocionou. A
Medalha de Ouro Chesney conferida pela Royal United Services Institution (RUSI).
Anualmente era escolhida a melhor monografia, em uma competição aberta a todos que se
dispusessem a escrever. O Conselho da RUSI, sob a presidência do Duque de Cambridge,
primo da Rainha Vitória e comandante-em-chefe do Exército britânico, por unanimidade,
resolveu conceder anualmente ao melhor autor selecionado a Medalha de Ouro Chesney em
reconhecimento pelos trabalhos e livros publicados sobre assuntos de defesa do Império
britânico. Mahan, foi por esse motivo, o primeiro escolhido pelo Conselho a receber essa
medalha1023. O Duque de Cambridge disse em sua alocução de premiação o seguinte:

A Medalha de Ouro Chesney foi criada em memória do falecido general


Sir George Chesney, um distinto oficial do Corpo de Engenheiros. Essa
comenda é para ser conferida por decisão do Conselho da RUSI ao autor
que produzir um trabalho literário original, tratando de ciência militar e
naval e literatura, em prol do engrandecimento do Império britânico. A
primeira comenda conferida pelo Conselho foi conferida ao senhor
[Mahan] em consideração a seus três grandes livros The Influence of Sea
Power upon History, The Influence of Sea Power upon the French
Revolution and Empire e The Life of Nelson. É com grande satisfação que
lhe afirmo que seu nome foi escolhido por unanimidade1024.

Nada alegrava mais Mahan que a relação entre os EUA e o UK. Além de respeitar a
Marinha Real, nutria profunda admiração pelo povo inglês, acreditando firmemente que
uma associação entre os dois países seria benéfica para o mundo. Disse a Bouverie Clark
que a emergência dos norte-americanos na arena internacional estava “rapidamente levando
o povo dos EUA para outro desejo seu e meu, uma coalização com a GB”1025.
Dois anos depois de receber a Medalha de Ouro Chesney, Mahan foi eleito
novamente por unanimidade, para ser membro honorário perpétuo da RUSI, em retribuição

1021
MAHAN, Alfred Thayer. The Story of the War in South Africa 1899-1900. Boston: Little Brown, 1900.
1022
Mahan utilizou a expressão em inglês “the sort of thing the man in the street needs”.
1023
A mesma medalha seria recebida posteriormente por John Knox Laughton. Ver seção 3.3, capítulo 3.
1024
TAYLOR, op.cit. p.104.
1025
SEAGER II, The man and his letters. op.cit. p. 388.
271

pela disseminação e prestígio conferido à história naval britânica. Nesse mesmo ano, 1902,
Mahan foi eleito presidente da Associação Histórica Americana, já sendo associado da
Sociedade Histórica de Massashussets, da Sociedade Geográfica de Lisboa em Portugal e
alguns anos depois da Sociedade Histórica de Minnesota.1026
Em 1904 ocorreu a Guerra Russo-japonesa. Mahan já vinha se preocupando com a
Rússia czarista que ele considerava “o grande problema da Ásia”. Para ele os russos se
moviam como uma grande aranha de acordo com a “lei natural e instinto racial”1027, a
procura por águas quentes, tanto na direção da Coréia, Manchúria e China, como no outro
lado no Golfo Pérsico. O ataque surpresa japonês contra os russos em 8 de fevereiro de
1904 foi para ele uma surpresa agradável, pois considerava o Japão um pais “teutônico”1028
em luta contra os eslavos expansionistas. Essa ação para ele foi brilhante.
No ano seguinte ocorreu a batalha naval de Tsushima, na qual a esquadra russa foi
derrotada pelos japoneses sob o comando de Togo. Para Mahan a vitória foi motivada pela
concentração de artilharia japonesa de vários calibres, dividida no grande número de navios
e não na concentração de artilharia pesada nas poucas unidades russas. Apesar de preferir
os japoneses, isso não significava simpatia com eles. Dizia que sua preocupação com a
imigração japonesa para os EUA era condizente com o espírito da Doutrina Monroe, em
razão dos nipônicos não se deixarem ‘assimilar, colonizar e virtualmente se anexar’. Para
ele a imigração japonesa era mais um problema de assimilação do que racial.1029 Em um
artigo publicado no periódico The Times de Londres em junho de 1913, escreveu o
seguinte:

A questão é fundamentalmente de assimilação, apesar de não ignorar que


as evidências de diferença são superficiais...em razão dos tipos raciais
exacerbarem as diferenças. Pessoalmente rejeito inteiramente qualquer
presunção ou crença que minha raça seja superior aos chineses ou
japoneses. A minha [cor] me cabe melhor, provavelmente por que me
acostumei com ela, mas nego inteiramente como não digno de mim ou
deles qualquer pensamento de superioridade...a América duvida de seu
poder para digerir e assimilar as características raciais e nacionais que
distinguem os japoneses que são o segredo de muito de seu sucesso.1030

1026
TAYLOR, op.cit. p.108.
1027
SEAGER II, The man and his letters. op.cit. p. 465.
1028
Ibidem, p. 470.
1029
Ibidem, p. 479.
1030
Idem.
272

Em 1906 Mahan foi promovido a contra-almirante na reserva por um ato do


Congresso que permitiu a promoção daqueles oficiais que tivessem lutado na Guerra Civil.
Mahan manteve o título de “captain” até o fim de seus dias, embora já fosse legalmente
contra-almirante. Ele continuou, também, como palestrante emérito na NWC, enquanto
participou de diversos comitês designados pelo presidente da república, seu amigo
Theodore Roosevelt.
Em 6 de junho de 1912 Mahan foi reformado e se afastou de todas as tarefas
governamentais a ele determinadas, três meses antes de completar seu septuagésimo
segundo aniversário.
De 1901 a 1912 Mahan escreveu nove livros, quase um por ano. O primeiro deles foi
em 1901, Types of Naval Officers, drawn from the History of British Navy1031. Esse livro
foi um libelo a sua sempre admirada Marinha Real britânica. Mahan escolheu seis oficiais
dessa marinha para demonstrar as qualidades que ele reputava como necessárias para
transformar oficiais comuns em líderes de homens.
O primeiro chefe naval escolhido foi Edward Lorde Hawke (1705-1781), vencedor da
Batalha da Baía de Quiberon em 1759 durante a Guerra dos Sete Anos. O segundo foi
George Brydges, Lorde Rodney (1718-1792), vencedor da Batalha dos Santos em 1782
durante a Guerra de Independência Norte-Americana. Disse Mahan que “Hawke e Rodney
são ilustrações destacadas, o primeiro representando o espírito, o segundo a forma, de como
eram os eficientes elementos do progresso humano naval ocorrido no século XVIII”.1032 O
terceiro foi Richard Lorde Howe (1726-1799), vencedor da Batalha do Glorioso Primeiro
de Junho nas Guerras da Revolução Francesa. Mahan o nomeou o almirante tático por
excelência. O quarto biografado foi John Lorde Jervis, conde de Saint Vincent (1735-
1823), vencedor da Batalha do Cabo São Vicente. Mahan a ele se referiu como o grande
disciplinador e estrategista. O próximo escolhido foi James Lorde Saumarez (1757-1836),
brilhante oficial de esquadra e comandante de divisão naval e por fim Edward Pellew,
Visconde Exmouth (1757-1833), destacado comandante de fragata e oficial eficiente. Trata-

1031
MAHAN, Alfred Thayer. Types of Naval Officers drawn from the History of the British Navy; with some
account of the conditions of Naval Warfare at the beginning of the Eighteenth Century and its subsequent
development during the Sail Period. Boston: Little Brown, 1901.
1032
Ibidem, p.152.
273

se assim do terceiro livro biográfico de Mahan, seguindo as vidas de Farragut e Nelson por
ele escritas.
No ano seguinte, 1902, Mahan publicou Retrospect and Prospect: Studies in
International Relations, Naval and Political.1033 Essa obra seguiu o formato das anteriores
com artigos publicados em periódicos, compilados em um livro1034. Nessa obra, Mahan
discutiu as condições determinantes para a expansão naval dos EUA, a influência da Guerra
da África do Sul sobre o prestígio e os motivos que levaram a formação do Império
britânico, considerações que afetaram a disposição das marinhas, o papel do Golfo Pérsico
nas relações internacionais, algumas considerações sobre a regra militar de obediência e por
fim, um elogio ao almirante Sampson, protagonista principal da Guerra Espano-americana.
O próximo trabalho de Mahan foi o Sea Power in its relations to the War of 1812, o
terceiro volume da trilogia The Influence of Sea Power. Essa obra monumental em dois
volumes foi abordada de modo distinto por ele. Ao invés de apontar os benefícios que
adviriam para o seu país o desenvolvimento de seu poder marítimo, ele discutiu as
desastrosas conseqüências que a falta de preparação para a guerra no mar, por parte dos
EUA, motivou na Guerra de 1812 contra o UK. Com esse recado explícito, Mahan queria
convencer os cidadãos dos EUA que o poder marítimo era importante para o país. Afirmou,
categoricamente, que a prosperidade comercial norte-americana dependia da segurança das
linhas de comércio. Uma de suas claras conclusões apontou para o fato de que um estado
que negligenciasse o poder marítimo estaria em uma posição de inferioridade na mesa de
negociação que se seguisse a um conflito, afirmando que “falhando em criar antes da guerra
uma marinha competente, capaz de aproveitar oportunidades surgidas para atacar unidades
hostis no mundo todo, não era possível, depois de começado o conflito, corrigir o erro”1035.
Mahan concluiu que uma modesta marinha poderia se contrapor a um poder naval mais
poderoso, quando condições geográficas e outras possibilidades fossem consideradas. Essa

1033
MAHAN, Alfred Thayer. Retrospect and Prospect: Studies in International Relations Naval and
Political. London: Sampson Low, Marston, 1902.
1034
Os capítulos foram compostos de artigos publicados nos periódicos, The World Work, Leslie Weekley, The
National Review, The National Review and International Monthly e The Fortnightly Review. Fonte: Ibidem,
p.ix e x.
1035
SEAGER II, MAGUIRE, op.cit. v.1, p. 310.
274

concepção se encaixava perfeitamente no caso dos EUA, após seus estudos da guerra no
mar dos séculos XVII ao XIX.1036
Pode parecer estranho, mas Mahan não tinha muita confiança no sucesso editorial
desse livro pouco antes de seu lançamento. Segundo Robert Seager foi muito difícil para
ele escrever um trabalho em que um de seus grandes amores, a RN, fosse considerada força
inimiga. Para Mahan essa guerra foi desnecessária, trágica e inútil1037. Ao mesmo tempo em
que avaliava essa guerra como inútil, ele a considerava vital para a sobrevivência nacional
da GB, uma contradição sem dúvida. Seja como for, as resenhas publicadas nos diversos
periódicos de língua inglesa sobre essa obra foram, de um modo geral, favoráveis.
Em 1907 dois livros foram lançados, Some Neglected Aspects of War1038 e From Sail
to Steam. O primeiro foi, no estilo dos anteriores, com artigos selecionados já publicados,
no entanto houve uma diferença nesse trabalho. A inclusão de textos de dois outros autores,
Henry Pritchett e Sir Julian Corbett. O primeiro discorreu sobre o estabelecimento do
princípio da arbitragem internacional e o segundo sobre a captura de propriedade privada
no mar. Mahan, por sua vez, abordou os aspectos morais e práticos da guerra,
considerações sobre a Convenção de Haia de 1907 e a questão da imunidade da Marinha
mercante na guerra e por fim, a guerra vista de um ponto de vista cristão, assunto que o
interessava demasiado1039.
No segundo livro publicado, From Sail to Steam1040, Mahan voltou-se para sua
autobiografia, em que descreveu alguns aspectos que considerou relevantes, não só para a
sua vida, como para a própria história da Marinha dos EUA. Segundo ele, essas lembranças
de sua vida foram motivadas mais pelo editor que seu próprio desejo, uma vez que “ [o
editor] pagará bem” afirmou ele1041.

1036
SUMIDA, op.cit. p.41.
1037
SEAGER II, The man and his letters. op.cit. p. 565.
1038
MAHAN, Alfred Thayer. Some Neglected Aspects of War. Boston: Little Brown, 1907.
1039
Esses artigos foram compilados do The Atlantic Monthly de julho de 1907 para o caso de Henry Pritchett,
ex-presidente do Instituto de Tecnologia de Massashussets, o The Nineteenth Century and After de junho de
1907 para Sir Julian Corbett e North American Review e National Review, um trabalho apresentado em um
congresso religioso realizado em Providence, Rhode Island em novembro de 1900 para o caso de Mahan.
Fonte: Idem, p.xxiii.
1040
MAHAN, Alfred Thayer. From Sail to Steam: recollections of naval life. London: Harper & Brothers
Publishers, 1907.
1041
Carta de Alfred Thayer Mahan para John Knox Laughton escrita de Slumberside em 20 de julho de 1906.
Fonte: LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 237.
275

Ele iniciou o seu relato se apresentando e depois descrevendo a situação naval norte-
americana depois da Guerra de Secessão, tanto em termos de pessoal como em termos
materiais. Prosseguiu descrevendo o seu tempo na Academia Naval de Annapolis e o seu
período embarcado, já como oficial nos diversos navios da marinha. Fica claro em seu texto
que o seu período de embarque lhe foi muito penoso e que preferia escrever a ser um oficial
a bordo de navio. Seu tempo na NWC lhe trouxe alguns aborrecimentos, principalmente
pela falta de compreensão por parte de muitos oficiais generais da importância dessa escola
para a formação dos futuros líderes navais. Disse ele que “ a instabilidade dos destinos da
escola me irritaram e perturbaram. Se a marinha não gostava do que eu estava fazendo, por
que deveria eu persistir ? Nada tem sido dado para o mundo e eu não tenho tido nenhum
encorajamento e pouco de minha classe, com exceção da aprovação cordial de poucos
oficiais”.1042 A parte de sua autobiografia referente a “experiências de autoria” é por demais
interessante, pois apontou suas principais dificuldades e influências como autor1043.
Esse livro lhe foi agradável de escrever, além de ter sido, sob o ponto de vista das
vendas, bem mais lucrativo que os dois anteriores. O propósito do livro, segundo Mahan,
foi agradar ao público e se possível vender bem. Muitas de suas reminiscências, já
esquecidas pelo correr do tempo, foram relembradas por amigos como Luce, Ashe e John
Baines. Apesar de uma volta ao passado, Mahan deixou de mencionar aspectos pouco
lisonjeiros de sua carreira, tais como seu pavor pela vida embarcada, seu relacionamento
tempestuoso com Erben e sua visão ortodoxa da religião1044. Como uma obra
autobiográfica deixou a desejar.
Em 1908 Mahan publicou Naval Administration and Warfare1045, seguindo o estilo de
suas obras anteriores, uma compilação de artigos previamente publicados1046. Os temas por
ele abordados foram os princípios de administração naval, o Departamento da Marinha dos
EUA, os princípios e um retrospecto da Guerra Russo-japonesa, duas aulas inaugurais no
curso da NWC, a primeira proferida em 6 de agosto de 1888 e a segunda em 6 de setembro
de 1892, seu discurso de assunção na presidência da Associação Americana de História em

1042
MAHAN, Alfred Thayer. From Sail to Steam: recollections of naval life. op.cit, p.303.
1043
Ibidem, p.304.
1044
SEAGER II, The man and his letters. op.cit. p. 572.
1045
MAHAN, Alfred Thayer. Naval Adminstration and Warfare. Boston: Little Brown, 1918.
1046
Os artigos foram republicados dos periódicos National Review, Scribner´s Magazine, The Scientific
American e Colliers Weekley. Fonte: Ibidem, p. xiii, xiv.
276

26 de dezembro de 1902, um artigo sobre Nelson, o impacto da viagem da esquadra norte-


americana em 1907 no Pacífico e por fim algumas considerações sobre a Doutrina Monroe.
No ano seguinte, 1909, Mahan lançou um livro que não tratou de história nem de
estratégia. Seu título, The Harvest within: thoughts on the life of the Christian.1047 Essa
obra foi voltada inteiramente para a vida espiritual que muito lhe era cara. Em todas as suas
obras históricas anteriores, Mahan se esquivava, na medida do possível, de comentar
aspectos religiosos. Mesmo em sua autobiografia From Sail to Steam Mahan nada
comentou sobre suas convicções religiosas. Nesse trabalho Mahan se debruçou
inteiramente em questões espirituais, sendo, assim, uma obra única.
O projeto desse livro não levou em consideração o aspecto comercial. Segundo
Robert Seager essa obra “do ponto de vista teológico foi uma apologia protestante
tradicional e não original típica do século XIX...cansativa em suas centenas de citações de
passagens do Novo Testamento, de modo a provar seus pontos de vista...não foi um esforço
autoral muito brilhante”.1048
O livro foi praticamente ignorado tanto nos EUA como no UK, tendo a característica
de indicar o modo ortodoxo como Nelson percebia a religião, fato que influenciou o seu
modo de interpretar e escrever a história. Seu modo conservador e religioso de julgar os
atos alheios iria influenciar a sua percepção moral de seu grande exemplo de herói, Horatio
Lorde Nelson.
Em 1910 seguiu-se The Interest of America in International Conditions1049. Esse livro
foi composto por apenas quatro capítulos. Mahan estava preocupado nesse livro com a
situação européia e a emergência da Alemanha como um elemento perturbador na Europa.
Ele citou o historiador Hans Delbruck que dizia que a rivalidade entre o UK e a Alemanha
era um resultado natural das relações internacionais e que não poderia ser desprezada. Para
Delbruck essa rivalidade, naquela oportunidade, não envolvia ainda o extremo da guerra,
em razão da balança de poderes existente na Europa.1050 Ao contrário, Mahan acreditava
que o choque entre as duas nações poderia ocorrer a qualquer momento, enfatizando o
seguinte:

1047
MAHAN, Alfred Thayer. The harvest within: thoughts on the life of the christian. Boston: Little Brown,
1909.
1048
SEAGER II, The man and his letters. op.cit. p. 576.
1049
MAHAN, Alfred Thayer. The Interest of America in International Conditions.Boston: Little Brown, 1910.
1050
Ibidem, p.72.
277

Sob as condições atuais na Europa, notadamente pela incapacidade russa,


junto com a diversão de suas energias para o leste, a Alemanha está a
salvo de qualquer invasão. Sua marinha está ou muito breve estará livre
para agir em qualquer parte do mundo, com exceção da marinha britânica
a lhe opor. Se a marinha britânica permanecer neutra ou sucumbir, a
Alemanha sob as presentes circunstâncias e com toda a probabilidade se
tornará o estado naval dominante do mundo, assim como o país
predominante da Europa.1051

Mahan percebia claramente o provável choque entre os dois antagonistas, que já se


encontravam em uma corrida armamentista de razoáveis proporções. Nesse livro, ainda,
Mahan discutiu as relações entre o Leste e o Oeste e a posição dos EUA em relação à
política de “portas abertas” na China.
Em 1911 Mahan escreveu o Naval Strategy compared and contrasted with the
principles and the practice of military operations on land1052, um livro fundamental para se
compreender o seu pensamento estratégico e operacional. Nele foram compiladas as
palestras ministradas por Mahan na NWC entre os anos de 1887 e 1911. Trata-se de uma
obra magistral e extensa (cerca de 475 páginas) no qual o autor discutiu a questão dos
princípios e o desenvolvimento da estratégia desde a morte do cardeal Richelieu em 1642.
São quinze capítulos analíticos em que ele se debruçou sobre a história apontando, com
exemplos, a aplicabilidade e relevância dos princípios utilizados nas guerras do passado.
Mahan não deixou de discutir a Guerra Russo-japonesa e procurou retirar lições de seus
resultados. Nessa obra, também, Mahan discutiu questões geopolíticas envolvendo os EUA
e a importância da concentração, da posição central, das linhas interiores e das linhas de
comunicação1053. Em uma carta a seu amigo almirante Bouverie Clark da Marinha
britânica, Mahan comentou a grandiosidade de seu trabalho e sua hesitação natural de quem
se dedicou inteiramente ao NWC. Ele ainda tinha dúvidas do sucesso de seu livro. Disse ele
a Clark:

Eu me lembro que você comentou em sua carta a hesitação em ler o meu


Naval Strategy. Sinceramente desejo que você não o leia por pura

1051
Ibidem, p.78.
1052
MAHAN, Alfred Thayer. Naval Strategy compared and contrasted with the Principles and the practice of
Military operations on Land . London: Sampson Low, Marston & Company, 1911.
1053
Esses conceitos compõem a base de sua concepção estratégica de controle do mar
278

amizade. Vou lhe confessar que compor esse livro foi a tarefa mais
perfunctória que fiz como autor. Existiam razões imperiosas para assim
fazer, porém a sua escrita foi por mim sentida como um fardo. Foi feita
conscientemente e desejo que ele [o livro] não seja tão ruim assim. Mas
foi contra a minha inclinação e acredito que seja a minha última grande
obra profissional a que me proponho. Muitos elogios me foram feitos
para desejar que, embora contenha muitos defeitos, minha reputação não
sofra muito por causa dele [o livro].1054

Esse livro realmente foi a sua última grande obra histórico-teórica e não afetou a sua
reputação, embora não tenha sido atraente para alguns de seus colegas. Um ponto
significativo dessa obra foi a conclusão de Mahan de que a guerra era uma arte e não uma
ciência. Ele discutiu intensamente a história da estratégia naval e os princípios, segundo ele,
inalteráveis da estratégia e da tática.
Apesar da importância evidente dessa obra, muitos de seus contemporâneos não a
leram com afinco ou mesmo a consideraram uma obra fundamental nos estudos
estratégicos, corroborando o temor do próprio Mahan com o seu fracsso. O professor Jon
Sumida, em uma confereência realizada em setembro de 1992 no NWC em homenagem a
Sir Julian Corbett e Sir Herbert Richmond, comentou que em 1987, ao visitar uma livraria
de livros antigos e raros em Bethesda no estado de Maryland, próximo a Washington D.C,
descobriu a primeira edição do livro Naval Strategy de Mahan para venda. Imediatamente
adquiriu a obra e ao chegar em casa abriu a página inicial e constatou para a sua alegria que
aquele exemplar era único, pois tinha sido oferecido pelo próprio Mahan a seu mentor
intelectual, Stephen Luce. Na dedicatória ofertada, Mahan escrevera “ao almirante Stephen
Luce com minhas saudades e cordiais saudações. Do autor, Alfred Thayer Mahan”. Para
Sumida foi uma surpresa e alegria adquirir tal preciosidade! Possuir uma primeira edição
com dedicatória do autor a seu mentor era realmente fato raro e extraordinário! Outra
surpresa, no entanto, aguardava Sumida. Ao correr as páginas do livro percebeu que muitas
delas ainda estavam coladas, demonstrando que Luce não se dignara nem a abrir o livro,

1054
Carta de Alfred Mahan a Bouverie Clark escrita de Nova Iorque em 12 de março de 1912. Fonte:
SEAGER Letters and papers, v.3, op.cit p.447.
279

muito menos lê-lo1055. Para Luce o Naval Strategy não teve a menor importância naquele
momento.
Apesar dessa evidente falta de interesse de Luce, o Naval Strategy é um livro que
demonstra o modo como Mahan pensava a estratégia naval e dessa maneira transforma-se
em uma obra fundamental para quem quer compreender o seu pensamento estratégico.
Os dois últimos anos de vida de Mahan foram anos de saúde debilitante. Nos anos de
1907 e 1908 sofrera duas operações e, segundo ele, motivadas pela pressão dos editores
para que escrevesse sempre mais. Seu coração cambaleava e sentia-se muitas vezes fraco.
Nesses dois últimos anos dedicou-se a escrever Armaments and Arbitration1056 e Major
Operations of the Navies in the War of American Independence1057. O primeiro livro, de
1912, foi composto por dez artigos publicados no North American Review e no Century
Magazine nos anos de 1911 e 1912. Os seis primeiros artigos, de acordo com Mahan, foram
escritos para apresentar argumentos, freqüentemente ignorados, que nem o arbitramento em
sentido geral, nem o arbitramento como forma específica de decisão judicial, baseado em
um código legal, podem, em todas as oportunidades, ser aplicados em processos que
seguem um curso natural de forças envolvidas, principalmente quando envolvem o poder
nacional. Em seguida, ele discutiu o papel da força nas relações internacionais entre os
estados.1058
O segundo livro, de 1913, o seu último publicado, compôs um capítulo da History of
Royal Navy em sete volumes, organizado pelo historiador Sir William Laird Clowes,
correspondente naval do The Times e influente escritor.1059 Por autorização especial do
editor1060, Mahan pôde transcrever o seu capítulo, que recebeu o título de Major Operations
1762-1783, transformando-o em livro. Tratou-se de uma obra (cerca de 280 páginas), com
14 capítulos descrevendo a Guerra da Independência dos EUA, sob o ponto de vista naval.
A partir de seus livros publicados, Mahan quis passar uma messagem simples,
segundo o cientista político Azar Gat. Ao estudar as grandes campanhas pela
1055
GOLDRICK, James; HATTENDORF, John. Mahan is not enough: the proceedings of a conference on
the works of Sir Julian Corbett and Admiral Sir Herbert Richmond. Newport: Naval War College Press, 1993,
p. 177.
1056
MAHAN, Alfred Thayer. Armaments and Arbitration. New York: Harper & Brothers, 1912.
1057
MAHAN, Alfred Thayer. Major Operations of the Navies in the War of American Independence. London:
Sampson Low, Marston Ltd, 1913.
1058
MAHAN, Alfred. Armaments and Arbitration. op. cit. , p.iv.
1059
SCHURMAN, The Education of a Navy. op.cit. p. 91.
1060
O editor foi Sampson Low and Marston.
280

preponderância naval entre os principais poderes mercantilistas, Mahan concluiu que a


superioridade naval da GB e depois do UK permitiu obter não somente a sua necessária
segurança nacional, mas principalmente conquistar uma predominância comercial e por
causa disso uma superioridade global na Europa. Seu poder naval deu-lhe o monopólio no
comércio, nas colônias e na indústria. O impedimento que seu grande inimigo no período, a
França, se destacasse nas guerras navais e os grandes subsídios transferidos a seus aliados
continentais europeus, destruiu qualquer hegemonia francesa planejada por Luís XIV ou
Napoleão1061. Para Gat esse foi o grande legado deixado de seus escritos.
A idade avançada de Mahan, acrescido do problema cardíaco, não o fazia perder as
forças. Para seu amigo Clark disse que ainda “podia andar numa velocidade de quatro
milhas por hora, embora não pudesse mantê-la por mais que uma hora”.1062 Para seu
estimado amigo Laughton disse que com a idade “existiam incertezas, mas uma coisa era
certa, nunca na vida estivera ele continuamente mais feliz que naquele momento”.1063
Um fato reconfortava Mahan no início de 1914, o crescimento em tonelagem da
Marinha dos EUA, um argumento fundamental defendido por ele desde o lançamento de
seu livro The Influence of Sea Power upon History em 1890. Em cerca de 24 anos a
Marinha norte-americana crescera quatro vezes como pode ser observado, considerando as
tonelagens dos principais poderes navais às vésperas da Grande Guerra pelo quadro abaixo:

Poderes Navais 1880 1890 1900 1910 1914


Reino Unido 650.000 679.000 1.065.000 2.174.000 2.714.000
Alemanha 88.000 190.000 285.000 964.000 1.305.000
Estados Unidos 169.000 240.000 333.000 824.000 985.000
França 271.000 319.000 499.000 725.000 900.000
Japão 15.000 41.000 187.000 496.000 700.000
Rússia 200.000 180.000 383.000 401.000 679.000
Itália 100.000 242.000 245.000 327.000 498.000
Áustria-Hungria 60.000 66.000 87.000 210.000 372.000
Tabela 3 .Fonte: KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências. 3.ed. Trad: Waltensir
Dutra. Rio de Janeiro: Campus, 1989, p. 200.

1061
GAT, Azar. A History of Military Thought from the Enlightenment to the Cold War. Oxford: Oxford
Uiversity Press, 2001, p.451.
1062
TAYLOR, op.cit. p.273.
1063
Carta de Alfred Thayer Mahan para John Knox Laughton escrita de Quogue em 15 de novembro de 1910.
Fonte: LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 246.
281

Da tabela acima se pode observar o crescimento acentuado da Alemanha,


principalmente a partir de 1900 e a manutenção da política britânica de Two Power
Standard, indicando claramente uma corrida armamentista entre os principais poderes
navais do período.
Por ocasião da abertura das hostilidades da Grande Guerra em agosto de 1914, Mahan
recebeu diversos convites para escrever sobre os acontecimentos da guerra no mar1064, no
entanto se viu impedido de publicá-los, por uma ordem especial do Presidente dos EUA,
Woodrow Wilson, que determinou a todos os oficiais da ativa e da reserva das forças
armadas norte-americanas que se abstivessem de escrever sobre a Grande Guerra por ser
“altamente indesejável e impróprio que oficiais da Marinha e do Exército dos EUA façam
qualquer declaração, no qual expressem qualquer crítica política ou militar sobre outras
nações envolvidas no conflito”.1065 Mahan tentou, ainda, por carta ao Secretário da
Marinha contra-argumentar, sem resultado. A proibição foi mantida para sua decepção.
Logo depois da declaração de guerra do UK, ele mencionou sua firme convicção na
vitória dos aliados sobre a Alemanha e voltou a mencionar que a RN dominaria os mares e
que “só existia uma marinha no mundo [a britânica] e que as outras eram apenas crianças
em comparação. Eu [Mahan] não queria menosprezar as Marinhas dos EUA e de outros
países, mas comparando com a britânica, as outras marinhas têm muito que aprender”.1066
Tinha plena convicção de que o UK estava lutando pela liberdade e pelos mesmos ideais de
seu país, os EUA.1067
O seu coração começou a falhar com mais frequência. Sua última correspondência foi
datada de 21 de novembro de 1914 para o seu dileto amigo Franklin Jameson, diretor de
pesquisa histórica do Instituto Carnegie em Washington DC e editor da revista American
Historial Review. Disse ele a Franklin o seguinte:

Meu caro Dr. Jameson: sendo obrigado a permanecer em casa hoje, para
receber uma visita de meu médico, utilizei a oportunidade de escrever

1064
Os periódicos que queriam artigos regulares de Mahan sobre o transcurso da guerra foram o The
Independent de Nova Iorque, pagando cerca de 100 dólares semanais por cada artigo, uma boa soma para a
época, e o Leslie também de Nova Iorque, pela mesma quantia semanal. Fonte: Ibidem, p.279.
1065
Ibidem, p.275.
1066
Ibidem, p.281.
1067
Carta de Alfred Thayer Mahan para John Knox Laughton escrita de Quogue em 24 de agosto de 1914.
Fonte: LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 259. Essa
foi a última carta trocada entre os dois amigos.
282

para a senhora Sperry. Eu a encaminhei a sua carta, juntamente com a do


professor Smith, melhor explicando a situação, ratificando nela minhas
próprias recomendações e aprovação.1068

Logo depois, foi transferido para o Hospital Naval de Washington após outro ataque
cardíaco, vindo a falecer em 1 de dezembro de 1914 na presença de sua esposa e de suas
duas filhas. Seu filho, Lyle, advogado em New York não chegou a tempo de se despedir do
pai. Mahan tinha 75 anos de idade. Alguns amigos imputaram a sua morte ao início da
Grande Guerra quando alguns de seus conhecidos no UK faleceram nos primeiros meses de
combate, deixando-o triste e taciturno. No dia seguinte o New York Times publicava na
página principal o seguinte obituário:

O contra-almirante Alfred Thayer Mahan, USN, reformado, o principal


estrategista naval dos EUA e uma das maiores autoridades em poder
marítimo morreu repentinamente no Hospital Naval dos EUA às 07:15
horas essa manhã de ataque cardíaco...por solicitação expressa do
almirante não haverá funeral com honras. A missa simples será
conduzida às 09:00 horas amanhã na Igreja de São Tomás. O corpo será
levado para sua residência em Quogue, Long Island para as exéquias
familiares.1069

A Marinha norte-americana publicou um tributo a Mahan nos seguintes termos:

O almirante Mahan tornou-se famoso como autor e historiador no início


dos anos 90, quando seus livros The Influence of Sea Power upon History
e The Influence of Sea Power upon the French Revolution and Empire
foram publicados. Esses foram seguidos pelo Life of Nelson. Esses livros
tornaram-se clássicos e foram amplamente lidos no mundo. Na Inglaterra
e Alemanha em especial eles foram recebidos com grandes elogios e em
todos os países que mantinham marinhas esses livros tornaram-se livros
textos em estratégia naval. Na Inglaterra os chefes navais confessaram
que coube a ele elucidar a história da Marinha Real de uma forma que
eles mesmos nunca entenderam e sonharam. Sua morte causará pesar
internacional não somente por causa da grande estima que desfrutava de
todos os países do mundo interessados em assuntos navais, mas também

1068
Carta de Alfred Mahan para Franklin Jameson escrita de Washington DC em 21 de novembro de 1914.
Fonte: SEAGER Letters and papers, v.3, op.cit p.552.
1069
ADMIRAL MAHAN, NAVAL CRITIC, DIES. New York Times. New York, 2 de dezembro de 1914,
Seção de Obituários, p. 1 e 12.
283

por que o seu falecimento deixa um vazio entre autoridades políticas e


navais do mundo que nenhum outro autor poderá substituir.1070

O conhecido historiador inglês George Gooch diria que “apesar de não ser o primeiro
estudioso diligente da história naval, foi [Mahan] o primeiro a compreender seus
significados mais amplos e em fazê-la interessante para o leitor não profissional”.
Prosseguiu Gooch afirmando que “se podia apresentar com justiça como o fundador de uma
escola...assim uma vez mais um historiador contribuiu para fazer a história ao invés de
apenas relatá-la”.1071
Seu grande amigo Sir John Knox Laughton em seus 85 anos de idade, sentiu
imensamente a morte de Mahan e fez questão de escrever um obituário que acabou não
sendo publicado em nenhum periódico. O fato interessante desse obituário foi que Sir John
o escreveu no momento em que recebeu a notícia da morte de Mahan e foi manuscrito no
verso de uma página do rascunho de seu livro não publicado The Interdependence of
England´s Naval and Political History, possuindo diversas abreviações e rabiscos que
denotaram grande emotividade naquele momento. Disse Sir John que “a morte pacífica de
amigos pessoais não podia passar desapercebida” e como amigo pessoal de Mahan pelos
últimos vinte anos, ele, Mahan, era para Laughton muito mais que um homem, que com
seus escritos tinha mudado as políticas navais de seu país e de outros poderes navais.
Continuava dizendo que:

A notícia de sua morte veio a mim nesta manhã como uma surpresa
dolorida. Ele não devia ser chamado de velho, como se chamam pessoas
hoje em dia, e mesmo com sua idade de 74 anos ele era delgado e
vigoroso. Em uma de suas cartas recentes ele me falou de estar
caminhando, nadando no mar com exercícios diários e mencionou com
alegria, detalhadamente, certos projetos literários, terminados agora com
a morte de seu ilustre autor. Uma palavra para terminar. Muitos anos
atrás eu pessoalmente fui orientado por ele no modo de pronunciar seu
nome que não era Márran ou Máan, mas sim Marrén.1072

1070
Ibidem, p. 12.
1071
GOOCH, George. Historia y historiadores em el siglo XIX. op.cit. p. 424.
1072
Rascunho de Obituário sobre Mahan escrito de próprio punho por Sir John Knox Laughton, cujo texto foi
transcrito por Andrew Lambert. O original se encontra no arquivo do King´s College em Londres. Fonte:
LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 261.
284

Laughton, como todo bom vitoriano, controlou-se e procurou disfarçar a dor de perder
um amigo querido que muito admirava. Sua observação sobre a pronúncia correta do nome
de Mahan demonstrou não só um afastamento da morte, como respeito naquele momento
no modo correto de pronunciar o nome de um de seus mais diletos amigos. A emoção tinha
e foi controlada por aquele velho historiador inglês vitoriano.
Morria o grande teórico do poder marítimo dos EUA.

4.4- Alfred Thayer Mahan: um historiador auto-didata.

O experiente Secretário da Marinha dos EUA, Henry Stimson, no conturbado período


de 1940 a 1945, afirmou que “a psicologia peculiar do Departamento de Marinha,
freqüentemente parecia se afastar do mundo da lógica em direção a um mundo religioso no
qual Netuno era o Deus, Mahan seu profeta e a Marinha de guerra a única igreja
verdadeira”1073 indicando efetivamente o modo como Mahan era percebido em todos os
níveis em seu país. Mahan era o verdadeiro profeta do poder marítimo.
Homem de trato respeitável, reservado, voltado para a família, com pouco senso de
humor, introspectivo e profundamente religioso, Mahan tinha paixão pela história e não por
navios. Seus escrúpulos eram tão exacerbados que impediu que seus filhos utilizassem no
colégio os lápis com o sinete do NWC disponíveis em sua residência, por considerá-los
bens da fazenda nacional, só devendo ser usados em serviço1074.
Mahan não tinha uma formação acadêmica formal em história. Ele não cursou
nenhuma universidade, nem foi oficial de estado-maior com curso de altos estudos, contudo
modificou o modo como a historiografia naval era estudada e correlacionou essa
historiografia com o estudo da estratégia naval, formulando conceitos e “princípios” de
aplicação. Seu corpus editorial foi composto de 20 livros e 137 artigos publicados1075.
Desses livros seis foram de temas históricos, três biografias, duas autobiografias e nove de
temas de política, estratégia e relações internacionais, uma produção razoável,
considerando que o primeiro livro publicado ocorreu quando tinha 43 anos de idade e o
livro seguinte só foi escrito sete anos depois, quando contava com 50 anos.

1073
CROWL, op.cit. p. 444.
1074
TUCHMAN, op.cit. p. 134.
1075
CROWL, op.cit, p. 448.
285

Mahan começava seus estudos com uma inspiração, uma “luz” que surgia de seu
consciente. Dessa inspiração ele deduzia conclusões predeterminadas. Os fatos históricos
surgiam para corroborar as suas conclusões previamente deduzidas, dessa maneira o que
não corroborasse suas conclusões era descartado. Esses fatos não deviam ser mal
trabalhados pelo historiador. Se assim procedesse, indicando maior ênfase em pontos
obscuros ou exageros de coloração em outro ponto, o resultado não seria a verdade
histórica, embora os fatos individuais assim fossem. Dentro dessa perspectiva ele começou
a leitura do livro A History of Rome1076 de Theodor Mommsen1077.
Ao analisar a Segunda Guerra Púnica, muito bem descrita por Mommsen, Mahan
verificou que Aníbal preferiu correr sérios riscos com o seu exército, partindo da Espanha
em direção à península itálica, por via terrestre, do que se aventurar em uma travessia por
via marítima. Naquela oportunidade Roma já dominava o Mediterrâneo e certamente
atacaria a frota cartaginesa em seu trânsito para a Itália. Mommsen afirmou que Roma
obtivera o controle do mar a partir da guerra precedente e essa preponderância ainda existia
por ocasião da segunda guerra. A decisão de Aníbal de partir da Espanha, cruzar o sul da
França, atravessar os Alpes e atacar Roma pelo norte da península o impressionara
bastante. Mahan chegou a conjecturar que talvez se ele arriscasse o trânsito pelo mar suas
perdas não seriam de 33.000 baixas dos 60.000 homens que iniciaram a marcha na
Espanha.1078 Sua explicação para essa atitude de Aníbal era que o poder marítimo de Roma
controlava os mares ao norte de uma linha traçada de Tarragona na Espanha a Lilybaeum
(ao norte de Marsala), no ocidente da Sicília, passando pelo Estreito de Messina até
Siracusa e dali a Brindisi já no Adriático. Esse controle permaneceu inalterado durante toda
a guerra1079. Chegou ele a imaginar como as coisas seriam diferentes, caso Aníbal invadisse

1076
MOMMSEN, Theodor. The History of Rome. New York: Meridian Books, 1958.
1077
Theodor Mommsen nasceu em 1817 em Garding no Schleswig. Foi professor das Universidades de
Leipzig, Zurich e Breslau antes de assumir a cadeira de história antiga na prestigiada Universidade de Berlim
em 1858, tendo sido também um político ligado ao Partido Liberal da Prússia. O seu clássico History of Rome
que tanto impressionou Mahan, foi lançado em cinco volumes. O volume 3 ( From the Union of Italy to the
Subjugation of Carthage and Greek States) descreve exatamente a passagem de Aníbal para a Itália.
Mommsen recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1902. Faleceu em 1903. Fonte: Nobel Prize
Organization. Mommsen Biography. Disponível em
http://nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1902/mommsen-bio.html. Acesso em 8 de julho de
2008.
1078
MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 15.
1079
Ibidem, p.17.
286

Roma por mar e pudesse controlar suas comunicações com Cartago1080. A partir dessa
constatação, Mahan começou a formular sua teoria de poder marítimo. Nessa observação
estava a chave para a emergência e a queda dos impérios e o controle ou não dos mares,
segundo imaginou.1081
Além de Mommsen, Mahan leu com afinco autores ingleses como Sir George
Augustus Elliot, Sir John Montague Burgoyne e Sir Charles Ekins. Os franceses tampouco
foram esquecidos. Leonard La Peyrouse Bonfils e Henri Martin foram os dois mais
apreciados. No entanto o maior teórico militar estudado por Mahan foi Antoine Henri
Jomini1082.
Jomini foi o principal teórico a influenciar o pensamento de Mahan. Sua obra foi
muito lida e comentada durante todo o século XIX. Além de grande produtividade literária,
sua escrita era fácil e compreensível para os militares e os políticos envolvidos com a
guerra. Suas idéias transformaram-se em uma verdadeira escola de pensamento militar,
tornando-o um dos principais intelectuais do século XIX.
Em verdade,Mahan leu tanto Jomini como Carl Von Clausewitz, no entanto os
escritos do primeiro tiveram maiores repercussões no seu pensamento. Sumida apontou em
seu “Índice Analítico Selecionado dos Escritos de Alfred Thayer Mahan” vinte entradas
para a palavra Jomini em seus textos e nenhuma para Clausewitz.1083 No entanto, Mahan
1084
citou o teórico prussiano duas vezes em seu Naval Strategy . Existem, com certeza,
alguns pontos na obra de Mahan que coincidem com a obra de Clausewitz1085, havendo
inclusive admiração de Mahan por Clausewitz, segundo Sumida1086, entretanto não há
dúvidas de que o seu grande influenciador foi Jomini. Mahan quis, por meio da obra de

1080
MAHAN, From Sail to Steam. op. cit. P. 277.
1081
CROWL, op.cit. p. 450.
1082
Antoine Henri Jomini nasceu na Suíça em um cantão francês em 1779. Entrou para o exército francês em
1798, lutando ao lado do Marechal Ney, um dos generais de Napoleão. Escreveu o clássico The Art of War
em 1838, tendo sido o autor militar mais lido no século XIX e até hoje continua a ser discutido nas escolas de
altos estudos militares dos principais países do Ocidente. Fonte: JOMINI, Antoine Henri. The Art of War.
Westport: Greenwood Press, 1982.
1083
SUMIDA, op.cit. p. 154.
1084
MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit p.120 e 279. Curioso que Mahan considerava o Naval Strategy o
seu pior livro. Fonte: SUMIDA, op.cit. p. 2.
1085
MOLL, Kenneth. Alfred Thayer Mahan. American Historian. In: Military Affairs. Virginia: Society for
Military History, v.27, n.3, fall, 1963, p. 134. Segundo Moll, Mahan leria alguns anos depois a obra de
Clausewitz e concordaria com muitos pontos da teoria do autor prussiano.
1086
SUMIDA, op.cit, p. 113.
287

Jomini sobre a guerra terrestre, compreender e adaptar suas conclusões à guerra marítima.
Como seus contemporâneos, Mahan ficou fascinado pelas idéias do teórico suíço.
A primeira grande idéia “emprestada” de Jomini foi a questão dos princípios. Disse o
general suíço o seguinte:

Existe um pequeno número de princípios fundamentais de guerra, dos


quais não se pode desviar sem perigo e cuja aplicação, ao contrário, tem
sido, em quase todos os tempos, coroada de sucesso. As máximas de
aplicação, que derivam desses princípios são também em pequeno
número, e se elas se acham algumas vezes modificadas segundo as
circunstâncias, podem, não obstante, servir como uma bússola a um
comandante de exército para orientá-lo na tarefa, sempre difícil e
complicada, de conduzir grandes operações no meio da desordem e do
tumulto dos combates.1087

Em seu tratado, Jomini foi ainda mais explícito, ao afirmar que “tem existido, em
todos os tempos, princípios fundamentais dos quais dependem os bons resultados na guerra
[...] esses princípios são imutáveis, independentes da espécie de armamento, da época e do
lugar”1088.
O dogmatismo e simplicidade de sua afirmação influenciaram diversas gerações de
militares, dentre os quais Alfred Mahan. A compreensão de que a correta utilização dos
princípios fundamentais na guerra pelos generais poderia conduzir à vitória, tão claramente
desenvolvida por Jomini, teve, sem dúvida, um efeito notável em Mahan. O teórico suíço
afirmou, também, que a guerra não era em seu conjunto uma ciência, mas uma arte1089. A
percepção de que a guerra era uma arte coincidiu com a visão de Mahan em relação a
história e a própria guerra.
Jomini acreditava que o estudo objetivo da história militar era indispensável a
qualquer oficial que aspirasse atingir os altos postos militares e que ela, acompanhada de
crítica sã seria na realidade, a verdadeira escola da guerra. Declarava que “de todas as
teorias sobre a arte da guerra, a única razoável é aquela que, fundamentada no estudo da
história militar, admite um certo número de princípios reguladores, mas deixa ao gênio
natural a maior parte da conduta geral de uma guerra sem tolhê-la com regras

1087
JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. Trad: Napoleão Dutra. Rio de Janeiro: Bibliex, 1947, p. 47.
1088
Ibidem, p. 18.
1089
JOMINI, Antoine Henri. The Art of War., p. 11 e 293.
288

exclusivas”.1090 Mahan, ao apontar a importância da análise da história naval para a


obtenção de princípios utilizava quase as mesmas palavras de Jomini.
Os escritos de Jomini davam ênfase especial ao gênio militar, no caso, Napoleão. Sua
genialidade e liderança foram muito discutidas pelo suíço que chegou a provocar J. D.
Hittle, comentarista da edição norte-americana de A Arte da Guerra de que Napoleão foi
um Deus da Guerra e Jomini o seu profeta.1091 Não seria Netuno o Deus do Mar e Mahan o
seu profeta ? As coincidências parecem mais que evidentes. A admiração de Mahan por
Nelson se igualava a admiração de Jomini por Napoleão.
Hittle, ao discutir a influência de Jomini no pensamento de Mahan, afirmou o
seguinte:

Desde que fazia uma tão judiciosa apreciação do poder marítimo não é
particularmente estranho que Jomini devesse ocupar posição incomum
em virtude de suas contribuições importantes, embora indiretas, ao
desenvolvimento da doutrina naval. O almirante Mahan, autor do mais
importante livro sobre a guerra naval, The Influence of Sea Power upon
History, estudou as obras de Jomini e reconheceu que a doutrina básica
enunciada pelo antigo chefe do estado-maior de Ney era tão
universalmente aplicável que podia fornecer conceitos guias de estratégia
naval. O princípio de linhas interiores, uma asserção básica da concepção
de guerra de Jomini, como também a teoria de suprema importância
estratégica das linhas de comunicação, influenciaram fortemente o
pensamento de Mahan, enquanto este escreveu o seu duradouro
tratado.1092

Jomini, em algumas passagens de seu livro, comentou a importância do controle do


mar para o general. Disse ele que, se um povo dominasse a longa faixa de costa de seu
território e fosse senhor de seu mar subjacente ou fosse aliado de um povo que controlasse
o mar e a faixa litorânea a ele contígua, poderia ter seu poder de resistência quintuplicado,
não apenas para apoiar movimentos de insurreição e fustigar o adversário, mas também
dificultar a manutenção das linhas de abastecimento inimigas provindas do mar.1093
A influência de Jomini foi imensa. O próprio Mahan diria posteriormente que:

1090
JOMINI, Antoine Henri. A Arte da Guerra. op.cit. p. 32 e 48.
1091
Ibidem, p. 42.
1092
Ibidem, p. 36.
1093
JOMINI, Antoine Henri. The Art of War. op.cit. p. 26.
289

A autoridade de Jomini principalmente me orientou para estudar desse


modo a história naval. Dele eu aprendi as poucas considerações militares
principais e delas eu encontrei a chave, do qual usando os registros das
marinhas à vela e dos líderes navais eu podia retirar da análise da história
naval, informações pertinentes. O curso das diversas campanhas ou das
batalhas específicas estudei como se estuda e se conclui da própria
história, comparando as testemunhas individuais presentes nas ações; no
entanto os resultados desse processo construtivo se tornaram para mim
mais que a simples narração.1094

A influência de Jomini sobre Mahan foi tão intensa que ele chegou a nomear seu
cachorro de estimação “Jomini”, tal a impressão que os escritos do suíço tiveram sobre
ele1095. Jomini teve um efeito substancial na formulação de seu pensamento analítico e foi o
seu maior influenciador.
Mahan pouco apreciava a pesquisa arquivística, preferindo, ao contrário, o uso de
fontes secundárias. Em algumas obras específicas, como discutido, chegou a pesquisar
documentação primária, no entanto, preferia o caminho das obras prontas, o que de forma
alguma diminuiu a originalidade de seu pensamento. Vale mencionar a opinião do
historiador Kenneth Moll que analisou a obra de Mahan, constatando que a organização dos
capítulos de seus livros era muitas vezes confusa, misturando a interpretação de
determinado evento histórico com suas próprias conclusões finais1096, embora procurasse
seguir a lógica cronológica das batalhas e campanhas navais na maior parte das vezes. Sua
narrativa era direta, dogmática e determinista, procurando apontar que o investimento no
poder marítimo, como por ele apregoado, levaria o país a desenvolver-se como um todo,
em uma clara interpretação teleológica.
Ao tentar explicar a sua filha Helen o modo como escrevia um texto historiográfico
ou estratégico, Mahan disse o seguinte:

Primeiramente tenho o cuidado de colocar tudo em ordem, sem erros; em


seguida o texto tem que estar bem claro, as sentenças arrumadas de tal
forma que o leitor possa facilmente compreender e então passo a retirar
as grandes palavras que podem ser substituídas por menores na língua

1094
MAHAN, Alfred. From Sail to Steam. op.cit p. 282.
1095
TILL, Geoffrey. Maritime Strategy and the Nuclear Age. op.cit. p. 155.
1096
MOLL, Kenneth. op.cit, p.139.
290

inglesa. Para realizar isso o papai tem que escrever muitas e muitas vezes
e continuar a alterar as palavras que escrevi.1097

Esse modo de encarar o texto escrito, alterando-o sempre, foi uma característica
importante no modo como Mahan trabalhava com as palavras. Dessa forma, ele
considerava o estilo como fundamental para se comunicar com o leitor. Orgulhava-se de
possuir um rico vocabulário na língua inglesa e de seu domínio da gramática. Trabalhava
sempre em silêncio e insistia com sua mulher e filhas que não o perturbassem durante a
escrituração de seus textos.1098
Mahan não trouxe nenhum fato novo ou mesmo novas interpretações à história naval,
no entanto, a partir de seu estudo, divisou novos caminhos para o estudo da estratégia e
nesse ponto é que a leitura de seus livros tornou-se importante para qualquer pesquisador de
assuntos navais. A história, para ele, servia como uma ferramenta de análise aplicada e não
como uma história interpretativa e problematizada. Certamente que ele era um homem de
seu tempo, procurando entender o mundo industrial que surgia e o modo como ele afetava
as concepções estratégicas navais no final do século XIX. Acreditava que a guerra no mar
no passado, no período à vela, poderia servir como referência para o período da marinha a
vapor, principalmente no campo da estratégia. Os “princípios” colhidos no passado,
imaginava, continuariam válidos para o período em que ele escrevia. Essa visão enviesada
de história indicava um reducionismo exagerado, ao descrever que a complexidade da
guerra no mar poderia ser interpretada com uma enorme simplicidade, desde que seus
“princípios” fossem seguidos por todos, o que diminuía sobremaneira a validade científica
de seus estudos.
Deve ser mencionado, no entanto, que não era intenção de Mahan conduzir uma
pesquisa objetiva científica, nem aclamar que suas conclusões fossem o produto de uma
pesquisa arquivística exaustiva. Apesar dessas deficiências metodológicas, Mahan inovou e
tornou-se um paradigma. Ele era um historiador naval criativo e segundo interpretação de
Kenneth Moll, Mahan foi “o pai da moderna historiografia naval”.1099 Por suas qualidades e

1097
Carta de Alfred Thayer Mahan para Helen Evans Mahan a bordo do USS Wachussett em 22 de agosto de
1885. Fonte: SEAGER II, MAGUIRE. op.cit.p. 575.
1098
SEAGER II, The man and his letters. op.cit. p. 435.
1099
MOLL, op.cit. p. 132.
291

defeitos Moll afirmou, ainda, que Mahan era simultaneamente um dos mais fortes e mais
deficientes autores a serem encontrados em toda a historiografia naval1100.
Mahan se considerava, algumas vezes, difícil de ser entendido. Em carta para seu
amigo Laughton, ele diria que “existiam dois lados na maioria das perguntas” e ele sentia
sem “qualquer vergonha” que um leitor atento o acharia contraditório por responder em
uma época uma questão e em outra época uma outra resposta, distinta da anterior para a
mesma questão. O homem perigoso na guerra, segundo Mahan, era aquele que se aferrava
em apenas uma verdade, considerando-se possuidor da “chave” para todas as perguntas.
Para ele Mahan a solução das dificuldades ocorridas na guerra não era tentar encontrar uma
média entre dois lados de uma verdade, mas juntar os dois lados e sob a influência de
ambos decidir um caso particular.1101
Mahan realmente não era fácil de ser lido, embora fizesse todo o esforço de evitar a
repetição desnecessária de conceitos, de palavras e idéias. Seus parágrafos eram longos e
cansativos de serem lidos, fato reconhecido por ele. Alegava que esse tipo de escrita era
motivado por sua paixão pela acuidade, o que parece ser uma alegação que não condiz com
seus textos, baseados na maior do tempo em fontes secundárias de credibilidade discutível,
tratando-se apenas de interpretação. Segundo Schurman “afortunadamente para Mahan, ele
escrevia em um tempo no qual os leitores estavam inclinados em encontrar virtude na
reverência a monumentais e difíceis livros”.1102
No que concerne ao moderno estudo da estratégia naval, Sprout apontou que Mahan
contribuiu de três formas distintas. A primeira ao desenvolver uma filosofia de poder
marítimo que obteve reconhecimento e aceitação em círculos externos ao mundo naval e
assim conseguiu influenciar políticos em todo o mundo. A segunda por formular uma nova
e criativa teoria de estratégia naval e por fim por criticar enfaticamente o estudo das táticas
navais até então utilizadas.1103 Assim, para ele Mahan, o poder marítimo poderia significar
para os EUA o mesmo que significou para o UK, isto é um instrumento político eficaz e
eficiente para a obtenção de poder e relevância mundial.

1100
Ibidem, p. 139.
1101
Carta de Alfred Thayer Mahan para John Knox Laughton escrita de Newport em 21 de março de 1893.
Fonte: LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor John Knox Laughton. op. cit. P. 86.
1102
SCHURMAN, Donald. The Education of a Navy. op.cit. p. 81.
1103
SPROUT, Mahan: evangelist of sea power. op.cit. p. 418.
292

Um outro aspecto interessante da percepção de história por parte de Mahan é a


instrumentalização da disciplina como base para a educação formal dos oficiais de marinha
dos EUA. Seus textos passaram a ser discutidos inicialmente em Newport, depois
extravasando para outras escolas de altos estudos navais, inclusive a brasileira. Sumida
afirmou, inclusive, que os livros de Mahan eram apresentados como um testamento do
“valor do treinamento histórico” para a análise da estratégia naval. Para Mahan, o estudo da
história naval deveria ser incrementado, de modo a se ter oficiais com maior capacidade de
análise e reflexão, assim como um agente primário de educação avançada para aqueles
oficiais que teriam a tarefa de dirigir o que era tecnológica e burocraticamente uma
instituição complexa como a marinha de guerra. A arte da guerra aplicada ao mar era o seu
objeto final. A história naval, sua ferramenta de análise.
Mahan argumentava que o espírito materialista e científico de seu tempo poderia
transformar o combatente artista em combatente mecânico e retirar dele as qualidades de
intuição, sagacidade, julgamento, ousadia e inspiração, que eram requeridos de grandes
capitães da arte da guerra. Disse ainda que:

O grande combatente necessita estudar história. Gostaria de enfatizar


esse ponto clara e brevemente, uma vez que existe uma disposição
natural na marinha, embora muito superficialmente de olhar a história
como um livro branco em termos de utilidade no presente...muitas lições
válidas podem ser pecebidas...do estudo dessas guerras...no qual a
preponderância naval de uma nação tem exercido um efeito imenso e
decisivo sobre o desenrolar tanto na terra como no mar.1104

De modo a apontar a importância que a história naval tinha em seu pensamento


estratégico e a incompreensão que certos colegas tinham com a história naval, em certa
ocasião, durante um discurso por ele realizado em 1892, disse que, quando foi designado
para o NWC, antes mesmo de iniciar os seus estudos, um determinado oficial de marinha
mais antigo que ele perguntou qual seria a função que ele realizaria na escola. Mahan então
respondeu que iria proferir aulas de história naval para os oficiais alunos. Então, esse oficial
disse com um ar de alívio “ainda bem que você não terá muito o que dizer.”1105 Essa

1104
SEAGER II. The man and his letters. op.cit. p. 186.
1105
MAHAN, Alfred. The Practical Character of the Naval War College. USNI Proceedings. Annapolis:
USNI Press, 1893, p. 156. apud SCHURMAN, Donald. The Education of a Navy. op. cit. P. 69.
293

afirmação caiu como uma bomba em Mahan. Percebeu, então, o desconhecimento


generalizado de seus colegas com a história naval.
No dia 6 de agosto de 1888, Mahan proferiu a aula inaugural do curso de estado-
maior no NWC, afirmando o seguinte:

A grande resposta para a questão ‘qual o objetivo do NWC’ foi


antecipada pelos senhores daquilo que foi apresentado aqui. É o estudo e
o desenvolvimento, de uma maneira sistemática e ordenada, da arte da
guerra aplicada ao mar ou tais partes terrestres alcançadas pelos navios.
Avaliando os navios e suas armas aperfeiçoadas pela ciência de nosso
tempo e formulando seu poderio e limitações como desenvolvidos pela
experiência, teremos os meios colocados nas mãos de especialistas para
obter-se os grandes fins da guerra. Como melhor adaptar esses meios
para o fim sob várias circunstâncias e vários campos nos quais os navios
e esquadras serão chamados a atuar é o problema proposto1106.

A história para ele demonstrava a importância que o mar teve nos destinos das nações
e lá estava ele, Mahan, para mostrar ao povo norte-americano que o caminho do mar era o
mais apropriado para os destinos nacionais. Além disso, Mahan considerava que a história
não deveria ser lida e analisada apenas por historiadores. Muito pelo contrário, defendia a
idéia de que um trabalho historiográfico deveria servir para instruir, além dos oficiais de
marinha, a população em geral e que o valor desse trabalho devia ser medido pela
quantidade de leitores que ele atraísse. Disse em certa ocasião que “não há utilidade para
um escritor se não for lido”1107. O ‘homem comum’ era o seu alvo preferencial.
Mahan foi um homem essencialmente religioso e sua religiosidade teve considerável
influência no modo como ele percebia a história. Sua compreensão do cristianismo também
influenciou sua teoria de poder marítimo e, por conseguinte, sua visão de política. A
capacidade de conduzir a guerra foi outorgada a autoridades legalmente constituídas pelo
poder de Deus, sendo que a força era um meio deplorável, mas necessário de manter a
ordem, de defender os interesses nacionais, de vingar atos “malévolos” e de administrar
justiça.1108 Uma vez que a humanidade não era perfeita, a guerra era um “mal necessário” e

1106
MAHAN, Naval Administration and Warfare. op.cit. p. 190.
1107
SEAGER II. The man and his letters. op.cit. p. 434.
1108
LESLIE, Reo. Christianity and the Evangelist of Sea Power: The Religion of Alfred Thayer Mahan. In:
HATTENDORFF, John. The influence of History on Mahan. Newport: United States Naval War College
Press, 1991, p. 133.
294

um remédio para combater males maiores, especialmente os males morais, pensava Mahan.
Assim a guerra era justificável como um elemento de progresso humano, embora afastada
da perfeição humana e por causa dessa imperfeição, suscetível de remédio. Mahan afirmou,
também, que no atual estado imperfeito do gênero humano, o mal pode fácil e
freqüentemente alcançar um ponto no qual precise ser controlado e talvez até destruído pela
força física. Se, por acaso, o mal tiver condições de resistir, ele necessita ser destruído. Essa
destruição virá pela guerra.1109 Acreditava, então, que a guerra podia ser justificada,
segundo o ponto de vista cristão. E qual seria o papel de Deus na guerra ? Para ele, Deus
dava a consciência ao homem para decidir recorrer a guerra ou não. Cristo designou a
espada para as autoridades de uma nação recorrerem a coerção física do mal, dentro do
campo material, uma vez que o Reino de Cristo não é desse campo. A cada nação era dada
a opção por Deus para recorrer a força, quando fosse necessário. A espada servia para
defender os direitos dessa nação.1110 Disse ele o seguinte sobre a necessidade de se aplicar a
força:

O poder e a força são faculdades da vida nacional, elementos dados à


nação por Deus. E essa obrigação de manter o direito pela força,
enquanto comum a todos os estados, se coloca peculiarmente sobre o
maior em proporção a seus meios. Assim, vista a habilidade de
rapidamente arregimentar o poder da nação como um dos mais evidentes
deveres envolvido na palavra cristã vigilância, prontidão quando o
chamado chegar, esperado ou não[...] quando o mal é forte e desafiador, a
obrigação de usar a força, isto é, a guerra, se apresenta 1111

Essa visão sobre a guerra não deve ser percebida como uma atração inevitável por ela,
muito pelo contrário.Sabia que a guerra trazia em seu bojo sofrimento, horror e destruição,
no entanto tinha a clara percepção que um estado de paz perpétua era totalmente irreal e
que a guerra era um fato social natural do homem. A partir da criação dos estados-nação, a
guerra como manifestação humana de vontades era inevitável e que sua missão como
historiador era chamar a atenção do público do que a guerra poderia causar nas relações
entre estados soberanos. Nesse sentido considerava que as guerras deveriam ser as mais
curtas possíveis e para isso se realizar deviam ser brutais, rápidas e totais. A preparação
1109
MAHAN, Alfred. Some Neglected Aspects of War. op.cit. p. 100.
1110
LESLIE, op.cit. p. 134.
1111
MAHAN, Alfred. Lessons of the War with Spain and other Articles. op.cit. p. 233.
295

para esses conflitos devia ser intensa, para torná-las cada vez mais rápidas e assim “menos
custosas em sangue e dinheiro”.1112
A visão de Mahan sobre a guerra era consistente com a visão de ‘guerra justa’ de
Santo Agostinho. Deve ser observado que ele era um homem com uma visão judaico-cristã,
influenciado e influenciando a expansão norte-americana em direção ao Caribe e ao
Pacífico, quase como um “ato divino” imposto aos EUA para levar a “civilização aos povos
atrasados” dessas regiões.
Depois de um período de ampla reflexão, Mahan percebeu que a guerra era
simplesmente um movimento político, apesar de violento e excepcional em caráter e que o
braço armado aguardava e era subserviente aos interesses políticos e ao poder civil do
estado.1113
Sendo a guerra um fato histórico, Mahan percebia a história como uma espécie de
drama divino no qual a vontade de Deus era revelado pelas personalidades e eventos
ocorridos. A história era por ele definida como a realização de um plano da providência, de
muito maior alcance e mais complicada que simplesmente a tática de uma batalha ou a
estratégia de uma campanha ou mesmo a política de uma guerra. Dizia ele que “cada um
desses eventos, as batalhas, as estratégias das guerras e as políticas, dentro de suas esferas,
eram incidentes da história, possuindo uma unidade intrínseca própria”.1114 Considerava
que uma das lições que aprendera da história era que o desarmamento não traria nenhuma
garantia de paz.
Sua crença na inevitabilidade da manifestação da providência no curso da história,
agindo sobre os homens e sua convicção de que a mão de Deus estava por detrás da
grandeza do poder marítimo britânico, pode ser constatada na afirmação de que a Jamaica
passara para as mãos da Inglaterra por acidente no período de Cromwell e que a expedição
enviada pelos ingleses não era para tomá-la e sim conquistar Santo Domingo. Em
continuação, que a Espanha teve a oportunidade e a chance de conquistá-la na Guerra da
Independência dos EUA e não o fez e que situações similares ocorreram em relação aos
postos-chave do Mediterrâneo, Gibraltar e Malta e novamente a Espanha não os

1112
SEAGER II. The man and his letters. op.cit. p. 453.
1113
MAHAN, Alfred. Interest of América in Sea Power present and future. Boston: Little Brown & Co,
1906. p. 177.
1114
MAHAN, Alfred. Naval Administration and Warfare. op.cit. p. 267.
296

conquistou. Mahan atribui essa negligência espanhola como a providência que tinha como
pressuposto a manutenção da predominância naval da GB. Se a Espanha não agiu, foi por
que assim quis Deus em seus desígnios.1115
Mahan confessou que o estudo da história foi para ele incidental, tarde na vida,
claramente superficial, limitado e sem a necessária pesquisa documental. Ele tinha
consciência de que não possuía o embasamento teórico necessário para discutir e interpretar
questões históricas em profundidade. Em carta para Laughton, diria de si mesmo que “não
se levava muito a sério como historiador, julgando-se pelas técnicas modernas, com o qual
não concordava, formando algumas idéias próprias durante o [seu] período de escrita”1116.
Disse ele que a história do poder marítimo era largamente, embora não somente, uma
narrativa de lutas e de violência entre nações rivais freqüentemente culminando em
guerras1117. Para isso era inegável, para ele, a influência do comércio marítimo na riqueza e
poderio dos países. Para assegurar esses benefícios, todos os esforços nacionais, tanto por
instrumentos ou métodos legislativos de monopólio ou de proibição, foram realizados. No
caso desses falharem, recorreu-se à violência. As guerras ocorreram, então, pelo choque de
interesses, pelos sentimentos resultantes de outros tentarem obter maiores lucros em
detrimento dos interesses nacionais contrários obtidos pelo comércio. Assim a história do
poder marítimo, embora englobando tudo que incluía a grandeza de um povo por meio do
mar, é fundamentalmente uma história militar, por envolver a luta e a disputa militar.
Mahan acreditava, com toda a convicção, que o progresso na história era inevitável,
em parte alimentado pela guerra, em parte pela mecânica do próprio universo, em parte pela
influência do cristianismo agindo sobre ela. Acreditava que esse progresso poderia ser
acelerado se a humanidade se tornasse cristã, em uma clara visão determinista e teleológica,
centrada na superioridade da doutrina cristã. Estava, ainda, convicto que a mecânica
universal era centrada em Deus e que existiam verdades divinas que eram reveladas por Ele
a alguns homens escolhidos, historiadores, sendo ele, Mahan, um desses escolhidos para
apontar nesse caso o caminho do mar para a grandeza das nações.1118

1115
LIVEZEY, op.cit. p. 26.
1116
Carta de Alfred Thayer Mahan para John Knox Laughton escrita de Slumberside em 20 de julho de 1906.
Fonte: LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 236.
1117
MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 1.
1118
SEAGER II. The man and his letters. op.cit. p. 456 e 476.
297

Na análise da história militar, a ação de grandes líderes militares era essencial para
enfatizar idéias e para conduzir as guerras do futuro. Nomes como Napoleão, Alexandre,
Aníbal, César e naturalmente Nelson foram muito admirados e citados por Mahan. Segundo
ele, existiria uma concordância explícita dos historiadores de que, embora as diversas
condições das guerras passadas variassem, nos diferentes períodos históricos, em relação ao
progresso tecnológico dos armamentos, também existiriam ensinamentos da história que
permaneceriam constantes e de aplicação universal, alcançando a situação de “princípios
gerais”.1119 Dessa forma, o estudo sistemático da história da guerra no mar era instrutivo
pela indicação e aplicação desses “princípios gerais”, apesar das grandes inovações que
pudessem ocorrer nas armas navais, incluindo nesse caso o uso do vapor. Apesar das
inovações tecnológicas no campo da guerra, os “princípios gerais” permaneceriam os
mesmos. O conhecimento desses princípios era útil para o especialista nos estudos da
guerra nos momentos de dúvida e perplexidade, no entanto para um novato esse
conhecimento não seria suficiente.
A história, assim, passava a ter uma função fundamental, pois além de exemplificar
fatos que confirmavam a atualidade dos princípios, apontando o valor da experiência vivida
em situações correlatas, indicava, concomitantemente, a pertinência do uso de princípios.
Experiência e uso de princípios se complementavam no exame correto de uma situação.
Um especialista que dominasse o uso dos princípios e tivesse experiência estaria melhor
capacitado para avaliar uma situação de guerra e conflito1120, segundo Mahan. Afirmava,
também, que esses princípios seriam inúteis para um utilizador que não tivesse refletido a
forma como eles deveriam ser utilizados. Diria, em complemento, que o “estudo era
simplesmente a inteligente observação de incidentes, de eventos e a retirada, a partir deles
de conclusões que eram chamados de princípios”.1121 A história provia a matéria bruta do
qual se deveria obter e retirar lições. Os ensinamentos seriam ilustrações desses princípios.
Um exemplo, no entanto, que requeria cuidado por parte do especialista era a aplicação de
princípios em casos envolvendo questões morais, que poderiam transcender o campo
militar. Os princípios que regiam a conduta militar na guerra nem sempre eram

1119
MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op.cit. p. 2.
1120
MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 10.
1121
Ibidem, p. 12.
298

coincidentes com os conceitos que regiam a conduta moral na guerra, daí a dificuldade de
aplicar os mesmos princípios para o campo militar e o campo moral.1122
Mahan prosseguiu afirmando que as lições estratégicas retiradas dos princípios da
história naval teriam maiores valores que as táticas. As lições táticas poderiam indicar
alguns ensinamentos, no entanto o encontro das esquadras oponentes no campo da tática
traria menos ensinamentos, pois foi a estratégia que provocou esses encontros, daí os
princípios terem menos perenidade no campo da tática. As batalhas ocorridas no passado
foram ganhas ou perdidas segundo a aplicação desses princípios gerais e o estudo das
causas e efeitos dos sucessos e insucessos, por parte dos profissionais do mar, podia
permitir maior aptidão para a condução das esquadras em combate. A história, então, para
ele teria o papel de demonstrar o que deveria ser feito, a partir de experiências analisadas
do passado. Mahan procurava, também, analogias entre duas situações históricas similares
para indicar que determinado princípio tinha sido empregado corretamente ou não1123. Em
uma carta para Samuel Ashe, ele disse que “toda a história naval até aqui, fora feita por
navios e armamentos[...] completamente diferentes dos que estão em uso agora”1124,
esforçando-se para demonstrar que, apesar das diferenças, os princípios continuavam os
mesmos e apontar nas lições do passado algo que pudesse servir para o futuro. Sua intenção
era “extrair ensinamentos dos velhos cascos de madeira e dos canhões de 24 libras, o que
trouxesse alguma luz às combinações a serem empregadas entre navios encouraçados,
canhões raiados e torpedos”1125.
Mahan considerava difícil escrever o que se chama na atualidade a história do tempo
presente. Para ele deveria existir um tempo mínimo para a coleta dos fatos históricos
correntes e para a análise desses fatos, que poderiam se apresentar imperfeitos e
conflitantes. Um tempo mínimo seria requerido para o pesquisador verificar a sua
totalidade e a sua verdadeira importância relativa. Afirmou ele que:

Existem, assim, duas operações distintas essenciais na acuidade de


julgamento para a finalidade da pesquisa. A primeira, o diligente e
minucioso estudo do detalhe no qual o conhecimento é completo e a

1122
Ibidem, p. 234.
1123
MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op cit p.44.
1124
BARBER, James. Mahan e a Estratégia Naval na Era Nuclear.Revista Marítima Brasileira.. Rio de
Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 3.Trim, 1976, p. 90.
1125
Idem.
299

segunda um determinado afastamento do pensamento de prejulgamentos


e paixões provocadas pelo contato imediato [com o fato histórico], um
certo afastamento correspondente a idéia de distância física no qual a
confusão e distorção desaparecem e assim possa ser possível não
somente distinguir os pontos decisivos do período, mas também relegar
a seus lugares corretos os detalhes que, no momento em que ocorreram,
fizeram uma impressão exagerada devido a sua proximidade.1126

Quanto ao ofício do historiador, ele considerava que o profissional da história deveria


possuir fineza no conhecimento, percepção da íntima relação com os fatos históricos em
suas mais diferentes ramificações e domínio das diferentes fontes de evidência, de
declarações de testemunhas que, muitas vezes, eram conflitantes e irreconciliáveis. O poder
de criticar seria simplesmente um incidente oriundo da compilação dos fatos reunidos. O
historiador seria, segundo ele, um juiz e os jurados em um tribunal, não estabelecendo os
fatos, mas decidindo conforme as evidências. A isso tudo ele chamou de a “expressão geral
do conhecimento” do profissional de história que devia ser paciente e diligente na análise
do material apresentado1127. A preocupação principal do historiador devia ser compilar o
que ele Mahan classificou como “verdades”, muitas vezes contraditórias, confusas e
“indesejáveis”, que compunham um quadro que apontava a impressão do que deveria ser a
“verdade”1128. A fidelidade na apresentação dos fatos não consistia meramente em apontar
todos os fatos. A ênfase dada a cada um deles era tarefa essencial do historiador, de modo a
facilitar a compreensão do leitor ou do observador. O importante era a idéia central.1129
Acreditava que a pesquisa e a escrita da história eram realizadas pelo historiador
como um ato divino e religioso e seu objetivo principal era atingir o homem comum.
Reconhecia, também, que os historiadores, de um modo geral, desconheciam as
especificidades da guerra naval, não possuindo nem interesse nem conhecimento nesse
campo da história especial que era a história naval. Dizia, também, que esses historiadores
não percebiam a importância que o poderio marítimo tivera no desenvolvimento das
nações1130. Considerava que era simples para um historiador apontar o mar, de uma forma

1126
MAHAN, Alfred. Lessons of the War with Spain. op.cit. p. 22.
1127
MAHAN, Alfred Thayer. The Writing of History. The Atlantic Monthly. Boston: Houghton, Mifflin and
Co, v.41, n. 545, mar, 1903, p. 290.
1128
MAHAN, Alfred. Naval Administration and Warfare. op.cit. p. 250.
1129
Ibidem, p. 251.
1130
MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. op. cit. P. iii.
300

generalizada, como um meio de desenvolvimento das nações na história, no entanto a


generalização não era o meio correto de se abordar a questão. Essa visão era vaga e sem
substância. O importante para o historiador naval era demonstrar e analisar a relevância de
casos particulares do uso do mar para o desenvolvimento nacional, em determinado período
histórico, sem generalizações que nada agregavam ao estudo da história. O mar foi e
continuava sendo desconhecido para a grande massa de pessoas e para os historiadores. Em
carta a Laughton, disse que “notou como você [Laughton] sem dúvida, também, que no
momento em que os historiadores de terra1131 tocavam a água salgada, uma nuvem os
encobria, uma névoa impedia que compreendessem o que viam.”1132 Acreditava, assim, que
sua função social como historiador naval era trazer à discussão a importância do poder
marítimo no curso da história. Dois outros autores Mahan considerou como seus
predecessores, Sir Walter Raleigh e Francis Bacon1133.
Para Mahan a função do historiador, ao escrever a história, não era simplesmente
acumular fatos em sua totalidade ou em sua acuidade, mas apresentar esses fatos de modo
inteligente para o que ele chamou de “homem da rua”1134 não tivesse qualquer dificuldade
no seu entendimento. Em falhar a transmitir essa idéia, o historiador deixava de cumprir sua
tarefa como profissional, apesar de toda a sua “expressão geral do conhecimento” que
simplesmente permanecia com ele e não era transmitida como deveria.
O texto histórico não era somente uma narrativa corrente, nem mesmo se fosse viva e
eloqüente. Não adiantava ser detalhista e perfeita a cronologia, se ao final da leitura se
percebesse que os fatos descritos passaram pelo texto como “um movimento ocorrido na
rua por quem observa da janela”1135. Um detalhe podia até ficar gravado na memória,
contudo nada permanecia, a não ser a seqüência de imagens sem início nem fim. A história,
para o autor norte-americano, devia ter uma continuidade que consistia em sua utilidade
como o poder de ensinar, baseado na experiência. Cuidado devia ser tomado na acumulação
de fatos sem correlação.

1131
Mahan utilizou a palavra “shore historians” que foi traduzido como historiadores de terra.
1132
Carta de Alfred Thayer Mahan para John Knox Laughton escrita de Slumberside em 8 de agosto de 1902.
Fonte: LAMBERT, Andrew. Letters and papers of Professor Sir John Knox Laughton. op.cit. p. 217.
1133
MAHAN, Alfred. From Sail to Steam. op. cit. p. 276.
1134
No original “the man on the street”. Ibidem, p. 252.
1135
Idem.
301

Os fatos históricos para Mahan, embora exaustivos e ardorosamente obtidos, eram


somente tijolos e cimento para o profissional, em sua forma bruta simplesmente. Somente
após a análise do “artista” a que ele correlacionava ao historiador, a “obra” surgia, a
verdadeira narrativa histórica, como uma criação de arte, após árdua concepção. O
historiador devia possuir, então, a capacidade de análise, perspicácia e imaginação. O
requisito principal a ser seguido pelo profissional deveria ser a unidade na escrita. Essa
unidade se compunha da relação entre as partes do texto e da proporção dessas partes. Essa
unidade implicava multiplicidade, subordinada a uma idéia dominante ou central ou
hipótese principal. Para enfatizar sua idéia, Mahan recorria à Ilíada de Homero quando este
mencionou as diversas ações, fatos e realizações dos diversos personagens que fluíram pelo
poema, no entanto para Mahan, Homero queria exaltar a suprema glória do grande herói
Aquiles1136. Nesse ponto, Mahan ao correlacionar a idéia central ou hipótese de Homero
com a glória de Aquiles pareceu diminuir o papel de outros heróis como Heitor e Odisseu
no poema, tão importantes quanto Aquiles.
Mahan correlacionou o profissional da história com um artista, ao analisar o seu
objeto, separar suas partes componentes, reconhecer as inter-relações entre as partes e a
proporção de importância e interesse de cada uma no texto final. Com isso perfeitamente
delineado, o historiador formava um plano geral, um modelo bruto, já indicando a idéia
central ou hipótese, podendo essa idéia ser até um conflito de dois campos antagônicos,
como por exemplo, a liberdade e escravidão, união e desunião no país ou região, devendo,
no entanto a unidade ser mantida. A idéia central não estava na liberdade ou na escravidão,
mas no conflito entre as duas idéias. Os eventos surgidos deviam ser congregados em torno
da hipótese principal, como uma obra de arte que vai aos poucos se delineando na frente do
artista.
Mahan apontou que, além de artista, o historiador devia ter a tarefa de instruir os
homens, de ser um demonstrador de lições a serem apreendidas. A precisão do historiador,
sem dúvida nenhuma, era sua obrigação profissional, no entanto podia acorrentá-lo,
fazendo com que ele omitisse o mais importante: a idéia central. Ao coletar grande
quantidade de fatos, ele poderia não perceber que o controle desses fatos seria cada vez
mais problemático. Ele devia, assim, limitar seu campo de análise a aquilo que ele podia

1136
Ibidem, p. 255.
302

controlar. A exaltação da acuidade de pesquisa histórica, indicada por alguns historiadores


profissionais, por si só, para ele, era uma inutilidade. Acreditava que, em um texto de
história, o importante era perseguir a idéia central, objetivamente, com alguns fatos bem
fundamentados e interpretados. Afirmou, inclusive, que “a paixão pela certeza [por parte do
historiador] pode cair na incapacidade de decidir; um vício reconhecido na vida militar e
que necessita de reconhecimento em outro lugar”1137. Complementou, afirmando que o
estudo intensivo de casos dotaria o pesquisador e o aluno de uma maior compreensão, uma
ampla visão, uma maior aptidão e rapidez na aquisição de detalhes críticos, ao invés de
estudar detalhes de menor significado na história.1138
A “teoria de composição histórica”1139, segundo suas próprias palavras, se baseava
em coletar material bruto, os fatos históricos desconectados, e em perceber como os
homens agiram e de que forma, temperados com grande dose de inspiração, tal como um
artista agiria na criação de uma obra de arte. Para ele existiam poucos historiadores dotados
dessa inspiração, tal como existiam poucos artistas. Para chegar ao ponto de ser
considerado um artista, o historiador precisava desenvolver um processo intelectual
acurado, ao contrário do artista puro que necessitava somente de genialidade e inspiração.
A capacidade de estudar os fatos analiticamente, de detectar as grandes linhas principais de
raciocínio, de determinar a importância relativa de cada uma delas, de reconhecer as
relações mútuas e sobre tudo isso de apresentar um texto lógico, deveria compor o processo
intelectual do historiador. Não devia ser esquecido, lembrou Mahan, que o delineio de uma
cadeia de causa e efeito, a organização e classificação dos incidentes históricos, em
princípio desconectados, deviam revelar a unidade central e expor ao leitor a principal
tendência predominante de determinada época apresentada.1140
Mahan acreditava que, utilizando esses princípios, poderia ser obtida a solução para
compreender os problemas da guerra, no caso de se relacionarem à conduta das campanhas,
o que ele chamava de estratégia ou no caso de se relacionarem com a direção das batalhas,
o que chamava de tática. O historiador naval que conhecesse os princípios de guerra,
encontrava a evidente necessidade de construir sua narrativa com uma unidade substancial,

1137
MAHAN, Alfred. The Writing of History. op.cit. p. 294.
1138
MAHAN, Alfeed. Naval Strategy. op.cit. p. 120.
1139
MAHAN, Alfred, Naval Administration and Warfare. op.cit. p. 262. A palavra usada por Mahan no
original foi ‘the theory of historical composition’.
1140
Ibidem, p. 263.
303

percebendo a idéia central e os fatos que sustentavam essa idéia. Ele comparou essa tarefa
de pesquisa com a palavra “concentração”, um evidente princípio de guerra, ao agrupar os
fatos em torno de uma idéia central e as tropas no campo em um ponto definido.1141 A
lógica e a imaginação deviam andar juntas, contudo, para ele, a lógica devia prevalecer.
Uma batalha bem pesquisada e descrita devia ser como uma obra de arte realizada pelo
historiador militar.
Para um estudante de história naval o estudo da guerra terrestre era de suma
importância, em virtude do extensivo desenvolvimento narrativo e por existir mais guerras
em terra que no mar. Acresça-se, também a isso, existir maior quantidade de material para
pesquisa, assim como os exemplos no uso e aplicação de princípios eram mais explícitos e
numerosos.1142
Mahan apontou uma analogia entre a escrita da história militar com os outros campos
da história tais como a história política, a história econômica e a história social, no entanto
chamou a atenção que ela se diferenciava dos outros campos pela ênfase no que chamou de
“plano humano”1143, por uma marcada finalidade em sua conclusão e acima de tudo por
uma vivacidade nas ações, tudo isso enfatizado em uma grande unidade temática. Uma
declaração de guerra, um tratado de paz, uma vitória decisiva eram, por exemplo,
indicadores importantes de uma época, havendo analogia com outros eventos ocorridos no
que ele chamou de “história civil”.1144 Na escrita da história militar, a ofensiva chocou-se
com a defensiva, opondo dois lados na guerra, reproduzindo-se em toda a história. Da
mesma forma, o conservadorismo chocou-se com o progresso que exigia mudanças, sendo
a resultante de cada conflito, como em cada guerra, uma modificação das condições
reinantes, não necessariamente uma imediata reversão. Mudança total, para ele, tinha sido
rara na história. Nem revolução nem estagnação, contudo avanço, gradual e moderado, fé
na estabilização da ordem, nos princípios fundamentais, no progresso regulado e
progressivo, assim pensava1145.

1141
Ibidem, p. 265.
1142
MAHAN, Alfred. Naval Strategy. op.cit. p. 121.
1143
MAHAN, Alfred, Naval Administration and Warfare. op.cit. p. 268.
1144
Idem.
1145
Dessa forma, Mahan não concordaria hoje em dia com a definição de Revolução nos Assuntos Militares,
propugnada por muitos historiadores militares contemporâneos.
304

Mahan, ao analisar a história, escolhia os exemplos que melhor atendessem suas


concepções, desprezando aqueles que, por alguma razão não corroborassem os seus
princípios fundamentais. Essa visão seletiva e enviesada de interpretação histórica o
comprometeu como um historiador imparcial. Sua ênfase exagerada no fato com pouca
problematização e excesso de dogmatismo e etnocentrismo anglo-saxão o colocam
atualmente como um historiador limitado.
Sua preferência por fontes secundárias não significava que não considerasse
importante o trabalho historiográfico com fontes primárias. Tinha perfeita consciência que
cartas pessoais, documentos estatais e diários eram fontes essenciais para o ofício do
historiador. Disse que sua biografia de Nelson fora um sucesso, em parte, em razão de seu
trabalho com a correspondência do herói britânico e que essa obra lhe dera muito mais
trabalho que seus livros da trilogia The Influence of Sea Power. Considerava que o trabalho
biográfico, de acordo com seus propósitos e desejos, era “muito mais difícil de filosofar
sobre a história”.1146 Pesquisar e compilar grande quantidade de documentação primária e o
mais importante, julgar o que era perinente ou dispensável lhe foi muito desgastante e
trabalhoso, consumindo grande energia e por esse motivo não ia escrever mais nenhuma
biografia. Ao escrever sobre Nelson, Mahan mergulhou em documentos públicos e dessa
imersão tirou algumas lições interessantes. Em carta a seu colega historiador Andrew
MacLaughlin comentou sobre isso afirmando:

Documentos públicos são necessários e valiosos; mas em uma fase inicial


de minha vida como escritor de história refiz a minha idéia que a verdade
era mais fácil de ser obtida pelo acesso a cartas privadas, submetendo-as
a exames cruzados comparativos e outras evidências. Na correspondência
privada, as pessoas falam mais livremente, o que vai contra a verdade, no
entanto elas também falam abertamente o que é verdade e os ganhos são
maiores que as perdas, desde que haja uma percepção razoável e o exame
cruzado. Particularmente elas revelam motivos que são talvez mais
importantes para a história que os fatos. Eu nunca confiaria em um
despacho público de um general perdedor e acredito que os políticos
ajam da mesma forma.1147

1146
SEAGER II. The man and his letters. op.cit. p. 437.
1147
Carta de Alfred Thayer Mahan para Andrew MacLaughlin escrita de New York em 17 de janeiro de 1905.
Fonte: SERAGER II, MAGUIRE. Letters and papers of Alfred Mahan. V.3.op.cit p. 116
305

Apesar de reconhecer a importância de trabalhar com documentos primários, Mahan


preferia o auxílio de obras prontas como forma de moldar o seu pensamento e sua escrita da
história. O livro sobre Nelson foi uma das salutares exceções a seu método de trabalho.
Apesar de percalços no método e no determinismo explícito de sua concepção de
história, Mahan, segundo Sumida, “estabeleceu a fundação da moderna história naval e
estratégia em seus livros sobre o poder marítimo”1148. Donald Schurman diria, em
complemento, que “o impacto de Mahan no crescimento da história naval foi maior que
qualquer outro escritor provindo da esquadra. Ele discutiu um conjunto de batalhas e
deixou a história como legado que estava intimamente conectado com a política externa e a
história geral do estado-nação”1149. Reproduzindo Paul Kennedy, “Mahan é e sempre será
um ponto de referência e partida de qualquer estudo sobre poder marítimo”.1150
Assim como seu amigo Laughton, o seu grande exemplo de chefe naval foi Horatio
Lorde Nelson, um paradigma para a guerra naval no final do século XVIII e no início do
XIX. Muitos dos “princípios” por ele apontados foram derivados da guerra naval e das
ações de Nelson em suas lutas contra os franceses. A vida desse personagem o atraiu e tal
como Laughton, nela se debruçou com o seu Life of Nelson de 1897. Nos próximos
capítulos serão discutidas as percepções que Laughton e Mahan tiveram desse herói naval
britânico, procurando-se indicar as diferenças e concordâncias dos dois trabalhos
biográficos.

1148
SUMIDA, op.cit. p. xi.
1149
SCHURMAN, Donald. The Education of a Navy. Op.cit. p. 82.
1150
SUMIDA, op.cit, p. 1.
306

CAPÍTULO 5

FOR KING AND COUNTRY: A FORMAÇÃO DO HERÓI HORATIO LORDE


NELSON

Em 1889 Sir John Knox Laughton lançou no mercado editorial britânico Nelson, seu
primeiro trabalho biográfico sobre esse herói naval inglês.1151 Livro baseado em larga
documentação primária, tornou-se uma obra fundamental para quem trabalha com a vida de
Nelson. Sete anos depois, Laughton lançou o seu segundo trabalho biográfico sobre esse
personagem, The Nelson Memorial,1152 um “complemento ao trabalho de 1889”, segundo
suas próprias palavras.1153 Ao todo foram 240 páginas divididas em 11 capítulos para o
Nelson e 351 páginas em oito capítulos para o The Nelson Memorial.
Esses dois trabalhos podem ser classificados como biografias históricas, segundo
conceituação de Francisca Nogueira de Azevedo, por apoiar-se em documentação que, de
uma certa maneira, imprimiu um ponto de vista à narrativa, a descrição de um herói na
história britânica, orientando o caminho a ser percorrido pelo velho historiador inglês.1154
Foi um trabalho apoiado em provas coletadas durante a pesquisa, fundamentalmente a
correspondência pessoal de diversos personagens que conviveram com Nelson e nas
próprias missivas do herói com pessoas de seu relacionamento. Foi, com certeza um
trabalho rigoroso e científico por parte de Laughton, sempre preocupado com o método
lógico. Recorrendo-se a tipologia indicada por François Dosse no capítulo um1155, pode-se
classificar esse trabalho como estilisticamente inserido na primeira fase do percurso
biográfico, “a idade heróica”, no qual o biógrafo tinha a tarefa de transmitir valores e
modelos de conduta para as gerações que se seguiram. A todo o instante Laughton quis
demonstrar a necessidade dos jovens oficiais navais ingleses de seu tempo, final do século
XIX, seguirem o exemplo militar de Nelson. Por outro lado, na tipologia de José van den
Besselaar1156, esses dois trabalhos de Laughton se inseriram no que ele chamou de vida

1151
Ver seção 3.2 no capítulo 3.
1152
Idem.
1153
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit. p. 344.
1154
Ver seção 1.1 no capítulo 1.
1155
Idem
1156
Idem.
307

romanceada, embora, para Besselaar isso não signifique recorrer-se a imaginação ciativa
do autor. Por certo essas duas biografias tinham o propósito de atrair o leitor a entrar em
contato com o Nelson oficial de marinha e homem comum, sem pecar pelo excesso e pela
erudição, fato pouco apreciado por Laughton. Considerando a tipologia de Giovanni Levi,
as biografias escritas por Laughton podem ser consideradas uma amálgama de biografias e
contexto e de casos extremos, pois, muitas vezes, ele recorreu a reconstituição do contexto
histórico e social de modo a compreender o que parecia inexplicável em primeiro momento,
de modo a interpretar certas ações de Nelson. Por outro lado, a vida de Nelson para
Laughton se inseria como um estudo de caso típico, ao procurar demonstrar a singularidade
de sua personalidade e ações e o mais interessante, demonstrar o ponto de vista de Nelson
sobre determinado fato ou situação, quase como a descrição de um caso extremo dentro do
universo naval britânico no século XVIII. Nelson, para Laughton, era a “corporificação do
valor, heroísmo, patriotismo e devoção”.1157
Laughton procurou, também, se aproximar ao máximo da precisão, autenticidade e da
probidade, conforme apontado por Jean Orieux.1158 Não se pode, no entanto, afirmar que
Laughton tenha discutido exaustivamente as diversas situações vividas por Nelson e nesse
ponto a obra de Alfred Mahan parece ter mais abrangência. O autor norte-americano
procurou discutir detalhadamente as ações mais simples de Nelson, fato não obervado por
Laughton, que preferiu mostrar um personagem inteiro, sem detalhes, que para ele se
mostravam insignificantes, para compor um quadro único e compacto, isso, no entanto, não
impediu que Laughton fizesse Nelson caminhar “bem vivo entre leitores igualmente vivos,
que o receberam, que por vezes o compreenderam e chegaram a acarinhá-lo”1159 segundo
palavras do prório Orieux para indicar a arte de se escrever uma biografia.
Quanto ao contexto da época em que Nelson viveu, Laughton procurou inseri-lo no
ambiente naval e social do período, apontando as escolhas, as incertezas e as opções
oferecidas a ele durante sua carreira naval, além de seus sentimentos em relação a outros
personagens.1160 Laughton, no entanto, foi mais prudente ao preencher as lacunas não
abarcadas por documentação, evitando, sempre que possível, expressões como ‘talvez’ e ‘é

1157
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial.op.cit. p. 3.
1158
Ver seção 1.1 no capítulo 1.
1159
ORIEUX, op.cit. p. 47.
1160
Ver a discussão do contexto em relação ao trabalho biográfico de Benito Bisso Schmidt na seção 1.1 do
capítulo 1.
308

possivel’, em razão principalmente de seu método de trabalho assentar-se em


documentação primária e desconsiderar ‘invenções’ que poderiam, para ele, falsificar a
história por detrás do homem.
Finalmente quanto ao estilo, segundo concepções de Peter Gay1161, Laughton pode ser
qualificado como um historiador com um estilo profissional que se originou em suas
escolhas técnicas, instrumentos profissionais bem definidos, fontes primárias em sua
essência e secundárias para comprovar hipóteses, já por ele assumidas. Certamente que
muito do que ele escreveu indicou o estilo de pensar, quarto estilo definido por Gay, que
foi determinante para ele discutir temas mais picantes da vida de Nelson ou simplesmente
não discuti-los por razões de foro íntimo. Seu modo de pensar vitoriano o fez refletir sobre
se determinado ponto discutível da vida de seu herói deveria ser explorado ou
simplesmente evitado. Laughton se encaixou perfeitamente no que Gay afirmou ser a
prática de respeitar a invasão de privacidade de olhos indiscretos, ocultando ou pouco
discutindo casos de cobiça, fraqueza extrema ou sensualidade do seu biografado. As
experiências erótico-amorosas de Nelson foram pouco discutidas por ele, ao contrário de
Mahan. Afinal, pode-se imaginar Laughton pensando consigo mesmo “por que expor
aspectos amorosos de Nelson, se o mais importante foi o que ele realizou em defesa da GB?
Laughton seguiu exatamente as palavras de Gay ao afirmar que “a privacidade não era um
direito de nascença, mas uma conquista”.1162 Laughton era um moralista vitoriano típico e
isso se refletiu em sua biografia de Nelson, corroborando dessa maneira as percepções de
Mikhail Bakhtin1163.
Alfred Mahan lançou o seu livro The Life of Nelson. The embodiment of the sea
power of Great Britain em dois volumes em 1897, um ano depois do The Nelson Memorial.
O primeiro volume, que abarcou o início da vida de Nelson até o choque com o almirante
Lord Keith, seu comandante no Mediterrâneo em 1799, totalizou 454 páginas em 13
capítulos. O segundo volume abarcou desde 1799 até a sua morte em Trafalgar, perfazendo
398 páginas com mais dez capítulos.
Da mesma maneira que Laughton, a obra de Mahan pode ser classificada como uma
biografia histórica, pois, apesar de não ser de seu agrado, ele recorreu exaustivamente as

1161
Ver seção 1.1 do capítulo 1.
1162
GAY, Peter. O coração desvelado.A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud. op.cit. p. 190.
1163
Ver seção 1.1 do capítulo 1.
309

cartas de Nelson, aos seus despachos e de seus contemporâneos, de modo a se aproximar do


que acreditava ser a verdade. Algumas obras já publicadas sobre Nelson foram muito
referenciadas por Mahan, como, por exemplo, o livro de J.S. Clarke e John McArthur Life
of Admiral Lord Nelson em dois volumes de 1809, a obra monumental de Sir Nicholas
Harris Nicolas Despatches and Letters of Vice-Admiral Lord Viscount Nelson em sete
volumes de 1844 e o livro de Robert Southey The Life of Horatio, Lord Nelson de 18131164.
Segundo tipologia estabelecida por François Dosse, o livro de Mahan, também, pode
ser classificado como estilisticamente inserido na chamada “idade heróica” pois, a todo
momento, Mahan chamou a atenção para as qualidades guerreiras de Nelson e os seus
procedimentos e condutas a serem admiradas e copiadas pelas gerações que se seguiram.
No caso da tipologia formulada por José van den Besselaar, pode-se classificar a biografia
de Nelson, escrita por Mahan, como sendo vida romanceada por ser clara, realista, segundo
sua visão e detalhada, sempre com documentação que a suportasse, a exemplo da obra de
Laughton. Seguindo a tipologia de Giovanni Levi, essa obra de Mahan possui
características das duas maneiras, as biografias e contexto e casos extremos, uma vez que o
contexto foi muito bem explorado por Mahan em seus escritos, inclusive com maior
intensidade que Laughton. Sua preocupação em detalhar os diversos aspectos da vida do
herói naval foi maior que a de Laughton, mais preocupado com a uniformidade biográfica.
Mahan procurou apontar Nelson como um caso extremo, ao indicar a excepcionalidade de
sua personalidade e de suas ações, além de seu universo, por meio de sua documentação
ativa. Mahan, ao mesmo tempo, procurou realizar um trabalho artístico, mesclado de fontes
primárias, procurando “transformar conhecimentos mortos num homem vivo”1165 segundo
palavras de Jean Orieux. O envolvimento de Mahan foi total, quase um casamento.
Considerando sua falta de experiência e pouca propensão a pesquisa arquivística, sua
biografia foi um trabalho monumental, trabalhoso e paradigmático. Para Mahan, a biografia
de Nelson tinha como propósito “apresentar os traços [de Nelson] em sua totalidade, sem
suprimir nada e em proporções relativas devidas para produzir sem embaçar ou distorcer
aspectos vistos por lentes imperfeitas”1166. Estudar-se Nelson e a Marinha britânica do
século XVIII sem o livro de Mahan é uma lacuna importante em qualquer pesquisa.

1164
Ver Apêndice A) com obras publicadas sobre Nelson no século XIX.
1165
ORIEUX, op.cit. p. 44.
1166
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 3.
310

No que diz respeito ao contexto, conforme descrito por Benito Bisso Schmidt, Mahan
foi mais detalhista que Laughton, procurando, sempre que considerava conveniente,
descrever o contexto histórico no qual Nelson estava inserido. Há uma grande diferença de
ênfase entre o contexto apontado por Laughton e Mahan. O segundo chegou a ser exaustivo
na descrição contextual. Quanto a completar lacunas de períodos em que não existia
documentação pertinente, Mahan foi mais ousado que Laughton, possivelmente em razão
de sua falta de preocupação com a técnica historiográfica, uma obsessão para Laughton.
Além do mais, o método historiográfico para Mahan era flexível, procurando, por sua vez,
enfatizar mais o aspecto estilístico gramatical com um rico vocabulário na arrumação das
frases no texto do que o aspecto formal metodológico1167. Por certo, algumas vezes, o estilo
rebuscado das palavras no texto dificultava o entendimento do que ele efetivamente
desejava. Como exemplo, ao descrever como Nelson se sentia em relação ao amor, Mahan
procurou não citar Emma explicitamente, mas por detrás de suas afirmativas ela lá se
encontrava todo o tempo. O mais interessante era que Mahan estava descrevendo o
casamento de Nelson com Frances Nisbet e não sua futura relação com Emma1168.
Quanto ao estilo propugnado por Peter Gay, Mahan pode ser classificado como um
estilo emocional ao adjetivar continuamente seu herói. Seu texto chega a ser
excessivamente laudatório do desempenho profissional de seu herói, isso não significando
que perdoasse as escapadas sexuais de Nelson e seus erros de julgamento em certas
ocasiões. Com uma personalidade “misturada com fortaleza e fraqueza, com grandes erros
e virtudes, porém com um charme por todos percebidos”1169 Nelson era seu modêlo. Pode-
se perceber claramente sua admiração explícita pelo seu biografado. Laughton foi mais
contido que Mahan, embora o admirasse ao extremo. Disse Mahan que “raramente um
homem foi mais favorecido no seu tempo de existência e nunca tão afortunado no momento
da morte”1170 que Nelson. Seu estilo também é literário ao se preocupar com a perfeição
na arrumação das frases e na correção de seu inglês. Sua divisão capitular foi bem mais
detalhada e rebuscada que a de Laughton. O estilo profissional se deu com certeza, ao se
preocupar com as fontes pesquisadas, no entanto, não com a intensidade de Laughton. Seu

1167
Ver seção 4.4 no capítulo 4.
1168
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 67.
1169
Ibidem, p. 3.
1170
Ibidem, p. 2.
311

modo de pensar teve reflexos diretos nos três estilos descritos, em especial na sua análise
da conduta de Nelson em relação a Emma. Suas críticas sobre essa conduta foram mais
contundentes que as de Laughton, fruto de sua religiosidade extremada que pouco perdoava
desvios de conduta. E essa parece ser uma grande diferença em relação a percepção que
Laughton teve de seu herói, pelo menos naquilo que foi escrito. Por certo, por provir de
uma outra cultura, a norte-americana, pouco influenciada pelo modo britânico vitoriano de
ser, Mahan não economizou adjetivos para classificar certos atos de Nelson e de Emma.
Sua religiosidade e moralismo tiveram maior impacto no seu texto e isso não foi escondido
por ele. Esse modo de perceber o “seu” herói parece se conformar exatamente com aquilo
que Mikhail Bakhtin afirmou da relação entre o biógrafo e o biografado.1171
Dessa forma, depois da discussão da estrutura e estilo das biografias de Laughton e
Mahan, pretende-se analisar nesse capítulo a trajetória de Nelson pelos olhos desses dois
biógrafos, seguindo a ordem cronológica de vida do herói, procurando por meio da análise
discursiva e do método comparativo, indicar os pontos coincidentes e discordantes das
percepções sobre esse herói britânico entre os dois autores. Sempre que for necessário,
serão feitas correlações com a teoria dos limites do herói na história de Sidney Hook e com
a jornada do herói de Joseph Campbell discutidos no capítulo inicial dessa tese,
procurando-se apontar aspectos coincidentes e discordantes, a partir das descrições textuais
dos dois biógrafos apontados.

5.1- Os primeiros anos do herói:

Horatio Nelson nasceu em Burham Thorpe no condado de Norfolk, no leste da


Inglaterra em 29 de setembro de 1758, no segundo ano da Guerra dos Sete Anos que
envolveu a GB de Jorge II em um grande embate com a França de Luiz XV. Foi o quinto
filho de um pároco anglicano chamado Edmund Nelson e de Catherine Suckling. Seu pai
provinha de uma família de párocos ligados a Igreja da Inglaterra, enquanto sua mãe era
proveniente de uma família de maiores posses e conexões. Ela foi sobrinha neta de Sir
Robert Walpole, primeiro-ministro por 20 anos nos períodos de reinado de Jorge I e II. Seu
nome de batismo Horatio proveio provavelmente do irmão de Sir Robert, Horatio Walpole

1171
Ver capítulo 1, seção 1.1.
312

ou do filho de Sir Robert, Horace. Para Laughton esse nome deve ter se estabelecido na
família a partir de Sir Horatio Vere, Lord Vere de Tilbury, declarado cavaleiro em 1596.1172
O irmão de Catherine, Maurice Suckling era oficial de marinha e se distinguira como
comandante do HMS Dreadnought durante a Guerra dos Sete Anos.1173 A conexão da
família Nelson com o mar parece ter vindo do período de reinado de Elizabeth I.1174 Houve
uma maior preocupação de Laughton com os antecedentes familiares dos Nelsons e
Sucklings, remontando-os até o século XVI, fato que para Mahan não teve tanta
importância, possivelmente por provir de outra sociedade pouco preocupada com as
ligações familiares comunitárias pretéritas.
Pouco se conhece da infância de Horatio Nelson, contudo sabe-se que estudou em
Norwich e em North Walsham. Nelson possuía uma compleição frágil, tendo Mahan
apontado que, em diversos períodos de sua vida, essa fragilidade se mostrou em toda a sua
força, com alusões a doenças, infecções e suscetibilidade a sofrer com baixas e altas
temperaturas1175. Aos nove anos de idade Nelson perdeu sua mãe e seu pai se viu às voltas
sozinho com a educação de um grande número de filhos1176. Maurice Suckling era na
ocasião comandante do navio de 3a classe HMS Raisonnable de 64 canhões1177 e vendo a
situação de seu cunhado, ofereceu-se para introduzir um de seus filhos na RN. O escolhido
foi Horatio, o que causou surpresa no próprio Maurice, pois era o mais frágil de todos os
filhos de Edmund. Perguntou ele, então, a seu cunhado “o que fez o pobre Horatio tão frágil
em relação aos outros para ser enviado para o mar ? No entanto, deixe-o vir e se um tiro de
canhão arrancar sua cabeça, pelo menos ele estará acolhido”.1178 No entanto Horatio era
determinado e aceitou o desafio1179, o que ocorreu em 1771, quando ele contava com 12
anos de idade. Naquela oportunidade cada capitão de navio podia escolher quem quisesse
para tornar-se midshipman.1180

1172
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 5.
1173
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 4.
1174
Ibidem, p. 6.
1175
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 5.
1176
Catherine Suckling gerou no total 11 filhos em seu casamento com Edmund Nelson.
1177
Ver seção 2.2 no capítulo 2 e Apêndice C).
1178
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 6.
1179
Segundo a teoria da jornada do herói de Joseph Campbell, pode-se apontar que Nelson cumpriu a primeira
etapa dessa jornada, ao aceitar o desafio e o chamado à aventura, ao se agregar à Marinha Real, apesar de sua
aparente fragilidade.
1180
Ver na seção 2.3 no capítulo 2 o processo de entrada de um midshipman na Marinha Real.
313

Em seguida, Maurice foi transferido para outro navio como comandante, o HMS
Triumph e levou Nelson consigo como seu servente, o que em verdade equivalia a ser
cadete naval, sob sua orientação. Logo depois de embarcá-lo no Triumph, Maurice ofereceu
Nelson a um conhecido mestre de um navio mercante que se destinava às Índias Ocidentais
de modo a que ele obtivesse maior “tempo de mar”. Nesse navio Nelson permaneceu por
cerca de um ano aprendendo, como um simples marinheiro, a arte de navegação e
marinharia. Laughton criticou severamente Maurice, não por ter “oferecido” seu sobrinho
para outro navio, mas por ter mantido registro de sua permanência no Triumph e assim
continuando a receber pagamentos e gratificações por tê-lo em seus livros de portaló1181.
Disse ele que esse procedimento era comum na época, “mas moral e legalmente errado,...
claramente contrário ao espírito e a letra da lei”1182. Mahan, por outro lado, não considerou
errado esse procedimento de Maurice. Para ele o tio “continuou com inteligência e
solicitude a promessa de cuidar de Nelson”1183. Para Mahan, Maurice quis preparar seu
sobrinho para a vida no mar de modo mais expedito, uma vez que existiam na ocasião,
1771, poucos navios de combate em comissão e seus conveses estavam sobrecarregados
com midshipmen, o que dificultaria o aprendizado de seu protegido, dessa maneira “Nelson
foi enviado por seu cuidadoso guardião a um navio mercante para as Índias Ocidentais de
modo a aprender...os elementos de sua profissão...e desenvolver seu potencial mais
rapidamente”1184, segundo palavras do autor norte-americano.
Em julho de 1772 Nelson regressou para o Triumph com o posto de midshipman sob
o olhar cuidadoso de seu tio. No ano seguinte, a seu pedido, com a concordância de
Suckling, Nelson foi transferido para o HMS Carcass em viagem ao Ártico e em seguida
para o HMS Seahorse, uma fragata de 24 canhões1185 sob o comando do capitão George
Farmer1186 que viria depois, em 1779, durante a Guerra de Independência dos EUA, a
falecer em combate no comando do HMS Quebec. Por sua bravura, seu filho mais velho foi
elevado por Jorge III a barão e sua viúva recebeu uma pensão do estado de 200 libras

1181
Livro de registro de tripulantes em um navio.
1182
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 10.
1183
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 9.
1184
Ibidem, p. 10.
1185
Ver Apêndice C).
1186
Farmer fora midshipman de Maurice durante a Guerra dos Sete Anos e assim a ele estava ligado.
314

anuais1187. Esse foi o oficial responsável perante Maurice a ensinar Nelson a arte de
combater no mar1188. Essa fragata viajou por sua vez às Índias Orientais e ao Golfo Pérsico.
Em março de 1776 Nelson foi transferido, em razão de um problema de saúde, por ordem
do comodoro do esquadrão, Sir Edward Hugues para o HMS Dolphin sob o comando do
capitão Pigot1189 que se encontrava de regresso à GB. Em setembro daquele ano, o Dolphin
chegou à Inglaterra. Nesse ínterim, Maurice foi promovido ao cargo de Controller of the
Navy1190 e assim dotado de maior influência e poder. Por seu pedido especial, Nelson foi
aceito como midshipman a bordo do HMS Worcester que se encontrava sob o comando do
capitão Mark Robinson1191. Suckling enviara a ele uma carta especial de recomendação,
solicitando uma atenção especial com seu jovem sobrinho, o que foi plenamente atendido,
sendo considerado um “tenente em potencial” por Robinson1192.
Ao chegar de uma viagem a Gibraltar, Nelson recebeu autorização para realizar o
exame para tenente, embora faltassem ainda dezoito meses para completar a idade mínima
para o concurso, isto é 19 anos1193. Mahan supõe, com razão, que Suckling tenha
contribuído com sua influência na obtenção dessa autorização para que o sobrinho se
submetesse ao exame1194. Em 10 de abril de 1777, com ainda 18 anos de idade, Nelson foi
aprovado e promovido a tenente da RN. Um fato mencionado por Mahan e omitido por
Laughton foi que na comissão de exame composta por três capitães1195, um deles foi o
próprio Suckling. Ora, sabe-se que dificilmente Nelson seria reprovado no exame, pois seu
tio lá se encontrava para protegê-lo, no entanto Mahan afirmou que “[Maurice] escondeu o
fato de seu parentesco até que os outros membros [da comissão] estivessem satisfeitos”.1196
Será que os outros dois oficiais não tinham conhecimento desse parentesco? Dificilmente,
ainda mais em um serviço no qual todos tinham conhecimento das relações sociais mútuas.

1187
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 12.
1188
Um dos colegas midshipmen de Nelson no Seahorse foi Thomas Troubridge que viria no futuro a ser a ele
associado.
1189
Durante a viagem Pigot tudo fez para atender e curar Nelson de sua doença, o que foi posteriormente
reconhecido por ele.
1190
Ver seção 2.2 capítulo 2.
1191
O capitão Mark Robinson viria a perder uma perna durante a Guerra de Independência dos EUA.
1192
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 14.
1193
Ver 2.3 capítulo 2.
1194
Suckling teve marcante participação no avanço de Nelson no início de sua carreira e seu papel de mentor
fica bem claro, considerando a teoria de Campbell, inclusive em sua promoção por exame a tenente.
1195
Ver seção 2.3 capítulo 2.
1196
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit p. 16.
315

Possivelmente por isso Laughton tenha omitido tal aspecto. Seu herói estava acima de
conchavos para promoção e proteções desse tipo, embora explícitas para Laughton, não
deviam ser comentadas. Sua próxima comissão foi na fragata de 5a classe com 32
canhões1197, o HMS Lowestoft sob o comando de um capitão que viria a ser um de seus
grandes mentores e amigos, William Locker.1198
Locker fora ferido gravemente na perna durante a Guerra dos Sete Anos quando era
primeiro tenente a bordo do HMS Experiment ao abordar o corsário francês Telemaque.
Apesar do grave ferimento, Locker prosseguiu na carreira e foi um dos tenentes a bordo do
HMS Royal George, capitânea do almirante Hawke, vencedor da batalha da Baía
Quiberon1199. Hawke, ao perceber o valor daquele jovem oficial, o trouxe para o seu círculo
íntimo, passando Locker a ser um de seus protegidos, fato importante em uma carreira que
dependia de conexões sociais.
Locker sempre que podia se referia a Lord Hawke em termos entusiásticos, em razão
de sua grandeza, bondade, educação, gentileza e cavalheirismo.1200 O que Locker aprendeu
com Hawke, ele passou para o jovem tenente Nelson, segundo Laughton1201. Mahan disse
que Nelson encontrou em Locker não somente um oficial admirável e gentleman, mas
principalmente um amigo, com o qual manteve uma longa relação que só foi terminar com
a morte de Locker em 1800.1202 Das 67 cartas de Nelson ainda existentes hoje em dia entre
1777 e 1783, 30 as são da correspondência com Locker.1203
O HMS Lowestoft foi designado em julho de 1777 para as Índias Ocidentais, uma vez
que de lá saíam vários navios que atacavam o tráfego marítimo dos rebeldes norte-
americanos em guerra de independência contra a GB. No início de 1778 o comandante-em-
chefe da Esquadra das Índias Ocidentais na Jamaica1204, o almirante Sir Peter Parker,
transferiu Nelson para o seu capitânea o HMS Bristol, o que pode ser considerado uma
promoção, uma vez que ficava o jovem oficial sob a proteção de um almirante comandante

1197
Ver Apêndice C).
1198
Aparece na trajetória de Nelson o seu segundo mentor e protetor, capitão Locker, que teria uma grande
importância na vida do herói de Burham Thorpe e com ele manteria profusa correspondência por toda a sua
vida.
1199
Ver seção 2.1 capítulo 2.
1200
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit, p. 9.
1201
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 15.
1202
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit, p. 17.
1203
Idem.
1204
Ver seção 2.2 capitulo 2.
316

de força. Laughton supõe, não sem razão, que Sir Peter o chamou em razão de sua relação
familiar com Suckling1205. Isso não significou dizer que Nelson não merecesse a
transferência, muito pelo contrário, no entanto, para Laughton, esse fato foi influenciado
com certeza por interesse social. Disse ele que:

a promoção por interesse era, em algumas situações, não tão ruim para o
serviço, como pode parecer inicialmente...[o sistema] promoveu um
número considerável de homens com pouca idade e houve sempre a
possibilidade que entre os promovidos surgisse alguns homens com
habilidade e gênios que viriam à frente quando chamados.1206

Em um serviço em que as relações sociais faziam toda a diferença, Laughton


parece estar com a razão. Mahan, no entanto, acreditou que essa transferência pode ser sido
influenciada pelas boas referências que Locker fêz de Nelson a Sir Peter1207. Acredita-se
que ambas razões parecem ser pertinentes. Sir Peter precisava de um tenente em seu navio e
a indicação de Nelson por Locker veio a calhar, pois essa indicação se referia a um parente
do importante Controller of the Navy. Essa indicação atendeu aos dois propósitos, o social
e o profissional. O certo é que imediatamente surgiu uma forte ligação entre Sir Peter e sua
esposa com o jovem tenente de 20 anos de idade1208. Lady Parker chegaria em carta a
afirmar a Nelson que “Sir Peter e eu [Lady Parker] sempre o consideramos como a um
filho”1209, traduzindo-se essa afeição na indicação de Horatio a promoção a mestre e
comandante1210 em dezembro de 1778 e o comando do brigue HMS Badger1211. Seis meses
depois, Nelson era promovido novamente a capitão (post captain)1212 por Sir Peter e
nomeado comandante de uma fragata de 6a classe com 24 canhões1213 HMS Hinchinbroke.
Outro promovido a mestre e comandante e depois a capitão por Sir Peter foi Cuthbert
Collingwood, que estaria com Nelson como segundo comandante em Trafalgar em 1805.

1205
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 18.
1206
Idem.
1207
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit, p. 20.
1208
O almirante Sir Peter Parker viveu até 1811 aos 82 anos de idade. Em 1805 quando do falecimento de
Nelson foi um dos almirantes mais antigos que carregou o seu caixão.
1209
Idem.
1210
Ver seção 2.3 do capítulo 2.
1211
O almirante Sir Peter Parker foi outro protetor profissional de Nelson e pode ser considerado como um
mentor na teoria de Campbell.
1212
Idem.
1213
Ver Apêndice C).
317

Tornaram-se, naquela estação naval, grandes amigos e sempre que Nelson era designado
para nova comissão, Collingwood o substituía. Seria assim no Lowestoft, Badger e
Hinchinbroke.
Mahan procurou justificar a rápida promoção de Nelson de tenente a capitão em
somente dois anos. Normalmente o oficial que seguia um padrão normal de carreira na RN
era promovido a tenente com cerca de 19 ou 20 anos de idade, comandante entre 35 e 40
anos e capitão entre 40 e 50, podendo chegar ao almirantado com 50 anos, se tivesse sorte.
Alguns afortunados podiam chegar ao almirantado com menores idades, tais como
Boscawen que chegou ao almirantado com 37 anos de idade, Hawke com 42 anos e Howe
44 anos, sendo esses casos especiais. Nelson chegaria com 38 anos de idade, tendo levado
18 anos para atingir o posto de contra-almirante em razão da promoção a esse posto ser
exclusivamente por antiguidade. Mahan justificou sua promoção rápida a capitão por ser
uma escolha pessoal de Sir Peter, uma vez que “esse resultado [a promoção] foi motivada
principalmente pela natureza da estação [naval] no qual doenças provocaram vagas [para a
promoção] mais rápidas que em combate.”1214 Seja como for, a escolha de Sir Peter tinha
que recair sobre Nelson, pois ele possuía “esse poder de obter confiança e inspirar uma
forte ligação” como um dos maiores “elementos do sucesso de Nelson, tanto como
subordinado como comandante”.1215 Para a sua tristeza o seu grande protetor, mentor e tio
Maurice Suckling morreu nesse período.
Quando no comando do Hinchinbroke, em janeiro de 1780, Nelson participou de um
ataque ao Lago Nicarágua sob controle espanhol. A guerra entre Espanha e GB fora
declarada oito meses antes e um ataque ao Forte de San Juan tinha um duplo objetivo. O
primeiro, comercial, ao se dominar a linha de comércio entre o Pacífico e Atlântico no
istmo nas mãos espanholas e o segundo, militar, para impedir, por meio da conquista dessa
posição de defesa, a junção entre forças navais espanholas no Caribe, ocupando-se uma
posição central vital.
Houve um atraso indesejado na condução da operação e esse atraso se estendeu até
abril, período de chuvas na região e de exposição ao mosquito da malária. Segundo Mahan,
Nelson não quis perder tempo e propôs logo atacar, no entanto a decisão final do ataque

1214
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit, p. 24.
1215
Idem.
318

não estava em suas mãos e as autoridades envolvidas na preparação preferiram esperar para
reforçar as tropas inglesas e ter a certeza da superioridade sobre os espanhóis. As ações
foram, então, conduzidas em situações climáticas extremas e redundou em um grande
fracasso. Malária e desinteria atingiram a tripulação de Nelson. Para se ter uma idéia da
virulência das doenças enfrentadas pelos marinheiros britânicos, dos 200 homens do
Hinchinbroke 145 foram lá enterrados1216. Desses 55 sobreviventes, Nelson acreditou que
45 viriam a morrer posteriormente.1217 O próprio Nelson, de constituição frágil, ficou
gravemente doente, tendo quase morrido1218, se não fosse a atuação e cuidado de Lady
Parker que dele cuidou como a um filho. Estava tão fraco que não pôde continuar nas
Índias Ocidentais e o retorno à Inglaterra era a única solução para que não viesse a
morrer1219. Sir Peter, então, determinou que Nelson embarcasse no HMS Lion de 3a classe
com 64 canhões sob o comando do capitão Cornwallis1220 e demandasse a Inglaterra. Por
pouco Nelson não faleceu em viagem e somente com o cuidado e dedicação de Cornwallis
conseguiu sobreviver.1221
O navio chegou em Porstmouth em novembro de 1780 e imediatamente Nelson foi
carregado para Bath, local onde normalmente iam os oficiais de marinha que necessitavam
de um período de recuperação. Sua recuperação foi, no entanto, lenta e dolorosa. Em maio
do ano seguinte, ainda se encontrava em repouso e debilitado. Em carta a seu irmão
William Nelson, escreveu o seguinte:

Eu perdi inteiramente o uso de meu braço esquerdo e estou quase


perdendo o uso de minha perna e coxa; estou presentemente sob os
cuidados do doutor Adair, um destacado cirurgião em Londres;
entretanto ele me dá esperança que em poucas semanas meus problemas
acabarão quando certamente chegarei em Norfolk e lá permanecerei até
que seja empregado [novamente].1222

1216
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 22.
1217
Idem.
1218
Tem-se nesse ponto seu primeiro encontro com a morte, um dos estágios da jornada do herói segundo
Campbell.
1219
Nesse período Nelson recebeu a indicação de um novo comando, um navio de 44 canhões o HMS Janus,
mais poderoso que o Hinchinbroke, no entanto em razão de seu estado de saúde, não pôde assumi-lo.
1220
O capitão Cornwallis distinguiu-se na Guerra de Independência dos EUA. Atingiu o almirantado durante
as Guerras da Revolução.
1221
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit, p. 30.
1222
Carta de Horatio Nelson para William Nelson de 7 de maio de 1781 de Londres. Fonte: LAUGHTON,
John Knox. Nelson. op.cit, p. 23.
319

Depois de um longo período de recuperação, Nelson recebeu o comando da fragata de


6a classe com 24 canhões HMS Albermarle1223. Foi com imensa alegria que assumiu o
comando desse pequeno navio, afirmando que “o tombadilho estava repleto de jovens
oficiais gentlemen e marinheiros, um exímio mestre e bons suboficiais...tenho uma
excepcional1224 tripulação, não gostaria de ver substituído nenhum oficial ou praça”.1225
Laughton levantou dúvidas quanto à eficiência dessa tripulação, pois somente um dos
oficiais treinados por Nelson em sua carreira tornou-se excepcional, Sir William Hoste1226.
Mesmo os depois conhecidos Sir Edward Berry e Sir Thomas Hardy foram considerados
por ele bons oficiais, mas não excepcionais. A maior parte dos tripulantes do Albermarle,
para Laughton, era comum. Para o historiador inglês qualquer oficial ou tripulante sob o
comando de Nelson “se considerava como um de seus grandes amigos e dali em diante
mostraria que essa opinião do comandante era verdadeira”.1227 Mahan, por sua vez, também
apontou que em seus despachos e cartas Nelson enaltecia os feitos de seus subordinados
com louvor, admiração e gentileza, no entanto para com seus superiores Nelson era mais
crítico, como foi o caso com os almirantes Hugues, Hotham e Hyde Parker, embora
admirasse intensamente Hood e Jervis que granjearam o seu respeito e estima. Para Mahan
a grande qualidade do qual Nelson foi investido era apreciar e disseminar os méritos de
seus homens, fato que podia explicar a lealdade, atração e entusiasmo com que seus
subordinados o seguiam.1228
Em abril de 1782, o Albermarle foi designado para compor um comboio para o
Canadá onde lá deveria permanecer. A Guerra de Independência dos EUA entrava em sua
fase derradeira e para Nelson era uma das últimas chances de entrar em combate. Sua
chance ocorreu em agosto, quando o seu navio foi surpreendido por quatro navios de linha

1223
Ver Apêndice C).
1224
Foi utilizada a palavra em português “excepcional” para as palavras “exceeding good” usadas por
Nelson.
1225
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 24.
1226
Sir William Hoste foi um dos protegidos de Nelson, tendo se destacado como um brilhante comandante de
fragata. Acompanhou Nelson de 1795 até sua morte em 1805. Em 1814 foi elevado a barão pelo rei. Fonte:
WILSON, op.cit, p. 149.
1227
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 24. Aqui pode-se perceber o atendimento de duas
características da teoria dos limites do herói na história de Hook, quais sejam a capacidade de Nelson em
trazer segurança psicológica aos seus subordinados e admiração pelos seus sucessos. Quanto aos imperativos
de liderança apontados por Keegan, Nelson atendeu ao imperativo de afinidade. Ver capítulo 1, seção 1.5.
1228
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit, p. 32. Pode-se perceber que Mahan chamou a
atenção para o tipo de liderança com imperativos de afinidade, prescrição e exemplo, segundo conceituação
de Keegan.
320

e uma fragata franceses. A desvantagem estava para Nelson que, não podendo lutar contra
cinco navios poderosos, inverteu o rumo e se dirigiu para um local raso e de difícil
navegação para os inimigos. Essa perseguição levou de nove a dez horas e ao final os
franceses desistiram da perseguição.1229 Esse fato não pode ser considerado desabonador
para Nelson, uma vez que na tradição do mar uma fragata não engajava um navio de linha,
quanto mais três.1230
Nelson apreciou demasiado o clima do Canadá, afirmando que “saúde, a maior das
bênçãos, isso foi o que nunca aproveitei até que cheguei no agradável Canadá. A mudança
que isso provocou, estou convencido, é deliciosa”.1231 Não era somente o clima que
agradava Nelson. Ele apaixonou-se perdidamente por uma mulher local, do qual não se
sabe o nome e quase que lhe provocou um constrangimento, pois Nelson queria lhe pedir
em casamento, embora não a conhecesse bem. Foi impedido por um colega que o trouxe à
razão. Mahan fêz uma alusão a essa paixão alucinada, ao correlacioná-la com o sentimento
distante que Nelson teria de sua futura esposa Frances Nisbet. Disse Mahan que a ardente
imaginação de Nelson provocava aquele “glamour de exagero” no qual via em todas que
foram caras a ele, exceto sua futura esposa. A ela Frances, ele se aproximou com afeição,
porém sem o arrebatamento e ilusão1232.
Nelson conduziu seu navio em novembro de 1782 a New York, onde se apresentou ao
almirante comandante da estação, Lorde Hood, que fora o subcomandante de Rodney na
vitória contra De Grasse na batalha dos Santos em abril daquele ano1233. Samuel Hood era
um oficial excepcional. Comandou uma fragata na Guerra dos Sete Anos e capturou a
fragata francesa Bellona naquele conflito. Samuel casara com a filha do prefeito de
Portsmouth, Edward Linzee, e assim se aproximou dos círculos políticos ingleses, embora
proviesse, como Nelson, de uma família de clérigos sem conexões sociais de Dorsetshire.
Fora superintendente do Arsenal de Porstmouth, depois como almirante foi designado
como subcomandante do almirante Rodney quando se distinguiu nos Santos.
Hood imediatamente gostou do modo como Nelson conduzia seu navio e solicitou ao
almirante Digby, comandante-em-chefe do esquadrão da América do Norte e chefe

1229
Ibidem, p. 35.
1230
Ver seção 2.2 no capitulo 2.
1231
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit, p. 15.
1232
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit, p. 36.
1233
Ver seção 2.4 no capítulo 2.
321

imediato de Nelson que este fosse transferido para o seu comando nas Índias Ocidentais.1234
Digby concordou relutantemente, tentando convencer Nelson a permanecer na América do
Norte, em razão das maiores chances de obter butins dos franceses. Nelson celeremente
comentou que sim o almirante Digby tinha razão, “mas as Índias Ocidentais eram a estação
para a honra”.1235 Esse era um ponto que Mahan procurou repetidamente apontar na
personalidade de Nelson, a busca frenética pela honra. Nenhuma consideração material,
nem perigo, nem ganho financeiro pessoal, tiveram qualquer importância para Nelson1236.
O que importava para ele era garantir a honra de oficial e sua relação leal com o estado
britânico. Todo o resto pouco importava. Mahan afirmou que sua mente estava fixada na
glória e na honra, uma “palavra que ele [Nelson] mais usava e que expressava mais
acuidamente seu desejo de fama; honra que estava para a glória, como o caráter estava para
reputação”.1237
Data desse período sua ligação estreita com o então midshipman a bordo do HMS
Barfleur o Príncipe William Henry, depois Duque de Clarence e Rei William IV. A
impressão que Nelson provocou no jovem príncipe foi marcante. William, rememorando
anos depois o encontro, disse que “havia algo agradável e irresistível em seu modo de ser e
conversar e um entusiasmo quando falava de assuntos profissionais, demonstrando que ele
[Nelson] não era uma pessoa comum”1238. Essa ligação teria conseqüências importantes e
fundamentais em sua futura carreira como será visto1239.
Nas Índias Ocidentais Nelson passou a ser o preferido de Hood. Em carta a seu
grande amigo Locker escreveu o seguinte:

Minha situação na força naval de Lorde Hood é em alto grau lisonjeira


para qualquer jovem. Ele [Hood] me trata como a um filho e me dará,
estou convencido, qualquer coisa que lhe pedir; nem meu relacionamento
com o príncipe William é menos lisonjeiro. Lorde Hood foi muito gentil
e contou a ele (sem dúvida, não posso utilizar expressões fortes o

1234
Ver seção 2.2 no capitulo 2.
1235
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit, p. 37.
1236
Nesse estágio da vida de Nelson, a chamada a aventura e a procura por testes e desafios correspondem a
busca frenética do herói, configurando assim duas etapas da jornada do herói segundo Campbell, a chamada à
aventura e a procura por testes desafiadores.
1237
Ibidem, p. 25.
1238
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 27.
1239
Essa ligação com o Príncipe William traria inimigos que impediriam, em determinada circunstância, o
avanço de Nelson na profissão naval. Será utilizada a palavra William ao invés de Guilherme, de modo a se
manter coerência com o original em inglês.
322

bastante para descrever o que sinto) que eu gostaria de discutir tática


naval, podendo dá-lo [a William] muitas informações como qualquer
oficial da força. Ele [William] será certamente uma preciosidade para o
nosso serviço. Ele é um marinheiro, como você pode supor. Qualquer
outra qualificação se poderá esperar dele.1240

Nelson, posteriormente, viria a dizer que Hood era o maior oficial de marinha que
conhecia e igualmente grande em situações nos quais um almirante estivesse envolvido.1241
Para Mahan, esse encontro entre Nelson e Hood foi o início de sua grande carreira naval e
ele foi levado “pela corrente da fama e pela tendência irresistível de sua própria consciência
e o desejado propósito; a oportunidade apareceu, estava pronto e ele a agarrou”1242.
Com a Guerra da Independência dos EUA terminando, o Albermarle foi enviado para
a GB e em junho de 1783 Nelson chegou a Spithead, sendo colocado a meio soldo, um dos
métodos de deixar o oficial na reserva quando não existissem navios ou comissões
disponíveis.1243 Ao término da guerra, Nelson escreveu que não fizera fortuna, mas tinha
certeza “da atenção que lhe havia sido dada [por Hood]”, inexistindo qualquer ‘mácula’1244
em seu caráter. Verdadeira honra e desejo predominam em minha mente acima de riqueza”.
Logo depois de sua chegada na GB, Hood o levou à corte e o apresentou ao rei Jorge III,
uma deferência que muito agradou Nelson.
Por estar a meio soldo, Nelson solicitou autorização para visitar à França, de modo a
aprender a língua francesa, fixando-se em Saint Omer. Lá conheceu Miss Andrews uma
jovem filha do clérigo inglês lá estabelecido, “a mulher mais talentosa que seus olhos
focalizaram”1245, conforme diria. Era o segundo amor arrebatador de Nelson. Em janeiro de
1784 escreveu a seu tio William Suckling, solicitando auxílio financeiro para um provável
compromisso com aquela beldade, no entanto foi rejeitado pela jovem e desgostoso
regressou à GB. Sua estada na França não foi das melhores, pois além da rejeição de Miss
Andrews, ficou muito mal impressionado com os franceses, afirmando detestar o país “e

1240
Carta de Horatio Nelson para William Locker das Índias Ocidentais em 25 de fevereiro de 1783. Fonte:
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 27.
1241
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit, p. 18.
1242
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit, p. 38. Hood atuou como novo mentor para Nelson,
segundo a teoria da jornada do herói de Campbell.
1243
Ver seção 2.3 do capítulo 2.
1244
A palavra utilizada por Nelson foi “speck” que foi traduzida como “mácula” pela autor.
1245
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit, p. 42.
323

suas maneiras [dos franceses]”1246. Mahan novamente mencionou o forte sentimento de


Nelson em relação a Miss Andrews e sua quase indiferença com sua futura esposa Frances.
Disse Mahan que :

Sua ligação com sua esposa [Frances], mesmo nos dias da corte, não
provocou tal extravagância de admiração como nos encontros amorosos
anteriores...respeito e gentileza por ela, ele certamente sentiu e
expressou, mas não existe indicação que ela tenha inflamado sua ardente
imaginação ou preenchido o lugar de um ideal do qual sua constituição
mental imperativamente demandava como um objeto de desejo.1247

Mahan ficou incomodado com esses relacionamentos ardentes de Nelson e de sua


quase indiferença em relação a sua futura esposa. Laughton, por outro lado, até aquele
momento, nada comentou sobre essa diferença de comportamento entre as paixões
anteriores de Nelson e a que viria a sentir por Frances. Até esse momento a vida privada de
Nelson não interessou a Laughton.
Nelson não ficou muito tempo sem comissão e logo se ofereceu para comandar novo
navio, o que foi aceito pelo Primeiro Lorde do Mar, Lord Howe, com a ajuda de seu mentor
Lord Hood. Foi-lhe oferecido o comando da fragata de 6a classe1248 com 28 canhões HMS
Boreas, recebendo ordens do Almirantado para seguir novamente para as Índias Ocidentais.
No trânsito para a sua nova estação, Nelson levou em seu navio, como passageiros, a
esposa do comandante-em-chefe da esquadra das Índias Ocidentais, almirante Sir Richard
Hugues, sua filha e seu irmão William Nelson que, por não se adaptar ao clima quente da
região do Caribe, logo voltou para à Inglaterra1249.
Lady Hugues ficou muito bem impressionada com Nelson durante a viagem para o
Caribe, principalmente por sua capacidade de ensinar aos jovens midshipmen. Em certa
ocasião, Nelson encorajando determinado jovem midshipman temeroso em subir no mastro
grande, a ele se dirigiu afirmando “bem Sir eu irei correndo subir o mastro grande, e espero
encontrá-lo lá em cima”.1250 Muitas vezes Lady Hugues o viu ensinando navegação a esses

1246
Idem.
1247
Ibidem, p. 42.
1248
Ver Apêndice C).
1249
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 30.
1250
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit, p. 46. Percebe-se aí uma demonstração de
liderança pelo exemplo segundo conceituação de Keegan.
324

jovens com o seu quadrante. Em certa ocasião, quando o navio fundeou em Barbados, os
oficiais foram convidados pelo governador britânico para um jantar em sua residência.
Então Nelson solicitou educadamente a Lady Hugues se podia levar um de seus
midshipman consigo para a recepção. Ao chegar a residência do governador, fez questão de
apresentar o jovem oficial a ele dizendo “Sua Excelência deve me perdoar por trazer um de
meus midshipmen, no entanto eu sigo a regra de apresentá-los a todas as boas companhias
que eu puder, em razão deles terem poucas chances para isso, com exceção de a mim
mesmo, durante o tempo em que estão no mar”.1251 Para Lady Hugues essa gentileza é que
fazia com que os jovens o adorassem.1252
Mahan, como forma de demonstrar a capacidade de liderança de Nelson e justificar a
impressão que ele causara sobre Lady Hugues, citou o caso do capitão Duff que se agregou
a equipe de Nelson pouco antes de Trafalgar em 1805. Em carta a sua esposa, Duff diria
que “você me pergunta sobre Lorde Nelson e como gosto dele... ele é tão bom e gentil que
todos nós desejamos fazer o que ele quiser, sem mesmo ele pedir. Sempre tive sorte com os
almirantes com os quais servi, mas ele [Nelson] foi o mais agradável que encontrei”.1253
Essa foi a impressão que Lady Hugues teve de Nelson.
Apesar de Lady Hugues gostar de Nelson, a recíproca não foi verdadeira. Quando de
sua chegada em Antigua ele havia se tomado de implicância com ela, descrevendo-a como
tendo uma “eterna voz estridente”.1254 Além disso, por ser mulher de um almirante, certos
luxos tiveram que ser atendidos, o que o desagradou. Do almirante Sir Richard Hugues
Nelson não guardou boas lembranças tampouco. Embora bravo, amigável e bem humorado,
para Nelson ele não era de forma alguma um bom comandante-em-chefe. Ele simplesmente
não gostava de Hugues.1255 Diria que Sir Richard “fazia mesuras demais para com ele” e
que ele Hugues “morava em uma pensão em Barbados, não muito no estilo de um almirante
britânico”.1256 Tempos depois, ainda em relação a Hugues, Nelson disse que ele era um

1251
Idem.
1252
Ibidem, p. 47. Com essas atitudes de Nelson pode-se perceber características de liderança do tipo
imperativo de afinidade, ao criar um vínculo pessoal com seus midshipmen e de exemplo, ao demonstrar
preocupação com o adestramento de seus pupilos.
1253
Idem. Essa observação do capitão Duff aponta para uma característica importante da formação do herói, a
sua capacidade pedagógica de servir como exemplo para futuros chefes navais, segundo a teoria de Hook e
sua grande liderança pelo exemplo segundo a concepção de Keegan.
1254
Nelson utilizou a expressão “eternal clack” que foi traduzida como “eterna voz estridente”.
1255
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 30.
1256
Idem.
325

violinista e “enquanto o seu tempo era gasto afinando o seu instrumento musical, a
esquadra estava totalmente desafinada”.1257
Um ponto interessante é que Mahan discutiu com intensidade a opinião favorável que
Lady Hugues tivera de Nelson, enquanto Laughton preferiu discutir as posições
desfavoráveis de Nelson em relação a ela e a Sir Richard. Uma diferença de abordagem
interessante e curiosa, possivelmente resultado do modo emocional como Mahan lidou com
o seu herói em relação a visão mais contida de Laughton.
Não há dúvidas de que a relação entre Nelson e Hugues foi tumultuada. O primeiro
choque entre os dois ocorreu logo no início de 1785. A Guerra de Independência dos EUA
já havia terminado e um novo estado soberano surgira. Os norte-americanos passaram de
súditos a estrangeiros com a independência e assim foram retirados do Ato de Navegação
britânico1258 que protegia os interesses comerciais da coroa. Os privilégios conferidos aos
norte-americanos foram suspensos e assim passaram a ser impedidos de participar do
lucrativo comércio que florescia no Caribe. Entretanto os habitantes britânicos locais
sentiram a necessidade de manter o comércio com os antigos súditos, pois existiam
produtos provenientes dos EUA que lhes interessavam e lhes faziam falta. Ao mesmo
tempo, os comerciantes norte-americanos quiseram manter suas fontes de lucro
comerciando com os ilhéus britânicos. Para burlarem as regras estabelecidas pelo Ato de
Navegação, tanto as autoridades comerciais das ilhas como os agentes norte-americanos
solicitaram autorização a diversos governadores da GB como os da Jamaica e St Kitts para
continuarem o comércio, apesar da proibição ainda estar em vigor. Imediatamente foi dada
a autorização por essas autoridades para que o comércio continuasse, mesmo contra as
ordens de Londres. De modo a impedirem o apresamento dos navios mercantes, esses
mesmos agentes foram a Hugues e pediram um salvo conduto para continuarem
comerciando. Hugues, sempre bem humorado e benevolente, determinou que os navios de
guerra britânicos não interferissem nesse comércio, desde que houvesse autorização dos
governadores locais.
Nelson não concordou com a ordem dada pelo almirante Hugues e começou a apresar
os navios norte-americanos, alegando que eles burlavam o Ato de Navegação e que não

1257
Idem.
1258
Ver seção 2.1 do capítulo 2.
326

possuíam os privilégios estabelecidos nesse dispositivo legal. Como era de se esperar,


Nelson foi questionado pelo governador de St Kitts, um velho general britânico que disse
não ter o hábito de receber conselhos de jovens gentlemen, no que foi imediatamente
respondido por Nelson que disse “eu tenho a honra Sir de ter a mesma idade do Primeiro
Ministro da Inglaterra e me considero tão capaz de comandar um navio da Armada de Sua
Majestade como o ministro de governar o estado”.1259 Petulância explícita de Nelson, com
certeza, no entanto sua resposta para Hugues foi mais incisiva. Disse que a ordem de
Hugues era ilegal e contrária ao Ato do Parlamento que protegia o comércio britânico
contra os estrangeiros e agora os norte-americanos eram estranhos ao comércio e
continuaria a apresar os navios dos EUA. Complementou dizendo que “enquanto eu tenho
a honra de comandar um vaso de guerra inglês, nunca me permitirei ser subserviente ao
desejo de qualquer governador nem cooperar com ele para executar atos ilegais”.1260
Hugues ficou furioso e pensou imediatamente em prendê-lo e submetê-lo a uma corte
marcial por desobediência, porém ao consultar outros comandantes de navios, percebeu que
todos concordavam com Nelson e uma corte marcial poderia ser perigosa para ele mesmo,
assim manteve-se em uma posição dúbia. Não cancelou a ordem, não o repreendeu e nem o
apoiou1261.
Nelson já apresara cinco navios norte-americanos e os seus mestres foram mantidos a
bordo até a resolução final do caso por um tribunal especial de presas em Nevis que, depois
de um período de julgamento, condenou esses mestres, provocando um prejuízo de quatro
mil libras aos comerciantes britânicos locais. Em seqüência, esses comerciantes enfurecidos
entraram em outro tribunal, alegando perdas materiais com o apresamento desses navios,
além de assalto e cárcere ilegal dos mestres e demandaram uma indenização do mesmo
valor do prejuízo, 4.000 libras, a ser paga pelo próprio Nelson. Sem recursos para a defesa,
Nelson solicitou apoio aos advogados locais da coroa para que o defendessem. Sob a
orientação desses defensores, Nelson manteve-se a bordo do Boreas, pois se deixasse o
navio poderia ser preso pelo tribunal até que o caso fosse julgado por um juiz. Hugues,

1259
Ibidem, p. 31.
1260
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit, p. 57.
1261
Não se pode considerar Hugues um antagonista de Nelson, atuando como um guardião inimigo segundo a
teoria de Campbell (ver capítulo 1, seção 1.6). Hugues tinha uma índole benevolente e em momento algum
procurou prender ou repreender seu subordinado. Nelson foi insubordinado e atrevido nesse caso, enfrentando
um almirante que era seu comandante e responsável pelas operações navais britânicas na área.
327

como sempre, cruzou os braços e deixou seu subordinado a mercê da fúria dos
comerciantes locais e da decisão incerta dos juízes que poderia levar Nelson à cadeia.
Nelson acabou sendo inocentado desse caso, mas depois de muitos aborrecimentos e
contrariedades. No correr dos próximos anos, muitas ações judiciais desses comerciantes
contra Nelson foram ajuizadas, o que continuou a lhe trazer contrariedades1262.
Entretanto o que mais o magoou foram os cumprimentos enviados pela coroa a Sir
Richard por seus esforços em proteger o comércio britânico e pouco foi mencionado das
ações de Nelson em todo o caso.1263
Outro fato que o desgastou com Hugues foi o do capitão Moutray, vinte anos mais
antigo que Nelson e designado como comissário da Marinha Real, um posto civil conectado
com o arsenal naval de Antigua. Moutray comandara o HMS Ramillies cinco anos antes e
durante uma escolta de um comboio inglês muito valioso não conseguiu afastar uma força
inimiga franco-espanhola e assim toda a carga caiu em poder do inimigo. Moutray foi
considerado responsável por essa perda e foi destituído de seu comando, no entanto ficou
evidente no Almirantado que a culpa não foi somente dele, pois estivera sozinho em seu
navio contra uma força naval inimiga bem mais poderosa e o resultado não poderia ser
diferente. Foi perdoado pela coroa e como compensação mandado ser comissário naval em
Antigua.1264
Por não ter uma comissão embarcada Moutray foi mantido a meio soldo (half pay) e
assim pelo regulamento naval sem as prerrogativas de uma função executiva. Hugues,
como comandante-em-chefe, de modo a uniformizar procedimentos e submeter os
comandantes de navios, a maioria capitães mais modernos, à autoridade de Moutray no
porto de Antigua, por um memorando o investiu no posto de comodoro e assim mais antigo
que qualquer comandante de navio que chegasse a Antigua. Não haveria nenhum problema
se não fosse uma visita de Nelson, sempre cioso de sua antiguidade e prerrogativas. Ao
fundear em Antigua, Nelson recusou-se a içar o pavilhão de Moutray como comodoro e
manteve a sua flâmula de comando no Boreas. Ao tomar essa decisão Nelson afirmou que
não se submeteria às ordens de Moutray, pois o ato de Hugues em nomear um capitão a

1262
Pode-se considerar esse acontecimento como mais uma prova e desafio enfrentado pelo herói segundo a
teoria de Campbell.
1263
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 32.
1264
Ibidem, p. 33.
328

meio soldo a comodoro era ilegal e contra as ordens do Almirantado. O próprio Moutray
reconheceu a correção no ato de Nelson, porém Hugues, mais uma vez, se aborrecia com as
atitudes de seu subordinado e refreando-se de puni-lo imediatamente, consultou o
Almirantado sobre o caso. Nelson, também, enviou um memorando solicitando a
confirmação de sua decisão. Em verdade, Nelson se relacionava muito bem com Moutray e
melhor ainda com sua jovem esposa, não chegando a ter um relacionamento amoroso com
ela, mas mantendo uma admiração que chegou próximo ao amor. Diria Nelson que “se não
fosse por ela, eu me enforcaria nesse buraco infernal”.1265
A decisão de Londres não demorou a chegar. O Almirantado enviou uma
admoestação contra Nelson, afirmando que ele “deveria ter submetido suas dúvidas ao
comandante-em-chefe [Hugues], ao invés de tomar uma decisão sobre as prerrogativas das
funções exercidas por Moutray”.1266 Uma reprimenda que deixou Nelson magoado, ao
mesmo tempo em que alegrou Hugues. Em todo o caso, o Almirantado mudou a partir
daquele momento a qualificação dos comissários navais para oficiais convocados a pleno
pagamento e não mais a meio soldo, de modo a impedir questionamentos como o realizado
por Nelson.
Laughton considerou que Nelson estava, em essência, correto em ambos os casos,
tanto no tocante ao Ato de Navegação como o do capitão Moutray. Entretanto, alertou que
sua admiração por Nelson não deveria cegar o leitor quanto a conduta irregular dele perante
a Armada Real. A primeira obrigação de um oficial era “obedecer ordens”, “submeter suas
dúvidas” ao comandante-em-chefe e de modo polido “protestar”1267 contra uma ordem que
considerasse imprópria1268. Um oficial, sem consultar o superior, decidindo “agir em
contrário a uma ordem recebida, presumivelmente por conhecer melhor as circunstâncias, é
prejudicial aos princípios básicos da disciplina”.1269 Existiam situações em que questões
deviam ser decididas de imediato por serem emergenciais e dessa forma justificadas, se
ficassem à discrição do oficial, sem consulta superior. Nenhuma das duas situações foi
emergencial e a admoestação que Nelson sofreu do Almirantado foi leve, podendo ter sido

1265
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit, p. 25.
1266
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 34.
1267
Laughton utilizou a palavra em inglês “remonstrate” traduzida pelo autor para “protestar”.
1268
Idem.
1269
Ibidem, p. 35.
329

muito pior. Ela não teve uma conseqüência maior para a posterior carreira de Nelson1270,
apesar de provocar um período a meio soldo no final do ano de 1788, no entanto ficou
demonstrada uma marca que viria a perpassar toda a sua vida na RN, a sua independência
de atitudes.
Mahan, por outro lado, sempre admirador extremo das atitudes profissionais de
Nelson, afirmou que, em verdade, Hugues temia Nelson por reconhecer que ele tinha razão
em ambos os casos1271. Acrescentou ainda que nunca fora intenção de Nelson ofender
Moutray, muito menos afetar seu relacionamento cordial com a jovem esposa do
comissário. Para Mahan a atração de Nelson por essa jovem senhora duraria toda a sua vida
e Collingwood, sabendo dessa afeição mútua, iria lhe endereçar uma carta após a morte do
herói em Trafalgar, procurando confortá-la.1272 Para o autor norte-americano, Nelson, sob a
convicção de que estava correto, durante toda a sua vida na marinha, nunca temeu qualquer
responsabilidade e a devida conseqüência de seus atos. Sua independência de ação em
ambos os casos se baseou na convicção de que estava correto e que suas ações eram “vitais
para o bem estar da marinha e para a GB”.1273 Os motivos indicados por Mahan para as
atitudes de Nelson foram “dever, não acomodação; honra, não ganho; o ideal e não o
material”.1274 Houve, para Mahan, uma clara percepção do certo a fazer, uma inteira
preparação para assumir responsabilidades e acima de tudo um apurado julgamento da
melhor forma de fazer algo, de agir com impunidade e de obter sucesso para a sua
causa.1275 Mahan, sempre ávido por justificar a conduta militar de seu herói afirmou o
seguinte:

Parece para o escritor [ele Mahan] que sua linha geral de ação [de
Nelson] foi distintamente correta, julgado pelos olhos do tempo e pelos
bem estabelecidos princípios de obediência militar e que ele procurou
seguir uma linha extremamente difícil de conduta com resolução
singular, com julgamento equilibrado e no todo com um usual tato, sem o
qual ele fracassaria, apesar de bem intencionado, a sofrer sérias
conseqüências. Certamente ele obteve sucesso1276.

1270
Idem.
1271
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson. v1 op.cit, p. 50.
1272
Ibidem, p. 52.
1273
Ibidem, p. 53.
1274
Ibidem, p. 64.
1275
Ibidem, p. 65.
1276
Idem.
330

Dois modos distintos de perceber o herói. Laughton mais enérgico e pragmático,


continuando a admirar seu biografado, porém sem esquecer a questão da obediência ao
regulamento e ao serviço, um modo típico vitoriano de ver o “mundo”, enquanto Mahan,
bem mais envolvido emocionalmente com seu personagem, justificando as atitudes de
Nelson com o seu flagrante sucesso profissional e com a correção de suas atitudes, apesar
de ir de encontro ao regulamento militar. Para Mahan o herói devia seguir seu curso, pois a
honra e a genialidade militar eram o que contavam1277.
Foi extamente no meio desses problemas com Hugues em março de 1783 que Nelson
se encontrou com a sua futura esposa Frances Woolward, sobrinha do presidente de Nevis,
o senhor Herbert que inclusive fora uma das poucas autoridades que o apoiou na questão do
Ato de Navegação, apesar da pressão dos comerciantes locais contra Nelson. Um novo
capítulo de sua vida começaria com esse relacionamento.

5.2- O casamento e o príncipe William Henry:

Laughton se referiu à natureza de Nelson como propícia a atrair a simpatia de jovens


mulheres, a adulação, a lisonja e que durante toda a sua vida mal podia viver sem essas
bajulações1278. Foi dentro desse espírito que Nelson se encontrou com Frances.
Nascida Frances Woolward, possivelmente em maio de 1758, e assim pouco mais
velha que Nelson, ela era filha da irmã de Herbert e de William Woolward, juiz acreditado
na ilha de St Kitts. Com 21 anos de idade ela se casou com um médico local, doutor Josiah
Nisbet e dessa associação nasceu seu único filho Josiah. Em um ano o doutor Nisbet
faleceu e Frances tornou-se viúva com apenas 22 anos de idade, permanecendo sob os
cuidados de seu tio.
O primeiro encontro entre a família de Frances e Nelson não foi dos mais auspiciosos.
Naquela ocasião ela não se encontrava em Nevis e uma de suas amigas a escreveu sobre o
encontro. Convidado para jantar na casa do presidente Herbert, Nelson manteve-se distante,

1277
Essas eram duas formas diferentes de perceber Nelson nesses casos. Nelson para Mahan espelhava a
liderança indicada pelo exemplo, enquanto Laughton não aprovou completamente a atitude de seu herói.
1278
LAUGHTON, John Knox. The Nelson.Memorial, op.cit, p. 25.
331

silencioso e pouco bebeu vinho, só aceitando fazê-lo quando Herbert levantou um brinde ao
rei, a rainha e família real e a Lord Hood. Depois do brinde, voltou a ficar taciturno e
reservado com seus anfitriões.1279 Isso chamou a atenção da jovem Frances para com
Nelson e logo depois houve o tão esperado encontro com ele. Logo os dois mantiveram
uma longa correspondência em suas vigens pelo Caribe. Uma afeição mútua então se
estabeleceu, porém diferente dos relacionamentos anteriores de Nelson. Imediatamente o
casal resolveu se casar, apesar de Nelson não estar “arrebatadoramente” enamorado. Em
uma de suas cartas para Fanny (apelido dado por ele a ela) escreveu Nelson o seguinte:

Minha querida Fanny...meu grande desejo é me unir a você e essa


fundação de alegria, amor real e estima é o que confio que você acredite
que eu possua em grau elevado em relação a você. ..sabemos que riqueza
não traz felicidade e o mundo sabe que sou superior a considerações
pecuniárias em minha vida pública e privada...somente essa verdade
esteja convencida que sou seu aficcionado Horatio Nelson.1280

Nessa carta Nelson discutiu a perspectiva de seu casamento com Fanny em um modo
calmo, quase como um negócio financeiro. Laughton disse que o tom da missiva se referia
especificamente a estima e não a paixão, parecendo ser uma carta mais de um amigo
admirador do que de um amante em potencial.1281 Para selar a união, Nelson solicitou
auxílio pecuniário a seu tio William Suckling no valor de 100 libras e de Herbert que se
comprometeu a enviar a sobrinha 200 a 300 libras por ano durante sua vida de casada e
deixar em testamento 20.000 libras, quando de sua morte, efetivamente um bom negócio
para Nelson.
As cartas de Nelson para Fanny nesse período foram centradas, frias e distantes para
um noivo. Poucas cartas eram mais entusiáticas em relação a Fanny, segundo Laughton.1282
Por sua vez, Mahan, ao comentar seus sentimentos em relação a Fanny, se referiu a uma
carta escrita por ele ainda noivo para ela na qual afirmou que “então ele [o príncipe
William] está certo em afirmar que tenho grande estima por você e não é o que[não

1279
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit, p. 66.
1280
Carta de Horatio Nelson para Frances Woolward escrita do HMS Boreas em 11 de setembro de 1785.
Fonte: NAISH, George. Nelson´s letters to his wife and other documents 1785-1831. London: Routledge and
Kegan Paul, 1958, p. 19.
1281
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 37.
1282
Ibidem, p. 38.
332

entendido], eu não costumo fazer uso da palavra comumente chamada de amor. Ele está
certo. Meu amor está fundado em estima, a única fundação que faz o amor durar”1283. Para
Mahan, Nelson não amava Fanny, apenas nutria por ela grande estima pessoal, chegando a
declarar a ela que “o dever é a maior consideração de um oficial de marinha, todas as
considerações privadas devem ser abandonadas, apesar de serem dolorosas”1284. Agiria ele
dessa forma quando conhecesse Lady Hamilton ? Essa é uma questão que será analisada à
frente.
Mahan prosseguiu afirmando que as cartas de Nelson para Fanny eram eivadas de
ausência de ilusões, de qualquer tendência para exagerar e glorificar as qualidades de uma
mulher que, de alguma forma, teoricamente, possuía o seu coração. Não existia nenhuma
indicação de sentimentos perturbados, de arrebatamento que no futuro ocorreria em relação
a Emma. Mahan, também, imputou a Fanny uma falha, mesmo no período de noivado, em
não despertar em Nelson qualquer sentimento arrebatador, nenhuma exaltação de seus
méritos, deixando vago um lugar no coração do herói que seria ocupado somente por
alguém superior1285, no caso Emma.
Nelson tornara-se amigo do príncipe William Henry, agora capitão comandante da
fragata HMS Pegasus. Naquela oportunidade, Hugues fora transferido para a Inglaterra e
Nelson passou a ser o mais antigo presente na estação e assim chefe de William. Sua
opinião sobre o príncipe foi alvissareira desde que se conheceram. Os dois logo tornaram-se
íntimos, tendo essa amizade só terminado em 1805 com a morte de Nelson.1286 Horatio já
possuía uma natural reverência para a realeza como instituição e em tudo o que ela
representava para a GB. Mahan imputou, inclusive, o permanente interesse do futuro rei
William IV em assuntos marítimos desse período de amizade com Nelson que muito o
influenciou. Era comum os dois jantarem juntos e trocarem confidências sobre a corte e a
marinha. Disse Nelson sobre William naquele período que “nessa profissão ele [William] é
superior a 2/3 da lista [de oficiais]...em atenção às ordens e respeito a seus superiores não
conheço ninguém igual...gostaria que todos os capitães da marinha fossem tão atentos às

1283
Carta de Horatio Nelson para Frances Woolward escrita do HMS Boreas em 13 de janeiro de 1787. Fonte:
NAISH, op.cit, p. 41.
1284
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit, p. 70.
1285
Ibidem, p. 71.
1286
Ibidem, p. 74.
333

ordens como ele é”.1287 Dois meses depois escreveria Nelson para Locker que “em todos os
aspectos, tanto como homem como príncipe, eu o adoro. Ele me honrou como seu amigo
confidente, nisso ele não está enganado”.1288
Laughton não concordou com a opinião que Nelson tinha de William. Para ele
Laughton, a conduta de William, tanto em suas relações privadas como navais, era tudo
menos admirável. Como oficial sua disciplina era incerta e mesmo dura. Ao invés de se
considerarem honrados em servir sob o comando de um príncipe, os tenentes do Pegasus
fizeram tudo para desembarcarem do navio, afirmando em uníssono que “nenhum oficial
podia servir sob o comando do príncipe, mas cedo ou tarde ele se dará mal”1289. Um caso
típico da má conduta de William em relação a seus oficiais foi com o seu imediato, tenente
Schomberg, um oficial extremamente capaz que foi designado imediato do príncipe no
Pegasus para auxiliá-lo no comando. Ao ser repreendido injustamente por William,
Schomberg não aceitou a reprimenda e solicitou imediatamente uma corte marcial a
Nelson, o oficial mais antigo presente. Em vez de procurar contornar a delicada situação,
sem escutá-lo, Nelson mandou prender Schomberg por quatro meses e designou o Pegasus
para ir à Jamaica. Naquela estação, o comodoro Gardner, o mais antigo presente, julgou
novamente a questão e deu ganho de causa a Schomberg, que foi reabilitado pelo
Almirantado e promovido em 1790 a capitão. No combate do Glorioso Primeiro de Junho
Schomberg comandou o HMS Culloden com distinção.1290 Nelson acabou repreendido pelo
Almirantado por ter enviado o Pegasus para Jamaica ao invés de para Halifax como
determinado. Para Laughton, essa foi uma lição importante para ele Nelson, pois a partir do
caso Schomberg, Nelson passou a ser avesso a “medidas extremas” e dado a comandar com
talento singular para conduzir seus subordinados com modos gentis1291.
William tinha como norma nunca fazer uma visita em terra para não desagradar os
não escolhidos, no entanto em razão dessa grande amizade com Nelson, fez questão de ser
padrinho de seu amigo no casamento com Fanny em 12 de março de 1787. Uma grande
deferência sem dúvida.

1287
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 40.
1288
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit p, 27.
1289
Idem.
1290
Ibidem, p. 28.
1291
Ibidem, p. 29.
334

Quatro meses depois, o Boreas foi transferido de volta à Inglaterra. Fanny embarcou
em um navio mercante e dirigiu-se para lá se encontrar com o marido em Londres. Nesse
período as cartas de Nelson em relação a RN dirigidas a Locker eram de descontentamento
com o serviço. Alguns de seus biógrafos acreditaram que ele Nelson imaginava abandonar
a marinha, entretanto Laughton, apesar de constatar a veracidade desse descontentamento,
analisou que não houve a menor razão de se acreditar nessa intenção de Nelson1292. Mahan
concordou com Laughton e acrescentou que esse descontentamento era originado pelas
inúmeras admoestações que recebera durante a carreira, além do desinteresse com que fora
tratado pelo Almirantado, acrescido de algumas novas ações judiciais impetradas contra ele
nas Índias Ocidentais,1293 que demandavam indenizações por danos que nunca poderiam ser
pagas por ele.
Depois de permanecer meses patrulhando a costa inglesa próxima a Nore, sem
nenhuma tarefa específica, o Boreas foi retirado do serviço ativo e Nelson, cansado, foi
colocado a meio-soldo (half pay). Inicialmente ele e Fanny se deslocaram para Bath para se
recuperarem da “fumaça de Londres”1294, para em seguida se estabelecerem em Norfolk,
condado onde Nelson nasceu. Lá Nelson permaneceu por quatro anos e meio a meio-soldo,
sem ser chamado para uma função de atividade.
Sua vida em Burham Thorpe era quase idílica. Vivendo basicamente do meio-soldo
como capitão, 120 libras por ano, somado com a renda enviada por seu tio William com
mais 100 libras anuais, seu padrão de vida com Fanny era modesto.1295 Não se sabe se o tio
de Fanny continuou enviando o estabelecido no casamento.1296 Parte de seu tempo era gasto
lendo, escrevendo, estudando cartas náuticas, praticando jardinagem e caminhadas com
Fanny nas florestas de Norfolk. Suas dificuldades financeiras e o desejo de retornar ao mar
cada vez se faziam mais presentes. Sua vida passava sem grandes alterações e por suas
cartas do período pode-se perceber o vazio que só podia ser preenchido por um novo
comando no mar. Apesar desse estado melancólico, Nelson estava resignado com o
tratamento que achava não merecer do Almirantado.1297

1292
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 42.
1293
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson. v1 op.cit, p, 81.
1294
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 42.
1295
Ibidem, p. 43.
1296
Idem.
1297
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit p, 92.
335

Suas solicitações para a volta ao serviço ativo eram recusadas polidamente pelo
Almirantado e por Lorde Hood que secamente afirmou que “o rei estava com uma má
impressão sobre ele”.1298 Magoado, Nelson diria que não poderia considerar novamente
Lorde Hood como amigo, no entanto ele tinha a satisfação de saber que não dera motivos
para que ele Hood fosse seu inimigo1299. Laughton foi pragmático e afirmou que os
sentimentos de Lorde Hood em relação a ele continuavam os mesmos, entretanto naquela
situação ele não pôde atender aos pedidos de Nelson. A intimidade e amizade que Nelson
imaginava ter com o almirante eram superestimadas, uma vez que existia uma grande
diferença de antiguidade entre os dois e certamente Lorde Hood não demonstraria tais
sentimentos abertamente a um moderno capitão. Por certo, considerava Nelson um
comandante capaz, mas não era seu íntimo e essa descoberta deve ter magoado o jovem
capitão intensamente. Não pode ser esquecido, afirmou Laughton, que Nelson trouxe
muitas insatisfações ao Almirantado por seu excesso de zelo com a marinha1300 e que suas
rusgas com o almirante Hugues e com o capitão Moutray não foram bem vistas pelos
almirantes mais antigos em Londres. O próprio Hood, acreditou Laughton, deve ter
imaginado que seria bom para Nelson sofrer algumas adversidades para sua própria
disciplina mental1301.
Mahan, por sua vez, discutiu mais detalhadamente os motivos que levaram Nelson ao
ostracismo por quase cinco anos. Sua amizade com o príncipe William passou a ser
conhecida na marinha e isso lhe trouxe mais dissabores que alegrias. William era uma
pessoa difícil de ser controlada pelos almirantes e de difícil temperamento, além disso era
um comandante que não granjeava simpatias. Nelson procurou orientar o jovem príncipe
em suas relações pessoais e profissionais, sem sucesso. William, em certa ocasião, recebera
ordem de seguir com o seu navio para Quebec e a desobedecera francamente indo para a
Irlanda, uma clara demonstração de insubordinação ao Almirantado. Os almirantes em
Londres imediatamente levaram essa questão a seu pai o rei Jorge III que determinou a
William que suspendesse de Quebec e se dirigisse a Plymouth, onde permaneceria
impedido de deixar o navio até nova comissão a Halifax. O irmão de William, o príncipe de

1298
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 44.
1299
Idem.
1300
LAUGHTON, John Knox. The Nelson.Memorial op.cit, p. 32.
1301
Laughton utilizou a expressão em inglês “Hood thought that the mental discipline of adversity would do
him no harm”. Fonte: Idem.
336

Gales, depois Jorge IV, já atritado com o pai por outras questões, juntou-se a seu outro
irmão, o duque de York, e foram prestar solidariedade a William em Plymouth. Uma
afronta direta ao rei e ao Almirantado. Nelson, também, prestara sua solidariedade e visitara
William, restrito em seu navio. Por certo, Nelson era considerado amigo de William,
contudo para os almirantes mais antigos em Londres, ele prestara solidariedade a um
indisciplinado que era William. O rei começou a sofrer de porfiria e seu estado mental
começou a variar continuamente e William, após regresso de Halifax, se aliou fortemente a
seus dois irmãos contra Jorge III. Nelson continuou associado a William, provocando
ressentimentos no Almirantado. Em um período e em um serviço como a RN em que as
relações sociais e pessoais ditavam as comissões e comandos, Nelson passou a ser ‘persona
non grata’. Lorde Chatham foi designado Primeiro Lorde do Almirantado1302 e assim ficou
agastado com William e todo o seu círculo de amigos, Nelson incluído1303. Por essa razão o
rei dissera a Hood que Nelson era por ele mal visto e durante todo o período de direção de
Lorde Chatham como Primeiro Lorde até 1793 Nelson ficou a meio soldo sem
comissão.1304
Considerando as características da RN no período, a explicação de Mahan, além de
bem detalhada, é convincente.1305 Mahan, um admirador de Nelson, entretanto continuou a
reverenciá-lo intensamente e a afirmar que:

a acuidade mental, seu poder de penetrar na raiz do problema,


desconsiderando detalhes não essenciais e focalizando somente em itens
decisivos, era largamente dependente da necessidade da ação, que é
provavelmente equivalente a dizer que foi trazida pelo moderado senso
de responsabilidade.1306

A admiração profissional de Mahan por Nelson continuava inalterável.


A situação internacional tornou-se instável naquele ano de 1793. O rei Luiz XVI foi
decapitado com grande estardalhaço na França e na Europa. Ameaças recíprocas entre a

1302
Ver seção 2.2 capítulo 2.
1303
Considerando a teoria da jornada do herói de Campbell, Lorde Chatham pode ser considerado como um
guardião inimigo e um obstáculo a ser superado pelo herói Nelson, o que só veio a ocorrer em 1793 quando
da saída de Chatham do governo.
1304
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit, p. 88.
1305
Ver seção 2.3 capítulo 2 em que são discutidas as relações sociais na RN no século XVIII.
1306
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit, p. 84.
337

jovem França republicana e a GB começaram a esquentar o ambiente internacional. O


embaixador francês em Londres foi chamado de volta a Paris. No dia 11 de fevereiro de
1793 a República Francesa declarou finalmente guerra à GB e à Holanda. Nelson não podia
ser deixado de lado nesse novo conflito e assim seu ostracismo estava chegando ao fim. As
chamadas Guerras da Revolução tiveram início e a RN precisou de muitos de seus oficiais a
meio-soldo para guarnecerem os vasos de guerra que atuariam contra os franceses. Nelson
foi logo lembrado.
No final de janeiro de 1793 Nelson foi chamado ao Almirantado para assumir o
comando do navio de linha HMS Agamemnon, de 3a classe com 64 canhões.1307 Disse
Nelson em carta para Fanny que :

o Almirantado sorriu para mim e estou tão surpreso quanto eles estão
zangados. Lorde Chatham desculpou-se comigo por não me ter dado um
navio antes dessa situação, contudo se eu aceitar comandar um 64
canhões para começar, eu deverei ser designado para um quando estiver
pronto, e tanto quanto estiver a seu alcance poderei ser removido para um
74 canhões.1308

Uma nova fase na carreira de Nelson se iniciou com o comando do Agamemnon.

5.3 – Nelson e o HMS Agamemnon :

Em 1793 os tempos eram revolucionários, tendo Luiz XVI e sua mulher Maria
Antonieta sido guilhotinados naquele ano na França. O espírito de rebelião se espraiava
pela Europa. O comando do Agamemnon levou Nelson a se agregar a Esquadra britânica no
Mediterrâneo, sob o comando de Lorde Hood, em estado de guerra com a França. Até
aquele momento, Nelson, já com quase 34 anos de idade, era pouco conhecido mesmo
dentro de sua querida RN. Mahan não perdeu tempo para apregoar o futuro que se
descortinava para seu herói. Disse Mahan que “e quando sobre o último [Nelson] a hora da
vitória se despeja no cenário onde ele participa com importante papel, sua missão está

1307
Ver Apêndice C).
1308
Carta de Horatio Nelson para Frances Nelson escrita de Londres em 7 de janeiro de 1793. Fonte: NAISH,
op.cit, p. 72.
338

prestes a ser realizada, seu triunfo assegurado”.1309 Laughton, mais discreto, aponta que,
com exceção de Hood que o conhecia, Nelson ainda era um desconhecido, quase que
começando uma nova carreira, após refletir sobre suas experiências e erros.1310
Sua opinião sobre os oficiais e praças do Agamemnon, como sempre era de seu feitio,
foi favorável. Disse ele que o seu navio era o melhor 64 da marinha e navegava
maravilhosamente, sendo “os oficiais todos bons em seus serviços e meus conhecidos, com
exceção do médico de bordo...estou confiante no comissário1311 e lhe mencionei isso...no
entanto ele deve ser muito cuidadoso para não existir motivos de reclamação contra
ele”.1312 Como visto no capítulo dois, o comandante de navio tinha a responsabilidade de
convocar praças para o serviço, mesmo que obrigatoriamente e Nelson não nutria falsas
convicções sobre isso, reconhecendo que sem esse sistema a RN não poderia subsistir, no
entanto acreditava que o convencimento era o melhor remédio que a obrigatoriedade. Em
carta para seu amigo Locker disse ele : “mandei um tenente e quatro midshipmen conseguir
homens em todos os portos de Norfolk e em Lynn e Yarmouth; meus amigos em Yorkshire
e no norte me disseram que me enviarão aqueles que eles puderem colocar as mãos”.1313
Nelson aproveitou essa ocasião e a prerrogativa investida no comando e comissionou o
filho de Frances Nisbett, Josiah, então com 13 anos de idade, como midshipman sob sua
responsabilidade, além de muitos outros filhos de amigos de seu condado natal Norfolk.
Sua preocupação com a preparação de seus midshipmen era grande1314. Certa vez disse o
seguinte para um grupo de jovens midshipmen:

Primeiro, vocês precisam sempre obedecer ordens implicitamente, sem


tentar formar qualquer opinião própria sobre a propriedade dessas ordens;
em segundo lugar vocês precisam considerar como inimigos pessoais

1309
MAHAN, Alfred. The Life of Nelson v1. op.cit, p. 97.
1310
LAUGHTON, John. K. Nelson. op.cit p. 46.
1311
Ver a função do Comissário (purser) no capítulo 2, seção 2.3.
1312
Carta de Horatio Nelson para William Nelson escrita de Chatham em 10 de fevereiro de 1793. Fonte:
LAUGHTON, John Knox. Letters and despatches of Horatio Viscount Nelson.London: Longmans, Green &
Co, 1886, p. 47. Essa afirmação de Nelson aponta para um imperativo de afinidade com sua tripulação
segundo a teoria de liderança esposada por Keegan.
1313
Carta de Horatio Nelson para William Locker escrita a bordo do Agamemnon em 26 de janeiro de 1793.
Fonte: Idem.
1314
Dentro da teoria de Hook, Nelson se insere na característica pedagógica o que veio a se confirmar no
futuro com o culto do herói, ao se preocupar com a formação de seus jovens midshipmen e dessa atitude
sedimentar experiências no inconsciente desses jovens que o ligariam a tais conhecimentos, além de
demonstrar a liderança pelo exemplo, segundo a teoria de Keegan.
339

todos que falarem mal de seu rei, e em terceiro lugar vocês devem odiar
todos os franceses como odeiam o diabo.1315

Vindo de um contumaz desobediente, Mahan apontou que o primeiro ponto devia ser
visto com cuidado e passível de crítica, no entanto enalteceu o herói afirmando que Nelson
seria sempre identificado com o Agamemnon, glorificando suas realizações e feitos no
Mediterrâneo.1316 Nessa comissão Nelson permaneceria por três anos até 17961317.
Nelson tornou-se um dos mais populares comandantes da RN, não por ser
condescendente com as falhas de seus subordinados, mas pela atenção que sempre
dispensava ao conforto e necessidade de seus homens no Agamemnon. Ele, também, era
conhecido em premiar e exaltar os feitos de seus homens quando em ação de combate. Para
Laughton sua tripulação não era nada especial, no entanto tornou-se especial depois de com
ele servir naqueles três anos1318.
A GB encontrava-se em guerra com a França republicana e o Almirantado britânico
determinou que uma força naval composta de cinco navios de linha, dentre eles o de
Nelson, sob o comando do Almirante Hotham, se dirigisse para Gibraltar para reforçar
Hood no Mediterrâneo. Antes de chegar a Gibraltar essa força se dirigiu a Cadiz na
Espanha, ocasião propícia para Nelson avaliar o desempenho da frota espanhola lá
estacionada. Sua opinião era de que os espanhóis tinham bons navios, porém muito mal
guarnecidos. Sua impressão tornou-se realidade, quando já no Mediterrâneo, a força de
Hood com 15 navios de linha se encontrou com uma força espanhola composta de 24
navios. Hood determinou a imediata formatura em linha de seus navios, o que foi realizada
rapidamente e com eficiência. O almirante espanhol determinou que sua força, também,
formasse uma coluna, no entanto essa simples manobra não foi realizada. Ao perceber a
impossibilidade de formar a coluna de navios, o almirante espanhol enviou uma fragata ao
navio de Hood pedindo desculpas pela ineficiência tática de sua força, alegando que eles já
estavam no mar há cerca de dois meses e a maioria das tripulações estava doente. Para

1315
MAHAN, Alfred. The Life of Nelson.v1 op.cit, p. 101.
1316
Ibidem, p. 97.
1317
Essa visão de Mahan indica não só a característica psicológica de admiração pelo sucesso de Nelson como
comandante, segundo a teoria de Hook.
1318
LAUGHTON, John. K. Nelson. op.cit p. 48. Pode-se observar o atendimento dos imperativos de
prescrição e afinidade ao premiar seus homens por suas ações e se preocupar pelo bem estar de seus
subordinados, segundo a teoria de Keegan.
340

Nelson essa alegação era ridícula, pois os ingleses costumavam ficar o mesmo tempo em
viagem e eram capazes de realizar qualquer formatura com eficiência. Para Laughton
Nelson deve ter esquecido o seu comando no Albermarle em 1782, quando a maior parte de
sua tripulação tornou-se enferma.1319 Não havia realmente uma correlação direta entre o
escorbuto que atingiu a tripulação espanhola e sua falta de familiaridade com a tática naval.
Para o historiador inglês a percepção de que a Armada espanhola era deficiente em combate
não era geral na RN, como Nelson apontou. Muitos ingleses por muitos anos a
consideravam poderosa, no entanto, em realidade, ela não era tão forte quanto parecia.1320
Para Nelson a expectativa de uma guerra com a Espanha não trouxe nenhuma ansiedade ou
temor.
Ao chegar no Mediterrâneo, sob o comando de Hood, a força possuía 15 navios de
linha e recebeu a determinação de bloquear os portos de Marselha e Toulon. O propósito
era impedir o abastecimento de víveres para ambas cidades francesas. Em agosto de 1793
um grupo de cidadãos de Toulon declarou a cidade rendida a Hood e esses insurretos
estabeleceram uma forma de governo monárquico, reconhecendo como legítimo soberano o
filho de Luiz XVI. Marselha, por outro lado, foi ocupada por um exército francês e
permaneceu assim leal a Paris em pleno regime de terror. Hood, agora apoiado pela
Marinha espanhola sob o comando do Almirante Langara, tomou posse da cidade de
Toulon, apoiando os insurretos considerados traidores pela Republica francesa.
Nelson foi enviado por Hood a Nápoles para solicitar o apoio do rei das Duas Sicílias
em forma de uma tropa que guarnecesse os fortes de Toulon. Em julho de 1793 foi assinado
um tratado de aliança entre a GB e Nápoles. Os seus termos determinavam que o rei das
Duas Sicílias proveria com 6.000 soldados, quatro navios de linha, quatro fragatas e quatro
brigues as forças britânicas que operavam no Mediterrâneo. O comércio com a França foi
interrompido, enquanto navios britânicos protegiam as linhas de comunicação marítimas
dos napolitanos, mantendo uma esquadra pronta a defender Nápoles, prometendo ao
governo dos napolitanos favores especiais quando fosse declarado o fim do conflito com a
França1321. Atuava como ministro britânico no Reino das Duas Sicílias Sir William

1319
Ibidem, p. 49.
1320
Ibidem, p. 50.
1321
FRASER, Flora. Beloved Emma. The Life of Emma Lady Hamilton.. London: Weindenfeld and Nicolson,
1986, p. 188.
341

Hamilton, um velho gentleman diplomata, casado com uma jovem e bela esposa chamada
Emma Hamilton. Nelson travou um primeiro contato com o casal Hamilton nesse período,
sendo muito bem recebido por Sir William. Lady Hamilton, por certo, provocou forte
influência sobre ele. Escreveu ele para Frances Nelson em setembro de 1793 uma carta em
que revelou que “Lady Hamilton tem sido muito gentil e boa com Josiah [seu filho
adotivo]. Ela é uma jovem mulher de maneiras amigáveis e que enobrece a posição no qual
se encontra”.1322 Mahan chamou muita atenção para esse primeiro encontro entre os dois
afirmando que naquele momento ele não estava envolvido ainda emocionalmente com ela,
em razão de outros assuntos mais importantes1323, no entanto é interessante apontar a
referência do historiador norte-americano com aquele encontro. Laughton nem ao menos
registra esse encontro em seu livro, como se ele não fosse importante. Certo é que
Laughton leu a carta referenciada acima. Pode-se inquirir por que não a mencionou em sua
biografia ? Segundo pode-se perceber, para o historiador inglês, certos fatos devem ser
deixados de lado em prol do mais importante: o desempenho do herói em uma árdua missão
diplomática perante o Reino das Duas Sicílias. Certos fatos sentimentais devem ser
deixados de lado, perante a grandeza da missão atribuída a Nelson por Hood. Uma atitude
típica de um historiador vitoriano.
Em Toulon temia-se os efeitos do terror que levara a vida do rei Luiz XVI e os
britânicos, espanhóis e napolitanos seriam a proteção contra esses desmandos, ou pelo
menos assim pensavam os habitantes dessa cidade. Logo em seguida Nelson se agregou a
força de Lorde Hood em Toulon. As forças heterogêneas instaladas em Toulon, com
diferentes nacionalidades, treinamentos e interesses tornaram as forças de defesa sem
coesão e passíveis de uma derrota em face as tropas republicanas francesas mais coesas e
determinadas.
Nelson, segundo Mahan, ainda não se apercebera da importância do Mediterrâneo
para a política britânica, afirmando sempre em suas cartas o seu desejo de voltar a servir
nas Índias Ocidentais, uma vez que os “serviços de guerra estão terminados nessas águas [o

1322
Carta de Horatio Nelson para Frances Nelson escrita em 14 de setembro de 1793 de Nápoles. Fonte:
NAISH, op.cit, p. 91.
1323
MAHAN, Alfred. The Life of Nelson. v1 op.cit, p. 111.
342

Mediterrâneo”, em uma clara falta de percepção de longo prazo.1324 Para Mahan o nome
Nelson estava ligado inseparavelmente ao Mediterrâneo.1325
A relação entre Hood e Nelson voltou a ser esplêndida e em breve o último passou a
ver seu almirante como um grande chefe naval. De modo a manter seus homens ocupados
na defesa de Toulon, Nelson determinou uma constante inspeção sanitária de sua
tripulação, além de atividades estimulantes e interessantes para as divisões de seu navio,
evitando assim a monotonia que afetava a saúde e o espírito de seus oficiais e
marinheiros.1326 Hood determinou que Nelson levasse seu navio a Cagliari ao sul da
Sardenha e lá se agregasse ao esquadrão sob o comando do comodoro Linzee com três
navios de linha. No trânsito para esse porto, o Agamemnon entrou em combate com um
grupo de quatro fragatas e um brigue franceses e embora o encontro tenha sido indecisivo,
Nelson ficou satisfeito com o seu desempenho e da sua tripulação.1327
Ao mesmo tempo em que se considerava satisfeito com sua tripulação, passou a
criticar Linzee por sua falta de agressividade, o que para Mahan foi um desabafo
irresponsável e irreflexivo, em razão de sua já característica energia “quando impedida de
ação imediata”1328. Laughton, por outro lado, apenas mencionou que Nelson considerou
Linzee indeciso e que ele ficou satisfeito quando Hood o designou para um pequeno
esquadrão de fragatas no bloqueio da Córsega, desligando-o do comando de Linzee.1329
Enquanto isso ocorria, as forças republicanas francesas atacaram as tropas localizadas
em Toulon e depois de intenso combate tomaram a cidade. Cenas de confusão e pavor
atingiram tanto as tropas, como a população de Toulon, temerosas com as represálias que
certamente ocorreriam e acabaram ocorrendo. Os navios britânicos e espanhóis
conseguiram evacuar muitos moradores da cidade, principalmente os que cooperaram com
eles. No HMS Princess Royal embarcaram quatro mil pessoas, no HMS Robust mais três
mil. No total Laughton calculou em 15 mil o número de foragidos. Muitos outros ou
morreram afogados ou foram atingidos pelos tiros dos republicanos franceses. Os navios da
GB, Espanha, do Piemonte e de Nápoles conseguiram suspender antes da tomada completa

1324
Ibidem, p. 108.
1325
Ibidem, p. 115.
1326
Ibidem, p. 110.
1327
Ibidem, p. 113.
1328
Ibidem, p. 114.
1329
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 55.
343

da cidade. Laughton calculou em 6 mil o número de mortos pelas forças da Convenção,


muitas mulheres, velhos e crianças.1330 Laughton comentou que a fúria da França
republicana foi sedimentada na vingança e grande número de mulheres e crianças foi
selvagemente executada.1331 Nelson não participou da evacuação, pois estava em posição
de bloqueio na Córsega.
Seu relacionamento com Hood continuava extremamente amigável. Disse Nelson que
“o Lorde [Hood] é um grande amigo meu, ele é certamente o melhor oficial que já
encontrei”.1332 Nesse momento, após a queda de Toulon, Hood se juntou ao grupo de
Nelson e manteve mais estrito o bloqueio da Córsega. Essa ação naval deu, afinal, resultado
quando San Fiorenzo rendeu-se em 17 de fevereiro de 1794 e os franceses se retiraram para
Bastia. De acordo com sua própria agressividade, Nelson considerou que teria condições de
tomar Bastia com cerca de mil homens, no entanto o general inglês Dundas que ocupou San
Fiorenzo se recusou a fornecer soldados para a empreitada, pois considerou o ataque
prematuro e visionário. Apesar dessa recusa, Nelson desembarcou com parte de sua
tripulação, inclusive os seus fuzileiros embarcados e procedeu ao cerco também por terra,
no total com cerca de 1.200 homens. Alguns canhões navais foram desembarcados e
ajudaram a bombardear a cidade de Bastia.1333 Sempre cioso de sua reputação, Nelson
declarou que “preservo a honra de meu país e preferia ser derrotado que não atacar. Se não
tentarmos não poderemos ter sucesso...minha reputação depende da opinião que eu der, no
entanto tenho honestamente consciência de que fiz o certo... glorifico a tentativa”.1334
Em 24 de maio, finalmente, Bastia rendeu-se. No total caíram prisioneiros 4.500
franceses. No auge da excitação, Nelson declarou que “sempre foi minha opinião, e sempre
percebi e nunca tive qualquer razão para me arrepender [de dizer] que um inglês é igual a
três franceses”1335 Para Mahan, Nelson foi o gênio por trás dessa tomada de Bastia. Sempre
ávido a elogiar o seu herói, Mahan afirmou que “tal é a genialidade, essa rara e perigosa
dádiva que separa um homem de seus semelhantes por um hiato que não pode ser

1330
Ibidem, p. 53.
1331
LAUGHTON, John Knox. Nelson Memorial. op.cit. p. 36.
1332
MAHAN, Alfred. Life of Nelson. v1 op.cit, p. 119. Em verdade Hood continuava atuando como mentor de
Nelson, considerando a teoria de Campbell.
1333
LAUGHTON, John Knox. Neson. op.cit p. 56.
1334
MAHAN, Alfred. Life of Nelson. v1 op.cit, p. 119.
1335
Ibidem, p. 125.
344

ultrapasado pela vontade humana”.1336 Laughton, mais comedido, mencionou que muito do
crédito pela tomada deve ser dado a Nelson, no entanto afirmou que não somente a ele deve
ser atribuído o sucesso na empreitada. Ele mencionou, também, um certo capitão Hunt que
foi responsável pela artilharia. Que Nelson foi a grande figura da ação Laughton
concordou, entretanto Hood pareceu ter omitido tal fato em seus despachos, não por
esquecimento ou pressa em enviar sua parte de combate, mas por considerar inapropriado
mencioná-los em sua documentação.1337 Uma explicação contida de Laughton. Por sua vez,
Mahan foi enfático ao criticar Hood. Disse ele que infelizmente Hood, ao enaltecer Hunt,
“não somente inapropriadamente, mas absurdamente, minimizou as ações de Nelson em
toda a operação”.1338 Para Mahan essa atitude de “esquecimento” das ações de Nelson por
parte de Hood foi injusta, pois ele Nelson foi o “espírito de toda a operação”, acima
inclusive do que o próprio Hood.1339 Percebe-se nessa passagem novamente um Mahan
passional em relação ao seu herói.
Nelson sentiu-me preterido por Hood e externou seu descontentamento pela falta de
reconhecimento do almirante, declarando em carta a seu tio William Suckling que o
“capitão Hunt que perdeu o seu navio, ele [Hood] queria forçar sua designação para outro
[navio], um jovem que nunca esteve em uma bateria ou executou qualquer serviço durante
o cerco, se qualquer pessoa disser o contrário, vou considerá-la uma ‘contadora de
estórias’”.1340 Estava não só descontente, mas magoado pelo tratamento dispensado,
considerando-se um homem sem recompensa.1341
Enquanto essas ações ocorriam na Córsega o almirante Hotham, em frente a Toulon
com sete navios de linha, evitara o confronto com uma esquadra francesa de igual número
que deixou o porto para uma patrulha. Hotham se abrigou em San Fiorenzo, o que deixou
Nelson injuriado, pois considerou Hotham sem iniciativa e a chance de destruir navios
inimigos perdida. Hood aceitou as explicações de Hotham para essa ação. Para Mahan essa

1336
Ibidem, p. 126.
1337
LAUGHTON, John Knox. Neson. op.cit p. 58.
1338
MAHAN, Alfred. Life of Nelson. op.cit, p. 131.
1339
Ibidem, p. 132.
1340
Carta de Horatio Nelson a William Suckling escrita de Calvi em 16 de julho de 1794. Fonte:
LAUGHTON, John Knox. Letters and Despatches. op.cit.p. 63. Na carta Nelson usa a expressão ‘story-teller’
traduzido para ‘contador de estória’. Essa magoada visão de Nelson sobre Hood não condizia com a
admiração que o último sentia por ele. Hood era um homem contido que evitava grandes demonstrações de
afeto e por certo conhecia a busca desenfreada de Nelson pela fama e reconhecimento, daí a sua atitude.
1341
MAHAN, Alfred. Life of Nelson v1. op.cit, p. 133.
345

falta de vontade de lutar de Hotham foi irreparável,1342 pois os franceses continuaram ativos
no Mediterrâneo realizando pequenas incursões e utilizando a ‘estratégia de esquadra em
potência’1343, o que só irritava os britânicos especialmente homens como Nelson. Laughton
pouco se importou com essa falha de Hotham, pois nada mencionou sobre esse fato.
A próxima cidade a ser investida foi Calvi. Da mesma forma que a tomada de Bastia,
Hood determinou que um contingente de marinheiros e fuzileiros desembarcasse e
realizasse um envolvimento da cidade por terra. Nelson desembarcou com 200 de seus
homens e tomou a linha de frente. Como sempre, desejava glória e reconhecimento de seus
subordinados, pares e chefes1344. Como disse Mahan, a glória para ele perdia o valor, se
não fosse acompanhada pela honra.1345 No dia 12 de julho de 1794 uma fuzilaria partiu da
cidade contra suas tropas. Um dos tiros ricocheteou na areia próximo a Nelson e arranhou o
seu globo ocular direito provocando pequena ulceração. Em princípio ele pouco se
importou com o pequeno ferimento, no entanto aos poucos ele começou a perder a visão e
em pouco tempo Nelson estava cego do olho direito1346.
No cerco de Calvi, Nelson atuou como um intermediário entre o comandante inglês
no terreno, general Stuart, do qual guardou grande admiração e seu chefe Hood. Para
Mahan Nelson agiu com tato e habilidade diplomática no relacionamento entre os dois
chefes. Isso, segundo Mahan, foi conseguido pela sua cordialidade para com os seus
semelhantes, combinado com sua preocupação em cumprir o dever, sagacidade e bom
senso1347. Seu temperamento era afável e só passou a modificar-se após a batalha do Nilo e

1342
Ibidem, p. 137.
1343
A estratégia de esquadra em potência surgiu após a Batalha de Beach Head em 1690 durante a Guerra da
Liga de Augsburg quando Lord Torrington em carta a Rainha Ana justificou a permanência de sua esquadra
no porto ao invés de atacar uma força naval francesa mais poderosa comandada pelo almirante Comte
Tourville no Canal da Mancha. Ela expressa a existência de uma força naval atracada em um ponto que pode
se fazer ao mar a qualquer instante para se defrontar com outra adversária estacionada em alto mar. A simples
existência dessa força como uma força em potência provoca a preocupação da força inimiga em manter-se
atenta e alerta, exaurindo, a longo prazo, a sua operatividade. A concepção é evitar a ação decisiva até que a
situação se desenvolva favoravelmente a favor dessa força atracada. Michael Lewis afirmou que essa
concepção de Torrington era “brilhante, uma bem balanceada mistura entre agressividade e prudência”. Fonte:
REYNOLDS, Clark. The Fleet in Being Strategy of 1942. Journal of Military History. Virginia: Society of
Military History. V.58, n.1, jan 1994, p. 106.
1344
Nelson procurava sempre novos desafios e provas, cumprindo assim nova etapa na jornada do herói
segundo a teoria de Campbell.
1345
Ibidem, p. 138.
1346
Esse foi o segundo encontro de Nelson com a morte e por pouco não foi atingido por esse tiro. Nova etapa
da jornada do herói foi cumprida pelo herói de Burham-Thorpe.
1347
Nelson com sua atitude afável atingia a liderança imperativa de afinidade segundo concepção de Keegan.
346

em razão de seu conflito mental pela “paixão infeliz por Lady Hamilton”1348, segundo
opinião de Mahan1349. Ao mesmo tempo em que enalteceu Nelson como um gênio militar,
Mahan criticou Lady Hamilton antes mesmo do relacionamento entre os dois ocorrer.
Laughton não fêz qualquer tipo de conjectura ou crítica a Emma Hamilton até esse
momento em sua biografia.
Em 10 de agosto, Calvi finalmente se rendeu com honras para Hood e seus defensores
foram autorizados a voltar à França. Duas fragatas francesas caíram nas mãos dos
britânicos. Nelson em carta a Frances mencionou que “meu ferimento não me restringe.
Não, nada exceto a perda de um membro me manteria afastado de meu dever e acredito que
isso me preservou da mortalidade geral”.1350 Muitos de seus homens no Agamêmnon
estavam doentes e desgastados pelos contínuos combates, sendo que 150 deles estavam
acamados a bordo, a maioria dos oficiais mal se arrastava. Nelson desejava proporcionar
um descanso merecido a sua debilitada tripulação. Para Mahan existia uma ligação forte
entre Nelson e seus homens, uma combinação de simpatia e tato que proporcionou seu
sucesso como um líder de homens.1351
Hood resolveu voltar à Inglaterra para resolver pendências pessoais e
temporariamente transmitiu o comando a seu substituto legal Almirante Hotham. Nelson,
já crítico do último, principalmente pelas chances perdidas de trazer os franceses ao
combate, preocupou-se com o afastamento de Hood. Esperava-se que Hood regressasse
logo ao Mediterrâneo, no entanto em razão de desavenças com o Almirantado em Londres
e a recusa do governo em reforçar sua esquadra, fizeram com que ele resignasse a seu
comando. Para Laughton, sua saída foi motivada pela desavença com Lorde Spencer que
acabara de assumir a função de Primeiro Lorde do Almirantado, em razão dos baixos
efetivos navais no Mediterrâneo, o que acarretou o fim de sua carreira naval. Como último
ato de indignidade, Hood foi designado para ser o governador do Hospital de Greenwich, lá
ficando por 20 anos até os 92 anos de idade.1352 Na falta de um almirante disponível o

1348
Mahan utilizou palavras duras para descrever a relação entre Nelson e Emma, “his unhappy passion for
Lady Hamilton”.
1349
Ibidem, p. 142.
1350
Carta de Horatio Nelson para Frances Nelson escrita de Livorno em 18 de agosto de 1794. Fonte: NAISH,
op.cit, p. 119.
1351
MAHAN, Alfred. Life of Nelson v1. op.cit, p. 148. Por certo Nelson atendeu os imperativos de afinidade e
prescrição em sua liderança com sua tripulação.
1352
LAUGHTON, John Knox. Nelson.Memorial op.cit. p. 39.
347

Almirantado manteve Hotham como comandante-em-chefe no Mediterrâneo para tristeza


de Nelson.
O Agamemnon permaneceu em Livorno para completar seu ciclo de reparos, o que era
enervante para Nelson que declarou que seu “coração estava quase partido”1353 pela
inatividade1354. Como sempre, querendo proteger seu herói, Mahan comentou que era
desagradável para um desavisado observar em Nelson uma insistência em se auto-elogiar
ou reclamar dos outros. O ser humano tinha a tendência de olhar atravessado para um
incorrigível reclamador, no entanto no caso de Nelson, segundo Mahan, deveria ser
lembrado que esses rompantes de auto-elogios e reclamações foram feitos em cartas para
sua mulher Frances e para amigos próximos e que só se tornaram conhecidos depois de sua
morte, em razão de sua fama.1355 Ele realmente buscava a fama, o reconhecimento e
exaltação que era o fator mais importante e universal no campo militar. Sua procura e
ambição pela glória e honra mostraram seu lado fraco; a emulação nobre, devoção e ação
heróica eram o seu lado forte, para Mahan.1356
No início de 1795 a situação no Mediterrâneo era a seguinte: as tropas da França
atravessaram os Pireneus em direção à Espanha. Ao norte dos Alpes e no vale do Pó, os
franceses eram combatidos pelos piemonteses do Reino da Sardenha e pelos austríacos
senhores de Milão e Mantua. Veneza, Genova, Toscana e os Estados Papais mantinham-se
neutros, embora tivessem simpatias pelos opositores dos franceses. A região da Riveira
estava sendo ocupada pelos franceses e seria um local de penetração na península italiana.
Nice foi ocupada e ameaçada Gênova, até ali neutra. O Reino das Duas Sicílias continuava
alinhado com a GB que agora tinha uma importante posição estratégica na Córsega. O
controle das linhas de comunicação era fundamental para o predomínio britânico no
Mediterrâneo e esse controle significava destruir a esquadra francesa no mar.
Em número de meios as esquadras se equivaliam, os franceses com 15 navios de linha
e os britânicos com 14 e um napolitano. Além de Marselha, os franceses mantinham Toulon
como base para sua força. Muitos transportes franceses foram agrupados para um
desembarque que poderia ocorrer próximo a Gênova ou na própria Córsega. Para que

1353
Nelson utilizou a expressão “my heart is almost broken”.
1354
MAHAN, Alfred. Life of Nelson. v1 op.cit, p. 151.
1355
Idem.
1356
Ibidem, p. 152.
348

pudessem passar com segurança, os franceses necessitavam de uma batalha decisiva que
lhe trouxessem a vitória sobre a RN.
No dia 8 de março de 1795, Hotham, estacionado em Livorno recebeu a informação
de que os franceses estavam no mar. O Agamemnon já estava em condições de combater e
assim se agregou a força de 14 navios de linha que suspendeu para interceptar os navios
franceses. A partir do dia 9 as forças se avistaram e assim permaneceram por mais dois
dias, sem contato. No dia 13 a força britânica formou a linha de batalha e começou a
perseguir os franceses que se retiraram para o oeste. Hotham sinalizou “perseguição geral”
o que indicou uma liberdade de ação aos comandantes britânicos na perseguição. Nelson,
como sempre, ofereceu-se ao combate e correu em direção ao Ça Ira um navio de linha
com 84 canhões que, em razão de uma colisão com outro navio francês, ficou avariado e
passou a desenvolver baixa velocidade.
O comandante francês determinou que outros dois navios de linha de sua força e uma
fragata auxiliassem o Ça Ira. Nelson começou então a atirar na popa do inimigo, evitando
engajá-lo pelo través, pois sabia que era menos poderoso que o francês. Seus tiros foram
precisos e avariaram tremendamente o Ça Ira. No dia seguinte pela manhã, o navio francês
estava reduzido a ruínas e rendeu-se. As baixas francesas atingiram 350 homens no Ça Ira
e 250 no Censeur que também foi abordado pelos britânicos. O Agamemnon teve apenas 13
homens feridos na ação.1357 Laughton, mais discreto em seu enaltecimento a Nelson, disse
que o herói inglês percebeu que, apesar de mais poderosos, os franceses não queriam
combater e que esses oficiais desconheciam o seu ofício. Acabaram não aproveitando a
oportunidade oferecida para destruir o Agamemnon . Considerou, também, tímidas as
medidas tomadas pelo Almirante Hotham, seu comandante. Em carta para Frances Nelson
disse o seguinte:

Desejei ser um almirante e no comando de uma força inglesa...claro estou


de que se eu comandasse nossa esquadra no dia 14, ou a força francesa
estaria pranteando o meu triunfo ou eu estaria em um casco destruído.
Fui a bordo [do navio] de Hotham... propor deixar os nossos dois navios
avariados [Captain e Bedford], as duas presas [ Ça Ira e Censeur] e
quatro fragatas e perseguir o inimigo, no entanto ele [Hotham] é mais frio
que eu e disse ‘estamos alegres. Lutamos muito bem’ mas se tivéssemos
apresado 10 navios e permitido que o décimo primeiro fugisse...não

1357
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit p. 65.
349

poderia chamar isso de bem feito. ..Teríamos um dia, que acredito não
houve, em todos os anais da Inglaterra. 1358

Mahan, embora concordasse com Nelson a respeito da continuação da perseguição,


considerou que os riscos seriam altos, conforme reconhecido pelo próprio Nelson alguns
dias depois, ao afirmar que “tivesse nosso bom almirante seguido o vento [ a perseguição]
provavelmente teríamos feito mais, mas o risco era muito grande”.1359 Ambos os
comandantes, Hotham e o francês Martin não queriam provocar uma batalha decisiva,
afirmou Mahan. Esses dois chefes navais não perceberam, como Nelson percebeu, que
destruir a esquadra inimiga era o melhor resultado na ação, e não preservá-la para futuras
operações. Nelson, disse Mahan, pela pura intuição de gênio do que o resultado de um
cálculo premeditado, percebeu claramente que destruir os franceses era o motivo pelo qual
a esquadra britânica lá se encontrava e essa ação afetaria decididamente o curso da
guerra.1360 Laughton comentou por sua vez que Nelson tinha firmeza de propósito e uma
perfeita perceção do objetivo principal, destruir o inimigo.1361
Nelson estava orgulhoso de suas ações no combate de 14 de março. Diria
posteriormente para Frances que todos concordaram em lhe dar os lauréis que só podiam
ser reconfortantes a ele até o último momento de sua vida.1362 Sentia, também, imensa falta
de Hood como comandante. “Espero ver logo Lorde Hood” dizia sempre. “Perdemos muito
por Lorde Hood ir para a Inglaterra”, outra frase sempre repetida. Em carta a seu irmão
disse ele que “então veio a notícia da demissão de Lorde Hood. Oh, Almirantado miserável
! Eles forçaram o primeiro oficial de nossa marinha a se afastar do comando !”.1363 Em 26
de junho, em outra carta a William, disse que a ausência de Lorde Hood era uma grande
perda nacional.1364

1358
Carta de Horatio Nelson para Frances Nelson escrita em Fiorenzo no dia 1 de abril de 1795. Fonte:
NAISH, op.cit, p. 204.
1359
MAHAN, Alfred. The Life of Nelson v1.. op.cit, p. 170.
1360
Ibidem, p. 171.
1361
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit p. 42. Tanto Mahan como Laughton indicaram
em Nelson, nesse caso específico, uma liderança imperativa de ação, ao perceber que destruindo a esquadra
francesa os britânicos obteriam o domínio do mar.
1362
MAHAN, Alfred. The Life of Nelson v1.. op.cit, p. 172. .
1363
Carta de Horatio Nelson para William Nelson escrita de Port Mahon em 8 de junho de 1795. Fonte:
LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and despatches.op.cit, p. 81.
1364
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 67.
350

Outro fato deixou Nelson muito preocupado. Os franceses conseguiram transferir seis
navios de linha de Brest para Toulon, tornando sua força naval superior aos britânicos. Uma
falha grave do Almirantado, segundo Nelson, compensada depois pela designação de uma
força de também seis navios sob o comando do almirante Man provindo da GB1365. Outra
fonte de ansiedade para o herói foi a possibilidade de ser promovido a almirante
brevemente.1366 O Mediterrâneo possuiria muitos almirantes após a lista de promovidos e
certamente ele seria transferido para a GB e ficaria possivelmente a meio soldo, uma
lástima para ele. O rumor é que haveria uma grande lista de capitães promovidos em 01 de
junho de 1795, sendo ele o número 46 na lista.1367 Ao final, a lista de promovidos realmente
abarcou muitos capitães, no entanto o último promovido a almirante foi o número 39, o que
permitiu que Nelson continuasse no Agamemnon. 1368
Um ponto interessante de discussão foi a análise de Mahan a respeito da relação de
Nelson com Frances até aquele junho de 1795. Sua correspondência com ela era intensa,
terna e afetuosa. Dizia ele que ela estava sempre em seu pensamento. Em carta a ela antes
da ação de 14 de março disse Nelson o seguinte:

Qualquer que seja o destino, eu não tenho dúvidas em minha mente que
minha conduta será tal que não trará um rubor nas faces de meus
amigos...as vidas de todos estão nas mãos Dele que sabe melhor como
preservá-las ou não e a Ele eu me resigno. Meu caráter e bom nome é o
meu próprio modo de ser. Vida em desgraça é temível. Uma morte
gloriosa deve ser invejada”.1369

Frances era sua grande confidente e nela ele depositava todos os seus segredos.
Mahan procurou, assim, descrever o homem Nelson com sentimentos, angústias e vida
íntima. Laughton, por outro lado, nada citou sobre seu relacionamento com sua esposa. Era
como se Nelson não tivesse vida social para o velho historiador inglês. Até aqui nada sobre
Lady Hamilton e pouco, muito pouco sobre Frances Nelson. A Laughton interessava suas
conquistas militares e nada mais até esse ponto de sua carreira.

1365
Idem.
1366
Ver Capítulo Dois, seção 2.3.
1367
Ver sistema de promoção de capitães a almirante no Capítulo 2, seção 2.3.
1368
MAHAN, Alfred. The Life of Nelson v1.. op.cit, p. 177.
1369
Carta de Horatio Nelson a Frances Nelson escrita a bordo do Agamêmnon em 10 de março de 1795.
Fonte: NAISH, op.cit, p. 199.
351

Hotham designou para Nelson, agora um dos capitães mais antigos do Mediterrâneo,
um grupo de seis navios menores para cooperar com os austríacos próximos a Gênova. Na
Riviera Nelson e seu grupo encontraram uma grande esquadra francesa composta de 17
navios de linha que iniciou uma perseguição ao grupo de Nelson que imediatamente rumou
célere para San Fiorenzo onde estava fundeada a força de Hotham. Depois de intensa
perseguição, Nelson entrou nesse porto e alertou Hotham sobre a força francesa. Este
determinou o suspender de seus navios e passou a seguir a força francesa, que agora se
retirava evitando, como sempre, o combate. Depois de algum tempo de corrida, Hotham
determinou o regresso de seus navios ao porto, desistindo de atacar o inimigo. Para Mahan
houve um erro na avaliação de Hotham ao embarcar no HMS Britannia um navio de linha
muito lento. Dessa maneira, em razão de ir se afastando de seus navios mais rápidos e
assim não controlar a perseguição, Hotham resolveu suspender a caça aos franceses. Outra
chance perdida, segundo Nelson.1370
Hotham determinou, logo após essa ação, que Nelson com o seu grupo de navios se
dirigisse para a costa de Gênova e lá bloqueasse qualquer tráfego marítimo francês na
costa, altamente dependente de abastecimento para a Riviera já em seu poder. Ao mesmo
tempo, Nelson deveria impedir o transporte marítimo de tropas francesas naquela região do
Mediterrâneo. Gênova era teoricamente neutra, no entanto se submetia aos ditames
estabelecidos por Paris. Hotham, ao designar Nelson para essa missão, determinara cuidado
para não ofender os genoveses e os estados neutros na contenda, tendo assim a preocupação
de só confiscar cargas francesas. Nelson tinha consciência que os genoveses, temerosos das
tropas francesas, permitiam o tráfego de pequenas embarcações abastecedoras às tropas da
França na área. O que ele desejava realmente era bloquear todo o tráfego na região,
inclusive o dos neutros. Ele contava com o auxílio de Sir Gilbert Elliot, depois conde
Minto, o ministro inglês na Córsega que o aconselhava no melhor modo de resolver
questões diplomáticas com os genoveses. Nelson comentara com seu colega capitão
Collingwood que “nosso almirante, entre nous, não tem coragem política e está alarmado
na menção de uma ação mais incisiva”.1371

1370
MAHAN, Alfred. The Life of Nelson.v1. op.cit, p. 179.
1371
Carta de Horatio Nelson para Cuthbert Collingwood escrita de Vado em 31 de agosto de 1795. Fonte:
LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Despatches. op.cit. p. 87.
352

Seguindo um costume próprio, Nelson desobedeceu Hotham francamente


determinando a interrupção total do tráfego marítimo costeiro na região. Disse que estava
agindo sem as ordens de Hotham, no entanto era apoiado por Elliot, além dos ministros
britânicos em Turim e na própria Gênova, Sir Trevor e Sir Francis Drake, respectivamente.
Estava consciente de que fazia o melhor para o “rei e o país”.1372 Para ele a coragem
política de um oficial afastado de seu país era tão necessária quanto a coragem militar.1373
A semelhança com as ações nas Índias Ocidentais contra Hugues é evidente. Nelson era um
indisciplinado, quando as condições exigiam. Mahan procurou justificar a posição de
Nelson afirmando que “a justificativa [para tomar o passo de ir contra as ordens superiores]
se coloca não sobre o que ele pensa, mas sobre as circunstâncias ambientais que prova que
ele está certo; se estiver errado...ele precisa assumir toda a responsabilidade de seu erro,
honestamente como deve ser”1374. Para Mahan essas ações de desobediência de Nelson
demonstraram “claramente” a grande coragem profissional e sagacidade que ele assumia e
que mostrava que ao final ele estava correto1375. Hotham, ao perceber que Nelson estava
apoiado pelos dois ministros britânicos, concordou com as ordens de apertar o bloqueio.
O bloqueio passou a ser total e nenhum navio abastecedor francês, neutro ou genovês
passou pela sua força naval. Somente pequenas embarcações costeiras passaram
suprimentos para as tropas francesas. Por possuir navios com maiores calados, Nelson não
pôde interromper esse fluxo pequeno, mas contínuo. Suas embarcações miúdas, orgânicas
dos navios da força, tentaram atacar essas investidas, porém obtiveram pouco sucesso.
Ousado como sempre, Nelson propôs ao general austríaco De Vins, comandante das forças
da Áustria próximas a Gênova, um desembarque em San Remo no qual apoiaria com o fogo
naval de seus navios. Acreditava que tomando San Remo poderia interromper aquele fluxo
contínuo de suprimentos. De Vins concordou inicialmente, mas depois tergiversou,
alegando outras operações mais importantes. Ao final recusou tomar San Remo, mas
propôs um desembarque mais a oeste entre Nice e Var. Nelson concordou plenamente com

1372
Expressão por Nelson usada “for King and Country”.
1373
MAHAN, Alfred. The Life of Nelson v1.. op.cit, p. 190.
1374
Idem.
1375
Ibidem, p. 191. Existia por parte de Mahan uma admiração pelo sucesso de Nelson que se refletiu em seu
texto, indicando o atendimento da característica psicológica de admiração pelo sucesso apontada por Hook.
Não só os subordinados de Nelson o admiravam, mas também e especialmente Mahan.
353

essa ação, contudo Hotham, cauteloso, recusou cooperar nessa operação.1376 Nelson chegou
a pedir a Hotham que lhe fornecesse navios transporte para cooperar com os austríacos no
desembarque. Hotham negou, o que foi criticado por De Vins que reclamou de que deveria
existir cooperação entre as forças aliadas e que nem isso era conseguido1377. Mahan
criticou o plano de tomada de San Remo por considerá-lo muito arriscado, pois as tropas
austríacas lá desembarcadas estariam cercadas por forças francesas que cada vez mais se
fortaleceriam. O tempo, assim, passou a ser elemento decisivo. Para os franceses quanto
mais tempo passasse, melhor seria. Os navios ingleses pouco poderiam fazer para proteger
os austríacos e mesmo a retirada dessas forças em tal posição exposta estaria fadada ao
fracasso.1378 Mahan aproveitou para enfatizar a necessidade de se conhecer os princípios de
estratégia para a tomada de decisão, mesmo para “gênios” como Nelson. O estudo desses
princípios era fundamental para o comandante militar e somente a experiência e tempo
seriam capazes de demonstrar a Nelson que esses princípios deviam ser seguidos.1379 Certo
é que Mahan culpou Hotham pela falta de apoio a Nelson e cooperação com seus aliados
austríacos. Nelson chegou a solicitar que Hotham se encontrasse com De Vins para
combinarem uma melhor cooperação entre a RN e as forças austríacas, sem sucesso. A
alegação de Hotham de não poder apoiar o pequeno grupo de navios subordinados a Nelson
centrou na necessidade de vigiar a esquadra francesa baseada em Toulon, embora ele
continuasse fundeado em Livorno1380. Laughton nesse ponto concordou com a visão
estratégica de Mahan de que Hotham perdera diversas oportunidades de trazer os franceses
a uma batalha decisiva e que essa indefinição foi desastrosa para a GB. Para Laughton, com
a esquadra francesa derrotada, a Riviera estaria assegurada, o abastecimento dos aliados
seria mantido, a Itália não poderia ser invadida, a elevação de Napoleão não aconteceria, a
história da Itália pelos próximos 20 anos teria outro desfecho, a Espanha permaneceria
aliada da GB e a expedição francesa para o Egito continuaria a ser um sonho1381. Para
Laughton a ascensão e engrandecimento de Napoleão se deveram a irresolução de

1376
Ibidem, p. 195.
1377
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 71.
1378
MAHAN, Alfred. The Life of Nelson v1.. op.cit, p. 195.
1379
Ibidem, p. 213.
1380
Ibidem, p. 198.
1381
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit, p. 73.
354

Hotham.1382 Essa afirmação de Laughton imputando a Hotham todas as falhas resultantes


da falta de percepção estratégica britânica, parece simplista e generalizante. A culpa
imputada a apenas um fator, o almirante Hotham, e não a percepção genial de Napoleão e
as ações pragmáticas da força naval francesa que recusou o combate naval com os
britânicos, indicam parcialidade nas conclusões tanto de Mahan como de Laughton. Ao
mesmo tempo em que criticou Hotham pelas falhas na campanha, Laughton procurou,
dentro de seu pragmatismo, justificar Hotham quatro anos depois de escrever sua biografia
de Nelson em seu The Nelson Memorial edição de 1899, ao dizer que não existiam dúvidas
que Hotham sentira o peso da responsabilidade pelo comando e “que não se compreende” o
quanto ele estava “sobrecarregado”.1383 Segundo palavras de Laughton, Hotham tinha
lutado duas batalhas, obtido duas vitórias e destruído três navios de linha inimigos. Em
1797 ele foi elevado ao pariato como barão Hotham, contudo não obteve mais nenhum
comando, vivendo na reserva, feliz até 18131384. Laughton, sempre no estilo conciliador,
bem próprio do período vitoriano, procurou amenizar suas duras críticas a Hotham feitas
quatro anos antes. Parece ter-se arrependido das críticas, “compreendendo” o fardo pesado
de Hotham naquela campanha. Atitude típica de um historiador vitoriano.
Mahan, por sua vez, sendo estrategista naval, considerou que a existência da força
francesa como ‘esquadra em potência’ impediu que a força britânica dominasse os mares. O
forçamento de uma batalha decisiva para quem não quiser ou puder combater é uma tarefa
difícil de se realizar e, no caso, os franceses não queriam combater, talvez em razão da
necessidade de preservar seus navios para outras ações. A leitura de Mahan dessa
impossibilidade de controlar o mar pelos britânicos em razão da postura evasiva francesa,
parece enviesada. Em realidade, os britânicos realmente dominavam os mares, pois
inexistia qualquer força naval inimiga a contestá-los e seus navios transitavam pelo
Mediterrâneo impunemente. Parece que Mahan, com essa postura, se impregnou do
pensamento analítico e ofensivo de seu herói Nelson que não admitia a existência de
qualquer outra força naval inimiga na região operacional1385. Para Nelson inexistia o

1382
Idem.
1383
A palavra usada por Laughton foi “overburdened” que foi traduzido para “sobrecarregado”.
1384
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit. p. 45.
1385
Nesse ponto Mahan, a partir das decisões e atitudes de Nelson, parece ter formalizado a sua visão teórica
da esquadra em potência e sua ênfase na ofensiva. Aparece aqui pela primeira vez o herói Nelson surgindo
como justificativa para uma formulação teórica, atendendo assim uma característica apontada no heroísmo
355

domínio naval britânico, pois os franceses ainda deveriam ser eliminados dos mares
mediterrâneos.
Mahan, como sempre admirador da postura de Nelson, revelou que sua conduta
indicou eficiência, cuidado e bom senso, tendo sido até congratulado por Elliot que
afirmou: “permita-me meu caro senhor [Nelson] congratulá-lo pelo apoio do Agamemnon
em todas as ocasiões, a mesma reputação que sempre esse navio obteve desde que cheguei
no Mediterrâneo”.1386
Em novembro de 1795, um relatório do Secretário de Assuntos Estrangeiros correu os
navios britânicos sob o comando de Nelson, afirmando que os seus comandantes fizeram
vista grossa para as embarcações francesas e neutras que se evadiram do bloqueio
estabelecido em Gênova. Como era de seu feitio, Nelson tomou a si a responsabilidade de
contestar esse relatório calunioso a seus oficiais. Em resposta ao secretário, Nelson
escreveu o seguinte:

Eu, por isso, em meu nome e de meus ofendidos irmãos, exigimos que a
pessoa, qualquer que ela seja, que escreveu ou encaminhou esse relatório
a V.Exa traga os fatos e comprovações explicitamente... duvidamos que
consiga... se ele não puder fazê-lo eu humildemente imploro que Sua
Majestade muito graciosamente accione o promotor geral para processar
esse infamante nas cortes de justiça....se forem falsas as acusações, nada
pode ser tão pesado para o vilão que ousou permitir que sua pena
escrevesse tal relatório...eu completamente libero todos os meus irmãos
capitães de qualquer combinação e requeiro que eu seja o único
responsável pelo o que ocorreu sob o meu comando...em duas guerras
tive mais de 140 combates e batalhas no mar e em terra; perdi um olho e
sangue por lutar contra os inimigos de meu Rei e País...eu tenho a honra
de ser o mais obediente e humilde servidor de V.Exa, Horatio Nelson.1387

No ano seguinte, tanto o Secretário de Assuntos Estrangeiros quanto o Primeiro Lorde


do Almirantado concordaram com as alegações de Nelson e desqualificaram o relatório.1388
Nelson diria, posteriormente, que “o próximo pedido se refere muito mais a minha honra do
que outros de meu interesse, provar ao mundo e para o meu almirante ou a qualquer outra

por Hook. Esse modo de analisar essa concepção por parte de Mahan viria a ser contestada alguns anos depois
por Sir Julian Corbett.
1386
MAHAN, Alfred. The Life of Nelson v1.. op.cit, p. 203.
1387
Ibidem, p. 205.
1388
Ibidem, p. 206.
356

pessoa que perguntar por que permaneci em Genova”1389. Mahan, sempre cioso em
defender o seu biografado, destacou que Nelson estava ansioso, segundo palavras do
próprio herói de “ter provas que empregou até a última conseqüência o Agamemnon como
julgado benéfico para a causa comum”1390. Laughton nada citou em sua biografia sobre esse
fato.
No final de 1795, Hotham solicitou sua substituição do comando do Mediterrâneo ao
Almirantado em razão de más condições de saúde. Para o seu lugar foi designado o
almirante Sir John Jervis, de 60 anos de idade e comandante da força das Ilhas de
Sotavento1391, subordinado à Esquadra das Índias Ocidentais, uma promoção muito
merecida a um almirante que até ali se distinguira em combate. Para Nelson uma mudança
primordial. O comando do Mediterrâneo mudaria de ares com Sir John.

5.4- Sir John Jervis assume o Comando-em-Chefe do Mediterrâneo:

Sir John Jervis era bem diferente de Hotham. Tão corajoso quanto o último, segundo
palavras de Laughton, Jervis tinha maior coragem moral e aptidão para assumir maiores
responsabilidades. Tinha na ocasião 60 anos de idade e serviu com distinção nas Guerras
dos Sete Anos e de Independência dos Estados Unidos da América do Norte. Fora capitão
do HMS Foudroyant e tivera uma brilhante atuação na batalha de Ushant em 17781392 sob o
comando do almirante Keppel e pela espetacular captura do navio francês Pégase em 1782.
Normalmente um exigente disciplinador, Jervis era o exemplo do que deveria ser um
comandante de navio e de força e os jovens midshipmen eram mandados ao Foudroyant
para observarem o que era um navio de guerra realmente.1393 Como almirante fora
comandante-em-chefe das Ilhas Sotavento e em 1794 tinha capturado Martinica, Guadalupe
e Santa Lucia. Sua conduta exemplar nas Índias Ocidentais já o apontara para substituir o
próprio Hood no Mediterrâneo, no entanto a atitude do Almirantado em permitir que

1389
Ibidem, p. 212.
1390
Idem.
1391
Ver capítulo 2, seção 2.2 sobre esse comando naval.
1392
A batalha de Ushant foi travada perto de Brest entre uma força britânica de 30 navios de linha sob o
comando do almirante Keppel contra 27 franceses do conde d´Orvilliers. A batalha terminou indecisa, tendo
os britânicos perdido 500 homens, enquanto os franceses perderam 700. Fonte: PEMSEL, Helmut. op.cit p.
71.
1393
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit. p. 46.
357

Hotham assumisse o comando, atrasou a sua designação. Sua chegada na esquadra marcou
“o início de uma nova era”, segundo Laughton.1394
No dia 29 de novembro de 1795 Jervis assumiu oficialmente o comando-em-chefe do
Mediterrâneo como vice-almirante da Esquadra Branca1395. Não houve mais movimentos
furtivos da esquadra. Logo ao assumir o comando em San Fiorenzo, determinou que todos
os navios suspendessem e se dirigissem às estações de bloqueio próximo a Toulon. Outro
grupo de navios sob o comando do almirante Man permaneceu próximo a Cadiz e um
segundo grupo sob o comando do almirante Waldegrave permaneceu em frente a Tunis.
Eram no total 25 navios de linha britânicos sob o seu comando1396. Um novo senso de
disciplina foi estabelecido e Nelson aprovou, imediatamente, esse novo comandante. Jervis
era um produto da velha escola, se não obedecido por afeição, o era por medo.1397 Apesar
de disciplinador, Jervis sabia reconhecer os méritos de outros oficiais, tal como o caso do
capitão Faulknor, quando era comandante da chalupa HMS Zebra nas Índias Ocidentais. Na
tomada de Martinique, Faulknor assaltou o forte da cidade junto com sua tripulação sem
esperar o restante da esquadra e conseguiu imediato sucesso, obtendo surpresa total no
inimigo. Disse Jervis para a mãe de Faulknor que “nenhuma palavra minha pode expressar
o mérito do capitão Faulknor nessa ocasião...vejam o herói conquistador chegar ! Tais
cumprimentos exemplares não existem na marinha”. Por sua coragem, Faulknor foi
promovido por Jervis de mestre e comandante a capitão1398, assumindo o comando de uma
fragata tomada dos franceses que levou o nome sugerido por Jervis de HMS Undaunted1399.
Faulknor viria posteriormente a falecer no comando do HMS Blanche em combate com o
navio francês Pique.1400 Interessante notar que, embora Mahan tenha enaltecido Jervis, ele
não se aproximou dos elogios explícitos proferidos por Laughton que utilizou três páginas
em seu The Nelson Memorial para descrever Jervis. Em sua biografia de Nelson, Laughton
gastou duas páginas para descrevê-lo. Pode-se deduzir que Laughton tivesse grande
admiração pessoal por Jervis, maior que Mahan, que centrou seus elogios em Nelson.

1394
Ibidem, p. 47.
1395
Ver capítulo 2, seção 2.3 sobre os postos de almirante na Marinha britânica.
1396
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit p. 75.
1397
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit. p. 48.
1398
Ver capítulo 2, seção 2.3.
1399
Em inglês “Undaunted” significa “intrépido”.
1400
Ibidem, p. 49.
358

Jervis, embora grande almirante para Mahan, atuou como um coadjuvante na biografia de
seu herói de Burham Thorpe.
No primeiro encontro entre Nelson e Jervis, o último ofereceu dois navios maiores
para o primeiro. Nelson, muito agradecido, declinou do convite e pediu para permanecer no
Agamemnon, ao mesmo tempo em que concordou que, apesar de estar exausto pelas
contínuas operações no mar, teria o maior prazer em continuar sob o comando de Jervis no
Mediterrâneo. Posteriormente Nelson diria que Jervis o considerava mais um associado do
que um subordinado.1401 Logo após o encontro, Jervis determinou que ele fosse para
Toulon e depois para Gênova para impedir qualquer passagem de navios franceses com
tropas.
O ambiente político indicava que a Espanha iria se aliar à França e o temor da GB era
que o Reino de Nápoles se juntasse aos franceses, o que faria com que Livorno e os portos
da Riviera italiana caíssem sob o jugo republicano. A única base aliada da GB seria a
Córsega. Se a Córsega caísse, a única opção estratégica dos britânicos era a retirada do
Mediterrâneo.
Em março de 1796, Nelson foi promovido a comodoro1402. Seu temor de ser
promovido a contra-almirante era ainda grande, pois sabia que poderia ser chamado de
volta à Inglaterra e colocado a meio-soldo. Assumiu, por ordem de Jervis, um esquadrão
composto de seu navio o Agamêmnon, do navio de 64 canhões HMS Diadem e duas
fragatas para auxiliar os austríacos que lutavam contra os franceses na Riviera,
principalmente entre Nice e Gênova e atacar qualquer tráfego francês que abastecesse suas
forças em terra. Nelson estava muito satisfeito em estar sob o comando de Jervis. A
esquadra parecia ter renascido sob o comando desse oficial-general, pensava Nelson. O
Agamemnon já se encontrava em péssimas condições operacionais e necessitava
urgentemente de reparos na Inglaterra. Jervis percebendo isso e querendo que Nelson
permanecesse com ele no Mediterrâneo, determinou que ele transferisse o seu pavilhão para
o HMS Captain um navio de linha com 74 canhões, cujo comandante estava doente e
desejoso de voltar à Inglaterra. Esse oficial, então, transferiu-se para o Agamemnon e o
levou para casa. Esse navio foi o mais representativo do estilo de comando de seu condutor

1401
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 216.
1402
Ver capítulo 2, seção 2.3 sobre o posto de comodoro.
359

e mais ainda a ele permaneceu Nelson ligado até o final de sua vida. Em junho de 1796,
Nelson assumiu o comando do Captain, levando consigo a maioria de seus oficiais e
algumas praças escolhidas do Agamemnon, o que era comum na época, aguardando a
chegada do seu comandante efetivo, já que como comodoro era sua função assumir o
comando de esquadrões de navios e não o comando de apenas um navio. O seu sucessor só
chegaria no Captain dois meses depois em agosto1403. Até lá Nelson acumulou as funções
de comandante do Captain e do esquadrão de navios determinado por Jervis.
Logo em seguida, Nelson seguiu para Livorno, já ameaçada pelas forças francesas
que haviam derrotado os austríacos. Lá chegando encontrou o HMS Inconstant sob o
comando do capitão Sir Thomas Fremantle que retirara todos os ingleses residentes na
cidade. Em breve Livorno cairia em poder da República francesa. Imediatamente foi
estabelecido por Nelson o bloqueio do porto. Na Córsega a situação estava se deteriorando,
já que muitos corsos se identificavam com Bonaparte e estavam se rebelando contra os
britânicos lá estacionados. Tanto os Estados Papais quanto Nápoles ainda eram aliados dos
britânicos, esperando-se que reagissem mais fortemente aos franceses que se aproximavam
de suas fronteiras. No entanto tal esperança não se configurou, pois as forças francesas sob
Bonaparte bateram os austríacos e avançaram rapidamente pelo ocidente da Itália trazendo
o Papado e o Reino das Duas Sicílias a assinar um armistício em junho de 1796. Dois
aliados a menos para a GB.
A Córsega passou a ser a preocupação de Jervis e de Nelson. Livorno em poder dos
franceses trazia insegurança aos aliados dos britânicos na ilha. Seguindo a orientação de Sir
Gilbert Elliot, Nelson atacou e tomou a ilha de Elba, permanecendo a condução política na
mão de administradores toscanos. Essa ocupação foi apenas militar, como um ponto de
apoio para os navios da RN. Em carta a seu pai, Nelson escreveu o seguinte: “a única
conseqüência para nós [de uma guerra com a Espanha] poderá ser a necessária evacuação
da Córsega, e nossa esquadra deverá recuar no Mediterrâneo. Os espanhóis sofrerão muito
pela sua tolice, se forem tão tolos de irem a guerra para agradar os franceses”.1404
As forças ficariam desbalanceadas, caso a Espanha entrasse em guerra contra a GB.
Jervis dispunha de 22 navios de linha, enquanto os franceses e espanhóis 35, no entanto

1403
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 230.
1404
Carta de Horatio Nelson para Edmund Nelson escrita do HMS Captain em 19 de agosto de 1796. Fonte:
LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Despatches.op.cit. p. 105.
360

para Nelson, Jervis venceria os dois juntos.1405 A guerra só foi declarada pela Espanha em 5
de outubro de 1796, embora já existisse uma aliança com a França e a proibição de navios
britânicos fundearem em portos espanhóis.1406 Jervis continuou com seus navios
bloqueando tanto Toulon como Livorno, no entanto a situação estava se tornando
insustentável para a Marinha britânica, agora dependente apenas da Córsega e da pequena
ilha de Elba. Logo em seguida, Gênova fechou seus portos aos navios de Jervis. Enquanto
isso ocorria, o almirante Man continuava bloqueando o porto espanhol de Cadiz. Jervis
determinou então que Man se juntasse a ele, reabastecendo-se antes em Gibraltar.
Em setembro de 1796, Jervis recebeu ordens do Almirantado para abandonar a
Córsega, se retirar do Mediterrâneo e levar a sua esquadra de volta à Inglaterra.1407 Nelson
ficou indignado e envergonhado com essas ordens. Considerava que a GB não podia deixar
seus aliados em situação crítica, principalmente o Reino das Duas Sicílias. Mesmo sendo
um aliado vacilante, não havia dúvidas de que seu coração estava em Nápoles, afirmou
Mahan.1408 Em carta para seu comandante, almirante Jervis, Nelson escreveu que “o que me
atinge mais como um maior sacrifício que a Córsega é o Reinado de Nápoles...esse reinado
estará indubitavelmente arruinado”.1409 Para Mahan esse tipo de preocupação de Nelson
não era influenciada pela atração física por Lady Hamilton, mas sim pelo afeto que sentia
pela corte e os reis napolitanos.1410 Acreditava, também, que a agregação do grupo de
navios de Man trazia a força naval britânica para 22 vasos de guerra contra 35 dos franco-
espanhóis, isto é um sucesso garantido em combate, além disso, Jervis, segundo ele, “era o
comandante-em-chefe capaz de liderar [os ingleses] à glória”.1411 Em outra carta para
Frances escreveu :

Minha querida Fanny, estamos nos preparando para a evacuação do


Mediterrâneo, uma medida que não posso aprovar. Aí em casa eles [os
ingleses] não tem idéia do que nossa esquadra é capaz de fazer, qualquer
coisa e todas as coisas. Muito do que me orgulha que a Inglaterra possa

1405
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit p. 79.
1406
Ibidem, p. 80.
1407
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 247.
1408
Ibidem, p. 247.
1409
Carta de Horatio Nelson para Sir John Jervis escrita do HMS Captain em 30 de setembro de 1796. Fonte:
LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Despatches.op.cit. p. 109.
1410
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 248.
1411
Idem.
361

fazer, em caráter privado, lamento em grande penitência1412 nossas


ordens presentes, tão desonrosas à dignidade da Inglaterra. 1413

A Ilha de Elba permaneceu nas mãos dos britânicos, enquanto a Córsega foi
evacuada, para alegria dos aliados de Bonaparte. Em outubro os franceses desembarcaram e
foram recebidos com festa pelos corsos. Gênova aliou-se formalmente aos franceses e
ofereceu suas bases aos navios de guerra desse país. Nada mais restou a Jervis que não se
dirigir com toda a sua esquadra para Gibraltar, lá ancorando em dezembro de 1796.
Nesse meio termo, o almirante espanhol Don Juan de Langara, comandante da força
com 19 navios de linha, 10 fragatas e navios menores suspendeu de Cadiz e se dirigiu para
Cartagena, onde se agregaram mais sete navios de linha, perfazendo um total de 26 navios
de linha, uma força considerável. De Cartagena, Langara se dirigiu a Toulon onde se juntou
a esquadra francesa lá estacionada1414. O Mediterrâneo pertencia agora as forças navais
franco-espanholas.
Para Mahan, o desempenho de Nelson até ali demonstrou um pendor natural para a
liderança pessoal, espírito ofensivo e busca incessante pela glória, muitas vezes a qualquer
custo. Para o historiador norte-americano a genialidade era uma coisa e ser um oficial bem
preparado era outra coisa. Não existia, no entanto nenhuma incompatibilidade entre os dois,
muito pelo contrário. Para a primeira virtude, a natureza fazia a sua parte, na segunda, o
reconhecimento dos princípios de estratégia, praticado pela observação de toda a situação e
suas circunstâncias, balanceando com importância relativa de cada circunstância
transformava o combatente em um grande chefe militar.1415 Isso foi Nelson adquirindo
conforme ia ganhando experiência1416. No início de sua carreira militar, Mahan reconheceu
a superioridade de Napoleão sobre Nelson, fruto exatamente da percepção do corso com os
princípios de guerra, ao contrário de Nelson, que só os percebeu com o tempo e a
experiência. Que Nelson era um oficial ambicioso, Mahan não tinha dúvidas. Em carta a
seu irmão, Nelson diria que “se o crédito e a honra na marinha são desejáveis, eu tenho

1412
Interessante essa passagem, pois nesta carta Nelson utiliza uma expressão idiomática forte que é “in
sackcloth and ashes” que significa “grande penitência”.
1413
Carta de Horatio Nelson para Frances Nelson escrita do HMS Diadem em 13 de outubro de 1796. Fonte:
NAISH, op.cit. p. 305.
1414
LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Despatches. op. cit. p. 110.
1415
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 234.
1416
Esse tipo de liderança apontada por Mahan em relação a Nelson se insere no imperativo de ação
formulado por Keegan.
362

minha parte de responsabilidade. Nunca perdi a oportunidade de me distinguir, não só


como um homem galante, mas por ter cérebro; de numerosos planos que idealizei, nenhum
deixou de ocorrer”.1417 Nelson, tampouco, utilizou sua pouca modéstia com seu amigo
duque de Clarence, filho de Jorge III e seu companheiro nas Índias Ocidentais. Disse ele
para o duque que a guerra dera freqüentes oportunidades de mostrar o quanto ele Nelson
era um oficial confiável. Disse que tivera grande sorte de ser notado na linha de combate,
mas também de obter a confiança e a aceitação dos ministros ingleses em Turin, Córsega,
Gênova e Nápoles por sua conduta e que seu julgamento, em diversas circunstâncias foi
formado pelo bom senso e que “nunca errara”1418. Nesse ponto Mahan criticou a atitude
infantil e vaidosa de Nelson que, muitas vezes, se encontrava no centro das atenções
exacerbadas pela bajulação de Lady Hamilton e da corte de Nápoles1419. Mahan já
começava a criticar Lady Hamilton muito antes do relacionamento entre os dois.
Em relação a vida afetiva de Nelson, Mahan apontou que existiam muitas reservas
sobre vida privada de seu herói. Sua afeição discreta por Frances Nelson e por pai Edmund
eram declaradas sempre em suas cartas a esposa e ao genitor que inclusive moravam juntos.
Nelson estava claramente feliz em estar afastado e o propósito de defender sua honra e
distinção era mais importante que a companhia de sua esposa. Não existia em suas cartas
qualquer crise de pensamento sobre os dois caminhos, a glória ou Frances. A glória tinha
prevalência. Não sentia saudades nem solidão e suas cartas terminavam sempre “with
kindest rememberances to my father, believe me ever your most affectionate husband,
Horatio Nelson”.1420 Um sentimento ascético, formal e pouco apaixonado, diria Mahan.
Com Lady Hamilton tudo mudaria.
Há que se considerar que Laughton não discutiu até esse ponto o aspecto sentimental
e privado de Nelson, permanecendo nos assuntos essencialmente militares, táticos e
estratégicos. Pode-se perceber a relutância do mestre inglês em mergulhar no íntimo de
Nelson e seu relacionamento com Frances, preferindo ater-se nos aspectos profissionais.
Em breve Nelson estaria envolvido, junto com Jervis, no seu primeiro grande combate
em sua carreira, a batalha naval do cabo São Vicente.

1417
Ibidem, p. 255.
1418
Ibidem, p. 256.
1419
Idem.
1420
A tradução desse trecho é “com as mais generosas lembranças para o meu pai, acredite-me sempre seu
mais afeiçoado marido, Horatio Nelson”.
363

5.5 – A batalha naval do cabo São Vicente:

No dia 01 de dezembro de 1796, a esquadra britânica no Mediterrâneo, sob o


comando do almirante Sir John Jervis, fundeou em Gibraltar. Logo em seguida, ele recebeu
instruções específicas do Almirantado para evacuar Elba e logo lembrou de Nelson para
cumprir tal missão. Duas semanas depois, a bordo da fragata HMS Minerve, juntamente
com outro navio o Blanche, Nelson se dirigiu para Elba.
Alguns dias de navegação e as duas fragatas sob o comando de Nelson se depararam
com duas fragatas espanholas e ocorreu um encontro entre os quatro navios. Após alguns
minutos de combate, a fragata espanhola Santa Sabina, sob o comando de Don Jacobo
Stuart, descendente do duque de Berwick, foi capturada, caindo prisioneiro seu
comandante, que teve que arriar o seu pavilhão. A fragata foi conquistada pela tripulação da
Minerve e rebocada para local seguro. Logo em seguida, o grupo de três navios, dois
britânicos e o Sabina foi interceptado por um esquadrão espanhol mais poderoso, composto
de dois navios de linha, uma fragata engajada que recuara e outra que seguia no esquadrão.
A Minerve, então, teve que largar o Sabina e uma perseguição ocorreu entre os espanhóis
mais poderosos e o grupo de fragatas de Nelson, em total inferioridade. O Sabina foi
recapturado pelos espanhóis, no entanto seus tripulantes já haviam se tornado prisioneiros
de Nelson a bordo do Minerve. Depois de breve perseguição, os espanhóis guinaram e
regressaram a seu porto de origem, Cartagena. Nelson escapara mais uma vez de forças
mais poderosas.
No dia 26 de dezembro Nelson fundeou em Porto Ferrajo na ilha de Elba e manteve
contato com o comandante inglês na área, o general de Burgh, que estava relutante em
abandonar a ilha. Segundo sua percepção, de Burgh não recebeu ordens explícitas do
governo britânico para evacuar a ilha e preferiu permanecer. As ordens de Nelson eram
claras e envolviam apenas as forças navais da Marinha Real e não as do Exército, assim ele
reuniu os navios britânicos no porto, embarcou víveres e marinheiros destacados, além de
Sir Gilbert Elliot, o antigo vice-rei da Córsega e seu estado-maior e suspendeu em direção a
Gibraltar com diversos navios transporte e mais outra fragata a HMS Romulus, como
ordenado por Jervis. Determinou, então, ao capitão Fremantle, comandante do HMS
364

Inconstant, que permanecesse com de Burgh até ordens posteriores, juntamente com alguns
navios menores. Naquela ocasião o Reino das Duas Sicílias já fizera a paz com a França e
qualquer ataque a Elba parecia descartada. A prioridade da GB era a defesa de Portugal.1421
No trânsito para Gibraltar, Nelson dividiu suas forças em três grupos para evitar que
caíssem todos em mãos inimigas, passando próximo a Toulon para observar os navios
franceses lá estacionados e em Cartagena, vazio de navios, significando que suas forças
navais estavam no mar. Quando próximo a Algeziras, Nelson solicitou uma troca de
prisioneiros. Seus queridos tenentes Culverhouse e Hardy haviam caído prisioneiros dos
espanhóis quando do apresamento do Sabina e Don Jacobo Stuart e oficiais ainda estavam
em seu poder. Foi então estabelecida uma trégua e a troca de prisioneiros seguiu-se1422. No
dia 9 de fevereiro de 1797, Nelson fundeou em Gibraltar com seus navios intactos.
Os espanhóis haviam sido observados de Gibraltar em direção ao Atlântico e Nelson
desejava estar presente quando um encontro entre as duas esquadras ocorresse.1423 Mahan,
como sempre ardoroso defensor das qualidades de combate de seu herói, correlacionou o
desejo de lutar de Nelson e a Providência afirmando que “a Providência no qual ele
[Nelson] freqüentemente expressava sua confiança, agora, como em muitas ocasiões, não
abandonou seu filho favorito, que nunca por preguiça ou presunção perdeu
oportunidades”.1424 O combate era desejado e procurado pelo herói naval.
No dia 11 de fevereiro Nelson, a bordo do Minerve, suspendeu de Gibraltar para
procurar os espanhóis. Ao sair dos estreitos, Nelson se deparou com dois navios de linha
espanhóis que se encontravam nas imediações do canal. Uma perseguição se iniciou e ele
procurou retornar a Gibraltar, com os dois navios espanhóis mais poderosos se
aproximando rapidamente. Nesse momento, um marinheiro do Minerve caiu no mar e o
tenente Hardy com alguns tripulantes, o mesmo que caíra prisioneiro dos espanhóis no
Sabina, imediatamente arriou um escaler e se dirigiu ao náufrago, porém esse já
desaparecera no mar. Ao ver-se sem a possibilidade de salvar seu companheiro, Hardy
girou o escaler e se dirigiu a remos de volta ao Minerve. Nelson, aflito, vendo que seu
subordinado cairia prisioneiro dos espanhóis novamente gritou para seus subordinados “Por

1421
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 261.
1422
LAUGHTON, John Knox. Nelson.. op. cit. p. 84.
1423
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 264.
1424
Idem.
365

Deus, não vou perder Hardy. De volta a vela da gata no mastro da mezena”.1425 Em
seqüência, Hardy foi recolhido rapidamente e os espanhóis interromperam sua perseguição
e não conseguiram prendê-lo1426. Laughton questionou por que os espanhóis pararam de
perseguir Nelson, já que tinham maior velocidade e poder ? Para o historiador inglês os
espanhóis imaginaram que uma força britânica estava se aproximando de Gibraltar e não
desejavam um combate em desvantagem e por isso desistiram da perseguição.1427 Para
Mahan, por outro lado, a parada espanhola se deu em razão da maior moral dos
combatentes britânicos ao executarem uma manobra de recolhimento inconcebível para os
espanhóis, tendo “a façanha audaciosa sido por isso dos mais felizes resultados de um
estratagema e a fragata [Minerve] não foi mais importunada”.1428 Essa interpretação de
Mahan não parece a mais apropriada. Sua explicação pode ser imputada a sua admiração
explícita pela RN. Laughton, bem pragmático e contido em suas explicações, parece ter
sido mais condizente com os fatos que se sucederam. Os espanhóis estavam se
aproximando perigosamente de Gibraltar, onde sabiam existir uma grande força naval sob o
comando de Jervis. Não desejavam o combate que lhes seria desfavorável.
Nelson continuou navegando durante a noite e se agregou a Jervis que suspendera
com sua esquadra para procurar os espanhóis, próximo ao cabo de São Vicente no sul de
Portugal, perto de Gibraltar. Ao se juntar a Jervis, Nelson participou o avistamento desses
dois navios espanhóis e colocou seu pavilhão no navio de linha de 3a classe HMS
Captain.1429
No alvorecer do dia 14 de fevereiro de 1797, as duas esquadras se avistaram, no meio
de uma bruma espessa, na distância de 15 milhas, a cerca de 25 milhas a oeste do cabo de
São Vicente. Foram contados 27 navios de linha espanhóis, enquanto Jervis possuía apenas

1425
Em marinharia o mastro da mezena ou da gata possui diversas velas. Uma delas é a vela da gata que
localiza-se no mastro da mezena ou da gata, a ré do navio. Essa ordem de Nelson significava diminuir a
velocidade de modo a permitir o recolhimento de Hardy pelo navio. A ordem de Nelson em inglês foi “By
God, I´ ll not lose Hardy ! Back to the mizzen-topsail !”. Ver Capítulo 2, seção 2.2. Fonte: LIMA, op.cit, p.
502 e PIOVESANA JUNIOR, op.cit, p. 42.
1426
Nessa atitude de Nelson em relação a Hardy pode-se perceber o atendimento da liderança tipo imperativo
de afinidade, segundo a teoria de Keegan.
1427
LAUGHTON, John Knox. Nelson.. op. cit. p. 84.
1428
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 267.
1429
Posicionar seu pavilhão no navio significa içar no mastro do navio em que Nelson se encontrava a sua
bandeira indicativa de comodoro. Nos navios em que se encontram os almirantes são içadas bandeiras
indicativas de seu posto e são designados como navios capitâneas. Ver Capítulo 2, seções 2.3 e 2.4.
366

15 navios de linha. Estava para se iniciar o primeiro grande encontro naval que Nelson se
engajaria, a batalha naval do cabo de São Vicente.
Podia-se prever que os espanhóis desejavam unir suas forças navais às francesas e que
Jervis estava ali para impedir tal intento. Laughton comentou que Jervis, ao avistar a força
inimiga, teria revelado que uma vitória era essencial para a Inglaterra naquele momento.1430
A esquadra espanhola estava dividida em dois grupos distintos, distantes seis a oito
milhas um do outro. O grupo da esquerda possuía 18 navios de linha, alguns três conveses
com 112 canhões e a maioria com dois conveses e 74 canhões, isto é uma força formidável.
Destacava-se nesse grupo a enorme Santíssima Trinidad de 130 canhões. O grupo da direita
era composto de nove navios de linha, a maioria de dois conveses e 74 canhões. Jervis, por
sua vez, contava com dois 100 canhões, quatro de 98 e 90, oito de 74 e um de 64
canhões1431. Ele estava em inferioridade em relação ao inimigo, no entanto essa
inferioridade era aparente, uma vez que, segundo Laughton, “os navios espanhóis estavam
em más condições, seus tripulantes não eram marinheiros e seus oficiais tampouco eram
marinheiros”1432. Para ele a superioridade britânica em experiência e qualidade era
“enorme”1433
As esquadras seguiam rumos distintos, os espanhóis na direção de leste com vento
pela popa e os britânicos seguiam rumo sul. Imediatamente avaliando a situação, Jervis
determinou que se fizesse uma coluna, como era usual naquele período, com vistas a se
inserir no vazio existente entre os dois grupos de navios espanhóis. Uma estória
interessante foi contada por Laughton exatamente quando da descoberta da força espanhola
pelos ingleses. O marinheiro vigia do HMS Victory, o navio capitânea de Jervis, no meio da
neblina reportou o avistamento de oito navios de linha ao almirante. Em seguida citou
“vinte navios avistados Sir John”, “vinte e cinco navios”, “vinte e sete navios avistados” no
que foi interrompido por Sir John com a frase “pare, não mais isso, os dados estão lançados
mesmo se forem 50 navios vou atacá-los”. Ao seu lado estava o enorme capitão Benjamim
Hallowell, comandante do navio de linha HMS Courageux que havia sido avariado semanas
antes e se encontrava a bordo do Victory como voluntário. Hallowell ficou tão maravilhado

1430
LAUGHTON, John Knox. Nelson.. op. cit. p. 85.
1431
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 269.
1432
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op. cit. p. 55.
1433
Laughton utilizou a palavra ‘enormous’ para qualificar a superioridade britânica em relação aos
espanhóis.
367

com a resposta de Jervis que exclamou após bater nas costas de Sir John “exatamente isso
Sir John; por Deus vamos dar uma boa pancada neles!” Jervis não era homem de permitir
liberalidades de seus subordinados, contudo na excitação do momento permitiu que
Hallowell se expressasse sem reservas, além disso, Hallowell tinha uma estatura colossal
enquanto Jervis tinha apenas 1m e 68 cm e uma conduta em combate irrepreensível1434.
Jervis tinha que deixar passar essa.
A coluna britânica formada por Jervis seguia na direção sul com o HMS Culloden sob
o comando do capitão Thomas Troubridge na vanguarda. Os espanhóis seguiam para leste e
em algum momento os dois grupos entrariam em colisão. Ao atingirem posições próximas
houve uma troca de tiros entre os dois antagonistas e os espanhóis imediatamente guinaram
simultaneamente para o norte, afastando-se dos ingleses que continuaram para o
sul.1435Jervis no Victory estava no sétimo navio na coluna e Nelson no décimo terceiro em
seqüência, sendo seguido pelo HMS Diadem e pelo HMS Excellent de seu grande amigo
Collingwood.
Sir John, ao perceber a fuga dos espanhóis para o norte, determinou que os navios
britânicos guinassem em ordem um a um na seqüência para iniciar a perseguição. O
Culloden foi o primeiro a se dirigir para o norte, tendo sido seguido pelo Blenheim, Prince
George e Orion. Essa ordem de Jervis foi muito criticada por Laughton, que a considerou
um erro, pois a demora das guinadas permitiria que os espanhóis tivessem tempo de fugir
para o norte. É importante mencionar que o sinal tático empregado por Jervis determinava
que cada navio guinasse quando atingisse o local onde o navio anterior havia guinado, de
modo a que a formatura continuasse em linha após todos guinarem, nas mesmas posições
relativas anteriores, um atrás do outro. Essa manobra levaria muito tempo para ser
realizada, o que permitiria a fuga do inimigo. O certo para Laughton era uma guinada
simultânea de todos os navios britânicos de modo a impedir a retração espanhola1436.
Nelson levaria muito tempo até que seu navio o Captain chegasse no ponto de
guinada, assim imediatamente percebeu que tal manobra equivocada de Jervis resultaria na
fuga dos navios inimigos. Em um ato espontâneo e imediato, determinou ao comandante do

1434
Essa estória foi contada por Laughton em seu The Nelson Memorial. Fonte: LAUGHTON, John Knox.
The Nelson Memorial. op. cit. p. 56.
1435
Ver a figura 1.
1436
LAUGHTON, John Knox. Nelson.. op. cit. p. 86.
368

Captain que guinasse para boreste (direita) saindo da formatura como forma de cortar a
esquadra espanhola pelo meio1437.
Nelson, mais uma vez, desobedecia uma ordem dada por seu comandante imediato.
Abandonara a formatura para atingir o adversário. Para Mahan esse ato “pelo qual não
tivera qualquer autoridade, por sinal ou outro tipo, exceto seu próprio julgamento e rápida
percepção, Nelson derrotou inteiramente os espanhóis”1438.

Figura 1 – Batalha do Cabo St Vicente. Fonte:


LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit, p. 59.

Jervis reconheceu imediatamente o seu erro e determinou que a Excellent seguisse


Nelson em sua investida. O Captain se viu duelando lado a lado com os navios de linha
espanhóis Santíssima Trinidad e o San Nicolas de 80 canhões. Passando próximo a eles,
atirando sem parar, surgiu o Excellent de Collingwood. O Captain já se encontrava sem o
mastro principal, quase sem velas, com muitos mortos e feridos e sem manobra. O Prince
George, o Blenheim e o Orion já vinham em socorro de Nelson que ficou determinado

1437
Ver Figura 1.
1438
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson. op.cit. p. 271. Nelson com esse ato tornou-se um homem-
momento segundo a teoria de Hook.
369

período sem apoio. O Prince George atacou então o San Josef de 112 canhões que,
evitando o bombardeio desse navio britânico, colidiu com o San Nicolas.
Nelson percebendo que seu navio estava sem manobra determinou que o capitão
Ralph Miller do Captain se preparasse para a abordagem do San Nicolas que estava a seu
lado1439. Miller manobrou o leme para bombordo (esquerda) e se enganchou com o San
Nicolas. O comandante Edward Berry1440 foi o primeiro a abordá-lo. A honra da abordagem
caberia ao capitão Miller, comandante do Captain à frente de seus homens, no entanto foi
impedido por Nelson que disse “não Miller, eu tenho o direito a essa honra” e determinou
que Miller permanecesse a bordo para gerir a abordagem, sem participar da ação. Nelson à
frente dos marinheiros do Captain pulou para bordo do San Nicolas e começou a tomar a
presa. Alguns tiros de pistolas se seguiram. Nelson correu para a proa e lá percebeu que a
bandeira do San Nicolas fora arriada significando a rendição do navio inimigo. Os oficiais
espanhóis começaram então a entregar suas espadas aos ingleses. O San Josef, que se
encontrava ao lado do San Nicolas, começou a atirar nos homens de Nelson com armas
individuais. Imediatamente os marinheiros ingleses sob a direção de Nelson, abordaram
esse navio. Berry1441 seguiu Nelson nessa nova abordagem. O navio espanhol também se
rendeu e um de seus oficiais entregou sua espada a Nelson dizendo que o seu almirante
estava cobertas abaixo morrendo1442. Nelson comentando esse fato declarou que “no
momento que recebi as espadas [espanholas] eu as dei a William Fearney, um de meus
remadores, que as colocou embaixo do braço com grande sang-froid”.1443
Os navios britânicos que surgiam da guinada demorada, cumprimentaram
efusivamente Nelson pela manobra e conquista de dois navios inimigos1444. O restante dos
navios espanhóis rumou célere para o norte, deixando no campo de batalha além do San
Nicolas e San Josef tomados por Nelson, ainda o Salvador Del Mundo de 112 canhões
tomado pelo Victory, depois de sofrer intenso bombardeio do Excellent, do Irresistible e do

1439
Ver Figura 2.
1440
O comandante Berry foi o imediato (first lieutenant) do Captain até pouco tempo antes e fora promovido
a mestre e comandante (ver capítulo 2, seção 2.3) tendo se voluntariado para participar do combate. Fonte:
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 273.
1441
No mês seguinte Berry seria promovido a capitão novamente pelo seu honroso desempenho na batalha.
Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Despatches. op. cit. p. 115.
1442
Eventualmente o contra-almirante espanhol ferido Don Francisco Xavier Winthuysen viria a morrer em
razão de seus ferimentos. Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Despatches. op. cit. p. 117.
1443
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1 op.cit. p. 275.
1444
Por esse ato Nelson atendeu a liderança do tipo imperativo pelo exemplo como conceituado por Keegan.
370

Diadem e o San Ysidro de 74 canhões rendido pelo Excellent1445. O grande navio de linha
Santíssima Trinidad de 130 canhões de quatro conveses sofrera diversas avarias e muitos
de seus tripulantes ou estavam mortos ou feridos, no entanto conseguiu se retirar apoiado
pelos outros navios da linha espanhola.
Jervis percebendo que não teria velocidade para perseguir o restante dos navios
inimigos e constatando a retumbante vitória conquistada, deu ordem para que os navios
parassem de perseguir os espanhóis. Após o término da ação, Nelson mudou seu pavilhão
para o HMS Irresistible sob o comando do capitão George Martin e, logo em seguida,
dirigiu-se para o Victory onde se encontrou com Jervis. Segundo relatos do próprio Nelson,
Sir John o recebeu no portaló de braços abertos e mencionou que não poderia agradecer o
suficiente as ações daquele dia e utilizou expressões gentis que “não poderiam deixá-lo
mais feliz”1446.

Figura 2 – Batalha do Cabo St Vicente. Fonte: MAHAN,


Alfred Thayer. The Life of Nelson v1, op.cit, p. 272.

Houve muito debate depois do encontro, em razão do relatório de Nelson sobre a


batalha. Nele Nelson afirmou que permaneceu cerca de uma hora, sem ter a precisão do

1445
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op. cit. p. 61.
1446
LAUGHTON, John Knox. The Nelson.. op. cit. p. 88. Há claramente na atitude de Sir John uma
admiração pelo sucesso de Nelson, atendendo uma das características psicológicas do heroísmo segundo
Hook.
371

tempo gasto nesse ato, com o Captain e o Culloden sem apoio, suportando sozinho o
combate, o que foi imediatamente contestado pelo contra-almirante Sir William Parker1447,
comandante da esquadra de vante de Jervis que tinha o pavilhão a bordo do Prince George.
Sir William contra-argumentou essa alegação dizendo que, ao contrário, Nelson tivera o
apoio do Blenheim, Prince George e Orion que estiveram seguindo de perto o Captain e
Culloden e que era inacurada a informação de que ficara cerca de uma hora sem apoio.
Acreditava que 15 minutos fora o tempo em que Nelson ficou sem apoio. A segunda
alegação de Nelson de que o San Josef se rendera a ele, para Sir William era incorreta, pois
o navio espanhol arriara a sua bandeira em sinal de rendição ao Prince George e não ao
Captain, cabendo ao último apenas a posse de um navio já rendido. A carta de Sir William
para Nelson foi cortês e dignificante e em nenhum momento agressiva ou petulante. Em seu
relatório, Sir William afirmou que muito tinha que ser dito da bravura e perfeita conduta
dos navios sob o seu comando e que sentia a necessidade de dizer que o Captain, o
Culloden e o Blenheim enfrentaram o pior da ação, principalmente os dois primeiros, em
relação ao Prince George e Orion, pois se encontravam mais à vante da formatura1448.
Nelson não respondeu aos comentários de Sir William.
Laughton, ao comentar o fato, disse que as diferentes percepções de tempo de Nelson
e Sir William eram comuns e que não seria improvável que a uma hora de Nelson fosse um
exagero, no entanto Nelson, ao afirmar que não tinha uma precisão quanto ao tempo
despendido na ação, estaria isento de erro. Diversas testemunhas, segundo Laughton,
afirmaram que houve um grande lapso de tempo, sem indicar os minutos. Quanto a posse
do San Josef, Laughton, sempre conciliador, disse que talvez ambos estivessem corretos
pois “não há razão para duvidar que ambos Parker e Nelson escreveram em boa fé, apesar
de que cada um deles estivesse naturalmente inclinado a enfatizar o que cada um de seus
próprios navios tinha feito”.1449 Laughton mantinha a percepção contida e interpretação
conciliatória do evento, procurando, assim, não conspurcar o relato de Nelson e tampouco
atacar Sir William.

1447
Em razão de suas ações na batalha Sir William Parker foi elevado a barão em seguida. Fonte:
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op. cit. p. 66.
1448
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op. cit. p. 68.
1449
Ibidem, p. 67.
372

Mahan, sobre o tempo despendido sem apoio a Nelson, apontou que esse não era o
fato mais importante a ser debatido, mas sim a ação de seu herói que abandonou a
formatura e cortou a linha espanhola de modo resoluto e heróico. O que importava era a
rapidez o e destemor com que conduziu a ação e não o tempo sem apoio1450. Esses atos,
para Mahan, foram realizados à vista de todos na esquadra e trouxeram enorme admiração
de seus pares. Mais importante que o tempo sem apoio, Mahan indicou que Nelson
esquecera, sem dolo, em seu relatório preliminar, de mencionar a atuação do capitão Miller
no combate. No relatório preliminar Nelson, “pensando somente em si próprio”, segundo
palavras de Mahan1451, escreveu que ele e os marinheiros abordaram o navio inimigo, sem
mencionar a ação de Miller, que foi impedido por ele Nelson de abordá-lo, sendo que a
tradição naval indicava que a ação de abordagem deveria ser feita pelo comandante do
navio abordador e não por ele comodoro da força de ré. No relatório definitivo que
substituiu o preliminar, Nelson corrigiu essa injustiça com o bravo Miller e escreveu que “o
capitão Miller estava pronto para abordar [o navio inimigo], entretanto determinei que
permanecesse a bordo”.1452 Uma injustiça tinha sido corrigida por Nelson1453.
Nelson, sempre ávido por reconhecimento, iria posteriormente declarar sobre a
batalha que ele, Collingwood e Troubridge foram os únicos que realizaram grandes
esforços1454 naquele “dia glorioso: os outros cumpriram com o seu dever e alguns outros
não exatamente para minha [de Nelson] satisfação”1455. Uma injustiça certamente aos seus
colegas e subordinados que lutaram naquela ação. Mahan, ao mesmo tempo em que
considerava ser necessário o amor pela glória e o desejo ardente de distinção em combate
por parte de Nelson, acreditava que era melhor que os participantes deixassem ao público a
tarefa de exaltar os seus feitos, sendo evidente nesse episódio que Nelson entendeu,

1450
Novamente Mahan enfatiza a liderança imperativa pelo exemplo de Nelson. Há também o atendimento do
imperativo de liderança de ação por parte de Nelson, ao imaginar antecipadamente uma tática especial para
cortar a formatura espanhola, fato não percebido em princípio por Sir John.
1451
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 279.
1452
Relatório “A few remarks relative to myself in the Captain, in which my pennant was flying on the most
glorious Valentine´ Day, 1797”. Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Despatches. op. cit.
p. 115.
1453
Há nesse ato o atendimento do imperativo de liderança do tipo prescrição.
1454
Nelson utilizou a palavra ‘exertions’ que traduzida para o português pode ser ‘atividade vigorosa’ ou
‘esforço’. Preferiu-se ‘esforço’ que melhor retrata o contexto.
1455
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 281.
373

desconfortavelmente, que não tinha sido criterioso com o bravo Miller e com os seus pares
1456
.
Jervis foi bem mais prudente em seus comentários sobre esse combate com os
espanhóis. Em seu relatório, Sir John mencionou Troubridge que comandou o Culloden,
Nelson, Collingwood e cinco outros navios sem mencionar o nome de seus comandantes, o
Blenheim, Prince George, Orion, Irresistible e Colossus que galantemente apoiaram
Troubridge. Esses navios foram os que mais sofreram em razão do grande número de
mortos e feridos no combate. O que mais sofreu baixas foi o Captain com 24 mortos.1457
Jervis considerou o desempenho de Nelson fundamental para a vitória. Correu uma anedota
na ocasião que mostrou claramente a consideração que Jervis tinha sobre a conduta de
Nelson. Robert Calder1458, comandante da HMS Victory e capitão de bandeira de Jervis,
comentando sobre o combate durante o jantar com Jervis naquela noite, criticou a atitude de
Nelson de guinar para fora da formatura prescrita pelo almirante sem autorização, no que
foi replicado por Sir John que “sim foi [uma falha] , no entanto se você [Calder] alguma
vez cometer tal deslize das ordens recebidas, vou perdoá-lo também”.1459 Mahan não
poderia deixar de mencionar que a justificativa de se afastar das ordens recebidas não se
colocou no sucesso obtido, mas nas condições do caso; e Sir John não era um chefe naval
que desconhecia esse fato, nem chefe para esquecer que somente um homem em sua
esquadra [Nelson] tinha visto o que fazer e ousado assumir a responsabilidade por seu
ato1460.
Em carta a seu amigo Collingwood, Nelson escreveu o seguinte logo após o combate:

Meu querido amigo. O dito “Um amigo na necessidade é um amigo por


certo”1461 é verdadeiramente correto pela sua mais nobre e galante
conduta ontem [dia 14 de fevereiro] em impedir a perda do Captain; e eu
peço, tanto como um oficial como um amigo, que receba meus mais

1456
Ibidem, p. 280.
1457
Ibidem, p. 282.
1458
O capitão Calder por seu desempenho no combate foi elevado em 3 de março de 1797 a cavaleiro da
Ordem do Banho e transformado em Sir Robert Calder. Fonte: TRACY, op.cit, p. 69.
1459
Ibidem, p. 283.
1460
Idem.
1461
A expressão em inglês era ‘a friend in need, is a friend indeed’. A rima é perfeita e procurou-se transmitir
a idéia da expressão, sem a preocupação da rima. Nelson apreciava particularmente essa expressão.
374

sinceros agradecimentos. Eu não omiti em minha carta ao almirante


[Jervis] os eminentes serviços do Excellent [navio de Collingwood].1462

Collingwood respondeu sua carta em um tom também amigável e terno:

Meu bom e querido amigo, primeiramente permita-me congratulá-lo pelo


sucesso de ontem, no brilho que cobriu a Marinha Real e a humilhação
que causou ao inimigo; e então permita-me congratular meu caro
comodoro na atuação distinta que você sempre toma quando a honra e os
interesses do país estão sendo avaliados...as maiores congratulações são
devidas a você e ao Culloden. Você imaginou o plano de ataque; fomos
apenas acessórios para a ruína dos Dons [espanhóis]...peço transmitir ao
capitão Martin [comandante do Irresistible] meus cumprimentos1463.

A notícia da vitória alcançou Londres em 3 de março de 1797 e medalhas e comendas


foram distribuídas aos vitoriosos. Jervis, que havia sido notificado pelo rei Jorge III que
seria elevado a barão, foi promovido a conde, levando o título sugerido pelo próprio rei de
conde de St. Vicent. O segundo em comando, vice-almirante Sir Charles Thompson e o
quarto, contra-almirante Sir William Parker foram declarados barões1464. O terceiro em
comando o vice-almirante Sir William Waldegrave, sendo já filho de conde, não recebeu
qualquer título adicional. Três anos depois Waldegrave seria declarado par da Irlanda como
barão Lorde Radstock1465. Nelson, já aclamado herói da GB, recebeu o título de cavaleiro
da Ordem do Banho, apondo antes de seu nome o título de Sir, passando a ser Sir Horatio
Nelson. Além da aclamação do governo e da população inglesa, Nelson recebeu a notícia
de que havia sido promovido a contra-almirante da Esquadra Azul em 20 de fevereiro.1466
Nelson contou, também, com o auxílio de seu amigo Sir George Elliot que a bordo da
fragata HMS Lively acompanhou todo o combate. Elliot disseminou para a corte e o
Parlamento as ações de Nelson, aumentando ainda mais sua reputação. Mahan, ao comentar
as observações de Elliot, disse que “Elliot sabia melhor que ninguém que aquela ação não
era esporádica, mas somente um sinal manifesto da sagacidade intuitiva, o estímulo e a
energia sustentada, cujo fogo firme ele [Elliot] tinha visto deflagrar, sem diminuição de

1462
Carta escrita por Nelson a Collingwood a bordo do HMS Irresistible em 15 de fevereiro de 1797. Fonte:
LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Despatches. op. cit. p. 117.
1463
Carta escrita por Collingwood a Nelson a bordo do Excellent em 15 de fevereiro de 1797. Fonte: Idem.
1464
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial.. op. cit. p. 69.
1465
TRACY, op.cit. p. 356.
1466
Ver capitulo 2, seção 2.3.
375

força ou mudança por dois anos de associação pessoal”.1467 O próprio rei Jorge III mudou
sua opinião sobre Nelson, negativa desde a sua associação com seu filho o duque de
Clarence. A partir daquele combate, Nelson passou a ser bem visto na família real1468.
Nelson escreveu para Lady Nelson dizendo que “apesar de poder sustentar apenas
uma pequena casa, ainda contente, minhas medalhas e comendas são todas suficientes”1469.
Nelson buscava a glória acima de qualquer conquista, mesmo à material e as medalhas por
ele auferidas eram a prova de que a honra fora preservada e adquirida. Sua atração por
medalhas e comendas seria um ponto a ser observado por seus pares.
Logo após o combate, Jervis ainda no comando da esquadra determinou que Sir
Horatio com três navios de linha patrulhasse as imediações de Cadiz, pois acreditava que
estava para chegar um grande comboio proveniente da América carregado de tesouros. Até
12 de abril, Nelson permaneceu nessa estação, sem sinal dos mercantes espanhóis. Sua
preocupação não estava em Cadiz, mas nas tropas inglesas ainda estacionadas em Elba. Em
carta para Jervis, Nelson assim se expressou:

Eu me esforçarei com os meios que tenho para cumprir seus desejos no


bloqueio [a Cadiz]. Eu não tenho certeza se a esquadra espanhola estará
pronta para ir para o mar nos próximos meses; e tenho o sentimento
aguçado quanto a segurança de nosso exército posicionado em Elba. Se
os franceses suspenderem com dois navios de linha, que tenho confiança
que o farão, nossas tropas [em Elba] estarão perdidas e que triunfo seria
para eles !1470

Lorde St Vincent estava realmente preocupado com a saída da força espanhola


remanescente, ainda um perigo potencial. Entretanto, depois de um tempo de espera,
chegou a conclusão de que a possibilidade de uma incursão espanhola nos mares era
remota, em razão principalmente da derrota ocorrida na última batalha contra ele. Dessa
maneira autorizou que Nelson a bordo de seu adorado Captain, juntamente com o HMS
Colossus de 74 canhões, do Leander um navio com 50 canhões e diversos navios
transportes se dirigissem para Elba para retirar as tropas lá localizadas. Seu trânsito de ida e

1467
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 285.
1468
Há nesse trecho uma admiração da família real pelo sucesso de Nelson, atendendo uma característica de
heroísmo apontado por Hook.
1469
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 285.
1470
Carta escrita por Horatio Nelson para Lord St Vincent a bordo do HMS Captain em 11 de abril de 1797.
Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Despatches. op. cit. p. 120.
376

volta foi coroado de sucesso e apesar de ter cruzado com alguns navios de linha franceses
no caminho, Nelson conseguiu trazer o comboio em segurança com os evacuados de Elba,
chegando em Gibraltar nos primeiros dias de maio. A partir daquele momento, os britânicos
estavam ausentes de todo o Mediterrâneo.
Um fato interessante descrito por Mahan, que não foi mencionado por Laughton,
talvez por considerá-lo menor e não ser norte-americano, foi a proteção que Nelson
providenciou a alguns navios mercantes dos EUA, temerosos de serem atacados por
corsários franceses, com o beneplácido do governo republicano de Paris, embora
teoricamente os EUA estivessem em paz com a França. O cônsul norte-americano
agradeceu a proteção dispensada aos navios dos EUA, no que foi respondido por Nelson da
seguinte forma “espero ter cumprido os desejos de meu rei, e desejo estreitar a harmonia
que atualmente por felicidade existe entre as duas nações”.1471 Certamente esse era um
ponto muito importante para Mahan, pois considerava a aliança do UK e o seu país como
um fato auspicioso para a civilização naquele final de século XIX. Por certo Mahan era um
anglófilo.
No final do mês de maio, Nelson se uniu a Lorde St Vincent em frente a Cadiz
trocando seu pavilhão para o HMS Theseus, já que o seu querido Captain estava tão
avariado que só um reparo geral na Inglaterra o colocaria em ordem novamente.
St Vincent queria manter sua esquadra em contínua atividade, não só por estar em
guerra com a Espanha e França, mas também pelas notícias dos grandes motins na RN que
estavam ocorrendo nos navios das Esquadras do Canal e do Mar do Norte em Nore na
Inglaterra, quando os marinheiros amotinados tomaram os navios em suas mãos.1472 St
Vincent era um disciplinador por excelência e não permitiria qualquer motim ou
insubordinação em sua esquadra. Nelson, por outro lado, mais flexível e solícito com seus
marinheiros, considerava que, de alguma forma, eles até tinham razão em algumas de suas
reclamações, no entanto daí para um motim contra os oficiais havia uma distância enorme.
Disse Nelson “estou do lado inteiramente dos marinheiros em seus pedidos iniciais. Somos
um conjunto [de homens] negligenciado e quando vem a paz somos vergonhosamente

1471
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 289.
1472
Ibidem, p. 290.
377

tratados; mas para os patifes1473 de Nore...estaria feliz de comandar um navio contra


eles”.1474
Dois marinheiros do HMS St George foram presos por incitarem o motim e foram
rapidamente levados a julgamento por Lorde St Vincent. Na sentença foi proferida a pena
de morte a ambos, a ser conduzida no domingo, um sacrilégio para os religiosos. O vice-
almirante Thompson chegou a enviar uma carta a St Vincent o censurando por conduzir o
enforcamento em “dia de Sabath”. Nelson, por seu lado, chegou a admitir o enforcamento
dos amotinados em dia santo como o domingo, tal sua repulsa contra aqueles revoltosos1475.
Escreveu a St Vincent o seguinte: “congratulo-me com o senhor por encerrar o affair St
George e eu (se me permite dizer) aprovo veementemente que isso [o enforcamento] seja
conduzido rapidamente, mesmo que no domingo. Essa situação particular requer medidas
extraordinárias”.1476 Pressupunha-se que o próprio Theseus, onde Nelson içou seu pavilhão,
seria um alvo do motim, no entanto um papel assinado pelos principais marinheiros foi
colocado no convés do navio com os seguintes dizeres “Sucesso continue com o almirante
Nelson ! Deus abençoe o capitão Miller [comandante do Theseus] !Agradecemos pelos
oficiais que foram designados para nós !”. 1477 Em nenhum momento a ordem foi quebrada
no Theseus. Tanto Laughton como Mahan enalteceram a atitude de Nelson nesse evento
traumático para a RN1478.
Após esse fato lamentável, a esquadra britânica passou a bombardear Cadiz, de modo
a forçar a saída da força espanhola para um segundo encontro no mar. O que isso provocou
foi a saída de pequenas embarcações espanholas que tiveram a tarefa de fustigar e abordar
os navios britânicos próximos ao porto. Nelson, como sempre destemido, a bordo de um
barco com 13 marinheiros e o capitão Fremantle, entrou em combate com uma dessas
embarcações espanhola com cerca de 30 inimigos e uma refrega ocorreu. Esse combate
transformou-se em luta corpo a corpo com pistolas, espadas e sabres. Depois de minutos de
combate acirrado, Nelson foi salvo por seu patrão de embarcação John Sykes que, embora
1473
Nelson utilizou a palavra scoundrel traduzido para patife.
1474
Ibidem, p. 291.
1475
Nelson com essa atitude atendeu a liderança imperativa da sanção ao concordar com a punição dos
amotinados de forma expedita.
1476
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op. cit. p. 95.
1477
Ibidem . op. cit. p. 94. Miller foi o mesmo oficial que comandou o Captain em St. Vicente.
1478
Existiu na atitude da tripulação do Theseus duas características do heroísmo de Nelson segundo Hook, a
admiração pelo sucesso do almirante Sir Horatio e a segurança psicológica ao serem subordinados a um chefe
líder e razoável.
378

gravemente ferido, continuou lutando.1479 Ao final desse encontro, morreram 18 espanhóis


e seu comandante, Dom Miguel Tyrason caiu prisioneiro. Nelson, em seu relatório,
cumprimentou o oficial espanhol por sua bravura. Diria Nelson que “foi durante esse
período que talvez minha coragem pessoal foi mais conspícua que em qualquer outro
período de sua vida”.1480 Apesar do bombardeio e dos combates individuais a esquadra
espanhola não abandonou o porto.
Esse foi um período de alegria para Nelson. Era contra-almirante em função de
comando no mar. Era ainda jovem, tinha 38 anos de idade, cheio de vigor e entusiasmo.
Estava muito feliz com seu comandante o Lorde St Vincent. Era tudo o que sonhara. Em
carta a Lady Nelson escreveu o seguinte:

A Lady Nelson...assegure-se minha querida Fanny de meu afetuoso amor


mais perfeito e estima por sua pessoa e caráter, do qual mais conheço o
mundo mais a admiro.O imperioso chamado da honra para servir o meu
país é a única coisa que me mantém longe de você...não tenho um
instante a perder. O almirante me disse que nada temo...Deus a abençoe e
acredite-me seu mais afetuoso Horatio Nelson.1481

Em julho a esquadra de St Vincent recebeu a informação de que um grande navio


mercante espanhol carregado de tesouros de Manilha estava estacionado em Santa Cruz de
Tenerife. Imediatamente St Vincent determinou que Nelson a bordo do Theseus,
juntamente com o HMS Culloden e Zealous, este último sob o comando do capitão Samuel
Hood1482, um primo do almirante Hood, se dirigisse a Tenerife e atacasse essa possessão
espanhola, apoderando-se desse valioso butim.
Esse evento traria conseqüências trágicas para Sir Horatio Nelson.

1479
John Sykes ficou gravemente ferido nesse encontro, no entanto sobreviveu aos ferimentos. Morreria dois
anos depois com um estilhaço de canhão. Fonte: Idem.
1480
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 293. Pode-se perceber claramente que mais uma
vez Nelson se expôs ao perigo, quase vindo a ser morto em combate singular. Pela teoria de Campbell, pela
terceira vez o herói Nelson se defrontou com a morte, cumprindo outra etapa na jornada do herói.
1481
Carta de Sir Horatio Nelson para Frances Lady Nelson escrita a bordo do HMS Theseus em 29 de junho
de 1797. Fonte: NAISH, op.cit, p. 327.
1482
Provindo de uma família distinta formada por diversos oficiais de marinha, Samuel Hood distinguiu-se no
comando de diversos navios, tendo comandado as fragatas HMS Juno e Aigle, antes do Zealous. Foi grande
amigo de Nelson por toda a sua vida e teve importante participação na batalha do Nilo. Em 1806 viria a
perder um braço em combate contra os franceses na Baía de Biscaia. Foi almirante e barão, falecendo como
almirante em atividade comandando a Esquadra das Índias Orientais. Fonte: LAUGHTON, John Knox. The
Nelson Memorial. op. cit. p. 73.
379

CAPÍTULO SEIS

THANK GOD I HAVE DONE MY DUTY : A CONSAGRAÇÃO DO HERÓI


HORATIO LORDE NELSON

A idéia original do ataque a Santa Cruz de Tenerife nas Ilhas Canárias era
desembarcar mil homens liderados pelo amigo de Nelson, capitão Troubridge, em Santa
Cruz, no entanto esperava-se que as defesas espanholas locais fossem superiores. Dessa
forma, Jervis e Nelson tentaram arregimentar o apoio das forças do exército de De Burgh
que escusou-se, alegando que suas ordens eram para ir a Lisboa e lá permanecer. O
governador de Gibraltar o general O´Hara também declinou qualquer apoio a empreitada,
por não acreditar no sucesso do ataque1483. O número de mil combatentes incluía os
fuzileiros reais e os marinheiros do esquadrão de Nelson, que seria o comandante mais
antigo presente na área. Sem essa cooperação entre marinha e exército, as chances de
sucesso realmente diminuiriam, no entanto Nelson estava confiante, pois acreditava que a
ousadia ligada a surpresa provocaria o sucesso. Esperava-se agregar cerca de seis ou sete
milhões de sterlings aos cofres britânicos com esse butim espanhol.1484 Nelson chegou a
mencionar a Jervis que em dez horas a operação estaria terminada e que estava “confiante
do sucesso”.1485 Essa confiança exagerada contaminou Jervis que deu sinal verde para a
incursão.
A força naval designada a Nelson incluía três navios de linha de 74 canhões, um de 50
canhões, três fragatas e um brigue. Na noite do dia 24 de julho de 1797, essa força se
aproximou da costa inimiga. A escuridão, agregada à intensa maré reinante, fortes ventos e
grandes ondas fizeram com que o grupo de desembarque de Troubridge não conseguisse
chegar ao local determinado para a invasão. As fragatas foram as unidades responsáveis por
essa aproximação perigosa da costa em virtude de seu baixo calado.1486 Os navios de linha
ficariam à distância e utilizariam seus canhões com apoio de fogo naval, no entanto, em
razão da baixa profundidade reinante, eles não puderam realizar essa ação e ficaram

1483
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 297.
1484
Idem.
1485
Ibidem, p. 299.
1486
Calado é a distância vertical entre a superfície da água e a parte mais baixa da embarcação naquele ponto.
Fonte: MANUAL DO TRIPULANTE, op.cit, p. 210.
380

afastados a mais de três milhas, impossibilitados de apoiar eficazmente a operação1487. Com


isso a surpresa foi perdida e os espanhóis iniciaram forte resposta com tiros de mosquete e
de caronadas. Nelson resolveu investir em um escaler com tropas de desembarque1488,
acompanhado de seu filho adotivo Josiah Nisbet, já um jovem tenente com apenas 17 anos
de idade, uma incorreção notada por muitos na esquadra em razão da proteção explícita de
Nelson para com ele1489.
Mahan acreditou que Nelson deveria liderar o ataque inicial, em razão de sua
impetuosidade e não Troubridge, no entanto as circunstâncias estavam contra tal ação.
Disse Mahan que a diferença entre Nelson, um grande capitão e Troubridge, apenas um
galante oficial era flagrante.1490 Uma injustiça certamente com Troubridge, que era um
brilhante comandante de navio e extremamente valente. Laughton, por sua vez, mais
comedido nada mencionou sobre esse fato.
A situação tornou-se tensa e perigosa. Uma das embarcações virou nas grandes ondas
e a maioria dos homens a bordo morreu afogada. Para Mahan, Nelson não estava mais
considerando a vitória, mas a possibilidade de ter que recuar, em detrimento da honra para
a GB o que, para ele, era inaceitável. Diria Nelson depois da ação que “ele nunca esperaria
recuar”.1491 Em determinado momento, Nelson recebeu um tiro de caronada no seu ombro
direito que quase o decepou por completo. Caiu ferido, então, em cima de Josiah, que
imediatamente pressentindo seu padastro falecer por hemorragia, aplicou rapidamente um
torniquete e estancou temporariamente o sangue que jorrava. Logo depois, Nelson foi
rapidamente evacuado para o Theseus. Enquanto isso ocorria, Troubridge foi cercado por
cerca de oito mil espanhóis e então solicitou uma trégua para discutir os termos de rendição
ou retirada. Ao final da ação, haviam morrido 148 homens e 115 estavam feridos.1492 O
capitão Richard Bowen do HMS Terpsichore estava morto, Fremantle do Seahorse estava
gravemente ferido e Thompson do Leander ferido, uma derrota flagrante para a RN.
Na trégua, aceita pelo comandante espanhol, foi estabelecido que os feridos seriam
atendidos e os prisioneiros de ambos os lados seriam devolvidos, com a garantia de que os

1487
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 300.
1488
Com esse comportamento, Nelson quis se mostrar para os seus homens como um líder e dar o exemplo
como chefe naval, atendendo os imperativos do exemplo e da afinidade, segundo Keegan.
1489
Ver seção 2.3 no capítulo 2 no que se refere a idade para o exame a tenente.
1490
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 301.
1491
Ibidem, p. 302.
1492
LAUGHTON, John Knox. Nelson Memorial. op.cit, p. 77.
381

britânicos evacuariam a ilha e não mais tentariam qualquer ataque a Tenerife. Troubridge
concordou e suas forças foram evacuadas. As entabulações para esse acordo foram feitas
por Troubridge e Don Juan Gutierrez, comandante espanhol local, com o concurso de
Samuel Hood, fluente em castelhano e capitão do HMS Zealous. Interessante notar que
Mahan elogiou o desempenho de Troubridge durante as negociações de trégua com os
espanhóis, afirmando que “Troubridge naquela noite se mostrou valioso como
subordinado”,1493
Enquanto isso ocorria, Nelson foi levado às pressas para o Seahorse, no entanto
declinou de lá ser atendido, alegando que não queria impressionar a esposa recém-casada
do capitão Fremantle que se encontrava a bordo, com seu braço pendurado e que não tinha
boas notícias sobre seu marido que estava gravemente ferido em terra.1494 Seguiu, então,
para o Theseus, onde declinou qualquer auxílio para subir a bordo, fazendo-o sozinho. Um
dos midshipman a bordo, William Hoste lembrou-se do fato que muito o impressionou1495
dizendo que “seu braço direito estava pendurado, enquanto com o braço esquerdo ele subiu
a bordo e com um bom humor que surpreendeu a todos, pediu ao cirurgião que preparasse
os seus instrumentos, pois sabia que perderia o braço e quanto mais cedo isso ocorressse
melhor”1496. Em poucos minutos seu braço direito foi amputado, um pouco abaixo do
ombro.1497 Tanto Mahan quanto Laughton enalteceram o sangue frio e a coragem desse ato
de Nelson.
Os navios de Nelson, após o fracasso dessa operação, se agregaram ao conde St
Vincent em frente a Cadiz. As primeiras palavras de Nelson para St Vincent, quando se
encontraram, foi “tornei-me um fardo para os meus amigos e inútil para o meu país.
Quando deixar de ser subordinado a V.Exa, me tornarei morto para o mundo; a partir daí

1493
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 305.
1494
O capitão Thomas Fremantle era um velho amigo de Nelson tendo servido com ele por muitos anos. Ele
se casara em Livorno e estava levando sua jovem esposa para a Inglaterra em seu navio o HMS Seahorse
quando foi desviado para essa missão. Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson Memorial. op.cit, p. 78.
1495
Essa passagem foi notável, pois tal ato ficou gravado na mente daquele jovem midshipman que lembraria
dessa ação anos depois, atendendo assim a característica pedagógica de culto ao herói e exemplo para as
novas gerações conforme idealizado por Hook.
1496
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 304.
1497
Essa passagem de Nelson aponta para um encontro iminente com a morte, cumprindo uma das etapas
mais significativas da jornada do herói de Campbell, a “face com a morte”. Pode ser imputada essa ação em
Tenerife como um teste e desafio que quase o levou a morte, mais uma etapa na jornada mítica do herói
segundo Campbell.
382

não serei mais visto”1498. Jervis o contestou dizendo que o seu heroísmo e perseverança não
seriam esquecidos.
Sua primeira carta para St Vincent utilizando o braço esquerdo e em garranchos foi
intrigante e comprometedora. Pedia ao conde que promovesse Josiah Nisbet a mestre e
comandante, pois ele havia salvado sua vida em Tenerife, substituindo a vaga aberta com a
morte do capitão Bowen do Terpsichore. Laughton, ao analisar esse ato de Nelson, não viu
nenhuma impropriedade com esse pedido, apesar de Josiah só ter 17 anos de idade, pois as
instruções possuíam “elasticidades práticas” em sua execução.1499 Mahan, por outro lado,
mais rígido, criticou esse ato, mencionando a observação de um companheiro de Josiah, o
mesmo midshipman William Hoste, que se admirara do sangue frio de Nelson, que disse
que fora “uma rápida promoção” para um oficial que não possuía as qualidades necessárias
para avançar na carreira e que no futuro isso iria se mostrar verdadeiro.1500
St Vincent não poderia discordar de seu subordinado e promoveu Josiah a mestre e
comandante e o designou para comandar o HMS Dolphin, um navio-hospital.1501 Ao
mesmo tempo, determinou que, tanto Nelson quanto Fremantle, fossem transportados no
Seahorse para a Inglaterra para se recuperarem. Antes de partir, Nelson disse que “um
almirante com apenas o braço esquerdo nunca será útil novamente, assim quão mais cedo
eu for para minha humilde casa, mais cedo abrirei uma vaga para um homem melhor servir
ao país”.1502
Em uma de suas cartas para Frances, disse Nelson o seguinte sobre sua condição
física e mental:

Quanto a minha saúde ela não poderia estar melhor e desejo em breve me
juntar a você e meu país no qual confio, não me permitirá demora na
necessidade daquela assistência pecuniária que tenho lutado durante a
guerra para preservá-la. Não ficarei surpreso se for negligenciado e
esquecido uma vez que provavelmente não serei considerado mais útil.
Entretanto me considerarei rico se continuar a desfrutar de sua
afeição1503.

1498
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 306.
1499
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit p. 97.
1500
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 306.
1501
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit p. 98.
1502
Idem.
1503
Carta de Sir Horatio Nelson para Frances Nelson escrita em 5 de agosto de 1797 a bordo do HMS
Theseus. Fonte: NAISH, op.cit. p. 332. Nelson utilizou a palavra ‘your affection’ ao invés de ‘your love’.
383

Em setembro de 1797 Nelson aportou em Spithead e depois se dirigiu a Bath, junto


com sua esposa Frances para convalescer de sua amputação, onde permaneceu por um
período, regressando a Londres logo depois. Durante esse período ele sentiu dores
tremendas, aplacadas pelo láudano. O motivo principal dessa dor intensa era a ligadura feita
pelo cirurgião de bordo que juntara um nervo a uma artéria, provocando dor extrema,
irritabilidade e depressão. Data desse período a vitória naval britânica na batalha de
Camperdown1504. O público, como não poderia deixar de ser, acorreu às ruas para
comemorar. O barulho com os fogos em frente a residência de Nelson era infernal e todas
as residências em Londres acenderam suas luzes em homenagem a Duncan e a RN. Um
grupo de transeuntes vendo aquela casa apagada, correu para a porta exigindo a iluminação
imediata da casa. Um servente veio à porta e informou ao grupo que lá estava
convalescendo o almirante Nelson. A turba ao saber desse fato, calou-se e um dos seus
representantes disse que não incomodaria Sir Horatio e tampouco a rua em homenagem
aquele herói. Instantes depois a rua tornou-se silenciosa.1505
Em dezembro as dores começaram a diminuir, enquanto aumentaram as esperanças de
voltar ao serviço ativo. Em breve o Almirantado lhe enviou um comunicado dizendo que
voltaria a servir com St Vincent e que iria ser destacado no HMS Vanguard de 74 canhões
que seria comandado pelo seu amigo capitão Edward Berry, seu subordinado no
Agamemnon.
Em abril de 1798, Nelson e Berry seguiram da Inglaterra para se agregar a St Vincent
no Mediterrâneo, para júbilo de ambos. As primeiras palavras de St Vincent ao
Almirantado, ao saber da vinda de Nelson para a sua esquadra foi “eu asseguro a V.Exa
[Conde Spencer] que a chegada do almirante Nelson me proporcionou uma nova vida; o
senhor não poderia me gratificar mais que me enviá-lo; sua presença no Mediterrâneo é
essencial”.1506

1504
Essa batalha foi travada em 11 de outubro de 1797 entre uma força naval britânica sob o comando do
almirante Duncan e uma força holandesa. Duncan venceu o encontro apresando nove navios holandeses.
Fonte: PEMSEL, op.cit. p. 80.
1505
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit p. 98.
1506
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 310.
384

Para Mahan, a carreira de Nelson pode ser dividida em duas partes1507. A primeira de
sua juventude até a sua agregação a St Vincent em abril de 1798, no qual seu
desenvolvimento foi ‘consecutivo e homogêneo’, sendo influenciado igualmente externa e
internamente. Sua natureza e ambição corresponderam a oportunidade e ao seu julgamento
do que podia ser certo ou errado. Dúvidas, incertezas, fricção, motivos dúbios eram
desconhecidos para ele. Ele agiu, até aqui, com liberdade, de acordo com suas próprias leis
e apesar de sua pouca saúde e ansiedade, suas cartas demonstraram alegria e
contentamento. Daquele momento em diante, começou a segunda parte de sua carreira.
Para Mahan percebe-se o mesmo homem no inicio de uma nova carreira, no entanto com
maior grandiosidade. Antes de suspender no Vanguard, Nelson era um homem de distinção
entre muitos; agora o brilho de sua personalidade irá crescer ainda mais, sua ascensão a
fama será fulgurante. As oportunidades iriam aparecer e ele saberia aproveitá-las. Ele será
um gênio da guerra, faculdades intelectuais que se apresentarão por inteiro, um processo
mental racional que o irá se distinguir de seus pares da RN. Ele terá fé e poder moral,
qualidades que dominarão a hesitação em momentos de emergência, tornando-se um grande
capitão. Suas qualidades seriam a concentração de propósitos, energia incansável, destemor
em assumir responsabilidades, julgamento equilibrado e imediato, audácia sem limites,
prontidão para a ação, intrepidez e persistência além de qualquer coisa.1508 Complementou
Mahan, afirmando que “os dois elementos, o mental e o moral, são normalmente
encontrados separados, raramente combinados. Em Nelson eles se encontram e coincidem,
com oportunidades excepcionais que permitem-no constituir sua boa sorte e grandeza”.1509
Os seus superiores, para Mahan, poderiam contar, a partir daquele momento, com um
homem de ação quando “dificuldades aparecessem em qualquer emergência”1510. Nelson
era o maior de todos os homens de ação com sucesso para o autor norte-americano.1511 No
entanto, ao mesmo tempo em que enalteceu as virtudes de chefe naval e guerreiro, Mahan
criticou severamente o seu comportamento pessoal privado. Para Mahan, em contraste com
1507
Nesse ponto Mahan percebeu duas trajetórias distintas para Nelson, apontando mudanças em seu perfil
pessoal e profissional. No perfil pessoal a influência de Emma se fez presente na segunda trajetória e no perfil
profissional avultou a experiência. Assim pode-se apontar que houve uma mudança no herói, correspondendo
a uma das etapas da jornada do herói segundo a teoria de Campbell.
1508
Essas foram as qualidades apontadas por Mahan, um libelo ao guerreiro Nelson do qual muito admirava
como combatente. Fonte: Ibidem, p. 313.
1509
Ibidem, p. 312.
1510
Ibidem, p. 313.
1511
Idem.
385

a exaltação do herói e patriota, veio “a degradação do homem, sendo aí a tragédia e a


miséria da trajetória de Nelson”.1512 Concentrado no seu próprio destino e na falta de
remorso com o qual temperou sua própria consciência ao rejeitar sua esposa [Frances] em
favor de sua amante [Emma]1513, isso foi uma mancha em sua deteriorada moral
privada.1514 Sua conduta infantil e vã, que transpareceu em suas cartas para casa, foi o lado
fraco de suas ações heróicas, degenerando rapidamente em perda de dignidade e a aceitação
da adulação e corrupção formulada por uma mulher [Emma] que era sua única fascinação.
Essa influência perniciosa de Emma sobre Nelson o fêz se alienar aos poucos, não só de sua
esposa, mas de seus melhores e antigos amigos.1515 Para Mahan, essa conduta imprópria e
humilhante de Nelson para com sua esposa Frances não se justificava, principalmente por
que Lady Nelson foi atenciosa ao cuidar pessoalmente das bandagens e curativos no braço
amputado, acompanhando-o nas idas e vindas entre Bath e Londres e só se separaram
quando Nelson seguiu para Portsmouth se encontrar com Berry no Vanguard.
Mahan demonstrou um entusiasmo flagrante com a trajetória militar de Nelson e
assim o enalteceu em seu texto biográfico, no entanto foi excessivamente crítico com a
conduta privada de Nelson, principalmente em seu relacionamento com Emma Hamilton e
a humilhação explícita de sua esposa Frances. Mahan, antes mesmo de descrever o
relacionamento que ocorreria entre Emma e Nelson, já o criticou no seu texto biográfico.
Aquele relacionamento adúltero já o incomodava antes mesmo de descrevê-lo. Por certo,
Mahan, por sua religiosidade extrema e moralismo exacerbado, via Nelson com duas
diferentes perspectivas, o herói genial e o marido adúltero, inseridos no mesmo ser humano.
Laughton, por sua vez, mais contido, reconheceu as qualidades guerreiras de seu herói, mas
em nenhum momento o enalteceu do mesmo modo que Mahan o fêz. Até esse ponto
Laughton não atacou Nelson em relação a Frances em sua biografia. Emma, até aqui, não
foi criticada nenhuma vez em sua biografia, preferindo o velho mestre inglês aguardar o
encontro entre os dois, Nelson e Emma, para fazer qualquer julgamento. A parcimônia e
recato em suas palavras parecem ditar o seu ritmo escritural. Duas percepções
exteriorizadas diferentemente.

1512
Ibidem, p. 314.
1513
Ibidem, p. 315.
1514
Mahan fez questão de indicar o sub-título de seu capítulo como sendo “a deterioração moral”, em uma
reprovação explícita com a conduta de seu herói. Fonte: Idem.
1515
Idem.
386

6.1 – Um golpe de gênio : a batalha naval do Nilo

A situação política européia naquele abril de 1798 era a seguinte: a França continuava
em guerra com a GB. Portugal era aliada dos britânicos, mas em razão de sua fraqueza
militar só os apoiava com abastecimentos e o porto de Tagus. A Áustria estava em
confabulações com os franceses para a assinatura de um acordo de paz, que acabou sendo
assinado em outubro. A Bélgica fora incorporada à França. Veneza deixara de existir e
parte de seu território passara para a Áustria e parte para a recém-criada República
Cisalpina, sob controle francês. Muitas das ilhas do Adriático foram conquistadas pela
França, demonstrando claramente que os franceses desejavam controlar o Mediterrâneo. A
Holanda, a Suíça e diversas repúblicas italianas foram ocupadas por tropas francesas com
governos colaboracionistas. Tanto a Prússia como muitos estados alemães mantinham-se
em estrita neutralidade. A Rússia era inimiga da França, porém mantinha-se distante sem
entrar em combate com os franceses. O Reino das Duas Sicílias mantinha-se neutro, no
entanto temia as forças francesas que se encontravam na península itálica. O único estado
que se encontrava em combate permanente contra os franceses era a GB. Bonaparte diria
que “ou nosso governo destrói a monarquia britânica ou espera-se que sejamos destruídos
pela corrupção e a intriga daqueles ativos ilhéus [os britânicos]”.1516 O controle do
Mediterrâneo era fundamental tanto para franceses como para os britânicos.
Ao se apresentar a St Vincent, Sir Horatio recebeu a determinação de vigiar a
esquadra francesa que estava fundeada em Toulon. Sabia-se que algo grande estava para
ocorrer no Mediterrâneo, pois muitas tropas francesas estavam se congregando em Toulon
e que havia muitos navios-transporte prontos para suspender. Qual o destino daquelas
forças ? Perguntavam o Almirantado britânico e Lorde St Vincent. A única solução era
patrulhar as águas em torno de Toulon e descobrir o destino daquelas unidades inimigas.
Essa tarefa coube a Nelson que recebeu três navios de linha, quatro fragatas e uma chalupa.
O seu navio capitânea, o HMS Vanguard, era comandado por seu velho amigo capitão
Berry. O segundo navio do esquadrão era o HMS Orion de 74 canhões sob o comando do
valente capitão Sir James Saumarez, elevado a cavaleiro em 1793, em razão do

1516
Ibidem, p. 318.
387

apresamento da fragata francesa Reunion em um combate memorável. Sir James era um


comandante experiente e tivera uma ação destacada na batalha do Cabo de St Vicente. Por
ser de Guernsey falava um francês perfeito, porém não era íntimo de Nelson como
Berry.1517 O terceiro navio de linha de 74 canhões era o HMS Alexander sob o comando do
capitão Alexander Ball. Nelson não tinha boa impressão desse oficial, pois quando esteve
na França, Ball também lá se encontrava e por ser mais moderno Ball deveria, por etiqueta
naval, cumprimentá-lo pessoalmente, o que não fêz, para desconforto de Nelson.
Quando Ball foi se apresentar a Nelson no Vanguard para se agregar ao esquadrão em
frente a Toulon, Nelson foi sarcástico perguntando “o que, você está se apresentando para
ter seus ossos quebrados ?”.1518 Ball não se intimidou com a provocação de Nelson e
respondeu que ele não desejava ter os seus ossos quebrados, a não ser que seu dever para
com o rei e o país requeresse isso e dessa maneira eles deveriam ser quebrados sim. Nelson
não gostou do comentário, mas manteve-se impassível. Um mau prognóstico para Ball.1519
Logo após, esse esquadrão chefiado por Nelson estava defronte a Toulon, vigiando a
força francesa que se presumia ser de pelo menos 15 navios de linha. No dia 18 de maio,
uma violenta tempestade atingiu a força de Nelson e avariou seriamente o Vanguard que
quase soçobrou. As fragatas e a chalupa pediram autorização para procurarem um porto de
abrigo mais próximo e se dirigiram a Gibraltar. Imediatamente o Alexander, sob o comando
de Ball, avançou e rebocou tanto o Vanguard como o Orion. Em diversas ocasiões os
navios estiveram a ponto de afundar e Nelson liberou Ball para prosseguir sozinho de modo
a achar abrigo. Ball recusou e continuou apoiando os outros dois navios em perigo até
conseguir levá-los para San Piero na Sardenha. Por essa atitude corajosa de Ball, Nelson
ficou admirado e tornou-o um grande amigo. A amizade dos dois permaneceria por muitos
anos.1520
Enquanto esses fatos ocorriam, a frota francesa suspendeu de Toulon com destino
ignorado. Por quatro dias os navios britânicos permaneceram em San Pietro se recuperando
das avarias sofridas. Quando retornaram a Toulon, os franceses já tinham partido. Nelson

1517
LAUGHTON, John Knox. Nelson Memorial. op.cit. p. 86.
1518
Ibidem, p. 87.
1519
Idem.
1520
Ao chegarem a San Pietro Nelson foi agradecer a Ball o auxílio prestado e ao se encontarem se
abraçaram, dizendo Nelson a Ball que “um amigo em necessidade é um amigo com certeza” em inglês ‘a
friend in need is a friend indeed’. Fonte: Ibidem, p. 88.
388

ficou desolado.Além de só ter os três navios de linha, Nelson não contava mais com as
fragatas e a chalupa que continuaram em Gibraltar.
O governo britânico, ao tomar conhecimento da saída da grande esquadra francesa,
determinou a St. Vincent que interceptasse aquelas unidades inimigas, reforçando a sua
força naval com mais navios de linha. Propôs, então, a designação de um almirante
subordinado a ele para essa função, indicando o nome de Nelson.1521 Dessa maneira foram
designados nove navios de linha de 74 canhões e a HMS Leander de 4a classe com 50
canhões. A essa força foi designado o HMS Culloden sob o comando do seu amigo o
capitão Troubridge.. No total Nelson teria naquele momento 13 navios de linha de 3a classe
com 74 canhões, um de 4a classe com 50 canhões e um pequeno brigue com 16 canhões1522
para se defrontar com a força inimiga.
Com essa força Nelson iniciou sua procura pelos navios franceses. Teriam ido para
Portugal ? Ou a Itália ? Ou mesmo se agregado aos espanhóis em algum ponto do
Mediterrâneo ? Nelson não tinha a mínima idéia. Um fator o preocupava e isso era a
questão dos abastecimentos para sua força. Pensou como um ponto seguro de apoio o porto
de Nápoles no Reino das Duas Sicílias. Enviou, então uma carta para Sir William Hamilton
por Troubridge, a bordo do Mutine, para saber se poderia contar com o apoio daquele
reinado. Nessa carta Nelson escreveu o seguinte a Sir William:

Não há dúvidas que os franceses têm conhecimento tão bem quanto eu e


o senhor que os reis da Sicília nos pediram auxílio para salvá-los (mesmo
isso é considerado um crime pelos franceses). Aqui estamos prontos e
derramaremos nosso sangue para impedir que os franceses lhes façam
mal. Na chegada da esquadra real espero encontrar boa vontade em
relação a nós e rancor em relação aos franceses.1523

1521
Segundo Laughton a indicação do nome de Nelson para essa tarefa partira diretamente do Primeiro Lorde
do Almirantado, Lorde Spencer, possivelmente auxilido por Sir Gilbert Elliot, ou mesmo o rei Jorge III ou seu
flho e amigo de Nelson o duque de Clarence. Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit p. 102.
1522
O pequeno brigue de apenas 16 canhões de nome HMS Mutine era comandado pelo mestre e comandante
Thomas Hardy que seria uma dos grandes amigos de Nelson até o final de sua vida. Esse navio foi utilizado
por Nelson como um navio mensageiro e esclarecedor por não possuir mais fragatas que fariam esse papel.
1523
Carta de Sir Horatio Nelson para Sir William Hamilton escrita em 20 de junho de 1798 a bordo do HMS
Vanguard . Fonte: WAR TIMES JOURNAL. Letters and Dispatches of Horatio Nelson. Disponível em;
www.wtj.com/archives/nelson. p. 8.
389

O principal propósito de Nelson era obter suprimentos, descanso para suas tripulações
e práticos para seus navios.1524 Algo, no entanto, lhe dizia que Napoleão talvez quisesse se
apoderar do Egito e em carta a Lorde Spencer mencionou tal possibilidade.1525 O que
efetivamente desejava era encontrar a esquadra inimiga aonde quer que estivesse e destruí-
la. Para St Vincent disse que lutaria contra ela no momento em que a visse, “estando ela
fundeada ou navegando”1526.
Por certo que o rei das Duas Sicílias estava temeroso em apoiar os britânicos, pois os
franceses já estavam operando na península itálica e até ali permanecera neutro no conflito.
Nelson, por meio de Sir William, começou a exercer pressão sobre o rei Ferdinando para
apoiar seus navios, entretanto contou com o auxílio inestimável de Sir William Hamilton,
embaixador britânico em Nápoles e amigo de Sir John Acton, o primeiro ministro do Reino
de Nápoles. Depois de intensa troca de mensagens, Acton deu garantias a Nelson de que os
governadores italianos dos portos da Sicília apoiariam seus navios, apesar de manter
confabulações com Viena garantindo que manteria a neutralidade no conflito entre a GB e a
França1527. Afiançou Acton que os reis de Nápoles mantinham grandes simpatias pela GB,
sendo inclusive a rainha Maria Carolina irmã de Maria Antonieta, morta no período do
terror na Revolução Francesa. Maria Carolina ficara extremamente chocada com a
brutalidade que atingiu sua irmã e tornou-se inimiga ferrenha da França.
Nelson continuou sua busca pela força inimiga e ao passar pela Sicília tomou
conhecimento que a esquadra inimiga havia tomado Malta e que essa força era constituída
por 16 navios de linha, fragatas e cerca de 300 transportes. Uma esquadra poderosa com
cerca de 40.000 soldados prontos para o desembarque. Imaginando que o próximo passo de
Napoleão seria Alexandria no Egito, Nelson rumou a toda velocidade para esse porto, lá
chegando no dia 29 de junho. Para sua frustração os franceses não estavam naquele local.
Mal sabia ele que as duas forças se cruzaram quando imaginou que os franceses talvez
estivessem se dirigindo para a costa síria. As duas forças não se encontraram por que houve

1524
LAUGH TON, John Knox. Nelson. op.cit p. 103.
1525
Idem.
1526
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 327.
1527
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit. p. 91.
390

um grande nevoeiro que cobriu o horizonte1528 e os franceses foram fundear no dia seguinte
em Alexandria para desembarcar suas tropas no Egito.
Nelson, quando em trânsito com sua força, fazia questão de chamar os seus
comandantes de navio para confabularem sobre que passos tomar. A baixa velocidade dos
navios em viagem facilitava esse procedimento, sem modificar substancialmente o avanço
da força. Sir James Saumarez diria que “passei o dia no Vanguard [capitânea de Nelson],
tomando café e jantando com o almirante”.1529 Nelson aproveitava essas ocasiões para
discutir seus planos e táticas de modo a que todos entendessem, no momento do combate,
aquilo que ele esperava de seus subordinados. Ele tinha grande confiança em quatro de seus
comandantes, Saumarez, Troubridge, Ball e Darby. Nelson sempre os escutava e os levava
em consideração. Em algumas situações pedia até que escrevessem seus próprios planos e
idéias para sua análise posterior.1530 Esse foi um dos pontos destacados por Mahan para
demonstrar o tipo de liderança exercida por Nelson. Afirmou Mahan que “a aniquilação da
esquadra francesa e nada menos que aniquilação completaria os interesses de segurança de
seu país, consistindo nisso o espírito de suas instruções”.1531 Laughton, da mesma forma,
comentou sobre essas reuniões informais.
Da costa síria, Nelson foi se abastecer na cidade de Siracusa na Sicília. O governador
de Siracusa era Don Giuseppe della Torre que inicialmente foi reticente em apoiar a
esquadra de Nelson, no entanto depois que lhe foi mostrado o salvo conduto de Acton, della
Torre determinou o imediato apoio com suprimentos para a força de Nelson “em razão da
boa vontade de Sua Majestade [o Rei de Nápoles] e da amizade em relação a nação
inglesa”.1532 Ao término do abastecimento, Nelson diria que “nossas necessidades foram
amplamente atendidas e toda a atenção foi dirigida a nós”.1533
O abastecimento em Siracusa levou cinco dias e suspenderam no dia 25 de julho.
Troubridge ficou encarregado de seguir à vante em patrulha, quando apresou um pequeno
barco francês carregado de vinho e descobriu que os franceses estavam no Egito.

1528
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 338.
1529
Ibidem, p. 332.
1530
Ibidem, p. 333.
1531
Ibidem, p. 335.
1532
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit. 95. Em carta de della Torre para Acton ele
dissera “ by reason of his Majesty´s goodwill and friendship towards the English nation”.
1533
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 341.
391

Imediatamente alertou Nelson sobre esse acontecimento. O último determinou, então, a


mudança de rumo para Alexandria onde esperava destruir a força inimiga. Por não contar
com fragatas para realizar o esclarecimento necessário avante se sua força, determinou ao
Alexander, o Swiftsure e o Zealous que fossem mandados à frente com a finalidade de
confirmar a presença da força francesa e ao meio dia do dia 1 de agosto de 1798 os dois
primeiros confirmaram que em Alexandria existiam muitos navios transportes, mas nenhum
navio de guerra. O Zealous, por sua vez, confirmou que na baía de Aboukir estavam
fundeados 16 navios de linha inimigos1534. Nelson, então, se preparou para a ação, embora
não possuísse as cartas de navegação para a aproximação da baía de Aboukir. Ele só
possuía um croquis obtido de um navio inimigo apresado.1535 As forças antagonistas
encontram-se dispostas no apêndice D).
Eram 17 navios franceses contra apenas dez britânicos1536, uma desproporção em
princípio, contudo a força de Nelson tinha algumas importantes vantagens em relação a
força do almirante francês Brueys. Considerando as forças frente à frente, os franceses
tinham vantagem em números de navios, número de combatentes e quantidade de canhões.
O capitânea de Brueys era o formidável L´Orient com 120 canhões, um enorme vaso de
guerra que correspondia a quase dois navios de 74 canhões dos britânicos, além disso
existiam três navios de linha com 80 canhões mais poderosos que os vasos de Nelson, o
Franklin, o Tonnant e o Guillaume Tell. Quatro dos navios franceses eram fragatas com
maiores velocidades. Em que pese essas vantagens, os navios franceses eram velhos, alguns
com pouca capacidade de navegar ainda mais de combater, sendo que dois deles, o
Guerrier e o Peuple Souverain tinham sido condenados no ano anterior a não mais navegar.
Os marinheiros franceses, além disso, eram novatos e desadestrados nas lides marinheiras,
muitos sendo homens criados em terra com pouca familiaridade em assuntos navais. Assim
não sabiam nem carregar e muito menos disparar seus canhões. A disciplina a bordo dos
navios era relaxada e existiam muitos casos de insubordinação1537. Alguns dos homens,

1534
Ibidem, p. 101.
1535
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 343.
1536
No total Nelson contava com 14 navios, no entanto designara Troubridge no Culloden para rebocar a
presa francesa e assim ele estava algumas milhas atrás de sua força. Determinara também que o Alexander, o
Ewiftsure e o Leander fizessem o papel de esclarecedores em Alexandria e assim esses navios estavam
algumas milhas atrás de sua esquadra, não compondo a linha de batalha. O Mutine de Hardy, por ser apenas
um brigue permaneceu fora da linha agindo como transmissor de mensagens.
1537
Ver capítulo 2, item 2.3 sobre a diferença de preparação dos oficiais e praças britânicos dos franceses.
392

inclusive, estavam ainda em terra enchendo os tonéis de água, o que diminuía o número de
combatentes aptos a se contrapor a Nelson.1538 Os britânicos, por seu turno, eram bem
adestrados, acostumados com as lides marinheiras, treinavam exaustivamente a artilharia e
eram primorosamente liderados por oficiais motivados sob o comando de Nelson. Os
comandantes britânicos eram todos jovens com idades entre 35 e 40 anos. Saumarez e Ball
os mais velhos tinham 41, e Berry, o mais jovem, com apenas 30 anos de idade. Todos
tinham grande experiência, tendo participado de diversos combates. Laughton diria que
“raramente houve um grupo de oficiais de tal qualidade com mérito e experiência...eles se
transformaram como Nelson os chamava, em um bando de irmãos”.1539 A quantidade dava
lugar a qualidade.
A situação tática dos navios franceses era a seguinte: todos estavam fundeados
afilados ao vento, próximos da costa a cerca de três milhas. Brueys acreditava que não
haveria chance de ser atacado por bombordo1540, uma vez que não haveria espaço para um
navio se esgueirar por esse local de baixa profundidade, pois a chance de encalhe seria
maior. Todos os navios franceses estavam em linha, sendo que o capitânea L´Orient estava
na posição sete na linha. Brueys acreditava que se houvesse um ataque, ele seria feito
contra sua retaguarda, daí ter colocado atrás do L´Orient dois navios de 80 canhões mais
poderosos, o Tonnant e o Guillaume Tell. Além disso, tinha a certeza que os ingleses não
atacariam a parte de vante de sua força, pois as baterias de terra, a sua esquerda, os
protegeriam de qualquer ataque na parte da frente. Sua permanência em Alexandria,
também, seria impossível, pois não haveria espaço para os seus navios de guerra, dessa
forma acreditou que, por estar em Aboukir, uma baía aberta com proteção de baterias de
terra, teria maiores chances de sucesso se fosse atacado. Por esperar o ataque a boreste1541
determinou que seus navios estivessem preparados para responder ao fogo por esse bordo e
toda a munição foi estocada nesse lado. Por bombordo os canhões estariam desguarnecidos.
Isso se mostrou fatal como será discutido.
Nelson imaginou exatamente o contrário de Brueys. Resolveu atacar a parte de vante
e a central da força francesa. Em carta a Lorde Howe, posteriormente diria que “ atacando à

1538
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 111.
1539
LAUGHTON, John Knox. The Nelson.Memorial op.cit. p. 102. Em inglês “a band of brothers”.
1540
Lado esquerdo do navio.
1541
Lado direito do navio.
393

vante e o centro do inimigo, o vento soprando ao longo da linha francesa, fui capaz de
despejar a força que desejei em poucos navios. Esse plano meus amigos rapidamente
conceberam por sinais”.1542 Ao mesmo tempo dividiu sua força em três esquadrões para
melhor controle, cada um com quatro navios1543, sob os comandos de Troubridge,
Saumarez e ele próprio.1544 O que desejava era concentrar sempre dois navios contra um do
inimigo1545.

Figura 3. Fonte: MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 348.

Imediatamente ao ver a força inimiga, Nelson determinou que seus dez navios em
linha se dirigissem a força inimiga fundeada. O Culloden de Troubridge largou a sua presa
e tentou se aproximar da linha de batalha e ao cortar caminho bateu em uma pedra e ficou
preso em uma ilhota posteriormente chamada de Ilha de Nelson e com isso não pôde
participar da ação, frustrando o seu comandante. O Alexander, o Swiftsure e o Leander

1542
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 344.
1543
Isso antes da dispersão indicada com a saída de Troubridge e dos Alexander, Swiftsure e Leander.
1544
Ibidem, p. 345.
1545
Ver capítulo 2 , seção 2.4 , a tática e o modo britânico de combater.
394

vieram em boa velocidade para se agregar à força de Nelson, porém continuaram fora de
formatura, pois estavam ainda a 12 milhas de distância.1546
Ao ser avistada a força britânica, por volta de 18h30 min, os navios franceses abriram
fogo por boreste. O primeiro navio inglês da linha foi o Goliah sob o comando do capitão
Thomas Foley, que percebendo que teria água entre o Guerrier e a linha de costa, resolveu
investir nessa estreita faixa de água, cruzou a proa do inimigo e fundeou próximo ao
segundo navio o Conquerant. Ao passar pelo Guerrier, abriu fogo, sem receber fogo
contrário, pois os franceses esperavam o ataque por boreste. Ao se aproximar do
Conquerant continuou atirando até largar sua âncora e continuar atirando1547. O segundo
navio foi o Zealous que engajou o Guerrier vindo, também, a ancorar, mantendo um vivo
fogo contra o inimigo. O terceiro navio foi o Orion de Saumarez que continuou no seu
rumo e ancorou entre o Peuple Souverain e o Franklin, abrindo fogo contra ambos. O
quarto navio de linha britânico foi o Audacious que abriu fogo entre a costa e o inimigo
mais próximo o Conquerant. Foi seguido pelo Theseus, que fundeado, abriu fogo em dois
navios inimigos, o Conquerant e o Aquilon. A concentração estava sendo obtida como
imaginava Nelson. Até aquele momento todos os cinco navios estavam em uma estreita
faixa de água, sob risco de encalharem. Coube a Foley do Goliah perceber que poderia
passar naquela faixa, ao notar que os navios franceses deixaram espaço suficiente para
permitir a entrada de um navio naquele setor.1548 Nelson, nos encontros com seus
comandantes, dava liberdade de ação, se a situação permitisse o aproveitamento. Os dois
primeiros navios franceses, o Guerrier e o Conquerant já estavam virtualmente destruídos
naquele início de combate. As baterias de terra abriram fogo contra os britânicos, porém
sem resultados expressivos.
Nelson vinha no sexto navio na linha, o Vanguard de Berry e resolveu engajar os
navios no bordo contrário e imediatamente atacou o Spartiate que naquela altura já sofria o
ataque do Theseus.1549 Foi seguido pelo Minotaur que engajou o Aquilon, já pressionado
pelo mesmo Theseus e pelo Defence que atacou o Peuple Souverain já fustigado por
Saumarez. Em cerca de 30 minutos, cinco navios franceses estavam sendo destruídos por

1546
Ibidem, p. 347.
1547
Ver Figura 3 do primeiro estágio da batalha.
1548
Ibidem, p. 349.
1549
Idem.
395

oito navios britânicos sem que os seus consortes pudessem fazer alguma coisa, pois
estavam todos ancorados e impossibilitados de suspender. Para Laughton “os [franceses]
estavam virtualmente batidos pelas primeiras bordadas de artilharia dos navios
ingleses”.1550
Os dois últimos navios de Nelson, o Bellerophon e o Majestic tiveram menos sorte. O
Bellerophon engajou o enorme e poderoso L´Orient, sofrendo um grande número de baixas,
pois a desproporção de poder entre os dois era enorme. O francês possuía 120 canhões
enquanto o inglês apenas 74. O Majestic, da mesma forma, procurou atacar o Heureux,
contudo foi fundear próximo ao Mercure, quando manteve uma forte troca de artilharia
com esse navio. A escuridão da noite já tomava conta das ações, além da fumaça dos tiros
de canhão, fazendo com que a visibilidade caísse sobremaneira. O comandante do Majesic,
capitão George Westcott, foi morto alvejado por um tiro de mosquete, possivelmente do
Heureux.1551
Começava, já no período noturno, o que Mahan chamou de a segunda fase do
combate com a aproximação do Alexander, Swiftsure e Leander.

Figura 4 .Segunda fase da batalha do Nilo. Fonte: MAHAN, Alfred Thayer. The Life of
Nelson. op.cit. p. 352.

1550
LAUGHTON, John Knox. The Nelson.Memorial op.cit. p. 108.
1551
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 113.
396

Por volta das 20h, o Alexander e o Swiftsure fundearam próximos ao L´Orient e


começaram a disparar contra esse enorme vaso de guerra. Cada um dos navios atirou de
bordos diferentes, o Swiftsure a boreste e o Alexander a bombordo do L´Orient. Uma hora
depois chegou o Leander que também engajou tanto o L´Orient como o Franklin. Pela
figura 4 percebemos três navios franceses sendo atacados por cinco britânicos exatamente
no meio da formatura. Os demais navios franceses da retaguarda continuavam ser participar
da ação, ainda em processo de suspender de seus ancoradouros.
Em razão da concentração de fogos, iniciou-se um incêndio na popa do L´Orient.
Imediatamente Hallowell do Swiftsure e Ball do Alexander dirigiram seus fogos para aquela
área do navio francês e o fogo começou a se alastrar. Às 21h45min da noite ocorreu uma
enorme explosão no L´Orient e rapidamente após o navio afundou levando consigo toda a
sua tripulação. Poucos sobreviveram. O almirante Brueys morreu ao ser atingido por um
tiro direto de canhão e afundou junto com o seu navio. Para Laughton ele não era um chefe
brilhante, mas era um bom e bravo oficial naval. Seu chefe de estado-maior, Casabianca,
também, morreu junto com o seu filho na explosão do L´Orient1552. Com essa explosão, a
vitória de Nelson estava assegurada.
Enquanto esses fatos ocorriam, Nelson ficou ferido por um estilhaço que atingiu sua
testa acima da vista esquerda, quase o deixando cego. Esse ferimento foi de certa gravidade
e grande quantidade de sangue cobriu o seu uniforme. Seu olho esquerdo encheu de sangue
e ele exclamou que estava morrendo e que cuidassem de Frances.1553 Foi imediatamente
evacuado para a enfermaria e lá o cirurgião costurou o ferimento e limpou seu rosto que
estava coberto de sangue1554. Em seguida, Nelson irriquieto voltou ao convés do Vanguard
a tempo de assistir a explosão do L´Orient.1555 Enquanto essas ações ocorriam, Troubridge
continuava encalhado recebendo o auxílio do Mutine de Hardy, sem participar das ações.
Os navios franceses da retaguarda, que não participaram das ações, conseguiram
finalmente suspender e se afastar do combate sob o comando do almirante Villeneuve. Os
navios que conseguiram escapar foram o Guilleume Tell, Genereux, Justice e Diane. Além

1552
Ibidem, p. 119.
1553
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 351.
1554
Nelson teve outro encontro com a morte com esse ferimento que quase o deixou totalmente cego. Foi seu
quinto evento envolvendo o risco de morrer e dessa maneira atendeu essa etapa na jornada do herói de
Campbell.
1555
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 115.
397

do afundamento do L´Orient, o Timoleon e o Artemise foram destruídos pelos incêndios e o


Serieuse afundou. Os demais navios inimigos, nove, foram apresados pelos britânicos.
Laughton diria que “nunca nos anais da guerra moderna tinha essa vitória sido tão
completa”1556. Complementaria dizendo que não tinha sido uma vitória, foi uma
conquista.1557 E ele tinha razão. A esquadra de Napoleão no Mediterrâneo estava perdida.
Nelson, em carta a Lorde St Vincent após a batalha, disse o seguinte:

Os navios do inimigo, todos exceto dois navios de linha da retaguarda,


estão sem os mastros; e esses dois [navios] com duas fragatas, temo dizer
escaparam; nem foi possível, lhe asseguro, prevenir a sua escapada.
Capitão Hood [comandante do Zealous] muito galantemente se ofereceu
para persegui-los, no entanto eu não tinha outro navio em condições de
apoiar o Zealous e fui obrigado a chamá-lo de volta.1558

Laughton discutiu a idéia de se atacar uma esquadra fundeada e afirmou que Hood já
tivera essa idéia anteriormente, embora não tivesse tido a chance de executá-la.1559 Salienta,
também, que se os navios de guerra franceses estivessem fundeados em Alexandria junto
com os transportes, Nelson, com sua ousadia, entraria no porto e destruiria não só a
esquadra inimiga, mas a maioria dos navios transporte que apoiavam as tropas de Napoleão
no Egito1560. A derrota francesa seria ainda pior.
Os britânicos perderam nessa batalha cerca de 218 mortos e 678 feridos. Entre o
mortos estava o comandante do Majestic, o capitão Westcott. O navio que mais sofreu
baixas foi o Bellerophon sob o comando de Darby com 49 mortos. Nelson, após o combate,
expediu uma ordem geral congratulando todos os seus subordinados pela ação nos
seguintes termos:

Aos comandantes dos navios do esquadrão


O almirante, do fundo do seu coração, congratula os comandantes,
oficiais, praças e fuzileiros do esquadrão do qual teve a honra de
comandar na última ação; e deseja que eles aceitem seu mais sincero e
cordial agradecimento por seu comportamento galante nessa gloriosa

1556
Ibidem, p. 114.
1557
LAUGHTON, John Knox. The Nelson.Memorial op.cit. p. 117.
1558
Carta de Sir Horatio Nelson para o Lorde St Vincent escrita do HMS Vanguard no dia 3 de agosto de
1798. Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Despatches. op.cit p. 145.
1559
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 116.
1560
Ibidem, p. 117.
398

batalha. Deve ser entendido perfeitamente por todos os marinheiros


britânicos quão superiores suas condutas foram quanto a disciplina e boa
ordem, em relação ao desordeiro comportamento dos franceses sem
lei.1561

Para Mahan, o hábito de se associar com seus subordinados, reconhecendo e se


lembrando de suas ações fazia com que Nelson fosse endeusado por seus homens1562. O rei
Jorge III, em reconhecimento por sua vitória, elevou Nelson ao pariato, designando-o barão
Nelson do Nilo e de Burham Thorpe. Muitos na Câmara dos Comuns esperavam que esse
título fosse maior, visconde, por exemplo, no entanto, em resposta, o primeiro-ministro
comentou que a glória de Nelson independia do grau de pariato que ele fosse elevado, o que
não convenceu a muitos políticos e nem ao próprio Nelson, que esperava um maior grau
com sua vitória. Seja como for, Nelson escreveu a Lorde Spencer agradecendo o título
dizendo que era “o maior que já tinha sido conferido a um oficial de seu posto que não era
de comandante-em-chefe”.1563
Congratulações vieram de diversos rincões. Missas foram rezadas em toda GB. O czar
da Rússia enviou uma carta de recomendações cumprimentando Nelson. O sultão da
Turquia idem, os reis da Sardenha e das Duas Sicílias enviaram presentes a Nelson. O
Parlamento britânico votou uma pensão de duas mil libras anuais a Nelson e a seus dois
descendentes que lhe seguiriam no pariato. Foi erguido um monumento em memória de
George Westcott, morto em combate, na Igreja de St. Paul. O comandante do Swiftsure
capitão Hallowell presenteou Nelson com uma arca-caixão produzida a partir do
madeirame do L´Orient recolhido após a ação, para que Nelson, quando falecesse, fosse
enterrado na madeira do navio inimigo destruído1564. Todos envolvidos no combate
receberam medalhas comemorativas e os primeiros tenentes dos navios em combate foram
promovidos a mestres e comandantes e capitães. O primeiro-tenente do navio de
Troubridge foi excluído da lista, assim como o próprio comandante do Culloden, o que
provocou forte reação de Nelson que escreveu para St Vincent pedindo para o erro ser

1561
Ordem do dia de Sir Horatio Nelson para os comandantes dos navios do esquadrão a bordo do HMS
Vanguard em 2 de agosto 1798. Fonte: wtj. op.cit. p. 6.
1562
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson. op.cit. p. 359. Atendeu o imperativo de afinidade segundo a
teoria de Keegan.
1563
Ibidem, p. 362.
1564
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit. p. 123.
399

corrigido, o que ocorreu depois de algum tempo1565, para tristeza de Troubridge e sua
tripulação que queriam ser incluídos na primeira lista e não em uma lista posterior. Nelson,
também, promoveu o jovem mestre e comandante Thomas Hardy do Mutine a capitão,
dando-lhe o comando do Vanguard, já que Berry foi designado para levar as notícias da
vitória à GB. Para o comando do Mutine ele designou o tenente Bladen Capel, promovido a
mestre e comandante, sendo ele o filho mais novo do conde de Essex e oficial do
Vanguard.1566
Nelson passou a ser considerado o grande herói e salvador que derrotara Napoleão no
Egito1567. No dia 19 de agosto recebeu a ordem de seguir para Nápoles com três navios de
linha e algumas fragatas para abastecimento e descanso. Um novo período na vida de
Nelson iria começar.

6.2 – Encontro com Emma Lady Hamilton:

Nelson designou o Mutine sob o comando de Capel para levar as boas notícias da
vitória para o rei de Nápoles, lá chegando no dia 01 de setembro. A alegria com a notícia
foi imensa. Todos na cidade, do rei até o mais modesto cidadão napolitano, estavam
aliviados em saber que os franceses foram derrotados e que a ameaça a sua cidade, por
enquanto, adiada. No entanto, a pessoa mais alegre na cidade com a notícia foi a esposa do
embaixador inglês em Nápoles, Emma Lady Hamilton. Ela mandou fazer uma faixa que foi
enrolada em sua cabeça com a inscrição Nelson and Victory. Ao mesmo tempo, escreveu
uma carta para Nelson dizendo “eu estou delirando de alegria e lhe asseguro que essa febre
é causada por agitação e prazer. Bom Deus, que vitória!Nunca houve nada tão glorioso, tão
completo...eu não gostaria de morrer sem ver e abraçar o vitorioso do Nilo...Oh, bravo
Nelson! Oh vitorioso salvador da Itália!”.1568 Tratou-se de uma carta longa e cheia de
adjetivos elogiosos e enaltecedores sobre Nelson. Laughton criticou o tom da carta escrita a
um oficial que ela não tinha intimidade e mal conhecia.

1565
Aqui com essa ação Nelson atendeu o imperativo de prescrição ao querer corrigir um erro que foi a
exoneração do Culloden de todas as recompensas pela vitória.
1566
Ibidem, p. 124.
1567
Esse sentimento de salvador do Egito e Mediterrâneo iria acompanhar Nelson até a sua morte. Ele lutara e
vencera Napoleão no mar e salvara o Egito, atendendo a característica de ‘salvador’ segundo a teoria de
Hook.
1568
Ibidem, p. 126.
400

Como Laughton e Mahan descreveram Emma Lady Hamilton em suas biografias?


Tanto Laughton como Mahan fizeram uma análise interessante sobre essa
personagem que teria um grande impacto na vida de Nelson. Quem foi essa mulher?
Nascida Amy Lyon em 1761 na cidade Great Neston no condado de Cheshire na
Inglaterra, viera de um lar modesto. Segundo Laughton, Amy veio jovem para Londres e
por ser extremamente bela e desembaraçada, seguiu maus caminhos.1569 Com 19 anos deu a
luz a uma menina que ficou sob os cuidados de sua avó. Laughton afirmou que ela foi
reduzida “ao mais baixo estágio de degradação” em sua permanência em Londres.1570 Em
1781 viveu sob a proteção de Sir Harry Fetherstonehaugh, um dissoluto e volúvel nobre
que quase a levou a ruína. Em breve Sir Harry a despachou para a proteção de Charles
Greville, segundo filho do conde de Warwick. Mudou seu nome para Emma Hart e viveu
uma vida de respeitabilidade com Charles, embora fosse declaradamente sua amante. Ele
tudo fêz para educá-la convenientemente. Por ser muito bonita, virou modelo de diversos
artistas ingleses, do qual o mais destacado foi George Romney que pintou cerca de 23
quadros com ela.1571
Charles era sobrinho de Sir William Hamilton que ficara viúvo havia poucos anos,
depois de um longo e feliz casamento. Quando em uma de suas viagens à corte em Londres
Sir William conheceu Emma e a considerou extremamente bela e atraente. Ela estava
apaixonada por Charles e embora soubesse que ele não casaria com ela, nutria grandes
esperanças. Talvez pensando em um matrimônio mais lucrativo, Charles propôs a seu tio
que Emma fosse com ele morar em Nápoles, de modo a diminuir sua solidão. Laughton
acredita que não houve barganha nesse oferecimento, no entanto houve uma concordância
mútua de que o tio o ajudaria em suas dificuldades financeiras e Emma fazia parte do
trato.1572 Para Laughton, até ali Emma se comportara apropriadamente, sem dissipação ou
mau comportamento e honestamente amava Charles.1573
Emma e sua mãe, relutantemente aceitaram passar uma temporada em Nápoles com
Sir William, aguardando a chegada posterior de Charles, o que efetivamente acabou não
ocorrendo. As cartas de Emma para Charles eram de solidão e saudade, com perguntas

1569
Laughton usou a expressão em inglês “fell into evil ways”.
1570
Ibidem, p. 131.
1571
Ibidem, p. 132.
1572
Ibidem, p. 134.
1573
Ibidem, p. 135.
401

freqüentes quando ele iria se encontrar com ela na Itália. Em uma das cartas ela chegou a
ameaçá-lo dizendo que “eu nunca serei sua amante [de Sir William]. Se você me afrontar,
eu o farei [Sir William] casar comigo”.1574 Aos poucos Sir William foi se envolvendo com
Emma, ao mesmo tempo em que ela constatou que fizera parte de um negócio e que
Grevillle não iria jamais encontrá-la em Nápoles. Sir William foi se rendendo aos encantos
de Emma. A diferença de idade era muito grande, 35 anos. Laughton apontou que o senso
de moralidade prevalente em Nápoles era diferente da existente em Londres, menos
relaxado e mais estrito. Sir William indicou diversos tutores para ensinar Emma boas
maneiras, o italiano, o canto e música. Diria Emma, em carta para Greville em agosto de
1787, que “Sir William gosta muito de mim e é muito gentil...nunca está longe. Não vai a
lugar algum sem mim”.1575
A voz de Emma realmente era agradável e ela chegou a ser sondada para uma
temporada de três anos em Madrid, ao soldo de seis mil libras. No entanto o seu ponto alto
artístico era a representação de imagens estáticas conhecidas como “atitudes”.1576 Em 1787
Joham Goethe, ao visitar Nápoles e a mansão dos Hamilton, ficou admirado com o
desempenho de Emma nessas “atitudes”, dizendo que “ Sir William Hamilton, depois de
estudar e amar arte, descobriu uma das mais perfeitas expressões de arte e da natureza em
uma bela e jovem mulher...ela vive com ele, uma britânica de cerca de 20 anos de idade.
Ela é muito bonita e possui bela estampa”.1577
Depois de cinco anos de relacionamento, Sir William resolveu casar-se com ela na
Inglaterra em 1791. Ao regressarem a Nápoles, ela foi apresentada oficialmente a família
real e a rainha, em especial, que a recebeu muito bem, sendo a partir dali reconhecida como
uma das beldades do corpo diplomático e a líder da sociedade britânica na cidade. Seu
passado foi totalmente esquecido e sua lembrança passou a ser apenas a sua beleza física,
sua bela voz, sua atuação nas “atitudes” e seu bom humor.1578 Todos que visitavam a
mansão dos Hamilton em Nápoles se encantavam com Emma, embora alguns criticassem
sua postura pouco elegante e a necessidade que ela tinha de agradar e ser admirada por

1574
Ibidem, p.137.
1575
Idem.
1576
Normalmente Emma representava um modelo clássico estático e tal espetáculo foi muito comum na
Europa no século XVIII.
1577
Ibidem, p. 138.
1578
Ibidem, p. 139.
402

todos. Aos poucos ela foi se tornando amiga da rainha Maria Carolina e alardeava a toda
sociedade napolitana sua intimidade com a rainha. Laughton acreditava, no entanto, que a
influência que Emma dizia ter sobre a soberana não era assim tão intensa, mas ao contrário,
Maria Carolina era que se aproveitava da esposa do embaixador Sir William para
conseguir, por meio dela, o apoio em sua luta contra os franceses1579, responsáveis pela
morte de sua irmã, Maria Antonieta. Por certo, Emma considerou-se, em razão dessa
relação com a rainha e da confiança de Sir William, uma das forças por detrás da política
napolitana, se não da política britânica no Reino de Nápoles.1580 Laughton considerava
Emma extremamente vivaz, inteligente, sem afetação, com uma bela voz, ótima atriz nas
“atitudes”, bem humorada e muito bonita, no entanto tinha uma tendência natural a ser
mentirosa, chegando ao ponto de dizer que “em muitas das frases de Emma para as pessoas
[da sociedade] não existia uma [frase] que fosse totalmente verdade”.1581 Para Laughton,
acreditou-se, durante muitos anos, que Emma tivesse sido a mola-mestra por detrás das
engrenagens entre a GB e Nápoles e que, ao final, o governo britânico a abandonou no
término da vida, no entanto isso se mostrou totalmente irreal, à luz da documentação
disponibilizada e das ações subsequentes .
Pode-se perceber que Laughton não simpatizava com Emma, no entanto, mesmo em
sua antipatia, procurava apontar pontos positivos em sua personalidade e ações. Até esse
ponto nada disse sobre o seu futuro caso rumoroso com Nelson.
E como Mahan percebia Lady Hamilton ?
“A cena no navio foi terrivelmente de efeito...subiu ela [Lady Hamilton] a bordo
exclamando ‘O Deus, foi isso possível ?’ Ela caiu em meu braço mais morta que viva.
Lágrimas, entretanto, logo corrigiram as coisas”1582. Essa foi a parte da carta de Nelson
para Frances que Mahan escolheu para dizer que “isso foi o início de uma intimidade
destinada, no final, a afetar profunda e tristemente o futuro de Nelson”1583.
Mahan, ao discutir a personagem Lady Hammilton, iniciou afirmando que Emma
tinha uma bela face, um charme natural e disposição, completamente inexperiente e com

1579
Ibidem, p. 141.
1580
Ibidem, p. 142.
1581
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 127.
1582
Carta de Horatio Lorde Nelson para Lady Frances Nelson escrita a bordo do HMS Vanguard em 25 de
setembro de 1798. Fonte: NAISH, op.cit. p. 401.
1583
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 372.
403

quase nenhuma norma moral.1584 No aspecto moral, disse Mahan, não houve muito
progresso para ser esperado, uma vez que Greville cujas normas, com menor desculpa, não
eram muito melhores que as dela. Mahan estava se referindo ao período em que Emma
viveu sob as custas de Greville. Para o autor norte-americano, Lady Hamilton era afetuosa e
impulsiva, de bom humor, com instintos generosos, entretanto “ela era ambiciosa e
excepcionalmente inteligente”. Para ela a glória era mais importante que a honra, sendo que
seu amor pela adulação era sua característica principal1585. Sua ambição, algo natural para
ela, foi nutrida na vida para ser auto-controlada, disse Mahan. Além disso, afirmou que
Emma tornou-se indispensável para Sir William e ao mesmo tempo e pelos mesmos
métodos, um objeto mais desejável por ele, por causa de evidente atração que exercia sobre
os outros homens. Na própria sociedade napolitana, muitos se prostavam perante sua beleza
e inteligência e até a chegada de Nelson a essa cidade, não houve nenhuma cena ou
escândalo envolvendo Emma com outros homens1586, embora muitos a desejassem
sexualmente. Mahan diria, também, que a Emma que Nelson reencontrou em 1798 não
havia melhorado essencialmente da Emma Hart de seis anos antes.
Emma, ao encontrar Nelson, fêz de tudo para inflar o seu já enorme ego, fazendo com
que ele acreditasse em qualquer coisa, até que a pródiga rainha de Nápoles fosse a própria
Madonna, sendo o herói do Nilo um “crente”, afirmou Mahan.1587 Nelson ficou cego de
amor por ela e tudo que ela lhe dizia, ele aceitava de bom grado e passou a ser um
personagem dominado em corpo e alma. Emma era uma mulher brava, capaz, sanguínea e
eficiente, sem ser impedida de suas ações por temores ou escrúpulos. Ela era uma mulher
que, se considerassem apenas nervos e inteligência, e se houvesse alguma distinção
exclusiva para ela, podia até se tornar confiável, disse Mahan.1588 Ela poderia apreciar e
admirar o heroísmo e sob o estímulo da excitação, de magnanimidade auto-controlável se
fosse observada por outras pessoas, ela era capaz de ações heróicas da mesma forma.1589
Para Mahan, um admirador do herói de Burham Thorpe, a bajulação administrada por
uma mulher [ Emma] de tal beleza e de dons artísticos sobre Nelson, não o fêz infelizmente

1584
Ibidem, p. 373.
1585
Ibidem, p. 374.
1586
Ibidem, p. 377.
1587
Ibidem, p. 381.
1588
Ibidem, p. 384.
1589
Idem.
404

perceber o que estava por trás daquelas atitudes.1590 Para o historiador norte-americano
Emma, dificilmente, alguma vez amou Nelson1591, no entanto, existiam em seu espírito,
impulsos capazes de respostas simpáticas para seus atos heróicos. Era inconcebível, para
Mahan, que o dever fosse visto por ela da mesma forma que por ele, nem que uma mulher
de certa nobreza de atitudes levaria um homem reconhecido como Nelson por toda a
Inglaterra e no continente, até transformá-lo em um motivo de piadas.1592 O certo é que
Nelson nunca encontrou uma mulher como Lady Hamilton, que lhe deu admiração e
apreciação, sem esconder e sem medida, e em breve Nelson estaria aos seus pés.
Romântico por natureza, Nelson estava em permamente contato com ela, que o
atendia em tudo que era necessário. Ele chegou a dizer em carta a Frances com entusiasmo,
em mais de uma vez, que “Lady Hamilton é uma das melhores mulheres desse mundo; ela é
uma honra para o seu sexo”.1593 Pode-se imaginar o sentimento de Frances, ao receber esses
elogios exagerados de seu marido sobre uma mulher que ela não conhecia e que estava ao
seu lado todo o tempo. A natureza emocional de Nelson ficou totalmente abalada quando
travou contato com Emma. A admiração que ela sentia por ele, só fêz aumentar a sua
própria vaidade.
Mahan não simpatizava com Emma, pois considerava que ela tinha uma enorme
influência sobre Nelson e que essa influência nem sempre foi por motivos nobres. A
fascinação e vaidade de “conquistar” o coração daquela mulher bela, inteligente e
espirituosa fizeram com que ele [Nelson] ficasse cego ao que ocorria em sua volta. Sua
subordinação aos desejos daquela mulher fascinante teria conseqüências desastrosas para a
carreira de um almirante que, até ali, se distinguira como um dos mais importantes
personagens da história da RN. Seus pensamentos eram para ela e a sua dependência
emocional foi completa. Ao contrário de Laughton, Mahan não poupou críticas a Emma por
sua influência sobre Nelson.
Afinal, cumprindo determinações de St Vincent, Nelson aportou em Nápoles no dia
22 de setembro de 1798. Com ele em seu esquadrão vieram o Vanguard, o Culloden e o

1590
Ibidem, p. 385.
1591
A frase em inglês escrita por Mahan foi “that she ever loved him is doubtful” .
1592
Ibidem, p. 386.
1593
Ibidem, p. 387.
405

Alexander, enquanto Hood permanecia defronte a Alexandria, bloqueando os navios


mercantes franceses lá fundeados.
No momento em que o Vanguard lançou a sua âncora na baía de Nápoles, Nelson foi
recebido entusiasticamente por Sir William e Lady Hamilton que, de tanta emoção em
encontrá-lo, desfaleceu em seu braço. Em sua testa Emma colocou uma faixa com os
dizeres “Nelson e a vitória”, demonstrando toda a sua emoção com aquela vitória britânica
no Egito. Seguiu-se um choro compulsivo de Emma em frente a Nelson, sendo nesse
momento o início de seu relacionamento com ela. Essa intimidade, para Laughton, estava
destinada a ter uma marcada influência no destino de Nelson.1594 Depois da visita do casal
Hamilton, compareceram a bordo o rei e a rainha para cumprimentarem o herói do Nilo.
Emma praticamente se apoderou de Nelson em sua estada em Nápoles. Sir William,
inclusive, o convidou para residir com eles enquanto estivesse no porto. Nelson,
relutantemente, aceitou a oferta. O herói do Nilo precisava ainda de cuidados, pois seu
ferimento na cabeça, embora cicatrizado, ainda lhe causava grandes dores de cabeça e
irritação, nada com que Emma não pudesse ajudá-lo. Aos poucos, Nelson tornou-se
dependente de seus cuidados. Segundo Laughton, Nelson deve ter comparado sua
recuperação em Bath junto a Frances e a atenção de Emma para com ele naquela situação.
Frances, sempre calma, controlada e talvez fria, não era páreo para aquela bela mulher viva,
entusiasmada e cheia de charme como Lady Hamilton.1595
Seguiram-se festas, bailes e banquetes em honra dos marinheiros britânicos surtos em
Nápoles. A figura central daquelas festividades era sempre Lady Hamilton e sua confidente
a rainha Maria Carolina. Nelson ficou maravilhado, tanto com Emma como com a corte
napolitana. Para Laughton, embora Nelson fosse se tornando escravo daquela bela mulher,
ele não cessou de ser um grande chefe militar naval. Para o historiador inglês existia uma
idéia naquele final de século XIX de que a paixão por Emma o tenha retido em Nápoles,
negligenciando o seu dever. Isso era totalmente injustificado. Nelson continuava sendo
Nelson, para Laughton.1596
Existia um temor justificado de que os franceses, que ocupavam parte da península
italiana, ameaçassem o Reino das Duas Sicílias. Além do mais, Maria Carolina, munida de

1594
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 125.
1595
Ibidem, p. 128.
1596
Ibidem, p. 129.
406

um ódio incontrolável pelos franceses, conseguiu convencer seu marido de que deveria
atacar primeiro os matadores de sua irmã. Nisso Nelson concordou, como sempre,
procurando a ação.1597 Emma participou daquela decisão de Nelson concordar com a
rainha, servindo como intermediária entre os dois. Para Mahan, o perigo dos franceses na
península não era nem tanto o perigo militar, mas o perigo de idéias revolucionárias, as
mesmas que derrubaram a monarquia na França em 1789.1598
Em outubro, Nelson suspendeu com seus navios para Malta, onde estabeleceu um
bloqueio naval, regressando novamente para Nápoles para apoiar o ataque napolitano
contra os franceses que ocupavam Roma. No dia 22 de novembro, um exército napolitano
atacou os franceses na direção de Roma, ao mesmo tempo em que Nelson, com seus navios,
atacou Livorno e tomou o porto, designando Troubridge como comandante local.1599
Com o avanço napolitano, os franceses sob o comando do general Championnet
evacuaram a cidade de Roma, fazendo com que Ferdinando lá entrasse triunfalmente. Logo
em seguida, os franceses contra-atacaram os napolitanos, que debandaram em completa
confusão. Os franceses, então, os perseguiram até Nápoles. Só havia uma atitude a tomar, o
abandono da cidade e o refúgio em Palermo na Sicília. Nelson já estava de volta à cidade
para apoiar a retirada da família real. A população não permitiria que seus reis
abandonassem a cidade e a deixasse a mercê dos franceses, assim foi organizada
secretamente a fuga da família real, com a coordenação da própria Lady Hamilton e
Nelson. Segundo Laughton, a participação de Lady Hamilton foi apenas de assumir a
função de intermediária entre Nelson e a própria rainha. Durante muitos anos, Emma
procurou demonstrar que ela foi a grande arquiteta da evacuação da família real de
Nápoles, sendo que, tanto a família real, como Nelson, foram apenas instrumentos de sua
vontade. A documentação posteriormente liberada, segundo Laughton, demonstrou que
realmente o papel de Emma foi apenas marginal.1600 Os navios britânicos seriam os vetores
nessa fuga. No final de dezembro, finalmente, em segredo, a família real fugiu de Nápoles a
bordo do Vanguard.

1597
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 388.
1598
Ibidem, p. 390.
1599
Ibidem, p. 393.
1600
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 130.
407

Durante o trânsito para Palermo, a força de Nelson foi atingida por forte tempestade e
o filho mais novo de Maria Carolina, de apenas seis anos de idade, entrou em convulsão e
em pouco tempo faleceu, nos braços de Emma, que tudo fêz para aliviar o sofrimento da
criança e de sua mãe, a rainha. Esse fato teve um profundo impacto em Nelson que
observou a coragem de Emma em situações de perigo1601. Estava totalmente apaixonado
por aquela mulher de outro homem.1602
Em Palermo, Nelson morou com os Hamilton, o que provocou rumores escandalosos
que logo chegaram à Inglaterra. Em uma carta a Saumarez, o capitão Ball disse que “estou
preocupado pelos muitos parágrafos que saíram nos jornais a respeito dele [Nelson] e Lady
Hamilton. Estou convencido que não existe nada impróprio entre eles, S.Exa [Nelson] não
falharia em ficar encantado com as suas [de Lady Hamilton] realizações e maneiras, que
são muito fascinantes”.1603
Apesar disso, o escândalo aumentou em Palermo, segundo Mahan. As jogatinas eram
freqüentes na casa dos Hamilton e, tanto Nelson como Emma, gastaram muitas libras nos
jogos de cartas. Todos na esquadra começaram a se preocupar com as atitudes do casal
Nelson e Emma, às vistas de seu marido, que parecia nada perceber. Troubridge, amigo
pessoal de Nelson, escreveu uma carta para seu comandante, chamando sua atenção para os
jogos de azar noturnos que varavam a noite e preocupavam seus amigos. Disse ele o
seguinte a Nelson:

Perdoe-me, meu Lorde, é a minha sincera estima pelo senhor que me faz
mencionar isso. Eu sei que o senhor não tem prazer em jogar a noite toda
o jogo de cartas; então por que sacrificar sua saúde, conforto, renda,
tranqüilidade, tudo, aos costumes de um país onde sua permanência não
pode ser longa ?...S.Exa é um desconhecido para metade do que ocorre e
da faladeira que isso ocasiona; se o senhor soubesse o que seus amigos
sentem pelo senhor, tenho certeza cortaria todas as festas noturnas...eu
imploro que V.Exa largue isso...é minha sincera estima que tenho pelo
senhor que me faz arriscar o seu desprazer.1604

1601
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 395.
1602
Emma atuou como a “mulher” na jornada do herói de Campbell e sua influência foi grande nas decisões
de Nelson.
1603
Ibidem, p. 396.
1604
Ibidem, p. 398.
408

Por detrás de toda essa preocupação de Troubridge estava o já escandaloso


relacionamento de Nelson com Lady Hamilton.
No dia 23 de janeiro de 1799, as forças francesas tomaram Nápoles e foi estabelecida
a República do Partenon, com apoio entusiasta de diversos jacobinos napolitanos, inclusive
o príncipe Caracciolo, que fora íntimo da família real e que se voltara para os franceses por
acreditar que a república seria a melhor forma de governo para Nápoles.
O rei de Nápoles designou, então, Nelson como comandante-em-chefe da esquadra
napolitana. Imediatamente Nelson convocou Troubridge e em março o designou para
bloquear o porto de Nápoles com quatro navios de linha e tomar o maior número possível
de ilhas que margeassem essa cidade. No mês seguinte, Salerno, Sorrento e Castellamare
caíram em poder do rei de Nápoles, sendo que as forças reais foram recebidas com alegria
pelas populações locais. A Ilha de Malta foi bloqueada e apenas uma guarnição francesa
permanecia em La Valleta. Aos poucos a influência francesa ia diminuindo e em breve a
cidade de Nápoles seria reconquistada e lá ocorreria um dos episódios mais controversos na
vida de Nelson, o caso Caracciolo.

6.3- O caso Caracciolo:

Os franceses ocupavam Nápoles desde 23 de janeiro e segundo Laughton muitos


napolitanos jacobinos, por motivos políticos ou mesmo por oportunismo, colaboraram com
os invasores e outros, incluindo oficiais que freqüentavam a corte das Duas Sicílias traíram
ou se venderam para as tropas de Bonaparte. Troubridge, que comandava a força
responsável pelo bloqueio da baía de Nápoles, ao aventar a possibilidade de capturar alguns
desses oficiais, considerou mais apropriado entregar esses militares a uma corte marcial
napolitana, no entanto como que antecipando a sentença, afirmou que “se isso for o caso
[ele mesmo julgar] deverei confirmar [a sentença] ? Minha mão não irá tremer ao assinar
meu nome [ na sentença]. Sem alguns exemplos, nada poderá ir bem”.1605
Enquanto ocorria o bloqueio em frente a Napoles, Nelson recebeu a informação de
que uma grande força naval francesa suspendera de Brest, se juntara a uma força espanhola

1605
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 132.
409

e entrara no Mediterrâneo. Acreditava que o objetivo francês era a retomada de Minorca.


Imediatamente determinou que os navios que bloqueavam Nápoles, assim como outros que
se encontravam em outros rincões do Mediterrâneo, se agreagassem a ele em Palermo. O
único navio que permaneceu defronte a Nápoles foi a fragata HMS Seahorse sob o
comando do capitão Edward Foote, com a determinação de prover apoio às forças reais
napolitanas que operavam próximo à cidade, sob o comando do cardeal Ruffo.
Nelson temia, também, um ataque à Sicília, no entanto acreditava que, enquanto
mantivesse uma força naval nesse local, os franceses não ousariam o forçamento de uma
batalha naval. Nelson continuava a sentir um rancor vigoroso contra os franceses. Dizia em
alto e bom som “abaixo, abaixo com os franceses ! Isso é minha oração constante ! Abaixo
com os amaldiçoados vilões franceses ! Meu sangue ferve ao falar sobre os franceses.
Detesto todos, monarquistas ou republicanos”.1606 Quanto aos jacobinos napolitanos que
colaboraram com os franceses, Nelson era, também, radical. Em carta a Troubridge
escreveu “avise-me quando algumas cabeças [de jacobinos] forem cortadas...somente isso
me confortará”.1607
Nelson continuava, entretanto com pensamentos depressivos e em carta a um amigo,
Alexander Davidson, declarou o seguinte:

Meu único desejo é afundar com honra ao túmulo e quando isso agradar a
Deus, vou me encontrar com a morte com um sorriso. Não que eu seja
insensível às homenagens e consideração que o rei e meu país delegarem
a mim, não mais que qualquer oficial poderia merecer; assim estou
pronto para deixar esse mundo de problemas e não invejar ninguém,
somente aqueles que estiverem em um terreno de seis pés por dois.1608

Nelson, segundo Mahan, estava depressivo em razão principalmente de seu


sentimento em relação a Emma. Acrescentava-se a isso a preocupação com os sucessos
franceses na península itálica e a ameaça à família real napolitana em Palermo. Os
franceses continuavam com uma poderosa força naval no Mediterrâneo, ainda sem ser
detectada.

1606
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 411.
1607
Idem.
1608
Ibidem, p. 412.
410

Com a formação de uma nova coalizão englobando a Rússia, Turquia, Áustria,


Portugal e Nápoles, a sorte das forças napolitanas começou a mudar. As tropas de Napoleão
começaram, então, a se retirar da península itálica, evacuando Nápoles, mantendo apenas o
castelo de Sant´Elmo e os castelos de Uovo e Nuovo com forças jacobinas rebeldes.
Imediatamente Nelson, depois de conversar com o rei, juntamente com Sir William e
Emma, se deslocou para Nápoles para apoiar as forças de Ruffo, que já ocupavam a cidade.
Pensava ele que talvez as forças navais francesas para lá se dirigissem e um encontro naval
se daria. Ao se aproximar de Nápoles, Nelson recebeu a informação de que Ruffo assinara
um armistício com os rebeldes jacobinos, com o aval de seu subordinado capitão Foote.
Para Nelson aquele ato de Ruffo foi considerado “infame”. Para ele os rebeldes eram
amotinados e deviam ser castigados com rigor. Ruffo assinou o armistício, prometendo
salvo-conduto para os rebeldes prisioneiros, que seriam embarcados em navios mercantes e
enviados à França1609. Para Nelson, Ruffo e Foote não tinham autoridade nem poder para
tomar tal decisão, assim declarou o armistício sem efeito e determinou que os rebeldes se
rendessem às forças navais britânicas, incondicionalmente.
Ruffo seguiu, então, para o navio de Nelson HMS Foudroyant e com o auxílio de Sir
William como tradutor, procurou demover Nelson de sua decisão, seguindo-se uma áspera
discussão, sem nenhum resultado para ele. Nelson não tinha nenhuma simpatia pelos
rebeldes, que considerava traidores do rei e amotinados, sujeitos a pena capital.
Um desses jacobinos que caiu prisioneiro foi o príncipe Francesco Caracciolo, um
comodoro na Marinha napolitana, de uma família de posses, bem relacionado na corte de
Nápoles e com seus colegas britânicos. Ele acompanhara os reis a Palermo, no entanto, ao
ser proclamado que suas propriedades seriam confiscadas pelos jacobinos, solicitou a
Ferdinando o seu retorno a Nápoles para negociar. As condições impostas a ele pelos
rebeldes foram se agregar ao grupo jacobino e lutar contra o rei. Caracciolo aceitou, o que o
tornou um traidor, segundo Laughton.1610 Ao pressentir que seria considerado culpado após
a capitulação, procurou fugir, mas foi capturado e enviado como prisioneiro ao Foudroyant.
Nelson, então, determinou ao comandante napolitano da fragata Minerve, capitão
conde Thurn, inimigo de Caracciolo, para estabelecer imediatamente uma corte marcial

1609
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 134.
1610
Ibidem, p. 137.
411

para julgá-lo, com alegações de traição e rebelião contra o rei. No dia 29 de junho às
0900hs foi iniciado o julgamento. Caracciolo alegou que foi obrigado a se agregar aos
jacobinos, o que não foi aceito pela corte. Às 1200hs a corte o sentenciou a morte por
enforcamento na própria fragata Minerve. Ao ser participado da decisão, Nelson
determinou o imediato cumprimento da pena. Caracciolo pediu clemência, o que não foi
aceita por Nelson1611. A noite, ele foi enforcado como um último ato de desonra, já que o
seu pedido para ser fuzilado, como era costume para os nobres, lhe foi negado por Nelson.
Seu corpo, por ordem de Nelson foi lançado ao mar.
Laughton considerou Caracciolo um traidor, um desertor e como tal deveria ser
tratado. Para esse historiador, as mentiras contadas por Robert Southey em sua biografia do
herói de Barham Thorpe1612 conspurcaram a imagem de Nelson. Foi dito por Southey que
Caracciolo era um homem velho de 70 anos de idade, o que não era verdade, pois ele só
tinha 47 anos de idade. Alegou Southey, também, que a corte foi ilegal e que Nelson era
apenas um joguete nas mãos da rainha e de Lady Hamilton que odiavam os jacobinos. Para
Laughton tudo isso era falso.1613Em relação a Lady Hamilton, Laughton disse que não
queria discutir a questão de sua moralidade, no entanto considerava que ela era gentil, e
mesmo que fosse sanguinária, ela não teve nenhum contato com Nelson durante esse
acontecimento. Para Laughton, Nelson considerava o motim e traição um ato passível de
pena capital e que a “conduta de Nelson nesse período estava longe de ser culpável e
desonrosa, uma ‘mancha em sua memória [conforme dito por Southey]1614´ ao contrário foi
honrada e meritória”.1615
Por sua vez, para Mahan Nelson agiu corretamente ao desqualificar o armistício1616.
No caso específico de Caracciolo, não existia dúvida de que ele tinha consciência de que
era um traidor e seu destino estava traçado. Nelson tinha autoridade para designar uma
corte marcial e podia estabelecer o cumprimento da pena imediatamente. Não existe
nenhuma prova de que Lady Hamilton o tenha influenciado nesse caso, embora reconheça
que talvez tenha sido contaminado, tanto pela rainha como por Emma, em seu horror aos

1611
Percebe-se nesse ato de Nelson a liderança por sanção segundo a teoria de Keegan.
1612
SOUTHEY, Robert. The Life of Nelson.v1 London: Cassell and Co, 1909.
1613
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 138.
1614
SOUTHEY, op.cit, p. 177.
1615
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 139.
1616
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 436.
412

insurgentes.1617 Nelson, para Mahan, agiu corretamente e certamente teria aprovado a


execução do almirante Byng na Guerra dos Sete Anos, mesmo que a covardia não tenha
sido provada1618. Qualquer ato que se afastava da correção de atitudes era, para ele, muito
sério. Basta lembrar a sua atitude nos motins de Spithead e Nore.
Assim percebe-se que, tanto Laughton como Mahan, concordaram com as
atitudes de Nelson no caso Caracciolo e consideraram o último um traidor e passível de ser
punido com a pena de morte, o que acabou ocorrendo.
Enquanto ocorriam esses atos, Lorde St. Vincent era sbstituído por Lorde Keith que
não era simpático a Nelson. Keith era escocês e possuia o título de barão. Era um almirante
com bom senso e frieza, que fizera uma carreira brilhante até ali. Nelson, já sentido com o
afastamento de Jervis, a ele escreveu o seguinte no dia 10 de junho:

Tivemos a notícia que o senhor está indo para casa. Isso nos atinge
fortemente e a mim em particular; tanto assim que tenho vontade de
retornar se isso efetivamente ocorrer. No entanto, para o bem de nosso
país, não nos abandone nesse sério momento. Não desejo detratar o
mérito de quem for o seu sucessor, mas levará tempo, que acredito a
guerra não dê para ser, de qualquer modo, um St. Vincent.1619

Em verdade, Nelson desejava ser nomeado comandante-em-chefe no lugar de Keith.


Acreditava que Keith, um vice-almirante, poderia substituir Lorde Bridport que era
comandante-em-chefe da Esquadra do Canal e que iria se retirar em breve, deixando assim
o caminho para sua nomeação no Mediterrâneo. Nelson, ainda contra-almirante da
Esquadra vermelha, acreditava que poderia ser promovido a vice-almirante azul e assim ser
designado para essa função, entretanto em razão de suas conexões escandalosas com
Emma, ou em razão de sua antiguidade ou mesmo suas rusgas com Keith, acabou não
sendo alçado a esse comando1620.
Logo ao assumir o comando, Lorde Keith determinou que Nelson seguisse
imediatamente para Minorca, com o propósito de defendê-la de um possível ataque da força
naval francesa que se encontrava no Mediterrâneo e ainda não fora localizada. Nelson

1617
Ibidem, p. 441.
1618
Ibidem, . 443.
1619
Carta de Horatio Lorde Nelson para Lorde St. Vincent a bordo do HMS Foudroyant em 10 de junho de
1799. Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Dispatches. op.cit p. 196.
1620
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 2.
413

recusou-se a cumprir a ordem, dizendo que a segurança da Sicília e de Nápoles requeria que
ele permanecesse aonde estava, fundeado na baía de Nápoles. Mais uma vez, Nelson
desobedecia a uma ordem superior frontalmente. Por duas vezes Keith repetiu a ordem para
Nelson defender Minorca e nas duas vezes Nelson recusou, dizendo inclusive que “penso
corretamente em não obedecer a ordem de V.Exa...eu tenho escrúpulos em decidir o que é
melhor para salvar o Reino de Nápoles e arriscar Minorca”.1621 Ao receber uma terceira
missiva de Keith mais enfática, Nelson resolveu designar o comodoro Duckworth com
quatro navios de linha de 74 canhões para seguir para Minorca, enquanto ele permanecia
com a maior parte dos navios na baía de Nápoles. Uma clara indisciplina e insubordinação.
Laughton foi enfático ao criticar a atitude de Nelson, pois a primeira preocupação de um
oficial era a obediência1622. Ele preferiu deliberadamente agir por sua própria conta a
obedecer as ordens de Keith. Laughton afirmou que não existia nenhuma evidência de que
Lady Hamilton o tenha influenciado nessa decisão infeliz, no entanto ele acreditou que a
segurança do Reino de Nápoles era uma preocupação de Nelson e nessa decisão a
influência de Emma foi enorme.1623 Laughton foi claro ao criticar essa postura de Nelson.
Mahan, da mesma forma que Laughton, criticou severamente a atitude de Nelson por sua
“injustificada desobediência”1624. Para o autor norte-americano seria impossivel conduzir
operações militares se o comandante-em-chefe fosse questionado e ameaçado por um
subordinado e parecia que Nelson desconhecia as circunstâncias das ordens de Keith e só
conhecia suas próprias circunstâncias. Para Mahan, Nelson só se preocupava com a família
real napolitana e seu destino, ligados a afeição de uma mulher em especial, Lady
Hamilton.1625 Uma crítica dura a Emma e sua influência sobre Nelson. Não cabia a Nelson,
disse Mahan, decidir o que era melhor para Minorca ou Nápoles, isso competia a Keith.1626
Nenhuma regra geral podia suplantar o princípio geral de obediência, no qual a unidade e
concentração de esforços, o grande objetivo do movimento militar, podia ser
conseguido.1627 Mahan não poupou Nelson nem Emma.

1621
Carta de Horatio Lorde Nelson para Lorde Keith a bordo do HMS Foudroyant em 19 de julho de 1799.
Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Dispatches. op.cit p. 205.
1622
LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 140.
1623
Ibidem, p. 141.
1624
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 446.
1625
Ibidem, p. 450.
1626
Idem.
1627
Ibidem, p. 453.
414

Keith conseguiu localizar a força francesa e iniciou uma perseguição que o levou para
o Atlântico até o porto de Brest, onde a força inimiga fundeou e talvez por isso não tenha
tomado uma atitude mais enérgica contra Nelson, de todo modo Lorde Spencer, Primeiro
Lorde do Almirantado, enviou uma carta censura contra a atitude de Nelson em não
obedecer Lorde Keith. A situação de Nelson no Mediterraneo ficou difícil. Por seus
serviços, no entanto, o rei das Duas Sicílias o elevou a duque com o título de duque de
Bronte, doando para Nelson uma área na Sícilia que lhe daria um retorno de cerca de três
mil libras anuais1628.
Enquanto isso ocorria, Napoleão conseguiu transportar seus 16 mil homens do Egito
para a França, para grande desgosto de Nelson. Nenhum navio britânico percebeu a fuga
dessas tropas do Egito. Nelson dera determinações explícitas de que não permitiria que
qualquer francês saísse do Egito, sem ser prisioneiro de guerra.1629
Em dezembro de 1799, Keith regressou ao Mediterrâneo. Determinou, então, que
Nelson instituísse uma patrulha próxima a Malta, na direção sudeste, no entanto, o último
considerou que a melhor posição seria a nordeste, em uma clara contestação a seu
comandante. No dia 18 de fevereiro de 1800, a força subordinada a Nelson avistou um dos
poucos navios franceses que havia escapado do Nilo, o navio de linha Genereux, com três
corvetas e um transporte. Depois de um breve combate, no qual se destacou a fragata
britânica HMS Success do capitão Peard, o Genereux foi capturado, para alegria de Nelson.
Keith, imediatamente, enviou congratulações a ele, no entanto, como sempre, Nelson
creditou essa captura a sua posição, que efetivamente não era a determinada por Keith.
Nelson atribuiu o seu sucesso a sua experiência de sete anos na área.1630 Pouco antes do
natal, Keith determinou que Nelson assumisse o bloqueio de Malta. Nelson, em resposta a
ele, comentou que em razão de sua má saúde desejava passar o comando a outro oficial e
seguir para Palermo para ser atendido por seus amigos Hamilton. Para Laughton sua
decisão foi baseada por sua paixão por Lady Hamilton e não queria ficar longe dela1631,
além disso, pensava em se afastar do serviço, por ter sido preterido por Keith. Em 26 de
fevereiro de 1800 escreveu para seu amigo Lorde Minto, agora embaixador em Viena,

1628
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit. p. 153.
1629
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 16.
1630
Ibidem, p. 27.
1631
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 144.
415

dizendo que “tenho sérios pensamentos em abandonar o serviço ativo. O Hospital de


Greenwich parece um local ideal para mim, após ter sido evidentemente preterido para
comandar o Mediterrâneo”.1632
Seus oficiais, em especial Troubridge, rogaram a Nelson que não deixasse o comando
e permanecesse na estação, pois isso acarretaria consequêncais imprevisíveis para sua
carreira e reputação. Apesar desse pedido, o amor por Emma foi mais forte e ele passou o
comando para Troubridge e seguiu no Foudroyant para Palermo. Em lá chegando no dia 16
de março, passou seu pavilhão para um transporte e determinou que Berry no Foudroyant
voltasse para a posição de bloqueio em frente a Malta. Como sempre, a sorte acompanha os
líderes e ela não abandonou Nelson, pois logo depois de chegar a posição, o Foudroyant se
agregou ao Lion e Penélope e conseguiu capturar o último navio de linha francês que
sobrevivera ao Nilo, o Guillaume Tell. Mahan não desculpou Nelson pelo abandono de sua
posição, afirmando que “não era apropriado que o comandante de uma divisão estivesse
afastado de seu comando, quando eventos importantes ocorressem”.1633 Laughton, da
mesma forma criticou veementemente a atitude de Nelson dizendo que “era impossível para
o Almirantado tolerar essa pobre conduta, mesmo provindo do vencedor do Nilo. Qualquer
outro oficial com menos crédito e gratidão nacional teria sido sumariamente demitido”.1634
Nelson, como sempre, escreveu para Berry o felicitando pela captura do Guillaume Tell.1635
Lorde Spencer enviou-lhe uma carta delicada na qual pedia que ele voltasse para a
Inglaterra para tratar-se e que seria inconveniente que ele permanecesse em Palermo, em
uma clara admoestação de sua conduta.1636 Seu próprio amigo, Lorde Minto, diria que era
“difícil condenar e pensar mal de um herói...por ser tolo a respeito de uma mulher que tem
arte o suficiente para fazer tolos outros mais espertos que um almirante...ele em muitos
pontos é um grande homem, em outros um bebê”.1637
Nelson queria seguir no Foudroyant para à Inglaterra com o casal Hamilton, já que
Sir William fora exonerado da função de embaixador em Nápoles, no entanto Keith não

1632
Carta de Horatio Lorde Nelson para Lorde Minto a bordo do HMS Foudroyant escrita em 26 de fevereiro
de 1800.Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Dispatches. op.cit p. 235.
1633
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 32.
1634
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 147.
1635
Nelson atendeu ao imperativo de prescrição, segundo Keegan, fato corrente em sua carreira, ao
cumprimentar o subordinado capitão Berry por sua ação.
1636
Idem.
1637
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 34.
416

autorizou o afastamento desse importante navio do Mediterrâneo. Keith, em sua última


correspondência com Nelson, disse que “quando a saúde de um homem é levada em
consideração, há um fim em tudo, e eu designarei a primeira fragata que puder”1638.Emma
não queria seguir em um navio tão pequeno, assim Nelson, juntamente com Emma e Sir
William, decidiu seguir por terra para à Inglaterra. Para Laughton esse caso era
escandaloso, no entanto não era só o amor que conduzia o herói inglês, mas também a má
saúde agravada pelo pancada na cabeça que tivera no Nilo, que fêz com que agisse dessa
forma. Laughton procurava sempre não imputar somente a Emma as decisões equivocadas
de Nelson.
Por fim, Nelson com o casal Hamilton, resolveu viajar por terra à Inglaterra.
Seguiram, então, para Livorno, Ancona e Trieste. Tanto Nelson como Sir William não
passaram bem nessa travessia. De Trieste seguiram para Viena, onde permaneceram alguns
dias. Foram recebidos com grande distinção pela população vienense, em razão da vitória
de Nelson sobre os franceses. Em Viena eles foram recebidos pelo príncipe Esterhazy e
muitos cortesãos, inclusive por Lady Minto, esposa de Lorde Minto, embaixador britânico
na corte vienense e amigo de Nelson. Naquela oportunidade, Joseph Haydn apresentou a
Missa Nelson em homenagem ao herói do Nilo. A conexão com o almirante foi por que
Haydn a compôs após a vitória em Aboukir contra Napoleão, uma homenagem a Lorde
Nelson. Lady Minto, comentando sobre Nelson e Emma disse que “[Nelson] é devotado a
Emma, ele pensa que ela é um anjo, e fala dela em sua frente e por trás e ela o leva como
um domador de urso. Ela [Emma] senta a seu lado no jantar, corta a sua carne e ele carrega
o lenço dela”.1639
De Viena seguiram para Praga, onde foram recebidos com pompa pelo arquiduque
Carlos. Depois foram para Dresden. Nessa cidade foram recepcionados pelo embaixador
inglês Hugh Eliott, irmão de Lorde Minto. Uma das convidadas ao jantar disse que “Lady
Hamilton se apoderou dele [Nelson] e ele é um prisioneiro feliz, o mais submisso e
devotado que conheci”.1640 Nessa cidade a eleitora, em razão da vida dissoluta de Emma no
passado, se recusou a recebê-la oficialmente, o que provocou a reação de Nelson que não
aceitou um convite para uma visita protocolar em sua homenagem.

1638
Ibidem, p. 35.
1639
Ibidem, p. 41.
1640
Ibidem, p. 44. Trata-se da senhora St George uma viúva irlandesa que morava em Dresden.
417

De Dresden seguiram para Hamburgo, onde pegaram um navio para Yarmouth, lá


chegando no dia 6 de novembro de 1800. Em breve, Nelson se veria em frente a Frances. A
sociedade londrina já discutia o escândalo o envolvendo com Lady Hamilton.

6.4 – O caminho para Copenhagen:

Nelson foi recebido entusiasticamente na Inglaterra pela população, no entanto


Frances não se dirigiu a Yarmouth para recebê-lo, preferindo permanecer em Londres, um
sinal de que o escândalo já chegara a seus ouvidos. Dois dias depois, acabaram se
encontrando em Londres. Ela foi extremamente fria na recepção1641. Ela, afinal, era uma
mulher humilhada, no entanto Laughton imputou muito da atitude de Nelson em relação a
ela, à sua própria culpa. Nelson conquistara fama e glória. Ele estivera ferido, no entanto
Lady Nelson se contentou em apenas escrever cartas contidas e permanecer na Inglaterra.
Muitos de seus defensores apontaram que ela tinha uma obrigação com o pai de Nelson, já
que ela cuidava de seu bem-estar. Para Laughton isso não se justificava, pois Edmund
Nelson tinha filhas e nora que deveriam estar cuidando dele. O lugar de Frances, para
Laughton, era ao lado do marido e não ao lado de Edmund. Sabendo ela da vaidade de
Nelson e o deixando aos cuidados de uma gentil, bela e fascinante mulher como Emma,
enquanto lhe enviava elegantes frases em cartas, era digna de culpa. Além disso, a conduta
de seu filho Josiah Nisbet na RN era abaixo da crítica. Ele, com auxílio de Nelson, subira
rapidamente de midshipman para capitão, no entanto suas atitudes eram rudes,
intemperadas, tendentes a bebida e grosseiras. Como seu pai morrera insano, já se
acreditava que aqueles vícios de Josiah eram hereditários. St Vincent, em razão de sua
admiração por Nelson, o perdoara diversas vezes. Frances, por ser mãe, era cega a todos
esses defeitos de seu filho1642. As discussões entre Nelson e Frances tornaram-se freqüentes
a respeito da conduta de Josiah e isso fêz com que Nelson já estivesse se afastando aos
poucos de Frances. Laughton, embora reconhecendo o papel de Emma na separação de
Nelson com Frances, procurou justificar o herói imputanto a ela parte da responsabilidade
pelo rompimento que se deu no dia 13 de janeiro de 1801. Em uma dessas discussões,

1641
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 152.
1642
Ibidem, p. 153.
418

Laughton mencionou que Nelson vagou tarde da noite em um estado de completo


desespero e de repente se viu na casa de Sir William na Grovernor Square e lá foi colocado
na cama, em razão de sua agonia. Sir William persuadiu-o a procurar a alegria em sua vida
profissional, uma vez que não tinha satisfação em sua vida conjugal.1643
Data desse período, 29 de janeiro, o nascimento de sua filha Horatia com Emma. As
circunstâncias desse nascimento foram mantidas em segredo. Na correspondência entre
Nelson e Emma, de modo a esconder a existência de Horatia, eles se dirigiam um ao outro
com outros nomes. Nelson passou a ser o senhor Thompson, como se fosse um marinheiro
a ele subordinado e Emma como senhora Thompson que ficara na Inglaterra. Os dois
serviam como intermediários entre esses dois personagens. Para Laughton houve, inclusive,
muita confusão de personagens nas cartas trocadas entre os dois.1644 O propósito era
exatamente esconder o relacionamento adúltero entre os dois e a existência de uma filha
nascida desse relacionamento. As cartas que chegaram até os dias de Laughton e Mahan
foram as preservadas por Emma, já que Nelson destruiu todas as cartas que lhe foram
enviadas por ela, de modo a que não caíssem em mãos alheias. Ele chegou a pedir
formalmente a Emma que destruísse as missivas dizendo “eu queimo todas as suas queridas
cartas por que é o certo para o seu bem e desejo que você queime todas as minhas”.1645
Sabe-se então desse artifício de nomes pelas cartas preservadas por Emma.
Mahan, por sua vez, procurou defender Frances, ao dizer que ela queria reconquistar o
seu marido, no entanto sua tática perante Emma foi deficiente. Nelson acreditava poder
manter seu relacionamento adúltero com Emma, sob os olhares aquiescentes de Frances, o
que aconteceu na corte napolitana1646. Lady Nelson não aceitaria tal situação, ponderou
Mahan. O historiador norte-americano relatou um fato ocorrido no teatro, alguns dias
depois da chegada de Nelson à Inglaterra, para demonstrar a tristeza de Lady Nelson com a
postura de seu marido. Encontravam-se em um camarote Nelson, Frances, Emma e seu
marido. Durante todo o espetáculo Nelson foi só atenção com Emma, deixando Frances de
lado e sem qualquer apoio. Isso foi de tal forma humilhante que Lady Nelson perdeu os

1643
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 180.
1644
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 155.
1645
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 185.
1646
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 48.
419

sentidos e teve que ser amparada1647. Os mexericos se transformaram em escândalo na


sociedade inglesa. Uma grande amiga e admiradora de Nelson, Lady Spencer, mulher do
Primeiro Lorde do Almirantado, o tratou com frieza e distância em razão de sua atitude
infamante com Emma.1648
Por onde Nelson andasse naquele período, ele era ovacionado como o maior herói da
GB pela população em geral, no entanto sua recepção na corte de Jorge III foi fria. Em sua
apresentação ao rei, Jorge III apenas o cumprimentou e logo se dirigiu ao general que
estava a seu lado, conversando animadamente com o último por 30 minutos, ignorando a
existência de Nelson. Jorge III já estava contaminado pelo comportamento indecoroso de
Nelson em sua relação a mulher de Sir William, seu amigo de longa data. A rainha nem ao
menos o cumprimentou. A moralidade era importante para os soberanos ingleses1649. Um
dos membros da corte, Sir William Hotham, diria posteriormente que “sua conduta [de
Nelson] em relação a Lady Nelson foi o extremo de sua injustificada fraqueza, por que
deveria, pelo menos, tentar esconder sua enfermidade, sem publicamente magoar os
sentimentos de uma mulher [Frances] cuja conduta ele sabia ser irrepreensível”.1650 A
postura de Nelson foi criticada por Mahan. Pela primeira vez em sua biografia, Mahan
apontou a existência do diário de Lady Hamilton que foi publicado em 18151651. Nela
Emma procurou justificar sua conduta em seu relacionamento com Nelson. Mahan apontou
o fato gerador do rompimento definitivo entre Nelson e Frances. Estando ambos tomando
café da manhã, Nelson só falava de Emma. Frances, cansada de ouvir o nome de Emma
continuamente em sua casa, explodiu dizendo que estava cansada de ouvir o seu nome todo
o tempo. Deu assim um ultimato a Nelson, ou ela ou Emma. Calmamente Nelson disse
“cuidado Fanny com o que diz. Eu a amo sinceramente, mas não posso esquecer minhas
obrigações com Lady Hamilton ou falar dela de outro modo que afeto e admiração”1652.
Levantou-se e a partir daí separaram-se formalmente.
Mahan, ao contrário de Laughton, defendeu Lady Nelson veementemente. Lady
Nelson, apesar de humilhada e menosprezada por ele, sempre falou com carinho e

1647
Idem.
1648
Ibidem, p. 49.
1649
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 171.
1650
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 50.
1651
LONG, W.H. Memoirs of Emma, Lady Hamilton. The Friend of Lord Nelson and the court of Naples.
New York: P.F. Collier, 1910.
1652
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 53.
420

admiração de seu herói. Procurou, até o final de sua vida, justificar suas atitudes,
demonstrando superioridade e resignação. Mahan diria que “a conduta de Lady Nelson não
foi somente afetiva, inteligente e prudente, mas admirável durante toda a sua vida de casada
e sem nenhuma crítica a ela”. Viria a falecer em 1831, perdoando todas as atitudes de
Nelson.1653 Mahan apontou que Nelson não apenas enganou Frances, mas também seu
grande amigo Sir William e isso, para um herói reconhecido como ele, passou a ser
comprometedor.
Imediatamente Nelson se apresentou para o serviço e foi designado para servir sob as
ordens do almirante Sir Hyde Parker, comandante-em-chefe da Esquadra do Báltico.1654 Sir
Hyde era um oficial general genioso, cujo apelido na RN era ‘Parker Vinagre’1655, no
entanto sua bravura era reconhecida e sua incapacidade de se adaptar a novas idéias era a
sua marca1656.
O pavilhão de Nelson foi içado no HMS St George, como segundo-comandante de Sir
Hyde, sendo promovido a vice-almirante da Esquadra Azul1657. Sua recepção por Sir Hyde
foi fria e distante, o que o deixou magoado.1658
A situação no Báltico estava se complicando para a GB. A determinação britânica de
controlar o comércio dos neutros nessa área, declarando que muitos dos transportes lá
circulando levavam contrabando para a França, trouxe grandes ressentimentos à Suécia,
Dinamarca e Rússia. Aproveitando-se dessa situação, Napoleão se prontificou a ceder
Malta à última e liberar seis mil prisioneiros russos em seu poder. Em razão dessas
confabulações, o czar Paulo reviveu a chamada Neutralidade Armada junto com a Suécia e
Dinamarca em 16 de dezembro de 18001659. O propósito desse pacto era resistir a inspeção
de navios da RN que procuravam contrabando. Os britânicos conquistaram, logo depois,
Malta, o que provocou uma retaliação russa ao confiscar 300 navios mercantes britânicos,
aprisionando suas tripulações até que a GB lhe cedesse Malta. Em seguida, a Prússia se

1653
Ibidem, p. 55.
1654
Ver seção 2.2, capitulo 2.
1655
Em inglês ‘Vinegar Parker’.
1656
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 187.
1657
Ver Tabela 2.
1658
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 66.
1659
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 173.
421

agregou a esse pacto, desafiando a RN nessa importante região. Importante mencionar que
não existia formalmente um estado de guerra entre a GB e esses países.1660
Imediatamente Sir Hyde recebeu ordens de deslocar sua esquadra com 15 navios de
linha, além de fragatas, chalupas, brigues e outros navios menores para o Báltico,
bloqueando Copenhagen, para em seguida seguir para Reval para atacar o esquadrão russo
lá localizado, prosseguindo então para Cronstadt para “atacar, capturar ou destruir qualquer
navio pertencente à Rússia”.1661 A idéia era forçar a saída da Dinamarca do bloco, se as
negociações se tornassem infrutíferas. Nelson demandou a imediata ação de Sir Hyde sem
perda de tempo. Dessa maneira, a força de Sir Hyde suspendeu com destino a Copenhagen
no dia 12 de março de 1801. Em carta para Emma, Nelson disse que “será o primeiro se
viver e você dividirá toda a ‘sua’1662 glória. Assim será minha realização, me distinguir para
que seu coração pule de alegria quando meu nome for citado”1663. Diria posteriormente que
detestava homens que usavam tinta e canetas, sendo os melhores negociadores da GB na
Europa os seus navios de guerra.1664
Os britânicos enviaram um negociador para convencer os dinamarqueses a
abandonarem a coalizão dentro de 48 horas, antes da chegada da força de Sir Hyde. Sua
missão fracassou, o que era esperado por Nelson. No dia 20 de março os navios britânicos
fundearam a 18 milhas de Copenhagen e começaram a se preparar para a ação.
A cada dia perdido, significava que os dinamarqueses tornavam-se mais fortes. A
cidade de Copenhagen possuía duas entradas bem distintas, uma ao norte, protegida pelas
baterias Crown, com diversos canhões que exporiam os navios britânicos a uma fuzilaria
devastadora e uma entrada pelo sul cuja navegação era mais difícil em razão dos baixios,
mas que possibilitava evitar as baterias e obter alguma surpresa, uma vez que os navios de
guerra dinamarqueses encontravam-se fundeados quase em frente à cidade de Copenhagen.
Como era de seu feitio, Nelson imediatamente enviou uma carta a Sir Hyde propondo o seu
plano de ataque pelo sul, afirmando o seguinte:

1660
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 63.
1661
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 157.
1662
Nelson utilizou nessa carta “of all his glory” denotando que se referia a 3a pessoa que era ele próprio.
1663
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 68.
1664
Ibidem, p. 69.
422

Tenho convicção de que nenhum momento deve ser perdido em atacar o


inimigo; eles [os dinamarqueses] ficarão mais poderosos a cada
dia...minha única consideração é como chegar a eles, arriscando o menos
possível nossos navios...dessa forma aqui está V.Exa com toda a
segurança, certamente com a honra da Inglaterra em suas mãos, como
nunca houve para qualquer oficial britânico. De sua decisão depende se
nosso país será degradado aos olhos da Europa ou se levantará a cabeça
para cima em qualquer oportunidade; novamente repito, nunca nosso país
dependeu tanto do sucesso da esquadra nessa situação...apoiando V.Exa
meu caro Sir Hyde, através dessa árdua e importante tarefa que lhe foi
confiada, nenhum esforço mental ou de coração ficará devendo de seu
mais obediente e fiel servidor...Nelson e Bronte.1665

A idéia de Nelson era investir inicialmente pelo norte, desbordar uma grande banco
de areia, o Middle Ground, localizado em frente a Copenhagen e subir o canal pelo sul para
surpreender os dinamarqueses. Para tanto, solicitou a Sir Hyde a cessão de dez navios de
linha. Sir Hyde concordou com o plano e cedeu 12 navios.
Durante a noite do dia 31 de março, a fragata Amazon sob o comando do capitão
Edward Riou sondou o canal sul para encontrar um caminho seguro por essa entrada, uma
vez que todas as bóias marcadoras de canal foram retiradas pelos dinamarqueses. Na manhã
do dia seguinte, os navios avançaram para um fundeadouro a cerca de seis milhas ao norte
de Copenhagen, onde Sir Hyde ancorou seus navios. Nelson com os seus 12 navios
prosseguiu, desbordando o Middle Ground fundeando ao sul, aguardando ventos favoráveis
para investir e procurar engajar a esquadra inimiga.
Na noite do dia 1 de abril, Nelson ofereceu um jantar a seus comandantes e estava
confiante com a operação que ocorreria no dia seguinte. Nesse jantar estavam seus mais
chegados comandantes, capitães Foley, Hardy, Fremantle, Riou, Inman e o contra-almirante
Thomas Graves, seu sub-comandante. Todos estavam alegres e beberam em homenagem a
RN e ao sucesso1666. O plano de ataque foi discutido e aprovado por todos que lá se
encontravam.

1665
Carta de Horatio Lorde Nelson para Sir Hyde Parker escrita a bordo do HMS Elephant em 24 de março de
1801. Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Dispatches. op.cit p. 248.
1666
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 83.
423

Figura 5 – Posições na batalha naval de Copenhagen. Fonte: MAHAN, Alfred Thayer. The
Life of Nelson. v2, op.cit, p. 84.

No dia 2 de abril, pela manhã, as condições estavam favoráveis e Nelson determinou


que seus navios investissem o canal sul em linha de coluna, guiados pelo mestre do HMS
Bellona. O primeiro navio na coluna foi o HMS Edgar, seguido do seu antigo navio
Agamemnon. Ao começar a evolução de sua força, três navios ficaram encalhados o
próprio Bellona, o Agamemnon e o Russell. Os outros nove passaram incólumes e
fundearam em frente a esquadra dinamarquesa. Às dez horas da manhã o bombardeio
começou. A distância entre as duas colunas era de apenas 200 jardas1667. O navio de Nelson
o Elephant estava localizado no meio da coluna britânica, em frente ao capitânea inimigo o
Dannebrog.1668Existiam cerca de vinte navios inimigos entre navios de linha e baterias
flutuantes.1669
À uma hora da tarde o combate já era desesperado e nenhum navio dinamarquês fora
silenciado, enquanto dois navios de Nelson, o Bellona e o Russell estavam em dificuldades.
A bordo do Elephant um tiro de canhão acertou o mastro principal e espalhou farpas de
madeira em volta de Nelson que poderiam feri-lo ou mesmo matá-lo. Sem perder a
fleugma, Nelson virou para o coronel William Stewart que era do exército e estava como
ligação com sua força, e disse: “lembre-se disso, eu não gostaria de estar em qualquer outro
1667
Cerca de 180 metros. Ver Figura 5.
1668
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 160.
1669
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 85.
424

lugar além daqui”.1670 Sir Hyde tudo assistia à distância e vendo a situação se deteriorar,
determinou que Nelson retirasse os seus navios da área e abandonasse a ação. Ao ver o
sinal de recuar içado no navio de Sir Hyde, Nelson falou para o comandante do Elephant ,
capitão Foley o seguinte: “que eu seja condenado se assim proceder ! Você sabe Foley, eu
tenho o direito de ficar cego algumas vezes”. Pegou então a luneta e a colocou no seu olho
cego direito e disse “eu realmente não vejo o sinal”.1671 E assim o combate prosseguiu por
mais uma hora. Às duas horas da tarde, os navios inimigos começaram a cessar o fogo de
artilharia, em razão do grande número de mortos e feridos em seus conveses. O Dannebrog
pegou fogo e explodiu, matando todos os seus feridos que não foram evacuados. As baixas
dinamarquesas cresciam rapidamente, assim como as próprias perdas britânicas. Nelson
vendo que a matança iria prosseguir sem sentido, enviou uma carta ao príncipe
dinamarquês por meio do capitão Frederick Thesiger de seu estado-maior e fluente na
língua dinamarquesa. Nela Nelson solicitava um armistício dizendo o seguinte:

Lorde Nelson tem a intenção de poupar a Dinamarca que não resistirá


mais; mas se o fogo continuar da parte dinamarquesa, Lorde Nelson será
obrigado a destruir todas as baterias flutuantes [navios e pontões
artilhados] que foram tomadas, sem ter o poder de salvar os bravos
dinamarqueses que as defenderam. Nelson e Bronte vice-almirante, sob o
comando do almirante Sir Hyde Parker1672.

O príncipe aceitou os termos da carta e foi estabelecido um armistício que


efetivamente retirou a Dinamarca da aliança com a Rússia. Laughton afirmou que muitos
historiadores sugeriram que essa carta de Nelson não tinha o propósito de evitar maiores
baixas nos dinamarqueses, mas apenas de compor uma saída honrosa da força sob o seu
comando, que estava, também, sofrendo muitas mortes, inclusive de dois de seus
comandantes, os capitães Riou do Amazon e Mosse do Monarch.1673 Laughton acreditou
que Nelson queria mesmo evitar o banho de sangue que estava ocorrendo no lado inimigo e
sua ação foi humanitária, inclusive por que nas primeiras horas do armistício ele não retirou
1670
Ibidem, p. 90. A frase em inglês dita por Nelson foi “mark you, I would not be elsewhere for thousands”.
Pela sexta vez Nelson se defrontou com a morte, cumprindo mais uma etapa da jornada do herói de Cambell.
1671
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 160. Em inglês Nelson disse o seguinte “damn me, if I do.
You know Foley I have a right to be blind sometimes. I really do not see the signal”.
1672
Carta de Horatio Lorde Nelson para o Crown Prince escrita do HMS Elephant em 2 de abril de 1801.
Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Dispatches. op.cit p. 257.
1673
Ambos tiveram um monumento erguido na catedral de St Paul em Londres em suas homenagens. Fonte:
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 165.
425

seus navios da posição em que se encontravam. Estava efetivamente terminada a batalha de


Copenhagen com mais uma vitória de Nelson.
Mahan, por seu lado, bem mais inclinado a elogiar seu herói que Laughton, disse que
não era somente a superioridade de julgamento ou a qualidade combatente que Nelson
possuía em relação a Sir Hyde. Era a sua característica moral que lhe permitia fechar os
olhos para o perigo e dúvidas em torno do único caminho para se obter o sucesso e assim
salvar a sua força da derrota1674. Para o historiador norte-americano, a vitória de Nelson em
Copenhagen foi a mais importante até aquele momento e foi o confronto mais crítico no
qual se engajou.1675
As notícias da vitória chegaram a Londres no dia 15 de abril e as duas câmaras
passaram moções de agradecimento a Sir Hyde, a Nelson, ao almirante Graves e a todos os
oficiais e praças da esquadra, no entanto nenhuma medalha foi cunhada pelo sucesso, nem
houve um voto de cumprimentos da cidade de Londres, fatos que deixaram Nelson muito
aborrecido1676, fazendo-o escrever cartas de reclamação a Lorde St Vincent e ao Lorde
Mayor de Londres1677.
Naquele mês de abril, os britânicos receberam a notícia de que o czar Paulo havia sido
assassinado e as ordens para atacar os russos foram suspensas, aguardando-se definição do
novo czar Alexandre sobre os próximos passos da Rússia. Enquanto isso ocorria, Sir Hyde
foi exonerado da Esquadra do Báltico, sendo substituído por Nelson. No dia 7 de maio, já à
frente da esquadra, Nelson suspendeu com 11 navios de linha em direção a base russa de
Revel, onde procuraria forçar a força naval russa a uma decisão. Para sua decepção,
nenhum navio russo estava lá localizado. A esquadra russa havia suspendido alguns dias
antes para Cronstadt1678. Nelson, preocupado em ficar preso pelo gelo flutuante, retornou
para Copenhagen. Alexandre, ao contrário da política de seu pai, resolveu dissolver a
Neutralidade Armada e afastar o fantasma da guerra entre a Rússia e a GB.

1674
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 93.
1675
Ibidem, p. 98.
1676
Nelson não concordava com a omissão do governo em relação aos seus subordinados, assim acreditava
que eles deveriam ser recompensados pelos sacrifícios, atendendo o imperativo de liderança tipo prescrição.
1677
Correspondente a prefeito de Londres.
1678
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 166.
426

O coronel Stewart, que estava servindo no estado-maior de Nelson, fêz um relato


interessante sobre a rotina de Nelson naquele período de operações no Báltico. Disse
Stewart o seguinte:

Sua hora de acordar era às quatro ou cinco horas da manhã e de dormir às


vinte e duas horas; o café da manhã nunca era depois de seis horas e
geralmente perto de cinco horas. Um midshipman ou dois estavam
sempre presentes; e sei que ele [Nelson] chamava o pessoal de serviço de
00-04 horas para o café da manhã. Na mesa com eles ele gostava de
contar piadas e ser jovial com esse grupo. No jantar convidava a cada vez
um oficial do navio e era polido e hospitaleiro para com ele.1679

Enquanto isso ocorria, Nelson alegou doença e mágoa com a morte repentina de seu
irmão Maurice, imediatamente solicitando a Lorde St Vincent, Primeiro Lorde do
Almirantado, sua substituição. Lorde St Vincent concordou com o seu pedido e designou o
vice-almirante Sir Charles Pole para assumir a Esquadra do Báltico. Em sua despedida,
Nelson agradeceu o apoio e a dedicação dos oficiais e praças que lutaram em Copenhagen e
pela “perfeita disciplina e alegre obediência de cada componente [da esquadra]”.1680 Logo
em seguida embarcou no brigue Kite e seguiu para a Inglaterra, onde chegou no dia 1 de
julho de 1801. Emma estava em sua cabeça e logo se encontraria com ela. Para Mahan,
qualquer que tenha sido a ligação de Emma com Nelson, a sua melhor chance para o futuro
era sua constância e que eventualmente ‘ela se casaria com ele’, além disso, a morte de Sir
William não estaria longe e o desejo de união de ambos estaria realizada1681.
Em agosto, Nelson foi elevado no pariato a visconde assumindo o título de visconde
Nelson do Nilo e Burham Thorpe, ao mesmo tempo em que foi designado por Lorde St.
Vincent para comandar um grupo expressivo de fragatas, brigues e pequenas embarcações
na defesa da costa inglesa entre Orfordness e Beachy Head contra uma propalada invasão
francesa1682. Esse comando seria independente do almirante Lutwidge, oficial general mais
antigo presente, que fora comandante de Nelson.1683

1679
Diário do Coronel William Stewart sobre a campanha de Copenhagen em abril e maio de 1801. Fonte:
LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Dispatches. op.cit p. 277.
1680
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 168.
1681
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 116.
1682
Esse comando foi chamado de “Squadron on a Particular Service”. Fonte: MAHAN, Alfred Thayer. The
Life of Nelson.v2 op.cit. p. 133.
1683
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 169.
427

Ao assumir o comando, Nelson, imediatamente, preparou um memorando com suas


idéias sobre a defesa dessa região. Acreditava que o objetivo dos franceses era Londres
com um desembarque na costa de Essex ou Suffolk com cerca de 40.000 homens, sendo
que esse grande exército estaria sendo reunido em Boulogne, Calais e Havre.1684 Londres
sendo o objetivo, o rio Tâmisa seria um dos caminhos. A idéia era atacar a força inimiga,
logo que ela tocasse a costa britânica, com uma flotilha de navios menores e por tropas em
terra.1685 Conforme o tempo foi passando, Nelson percebeu que essa ameaça era infundada.
Ao invés de esperar qualquer ação francesa, Nelson resolveu tomar a iniciativa e planejou
um ataque a Boulogne com sua força. Sua idéia era atacar os navios franceses lá localizados
durante a noite de 15 para 16 de agosto.
O ataque, em razão da forte corrente local, se processou em vagas, o que diminuiu o
ímpeto do ataque e os franceses se defenderam eficientemente, sob o comando do almirante
La Touche Treville. O desastre se abateu sobre os britânicos, que foram repelidos com
grande número de baixas. Segundo Laughton, sua vaidade, inflada com os sucessos, esteve
ausente nessa hora de infortúnio.1686 Em verdade, Nelson trouxe para si toda a
responsabilidade pelo fracasso1687. Disse ele que “a mais espetacular bravura foi
demonstrada por muitos de nossos oficiais e praças...nenhuma pessoa pode ser culpada por
mandá-los ao ataque, a não ser eu mesmo...todos se comportaram bem”.1688 Um fato
particularmente o afetou: a morte do mestre e comandante Edward Parker, seu auxiliar
direto, atingido por tiros de mosquete. Em quase todas as cartas enviadas a Emma, Nelson
falara desse jovem oficial com grande admiração e sua morte o deixou arrasado. Em uma
de suas cartas disse que “temo que sua morte tenha feito uma ferida em meu coração que o
tempo dificilmente curará. Mas Deus é bom e todos nós um dia morreremos”.1689
St Vincent não procurou culpar Nelson pelo fracasso, muito pelo contrário. Em carta a
Nelson disse que “não nos foi dado o sucesso. V.Exa e seus galantes oficiais e marinheiros
muito certamente merecem-na. Não posso me expressar suficientemente pela admiração

1684
Ibidem, p. 170.
1685
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 128.
1686
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 173.
1687
Nelson com essa atitude atendeu o imperativo de liderança do tipo exemplo, ao trazer para si toda a
responsabilidade pelo fracasso.
1688
Idem.
1689
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 219.
428

com o zelo e coragem perseverante com o qual essa façanha galante foi realizada,
lamentando sinceramente as perdas ocorridas”.1690
Nesse ínterim, preliminares de um acordo de paz estavam sendo discutidas entre a GB
e a França. Nessas confabulações, o próprio embaixador francês foi recebido em Londres
por uma população entusiástica com as pespectivas de paz. Nelson, sempre avesso aos
franceses, disse que “estava envergonhado de seu país...não existia nenhuma forma de lidar
com os franceses, a não ser os nocauteando...eu não permitiria nenhum francês na esquadra
a não ser como prisioneiro...minha mãe [de Nelson] odiava os franceses”.1691 Para ele eram
praticamente sinônimas as palavras “francês” e “rufião”, segundo Laughton1692. Com esse
espírito, Nelson solicitou sua exoneração da força naval do sul da Inglaterra, no que foi
negado por St. Vincent assessorado pelo seu principal auxiliar no Almirantado, o capitão
Troubridge, amigo de Nelson. Com o último, Nelson tornou-se particularmente ressentido,
pois presumiu que Troubridge era contra a sua exoneração, como forma de impedir sua
união com Emma. Suas cartas para ela nesse período demonstraram um misto de raiva e
ressentimento com seu ex-amigo. Em uma delas, Nelson escreveu o seguinte:

Minha querida amiga [Emma]. Eu ouso dizer que o mestre Troubridge


engordou. Eu sei que me torno pequeno com minha reclamação, no qual
pela indiferença deles [de St. Vincent e Troubridge] com minha saúde
isso não ocorreria ou pelo menos eu deveria ter melhorado há muito
tempo atrás, estando em um cômodo quente, com um bom fogo e amigos
sinceros...acredito que deixarei este pequeno esquadrão com muitas
mágoas e com boas recomendações de todos que o compõem...entretanto,
sou sábio o bastante para rir da falta de julgamento deles e ser eu mesmo,
seu mais cortês amigo de fé. Nelson & Bronte1693.

Laughton defendeu tanto St Vincent como Troubridge, ao dizer que eles não
mantiveram Nelson embarcado apenas por prazer, mas sim que exonerá-lo rapidamente não
era o melhor caminho a seguir, pois a paz não havia chegado ainda. Acreditou Laughton

1690
Ibidem, p. 215.
1691
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 174.
1692
Idem.
1693
Carta de Horatio Lorde Nelson para Lady Emma Hamilton escrita da HMS Amazon em 20 de outubro de
1801. Fonte: MACDONALD AND SON. The Letters of Lord Nelson to Lady Hamilton with supplement of
interesting letters by distinguished characters. London: Thomas Lovewell & Co Staines House, Barbican,
1814, letter XXIX. Em inglês o fecho da carta foi “your most obliged and faithful friend”.
429

que não era a saúde que mais preocupava Nelson, mas sim seu afastamento de Lady
Hamilton, pelo menos para Troubridge, que assistiu ao escândalo ocorrido em Palermo.
Nem St Vincent e tampouco Troubridge queriam ser vestais da moralidade, no entanto não
poderiam se curvar aos vícios amorosos de Nelson em relação a Emma, como mais
importantes que o serviço de Sua Majestade1694.
Para Mahan , por sua vez, a atitude de Nelson para com seu amigo Troubridge pode
ser justificada pela estado mental de “exasperação e excitação” em que se encontrava, pois
além do afastamento de Emma, ele estava constantemente mareado a bordo de uma
pequena fragata1695. Em carta a Emma disse ele que “o tempo está muito ruim e estou muito
mareado...Oh ! como o tempo está ruim...estou tão terrivelmente mareado que não consigo
agüentar minha cabeça”.1696 Tudo isso fazia com que reagisse mal a demora em ser
substituído. Essa explicação de Mahan é interessante, pois não deve ser esquecido que ele,
também, sofreu terrivelmente os efeitos dos mares ruins em sua carreira. O temor das
tempestades e os efeitos da mareação tiveram conseqüências permanentes na trajetória de
Mahan na Marinha dos EUA, fazendo com que considerasse aquela vida de embarcado
desagradável. Assim o fato de Nelson sentir os efeitos do mar, quando a bordo de um navio
pequeno, no caso uma fragata, para Mahan teve um grande peso em sua avaliação quanto
ao estado de espírito do herói de Burham Thorpe.1697
No dia 15 de outubro, Nelson recebeu a notificação oficial do término das
hostilidades entre o UK1698 e a França. Em 25 de março de 1802 a Paz de Amiens foi
assinada. Ele teria que esperar um pouco mais, até o dia 10 de abril de 1802, quando foi
dispensado por St Vincent e se dirigiu a sua nova residência em Merton em Surrey, em
companhia de Emma e Sir William.

6.5 – A volta ao Mediterrâneo:

1694
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 175.
1695
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 142.
1696
Carta de Horatio Lorde Nelson para Lady Hamilton escrita da HMS Medusa em 31 de agosto de 1801.
Fonte: MACDONALD AND SON, op.cit. letter XVI.
1697
Isso demonstra que nesse aspecto Bakhtin tinha razão. Mahan se projetou em Nelson e daí para o primeiro
o estado de espírito do segundo pode ser justificado em parte pelo seu desagradável estado físico em mares
agitados. Ver capítulos 1 e 4.
1698
A partir de 1801 foi assinado o Ato de União com a Irlanda, assim o estado britânico passou a ser
chamado de Reino Unido, United Kingdom ou UK.
430

A compra da nova residência de Nelson foi efetuada por Lady Hamilton a seu pedido.
Segundo Laughton, Emma era uma boa negociadora, quando sua insaciável vaidade ou sua
paixão pelo prazer não interferia em sua conduta e ao que tudo indica essa compra foi
rápida, econômica e de bom gosto.1699 As despesas foram divididas igualmente por Nelson
e Sir William. Nos próximos 16 meses Nelson se recolheu nessa residência, que lhe era
muita cara. Para Emma, já não mais uma jovem, a necessidade de manter uma intensa vida
social em Merton foi fundamental, sob o olhar aquiescente de Nelson, que nada reclamava,
em razão de sua louca paixão. Por sua vez, Sir William, já com a idade de 71 anos,
começou a sentir o peso daquela vida intensa e desregrada de Emma. Ele queria descansar e
a contínua presença de 12 a 14 pessoas à mesa todo o dia começou a lhe incomodar. Do
incômodo a passagem para a fricção com Emma foi um pulo. Em carta para Emma, disse
que os modos de vida de ambos eram muito diferentes e que talvez a separação fosse a
melhor solução, ao invés das contínuas discussões entre os dois, no entanto essa separação
faria Lorde Nelson “nosso melhor amigo, muito desconfortável e ficaria sensivelmente
mais sentido que nós [ele e Emma]. Eu bem sei da pureza da amizade de Lorde Nelson por
Emma e eu ”1700.
Mahan, durante a permanência de Nelson em Merton, transcreveu opiniões de pessoas
que tiveram acesso a sua casa naquele período e que descreveram algumas características
de sua personalidade. A primeira opinião foi do sobrinho de Nelson, Mr. Matcham que
escreveu para o Times de Londres em 6 de novembro de 1861 uma reminiscência sobre seu
tio. Disse Matcham que Nelson apreciava uma conversa tranqüila e durante as refeições ele
era um dos menos escutados e embora fosse o grande herói, ele Matcham, não o ouviu
referir-se a qualquer de suas grandes ações navais. Ele sempre se comportava como um
gentleman, além de ser um verdadeiro marinheiro, com uma disposição pessoal sempre
calorosa, nunca utilizando expressões grosseiras, sendo seu coração tão terno quanto
corajoso. Afirmou que “aqueles que o conheciam, mais estimavam o seu valor e muitos
como eu [Matcham] que não conheciam sua superioridade profissional, testemunharam sua

1699
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 176.
1700
Ibidem, p. 178. Parece que Sir William não queria perceber o que ocorria a sua volta.
431

gentileza, bondade, boas maneiras e cortesia. Ele [Nelson] não era um rude e turbulento1701
capitão do mar”.1702
Além de sua conduta social, Mahan procurou apontar outra característica pessoal de
Nelson, a sua elevada caridade com pessoas mais necessitadas. Em carta para Sir Harris
Nicolas, um dos organizadores das cartas de Nelson, a filha de um vigário anglicano de
Merton comentou que o almirante sempre ajudou pecuniariamente as obras de caridade do
vicariato, procurando não se identificar quando da doação. Sua casa em Merton era sempre
procurada pela receptividade com os mais pobres, “dando um exemplo de propriedade e
regularidade, do qual existiam poucos que não podiam se beneficiar dessa bondade”1703.
Mahan exaltou, também, a grande religiosidade de Nelson e sua crença nos desígnios da
providência. O almirante foi um homem profundamente influenciado pela religião. Seu
amigo nos últimos anos de vida foi o capelão da Victory que mencionou que Nelson era
realmente o filho de um religioso e que ele nunca ia de deitar, sem antes se ajoelhar para
rezar, demonstrando, sempre que podia, que ele era um filho da Igreja anglicana e um
verdadeiro crente nos desínios de Deus. Mesmo em viagem, Nelson incentivava o capelão a
proferir sua missa semanal para a tripulação da Victory e que, após o sermão, discutia com
o religioso se o tema havia sido apropriado ou não para a tripulação.1704
Mahan, sendo também religioso, fêz questão de ressaltar essa característica de Nelson
na crença na providência, quase que indicando sua própria crença nos desígnios de Deus.
Houve aqui uma identificação direta com o personagem e uma concordância com o seu
modo de encarar a religião. Ao mesmo tempo, Mahan procurou apontar com esses dois
testemunhos da vida quotidiana em Merton, as qualidades sociais de Nelson, em uma clara
demonstração de ligação direta com o personagem biografado. Laughton, mais comedido,
nada comentou sobre essas opiniões e muito menos exaltou as qualidades de Nelson
durante sua estada em Merton, embora acreditasse efetivamente nessas qualidades. A

1701
A palavra utilizada por Matcham foi “boisterous” traduzido como turbulento.
1702
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 157.
1703
Ibidem, p. 159.
1704
Ibidem, p. 160.
432

diferença de ênfase entre os dois biógrafos é mais que evidente nesse período da vida de
Nelson.1705
Data desse período, novamente, a sua defesa ferrenha de seus subordinados em
Copenhagen. As medalhas que seriam outorgadas aos vencedores de Copenhagen foram
negadas novamente, tanto por St Vincent, como pelo primeiro-ministro Lorde Addington,
visconde Sidmouth. Nelson se rebelou contra esse procedimento e não se conformou com
essa falta de reconhecimento do governo em sua mais feroz batalha. Mahan acreditou que a
negativa em outorgar medalhas aos que lutaram sob Nelson, parecia estar relacionada aos
que permaneceram com Sir Hyde Parker, isto é, afastados do combate. Houve, inclusive,
uma necessidade de esquecer por parte do Almirantado a conduta passiva de Sir Hyde
naquela contenda, o que levaria posteriormente a sua demissão. De modo a não condecorar
alguns e outros não, ficou decidido que ninguém receberia qualquer comenda, o que deixou
Nelson revoltado, tanto com St. Vincent como com Lorde Addington1706. Para Mahan essa
controvérsia sobre as medalhas foi o principal incidente ocorrido em Merton entre outubro
de 1801 e maio de 18031707.
Em 26 de abril de 1802, o pai de Nelson, já com 79 anos de idade, que mantinha um
relacionamento muito cordial com o filho, veio a falecer. Nos últimos meses, Nelson pouco
vira o pai, em razão de sua aproximação com Frances. Sir William, também, nos últimos
meses vinha com a saúde cada vez mais debilitada, sendo constantemente atendido por
Nelson e por Emma. Aos poucos sua condição sanitária foi se deteriorando e nos últimos
seis dias Nelson não arredou pé de sua cama, segurando sua mão, enquanto Emma
suportava o travesseiro que mantinha a cabeça de Sir William em posição confortável.
Afinal, no dia 6 de abril de 1803, Sir William veio a falecer, o que deixou Nelson muito
deprimido. Em carta para seu amigo o duque de Clarendon, Nelson disse que “meu amigo
Sir William Hamilton morreu nesta manhã, o mundo nunca perdeu um gentleman mais
correto e realizado”.1708

1705
Essa passagem parece apontar diretamente para a teoria de Bakhtin e o relacionamento entre o biógrafo e
biografado. Mahan mais explícito tinha Nelson como o seu grande paradigma profissional, enquanto
Laughton, mais comedido, procurou ser mais contido em seus elogios, o fazendo com menor paixão.
1706
Nelson atendeu com essa atitude o imperativo de prescrição de liderança segundo conceituação de
Keegan.
1707
Ibidem, p. 167.
1708
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 179.
433

Laughton tem uma opinião interessante sobre o relacionamento entre esses três
personagens, Nelson, Sir William e Emma que passaram a viver juntos em Merton, em uma
situação que chocava a vida social londrina. Para Laughton, não existia nada mais estranho
que a relação existente entre os três. Tanto Nelson como Sir William expressavam
explicitamente grande estima e amizade um pelo outro, no entanto pelas cartas escritas por
Nelson nos últimos três anos, ele vinha desonrando o seu amigo, tendo a certeza que era o
pai do bebê gerado pela esposa de Sir William e os dois, ele e Emma, vinham calculando se
não desejando a morte de seu “gentleman mais correto e realizado”. Era tudo isso
hipocrisia? Perguntou Laughton. Na maior parte dos casos, a resposta óbvia seria sim, no
entanto nesse caso específico, Laughton apontou que a melhor resposta seria um duvidável
não. Existem elementos históricos de que Nelson se convenceu ou foi convencido por
Emma de que ela era esposa de Sir William apenas no papel. Ele se convenceu de que Sir
William casara com Emma apenas para ter uma esposa à mesa e nas suas cartas para ela
Nelson se referia a Sir William como “seu tio” e a ela se referia ingenuamente como a
“mais virtuosa das mulheres”.1709 Laughton questionou qual seria a atitude de Nelson se
soubesse do passado de Emma, o que seria uma triste ironia, no entanto nessa condição
existe um quebra-cabeça psicológico que não admite qualquer solução satisfatória1710. Para
Laughton, Sir William conhecia o passado nebuloso de Emma, no entanto ele vinha
vivendo com ela por 16 anos sem qualquer escândalo, pensava ele, e a alta consideração e
amizade que mantinha com Nelson, fazia com que ficasse cego ao que ocorria ao seu redor.
Para Laughton, Sir William havia esquecido que “a amizade é constante em todas as outras
coisas, com exceção da política e nos assuntos de amor”1711.
Mahan, por sua vez, sempre crítico da conduta de Nelson em relação a Emma, indicou
que a conjunção desses dois personagens no leito de morte de Sir William era estranho,
quase que além da compreensão. Um homem falecendo, sendo sistematicamente enganado
e afetuosamente sendo tratado, até o seus último momento pelos seus “traidores”1712, sendo
que um deles, Nelson, se jactava de ser fiel a seus amigos. Para Mahan, Sir William tinha
uma simplicidade em sua confiança dificilmente compreendida por um homem de sua

1709
Idem.
1710
Ibidem, p. 180.
1711
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 224. A frase utilizada por Laughton em
inglês foi “Friendship is constant in all other things, save in the office and affairs of love”.
1712
Mahan utilizou a palavra severa “betrayers”, traidores, para indicar a conduta de Nelson e Emma.
434

experiência e antecedentes. Mahan, também, conjecturou que Sir William pode ter
percebido o que ocorria a sua volta e escolheu esconder as falhas de Emma com auto-
abnegação, a qual não deixou de ser um ato nobre.1713
Um dos assíduos freqüentadores de Merton foi Lorde Minto, amigo pessoal de
Nelson, que tinha uma idéia muito negativa do relacionamento entre ele e Emma. Em carta
para sua esposa, Lorde Minto escreveu o seguinte, no início de 1802:

Fui à casa de Lorde Nelson em Merton no sábado para jantar e retornei


hoje antes do meio dia. Toda a casa e o modo de vida é tal que me torna
zangado e melancólico...Ela [Emma] continua a encher Nelson com
muita bajulação, enquanto ele continua a aceitá-la tão calmamente como
uma criança come sua papinha. O amor que ela transmite a ele não é só
ridículo, mas desprezível. Não somente os quartos, mas toda a casa,
escadas e tudo estão cobertos com nada mais que quadros dele e dela, de
todos os tamanhos e formatos e representações de todas os seus combates
navais, brasões, peças de prata em sua homenagem, o mastro do Orient,
etc, um excesso de vaidade que contraria seus próprios propósitos.1714

Enquanto isso ocorria, as tensões européias continuavam. Napoleão utilizou a Paz de


Amiens para expandir seus poderes ao anexar o Piemonte, Elba e parte da Suíça, além de
pressionar tanto a Holanda como Nápoles a diminuir o comércio com o UK. Em resposta o
governo britânico chamou de volta o seu embaixador em Paris. Napoleão respondeu, ao
tomar Hanover, uma possessão familiar de Jorge III. A guerra retornava com toda a sua
violência em 16 de maio de 1803. Nelson foi então chamado a assumir o cargo de
comandante-em-chefe do Mediterrâneo como vice-almirante da Esquadra Azul. Para
Mahan, Bonaparte tinha os olhos voltados para o UK. A invasão da ilha era o “maior de
todos os seus objetivos” e o resto ficava secundário perante esse propósito.1715 Nelson, por
sua vez, embora reconhecesse a invasão possível, imaginava as dificuldades enfrentadas
pelo grande corso e que naquela oportunidade o Mediterrâneo era o passo inicial para a
empreitada francesa contra os britânicos.1716 Ele continuava a pensar na segurança da
família real napolitana como um dos principais objetivos para a sua esquadra.

1713
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 177.
1714
Carta de Lorde Minto para Lady Minto escrita em 22 de março de 1802 de Merton. Fonte: LAUGHTON,
John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 225.
1715
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 186.
1716
Ibidem, p. 187.
435

Imediatamente, Nelson içou seu pavilhão no navio de linha de 1a classe HMS


Victory1717 em Portsmouth e no dia 20 de maio suspendeu para o mar com ordem de
bloquear o porto de Toulon e “tomar, afundar, queimar e destruir”1718 qualquer navio
pertencente à França ou a seus nacionais. Enquanto Nelson se dirigia para Toulon, Lorde
Cornwallis1719 estabeleceu um forte bloqueio em frente a Brest. Ao se encontrar com ele em
seu trânsito para o Mediterrâneo, Nelson recebeu a ordem de deixar a Victory com
Cornwallis e seguir na fragata HMS Amphion para Gibraltar. Pouco tempo depois, a Victory
viria a se agregar novamente a Nelson em frente a Toulon, liberada que foi por Cornwallis.
Era comandante desse navio o seu favorito, o capitão Thomas Hardy, enquanto seu chefe
do estado-maior foi seu velho compalheiro de Copenhagen o contra-almirante George
Murray.1720 Em verdade Murray, ao ser convidado para ser chefe do estado-maior de
Nelson, em princípio, relutou em aceitar essa incumbência, alegando que aconteceriam
desavenças entre ele e Nelson em questões de tática e administração e por querer manter
sua amizade de muitos anos com o almirante que admirava, preferia não aceitar aquela
tarefa. Nelson, imediatamente, replicou que não encararia Murray como subordinado e sim
como amigo fraterno e nada mancharia a amizade dos dois. Quando, dois anos depois,
Murray teve que se afastar das funções, Nelson recusou designar um substituto, alegando
que ninguém poderia substituir o seu amigo como chefe do estado-maior. Ou era Murray ou
ninguém1721
Os outros comandantes conhecidos de Nelson foram os capitães Pulteney Malcolm
do Kent, Sir Richard Strachan do Donegal, Richard Goodwin Keats do Superb, Sir John
Gore da Medusa, Sir William Parker da Amazon, Sir Courtenay Boyle do Seahorse e Sir

1717
A HMS Victory era um navio de 1a classe deslocando 2.162 toneladas, armado com 104 canhões, o mais
armado do Mediterrâneo. Apenas dois navios na Marinha Real deslocavam mais que a Victory, os HMS Royal
George com 2.236 toneladas e o HMS Queen Charlotte com 2.279 toneladas. O Victory continua até hoje
flutuando como navio- museu em Portsmouth. A ele Nelson está muito associado. Fonte: Ibidem, p. 233.
1718
As instruções eram “take, sink, burn or destroy”. Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p.
180.
1719
O almirante da Esquadra Azul Sir William Cornwallis tinha notável reputação por sua enorme bravura,
tendo se distinguido na Guerra de Independência dos EUA. Foi o comandante do navio de linha HMS Lion
que transportou Nelson para a Inglaterra, quando ele se encontrava muito doente, depois da operação contra a
Nicarágua. Comandou a Esquadra das Índias Orientais. Ver seção 5.1, capítulo 5. Fonte: TRACY, op.cit, p.
98.
1720
George Murray comandou o HMS Edgar na batalha de Copenhagen. O chefe de estado-maior tinha a
tarefa de supervisionar a rotina e conduta da esquadra. Em inglês essa função recebia o título de Captain of
the Fleet. Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 185.
1721
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 237. Aqui Nelson demonstrou um vínculo
especial com Murray, correspondente ao imperativo de afinidade na teoria de liderança de Keegan.
436

Richard Moubray do Active. Como seu segundo comandante assumiu o contra-almirante


George Campbell que permaneceu com Nelson até solicitar o seu afastamento do
Mediterrâneo em dezembro de 1804 por problemas de saúde.1722
Os franceses possuíam atracada em Toulon uma força de nove navios de linha e cinco
fragatas, enquanto Nelson possuía também o mesmo número de navios de linha, nove, no
entanto esses vasos de guerra estavam subguarnecidos e com muitos doentes.1723 Além
dessas deficiências, Nelson não recebeu qualquer substituição para suas tripulações, além
de não contar com bases de apoio e nem estaleiros.1724
Aos poucos o bloqueio, que tinha o objetivo de forçar os franceses a um encontro
naval, não obteve o seu propósito fundamental. Nelson procurou, durante esse difícil
período, cerca de 18 meses contínuos, manter seus subordonados em boas condições de
higiene e aprestamento. Exercícios diários ocorriam intensamente, mantendo-se os
tripulantes em constantes atividades. Para se ter uma idéia das condições sanitárias das
tripulações, o médico da esquadra doutor Leonard Gillespie fêz um relatório com alguns
dados interessantes, segundo Laughton. Para uma força variando entre seis e oito mil
homens, o número total de mortos durante dois anos (entre 1803 e 1805) foi de 110 e o
número de doentes nas enfermarias nos navios foi de 190 ou 25 por mil. Vinte anos antes
em uma força de doze mil homens, 1570 morreram em um ano, sendo que desses, somente
59 morreram em combate. O número médio de tripulantes nas enfermarias de combate nos
navios foi de um em quinze ou 67 por mil1725. Na Victory, por exemplo, de seus 840
tripulantes, apenas um se encontrava baixado à enfermaria.1726 Uma grande diferença entre
os dois períodos1727. Gillespie viria a dizer que “Lorde Nelson, cuja nobre franqueza, falta
de uma vã formalidade e pompa só pode ser igualado pela exemplar e gloriosa carreira
naval e a constante e perseverante diligência com o qual comanda a sua esquadra”1728.
Para Laughton as causas desses baixos números de doentes foram a preocupação de
Nelson com a comida servida aos tripulantes, a permissão de se servir vinho ao invés de
1722
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 242.
1723
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 181.
1724
Idem.
1725
Ibidem, p. 184.
1726
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 258.
1727
Essa preocupação de Nelson com o bem-estar de suas tripulações aponta para a caraterística fundamental
de liderança segundo a conceituação de Keegan, o imperativo de afinidade com seus subordinados.
1728
Ibidem, p. 259. Essa percepção de Gillespie aponta para uma característica fundamental do herói segundo
Sidney Hook, a admiração pelo sucesso.
437

rum, a oferta de carne fresca, além de vegetais e frutas sempre que possível, o oferecimento
de água adocicada de boa qualidade e a manutenção dos navios em boa forma e ventilados,
além de mantidos secos durante todo o período. Nelson incentivou retretas musicais a
bordo, além de danças e representações teatrais. Tudo isso constituiu detalhes para
Laughton, mas que contaram muito para quem permaneceu direto no mar por 18 meses.1729
Nelson tinha algumas opiniões sobre os caminhos a serem trilhados pela esquadra
inimiga de Toulon. Ela poderia seguir para a Sardenha ou mesmo sair do Mediterrâneo para
um ataque às Índias Ocidentais ou mesmo tentar uma junção com a força de Brest. O que
ele desejava, no entanto, era combatê-la tão logo deixasse Toulon, sem expor sua força às
baterias desse porto, nem permitir o regresso da força inimiga a esse ancoradouro,
desgastando ainda mais suas já cansadas tripulações da Esquadra do Mediterrâneo.1730
Como forma de proteger a família real napolitana, Nelson designou cinco fragatas para
patrulharem entre Messina e a entrada no Adriático, enquanto manteve um navio de linha
estacionado na baía de Nápoles, pronto a retirar a família de Ferdinando da cidade e dirigir-
se rapidamente para Sicília.1731 Nelson tinha como primeiro objetivo manter a força
francesa bloqueada e se saísse para o mar “aniquilá-la. Isso manteria as Duas Sícilias livres
de qualquer ataque vindo do mar”, segundo suas palavras.1732
Foi comum no verão de 1804 o comandante francês em Toulon, almirante La Touche
Treville destacar um grupo de navios para deixar o porto e seguir até determinada distância,
retornando em seguida para a segurança de Toulon. Em uma dessas saídas fortuitas, com
cinco navios de linha, três fragatas e diversos brigues, os franceses se viram diante de um
pequeno esquadrão britânico sob o comando do almirante Campbell com apenas dois
navios de linha, os HMS Canopus de 80 canhões e Donegal de 74 canhões e uma fragata,
a HMS Amazon. Nelson se encontrava mais afastado com a maior parte de seus navios e
imediatamente deu-se uma perseguição a Campbell que se viu em inferioridade e prestes a
ser destruído por força infinitamente maior. Aos poucos, Campbell se aproximou de
Nelson, o que provocou o recuo dessa força francesa de volta a Toulon1733.

1729
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 185.
1730
Ibidem, p. 187.
1731
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 192.
1732
Ibidem, p. 196.
1733
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 188.
438

Nelson guardou uma má impressão de La Touch Treville, um velho conhecido da


Guerra de Independência dos EUA. Naquela ocasião, ele comandou a fragata Hermione e
dissera que varreria as costas em torno de Boston de navios britânicos. Sua fanfarrice
acabou, quando se viu derrotado pela fragata HMS Iris, sendo obrigado a evadir-se
daquelas águas. Foi, também, o comandante local que derrotara Nelson em seu ataque
frustrado contra Boulogne, dois anos antes. Segundo Laughton, La Touch Treville era um
oficial capaz e um dos poucos da velha guarda que permaneceu servindo à República. Um
gentleman por nascimento que pareceu, segundo ele, apreender os maus modos descorteses
dos métodos napoleônicos.1734
O que veio a enfurecer Nelson ainda mais foi uma reportagem publicada no jornal
francês Moniteur de 15 de junho de 1804, no qual La Touche Treville descreveu uma
dessas saídas e que naquela ocasião o almirante inglês havia fugido covardemente. Isso
Nelson considerou como uma afronta. Em verdade, La Touche Treville saíra com oito
navios de linha e seis fragatas, encontrando Nelson com apenas cinco navios de linha que
conforme seu espírito combativo, preparou-se para o combate. Ao perceber que Nelson
estava se preparando para combatê-lo, La Touche Treville recuou para Toulon sob a
proteção de suas baterias. Nelson não quis expor seus navios ao fogo desses canhões e
permaneceu fora de alcance aguardando nova saída de La Touche Treville. Assim, aquela
reportagem foi uma afronta a Nelson. Para ele, La Touche era um mentiroso e precisava ser
derrotado logo. Entretanto La Touche Treville veio a falecer em 18 de agosto, para
desgosto de Nelson que queria derrotá-lo. Disse Nelson na ocasião “ele [La Touche
Treville] se foi e com ele todas as suas mentiras”1735, “ele [La Touche] é um covarde, um
mentiroso e um patife”.1736 O substituto de La Touche foi o vice-almirante Villeneuve, um
velho marinheiro que servira com Suffren1737, o mesmo que sobreviveu ao Nilo no
Guillaume Tell, comandante da retaguarda de Bruieys.

1734
Ibidem, p. 189. La Touche Treville pode ser considerado um ‘guardião inimigo’ segundo a teoria de
Campbell. Ele foi um almirante inimigo que incomodou intensamente Nelson.
1735
Ibidem, p. 190.
1736
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 219. Foram palavras fortes utilizadas por
Nelson para se referir a La Touche. No original as palavras foram “poltroon”, “liar” e “miscreant”.
1737
Pierre Suffren de Saint-Tropez nasceu em 1729 e morreu em 1788. Foi um grande almirante francês que
combateu os britânicos com muito sucesso na Guerra de Independência dos EUA comandando a fragata
Fantasque e no comando de uma força naval nas Índias Orientais quando enfrentou o almirante britânico
Hugues. Até os dias atuais é considerado um herói naval pela Marinha francesa. Fonte: WILSON; CALLO,
op.cit, p. 300.
439

O grande temor na Inglaterra continuava sendo a possibilidade de uma invasão de


Napoleão, no entanto St Vincent, ainda Primeiro Lorde do Almirantado, havia dito que
“não quero dizer que os franceses não venham; eu só posso assegurar que eles não virão
pelo mar”.1738 Para evitar qualquer contratempo, o Almirantado determinou o
estabelecimento de diversos bloqueios aos portos franceses e espanhóis, com o propósito de
impedir a saída de qualquer força inimiga para o mar. Assim, Lorde Keith permaneceu no
Canal Inglês, Cornwallis permaneceu em frente a Brest, Collingwood em frente a
Rochefort, Pellew em frente a Ferrol e Nelson em frente a Toulon.1739
Mahan comentou sobre a capacidade que Nelson tinha de manter a moral dos
marinheiros britânicos no mar, apesar de todas as vicissitudes, mau tempo constante no
Golfo de Lion e dificuldades logísticas por que passava a sua esquadra, já há 22 meses no
mar direto, sem atracar ou fundear em um porto. Disse Mahan :

Por cumprir sua missão com navios em tais condições [más] em uma
região onde ventos e mares eram de excepcional violência e
abastecimentos de comida e água difíceis de obter em razão de estar
cercado em todas as direções ou por nações hostis ou sob a influência
predominante de Bonaparte, esses fatos fizeram do comando de Nelson
durante esse período um triunfo de administração naval e previsão.1740

Mahan, também, fêz questão de comentar a rotina de Nelson durante aquele longo
período no mar. Ele recorreu a dois testemunhos de personagens que conviveram com o
herói britânico naquela ocasião. O primeiro, o doutor Gillespie, um dos médicos da
esquadra e o segundo o doutor William Beatty médico da Victory que atendeu Nelson
durante a batalha de Trafalgar, quando ele veio a falecer. Vale a pena reproduzir a visão de
Beatty sobre a rotina de Nelson durante aqueles meses de bloqueio a Toulon. Disse Beatty
o seguinte sobre Nelson:

Sua Excelência praticava uma grande quantidade de exercícios,


geralmente caminhando no convés seis ou sete horas no dia. Ele sempre
se levantava cedo, a maioria das vezes pouco depois do nascer do sol.
Tomava café no verão em torno de seis horas da manhã e sete no
inverno: se não estivesse ocupado em ler ou escrever despachos ou

1738
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 250.
1739
Ibidem, p. 248.
1740
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 197.
440

examinando detalhes concernentes a seu comando, ele andava no convés


a maior parte da manhã; dirigia-se para sua câmara ocasionalmente para
escrever incidentes ou reflexões que ocorreram no dia e que poderiam ser
úteis para a marinha de seu país. Jantava geralmente em torno de duas e
meia da tarde. Em sua mesa existiam freqüentemente mais de oito ou
nove pessoas, consistindo de diferentes oficiais do navio e quando o
tempo e o serviço permitiam, ele freqüentemente tinha muitos almirantes
e capitães para jantar com ele que eram convidados por sinais, havendo
rotação de antiguidade, fato observado por Sua Excelência. No jantar ele
era afável, atencioso com todos. Ele comia frugalmente fígado e asa de
galinha e um pequeno prato de macarrão que normalmente compunham
sua refeição, no qual ocasionalmente era servido uma taça de champanhe.
Ele nunca excedia quatro copos de vinho depois do jantar e raramente
bebia três e mesmo esses eram diluído com Bristol ou água comum...ele
possuía uma bela atividade mental impedindo que tivesse um repouso
normal, freqüentemente aproveitando mais de duas horas de sono
ininterrupto e em diversas ocasiões ele não deixava o convés...vestindo
somente uma pequena e fina capa...raramente usava botas e estava
conseqüentemente suscetível de ter os pés molhados. Quando isso
ocorria, ele se dirigia para o seu camarote, retirava os sapatos e andava
no tapete de meias para secar seus pés...a única dor corporal de Sua
Excelência sentiu em conseqüência de seus muitos ferimentos, era uma
pequena afecção reumática no coto de seu braço amputado, quando
ocorria uma rápida variação no tempo, que é experimentado por aqueles
que tiveram a desgraça de perder um membro depois da meia idade...Sua
Excelência perdeu uma vista por contusão recebida em Calvi na Córsega.
A visão do outro olho, da mesma forma, estava consideravelmente
prejudicada: ele sempre assim usava uma cobertura verde na sua testa
para defender-se dos efeitos da luz intensa: no entanto como ele tinha o
hábito de olhar através da luneta enquanto no convés, não há dúvida que
se tivesse vivido mais alguns anos e continuado embarcado, ele perderia
sua visão totalmente.1741

Admirador de Nelson, Mahan fez questão de comentar as preferências e atitudes do


herói britânico naqueles tempos difíceis, quando exerceu o bloqueio contra Toulon. A
transcrição dos longos comentários de Beatty sobre Nelson naqule período parece se
coadunar com essa postura de admiração. Segundo Mahan, Nelson tinha o reverendo Scott
como secretário que tudo lia para ele. Jornais, tanto do UK como do continente, trazidos
pelas fragatas, brigues e chalupas que compunham sua esquadra, eram lidos por Scott que
dominava diversas línguas estrangeiras, em especial o francês, o espanhol e o italiano.

1741
BEATTY, William. Authentic Narrative of the death of Lord Nelson with circunstances preceding,
atending and subsequent to that event: the professional report. London: T. Davison, White Friars for T.
Cadell and W.Davies in the Strand, 1807, p. 23. Esse trecho foi reproduzido por Mahan na íntegra em The
Life of Nelson.v2 página 227.
441

Tornou-se, então, uma tarefa diária de Scott ler para o almirante as notícias provenientes da
Europa e assim acompanhar o desenrolar político da contenda.1742 Quando Nelson morreu
em Trafalgar, Scott afirmou, com pesar, o seguinte: “colocando de lado o seu heroísmo,
quando penso o quão afetuoso e fascinante era aquele pequeno homem, quão digna e pura
era a sua mente, quão gentil e condescendente eram suas maneiras, torno-me estúpido com
pesar por aquilo que perdi”1743. Outro comandante de fragata que privou intimamente com
Nelson foi o capitão James Hillyar que em seu diário escreveu “se extrema gentileza e
atenção poderiam me fazer feliz, tive nesse dia essa experiência vinda de nosso
reverenciado e bom comandante-em-chefe. Como posso retribuir sua gentileza?”.1744
Mahan fêz questão de transcrever esses trechos das memórias de Scott e de Hillyar, como
uma forma de comprovar o quão querido e reverenciado foi Nelson por aqueles que o
circundavam1745.
Nelson, tampouco, esqueceu naquele período seus antigos comandantes e mentores,
dentre os quais se destacou Sir Peter Parker. Quando soube que Sir Peter tinha um neto
como mestre e comandante, imediatamente mandou promovê-lo a capitão. Em carta a Sir
Peter disse Nelson o seguinte: “essa é a única oportunidade que me é oferecida de mostrar
que meus sentimentos de gratidão são tão calorosos e reais quanto foram quando o senhor
me tomou pela mão: devo todas as honras ao senhor e estou orgulhoso de reconhecê-las a
todos no mundo”.1746 Mahan, ao escolher essa carta de Nelson, quis demonstrar que o seu
herói reconhecia a influência de Sir Peter na sua carreira e o mais importante a sua eterna
gratidão.
Um dos pontos mais importantes de abastecimento da esquadra de Nelson passou a
ser a Sardenha, em especial as ilhas de Madalena ao norte da ilha, além da sua ótima
posição central. Nessas ilhas, Nelson podia obter madeira e água, sendo esse local um
perfeito fundeadouro com duas entradas.1747 Ele poderia indicar individualmente os navios
de sua esquadra para se reabastecerem e encontrarem um pequeno refúgio para descanso de
suas árduas tarefas de bloqueio de Toulon. A perda da Sardenha significaria a perda da

1742
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 235.
1743
Ibidem, p. 238.
1744
Ibidem, p. 239.
1745
Por essas declarações Nelson atendeu ao imperativo de afinidade segundo concepção de liderança de
Keegan.
1746
Ibidem, p. 240.
1747
Ibidem, p. 201.
442

esquadra francesa. Por incrível que possa ser, Napoleão não atacou a ilha para impedir o
abastecimento de seus inimigos.1748
Em janeiro de 1804, Emma deu à luz a segunda filha de Nelson, no entanto a recém-
nascida teve poucos dias de vida. Aquele período para Nelson foi muito estressante, pois
além de estar sempre mareado, em razão da violência do mar próximo a Toulon, ele
encontrava-se sempre constipado e adoentado. Continuavam a chegar notícias
desencontradas da saída da esquadra inimiga de Toulon, o que levou Nelson a declarar que
“só posso ficar doente depois que a esquadra francesa for derrotada”.1749
Desde que deixara Malta em junho de 1803 até julho de 1805 quando fundeou em
Gibraltar Nelson jamais deixou o Victory. Em carta para Emma, Nelson disse que “não
tenho nenhum pensamento exceto em você e na esquadra francesa...todos os meus
pensamentos, planos e trabalho se dirigem a esses dois objetos. Não ria em lhe colocar
junto com a força francesa, mas você não pode ser separada”.1750 Em outra carta para
Emma disse “seu Nelson foi chamado, na maneira mais honrável para defender o seu país.
Nosso afastamento é igualmente penoso, mas se eu tivesse ficado em casa ou negligenciado
meu dever em outro lugar, não teria minha Emma se envergonhado de mim ?”.1751 Foram
cartas escolhidas por Mahan para demonstrar que o objetivo central de Nelson era destruir a
esquadra inimiga e que essa determinação deveria ser compreendida por Emma como um
dever maior que a companhia de seu grande amor. Como sempre, Mahan procurou
enaltecer as virtudes guerreiras de seu herói. Ao mesmo tempo em que assim procedia, ele
apontou um trecho escrito pelo historiador francês Louis Adolphe Thiers, que teria
transcrito uma afirmação de que Napoleão se encontrava muito insatisfeito com o
desempenho de seus almirantes. Disse Napoleão o seguinte, segundo Thiers:

o que pode ser feito com almirantes que permitem que seus espíritos
naufraguem e determinem que seus navios voltem rapidamente para seus
portos nas primeiras avarias que recebem ? ...mas o grande mal de nossa

1748
Ibidem, p. 203.
1749
Ibidem, p. 210.
1750
Ibidem, p. 222.
1751
Ibidem, p. 223. Nessa passagem a palavra utilizada por Nelson foi “Emma have blushed for me ?”, o que
foi traduzido como ‘envergonhado’ pois blush em inglês é ruborizado ou corado. O sentido pretendido por
Nelson foi corado por vergonha”.
443

marinha é que os homens que a comandam estão desacostumados com os


riscos do comando.1752

Em 12 de maio de 1804, seu amigo Lorde St. Vincent foi substituído como Primeiro
Lorde do Almirantado por Lorde Melville, enquanto Nelson foi promovido a vice-almirante
da Esquadra Branca1753, posto no qual morreria em outubro do ano seguinte.
Um dos pontos sempre discutidos por Nelson era a necesidade de obter mais fragatas
em sua esquadra. Esses navios, por sua flexibilidade e velocidade, mantinham
comunicações entre os esquadrões e a esquadra de Nelson, além de manterem vigilância em
frente aos portos inimigos, transportarem correspondência entre os navios e terra e
comboiar navios mercantes britânicos que transitavam no Mediterrâneo. Dizia
continuamente “escrevi para o Almirantado pedindo mais fragatas até cansar...estou
aflito1754 por mais fragatas”.1755
O tempo passava e a esquadra de Nelson continuava em sua função de bloqueio
aguardando a saída de Villeneuve sem as fragatas solicitadas. Diria o herói britânico que
“quando não tenho ordens e ocorrências inesperadas ocorrem, eu agirei e pensarei o que a
honra e glória de meu rei e país demandarem”1756. Em breve Nelson teria a oportunidade de
cumprir o que afirmou. Villeneuve se faria ao mar. Nelson encontraria o seu destino.

6.6 – O herói encontra o seu destino em Trafalgar:

No dia 9 de março de 1805, Nelson escreveu uma carta para Emma na qual apontava
algumas frustrações com aquela indefinição quanto à saída da força inimiga de Toulon. Ao
mesmo tempo, encontrava-se aborrecido com o afundamento de um de seus navios, o
brigue HMS Raven que havia soçobrado perto de Cadiz, transportando uma mala postal.

1752
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 276. Percebe-se por essa passagem que Mahan
não apontou a obra de Thiers nem a página a ela referenciada. Apesar dessa deficiência metodológica,
percebe-se a frustração de Napoleão com seus almirantes, fato captado em toda a sua intensidade por Thiers e
pelo próprio Mahan.
1753
Ver seção 2.3 no capítulo 2.
1754
Nelson utilizou a palavra “distressed” que foi traduzida para aflito, denotando seu desconforto com a falta
desse tipo de navio em número suficiente para conduzir as tarefas a ele atribuídas pelo Almirantado.
1755
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 243.
1756
Ibidem, p. 258.
444

Seu comandante era o mestre e comandante Layman, um protegido de Nelson e muito


estimado por ele. Disse Nelson para Emma o seguinte:

Asseguro a você minha queridíssima Emma que nada pode ser mais
miserável ou infeliz que o seu pobre Nelson...você perceberá meu
desapontamento ! Desde 2 de novembro não tenho recebido notícias da
Inglaterra. Capitão Layman disse estar certo que as cartas afundaram,
nunca virão à superfície novamente, mas em razão de não terem sido
jogadas pela borda até o navio se chocar com a rocha, tenho receio que
elas possam cair nas mãos dos Dons [ espanhóis]...que tempo ! Não
imaginaria possível estar ausente tanto tempo, não tão bem e
desconfortável em muitos aspectos. Entretanto quando imagino que a
força francesa não se faça ao mar nesse verão eu certamente irei para a
querida Inglaterra e mil vezes mais querida Merton. Possa os céus
abençoar você minha Emma ! ...capitão Layman está sob julgamento
agora. Espero que saia limpo com honra. Temo que ele tenha tido grande
confiança em seu próprio julgamento e que se tenha colocado nessa
enrascada; mas era impossível que qualquer pessoa que tenha passado
por isso se esforçado mais, quando em situação difícil e demandante1757.

Não satisfeito, Nelson enviou uma carta para o Primeiro Lorde do Almirantado, Lorde
Melville no dia seguinte, 10 de março, solicitando que ele protegesse esse oficial durante o
julgamento de sua corte marcial. Vale a pena mencionar suas palavras que indicavam uma
consideração especial por um oficial que lhe era caro e que ele respeitava e admirava. Disse
Nelson o seguinte para Lorde Melville:

Capitão Layman serviu comigo em três navios e estou bem consciente de


sua bravura,zelo, julgamento e atividade; não que eu não sinta a perda do
Raven comparada com o valor dos serviços do capitão Layman, pois são
perdas nacionais. V.Exa meu caro Lorde perdoe-me pelo calor com o
qual me expresso a respeito do capitão Layman; mas ele se encontra na
adversidade e por isso tem minha atenção e respeito. Se eu fosse
censurado toda a vez que coloquei meu navio ou forças sob o meu
comando em perigo, eu deveria estar fora da marinha há muito tempo e
nunca na Câmara dos Lordes. Sou meu caro Lorde, o seu mais fiel e
obediente subordinado. Nelson e Bronte.1758

1757
Carta de Horatio Lorde Nelson para Emma Hamilton escrita a bordo da HMS Victory em 9 de março de
1805. Fonte: MACDONALD, op.cit, carta LVIII.
1758
Carta de Horatio Lorde Nelson para Lorde Melville escrita do HMS Victory em 10 de março de 1805.
Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Despatches. op.cit. p. 390. Vê-se por essa carta o
atendimento dos imperativos de afinidade e de exemplo para seus subordinados, segundo a teoria de Keegan.
Esse empenho de Nelson em defender um subordinado que ele admirava foi logo percebido por Mahan que
transcreveu parte da carta em seu livro, como forma de demonstrar as qualidades de liderança que seu herói
possuía.
445

No dia 4 de abril de 1805, a fragata HMS Phoebe trouxe a notícia de que Villeneuve
havia suspendido de Toulon. Inicialmente Nelson imaginou que o inimigo iria para o Egito,
no entanto mudou de opinião, acreditando que o rumo oeste seria o mais provável, de modo
a se juntar aos espanhóis em guerra com o UK. Saiu, então, em perseguição, no entanto
encontrou ventos contrários que o fizeram perder tempo.
No dia 08 de abril foi identificada a esquadra francesa passando por Gibraltar e
agregando os navios espanhóis provenientes de Cadiz, com um total de 18 navios de linha.
Somente a 6 de maio Nelson alcançou essa passagem e a 9 fundeou na baía de Lagos em
Portugal para recolher provisões para continuar a perseguição. Esperava que o contra-
almirante Sir John Orde, que se encontrava com seu esquadrão próximo a Cadiz, lhe
informasse a direção que a força inimiga havia tomado, no entanto Orde falhou nessa
missão e não pôde indicar a rota de Villeneuve, o que deixou Nelson aborrecido.
Na baía de Lagos, Nelson encontrou seu dileto amigo capitão Campbell da Armada
portuguesa que o convenceu que Villeneuve estava se dirigindo à Jamaica para atacá-la.
Sem perder um instante sequer, Nelson suspendeu de Portugal em direção as Índias
Ocidentais. Nesse ponto Laughton procurou defender Nelson da alegação de que ele teria
sido atraído para a Jamaica e aberto o caminho para a esquadra francesa de Brest se
concentrar no Canal da Mancha e transportar o exército de Napoleão estabelecido em
Boulogne para a propalada invasão da Inglaterra e que isso não ocorreu em razão da própria
ineptitude dos almirantes franceses. Era verdade, diz Laughton, que Napoleão planejou
concentrar as esquadras francesas de Brest, Rochefort e Toulon na Martinica e retornarem
com cerca de 50 navios de linha, uma força formidável1759, e adentrar a Mancha para
dominarem aquela passagem e transportar o exército em Boulogne. Seu grande objetivo era
a invasão da Inglaterra e só dominando os mares em torno da ilha durante alguns dias
permitiria o desembarque dos seus 150.000 homens estacionados em torno de Boulogne.1760
Entretanto os fatos não ocorreram como planejado pelo grande corso.

1759
Os números eram em Brest, 20 navios de linha, Toulon, 10 navios de linha, Rochefort, 5 navios de linha e
mais os 15 navios de linha espanhóis localizados em Ferrol e Cadiz. Fonte: MAHAN, Alfred Thayer. The Life
of Nelson.v2 op.cit. p. 269.
1760
Ibidem, p. 268.
446

O almirante Missiessy em Rochefort suspendeu efetivamente para a Martinica para o


encontro, no entanto ao lá chegar aguardou os planejados 45 dias e não encontrando
Villeneuve, retornou celeremente a Rocheford. O almirante Ganteaume em Brest, em razão
do bloqueio dos almirantes Cornwallis e Gardner, não se aventurou fora do porto. A missão
atribuída por Napoleão às três forças navais francesas era no caminho a Martinica capturar
o maior número possível de navios mercantes britânicos e induzir Nelson e outros
almirantes britânicos a seguirem para as Indias Ocidentais, por meio de um despistamento
que não se tornou efetivo.1761 A perseguição de Nelson a Villeneuve não era o planejado e
assim não se pôde afirmar que ele tenha sido enganado, afirmou Laughton.
Mahan, por sua vez, sempre ávido a defender seu herói, apontou que era verdade que
Nelson não encontrou a esquadra de Villeneuve, no entanto com sua perseguição à força
francesa pelo Atlântico, ele evitou que Villeneuve fizesse maior mal aos interesses
britânicos nas Indias Ocidentais e assim salvou essa região para seu país, ao mesmo tempo
em que “retornou em tempo para proteger a GB e a Irlanda de invasão”.1762 Seu princípio,
segundo Mahan, era tão somente a destruição da força inimiga e nada o distrairia desse
objetivo.
Villeneuve chegou à Martinica e não encontrou Missiessy e ao saber no dia 8 de
junho que Nelson o perseguia com 14 navios de linha, resolveu retornar para Ferrol. Em
verdade, Nelson chegara a Barbados no dia 4 de junho em uma surpreendente e rápida
travessia, apesar de contar com a HMS Superb em más condições de navegabilidade1763,
recuperando cerca de 12 dias em relação a Villeneuve1764. Em Barbados agregaram-se a sua
força dois navios de linha, o HMS Northumberland e Spartiate sob o comando do contra-

1761
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 199.
1762
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 271 e 301. Em verdade Villeneuve ainda
conseguiu apresar 14 navios mercantes britânicos, o que foi muito menor do que o imaginado por ele.
1763
Nelson em deferência a seu dileto amigo capitão Keats do HMS Superb de 74 canhões fez questão de
agregar esse navio de linha a sua esquadra, apesar das péssimas condições estruturais desse vaso de guerra.
Por sua baixa velocidade de cruzeiro, a sua força regulou a velocidade de avanço pela velocidade da Superb.
Essa ação configura o atendimento do imperativo de liderança tipo afinidade pela manutenção de um vínculo
especial dele com Keats. Fonte: LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 273.
1764
Nelson suspendeu do cabo São Vicente em 11 de maio e chegou em Barbados em 4 de junho, em 24 dias.
Sua velocidade média de trânsito variou entre 5 e 6 nós, chegando em algumas situações a desenvolver 9 nós.
Fonte: Ibidem,. p. 272.
447

almirante Sir Alexander Cochrane1765 e com cerca de 14 navios Nelson começou a procura
por Villeneuve nas Antilhas.
Inicialmente, Nelson foi informado que os franceses estavam em Trinidad e para lá
seguiu. Nada encontrou, para sua frustração. Dali seguiu para Martinica, onde esperava
encontrar Villeneuve e assim forçar uma batalha decisiva. Tampouco encontrou a força
inimiga nessa localidade. No dia 12 de junho tomou conhecimento de que Villeneuve
estava voltando para a Europa, seguindo na direção norte.1766 Prevendo que os franceses
imaginassem que ele permaneceria nas Antilhas por um mês protegendo a Jamaica, Nelson,
apesar de exausto pela travessia e procura pelo inimigo, resolveu voltar imediatamente à
Europa em perseguição a Villeneuve. Para Mahan, Nelson, com sua convicção de que
Villeneuve deveria ser derrotado, custasse o que custasse, “exaltou o gênio acima do talento
e imbuída fé com um poder racional”1767. Para o historiador norte-americano, Nelson era
um homem de fé e também um trabalhador1768. Por sua vez, segundo Laughton, Napoleão
não tinha a mente voltada para as lides navais e não compreendia os desígnios de um
homem como Nelson.1769 Dessa forma não compreendia sua determinação.
Em seu retorno, Nelson acreditava que os franceses voltariam para Toulon e depois
poderiam atacar o Egito. Assim aproou seus navios em direção a Gibraltar, onde teria
informações da passagem de Villeneuve. No dia 18 de julho, agregou a força de
Colingwood próximo a Cadiz, imaginando ainda que Villeneuve desejava atacar o Egito.
Laughton afirmou que muitos críticos de Nelson apontaram como falha sua insistência com
o ataque ao Egito e que Collingwood, não tão inflamado e mais sagaz que Nelson,
acreditou que os franceses desejavam seguir inicialmente para Ferrol e de lá prosseguir para
a Irlanda, de modo a distrair e dividir as forças britânicas. Em realidade, Nelson sugeriu a
Collingwood que Ferrol poderia ser um objetivo e que dificilmente Villeneuve seguiria para
a Irlanda. Assim, em verdade, Collingwood estava equivocado com o ataque à Irlanda e
Nelson estava certo1770. O que em verdade Laughton não explicou foi a insistência de

1765
Sir Alexander Cochrane era tio de Lorde Thomas Cochrane, conde Dundonald que seria o Primeiro
Almirante da Esquadra brasileira na Independência em 1822. Fonte: Ibidem, p. 274.
1766
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 201.
1767
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 303
1768
Ibidem, p. 306.
1769
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 201.
1770
Ibidem, p. 203.
448

Nelson com o Egito. Em verdade, tanto Collingwood como Nelson fizeram previsões
incorretas sobre o destino de Villeneuve.
No dia 19 de julho, Nelson ancorou em Gibraltar e no dia 20 Nelson escreveu em seu
diário de bordo que era a primeira vez desde 16 de junho de 1803 que ele pisava em terra
firme e que em dois anos permanecera a bordo da Victory sem sair, com execeção de dez
dias.1771
Enquanto isso ocorria, o brigue HMS Curieux sob o comando do mestre e comandante
Bettesworth cruzou com a força de Villeneuve, que se dirigia para o norte de Cadiz em
direção ao cabo Finisterre. Ao chegar à Inglaterra, avisou o ocorrido ao Almirantado que
imediatamente despachou uma veloz chalupa para avisar a força bloqueadora com 15
navios de linha defronte a Rochefort sob o comando do contra-almirante Sir Robert Calder
que iniciou a procura da força inimiga. No dia 22 de julho, finalmente, as duas forças se
encontraram e ocorreu o combate. Na refrega, Calder capturou dois navios espanhóis.
Villeneuve, então iniciou uma corrida a Vigo, onde fundearam seus navios desgastados.
Calder o perseguiu, porém não conseguiu forçar um novo combate. Em Vigo, Villeneuve
pôde receber novas provisões, água e tratar suas tripulações cansadas com muitos homens
doentes e debilitados.1772
Em verdade, no UK muitos políticos e cidadãos comuns viram na ação de Sir Robert
Calder uma falha em não destruir a esquadra inimiga naquele combate. Muitos
consideraram que se fosse Nelson que estivesse no lugar de Calder, Villeneuve seria batido.
Esse ponto foi destacado por Mahan, o que acabaria levando esse almirante à corte marcial,
o que trouxe a triste lembrança da execução do almirante Byng na Guerra dos Sete
Anos1773. Para os políticos no UK, Calder falhara por não derrotar Villeneuve e a ameaça
de invasão da Inglaterra continuava, assim dessa maneira ele cometeu uma falha de
julgamento, o que era grave para os padrões da RN.

1771
Idem. Nelson perfez um total de 753 dias de mar contínuos em dois anos de operação, um feito notável.
Para uma comparação com os dias atuais, um navio da Marinha brasileira que se encontra em perfeitas
condições operacionais, navega anualmente cerca de 90 a 100 dias de mar por ano. Assim Nelson nesse
período navegou quatro vezes mais que um navio na atualidade, que possui maior conforto, apoio logístico e
navegabilidade. Um fato extraordinário que demonstra o nível logístico e operacional da Armada Real
britânica na ocasião.
1772
Ibidem, p. 204.
1773
Ver seção 2.1 capítulo 2.
449

Nelson, por sua vez, apoiou seu colega Calder e assim se expressou em uma carta ao
capitão Fremantle, um dos seus comandantes e fiel amigo:

Fiquei em verdade desnorteado pelo relato da vitória de Sir Robert


Calder e a alegria por ela junto com as notícias de que John Bull1774 não
estava feliz, do qual só tenho a lamentar...eu deveria ter lutado contra o
inimigo, assim como fez meu amigo Calder; mas quem pode dizer que
ele terá mais sucesso que outro ? Desejo apenas me confortar com meus
próprios méritos e não por comparação, uma forma ou outra, sobre a
conduta de um oficial irmão.1775

Além de permitir que Calder seguisse em seu capitânea, o HMS Prince of Wales de
98 canhões para a Inglaterra, Nelson autorizou que os capitães Brown do Ájax e Lechmere
do Thunderer acompanhassem Calder como testemunhas de defesa1776. Para Nicholas
Tracy a censura de Calder pela corte marcial pode ter sido motivada pela admiração pública
a Nelson e suas realizações. Gradualmente, para esse historiador, a própria marinha
começou a apoiar Sir Robert o que veio a mudar a opinião geral sobre sua conduta no
combate, o que acabou o inocentando na corte marcial. Calder acabaria sua carreira como
almirante da Esquadra Azul e comandante-em-chefe em Plymouth com o título de barão
Calder of Southwick.1777 Para Laughton, no entanto, Calder foi severamente repreendido
pelo Almirantado1778, o que parece não ter afetado a sua posterior carreira, pois continuou
no serviço ativo. Aqui existe uma clara divergêcia entre Laughton e Naish sobre o resultado
da corte marcial estabelecida. Mahan, por sua vez, indicou que, sob o ponto de vista militar,
a dispensa do Prince of Wales foi um erro, pois ele era um navio de 1a classe e importante

1774
A figura de John Bull foi inventada no início do século XVIII para descrever a nação inglesa como um
todo. John Bull foi apresentado como um personagem honesto, ousado, de fácil trato, facilmente irritável que
gostava de carne, bebida forte, esportes e a companhia de bons amigos. Esse personagem se tornou a
idealização do inglês comum. Fonte: TOYNE, Anthony. An English-Readers History of England. Oxford:
Oxford University Press, 1971, p. 192.
1775
Carta de Horatio Lorde Nelson para Sir Thomas Fremantle a bordo da HMS Victory em 16 de agosto de
1805. Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Despatches. op.cit. p. 409. Essa carta demonstra
o atendimento da liderança de afinidade ao se identicar e justificar a atitude de um colega da Marinha Real
que não era de seu círculo de amizades, mas era, segundo sua visão, um gentleman e honrado oficial.
1776
Esses dois navios passaram a ser comandados por seus respectivos imediatos, tenentes Pilford e
Stockham, respectivamente do Ájax e Thunderer.
1777
NAISH, op.cit. p. 69. Calder morreria em 1818 como almirante da Esquadra Azul. Calder fora
comandante da HMS Victory na batalha do Cabo St Vincent e criticara Nelson por ter se retirado da coluna
para atacar os espanhóis, o que provocou uma reprimenda de Sir John Jervis. Para Mahan, apesar da defesa
explícita de Nelson, Calder era um de seus poucos adversários profissionais. Ver capítulo 5, seção 5.5 e
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 319
1778
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 282.
450

para a batalha que se aproximava, no entanto a “nobreza de coração”, “generosidade” e


“destemor pelas conseqüências”, quando apoiados pela convicção do que era certo por
parte de Nelson, formavam sua “grandeza como combatente”.1779
Nelson encontrava-se muito cansado e em contato com Corwallis, solicitou uma
licença na Inglaterra para onde navegou, chegando em Spithead a bordo da Victory em 18
de agosto. De lá seguiu para Merton, onde se encontrou com Emma e sua filha Horatia. Em
Merton, Nelson descansou durante algumas semanas, recuperando-se da exaustiva jornada.
Villeneuve, reforçado com alguns navios provenientes de Ferrol, contava agora com
29 navios de linha, uma força formidável. Cornwallis, por sua vez, agora comandante-em-
chefe da Esquadra do Canal contava com a força de Collingwood, substituto de Nelson, a
do contra-almirante Sir Richard Bickerton do Mediterrâneo e a de Calder que em breve
deixaria a força para seguir para a Inglaterra e a sua própria, com um total também
expressivo de 35 navios de linha.1780
Villeneuve, depois de recuperado e reforçado, suspendeu em direção a Cadiz onde
chegou a 17 de agosto. Collingwood que se encontrava bloqueando esse porto com uma
força menor, se afastou, evitando o engajamento. Imediatamente, ele enviou a fragata HMS
Euryalus a toda velocidade a Spithead, onde chegou no dia 1 de setembro para informar a
Nelson as notícias. O comandante da Euryalus, capitão Henry Blackwood, seguiu
rapidamente a Merton lá chegando em 2 de setembro pela manhã, já encontrando Nelson
vestido. Ao ver Blackwood, Nelson exclamou : “Estou certo de que você me traz notícias
das esquadras francesa e espanhola e acredito que tenha que derrotá-las”.1781 Arrumou-se
rapidamente e seguiu para o Almirantado em Londres. Laughton nesse ponto é incisivo e
diametralmente oposto da biografia escrita por James Harrison em 1806, uma obra muito
citada pelos biógrafos posteriores.1782 Nela Harrison afirmou que Nelson não estava
propenso a deixar Emma e Merton e que foi convencido por ela a seguir para o mar uma
vez mais. Harrison afirmou que Nelson exclamou perante Blackwood que “se houvessem
mais Emmas haveria mais Nelsons”.1783 Para Laughton essa frase era mentirosa e que ela
foi criada pela própria Emma Hamilton e dita para Harrison, de modo a reafirmar a sua

1779
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 355.
1780
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 205.
1781
Ibidem, p. 206.
1782
Ver Apêndice A).
1783
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 206.
451

atuação “gloriosa” no convencimento de Nelson seguir imediatamente para a guerra1784. Em


verdade, Emma estava pleiteando uma pensão do governo após a morte de Nelson em
Trafalgar e nada como uma “ação gloriosa” para demonstrar o quanto ela fora útil para o
UK naquela ocasião. Essa frase de Nelson era para Laughton uma absoluta falsidade.1785
Robert Southey, anos depois, repetiria a mesma frase atribuída a Nelson em sua biografia
consagrada desse herói1786 o que amplificaria essa mentira muitas vezes posteriormente.
Para Laughton, Nelson pode ter se sentido triste em deixar Emma e Horatia, contudo a
glória em derrotar Villeneuve era mais forte para ele.1787
Mahan, por sua vez, procurou ser mais condescendente com Emma e Nelson nesse
caso específico. Para ele a frase atribuída a Nelson de que “se existissem mais Emmas,
haveria mais Nelsons” era apócrifa. Citou Southey como o principal articulador dessa frase
e disse que a destruição das cartas de Emma por parte de Nelson impedia a análise das
aspirações de glória de Nelson e a aquiescência com ela por parte de Emma. Com essa
afirmação, Mahan foi mais comedido que Laughton na afirmação de que a frase
referenciada havia sido criada por Emma para se enaltecer perante o governo britânico após
a morte de Nelson. Embora demonstrasse desapreço por ela, Mahan foi muito menos
incisivo que Laughton, em relação a saída de Nelson de Merton.
Em uma das idas ao Almirantado, Nelson, antes de suspender na Victory, encontrou-
se com Sir Arthur Wellesley1788 que anos depois recordaria esse encontro e a dupla
impressão que Nelson lhe causara. Diria ele que Nelson era um charlatão cheio de glória
vã, ao mesmo tempo em que era um oficial bem informado e estadista, “realmente um
homem superior”.1789 Para Laughton, Sir Arthur estava certo quanto a vaidade infantil de
Nelson e da necessidade que tinha de ser bajulado, ambas características muito bem
administradas por Emma em relação a ele.1790

1784
Embora se questione a veracidade dessa frase atribuída a Nelson, sem dúvida Emma tinha grande
influência pessoal sobre ele e assim atuou como ‘a mulher’ que influencia na teoria da jornada de Campbell.
1785
Laughton utilizou as palavras “absolute falsehood”.
1786
SOUTHEY, Robert. The Life of Nelson. o p. cit .p. 283.
1787
Há nesse ponto uma etapa cumprida pelo herói Nelson ao ser impedido de continuar em Merton em razão
do cumprimento do dever, segundo a teoria da jornada do herói de Campbell.
1788
Sir Arthur Wellesley receberia posteriormente o título de duque de Wellington, vencedor da batalha de
Waterloo contra Napoleão e transformar-se-ia em um dos grandes heróis britânicos.
1789
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 207.
1790
Idem.
452

No trajeto final de Merton para Porstmouth, onde se encontrava a Victory, as pessoas


se posicionavam ao longo da estrada para cumprimentar Nelson. Isso o deixou
extremamente emocionado. Mahan utilizou o livro de Southey para descrever o júbilo
popular que acompanhou Nelson em seu deslocamento para Portsmouth. Disse Southey que
“muitos estavam em lágrimas, muitos se ajoelharam em sua frente e o abençoaram quando
ele passou. A Inglaterra tivera muitos heróis, mas nenhum como ele”1791. Ao lado de
Nelson estava Hardy. A ele Nelson se dirigiu dizendo “Hardy, antes eu tinha seus aplausos,
agora tenho os seus corações”.1792 Mahan, sempre cioso em enaltecer seu herói, disse que :

As pessoas nas estradas olhavam para ele com uma reverente e


melancólica dependência que não pode ser completamente
compreendidas, mas que se concentram no todo em um nome conhecido
[Nelson]...Eles sabiam também que seus governantes estavam temerosos
a respeito da invasão e em algum modo indefinido Nelson tinha se
colocado e ainda se colocaria entre eles e o perigo [os franceses].1793

Logo que Nelson embarcou na Victory, a multidão se concentrou no cais e na costa


para cumprimentá-lo e desejá-lo boa sorte1794. Em Londres, as mesmas demonstrações de
confiança e júbilo pela partida do herói que salvaria o UK.1795 Para Mahan essa expressão
genuína de sentimentos está “além de qualquer coisa representada em uma peça ou em um
poema famoso...Nelson era conspicuamente o primeiro homem da Inglaterra, o primeiro no
amor do povo e de importância para o estado”.1796
No dia 15 de setembro de 1805, Nelson partia na Victory sob o comando de seu amigo
Hardy acompanhado da fragata Euryalus do capitão Blackwood. Em seu diário de bordo
Nelson escreveu o seguinte:

Às dez e meia saí de minha adorada Merton, onde deixei tudo que
considero mais precioso no mundo para ir servir meu rei e país. Possa o

1791
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 337
1792
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 281. A frase dita por Nelson em inglês foi
“I had their huzzas, I have their hearts now”. A palavra huzza em inglês significa hurra, uma exclamação, que
foi traduzido como ‘aplauso’
1793
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 325
1794
Nelson partiu para mais um ‘teste e desafio’ que acabaria sendo o seu último. Cumpriu assim mais uma
etapa na jornada do herói de Campbell.
1795
Essa demonstração da população inglesa com o seu herói atendeu a característica de salvador segundo a
teoria dos limites do herói na história de Hook.
1796
Ibidem, p. 326.
453

grande Deus do qual adoro permitir-me suprir as expectativas de meu


país e se Ele, em seu supremo desejo, deixar que eu retorne, meus
agradecimentos nunca cessarão e serão oferecidos ao trono de sua
misericórdia. Se Ele em sua grande providência retirar-me da terra, eu me
entregarei com grande submissão, acreditando que Ele protegerá aqueles
que me são caros e os que deixei atrás. O que Ele quiser será feito.
Amem.1797

Ao mesmo tempo em que Nelson partia para lutar contra Villeneuve, ele pressentia
que essa luta seria a sua última1798. Mahan escreveu que Nelson “ele próprio parecia ter já
as vagas premonições de seu fim próximo...tais pressentimentos, apesar dos momentos
solenizados e consagrados, não tinham o poder para amedrontar, nem converter alegria em
desesperança”.1799
Nelson tinha consciência que Villeneuve só se faria ao mar a partir de Cadiz, se
tivesse superioridade tática local e o que ele desejava era a total aniquilação da esquadra
francesa e não apenas um encontro indefinido. Sua busca pela batalha decisiva foi um fator
importante e fundamental para Mahan arquitetar o conceito de ‘batalha decisiva’ como uma
concepção estratégica naval clássica.1800 A chegada, inclusive, de seu grande amigo Sir
Edward Berry comandando seu antigo navio o Agamemnon o trouxe uma grande satisfação.
Exclamou Nelson perante os oficiais da Victory quando Berry se aproximava do capitânea
comandando o Agamemnon, “aí vem Berry. Agora teremos uma batalha !”.1801 Outros
comandantes que faziam parte de seu band of brothers eram Fremantle do Neptune, Israel
Pellew do Conqueror, Eliab Harvey do Temeraire, George Duff do Mars e Edward
Codrington do Orion. Em carta a sua esposa, Codrington diria com satisfação: “Está Lorde
Nelson vindo para nós ? Eu ansiosamente desejo que ele venha...por caridade envie-nos
Lorde Nelson, vocês homens com poder !!”.1802 No dia 29 de setembro Nelson finalmente
se agregou a esquadra e recebeu o comando de Collingwod, que passou a ser seu segundo

1797
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 208. Há nessa passagem uma premonição de Nelson com a
morte, o que fatalmente ocorrerá, cumprindo assim uma etapa da jornada do herói que será o ‘encontro com a
morte’ segundo a teoria de Campbell.
1798
Villeneuve pode ser considerado como um guardião inimigo, uma vez que passou a ser uma fixação de
Nelson a sua destruição em combate, cumprindo assim mais uma etapa da jornada do herói de Campbell.
1799
MAHAN, Alfreda Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 327.
1800
Esse conceito identificado por Mahan aponta para o atendimento da característica “fonte teórica” da teoria
dos limites na história de Hook.
1801
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 284. Berry era um dos favoritos de Nelson,
acompanhando-o desde 1794 no Agamemnon e no Captain..
1802
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 209.
454

em antiguidade. Codrigton escreveria para sua mulher “Lorde Nelson chegou ! Uma grande
alegria geral foi a conseqüência e muitos efeitos virão de nossa mudança de sistema.”1803
Nelson ficou muito emocionado com a receptividade que recebeu de seus
comandados. Disse que “a recepção que encontrei ao me juntar a esquadra me causou a
mais doce sensação de minha vida. Os oficiais que vieram a bordo [da Victory] para me dar
boas vindas esqueceram o meu cargo de comandante-em-chefe no entusiasmo que me
receberam”1804.
Logo ao chegar, Nelson convidou seus comandantes para jantar a bordo da Victory,
de modo a discutir seus planos para a batalha que se avizinhava. Ele tratou todos esses
comandantes como irmãos de armas e amigos pessoais e com toda a delicadeza de um
gentleman e oficial. Todos ficaram fascinados por seus modos e o tratamento
dispensado.1805 Um de seus subordinados, o capitão Codrington, lembraria anos depois a
gentileza de Nelson com uma das cartas trazida por ele da Inglaterra escrita por sua esposa.
Ao dar a carta a Codrington, Nelson disse que ela havia lhe sido entregue por uma lady e
ele tomou como ponto de honra entregá-la pessoalmente, ao invés de enviar por outro
portador1806. Codrington ficou encantado com aquela gentileza.
No dia 09 de outubro, Nelson expediu um memorando detalhando sua idéia de
manobra, o que ele chamou de Nelson´s Touch1807, para combater os franceses e esses
jantares passaram a ser os pontos de reunião com seus subordinados para a discussão de seu
plano. Em essência, a ordem de navegação dos navios seria a ordem de batalha. A idéia era
formar duas linhas de navios com 16 e 17 navios cada uma, a primeira sob o seu comando e
a segunda sob o comando de Collingwood. A linha de Nelson deveria atacar o centro da
linha inimiga, em um ângulo de 90 graus, deixando por bombordo a parte de vante de
Villeneuve, enquanto Collingwood deveria atacar a retaguarda inimiga a partir de décimo

1803
Ibidem, p. 210.
1804
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 339
1805
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 211. Com essa atitude Nelson atendeu as lideranças tipo
imperativos de afinidade, exemplo e ação, segundo conceitos de Keegan, ao estabelecer um vínculo pessoal
com todos os seus comandantes e subordinados, além de demonstrar o exemplo de ser um gentleman apesar
de sua grande fama pessoal. O imperativo de ação foi alcançado quando começou a discutir os seus planos
táticos para a batalha que se aproximava.
1806
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 340.
1807
Mahan analisou a gênese da expressão Nelson Touch cunhada pelo próprio Nelson. Segundo Mahan a
expressão surgiu de uma de suas cartas a Emma quando citou a manobra a ser usada em detalhe e outra
interpretação seria o motto que ele adotaria “Touch and take”, ‘toque e tome’ após a batalha, caso vivesse.
Fonte: MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 353
455

segundo da coluna, também em um ângulo de 90 graus. Com essa idéia, Nelson previa que
a parte de vante do inimigo não poderia retornar para o combate rapidamente, em razão da
dificuldade de se guinar 180 graus em um navio à vela e que concentrando no centro e na
retaguarda ele teria superioridade de meios em confronto. Era por certo uma idéia ousada e
ia contra as regras estabelecidas nas quais a formação de uma linha contínua era a mais
indicada1808. Nelson inovara e excedia-se como um tático brilhante. Três fatores seriam
fundamentais para essa idéia dar certo, a confusão que provocaria na linha inimiga, a
concentração em dois pontos da força de Villeneuve e o tempo gasto para a manobra
ofensiva1809. Mahan, em seu livro biográfico, descreveu detalhamente a idéia de manobra
tática de Nelson para enfrentar Villeneuve, porém por ser muito específica e fugir ao
propósito dessa tese, preferiu-se não analisar essa manobra em detalhe.
Enquanto isso ocorria, Napoleão enviara o substituto de Villeneuve via Madrid, o
vice-almirante Rosily, determinando, como uma forma de pressão, que Villeneuve
suspendesse de Cadiz e se dirigisse para Toulon, de onde atacaria a costa italiana. Apesar
de todas essas ações, Napoleão estava com os olhos voltados para a Alemanha e a
propalada invasão da Inglaterra estava ficando em segundo plano.
Nelson verificou que seus navios precisavam se abastecer de víveres e assim
determinou que um dos seus esquadrões, sob o comando do contra-almirante Sir Thomas
Louis se dirigisse para Gibraltar, onde faria um abastecimento rápido com ordens para
voltar imediatamente para a esquadra de modo a enfrentar Villeneuve. Louis protestou
alegando que não queria se afastar da ação, no entanto Nelson o tranqüilizou, afirmando
que Gibraltar estava próximo e ele não perderia a batalha por nada.1810 Louis, então, com
seis navios deixou a força principal e se dirigiu a toda velocidade possível para Gibraltar.
Nelson agora permaneceu com 27 navios de linha.
Antes de entrar em combate, Nelson deu ordens para que todos escrevessem suas
últimas cartas para as famílias. Os comandantes de unidades, então, recolheram toda a
correspondência e entregaram ao comandante de um brigue que as levaria para a Inglaterra.
Em sequência, o brigue suspendeu a toda a velocidade para o norte. No convés da Victory
Nelson percebeu uma agitação envolvendo seu ajudante de ordens e oficial de sinais,

1808
Ver capítulo 2, seção 2.4 e a discussão das táticas navais no século XVIII.
1809
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 348
1810
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 286.
456

tenente Pasco. Ao ver que Pasco gesticulava excessivamente no convés, Nelson o chamou.
Perguntou o que lhe afligia, no que foi dito que nada que tirasse a atenção de Nelson. Isso
não o satisfez. Voltou a perguntar a Pasco o que era. Constrangido, ele finalmente explicou
a sua agitação. Um contra-mestre da Victory, que tinha se distinguido nas fainas
marinheiras de bordo e que recolhera a correspondência de seus amigos, esquecera de
enviar a sua própria carta que estava em um de seus bolsos. Nelson, imediatamente, deu
ordem a Pasco que chamasse de volta o brigue para incluir a carta desse modesto contra-
mestre. O ajudante de ordens, então, chamou por sinais o navio de volta para incluir a carta
esquecida de um simples contra-mestre da Victory. Pasco, já almirante, lembraria anos
depois esse fato e explicou que não sem razão os marinheiros adoravam Nelson e que, ao
sempre se lembrar deles, ele conquistou seus corações por mostrar o seu próprio
coração.1811 Mahan fez questão de descrever esse fato, para enaltecer ainda mais o seu herói
Nelson.
No dia 19 de outubro, Villeneuve suspendeu com toda a sua força de Cadiz em
direção ao estreito de Gibraltar. Quase ao mesmo tempo, a chalupa inglesa Weasel
percebeu a movimentação francesa e deu o alarme para Nelson, que se encontrava próximo.
No dia 21 de outubro, de manhã cedo, a esquadra britânica se defrontou com a força
de Villeneuve a cerca de dez milhas de distância, próximo ao cabo Trafalgar. Estava para
começar a maior batalha naval das Guerras Napoleônicas. Segundo Laughton “cada
comandante de navio da esquadra sabia precisamente o que deveria fazer...somente três
sinais foram içados ao se avistar a força inimiga: 1- formar ordem de navegação em duas
colunas; 2- preparar para a batalha; 3- seguir em sucessão o rumo estabelecido pelo
almirante”.1812 Villeneuve já ordenara a formação de uma coluna de navios, conforme
prescrito nas instruções de combate. Ao perceber a esquadra de Nelson, o almirante francês
ordenou uma guinada para o norte de modo a alcançar Cadiz, uma vez que o herói inglês se
posicionou para atacá-lo próximo a Gibraltar. A formatura da coluna franco-espanhola com
33 navios de linha1813, além das fragatas, demorou para ser formada, em razão do pouco

1811
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 360. Há nessa história contada por Pasco e
transcrita por Mahan o atendimento da liderança tipo imperativo de afinidade ao manter um vínculo com
todos os seus subordinados.
1812
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 215.
1813
Desse grupo de 33 navios, 18 eram franceses e 15 espanhóis. O comandante geral era o vice-almirante
francês Villeneuve, o comandante espanhol mais antigo era o vice-almirante Gravina. Os outros almirantes
457

vento reinante e do baixo adestramento das tripulações segundo Laughton.1814 A formatura


de cerca de cinco milhas,1815 que deveria ser uma linha contínua, ao final da manobra,
tornou-se uma lua crescente1816.

Figura 6 – Fonte : MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v2. op.cit. p. 370.

Os britânicos então formaram duas colunas e seguiram em um ângulo de 90 graus


para interceptar os franco-espanhóis, sendo que a linha mais ao norte era comandada por
Nelson na Victory com 12 navios, enquanto que a linha mais ao sul era comandada por
Collingwood na Royal Sovereign com 15 navios, mantendo uma distância de uma milha
entre elas. O vento vinha na direção oeste/nordeste e a força de Villeneuve seguia na
direção norte. Na coluna de Nelson vinham nas três primeiras posições a Victory, a
Temeraire, e a Neptune. Na coluna de Collingwood seguiam nas três primeiras posições a
Royal Sovereign, a Belleisle e Mars.1817 A aproximação foi lenta em virtude do fraco vento

eram os contra-almirantes franceses Dumanoir le Pelley e Magon e espanhóis vice-almirante Alava e contra-
almirante Cisneros.
1814
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 287.
1815
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 370.
1816
Ver Figura 6.
1817
Ver Figura 6.
458

reinante. Nelson então desceu para a sua câmara e fez o último lançamento em seu diário.
Escreveu ele o seguinte:

Possa o grande Deus, que eu adoro, conferir ao meu país e para o


benefício da Europa de modo geral, uma grande e gloriosa vitória e que a
má conduta de alguém não a macule e possa a humanidade depois da
vitória ser um aspecto predominante da esquadra britânica. Eu coloco
individualmente minha vida em Suas mãos que me criou e possa Sua
benção iluminar minhas realizações para servir meu país fielmente...visto
que os eminentes serviços de Emma Hamilton, viúva do honorável Sir
William Hamilton, tem sido de grande valor para nosso rei e país,
segundo minha ótica, sem receber qualquer recompensa do rei e do
país...deixo Emma Lady Hamilton por isso, como um legado ao meu rei e
país e que eles dêem amplo apoio para sua manutenção em vida. Deixo
também ao beneficio de meu país minha filha adotiva Horatia Nelson
Thompson e peço que ela use no futuro somente o nome Nelson. Esses
são os únicos desejos que peço a meu rei e país nesse momento quando
vou travar sua batalha. Possa Deus abençoar meu rei e país e a todos que
eu estimo...Nelson e Bronte, testemunhas: Henry Blackwood1818 e
Thomas Hardy.1819

Além desse testamento, Nelson escreveu uma carta para Emma e outra para Horatia.
Para a primeira disse “cuidarei que meu nome seja o mais adorado para você e Horatia, a
ambas amo como minha própria vida”, enquanto para a segunda escreveu “fiquei feliz em
saber que você é uma menina muito boa e ama minha querida Lady Hamilton que a ama
muito...receba minha querida Horatia, a benção afetuosa e paternal de seu pai, Nelson e
Bronte”1820. Essas cartas foram encontradas por Hardy após a batalha e entregues a Emma.

1818
Blackwood, um amigo pessoal de Nelson, se encontrava a bordo da Victory por solicitação dele, em razão
de Blackwood comandar as fragatas da esquadra. Nessa ocasião, Blackwood, aproveitando sua amizade com
o almirante, solicitou a assunção de comando de um dos navios de linha o Ájax ou o Thunderer que estavam
sob o comando de seus imediatos, tenentes Pilfold e Stockham, em razão de seus comandantes terem seguido
com Calder para a corte marcial como testemunhas. Nelson sabia que essa assunção não seria bem apreciada
pelas duas tripulações e que esses tenentes tinham o direito, por tradição, de comandarem esses navios na
ausência de seus comandantes, dessa maneira declinou de indicar o amigo Blackwood para um dos navios,
alegando que ambos tinham o direito natural a esses comandos. A palavra usada por Nelson para justificar
sua negativa a Blackwood foi ‘birthright’ que não tinha o sentido de ‘direito hereditário’ como indicado nos
dicionários, mas sim ‘direito por tradição’. Mahan considerou tal ato nobre e correto sob o ponto de vista
naval. Fonte: MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 374.
1819
Diário de bordo de Horatio Lorde Nelson em 21 de outubro 1805. Fonte: LAUGHTON, John Knox.
Nelson´ Letters and Despatches. op.cit. p. 428.
1820
Carta de Horatio Lorde Nelson para Emma Lady Hamilton escrita da HMS Victory em 19 de outubro de
1805 e carta de Horatio Lorde Nelson para Horatia Nelson Thompson escrita da HMS Victory em 19 de
outubro de 1805. Fonte: wtj. Letters and despatches of Horatio Nelson october 15th through 21st 1805, letters
XII e XIII.
459

Às onze horas da manhã a distância entre as forças estava a duas milhas, Nelson já no
convés encaminhou o último sinal a Collingwood e aos seus navios. O sinal dizia “A
Inglaterra espera que cada um cumpra o seu dever”1821, no que seria dito por Collingwood a
seu ajudante de ordens, que estava a seu lado “Desejo que Nelson não ice qualquer outro
sinal; nós sabemos o que temos que fazer”.1822 Todos os comandantes sabiam o que fazer
realmente.
No momento em que se aproximava da esquadra inimiga, Nelson virou-se para Hardy
que estava a seu lado e disse “Hardy, o que o pobre Sir Robert Calder daria para estar aqui
conosco agora !”.1823 Calder partira na semana anterior para responder a corte marcial na
Inglaterra. Perdera a batalha por poucos dias. Certamente que ele colheria os louros da
vitória e possivelmente seria poupado do constrangimento de um tribunal militar.
O almirante espanhol Alava, comandante da força de ré, a bordo do navio de linha
Santa Ana, começou a abrir fogo no navio de Collingwood, o Royal Sovereign. Nesse
instante, todos os navios britânicos içaram seus pavilhões de combate. Como segundo da
coluna de Nelson seguia o contra-almirante Lorde Northesk a bordo do Britannia. Por cerca
de 20 minutos, o Royal Sovereign recebeu tiros do Santa Ana e Fougueux, no entanto em
razão do baixo adestramento das tripulações franco-espanholas, os danos foram pequenos.
Às 12 h20min o Royal Sovereign cruzou a proa do Fougueux e a popa do Santa Ana e nesse
momento Collingwood deu ordem de abrir fogo em ambos os navios inimigos. Os tiros
britânicos foram devastadores. Em seguida, o Royal Sovereign guinou para cima do Santa
Ana e o engajou com uma bordada de tiros a curta distância. Nelson tudo observava e ao
verificar a manobra de Collingwood comentou com Hardy “veja como aquele nobre do
Collingwood leva seu navio para a ação”1824. Quase ao mesmo tempo, Collingwood virou-
se para o comandante do Royal Sovereign, capitão Rotherham, e disse “Rotherham, o que
Nelson daria para estar aqui ! “.1825

1821
Houve uma certa confusão no sinal. Seu ajudante de ordens, Tenente John Pasço solicitou a mudança da
palavra confides – confia, como proposto por Nelson para expects – espera, em razão de inexistir no código
em vigor na ocasião bandeira correspondente a confides, existindo, no entanto, bandeira para expects. Fonte:
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 293.
1822
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 221.
1823
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 354
1824
Ibidem, p. 384.
1825
Idem.
460

Outros navios inimigos engajaram Collingwood, no entanto a pontaria foi deficiente.


Em poucos minutos o Belleisle correu em auxílio do Royal Sovereign e aliviou a pressão
inimiga. Tanto o Royal Sovereign como o Belleisle começaram a sofrer grandes avarias, no
entanto outros navios britânicos foram se agregando à batalha e uma grande confusão se
estabeleceu.
A coluna de Nelson se aproximou do centro inimigo onde se encontrava o grande
navio de linha espanhol Santíssima Trinidad de 130 canhões, o maior navio de guerra
construído na Europa, no qual tremulava o pavilhão do contra-almirante Cisneros. Nelson
procurou divisar o pavilhão de Villeneuve, pois acreditava que ele se encontrava no centro
da formatura.1826 Em verdade, Villeneuve estava no Bucentaure bem próximo do
Santíssima Trinidad. Esses dois navios então abriram fogo sobre a Victory por cerca de 40
minutos, no entanto poucos tiros acertaram o navio capitânea de Nelson. Na aproximação
da Victory os tiros começaram a acertar o seu convés, principalmente os disparos dos
mosquetes dos marinheiros e fuzileiros franceses que se encontravam nos mastros. Em
pouco tempo, o convés da Victory começou a encher de mortos, sendo um deles o
secretário de Nelson, o doutor Scott. Um dos tiros passou ao lado de Hardy e Nelson e
quase os atingiu.1827 Alguns dos mastros e o leme da Victory foram também atingidos, o
que obrigou o seu governo a ser conduzido pela secundária cobertas abaixo1828.
Um pouco antes da uma hora, finalmente, a Victory cruzou a popa da Bucentaure e
nesse momento Nelson deu ordem de abrir fogo. Foi uma grande devastação no navio
francês. Os mortos se acumularam no convés. Ao se alinhar com ele a Bucentaure a Victory
desferiu uma grande bordada e Laughton acreditou que cerca de 400 homens foram mortos
ou feridos naquele encontro. Outro navio francês foi engajado por Nelson, o Redoutable.
Os mosqueteiros franceses nos mastros continuaram a varrer o convés da Victory onde se
encontrava Nelson, que usava naquela ocasião seu uniforme de vice-almirante com
medalhas e comendas.1829 Não foi difícil de ser localizado por um desses atiradores

1826
Ver Figura 6.
1827
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 226.
1828
Em caso da perda do timão do leme existia o recurso de se governar o navio nas cobertas abaixo, sendo
que o comandante dava ordens pelo tubo acústico a um timoneiro que ficava agindo diretamente no leme, sem
se expor.
1829
Antes do combate os oficiais da Victory se preocuparam com a segurança de Nelson ao ele usar seu
principal uniforme com as medalhas e comendas. Sabiam que os franceses colocariam atiradores nos mastros
e certamente localizariam Nelson em razão de suas comendas. Pediram, então, cuidadosamente, ao médico de
461

franceses que ao perceber que lá se encontrava um almirante britânico fêz um disparo


certeiro, atingindo Nelson no ombro esquerdo. A bala atravessou o uniforme, entrou no
ombro, varou o pulmão, dilacerou a espinha e se alojou nos músculos das costas. Nelson
caiu no mesmo local onde tombara o doutor Scott.1830 Em seguida, Hardy procurou ampará-
lo, no que foi respondido por Nelson que disse “eles conseguiram finalmente Hardy, sim
minha espinha foi atingida”. Um lenço foi colocado em seu rosto para que os marinheiros
britânicos não percebessem que seu almirante tinha sido ferido. Rapidamente Nelson foi
levado para cobertas abaixo, onde foi constatado pelo doutor Beatty que o ferimento era
realmente mortal. Encontrava-se na enfermaria para onde Nelson tinha sido levado o
reverendo Scott que, ao pressentir a gravidade do ferimento do almirante, ajoelhou-se ao
lado da cama onde ele se encontrava. O almirante, então, pediu em voz baixa a ele que
deixava Lady Hamilton e sua filha adotiva Horatia como um legado para o país. Naquela
oportunidade Nelson disse, também, para Beatty que nada podia ser feito por ele e que
tinha pouco tempo de vida.
Enquanto as ações corriam, Nelson era informado por Hardy de suas conseqüências.
Ele quis saber se algum navio britânico se rendera, o que foi negado por Hardy. Ao sentir
que suas forças estavam diminuindo, Nelson pediu que Hardy rezasse por Emma e que
cortasse um pedaço de seu cabelo para dá-lo a ela. Em seguida, pediu para não ser jogado
pela borda no mar como era tradição na RN para quem falecia em combate.Novamente
pediu que Hardy tomasse conta de Emma e pediu um beijo de seu amigo que prontamente o
beijou no rosto. “Agora estou satisfeito”, disse Nelson. A todos pediu que lembrassem que
ele deixava Lady Hamilton e Horatia como legados ao UK1831. A seu lado, em outra cama,
encontrava-se, também ferido, o seu ajudante de ordens tenente Pasco. Nesse instante
muitos vivas foram escutados por todos na enfermaria. Nelson perguntou a Pasco o que era
isso. Pasco respondeu que eram exclamações de alegria dos marinheiros da Victory pela
rendição de mais um navio inimigo1832. O almirante ficou satisfeito e virou para o lado.
Nelson lutou ainda alguns minutos contra a morte, permanecendo todo o tempo lúcido. Ao

bordo doutor Beatty que solicitasse a retirada das medalhas ao almirante, no entanto em razão da proximidade
da ação, tal solicitação não foi atendida. Mahan acreditou que se pedissem a Nelson a retirada das comendas,
certamente ele ficaria ressentido. Fonte: MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 379.
1830
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 228.
1831
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 304.
1832
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 390.
462

reverendo Scott murmurou “Deus e meu país”.1833 Faleceu finalmente na tarde do dia 21 de
outubro de 1805, em frente ao cabo Trafalgar. Suas últimas palavras às 1630hs foram
“obrigado Deus, cumpri com o meu dever”.1834 Ele tinha 47 anos de idade1835.
Enquanto isso ocorria, muitos oficiais e praças da Victory foram atingidos pelos tiros
dos mosqueteiros franceses nos mastros do Redoutable, incluindo o capitão Adair dos reais
fuzileiros navais. O próprio comandante do Redoutable, capitão Lucas considerou que teria
condições de abordar o navio britânico e determinou a um grupo de seus marinheiros que se
preparassem para tomar por abordagem a Victory. Nesse momento surgiu celeremente o
Temeraire sob o comando do capitão Harvey que abriu fogo com as caronadas e canhões de
bordo contra o Redoutable, matando ou ferindo mais de 200 franceses.1836 Esse ataque foi
decisivo, pois um grupo de abordagem britânico subiu a bordo e se apossou do Redoutable
sem grandes esforços. Quando o seu pavilhão foi arriado encontravam-se mortos ou feridos
522 homens de uma tripulação de 643 tripulantes.1837
Na linha de Collingwood, o Fougueux encontrava-se bem avariado e derivava para
cima do próprio Temeraire, que não perdeu tempo para realizar outra grande bordada de
tiros, fazendo com que o Fougueux praticamente se rendesse a outro grupo de presa do
Temeraire sob a chefia de seu imediato tenente Kennedy. Seu pavilhão foi logo arriado e os
britânicos se apoderam do Fougueux, que ao final sofreu mais de 400 homens mortos ou
feridos.1838
Ações individuais ocorreram entre os navios contendores. Os dez navios franco-
espanhóis de vante não participaram da ação, como Nelson previra. Laughton apontou que
as colunas britânicas sofreram pouco por que o adestramento dos navios espanhóis e
franceses era deficiente, conforme também imaginara Nelson.1839
O apêndice E) mostra o número de mortos e feridos no lado britânico e pode ser
percebido que os navios que mais sofreram baixas foram os primeiros das duas linhas. Em
seqüência, a Victory, Temeraire e Neptune na linha de Nelson e Royal Sovereign, Belleisle

1833
Ibidem, p. 396.
1834
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 234.
1835
Nelson encontrou-se finalmente com a morte e assim atendeu a penúltima etapa da jornada do herói
segundo a teoria de Campbell.
1836
Ibidem, p. 229.
1837
Idem.
1838
Idem.
1839
Ibidem, p. 230.
463

e Mars, da linha de Collingwood, decrescendo conforme se aproxima dos outros navios das
linhas mais a retaguarda. Isso demostra que os primeiros navios foram os que abriram o
caminho e que o engajamento dos demais ocorreu em melhores circunstâncias e
concentrados, quando os franco-espanhóis estavam praticamente batidos.
O Santa Ana, com o almirante Alava gravemente ferido, o Monarca, Bahama,
Algesiras, Swiftsure e Berwick arriaram seus pavilhões com cerca de 400 mortos e feridos
em cada um deles. O Bucentaure de Villeneuve foi terrivelmente atingido pelo fogo dos
Neptune, Leviathan e Conqueror, vindo a arriar o seu pavilhão. O almirante Villeneuve e
seu estado-maior entregaram suas espadas ao capitão Atcherley dos fuzileiros reais do
Conqueror que abordara o capitânea. Atcherley considerou que não poderia receber essas
espadas de oficiais mais graduados que ele e os levou para o seu navio, que já se afastava
para engajar outro antagonista. Assim Atcherley, em um pequeno barco, levou Villeneuve e
seus oficiais para o navio britânico mais próximo o Mars onde ficaram prisioneiros.1840
Os navios de vante da força franco-espanhola, sob o comando do contra-almirante
Dumanoir no Formidable, ainda tentavam se aproximar do combate, mas em razão da
dificuldade em guinar 180 graus, só depois de muitas horas conseguiram engajar com os
britânicos, o que nada adiantou, pois era muito tarde para se reverter a derrota. O San
Augustino foi atacado pelo Leviathan e se rendeu. O Intrepide foi atacado simultaneamente
pelo Africa, Orion, Ajax e Agamemnon, vindo também a se render. Dumanoir, vendo a
futilidade de suas ações, resolveu, com os navios restantes, se evadir do combate e guinar
para o sudoeste e afastar-se da ação. Laughton acreditou que se Dumanoir tivesse guinado
com maior velocidade e trouxesse seus navios em um só corpo, poderia causar estragos no
lado britânico.1841
Um dos navios de Dumanoir, o Neptuno, não conseguiu se evadir e foi alcançado
pelos Minotaur e Spartiate e depois de um combate ferrenho arriou o seu pavilhão e se
rendeu. Ele e o Intrepide foram os útimos navios a se renderem no combate. Às cinco horas
da tarde a batalha finalmente terminou. Dos 33 navios franco-espanhóis que começaram a
ação, dezoito se renderam aos britânicos, incluindo os navios capitâneas de Villeneuve, o
Bucentaure, do contra-almirante francês Magon, o Algesiras, do contra-almirante espanhol

1840
Ibidem, p. 232. O comandante do Mars capitão George Duff havia morrido em combate, assim Villeneuve
entregou sua espada a seu imediato.
1841
Ibidem, p. 233.
464

Cisneros, o Santíssima Trinidad e do vice-almirante espanhol Alava, o Santa Ana, um


explodiu, o Achille e os outros fugiram da cena de ação. Foi uma vitória esmagadora. A
maior batalha naval das Guerras Napoleônicas.
Laughton fez algumas críticas a Collingwood que deveria perseguir os fugitivos,
principalmente a força francesa sob o comando de Dumanoir. Disse ele que Collingwood
era um oficial bravo, um bom marinheiro e um esplêndido segundo em comando, no
entanto, não tinha o gênio de um grande comandante como Nelson e certamente estava sob
intenso frenesi de combate no momento decisivo da vitória total. Nelson, para ele, teria
perseguido os navios inimigos e os destruído um a um.1842
Como um capricho do destino, os navios de Dumanoir que escaparam de Nelson
encontraram perto do cabo Ortegal no dia 4 de novembro um esquadrão britânico sob o
comando do contra-almirante Sir Richard Strachan e foram capturados facilmente. A
vitória de Nelson foi total e completa.
A batalha de Trafalgar destruiu completamente a coalizão naval franco-espanhola
formada por Napoleão e afastou definitivamente a ameaça de invasão da Inglaterra. O
poder naval francês foi varrido dos mares e por cerca de dez anos o comando do mar ficou
nas mãos da RN. Para Laughton a maior importância da batalha foram as lições
apreendidas pelos sucessores de Nelson daqueles que “lutaram nobremente e prevaleceram
90 anos atrás”.1843
As tripulações britânicas ficaram consternadas ao saber da morte de Nelson. Os
despachos de Colingwood com as notícias da morte de Nelson chegaram ao Almirantado
somente no dia 6 de novembro, trazidos pela escuna Pickle sob o comando do Tenente
Lapenotiere1844. A alegria popular com a vitória foi quase esquecida pela notícia da morte
de seu maior herói. A glória e o ganho da vitória pareciam estar perdidos pela morte do
herói que a tinha obtido. A Victory chegou em Spithead em 5 de dezembro, transportando o
corpo de Nelson que veio colocado em um barril de brandy. Ao chegar em Spithead seu
corpo estava em perfeito estado de preservação. Em seguida ele foi transportado por um

1842
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 305.
1843
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 238. O livro de Laughton foi escrito em 1895, cerca de 90
anos depois.
1844
Lapenotiere acabou sendo promovido a mestre e comandante e a capitão em 1811. Fonte: LAUGHTON,
John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 307.
465

séqüito de embarcações pelo rio Tâmisa até o Painted Hall em Greenwich. Lá permaneceu
em exposição pública de 4 a 8 de janeiro de 1806 para as exéquias e visitas da população.
No dia 8 o féretro solene com o corpo de Nelson foi transportado por barcos de Greenwich
para o Whitehall e de lá seguiu por carruagem até o Almirantado. No dia 9 ele foi carregado
por diversos almirantes em um caixão que, conforme seu desejo, foi construído com o
madeirame do navio francês L´Orient que explodiu em Aboukir. Dentre os almirantes e
membros da família real que carregaram o seu corpo estavam o príncipe de Gales, futuro rei
Jorge IV, seu grande mentor e amigo Sir Peter Parker, Lorde Hood, Lorde Radstock e o
duque de Clarence, futuro William IV, além de toda a família real. Do Almirantado o
féretro seguiu até a catedral de Saint Paul, onde foi enterrado em uma cripta, que
inicialmente seria para o cardeal Wolsey, do tempo de Henrique VIII e que lá ficou sem uso
até a morte de Nelson. A cripta permanece até hoje em Saint Paul com o corpo de Nelson,
embora Laughton considere tal cripta feia e grotesca.1845
Como homenagem a Nelson, seu irmão William foi declarado par da Inglaterra e
distinguido com o título de conde Nelson de Trafalgar e Merton, sendo o seu título passado
para os seus descendentes masculinos e de suas irmãs, senhoras Bolton e Matcham. Foram
doadas quinze mil libras a cada uma de suas irmãs e duas mil libras anuais a Lady e
viscondessa Nelson. Lady Nelson recebeu ainda 99 mil libras para a aquisição de um
terreno associado ao título. O ducado de Bronte na Sicília foi passado para a filha mais
velha de William, que se casou em 1810 com o visconde de Bridport. Collingwood foi
elevado a barão com o título de barão Collingwood de Caldburne e Hethpoole em
Northumberland. Como não teve filhos homens, o título se extinguiu com sua morte em
18101846.
Laughton fez questão de apontar que para Emma, apesar dos pedidos veementes de
Nelson em seu diário, com duas testemunhas presentes, nada foi dado. Para o historiador
inglês o governo tinha consciência que Nelson fora enganado por ela e que os serviços
prestados por Emma a GB, que Nelson alegou enfaticamente em seu testamento, só
existiram na imaginação dela. Emma tampouco teve sorte, pois o Primeiro Lorde do
Tesouro na época da morte de Nelson era Lorde Grenville que fora Secretário do Exterior

1845
LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial . op.cit. p. 319.
1846
Ibidem, p. 311.
466

quando Emma se encontrava em Nápoles e sabia que as alegações de que Emma prestara
relevantes serviços a coroa britânica eram fictícias1847. Além disso, as alegações judiciais
de que ela era esposa de Nelson eram absurdas, pois suas conexões com ele eram sempre
negadas e Horatia não era reconhecida oficialmente como filha de ambos. Muitos,
inclusive, acreditavam que a relação dos dois era apenas platônica.1848 Os membros do
Parlamento tinham consciência, segundo Laughton, que Emma já tinha boas fontes de
rendas, cerca de duas mil libras anuais, provindas de seu falecido marido e do próprio
Nelson. A conduta de Emma para Laughton não inspirava a menor simpatia. Para ele, ela
nunca amou Nelson e seu único amor verdadeiro foi Greville, sobrinho de Sir William
Hamilton, que praticamente a vendeu ao tio. A vaidade guiava suas ações e a adoração de
Nelson por ela aumentou ainda mais a sua posição predominante em Merton. As atitudes
extravagantes de Emma, quando Nelson estava no Mediterrâneo, não eram condizentes
com uma mulher ligada por forte paixão a ele.1849 Laughton considerava Emma uma grande
artista que, ao saber da morte de Nelson, ao invés de pranteá-lo no interior de sua casa em
Merton, preferiu demonstrar a todos o seu sofrimento de um modo explícito, indo
diariamente ao teatro em Londres para assistir a música “A morte de Nelson” cantada por
Braham, chorando exatamente no mesmo refrão e desmaiando no refrão final.1850 Emma
acabaria dilapidando tudo o que conquistou, inclusive a casa de Merton. Acabou presa por
dívidas e morreu sem esplendor em Calais na França em 1815. Nelson deixou uma pensão
de quatro mil libras para sua filha Horatia, que finalmente tirou o Thompson do nome,
tornando-se Horatia Nelson. Ela viveu sob os cuidados das irmãs de Nelson e em 1822
casou-se com o reverendo Philip Ward, vigário de Tenterden em Kent. Morreu em 18811851
Laughton terminou sua biografia afirmando que “entretanto a mais verdadeira, a mais
nobre, o maior monumento nos corações do povo inglês, onde purificado de todas as
manchas terrenas, sua memória vive venerada como um ideal de heroísmo, auto-sacrifício e
dever”1852. Para Laughton, Nelson foi o ideal perfeito do herói nacional inglês.

1847
Idem.
1848
Ibidem, p. 312.
1849
Ibidem, p. 313.
1850
Ibidem, p. 314.
1851
Ibidem, p. 316..
1852
LAUGHTON, John Knox. Nelson . op.cit. p. 240.
467

Mahan, por sua vez, em uma última reverência e homenagem a seu herói morto em
ação em Trafalgar, disse o seguinte em sua biografia, como palavras derradeiras:

Ali, rodeado de seus companheiros de triunfo, e pelos troféus de suas


proesas, deixamos nosso herói com suas glórias. Compartilhando nossas
mortais fraquezas, ele nos legou um tipo de auto-devoção que não pode
acabar. Como o seu hino funerário proclamou enquanto a nação chorava
‘seu corpo está enterrado em paz, mas seu nome vive para sempre’.
Guerras podem acabar, mas a necessidade de heroísmo não deve acabar
nessa terra, enquanto o homem permanecer homem e o mal existir para
ser remediado. Onde quer que o perigo tiver que ser encarado ou o dever
ser realizado, ao custo de vidas, homens terão inspiração no nome e nos
feitos de Nelson... ele não precisou e não deixou nenhum sucessor. Para
usar novamente as palavras de St Vincent ‘só há um Nelson’.1853

1853
MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v2 op.cit. p. 397 e 398.
468

CONCLUSÃO

Nelson tem sido o mais festejado herói britânico de todos os tempos. A cada ano na
noite do dia 21 de outubro, todos os navios e estabelecimentos navais do UK celebram com
um jantar de gala a vitória do almirante na batalha naval de Trafalgar. Essa noite é chamada
de Trafalgar Night. Mesmo algumas unidades navais dos EUA celebram a Trafalgar Night
como uma reverência a Nelson.1854
Não só na Trafalgar Night Nelson é lembrado. Monumentos em sua homenagem se
espalham pela Inglaterra, Escócia, Irlanda, Nova Zelândia, Austrália e em muitos outros
países. Existem estátuas de Nelson na catedral de St Paul em Londres, em Liverpool, em
Castle Arch em Cork, em Portsdown Hill, Birmingham, Bristol, Norwich, Yarmouth,
Dublin, Edinburgh, Glasgow, Porstmouth, Norfolk, Bridgetown em Barbados e em outra
dezena de lugares. Entretanto o mais significativo monumento a Nelson está localizado no
centro da cidade de Londres em Trafalgar Square, próximo ao National Gallery e da bela
igreja de Saint Martin-in-the-Fields, a coluna de Nelson.
Em 1940 Adolf Hitler declarou, logo após a vitória sobre a França, que assim que a
Operação Leão do Mar tivesse sucesso, removeria a coluna de Nelson em Trafalgar Square
para Berlim, para ser observada pelo povo alemão como um objeto de fetiche. Disse ele que
“desde a batalha de Trafalgar a coluna de Nelson representa para a Inglaterra um símbolo
do seu poder naval e domínio mundial. Seria então uma forma expressiva de indicar a
vitória germânica, se a coluna Nelson fosse transferida para Berlim”1855.
Além desses monumentos, o nome de Nelson tem sido reverenciado por
colecionadores que procuram objetos que se relacionam ao herói de Norfolk. A esse
movimento de colecionadores dá-se o nome de nelsonia. A nelsonia pode ser dividida em
duas categorias distintas de coleções. A primeira incluindo instrumentos e objetos que
foram por ele tocados ou produzidos, tais como cartas, instruções para subordinados,
objetos de casa, pratos, canecas, garfos, facas, porcelanas e outros produtos que a ele
pertenciam. A segunda categoria inclui produtos comemorativos dos feitos de Nelson desde
1790 até os dias atuais. A ele não pertenceram, porém em homenagem a ele foram

1854
HAYWARD, Joel. op.cit. p. Viii.
1855
FRASER, Flora. If you seek his monument. In: WHITE, Colin.(ed). The Nelson Companion.
Gloucestershire: Bramley Books, 1995, p. 129.
469

produzidos, tais como pinturas, quadros, porcelanas, selos, caixas comemorativas, revistas,
jornais, bustos e canecas1856. Muitas vezes esses objetos das duas categorias alcançam
milhares de libras em leilões britânicos.
Afinal, o que leva milhares de pessoas a até hoje se lembrarem de Nelson ? Quais as
similaridades e discordâncias percebidas de Nelson nas biografias escritas por Sir John
Knox Laughton e Alfred Thayer Mahan ? Que autor ou autores do século XIX que
discutiram o papel do grande homem ou herói na história mais se aproximam da visão de
Laughton e Mahan a respeito de Nelson ? Estaria ele atendendo a teoria dos limites do herói
na história de Sidney Hook, segundo essas biografias ? Teria Nelson completado parte ou
totalmente a jornada do mito do herói imaginado por Joseph Campbell, segundo os textos
de Laughton e Mahan ?

- Comparação entre as biografias de Nelson escritas por Sir John Knox


Laughton e Alfred Thayer Mahan.

Tanto as trajetórias como as percepções de se pesquisar e escrever a história naval são


distintas para Laughton e Mahan. Nos apêndices F) e G) estão indicadas essas diferenças e
concordâncias que, por certo, os influenciaram no modo como perceberam e escreveram
suas biografias sobre Nelson. Como grandes diferenças de percepção, pode-se apontar as
diferentes formações entre os dois, sendo Laughton um produto da Universidade de
Cambridge, com ênfase no método científico, enquanto Mahan era proveniente da
Academia Naval de Annapolis, com uma formação técnica voltada para a carreira do oficial
de marinha. Essas diferentes formações se refletiram no modo de escrever a história, sendo
Laughton um autor acadêmico, enquanto Mahan era um historiador empírico. Os estilos
também eram diferentes, sendo Mahan mais emocional que Laughton, que procurava
limitar sempre que possível os seus adjetivos sobre Nelson. O uso de fontes parece ter sido
idêntico, pois embora Mahan não apreciasse a pesquisa arquivística primária, no caso do
Life of Nelson, ele fez questão de se valer de documentação primária para compor o seu
biografado. Laughton apreciou a pesquisa arquivística em toda a sua obra. Para Mahan a

1856
RICHARDS, Clive. The Nelson Collection of Clive Richards. The Naval Review. V.99, n. 4, London:
NR, november 2011, p. 395.
470

história era prescritiva e uma ferramenta para a estratégia, o que se refletiu no texto, ao se
concentrar, detalhadamente, nos aspectos táticos e técnicos dos combates de Nelson, fruto
de sua formação militar, enquanto Laughton foi menos ‘estratégico’ e mais historiador em
sua abordagem, em razão de sua atuação docente no King´s College. O autor inglês
percebia a história naval como uma parte da história geral e enaltecia o caráter acadêmico e
científico dessa disciplina. Ambos, no entanto, problematizaram as suas biografias, fato que
na obra completa de Mahan não tivera tanta relevância. Mahan via a providência como a
condutora do processo histórico, enquanto Laughton percebia a história como um processo
contínuo, sem ser guiado pela vontade de Deus. Por certo que, tanto Mahan como
Laughton, atuaram como juízes nas suas biografias, julgando o tempo todo a conduta de
Nelson, no entanto Mahan foi muito mais crítico que Laughton, que procurou limitar as
críticas, mantendo-se afastado de certos julgamentos morais, tão caros para o seu colega
norte-americano. Laughton foi vitoriano em sua abordagem, apontando deslizes, no entanto
não enfatizou esses pontos como primordiais em sua biografia, preferindo se ater ao que
realmente interessava, indicar a superioridade de Nelson perante seus pares e adversários e
sua importância para a história naval britânica.
Ao se analisar comparativamente as visões de Laughton e Mahan sobre Nelson, deve-
se dividir essa questão em dois pontos distintos. O primeiro o caráter militar e o segundo a
conduta da vida privada do herói de Burham Thorpe.
No ponto de vista militar, Nelson era um herói reverenciado tanto por Laughton como
Mahan, no entanto alguns pontos não foram coincidentes entre os dois historiadores. Como
chefe militar, tanto Laughton como Mahan, tinham em Nelson um exemplo de marinheiro,
comandante e almirante e não à toa ele era considerado o maior herói da RN de todos os
tempos, suplantando, inclusive, ícones como Sir Francis Drake, Sir Walter Raleigh, Sir
George Monck, Lorde Howe e Lorde St. Vincent.
Laughton não apreciou a indisciplina de Nelson em relação a seus comandantes, em
especial sua postura perante o almirante Hugues e o capitão Moutray. Para o autor inglês
Nelson deveria obedecer a ordem e depois ponderar a conveniência daquela determinação.
Essa postura indisciplinada de Nelson, de uma certa forma, se refletiu no ostracismo, após
seu retorno à Inglaterra. Mahan, um defensor, procurou justificar essa conduta imprópria de
Nelson com seus superiores, afirmando que ele possuía independência de pensamento e
471

atitudes que apontavam uma genialidade inata e que, em certas situações, essa postura foi
fundamental para indicar o caminho correto. Para Mahan seu ostracismo se deveu mais a
sua conduta de apoio ao duque de Clarence em relação ao rei Jorge III do que qualquer
outra atitude. Sua admiração por Nelson o cegou de sua formação militar que indicava
obedecer primeiro e ponderar depois, como pretendido pelo historiador inglês. Nesse ponto
percebe-se que sua admiração por Nelson foi mais forte que a formação militar apreendida
em Annapolis. Um caso, entretanto, que ambos concordaram foi a crítica e desobediência
de Nelson com a ordem dada pelo almirante Lorde Keith para que ele se dirigisse a Malta,
ao invés de permanecer parado em Nápoles. Nelson não obedeceu a seu chefe e tanto
Laughton como Mahan criticaram essa atitude insubordinada. Para ambos, Emma foi a
razão dessa insubordinação e talvez por isso Mahan tenha criticado o seu herói. Como se
percebe em todo o texto, Mahan tinha grande antipatia com Emma Hamilton. Mahan,
sempre ávido a justificar o seu herói, indicou em Nelson, além de independência de
atitudes, uma grande capacidade de assumir responsabilidades, sem procurar imputar a
outros os seus fracassos. Laughton, também, indicou essa característica de Nelson, no
entanto foi comedido em seus elogios, de acordo com uma postura vitoriana típica em
economizar adjetivos.
Sobre o caso Caracciolo a posição de Nelson favorável ao enforcamento desse nobre
foi apoiada tanto por Laughton como por Mahan. Ambos consideraram que Caracciolo foi
um traidor e passível da pena de morte. O que nenhum dos dois conseguiu explicar
convenientemente foi por que Nelson não concedeu a Caracciolo a possibilidade de ser
fuzilado ao invés de ser enforcado, mais apropriado para um alto membro da corte
napolitana. Teriam Emma ou a rainha Maria Carolina influenciado Nelson para essa atitude
extrema? Laughton não acreditou nessa possibilidade, no entanto Mahan, por ter uma
antipatia natural por Emma, apontou que as idéias de sua amante podem ter sido decisivas
para a atitude de Nelson. Assim Emma pode ter sido,indiretamente, responsável por essa
atitude cruel de Nelson.
Dessa forma, pode-se concluir que tanto Laughton como Mahan perceberam e
admiraram Nelson da mesma forma, um herói naval a ser reverenciado no UK, diferindo
apenas em intensidade e em pontos específicos que não afetaram essas duas percepções,
472

sendo Mahan mais veemente em sua defesa do herói, enquanto Laughton foi mais
comedido em seus elogios.
Quanto à vida privada de Nelson, as diferenças foram mais acentuadas entre os dois
historiadores. Laughton apontou que Nelson não amava sua esposa Frances, pois suas
cartas eram distantes, centradas e sem arrebatamentos emotivos, indicando mais uma
ternura do que amor e paixão. O autor inglês procurou comentar pouco a vida privada de
Nelson, dentro do espírito vitoriano, no entanto certas posturas de Nelson não podiam ser
ignoradas e Laughton não pôde fugir desses fatos. Para ele Emma era uma mentirosa
contumaz, embora tivesse algumas qualidades que não podiam ser desprezadas. Para ele
Frances errou ao manter-se contida e distante de Nelson, em uma ocasião em que ele vinha
se envolvendo com a mulher do embaixador inglês no Reino das Duas Sicílias. Percebeu o
que ocorria e nada fêz para mudar aquela situação, principalmente ante a atitude de uma
mulher que transpirava sensualidade e desinibição como Emma. Além disso, Frances veio a
se atritar com Nelson em razão de seu filho Josiah não ter a proteção de seu marido, que ela
considerava necessária. Laughton indicou, no entanto, que Josiah vinha tendo um
desempenho profissional abaixo da crítica, após a proteção explícita de Nelson, o que
provocou um distanciamento dele para com Josiah e por conseguinte Frances. Essas brigas
entre ela e Nelson aceleraram a separação. Frances teve, assim, sua parcela de culpa na
atração de seu marido por Emma e na posterior separação. Laughton imputou o adultério de
Nelson como um reflexo de sua própria personalidade passiva perante a adulação explícita
de Emma e do convencimento, por parte dela, de que tinha uma relação platônica com Sir
William, atuando o último mais como um tio do que como marido. Assim, para o
historiador inglês, Nelson não foi hipócrita ao enganar o seu amigo Sir William. Nelson era
um ingênuo e se envolveu com Emma por puro amor, considerando que Sir William não a
considerava sua esposa, mas apenas sua ‘sobrinha’ que podia ser seduzida por ele. Para
Laughton, Emma nunca amou Nelson verdadeiramente, sendo assim uma mentirosa
compulsiva e ávida por fama, dinheiro e aventura.
Para Mahan, por sua vez, Frances não despertava grande paixão em Nelson, além
disso ela não exaltava as glórias e realizações de seu marido, o que teria provocado, em
parte, o afastamento dele. Para o historiador norte-americano Emma encarnava o que havia
de pior em um ser humano, embora reconhecesse algumas qualidades como beleza, charme
473

e determinação. Para ele Emma era uma aduladora contumaz, que não media esforços para
convencer Nelson de que ela era uma santa e que tudo faria por ele. Nelson era suscetível
para adulações e logo caiu nos braços daquela bela mulher que era bem diferente de
Frances. Mahan não poupou críticas a Emma em todo o texto e criticou Nelson
severamente por se influenciar por ela. Esse relacionamento afetou a vida do herói como
uma mácula em sua biografia. Emma, por sua conduta dominadora, expôs tanto Nelson
como Sir William ao ridículo, provocando comentários desairosos na sociedade inglesa do
período ao relacionamento dos três, vivendo sob o mesmo teto. Ele foi adúltero e não teve
remorso em expor Frances a situações escandalosas e constrangedoras. Isso, para Mahan,
foi uma mancha terrível em sua biografia. Não pode ser esquecido que Mahan era
excessivamente moralista e religioso, que não perdoava atitudes que fossem contra os seus
princípios. Para ele, Nelson era um herói genial, porém um marido essencialmente adúltero,
enquanto Emma nunca amou realmente Nelson e o que queria era conseguir fama, poder e
enaltecimento por meio dele. Para Mahan, Nelson enganou certamente seu amigo Sir
William tendo um caso com sua esposa, o que era imperdoável. Mahan, também, defendeu
Frances, ao apontar a sua bondade com todos os escândalos que a afetavam. Ela manteve
uma atitude digna e enalteceu Nelson até o fim de seus dias, o que para ele era notável.
Pelo o que se pode concluir com essas percepções é que ambos os autores repassaram
aos textos muito do que eles efetivamente eram como pessoas. Laughton, comedido,
científico e ascético, escreveu sua biografia procurando economizar nos adjetivos, agindo
como um gentleman vitoriano, enquanto Mahan, moralista, emocional e religioso, procurou
apontar Nelson em sua vida privada como um homem com defeitos e qualidades, inclusive
a sua extremada caridade, porém foi um adúltero que maltratou sua esposa e manchou sua
reputação. Por certo, nessas duas biografias, Bakhtin acertou em suas conclusões sobre o
relacionamento entre o biógrafo e biografado.

- Autores que mais se aproximaram das visões de Sir John Knox Laughton e
Alfred Thayer Mahan.

O século XIX efetivamente se destacou como o século da discussão do herói ou dos


grandes homens na história. O herói hegeliano era um homem prático e político, tendo a
474

visão do necessário e do oportuno. Ele era sábio, uma vez que suas ações eram o que
melhor existia em seu período e para Hegel o herói era o homem que melhor compreendia a
sua época, os demais apenas os seguiam, pois sentiam nesse herói a “força irresistível do
seu próprio espírito” vindo de encontro a eles. O herói hegeliano era movido à paixão e sua
vida era composta de trabalho e esforço, sendo que ela terminava cedo, com pouca idade,
no entanto, mesmo que morresse jovem, a história sempre o compreendia e justificava. Para
Hegel o herói não tinha sido um homem feliz e sua vida privada era controversa. O herói
desejava realizar algo grande e suas ações não se ligavam ao imaginário ou ao fictício, mas
sim a situações reais, sendo a glória uma de suas motivações. Para Hegel cada época tinha o
seu grande homem ou herói, sendo ele um instrumento de forças históricas que navegavam
em direção à fama, conquista e glória. Esses são os pontos que os textos de Laughton e
Mahan sobre Nelson o apontam como sendo parte de um herói hegeliano. Sua vida foi
movida pela paixão, pelo necessário e pelo oportuno, sendo o trabalho, sua profissão de
oficial de marinha e o esforço, a superação de seus próprios limites, os elementos-chave
para a obtenção da glória. Sua vida terminou cedo com apenas 47 anos de idade, no entanto
continua a inspirar gerações de oficiais britânicos que vêem em suas ações, o exemplo a ser
seguido. Assim pode-se afirmar que Nelson tinha características de um herói hegeliano.
O herói de Carlyle simbolizava tudo o que o homem realizou no mundo. Ele era o
salvador de sua época e devia ser cultuado para sempre e em toda a parte. O grande homem
ou herói de Carlyle era uma luz viva na qual era bom estar próximo, sendo que o seu
heroísmo o unia aos demais homens. O herói tinha todas as espécies de homens reunidas
nele, sendo que sua grande característica era a sinceridade que dele emanava. Nelson se
englobaria no tipo de herói rei segundo a concepção de Carlyle, pois embora não o fosse,
ele congregava a essência do heroísmo levado ao máximo do sacrifício em Trafalgar. Esse
herói rei reunia todos os tipos de herói para o autor escocês. Esses são pontos que
correlacionam Nelson com o tipo de herói formulado por Carlyle, segundo os textos de
Laughton e Mahan.
Para Stuart Mill o herói se correlacionava com o gênio, o homem com características
superiores, sendo ele um farol, um fenômeno raro e inexplicável. Ele possuía mais ardor e
vontade que os homens comuns. O herói de Stuart Mill era ativo, rígido, destacado,
enérgico e desejoso de transformar o seu ambiente e o mundo que o cercava, apontando o
475

caminho para outros seguirem. O herói era receptivo aos prazeres mais elevados como a
poesia e o conhecimento, levando os que o cercavam a experimentarem tais prazeres. Pelos
textos de Laughton e Mahan por certo Nelson era considerado um gênio da tática e era um
oficial de marinha raro e único. Possuía um ardor e vontade acima de seus pares, além de
ser ativo, rígido, destacado, enérgico quando as circunstâncias o exigiam e desejoso de
transformar o ambiente e o mundo que o cercava, apontando o caminho para seus
subordinados. Entretanto Nelson não era um homem ligado a letras ou ao conhecimento do
mundo, sendo assim essencialmente um oficial de marinha, dessa forma, embora tivesse a
genialidade como fator principal e contar com uma energia notável, Nelson não possuía as
características para ser um herói idealizado por Stuart Mill que se referiam a outras
qualificações não atendidas por ele.
Para Engels o herói estava ligado às forças de produção e às relações restritivas de
produção. Ele era um elemento de mudança e transformação nas relações sócio-
econômicas, sendo um organizador da luta de classes que levaria à vitória ou à derrota em
uma revolução. Ele liberaria as forças produtivas e satisfaria os anseios da sociedade por
um novo sistema de relações sociais. Ele seria um produto da transformação social daquela
sociedade. Pode-se perceber que essas características não apontam para o Nelson herói
retratado por Laughton e Mahan em suas biografias.
O herói de Herbert Spencer era um produto da evolução social, gradual, uniforme e
progressiva. O herói de Spencer não era capaz de alterar o curso da história por suas ações,
muito pelo contrário. Suas ações faziam parte de um contínuo, em um processo que
dependia grandemente de outros fatores. Essas ações não seriam capazes de redirecionar o
curso da história que se subordinava a outras contingências. Ele era, por certo, um produto
da história, no entanto, se ele não existisse, outro apareceria para substituí-lo e realizaria os
feitos heróicos como uma herança social, fruto dos conhecimentos das gerações que o
procederam. Pode-se perceber que essa não foi a visão esposada pelas biografias de Nelson
escritas por Laughton e Mahan.
O herói de Nietszche era um guerreiro, sua virtude era a vitalidade esmagadora. Ele
era explosivo e tinha a “vontade de poder”. Sua vontade era a conquista de poder e a paixão
pela dominação, do comando, pela transgressão, pela explosão arrebatadora. O herói de
Nietszche queria e ansiava dominar seus semelhantes, possuindo impulsos e desejos
476

pessoais que não se subordinavam a ninguém. O mau para ele era a fraqueza. A felicidade
era obtida pelo poder. Seus sentimentos eram mais fortes do que nos outros e sua vitalidade
o fazia um super-homem, um homem superior, o grande herói. Ele não era compassivo e os
homens existiam para servi-lo. Ele não se preocupava com a razão, mas sim com a vontade.
Ele não era piedoso e desprezava a incompetência, a fraqueza e os fracos. Ele enaltecia a
preparação espartana e rígida e só por esse preparo ele comandaria os outros. A bondade
não fazia parte de seu heroísmo. Energia, intelecto e orgulho eram qualidades fundamentais
do herói de Nieszche. Por certo, as biografias de Nelson escritas por Laughton e Mahan não
apontam o herói de Burham-Thorpe como um protótipo de herói nietszchiano.
Para Plekhanov o seu herói se correlacionava também com as forças produtivas. O
grande homem não podia eliminar as relações econômicas quando elas correspondiam a um
determinado estado de forças produtivas. O herói tinha inteligência e caráter e podia fazer
variar o aspecto individual dos acontecimentos. O herói necessitava de duas condições para
ter influência no curso da história. Seu talento devia corresponder às necessidades sociais
da época e em segundo lugar, o ambiente social da época não devia erguer obstáculos no
seu caminho, assim o herói aparecia onde existiam condições sociais favoráveis. As
mudanças realizadas pelo herói dependiam das condições econômicas de seus tempos. O
grande homem não podia deter ou modificar o curso do acontecimento histórico, o que
contradisse as ações realizadas por Nelson no cabo St Vicente, no Nilo, Copenhagen e
Trafalgar que modificaram o curso do combate. Dessa forma, tampouco as percepções de
Laughton e Mahan sobre Nelson correspondiam às necessidades sociais de sua época e em
nenhum momento se relacionavam às forças produtivas, assim o herói de Plekhanov não se
relacionava ao Nelson desses dois autores.
Para Max Weber o seu herói tinha características sociológicas flagrantes. Ele deveria
ter uma personalidade carismática e possuía dons específicos de corpo e espírito. O herói
carismático tomava a tarefa para si e exigia obediência a um grupo, em virtude de sua
missão. Seus seguidores deviam reconhecê-lo como líder qualificado e serem por ele
liderados. Para ele o lucro não era o seu fator motivador, nem tampouco obtinha a sua
autoridade de códigos ou estatutos nem deduzia sua autoridade do costume tradicional. O
herói carismático ganhava e mantinha sua autoridade exclusivamente mostrando e
provando sua força nas ações. Se guerreiro deveria ganhar batalhas, provando aos seus
477

subordinados seu valor, fazendo seus seguidores se entregarem a ele e se saírem bem.
Provando o seu valor, o herói carismático era reconhecido como chefe e nasceria uma
dedicação fiel. Surgia então uma dominação natural. O herói surgia em épocas de crise
social e seus seguidores seguiam suas determinações, que não eram corroboradas pela
lógica nem pela hierarquia, mas somente pelo seu poder de comando. O herói utilizava a
disciplina rigorosa como um meio de controle, expandindo sua esfera de domínio. Ele era
inspirador, dedicado, ardoroso combatente, entusiasmado e vitorioso. Pelos textos de
Laughton e Mahan, o Nelson por eles retratado tinha essas características apontadas por
Weber e nelas ele se encaixava perfeitamente. Ele foi um chefe carismático, inspirador,
dedicado e vitorioso. Atendeu quase em sua totalidade as qualidades de um herói
carismático weberiano.
Por fim o herói de Frederick Adams Wood era um monarca, o que não se coadunava
com a profissão de Nelson, assim os textos de Laughton e Mahan não se constituíam no
heroísmo apontado por Wood.
Pode-se concluir que o Nelson descrito por Laughton e Mahan tinha as características
de um herói carismático weberiano, com algumas peculiaridades dos heróis idealizados por
Hegel e Carlyle.

- Teoria dos limites do herói na história e Nelson segundo Laughton e Mahan:

A primeira fonte de interesse no herói ou característica, conforme apontado por


Sidney Hook, é a que indicava uma transmissão pedagógica que tem um efeito permanente
na mente da juventude. O herói seria um elemento fundamental na própria educação dos
jovens. Além se ser identificado com o próprio grupo como um símbolo, ele deveria ser um
elemento transmissor de conhecimento que permaneceria na mente dos jovens como uma
referência. Essa fonte de interesse pode ser nomeada como uma característica pedagógica.
Nelson, sem dúvida, segundo os textos de Laughton e Mahan, passou a ser uma referência
fundamental para os jovens midshipmen que tinham o privilégio de embarcar nos navios e
forças por ele comandados. Nelson passou a ser um exemplo não só na RN, como no
próprio UK, agregando em torno de si um séqüito de admiradores e apaixonados. Um
segundo aspecto que merece destaque é sua preocupação com a preparação da juventude da
478

RN e a transmissão de conhecimentos necessários ao bom desempenho das funções a


bordo. Assim por essa dupla visão, Nelson, segundo os textos de Laughton e Mahan
atendeu a essa característica do herói.
A segunda fonte de interesse conforme indicado por Hook é a do herói ser o salvador
de sua sociedade. Existiria para Hook uma tendência natural do ser humano, em momentos
de crise, ter esperança no aparecimento de um líder forte capaz de afastar o perigo e
resolver a questão. Quanto pior a crise, mais intensa é a necessidade de existir o herói. Essa
fonte de interesse pode ser nomeada como uma característica salvadora do herói. Pode-se
perceber claramente pelas biografias escritas por Laughton e Mahan que Nelson atuou
como salvador em duas situações críticas que se apresentavam ao UK; a vitória contra os
franceses no Nilo que aliviou a tensão sobre o Egito e o Reino das Duas Sicílias e a vitória
em Trafalgar que eliminou a invasão da ilha por Napoleão. Sua chegada vitoriosa em
Nápoles e seu deslocamento de Merton para Porstsmouth, sob o júbilo da população,
indicaram o seu caráter salvador em momentos de crise. Nelson considerava-se, com até
uma certa razão, o homem que varreria os franceses do mar e impediria que aquele
“impostor” Napoleão, conforme chamava, invadisse o seu reino. Sua morte, além disso, foi
um acontecimento que mobilizou quase toda a sociedade londrina, indicando claramente
uma reverência a um herói morto “salvando” o UK de um inimigo mortal, a França. Assim
pode ser considerado que Nelson atendeu essa característica salvadora da teoria de Hook.
Uma terceira fonte de interesse no herói era a sua capacidade de tornar-se uma fonte
de questões teóricas de análise histórica. O herói, com suas ações, passaria a ser explicado
por meio de estudos teóricos de historiadores e analistas. A essa fonte de interesse, o herói
seria explicado como tendo uma característica teórica explicativa. Não se pode imputar a
Nelson como sendo uma fonte de questões teóricas de análise histórica a priori, no entanto,
ao se analisar suas ações, sob o ponto específico da análise de teoria da estratégia,
conforme apontou o próprio Mahan, a questão assume uma outra interpretação. As ações de
Nelson, tanto nas batalhas do cabo St Vincente, como no Nilo, Copenhagen e Trafalgar
levaram Mahan a formular conceitos teóricos baseados nos estudos desses combates
travados por Nelson. O conceito de batalha decisiva, de esquadra em potência e a primazia
da ofensiva em relação a defensiva foram retirados dos ensinamentos de Nelson e Mahan, a
partir daí, passou a formular conceitos estratégicos discutidos em profundidade em seu
479

clássico Naval Strategy de 1911. Dessa forma pode-se imputar o atendimento dessa
característica teórica explicativa por parte do herói Nelson.
A quarta fonte de interesse no herói era a sua capacidade de influenciar seus
seguidores, baseando-se na psicologia das massas. Sob três aspectos deve ser vista essa
fonte. O primeiro pela necessidade de segurança psicológica trazida pelo herói. Nesse caso
o herói agia quase como um pai protetor que a todos atendia. Quando tudo levava a uma
situação desesperadora, o herói chegava para acalmar os temores e resolver a questão,
trazendo a tranqüilidade geral. O segundo, pela admiração e o êxito que o herói trazia para
o seu grupo social. Seu esplendor, força e brilho eram compartilhados por todos. O herói
atraía para si as emoções dirigidas às tradições nacionais, instituições e ideologias. O
terceiro, pela capacidade que o herói tinha de assumir responsabilidades e poder. O grupo
social se identificava com o herói, que trazia a responsabilidade para si e levava esse grupo
para o seu próprio destino. A esses três aspectos pode-se nomear como características
psicológicas. Ao se ler as biografias de Nelson percebe-se claramente o atendimento desses
três aspectos. O primeiro a confiança que Nelson trazia a seus subordinados pela sua
simples presença em combate. Todos tinham a consciência de que com ele acabariam
vencendo os combates no final. Ele trazia uma confiança e uma segurança psicológica
pouco vista na história naval britânica. Mesmo combatentes ilustres como Sir Francis
Drake, Robert Blake e Vernon não atraíam tamanha segurança quanto Nelson. Havia, além
disso, uma imensa admiração pela capacidade tática de Nelson e sua abnegação ao serviço
que acabou fazendo-o perder uma vista e um braço. Seus subordinados admiravam os seus
feitos em St Vicente, Nilo, Copenhagen e finalmente em Trafalgar. Nelson era reverenciado
por todos e pertencer ao navio ou força comandada por ele era uma distinção. Por fim, a
capacidade que Nelson tinha de assumir responsabilidades e o mais importante assumir
como suas as falhas cometidas, sem delegá-las a qualquer subordinado, o faziam um chefe
amado e admirado em toda a RN. Em vista disso, pode-se dizer que Nelson atendeu essa
característica psicológica da teoria do herói de Hook.
Por fim, a quinta fonte de interesse com o herói, segundo a teoria de Hook, era a sua
capacidade de exercer liderança. Como Hook foi comedido em sua discussão sobre
liderança, foi escolhida a teoria de liderança idealizada pelo historiador militar britânico Sir
John Keegan, dentre as inúmeras teorias de liderança atualmente disponíveis. Essa fonte
480

pode ser enquadrada como uma característica de liderança do herói. Keegan definiu a
liderança como a sua habilitação para influenciar os subordinados, no sentido de obter deles
o engajamento pessoal no cumprimento da missão e na concretização dos objetivos da
organização por ele comandada. O herói líder seria o capaz de perceber e atingir alguns
imperativos e deles se servir quando conduzindo homens em uma organização militar. O
primeiro imperativo era o de afinidade, no qual o herói líder mantinha um vínculo ou uma
afinidade especial com seus subordinados. Esse seria um vínculo afetivo com seu grupo.
Pode-se perceber que Nelson mantinha um vínculo especial com seus oficiais e
marinheiros, não à toa ele chamava seus comandantes subordinados de “band of brothers”.
Esse vínculo se estendia aos marinheiros dos quais mantinha uma grande preocupação em
seu bem-estar e conforto. Em um período em que os almirantes se mantinham distantes de
seus subordinados, Nelson, ao contrário, fazia questão de se aproximar o máximo possível
deles. Esse vínculo especial lhe granjeava afeto, admiração e o mais importante
cumplicidade no cumprimento das missões a eles atribuídas por Nelson. Assim, ele atendeu
ao imperativo de afinidade. O segundo imperativo de liderança era o de prescrição. Nele
Keegan afirmou que o líder deveria ter o dom da comunicação com os subordinados,
inspirando-os nos momentos de crise. Por suas palavras, o líder deveria incutir patriotismo,
destemor e a certeza na vitória. Nelson, por meio de suas ordens escritas e sua capacidade
de convencer e discutir com seus comandantes antes de uma batalha, atendeu esse
imperativo. Ele não se isolava em sua câmara e despachava ordens à distância, muito pelo
contrário. Pelo o que se pode ler das duas biografias, Nelson fazia questão de estar sempre
em contato com seus homens e incutir a certeza da vitória no resultado final da ação.
Assim, ele atendeu ao imperativo de prescrição. O terceiro imperativo era o de sanção, isto
é a capacidade, quando necessário, de punir e premiar os seus subordinados. Não pode ser
esquecido que Nelson fazia questão de enaltecer os seus homens, quando assim
reconhecesse e ao mesmo tempo de puni-los severamente, conforme o caso dos motins de
1797 quando apoiou as ações drásticas de Lorde St Vincent contra os amotinados da
esquadra do Mediterrâneo. Assim, Nelson também atendeu ao imperativo de liderança tipo
sanção. O quarto imperativo idealizado por Keegan foi o de ação. Nele o herói líder devia
conhecer o inimigo antes de qualquer decisão.Deveria, assim, ter um sistema de
inteligência apurado e um conhecimento tático e estratégico para, a partir dessa inteligência
481

agregada, tomar as decisões no momento e no local corretos. Nelson, não só conhecia as


ações do inimigo, como também tomava as ações menos esperadas pelos seus oponentes.
Foi assim na batalha do cabo St. Vicente, como na aproximação e ataque em Aboukir e
Copenhagen, culminando no estabelecimento de duas colunas transversais em Trafalgar.
Manobras primorosas que, a partir do conhecimento do inimigo, levou Nelson a quatro
grandes vitórias. Assim Nelson atendeu a esse imperativo de ação. Por fim, o último
imperativo formulado por Keegan chama-se de exemplo. Ele congrega o destemor pelo
perigo e o estímulo a seus subordinados, com seu exemplo nos momentos de maior
exposição ao fogo do adversário. Nelson sempre se expôs ao perigo, muitas vezes
colocando sua vida em risco como aconteceu na Nicarágua, em Calvi quando perdeu um
olho, no combate entre embarcações contra os espanhóis, em Tenerife quando perdeu um
braço, no Nilo quando foi ferido na cabeça e por fim em Trafalgar quando perdeu a vida.
Nelson queria sempre ser o primeiro e assim inspirar seus homens. Isso finalmente
redundou em se colocar no convés da Victory com o seu melhor uniforme envergando todas
as suas medalhas e comendas, uma atração para um atirador francês que o alvejou
mortalmente em Trafalgar. Dessa maneira, Nelson atendeu ao imperativo do exemplo e ao
final de liderança na teoria de Hook.
Segundo a teoria de Hook, Nelson foi um homem-momento que era o herói cujas
ações influenciaram subseqüentes desenvolvimentos em uma direção diferente daquela que
deveria ser seguida, ao se destacar da linha formada por Sir John Jervis no cabo St Vicente
e cortar a retirada espanhola e assim vencer a batalha. Do mesmo modo foi um homem
momento ao se aproximar dos navios franceses fundeados em Aboukir, em uma direção
inesperada e obter uma flagrante vitória, ao se aproximar pelo sul em Copenhagen quando
o esperado era pelo norte e finalmente se aproximar de Villeneuve com duas linhas
perpendiculares, desprezando a coluna de vante inimiga, obtendo, em todos os casos,
brilhantes vitórias. Ele, com esses atos, mudou o curso do combate. Ao mesmo tempo,
Nelson foi, também, homem época que era o herói, que sendo também um homem
momento, cuja ação era conseqüência de atributos superiores de inteligência, determinação,
caráter, ao invés de acidentes de posição. O homem época tinha permanência no imaginário
do grupo social. Nelson permaneceu no imaginário naval britânico como o grande herói
morto no cumprimento do dever. Ele não foi apenas mais um bom almirante tático
482

vencedor como muitos na história naval britânica. Sua fama extrapolou o campo naval e o
transformou em herói nacional inglês, daí ser, também, um homem época.
Pelo o que se percebeu pelas biografias escritas por Laughton e Mahan, Nelson
atendeu todas as características apontadas por Sidney Hook em sua teoria dos limites do
herói na história.

- A jornada do mito do herói de Joseph Campbell e Nelson, segundo Laughton e


Mahan.

O mitólogo norte-americano Joseph Campbell, baseando-se nos estudos conduzidos


por Carl Jung e em mitologia comparada, percebeu que quase todos os mitos envolvendo os
heróis nas sociedades primitivas se repetiam, recontados com variadas interpretações. Os
heróis, então, seguiam percursos que eram coincidentes em diversas sociedades e como tais
tinham perenidade no imaginário dessas sociedades. O percurso seguido por esses heróis
míticos seguia ciclos envolvendo uma partida, uma iniciação e por fim um retorno.
Campbell, assim como Jung, trabalhou com arquétipos que eram representações do real,
originadas na consciência humana. A jornada do herói começava com uma partida, ou uma
aventura, um desafio que mudava a sua vida. Nesse início de aventura, o herói teria o
auxílio de mentores ou protetores. Na próxima fase encontraria trevas ou dificuldades que
deviam ser superadas, principalmente ‘guardiões inimigos’ que procurariam derrotá-lo em
seu desafio. A seguir e após vencer esses inimigos o herói deveria se defrontar com
diversos testes e desafios em sua jornada e em muitos deles se defrontaria com a morte,
sobrepujando-a ao final dessa fase. Esses seriam momentos críticos pelo qual o herói
deveria prevalecer. Após essa fase, o herói encontraria a figura de uma deusa ou mulher
que ensinaria o que ele deveria fazer, sendo que essa mulher o guiaria para o auge da
aventura sexual, quando obteria o amor. Nesse ponto da aventura, o herói se veria tentado
por uma mulher voluptosa que poderia dominá-lo. Haveria, a partir daqui, mudança nas
atitudes do herói, estando ele, assim, transformado e modificado. Ele continuaria a ser
perseguido por inimigos que impediriam o seu regresso. Esse próximo passo seria o mais
significativo para o herói,pois ele enfrentaria, mais uma vez, a morte e deveria vencê-la, no
entanto ele poderia se render a morte, tendo o destino finalmente o alcançado. Muitos
483

heróis venciam, outros sucumbiam. Como última etapa de sua jornada, sua experiência
seria transmitida para outras gerações, indicando assim o fim de sua aventura.
A jornada de Nelson, durante o curso de sua vida, teve divesas semelhanças com a
jornada do herói mítico de Campbell. Ao se agregar a RN com apenas 12 anos de idade,
sob o olhar protetor de um mentor, o seu tio capitão Suckling, Nelson começou uma
verdadeira aventura, pois além de ser um jovem frágil, seu tio considerava que seu destino
podia ser a morte, em razão de sua fraqueza. Não deve ser esquecido que a RN no século
XVIII era uma força armada formada de homens brutos e aventureiros, assim a entrada na
RN podia ser considerada uma aventura para o filho de um pároco de Burham-Thorpe.
Durante a sua carreira Nelson contou com diversos mentores e protetores, tais como além
de Suckling, os almirantes Peter Parker, Hood, St. Vincent e por certo o capitão Locker, ex-
comandante e amigo pessoal. Em uma fase posterior, pode-se até considerar que tanto o
duque de Clarence como o próprio rei Jorge III atuaram como mentores, já que eles foram
os responsáveis pela ascensão de Nelson ao pariato, primeiro como barão, depois visconde.
Nesse percurso na RN, Nelson se defrontou com diversos ‘guardiões inimigos’, dentre os
quais se encontravam um britânico e dois franceses. No primeiro grupo avultava Lorde
Chatham, por seu apoio ao duque de Clarence, e no segundo grupo La Touche Treville e
Villeneuve. Pode-se questionar se Bruiyes, morto em Aboukir, seria um guardião inimigo,
no entanto ele foi seu adversário por acidente, como poderia ser qualquer outro almirante
francês localizado no Cairo. No caso específico de la Touche Treville e Villeneuve a
animosidade foi pessoal, o primeiro sendo um provocador e o segundo um antagonista
desde Aboukir.
Nelson se defrontou com diversos testes e desafios em sua jornada, enfrentando a
morte diversas vezes, como foi o caso da sua doença na Nicarágua que quase o levou a
morte, a cegueira no olho direito em Calvi, o combate entre embarcações britânicas e
espanholas em que foi salvo por um marinheiro, o braço direito perdido em Tenerife, salvo
por seu filho adotivo Josiah Nisbet, sua exposição em Copenhagen e seu ferimento na
cabeça no Nilo, que quase o levou a morte. Quanto a seu encontro com uma deusa ou
mulher, sem dúvida seu encontro com Emma foi o elo com a jornada. Inicialmente sua
admiração pela atuação de Emma na corte de Duas Sicílias, o que faria com que em
Trafalgar pedisse por ela no dia da batalha, em razão de seus serviços a GB. Dessa
484

admiração, o amor foi o passo seguinte. Nelson ficou não apenas apaixonado por Emma,
mas totalmente dominado por ela que soube muito bem como enaltecê-lo, o que para um
homem vaidoso como Nelson era o ápice do relacionamento, o reconhecimento de seu
valor pelo objeto amado, Emma Hamilton. A partir desse relacionamento, Mahan percebeu
uma mudança em Nelson, além de uma postura profissional mais madura e centrada. O que
era antes algo natural e instintivo, passou a ser algo burilado e genial. Nelson mudou com o
tempo e Emma foi um dos fatores nessa mudança pessoal e profissional. Essa mudança se
refletiu em seu relacionamento com sua esposa, Frances Nisbet. A partir da aceitação do
amor entre ele e Emma, Frances passou a ser descartada como esposa, o que para o
historiador norte-americano foi uma mácula em sua biografia. Sua permanência em Merton
juntamente com Emma e Horatia, após a paz de Amiens foi interrompida pelo reinício da
guerra contra a França, o que o levou novamente a se agregar a força no Mediterrâneo e até
seu fim em Trafalgar. Sua morte em combate no dia 21 de outubro de 1805, no qual se
expôs ao fogo inimigo no convés da Victory vestindo um uniforme com todas as suas
medalhas e comendas, foi o ápice de uma vida voltada inteiramente a concretizar atos
heróicos e gloriosos. Pode-se até questionar se não seria esse o fim escolhido por ele para
sua vida, ao invés de uma morte calma em uma cama em Merton com avançada idade. Sua
morte heróica, defendendo seu amado país, o UK, sua honra e sua RN, seria o fim mais que
natural para um homem que se expôs sempre a morte violenta. Seu exemplo tem servido de
inspiração para o UK e a RN entrando aí a última etapa da jornada do herói de Campbell.
Até hoje seu nome tem sido reverenciado como um mito e exemplo a ser seguido pelas
diversas gerações de marinheiros britânicos e não à toa sua estátua está localizada no centro
de Londres, defronte da Whitehall que dá acesso ao Parlamento, ao Foreign e
Commonwealth Office e ao Almirantado.
Pode-se, ainda, afirmar que Nelson se posiciona como o segundo modelo proposto
por Rauol Girardet no qual houve uma heroificação no momento da morte, completando
dessa forma um ciclo de vida heróico que segundo o próprio Girardet “transmuta o real em
sua absorção pelo imaginário”, quando a heroificação passa pelo domínio do imaginário
popular e do simbólico para se estabelecer, permanecendo no tempo e espaço.
Dessa forma, pode-se dizer que Nelson cumpriu a jornada do mito do herói e
possivelmente aí que esteja sua perenidade no imaginário britânico. Da mesma forma que
485

em sociedades passadas os heróis possuíam perenidade e permanência, Nelson continua a


exercer um fascínio perene e permanente no imaginário do povo do UK, transformado
assim em um mito.

- Considerações finais:

Peter Burke disse que vivemos em uma época de história não heróica ou anti-heróica.
Muitos historiadores evitam, hoje em dia, o que chamam de modo triunfalista de escrever
sobre o passado, sendo que muitos biógrafos têm escrito suas biografias de modo a
dismistificar, em vez de glorificar seus personagens, chamando a atenção de suas fraquezas,
tanto quanto de suas qualidades. Burke prosseguiu afirmando que a maioria dos grupos
sociais necessita de heróis, pois eles são psicologicamente necessários. Completando o seu
pensamento, esse historiador britânico disse que “heróis e heroínas...agem como modelos
ou símbolos de nossas identidades ou dos valores de nossa cultura. Ver um indivíduo sob
uma luz heróica pode também ser uma expressão de esperança para o futuro”.1857
Tanto Laughton como Mahan escreveram suas biografias em um século em que o
enaltecimento do heroísmo estava em alta. Muitos teóricos procuraram, inclusive,
correlacionar o próprio curso da história com a trajetória dos grandes homens ou dos
próprios heróis.
Nelson continua a suscitar o interesse de historiadores navais, não só do chamado
mundo anglo-saxão, mas também de outros rincões, inclusive aqui no Brasil. No ano de
2011 foi lançado no Brasil o primeiro trabalho biográfico sobre Nelson, escrito por um dos
mais importantes estrategistas navais brasileiros, o almirante Armando Vidigal.1858 Nelson
continua a atrair o interesse de pesquisadores. Que assim continue, despertando trabalhos
inovadores e inéditos.
Sempre é pertinente mencionar uma das últimas biografias desse herói escrita pelo
principal historiador naval britânico e titular da cadeira John Knox Laughton de história
naval do King´s College de Londres, o professor Andrew Lambert. Nesse trabalho
inovador, Lambert terminou o seu texto dizendo o seguinte:

1857
BURKE, Peter. O historiador como colunista. op.cit. p. 34.
1858
VIDIGAL, Armando. Almirante Nelson. O homem que derrotou Napoleão. São Paulo: Contexto, 2011.
486

Podemos saber um pouco mais sobre Nelson de que ele perdeu um olho e
um braço, que amou Lady Hamilton e que permanece em Trafalgar
Square, no entanto essas questões deveriam ser o bastante para encorajar
novas questões. Quem era esse homem que foi representado em pedra e
colocado acima de seus compatriotas ? No processo poderíamos aprender
mais sobre o que somos e o que leva para se criar e sustentar um estado
moderno. Precisamos entender Nelson por que ele e a cultura de sua
época ainda se definem como a forma que os britânicos se vêem no
mundo e o modo como o mundo os vê. Qualquer Nelson que criarmos
hoje será nosso, porém ele precisa ser baseado em eventos históricos de
sua vida. Precisamos balancear nossas necessidades com a sua verdade.
Se o conhecermos bem, precisamos concordar com Collingwood, o
homem que o conhecia melhor que qualquer outra pessoa, de que ele
[Nelson] era “a glória da Inglaterra”.1859

O que Laughton e Mahan pretenderam com suas biografias foi apresentar um homem
com grandes virtudes e falhas, no entanto e especialmente, um herói em carne e osso, que
se transformou em mito.

1859
LAMBERT, Andrew. Nelson. Britannia´s God of War. London: Faber and Faber. 2004, p. 362.
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 Carta de Horatio Nelson a William Suckling escrita de Calvi em 16 de julho de


1794.

 Carta de Horatio Nelson para Frances Nelson escrita de Livorno em 18 de agosto de


1794.

 Carta de Horatio Nelson a Frances Nelson escrita a bordo do Agamêmnon em 10 de


março de 1795.

 Carta de Horatio Nelson para Frances Nelson escrita em Fiorenzo no dia 1 de abril
de 1795.

 Carta de Horatio Nelson para William Nelson escrita de Port Mahon em 8 de junho
de 1795.

 Carta de Horatio Nelson para Cuthbert Collingwood escrita de Vado em 31 de


agosto de 1795.

 Carta de Horatio Nelson para Edmund Nelson escrita do HMS Captain em 19 de


agosto de 1796.

 Carta de Horatio Nelson para Sir John Jervis escrita do HMS Captain em 30 de
setembro de 1796.

 Carta de Horatio Nelson para Frances Nelson escrita do HMS Diadem em 13 de


outubro de 1796.

 Carta de Horatio Nelson para Cuthbert Collingwood escrita do HMS Irresistible em


15 de fevereiro de 1797.

 Carta de Cuthbert Collingwood para Horatio Nelson escrita do HMS Excellent em


15 de fevereiro de 1797.

 Carta de Sir Horatio Nelson para Lord St Vincent escrita do HMS Captain em 11 de
abril de 1797.
 Carta de Sir Horatio Nelson para Frances Lady Nelson escrita a bordo do HMS
Theseus em 29 de junho de 1797.

 Carta de Sir Horatio Nelson para Frances Lady Nelson escrita em 5 de agosto de
1797 a bordo do HMS Theseus.

 Carta de Sir Horatio Nelson para Sir William Hamilton escrita em 20 de junho de
1798 a bordo do HMS Vanguard.

 Carta de Sir Horatio Nelson para o Almirante Lorde Conde St Vincent de 3 de


agosto de 1798 a bordo do HMS Vanguard.

 Ordem do dia de Sir Horatio Nelson para os comandantes dos navios do esquadrão a
bordo do HMS Vanguard em 2 de agosto 1798.

 Carta de Horatio Lorde Nelson para Lady Frances Nelson escrita a bordo do HMS
Vanguard em 25 de setembro de 1798.

 Carta de Horatio Lorde Nelson para Lorde St. Vincent a bordo do HMS Foudroyant
em 10 de junho de 1799.

 Carta de Horatio Lorde Nelson para Lorde Keith a bordo do HMS Foudroyant em
19 de julho de 1799.

 Carta de Horatio Lorde Nelson para Lorde Minto a bordo do HMS Foudroyant
escrita em 26 de fevereiro de 1800.

 Carta de Horatio Lorde Nelson para Sir Hyde Parker escrita a bordo do HMS
Elephant em 24 de março de 1801.

 Carta de Horatio Lorde Nelson para o Crown Prince escrita do HMS Elephant em 2
de abril de 1801.

 Carta de Horatio Lorde Nelson para Lady Emma Hamilton escrita da HMS Amazon
em 20 de outubro de 1801.

 Carta de Horatio Lorde Nelson para Lady Hamilton escrita da HMS Medusa em 31
de agosto de 1801.

 Carta de Lorde Minto para Lady Minto escrita de Merton em 22 de março de 1802.

 Carta de Horatio Lorde Nelson para Emma Hamilton escrita da HMS Victory em 9
de março de 1805.

 Carta de Horatio Lorde Nelson para Lorde Melville escrita da HMS Victory em 10
de março de 1805.
 Carta de Horatio Lorde Nelson para Sir Thomas Fremantle a bordo da HMS Victory
em 16 de agosto de 1805.

 Carta de Horatio Lorde Nelson para Emma Lady Hamilton escrita da HMS Victory
em 19 de outubro de 1805.

 Carta de Horatio Lorde Nelson para Horatia Nelson Thompson escrita da HMS
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 Carta de John Knox Laughton para Stephen Luce escrita em 11 de agosto de 1889.

 Carta de John Knox Laughton para Alfred Thayer Mahan escrita de Londres em 11
de março de 1893.

 Carta de John Knox Laughton a Julian Stafford Corbett escrita de Londres em 8 de


agosto de 1893.

 Carta de Alfred Thayer Mahan a Ambrose Murray, escrita de Nova Iorque em 14 de


abril de 1856.

 Carta de Alfred Thayer Mahan a Samuel Ashe, escrita de Annapolis em 30 de


outubro de 1858.

 Carta de Alfred Thayer Mahan a Samuel Ashe, escrita de Annapolis em 1 de


fevereiro de 1859.

 Carta de Alfred Thayer Mahan a Samuel Ashe, escrita a bordo do USS Congress em
5 de outubro de 1860.

 Carta de Alfred Thayer Mahan a sua mãe Mary Helena Okill Mahan escrita a bordo
do USS Iroquois em 28 de abril de 1867.

 Carta de Alfred Thayer Mahan para Helen Evans Mahan escrita a bordo do USS
Wachusset em 22 de agosto de 1884.

 Carta de Alfred Mahan para Stephen Luce escrita a bordo do USS Wachusset, em
Guaiaquil no Equador em 4 de setembro de 1884.
 Carta de Alfred Mahan para William Henderson escrita de Elizabeth, New Jersey
em 5 de maio de 1890.

 Carta de Alfred Thayer Mahan para John Knox Laughton escrita de Newport em 21
de março de 1893.

 Carta de Alfred Mahan para Samuel Ashe escrita de Genova, a bordo do USS
Chicago em 24 de novembro de 1893.

 Carta de Alfred Thayer Mahan para John Knox Laughton escrita de Nápoles em 18
de fevereiro de 1894.

 Carta de Alfred Thayer Mahan para Helen Evans Mahan escrita de Nápoles em 18
de fevereiro de 1894.

 Carta de Alfred Thayer Mahan para Helen Evans Mahan escrita de Argel em 26 de
dezembro de 1894.

 Carta de Alfred Thayer Mahan a John Knox Laughton escrita de Nova Iorque em 6
de novembro de 1896.

 Carta de Alfred Thayer Mahan para John Brown escrita de Nova Iorque em 15 de
dezembro de 1896.

 Carta de Alfred Thayer Mahan a John Knox Laughton escrita de Nova Iorque de 29
de abril de 1897.

 Carta de Alfred Mahan para George Sydeham Clarke escrita de Washington DC em


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 WILSON, Alastair; CALLO, Joseph. Who is Who in Naval History. London:


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 ______________________. The Influence of monarchs. Steps in a new science of


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 XAVIER, Regina Célia Lima. O desafio do trabalho biográfico. In: GUAZELLI,


César Augusto Barcellos; PETERSEN, Silvia Regina Ferraz; SCHIMIDT, Benito
Bisso; XAVIER, Regina Célia Lima. Questões de Teoria e Metodologia da
História. Porto Alegre: Editora UFRS, 2000. p. 161-173.
ANEXO A

TIPOS DE LIDERANÇA.

LIDERANÇA LIDERANÇA
COERCITIVA PERSUASIVA
(AUTOCRÁTICA) (DEMOCRÁTICA)
Líder dominador. Líder motivador.
Respaldo do Líder. Respaldo do Líder.
Autoridade Credibilidade.
Liderado executante. Liderado participante e
envolvido.
Relação líder-liderado. Relação líder-liderado.
Ordem-Obediência. Motivação-Participação.
Método de atuação Método de atuação
predominante. predominante. Influência
Acionamento funcional pessoal.
Impulsão: força de Impulsão: a mobilização
vontade do líder. da vontade dos liderados.
Disciplina estrita: Disciplina espontânea:
preocupação com a preocupação com o
obediência, ordem e respeito e confiança.
preito.
Limitação à liberdade de Estímulo à iniciativa do
ação do liderado. Pouco liderado. Incentivo à
incentivo à criatividade do criatividade.
liderado.
O objetivo: organização e O objetivo: causa comum
o líder do líder e liderados.
Busca intensiva de
Interesses pelos processos
resultados. de realização dos
resultados.
Prioridade dos interesses Conciliação dos interesses
da organização. da organização e bem-
estar dos liderados.

Fonte: COUTINHO, Sergio Augusto de Aguiar. Exercício do Comando. A Chefia e a Liderança Militares.
Rio de Janeiro: Bibliex, 1997, p. 239.
ANEXO B

NAVIOS EM ATIVIDADE NA MARINHA REAL 1793 A 1805

Classes 1793 1795 1797 1799 1801 1803 1805


a
1 5 6 6 6 6 6 7
a
2 16 17 16 17 16 15 14
a
3 92 91 94 102 105 90 95
a
4 12 12 16 14 13 11 13
a
5 79 102 115 117 113 102 114
a
6 35 35 40 42 34 22 25
Chalupa 40 62 91 98 104 78 121
Bombardeio 2 2 2 15 14 10 17
Brulotes 5 3 3 7 3 2 1
Brigues, 18 33 52 99 103 52 127
Escunas, etc
TOTAL 304 363 435 517 511 388 534

Fonte: FREMONT-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1805. Oxford: Osprey, 2007, p. 6 e
45
ANEXO C

CANHÕES E CARONADAS E SUAS ESPECIFICAÇÕES NA MARINHA REAL –


SÉCULO XVIII

Tipo Peso Alcance (4) Alcance Máximo Guarnição


(5)
42 pounder 3.25 tons 400 jardas 2.740 jardas 16
32 pounder (1) 2.90 tons 400 jardas 2.640 jardas 14
24 pounder (1) 2.69 tons 400 jardas 1.980 jardas 12
18 pounder (1) 2.10 tons 350 jardas 2.110 jardas 10
12 pounder (1) 1.92 tons 375 jardas 1.320 jardas 10
9 pounder (1) 1.23 tons 330 jardas 1.730 jardas 8
6 pounder (1) 1.10 tons 320 jardas 1.555 jardas 4
4 pounder (1) 0.61 tons 310 jardas 1.250 jardas 4
3 pounder 0.36 tons 300 jardas 1.225 jardas 2a3
Caronada de 68 ~ 1.7 tons (2) 450 jardas 1.280 jardas - (3)
Caronada de 42 ~1.0 ton (2) 400 jardas 1.170 jardas -(3)
Caronada de 32 ~0.8 tons (2) 330 jardas 1.087 jardas -(3)
Caronada de 24 ~0.6 tons (2) 300 jardas 1.050 jardas -(3)
Caronada de 18 ~0.5 tons (2) 270 jardas 1.000 jardas -(3)
Caronada de 12 ~0.3 tons (2) 230 jardas 870 jardas -(3)

(1) – Existem diversos tipos de canhões com esses calibres, escolheu-se o de maior
peso e alcance.
(2) – Valores aproximados de peso.
(3) – Número variável de municiadores
(4) – Alcance a tiro tenso.
(5) – Alcance máximo a 6 graus de elevação.

Fonte: FREMONT-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. Oxford: Osprey, 2007, p.61 e LAVERY,
Brian. Nelson´s Navy. The ships, men and organization, 1793-1815. Annapolis: United States Naval Institute,
1989, p. 83 e 84.
ANEXO D

NÚMERO DE OFICIAIS NA MARINHA REAL ENTRE 1803 E 1805

Postos 1803 1804 1805


Almirantes 45 41 50
Vice-Almirantes 36 32 36
Contra-Almirantes 51 50 63
Capitães 668 673 639
Comandantes 413 409 422
Tenentes 2.480 2.457 2.437
Mestres 529 541 556

Fonte: FREMONT-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. Oxford: Osprey, 2007, p.24.

Primeiros Lordes do Almirantado 1793-1805

1788 – 1794 – John Pitt, Earl of Chatham


1794 - 1801 – George Spencer, Earl Spencer
1801 – 1804 - John Jervis, Earl St Vincent
1804 – 1805 – Henry Dundas, Viscount Melville

Fonte: FREMONT-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. Oxford: Osprey, 2007, p.45.
APÊNDICE A

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 ANONYMUS. On Lord Nelson Victory over the French Fleet at Aboukir. Pisa.
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 ____________. The Letters of Lord Nelson to Lady Hamilton with a supplement


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 ____________. Leven van Lord Horatio Nelson, Admiraal in Engelschen dienst,


Hertog van Bronte enz. A. Loosjes, Haarlem [s.n],1806.

 _____________. Life and achievements of Lord Nelson, who fell in the glorious
victory obtained over the combined fleets of France and Spain, off Cape
Trafalgar, on the 21st October 1805 E. Young, London, 1805.

 _____________. The life of the Right Honourable Horatio Lord Viscount


Nelson, Baron of the Nile, Duke of Bronte, in farther Sicily. Hartley, Halifax,
1841.

 _____________. Memoirs of the life and death of the Right Honourable Horatio
Lord Viscount Nelson ... comprehending authentic details of his glorious
achievements under the British flag ... also a sketch of the life of Sir Sydney
Smith. C. Goodchild, Liverpool, 1806.

 _____________. "A Captain of the British Navy": Memoirs of the life and
achievements of the Right Honourable Horatio Lord Viscount Nelson. H.D.
Symonds & J. Hatchard & J. Ridgway, London, 1805.

 _____________. Histoire des Combats d´ Áboukir de Trafalgar de Lissa du Cap


Finisterre et des plusieurs autres batailles navales depuis 1798 jusqu´en 1813.
Par un Capitaine de Vaisseau, 1829. O autor estava a bordo do Orient no Nilo.

1
 _____________. The Life of Admiral Viscount Nelson. The Black Pirate & Co,
[s.l],1840.

 _____________. The Life of Horatio Lord Viscount Nelson. [S.L, s.n]. Panfleto
com 104 páginas com gravações diversas.

 _____________. Horatio Lord Neloson, Duke of Bronte. Veritá [s.l],1891.


Escrito para a Exibição Naval de 1891.

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Duque de Bronte traducida del Portugues al Espanol .... Mariano de Zuniga y
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circumstances preeceding, attending, and subsequent to, that event; the
professional report of his lordship's wound; and several interesting anecdotes.
T. Cadell & W. Davies, London, 1807. Escrito pelo cirurgião do HMS Victory
na batalha de Trafalgar, depois médico na esquadra sob o comando de Conde
de St Vincent.

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from Gibraltar to the conclusion of the battle of the Nile. Sun: London, 1798.

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anecdotes of Nelson before and after that battle. Saunders & Otley, London,
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Horatio Viscount and Baron Nelson of the Nile and Burham Thorpe in the
County of Norfolk. London: Edward Orme, 1806.

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Nelson, as told by himself, his comrades, and his friends. T. Fisher Unwin,
London, 1891.

 CANNING, George. Ulm and Trafalgar. [S.L, s.n], 1806.

2
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tribute to the memory of the immortal Nelson. Theatre Royal, Drury Lane, 1806.

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&c with observations, critical and explanatory. H.D. Symonds & J. Hatchard,
London, 1806.

 CURCHILL, T.O. Life of Lord Viscount Nelson. [S.L, s.n], 1808.

 CLARKE, James Stanier & MACARTHUR, John: The life of Admiral Lord
Nelson, KB. T. Cadell & W. Davies & W. Miller, London, 1809. 2 vols.

 CLARKE, Richard: The life of Horatio Lord Viscount Nelson ... with
biographical particulars of contemporary naval officers. To which is added a
correct narrative of the ceremonies attending his funeral. J. & J. Cundee,
London, 1813.

 CLARKE, James Stanier & M'Arthur, John: The life and services of Horatio
Viscount Nelson. Fisher, London, 1840.

 CLARKE, James Stanier & M'Arthur, John: The Life and Services of Horatio
Viscount Nelson, From His Lordship's Manuscripts. Fisher, London, [1840
(3rd)]. 3 vols.

 COUTO, José de. Combate naval de Trafalgar. Madrid, [s.n], 1851.

 CUNNINGHAM, Isabella. Countess of Glencairn. A letter to the Right


Honorable Spencer Percival on the subject of certain claims upon Government
and containing an appeal to the british nation on the most wanton and invidious
aspersion made by him of the character of the late ever to be lamented Lord
Nelson. [S.L, s.n], 1812.

 DRINKWATER-BETHUNE, J. A narrative of the battle of St Vincent with


anecdotes of Nelson. [S.L, s.n], 1840.

 DUNCAN, Archibald: The life of the late most noble Lord Horatio Nelson,
Viscount and Baron Nelson of the Nile ... including ample and authentic
accounts of the brilliant victories ... with interesting anecdotes of distinguished
naval officers .... J. Nuttall, Liverpool & James Cundee, London, 1806.

 EDEN, Sir F. M. Brontes: a cento to the memory of Viscount Nelson, Duke of


Bronte. [S.L, s.n], 1806.

3
 EDINBURGH REVIEW. Lord Nelson´s letters to Lady Hamilton; letters and
despatches of Lord Nelson; Emma Lady Hamilton. Longmans: London, 1814,
1886, 1896.

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 HARRISON, James: The life of the Right Honourable Horatio Lord Viscount
Nelson C. Chapple, London, 1806. 2 vols.

 HORSLEY, Samuel: A sermon preached in the cathedral church of Saint Asaph,


on Thursday, December 5, 1805, being the day of public thanksgiving for the
victory obtained by Admiral Lord Viscount Nelson over the combined fleets of
France and Spain off Cape Trafalgar. J. Hatchard, London, 1806.

 JEAFFRESON, J. C. Lady Hamilton and Lord Nelson. 2v. London: Hurst and
Blackett, 1888.

 ________________. The Queen of Naples and Lord Nelson. [S.L, s.n], 1889,
2.vol.

 JONES, Mrs. Herbert. Unpublished letters of Lord Nelson to Sir Thomas


Troubridge. [s.L] Century, 1888.

 LAMARTINE, A. De. Nelson. [S.L, s.n], 1864.

 LAUGHTON, John Knox: Nelson. Macmillan, London, 1895.

 LAUGHTON, John Knox: The Nelson memorial. Nelson and his companions in
arms. George Allen, London, 1896.

 _____________________. Letters and despatches of Horatio, Viscount Nelson,


Duke of Bronte. Longman & Green, London, 1886.

4
 _____________________. The Story of Trafalgar. Griffin & Co, Portsmouth,
1891.

 LETUAIRE, Henri. Combat de Trafalgar: rapport fait au Ministre de la Marine


et des colonies par le capitaine de vaisseau E. Lucas, commandant le
Redoutable pendant cette bataille célébre.Mort heroique de l´Amiral Nelson.
Hyéres; Paris, 1891.

 LLOYD, Frederick: An accurate and impartial life of the late Lord Viscount
Nelson ... together with private anecdotes .... J Fowler, Ormskirk, 1806.

 MAHAN, Alfred Thayer: The Life of Nelson, the embodiment of the sea power
of Great Britain. Sampson Low, London, 1897. 2 vols.

 MARLIANI, Manuel. Combate de Trafalgar: vindicacion de la Armada


espanola contra las aserciones injuriosas vertidas por M. Thiers en su Historia
del Consulado y del Imperio. [s.n], Madrid, 1850.

 MATCHAM, George: Notes on the character of Admiral Lord Nelson in


relation to the journal of Mrs St George. James Ridgway, London, 1861.

 MILES, J. Vindication of Admiral Lord Nelson´s Proceedings in the Bay of


Naples, 1843.

 MORRISON, A.(ed) The Hamilton and Nelson Papers. 2.v. 1893-1894.

 NELSON, Horatio: Letters from Admiral Lord Nelson to Hercules Ross Esq of
Rossie, NB, 1780-1802. 1891.

 NICOLAS, Nicholas Harris: The Dispatches and Letters of Vice-Admiral Lord


Viscount Nelson. Henry Colburn, London, 1844-46. 7 vols.

 ORME, Edward & BLAGDON, Francis William: Orme's graphic history of the
life, exploits, and death of Horatio Nelson ... containing fifteen engravings ... the
battle off St Vincent's, the Nile and Trafalgar. Longmans, Hurst, Rees & Orme,
London, 1806. .

 PETTIGREW, Thomas Joseph: Memoirs of the life of Vice-Admiral Lord


Viscount Nelson, KB .... T. & W. Boone, London, 1849 , 2 vols.

 RALFE, James. Naval biography of Great Britain: consisting of historical


memoirs of those officers of the British Navy who distinguished themselves
during the reign of His Majesty George III. [S.L, s.n], 1828, 4.vols.

5
 RUSSELL, W. C. Nelson and the Naval Supremacy of England (Heroes of the
Nation Series). [S.l], Atheneum, 1890.

 SOUTHEY, Robert: The Life of Nelson. John Murray, London, 1813. 2 vols.

 STRAHAN, Richard, Sir: Authentic memoirs of the brave and much-lamented


Adml Lord Nelson, the idol of his country .... J. Roach, London, 1805.

 THOMPSON, G.: The life of the Right Honourable Horatio Lord Viscount
Nelson, Baron of the Nile .... J.S. Pratt, London, 1841. J.S. Pratt, London, 1843.
J.S. Pratt, London, 1844.

 TUCKER, John Montmorency: The life and naval memoirs of Lord Nelson ....
Willoughby, London, 1845.

 WHITE, Joshua: Lebensbeschreibung des Horatio Lord Viscount Nelson ...


August Campe, Hamburg, 1806.

 WHITE, Joshua: Memoirs of the professional life of the Right Honourable


Horatio Lord Viscount Nelson ... with biographical particulars of contemporary
naval officers. James Cundee, London, 1806 .

 _____________. Memoirs of the professional life of the late most noble Lord
Horatio Nelson ... with biographical particulars of contemporary naval officers
... to which is added ... the ceremonies attending his funeral. James Cundee,
London, 1806.

 WILLYAMS, Cooper. A voyage up the Mediterranean in His Majesty´s Ship the


Swiftsure, one of the squadron under the command of Sir Horatio Nelson with a
description of the battle of the Nile. [ S.l, s.n], 1802.

 WOOD, Thomas: Victory and death : the substance of a discourse delivered


December 5, 1805 : the day of general thanksgiving for the total defeat of the
combined fleets by Lord Nelson. In aid of the patriotic fund. The Author,
Huddersfield, 1806.

6
APENDICE B

CLASSES DE NAVIOS DA MARINHA REAL NO SÉCULO XVIII

Classes Tipo Tonelagem Canhões Conveses Tripulação Comandante Custo(1)


1a Linha de 2600 a 100 ou Três 950 Capitão 70.000 a
Batalha 2000 tons mais 100.000
2a Linha de 2000 tons 90 e 98 Três 750 Capitão 60.000
Batalha
3a Linha de 2000 a 80, 74 e Dois 720 a 490 Capitão 36.000 a
Batalha 1300 tons 64 54.000
4a Anexo a 1100 tons 50 e 60 Dois 350 Capitão 26.000
Linha
5a Fragata 900 a 700 32 a 44 Um 215 a 320 Capitão 21.500 a
tons 15.000
6a Fragata 650 a 550 20 a 28 Um 200 a 160 Capitão 10.000 a
tons 13.000
Chalupas s/classe 450 a 350 10 a 28 Um 120 a 135 Comandante Abaixo de
8.000
Brigues s/classe 200 a 320 10 a 22 Um 80 a 120 Comandante Abaixo de
6.000
Outros s/classe abaixo 4 a 18 Um variável Tenentes Variável
de 200

(1) – Valores de 1750 em libras sem o armamento.


APENDICE C

TRIPULAÇÃO TÍPICA DE UMA FRAGATA DE 36 CANHÕES DE 5A CLASSE

Função Número Local de Trabalho


Comandante 1 Tombadilho
Oficiais - Tenentes 4 Tombadilho
Oficial Fuzileiro 1 Tombadilho
Suboficiais. 15 Tombadilho e outras
áreas
Suboficiais Fuzileiros 3 Todo o navio
Midshipmen 10 Tombadilho
Serventes dos 12 Camarotes de oficiais
Oficiais
Carpinteiros 10 Carpintaria
Artilheiros 10 Paióis de Munição
Contramestres 6 Conveses
Auxiliares de 4 Conveses
manobra
Fuzileiros 45 Todo o navio
Permanentes 48 Todo o navio
Gajeiros do Traquete 24 Traquete
Gajeiros do Grande 26 Grande
Gajeiros da Mezena 18 Mezena
Gajeiros dos Gurupés 20 Proa
Marinheiros de Ré 28 Popa
Marinheiros Recrutas 16 Conveses
TOTAL 301
APÊNDICE D

FORÇAS EM CONFRONTO NO NILO

Esquadra Britânica

Comandante Comandantes Tripulação Mortos Feridos Total


CA Sir Horatio Nelson
Goliah 74 can Capt Thomas Foley 590 21 41 62
Zealous 74 can Capt Samuel Hood 590 1 7 8
Orion 74 can Capt Sir James Saumarez 590 13 29 42
Audacious 74 can Capt Davidge Gould 590 1 35 36
Theseus 74 can Capt R. Miller 590 5 30 35
Vanguard 74 can Capt Edward Berry 595 30 75 105
Navio capitânea
Minotaur 74 can Capt Thomas Louis 640 23 64 87
Defence 74 can Capt John Peyton 590 4 11 15
Bellerophon 74 can Capt Henry Darby 590 49 148 197
Majestic 74 can Capt George Westcott 590 50 143 193
Swiftsure 74 can Capt B. Hallowell 590 7 22 29
Alexander 74 can Capt John Ball 590 14 58 72
Culloden 74 can Capt T. Troubridge 590 0 0 0
Leander 50 can Capt Thomas Thompson 343 0 14 14
Mutine 16 can Cdr Thomas Hardy - - - -

Esquadra Francesa
Comandante Alte Brueys

Guerrier 74 canhões 700 homens apresado


Lê Conquerant 74 canhões 700 homens apresado
Lê Spartiate 74 canhões 700 homens apresado
LÁquilon 74 canhões 700 homens apresado
Lê Souverin 74 canhões 700 homens apresado
Peuple
Lê Franklin 80 canhões 800 homens apresado
L´Orient 120 canhões 1010 homens explodiu
Navio capitânea
Lê Tonnant 80 canhões 800 homens apresado
L´Heureux 74 canhões 700 homens apresado
Lê Timoleon 74 canhões 700 homens incendiado
Lê Mercure 74 canhões 700 homens apresado
Lê Guillaume 80 canhões 800 homens escapou
Lê Genereux 74 canhões 700 homens escapou
La Diane 48 canhões 300 homens escapou
La Justice 44 canhões 300 homens escapou
LArtemise 36 canhões 250 homens incendiado
La Serieuse 36 canhões 250 homens afundado
APÊNDICE E

FORÇAS EM CONFRONTO EM TRAFALGAR.

Esquadra Britânica

Comandante Comandantes Mortos Feridos Total


VA Horatio Lorde
Nelson – HMS Victory
Victory 100 can Capt Thomas Hardy 57 102 159
Navio capitânea
Temeraire 98 can Capt E.Harvey 47 76 123
Neptune 98 can Capt Sir Thomas 10 34 44
Fremantle
Leviathan 74 can Capt H.W. Bayntun 4 22 26
Conqueror 74 can Capt Israel. Pellew 3 9 12
Britannia 100 can Capt C. Bullen 10 42 52
Navio capitânea do CA
Lorde Northesk
Agamemnon 64 can Capt Sir Edward Berry 2 8 10
Ajax 74 can Tenente J. Pilford 2 9 11
Orion 74 can Capt E. Codrington 1 23 24
Minotaur 74 can Capt C.J. Mansfield 3 22 25
Spartiate 74 can Capt Sir F. Laforeyl 3 20 23
Africa 64 can Capt H. Digby 18 44 62
Culloden 74 can Capt T. Troubridge 0 0 0
Royal Sovereign 100 can Capt E. Rotheram 47 94 141
Navio capitânea do VA
Sir C. Collingwood
Belleisle 74 can Capt W. Hargood 33 93 126
Mars 74 can Capt G. Duff 29 69 98
Tonnant 80 can Capt C. Tyler 26 50 76
Bellerophon 74 can Capt J. Cooke 27 123 150
Colossus 74 can Capt J.N. Morris 40 160 200
Achille 74 can Capt R. King 13 59 72
Dreadnought 98 can Capt J. Conn 7 26 33
Polyphemus 64 can Capt R. Redmill 2 4 6
Revenge 74 can Capt R. Moorsom 28 51 79
Swiftsure 74 can Capt W.G. Rutherford 9 8 17
Defiance 74 can Capt P.C. Durbam 17 53 70
Thunderer 74 can Tenente J. Stockham 4 12 16
Prince 98 can Capt R. Grindall 0 0 0
Defence 74 can Capt G. Hope 7 29 36
449 1242 1691

Fragatas Euryalus (Capt H. Blackwood); Naiad (Capt T. Dundas); Phoebe (Capt T.B. Capel) e Sirius
(Capt W. Prowse).
Escuna Pickle (Tenente J.R. Lapenotiere)
Cutter (Tenente R.B. Young).
Esquadra Franco-espanhola
Comandante Alte Villeneuve

Neptuno (E) 80 canhões apresado


Scipion (F) 74 canhões apresado
Intrepide (F) 74 canhões apresado
Navio capitânea do
CA le Pelley
Formidable (F) 80 canhões apresado
Rayo (E) 100 canhões apresado
Duguay Trouin (F) 74 canhões apresado
Mont Blanc 74 canhões apresado
San Francisco de 74 canhões destruído
Assisi (E)
San Agostino (E) 74 canhões apresado
Herós (F) 74 canhões escapou
Santíssima Trinidad 130 canhões apresado
(E)
Navio capitânea do
CA Cisneros
Bucentaure (F) 80 canhões apresado
Navio capitânea do
VA Villeneuve
Neptune (F) 80 canhões escapou
Redutable (F) 74 canhões Apresado
San Leandro (E) 64 canhões escapou
San Justo (E) 74 canhões escapou
Indomptable (F) 80 canhões apresado
Santa Ana (E) Navio 112 canhões apresado
capitânea do VA
Alava
Fougueux (F) 74 canhões apresado
Monarca (E) 74 canhões Apresado
Pluton (F) 74 canhões escapou
Algesiras (F) 74 canhões apresado
Navio capitânea do
CA Magon
Bahama (E) 74 canhões apresado
Aigle (F) 74 canhões apresado
Swiftsure (F) 74 canhões apresado
Argonaute (F) 74 canhões escapou
Montanes (E) 74 canhões escapou
Argonauta (E) 80 canhões apresado
Berwick (F) 74 canhões apresado
San Juan 74 canhões apresado
Nepomuceno (E)
San Ildefonso (E) 74 canhões apresado
Achille (F) 74 canhões destruído
Príncipe de Astúrias 112 canhões escapou
(E)
Navio capitânea do
VA Gravina
23 apresados
2 destruídos
8 escaparam

Cinco fragatas, Cornelie, Hermione,Hortense,Rhin,Themis Brigues Argus e Furet.


APÊNDICE F

TRAJETÓRIAS PESSOAIS E PROFISSINAIS ENTRE ALFRED MAHAN E JOHN


KNOX LAUGHTON

CARACTERÍSTICAS ALFRED THAYER JOHN KNOX


INFORMAÇÕES MAHAN LAUGHTON
Nascimento, local, morte, 27 Set 1840, West 23 Abr 1830, Liverpool,
idade. Point, EUA; 1 Dez UK; 14 Set 1915, 85 anos.
1914, 74 anos.
Motivo da morte, profissão, Ataque cardíaco Falência de órgãos por
tempo de serviço, anos de Oficial de marinha, avançada idade,
serviço. 1856-1896, 40 anos de professor de história,
serviço naval. 1853-1912, 59 anos de
docência.

Desempenho profissional, Sofrível, contra- Relevante, professor


posto alcançado. almirante. universitário.

Livros escritos, tipos 20 ( Bio- 3; Hist-6; 23 (Bio-3; Hist-6;


(biografias, história, Autobio-2; Estrat e Compilações-11;
autobiografias, Estratégia e Outros- 9) Náutica-1; Geografia-2)
outros, Edição de Doc.
históricos) > 50 paginas.
Período histórico 1648-1914 1558-1915
compreendido pelos estudos.
Idade no 1o livro, idade no 43 anos, 73 anos, 30
40 anos, 83 anos, 43
último livro, tempo produtivo. anos. anos.
Temperamento Difícil trato,
Austero, conservador,
extremamente formal, bem humorado,
religioso, tímido,
vitoriano, imperialista,
imperialista, intelectual, gentleman,
intelectual. habilidoso, contido,
detalhista.
Estado civil, filhos, anos de Casado, 3 filhos, 42 Casado por 2 vezes, 9
casado anos no único filhos, 29 anos no 2o
matrimônio. casamento.
Medalha de Ouro Chesney da Sim, a recebeu em Sim, a recebeu em 1910.
GB 1900.
Ligação com as Escolas de Forte. De 1887 a 1892 Forte. De 1866 a 1884.
Guerra Naval.
APÊNDICE G

A HISTÓRIA E O OFÍCIO DE HISTORIADOR SEGUNDO ALFRED MAHAN E


JOHN KNOX LAUGHTON

CARACTERÍSTICAS ALFRED THAYER JOHN KNOX PONTOS PONTOS PONTOS


COINCI DISCOR INDIFE
INFORMAÇÕES OBJETOS MAHAN LAUGHTON DENTES DANTES RENTES
Formação acadêmica formal. Não tinha formação Formação acadêmica e
nem treinamento treinamento em técnicas D
acadêmico. historiográficas.
Utilização de princípios na Sim, junto com a Sim, junto com
História e Estratégia. experiência. experiência tanto pessoal C
como a partir de outros.
Método de análise histórica. Uma ‘luz’, seguido de Estudo de caso, com
conclusão e fatos que fontes secundárias com
corroborassem suas confronto, seguido da
conclusões. análise de fontes D
primárias, as mais
importantes, crítica
histórica e conclusões
claras, concisas e
precisas. A
generalização era
importante.
Pesquisa arquivística e estilo de Não gostava. Estilo Fundamental. Estilo D
escrita. moderado preciso, claro e lógico.
Uso de fontes. Secundárias na maior Primárias, com D
parte secundárias como apoio.
Narrativa. Direta, dogmática, Direta, precisa, lógica,
determinista, clara, concisa com poder D
reducionista e algumas de convencer o leitor.
vezes teleológica.
História como disciplina Prescritiva e História naval como
ferramenta para a parte da história geral. D
Estratégia. É uma arte. Devia ser científica com
crítica. É arte e ciência.
Problematização, criatividade, Sem problematizar, Problematizar,
uso de teoria e nível de criativo, estabeleceu conservador, teoria D
profundidade. uma teoria, nível de necessária, profundidade
profundidade pequena alta.
a média.
Poder de convencimento no Sim, foi muito bem Sim, foi bem aceito.
domínio naval. aceito C
Função educacional da História Sim, como lição. Sim, como lição. C
e Estratégia
Principais Influências Stephen Luce . John Seeley, Samuel I
Henri Jomini Gardiner, Leopold Von
Ranke.
Poder civilizador de seus Sim, um ato divino Sim, um ato para
países, etnocentrismo e imposto aos EUA. “civilizar” os bárbaros, C
imperialismo. Etnocêntrico e etnocêntrico e
imperialista. imperialista..
História como Ciência Social, A Providência guia a História devia ser
lições da História, Tempo História, com lições a científica, crítica,
Presente, História como Arte serem apreendidas. educativa com lições.
Evitava a História do Evitava especulações D
Tempo Presente e sobre o futuro. Discutia
História como arte. o tempo presente.
História era arte e
ciência.
Heróis Nelson, Farragut, Nelson, Lord
Napoleão, Alexandre, Torrington, Lord I
Cesar e Aníbal. Barham, Lorde São
Vicente e alguns
franceses.
O Ofício do historiador Deve ter capacidade Deve congregar o
de influenciar, conhecimento
conhecimento, ser acadêmico, com base
juiz, ter uma idéia teórica e capacidade de
central, sem criticar as fontes. O
generalizar. Deve método de abordar a
descrever os fatos de história deve ser o D
forma inteligente, sem científico. Deve
muitos detalhes. Seu conhecer especificidades
texto deve ter unidade da guerra naval. Deve
com hipótese central. convencer o leitor, ser
É um artista, educador preciso, conciso e claro.
e imaginativo.

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