Você está na página 1de 516

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por

© 2009, BV Films Editora Ltda


e-mail: faleconosco@bvbooks.com.br
Rua Visconde de Itaboraí, 311 – Centro – Niterói – RJ
CEP: 24.030-090 – Tel.: 21-2127-2600
www.bvbooks.com.br

É expressamente proibida a reprodução deste livro, no seu todo ou


em parte, por quaisquer meios, sem o devido consentimento por
escrito.

Originalmente publicado em inglês com o título:


The Battles of the Bible - A Military History of Ancient Israel
Copyright © Chaim Herzog and Mordechai Gichon 1978, 1997
Maps © Lionel Leventhal Ltd 1997
All Rights Reserved

This edition is published by special arrangement with GREENHILL


BOOKS.

Editor Responsável: Claudio Rodrigues


Adaptação capa e editoração: Guil
Adaptação para o português BR: Daiane Rosa Ribeiro de Oliveira
Revisão de Texto: Marco Antonio Coelho - Marcus Vinicius Cardoso

ISBN 978-85-61411-09-1
1ª edição - Agosto/2009
Impressão: Imprensa da Fé
Classificação: Bíblia

Impresso no Brasil
ÍNDICE

Lista de fotografias

Lista de desenhos

Lista de mapas e diagramas

Legendas dos mapas

Cronologia

Agradecimentos

Prefácio

PARTE I por Mordechai Gichon

1 O Cenário

2 As Campanhas de Josué

3 As Guerras dos Juízes

4 A Fundação do Reino e do Exército Regular

5 A Monarquia Unida

6 Os Primórdios de Israel

7 Israel nos Reinados de Omeri e Acabe

8 Israel depois de Acabe


9 As Fortificações de Judá durante o Reinado de Roboão

10 Judá durante o Reinado de Uzias

11 O Último Século de Judá

PARTE II por Chaim Herzog

12 As Primeiras Batalhas dos Macabeus

13 Da Liberdade à Independência

Abreviaturas
LISTA DE FOTOGRAFIAS

1 Ai vista da vertente inferior da serrania de Betel

2 Gibeon vista do Sul

3 Vale de Aialon

4 Monte Tabor

5 En-Dor

6 En-Dor

7 Micmás

8 Arqueiros árabes a camelo

9 Monte Gilboa

10 A Cidade Velha de Jerusalém

11 Letra iluminada retratando o rei Davi

12 Jerusalém

13 Arqueiro

14 Cavaleiro

15 Duelistas

16 Lanceiro de Gozan
17 Guerreiro armado com bumerangue e funda

18 Cameleiro

19 Megido, a principal fortaleza israelita

20 Modelo da fortaleza de Megido

21 Porta superior de Megido

22 Escadaria de Megido

23 Túnel ligando Megido à fonte secreta

24 Porta salomônica de Haçor

25 Casa de pedra de Haçor

26 Montes Golan

27 Porta da praça-forte israelita de Dan

28 Lápide do rei Uzias

29 Fortaleza de Berseba

30 Altar do santuário da guarnição em Berseba

31 Vestígios da muralha de casamata em Ramat Rahel

32 Vista aérea da fortaleza judaíta de Arade

33 Local da última batalha de Josias

34 Passo de Iron
35 Pontas de flecha e lança

36 Pedras para funda

37 Escamas de armadura

38 Cimeiras de capacetes

39 Fortaleza judaíta Tell Lachisch

40 Crânio trepanado

41 O cerco assírio de Láquis

42 O Sudeste de Judá

43 Ladeira de Levona

44 Ladeira de Bete-Horom

45 Vista a partir do acampamento de Ptolomeu em Emaús

46 Local do acampamento selêucida em Emaús

47 Cavaleiro helenístico

48 Infante helenístico

49 Elefante de guerra

50 Jerusalém: muralhas do período asmoneu

51 Vale do Jordão

52 Adasa
53 Tumultos dos Macabeus em Modin
LISTA DE DESENHOS

1 Guerreiro dos “Povos do Mar”

2 Uma tribo semita entra no Egito

3 Infantaria Egípcia

4 Carro de guerra egípcio

5 Espiões espancados pelos egípcios

6 Josué surpreende os amorreus em Gibeon

7 Arqueiro retesando o arco

8 Arco reforçado

9 Funda

10 Um nobre cananeu oferece cativos ao seu suserano

11 Freios provenientes de Tell el Adjul

12 Cota de malha feitas de escamas de metal

13 Espadas

14 Ramsés II combate a invasão dos “Povos do Mar”

15 Espada comprida filisteia

16 Rosto de guerreiro
17 Carroça e carros de guerra filisteus

18 Batalha de Quedes

19 Carro de guerra de Senaqueribe

20 Navio fenício

21 Infantaria Egípcia de Amenhotep

22 Ramsés II toma uma fortaleza de assalto

23 Pontas de flecha

24 Fundibulário de Tell Halaf

25 Arqueiros assírios e cavalo

26 O exército assírio sitia uma cidade

27 Fundibulário e arqueiros assírios

28 Morte do rei de Israel

29 Aríete móvel assírio

30 Arqueiros assírios em carros

31 Táticas de cerco assírias

32 Arco composto

33 Carta de Arade

34 O cerco assírio de Láquis


35 Senaqueribe ataca a porta de Láquis

36 Tropas assírias ao assalto de uma cidade

37 Carro de guerra de Judá

38 Navio Egípcio

39 Os hititas atacam o acampamento de Ramsés II

40 Punhais dos segundo e primeiro milênios a.C.

41 Inscrição em Siloé

42 Pontas e cabos de lanças filistinas

43 Máquina de cerco assíria

44 Arco compósito utilizado a partir do período do Segundo Templo

45 Tipo de balista helenística (palintonon)


LISTA DE MAPAS E DIAGRAMAS

1 O Palco Geográfico

2 Conquista de Ai (primeira fase)

3 Conquista de Ai (segunda fase)

4 Campanha das Águas de Meron

5 A Vitória de Débora sobre Sísera (primeira fase)

6 A Vitória de Débora sobre Sísera (segunda fase)

7 Campanha da Fonte de Harode

8 Gideão persegue os medianitas

9 As Guerras de Saul

10 A Expulsão dos filisteus

11 Batalha de Micmás

12 As Guerras de Davi

13 As Muralhas de Jerusalém, de Davi e Sedecias

14 Primeira Campanha do Vale de Refaim (primeira fase)

15 Primeira Campanha do Vale de Refaim (segunda fase)

16 Segunda Campanha do Vale de Refaim (primeira fase)


17 Segunda Campanha do Vale de Refaim (segunda fase)

18 A Infraestrutura do Reino de Salomão

19 Ben-Hadade cerca Samaria

20 Acabe nos Montes Golan (primeira fase)

21 Acabe nos Montes Golan (segunda fase)

22 Marcha ao encontro dos assírios em Qarqar

23 A Guerra contra Mesa

24 Expansão de Israel e Judá com Jeroboão II e Uzias

25 As conquistas assírias

26 As Defesas de Judá (excluindo o Neguebe)

27 A Campanha de Jorão contra Edom

28 Jerusalém: plano e corte do Tzinor

29 A Queda de Judá

30 As Campanhas de Judas Macabeu

31 Batalha de Bete-Horom

32 Batalha de Emaús (primeira fase)

33 Batalha de Emaús (segunda fase)

34 Batalha de Bete-Sur
35 As Expedições de Socorro de Judas e Simão

36 Batalha de Bete-Zacarias

37 Batalhas de Cafarsalama e Adasa

38 A Batalha de Elasa e a Morte de Judas


LEGENDAS DOS MAPAS
CRONOLOGIA (A. C.)

Sécs. XXVii-XXii Império Antigo no Egito.

c. 2350 Uni invade Canaã.

Sécs XVIII-XVi Canaã integra o Império Hicso.

Sécs XVI-VIII Império Novo no Egito.

1468-1436 Tutmose III efetua dezessete campanhas em Canaã e a


norte desta região.

Séc. XIV XVIII Dinastia no Egito. Penetração das tribos hebraicas


em Canaã. Permanência dos israelitas no Egito.

Séc. XIII Moisés – Êxodo do Egito. Josué – Conquista e


estabelecimento parcialmente pacífico em Canaã (=Palestina).

Sécs. XII-XI Juízes. Os filisteus e outros “Povos do Mar” instalam-se


nas costas de Canaã.

c. 1050 Samuel.

c. 1025-1006 Saul.

c. 1006-968 Davi – O império estende-se das fronteiras do Egito ao


Eufrates.

c. 968-928 Salomão – Construção do Templo de Jerusalém. Aliança


com Tiro.

925 Cisma da Monarquia Unida.


REINO DE ISRAEL

c. 925-907 Reinado de Jeroboão.

Invasão de Chichac.

c. 882-870 Reinado de Omeri, que edifica Samaria e renova a


aliança com Tiro.

c. 870-851 Reinado de Acabe, que repele os arameus e lidera uma


coligação contra Salmanasar III. Batalha de Qarqar (853). Profeta
Elias.

c. 858-824 Em campanhas sucessivas, Salmanasar III da Assíria


consegue subjugar os Arameus e chegar a Gileade e à Galiléia.

c. 852 Mecha, rei de Moabe, reconquista a sua independência a


Israel.

c. 850-842 Reinado de Jorão.

c. 850 Israel e Judá invadem Moabe, mas sem alcançarem um êxito


duradouro.

c. 842-814 Jeú revolta-se e é coroado rei de Israel com o apoio do


profeta Eliseu. As lutas internas tornam Israel praticamente
dependente de Damasco, governada por Hazael.

c. 800-785 Joás reafirma a independência de Israel.

c. 785-750 Jeroboão II, em aliança com Uzias de Judá, restabelece


as fronteiras salomônicas. Profeta Amós.
c. 745-727 Em várias campanhas, Tiglat-Piléser III da Assíria invade
e conquista a ponte terrestre palestina. Apenas Judá parece ter
conservado alguma independência.

c. 722 Sargão II da Assíria conquista Samaria após um cerco de três


anos levado a cabo pelo seu predecessor, Salmanasar V. Uma
grande parte da população é exilada para locais remotos do império
(as “dez tribos perdidas”). Os restantes misturam-se com gentios
transplantados e constituem os samaritanos – não aceitos como
Judeus ortodoxos.

c. 722-628 Israel é uma província assíria.

c. 604-539 Israel é uma província babilônica.

c. 539 Israel é uma província persa.

REINO E JUDÁ

c. 928-911 Reinado de Roboão.

c. 924 Chichac I do Egito invade Judá e Israel.

c. 908-867 Asa, rei de Judá, consolida o reino, incluindo as grandes


obras defensivas de Roboão.

c. 867-851 Reinado de Josafá. Aliança ofensiva-defensiva e


cooperação com Israel.

c. 851-843 Jorão, rei de Judá, tenta infrutiferamente reconquistar


Edom.
c. 812-810 Joás, rei de Judá, sob pressão de Damasco.

c. 799-785 Amacias reafirma a independência de Judá e


reconsquista Edom.

c. 786-758 Uzias reafirma a ascendência de Judá sobre os seus


vizinhos a leste, sul e oeste. O prefeta Isaías inicia a sua atividade,
que prossegue durante o reinado de Ezequias.

c. 724-697 Reinado de Ezequias, que repele a invasão de


Senaqueribe (701).

c. 628-609 Josias – última expansão de Judá, a qual, devido à


fraqueza da Assíria, incorpora uma grande parte do antigo reino de
Israel.

c. 609 Josias morre na Batalha de Megido, contra o faraó Neco.

c. 605 Estabelecimento do Império neobabilônico, que inclui quase


todo o reino assírio.

c. 586 Nabucodonosor conquista Jerusalém, e o Primeiro Templo é


destruído. Uma grande parte da população é exilada para a
Babilônia. Tropas judaicas fogem para o Egito, acompanhadas pelo
profeta Ezequiel. Fundação das primeiras colônias militares judaicas
no Egito.

537-332 Período Persa.

537 Sob o domínio persa, os Judeus são autorizados a regressar da


Babilônia para a Judéia.

515 Restauração do Templo (Segundo Templo).


c. 440 Neemias chega da Babilônia e reconstrói as muralhas de
Jerusalém.

c. 435 Esdras, o Escriba, junta-se a Neemias na reconstrução da


cidade de Jerusalém e da comunidade da Judéia.

c. 332-134 Período Helenístico.

c. 332 Alexandre Magno vence os persas e apodera-se dos seus


territórios, incluindo a Palestina. Arqueiros judaicos juntam-se a
Alexandre para a conquista do Egito.

c. 301-200 A Palestina sob o domínio dos ptolomeus do Egito.

198 O imperador selêucida Antíoco III da Síria conquista a Palestina


aos ptolomeus.

190 Antíoco III perde a decisiva Batalha de Magnésia contra os


romanos.

188 Nos termos do tratado de Apaméia, o filho de Antíoco (futuro


Antíoco IV) é enviado para Roma como refém.

187 Subida ao trono de Selêuco IV, filho de Antíoco III.

175 Subida ao trono de Antíoco IV Epífanes, irmão de Seleuco IV.


Onias III (Honyo), o tradicionalista sumo sacerdote judaico de
Jerusalém, é expulso pelo imperador, que o substituiu por Jasão,
pró-helenista. Este evento marca o início das tentativas selêucidas
de helenização da Judéia.

172 Jasão é destruído e foge para a Transjordânia. Para o seu lugar


é nomeado Menelau, um helenista convicto.
170 Antíoco IV lança uma primeira campanha no Egito.

168 Roma conquista a Macedônia. Na sua segunda campanha


egípcia, Antíoco IV está prestes a conquistar o país quando Roma
lhe ordena que se retire. Insurreição em Jerusalém. Antíoco envia
uma expedição punitiva contra a cidade. Muitos judeus são
massacrados e o Templo é saqueado. A formidável fortaleza de
Acra é edificada como uma base militar selêucida.

167 Antíoco IV promulga decretos antijudaicos. dezembro


Profanação do Templo 167 Incidente de Modin. Matatias e os seus
filhos erguem a bandeira da revolta. Judas forma uma força de
guerrilha. Livro de Daniel.

167-166 Morte de Matatias. Judas sucede-lhe na liderança dos


macabeus. Apolônio é derrotado perto de Gofna, na primeira batalha
dos macabeus contra forças selêucidas.

165 Seron é derrotado em Bete-Horom. Antíoco IV parte para a sua


campanha oriental. Nicanor e Górgias são derrotados em Emaús.

164 Lísias é repelido na Batalha de Bete-Sur. dezembro Os


macabeus rededicam o Templo. Inauguração do Festival do
Hanukkah.

163 Expedição de Judas para socorrer os Judeus de Gileade.


Expedição de socorro de Simão à Galiléia Ocidental. Judas opera
na planície costeira e na Iduméia. Morte de Antíoco IV Epífanes.
Sucede-lhe o filho, o jovem Antíoco V Eupator, com Filipe como
regente.
162 Eleazar, irmão de Judas, morre na Batalha de Bete-Zacarias.
Lísias chega a Jerusalém. Em nome de Antíoco V, Lísias anula os
decretos antijudaicos. O sumo sacerdote Menelau é destituído e
executado. Demétrio foge de Roma e torna-se o novo imperador
selêucida (Demétrio I Sóter). Antíoco V e Lísias são executados.
Eliaquim (Alcimo) é nomeado sumo sacerdote. Nicanor é repelido na
Batalha de Cafarsalama.

160 Os macabeus são derrotados por Báquides na Batalha de


Elasa. Judas é morto. Jônatas sucede a Judas como líder dos
macabeus e retira-se para o Sudeste da Judéia.

152 Jônatas inicia a reconquista da Judéia, após o que estabelece


relações diplomáticas com Roma e Esparta.

142 Simão, o último dos irmãos macabeus, sucede a Jônatas e


conquista a independência para o seu país.
AGRADECIMENTOS

As ilustrações contidas na presente obra foram retiradas das fontes


abaixo.

Somos gratos às várias organizações, pessoas, autores (ou


parentes) e editoras pelos direitos concedidos.

AHARONI, Yohanan, The Ostraca from Arad Inscriptions, Jerusalém,


Israel Exploration Society, 1981, p. 206.

ALBRIGHT, W. F., The Archeology of Palestine, Harmondsworth,


Pelican Books, 1949, p. 35 e 64.

ARRAS LIBRAIRIE MUNICIPALE, p. 135.

AUERBACH, Elias, Wüste und Gelobtes Land II, Berlim, Schocken


Verlag, 1936, p. 252.

BONNETT, Hans, Die Waffen der Völker des Alten Orients, leipzig,
J. C. Hinri-chs’ sche Buchhandlung, 1926, p. 57 (integral), 61, 67,
203 e 266.

BREASTED, James H., <<The Battle of Kadesh>> , Investigations


Representing the Departments: Semitic Languages and Literatures,
Série I, Volume V, Chicago, The University of Chicago Press, 1904,
p. 114.

DIESNER, Hans-Joachim, Kriege des Altertums, Berlim,


Militärverlag der Deutschen Demokratischen Republik, 1974, p. 281.
DOTHAN, Trude, The Philistines and their Material Culture,
Jerusalém, Israel Exploration Society, 1967, p. 30, 81, 83, 87, 95 e
255.

ERMAN, Adolf e Hermann Ranke, Aegypten im Altertum, Tübingen,


Verlag J. C. B. Mohr [P. Siebeck], 1923, p. 36, 39, 42, 127, 146 e
235.

FORÇA AÉREA ISRAELITA, p. 134 (final da página).

GALLING, Kurt, Biblisches Reallexikon, Tübinggen, Verlag J. C. B.


Mohr [P. Siebeck], 1923, p. 65, 75, 124, 147, 167, 229 e 242.

HEIMAN, Hillel, p. 189 (final da página).

LAYARD, H. Austen, The Monuments of Nineveh, Londres, Volume I,


1849, Volume II, 1853, frontispício e p. 154, 161, 172, 194, 198 e
222.

MAGALL, Miriam, Archaologie und Bibel, Colónia, Du Mont


Buchverlag, 1986, como base para o diagrama da página 246.

MUSEU BRITÂNICO, p. 133 (início) e 186 (final da página).

MUSEU DE ISRAEL, p. 178

OPPENHEIN, von, Der Tell Halaf, Leipzig, F. U. Brockhaus, 1931, p.


136 (final da página), 137, 138, 139 (início e final da página) e 140.

PRITCHARD, James B., Gibeon: Where the Sun Stood Still,


Princeton, New Jersey, Princeton University Press, 1962 p. 42.

RADOVAN, Zea, p. 192 (início) REINACH, Theodore, in Bulletin de


Correspondence Hellénique IX, Paris, 1885, p. 190 (final da página).
RILEY, Derrick, p. 181 (início) e 182.

ROSTOVTZEFF, M., The Social and Economic History of the


Hellenistic World Vol. I, Oxford University Press, 1941, p. 190 (início
à esquerda e à direita).

TSAMERET, Nati, p. 129 (início e final da página), 130, 131 (início e


final da página), 132 (início e final da página), 134 (início), 136
(início), 141 (início e final da página), 142 (início e final da página),
143, 144 (início e final da página), 177 (início e final da página), 179
(início e final da página), 180, 181 (final da página), 187, 188 (início
e final da página), 189 (início), 191 (início e final da página) e 192
(final da página).

USSISHKIN, David, The Conquest of Lachish bu Sennacherib, Tel


Aviv, Tel Aviv University Institute of Archeoloy, 1982, desenhos de
Judith Dekel e Gert Le Grange, p. 118, 165, 183 (início e final da
página), 184 (início), 185 (início e final da página), 186 (início), 208,
212, 226 e 260.
PREFÁCIO

Este livro teve início a partir de um projeto do mesmo título que foi
realizado há vinte anos. Ele se beneficiou de todas as investigações
e descobertas arqueológicas das últimas duas décadas, e
aproveitou-se da oportunidade da presente edição para redesenhar
os mapas e ilustrar a obra novamente.

O livro foi escrito numa tentativa de aplicar à narrativa bíblica as


ideias e conhecimentos militares modernos.

Fomos conduzidos pelo desejo de narrar a história militar da


Bíblia utilizando os conceitos militares modernos e a terminologia
consagrada. Acreditamos que desse modo e através das muitas
comparações, a capacidade militar de muitos chefes de guerra cuja
história é relatada na Bíblia, emergiria em toda a sua amplitude, e
seria também sublinhada a aplicabilidade dos princípios da guerra
em séculos de história.

Se tínhamos dúvidas no início das nossas investigações quanto à


aplicabilidade da lógica militar moderna a acontecimentos ocorridos
há dois ou três mil anos, elas desapareceram enquanto
escrevíamos o livro. Não ignorando as alterações quantitativas
provocadas pelas armas e equipamentos modernos, as leis básicas
– estratégia e tática – que se aplicam à guerra convencional
moderna são as mesmas que se aplicavam às guerras de um
passado longínquo.

Os fatores rígidos e peculiares da geografia têm constituído um


elemento principal e constante das considerações dos comandantes
de todas as épocas.

Nós mesmos, durante os nossos anos de serviço militar, tivemos


a oportunidade de recorrer às lições do passado ao contemplarmos
os problemas da luta de Israel pela independência e pela
manutenção da sua segurança. Os fatores que influenciaram os
antigos generais da Judéia e de Israel continuam influenciando os
generais israelitas de hoje.

A localização estratégica da Terra Santa como principal ponte


terrestre do Mediterrâneo Oriental tem, desde a antiguidade,
obrigado os seus habitantes desejosos de independência a
manterem uma máquina de guerra eficaz e a utilizarem com
perfeição de tempos em tempos, de forma a não abidicarem da sua
liberdade. Somente deste modo, e através de uma total exploração
militar do terreno, os judeus conseguiram em tempos antigos
manterem-se de fato senhores do antigo Israel durante doze
séculos.

Estes feitos militares de uma pequena nação, combatendo na


maioria das vezes com desvantagem, nos parecem dignos de
registro. Além de oferecer o contexto e a interpretação militares dos
acontecimentos que deram forma à história bíblica, à análise crítica
das guerras e a assuntos militares da Bíblia encerram muitas lições
que ainda hoje são válidas.

Muitos estudiosos, embora não neguem a natureza inspirada da


Bíblia, são consensuais quanto ao fato de serem originárias de uma
variedade de fontes, compostas durante vários séculos. A Bíblia não
foi concebida como um livro de história ou anais. Aliás, anais como
as Crônicas dos Reis de Judá e as dos Reis de Israel são
explicitamente e constantemente referidos nas suas páginas.
O objetivo da Bíblia era ensinar e guiar utilizando, nos seus livros
históricos, ocorrências selecionadas, sem procurar necessariamente
oferecer uma perspectiva completa e imparcial. Assim, os
acontecimentos narrados no período pré-monárquico não têm de
estar ligados, em todos os casos, ao seu herói bíblico, nem de
obedecer a uma ordem cronológica correta. Finalmente, muitos
eventos importantes, considerados inconsequentes por um ou outro
editor bíblico, não foram sequer mencionados, e só a feliz referência
numa fonte externa os salvou do esquecimento. Iremos nos referir a
estes assuntos no texto sempre que necessário.

Por outro lado, o nosso profundo conhecimento das questões


militares e dos campos de batalha bíblicos convenceu-nos de que o
pensamento habitualmente em moda erra ao relegar uma parte
cada vez maior da história bíblica para o reino da invenção sábia e
pragmática ou da interpretação etiológica de desconhecidos
criadores de folclore, escribas e autores posteriores utilizados pelos
compiladores do cânone bíblico.[Nota 1]

A descrição tática das batalhas da Bíblia, no seu complexo


enquadramento topográfico e na subsequente interação detalhada e
lógica entre movimento, manobras e características do terreno, que
molda o rumo das batalhas, não pode ser explicada recorrendo
meramente à imaginação. Basta, por exemplo, comparar a
campanha de Gideão contra os midianitas e seus aliados, relatada
em Juízes 6-8, com as batalhas da Guerra de Tróia, descritas por
Homero na Ilíada.

Para esta guerra, qualquer costa marítima acessível e uma praça-


forte não muito distante servirão perfeitamente como
enquadramento geográfico. Basta substituir Gaza, Ascalão ou
Rimini (ou inúmeras outras cidades costeiras, escolhidas ao acaso)
à colina de Hisarlik/ Tróia, e todos os acontecimentos descritos pela
Ilíada, ao carecerem dos pormenores relevantes, podem ser
transferidos para lá. Mas o mesmo não se verifica com o relato
bíblico da campanha de Gideão.

As suas detalhadas movimentações táticas e encontros, fruto da


interação entre características topográficas específicas e as ações
de amigos e inimigos – num teatro de operações com cerca de
60km de comprimento – não podem ser reproduzidas em nenhum
outro local. Como qualquer soldado pode comprovar, cada campo
de batalha é sui generis nos seus pormenores.

Assim, somos praticamente obrigados a aceitar a veracidade da


narrativa tática das batalhas tal como são descritas na Bíblia, ainda
que, como referimos anteriormente, os acontecimentos,
principalmente os do período pré-monárquico, possam ter sido
atribuídos, por engano ou desígnio, ao chefe tribal ou à época
errados.

A investigação arqueológica é fundamental para providenciar o


enquadramento e a base material da nossa pesquisa, e para
fornecer provas epigráficas relevantes, que são ainda mais
preciosas devido à sua escassez. Por outro lado, muitas das
conclusões retiradas a partir dessas fontes, por um número
considerável de investigadores, devem ser firmemente rotuladas de
conjeturais, e estão longe de constituir um enquadramento fatual
crível. As atitudes básicas de alguns especialistas são afetadas por
noções sociopolíticas e preconceitos conscientes ou
subconscientes, e todos eles tendem a retirar conclusões históricas
abrangentes e finais a partir de provas recolhidas nos sítios
arqueológicos – nenhum dos quais foi completamente escavado
com métodos rigorosos - , muitas vezes antes de ser publicada uma
análise completa e final às suas descobertas. [Nota 2]

É algo lamentável, particularmente nos muitos casos em que os


arqueólogos se permitiram liberdades excessivas com as correções
textuais, “explicando” provas fatuais “inadequadas” e ignorando as
realidades geopolíticas. Todavia, independentemente do veredicto
futuro da investigação equilibrada sobre o enquadramento e os
acontecimentos históricos, no âmbito dos quais devemos olhar para
as batalhas da Bíblia, tal veredicto não poderá invalidar a sua
verdade e autenticidade intrínseca. [Nota 3]

Impossibilitados, na presente obra, de entrar em discussões que


ultrapassam os assuntos militares, aderimos à autoridade dos feitos
de Josué e de outros líderes tal como são narrados na Bíblia. [Nota 4]

Gostaríamos de expressar a nossa mais sincera estima e gratidão


a Nati Tsameret e ao tenente-coronel Ephrain Melzer pela
preparação das novas fotografias dos campos de batalha bíblicos, a
John Richards pelo desenho dos mapas, e ao nosso editor, Lionel
Leventhal, à sua assistente, Kate Ryle e a todos os outros membros
da sua equipe que de diversas maneiras nos ajudaram a completar
a nova edição do livro.

A presente obra é fruto de um trabalho em parceria.


Aconselhamos-nos e consultamos nos mutuamente. Cada um de
nós socorreu-se da experiência e qualificações específicas do outro.
Em termos de escrita, Mordechai Gichon concentrou-se no período
do Primeiro Templo, e Chaim Herzog lidou com o período do
Segundo Templo, até a morte de Judas Macabeu em combate, o
ponto em que termina o relato militar da Bíblia. Uma última
observação a respeito dos nomes das pessoas e das localidades.
Nós seguimos, sempre que possível, a versão da Bíblia, conhecida
por King James Version*, que é a mais 1familiar do leitor. Nomes de
lugares modernos são descritos dee acordo com a transcrição
adotada nos mapas relevantes de Israel, da Jordânia e da Síria.

Todavia, tendo considerado as provas acumuladas e as novas


ideias e teorias, reafirmamos, nesta edição aumentada e revista,
que as lições estratégicas e táticas da Bíblia ainda são aplicáveis e
nada perderam da sua relevância.

CHAIM HERZOG

MORDECHAI GICHON

* King James Version é a versão utilizada na obra em inglês. Na


obra traduzida, a versão utilizada foi João Ferreira de Almeida
Atualizada.

Notas do Prefácio

Nota 1 - Ver CHILD, B.S., “The Etiological Tale Reexamined”, VT XXXIV, 4, pp. 25-397 e
bibliografia, incluindo as obras básicas de H. Gressmann, M. Noth e A. Alt. Uma grande
parte do presente volume refuta a etiologia como base dos episódios militares da Bíblia.
Além da impossibilidade de inventar os pormenores, não podemos explicar
satisfatoriamente o motivo da sua invenção e do fato de negligenciar, na maior parte dos
casos, os pormenores relativos aos feitos individuais de bravura, tão caros aos antigos
terrenos cultivados. [Voltar]

Nota 2 - O âmbito da arqueologia bíblica é resumido por MYERS, E.M., “The Bible and
Archeology”, BA 47, 1984, pp. 36-40. Relativamente aos problemas multifacetados em
causa e às tentativas para a sua resolução, ver os artigos de W.G. Dever, citados nas notas
da presente obra. [Voltar]

Nota 3 - As nossas opiniões quanto à veracidade intrínseca dos pormenores das batalhas
bíblicas são apoiadas pela escola de pensamento que reclama, para uma grande parte da
narrativa da Bíblia, a autenticidade do “Sitz im Leben” [contexto de origem (N.T.)], que
significa que a matéria em discussão reflete verdadeiramente o contexto social, tecnológico
e intelectual da época da sua composição: BUSS, J., “The Idea of Sitz em Leben”, ZAW 90,
1978, PP. 158-170. [Voltar]

Nota 4 - Além das nossas, outras opiniões face ao valor histórico dos relatos bíblicos são
evidentes em muitas notas, tais como as notas 5 e 27 do capítulo 1. j. A. Sogin
(suplemento a zaw 100, 1988) observa corretamente que uma redação posterior, só por si,
não anula a autenticidade dos acontecimentos. Introduções úteis aos estudos bíblicos são:
RENDTDORFF, R., The Old Testament, Londres, 1985, SCHIMIDT, W. H., Introduction to
the Old Testament, Londres, 1984. [Voltar]
PARTE 1
CAPÍTULO 1

O CENÁRIO

O PALCO GEOGRÁFICO

De acordo com o que registram os anais, Eretz Israel – a terra


que, segundo a tradição bíblica, fora prometida por Deus a Abraão
como lar permanente e específico do povo judaico – foi sempre uma
das mais importantes vias militares. De fato, a maioria dos
especialistas considera que o primeiro relato coerente de uma
campanha militar a chegar até nós é a narrativa da invasão egípcia
de Canaã. Trata-se da inscrição do túmulo de Uni, um general do
Faraó Pepi I, que se vangloria da conquista da “terra dos habitantes
da areia” através de uma operação naval e terrestre combinada.[Nota
5] As tropas de Uni efetuaram um desembarque por detrás da

serrania do “focinho da gazela” e subjugaram seus inimigos antes


de um outro contingente egípcio, que subia pela planície costeira,
chegar ao campo de batalha, embora a simples ameaça da sua
aproximação da retaguarda dos defensores tenha seguramente
contribuído para a vitória.

Estava-se no século XXIV a. C., a “terra dos habitantes da areia”


era o atual Israel e o “focinho da gazela” talvez fosse o promontório
do Carmelo.

A campanha de Uni antecede, em mil anos, o estabelecimento


israelita naquilo que se tornara a província egípcia de Canaã. No
entanto, nos dá o primeiro retrato dos fatores e características
geopolíticas que regeram o destino da Terra Santa durante toda a
sua longa e turbulenta história.

Antes de entrarmos em pormenores, algumas palavras sobre a


nomenclatura. Como mencionamos anteriormente, Eretz Israel é o
nome hebraico da Terra Santa, e Canaã é o nome pelo qual era
conhecida antes da conquista israelita. Após o cisma da Monarquia
Unida, cerca de 925 a. C., o Reino do Norte manteve o nome de
Israel, e o do Sul passou a chamar-se Judá. O termo Judá acabou
por vir a designar todos os domínios judaicos após o regresso dos
israelitas do exílio na Babilônia, em 537 a. C., incluindo os territórios
do reino asmoneu, que se encontravam dentro das suas fronteiras.
Judá chegou até nós na forma latinizada de Judéia (Iudaea), o nome
que lhe foi dado na qualidade de província romana após a sua
subjugação às mãos de Vespasiano e Tito (66-73 d. C.). Este nome
foi alterado para Síria-Palestina – portanto Palestina – pelo
Imperador Adriano no seu vão esforço para esmagar os judeus na
sua pátria após a grande revolta de Bar Kochba (132-135 d. C.).
Durante toda a sua história subsequente, a região continuou a ser
reconhecida por Palestina, pois nem árabes nem turcos lhe
atribuíram outro nome.

Nas páginas que se seguem, utilizaremos o nome Palestina


sempre que pretendermos indicar a região num sentido geográfico,
dentro das suas fronteiras geográficas e sempre sem a mínima
referência à conjuntura política atual. Os termos Cisjordânia e
Transjordânia também são utilizados no seu sentido geográfico,
significando respectivamente as regiões a oeste e a leste do Jordão.

A primeira e principal das características geopolíticas que sempre


regeram o destino da Terra Santa é a localização da Palestina, a
única ponte terrestre que liga a Eurásia à Africa. Não existe nenhum
desvio entre o mar e o deserto, e a única alternativa é utilizar as
estradas palestinas a oeste e a leste do rio Jordão.

Consequentemente, as potências de então não se abstinham de


entrar em conflitos armados para se apoderarem desta área
estratégica, que se tem revelado absolutamente indispensável para
o fluxo do comércio em tempo de paz e para o movimento dos
exércitos em tempo de guerra. E os soberanos das terras
adjacentes também não desistiam, sem luta, do seu objetivo de
incorporarem essas importantes encruzilhadas em seus territórios.
Assim, qualquer nação que aspirasse a estabelecer um estado
independente na ponte terrestre palestina era obrigada a aceitar um
fato importante: o seu destino era viver quase sempre sob uma
incessante pressão concêntrica, próxima e distante, e somente uma
constante prontidão militar poderia garantir a sua sobrevivência.

Provavelmente, não é uma coincidência o fato de o único povo


criar uma comunidade nacional na ponte terrestre palestina, que
perdurou (com breves interrupções) durante um período
considerável (doze séculos, a partir do século XII a. C.), ter sido o
povo judaico. Durante esse longo período, os judeus viram-se quase
sempre forçados a recorrer ao seu ânimo e devoção para
compensarem a sua inferioridade numérica, outro fator básico do
caráter geopolítico da Palestina. A própria pequenez da região
impunha limites à sua população. Na antiguidade, quando a
agricultura era extensiva e somente pequenos setores da sociedade
conseguiam subsistir com ocupações diferentes da lavoura, havia
um meio importante para aumentar o potencial nacional em recursos
humanos e produção alimentar: a conquista de território estrangeiro.
Adquirindo mais terra arável e lavradores suficientes, um soberano
podia se alocar por um certo período de tempo ou
permanentemente uma maior proporção do povo para as atividades
bélicas – para não falar nos auxiliares que podiam ser recrutados
nos territórios adquiridos.

A Palestina, confinada por fronteiras naturais e confrontada, a


norte e a sul, por países muito maiores, foi obrigada a explorar os
seus magros recursos de um modo relativamente superior ao de
regiões mais generosamente dotadas.

Mas mesmo depois de subjugar as montanhas com o arado e de


conquistar largas extensões do árido Sul da Judéia, o Neguebe,
para instalar comunidades rurais sedentárias, havia um limite que
mantinha os “Palestinos” numericamente insignificantes quando
comparados com as nações que se desenvolveram no Nilo, na
Mesopotâmia, nos planaltos sírios e na Ásia Menor.

Embora esse livro se ocupe de


assuntos materiais e físicos, e não nos
aspectos espirituais da história bíblica,
deve sublinhar-se que somente um povo
dotado de zelo religioso, de uma crença
firme no seu direito à região como a sua
Terra Prometida por decreto divino, e com
princípios religiosos que fazem do
exercício do seu culto dentro dos limites
desta região um dos seus deveres
fundamentais, poderia desenvolver a
resistência moral e espiritual necessária
Guerreiro dos “Povos do
Mar” com um machado de
para forjar a Palestina em um Estado e
combate (Enkomi, Chipre) aguentar a pressão e as dificuldades
envolvidas na sua preservação.[Nota 6]

O fator geopolítico seguinte evidenciado pela campanha de Uni é


o fato de a Palestina possuir uma extensa costa e longas fronteiras
terrestres, o que impõe a qualquer nação que aspire a dominar a
região, a dupla tarefa de se defender por terra e por mar. Assim,
uma das questões básicas que sempre se haviam colocado aos
criadores da política de defesa nacional da Palestina fora decidir
que proporção do potencial nacional deveriam alocar à terra ou ao
mar. Estas páginas revelarão que os judeus da Antiguidade
consideraram esta dupla tarefa acima das suas capacidades, e
tentaram suprir as suas necessidades navais recorrendo
principalmente à alianças, a tratados ou à coação dos povos de
navegadores que habitavam a costa do Mediterrâneo: os fenícios a
norte e os filisteus a sul. Ambos assumiram, por entendimento com
os israelitas ou pela força, o ônus do comércio marítimo e da
proteção naval da costa da Palestina. A fraqueza desta solução é
óbvia. Foi exatamente em momentos difíceis, quando os israelitas
se encontraram particularmente necessitados de apoio naval e dos
lucros do comércio marítimo, que os seus parceiros ou vassalos
navais tenderam a mostrar-se indiferentes ou chegaram até a cortar
as suas relações com Israel.[Nota 7]

Uni chamou a Palestina de “terra dos habitantes da areia”. A


razão óbvia para esta incorreção é que, no início, o nome era
aplicado apenas – corretamente – ao Sinai e ao Neguebe, e só mais
tarde, quando os horizontes egípcios se alargaram, passou a
abranger a parte fértil da região, a norte. Mas serve para nos
recordar de outro fator geopolítico que governava a sorte da ponte
terrestre palestina. A Palestina situa-se na fronteira entre o deserto
e a terra arável.

As suas fronteiras sul e oriental estiveram sempre à mercê de


grandes invasões de tribos que procuravam estabelecer-se
permanentemente na “terra que mana leite e mel”, bem como de
incursões que criavam problemas de segurança cotidianos. A
solução destes problemas constituiu uma parte importante do
esforço militar do Israel bíblico, e os israelitas estavam ainda mais
cientes desta questão pelo fato de eles próprios terem inicialmente
sido uma federação tribal que invadira a Palestina a partir do
deserto oriental.[Nota 8]

A ponte terrestre palestina propriamente dita estende-se do


promontório de alvos penhascos (a “escada de Tiro”) até ao
“Torrente do Egito” (Wadi El Arish),[Nota 9] 230 km em linha reta, e de
Ion (Marijayoun) a Elat, 420 km. De oeste para leste, a distância
média entre o Mar Mediterrâneo e o extremo oriental dos planaltos
da Transjordânia é de 105 km. A dimensão do Estado judaico variou
constantemente durante o período bíblico.

A Palestina está dividida centralmente (de norte para sul), pelo


vale do Jordão, que no Mar Morto se torna o ponto mais baixo do
globo, com uma temperatura média anual de 25°C. No entanto no
Mar da Galiléia, 208 m abaixo do nível do mar, apenas a 100 km a
norte do Mar Morto e com uma temperatura média anual de 21°C,
são apenas 50 km até ao Monte Hermom, com o seu pico quase
sempre envolto em neve. Os exércitos que combateram no antigo
Israel tinham obviamente de ser versados em diversos aspectos da
guerra, do extremo das operações de montanha as do combate no
deserto. Um bom exemplo da diversidade das condições no teatro
de operações da Palestina, embora num período muito mais
recente, é a Batalha de Hattin, travada em 1178. Enquanto a tropa
da cruzada definhava devido à escassez de água num tórrido dia de
verão, durante a sua deslocação da Galiléia para Tiberíades, o
exército sarraceno refrescava seus comandantes com gelo trazido
de camelo das vertentes superiores do Monte Hermon, a 85 km de
distância.

Topograficamente, a região a oeste do rio Jordão (Cisjordânia)


pode dividir-se em cinco grandes zonas: 1) a planície costeira; 2) o
Neguebe; 3) o maciço central (montanha de Judá e Efraim ou
Samaria); 4) a Galiléia; 5) o vale do Jordão (o elo de ligação à
Palestina Oriental, também chamada Transjordânia).
Dois grandes vales dividem, no sentido este-oeste, o planalto
central nos seus três componentes: o vale de Bercheba, entre o
Neguebe e o maciço central, e o vale de Jezreel (Esdrelon nas
fontes gregas e do Novo Testamento), situado entre o maciço
central e a Galiléia.[Nota 10]

A Galiléia pode ser comparada a uma roda enorme, com o seu


eixo na cordilheira de Meron, a sua elevação mais proeminente
(1190 m). Nesta bacia hidrográfica central, as chuvas escavaram
vales que irradiam como raios em todas as direções e servem de
principais artérias de comunicação – e centros agrícolas - ,
enquanto que as elevações intermediárias dividem a região em
muitas seções semi-isoladas.

Enquanto a Galiléia evoca topograficamente uma grande roda,


Judá e Samaria assemelham-se a uma escadaria gigante, subindo
do mar até a bacia hidrográfica do planalto central para depois
descerem, mas muito mais abruptadamente, em direção ao vale do
Jordão. Partindo da costa, o primeiro degrau, sobe-se pelas faldas
(chamadas Shephelah na Bíblia), pelo terceiro degrau (as vertentes
inferiores) e pelo quarto degrau (as vertentes superiores) até ao
planalto. Na descida, o degrau mais baixo (das encostas ao vale do
Jordão) é um penhasco abrupto e perpendicular de altura variável.
Visto de cima, o relevo do maciço central parece uma enorme
espinha. A parte central é a bacia hidrográfica, e dela irradiam os
wadis (leitos de rios secos) que descem para o Mediterrâneo e o
vale do Jordão ou o Mar Morto. A oeste do rio Jordão, as
comunicações norte-sul fazem-se ao longo da planície costeira, o
planalto do vale do Jordão, e as oeste-leste, excluindo as que
recorrem aos grandes vales laterais, são confinadas aos wadis que
partem da bacia hidrográfica e aos seus flancos.
As linhas de transição de uma zona geográfica a outra, como por
exemplo da planície costeira às terras baixas da Judéia ou destas
às encostas das montanhas serviram desde sempre de zonas de
conflito armado entre os habitantes das montanhas e os senhores
das planícies (como entre israelitas e filisteus), até se chegar a um
entendimento ou, mais frequentemente, um lado se impor ao outro.
De importância vital para a segurança do coração da Samaria e da
Judéia era o domínio das estradas laterais, numericamente
limitadas, e dos seus desfiladeiros. Durante todo o período bíblico e
depois, registraram-se nestes locais bloqueios, batalhas e grandes
emboscadas.

A topografia da região a leste do rio Jordão (Transjordânia) pode


ser resumida como um planalto com um relevo distintamente
montanhoso em partes de Edom[Nota 11] e do Sul de Moabe. A
subida a partir do vale do Jordão é muito abrupta, enquanto que a
descida para o deserto, a leste, é tão suave e gradual que muitas
vezes quase nem se dá pela fronteira entre o planalto e o deserto.

Os quatro canyons dos rios Jarmuc, Jaboque, Arnon e Zéred


transformam o ramal ocidental da principal artéria norte-sul
transjordana, a Estrada Real, em tortuosos caminhos
ziguezagueantes que são facilmente bloqueados. Para defender
estas profundas gargantas, foi aberto junto ao deserto o ramal
oriental da Estrada Real.

O planalto topograficamente multifacetado do Basan, com os


montes Golan como lado ocidental, foi uma área de constantes
mudanças entre Israel e os Arameus. Sempre que esteve na posse
destes últimos, a zona de 90 km de largura na retaguarda entre o rio
Jarmuc e as montanhas de Hauran constituiu uma ameaça ao
domínio de Israel na Transjordânia, e as estradas e trilhos que
desciam dos Montes Golan impunham uma guarda constante da
Galiléia Oriental.

À leste, nos confins do Deserto da Arábia, as condições eram


semelhantes às do Neguebe. O acesso principal à Arábia Central, o
Wadi Sirhan, conduzia a Gileade. Quando eram pacíficas, as
caravanas “midianitas” estendiam-se daqui até ao Egito.
Significativamente, uma destas, (Gn 37, 23-28) levou consigo José,
cativo, para o vender nos mercados de escravos do reino faraônico.
[Nota 12]

Todavia, quando estavam em guerra, estas mesmas ostes tribais


“midianitas” realizavam incursões até o vale de Jezreel (Jz 6, 33).
[Nota 13]

ABRAÃO E OS PATRIARCAS

As guerras da Bíblia têm início com o êxodo de Abraão e do seu


clã da cidade mesopotâmica de Harã, devido à sua crença
revolucionária num deus único, criador e senhor do universo. Ao
deixar Harã, Abraão parece ter-se juntado ao grande movimento de
grupos étnicos que abalou o Mediterrâneo Oriental no século XVIII
a. C. As convulsões populacionais na Ásia Menor e nas regiões a
norte da Mesopotâmia geraram grandes migrações que, juntamente
com outros desenvolvimentos, fundiram grupos étnicos
heterogêneos – entre os quais os semitas, os hurritas e os
indoiranianos – na chamada nação dos Hicsos. Foram os Hicsos
que conquistaram o Egito (sec. XVIII a. C.), utilizando, pela primeira
vez e em grande número, uma nova arma: o carro de guerra. [Nota 14]
Tal como viria a acontecer tantas vezes na história, embora a
nova arma se vulgarizasse rapidamente, a sua posse inicial e hábil
utilização foram decisivas. Assim, os hicsos conseguiram construir o
seu império e dominar o Egito durante cerca de duzentos anos. Os
hicsos nunca conseguiram – talvez nunca quiseram – se misturar
com a população egípcia autóctone. Para manterem o seu domínio
do Egito e da ponte terrestre palestina, que os ligava aos seus
parentes da Síria e Ásia Menor, encorajaram o estabelecimento
destes povos no Egito e na Palestina.

As convulções provocadas pelos hicsos deram origem a


perturbações e atividades beligerantes, refletidos no relato da vida
de Abraão em Gênesis 12-25.

Os feitos militares de Abraão, e os de Isaque e Jacó, enquadram-


se em duas categorias. A primeira é a defesa de pastagens – dos
direitos de pastagem do seu clã – ao chegarem a Canaã, a terra que
Deus lhes prometera. Esta categoria também inclui as ações de
recuperação de rebanhos roubados (Gn. 26). A segunda categoria é
a participação em guerras importantes. Este envolvimento decorreu
provavelmente dos compromissos de Abraão com as autoridades
hicsas e os seus vassalos cananeus, os reizetes que governavam
os territórios onde Abraão se estabeleceu.[Nota 15] Precisamos de
informações exatas, mas uma guerra importante na qual Abraão
participou, a dos quatro reis da Mesopotâmia (?) contra os cinco reis
da região do Mar Morto, põe em relevo a continuidade das
condições estratégicas e dos fatores geomilitares da Palestina
desde os primórdios.

Enquanto os aliados do Norte, liderados por Amerafel de Chinear


(na Mesopotâmia), desciam pela Estrada Real a leste do Jordão
para assumirem o controle da rota que conduzia a Elat e ao Mar
Vermelho, Abraão deslocava-se, sem qualquer impedimento, numa
linha paralela a oeste do Jordão. Utilizando a estrada da bacia
hidrográfica do maciço central, avançou numa direção oposta à dos
reis do Norte e chegou antecipadamente para armar uma
emboscada próximo à Damasco, na estrada de Hobá, a área das
faldas orientais de Hermon: “Dividiu-se contra eles de noite, ele e os
seus servos, e os feriu, perseguindo-os até Hobá...” (Gn. 14:15). O
local desta emboscada noturna foi, sem dúvida, em algum lugar da
convergência das duas estradas, próximo a Damasco. Para o
campo de batalha de Abraão é tentador sugerir o desfiladeiro de
Barada, a noroeste de Damasco, antiga estrada e cenário de muitas
emboscadas. Foi aqui que, em um movimento de flanqueamento
semelhante, na direção que Abraão deve ter seguido, que a Divisão
Montada Australiana emboscou e aniquilou o quarto Exército Turco
em retirada, na noite de 30 de setembro de 1918.[Nota 16]

As lendas patriarcais estão confortavelmente ancoradas nos


costumes, tradições e leis da região durante todo o segundo milênio
a.C. e algum tempo depois. Assim, ainda não é possível nenhum
veredicto final quanto à data exata da sua criação. Todavia, tal como
as primeiras sagas da Grécia e dos antigos povos escandinavos, as
histórias patriarcais refletem condições sociais, materiais e
geográficas verdadeiras que tendem a fixá-las na primeira metade
do período em questão. Da mesma forma, parecem ter-se
desenvolvido em torno de um núcleo histórico.

Os estudiosos modernos aperceberam-se de que os editores


bíblicos posteriores encobriram parcialmente a representação inicial
aguerrida dos Patriarcas, e particularmente a de Abraão como
protótipo do Nobre Guerreiro.
Mesmo na versão atual da Bíblia, Abraão, conclui vitoriosamente
a guerra atrás mencionada (GN 14), recusa qualquer ganho material
ou parte dos despojos, e deixa bem claro que o seu dever para com
os seus aliados e para com o seu irmão, que fora capturado,
constitui a sua única e suficiente motivação. Este comportamento foi
citado como um exemplo por H. Grotius, o pai do moderno direito
internacional, no século XVI, no seu tratado De Jure Belli ac Pacis.
[Nota 17]

Uma tribo semítica é autorizada a entrar no Egito, na época dos


Patriarcas. Homens e mulheres trajam a “túnica de muitas cores”,
objeto da inveja dos irmãos de José (Gn 37:3). Os foles
transportados pelos burros podem ser explicados com barras de
metal ou odres. Os guerreiros na parte inferior esquerda exibem um
bumerangue, distinto das espadas falciformes dos outros.
A PERMANÊNCIA NO EGITO

A migração de Jacó para o Egito e a subsequente permanência


dos clãs patriarcais no distrito de Góchen também devem ser
consideradas no período dos hicsos. O “novo Rei do Egito, que não
conhecia José”, era Amósis I ou um dos seus sucessores. Amósis I
(reinou entre c. 1580-1557 a. C.), um príncipe egípcio autóctone, foi
o fundador da XVIII Dianastia. Conseguiu desalojar os hicsos do
vale do Nilo e lançou as bases para a subsequente conquista
egípcia de Canaã. Após esta “reconquista”, as tribos hebreias do
Egito permaneceram um elemento “estrangeiro”, suspeito de
simpatizar com os útlimos bastiões hicsos da Palestina e da Síria, e
com outros elementos não egípcios a norte. Tornaram-se aquilo a
que um estrategista militar do século XX chamaria de “potencial
risco de segurança permanente”.

Houve sempre dois modos de lidar com


um problema desta natureza. O primeiro
é tentar induzir a população estrangeira a
assimilar-se, juntando-se ao corpo da
nação. Foi esta a política de Alexandre
Magno durante as suas conquistas
Infantaria egípcia de orientais. A outra abordagem, mais
Ramsés II, com piques,
espadas falciformes e
frequentemente aplicada mas muitas
punhais. Os oficiais vezes “estagnante” (para utilizar outro
subalternos distinguem-se
pelo seu equivalente de termo político moderno), é a submissão
uma badine. dos elementos estranhos. Foi a opção
que os egípcios escolheram para
liderarem o povo hebreu, “... para que não se multiplique, e
aconteça que, vindo guerra, ele também se ajunte com os nossos
inimigos, e peleje contra nós...” (Ex. 1:10).
Durante as subsequentes perseguições, o Êxodo e os “quarenta
anos” vagueando pelos desertos da Península do Sinai sob a
liderança inspirada de Moisés, libertador e legislador, os clãs
hebreus fundiram-se em um núcleo coerente que, depois de
absorver outros elementos étnicos, se transformou na nação
israelita, inicialmente de caráter tribal. As tradições patriarcais
comuns, a religião, as leis estabelecidas por Moisés e a importante
experiência comum de luta pela conquista de uma primeira testa-de-
ponte na margem oriental do Jordão e depois na ocidental, foram as
forças que transformaram os clãs hebreus no povo de Israel. A
primeira vez que são referidos por este nome é pelo Faraó
Merneptah, cerca de 1220 a.C. [Nota 18]

A organização militar dos israelitas era, tal como a de todas as


nações que emergiam de um estatuto tribal, baseada no dever de
todos os homens aptos a pegarem em armas e servirem, sempre
que necessário, no respectivo contingente tribal da tropa nacional.
Segundo a Bíblia, Moisés e Arão organizaram o primeiro exército
israelita ao abandonarem o cativeiro egípcio:

Tomai a soma de toda a congregação dos filhos de Israel,


segundo as suas famílias, segundo as casas de seus pais,
conforme o número dos nomes de todo homem, cabeça por
cabeça; os da idade de vinte anos para cima, isto é, todos os
que em Israel podem sair à guerra, a esses contareis segundo
os seus exércitos, tu e Arão.Estará convosco de cada tribo um
homem que seja cabeça da casa de seus pais. (Nm. 1:2-4)

Desta passagem, assim como do resto do primeiro capítulo dos


Números, ficamos sabendo que, tal como nas emergentes
sociedades grega, romana e germânica, os chefes tribais lideravam
em tempo de paz e em tempo de guerra – um mandato
posteriormente herdado por reis, príncipes, arcontes e cônsules–, e
que o povo em armas formava a assembleia nacional dos primeiros
povos soberanos. É interessante o fato de, enquanto que nas
sociedades ocidentais os direitos democráticos básicos, que
emanavam das primeiras assembleias nacionais, foram
desaparecendo com o tempo, a antiga sociedade judaica, mesmo
no auge da monarquia, nunca cedeu ao absolutismo. O “povo”
nunca deixou de ser, direta e indiretamente, uma entidade influente
nos assuntos do Estado.

Isto foi fundamental não só para a preservação do povo em armas


como sustentáculo das forças armadas israelitas até a destruição do
Primeiro Templo,[Nota 19] como veremos nas páginas seguintes, mas
também na aparente prontidão dos israelitas em suportar o
constante ônus da prontidão militar.[Nota 20]

Uma famosa parede pintada no túmulo de Beni Hassan, no Egito


(ver p. 40), dá uma vívida imagem de um clã semita chegado ao
Egito na época de Abraão (séculos XIX-XVIII a.C.).[Nota 21] Podemos
facilmente presumir que não existiriam grandes diferenças físicas
entre a tribo retratada e os israelitas da época do Êxodo (séculos
XIV-XIII a.C.). Tal como este clã, os israelitas eram nômades que
dispunham de burros. Deslocavam-se e combatiam a pé, e os seus
poucos pertences pesados – incluindo ferramentas e tendas, os
idosos, os fracos e as crianças – eram transportados em cima dos
asnos. Isto significava que se toda a congregação se deslocasse em
conjunto, a sua velocidade média, incluindo o gado, não seria mais
do que 4,5 km por hora. É claro que os homens estavam sujeitos a
muito exercício e empreendiam longas marchas para entrarem em
ação, sem serem estorvados pelas suas famílias e pertences. Por
razões de segurança, as tribos moviam-se e acampavam de acordo
com um padrão fixo e bem regulado.

O mural de Beni Hassan apresenta as armas tribais: lança, dardo,


arco e espada. Um bardo que toca um alaúde enquanto a caravana
avança e evoca os levitas, e os foles transportados pelos burros
provam que estes nômades, tais como os israelitas, eram os seus
próprios ferreiros e artesãos, consequentemente autossuficientes no
que dizia respeito à manutenção do seu arsenal pessoal. A sua
independência garantia o máximo de flexibilidade às suas manobras
militares, pelo que, quando eram bem lideradas, as tropas tribais
conseguiam neutralizar algumas das vantagens das forças
regulares, melhor equipadas.

Os israelitas, embora fossem exclusivamente infantes, não


usavam o número de armas citado anteriormente, dependendo o
armamento da vontade de cada indivíduo. Antes, durante e
imediatamente após o êxodo, estabeleceram-se algumas
especialidades tribais. Nas páginas seguintes, traçaremos o
desenvolvimento do exército israelita, composto de contingentes
tribais com equipamento e treino variados, complementando-se e
apoiando-se mutuamente, e formando um todo bastante equilibrado.
[Nota 22] Todavia, desde o início, existiram necessariamente uma

organização fundamental, uma cadeia de comando básico e de


disciplina. Estes fatores fazem toda a diferença em um exército, por
muito primitivo e pouco sofisticado que seja, e uma multidão
armada. Muitas sociedades tribais nunca conseguiram – ou fizeram-
no apenas muito gradualmente – passar de bandos de clãs
combatendo numa massa compacta para uma força com divisões
táticas e uma cadeia de comando adequada. A Bíblia atribui todos
esses feitos a Moisés. “E escolheu Moisés homens capazes dentre
todo o Israel, e os pôs por cabeças sobre o povo: chefes de mil,
chefes de cem, chefes de cinqüenta e chefes de dez” (Ex. 18:25).

A TRAVESSIA DO MAR VERMELHO

Ainda não foi avançada nenhuma solução satisfatória para os


muitos problemas e para as provas aparentemente contraditórias
que se podem entrever nos relatos bíblicos do Êxodo e das suas
batalhas. Somos bastante tentados a seguir o antigo governador
britânico do Sinai, o major Jarvis, e a identificar a estreita língua de
terra entre o Mediterrâneo e a salobra lagoa chamada Mar Serbônio,
a meio caminho entre Port Said e El Arish, como o local do
reencontro entre os fugitivos israelitas e os seus perseguidores
egípcios. [Nota 23] Tendo seguido as pisadas de Jarvis, conseguimos
facilmente imaginá-lo apanhado em uma súbita tempestade na areia
úmida varrida pelas furiosas águas do Mediterrâneo, convencendo-
se de se encontrar no local onde ocorreu a “travessia do Mar
Vermelho”. Não é necessária muita imaginação para transferir para
estas paragens o relato de Êxodo 14:22-28: “E os filhos de Israel
entraram pelo meio do mar em seco... E os egípcios os
perseguiram... As águas, tornando, cobriram os carros e os
cavaleiros, todo o exército de Faraó, que atrás deles havia entrado
no mar; não ficou nem sequer um deles”.

A opção por esta área é ainda mais tentadora, pois dois


acontecimentos similares foram registrados nesta faixa de areia
entre o mar e a lagoa. Diodoro Sículo, historiador grego do século I
a.C., relata que durante a invasão do Egito por Artaxerxes,[Nota 24]
em 340 a.C., alguns dos seus soldados afogaram-se no local.[Nota 25]
Estrabão, escrevendo na mesma época,
informa-nos do seguinte: “Durante a
minha estada em Alexandria, no Egito, o
mar subiu tão alto perto de Pelúsio e do
Monte Cássio [no centro da faixa de
areia] que inundou a terra e transformou
a montanha em uma ilha”.[Nota 26]
Carro de guerra egípcio
Assim, Moisés deu um exemplo a com estandarte divisional
todos os comandantes israelitas futuros, representando Amom Rá.

ao minimizar a superioridade do
adversário, tornando suas aliadas as características geográficas do
teatro de operações. Este “olho perspicaz” é o dom que os grandes
capitães têm de adivinhar as qualidades táticas do campo de
batalha.[Nota 27] A opção de Moisés pela estrada ao longo da costa
foi ditada pela sua apreciação de que seus perseguidores egípcios
teriam pouco espaço para manobrar com os carros ou quaisquer
outras tropas, e que o terreno abundava em características que
poderiam ser utilizadas para enredar as forças regulares do faraó. E
as investigações arqueológicas estabeleceram outro fato: na época
do Êxodo, as praças-fortes ao longo da estrada costeira, como a
fortaleza do Monte Cássio, não estavam permanentemente
guarnecidas, enquanto que a estrada principal (que é seguida pela
linha de caminho de ferro, construída pelos britânicos na Primeira
Guerra Mundial, e pela rodovia atual) se encontrava ocupada por
guarnições egípcias estacionadas em postos fortificados perto de
todas as fontes de água. O desejo de evitar essas defesas milita a
favor da opção pela rota costeira, apesar do fato de esta ser muito
diferente da rota do êxodo, a qual já na época bizantina (séculos V-
VI d.C.) se tornara uma tradição profundamente enraizada.[Nota 28]
Mas independentemente da verdadeira localização do reencontro,
Moisés atendeu corretamente ao provérbio “...com prudência faze a
guerra” (Pv. 20:18), muito antes de ter sido escrito.[Nota 29]

OS ANTECEDENTES DA CONQUISTA

Tal como o êxodo, as etapas da conquista de Canaã estão


envoltas na obscuridade. A Bíblia não estava interessada em
assuntos marciais por si, e os cronistas que compilaram os registros
históricos da conquista de Canaã, tal como é narrada nos livros de
Josué e Juízes, não procuraram ir além em suas pesquisas.
Consequentemente, insinuaram-se nestes relatos versões da
conquista ocasionalmente divergentes ou até contraditórias, e a
moderna investigação ainda não chegou a uma fórmula consensual
nesta questão. As teorias recentes que propõem uma conquista
completamente pacífica não resistem à comparação com nenhuma
das bem conhecidas aquisições, na antiguidade, de um território
nacional à custa da população indígena. E também não existe
nenhuma justificação convincente para a teoria complementar de
que os israelitas cristalizaram a partir da população cananeia
existente. Excluindo alguns dados arqueológicos sujeitos a diversas
interpretações, também aqui carecemos de uma verdadeira
comparação histórica. Referindo apenas dois problemas
subjacentes a estas teorias: como e porque é que um grupo casual
de camponeses destituídos e recolocados (como se pensam terem
sido os antepassados dos israelitas) desenvolve, no seu próprio
território e sem coação, uma identidade nacional distinta baseada
num inovador monoteísmo – uma religião categoricamente oposta
às suas crenças ancestrais, profundamente enraizadas? Como
puderam desenvolver tradições baseadas em um passado nômade
e com costumes estranhos – e muito pouco nobre – de servidão no
Egito?[Nota 30]

A conquista da Cisjordânia e da Transjordânia foi favorecida pelo


fato de o Império Egípcio já não ser capaz de destacar forças
suficientes para defender a província de Canaã, que adquirira com a
retirada dos hicsos. Em meados do século XIV a.C., o Império Novo
perdera temporariamente a sua superioridade e, além do mais,
encontrava-se a braços com problemas internos e ameaças à sua
segurança em outras fronteiras. Foi isto que permitiu às tribos
hebreias uma primeira instalação na Terra Prometida, numa
combinação de conquista militar e constante infiltração pacífica. As
fontes egípcias, assim como as indicações bíblicas, apontam para o
fato de que nem todos os clãs ligados aos Patriarcas haviam
seguido Jacó para o Egito. Os clãs que tinham ficado para trás eram
os aliados naturais dos que regressavam da servidão faraônica.
Além disso, vários outros clãs, que não tinham inicialmente
pertencido à associação tribal hebraica ligada aos Patriarcas,
fundiram-se com as “doze tribos” durante várias etapas da
conquista.[Nota 31]

Embora careçamos de informações precisas sobre a penetração


inicial da Transjordânia, possuímos o interessantíssimo relato de um
dos principais acontecimentos que ocorreram durante a fase de
planejamento. Desde os tempos das primitivas guerras tribais, uma
das mais importantes funções dos estados-maiores tem sido a
inteligência militar. Os grandes capitães da história, nas suas
épocas respectivas, dedicaram muito tempo a superiorizar-se aos
adversários através da aquisição de um retrato mais exato possível
das suas intenções, capacidades, força, posicionamento e terreno.
Wel ington resumiu este esforço mental muito sucintamente.
Quando lhe perguntaram o que pensava durante as suas longas
horas de reclusão e silenciosas ponderações, ele respondeu:
“Penso no outro lado da colina”.

Para Moisés, acampado no oásis de Cades-Barnea, o “outro lado


da colina” era a terra de Canaã, para além dos quilômetros do árido
solo rochoso e das areias do Neguebe. Para descobrir a melhor
maneira de conquistá-la, Moisés enviou doze espiões. O capítulo
treze do livro de Números recorda as instruções que Moisés deu às
suas tropas de reconhecimento. A necessidade de o oficial de
inteligência ser detalhadamente instruído pelo seu comandante, ou
das agências de inteligência pelo primeiro, tornou-se um dos
princípios básicos de qualquer operação de inteligência moderna.
Os tópicos em discussão e a sua ênfase mudam de missão para
missão mas, segundo um moderno manual oficial, “O tema da
inteligência estratégica pode ser considerado a partir de dois
aspectos: 1) as capacidades das nações; 2) as intenções das
nações. Moisés estava claramente interessado nas primeiras. E
prossegue o nosso manual: “As capacidades das nações na guerra
e na paz baseiam-se nos seus recursos naturais e industriais, na
sua estabilidade política e demografia, no caráter e vigor das suas
populações, nas suas forças armadas, nos seus progressos
científicos, na sua topografia e infraestruturas”.

Comparadas com este guia, escrito três mil anos depois, as


instruções de Moisés apresentam-se surpreendentemente
modernas e em linha com os requisitos de hoje: Enviou-os, pois,
Moisés a espiar: a terra de Canaã, e disse-lhes: Subi por aqui para o
Negebe, e penetrai nas montanhas; e vede a terra, que tal é; e o
povo que nela habita, se é forte ou fraco, se pouco ou muito; que tal
é a terra em que habita, se boa ou má; que tais são as cidades em
que habita, se arraiais ou fortalezas; e que tal é a terra, se gorda ou
magra; se nela há árvores, ou não; e esforçai-vos, e tomai do fruto
da terra. Ora, a estação era a das uvas temporãs. (Nm 13:17-20)
Uma das fraquezas e potenciais fracassos associados aos relatórios
da inteligência é o fato de o recipiente ser obrigado a basear o seu
planejamento e atividades nas estimativas e interpretações de
outros. E os outros, por caráter, treino ou inclinação, podem chegar
a conclusões diferentes das que o comandante teria tirado caso
pudesse ter observado pessoalmente “o outro lado da colina”. A
derrota de Frederico, O Grande, em Kunnersdorf, em 1759, o revés
de Napoleão frente a Acre, em 1799, e o desastre britânico em
Arnhem, em 1944, não teriam provavelmente ocorrido se os
comandantes supremos tivessem tido a possibilidade de avaliar
pessoalmente os fatos nos quais a sua inteligência se baseara.[Nota
32] Nada mais natural, assim, que os comandantes insistam, perante

as suas agências de recolha de inteligência, na necessidade de lhes


serem fornecidas as provas mais tangíveis possíveis para confirmar
os relatórios.

Moisés não era excessão, pois terminou as suas instruções com o


seguinte pedido: “Esforçai-vos, e tomai do fruto da terra” (Nm
13:20).

Os espiões obedeceram às palavras de


Moisés e substanciaram o seu relatório
acerca dos produtos naturais de Canaã
regressando com amostras dos ricos
Espiões inimigos
frutos que lá cresciam. Com toda a
espancados por elementos probabilidade, estas provas contribuíram
da segurança militar
egípcia bastante para realçar a credibilidade do
relatório quanto aos itens dos quais não
fora possível trazer provas tangíveis: “Contudo o povo que habita
nessa terra é poderoso, e as cidades são fortificadas e mui grandes.
Vimos também ali os filhos de Anaque... éramos Espiões inimigos
espancados por elementos da aos nossos olhos como gafanho-
segurança militar egípcia tos; e assim também éramos aos seus
olhos” (Nm 13: 28,33).[Nota 33]

Outro meio de minimizar os perigos inerentes em basear uma


estimativa nas apreciações de outro era escolher os oficiais mais
capazes para as missões cruciais. No século XVII, quando se tornou
habitual autorizar embaixadores como coletores permanentes de
inteligência nas cortes estrangeiras, um manual francês sublinhava
a importância de se escolher um general do mais elevado escalão,
pois “ele estará em melhor posição do que qualquer outra pessoa,
para informar adequadamente a respeito das forças do seu país de
residência, sobre qualidade das tropas... o estado das praças-fortes,
dos arsenais e dos depósitos”.

Moisés o fez muito antes. Segundo o livro de Números 13:1-2:


“Então disse o Senhor a Moisés: Envia homens que espiem a terra
de Canaã... De cada tribo de seus pais enviarás um homem, sendo
cada qual príncipe entre eles”. Deste modo, a avaliação mais
otimista de Josué e Caleb foi rejeitada pelas vozes dos outros dez
batedores, representantes da liderança das respectivas tribos.

A análise destes foi validada quando a tentativa de avançar de


Cades-Barnea diretamente para norte, atravessando o Neguebe e
entrando na Terra Prometida, foi frustrada pelo rei de Arad. Os
guerreiros tribais também foram incapazes de tomar de assalto as
muralhas das cidades do vale de Berseba (as pesquisas
arqueológicas revelaram o seu padrão), e não conseguiram resistir,
em campo aberto, às forças regulares fortemente armadas, que
incluíam uma unidade dos temidos carros de guerra. Os batedores
tinham razão, e Moisés aptou por efetuar uma aproximação indireta.
Fazendo um grande desvio, ladeou os reinos bem defendidos que
haviam sido estabelecidos nos planaltos transjordanos algumas
gerações antes do êxodo e, deslocando-se na beira do deserto,
virou para oeste e atacou o único elo fraco da cadeia de reinos nas
fronteiras do deserto: o do rei amorreu Seon. Os operacionais do
serviço de informações israelita devem ter trabalhado bem entre os
seus parentes, os Edomitas, Moabitas e Amonitas. Não levaram
muito tempo para descobrir que Seon criara recentemente um reino
a partir das terras baixas moabitas, a norte do rio Arnon. A conquista
fora realizada com grande esforço, e ele ainda não tivera tempo
para fortificar suficientemente o seu reino. Assim, os israelitas
conseguiram invadir e conquistar os territórios de Seon, de onde
avançaram para norte e entraram na região de Gileade, na época
esparsamente povoada. Em Gileade, uniram-se a clãs hebraicos
locais e transformaram a sua estrutura tribal, ainda muito pouco
coesa, em uma sociedade semi-sedentária de tribos militantes, com
o objetivo de conquistar toda a Terra Prometida.[Nota 34]

Notas do Capítulo 1

Nota 5 - PRITCHARD, J.B. (ed.), ANET, pp. 227-228. [Voltar]

Nota 6 - O único outro país da ponte terrestre palestina independente durante algum
tempo, o reino cruzado de Jerusalém, também derivou da sua dedicação e ideais religiosos
a força e a resistência para compensar a superioridade numérica mulçumana. [Voltar]

Nota 7 - GICHON, M., “The Influence of the Mediterranean shores upon the security of
Israel in historical retrospect”, in “The Sea and the Bible, Haifa, 1970, pp. 71-96. Cf.
YEIVIN, S., “Did the Kingdoms of Israel have a maritime police?”, in JQR 50, 1960, pp. 193-
228. [Voltar]
Nota 8 - Ver notas 30 e 31 [Voltar]

Nota 9 - Torrente do Egito” é o nome dado, em algumas traduções inglesas da Bíblia, a


“Nachal Mitzraim” (“Rio do Egito” em hebraico), o rio frequentemente usado para definir a
fronteira mais ocidental da Terra de Israel. (N.T.) [Voltar]

Nota 10 - Relativamente à geografia física da Palestina bíblica, consultar SMITH, G. A., A


Historical Geography of the Holy Land, Londres, 1984, e ABEL, A., La géographie de la
Palestine I e II, Paris, 1933-8. [Voltar]

Nota 11 - Ou Iduméia (N.T.) [Voltar]

Nota 12 - “Quando José chegou junto dos irmãos, estes... lançaram-no à cisterna.
...Erguendo porém, os olhos, viram uma caravana de ismaelitas... Judá disse aos irmãos...
‘Vinde, vendamo-los aos ismaelitas...’ estes levaram José para o Egito”. (N.T.) [Voltar]

Nota 13 - “Todos os medianitas e amalequitas, bem como outrs tribos do Oriente, se


reunirem, de comum acordo, atravessaram o Jordão e acamparam na planície de Jezreal”.
(N.T.) [Voltar]

Nota 14 - Em relação à origem e destino dos hicsos, ver WINLOCK, H. E., The Rise and
Fall of the Middle Kingdoms in Thebes, Nova Iorque, 1947, pp. 91 sqq.; ALT, A., Die
Herkunft der Hycsos in Neuer Sicht, Berlim, 1954; MAZAR, B., Canaan and Israel,
Jerusalém, 1964, pp. 64 sqq. (H); os carros de guerra mais antigos que se conhecem são
os veículos sumérios de duas e quatro rodas, da primeira metade do terceiro milênio a.C.
Cf. YADIN, Warfare, pp. 36 sqq.; SALONEN, A., Notes on Wagons in Ancient Mesopotamia,
Helsínquia, 1950. [Voltar]

Nota 15 - Sobre Abraão e os Patriarcas, ver MALAMAT, A., in HJP I, pp. 37 sqq. (H);
ALBRIGHT, W. F., From the Stone Age to Christianity, Baltimore, 1940, pp. 179 sqq.;
BOEHL, F.M., Das Zeitalter Abrahams, Leipzig, 1930. [Voltar]

Nota 16 - McMUNN, G. e C. Falls, Military Operations in Egypt and Palestine II, 2, Londres,
1928, pp. 560-595; GLLUT, H.S., Official History of Australia in the War of 1914-1918 IV,
Sidney, 1923, pp. 743-775. [Voltar]

Nota 17 - [“Sobre as Leis da Paz e da Guerra” (N.T.)]. MUFFS, Y., “Abraham The Noble
Warrior”, JSS 33, 1982, pp. 81-107 e a presente citação de Grotius. [Voltar]

Nota 18 - ANET, p. 378. Não obstante as tentativas de negação da veracidade do seu


conteúdo, a autenticidade da estela é inegável, e a sua consequência é a menção do nome
“Israel”. O determinativo (símbolo explicativo) de “povo” e não de “país” que acompanha o
nome de Israel indica a possibilidade de ainda não se terem fixado. Ver ANET e BIMSON,
A., “Mernephatah’s Israel and recent Theories”, JSOT 49, 1991, pp. 1-26. [Voltar]

Nota 19 - Pelos babilônios, em 586 a.C. (N.T.) [Voltar]

Nota 20 - O profetismo foi um dos principais contrapesos às tendências autocráticas


demasiado centralizadas. Até os reis mais déspotas e arrogantes procuraram evitar um
confronto direto com os profetas. Neste contexto, vejam-se as histórias de Davi e Urias (2
Sm 11-12), e de Acabe e Nabote (1 Rs 21). Sobre o regime israelita, ver SULZBERGER,
M., Am Ha-arez, The Ancient Hebrew Parliament, Filadelfia, 1909; DE VAUX, R., Ancient
Israel, Londres, 1961, pp. 111-113. [Voltar]

Nota 21 - NEWBERRY, P. E., Beni Hasan I, Londres, 1893, il. 28, 30-31. [Voltar]

Nota 22 - Ver pp. 122-123 e cap. 5, nota 119. [Voltar]

Nota 23 - JARVIS, C.S., “The Fourty Years’ Wandering of the Israelites”, PEQ 70, 1938, pp.
32 sqq. Para uma abordagem completamente diferente e uma súmula de todas as teorias,
ver nota 28. [Voltar]

Nota 24 - Artaxerxes III, Imperador da Pérsia. (N.T.) [Voltar]

Nota 25 - DIODORO SÍCULO, I, 30, 4. [Voltar]

Nota 26 - ESTRABÃO, Geografia III, 17. [Voltar]

Nota 27 - FREDERICO II, Die Instruktion Friedrichs des Grossen für seine Generale von
1747, (ed: R: Foerster), Berlim, 1936, pp. 38 sqq., 42. [Voltar]

Nota 28 - HAREL, M., The Sinai Wanderings, Tel Aviv, 1968, pp. 90 sqq. (H). Harel analisa
todas as rotas propostas e reúne provas para mais uma. Segundo ele, os israelitas
seguiram um rumo central, de Ras Sudar para Kadesh-Barnea. Uma das fortalezas
egípcias que bloqueava a estrada principal, perto da estação ferroviária de Bir el Abd, foi
escavada há relativamente pouco tempo. Ver OREN, E., Qadmoniot VI, 1973, pp. 101-104.
[Voltar]

Nota 29 - Moisés viveu na segunda metade do século XIII a.C., e a autoria do Livro dos
Provérbios é geralmente atribuída a Salomão, que teria reinado entre 972 e 931 a.C. (N.T.)
[Voltar]

Nota 30 - Sobre a conquista de Canaã, seus antecedentes e sequência, ver MALAMAT,


HJP I, pp. 51 sqq.; MAZAR, Canaan and Israel, pp. 102-120; ALT, A., Kleine Schriften zur
Geschichte des Volkes Israel I, Munique, 1953, pp. 89 sqq.; ROWLEY, H. H., From Joseph
to Joshua, Londres, 1950; YEIVIN, S., The Israelite Conquest of Canaan, Istambul, 1971.
Parcialmente contrária à nossa interpretação é a de MAYES, D.H., The Story of Israel
between Settlement and Exile, Londres, 1983. Sobre penetrações pacíficas e uma
desapropriação gradual e não violenta dos cananeus, ver FRITZ, V., “The Israelite
Conquest”, BASOR 241, 1980, pp. 61-73; idem, “Conquest of Settlement”, BA 50, 1987, pp.
84-100. FINKELSTEIN, I., apresenta uma perspectiva mais equilibrada. W.G. Dever tem
criticado repetidamente os argumentos mutuamente contraditórios dos especialistas
modernos, e a sua incapacidade para responderem a perguntas básicas decorrentes das
suas teorias, que dependem demasiado de provas arqueológicas dicsutíveis (ver, por
exemplo, “Archaeological Data on the Israelite Settlement”, Basor 284, 1991, pp. 70-90.
Sobre a origem cananeia dos israelitas, ver KEMPINSKI, A., “How Profoundly Canaanized
Were the Early Israelites?”, ZDPV 108, 1982, pp. 1-7. [Voltar]
Nota 31 - Documentos egípcios citados em SIMONS, J., Handbook for the Study of
Egyptian Topographical Lists relating to Western Ásia, nº. 4, 8, 17, 23, Leyden, 1937, em
GARDINER, A. H., Ancient Egyptian Onomastica I, Oxford, 1935, p. 193, e em anet, p. 447,
mencionam a tribo de Aser vivendo em Canaã desde a época de Seti I [1317-1301 ou
1308-1290 a.C. (N.T.)] [Voltar]

Nota 32 - Em Acre, por exemplo, Napoleão baseou-se em informações reunidas doze anos
antes por civis, e nas de um oficial ferido, antes de poder estudar convenientemente as
defesas. Ver GICHON, M., “Acre 1799, Napoleon’s first assault”, Army Quartely 89, 1964,
pp. 100 sqq. [Voltar]

Nota 33 - Trata-se de uma alusão a uma raça de gigantes que teria desaparecido no
Dilúvio. (N.T.) [Voltar]

Nota 34 - Ver note 30 acima. [Voltar]


CAPÍTULO 2

AS CAMPANHAS DE JOSUÉ

O PLANO DA CONQUISTA

Segundo a Bíblia, o mérito do estabelecimento de uma presença


permanente no coração da Judéia, a oeste do Jordão, pertence a
Josué. Se os seus feitos tivessem seguido um calendário pré-
definido, encaixariam no seguinte grande desígnio: fase um –
estabelecimento de uma testa-de-ponte a oeste do Jordão; fase dois
– estabelecimento de uma presença permanente nas montanhas;
fase três – a partir da base segura na cordilheira central,
alargamento da área de ocupação. Esta estratégia lógica, tão
estranha às histórias puramente mitológicas de guerras e
conquistas, é prova da existência de um fundo essencialmente
verídico do relato bíblico, mesmo que fosse atribuída a Josué
somente parte dos acontecimentos históricos nas suas fases
iniciais.

A primeira fase dividiu-se em duas etapas: a travessia e o


estabelecimento da testa-de-ponte. O local escolhido por Josué para
atravessar o Jordão foi o setor mais próximo do Mar Morto. A sua
opção foi influenciada por várias considerações. Em primeiro lugar,
os acessos ao Jordão nesse setor eram seguros, pois o rio
contornava a parte de Moabe na posse dos israelitas. Em caso de
um revés, Josué poderia se retirar para território amigo ou obter
reforços em Gileade e nas terras baixas moabitas. Em segundo
lugar, podia-se passar a pé em diversos pontos, o que oferecia aos
grupos israelitas a escolha entre diferentes caminhos em função das
potenciais interferências hostis. Além do mais, um grande número
de trilhos ligava os vaus aos planaltos centrais da Judéia,
oferecendo aos israelitas várias alternativas para a segunda fase da
conquista após o estabelecimento da testa-de-ponte.

Quanto a testa-de-ponte, havia apenas uma opção realista. No


lado ocidental do baixo Jordão ficavam as planícies de Jericó, no
meio das quais se situava a cidade-oásis de Jericó, talvez a cidade
mais antiga do mundo e certamente a cidade muralhada mais antiga
que conhecemos. Cinco milênios antes de Josué, a nascente que
irrigava o rico solo aluvial (Ain el-Sultan) havia já convertido o árido
vale num luxuriante jardim tropical que supria as necessidades das
caravanas e viajantes que se deslocavam entre as margens do
Jordão e ao longo do rio. Assim, a conquista do oásis de Jericó
significava a aquisição de uma base fértil, com frutos e água em
abundância, bem como o controle da fonte de água, vital para todo e
qualquer movimento na área.

Para os israelitas, inexperientes na guerra de sítio e sem


possuírem nenhuma maquinaria específica para sitiar, o grande
problema era evidentemente a conquista da cidade, defendida por
muralhas, torres e fortificações. Assim, Josué ordenou aos seus
batedores que reconhecessem o outro lado do Jordão em busca do
melhor local possível para estabelecer uma testa-de-ponte, dando
ênfase especial a Jericó, e as suas proezas tornaram-se bem
conhecidas: “Foram pois, e entraram na casa duma prostituta, que
se chamava Raabe, e pousaram ali” (Josué 2:1). Não existem
dúvidas de que o significado posterior da palavra hebraica zonah
era “prostituta”. Mas o verbo do qual deriva, zan, significa alimentar
e providenciar mantimentos. Raabe poderia muito bem ter sido a
dona de uma estalagem para viajantes de passagem por Jericó. Isto
parece enquadrar-se com o seu estatuto de chefe de uma grande e
importante família, alguém a quem até os mensageiros do soberano
da cidade se dirigiam com alguma cortesia. As estalagens sempre
foram excelentes fontes de informações. As conversas descuidadas
dos hóspedes e os ouvidos atentos dos anfitriões sempre se
combinaram para as tornar um desejado alvo da inteligência.
Frederico, o Grande, aconselhou os seus herdeiros a terem um
estalajadeiro reservado em todas as regiões de interesse.[Nota 35]

Uma das coisas que se descobre escutando conversas em


estalagens é o verdadeiro estado da moral e da opinião pública.
Assim, o relato que Raabe apresentou - “Porque temos ouvido... o
que fizestes aos dois reis dos amorreus... os quais destruístes
totalmente. Quando ouvimos isso, derreteram-se os nossos
corações, e em ninguém mais há ânimo algum, por causa da vossa
presença...”

(Josué 2:10-11) – deve ter reforçado a convicção de Josué de que


chegara o momento psicológico adequado para atacar Jericó.

A conquista foi concebida em duas vagas. A vanguarda seria


constituída pelos guerreiros das tribos de Rúbem, Gade e metade
da descendência de Manassés, que já estavam permanentemente
fixada na Transjordânia. Seriam seguidos pela maioria do povo, que
se deslocaria com as suas famílias e todos os seus pertences para
se estabelecer imediatamente por todo o território conquistado.

Através deste esquema, seria criado um fait accompli e os clãs


ocupantes, caso se vissem confrontados por tentativas de
reconquista por parte dos cananeus, seriam motivados pelo desejo
de defender o seu novo lar.

Antes do início da campanha, Josué recebeu poderes divinos,


incluindo a administração da pena capital. No texto da sua
investidura encontramos a seguinte passagem: “Quem quer que se
rebelar contra as tuas ordens, e não ouvir as tuas palavras em tudo
quanto lhe mandares, será morto. Tão somente esforça-te, e tem
bom ânimo” (Josué 1:18). O instinto saudável dos oficiais do povo
induziu-os, antes da fatídica tentativa de travessia do Jordão, a abrir
mão de alguns dos seus direitos cuidadosamente defendidos para
que o chefe eleito pudesse cumprir a sua missão. Da mesma forma,
numa fase posterior da história, os romanos investiam os seus
comandantes supremos com o imperium.[Nota 36] E tal como os
poderes e prerrogativas permanentes dos reis israelitas evoluíram
da autoridade suprema temporária dos Juízes, escolhidos e
investidos à imagem de Josué, também a autoridade suprema dos
imperadores romanos se baseavam na permanência de um
imperium, outrora concedido aos comandantes supremos militares
em tempo de guerra. Enquanto que Moisés fora o protótipo do líder
divinamente inspirado – um dos poucos da história que, através do
seu enorme carisma, estabeleceram as leis pelas quais foram
obedecidos -, Josué foi o primeiro líder eleito pela assembleia geral
de Israel. As pessoas religiosas poderão ver mais do que uma
simples coincidência no fato de o precedente para o
desenvolvimento de formas posteriores de governo em Israel ter
sido criado nas vésperas do desembarque a oeste do Jordão.

A QUEDA DE JERICÓ
A travessia do Jordão foi facilitada por um terremoto:

Quando, pois, o povo partiu das suas tendas para atravessar o


Jordão, levando os sacerdotes a arca do pacto adiante do povo,
e quando os que levavam a arca chegaram ao Jordão, e os
seus pés se mergulharam na beira das águas (porque o Jordão
transbordava todas as suas ribanceiras durante todos os dias
da sega), as águas que vinham de cima, parando, levantaram-
se num montão, mui longe, à altura de Adã, cidade que está
junto a Zaretã; e as que desciam ao mar da Arabá, que é o Mar
Salgado, foram de todo cortadas. Então o povo passou bem em
frente de Jericó. Os sacerdotes que levavam a arca do pacto do
Senhor pararam firmes em seco no meio do Jordão, e todo o
Israel foi passando a pé enxuto, até que todo o povo acabou de
passar o Jordão.

Adam (hoje Tell Damiyeh, próximo à Ponte de Damiyeh, sobre o


Jordão) foi algumas vezes apontada como o local onde o curso do
rio ficou bloqueado quando as íngremes margens do solo macio
cederam devido a tremores de terra. Em 1267 d.C., quando a parte
inferior do rio secou temporariamente como consequência de um
bloqueio semelhante, o sultão mameluco Baibars conseguiu
aproveitar dezesseis horas para lançar os alicerces da ponte que
antecedeu a atual, e que lhe serviu de artéria principal durante as
suas subsequentes campanhas para conquistar a Terra Santa aos
cruzados. Um caso mais recente do mesmo fenômeno foi registrado
pelo professor John Garstang, que referiu que em 1927, “uma seção
do penhasco, que aqui [em Damiyeh] costuma se erguer a 45m de
altura, e cair no rio e o por vezes bloqueá-lo sem deixar fluir
nenhuma água durante algumas horas”.[Nota 37]
É irrelevante se Josué se serviu do seu conhecimento sobre as
características sísmicas do vale do Jordão para aguardar o reinício
do terremoto que começara algum tempo antes para facilitar a
travessia ou o ataque a Jericó, ou ambos.

Seja como for, quando a terra tremeu, as tribos prepararam-se


para avançar.

Esta espantosa ocorrência foi vista pelos israelitas como


intervenção divina a seu favor, e tendo em conta o momento em que
se verificou, ainda hoje é considerada milagrosa.

Assim crendo na assistência de Deus, a tropa israelita cercou


Jericó:

Então disse o Senhor a Josué: ...Vós, pois, todos os homens de


guerra, rodeareis a cidade, contornando-a uma vez por dia;
assim fareis por seis dias. Sete sacerdotes levarão sete
trombetas de chifres de carneiros adiante da arca; e no sétimo
dia rodeareis a cidade sete vezes... E será que, fazendo-se
sonido prolongado da trombeta, e ouvindo vós tal sonido, todo o
povo dará um grande brado; então o muro da cidade cairá rente
com o chão... (Josué 6:2-5).

Josué cumpriu meticulosamente este procedimento e, segundo a


narrativa bíblica, “...e o muro caiu rente com o chão, e o povo subiu
à cidade, cada qual para o lugar que lhe ficava defronte, e tomaram
a cidade” (Josué 6:20).

Os especialistas não se têm cansado de procurar uma


interpretação “racional” para a conquista de Jericó. Foram
avançadas muitas explicações bizarras para a destruição das
muralhas, desde o efeito dos pés dos sitiantes batendo ritmicamente
em conjunto enquanto davam as sete voltas à cidade, até ao som
combinado das trombetas e do grito da tropa israelita. Mais
realisticamente, reuniram-se provas arqueológicas para demonstrar
que as muralhas de Jericó da época de Josué não estariam bem
conservadas. Nada mais eram do que uma muralha da época
anterior, apressadamente (?) reformadas pelos habitantes, que não
as substituíram por uma nova muralha defensiva. Mas mesmo
admitindo a existência de fendas nas fracas muralhas,
provavelmente causadas pelo mesmo terremoto que permitira a
passagem a seco do Jordão, as explicações deste tipo não
merecem defesa e são insuficientes. Infelizmente, as muralhas de
Jericó cananeia da Idade do Bronze tardia já tinham praticamente
desaparecido por ocasião da reconstrução da cidade por Hiel, o
Betelita,[Nota 38] na época do rei Acabe.[Nota 39] Consequentemente,
as três grandes e extensivas escavações realizadas em Jericó não
forneceram praticamente nenhuma prova arqueológica relativa ao
período da conquista.[Nota 40]

A solução para o enigma parece vir não de provas materiais, mas


sim de uma comparação com as antigas iniciativas e astúcias
militares. Na coleção de táticas publicadas por Sexto Júlio Frontino
antes do fim do século I d.C., podemos ler:

Numa ocasião em que Gneu Pompeu se viu impedido de


atravessar um rio porque as tropas inimigas se encontravam
postadas na outra margem, ele adotou a tática de sair e entrar
repetidamente com as suas tropas no seu acampamento.
Quando o inimigo relaxou a sua vigilância das estradas que os
romanos utilizavam, ele avançou subitamente e atravessou o rio
(Estratagemas, Livro I, IV).
De fato, este princípio soa familiar. Durante seis dias, toda a tropa
israelita, completamente equipada, deu solenemente a volta às
muralhas de Jericó. Durante seis dias, os habitantes de Jericó
correram às armas e permaneceram de vigia nas muralhas, a
princípio em inquieta expectativa, receosos das colunas em marcha
e da possível fascinação envolvida naquela procissão liderada pelos
sacerdotes com a Arca da Aliança. Mas desaparecidos o terror e a
ansiedade, o povo de Jericó acostumou-se ao estranho espetáculo
e baixou a guarda. Foi precisamente nesse momento, no sétimo dia,
depois de os israelitas terem iniciado o seu já esperado exercício
militar, que a um sinal do seu líder a silenciosa e tranquila procissão
se transformou subitamente numa frenética coluna de assalto. Antes
de os defensores, desorientados e em pânico, conseguirem
organizar-se, os israelitas escalaram as muralhas ou atravessaram-
na em qualquer ponto danificado pelos recentes acontecimentos e
“voltaram-na ao anátema, passando ao fio da espada quanto nela
encontraram...”.[Nota 41]

A estratégia de provocar no inimigo um falso sentimento de


segurança habituando-o gradualmente aos exercícios militares que
serão utilizados no ataque têm prestado grandes e frequentes
serviços aos seus praticantes. Foi assim que os britânicos
enganaram os seus inimigos turcos e alemães em Romani, no Sinai,
em 1916.[Nota 42] Mais recentemente, antes do início da guerra de
Outubro de 1973, os sírios e os egípcios iludiram os israelitas
através da repetida concentração das suas forças de assalto nas
fronteiras de Israel, e com manobras tais como o manuseamento de
equipamento para construção de pontes e a adoção de formações
de ataque.
A CAMPANHA DE AI

A conquista de Jericó deu aos israelitas a sua primeira base a


oeste do Jordão. O objetivo seguinte de Josué foi a penetração nas
montanhas da Judéia.

Com a sua clara visão estratégica, Josué compreendeu a


importância do maciço central para o estabelecimento de uma
comunidade hebraica na Cisjordânia. As montanhas da Judéia eram
as fortalezas naturais atrás das quais os israelitas, ligeiramente
armados, poderiam resistir ao ataque das poderosas forças
cananeias. Josué não tinha quaisquer dúvidas quanto ao resultado
de uma batalha nas planícies, em campo aberto, onde a sua tropa
tribal estaria praticamente indefesa face aos carros de guerra
cananeus. Mas as condições topográficas impossibilitavam a
utilização da infantaria pesada regular nas montanhas, e davam às
tropas ligeiras a possibilidade de compensarem as suas deficiências
através de uma combinação de disfarce, astúcia, ousadia e
mobilidade. Além do mais, não havia muita gente vivendo nas
montanhas, o que permitiria a permanência e colonização israelita,
enquanto que existiam poucas hipóteses de conseguirem subjugar
as cidades das planícies, densamente habitadas e poderosamente
fortificadas.

Josué era também obrigado a ter em conta a possibilidade de


uma interferência egípcia, pois Canaã ainda fazia parte do império
faraônico. Dos arquivos do Faraó Amenhotep IV (Akhenaton, 1391-
1353 a.C.), descobertos em Tellel-Armana, no Nilo, sabemos que
maior parte dos pedidos de auxílio dos cananeus e dos funcionários
egípcios tinham sido atendidos com promessas vãs.
E Josué, embora não conhecesse seguramente a
correspondência diplomática egípcia, avaliou corretamente a
situação no terreno. Chegara o momento de atacar, e havia pouco
perigo de uma interferência egípcia desde que os israelitas se
manifestassem nas montanhas e afastados das planícies, onde se
localizava a Via Maris (Estrada do Mar), a grande rota comercial que
ligava o Egito à Síria e constituía a linha vital estratégica do Império
Egípcio.[Nota 43]

O passo preliminar da campanha para penetrar nas montanhas foi


a aliança dos israelitas com os gibeonitas, uma pequena e
pressionada confederação tribal que se instalara, provavelmente
não muito antes, em redor da bacia hidrográfica das montanhas a
norte de Jerusalém. A sua principal cidade era Gibeon (atual El Jib),
a 7,5 km a noroeste de Jerusalém. Segundo o relato bíblico, o
contato com os gibeonitas só ocorreu depois da conquista de Ai
(Josué 9), mas uma análise crítica do texto, bem como a escolha do
território de Betel como alvo do primeiro ataque a Josué, torna
extremamente provável que o contato com os gibeonitas tenha tido
lugar depois da conquista de Jericó e como um requisito para o
ataque de Ai.
2. Conquista de AI (primeira fase)
1. A força de emboscada avança sobre Ai na véspera do ataque
principal.

2. A força de emboscada toma posição a oeste de Ai.

3. A força principal avança pelo trilho central, iniciando a subida


cerca da meia-noite.

4. Um contingente é destacado da força principal para bloquear


os acessos a partir de Betel.

5. A força principal posiciona-se a norte da cidade.

Tendo assim garantido a segurança da retarguada do seu teatro


de operações, Josué começou a obter a inteligência necessária
acerca do seu objetivo: Ai ou, mais provavelmente, a zona em redor
de Betel, a cidade que dominava a subida para a bacia hidrográfica
da Judéia através de várias pistas, perto da cidade gibeonita de
Beerot (hoje El Bira, perto de Ramallah). Os relatórios dos seus
soldados teriam dissuadido Josué a atacar a própria Betel por causa
das suas poderosas defesas. Na verdade, tal ataque revelou-se
totalmente desnecessário, pois a ladeira à beira da bacia
hidrográfica não era guardada por Betel, mas sim por Ai.[Nota 44]

Ai havia sido uma cidade poderosamente fortificada mil e


trezentos anos antes da época de Josué. Em seus dias, fora
recentemente reocupada, sem uma reconstrução organizada das
suas poderosas fortificações, formidáveis mesmo em ruínas, ou
ainda se encontrava abandonada, como implicaria o nome “Ha-Ai”
(A Ruína). As escavações tendem a suportar essa última
interpretação, já que a urbe “renovada” apresenta certamente
algumas características israelitas primitivas (pós-conquista). A
ausência de um relatório final das escavações (devido à morte do
arqueólogo) impossibilita um veredicto. Se a segunda interpretação
estiver correta, a narrativa bíblica (Josué 7-8) conduz à ideia de que
para frustrar a ameaça de um ataque israelita à sua cidade, que
deve ter parecido iminente após a queda de Jericó, o povo de Betel
transformou Ai num posto fortificado devido à sua posição
dominando a ladeira (em “ângulo morto” relativamente à própria
Betel).

Ao contrário da avaliação de Betel , os relatórios da inteligência


relativos a Ai foram otimistas (Josué 7:3-4) e os soldados,
desconhecendo a grande força inerente à ruínas transformadas em
posições defensivas, disseram ao seu comandante que um pequeno
contingente – até três mil homens – seria suficiente para conquistar
a cidade. Nesse momento, Josué cometeu um erro comum a muitos
generais excessivamente confiantes devido aos seus repetidos
sucessos: aceitou a sugestão dos soldados, que subestimava a
força e a capacidade do inimigo. O resultado era totalmente
previsível: “Assim, subiram lá do povo cerca de três mil homens, os
quais fugiram diante dos homens de Ai” (Josué 7:4).
Conquista de Ai (segunda fase)

1. Com a força de bloqueio em posição, Josué finge atacar Ai e


depois inicia uma retirada simulada.

2. Os cananeus abandonam Ai e perseguem Josué.

3 e 4 Josué interrompe a retirada e prepara-se para o combate.

5. Josué faz sinal à força de emboscada. 5. A força principal


posiciona-se à norte da cidade.

6. A força de emboscada conquista Ai. 7. A força emboscada


ataca a retaguarda dos cananeus.

8. Atacados pela retaguarda e pela frente, os cananeus são


derrotados.
Apesar de severo, este infortúnio tático não foi mal-aventurado. O
impacto psicológico foi muito mais perigoso que as suas previsíveis
consequências. Não só os israelitas perderam a fé na sua coragem,
mas também o mito da invencibilidade de Israel estava prestes a ser
quebrado (“Pois os cananeus e todos os moradores da terra o
ouvirão...” (Josué 7:9) e os seus desencorajados adversários
ganhavam um ânimo renovado. A reação de Josué comprovou a
justiça do lema de Napoleão de que “um grande líder prova o seu
caráter na adversidade”. A sua decisão foi renovar o ataque quase
imediatamente servindo-se da natural autoconfiança dos
vencedores para montar uma tática que garantiria o sucesso de
acordo com o seguinte plano: 1) utilizar toda a tropa tribal; 2)
desalojar a guarnição da fortaleza de Ai por meio de uma fuga
armada das forças principais israelitas após um ataque direto
semelhante à anterior tentativa fracassada; 3) enviar de um “corpo
de elite” para a retaguarda de Ai coberto da noite, antes do ataque
principal, para se apoderar do objetivo destituído dos seus
defensores, em perseguição dos israelitas supostamente em fuga;
4) apanhar os perseguidores entre a sua força principal e os
conquistadores de Ai; 5) antes da batalha, enviar um importante
contingente de bloqueio para ocupar uma posição nos acessos
provenientes de Betel, de modo a impedir qualquer ajuda de chegar
a Ai pela retaguarda.

Durante uma batalha, o líder deve estar onde as decisões mais


importantes são tomadas. Josué avaliou corretamente que a tarefa
mais difícil caberia ao contingente principal quando precisasse
simular a retirada. As tropas precisariam voltar ao ataque, de modo
acertado, tão logo ouvissem as ordens para assim fazer, e era
indiscutível que Josué escolhesse corretamente o momento para
retroceder com as suas forças. A combinação destas duas tarefas
era das mais difíceis táticas de guerra, uma vez que Josué decidiu
comandar pessoalmente a tropa principal. Na véspera da batalha,
depois de enviar as tropas selecionadas para montarem a
emboscada na retaguarda de Ai, Josué juntou-se aos seus homens
no acampamento, de modo a encorajá-los com a sua presença.

Ainda não se sabe a localização exata do acampamento israelita,


porém Josué teve que organizar uma marcha durando mais de seis
horas, sempre a subir (seguindo por um dos dois ramais do Wadi
Muheisin ou através de uma pista de montanha paralela). A hora
exata era ao romper do dia, depois da força de bloqueio ter sido
enviada para ocupar uma posição a noroeste.

O contingente principal atacou e, a uma ordem de Josué, encenou


a sua retirada no momento certo. Como se previra, “Portanto, todo o
povo que estava na cidade foi convocado para os perseguir; e
seguindo eles após Josué, afastaram-se da cidade” (Josué 8:16).
Quando os defensores se encontravam já bem longe e
profundamente internados no profundo desfiladeiro do Wadi
Muheisin, Josué subiu rapidamente a encosta adjacente e fez refletir
os raios do sol na sua lança, transmitindo um sinal combinado. Em
resposta, as forças emboscadas conquistaram as fortificações
inimigas, praticamente abandonadas, e incendiaram-nas
imediatamente.[Nota 45] Ao mesmo tempo, Josué rodou as suas
tropas a 180º, e atacou. Antes que desse tempo de seus
perseguidores se recomporem, foram igualmente atacados por trás
pelos conquistadores de Ai; e embora não seja explicitamente
afirmado, pelo menos parte da força de bloqueio ter-se-á
seguramente juntado ao combate, carregando encosta abaixo sobre
os desesperados e atônitos betelitas. O seu destino ficou selado.
Estavam completamente encurralados, e durante gerações disse
que não escapou uma única alma à derrota que se seguiu.

O ATAQUE ÀS MONTANHAS DA JUDÉIA

A queda de Ai foi como um toque a rebate para os governantes


cananeus da Cisjordânia. Os mais preocupados eram os reis pouco
importantes que dominavam as terras altas da Judéia. A aliança
entre Josué e os gibeonitas era um desastre para a causa cananeia,
ao nível da queda de Ai.

Pelo que Adoni-Zedeque, rei de Jerusalém, enviou mensageiros


a Hoão, rei de Hebrom, a Pirã, rei de Jarmute, a Jafia, rei de
Laquis, e a Debir, rei de Eglom, para lhes dizer: Subi a mim, e
ajudai-me; firamos a Gibeão, porquanto fez paz com Josué e
com os filhos de Israel. Então se ajuntaram, e subiram cinco
reis dos amorreus, o rei de Jerusalém, o rei de Hebrom, o rei de
Jarmute, o rei de Laquis, o rei de Eglom, eles e todos os seus
exércitos, e sitiaram a Gibeão e pelejaram contra ela. (Js 10:3-
5).
Josué surpreende os amorreus em Gibeão. A seu pedido, o sol
ainda se encontra bem alto, atrás da cidade (ilustração do Rolo
de Josué, sec. VIII d.C., Biblioteca do Vaticano)

Chegara o momento da verdade para a recente aliança, talvez


mais cedo do que o esperado. Mas quando o pedido de auxílio dos
gibeonitas chegou ao acampamento israelita, em Gilgal, Josué não
hesitou, pois compreendeu que abandonar os gibeonitas ao seu
destino significaria perder a sua recém adquirida posição de força,
juntamente com a sua presença na Cisjordânia.

Dessa forma, Josué se preparou rapidamente para a luta, e à


noite – para neutralizar eventuais observadores inimigos – iniciou
uma marcha que durou cerca de 25 km e que levou os israelitas à
região de Gibeão sem serem notados.
Esta zona, com um grande número de montanhas e árvores e
grandemente povoada, proporcionou-lhes cobertura suficiente, que
Josué provavelmente utilizou para deixar os guerreiros descansar e
fazer os últimos preparativos para o combate. Porém, conseguiu
reconhecer o seu objetivo pela primeira vez, a partir de Nebi Samwil
(a Mispá da época macabeia?)[Nota 46] ou de uma elevação
adjacente, e notou que Gibeão estava construída sobre uma
pequena colina, em um agradável valezinho de montanha, e era
dominada pelas serranias circundantes. Os aliados amorreus
sitiavam Gibeão, e o seu acampamento (ou acampamentos)
situava-se provavelmente não muito longe de uma das nascentes e
fontes do vale.

Sem ter conhecimento da presença do inimigo em sua


retaguarda, os amorreus não tinham colocado grupos de soldados
em locais estratégicos para estarem atentos a qualquer movimento
hostil inesperado. Dessa forma, Josué conseguiu surpreendê-los
totalmente. A inclinação do terreno na linha de ataque deu às suas
tropas um ímpeto e um poder de penetração adicionais, e os
amorreus, flagelados também certamente das muralhas da cidade,
romperam fileiras e fugiram na maior confusão.

O seu caminho de fuga passava pelo passo de Bete-Horom, uma


importante via de acesso a Judá e que figura em toda a história do
país, em tempos de guerra e de paz. A coragem física das tropas
israelitas suscita admiração. Depois de uma marcha de
aproximação de 25 km, subindo mais de 570m, que durou quase
toda a noite, entraram quase imediatamente em combate. Não é
possível estimar a duração da contenda, mas depois de colocarem o
inimigo em debandada os israelitas ainda conseguiram explorar a
vitória através de uma perseguição.
“Então Josué falou ao Senhor, no dia em que o Senhor entregou
os amorreus na mão dos filhos de Israel, e disse na presença de
Israel: Sol, detém-se sobre Gibeão, e tu, lua, sobre o vale de
Aijalom. E o sol se deteve, e a lua parou, até que o povo se vingou
de seus inimigos. Não está isto escrito no livro de Jasar? O sol, pois,
se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um
dia inteiro. E não houve dia semelhante a esse, nem antes nem
depois dele, atendendo o Senhor assim à voz de um homem; pois o
Senhor pelejava por Israel.” (Josué 10:12-14).

Apesar de toda a sua eloquência, a versão portuguesa desta


passagem é apenas um eco do original hebraico. Mas é fácil
imaginarmos a coragem e a firmeza de Josué, embora animado com
a vitória, sentindo, durante a perseguição, que se não esmagasse
completamente as forças amorreias, a vitória perderia muito do seu
caráter decisivo.

Muitas vitórias têm sido privadas dos seus frutos por causa da
incapacidade dos vencedores de explorarem o sucesso. Por
exemplo, os suecos não conseguiram – ou não quiseram – impedir
a retirada de Wallenstein após a Batalha de Lützen (1634), Wel
ington não teve meios para impedir a retirada ordeira e o
reagrupamento dos franceses depois da Batalha de Talavera (1805),
e Napoleão não conseguiu dar seguimento à sua vitória em Ligny,
em 1815, com a destruição das forças prussianas de Blücher,
permitindo ao velho marechal reforçar os Aliados dois dias mais
tarde, em Waterloo, o que provocaria a sua própria derrota.[Nota 47]
Assim, a doutrina moderna dá ênfase ao planejamento para explorar
a vitória, o que se tornou uma fase integral de qualquer operação,
incluindo a alocação de tropas e meios para o efeito rápido no
estágio de planejamento.
Antigamente, a exploração era habitualmente concretizada não
por tropas frescas, quase sempre indisponíveis, mas sim através de
um excedente de energia moral e força física, aumentado pelo júbilo
natural resultante da vitória em combate.

No caso de Josué, o problema era alcançar um máximo de


sucesso enquanto a lua ainda se encontrasse visível a ocidente (na
direção do vale de Aijalom), e não completamente ofuscada pelo
sol, que se erguia a oriente (na direção de Gibeão). Em outras
palavras, ele pretendia esmagar o adversário antes de o alvorecer
se transformar em dia e o inimigo conseguir sair do passo de Bete-
Horom. A fadiga deve ter sido quase insuportável, pois à marcha
noturna de aproximação e ao combate durante o dia seguiu-se uma
perseguição noturna de 17km.

A prece de Josué foi atendida e, sob a sua liderança, os


perseguidores não abrandaram nem deram descanso ao inimigo até
dispersarem completamente os amorreus. A ocorrência frequente de
densas neblinas matinais no vale de Aijalom torna válida a
suposição de que foi o nevoeiro que permitiu aos israelitas,
ligeiramente armados e desprovidos de couraças, prosseguirem a
perseguição numa semiescuridão, a qual, ao mesmo tempo,
aumentou a difusa mas distinta visibilidade do sol e da lua sempre
que o nevoeiro levantava.

Arqueiro esticando o arco, que seria mantido sem corda sempre


que não houvesse perigo de modo a preservar o máximo de
flexibilidade. Em baixo, “arco reforçado” com camadas de vários
materiais.
Durante a última fase do conflito, os israelitas avançaram pelo
vale de Aijalom, até as portas de Azeca, a praça-forte cananeia que
viria a tornar-se uma das principais fortalezas de Judá. No total, os
guerreiros israelitas tinham percorrido cerca de 45km em 45-48
horas, dois terços do tempo ou mais em situação de combate.

Tendo a fase inicial da fuga dos amorreus sido por território


gibeonita, os camponeses gibeonitas apareceram certamente em
força para perseguir os fugitivos. A Bíblia faz referência a grandes
pedras lançadas do céu sobre os cananeus em fuga. É difícil evitar
uma analogia com a retirada dos austríacos e dos borgonheses nas
suas guerras contra os suíços (respectivamente, 1386 e 1474-
1477), e dos franceses durante as suas tentativas para subjugar a
resistência tirolesa, em 1809 (para citar apenas alguns exemplos),
quando a população fez rolar um grande número de rochas e
pedregulhos do alto dos desfiladeiros, matando e estropiando
alguns dos seus inimigos e bloqueando a retirada de outros. Todas
essas ações de flagelação explicam, em grande medida, a duração
da perseguição. Provavelmente, ambos os antagonistas foram
obrigados a parar temporariamente mais do que uma vez, devido à
pressão do inimigo ou à simples exaustão. Mas se não aderirmos
literalmente ao texto e tomarmos as pedras por uma tempestade de
granizo, até esta poderia ter seriamente impedido a fuga dos
amorreus. Quem já enfrentou uma forte tempestade de granizo nas
montanhas da Judéia, ao ar livre, conhece os seus terríveis efeitos.
[Nota 48]

ESMAGANDO OS SENHORES DA GALILÉIA

Depois de Josué ter repelido a ofensiva cananeia em Judá, as


tribos israelitas começaram a tomar posse das montanhas,
esparçamente habitadas. Do centro de Judá, Josué avançou em
todas as direções e, segundo o relato bíblico, a ele se devem a
conquista total do maciço central e das suas faldas ocidentais, e a
conquista da Galiléia.[Nota 49]

Seguindo a narrativa da Bíblia, ficamos sabendo que uma aliança


de todos os cananeus do norte, liderada por Jabin, Rei de Hazor, a
cidade mais importante da região foi esmagada por Josué nas
águas de Merom: Todos esses reis, reunindo-se, vieram e juntos se
acamparam às águas de Merom, para pelejarem contra Israel.
Josué, pois, com toda a gente de guerra, sobreveio-lhes de repente
às águas de Merom, e deu sobre eles. E o Senhor os entregou na
mão dos israelitas, que os feriram... até não lhes deixar nem sequer
um. Fez-lhes Josué como o Senhor lhe dissera: os seus cavalos
jarretou, e os seus carros queimou a fogo. (Josué 11: 5, 7-9).
4. campanha das Águas de merom.

1. Acampamento cananeu, escolhido para concentrarem os


seus carros num local isolado e com um bom abastecimento de
água.

2. Possíveis posições de bloqueios nos acessos provéveis.

3. Ataque de surpresa de Josué pelas encostas do Monte


Meron.

Este relato constitui a primeira menção do carro de guerra. Este


antepassado do moderno carro blindado de combate tornou-se um
dos principais armamentos logo após a sua inauguração, no século
XVIII a.C., pelos hititas e hicsos. O seu emprego tático parece ter
sido, em muitos aspectos, similar ao da cavalaria medieval. Mas
enquanto que os cavaleiros, com as suas armaduras, procuravam
essencialmente o efeito do choque, o carro antigo – muito
semelhante ao moderno veículo blindado de combate – já
combinava choque e poder de fogo ao dispor de arqueiros e
homens armados com dardos ao lado do motorista. Estes eram
recrutados entre marianu, os quais – tal como o cavaleiro medieval
– constituíam uma casta privilegiada de guerreiros da sociedade
cananeia e podiam consagrar uma grande parte do seu tempo ao
exercício das armas.[Nota 50] Assim, formavam as principais tropas
ofensivas em um exército de infantes. Se já era difícil para os
contingentes tribais israelitas enfrentarem a infantaria cananeia
numa batalha em campo aberto, não tinham a mínima hipótese de
resistir aos carros através de métodos convencionais. Na campanha
de montanha para conquistar Gibeão, os reis do Sul provavelmente
deixaram os seus carros nas planícies, pois não são mencionados
no relato do combate.

Por outro lado, a fervorosa prece de Josué para que o alvorecer


perdurasse faz ainda mais sentido se for acrescentadas às suas
outras preocupações a possibilidade de um combate contra os
carros.

Na campanha contra os nortistas, não havia como fugir de tal


combate.

Josué resolveu o problema de um modo que estabeleceu um


precedente para futuros comandantes israelitas, enquanto não
puderam opor carros próprios aos veículos inimigos – ou pelo
menos, tropas com larga experiência em combate sem uso de
carros. Josué esperou até conseguir surpreender os cananeus,
acampados no estreito desfiladeiro do córrego de Meron. Sem
espaço para utilizarem os carros, estes se tornariam um obstáculo.
Se os cavalos fossem desatrelados antes ou depois de beberem, os
carros se tornariam um empecilho.

Atrelados e assustados, os cavalos poderiam até ameaçar as


apertadas fileiras da infantaria. Com os carros assim neutralizados e
temporariamente fora de combate, Josué carregou pelas encostas
abaixo e alcançou outra grande vitória.

Desta vez, a surpresa foi provavelmente conseguida através de


uma combinação de dissimulação e pura rapidez.[Nota 51]

A escolha do vale das Águas de Merom, por parte dos aliados


cananeus, para ponto de concentração e zona de lançamento da
sua ofensiva combinada para expulsar os israelitas das suas posses
a oeste do Jordão – e mais particularmente, para travar a sua
infiltração na Galiléia – foi uma boa opção. Na introdução
geográfica, mencionamos que os principais eixos de comunicação
da Alta Galiléia convergiam sobre a serrania central do Monte
Merom, e que deste pivô irradiavam, em 360°, para toda a região.
Deste modo, ao concentrarem-se em Merom, as forças aliadas,
provenientes de toda a Galiléia, congregaram-se numa encruzilhada
comum e central. Além do mais, poderiam dirigir a sua ofensiva em
qualquer direção que julgassem adequada, fato que, por si só,
tornaria difícil para Josué a adoção de medidas preventivas.

Só restava uma solução, que Josué escolheu por instinto ou, de


acordo com o teor da narrativa bíblica, após o devido cálculo e com
grande perspicácia: roubar a iniciativa ao inimigo através de uma
ação relâmpago. Assim, enquanto os cananeus ainda estavam a
preparar-se para a ofensiva, o contragolpe de Josué, protótipo de
uma ofensiva preventiva, apanhou-os em desequilíbrio, antes que
conseguissem formar um terreno mais aberto.

Dado que Josué não tinha como utilizar os carros capturados, a


sua única alternativa foi destruir veículos e cavalos. Isto é uma boa
indicação do atraso técnico e organizacional das tropas
conquistadoras quando comparadas com os cananeus. Só nos
últimos anos do reinado de Davi é que os israelitas atingiram um
estágio que lhes permitiu utilizar carros de guerra. Outro ponto fraco
das capacidades militares dos israelitas durante as primeiras fases
da conquista foi a sua falta de conhecimento de guerra de bloqueio;
“Contudo, quanto às cidades que se achavam sobre os seus altos, a
nenhuma delas queimou Israel...” (Josué 11:13).

Estes dois fatores fizeram os israelitas concentrar-se


primeiramente na conquista das montanhas, descendo apenas
gradualmente às planícies. Esta estratégia é evidenciada na
seguinte passagem: Tornaram os filhos de José: A região
montanhosa não nos bastaria; além disso todos os cananeus que
habitam na terra do vale têm carros de ferro... Então Josué falou a
casa de José...: não terás uma sorte apenas; porém a região
montanhosa será tua; ainda que é bosque, cortá-lo-ás, e as suas
extremidades serão tuas; porque expulsarás os cananeus, não
obstante terem eles carros de ferro e serem fortes (Josué 17:16-18).

As investigações modernas não confirmam a ideia de que Josué


foi o líder na guerra contra os cananeus do norte. É muito possível
que este feito pertença a primeira ou segunda geração seguinte,
que explorou as vitórias de Josué continuando a expansão. Assim, a
identidade do verdadeiro chefe desconhecido foi ofuscada, nos
anais posteriores, pelo inultrapassável renome de Josué. Em
qualquer dos casos, as implicações militares da guerra são as
mesmas e a nossa análise continua válida.

Existe também uma considerável argumentação a favor de datar a


campanha das Águas de Merom subsequentemente à Guerra de
Débora, como um prolongamento a esta guerra ou outra versão das
sagas posteriormente criadas em redor da mesma luta global.[Nota 52]
A referência do narrador bíblico à cidade de Hazor como líder da
coligação anti-israelita nas guerras de Josué e Débora, assim como
a menção de Jabin como rei ou chefe militar de Hazor em ambos os
conflitos, têm sido tomadas como provas contra a exatidão do relato
bíblico. E as descobertas arqueológicas também não conseguiram
pôr decisivamente fim à controvérsia, embora o professor Yadin
afirme existir provas de que Hazor foi destruída por duas vezes, às
mãos de Josué e depois da vitória de Débora.

Parece-nos que enquanto não existirem provas arqueológicas


claras contra a afirmação de que Hazor foi destruída por Josué ou
por outros dos primeiros líderes israelitas – e parecem existir muitas
provas a favor desta leitura -, não há nenhuma razão lógica para
alterar a ordem das duas campanhas ou fundí-las em apenas uma.
Tal como veremos nas páginas que se seguem, a Guerra de Débora
é facilmente compreendida como uma sequela da campanha de
Meron, e Jabin não tem que ser a mesma pessoa nos dois relatos,
podendo tratar-se de alguém do mesmo nome pertencente à
dinastia que governava Hazor.[Nota 53]

Se tivéssemos que dar um veredicto sobre o desempenho de


Josué como general, seríamos obrigados a colocá-lo entre os
grandes capitães da história.
A sua clara sutileza estratégica é continuamente demonstrada,
por exemplo, na escolha que fez de Jericó como primeiro alvo, e da
sua planície, até Gilgal, para base inicial para a conquista da
Palestina Ocidental, ou na sua aliança com os gibeonitas e na
rápida decisão de correr em auxílio de uma Gibeão sitiada para não
perder a sua posição vital nas montanhas da Judéia. Esta última
iniciativa constitui também um excelente exemplo da aplicação
combinada de ação militar e da diplomacia para atingir um objetivo
político. Josué demonstrou igualmente uma grande força de caráter
na adversidade depois do desastroso ataque de Ai, particularmente
ao explorar a derrota israelita para atrair o inimigo a um segundo
combate, no qual os israelitas alcançaram a vitória. A sua soberba
condução das forças divididas durante a segunda campanha de Ai e
a execução no tempo exato e perfeita das complexas manobras
envolvidas são também indicativas das suas elevadas capacidades
de liderança e análise.

Seção média e corda direita de uma funda à qual falta a corda


esquerda, descoberta no Egito (século VIII a.C.). Colocava-se a
pedra na seção média, agarrando ambas as cordas com a
mesma mão, e depois girava-se a funda por cima da cabeça,
largando-se uma corda para lançar o projetil.
Como grande soldado que era, Josué estava bem ciente das
limitações que lhe eram impostas pela inferioridade dos israelitas
em armamento e treino para o combate em campo aberto.
Consequentemente, baseou as suas táticas para as batalhas como
as de Gibeão e Merom (?) nas qualidades que os israelitas
possuíam – velocidade, dissimulação e conhecimento do terreno -,
único modo de esmagar um inimigo imbatível. Como resultado, esta
abordagem tornou-se o modelo para os comandantes israelitas
subsequentes.

As conquistas de Jericó e Ai exemplificam a consciência dos


israelitas da sua incapacidade para subjugar povoações bem
fortificadas, o que os fez optar por atacar apenas as que pareciam
suficientemente fracas para lhes darem alguma hipótese de
sucesso. Mas ainda assim, os sitiantes tiveram que recorrer a vários
subterfúgios para se apoderarem das cidades. Estas limitações na
guerra de bloqueio mantiveram-se durante o período dos Juízes,[Nota
54] como ilustra a conquista de Siquém por Abimeleque, filho de

Gideão (Juízes 9:43-45).[Nota 55]

O contexto político da conquista israelita da Cisjordânia foi, como


referimos, o enfraquecimento do domínio egípicio de Canaã.
Segundo os arquivos reais descobertos em Tell El-Amarna, este fato
permitiu a flagelação constante de Canaã pelos “habiru”.
Infelizmente, estes arquivos deixaram de ser atualizados antes de
Ramsés II (1290-1223 a.C.), que foi, com toda a probabilidade, o
faraó do Êxodo. Mas podemos supor que as infiltrações
prosseguiram durante todo o reinado seguinte, o de Merneptah
(1223-1204 a.C.), quando a presença a ocidente começa a ser
afirmada (ver p.42). No segundo milênio antes de Cristo, “habiru”
era o termo para uma camada não inativa da sociedade,
constituídas por segmentos populacionais desenraizados das suas
moradas permanentes e de indivíduos oriundos do meio pastoral ou
nômades, que tentou penetrar no território das populações
sedentárias recorrendo a métodos pacíficos ou bélicos em função
da situação política existente.

Quer derivemos ou não do termo étnico “hebreu” de “habiru”, os


hebreus do período patriarcal e de épocas posteriores, que
chamavam-se “israelitas”, eram certamente considerados pelos
cananeus como sendo os “habiru” - e ainda mais por se aliarem, de
um modo ou de outro, às tribos transjordanas pertencentes a esta
classe.[Nota 56]

Contudo, havia uma diferença fundamental, que garantiu o


sucesso da empresa israelita: os antigos israelitas acreditavam de
todo o coração que Canaã lhes pertencia por prescrição do seu
Deus, a única e verdadeira divindade.[Nota 57]

Notas do Capítulo 2

Nota 35 - Ver cap. I, nota 17. Em apoio da minha opinião acerca do significado inicial de
Zonah, ver SCHULTE, H., “Beobachtungen zum Begriff der Zona im A.T.”, ZAW 104, 1992,
pp. 255-262. [Voltar]

Nota 36 - No contexto da presente obra, bastará referir que imperium, um conceito


originalmente militar (o poder do general – imperator – para comandar), concedia ao seu
recipiente a autoridade quase absoluta para aplicar e fazer cumprir a lei no âmbito da sua
magistratura ou pró-magistratura. (N.T.) [Voltar]

Nota 37 - Ver nota 40. [Voltar]

Nota 38 - De Betel. (N.T.) [Voltar]

Nota 39 - Reinou entre 874 e 853 a.C. (N.T.) [Voltar]

Nota 40 - GARSTANG, J., Foundations of Bible History: Joshua and the Judges, Londres,
1932, pp. 136-138. Desde tempos remotos que os terremotos têm causado muitas
pertubações físicas na Palestina. Ver AMIRAN, D., “A revised earthquake catalogue of
Palestine”, IEJ, pp. 223-246. relativamente às provas arqueológicas da conquista de Jericó,
ver KENYON, K. M., Digging up Jericho, Londres, 1957, pp. 256 e sqq. [Voltar]

Nota 41 - Js 6:21. (N.T.) [Voltar]

Nota 42 - McMUNN e Falls, Military Operations, pp. 175-204; GULLET, Official History, pp.
126-163; KRESSENSTEIN, F.K.V., Mit den Türken zum Suezkanal, Berlim, 1938, pp. 171-
191. [Voltar]

Nota 43 - Embora possa ser uma designação historicamente incorreta, utilizamos o termo
“Via Maris” porque descreve apropriadamente a grande estrada que atravessava a
Palestina e se dividia a norte do Carmelo em dois ramais, um em direção à Fenícia e o
outro para Damasco, e numa via paralela no sentido de Bete-Chan. Contudo, o traçado não
foi sempre o mesmo. Ver BEITZEL, B. J., “The Via Maris”, BA 54, 1991, pp. 64-75. [Voltar]

Nota 44 - GICHON, M., “The Conquest of Ai” (Zer L’Gevurot), volume Shazar, Yearbook of
the Israel Society for Biblical Research, 1973, pp. 56-73 (H). [Voltar]

Nota 45 - A estratégia de Josué de alertar o seu destacamento através de cintilações do sol


não foi um caso isolado. Encontramos um exemplo célebre na Batalha de Maratona, entre
atenienses e persas (480 a.C.). Heródoto relata que os simpatizantes dos persas
contactaram a esquadra persa ao largo de Maratona, fazendo-a seguir a Atenas para
ocupar a cidade indefesa. Somente a louca corrida do “maratonista” conseguiu alertar,
mesmo à justa, a fraca guarnição, que não suspeitava de nada (Heródoto, VI, 115). Na
Terra Santa, o telégrafo solar ressurgiu como um aparelho sofisticado com as forças de
Allenby, durante a Primeira Guerra Mundial. A partir de então, e até ao estabelecimento do
Estado de Israel, em 1948, constituiu um importante meio de cominucação entre os
colonos judaicos, frequentemente isolados, sem se aperceberem de que estavam a utilizar
um dispositivo antigo e de inspiração local. [Voltar]

Nota 46 - Ver p. 278. [Voltar]

Nota 47 - FULLER, J. F. C., The Decisive Battles of the Western World and their Influence
upon History II, Londres, 1955, pp. 72 e 509. [Voltar]

Nota 48 - As más condições meteorológicas retardam criticamente o avanço de Allemby


nas montanhas da Judéia. Ver o relato do seu chefe de estado maior, WAVELL, A.,
Palestine Campaigns, Londres, 1931, pp. 160-162. Não há necessidade de relegar o
episódio bíblico para o reino da mitologia. Muitos beligerantes concluíram que os
fenômenos naturais – como a súbita alteração na direção do vento que provocou o
incêndio da paliçada de Masada ou as grandes tempestades que danificaram seriamente a
Incrível Armada – eram atos de Deus. [Voltar]

Nota 49 - Ver cap. 1, notas 30 e 31. [Voltar]

Nota 50 - Sobre os marianu, ver CALLAGHAN, R. T. O., “New light on the Maryannu”,
Jahrbuch für Kleinasiastische Forschungen I, 1950-1951, pp. 309 sqq. Cf. REVIV, R.,
“Some comments on the Maryannu”, IEJ 22, 1972, pp. 218 sqq. Em comparação com os
contingentes tribais israelitas, não só os carros mas também todo exército cananeu era
bem organizado e sofisticado. Ver, por exemplo, RAINEY, A. F., “The Military personnel of
Ugarit”, JNES 24, 1965, pp. 17-27, e o seu Social Structute of Ugarit, Jerusalém, 1967, pp.
73-80. Sobre o carro de guerra, ver cap. 1, nota 14, e cap. 5, nota 141. [Voltar]

Nota 51 - A necessidade de tempo para os soldados se equiparem, serem contados e


formarem foi sempre o ponto fraco das tropas montadas e dos carros. Pela mesma razão,
durante a Segunda Guerra Mundial, as forças blindadas acampavam em círculo, à
semelhança das caravanas do Far-West, e em zonas de perigo uma parte dos veículos
mantinha os motores a trabalhar de modo a estar pronta para entrar imediatamente em
ação. [Voltar]

Nota 52 - Também existia uma cidade chamada Memerom, assim batizada em nome do
ribeiro adjacente. Devido à sua importância estratégica, for a destruída por Ramsés II (cf.
MALAMAT, HPJ, P. 61). Sobre a controvérsia relativa a esta batalha, ver AHARONI, Y., LB,
pp. 221 sqq. E notas de rodapé. Provas arqueológicas corroborando a nossa opinião a
favor da veracidade da sequência bíblica foram reunidas em YADIN, Y, Hazor, Londres,
1975, pp. 245 sqq. [Voltar]

Nota 53 - FRITZ, V. “The Israelite conquest”, BASOR 214, 1980, p. 88 [Voltar]

Nota 54 - Séculos XII-XI a.C. (N.T.) 21. “Então, ele tomou os seus homens e dividiu-os em
três grupos; depois, pois-se de emboscada no campo. Mal viu o povo sair da cidade, correu
para ele e derrotou-o. Abimelec e os chefes que estavam irromperam e tomaram posição à
entrada da porta da cidade, enquanto os outros dois grupos se lançavam sobre todos os
que estavam no campo, ferindo-os. Abimelec lutou todo aquele dia contra a cidade; depois,
apoderou-se dela e massacrou toda a população que lá se encontrava; destruiu a cidade e
semeou-a com sal”. (N.T.) [Voltar]

Nota 55 - Sobre o termo Habiru, ver LEMCHE, M.P. ABD III, p. 95 (“Hebreu”) e pp. 7-10
(“Habiru”). [Voltar]

Nota 56 - A ausência de muralhas, frequentemente utilizada como argumento a favor de


uma conquista pacífica de povoações mencionadas na Bíblia, é explicada pela debilidade
geral então existente, a nível econômico e não só, que obrigava os habitantes a servirem-
se de fortificações mais antigas (como em Jericó ou Ai), ou a contarem apenas com a
topografia ou os muros e paredes das casas dos subúrbios, que sempre constituíram um
perímetro defensivo “natural”. Cf. BOLLING, R.G., “Joshua, Book of”, ABD III, pp. 1002-
1015, diferindo parcialmente das nossas conclusões. [Voltar]

Nota 57 - Aproximadamente entre 1200 e 1050 a.C. (N.T.) [Voltar]


CAPÍTULO 3

AS GUERRAS DOS JUÍZES


O período dos Juízes[Nota 58] foi o do assentamento final e
completo dos israelitas na Terra Santa, a ocidente e oriente do
Jordão. Os cananeus, que se encontravam divididos, não
conseguiram resistir muito tempo aos israelitas; progressivamente
comprimidos em enclaves cada vez mais pequenos, foram sendo
eliminados ou submeteram-se.

A era dos Juízes foi, pois, a época da luta heroica de uma


sociedade simples e basicamente tribal contra um inimigo
sofisticado que, embora em grande decadência, conseguiu com
frequência oferecer uma considerável resistência.

Nos seus esforços para travarem os israelitas, os cananeus foram


auxiliados pelos reinos transjordanos situados junto ao deserto,
hostis à ascendência de Israel. Assim, as tribos israelitas fundiram-
se sob a constante pressão de todos os seus vizinhos, e foram
lideradas por guerreiros que “julgavam” parte ou todas as tribos,
embora sem interferirem nos seus respectivos assuntos internos.

A vitória das Águas de Merom garantiu às tribos conquistadoras


uma presença permanente na Galiléia. No seu processo de
estabelecimento, foram auxiliadas pela sua estreita afiliação a várias
tribos locais, os quais, segundo fontes extrabíblicas, constituíam a
heterogênea população que habitava a “Galiléia das Nações” (assim
lhe chamavam) antes da conquista israelita final. O fato destas
tribos, tais como as famílias atribuídas pela Bíblia às tribos de Aser
e Issacar, serem aparentadas com as tribos conquistadoras antes
da estada dos israelitas no Egito, ou se terem unido a elas
imediatamente após a sua entrada na Galiléia, não altera a
circunstância de terem certamente constituído uma força substancial
que acelerou a conquista israelita de uma grande parte da região de
montanha do norte de Canaã.[Nota 59]

Embora a arraia-miúda ainda estivesse longe de compreender o


verdadeiro significado e implicações do monoteísmo puro, as
qualidades carismáticas da sua crença forneceram-lhe a energia e a
força moral necessárias para preservar nos seus esforços para
ultrapassar, durante um período de várias gerações, a superioridade
dos cananeus em técnica, armamento, organização e fortificações.
A ser verdade a afirmação de que, durante a penetração ao
ocidente, um número considerável de habitantes da Cisjordânia
optou, sem coação evidente, por integrar a federação tribal israelita,
o poder persuasivo do zelo religioso israelita deve ter tido um peso
importante neste fato.[Nota 60]

Mas as planícies costeiras (a área costeira e o vale de Jezreel)


ainda estavam firmemente nas mãos dos cananeus. Embora o
poder das principais cidades das vertentes sudoeste da Baixa
Galiléia, Quimeron e Acsafe, ter sido quebrado devido à derrota das
Águas de Merom, o vazio criado fora preenchido por outro soberano
local, o “Rei do povo da Galiléia” (Josué 12:23, segundo o Codex
Vaticanus). A sequência geográfica na qual os nomes dos vencidos
são dados em Josué 9 indica que este novo soberano conseguiu
unir os diversos grupos étnicos da Baixa Galiléia contra os intrusos
israelitas. Da subsequente narrativa do Livro dos Juízes (4 e 5), na
qual habitava a região arborizada de “Harochet dos Gentios”, que
contornava o vale de Jezreel pelo norte.
Os aliados naturais do “Rei do Povo da Galiléia” eram os
soberanos das cidades restantes que ladeavam o vale de Jezreel.
Os mais proeminentes eram os reis de Taanaque, Megido e
Jocneão. Os governantes de Dor, na costa do Mediterrâneo, de
Quedes, no norte de Naftali, e de Hazor, davam à coligação
profundidade e força adicional. Entre estes, o mais importante
continuava a ser Jabim, rei de Hazor, que foi proclamado chefe
desta liga de cidades do Norte de Canaã.[Nota 61]

Um nobre cananeu (marianu), no seu carro de guerra, e os


seus seguidores oferecem cativos ao suserano (embutido em
marfim, Megido, século XII a.C.). O harpista toca para o
príncipe, tal como Davi tocava para Saul (1 Samuel 18:10).

A grande força dos reis cananeus sem muita força estava nas
suas praças-fortes. Contudo, ficando atrás das suas muralhas não
poderiam subjugar os israelitas. Impunha-se um caminho mais ativo,
no qual o seu principal armamento, o carro de guerra, era
fundamental. Patrulhas de carros poderiam controlar as planícies –
particularmente as estradas -, fornecendo, se necessário, proteção
às caravanas comerciais e a todo o tráfego restante. As invasões
israelitas poderiam ser rapidamente descobertas ou interceptadas, e
até em terreno montanhoso os carros constituiríam um poderoso
apoio para a infantaria. De modo a tornar a coligação mais coesa, a
liderança suprema do esforço combinado foi atribuída a Sísera,
comandante do exército de Jabim e provavelmente também chefe
de um contingente próprio.
Freios provenientes de Tell el-Fare e do Norte da Síria.

A situação precipitou-se quando Sísera ocupou Harochet dos


Gentios, que dominava a estreita passagem do vale de Jezreel para
a planície costeira a norte de Haifa, bem como as estradas que
ligavam a Galiléia ao Mar da Galiléia e ao vale do Jordão, a sul.[Nota
62]

Nesta época, a pouco coesa confederação tribal de Israel era


liderada por Débora, “...Ora, Débora, profetisa, mulher de Lapidote...
ela se assentava debaixo da palmeira de Débora... na região
montanhosa de Efraim; e os filhos de Israel subiam a ter com ela
para julgamento” (Juízes 4:4-5). De Miriam, irmã de Moisés, até
Salomé Alexandra, que liderou o reino asmoneu durante os seus
últimos anos de ouro (76-67 a.C.), as mulheres desempenharam um
papel importante e frequentemente decisivo na história judaica.
Débora destaca-se como uma combatente, inspirada por Deus, pela
liberdade do seu país e a sobrevivência do seu povo. Verdadeiro
protótipo de Joana d’Arc, Débora foi decididamente igual a ela na
arte da estratégia e da tática. Enquanto Joana d’Arc forneceu
liderança e um exemplo de inabalável valentia, Débora chamou
Baraque – um dos mais prometedores, ou talvez o melhor dos
chefes tribais de Quedes, em Naftali – e disse-lhe:

Mandou ela chamar a Baraque, filho de Abinoão, de Quedes-


Naftali, e disse-lhe: Porventura o Senhor Deus de Israel não te
ordena, dizendo: Vai, e atrai gente ao monte Tabor, e toma
contigo dez mil homens dos filhos de Naftali e dos filhos de
Zebulom; e atrairei a ti, para o ribeiro de Quisom, Sísera, chefe
do exército de Jabim; juntamente com os seus carros e com as
suas tropas, e to entregarei na mão? (Juízes 4:6-7).
Em outras palavras, Débora forneceu a Baraque a essência de
um plano de batalha completo e multifacetado para vencerem a liga
cananeia.

5 a Vitória de Débora sobre Sísera (primeira fase)


1. Acampamento inicial de Sísera. 2. Débora e Baraque concentram
as suas forças no Monte Tabor. 3. Sísera avança para atacar o
Monte Tabor. 4. Concentração da segunda força israelita, perto das
vertentes norte do Monte Efraim.
Antes de entrarmos em um pormenor, importa destacar
novamente a supremacia cananeia numa batalha convencional,
devido aos seus carros e à sua infantaria regular (“os seus carros e
os seus exércitos”), parcialmente composta por homens armados
com lanças pesadas. O número de carros de Sísera é estimado em
cerca de 900. Este número pode ser verificado comparando-o com o
número de carros cananeus citado pelo faraó Tutmose III como
constituindo as forças “blindadas” dos seus inimigos cananeus
durante a Batalha de Megido, em 1468 a.C. Os números são
condizentes: a Batalha de Megido rendeu 924 carros como
despojos, enquanto que a coligação cananeia era um pouco maior e
mais próspera.[Nota 63]

Os números oficiais, egípcios ou outros


(como os dos relatos bíblicos, baseados
em tradições orais), às vezes são
considerados suspeitos de exagero.
Reduzir os números supracitados a um
décimo será talvez estimar por baixo.
Ainda assim, tal número tornaria as
forças de Sísera muito superiores e
perigosas em armamento. Imaginemos
uma força de infantaria dos nossos dias,
desprovida de armas antitanque,
enfrentando tanques ou mesmo carros
Cota de malha feita de
blindados em campo aberto (com as escamas de metal
costuradas ao tecido.
devidas reservas na comparação entre os
veículos blindados modernos e os antigos
carros de guerra): o resultado seria muito provavelmente
desastroso. Assim, a principal preocupação de Débora teria sido
como neutralizar a arma decisiva da tropa inimiga: os seus carros de
guerra.

Levando tudo isso em conta, Débora concebeu uma campanha


em três fases. A primeira era a concentração dos contingentes
tribais de Naftali e Zabulão, num total não inferior a 10.000 homens,
talvez até 20.000, no Monte Tabor. Esta área de concentração era
uma base fácil de ser defendida, contra a qual os carros não tinham
nenhuma hipótese de sucesso; constituía também uma posição de
defesa de qualquer movimento hostil ao longo do vale de Jesrael,
com excelente visibilidade em todas as direções, e era uma zona
perfeita para lançar um ataque sobre um inimigo acampado na parte
inferior da encosta da montanha.

A segunda fase baseava-se no pressuposto de que Sísera, ao ser


informado do posicionamento israelita, concentraria todas as suas
forças disponíveis para conter Baraque no Monte Tabor, obrigando-o
eventualmente a descer à planície para combater. Portanto com isto,
Débora propôs-se empregar as forças que concentrara em Efraim
para atrair Sísera da sua vigília frente ao Monte Tabor e conduzi-lo
para a área alagadiça do rio Quichon, na parte ocidental do vale de
Jezreel. Na terceira fase, perto do rio Quichon, onde o solo
alagadiço da estação das chuvas dificultava o movimento e a
mobilidade de homens, cavalos e carros, os cananeus seriam
atacados simultaneamente pelas forças de Débora e de Baraque
(estas últimas, libertadas da ameaça adversa, estariam disponíveis
para seguir Sísera e cair sobre a sua retaguarda).

O texto bíblico não é explícito quanto a direção da manobra de


dispersão pensada por Débora. Deve ter sido um movimento
ameaçando a planície desprotegida, nas costas da baía de Haifa ou
na sua proximidade. Só um movimento semelhante, pondo em
perigo um importante membro da coligação como Dor e as suas
dependências, levaria Sísera a abandonar a guarda que montara a
Baraque, a levantar o acampamento e a avançar rapidamente na
direção do rio Quichon para garantir a posse do estreito desfiladeiro
entre o Monte Carmelo e as colinas de Tivon, a passagem do vale
de Jezreel à planície costeira.

Baraque aceitou as propostas de Débora mas recusou-se a


suportar o ônus principal e disse só concordar com o seu plano se
ela acompanhasse as forças que ele comandava. Talvez tenha feito
essa exigência por cavalheirismo, com a intenção de afastar a
profetisa da perigosa missão de liderar as forças que serviriam de
isca. A célebre resposta de Débora foi: “Certamente irei contigo;
porém não será tua a honra desta expedição, pois a mão de uma
mulher o Senhor venderá a Sísera” (Josué 4:9). Assim, o
contingente do Monte Efraim foi colocado sob o comando de um
capitão anônimo, e Débora juntou-se às forças que se congregaram
furtivamente em Quedes-Naftali e de lá se deslocaram para o Monte
Tabor.

Segundo a Bíblia, Heber, o queneu, chefe de uma tribo


seminômade aparentado com os israelitas,[Nota 64] informou Sísera
do ponto de concentração. No entanto, tendo em conta os
acontecimentos que se seguiram e o comportamento de Jael, a
mulher de Heber, quando ela encontrou o comandante cananeu em
fuga, parece que Heber estava combinado com Débora e que a sua
ação fez parte do plano global dela para concentrar a atenção de
Sísera no Monte Tabor e longe do Monte Efraim.
Quando Sísera soube do ponto de concentração israelita, reagiu
como previsto e concentrou todo o seu exército frente à Débora e
Baraque. Os antagonistas observaram-se mutuamente durante
alguns dias. É de supor que Débora esperava que a parte ocidental
de Jezreel, em redor de Quichon e dos seus afluentes, fosse
transformada pela chuva num terreno pantanoso. Ao receber a
confirmação desse fato, ela deu o sinal de ataque a Baraque:
“Levanta-te pois este é o dia em que o Senhor avança, para
entregar Sísera nas tuas mãos” (Juízes 4:14). O contingente dos
efraimitas, incubido do ataque de disperão, deve ter recebido a
ordem de avançar algumas horas mais cedo. Não sabemos até
onde chegaram, mas a canção da vitória de Débora (Juízes 5)
menciona um combate crucial contra os reis de Canaã (versículo
19), que teve lugar “em Taanaque, junto às águas do Megido”.
Aparentemente, ao entrarem no vale de Jezreel (via a atual Jenin),
os guerreiros do Monte Efraim foram interceptados por forças das
cidades situadas na faixa sul do vale, que se haviam mantido
constantemente alerta contra este tipo de contingência. Seguiu-se
um difícil combate. Seja como for, a atenção de Sísera centrou-se
neste novo inimigo, que surgira na sua retaguarda e ameaçava a
região a oeste, insuficientemente protegida. Consequentemente,
Sísera correu em auxílio dos seus aliados.

Algum tempo depois, Débora deu ordem para atacar. A ofensiva


partiu das partes baixas das montanhas da Baixa Galiléia e apanhou
as tropas de Sísera de lado, na retaguarda ou ambos. Neste
momento, a força efraimita entrou no combate principal: “E o Senhor
desbaratou a Sísera, com todos os seus carros e todo o seu
exército, ao fio da espada, diante de Baraque” (Juízes 4:15). Uma
chuva repentina ajudou consideravelmente os israelitas,
transformando a derrota de Sísera numa fuga desordenada. O
Cântico de Débora fala explicitamente de uma intervenção celestial
e diz que o rio Quichon transbordou e arrastou na sua torrente os
cavalos e carros do inimigo. Importa explicar que um súbito temporal
pode encher os leitos dos rios ou transformar dóceis regatos em
uma torrente ensurdecedora que surge do nada e arrasta, com força
letal, qualquer coisa ou pessoa que esteja no caminho. A isto
devemos acrescentar a chuva que contribuiu, em grande medida,
para destruir os temíveis “carros de ferro” >que não foram
apanhados pela própria torrente. Até a infantaria pesada se viu
certamente atolada e incomodada em seus movimentos.

Quando as fileiras cananeias se desorganizaram, Sísera entrou


em pânico.

Em vez de tentar minimizar os danos para combater no outro dia,


saltou do seu carro e fugiu a pé ao encontro de uma morte
desonrosa às mãos de Jael, a mulher de Heber, o queneu, em cuja
tenda procurava refúgio: “Assim Deus naquele dia humilhou a
Jabim, rei de Canaã, diante dos filhos de Israel” (Juízes 4:23).[Nota
65]

A CAMPANHA DE GIDEÃO CONTRA OS ATACANTES


DO DESERTO

Tal como a maior parte da narrativa do Livro dos Juízes, os fatos


dos capítulos 7 e 8, relativos às campanhas de Gideão, estão
revestidos de tradições tribais contraditórias que refletem as
rivalidades intertribais da época. A guerra de Gideão contra as tribos
localizadas à beira do deserto foi uma consequência do
estabelecimento das tribos israelitas na área entre os desertos e as
terras aráveis. É cada vez mais evidente que o clima da Palestina
não se alterou drasticamente desde os tempos bíblicos até ao
presente. A isoieta (linha que une pontos de igual pluviosidade) de
150 mm passava, tal como hoje, algures a sul de Berseba e a leste
de Amã (a bíblica Rabé-Amon), paralelamente à linha ferroviária do
Hejaz (200 mm são o mínimo necessário para a agricultura sem
recorrer a irrigação especial). Consequentemente, flutuações
menores da precipitação que provocavam apenas emergências
temporárias na região a norte e a oeste das linhas atrás referidas
poderiam ter consequências gravíssimas nas áreas semidesérticas,
secando os poços, esvaziando as cisternas e fazendo definhar as
pastagens.
6. A Vitória De Débora Sobre Sísera (segunda fase)
1. A segunda força israelita movimenta-se para afastar Sísera
do Monte Tabor.

2. A força de distração israelita é interceptada na região de


Taanaque por urbanos e camponeses, mas leva a melhor.

3. Sísera movimenta-se em apoio da força cananeia e para


conter o avanço israelita.

4. Débora e Baraque seguem Sísera.

5. Débora e Baraque atacam Sísera nas terras baixas


pantanosas junto ao rio Quichon.

6. As tropas de Sísera fogem, perseguidas pelos israelitas.

7. Sísera foge a pé mas é morto pela mulher de Heber.

Em situações semelhantes, as tribos que vagueavam pelo Sinai,


pelo Neguebe e pelo leste da Transjordânia apenas tinham como
alternativa deslocarem-se para os territórios férteis. Quanto mais
durassem as secas e mais graves fossem os seus efeitos, mais
desesperada seria a situação dos nômades e mais violentas se
tornariam as suas invasões com o objetivo de ocuparem, com os
seus rebanhos e famílias e durante o maior espaço de tempo
possível, grandes pastagens nas zonas aráveis. Assim, ao longo
dos tempos, uma das funções primárias de qualquer autoridade
central que pretendesse garantir uma vida segura e protegida em
Israel era a organização e manutenção de defesas fronteiriças
permanentes e adequadas contra invasões provenientes do deserto.
[Nota 66]
Durante o período dos Juízes, antes do estabelecimento de um
governo centralizado em Israel, tal esquema não poderia ser
contemplado, pelo que, como se lê no Livro dos Juízes: Prevalecia,
pois, a mão de Midiã[Nota 67] sobre Israel... Porque sucedia que,
havendo Israel semeado, subiam contra ele os midianitas, os
amalequitas e os filhos do oriente[Nota 68] e, acampando-se contra
ele, destruíam o produto da terra até chegarem a Gaza, e não
deixavam mantimento em Israel, nem ovelhas, nem bois, nem
jumentos. Porque subiam com os seus rebanhos e tendas; vinham
em multidão, como gafanhotos; tanto eles como os seus camelos
eram inumeráveis; e entravam na terra, para a destruir (Juízes 6:2-
5).

A resposta da tribo do Sul, Judá e Simeão, a estas ameaças


parece ter sido inicialmente de natureza pacífica. À aproximação
dos atacantes, os lavradores e agricultores israelitas, que
possuiriam certamente algum sistema de aviso constituído por vigias
em locais estratégicos, retiravam-se apressadamente para
esconderijos e refúgios preparados de antemão (Juízes 6:2),
abandonando as suas aldeias e campos aos nômades.[Nota 69]

Encorajado por este conjunto de coisas, ou possivelmente


impelidos por uma grave seca no seu território, as tribos do deserto
desencadearam uma invasão em grande escala do Norte da
Palestina, percorrendo nos seus rápidos dromedários por Gileade, a
leste do Jordão, e penetrando no vale de Jesrael.

À beira de um desastre iminente, as tribos do norte escolheram


um caminho diferente do dos seus conterrâneos sulistas.
Aparentemente, a sua política foi inspirada por um único indivíduo,
Gideão, o juíz-líder da tribo de Abiezer, que se instalara em Ofra
(atual Afula?). Ao inteirar-se de que a enorme tropa nômade
acampara na parte inferior norte da colina de Moré e ao redor da
fonte de Endor, Gideão decidiu-se pela ofensiva e conseguiu
mobilizar os contingentes tribais de Aser, Zebulão, Naftali e
Manassés.[Nota 70]

Não nos é dita a natureza das deliberações de Gideão enquanto


esperava pela concentração das suas forças, mas os principais
problemas com que se debatia são claros. De dia, não teria a
mínima hipótese de atrair o inimigo ao combate. Em circunstâncias
adversas, os cameleiros poderiam facilmente abandonar a luta e
prosseguir com os vandalismos. Além disso, se a infantaria israelita,
ligeiramente armada, fosse apanhada em desvantagem, e
principalmente se deixassem os atacantes penetrar nas suas
fileiras, seria severamente maltratada.

A única possibilidade de Gideão seria surpreender o inimigo


quando este se encontrasse desmontado e desprevinido, ou seja,
atacar o inimigo de noite. Para isto, seria necessário uma força de
elite, suficientemente pequena para minimizar o risco de fazer
barulho e ser prematuramente descoberta. A maior parte desta força
poderia ser utilizada para bloquear a fuga do inimigo para ocidente e
empurrá-lo para uma vasta zona de morte entre o Monte Gilboa, as
vertentes ocidentais da serrania da Samaria e o Jordão (em Juízes
7:3, deve ler-se Gilboa em vez de Gileade e “viraram” em lugar de
“regressaram”). Então, as tropas de Gideão que não estivessem
envolvidas no ataque de surpresa inicial poderiam cair sobre os
midianitas perseguidos por Gideão e bloquear os vaus do Jordão.
[Nota 71]
Dos acontecimentos que se seguiram, podemos supor que foram
estas as grandes linhas do plano de Gideão, e vemo-lo atarefado a
escolher, de entre cerca de 32.000 homens, uma tropa de choque
de 300 guerreiros para o ataque noturno. Uma súbita inspiração
(Juízes 7:4-7) fez com que Gideão escolhesse a sua pequena força-
tarefa através da observação dos hábitos e comportamento dos
seus homens enquanto os conduzia, de dia, até a fonte de Harode,
sob a ameaça constante de ataque por parte do inimigo, que
poderia ter posto uma guarda no cume da colina de Moré ou
montado uma emboscada perto da fonte, que era bem conhecida.
Os homens selecionados foram aqueles que, apesar de estarem
com sede, permaneceram alerta para a presença do inimigo e não
abandonaram as suas armas mesmo enquanto bebiam, deitando-se
de barriga para baixo e bebendo a água da mão em concha.[Nota 72]
7 Campanha da Fonte de Harode

1. Os cameleiros midianitas penetram no Vale de Jezreel.

2. Gideão envia os seus irmãos e parentes para travar o avanço


medianita.

3. Depois do reencontro, os midianitas acampam para passar a


noite em EnDor.

4. Ao mesmo tempo, Gideão reúne os exércitos tribais israelitas


na fonte de Harode.
5. Gideão reúne as suas tropas de choque e envia os
contingentes tribais a interceptar a retirada medianita.

6. Gideão avança para a sua posição de partida, em Tel Agol.

7. Um súbito assalto por três colunas lança os midianitas em


confusão.

8. Os midianitas entram em pânico e fogem.

Depois de ter constituído e postado as suas forças conforme o


planejado, Gideão decidiu conhecer o inimigo e as suas posições
pessoalmente para garantir a surpresa total. De acordo com a
narrativa bíblica (Juízes 7:10-14), somente Purá, o seu porta-
espada, acompanhou Gideão nesta missão, que culminou na sua
infiltração no acampamento inimigo para escutarem as conversas.

Gideão elaborou os seus planos finais em função do


reconhecimento. Cada soldado recebeu uma tocha acesa oculta em
um cântaro, ou uma trombeta (ou mais provavelmente, alguns
levavam trombetas em vez de tochas). A pequena força foi dividida
em três grupos, que se aproximaram ao mesmo tempo do
acampamento medianita a partir de três direções diferentes. Ao
chegarem ao terreno inimigo, os homens deitaram e ficaram
escondidos, aguardando o sinal de ataque. Sensatamente, Gideão
esperou pelo render da guarda e logo a seguir, antes que as novas
sentinelas tivessem ajustado os olhos e ouvidos, deu o sinal para
atacar (Juízes 7:19). Dando um grande grito em uníssono e tocando
as trombetas, os atacantes quebraram os cântaros e provavelmente
lançaram as tochas sobre as tendas dos nômades, aterrorizando
homens e animais. No corpo a corpo que se seguiu, e cegos pelo
súbito clarão, os inimigos entraram em pânico e chegaram mesmo a
atacar-se ocasionalmente uns aos outros. Por fim, fugiram
desordenadamente e foram empurrados, conforme o plano, para o
desfiladeiro entre as montanhas e o rio Jordão. Os fortes de Tabate
e Abel-Meolá parecem ter tido um efeito de bloqueio, negando aos
nômades a liberdade de se dispersarem e canalizando-os para sul.

Espadas utilizadas em diversas fazes do período Bíblico.


8 Gideão persegue os midianitas

1. Os midianitas fogem de En-Dor, perseguidos por Gideão e


atormentados pelas forças tribais.
2. Os contingentes tribais bloqueiam os vaus do Jordão e
continuam a flagelar os midianitas.

3. Os efraimitas apoderam-se dos vaus na área de Adam.

4. Um grande número de midianitas consegue atravessar o


Jordão a norte de Adam.

5. Gideão continua a perseguição a leste do Jordão, até


apanhar e aniquilar os nômades.

Embora os homens de Manassés já tivessem sido alertados para


se juntarem às forças de Naftali e Aser e caírem sobre o inimigo em
fuga, Gideão esperou até o último minuto para alertar os clãs de
Efraim, estabelecidos ao redor dos principais vaus do Jordão na
zona de Adam, instando-os a ocuparem os vaus e a bloquearem a
passagem aos fugitivos. Conseguiram-no parcialmente, e na
subsequente luta para chegarem às margens do Jordão dois chefes
nômades foram mortos. É muito provável que os rancores
intertribais tenham feito Gideão esperar até o último momento antes
de chamar os efraimitas, e se o tivesse feito mais cedo a fuga
midianita poderia ter sido mais completa. Foi o que os efraimitas lhe
disseram, e ele teve muita dificuldade para apaziguar a sua fúria.
[Nota 73]

Pior ainda foi a reação do povo de Sucote e Peniel, as duas


grandes cidades de Gileade a leste dos vaus de Adam, que
suspeitavam das aspirações políticas de Gideão e se recusaram a
perseguir os fugitivos. Todavia, apesar destes infortúnios, Gideão
continuou a perseguição e conseguiu surpreender novamente o
inimigo, não longe da fronteira de Amon. Os nômades, exaustos,
pararam para descansar em alguma parte nas montanhas perto de
Jogboa, num trilho habitualmente utilizado apenas pelos habitantes
do deserto (Juízes 8:11), julgando-se suficientemente longe de
Gideão e próximos do território imparcial, ou neste caso até amigo,
de Amon. Precisamos dos pormenores, mas sabemos que Gideão
conseguiu surpreender e aniquilar o inimigo: “Assim foram abatidos
os midianitas diante dos filhos de Israel, e nunca mais levantaram a
cabeça.

E a terra teve sossego, por quarenta anos nos dias de Gideão”


(Juízes 8:28).

Procurando a fórmula para o sucesso de Gideão, reconhecemos


os mesmos ingredientes das anteriores campanhas realizadas pelos
primeiros comandantes israelitas descritas nestas páginas: uma
ação rápida, ousada e móvel, a opção pela ofensiva e uma
abordagem inovadora. Até os grandes chefes de guerra se
abstiveram habitualmente de efetuar ataques noturnos devido às
múltiplas dificuldades inerentes à sua preparação e execução com
sucesso. Quando o general Reynier lançou o seu ataque noturno
para garantir ao exército francês o vital abastecimento de água a
partir dos poços de El Arish (14 de fevereiro de 1799), Napoleão
referiu-o nas suas memórias como “uma das mais belas operações
de guerra”. Gideão demonstrou particular astúcia ao atacar de noite,
quando o inimigo se encontrava impossibilitado de usar a sua
vantagem, os seus arqueiros e lanceiros móveis. E Gideão também
estava preparado para preservar independentemente de todas as
dificuldades, incluindo a discórdia interna, depois de ter conseguido
um sucesso inicial, transformando o seu êxito tático em uma vitória
estratégica duradoura ao continuar a perseguição e obrigar o
inimigo em fuga a uma segunda e decisiva batalha.
A decisão de dividir as suas forças e atacar na colina de Moré
com apenas 300 homens é um dos primeiros exemplos históricos
daquilo a que os militares chamam “risco calculado”. Esta decisão
foi largamente baseada numa inteligência exata e obtida em
primeira mão sobre a localização, disposição e moral do inimigo.
Dado que escutara pessoalmente as dúvidas e preocupações
expressadas pelos midianitas por se encontrarem profundamente
internados em território israelita, Gideão pôde conceber no local os
detalhes do ataque, que procurou jogar com as superstições e
receios do inimigo.

Fica um problema a ser resolvido. Por que é que os nômades,


móveis e velozes, deram a Gideão tempo para concentrar as suas
forças e preparar-se para o combate nos seus termos? Em outras
palavras, por que é que eles, contra o seu costume, permaneceram
acampados durante alguns dias no mesmo local, ao pé da colina de
Moré, em vez de prosseguirem para o ocidente? As respostas
encontram-se na observação de Gideão, ao negar a vida dos chefes
midianitas capturados:[Nota 74] “Como eram os homens que matastes
em Tabor?... Eram meus irmãos, filhos de minha mãe!” (Juízes 8:18-
19).

Nossa reconstução dos acontecimentos parece-nos bastante


plausível. Ao saber da aproximação dos midianitas, Gideão enviou
uma força apressadamente reunida e certamente pequena para
bloquear o avanço inimigo no estreito do vale entre o Monte Tabor e
a colina de Moré. Este contingente, cuja missão era travar o inimigo
a todo o custo e dar a Gideão o tempo de que ele necessitava para
congregar e posicionar as suas forças, assentava maioritariamente
nos seus parentes e era provavelmente chefiado pelos seus irmãos.
Estes perderam a vida no reencontro que se seguiu, mas a
passagem permaneceu bloqueada.

Ao postar-se nas vertentes inferiores do Monte Tabor, este


pequeno contingente israelita também constituiu uma diversão que
possibilitou a Gideão mover-se para a retaguarda da base midianita
sem ser detectado, e formou uma barreira efetiva à progressão dos
nômades para ocidente. Se os midianitas avançassem para oeste
sem primeiro desalojarem os israelitas que tinham pela frente, se
exporiam a um ataque dos israelitas e permitiriam que estes lhes
bloqueassem a sua linha de retirada. Foi exatamente isto que
sucedeu às forças francesas do general Kléber, 2.500 anos mais
tarde. Quase foram aniquiladas quando avançavam
irresponsavelmente pelo mesmo desfiladeiro, com os turcos à seu
lado. A composição e o hábil emprego da pequena força de bloqueio
a norte foram partes integrantes do planejamento de Gideão, e um
requisito essencial para o seu sucesso.

Abimeleque, filho de Gideão, tornou-se famoso pelo seu cruel


ataque. A sua importância histórica advem-lhe de ter sido o primeiro
a tentar impor um governo centralizado e hereditário no antigo Israel
ou em algumas partes do país (Juízes 9). Importa mencionar as
suas campanhas, pois demonstram os progressos alcançados pela
guerra de sítio israelita. Após a guerra de Abimeleque contra os
siquemitas[Nota 75] (Juízes 9:22-45), descobrimos que foi ainda
através da dissimulação, astúcias e de aliados dentro da cidade
sitiada que ele tentou ultrapassar as defesas. No auge da contenda,
Abimeleque atraiu um grande número de defensores para longe da
cidade e conseguiu entrar pela porta.
Recordamo-nos da astúcia de Josué em Ai, mas em 1799, o
general Reynier, carecendo de equipamento de cerco adequado,
não conseguiu pensar em uma alternativa melhor para conquistar a
cidadela de El Arish.[Nota 76]

As ações seguintes de Abimeleque provam que ele já dominava a


técnica de utilizar o fogo e o fumo para expulsar os defensores das
fortificações mais pequenas ou incendiar os seus componentes de
madeira, particularmente os pontos mais vulneráveis – as portas
(Juízes 9:46-49).[Nota 77] Foi em uma dessas operações que ele
encontrou a morte: “E Abimeleque, tendo chegado até a torre
[cidadela de Tebes]... e chegou-se à porta da torre, para lhe meter
fogo. Nisso uma mulher lançou a pedra superior de um moinho
sobre a cabeça de Abimeleque, e quebrou-lhe o crânio” (Juízes
9:52-53). Assim morreu Abimeleque, tão violentamente quanto
vivera. Mas a sua morte não deixou de ter algum pathos: “Então ele
chamou depressa o moço, seu escudeiro, e disse-lhe: Desembainha
a tua espada e mata-me, para que não se diga de mim: uma mulher
o matou. E o moço o traspassou e ele morreu” (Juízes 9:54).

Notas do Capítulo 3

Nota 58 - Ver cap. 1, notas 19 e 20. Sobre a natureza do cargo de juiz, ver MALAMAT, A.,
“Charismatic leadership in the Book of Judges”, Magnalia Dei, (eds: F. Cross, W. Lemke e
D. Miller), Nova Iorque, 1977, pp. 152-168. [Voltar]

Nota 59 - Ver DEVER, D. W., “Ceramics, Ethnicity and the Question of Israel’s Origins”, BA
58, 1995, pp. 200 sqq.; em particular a p. 221, onde se afirma que os cananeus eram
predominantes entre a amálgama de povos que colonizou as partes não habitadas da
Palestina Ocidental e cristalizou na nação de Israel. Todavia, Dever não explica o principal
ingrediente deste tipo de processo, a existência de um núcleo étnico dominante, consciente
da sua nacionalidade distinta, em torno do qual outros elementos se congregam ou por ele
são absorvidos. Este processo teve necessariamente de decorrer em uma ou duas
gerações (ou seja, antes de “Israel” ser explicitamente mencionada por Merneptah). Este
núcleo foi, de fato, a confederação tribal de Israel, a única a adotar como religião o
monoteísmo, tão estranho aos outros grupos étnicos que a ela se uniram. [Voltar]

Nota 60 - AHARONI, Y., “The battle of the Waters of Merom and the battle with Sisea”,
MHBT, p. 100 (H). [Voltar]

Nota 61 - Acerca do problema da identificação de Harochet-Goim, ver Encyclopedia


Judaica, p. 1347 e a bibliografia. Cf. AHARONI, “Battle of the Waters”, pp. 99 sqq. [Voltar]

Nota 62 - Sobre os carros de guerra cananeus, ver YADIN, Warfare, pp. 86 sqq.; sobre
carros combinados com infantes cananeus armados com a tripla espada falciforme, ver
YADIN, p. 206; sobre os condutores de carros e piqueiros cananeus, e infantaria cananeia
equipada com cotas de malha, ver YADIN, p. 242. Relativamente à campanha de Tutmose
em Megido, ver FAULKNER, R. O., “The Battle of Megiddo”, Journal of Egyptian
Archaeology XXVIII, 1942. [Voltar]

Nota 63 - Os quenitas eram descendentes de Caim (N.T.) [Voltar]

Nota 64 - Sobre a análise textual da narrativa bíblica e a interpretação dos objetivos do


editor final, ver NEEF, H.D., “Der Sieg Deboras und Baraks uber Sisera”, ZAW 101, 1989,
pp. 28-29. Acerca do entendimento israelo-quenita, ver FEUSHAM, F.C., “Did a Treaty
between the Israelites and the Kenites exist?”, BASOR 175, 1964, pp. 51-54. [Voltar]

Nota 65 - Ver GUICHON, M., “The origin of the Limes Palaestinae and the major phases in
its development”, Bonner Jahrbücher Beiheft XIX, 1967, pp. 175-193, e “The defense of the
Negev in military retrospect”, Maarachot, Abril de 1963, pp. 13-21 (H). [Voltar]

Nota 66 - Povo nômade oriundo de Madian. (N.T.) [Voltar]

Nota 67 - Estas tribos constituíam um povo nômade que habitava no norte da Transjordânia
e no deserto da Síria. (N.T.) [Voltar]

Nota 68 - “Por medo dos Medianitas, os Israelitas prepararam nas montanhas, para si, as
cavernas, as grutas e os refúgios escarpados”. (N.T.) [Voltar]

Nota 69 - Acerca de Ofra, ver KLEINMAN, S., EB VI, col. 124-125, e LB, pp. 263-264.
[Voltar]

Nota 70 - A grande mobilidade dos nômades em todo o tipo de terreno implicava que a sua
intercepção tinha sempre que ser efetuada em duas forças distintas. A maior e menos
flexível bloqueava o maior número possível de rotas de retirada, de modo a dar ao outro
contingente, menor e mais móvel a possibilidade de perseguir os nômades na direção
certa. Durante mais de quinhentos anos, esta estratégia constituiu o conceito básico de
defesa da Roma imperial em todas as suas fronteiras do deserto (cf. GUICHON, M.,
Roman Frontier Studies, Tel Aviv, 1968, pp. 191 sqq.). Os homens que, segundo Jz 7:2,
eram “demasiado numerosos” devem ser entendidos como desnecessários para a força
perseguidora, que tinha de ser tão ágil e rápida como os guerreiros nômades. É discutível a
afirmação de que esta força terá sido reduzida a apenas trezentos homens, e podemos dar
como certo que o resto do povo não foi mandado embora, mas sim utilizado com as forças
de bloqueio. [Voltar]

Nota 71 - Cf. WAVELL, A.P., The Good Soldier, Londres, 1948; MALAMAT, A., MHBT, pp.
116-117. [Voltar]

Nota 72 - “Então os homens de Efraim lhe disseram: Que é isto que nos fizeste, não nos
chamando quando foste pelejar contra Midiã? E repreenderam-no asperamente. Ele,
porém, lhes respondeu: ...Orebe e Zeebe; que, pois, pude eu fazer em comparação ao que
vós fizestes? Então a sua ira se abrandou para com ele, quando falou esta palavra.” (Jz
8:1-3). (N.T.) [Voltar]

Nota 73 - Zeba e Salmuna. (N.T.) [Voltar]

Nota 74 - Da cidade de Siquém. (N.T.) [Voltar]

Nota 75 - Mas o comandante mameluco foi demasiado rápido para Reynier e conseguiu
fechar as portas diante dos atacantes franceses. Cf. GUICHON, M., “The sands of El Arish
and Mount Tabor”, Maarachot, Julho de 1964, p. 160 (H). [Voltar]

Nota 76 - “...todos os senhores de Migdal-Siquém se refugiaram na gruta do templo de El-


Berit... Abimeleque... tomou nas suas mãos um machado e cortou um ramo de árvore...
Todos os seus homens cortaram também um ramo cada um... depois, puseram-nos sobre
a gruta e deitaram-lhes fogo. Morreram assim, por igual, todos os habitantes de Migdal-
Siquém...”. (N.T.) [Voltar]

Nota 77 - Acerca dos filisteus, ver a súmula de MAZAR, B., “The Philistines and the rise of
Israel and Tyre”, Israel Academy of Sciences and Humanities I, Jerusalém, 1964, 7, e
RABAN, A., “The Philistines in the Western Jezreel Valley”, BASOR 248, 1991, pp. 17-28.
[Voltar]
CAPÍTULO 4

A FUNDAÇÃO DO REINO E DO EXÉRCITO


LEGAL

A CHEGADA DOS FILISTEUS

Pouco tempo depois dos israelitas, outra nação iniciou o seu


assalto à “província egípcia” de Canaã: os filisteus.[Nota 78] No
entanto, a direção da sua penetração foi diametralmente oposta à
dos israelitas, pois chegaram do ocidente. Os filisteus eram de
descendência egeia, aparentados com os povos minoicos e
micénicos das ilhas mediterrânicas e da Grécia continental, e com
os posteriores gregos “clássicos”. Pertenciam à família dos “povos
do Mar”, que varreu as costas do Sudeste Mediterrâneo em navios
rápidos, com ferro e fogo, para conquistar novas terras. O seu modo
de operação assemelhava-se ao que viria a ser utilizado pelos
escandinavos e vikings. No princípio do século XII a.C., os povos do
Mar tentaram conquistar o Egito, e só depois de muitos esforços é
que o Faraó Ramsés III conseguiu repelir o seu ataque numa longa
e sangrenta batalha naval do Delta (c. 1190 a.C.).

Depois deste combate, os filisteus parecem ter adotado algum


tipo de modus vivendi com o Egito e instalaram-se, com a bênção
das autoridades faraônicas, na costa sudoeste de Canaã. De início,
não só aceitaram a soberania egípcia, como também
providenciaram guarnições aos faraós durante as últimas tentativas
destes para manterem a Palestina agregada aos seus seus
domínios, antes da conquista final israelita. Mas pouco depois, com
o enfraquecimento do poder egípcio, os filisteus tornaram-se
praticamente independentes e avançaram para a planície do sul de
Judá para garantirem a posse de um vasto interior. Foi durante este
processo que entraram em choque com os israelitas, que tentavam
instalar-se na mesma região. Os israelitas tinham ocupado os
estratégicos acessos ocidentais às montanhas e às faldas da
Judéia, as Shephelah. Foi aqui que combateram contra os filisteus,
e foi também aqui, que a moderna autoestrada de Jafa e Ramleh
para Jerusalém atravessava as colinas entre Sorá e Estaol, que a
tribo de Dã enfrentou diretamente os filisteus. As Shephelah
constituíram o cenário para as proezas de Sansão, cuja a queda
refletiu a ascendência temporária dos filisteus (Juízes 13-16).[Nota 79]

Embora os israelitas tivessem saído globalmente vitoriosos na


maior parte da Palestina, em meados do século XI a.C. Começavam
a acumular-se nuvens negras na frente filisteia. E os sinais eram
ainda mais sinistros pelo fato de os filisteus serem excelentes no
trabalho do ferro e fornecerem aos seus guerreiros armas deste
metal, do qual os israelitas careciam quase totalmente.

SAMUEL

Os acontecimentos precipitaram-se na época de Samuel, “o


vidente”, que combinava os atributos e tarefas de sacerdote profeta
e juiz. A ameaça dos filisteus à existência de Israel tornou-se
bastante real durante a sua liderança. Não obstante o zelo religioso
de Samuel, a liga tribal israelita, pouco coesa, revelou-se incapaz de
exercer o esforço prolongado e concertado necessário para conter a
vaga filisteia, principalmente à medida que a superioridade do
armamento filisteu começou a impor-se à inata valentia israelita.
Assim, não obstante as vitórias alcançadas por Samuel, entre as
quais a da segunda batalha de Ébenézer (1 Samuel 7), nos últimos
tempos da sua vida encontramos os filisteus instalados no coração
do reduto montanhoso da Judéia. Havia uma guarnição filisteia
permanente estacionada no bastião de Gibeá (posterior Guibeá de
Saul), a 4,5 km a norte de Jerusalém, de onde podiam ser
facilmente atacadas as montanhas oeste e sul do Norte de Judá e
de Benjamim.
Ramsés II combate a invasão dos “Povos do Mar”, cujos
guerreiros são acompanhados pelas famílias. Os egípcios,
principalmente infantaria, combatem com espadas ou lanças,
protegendo-se com escudos oblongos. Os lanceiros, que são
mercenários estrangeiros, não atacam em falange, com as
lanças em riste, mas sim erguendo-as e desferindo os golpes
de cima para baixo.

Não admira que o tom das passagens bíblicas relevantes (1


Samuel 7:7-8) revele que os israelitas haviam perdido muita da sua
autoconfiança, um dos pilares das suas vitórias até então.[Nota 80]
Além do mais, os filisteus parecem ter assumido parcialmente o
controle de Judá, pois haviam transformado o forjamento do ferro
em um direito exclusivo seu: Ora, em toda a terra de Israel não se
achava um só ferreiro; porque os filisteus tinham dito: “Não façam os
hebreus para si nem espada nem lança. Pelo que todos os israelitas
tinham que descer aos filisteus para afiar cada um a sua relha, a
sua enxada, o seu machado e o seu sacho” (1 Samuel 13:19-20).
Este estado geral de fraqueza também foi naturalmente explorado
pelos vizinhos de Israel a leste do Jordão, e pouco depois, quando
os filisteus penetraram nas montanhas da Judéia – o coração de
Israel a oeste do Jordão -, também Gileade, o principal território
israelita a oriente do rio, ficou sob pressão dos amonitas.

O PRIMEIRO REI JUDAICO

Nesse momento, provou-se uma grande verdade histórico – o


destino das nações é frequentemente moldado pela capacidade que
têm de enfrentar os desafios, rompendo com os seus hábitos
convencionais. Contra os avisos e conselhos de Samuel, que
enalteceu a ordem existente e o velho ideal político israelita de uma
anfictionia teocrático-religiosa, os líderes tribais não vacilaram nas
suas exigências de mudança: “Para que nós também sejamos como
todas as outras nações [vizinhas], e para que o nosso rei nos julgue,
e saia adiante de nós, e peleje as nossas batalhas” (1 Samuel 8:20).
Ao curvarse perante o saudável instinto do povo em busca de um
chefe de guerra supremo e permanente – e necessariamente
também para os tempos de paz - , Samuel demonstrou
magnanimidade e sabedoria. Depois de aceitar o veredicto popular,
tentou escolher o líder certo, alguém que as tribos, indisciplinadas e
independentes, aceitariam mesmo depois de desaparecido o seu
entusiasmo inicial.

A sua escolha recaiu sobre Saul, não propriamente porque “Entre


os filhos de Israel não havia outro homem mais belo de que ele;
desde os ombros para cima sobressaía em altura a todo o povo” (1
Samuel 9:2), mas sim porque ao escolher uma pessoa adequada da
tribo de Benjamim, a mais pequena das doze tribos, ele contava
neutralizar a rivalidade existente entre as maiores. Vem-nos à
memória a escolha da insignificante Casa de Habsburgo para
assumir o trono do Império Germânico, que seguiu um raciocício
idêntico. Infelizmente para Saul, um dos mais trágicos heróis do
Antigo Testamento, a estratégia de Samuel não foi totalmente bem
sucedida, e muita da agitação interna verificada no final do reinado
de Saul, bem como as suas disputas com Davi, devem ser
compreendidas no contexto das rivalidades tribais.[Nota 81]

No seu segundo motivo para escolher Saul para primeiro rei


ungido de Israel, Samuel foi mais feliz. Em virtude de provir de uma
tribo que sofria mais do que as outras devido à constante presença
de uma força de ocupação filisteia no seu território, Saul estava
extremamente motivado para erguer o estandarte da liberdade.

Contudo, a primeira preocupação de Saul encontrava-se a


oriente. Há algum tempo que a cidade de Jebes de Gileade estava
sitiada pelos amonitas, e na ausência de um auxílio imediato os
seus defensores estavam dispostos a submeter-se a Naás, rei de
Amom, e a permitir o estabelecimento de um inimigo no meio da
Transjordânia israelita. Aconselhava-se claramente uma ação
imediata, mas o desmoralizante particularismo das tribos já era tão
generalizado que Saul se viu na necessidade de recorrer à ameaça
de um castigo econômico especial para obrigar todos os homens
aptos para o combate a juntarem-se à tropa nacional: “Tomou ele
uma junta de bois, cortou-os em pedaços, e os enviou por todo o
território de Israel por mãos de mensageiros, dizendo: Qualquer que
não sair após Saul e após Samuel, assim se fará aos seus bois” (1
Samuel 11:7). A ameaça surtiu efeito, e 330.000 homens
concentraram-se em Bezec. Diga-se que estamos na presença de
um número que soa a autêntico, o que também nos permite calcular
a população total do antigo Israel nas vésperas da fundação da
monarquia em cerca de 750.000 almas. O número de 330.000
homens presentes na concentração – para não falar na força que
entrou em combate – está obviamente muito inflacionado. Deve ser
entendido como o total de indivíduos do sexo masculino com idade
superior a dezesseis anos, o que nos levou à estimativa anterior
sobre o total da população. Deste número global, uma conscrição de
10% era o máximo que uma comunidade bem organizada poderia
suportar – um número comparável à realidade moderna. Nas
campanhas iniciais de Saul, o exército não teria incluído mais da
metade deste número (16.500 homens).
1. Primeira campanha de Saul para socorrer a cidade sitiada de
Jabes-Gileade. 2. Camapnha de Micmás. 3. Guerras contra os
filisteus. 4+5 Guerras contra os vizinhos orientais. 6. Confronto
com os Arameus. 7. Campanhas para proteger as fronteiras do
Sul. 8. Concentração dos filisteus para a campanha do Gilboa.
9. Invasão de Esdrelon pelos filisteus. 10. Última campanha de
Saul, que avança sobre o Monte Gilboa. 11. Saul morre em
combate no Monte Gilboa.

O relato bíblico não nos dá pormenores sobre o auxílio a Jabes


Gileade, mas estão presentes todos os bem conhecidos
ingredientes das táticas israelitas: a aproximação rápida através de
uma marcha noturna, a divisão de forças (desta vez, em três
formações independentes) e o ataque de surpresa que põe o
inimigo em fuga. Importa sublinhar que a divisão de forças, tão
comum na guerra antiga e também nas subsequentes guerras
orientais,[Nota 82] pressupõe, inter alia, confiança nos comandantes
divisionais, meios suficientes, ainda que primitivos, para garantir o
empenho das forças divididas no cumprimento das respectivas
missões, e capacidade de executar um esforço tático unido.
Enquanto as subdvisões da força não entrarem todas em ação ao
mesmo tempo, o comandante supremo detem os meios para
influenciar ou até decidir o desfecho da batalha. Isto é conseguido
através da constituição de uma reserva para reforçar os setores
ameaçados, criar uma superioridade decisiva no momento certo e
identificar uma possibilidade de sucesso ou explorá-la. A divisão da
tropa em subunidades que não necessitavam de entrar
simultaneamente em combate foi um importante passo preliminar
nesta direção, permitindo ao comandante uma considerável
flexibilidade tática. Contudo, não obstante todas estas
considerações, a doutrina militar consagrada tem frequentemente
afirmado que a divisão de forças em
formações taticamente independentes é
muito perigosa. Um exemplo extremo
desta atitude é talvez a formação romana
na Batalha de Cannae (216 a.C.), uma
imensa multidão de 85.000 legionários.
Mas até o pensamento militar do século
XIII foi conquistado por esta ideia, e uma
figura tão importante como o próprio
Frederico II da Prússia, um dos maiores
chefes militares de todos os tempos,
subscreveu a teoria da única e
concentrada formação de batalha.[Nota 83]
Neste caso, ele tentou compensar o
melhor possível a infidelidade e a pouca
fiabilidade dos soldados do século XVIII,
na sua maioria recrutados à força. Saul
não estava claramente preocupado com
considerações semelhantes.
Espada comprida filisteia.

10. A expulsão dos Filisteus (até a Batalha de Micmás).

1. Jônatas conquista Gibeá e mata o governador filisteu 2. Os


filisteus apressam-se a ocupar Micmás. 3. Saul desloca a sua
base de Gilgal para Geba 4. Os filisteus enviam colunas rápidas
para devastar os campos. 5. Os israelitas avançam e
estabelecem uma posição de bloqueio em Migrom 6. Os
filisteus respondem com uma força de bloqueio frente a Micmás

A CRIAÇÃO DO NÚCLEO DE UM EXÉRCITO


PERMANENTE
Jabes Gileade foi socorrida mesmo a tempo. A lição retirada da
campanha foi a necessidade de uma força armada permanente,
sempre pronta para entrar em ação e à disposição do rei, que seria
reforçada pelos contingentes tribais assim que estes pudessem ser
mobilizados. Consequentemente, Saul criou o núcleo de um exército
permanente, selecionando 3.000 homens para servirem sob as suas
ordens. Este contingente foi dividido em duas formações, sendo a
menor, de 1.000 homens, comandada pelo seu filho mais velho,
Jônatas, cuja primeira grande proeza foi a conquista de Geba ou
Gibeá e da sua guarnição filisteia (1 Samuel 13:3).[Nota 84] Ambas
tinham importância estratégica, mas a última era a principal cidade
de Benjamim e possuía uma imponente fortaleza que os filisteus
guarneceram durante algum tempo.

A CAMPANHA DE MICMÁS

A ação de Jonatas constituiu uma grande ameaça para o controle


filisteu do coração da Judéia.

Consequentemente uma grande força expedicionária filisteia,


incluindo carros e talvez até um corpo de cavalaria, foi enviada para
impor novamente a sua autoridade e reprimir a tentativa israelita de
estabelecimento de um reino independente. Depois de
atravessarem o desfiladeiro de Bete-Herom, os filisteus instalaram
uma base fortificada em Micmás. A escolha de Micmás foi uma
aposta audaz, mas bem calculada. Ao avançarem até ao lado
oriental do planalto da Judéia, os filisteus dominavam os acessos às
montanhas de Benjamim a partir do deserto da Judéia, a tradicional
área de concentração das forças israelitas. Micmás dominava o
ramal oriental da estrada da bacia
hidrográfica, a principal ligação norte-sul
das montanhas cisjordanas, e defendia o
ramal ocidental, que poderia facilmente
bloquear devido a sua proximidade. Além
do mais, ao instalarem a sua base
mesmo no centro do território de
Benjamim, os filisteus desafiavam
abertamente a autoridade e competência
de Saul.

Cabeça de guerreiro de um
caixão filisteu, comparada
com a cabeça dos relevos
de Medinet Habu.
11. Batalha de Micmás
1. Posição de Saul em Migron.

2. Posto avançado filisteu.

3. Jônatas e o seu pagem desaparecem no desfiladeiro de Naal


Micmás, entre os penhascos de “Bozez e Sené” (1 Samuel
14:4)

4. Jônatas e o seu pagem atacam o posto filisteu de surpresa e


põem a sua guarnição em debandada.

5. Saul ataca e conquista Micmás.

6 e 7. Os filisteus se retiram apressadamente, perseguidos por


Saul e atormentados pelos camponeses.

A recém-recuperada autoconfiança dos israelitas foi novamente


abalada por esta pronta ação, e embora Saul tivesse sensatamente
escolhido o deserto da Judéia (difícil de atravessar para os
inexperientes) como área de concentração dos recrutas tribais,
começou a verificar-se uma desintegração geral das forças israelitas
ainda antes dos primeiros contatos com o inimigo. Segundo 1
Samuel 13-14, Saul postou-se frente a Micmás, em Geba, com
apenas 600 homens, depois de a posição ser conquistada por
Jônatas e os regulares. Os filisteus deviam estar bem informados
acerca da queixa entre rei e sacerdote (Saul e Samuel), e sobre as
muitas deserções e a fuga de parte da população para a
Transjordânia. Consequentemente, decidiram acelerar a destruição
do jovem reino enviando três colunas rápidas para devastar os
campos do planalto central. Para compensar a redução das suas
forças, mantiveram uma força de bloqueio na “passagem de
Micmás”, a sela que liga Micmás a Geba e, via Geba, ao ramal
ocidental da estrada da bacia hidrográfica. A topografia e a narrativa
bíblica combinam-se para fixar a sua localização exata entre a parte
superior do precipício do Uadi Suweint e ao pé da colina de Micmás.

Saul não se atreveu a atacar o acampamento filisteu, pois se


encontrava muito fraco. Contudo, na esperança de mitigar a
extensão das incursões inimigas no coração do território israelita,
partiu com as suas forças de Geba e tomou posição frente a
Micmás, em Migrom (Tell Miriam). Embora a sua abstenção de
novas iniciativas anulasse uma grande parte da ameaça inicial
colocada por este movimento, as tropas filisteias de Micmás, e
particularmente as que bloqueavam o desfiladeiro, mantinham-se
certamente atentas a qualquer movimentação hostil proveniente da
posição israelita em Migron.

Jônatas aproveitou este estado de coisas para executar uma


estratégia arriscada, cuja audácia prometia sucesso. Acompanhado
apenas pelo seu escudeiro, fez um largo desvio para sul. Aos
soldados da força de bloqueio filisteu, pareciam apenas dois
homens que nada tinham a ver com o exército israelita e que
haviam aproveitado a interrupção dos combates para sair do seu
esconderijo e tratar dos seus assuntos privados. Assim, depois de
lançarem alguns insultos aos “hebreus que saem das cavernas onde
se tinham escondido” (1 Samuel 14:11), os cerca de vinte (?)
soldados da força de bloqueio filisteu voltaram a concentrar a sua
atenção nas posições israelitas à sua frente. Jônatas e o seu
escudeiro desapareceram na profunda garganta do Uádi Suweinit, e
quando chegaram ao penhasco perto das posições filisteias, “Então,
subiu Jônatas com os pés e com as mãos, e o seu pajem de armas
atrás dele” (1 Samuel 14:13). Aproveitando o efeito do seu súbito
ataque pela retaguarda, ambos conseguiram matar um número
considerável de inimigos, totalmente apanhados de surpresa, e pôr
os restantes em frenética debandada. Tudo isto constituiu também
uma surpresa para a guarnição de Micmás, que tomou os fugitivos
por atacantes israelitas, seguindo-se uma confusão generalizada
que causou o pânico nas suas fileiras. Saul aproveitou para
desencadear um ataque frontal sobre Micmás, e a resistência
inimiga parece ter-se desmoronado quase imediatamente.[Nota 85]

Com a sua linha de retirada cortada mais diretamente, os filisteus


fugiram para norte, na direção de Betel, e só depois viraram para
oeste.[Nota 86] Durante toda a retirada, os camponeses israelitas
saíram do esconderijo onde se haviam refugiado das raízes inimigas
e perseguiram os fugitivos. À semelhança dos franceses na
Espanha, durante a Guerra Peninsular (1808-1014), ou dos
britânicos no Afeganistão, em 1842, teriam tombado mais filisteus
durante a difícil retirada do que no combate que a antecedeu. Desde
a época de Josué que os generais israelitas vinham dando ênfase à
necessidade de explorar as vitórias ao máximo.

Sabiam que qualquer esforço suplementar pedido às suas tropas


já cansadas poderia evitar mais combates e derramamento de
sangue. Foi por isto que Saul ordenou às suas tropas, sob pena de
morte, que se abstivessem de parar para se alimentar ou beber. Não
tendo recebido esta ordem, Jônatas comeu um pouco de mel de
uma colmeia na floresta, durante a perseguição, e só a ameaça de
uma revolta generalizada impediu Saul de executar sumariamente o
filho.[Nota 87]

Possivelmente, não foi apenas a sua jura solene ao Todo-


Poderoso[Nota 88] que fez Saul reagir tão severamente, mas também
o seu ressentimento pelo fato de Jônatas ter atacado o posto filisteu
de Micmás sem o informar, logo sem a sua autorização. Saul viu-se
confrontado com o eterno dilema de como lidar com uma quebra da
disciplina e desobediência às ordens, apesar de o resultado ter sido
uma vitória. A lei marcial romana era inequívoca: mesmo que a
vitória fosse alcançada devido a uma desobediência, o castigo era a
morte.

Um caso semelhante ao de Jônatas foi o do Príncipe de


Homburgo, que em 1675, em Fehrbel in, ao tomar a iniciativa e
atacar, deu a vitória aos brandem-burgueses. O seu tio, o “Grande
Eleitor”, condenou-o a morte por agir contra as ordens, e foi
necessária uma ameaça de greve por parte de todos os oficiais para
que ele fosse perdoado.

O dilema de Saul ainda não foi resolvido, apesar de não faltarem


exemplos de casos em que a aderência às ordens provocou
resultados trágicos. Notório é o exemplo do marechal Grouchy, o
que, em 1815, continuou a avançar pelo caminho que Napoleão lhe
prescrevera em vez de mudar de direção e marchar sobre Waterloo,
tendo muito provavelmente causado a derrota francesa e a queda
de Napoleão. [Nota 89]

À parte desta questão, o feito de Jônatas e do seu pajem constitui


um brinlhante exemplo de como, nas circunstâncias certas, a sorte
da batalha pode virar devido à ação de alguns combatentes.

Retrospectivamente, não restam dúvidas de que a Batalha de


Micmás foi uma das mais decisivas da história israelita, e que foi a
“ação de dois homens” de Jônatas que abriu o caminho da vitória
que proporcionou a Saul a pausa necessária nos ataques dos seus
inimigos mais perigosos e lhe permitiu estabelecer um domínio real
unificado na maior parte da Transjordânia e da Cisjordânia: “Tendo
Saul tomado o reino sobre Israel, pelejou contra todos os seus
inimigos em redor: contra Moabe, contra os filhos de Amom, contra
Edom, contra os reis de Zobá e contra os filisteus; e, para onde quer
que se voltava, saía vitorioso” (1 Samuel 14:47).

Um dos princípios fundamentais – ainda que não escritos – da


geopolítica da Cisjordânia foi sempre o de quem pretendesse
garantir a paz e a segurança das populações dos territórios férteis
tinha que repelir as incursões dos nômades do deserto (o Neguebe).
Foi naturalmente Saul quem iniciou a defesa contínua das fronteiras
do deserto, a qual viria a basear-se numa rede de poderosas
fortificações que perdurou da época de Salomão à Idade Média.[Nota
90]

Não nos chegaram pormenores acerca da guerra de Saul contra


os nômades amalequitas do Neguebe, e as suas frequentes
campanhas contra os filisteus – nunca completamente subjugados –
estão igualmente envoltas em obscuridade. O campo de batalha foi
muito provavelmente o Sefarade, em particular a desembocadura de
um dos vales que conduziam do reduto montanhoso à planície. Um
exemplo típico é a Batalha do Vale de Elá. O exército israelita havia
já adotado a construção de campos bem organizados,
semipermanentes e possivelmente fortificados como bases para
campanhas prolongadas. Ao instalarem o seu campo no vale, os
israelitas bloquearam efetivamente o avanço dos filisteus para as
montanhas. O campo estava bem organizado, com zonas
específicas para instrução, equipamentos e provisões,
supervisionadas por destacamentos especiais. Todavia, apesar
destes melhoramentos, a tropa israelita ainda era inferior aos
filisteus em todos os tipos de armamento, e não dispunha de
quaisquer carros. Consequentemente, Saul esperou pelo momento
certo, sem descer à planície.

Foi este o cenário do célebre duelo entre Davi e Golias, o


gigantesco campeão filisteu, o qual, equipado com todo um
equipamento militar homérico, desafiava diariamente os israelitas
para um duelo.[Nota 91] Numa ação similar ao feito de Jônatas em
Micmás – neste caso, uma proeza individual -, Davi, armado apenas
com uma funda de pastor, causou a consternação entre os filisteus.
[Nota 92]

E tal como fizera em Micmás, Saul aproveitou este momento


crítico para alcançar o seu ataque geral e por o inimigo em
debandada. Os filisteus foram novamente derrotados, mas não
esmagados. Refira-se que, contrariamente à moda atual, que prima
por transferir tudo o que os relatos bíblicos tenham de duvidoso para
o reino do mito, a endocrinologia provou convincentemente que uma
visão limitada, comum nas pessoas altas e fortes, poderia ter
impedido Golias de reagir adequadamente à utilização da funda por
Davi.[Nota 93]Durante os anos que se seguiram, quando o reacender
das rivalidades tribais, as disputas entre Saul e Samuel e a ruptura
entre Saul e Davi muito contribuíram para enfraquecer a nação
recentemente unificada, os filisteus recuperaram as forças e
congeminaram a sua vingança.

MONTE GILBOA: A ÚLTIMA BATALHA DE SAUL

A sua hora chegou algum tempo após a morte de Samuel.[Nota 94]


A tropa filisteia concentrou-se em Afec, no Sefarade, mas
pretendiam tentar uma nova abordagem. Depois das suas muitas
tentativas infrutíferas de penetrar no maciço montanhoso a partir do
oeste, os filisteus planearam um grande movimento de envolvimento
marchando para norte, pela Planície de Saron (a planície costeira),
atravessando depois um dos passos da serrania do Carmelo para
chegar ao vale de Jezreel, penetrando no maciço central em Ir-
Ganim (atuam Jenim) e avançando para sul ao longo do planalto.
Durante a sua deslocação pelo vale de Jezreel, os filisteus poderiam
contar com o apoio das cidades cananeias que ainda não tinham
sido conquistadas pelos israelitas. Existiriam certamente laços
especiais entre os dois povos, pois as cidades haviam tido
guarnições de tropas filisteias pagas pelos faraós (Bete-Chan
constitui o exemplo mais notório), e colonos filisteus haviam-se
estabelecido permanentemente no vale.[Nota 95]

Saul tinha a vantagem das linhas interiores. Assim, esperou para


ver em que direção os filisteus avançariam. Depois de se certificar
das intenções do inimigo, deslocou as suas forças paralelamente às
dele e assumiu uma posição de bloqueio que defendia a ladeira de
Ir-Ganim, nas vertentes inferiores da serrania do Gilboa. Por que
não tentou bloquear a passagem dos filisteus pelos difíceis
desfiladeiros do Carmelo? A resposta pode ser inferida da escolha
de Afec como ponto de concentração da tropa filisteia. Ao
congregarem-se em Afec, os filisteus ameaçaram diretamente as
montanhas da Judéia, o que deve ter levado Saul a destacar pelo
menos uma parte das suas forças de observação para guardar os
acessos ocidentais. Não há menção de que os filisteus tivessem
planejado algum movimento de dispersão, por muito óbvia que tal
iniciativa pareça a qualquer observador moderno. Todavia, houve
um relatório sobre a movimentação de um destacamento filisteu, o
qual deve ter enganado, ainda que não intencionalmente, as tropas
de observação israelitas. Em 1 Samuel 29, é narrado que Davi e o
seu contingente, que tinham chegado a Afec para se juntarem a
Aquis, rei de Gate, o suserano de Davi, foram considerados pouco
confiáveis pelos “tiranos”[Nota 96] e recolocados para a sua base de
Ciclag, que Aquis concedera a Davi como feudo depois de ele ter
escapado à perseguição de Saul.[Nota 97] A marcha de regresso de
Davi de Afec para Ciclag passou por algumas rotas óbvias de
invasão da Judéia, tais como o vale de Elah e o Vale de Sorec, o
que deve ter mantido os homens de Saul em guarda. Somente
depois de se certificar de que não era ameaçado por nenhuma
punhalada nas costas é que Saul pôde prosseguir a enfrentar a
ameaça a norte, fato que deu à tropa filisteia o tempo necessário
para atravessar os desfiladeiros do Carmelo sem ser atacada.

O desfecho da batalha foi decidido pelos carros filisteus. Saul viu-


se obrigado a retirar para o Minte Gilboa, mas até ali a sua posição
se tornou insustentável. Os arqueiros filisteus, transportados pelos
carros, perseguiram-no de perto através da acessível encosta
ocidental e submeteram os israelitas, no planalto, a um fogo forte e
eficaz. Quando Saul se convenceu de que tudo estava perdido,
preferiu lançar-se sobre a sua própria espada do que ser capturado
pelo inimigo. Parecia que os filisteus tinham finalmente alcançado o
seu objetivo, e que o reino israelita se voltaria a fragmentar nos seus
componentes tribais.

Mas o triunfo filisteu foi de curta duração. Os anos do reinado de


Saul tinham ensinado às tribos que só na união encontravam a força
e todas as vantagens econômicas dela decorrentes. Embora possa
ter havido uma grande consternação em todo o Israel, Davi, que se
tornou rapidamente o centro de todas as atenções, usou a história
de Saul e da morte do seu filho para encorajar os desanimados. O
seu lamento por Saul e Jônatas (2 Samuel 1:17-20), cujo objetivo
explícito foi despertar o espírito bélico dos “filhos de Judá” para
renovar a luta pela liberdade, sobreviveu até aos nossos dias como
uma das mais comoventes e vibrantes eleições da literatura
mundial. As palavras de Davi contribuíram muito para reavivar a
energia e a esperança de Israel, embora no início o seu reinado
talvez tenha estado sujeito a alguma soberania filisteia.
Uma carroça puxada por bois transporta um guerreiro filisteu
armado com uma espada larga e um escudo redondo,
acompanhado da sua família.

Carros filisteus carregando em duas linhas.


12. A Guerra de Davi

1. Subjugação das tribos do Neguebe.

2. Conquista de Jerusalém.

3. Tentativas dos filisteus para expulsarem Davi do vale de


Refaim.

4. Subjugação da Filisteia.

5. Conquista da planície de Sharon e do vale de Jezrael.

6. Guerra contra Moabe.

7. Subjugação de Edom.

8. Comércio com a região do Eufrates.

9. Guerra contra os arameus e os amonitas.

10. Derrota dos arameus na brecha de Edrei.

11. Subjugação de Damasco.

12. Alargamento do império até as fronteiras de Hamate e do


Eufrates.

13. Estabelecimento da soberania israelita na Galiléia


Ocidental, até a fronteira com a Fenícia.

Notas do Capítulo 4
Nota 78 - Os feitos lendários de Sansão estão fora do âmbito da presente obra, embora
seja de realçar que foram realçados em áreas de grande significado estratégico. Sorá e
Estaol figuram como cidades importantes na época de Josafá. A primeira era uma fortaleza
real da época de Roboão (ver p. 199), onde Amacias e Joás se enfrentaram pela
supremacia dos respectivos reinos (2 Reis 14). Estas áreas foram também palco de
combates durante a Primeira Guerra Mundial e a Guerra da Independência Israelita. A
colina de Ali el-Muntat, na qual, segundo a lenda, Sansão depositou as portas de Gaza (Jz.
16:3), figurou decisivamente na campanha napoleônica (BONAPARTE, Napoleão,
Campagnes d’Egypt et de Syrie II), Paris, 1947, pp. 39-40, na Primeira Guerra Mundial
(McMUNN e Falls, Military Operations I, pp. 270 sqq.) e nas guerras israeloárabes de 1956
e 1967. Cf. GUICHON, “Carla’s Atlas of Palestine from Bethther to Tel Hai”, Military History
II, 1974, pp. 85 e 104, e bibliografia, p. 118. [Voltar]

Nota 79 - “Quando os filisteus ouviram que os filhos de Israel estavam congregados em


Mizpá, subiram os chefes dos filisteus contra Israel. Ao saberem disto os filhos de Israel,
temeram por causa dos filisteus. Pelo que disseram a Samuel: Não cesses de clamar ao
Senhor nosso Deus por nós, para que nos livre da mão dos filisteus”. (N.T.) [Voltar]

Nota 80 - Acerca do contexto geral, ver LB, p. 286, e PECKHAM, B., “Deuteronimistic
History of Saul and David”, ZAW 97, 1985, pp. 190-209. [Voltar]

Nota 81 - Por exemplo, nas batalhas de Ain Jalut, em 1260, e Radanija, em 1616. Ver
GICHON, M., “Carta’s Atlas”, pp. 65 e 74, e SMAIL, R.C., Crusading Warfare 1097-1193,
Cambridge, 1956, pp. 78 sqq. [Voltar]

Nota 82 - Acerca de Cannae, ver DELLBRÜCK, H., History of the Art of War I, Londres,
1975, pp. 315-335. FREDERICO II, Principes Généraux de la Guerre, Berlim, 1748, cap.
11. [Voltar]

Nota 83 - “Ora, Jônatas feriu a guarnição dos filisteus que estava em Geba, o que os
filisteus ouviram; pelo que Saul tocou a trombeta por toda a terra, dizendo: Ouçam os
hebreus.”. (N.T.) [Voltar]

Nota 84 - Um exemplo vívido e bem ilustrativo das consistências dos valores táticos
inerentes à topografia da Terra Santa é-nos dado pela 181.ª Brigada de 60.ª Divisão,
destacada por Allemby para conquistar Micmás, a 12 de fevereiro de 1917. Na véspera do
ataque, depois de ler a sua Bíblia, o major da brigada persuadiu o seu comandante a
cancelar o ataque frontal e a copiar a aproximação furtiva de Jônatas, seguindo
exatamente o mesmo caminho. [Voltar]

Nota 85 - A Bíblia refere ainda um outro fator que teria contribuído significativamente para a
completa desorganização e derrota dos filisteus: “Os hebreus que estavam dantes com os
filisteus, e tinham subido com eles ao arraial, também se ajuntaram aos israelitas que
estavam com Saul e Jônatas” (1 Sm 14.21). (N.T.) [Voltar]

Nota 86 - “Ao que disse Saul: Assim me faça Deus...se tu, certamente, não morreres,
Jônatas. Mas o povo disse a Saul: Morrerá, porventura, Jônatas, que operou esta grande
salvação em Israel? Tal não suceda! como vive o Senhor, não lhe há de cair no chão um só
cabelo da sua cabeça! pois com Deus fez isso hoje. Assim o povo livrou Jônatas, para que
não morresse” (1 Sm 14:44-45). (N.T.) [Voltar]

Nota 87 - “Maldito o homem que comer pão antes da tarde, antes que eu me vingue de
meus inimigos” (1 Sm 14:24). (N.T.) [Voltar]

Nota 88 - Cf. A célebre peça de H. von Kleist, “Der Prinz von Homburg”. BECKE, A.F.,
Napoleon at Waterloo vol. II, Londres, 1914, pp. 158 sqq. [Voltar]

Nota 89 - SVer cap. 3, nota 66. [Voltar]

Nota 90 - “Então saiu do arraial dos filisteus um campeão, cujo nome era Golias, de Gate,
que tinha de altura seis côvados e um palmo [3,25 m]. Trazia na cabeça um capacete de
bronze, e vestia uma couraça escameada, cujo peso era de cinco mil siclos de bronze [60
kg]. Também trazia grevas de bronze nas pernas, e um dardo de bronze entre os ombros.
A haste da sua lança era como o órgão de um tear, e a ponta da sua lança pesava
seiscentos siclos de ferro [7 kg]” (1 Sm 17:4-7). (N.T.) [Voltar]

Nota 91 - A este propósito, refira-se que a vitória sobre Golias não é unanimemente
atribuída a Davi (2 Sm 21:19), e diz-se também que o vencido não foi Golias, mas sim o
irmão seu (1 Cr 20:5). (N.T.) [Voltar]

Nota 92 - KELLERMANN, D., “David und Goliath im Lichte der Endokrinologie”, ZAW 102,
1990, pp. 347-357. Sobre o armamento de Golias, ver BROWN, J. P., “Peace Symbolism”,
VT XXI, 1970, PP. 1-32. [Voltar]

Nota 93 - 1 SAMUEL 28-30. [Voltar]

Nota 94 - Acerca da presença filisteia nos vales do Norte, ver ROWE, A., The Topography
and History of History of Beth-shen, Filadelfia, 1930, pp. 23 sqq.; GARSTANG,
Foundations, pp. 310 sqq.; ALT, A., “Das Stützpunktsystem des Pharaonen Beiträge zur
Bliblischen”, Landres und Altertumskunde LXVIII, 1950. [Voltar]

Nota 95 - Pensa-se que o termo bíblico “Seren”, que denota o título dos governantes da
Pentápole filisteia, deriva da mesma raiz que a palavra grega para “tirano”. Em função do
seu revivalismo, é atualmente utilizada para designar a patente de capitão. [Voltar]

Nota 96 - Mas os chefes dos filisteus muito se indignaram contra ele, e disseram a Áquis:
Faze voltar este homem para que torne ao lugar em que o puseste; não desça ele conosco
a batalha, a fim de que não se torne nosso adversário no combate; pois, como se tornaria
este agradável a seu senhor? Porventura não seria com as cabeças destes homens? Este
não é aquele Davi, a respeito de quem cantavam nas danças: Saul feriu os seus milhares,
mas Davi os seus dez milhares? [Voltar]

Nota 97 - Os nove cavaleiros exemplares da Cristandade: Josué, Davi, Judas Macabeu,


Heitor, Alexandre, César, Artur, Carlos Magno e Godofredo Bulhão. [Voltar]
CAPÍTULO 5

A MONARQUIA UNIDA
A tradição judaica recorda o reinado de Davi como a primeira
Idade de Ouro do povo judaico. Foi Davi quem criou o império
israelita que se estendia “da entrada em Hamate à Torrente do Egito
[Uádi El Arish]” ou, noutra versão, “do rio do Egito ao grande rio
Eufrates”. Embora este império se tenha desintegrado cerca de
oitenta anos após a sua fundação e tenha sido restaurado, apenas
durante trinta anos, na época de Uzias de Judá e Jeroboão II de
Israel (c.785-750 a.C.), Davi conseguiu fundir as tribos israelitas
numa entidade nacional de tamanha coerência que mesmo depois
de o reino se dividir em dois, o povo judaico manteve-se, durante
mais de mil anos – sem levar em conta breves intervalos – como o
fator dominante na ponte terrestre palestina.

A Bíblia fornece-nos detalhes suficientes para que possamos


reconstruir a fascinante personalidade do rei. Os europeus
modernos poderiam ver na sua natureza uma combinação de Róbin
dos Bosques, Percival, O Rei Artur, Ricardo Coração de Leão e o
Rei Lear. A cavalaria medieval considerou Davi como um dos seus
principais modelos, colocando-o entre les neufpreux.[Nota 98] A
tradição judaica atribuiu-lhe o epíteto de “Ahuvya” (amado ou
querido de Deus). Mas quando tentamos formar uma ideia coerente
das campanhas militares de Davi – para não falar dos seus
pormenores – ficamos desiludidos com a escassez de informação.

Os feitos individuais de Davi – primeiro ao serviço de Saul, depois


como chefe de um bando de foras da lei e posteriormente na
qualidade de vassalo de Aquis, Rei de Gad – não pertencem ao
âmbito destas páginas. Todavia, importa sublinhar que estas
narrativas nos fornecem um retrato muito mais detalhado acerca da
aprendizagem de Davi antes de ele se ter subido ao comando
supremo no que acontece no caso dos outros capitães bíblicos.
Naqueles tempos, muito pouca teoria – se é que alguma – era
ministrada a um chefe militar, e o conhecimento que ele adquiria ou
os talentos que desenvolvia resultavam unicamente da experiência
pessoal que ganhava durante os seus anos formativos.
13 Jerusalém, de Davi e Sedecias, traçado esquemático das
muralhas de Uzias ou Ezequias seguindo as hipóteses de
Avi Gad (cidade alta de Jerusalém, fig. 36)

1. Acrópole jebuseia, primeira testa-de-ponte de Davi.

2. O Tzinor, ponto da penetração de Joabe.

3. Milo.

4. Porta Norte.

Assim, sabemos da Bíblia que Davi se tornou um hábil


combatente e comandante de forças regulares durante o seu serviço
no exército de Saul. Posteriormente, na qualidade de caçador e
presa, adquiriu, em primeira mão, conhecimentos sobre as táticas
de guerrilha. Finalmente, como capitão independente de
mercenários feudais, aprendeu todos os truques e estratégias – e a
executar ataques repentinos – necessários para vencer os nômades
no seu próprio jogo.

Assim preparado, Davi foi eleito rei da tribo de Judá e seus


afiliados após a morte de Saul, enquanto que Abner, o fiel general
de Saul, instalou Isbosete, o filho mais velho sobrevivente do
monarca falecido, como rei do resto de Israel.

A primeira preocupação de Davi foi proteger Judá das incessantes


incursões dos nômades do Neguebe. Estabelecendo um modelo
para as gerações vindouras, instalou os homens do seu velho
regimento, juntamente com as suas famílias, entre as povoações
das montanhas de Hebrom. Eram três os seus objetivos: os seus
guerreiros, soberbamente treinados, formariam o núcleo de uma
vasta rede de resistência e liderariam as forças locais contra os
nômades inimigos sempre que eles penetrassem nas montanhas de
Hebrom; ao instalar os seus homens junto dos hebronitas, os mais
expostos aos nômades e os primeiros a sofrer os efeitos dos seus
vandalismos, Davi assegurava-se da sua máxima vigilância
fazendo-os defender os seus lares; finalmente, ao conceder-lhes
terras, desobrigava-se da tarefa de lhes pagar.

A CONQUISTA DE JERUSALÉM

Considerando as necessidades de um reino unificado que


englobaria toda a ponte terrestre palestina a oriente e ocidente do
Jordão, Davi dedicou-se à conquista de Jerusalém para fazer dela a
sua capital. A cidade de Jerusalém localizava-se idealmente no
centro do maciço montanhoso da Cisjordania. Dispunha de um fácil
acesso ao mar, tendo em Jafa o seu porto natural. Dominava o
cruzamento da estrada Jafa – Rabá-Amon, a principal artéria, no
centro do país, entre o Mediterrâneo e a Transjordânia, com a
estrada da bacia hidrográfica, a principal via norte-sul do maciço
cisjordano. A sua posição defensiva era boa, pois a cidade estava
situada sobre uma serrania rodeada de vales nos seus quatro lados.
O clima de Jerusalém era ameno, e as chuvas de inverno eram
habitualmente tão abundantes que enchiam as cisternas e os
reservatórios com água para um ano inteiro. De fato, em 1948,
quando o setor judaico de Jerusalém foi isolado pelos sitiantes de
todas as fontes exteriores de abastecimento de água, a água da
chuva acumulada nas cisternas da cidade supriu as necessidades
da população durante todo o estado de sítio. Existia uma grande
fonte perene ao pé da serrania, e os habitantes acendiam-lhe
através de um caminho coberto mesmo durante os cercos. Uma
importante consideração política era que Jerusalém não tinha
nenhuma afiliação tribal com os israelitas, pelo que nenhum amor
próprio seria ofendido com a sua escolha para a capital. Finalmente,
os senhores da cidade eram os jebuseus, uma pequena
comunidade étnica estranha aos seus nativos cananeus e que não
gozava de especial simpatia por parte da maioria dos povos
vizinhos.[Nota 99]

Não obstante, a conquista desta poderosa praça-forte exigiu um


grande esforço das tropas israelitas. Davi conseguiu implantar-se na
acrópole, situada na parte norte da alongada e estreita serrania, não
só porque essa zona era a mais elevada, mas também porque uma
pequena sela a ligava ao setor da cidade posteriormente conhecido
por Monte do Templo.[Nota 100]
14. primeira campanha do Vale de refaim (primeira fase,
esboço geral)

1. Os Filisteus concentram-se no vale de Elá.

2. Davi avança para Adulão.

3. Os Filisteus penetram nas montanhas da Judéia pelo vale de


Elá.

4. Sem ser detectado, Davi movimenta-se num rumo paralelo, ao


longo da cordilheira de Sansan-Guilo.
5. Davi surpreende os Filisteus em Baal-Perasim. 6. Fuga dos
filisteus.

Nota: A Bíblia não especifica se esta campanha teve início antes


ou depois da conquista de Jerusalém. Se foi antes, a “fortaleza” (2
Sm 5:17) teria sido em Adulão (ver 2 Sm 23:14).

A nossa interpretação dos acontecimentos segue o texto bíblico,


sem comentários adicionais: “Depois partiu o rei com os seus
homens para Jerusalém, contra os jebuseus... os quais disseram a
Davi: Não entrarás aqui; os cegos e os coxos te repelirão; querendo
dizer: Davi de maneira alguma entrará aqui. Todavia Davi tomou a
fortaleza de Sião...” (2 Samuel 5:6-7). A palavra “fortaleza” é a
tradução livre de metzudah (“reduto”, embora na passagem paralela
em 1 Crônicas 11:5 a palavra seja traduzida por castelo”).[Nota 101] A
verdade é que Davi conquistou a cidadela, talvez através de um
golpe de mão, mas não conseguiu consentir à cidade propriamente
dita. A convocação dos “cegos e coxos” para a defesa da cidade
tem sido interpretada não como um gesto ridículo, mas sim como
um feitiço, bem compreendido como tal e consequentemente temido
pelos israelitas, que se abstiveram de continuar com o seu avanço.
[Nota 102]

Para renovar o ímpeto do seu assalto, Davi procurou uma


abordagem diferente. O seu olhar penetrante avistou o tzinor, a
passagem subterrânea escavada na rocha que, passando por
debaixo da muralha, descia pela encosta oriental até à Fonte de
Guion: “Ora, Davi disse naquele dia: Todo o que ferir os jebuseus,
suba ao canal [ tzino r], e fira a esses coxos e cegos...” (2 Samuel
5:8); “Davi disse: Qualquer que primeiro ferir os jebuseus será chefe
e capitão. E Joabe, filho de Zeruia, subiu primeiro, pelo que foi feito
chefe” (1 Crônicas 11:6).

Tendo descoberto o tzinor, Davi decidiu utilizá-lo para lançar um


ataque de supresa enquanto as atenções estavam concentradas no
setor norte da cidade.

Para ultrapassar o temor do feitiço, ofereceu um importante


comando ao líder do ataque. O desafio foi aceito por Joabe: “Davi
disse: Qualquer que primeiro ferir os jebuseus será chefe e capitão.
E Joabe, filho de Zeruia, subiu primeiro, pelo que foi feito chefe” (1
Crônicas 11:6).[Nota 103] Como tantas vezes acontece durante os
cercos, as passagens secretas que dão acesso a locais defendidos
tendem a estar insuficientemente guardadas, constituindo o
proverbial calcanhar de Aquiles de praças inexpulgnáveis. É seguro
partir do princípio de que os jebuseus foram apanhados quase
totalmente de surpresa quando Joabe e os seus homens
desembocaram do tzinor, o que lhe permitiu conquistar uma posição
junto a este acesso enquanto buscavam reforços para conquistar a
cidade.

O tzinor é geralmente indentificado com o “Poço de Wareen”,


batizado em nome do seu primeiro explorador, o general Sir Charles
Warren.[Nota 104] Subsequentemente, Kathleen Kenyon, outro dos
brilhantes exploradores da antiga Jerusalém, desobstruiu ainda mais
o tzinor, e chamou repetidamente a atenção para as dificuldades
que Joabe deve ter encontrado ao negociar aquelas passagens. Os
feitos de Joabe não devem ser devidamente apreciados até termos
a consciência do fato de que ele e os seus seus homens tiveram
que subir poço vertical com 15m de altura entre o túnel proveniente
da cidade e o canal que conduzia às águas da nascente. A água era
retirada a balde, pelo poço, mas parece que um motivo adicional
para a sua construção teria sido impedir a penetração na cidade
através do seu meio de abastecimento de água – precisamente o
que foi conseguido de forma espetacular, apesar desta precaução.

Y. Shiloh, a última pessoa a escavar e investigar extensivamente


a Cidade de Davi, pôs recentemente em dúvida a datação pré-
israelita do Poço de Warren, que ele atribui a uma iniciativa
salomônica ou posterior. Se esta tese for definitivamente provada, o
tzinor foi uma das fissuras geológicas utilizadas na sua construção,
e serviu como o seu predecessor improvisado sem ter sido
suficientemente camuflado. Isto não altera essencialmente a história
relativa à penetração na cidade e aos enormes esforços físicos
envolvidos, e talvez coloque um maior enfoque nas medidas de
dispersão empreendidas por Davi a partir da cidadela conquistada.
[Nota 105]

as Batalhas do Vale de refaim A conquista de Jerusalém


desencadeou a primeira de várias intervenções filisteias, no fim das
quais o poderio filisteu estava quebrado e havia um oficial de justiça
judaico instalado em Gate. Parece ter decorrido apenas um
pequeno intervalo entre as duas primeiras intervenções filisteias (2
Samuel 5:17-25).
15 primeira campanha do Vale de Refaim (segunda fase,
detalhe)

1. Os filisteus avançam pelo vale.

2 Davi ataca a coluna filisteia de lado.

3. Fuga dos filisteus.

NB: Ver nota ao Mapa 14.


16. Segunda Campanha do Vale de Refain

1. Os filisteus avançam pelo vale de Elá.

2. Davi aproxima-se através da floresta de Bechaim para


arremessar o seu ataque surpresa.

3. Fuga dos filisteus.

NB: Ver nota ao mapa 14.

Ambas foram incursões pelo vale de Elá. O menosprezo do seu


inimigo na sequência da Batalha do Gilboa ou a presunção por
estarem a lidar com um antigo vassalo levou os filisteus a ignorar os
perigos inerentes a este desfiladeiro, com as suas abruptas
encostas e enchurradas, apesar de já terem sido derrotados na
zona por mais de uma vez devido ao hábil aproveitamento da
topografia do vale pelos israelitas.

Com o propósito de tomar as derrotas dos filisteus decisivas, Davi


deixou-os sempre internarem-se profundamente nas montanhas da
Judéia, até ao vale de Refaim (cuja parte superior se estende até a
atual estação ferroviária de Jerusalém). Davi emboscou-se em uma
posição a oeste dos filisteus e atacou-os pela retaguarda. A
extensão da derrota que sofreram na sua primeira tentativa torna-se
evidente pelo fato de que, na ansiedade de fugir, os filisteus
deixaram todas as suas imagens sagradas no acampamento
abandonado.

A sua segunda derrota foi igualmente provocada por um ataque


de surpresa à sua retaguarda, no vale de Refaim. Desta vez, os
israelitas aproximaram furtivamente através de uma floresta
localizada na retaguarda ou no flanco dos filisteus. Os especialistas
militares consideram que combater em bosques e florestas é estar
sujeito a uma espada de dois gumes. As florestas proporcionam
cobertura, mas prejudicam as comunicações e o comando e
controle. Restringem a utilização de armamento pesado, e a sua
influência claustrofóbica tem frequentemente causado um impacto
adverso sobre as tropas que nelas se encontram confinadas. Foi
esta sensação que levou os gregos a criar a palavra “pânico”,
derivada do espírito das florestas, Pã.
17. segunda campanha do Vale de refaim (segunda fase,
detalhe geral)

1. A força de dispersão israelita confronta os filisteus no vale.

2. A força de dispersão retira ao longo do vale, atraindo os


filisteus.

3. A força de dispersão prepara-se para resistir justo ao bosque.

4. O contingente principal de Davi entra no bosque de Bechaim.


5. Davi ataca pelo bosque e derrota os filisteus NB: Ver nota ao
Mapa 14

Embora estas características negativas do combate em florestas


fizessem os filisteus manter as suas forças longe do bosque de
Bechaim (desconhece-se a definição biológica exata das árvores em
questão),[Nota 106] provavelmente apoiaram na floresta a sua
retaguarda ou um dos flancos. Os israelitas, aproveitando a
cobertura dada aos seus guerreiros, ágeis e ligeiramente equipados,
beneficiaram das vantagens táticas que as florestas também
concedem. E Davi aproveitou habilmente as condições climáticas.
Ciente de que a brisa marinha chega diariamente à área de
Jerusalém por volta do meio-dia, agendou o seu ataque para esta
hora de modo que o balançar das árvores abafasse os passos
furtivos dos israelitas. A surpresa foi novamente total, e Davi não
negligenciara a elaboração da última fase do seu plano de batalha:
a exploração do sucesso. Desta vez, esforçara-se ao máximo para
barrar a retirada filisteia pelo vale de Elá, e conseguiu “esmagar” os
filisteus ao longo da sua extensa rota de fuga, “desde Geba até
Gezer”.[Nota 107]

Depois da segunda batalha do vale de Refaim, Davi assumiu a


iniciativa para subjugar os filisteus de uma vez por todas. Após a
Batalha de Methegammah, em alguma parte na planície filisteia,
Davi estabeleceu o seu domínio sobre a costa, da foz do rio Yarkon
à do vale do Sorec. Ainda que temporariamente, agregou Gate e as
suas dependências em seu reino, e a cidade de Jafa tornou-se sua
vassala. Davi contentou-se com este estado de coisas por razões
que discutiremos adiante. Todavia, os filisteus nunca desistiram, e
sempre que surgia a oportunidade, durante todo o período do
Primeiro Templo, eles renovavam os ataques. Nos últimos anos do
reinado de Davi registrou-se uma tentativa importante, mas
infrutífera.[Nota 108]

O passo seguinte de Davi foi a conquista da planície de Saron e


do vale de Jezreel, e a conquista e a submissão de todos os
territórios cananeus que ainda existiam. Estes fatos são
comprovados por provas arqueológicas provenientes de sítios
sistematicamente escavados nas planícies.[Nota 109]

Depois, Davi iniciou as suas campanhas transjordânicas


conquistando o reino de Moabe e reduzindo-o à vassalagem (2
Samuel 8:2; 1 Coríntios 18:2).

O alvo seguinte de Davi – ou antes dos seus generais, Joabe e o


seu irmão, Ab-sai, filho de Seruia – foi Edom. O principal combate
teve lugar no Vale do Sal (a planície de Quicar), a sul do Mar Morto.
Os edomitas sofreram uma derrota esmagadora, mas Joabe levou
ainda seis meses para conquistar o país. Removida a dinastia real,
Edom foi dividido em distritos, cada um administrado por um
comissário real.[Nota 110] O objetivo seguinte foi a conquista de
Amom. Davi esperara preservar as relações pessoais amigáveis que
haviam existido na época de Naás, mas o filho deste, o Rei Hanum,
compreensivelmente desconfiado, rejeitou a oferta de paz de Davi e
pediu auxílio aos arameus do sudeste da Síria, a norte de Gileade.
O CONFRONTO COM OS ARAMEUS
Chegara a primeira prova de força crucial para o reino israelita.
Os seus vizinhos orientais, Edom, Moabe e Amom, haviam-se eles
próprios estabelecidos como reinos centralizados não muitas
gerações antes. Os edomitas, em particular, ainda eram
parcialmente nômades, e as suas defesas tinham sido construídas
para responder à mesma ameaça com que os israelitas se
confrontavam, os vandalismos das tribos da beira do deserto. Os
israelitas ainda estavam a ganhando experiência na guerra de
cerco, mas quando todos os outros tipos de armamento eram iguais,
o seu superior instinto militar revelava-se decisivo.

Mas isto não se verificou em nenhum contato com os arameus,


uma nação grande, rica e coesa cujos conhecimentos tecnológicos
e estratégicos eram comparáveis aos dos filisteus. Com uma
população muito maior do que estes últimos, os arameus ocupavam
a área hoje designada por Montes Golan, uma posição que
dominava os acessos ao reino israelita tal como este dominava os
acessos à filisteia. Mesmo que consideremos muito exagerados os
números citados nas fontes bíblicas, o poderio aramaico em carros,
para não falar em infantaria, não deixava de ser formidável.[Nota 111]

Segundo a cronologia bíblica, o primeiro combate entre israelitas


e arameus aconteceu depois da conquista de Moabe por Davi,
“quando este rei tinha ido confirmar o seu domínio ao longo do rio
Eufrates” (1 Cronicas 18:3). A única interpretação plausível desta
afirmação é que com a diminuição da pressão por parte dos
moabitas, que fora particularmente forte sobre os distritos israelitas
da Transjordânia, Davi pôde utilizar as suas bases no nordeste de
Gileade para desenvolver o comércio com a região do Eufrates.
Muito possivelmente, Davi antecipou a feitoria de Salomão em
Tadmor (Palmira).

Independentemente do resultado destes primeiros reecontros, as


conquistas e iniciativas comerciais de Davi preocuparam os
arameus, e estes aproveitaram prontamemente a oportunidade para
auxiliarem amonitas, na esperança de conterem a crescente onda
israelita. Na verdade, temos aqui um exemplo da regra da geografia
estratégica que define o “vizinho do nosso vizinho” como nosso
frequente aliado natural.[Nota 112] Felizmente para os israelitas, os
arameus haviam-se fragmentado em muitos reinos pequenos e
frequentemente antagônicos. Mas mesmo assim, quando os reis de
Zobá, Reobe, Maaca e Tobe, a pedido dos amonitas, enviaram os
seus exércitos para enfrentar Davi, as forças aliadas combinadas
numerariam cerca de 25.000 homens ou mais (em 2 Samuel 10:6,
pode-se ler 1.200 homens para o contingente de Tobe).[Nota 113]

Os aliados conseguiram atrair as forças israelitas de Joabe a uma


armadilha, quando os amonitas as fixaram durante o cerco da
poderosa fortaleza de Medeba. Mas o seu plano de usarem Medeba
como uma bigorna para esmagar o exército israelita, como um
ataque geral aramaico à sua retaguarda, não teve êxito. Felizmente,
Joabe tomara a precaução de proteger a sua retaguarda com uma
força de cobertura, disposta em considerável profundidade. Alertado
por essas circunstâncias, Joabe manteve o sangue frio e tomou
rapidamente as seguintes decisões: 1) dividir as suas forças em
duas e postá-las costas com costas; 2) utilizar o contingente mais
pequeno, comandado pelo seu irmão Abisai, para conter os
amonitas; 3) atacar o avanço aramaico com a nata do exército.
As ordens de Joabe ao irmão foram breves: “E disse-lhe: Se os
sírios forem mais fortes do que eu, tu me virás em socorro; e se os
amonitas forem mais fortes do que tu, eu irei em teu socorro” (2
Samuel 10:11).

A estratégia revelou-se um êxito, e o inimigo foi derrotado em


ambas as frentes. Embora a vitória não tenha sido decisiva,
qualquer soldado com experiência de combate concordará que
repelir o inimigo quando se é atacado frontalmente e pela
retaguarda não é um feito qualquer. Recordamo-nos de um célebre
regimento britânico, o 28º (os gloucesters), a quem foi concedido o
privilégio de utilizar duas bandeiras nas barretinas em honra de uma
proeza semelhante em 1801, durante a sua campanha no Egito. E
este privilégio foi confirmado quando os Gloucesters repetiram o
feito, durante a Segunda Guerra Mundial.[Nota 114]

Embora os arameus tivessem sofrido apenas um pequeno revés,


sentiram que tinham a reputação em jogo e que se não
conseguissem eliminar esta mancha no seu renome militar através
de uma vitória rápida e decisiva, o seu estatuto principal de potência
do sul da Síria poderia terminar. Consequentemente, Hadade-Ézer,
rei de Soba, o mais importante líder aramaico, recrutou reforços
aramaicos, alguns até da Mesopotâmia. As suas forças incluíam mil
carros e talvez cavalaria.

A SUJEIÇÃO DOS ARAMEUS

Davi foi com o seu exército enfrentar o inimigo na brecha de


Edrei, cerca de 18 km de terreno acessível entre o profundo
desfiladeiro do rio Jarmuc e a barreira natural de Tracona (Ledja, em
árabe moderno), uma vasta área de blocos de lavas petrificadas. Foi
aqui que os bizantinos resistiram aos exércitos árabes, entre 334 e
336, e foi por esta área que os britânicos avançaram contra as
forças francesas de Vichy, em 1941.[Nota 115] Os dois exércitos
enfrentaram-se em Helan (atual Aalma, no Sul da Síria). A vitória
israelita foi total. Todos os reinos aramaicos de Zobá para sul
aceitaram o domínio israelita, e até o rei de Hamate se apressou a
conciliar Davi pagando um considerável tributo (2 Samuel 10:15-19;
1 Crônicas 19:16-19). Após estes eventos, Davi pôde prosseguir à
vontade para sua conquista de Amom, que completou apoderando-
se de Rabá-Amom depois de Joabe ter conseguido cortar o
abastecimento de água da cidade.

Se tentarmos reconstruir o conceito estratégico subjacente às


conquistas de Davi, poderemos concluir que ele foi o primeiro
governante da ponte terrestre palestina a compreender o fato de
que um domínio seguro e absoluto da área – e consequentemente,
a possibilidade de habitar em relativa segurança – exigia o controle
das três rotas principais que ligavam o Egito à Ásia Menor e à
Mesopotâmia: A Via Maris, a estrada da bacia hidrográfica e a
Estrada Real.

É obvio que algumas rotas secundárias, tal como a estrada do


Vale do Jordão, também foram controladas por Davi, bem como
partes importantes da estrada à beira do deserto que ladeia a parte
do planalto tranjordano habitada por uma população sedentária.
Deste modo, o império de Davi estendia-se entre o Mediterrâneo, a
oeste, e o deserto, a leste, e ele podia movimentar as suas forças
em linhas interiores pelas rotas paralelas atrás referidas para
enfrentar qualquer ameaça externa vinda do norte ou do sul.[Nota 116]
Quanto ao seu lado mediterrânico, a política de defesa de Davi
pode ser compreendida interpretando corretamente a sua abstenção
de subjugar os tírios e os fenícios. Embora Davi se tivesse
apoderado da costa e da fortaleza frente à península de Tiro, bem
como todo o interior fenício até Sidom, a norte, ele nunca tentou
nenhuma ação militar contra estas cidades e suas dependências. E
exerceu a mesma contenção estratégica no trato com os filisteus,
apesar de eles não serem confiáveis. A explicação reside no fato de
que, na época, os israelitas eram principalmente uma nação de
“marinheiros de água doce” e precisavam totalmente de uma
tradição naval ou de conhecimentos suficientes da arte de navegar.
Estavam impossibilitados de enquadrar a sua longa costa, quer de
um ponto defensivo, quer para explorarem a sua localização para
efeitos de comércio. Por estas razões, Davi assumiu um risco quase
que calculado ao não incomodar os povos de navegadores das
costas mediterrânicas, com o objetivo de aproveitar ao máximo o
tráfego comercial que passava pelos seus domínios, não só de norte
para sul e vice-versa mas também entre leste e oeste, aumentando
as receitas necessárias à manutenção da sua administração e
exército.[Nota 117]

No lado oriental do seu reino, Davi deve ter reocupado ou até


reforçado as fortificações da beira do deserto, de modo a impedir os
nômades de se infiltrarem descontroladamente nas zonas férteis
(ver p. 111). Durante as últimas décadas, tem sido descoberto um
número cada vez maior de fortes e fortins na beira do deserto, em
Amom, Moabe e Edom. Ainda não se sabe ao certo quando foram
construídos estes baluartes. Alguns serão necessariamente pré-
davídicos, outros posteriores. Independentemente de quem as
erigiu, estas defesas tiveram que dispor de guarnições sempre que
Israel ou Judá sujeitaram estas regiões ao seu domínio. As terras
férteis não eram seguras enquanto os seus acessos a partir do
deserto não estivessem suficientemente controlados.

Quando não acontecia assim, verificavam incursões desastrosas,


tais como nas épocas de Gideão (ver pp. 80-89) e do Rei Saul (1
Samuel 30). [Nota 118]

A ORGANIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS

O exército israelita passou por grandes mudanças e


desenvolvimentos durante o reinado de Davi. Aliás, um dos grandes
feitos do monarca, no início do seu reinado, foi a criação de uma
sofisticada máquina militar, compatível com os recursos nacionais,
que lhe permitiu executar com absoluto sucesso todas as suas
atividades marciais subsequentes. Considerado conjuntamente com
as reformas militares de Salomão, o novo modelo serviu de base
para a organização militar das forças armadas no período da
Monarquia Dividida, e os eventuais desvios a este padrão que são
posteriormente discerníveis devem frequentemente atribuir-se mais
uma falta de recursos adequados do que a alterações de base na
doutrina. A regra fundamental do período tribal, que estipulava o
serviço militar obrigatório para todos os homens aptos, foi adotada
pela carta régia que a Bíblia atribui a Samuel, ou que foi aceita com
a sua aprovação à subida ao trono de Saul: “... [o rei] tomará os
vossos filhos para conduzir os seus carros, para a sua cavalaria e
para correr diante do seu carro [como infantes]...

Tomará... os melhores entre os vossos mancebos... para os


colocar ao seu serviço” (1 Samuel 8:11-16).
O termo técnico para o exército nacional, o povo em armas, era
resumidamente “o povo”. Taticamente, os homens estavam
organizados em divisões de mil, subdivididas em unidades de cem e
subunidades de cinquenta e dez – estas últimas muito semelhantes
à nossa “seção”, constituindo uma divisão tática menor ao dispor de
um comandante permanente, o “capitão de dez” (o moderno cabo).
Não sabemos se os “milhares”, as “centenas”, etc., possuíam o
complemento exato de soldados indicado pelo nome, ou se na
época de Davi tinham-se tornado uma simples designação para uma
subunidade tática menos numerosa, à semelhança da centena
romana, que na prática numerava entre sessenta e oitenta homens.

Tal como a maioria das forças de Davi, este exército de conscritos


era constituído exclusivamente por infantaria. Mas dentro desta
designação geral existia uma grande variedade de armamento, que
permitia a formação de forças-terefa de armas combinadas para
responder às necessidades táticas de missões específicas. Na
Antiguidade, a diversidade do armamento e da sua utilização, tão
necessária a qualquer esforço bélico equilibrado, era conseguida
promovendo-se as especificidades regionais e tribais no âmbito
militar. Os murais egípcios, a ordem de batalha persa frente a
Alexandre Magno, fornecida por Arriano, e a organização do
exército romano em legiões e auxiliares tribais constituem provas
desta prática.[Nota 119]

A Bíblia preservou alguns pormenores relativos às competências


militares específicas de cada tribo que permitiram a Davi construir o
seu diversificado exército. Os benjaminitas “eram arqueiros”. A sua
mais-valia era serem ambidestros: “...exercitados em lançar pedras,
tanto com a mão esquerda como com a mão direita, e disparavam
flechas com o arco” (1 Crônicas 12:2). “Os...gaditas... conheciam o
manejo do escudo e da lança: tinham... a agilidade das gazelas das
montanhas” (1 Crônicas 12:9). “Filhos de Judá, portadores de
escudo e lança...” (1 Crônicas 12:25). “De Naftali... que levavam
escudo e lança” (1 Crônicas 12:35). Os zabulanitas estavam
“preparados para o combate, equipados com toda a classe de
armas” (1 Crônicas 12:34). Similarmente destras e equipadas eram
as tribos a leste do Jordão. A tribo de Israel parece ter-se
especializado em missões de inteligência, já que a sua inclinação
militar é explicada do seguinte modo: “...tinham o sentido da
oportunidade e sabiam o que Israel devia fazer” (1 Crônicas 12:33).

Em suma, Davi podia contar com os contingentes tribais para lhe


fornecerem arqueiros e aqueles que trabalham com fundas,
lanceiros ligeiros e pesados – os primeiros, bons para o combate
induvidual em terreno acidentado, e os segundos (os filhos de Judá)
formando a densa falange de infantaria pesada.

Estes eram apoiados por homens que podiam lançar os seus


dados antes de carregarem sobre o inimigo de espada em punho.
Outras tribos eram menos especializadas relativamente ao
armamento mas estavam treinadas para combater em formação, e
os issacários eram particularmente bons como batedores e em
missões de reconhecimento.

O grande perigo de basear os diferentes tipos de armamento em


monopólios tribais era alimentar os particularismos das tribos –
recentemente ultrapassados -, contrariando os esforços unificadores
do rei. Para superar a esta tendência, Davi criou uma dupla
estrutura administrativa para o povo em armas.

Os chefes tribais continuaram a treinar os jovens no uso das


armas específicas do seu clã, e na manutenção das suas armas
pessoais. Outro dos seus deveres era o fornecimento da cota de
combatentes exigida à sua tribo.

Juntamente com esta força, foram criadas doze divisões mensais,


não tribais e não territoriais: Ora, os filhos de Israel segundo o seu
número, os chefes das casas paternas, e os chefes dos milhares e
das centenas, com os seus oficiais, que serviam ao rei em todos os
negócios das turmas que entravam e saíam de mês em mês, em
todos os meses do ano, eram em cada turma vinte e quatro mil. (1
Crônicas 27:1).

Esta organização, que obtinha os seus soldados a partir do


recrutamento tribal e os enquadrava nas formações táticas e
unidades de milhares, centenas, etc., providenciava ao rei um
exército grande e permanentemente disponível, constituído por
reservistas que prestavam um mês de serviço por ano. Dado que os
seus quadros eram permanentes e que os seus oficiais eram
provavelmente profissionais, as outras onze divisões podiam ser
chamadas e mobilizadas num curto espaço de tempo.[Nota 120] Uma
mobilização rápida constituiu sempre um requisito para a salva
guarda da soberania e da independência nacional na ponte terrestre
palestina, pois as condições geopolíticas limitavam as reservas de
homens e a importância estratégica da região originava uma
pressão concêntrica quase permanente sobre o Estado da ponte,
causada pelos Estados vizinhos e pelas grandes potências de
então. Através da sua organização militar, Davi encontrou o meio de
dispor imediatamente de uma força sob o seu comando direto e de
mobilizar rapidamente todo o povo, mantendo vivas as tradições
tribais positivas.
O comandante supremo de recrutamento nacional era Amassá,
filho de Jéter. As suas disputas com Joabe, os chefes dos regulares
e a indubitavelmente mal defendida esfera de autoridade de cada
um, constituem um ilustrativo protótipo dos problemas que têm
prejudicado a cooperação e o relacionamento entre regulares e
reservistas até os dias de hoje.

O defeito da mobilização da leva nacional era evidentemente o


seu impacto negativo sobre a economia. O lavrador que servia nas
fileiras do exército era necessário para produzir o excedente que
suportava o esforço de guerra.

Quanto mais tempo fosse mantido em armas, maior seria a


probabilidade da sua ruína econômica pessoal e da consequente
influência negativa sobre a saúde econômica da nação. Todas as
formas de sociedade e de governo se têm debatido com este
problema. No século XVIII d.C., os soberanos tinham por hábito
raptar cidadãos dos países vizinhos, para evitar terem de recrutar os
seus próprios súditos para o serviço militar. Ainda hoje é impossível
afirmar que o problema está satisfatoriamente resolvido.

No tempo de Davi, um modo de aliviar a pressão econômica era


planejar as campanhas para as épocas agrícolas mais fáceis, como
o princípio do verão. A Bíblia refere-se naturalmente a este período
como a “época em que os reis vão combater”. Mas o inimigo nem
sempre se prestava a combater ou a render-se dentro dos limites
desta época, e o serviço dos reservistas também não era suficiente
para levar as tropas ao máximo da eficiência. Assim, Davi seguiu a
prática comum e criou um exército regular permanente, composto
por soldados de carreira capazes de servir durante longos períodos
e que podiam ser treinados intensivamente em tempo de paz.
O exército regular de Davi consistia de dois corpos, os gibborim
(os “homens poderosos da Bíblia do King James)[Nota 121] e os
mercenários estrangeiros. Os gibborim compreendiam dois
regimentos, constituídos em torno das primeira e segunda
“Trintenas”. A primeira “Trintena” era o grupo de seguidores que se
havia formado em torno de Davi durante o seu exílio, cada um dos
quais dera provas da sua têmpera através de prodígios de valor que
eram tema de histórias e baladas cantadas por todo o Israel. A
segunda “Trintena” era uma unidade similar que se formara quando
Davi obtivera a coroa de Judá. Os seus membros haviam sido
recrutados entre os transjordanos, provavelmente antes da eleição
de Davi pelo resto do povo.[Nota 122]

Estes dois grupos estavam ligados ao rei devido a feitos comuns,


e partilhavam praticamente a mesma experiência da guerra não
convencional como meio de neutralizar o armamento e as
capacidades técnicas superiores dos exércitos adversários. Ao
transformar as “Trintenas” no núcleo do seu exército permanente e
na vanguarda das suas campanhas, Davi imbuiu as suas forças
regulares com muito do Espírito e das tradições dos tempos da
guerra pré-regular. Refira-se, aliás, que é consensualmente aceito
que o paralelo moderno da construção das Forças de Defesa
Israelitas majoritariamente em torno da organização clandestina
anterior à independência, o Haganah, e em particular das suas
tropas de choque, o Palmach, explica a abordagem original que
tipifica o soldado israelita de hoje. As “Trintenas” também forneciam
a guarda pessoal do rei, e muitos dos altos dignitários e das altas
patentes eram selecionadas das suas fileiras. Podemos, assim,
compará-las aos hetairoi [Nota 123] de Alexandre Magno ou aos scara
[Nota 124] de Carlos Magno, que desempenhavam funções

semelhantes.
O segundo corpo do exército real de Davi era constituído de
mercenários.

Embora a tropa geral fosse comandada por Joabe, os


mercenários estrangeiros estavam sob o comando de Banaías, filho
de Joiadá. O oficial estrangeiro de patente mais elevada era Itai, o
gatita, oriundo da cidade filisteia de Gate. As outras tropas, os
“cereteus e peleteus”, também eram parcialmente filisteias, tal como
o seu nome indica (no entanto, “cereteus” poderia indicar outra
origem, por exemplo, Creta, pátria de muitos Povos do Mar).[Nota 125]
Estes mercenários eram indubitavelmente bons combatentes. O seu
armamento era mais pesado do que a maioria do equipamento
israelita, e alguns deles foram eventualmente convertidos em
cavaleiros. A sua lealdade ao rei ficou provada acima de quaisquer
dúvidas quando, ao serem por eles libertados do seu juramento de
fidelidade no nadir do reinado de Davi (no início da revolta de
Absalão), recusaram a abandonar o seu chefe real e foram
determinantes na sua restauração [Nota 126] Existem alusões
sugerindo que o núcleo destes estrangeiros já integrava, ao lado
dos gibborim, as tropas de Davi quando este serviu como
mercenário ao serviço de Aquis, Rei de Gate. Talvez constituíssem
uma unidade de arqueiros especiais (pesados?).[Nota 127]

Importa referir uma outra inovação de Davi. As povoações


levíticas enumeradas em Josué 21 e 1 Crônicas 6 localizavam-se
em distritos com problemas de segurança permanentes: eram
distritos fronteiriços, territórios recentemente adquiridos de grande
importância estratégica, tais como a serrania do Carmelo (a principal
barreira da Via Maris), ou áreas que possuiam um forte componente
de residentes estrangeiros (como o Sudeste da Galiléia ou o
território de Dã, frente aos filisteus). Os levitas, com o seu grande
zelo e conhecimentos religiosos, combinavam a força moral e
religiosa com a coragem militar, providenciando uma guarda
permanente contra infiltrações físicas e espirituais de origem
externa.[Nota 128] Em períodos difíceis, constituíam uma milícia
particularmente confiável em distritos militarmente instáveis.[Nota 129]

Não sobreviveu quase nenhuma informação direta sobre a divisão


tática dos exércitos davídicos e de épocas posteriores. Na prática, o
desejo de reunir o máximo número de forças possível está sempre
sujeito aos limites da capacidade de os abastecer e deslocar. Não
parece possível que os reinos israelitas pudessem alguma vez
manter em campanha, por pouco tempo que fosse, mais de
cinquenta mil combatentes (20% da população masculina), sem
contar com os idosos da “milícia”, que substituíam as guarnições de
regulares das praças-fortes em todo o país. Segundo 2 Samuel
10:6-7, Davi opôs-se aos amonitas e arameus com o exército
regular. Os seus efetivos, se eram equivalentes aos dos
adversários, não seriam inferiores a 25.000 homens, incluindo os
mercenários.

Para explorar a vitória de Joabe com estas forças, Davi convocou


também a leva nacional, “o povo” (2 Samuel 10:17).

Em todos os exércitos, a divisão das forças em formações de


combate regia-se por dois fatores: a ênfase colocada no efeito de
choque das massas de soldados, e o desejo de um máximo de
flexibilidade e manobrabilidade. O tipo de compromisso entre estas
duas tendências era uma das principais características de
diferenciação entre os vários exércitos. As especialidades tribais
atrás referidas permitiram a Davi optar pelo compromisso melhor
adequado ao seu tempo. Enquanto os arqueiros, fundibulários e
lançadores de dardos forneciam os efetivos das suas tropas ligeiras,
a massa de piqueiros couraçados constituía a força de choque.

É assim que podemos explicar a capacidade de Davi de resistir às


falanges cananeia e aramaica – derivadas dos protótipos
mesopotâmico e egípcio, muito mais antigos -, e ao choque das
suas massas de carros.[Nota 130] Para resistir vitoriosamente aos
carros, a história registra duas estratégicas básicas.
Uma batalha típica do período bíblico junto da fortaleza síria de
Kadesh, no Orontes. À frente dos seus arqueiros, montados em
carros, Ramsés II, no centro do combate repele a tentativa hitita
de fechar a armadilha em que caíra, infligindo pesadas baixas
aos atacantes. Os hititas e os cananeus, seus aliados,
diferenciam-se pelos escudos em forma de violino e vestes
compridas. Preenchem a maior parte da imagem, cercando
Ramsés e seus homens em sólidas formações. No canto direito
surge a vanguarda dos esforços egípcios.

A primeira era abrandar o ímpeto da carga flagelando-os com


tropas ligeiras, travá-la completamente com densas formações de
infantaria pesada e recorrer de novo à infantaria ligeira para desferir
o golpe de misericórdia. A outra estratégia utilizada era abrir as
fileiras da infantaria pesada para deixar passar a carga inimiga ou
canalizá-la para estas passagens. Depois, ao darem meia volta e
tentarem reagrupar-se para um novo ataque, os carros eram
atacados pelos defensores. Esta estratégia foi utilizada pelos
romanos contra Aníbal, em Zama (202 a.C.), e por Gustavo Adolfo
contra o marechal Habsburgo Tilly, em Breitenfeld, em 1631.

A formação de combate utilizada pelos exércitos israelitas parece


ter sido subdividida em três ou quatro unidades, algo que podemos
deduzir dos números de soldados citados em várias passagens
bíblicas.[Nota 131] Ambos os sistemas sobreviveram até hoje. A
divisão em três foi considerada necessária até por exércitos
relativamente pouco sofisticados, como os gregos pré-guerra de
Tróia e os suíços medievais, para garantir um ataque organizado e
mutuamente apoiado, explorar o sucesso ou evitar a derrota através
da possibilidade de deslocar tropas para pontos ameaçados, e até
para manter uma reserva a utilizar nestas situações.

Sabemos de uma campanha israelita na qual, em diferentes


condições, foi adotada primeiro uma divisão em quatro, e depois em
três. Quando Abimeleque sitiou Siquém, “Levantou-se, pois, de noite
Abimeleque, e todo o povo que com ele havia, e puseram
emboscadas a Siquém, em quatro bandos” ( Juízes 9:34). Mas
depois, “ele tomou os seus homens e dividiu-os em três grupos” (
Juízes 9:43). Gideão dividiu as suas forças em três, e o mesmo fez
Davi para enfrentar o seu filho rebelde, Absalão (2 Samuel 18:1).
Gerações posteriores descrevem as doze tribos acampando e
marchando em quatro grandes unidades, subdivididas em três
(Números 2:10;14). Provavelmente, diferentes escalões tinham
diferentes composições, e criavam-se diferentes formações de
combate conforme as contingências táticas ditavam, embora o
habitual fosse a divisão em três ou quatro.

Foi sugerido que a frequência do número 600 na Bíblia talvez


indicasse o número de efetivos da força de combate israelita
padrão.[Nota 132] É possível. É um número divisível em três
subunidades de 200 homens e quatro de 150. Estes “batalhões”
seriam divididos nas tradicionais “centenas”, “cinquentenas” e
“dezenas”, similares às modernas companhias, pelotões e seções.

Os milhares poderiam ter existido como unidades maiores,


particularmente para a leva geral do povo em armas, ou poderiam
ter servido, à semelhança dos antigos regimentos britânicos, como
“formações-mãe” das quais eram destacados batalhões para as
brigadas de combate.

AS ATIVIDADES DE FORTIFICAÇÃO DE SALOMÃO

Depois de Davi ter estabelecido o império israelita na principal via


do antigo Mediterrâneo Oriental, enquanto as grandes potências da
época se encontravam temporariamente exaustas, cabia a Salomão
a tarefa de proteger estas posses de quaisquer tentativas previsíveis
do Egito ou das potências do norte para recuperarem a sua
influência dominante na ponte terrestre palestina.

Existiam dois incentivos básicos para que um reino fosse


permanentemente fortificado: o desejo de preservar o status quo
depois de se conseguirem os almejados ganhos territoriais e
segurança econômica, e a necessidade de reforçar as defesas para
responder à ameaça de uma grande agressão exterior anunciada
(geralmente em períodos de relativa fraqueza). As atividades de
fortificação do rei Salomão podem inscrever-se na primeira
categoria (ao contrário das do rei Jeroboão de Judá, por exemplo,
que discutiremos no capítulo 9).[Nota 133]

No entanto, se aceitarmos o vigésimo quarto ano do reinado de


Salomão (explicitamente citado em 1 Reis 9:10 como data a partir
da qual ele deu início aos seus esforços concentrados de
fortificação), chegamos a um período em que são já evidentes os
primeiros sinais de um ressurgimento das ameaças externas. No
Egito, Chicac I[Nota 134] substituíra o Faraó Psussemes II,[Nota 135] o
qual não só aquecera na existência do império israelita, como
também transferira o seu último baluarte na Palestina, a fortaleza de
Gézer, para a posse dos israelitas quando uma das suas filhas
desposaram Salomão. A mudança de atitude do novo Faraó tornou-
se aparente através do seu acolhimento e encorajamento a exilados
políticos, entre os quais Hadade, descendente da casa real
destronada de Edom, e Roboão, que tentaram persuadir as tribos do
Norte e revoltaram-se contra Salomão quando este iniciara a
construção do Templo, o santuário nacional central, no território da
Judéia.

Em um caso que envolveu a fronteira com os tírios, Salomão foi


obrigado a devolver o distrito de Cabul a Hiram, Rei de Tiro. Foi uma
perspicaz manobra política destinada a preservar um
relacionamento mutuamente benéfico,[Nota 136] mas também
demonstra que a potência terrestre israelita já optara por
alternativas políticas à guerra, nomeadamente a celebração de
pactos.[Nota 137] Pior ainda, Damasco, que fora governada por um
funcionário do executivo israelita desde a sua conquista por Davi,
revoltou-se e Salomão não conseguiu derrubar o seu novo
governante, Recin. Somente uma expedição punitiva contra Aram,
Hamate e Soba (o que prova que as outras dependências
aramaicas tinham seguido o exemplo de Damasco) evitou a perda
de todos os domínios do Norte.

Neste contexto, citamos 1 Reis 9:15-19: A razão da leva de gente


para trabalho forçado que o rei Salomão fez é esta: edificar a casa
do Senhor... Hazor, e Megido, e Gezer... Gezer, Bete-Horom a baixa,
Baalate, Tamar no deserto daquela terra, como também todas as
cidades-armazéns que Salomão tinha, as cidades dos carros as
cidades dos cavaleiros...

Antes de localizarmos esta cidade no mapa, temos que


reconhecer que as poucas referidas pelo nome não formavam
claramente uma linha defensiva contínua, e muito menos uma zona
fronteiriça defendida em profundidade.

Ao situá-las no mapa, descobrimos que são elos de uma rede de


posições fortificadas bem definidas e meticulosamente
selecionadas, que serviam simultaneamente de pivôs para a
ofensiva e a defensiva. Tudo isto faz sentido se nos recordarmos
que a grande reforma do exército davídico, implementada pelo rei
Salomão, foi a adição, como principal arma ofensiva, do corpo de
carros: “Também ajuntou Salomão carros e cavaleiros[Nota 138], de
sorte que tinha mil e quatrocentos carros e doze mil cavaleiros, e os
distribuiu pelas cidades dos carros, e junto ao rei em Jerusalém” (1
Reis 10:26).[Nota 139]

OS CARROS DE SALOMÃO
A origem do carro de guerra, o antepassado das nossas
modernas forças motorizadas em geral e dos tanques em particular,
pode ser traçada até a Suméria do terceiro milênio a.C.[Nota 140] Os
antigos sumérios desenvolveram um veículo de combate pesado,
com quatro rodas e um ligeiro, com duas. Tal como ainda acontece,
o desenvolvimento de um veículo de combate – neste caso, um
carro puxado por cavalos – foi influenciado por quatro fatores:
proteção, poder de fogo, velocidade (incluindo a manobrabilidade) e
capacidade para todo o terreno. Já mencionamos os carros
cananeus. Os cananeus tinham descoberto o carro de guerra
durante o período dos hicsos (séculos XVIII a.C.), quando uma
grande parte da Palestina passou a integrar o império construído
pelos hicsos, que utilizavam o carro de guerra em larga escala. Os
egípcios terão começado a utilizar o carro sob influência dos hicsos,
e melhoraram-no durante as suas guerras em Canaã (séculos XVI-
XIV a.C.) e contra o rival hitita da Ásia Menor e outros vizinhos do
Norte.

Sintetizando as provas pictográficas dos murais e das artes


plásticas de todos os países em questão, bem como o conteúdo dos
registros escritos existentes, podemos distinguir, no desenho do
carro, uma tendência comum das pessoas do norte (anatólio-
mesopotâmica) e uma tendência sulista (egípcia).

Os nortistas desenvolviam veículos mais pesados, possivelmente


com maior poder de fogo e efeito de choque. A tradição sulista era a
construção de tipos mais ligeiros, maximizando consequentemente
a mobilidade e a manobrabilidade. Estas duas tradições
encontraram-se na ponte terrestre palestina, pelo que não podemos
atribuir ao corpo de carros salomônico nenhum tipo de veículo
específico.[Nota 141]
Carro de guerra de Senaqueribe (palácio de Nínive).

O número de 12.000 condutores encerra a possibilidade não só


de cada carro dispor da sua equipe de dois homens que se rendiam
mutuamente, mas também de alguns carros possuírem uma equipe
de três homens: o condutor (no sentido mais restrito do termo), um
arqueiro e um homem armado com lança ou pique e escudo. Os
carros mais ligeiros possuíam uma equipagem de dois homens (um
condutor e um combatente, arqueiro ou lanceiro), e alguns carros -
ou todos – apresentavam um pique como armamento adicional (em
linha com a tradição do norte). As fontes bíblicas chamam os
veículos cananeus “carros de “ferro”. Num relevo de Carquémis, na
Síria, foram identificados carros de guerra revestidos de ferro, mas
este fato não prova que Salomão tenha adotado blindagens para
alguns dos seus carros.[Nota 142]

O número de 14.000 carros também denota uma força


considerável para a época, particularmente quando comparado com
os 2.500 carros hititas no seu auge, os 924 carros que compuseram
os contingentes de toda a Síria e Canaã, capturados na sua
totalidade por Amenhotep II em 1431 a.C. [Nota 143] Considerando os
carros de Salomão em conjunto com a localização geral das suas
bases principais, torna-se evidente que ele compreendeu o princípio
de que a melhor estratégia defensiva não era “amarrar” a maioria
das suas forças a uma linha de fortificações e obstáculos rígida ou
até contínua, mas sim criar uma arma ofensiva e poderosa, flexível
e extremamente manobrável que pudesse atacar qualquer invasor a
partir de uma ou mais das suas bases, estrategicamente situadas e
organizadas para suportar o necessário esforço administrativo e
logístico. A principal arma estratégica das forças defensivas de
Salomão eram os seus carros. As provas externas e as alusões
bíblicas nos dizem que elas eram treinadas para cooperar com a
infantaria em operações combinadas, e que existiam infantes
especialmente selecionados, os “corredores” bíblicos, um corpo
permanente que era utilizado para apoiar os carros e explorar o seu
sucesso sempre que era necessária uma ação de infantaria – pelo
que estas tropas eram muito semelhantes à moderna infantaria
motorizada e mecanizada.

A perspicácia e visão de Salomão poderão ser devidamente


apreciadas se nos recordarmos de que há apenas algumas décadas
a doutrina militar francesa defendeu – contra alguns “visionários”
como Charles de Gaulle – o emprego puramente passivo de parte
das suas forças na Linha Maginot, uma espécie de Muralha da
China. No que diz respeito aos antigos israelitas, o grande avanço
foi a capacidade de Salomão de criar, no espaço de uma geração,
as sofisticadas infra e subestruturas necessárias para apoiar
serviços e manter carros de guerra em força. É possível que as
bases para a utilização dos carros tenham sido lançadas por Davi. A
passagem bíblica que o dá a entender - “E tomou-lhe Davi mil e
setecentos cavaleiros e vinte mil homens de infantaria; e Davi
jarretou a todos os cavalos dos carros, reservando apenas cavalos
para cem carros” (2 Samuel 8:4)[Nota 144] – deixa claro que se tratou
de um começo modesto. A partir destes veículos, Salomão construiu
uma grande força regular que exigia uma longa e complexa
instrução, e as oficinas, depósitos e instalações de treinamento,
quartéis, barracões, serviços veterinários e outros sem os quais não
poderia operar. Todas estas infraestruturas são designadas na Bíblia
por “cidades dos depósitos e dos carros”.

A REDE DE FORTIFICAÇÕES

O caráter ofensivo defensivo das principais fortificações


salomônicas, quer ao nível estratégico quer ao nível tático, é
comprovado por uma análise da sua localização.[Nota 145] Haçor
guardava a principal estrada de Israel para a Síria, a Via Maris, junto
ao ponto onde se dividia em duas estradas, uma ao longo do vale
do Jordão, passando por Ion e seguindo para Hamate ou Damasco,
a outra subindo o planalto sírio (os Montes Golan) e continuando
para Damasco.

Megido dominava o principal eixo este-oeste palestino, o setor da


Via Maris que partia da costa e passava pelo vale de Jezreel,
dirigindo-se para Haçor ou para Bete-Chan e Gileade, onde se unia
à estrada que a ligava à “Estrada Real”, proveniente da “baía de
Elat”. A localização do Megido também permitia bloquear
efetivamente o passo de Iron, o principal desfiladeiro da serrania do
Carmelo. Tamar, identificada como Hazeva (Ain Husub em árabe),
dominava os acessos sul ao reino, pelo vale de Arabé.

Gézer localizava-se no centro do planalto que servia de primeira


barreira natural contra quem tentasse, partindo do setor costeiro
central, penetrar na região montanhosa em direção a Jerusalém.
Formava a primeira defesa de todas as vias que partiam do triângulo
Jabne-Jafa-Lode para a capital.[Nota 146]

Baalate (Mughar ou outro tell [Nota 147] nas cercanias da moderna


Gedera) situava-se na planície a sudoeste das terras altas da
Judéia, precisamente no caminho de acesso mais provável a partir
do Egito ou das cidades costeiras filistinas.

Guardava a parte inferior do vale de Sorec, que conduzia aos de


Elá e Refaim e que em muitas épocas serviu de rota de invasão
para os exércitos egípcios, tais como os de Chicac e Neco (em 924
e 605 a.C., respectivamente), para as forças ptoleimaicas nos
séculos IV e III a.C., e posteriormente para os fatimidas e
mamelucos, até às colunas de Allenby após a sua penetração em
Berseba, em 1917.

Bete-Horon de Baixo bloqueava o passo de Bete-Horom, uma das


principais subidas para o planalto central. Como principal artéria de
guerra, é-nos conhecida desde as guerras de Josué, até à Guerra
dos Seis Dias.
Todas as fortalezas acima referidas possuíam em comum as
seguintes características táticas: localizavam-se numa região
facilmente defensível, frequentemente sobre uma colina escarpada,
dispondo de um amplo fornecimento de água, mas situavam-se em
terreno que permitia uma rápida concentração e utilização de carros.
Isto explica a escolha de Bete-Horom de Baixo em detrimento de
Bete-Horom de Cima, pois estava muito melhor situada, mais para o
interior (mas era inadequada para o emprego de carros). Outro traço
comum a todas estas fortalezas era localizarem-se mais em posição
de flanqueamento do que de bloqueio. Isto permitia às forças
baseadas – ou convergindo sobre – qualquer uma delas cair sobre
um inimigo que descuidasse a ameaça ao seu flanco. Ou ainda
atacar, em altura da sua escolha e em condições favoráveis, todo o
inimigo que, apesar da ciente ameaça ao seu flanco e retaguarda,
tivesse ficado preso no cerco a uma das principais fortalezas.

Em 2 Crônicas 8, a par das atrás mencionadas, é referida outra


fortaleza: Tadmor, geralmente identificada como Palmira. Pertence a
uma categoria a parte. Tadmor era a chave da grande e opulenta
rota comercial que ligava Damasco à Mesopotâmia, atravessando o
deserto sírio. A partir do seu ponto médio, o deserto era policiado,
os israelitas exerciam o seu controle e as caravanas eram providas
com as ferramentas, equipamentos e provisões necessárias.

Depois de conquistar o poder em Damasco, nos últimos tempos


do reinado de Salomão, Recin flagelou as comunicações entre
Tadmor e o território israelita, perturbando o tráfego comercial.[Nota
148]

A REDE VIÁRIA
A reserva geral do exército de Salomão era mantida em
Jerusalém. A Bíblia afirma explicitamente que incluía a reserva
estratégica de carros, uma afirmação que implica a existência de
estradas bem guardadas para deslocar rapidamente os carros,
explorando as linhas interiores para executar ações ofensivas fora
da cintura de bases fortificadas e apoiar forças empenhadas em
combate perto de qualquer uma das fortalezas. Embora não fossem
certamente pavimentadas, estas estradas eram obviamente bem
niveladas, para permitirem o tráfego de veículos, e dispunham de
sinalização. Devido à ausência de um movimento contínuo e
permanente (inaudito neste país até a época de Herodes), deve ter
existido um serviço regular de manutenção de estradas, sendo os
pontos mais necessitados os riachos e as partes de montanha.
18 A infraestrutura do Reino de Salomão
(Os números denotam os distritos)

Um serviço deste tipo era o que o profeta Isaías tinha em mente,


ao escrever: “Preparai no deserto o caminho do Senhor; endireitai
no ermo uma estrada para o nosso Deus” (Isaías 40:3), ou “Passai,
passai pelas portas; preparai o caminho ao povo; aplanai, aplanai a
estrada, limpai-a das pedras; arvorai a bandeira aos povos” (Isaías
62:10).

Esta infraestrutura seria obviamente completada por inúmeros


paradouros, oficinas e depósitos construídos, sempre que possível,
dentro ou perto das povoações. Do mesmo modo, as praças-fortes
do reino israelita constituíam uma rede de defesa complementar às
já referidas principais bases estratégicas.

A ORGANIZAÇÃO LOGÍSTICA

O fornecimento de provisões para o rei, para a administração e


para o exército baseava-se num calendário que poderá datar da
época de Davi:

Salomão tinha doze intendentes sobre todo o Israel, que


proviam de mantimentos ao rei e à sua casa; e cada um tinha
que prover mantimentos para um mês no ano.Quando Hirão
ouviu as palavras de Salomão, muito se alegrou, e disse:
Bendito seja hoje o Senhor, que deu a Davi um filho sábio sobre
este tão grande povo. E Hi-rão mandou dizer a Salomão: Ouvi o
que me mandaste dizer. Eu farei tudo quanto desejas acerca
das madeiras de cedro e de cipreste. (1 Reis 4:7; 5:7-8).[Nota 149]
Em vez de refresh, que na Bíblia King James foi traduzido para
“dromedários”, preferimos ler rehev, que é a tradução desta palavra
segundo a Septuaginta, e que significa “carros”.[Nota 150] Igualmente
discutível é a tradução do original hebraico pela versão King James
como “aonde os oficiais se encontrassem”. A tradução/ interpretação
mais direta seria: “ao local que lhes era destinado”.

Tendo presentes estas observações, a organização logísta das


forças armadas de Salomão torna-se clara.[Nota 151] Cada
governador de distrito, que parece ter combinado os cargos de
governador civil e militar, era responsável pelo abastecimento do
exército durante um mês por ano. Isto conseguia-se abastecendo as
“cidades-depósito” reais com a quantidade de mantimentos
especificada. As necessidades correntes das tropas estacionadas
em Judá ou as das que compunham as reservas estratégica e geral
eram cobertas pelo décimo terceiro governador, um comissário
especial para Judá. A importância singular de dois dos distritos é
realçada pelo fato de os seus governadores serem genros do rei: o
distrito de Dor, a principal base naval israelita do mediterrâneo, e o
distrito de Naftali, que incluía os Montes Golan, sempre vitais para a
segurança do Norte da Cisjordânia e eventualmente da fronteira
com uma Damasco Hostil.

É espantoso comparar a elaborada subestrutura logística do


exército de Salomão com a do exército de Saul, apenas a dois
reinados de distância. Quando Saul combatia os filisteus no vale de
Elá, Davi foi enviado pelo pai para repor as escassas provisões dos
irmãos, que integravam o exército – mal sabia ele, evidentemente,
que a missão daria origem ao seu encontro com Golias. Na época
de Saul, cada indivíduo tinha que suprir as suas próprias
necessidades, para não falar no seu próprio equipamento. O
sistema salomônico teve os seus equivalentes – e antecedentes
prováveis – nas estruturas similares dos outros impérios orientais.
Poderemos compreender melhor o quão avançados eram esses
sistemas se nos recordarmos de que no Império Carolíngio, quase
dois mil anos mais tarde, Carlos Magno deslocava-se cada mês,
com a sua corte e exército, de um distrito para o outro, de modo a
ser alimentado e abastecido com as provisões necessárias.

Outras duas grandes iniciativas do rei Salomão exigiram medidas


de segurança específicas e complexas: a colonização das terras
altas do centro do Neguebe e o início do comércio no Mar Vermelho
(Ofir) através do Golfo de Elat.

Ambas estão relacionadas entre si e serão narradas no contexto


do Neguebe (pp. 227 à 233).
Navio de guerra fenício com dois conveses, movido à vela e
com dezesseis remos. Em tempo de guerra, o convés superior,
protegido por escudos, servia de posto de combate para a
“infantaria de marinha”. Em tempo de paz, era usado para
transportar passageiros. A proa, muito alta, era concebida para
proporcionar velocidade e equilíbrio, e dispunha de um aguçado
esporão para abalroar os navios inimigos abaixo da linha de
água.

Notas do Capítulo 5

Nota 98 - Sobre os Jebuseus, ver ALT, A., Palästina Jahrbuch 24, 1928, pp. 79-81; MAZAR,
B. (Maisler), JPOS 10, 1930, pp. 189 sqq., e Sefer Yerushalayim, Avi-Yonah (ed.), 1,
Jerusalém, 1956, pp. 107 sqq. (H); AVIGAD, N., IEJ 5, 1955, pp. 163 sqq. [Voltar]

Nota 99 - Acerca da Jerusalém pré-davídica, ver KENYON, K.M., Jerusalém: Excavating


3000 Years of History, Londres, 1967, 1967, pp. 9-53. A cidadela não foi identificada, mas o
local onde supostamente se situava, na parte norte da cidade, ainda não foi escavado
(Kenyon, planta 5). A grande torre (M) poderá pertencer-lhe, e mesmo que, tal como Miss
Kenyon acredita, fosse uma torre de entrada na cidade, a localização da cidadela
adjacente à torre poderia eventualmente ser a mais lógica do ponto de vista da topografia e
da fortificação. cf. KENYON, K.M., Digging up Jerusalém, Londres, 1974, pp. 77 sqq.
[Voltar]

Nota 100 - A versão portuguesa das duas passagens citadas acima emprega a palavra
“fortaleza”. (N.T.) [Voltar]

Nota 101 - YADIN, Warfare, pp. 268-269; ver também nota seguinte. [É verdade que os
Jebuseus disseram a Davi que ele seria repelido “até por cegos e coxos”, uma metáfora
que é explicada na frase seguinte: “Isto queria dizer: ‘Nunca entrarás aqui’” (2 Sm 5:6). Em
lugar de procurar interpretações de caráter sobrenatural, não seria a cidadela tão
inexpugnável que bastariam “cegos e coxos” para a defender? (N.T.)] [Voltar]

Nota 102 - Relativamente ao tzinor, ver o diagrama da p. 246 da presente obra e KENYON,
Digging up Jerusalém, pp. 84 sqq. As muitas explicações rebuscadas para 2 Sm 5:6-9 e 1
Cr 11:4-6, parcialmente sumariadas por MAZAR, Sefer Yerushalayim, pp. 108-110, não são
convincentes de uma perspectiva militar. Quanto à conquista em duas etapas, primeiro da
cidadela e depois do resto da cidade, como decorre de uma leitura literal da sequência dos
acontecimentos no original em hebraico, importa referir que a tradução de “Ijr David” por
“Cidade de Davi” é deficiente porque “Ijr” tem também o significado mais restrito de
“fortaleza de uma cidade”. Cf. 2 Cr 26:6, que deveria ler “construiu cidadelas em Asdod...”.
2 Sm 5:9 fixa a localização da cidadela na extremidade norte da cidade, que Davi ligou ao
Monte do Templo através de uma fortificação (o “Milo”). Em épocas posteriores, a cidadela
foi provavelmente alargada sobre esta fortificação, e parece ter adquirido o seu nome. Cf.
SIMONS, J., Jerusalém in the Old Testament, Leiden,1952, pp. 131 sqq., e SHILON, Y.,
NEAEHL II, s.v., Jerusalém, pp. 70-74. [Voltar]

Nota 103 - Warren fez as suas descobertas na segunda metade da década de 1860. (N.T.)
[Voltar]

Nota 104 - KENYON, K.M., Digging up Jerusalém, pp. 84 sqq. SHILOH, Y., loc. Cit. [Voltar]

Nota 105 - “E Davi consultou ao Senhor, que respondeu: Não subirás; mas rodeia-os por
detrás, e virás sobre eles por defronte dos balsameiros.” (2 Sm 5:23). (N.T.) [Voltar]

Nota 106 - 2 Sm 5:25. (N.T.) [Voltar]

Nota 107 - O período de Primeiro Templo decorreu entre c. 968 e 562 a.C. Davi reinou
entre c. 1012 e 972 a.C. (N.T.) [Voltar]

Nota 108 - Ver YEIVIN, S., “The Wars of David”, MHBT, p. 156. [Voltar]

Nota 109 - 2 Sm 8:13; 1 Rs 11:14-15; 1 Cr 18:12. [Voltar]

Nota 110 - Ver MAZAR, Canaan and Israel, pp. 245-269. Sobre os Arameus, ver
MALAMAT, A., “The Arameans”, Peoples of the Old Testament (ed. D.J. Weiseman),
Oxford, 1973, pp. 134-135. Cf. ABD I, pp. 338 sqq., 345 sqq. [Voltar]

Nota 111 - Acerca do “vizinho do vizinho” na história europeia, veja-se a Rússia czarista, a
Prússia e a Alemanha em relação à Polônia; a Espanha dos Habsburgos, dos Bourbons e
de Franco e a Alemanha em relação à França, e a Escócia e a França em relação à
Inglaterra. [Voltar]

Nota 112 - “...os amonitas... enviaram e alugaram dos sírios de Bete-Reobe e dos sírios de
Bete-Reobe e dos sírios de Sobá vinte mil homens de infantaria, e do rei de Maacá mil
homens, e dos homens de Tobe doze mil.” (2 Sm 10:6). (N.T.) [Voltar]

Nota 113 - Agradecemos ao coronel Eric Patterson, dos Royal Engineers, por nos ter
informado destes fatos, e em particular do nome do regimento em questão. [Voltar]

Nota 114 - GICHON, “Carta’s Atlas”, pp. 36, 37, 201 e bibliografia. Ver também PLAYFAIR,
I. S. O., et. al., History of the Second World War: The Mediterranean and Middle East 2,
Londres, 1956. [Voltar]

Nota 115 - A perda da(s) estrada(s) costeira(s) ou da Estrada Real significava que as
forças inimigas poderiam operar ao longo dos flancos dos reinos judaicos ou contorná-los
na ponte terrestre. Este fato tornou-se terrivelmente evidente sempre que os reinos foram
empurrados para os redutos de montanha (ver capítulos seguintes) ou quando, numa
época posterior, os cruzados perderam o domínio da Transjordânia. O controle das zonas
na orla do deserto era de suma importância para a contenção de forças hostis
acostumadas às condições do deserto. A sua perda, cerca de 634 d.C., permitiu aos
mulçumanos deslocarem as suas forças entre a Síria e o Neguebe sempre que necessário.
Cf. GICHON, “Carta’s Atlas”, pp. 18-19. [Voltar]

Nota 116 - Ver capítulo 1, nota 7. em “The Philistines and the Rise of Israel” (cap. 4, nota
1), p. 19, Mazar afirma que nesta época existia uma suserania egípcia sobre a costa
filisteia. Os relatos bíblicos demonstran que a enfraquecida XXI Dinastia não constituía
uma ameaça para os israelitas, mas é possível considerar a hipótese de uma esfera de
influência comum. Somente com o Egito regenerado dos anos de declínio de Salomão é
que os egípcios tentam abertamente expulsar os israelitas. A abstenção por parte de
Salomão e Uzias, no auge do seu poder, de judaizarem os mercados do tráfego comercial
transneguebita, não pode ser atribuída a razões militares ou puramente políticas [Voltar]

Nota 117 - Acerca das fortificações na orla do deserto, ver CLARK, D. R., “The Iron I
Western Defense System at Tel Umeri, Jordan”, BA 57, 1994, pp. 138-148. [Voltar]

Nota 118 - Sobre a ordem de batalha persa em Arbela, ver ABRIANO, Anabasis, III, 8, 3-
15; sobre os auxiliares romanos, ver WEBSTER, G., The Imperial Roman Army, Londres,
1969, pp. 124-155. No século XVI, ainda havia uma constante procura de besteiros
genoveses, de piqueiros e alarbadeiros suíços, e de cavalaria ligeira croata e de outras
regiões, devido aos seus modos de combate tradicionais. [Voltar]

Nota 119 - Na ausência das tribos de Gade e Aser da lista fornecida em 1 Cr 27:16-22
dever-se-á ao lapso de um copista posterior, possivelmente ao contar doze tribos e
esquecendo-se de que as quatro meias-tribos que habitavam a Cisjordânia e a
Transjordânia são enumerados separadamente. Sobre uma opinião algo divergente acerca
dos negidim [nobres governantes (N.T.)], cf. YEIVIN, S., The Administration in Ancient
Israel in the Kingdoms of Israel and Judah (ed. A. Malamat), Jerusalém, 1961, pp. 47-61
(H). [Voltar]

Nota 120 - Também chamada Versão Autorizada, trata-se de uma tradução inglesa
publicada em 1611. O Antigo Testamento, tema da presente obra, foi traduzido a partir do
chamado texto massotérico (TM), a versão hebraica fixada ao longo dos séculos. Refira-se
que o TM apresenta diferenças importantes em relação à versão grega da Septuaginta,
que talvez se baseie em outro original em hebraico. (N.T.) [Voltar]

Nota 121 - Sobre as “Trintenas”, ver MAZAR [Voltar]

Nota 122 - Os companheiros, a sua famosa cavalaria de elite. (N.T.) [Voltar]

Nota 123 - A guarda pessoal/ exército permanente do imperador. (N.T.) [Voltar]

Nota 124 - A versão portuguesa assume “cretenses” (2 Sm 8:18). (N.T.) [Voltar]

Nota 125 - 2 Sm 15:13-22. (N.T.) [Voltar]

Nota 126 - Ver MAZAR, “The Philistines and the Rise of Israel”, p. 187. Sobre os cereteus,
ver ALBRIGHT, W.F., “A Colony of Cretan Mercenaries on the Coast of the Negev”, JPOS 1,
1921, pp. 187-199, e DECLOR, M., “Les Kerethim et les Cretois”, VT XXVIII, 1978, PP. 409-
422. [Voltar]
Nota 127 - Quando Josué estabeleceu as tribos israelitas em Canaã, a tribo de Levi foi a
única a receber cidades, mas não lhe foi atribuído nenhum território. Os levitas estavam
incubidos de deveres religiosos específicos, e possuíam também responsabilidades
políticas. (N.T.) [Voltar]

Nota 128 - MAZAR, B., VT, Sup. 7, 1960, pp. 193-205. Cf. ALT, A., “Festugen und
Levitenorte im Lande Juda” in kleine Schriffen II, pp. 306-315. A proposta de datar a lista de
cidades levíticas em épocas posteriores não faz sentido (geográfico) levando em conta a
alteração da situação política, o os argumentos que a relegam para o reino da ficção não
são convincentes. Ver BEN ZVI, E., JSOT 54, 1992, pp. 77-100. [Voltar]

Nota 129 - A falange teve sua origem com os Sumérios do terceiro milênio a.C., conforme
prova a estela em relevo de Eanatum Rei de Lagash. Ver PARROT, A., Tello, Paris, 1948, il.
Vib. [Voltar]

Nota 130 - Divisível por quatro: ver Ex 12:37/ Nm 2 (menos Gade); 31:5/ Js 4:13; 7:4; 8:3/
Jz 7:8; 20:15.34/ 1 Rs 10:26; 20:15/ 1 Cr 27:1/ 2 Cr 14:8; 26:13. Divisível por três ou
especificamente mencionada como tendo sido dividida em três: todas as referências
assinaladas com asterístico, e também Jz 7:16/ 1 Sm 13:5/ 2 Sm 18:2. [Voltar]

Nota 131 - MAZAR, “The Gibborim of David”, in Canaan and Israel, pp. 189-190. [Voltar]

Nota 132 - GUICHON, M., “The Defenses of the Salomonic Kingdom”, in PEQ, 1968, pp.
113-114. [Voltar]

Nota 133 - Também conhecido por Sesonquis, Checac ou Sheshonq. (N.T.) [Voltar]

Nota 134 - Em 950 a.C. (N.T.) [Voltar]

Nota 135 - O texto da versão portuguesa não parece consubstanciar estas afirmações:
“...deu o rei Salomão a Hirão vinte cidades na terra da Galiléia. Hirão, pois, saiu de Tiro
para ver as cidades... porém não lhe agradaram. Pelo que disse: Que cidades são estas
que me deste, irmão meu? De sorte que são chamadas até hoje terra de Cabul” (1 Rs 9:11-
13). A expressão “terra de Cabul” significa “terra de nada”. (N.T.) [Voltar]

Nota 136 - Ver capítulo 1, nota 7. A aliança com Tiro, que Salomão cimentou cedendo
Cabul, foi frutuosamente explorada para empreendimentos marítimos conjuntos no Mar
Vermelho, desafiando o monopólio egípcio sobre a região. Ver pp. 126 e 229 sqq. [Voltar]

Nota 137 - Leia-se “condutores”. [Voltar]

Nota 138 - Os números citados são questionáveis, embora não estejam necessariamente
errados. Em 1 Rs 5:6 (VA 4:26) são mencionados 40.000 “urwot”, ou seja, estábulos ou
manjedouras. Não nos ajuda G. I. Davies, o qual segere, em JSS XXXIV (1989), que por
analogia com outras línguas semíticas leiamos “urwot” como “parelhas de cavalos”. Mas
sim o número torna-se irrealista, e além disso esta tradução não se enquadra com os dois
outros casos de “urwot” presentes na Bíblia (2 Cr 9:25; 32:28). [Voltar]

Nota 139 - YADIN, Warfare, pp. 86 sqq. [Voltar]


Nota 140 - Sobre os carros salomônicos, ver YADIN, Warfare, pp. 86 sqq. Yadin aponta
para um número de veículos inferior ao citado na Bíblia. Todavia, se aceitarmos o número
maior de 2000 atribuído pelos anais assírios ao reinado de Acabe (ver p. 162), o número de
1.400 não parece despropositado para o período áureo da Monarquia Unida. [Voltar]

Nota 141 - YADIN, Warfare, p. 366. O terceiro membro da equipagem é habitualmente


identificado com o “Shalish” (2 Reis 7:2; 9:25, etc.). Recentemente, foram sugeridas outras
funções militares e na corte: ver MASTIN, B. A., “Was the ‘salis’ the Third Man in the
Chariot?”, VT, Supl. 30, 1979, pp. 124-154. Estas funções podem ter evoluído a partir da
primeira. [A versão brasileira traduz “Shalish” por “oficial”. (N.T.)] [Voltar]

Nota 142 - Ver cap. 3, nota 63, e ANET, p. 246. [Voltar]

Nota 143 - Versão João Ferreira de Almeida: “E tomou-lhe Davi mil e setecentos cavaleiros
e vinte mil homens de infantaria; e Davi jarretou a todos os cavalos dos carros, reservando
apenas cavalos para cem carros.” (N.T.) [Voltar]

Nota 144 - Para uma descrição pormenorizada, global e individual, das fortalezas do Rei
Salomão, ver GUICHON, “The Defenses”, pp. 113-126. [Voltar]

Nota 145 - Sobre Megido: SHILOH, Y., NEAEHL III, PP. 1016-1023. Haçor: BEN TOR, A.,
ibid. II, pp. 594-605. Guézer: DEVER, W.G., ibid. II, pp. 502-506. Tadmor: ver cap. 10, nota
255. [Voltar]

Nota 146 - Monte resultante da acumulação e subsequente erosão de materiais


depositados pelo homem. (N.T.) [Voltar]

Nota 147 - As recentes dúvidas quanto à datação salomônica das torres com seis salas e
das cortinas adjacentes, escavadas por Yadin em Haçor, Megido e Gézer, não são
minimamente convincentes, mesmo depois das escavações complementares. Algumas
conclusões apressadas, por exemplo, WHITMAN, G.T., BASOR 277, 278, PP. 5-22) foram
criticadas por DEVER, W.G., ibid., pp. 121-130. Whitman ignora os períodos então
existentes quando nega que Salomão necessitasse de fortificações. Além do mais, os
líderes previdentes fortaleciam sempre os seus reinos, particularmente após um período de
expansão. [Voltar]

Nota 148 - Na versão portuguesa: “cavalos de carga e de montaria”, e “aonde o rei se


encontrasse”. (N.T.) [Voltar]

Nota 149 - Nome dado à mais importante tradução grega do Antigo Testamento,
alegadamente feita por 72 tradutores, do século III ao século II a.C., maioritariamente no
Egito e sem ligações rabínicas. (N.T.) [Voltar]

Nota 150 - Acerca da administração salomônica, consultar (e notar as divergências)


aharoni, lb, pp. 303-320; ALT, “Israel’s Gaue unter Salomon”, in Kleine Schriften II, pp. 76-
98; YEIVIN, The Administrative, nota 17. [Voltar]

Nota 151 - Iniciado em 515 a.C. (N.T.) [Voltar]


CAPÍTULO 6

OS PRIMÓRDIOS DE ISRAEL

A SUCESSÃO DE ROBOÃO

O reinado do rei Salomão é considerado – com razão – o mais


brilhante e magnífico da história judaica. Contudo, foi também o que
mais sobrecarregou os recursos nacionais e o esforço econômico. A
criação e manutenção do exército e da administração imperiais, das
suas infraestruturas e de todos os atavios do império impunham um
colossal ônus financeiro. A estes encargos, temos que acrescentar
os decorrentes de todas as outras atividades de desenvolvimento e
construção desenvolvidas por Salomão e, acima de tudo, a
edificação e dotação do grande Templo de Jerusalém.

Para aliviar estes encargos, quase esmagadores, o Rei Salomão


tinha perspicazmente dedicado grandes esforços ao
desenvolvimento do comércio, aproveitando ao máximo a
localização estratégica do seu reino como ponte entre a Ásia e a
África, e entre o Mediterrâneo e o Oceano Índico. O estabelecimento
de relações com a rainha de Sabá (atual Iémem), a manutenção de
uma guarnição em Tadmor (Palmira), a construção de uma base
naval em Ecion-Guéber (perto da moderna Elat), a aliança com o rei
Hiran de Tiro e a preservação dos filisteus como agentes comerciais
e marítimos na costa sudoeste integram-se no âmbito das iniciativas
econômicas de Salomão. Através dos contatos com Sabé, o
bálsamo foi introduzido em Israel (JOSEFO, Antiquitates Judaicae
VIII, 7, 174). E muito provavelmente, embora careçamos de provas
diretas anteriores ao período do Segundo Templo,[Nota 152] as
plantações de bálsamo de En-Gedi transformaram-se rapidamente
em uma importante fonte de receitas ao fornecerem um
medicamento mundialmente famoso para uma grande variedade de
doenças. A suposta quantidade exportada, já na época do Primeiro
Templo, explicaria a capacidade do pequeno reino de Judá para
financiar os seus enormes gastos com a defesa após a
fragmentação do império de Salomão. Contudo, nenhum desses
empreendimentos conseguiu diminuir a pressão sobre os limitados
recursos humanos israelitas. Pelo contrário, através da iniciativa
privada e das missões ao serviço do rei, devem ter contribuído para
os tornar mais escassos.

Foi este o contexto subjacente à exigência popular de um alívio


do seu fardo, quando o povo de Israel se congregou em Siquém
após a morte de Salomão para confirmar Roboão, seu filho, como
rei: “Teu pai agravou o nosso jugo; agora, pois, alivia a dura
servidão e o pesado juro que teu pai nos impôs, e nós te
serviremos” (1 Reis 12:4). Estas exigências surgiram num momento
singularmente inoportuno, pois a pressão externa aumentava e as
atividades damascenas e egípcias já estariam certamente a causar
grandes danos ao monopólio temporário estabelecido por Salomão
no Mar Vermelho e nas vias oriundas do deserto sírio.

Roboão ignorou as sugestões dos conselheiros de seu pai para


que conciliasse as pessoas com promessas falsas e decidiu
responder-lhes com a verdade, dizendo-lhes que não deveriam
esperar nenhuma diminuição do seu fardo.
Diz-nos o cronista bíblico que Roboão foi incentivado pelo seu
séquito pessoal, os “Jovens, seus companheiros de infância”,[Nota
153] a frasear a sua resposta de um modo duro e autoritário para

afirmar a sua autoridade de uma vez por todas: “E o rei respondeu


ao povo asperamente e, deixando o conselho que os anciãos lhe
haviam dado, falou-lhe conforme o conselho dos mancebos,
dizendo: Meu pai agravou o vosso jugo, porém eu ainda o
aumentarei; meu pai vos castigou com açoites, porém eu vos
castigarei com escorpiões.” (1 Reis 12:13-14).

O CISMA

Esta atitude tornou as tribos (exceto Judá) presas fáceis de todos


os agitadores particularistas que ainda não tinham digerido a injúria
à sua honra tribal por terem de se curvar perante um rei residente
em Judá: “Vendo, pois, todo o Israel que o rei não lhe dava ouvidos,
respondeu-lhe, dizendo: Que parte temos nós em Davi? Não temos
herança no filho de Jessé. As tuas tendas, ó Israel! Agora olha por
tua casa, ó Davi! Então Israel se foi para as suas tendas.” (1 Reis
12:16).[Nota 154] Assim se dividiu o reino judaico em duas partes: o
Norte, “Israel” (no sentido restrito da palavra), e o Sul, “Judá”,
compreendendo os territórios tribais de Judá e Benjamim, o
Neguebe e ocasionalmente Edom como sua principal dependência.

Um dos principais motivos do desaparecimento das tribos do


Norte da Casa de Davi foi Faraó Chichac I. Excessivamente fraco
para atacar abertamente a Monarquia Unida, procurou enfraquecê-
la através da subversão interna.
Depois de ter dado guarida a Jeroboão, que se encontrava fugido,
Chichac enviou-o para Israel antes da investidura de Roboão e,
servindo-se dos seus agentes, apresentou-o como candidato à
coroa de Israel, para a qual ele foi prontamente eleito.

Depois de esperar até que as consequentes lutas civis entre Judá


e Israel enfraquecessem e exaurissem os reinos israelitas, Chichac
desencadeou uma grande invasão com todas as forças ao seu
dispor, em 924 a.C. Não se destinava a reconquistar a ponte
terrestre palestina, um objetivo que o faraó parece ter julgado ainda
além das suas capacidades. O seu propósito era enfraquecer o seu
poderoso vizinho do Norte. Um Israel forte e unido constituía uma
barreira ao renovado desejo egípcio de expansão política e
econômica para norte.

Pior ainda, a aliança tírio-israelita, que desafiara com êxito a


exclusividade e o comércio egípcios no Mar Vermelho, apontara um
duro golpe à independência econômica do Egito.

Para evitar declarar o estado de emergência nacional, Chichac


planejou e executou a sua invasão em torno de uma força de
choque de 1.200 carros, apoiados por uma infantaria líbia e núbia
que até há pouco tempo figurou frequentemente na vanguarda dos
exércitos egípcios. Os nomes das localidades conquistadas durante
a campanha de Chichac foram preservados numa lista inscrita na
entrada sul do santuário de Amom, em Carnac. Seguindo a
decifração e interpretação desta inscrição pelo professor Benjamim
Mazar, podemos pensar em duas forças-tarefa egípcias, ou
possivelmente duas fases importantes das operações do exército
invasor.[Nota 155]
Carga da infantaria egípcia de Amenhotep III, incluindo
arqueiros mercenários estrangeiros. Confiáveis ou não, os
prisioneiros estão posicionados entre as linhas das tropas
nativas.

A primeira força – ou uma das duas fases – teve como objetivo o


desmembramento e pulverização da complexa infraestrutura de
feitorias e postos do Neguebe, entre Ecion-Guéber, no Golfo de Elat,
e o centro de Judá (ou a costa mediterrânica). As escavações de
Nelson Glueck trouxeram à luz provas da destruição da fortaleza de
Ecion-Guéber.[Nota 156] Retrospectivamente, podemos generalizar e
dizer que os poderes estabelecidos no Egito reagiram sempre o
mais fortemente possível a qualquer tentativa de domínio do seu
“mar privado”, considerando o ponto mais vulnerável do país. A
violenta reação de

Saladino à ameaça dos cruzados no Mar Vermelho, que culminou


no desastre dos francos em Hattin, em 1187, ou a resposta britânica
à ocupação turca de Aqaba, em 1903, que quase desencadeou uma
guerra, constituem outros dois exemplos da sensibilidade da área.
Parte do conflito israeloárabe desde 1948 deve ser indubitavelmente
vista sob a mesma perspectiva geopolítica. Similarmente, a atenção
inicial de Chichac foi para o setor do Golfo de Elat e respectivos
acessos.

A segunda força-tarefa (ou fase operacional do exército egípcio)


teve por objetivo a execução de um gigantesco ataque de
devastação, pondo a ferro e fogo o máximo possível do reino
israelita e do seu potencial bélico de modo a enfraquecer
duradouramente este vizinho do Egito. Podemos comparar esta
missão com uma moderna campanha de bombardeamento
estratégico, não destinada à conquista, mas a pôr o inimigo de
joelhos destruindo-lhe a capacidade de replicar eficazmente.

As terras altas de Judá, naturalmente mais difíceis de atravessar


e mais fáceis de defender, fizeram Chichac contentar-se com o
pagamento de um pesado tributo pelo rei Roboão de Judá, e
direcionar a principal ofensiva contra o seu antigo protegido,
Jeroboão. Contando enfraquecer também o domínio de Israel na
Transjordânia, Chichac atreveu-se a atravessar o Jordão e devastou
a região de Sucote, o principal nó de comunicações entre Gileade e
as montanhas de Samaria.

Os egípcios se retiraram tão depressa como tinham avançado,


deixando para trás de si um Israel muito enfraquecido. Todavia,
como até as guerras mais recentes têm provado, a destruição sem
ocupação permanente não consegue subjugar nenhum povo
razoavelmente vigoroso. As fundações lançadas por Saul e Davi e
reforçadas por Salomão foram suficientemente sólidas para
permitirem uma rápida recuperação. Porém, infelizmente para Israel
e Judá, os dois reinos continuaram a desperdiçar consideráveis
esforços enfrentando-se em armas. Os seus governantes
demoraram muito tempo para aprender a lição – e nem sempre a
praticaram – de que só através de uma estreita aliança entre os
reinos irmãos poderia-se reunir força suficiente para garantir paz,
segurança e prosperidade na ponte terrestre palestina.

Panorama de Ai vista da vertente inferior da serrania de Betel,


onde se escondeu a força de emboscada. Josué posicionou as
suas tropas na colina da esquerda.
Gibeon vista do Sul, possivelmente da posição de Josué. A
cidade velha fica na colina a leste da aldeia.
Início: O vale de Aialon, cenário da vitória de Josué sobre os
amorreus e de muitos combatentes subsequentes, desde o
período de Juízes até aos asmoneus e épocas posteriores.
Início à direita: O Monte Tabor, onde Baraque se concentrou
para derrotar Sísera.
À direita: En-Dor – partindo das colinas ao fundo, gideão
aproximou-se do acampamento medianita, situado à esquerda do
trilho (no lado esquerdo da fotografia).

Início, à esquerda: En-Dor – o acampamento medianita,


montado em redor da fonte junto às palmeiras, foi atacado de
noite por Gideão.
À esquerda: Micmás – a posição de bloqueio filisteia
localizava-se na colina ao centro, vista aqui do acampamento
de Saul. Jônatas e o seu pagem subiram a íngreme encosta,
emergindo do desfiladeiro escondido, em primeiro plano, à
direita. O contingente principal filisteu ocupava a cidade, à
esquerda, que não se vê na imagem.

Início: Arqueiros árabes montados em camelos são perseguidos


por cavaleiros assírios. O
camelo montado pelo árabe que dispara para trás (uma técnica
posteriormente batizada com o nome “tiro parto”) está encoberto
pelo que se vê em primeiro plano.

Início: Maiúscula iluminada do altério da biblioteca de Arras


(século XV), representando Davi tocando a harpa (ou lira)
perante Saul, e a cortar a cabeça de Golias depois de o ter
matado.
À esquerda: A Cidade Velha de Jerusalém, fotografada do sul,
em 1948. A cidade conquistada por Davi ocupava a estreita
colina que se entende do canto direito (sudeste) do Monte do
Templo. Está confinada, respectivamente a oeste e a leste,
pelos vales do Tiropeion (Makhtesh) e do Cédron.
À esquerda: O Monte Gilboa. Foi na encosta noroeste, de
frente para o leitor, que Saul travou a sua última batalha.

Início: Jerusalém – casas e muros de suporte da Cidade de


Davi (período do Primeiro Templo).
À esquerda: Arqueiro do santuário da cidade aramaica de
Gozan (Tell Halaf), no rio Khabur (século IX a.C.).
À esquerda: Duelitas de Gozan, possivelmente em um duelo
judicial. Ver 2 Samuel 2:14-16: “Agarrando cada um a cabeça
do seu adversário, atravessaram-se mutuamente com a
espada”.
À esquerda: Lanceiro de Gozan.
À direita: Guerreiro de Gozan, armado com bumerangue e
funda.
À esquerda: Cameleiro de Gozan.

Início: Megido, possivelmente a principal fortaleza israelita desde


a época de Davi até a queda do Reino do Norte.
Em baixo: Modelo da cidade fortificada de Megido.
Início: A porta superior de Megido, com duas câmaras à
esquerda.
À esquerda: Escadaria de Megido, entre as portas inferior e
superior.
À direita: Seção final do túnel que ligava Megido a uma fonte
escondida aos pés da colina.

Início: Porta salomônica de Haçor. A entrada situa-se ao centro,


com três câmaras de cada lado.
Em baixo: Armazém de Haçor.

ARAM, A TRANSJORDÂNIA E OS FILISTEUS

O principal inimigo de Israel e seu rival pela supremacia como


grande potência na área da Grande Palestina e no Sul da Síria seria
o reino aramaico de Damasco.[Nota 157] Porém, a princípio, os
arameus julgaram oportuno relacionarem-se e aliarem-se com
Israel, de modo a consolidarem o seu domínio na Síria.

Enfraquecido pela invasão de Chichac e pelas guerras interreinos,


Israel perdeu para os damascenos algumas das suas cidades e
aldeias nos Montes Golan, sem que Jeroboão pudesse fazer muito
para o impedir. E o rei devia também estar ciente na rebelião total
ou parcial de Amom e Moabe. Estes dois reinos tornar-se-iam um
segundo foco da atividade militar israelita. O seu grau de submissão
a Israel esteve sempre diretamente relacionado ao poderio militar
israelita, sendo este por sua vez influenciado quase sempre pela
constante prova de força entre Israel e Damasco.

Em uma escala menor, e particularmente nas primeiras décadas


da existência de Israel, a Filisteia constituiu um terceiro foco da
atividade militar israelita.

Nadabe, filho de Jeroboão, e Elá, respectivamente em 906 e 882


a.C., consideraram desembaraçoso direcionar sobre os filisteus os
primeiros esforços ofensivos israelitas registrados (excluindo a luta
contra Judá). O seu objetivo primário era a conquista da saliência de
Guibeton (que dominava as subidas para as montanhas da Samaria
a partir da planície de Judá) e isolar a retaguarda de Jafa.[Nota 158]
Guibeton fora em tempos território israelita, e o fato de ter-se
tornado um importante bastião filisteu prova que os filisteus também
beneficiaram do enfraquecimento geral causado pelo cisma do reino
e a invasão de Chichac. Todavia, ambas as campanhas foram
interrompidas antes de atingirem os seus objetivos. Na primeira,
Nadabe foi assassinado quando conduzia pessoalmente o cerco de
Guibeon; na segunda, Elá foi assassinado no palácio real de Tirça
enquanto o comandante supremo do seu exército, Omeri, dirigia as
operações.

Faltando-lhes o carisma dos descendentes da Casa de Davi,


divinamente abençoada e sancionada, e o prestígio de guardiões do
grande e assombroso Templo de Jerusalém, os reis de Israel
careciam também do valioso e dedicado apoio dado aos reis de
Judá pela tribo sacerdotal de Levi, o que os tornava vulneráveis às
violentas reações do descontentamento popular,
independentemente da sua origem e justificação. Este estado de
coisas constituía outra das razões da fraqueza do Reino do Norte,
como demonstraram as duas convulsões durante as campanhas
contra os filisteus. Todavia, isto torna ainda mais admiráveis os
muitos feitos dos reis de Israel, alcançados em condições adversas.

O EXÉRCITO ISRAELITA

A narrativa bíblica acerca das campanhas contra os filisteus,


muito concisa (1 Reis 15:27; 16:8-17), inclui algumas indicações
preciosas sobre a composição das forças israelitas. Omeri era o
comandante da leva nacional (o povo em armas), convocada
sempre que necessário. Zimeri, o assassino do rei Elá, era “capitão
de metade dos seus carros [de Elá]”,[Nota 159] e estava estacionado
com o seu corpo (que compreendia a reserva estratégica) junto do
rei, na praça-forte de Tirça, a capital.[Nota 160] Tirça estava bem
provida de estradas em todas as direções, e situava-se na parte
superior do desfiladeiro de Tirça (Wadi Farah), que é a principal
artéria estratégica entre a Samaria, o vale do Jordão e Gileade. Os
carros restantes provavelmente estavam estacionados em “cidades
de carros”, por todo o reino. É de supor que pelo menos uma parte
destas forças se encontrasse na planície em redor de Guibeton,
para proteger as operações de cerco de qualquer interferência hostil
e para explorar a esperada conquista da cidade.
Assim, o exército israelita parece ter continuado a tradição
salomônica em todas as suas armas, e podemos certamente partir
do princípio de que a sua logística também seguiu o modelo de
Salomão. Sendo as tripulações dos carros tropas regulares, terão
naturalmente existido algumas rivalidades e atritos entre elas –
principalmente entre as tropas reais, estacionadas na capital – e a
leva geral. É provável que um aspecto do confronto entre os
comandantes dos regulares e os da leva geral, após o ataque de
Elá, se possa atribuir ao caráter extremamente explosivo típico das
relações entre regulares e reservistas.

Ramsés II toma de assalto uma fortaleza (possivelmente Debir,


na Palestina). Quatro rampas permitem aos atacantes
aproximar-se das muralhas e penetrar na praça-forte com a
ajuda de escadas de assalto.
AS FORTIFICAÇÕES ISRAELITAS

Uma área na qual os primeiros reis de Israel tiveram que alterar o


modelo salomônico foi na conceitualização do papel das
fortificações permanentes na defesa nacional. Embora não
disponhamos de listas como as das fortalezas de Salomão ou
Roboão, podemos deduzir, a partir da enumeração das fortalezas
atacadas por Bene-Hadade I de Damasco, em 885 a.C., a existência
de uma poderosa linha de fortalezas muito próximas entre si, a
“Linha Naftali”, que cumpria quatro objetivos: 1) bloquear a descida
do planalto sírio (Montes Golan); 2) impedir a subida para a Galiléia
a partir dos acessos orientais; 3) travar qualquer movimento hostil
ao longo da parte superior do vale do Jordão; 4) servir de bases
permanentes para ações ofensivas contra os Montes Golan e o
Beqaa (o grande vale entre os maciços do Hermon e do Líbano,
conhecido por Celessíria durante o período do Segundo Templo[Nota
161]).

A passagem relativa à conquista de Bene-Hadade menciona “Ion,


Dan, Abel-Bete-Maaca, toda a região de Quinerote e ainda a terra
de Naftali” (1 Reis 15:29), cerca de 150 anos mais tarde, refere
Kedesh e Haçor entre as fortificações da “Linha Naftali” (além das
anteriormente referidas). Dado que a destruição de Haçor depois do
reinado de Salomão e a sua reconstrução por Omeri ou Acabe foi
estabelecida pelas escavações do professor Ygael Yadim, [Nota 162]
podemos datar a sua destruição da conquista de Bene-Hadade I e
incluí-la na “Linha de Naftali” desde o início desta. A inclusão de
Haçor conduz-nos à última parte da passagem de 1 Reis, que
completa a lista de fortalezas referidas pelo nome com uma
descrição geral: “e ainda a terra de Naftali”. Tendo em conta a
necessidade militar e a analogia com Haçor, somos tentados a
acrescentar Kedesh à linha original e a incluí-la nos locais não
denominados. As descobertas feitas à superfície no pico desta
colina, que ainda não foi escavada, parecem dar força à nossa
hipótese.[Nota 163]
Pontas de flecha de bronze e ferro. (A) pertence ao período
helenístico-asmoneu. (B), com cavidades e buracos, era
possivelmente uma flecha incendiária.

A fortaleza de Quinerote guardava a Via Maris, bem como a


estrada ao redor do Mar da Galiléia, situada imediatamente a norte
do vale de Guenossar, encravada entre a colina da fortaleza e o mar
num desfiladeiro com apenas alguns metros de largura.

O papel estratégico de Haçor foi descrito na página 120.

Quedes domina a única descida das terras altas centrais de


Naftali para a parte superior do vale do Jordão, frente ao lago Hulé.
Em 1938, por motivos estratégicos, na sua luta contra os
salteadores árabes, os britânicos construíram no local uma estrada
de asfalto. Era guardada pelo posto de polícia de Nebi Yusha, que
assumiu as funções da Kedech bíblica. Confirmando a sua
importância estratégica e vantagens táticas, este bastião figurou
proeminentemente nos duros combates pela Galiléia na Guerra da
Independência de Israel, em 1947-1948.

Abel-Bete-Maaca localiza-se no centro, perto da parte superior do


vale do Jordão, onde a estrada proveniente de Bekaa se bifurca em
dois ramais que passam a oeste e a leste da serrania de Metulé,
descendo para o vale de Hulé.

Dã ocupava uma posição de bloqueio no contraforte inferior do


macilo do Hermom, ao longo da estrada que conduz, via Banias (a
clássica Paneias), ao topo do planalto sírio. Cruzados, sarracenos,
turcos, britânicos e árabes disputaram a sua posse. Tipicamente, o
kibbutz chamado Dã, construído perto do monte da antiga cidade,
serviu de barreira contra as tentativas sírias de conquista do vale do
Jordão para a área de concentração para o assalto à parte norte dos
Montes Golan, durante a Guerra dos Seis Dias.

Ion (Tell el-Dibbin) era a posição mais avançada e mais a norte. A


sua localização, no coração do Bekaa, recorda-nos os bastiões
salomônicos. Se não era apoiada por várias fortificações
secundárias, deve ter controlado este fértil vale e rota internacional
através de um afastamento de carros, para o qual também servia de
base.[Nota 164]

Mas até a mais poderosa cintura de fortificações depende da


vigilância dos seus defensores. Quando Basa, rei de Israel, tentou
avançar as fronteiras do planalto central para um ponto acerca de
7,5 km de Jerusalém, e depois de um sucesso inicial começou a
construir a fortaleza de Ramá como ameaça permanente à capital
de Judá. Asa, rei de Judá, tomou a fatídica iniciativa de propor a
Bene-Hadade uma aliança ofensiva contra Israel. Era a
oportunidade pela qual Bene-Hadade vinha esperando, mas o seu
armamento ainda não era suficientemente forte para lhe permitir
empreender uma guerra de conquista. Assim, ele embarcou numa
campanha com armas semelhantes às de Chichac. Enquanto as
atenções de Basa estavam firmemente centradas em Judá
(particularmente por acreditar que tinha a retaguarda protegida pela
sua aliança com Damasco), os Arameus avançaram rapidamente e
“esmagaram” as cidades da “Linha Naftali”.

Basa viu-se obrigado a interromper a construção de Ramá, e Asa


aproveitou para inverter a situação contra Israel: “Então o rei Asa fez
apregoar por toda a Judá que todos, sem exceção, trouxessem as
pedras de Ramá... e com elas o rei Asa edificou Geba de Benjamim
e Mizpá [como fortalezas fronteiriças contra novas agressões
israelitas]” (1 Reis 15:22). Judá salvou-se, mas fora criado o
perigoso precedente de concluir um pacto com uma potência
estrangeira contra um reino irmão, apontando o caminho a futuros
agressores.
Fundibulário de Tell Halaf.

Notas do Capítulo 6

Nota 152 - 1 Rs 12:8. (N.T.) [Voltar]

Nota 153 - Roboão fora já proclamado rei em Jerusalém pela tribos de Judá e Benjamim.
Ao deslocar-se a Siquém, pretendia ser aclamado também pelas dez tribos do Norte,
referidas nesta passagem como “todo o Israel”. (N.T.) [Voltar]

Nota 154 - MAZAR, VT; Sup. 4, 1975, pp. 57-66. [Voltar]

Nota 155 - GLUECK, N., “Tel el Khafeila”, NEAEHL II, p. 582. [Voltar]

Nota 156 - Sobre os arameus versus Israel, ver MAZAR, Canaan and Israel, pp. 245-269.
[Voltar]

Nota 157 - Em uma das versões portuguesas lê-se “cavalaria” em vez de “carros”. (N.T.)
[Voltar]

Nota 158 - Sobre Tirça e as suas fortificações, ver DE VAUX, R., “La troisième campagne
de fouilles à Tel-el-Farah”, RB 58, 1951, pp.409 sqq. [Voltar]

Nota 159 - Entre 515 a.C. e 70 d.C. (N.T.) [Voltar]

Nota 160 - YADIN, Hazor, p. 199. [Voltar]

Nota 161 - O autor descobriu alguns restos típicos, tais como fragmentos de recipientes e
tigelas de cerâmica de Samaria, semelhantes aos referidos em AMIRAN, R., The Ancient
Pottery of Eretz Israel, Jerusalém, 1963, pp. 195 sqq. e Il. 75 II (a) e (b). [Voltar]

Nota 162 - Sobre as fortalezas da “Linha Neftali” através dos tempos, ver GICHON,
“Carta’s Atlas”, pp. 24-25 e 71. [Voltar]

Nota 163 - Acerca da estela de Mecha, ver ALBRIGHT, ANET, P. 320. [Voltar]

Nota 164 - Sobre Samaria e as suas fortificações, ver CROWFOOT, J.W., KENYON, K. M.
E SUKENIK, E. L., The Buildings at Samaria, Londres, 1942, pp. 5 sqq. O autor refere-se
ao relatório das escavações de Reissner e Fisher. Se acrescentarmos a fortaleza de Ibleam
(uma cidade levítica), ainda não escavada, que guardava os acessos originários do Norte,
pelo vale de Jezrael, e com origem a noroeste, pelo vale de Dotan, às três poderosas
cidades fortificadas de Siquém (cf. WRIGHT, G.E., Shechen: The Biography of a Biblical
City, Londres, 1950, p. 150), Samaria e Tirça, obtemos um quadrilátero de fortificações
idealmente concebidas para protegerem o coração da Samaria, e também para servirem
de rampas de lançamento e pontos de apoio para ofensivas em quatro direções diferentes.
Comparada com o famoso quadrilátero habsburgo do Norte de Itália (secs. XVII-XVIII), a
solução dos antigos israelitas parece melhor. [Voltar]
CAPÍTULO 7

ISRAEL NOS REINADOS DE OMERI E


ACABE
Omeri foi o rei que conseguiu reestabelecer Israel, em coligação
com Judá, como a principal potência do Sul da Síria e da Grande
Palestina. Porém, surpreendentemente, nenhum dos seus feitos foi
preservado nos registros bíblicos. Um rei judaico que não se
curvava perante a coroa de Davi nem aceitava a singularidade do
Templo de Jerusalém – o que significa todos os reis do Norte – só
seria mencionado pelo cronista bíblico se este considerasse o
assunto relevante para o seu próprio relato da história de Judá.

É de uma fonte extrabíblica – a inscrição da estrela de Mesa, rei


de Moabe – que ficamos a saber que Omeri reconquistara Moabe,
sendo-nos permitido inferir que também Amom teria ficado sob o
seu domínio.[Nota 165] A Bíblia menciona, de passagem, a fundação
da nova capital de Omeri, Samaria, após o que todo o rei do Norte
passou a ser chamado Reino de Samaria. As escavações
arqueológicas trouxeram à luz partes consideráveis da capital
israelita: fortificações poderosas e elaboradas, um magnífico
conjunto palaciano, armazéns e diversas instalações
administrativas. Ficamos com uma impressão de poder e
prosperidade.[Nota 166]

Uma das fontes principais do poderio econômico de Omeri foi a


intensificação da sua tradicional aliança com os Fenícios. A
intimidade desta aliança é inferida do fato de ter sido comentada
através do casamento de Acabe, herdeiro aparente de Omeri, com
Jezabel, filha do rei de Tiro. A aliança com Tiro é, por si só, um sinal
de ascendência militar e política. A sobrevivência política e
econômica dos Estados marítimos fenícios dependia de garantirem
a proteção do seu interior, produtor de alimentos, e das rotas
comerciais que conduziam aos seus domínios costeiros.
Conseguiam-no geralmente através da conclusão de pactos com os
seus vizinhos mais indicados (habitualmente os mais poderosos).

A INVASÃO DE BENE-HADADE II
19. Bene-hadade cerca samaria

1. Cintura de cerco.

2. Principal QG e base de Bene-Hadade.

3. Os nearim executam uma estratégia para distrair os sitiantes.


4. As forças principais israelitas atacam, surpreendem e
desorganizam o inimigo.

5. Os israelitas atacam o acampamento aramaico e derrotam


Bene-Hadade, que se encontra embriagado.

6. Bene-Hadade foge à frente das suas tropas.

O ressurgimento de Israel era visto com grande preocupação


pelos damascenos, e na época de Acabe, que sucedeu a Omeri por
volta de 870 a.C., Bene-Hadade II decidiu desencadear uma guerra
preventiva antes que Israel se tornasse demasiado forte e tomasse
a iniciativa de desencadear uma guerra preventiva para reconquistar
as anteriores possessões salomônicas nos Montes Golan e mais a
norte e a leste: “Bene-Hadade, rei de Arã, reuniu todo o seu
exército: tinha consigo trinta e dois reis, cavalos e carros. Subiu e
sitiou Samaria, atacando-a” (1 Reis 20:1).

Bene-Hadade liderava uma coligação de todos os soberanos


aramaicos alarmados face ao renascimento israelita. Na fase inicial
da campanha, Bene-Hadade conseguiu antecipar-se ao rei israelita.
Acabe ainda estava reunido com os “anciãos” e “governadores de
distrito” para decidir a estratégia a adotar quando Bene-Hadade
apareceu frente às muralhas e cercou a cidade.[Nota 167] Isolado do
grosso do seu exército regular, que ainda se encontrava disperso
pelas suas guarnições ou fora inteligentemente evitado por Bene-
Hadade, Acabe tinha consigo (para consultas) os funcionários e os
comandantes das reservas (a leva nacional), pelo que a leva
nacional ainda não fora convocada ou não assumira as suas
posições – fosse como fosse, encontrava-se isolada dos seus
líderes e das altas patentes do estado-maior. A situação dos
israelitas pode comparar-se à das forças britânicas do Norte da
África quando, na fase inicial do ataque surpresa alemão de 31 de
março de 1941, os seus comandantes, os generais O’Connor e
Neame, juntamente com os seus companheiros, deram de cara com
uma patrulha alemã e foram capturados.

A situação de Acabe parecia desesperada - e Bene-Hadade era


certamente da mesma opinião. Para ganhar tempo e evitar o pior,
Acabe dispôs-se a aceitar os termos de Bene-Hadade, embora
fossem humilhantes. Mas Bene-Hadade, julgando quebrada a
vontade de resistir de Acabe, alterou as suas condições para impor
uma completa e humilhante prostração. Parece que era exatamente
disto que Acabe estava à espera, pois ele serviu-se dos termos
degradantes oferecidos pelos damascenos para suscitar a
indignação dos seus conselheiros e encorajar os anciãos. Contando
com o seu apoio, Acabe rejeitou a proposta aramaica.

Bene-Hadade não considerou a recusa de Acabe uma grande


calamidade, pois acreditava que a queda de Samaria era um fato
consumado. Estava a dar fim em um cerco bem estruturado mas
sem se apressar, os seus carros protegiam-no de qualquer
interferência e sentia-se seguro na sua superioridade. A Bíblia
registra o número de soldados com Acabe em Samaria como inferior
a 8000. A confiança de Bene-Hadade pode ser inferida da sua
reação à recusa de Acabe em submeter-se: “Tornou Bene-Hadade a
enviar-lhe mensageiros, e disse: Assim me façam os deuses, e
outro tanto, se o pó de Samaria bastar para encher as mãos de todo
o povo que me segue” (1 Reis 20:10). A proverbial resposta de
Acabe ainda hoje é usada em hebraico “‘O rei de Israel, porém,
respondeu:
Dizei-lhe: Não se gabe quem se cinge das armas como aquele
que as depõe’” (1 Reis 20:11). Face a esta resposta, Bene-Hadade
ordenou a preparação de um ataque geral. Mas o seu ataque foi
antecipado pelo de Acabe.

As forças israelitas formaram em duas divisões. A primeira, um


pequeno contingente de 232 homens, era constituído pelos nearim,
soldados de elite que formavam a guarda pessoal dos governadores
de província (que tinham acompanhado o grande conselho
convocado por Acabe para Samaria).[Nota 168]

Quando Bene-Hadade, em meio de uma pândega com os seus


aliados nas cabanas que haviam sido construídas para eles, soube
do reduzido número de atacantes, ficou em dúvida quanto aos seus
propósitos. Inspirado pelo vinho, fez uma piada com o assunto,
dizendo: “se vierem em paz, capturai-os vivos; se vierem a guerrear,
quero-os vivos” (1 Reis 20:18, tradução do autor; a piada baseia-se
em um jogo de palavras no original em hebraico).[Nota 169]

O que se seguiu é largamente conjectural, pois a breve versão


bíblica diz:

Saíram, pois, da cidade os moços dos chefes das províncias, e


o exército que os seguia. E eles mataram cada um o seu
adversário. Então os sírios fugiram, e Israel os perseguiu; mas
Bene-Hadade, rei da Síria, escapou a cavalo, com alguns
cavaleiros.E saindo o rei de Israel, destruiu os cavalos e os
carros, e infligiu aos sírios grande derrota. (1 Reis 20:19-21)
Arqueiros assírios montados

A pequena força judaica que saiu da cidade ao princípio da tarde,


descendo, bem à vista do inimigo, a colina sobre a qual se erguia
Samaria, parece ter sido tratada pelos arameus como uma presa a
capturar viva e para ser exibida perante o seu soberano para
gratificar os seus caprichos. Mas os nearin eram um engodo.
Enquanto todas as atenções estavam centradas neles, o resto das
forças de Samaria atacou e derrotou alguns regimentos aramaicos.
O contingente israelita deve ter incluído os carros aquartelados em
Samaria e outras unidades de elite que formavam a guarda real.
Atônitos, os arameus vacilaram, e como os seus chefes não se
encontravam com as tropas, mas sim a beber na companhia de
Bene-Hadade, as suas fileiras romperam-se e seguiu-se uma
debandada geral, na qual foram arrastados Bene-Hadade e os seus
comparsas.
Tão súbita foi a fuga de Bene-Hadade que não houve tempo de
aparelhar o seu carro real, e ele teve que saltar para cima de um
cavalo e escapulir-se com um grupo de cavaleiros. Notamos, de
passagem, que a cavalaria dá os seus primeiros passos nos
campos de batalhas palestinos.

Na sua fuga, os arameus foram obrigados a passar muito perto de


uma ou mais bases do exército israelita, tais como Siquém, Tirça,
Peniel, Megido ou até Haçor. Durante uma parte considerável da
fuga, tiveram que atravessar terreno montanhoso e desfiladeiros
como a estrada Tebes-Bezec ou a do Wadi Tirça, que ainda em
1918 constituíram armadilhas mortais para tropas em retirada.[Nota
170]

As guarnições israelitas, alertadas, bem como o aparecimento


espontâneo do povo em armas, poderão ter afligido mais danos aos
fugitivos do que os sofridos durante o combate propriamente dito.

A catástrofe de Samaria foi minuciosamente analisada por Bene-


Hadade e pelos seus conselheiros:

Os servos do rei da Síria lhe disseram: “Seus deuses são


deuses dos montes, por isso eles foram mais fortes do que nós;
mas pelejemos com eles na planície, e por certo
prevaleceremos contra eles. Faze, pois, isto: tira os reis, cada
um do seu lugar, e substitui-os por capitães; arregimenta outro
exército, igual ao exército que perdeste, cavalo por cavalo, e
carro por carro...” Ele deu ouvidos ao que disseram, e assim
fez.

Se traduzíssemos as causas identificadas pelo conselho


damasceno como causadoras do dies ater [Nota 171] de Samaria para
a gíria militar moderna, teríamos o seguinte: 1) enredamento em
terreno impróprio para o emprego das tropas de choque aramaicas,
os carros e a cavalaria; 2) descentralização do comando e todas as
outras desvantagens endêmicas numa coligação com muitos
parceiros.

A solução proposta e aceita foi: 1) manobrar de modo a obrigar os


israelitas a combater em terreno conveniente para as armas e
táticas aramaicas; 2) antes disso, os arameus deveriam reorganizar-
se, transformando a confederação feudal que era o Estado
damasceno em um único Estado centralizado; finalmente, 3)
reconstruir e reequipar o exército aramaico, elevando-o ao nível que
possuíra antes da derrota.

O plano de ação damasceno, particularmente os pontos 2 e 3,


necessitava de bastante tempo para a sua preparação e execução.
Isto deu a Acabe alguns anos de paz por parte do seu vizinho do
norte, mas ele, escaldado pela experiência, manteve uma vigilância
constante sobre as suas movimentações e preparativos militares.
Assim, quando Bene-Hadade terminou os seus preparativos e
planejou uma segunda invasão, Acabe já estava de sobreaviso.[Nota
172]

ACABE NOS MONTES GOLAN


20 Acabe nos Montes Golan (primeira fase)

1. Acabe avança com as suas tropas para impedir uma nova


invasão síria.

2. O exército sírio avança de Damasco.

3. Bene-Hadade bloqueia o avanço israelita no desfiladeiro.

4. Acampamento base aramaico em Afec.


Desta vez, Acabe estava totalmente preparado e decidiu impedir
Bene-Hadade de lançar a sua ofensiva e penetrar em território
israelita. O exército israelita atacou, mas embora conseguisse
conquistar o planalto de Golan antes dos amorreus travarem o seu
ímpeto, Bene-Hadade chegou a tempo de fechar o estreito
desfiladeiro criado por gargantas de rios paralelas, deixando apenas
uma serrania íngreme e estreita no acesso à cidade de Afec, que
lhe servia de base recuada. Seguindo o posicionamento dos
exércitos proposto pelo Professor Yadin na sua reconstrução da
batalha,[Nota 173] podemos imaginar as duas tropas formadas frente a
frente, nas extremidades do desfiladeiro, durante oito dias. Depois,
Acabe atacou e pôs o inimigo em fuga. A Bíblia não dá nenhum
indício sobre como terá sido obtida a vitória israelita. O desfiladeiro
de Afec não tem mais de 100 m de largura por 130 m de
comprimento, e nenhuma carga frontal poderia ter êxito contra um
defensor determinado. Mas existem dois acessos pela lateral: era
possível rodear o exército aramaico no lado este do desfiladeiro,
subindo até a sua retaguarda a partir de norte e sul. O acesso norte
passa sobre a serrania de Susita (Hipo), e o acesso sul – ou antes,
acessos – consiste de três ou quatro trilhos íngremes que conduzem
à encosta norte do desfiladeiro de Wadi Barbara.[Nota 174]

Recentemente, alguns estudiosos localizaram Afec não na aldeia


árabe homônima, situada atrás do desfiladeiro, mas em En Gev,
perto do Mar da Galiléia. A ser assim, os israelitas terão flanqueado
os Arameus nas encostas do Golan. Outros especialistas identificam
Afec com uma suposta “Afec de Baixo”.

Neste cenário, os arameus partiram de “Afec de Baixo” e fugiram


para Afec, acerca de 6 km de distância. Mantemos a nossa opção
pela primeira hipótese, mas não podemos por de lado a terceira
alternativa.[Nota 175]

Durante os oito dias de vigia ao inimigo, Acabe teve tempo


suficiente para reconhecer os acessos que lhe permitiriam envolver
o inimigo e formar os grupos de assalto que executariam a manobra.
Talvez Acabe já tivesse elaborado o seu plano, adiando-o por uma
semana para impressionar psicologicamente os soldados
aramaicos, os quais sempre em alerta máximo contra qualquer
movimentação suspeita no desfiladeiro, ter-se-iam tornado
assustadiços ou desatentos decorridos oito dias. Quando os
israelitas apareceram na sua retaguarda, possivelmente em
simultâneo com um ataque frontal pelo desfiladeiro, a frente
aramaica rompeu-se e os fugitivos seguiram para Afec, cujas
defesas se desmoronaram literalmente devido à pressão da grande
quantidade de pessoas que procurava refúgio dentro das muralhas.
Batalhas célebres mais recentes, tais como Blenhein (travada pelo
Duque de Marlborough, em 1704), ou Leuthen (travada por
Frederico II da Prussia, em 1757), provaram que até durante uma
retirada mais controlada o fluxo dos fugitivos torna impossível a
defesa de uma cidade de refúgio. A massa das tropas em fuga
impede o movimento nos espaços limitados e transforma a sua
utilização tática em uma ilusão.[Nota 176]

Este fato foi reconhecido por Bene-Hadade, que decidiu lançar-se


aos pés de Acabe e apelar à sua clemência. Para grande desagrado
de muitos israelitas, Acabe demonstrou grande brandura e
contenção para com o inimigo vencido.
21 Acabe nos Montes Golan (segunda fase)

1. O contingente principal israelita ataca os arameus na


serrania.

2. A força-tarefa israelita sobe a serrania e surpreende o flanco


aramaico.

3. Os arameus fogem para Afec de Baixo.

4. Acabe persegue os Arameus.

Em troca de uma promessa de renúncia a qualquer pretensão às


antigas cidades israelitas que haviam sido conquistadas pelos
arameus, e do seu consentimento no estabelecimento de
instalações comerciais israelitas em Damasco, dotadas de direitos
extraterritoriais e outros privilégios, Bene-Hadade foi honrosamente
libertado e recebeu um salvo-conduto para regressar a casa.

O gesto de Acabe foi mais do que simplesmente generoso,


embora estivesse em sintonia com o seu nobre caráter, pois ele era
um governante visionário.

Acabe esperava que ao mostrar-se generoso para com o seu


inimigo quase hereditário, conseguiria quebrar definitivamente o
ciclo vicioso de guerras contínuas. Assim, absteve-se de impor
condições muito humilhantes aos arameus, sabendo que não os
conseguiria controlar no longo prazo e que era obrigado a conviver
com eles. Além do mais, Acabe estava provavelmente ciente do
ressurgimento da Assíria como grande potência expansionista, e da
necessidade de preservar os recursos e forças da Síria e da
Palestina para um importante esforço unificado para conter a
avalanche assíria.

A AMEAÇA ASSÍRIA

De fato, foram necessários apenas dois anos para que a situação


se agravasse e a invasão assíria se materializasse.[Nota 177] No sexto
ano do seu reinado, Salmanasar III (858-824 a.C.), depois de ter
dominado as terras a oriente do Eufrates, iniciou a sua grande
guerra de conquista para subjugar os territórios a ocidente.

Não temos uma ideia precisa acerca da força da máquina de


guerra assíria, mas era indubitavelmente a mais sofisticada e
complexa que o mundo até então conhecera. Este fato torna-se
aparente através do estudo dos relevos das portas de bronze de
Balawat, no antigo Iraque, que representam algumas das
campanhas de Salmanazar.[Nota 178] Mostram corpos de infantaria
diversamente armados, combatendo ao lado de carros com
tripulação de três homens e cavaleiros armados com lanças, dardos
ou arcos. Alguns soldados encontram-se inteiramente protegidos
por armaduras, outros parecem não as usar. A maquinaria de cerco
inclui, além das bem conhecidas ferramentas para abrir as brechas
e escadas de assalto, aríetes móveis de quatro ou seis rodas,
cobertos com chapas de metal e/ou peles. Barcos, jangadas e peles
de animais insufladas servem a vanguarda como equipamento para
atravessar rios, e campos fortificados, construídos segundo um
padrão, servem as tropas durante a marcha.

A cavalaria assíria surge já no auge do seu desenvolvimento. A


sua utilização tática era frequentemente em unidades mistas,
combinada com a infantaria ou integrando cavaleiros diversamente
armados. As experiências em táticas menores incluíam o grupo de
combate de dois cavaleiros, um arqueiro e outro armado de forma
diferente que o protegia quando disparava, à semelhança dos
arqueiros a pé que eram protegidos por um camarada segurando
um grande escudo.

As forças armadas israelitas também dispunham de tropas


montadas, mas estas nunca atingiram a proeminência de que os
carros gozaram de toda a existência do Reino Norte. A cavalaria
como arma independente poderá ter aqui evoluído, tal como em
outras regiões, a partir dos cavaleiros que acompanhavam os
carros. Em alguns relevos assírios são representados aos pares,
formando uma equipe com o carro. As palavras de Jeú ao seu lugar-
tenente, Bidcar - “quando tu e eu, montados, seguíamos Acabe”[Nota
179] -, têm sido citadas como prova de que também em Israel as

tropas montadas poderão ter sido inicialmente utilizadas aos pares,


cada par apoiando um carro em combate.[Nota 180]

O exército assírio chegou ao vale do Alto Orontes, mas ao


avançar para o sul descobriu o seu caminho bloqueado pelos
exércitos aliados sírio-palestinos, formados para o combate nos
pântanos de Qarqar (853 a.C.). Os anais de Salmanasar
preservaram a ordem de batalha das forças aliadas contra ele:
“Hadade-Ézer [Bene-Hadade II] de Damasco: 1.200 carros, 1.200
cavaleiros, 10.000 infantes; Iruléni de Hamate: 700 carros, 700
cavaleiros, 10.000 infantes; Acabe, o israelita: 2000 carros, 10.000
infantes; Que: 500 infantes; 1000 soldados de Musri [um Estado
sírio ou Egito]; Arqad: 10 carros, 10.000 soldados; Arvad: 200
soldados; Usanata [Usnu]: 200 soldados; Shian: 30 carros, 10.000
infantes; 1000 (?) soldados de Amon; Gindibu, o Árabe: 1000
cameleiros”. No total, os aliados dispunham de 3940 carros, 1.900
cavaleiros e 52.900 infantes.[Nota 181]

Esta lista constitui um dos documentos mais elucidativos acerca


da história militar da época. O analista assírio não pode ser suspeito
de ter intencionalmente diminuído o tamanho das forças inimigas,
pelo que o número relativamente modesto referente à contribuição
de cada membro para o exército da coligação deve ser tido como
verdadeiro.

É claro que estes números não representam os efetivos totais dos


respectivos exércitos, mas constituem um bom padrão para a
dimensão das forças envolvidas em campanhas importantes. Aliás,
estes números comparam-se muito favoravelmente com o das
forças presentes nos campos de batalha europeus ao longo dos
tempos. Em termos de batalhas individuais, só os exércitos do
século XIX conseguiram utilizar forças maiores para um esforço
concertado. As da Idade Média foram sempre menores.
Uma força de assalto assíria tenta conquistar uma cidade
subindo pelas construções encostadas às muralhas. Os
atacantes são apoiados por armas constituídas por um arqueiro
e um lanceiro. O lanceiro está equipado com um mantelete
(escudo) da altura de um homem, para cobrir a si e ao arqueiro.
Os defensores combatem a partir de galerias de madeira
(“Kheshbonoth”).

Outro aspecto interessante é a pouca contribuição de algumas


cidades costeiras fenícias, tais como Arvad, e a ausência de
referência a outras, tais como Tiro. Tratando-se de potências
essencialmente navais, devem ter instruído as suas esquadras para
providenciarem todo o apoio necessário, limitando-se o seu
contributo para o combate em terra a contingentes simbólicos e
contribuições financeiras, à semelhança de potências navais
posteriores (tais como Veneza, e a Grã-Bretanha durante uma
grande parte da sua história).
22. a marcha sobre Qarqar contra os assírios
1. Queanos: 500 infantes.

2. Grande exército assírio.

3. Emésios de Hamate: 700 carros, 700 cavaleiros e 10.000


infantes. Fenícios (Arvad, Arqad, Shian e Usnu): 40 carros e
20.200 infantes.

5. Forças combinadas dos aliados do Sul.

6. Damascenos: 1.200 carros, 1.200 cavaleiros e 10.000


infantes.

7. Israelitas: 2.000 carros, 10.000 infantes.

8. Amonitas: 1000 infantes.

9. Egípcios (de Musri): 1000 infantes.

10. Árabes: 1000 cameleiros.

Acabe, em terceiro lugar no rol assírio (que conhecia melhor os


vizinhos mais próximos da Assíria), deve ter sido um dos principais
impulsionadores da coligação, senão mesmo a sua figura central.
Bene-Hadade não poderia ter assumido esta posição tão pouco
tempo depois da sua esmagadora derrota às mãos do rei israelita.
Embora a força de cavalaria de Acabe (a ter estado presente) fosse
pequena demais para merecer referência, o seu contingente de
carros era de longe o maior. O corpo de carros israelita integrava
mais de 800 veículos do que Salomão, que dispusera de todos os
recursos da Monarquia Unida. Além do mais, a capacidade dos
estábulos de Megido foi calculada em 492 cavalos, o que significa
que para manter um corpo de 2000 carros seriam necessárias doze
outras bases com estábulos de capacidade similar. A aliança de
Acabe com Tiro poderá explicar parcialmente a sua capacidade para
financiar esta dispendiosa força. Outra possibilidade é explicar os
seus enormes efetivos em carros pela inclusão dos veículos de Judá
nas fileiras israelitas, com base no pacto de assistência mútua –
defensiva e ofensiva – que existia então entre Judá e Israel.
Finalmente, também é possível que, intencionalmente ou por
engano, os números constantes da lista assíria tenham sido
consideravelmente exagerados, mas não a distribuição relativa das
forças entre os vários membros da coligação.[Nota 182]

O número relativamente pequeno dos infantes israelitas é


facilmente explicado pela relutância de Acabe em destituir
completamente o seu país de tropas, mantendo uma reserva para
prosseguir o combate se a expedição ao Norte da Síria tornasse um
fracasso. E Acabe tinha também que deixar para trás forças
suficientes para manter em respeito e proteger as fronteiras
ocidentais contra os filisteus e as orientais contra as incursões
tribais. Além disso, numa campanha previsivelmente tão longa e de
tão complexa natureza logística, Acabe teria utilizado
exclusivamente tropas regulares.

Deslocar, alimentar e manter um exército de 10.000 homens (e


possivelmente muito mais) e o seu trem de bagagens durante cerca
de 450 km traduziu-se em um esforço logístico formidável. Uma
comparação com as tabelas dos estados-maiores do início do
século XX – utilizando a Guerra dos Bóeres como exemplo – prova
que uma marcha desta extensão demoraria aproximadamente trinta
dias.[Nota 183] Todavia, este cálculo não inclui as carroças puxadas
por bois nem as caravanas de camelos, que se deslocam a uma
velocidade de cerca de 3,5 km/h e abrandam consideravelmente a
progressão das tropas.

A coluna de marcha da força expedicionária israelita teria 9 km de


comprimento, o que exigia um elevado grau de disciplina com meios
de comunicação limitados (visuais, orais e por mensageiros a pé e
montados) ao dispor dos vários níveis de comando.

Cada cavalo necessitaria de aproximadamente 2kg de forragem


(se não houvessem pastagens disponíveis), e cada boi consumiria
cerca de 1,5 kg de forragem por cada 10 kg do seu próprio peso. O
exército israelita consumiria diariamente (para todos os efeitos) uma
média de 500.000 litros de água. Embora a maior parte do percurso
fosse através de território amigo, e quase todas as provisões
pudessem ser fornecidas por bases estabelecidas perto da rota de
marcha, os métodos e processos utilizados para garantir os
abastecimentos necessários na altura certa e a partir dos pontos,
depósitos e bases adequados, exigiram um elevado nível de
trabalho de estado-maior, e ainda mais por se tratar de uma aliança
multinacional e multilíngue.

Apesar de todas estas dificuldades, as forças aliadas chegaram a


Qarqar em boa ordem e, independentemente das suas carências
em armas e equipamento mais recentes, conseguiram não só repelir
o exército assírio, mas também maltratá-lo tão severamente que
Salmanasar desistiu temporariamente de quaisquer desígnios
militares na Síria e na ponte terrestre palestina. A Bíblia não
menciona a campanha de Qarqar, e foi graças às escavações
arqueológicas que os anais assírios, gravados em pedra e narrando
estes acontecimentos, foram desenterrados e chegaram até nós.
[Nota 184]
O fato de estarmos em presença dos limites da capacidade
tecnológica de então é cabalmente demonstrado pelos meios
logísticos representados nos antigos registros pictográficos egípcios
e assírios. Além do mais, os meios à disposição de Acabe e dos
seus aliados não foram basicamente diferentes dos utilizados pelos
exércitos romanos de dimensões semelhantes que em 67-71 e
122/3-125 d.C. se deslocaram de todo o império para combaterem
os judeus. Mesmo campanhas muito posteriores, como as guerras
italianas travadas por diversos imperadores, de Carlos Magno ao
século XVI, envolveram a marcha de exércitos em distâncias
semelhantes, incluindo a passagem dos Alpes, com meios logísticos
não superiores (ou até inferiores).Por razões de privilégios, a Bíblia
prossegue a história algum tempo depois do regresso de Acabe a
Jerusalém, encontrando-o no auge do seu poder e prestígio:

No terceiro ano, porém, desceu Josafá, rei de Judá, a ter com o


rei de Israel. E o rei de Israel disse aos seus servos: Não sabeis
vós que Ramote-Gileade é nossa, e nós estamos quietos, sem
a tomar da mão do rei da Síria? Então perguntou a Josafá: Irás
tu comigo à peleja, a Ramote-Gileade? Respondeu Josafá ao
rei de Israel: Como tu és sou eu, o meu povo como o teu povo,
e os meus cavalos como os teus cavalos. (1 Reis 22:2-4)
Arremessadores e arqueiros assírios atacam Láquis (Nínive,
palácio de Senaqueribe).

O contexto e as circunstâncias históricas são claros. Josafá


chegou a Samaria para uma das consultas periódicas entre
parceiros régios, que vinham acontecendo desde a conclusão do
tratado de aliança entre os dois reinos durante o reinado de Omeri
(?). Dado que Bene-Hadade quebrara a promessa que fizera após a
sua derrota em Afec – devolver todas as suas antigas cidades
israelitas – e não abrira mão da parte norte de Gileade, Acabe
propôs ao seu aliado um esforço comum para recuperar pela força o
que lhe pertencia por direito. A promessa de total cooperação, feita
imediatamente e sem quaisquer reservas por Josafá, foi motivada
por três considerações: 1) a sua confiança na liderança militar de
Acabe; 2) a sua compreensão da importância de reconquistar o rio
Jermuc e a brecha de Edrei para garantir a segurança de ambos os
reinos; 3) o seu reconhecimento das vantagens econômicas e
estratégicas da posse de Ramote, em Gileade, localizada na
Estrada Real e no acesso às ricas regiões cerealíferas a ocidente
das montanhas de Hauran e às pastagens mais além, onde os
colonos judaicos sofriam a constante pressão de diversas tribos e
povos.[Nota 185]

Na véspera do decisivo combate em Ramote, Gileade, que fora


ocupada pelos damascenos, Bene-Hadade passou algumas horas
de ansiedade pensando nas suas derrotas às mãos de Acabe. Ao
instruir os seus oficiais, traiu a sua reverência pela superior
liderança militar de Acabe, considerando-o mais perigoso do que
vários pelotões de soldados: “Ora, o rei da Síria tinha ordenado aos
capitães dos carros, que eram trinta e dois, dizendo: Não pelejeis
nem contra pequeno nem contra grande, senão só contra o rei de
Israel” (1 Reis 22:31).

Assim, no dia seguinte, quando os exércitos se enfrentaram,


pelotões de carros selecionados lançaram-se ao ataque com a única
missão de caçarem e matarem Acabe. Quando uma destas
unidades atacou Josafá por engano, interrompeu imediatamente o
combate ao identificar o rei de Judá. Acabe prostara-se na frente do
combate logo de início. Por sorte, escapara às atenções das
unidades de carros que o procuravam. Contudo, uma flecha perdida
atingiu-o entre as juntas da armadura, penetrando profundamente
no corpo. Gravemente ferido, Acabe não conseguiu comandar
pessoalmente o ataque. Mas a oposição aramaica era tão forte e
resoluta que ele receava abandonar o campo de batalha para tratar
do ferimento, nem que fosse por pouco tempo, não fosse a sua ação
ser mal interpretada e levar a uma retirada israelita: “E a peleja
cresceu naquele dia; contudo o rei de Israel foi sustentado no carro
contra os sírios até a tarde; porém ao pôr do sol morreu” (2 Crônicas
18:34).

Ao sangrar heroicamente até a morte, escondendo o ferimento


mortal dos olhos dos seus soldados até ao anoitecer, e só então
caindo de mortífera exaustão, Acabe impediu a derrota. Porém,
antes de as suas tropas renovarem o combate na manhã seguinte, a
notícia da morte de Acabe espalhou-se. Na ausência de um líder
substituto, capaz de se servir do fato para suscitar nos israelitas
fúria e desejo de vingança, a consternação sobrepôs-se a tudo e as
tropas de Israel e Judá retiraram-se em desalento, “cada um para a
sua cidade e para a sua terra”.[Nota 186]
“Então um homem entesou o seu arco, e atirando a esmo, feriu
o rei de Israel por entre a couraça e a armadura abdominal” (1
Reis 22:34). Representação quase contemporânea de um
incidente semelhante num relevo egípcio.

Notas do Capítulo 7

Nota 165 - 1 Rs 20: 7-14. Do versículo 12, torna-se evidente que Bene-Hadade já se
encontrava acampado frente a Samaria, sitiando-a pelo que os anciãos e os governadores
de distrito, já se encontrariam dentro da cidade. Antes da invenção do telefone, não teria
sido possível a um comandante orientar as suas tropas a partir de um quartel-general a 60
km do teatro de operações (cf. YADIN, Warfare, pp. 305 sqq.). [Voltar]

Nota 166 - Sobre os nearin, ver DE VAUX, Ancient Israel, pp. 220-221. [Voltar]

Nota 167 - Na versão portuguesa: “Quer eles venham para tratar de paz ou combater,
prendei-os vivos”. (N.T.) [Voltar]
Nota 168 - McMUNN e Falls, Millitary Operations II, 2, pp. 416-546; GULLET, Official
History of Australia, pp. 692-712; GUHR, H., Als türkischer Divisionskommandeur in
Kleinasien und Palästina, Berlim, 1937, pp. 248-261; GICHON, “Carta’s Atlas”, p. 109.
[Voltar]

Nota 169 - “Dia Negro”, nome atribuído pelo calendário romano aos dias extremamente
funestos e aziágos. (N.T.) [Voltar]

Nota 170 - A passagem de 1 Rs 20:26 [Passado um ano, Bene-Hadade arregimentou os


sírios, e subiu a Afeque, para pelejar contra Israel” N.T.)] implica um renovar das
hostilidades no ano seguinte à primeira invasão aramaica. Todavia, isto não é consistente
com o tempo necessário para uma reorganização completa do reino aramaico antes da
segunda campanha. [Voltar]

Nota 171 - YADIN, Warfare, p. 309. [Voltar]

Nota 172 - O autor teve a oportunidade de percorrer os quatro trilhos. [Voltar]

Nota 173 - Cf. LB, p. 381, notas 14 e 15. Em qualquer dos casos, é impensável transferir a
batalha para o vale do rio Jarmuc. [Voltar]

Nota 174 - Cf. LB, p. 381, notas 14 e 15. Em qualquer dos casos, é impensável transferir a
batalha para o vale do rio Jarmuc. [Voltar]

Nota 175 - Acerca das relações entre Israel e a Assíria, ver MALAMAT, “The Wars of Israel
and Assyria”, in MHBT, pp. 241 sqq. [Voltar]

Nota 176 - YADIN, Warfare, pp. 382 sqq. [Voltar]

Nota 177 - 2 Rs 9:25. Jeú era rei de Israel. (N.T.) [Voltar]

Nota 178 - YADIN, Warfare, p. 297. Todavia, esta passagem poderá apenas querer dizer
que ambos se deslocavam em carros. [Voltar]

Nota 179 - ANET, pp. 278-279. [Voltar]

Nota 180 - Para uma opinião extrema, ver NAAMAN, N., Tel-Aviv 3, 1976, pp. 89-106.
Todavia, parte da sua argumentação não é relevante (ver o nosso texto). [Voltar]

Nota 181 - GUNTER, E., The Officer’s Field Note and Sketch Book and Reconnaissance
Aide-Memoire (14ª edição revista), Londres, 1912, pp. 58 sqq. [Voltar]

Nota 182 - Ver cap. 7, nota 181 [Voltar]

Nota 183 - Sobre o Norte de Gileade, zona de conflito de interesses entre Aram e Israel,
ver MAZAR, Canaan and Israel, pp. 245 sqq., e MAZAR, “Havoth Yair”, in EB III, pp. 66-67.
[Voltar]

Nota 184 - 1 Rs 22,36. (N.T.) [Voltar]


Nota 185 - ANET, p. 320 [Voltar]

Nota 186 - ANET, para. (25). Escavações de Aroer, ver NEAEHL (ed. Avi-Yonah), pp. 99-
100 [Voltar]
CAPÍTULO 8

ISRAEL DEPOIS DE ACABE

A CAMPANHA CONTRA MESA

O resultado inconcludente da campanha de Acabe contra os


arameus, a sua morte no campo de batalha de Ramote, em Gileade
e a subsequente consternação geral em Israel e Judá foram
aproveitados por Mesa, rei de Moabe, que se revoltou para libertar o
seu país da hegemonia israelita. Os seus feitos são descritos em
pormenor na famosa estela que ele ergueu após a sua vitória final,
descoberta há cerca de um século perto da antiga Dibon, em
Moabe.[Nota 187] A partir desta fonte quase única, que comprova
acontecimentos mencionados na Bíblia, ficamos sabendo que Mesa
não se deteve nas fronteiras do seu reino, atravessando os rios
Arnon, a norte, e Zerede, a sul, e conquistando cidades e
povoações em Michor (a região montanhosa mais baixa de Gileade)
e também, em menor escala, no norte de Edom.[Nota 188]

A queda acidental do rei Acazias de uma janela do palácio deixou-


o um homem doente durante a maior parte dos seus dois anos de
reinado, e só depois de lhe suceder Jorão (c. 850 a.C.), seu irmão, é
que Israel recuperou o seu equilíbrio e foi planejada a reconquista
de Moabe.

E, pondo-se em marcha, mandou dizer a Josafá, rei de Judá: O


rei dos moabitas rebelou-se contra mim; irás tu comigo a guerra
contra os moabitas? Respondeu ele: Irei; como tu és sou eu, o
meu povo como o teu povo, e os meus cavalos como os teus
cavalos. E perguntou: Por que caminho subiremos?
Respondeu-lhe Jorão: Pelo caminho do deserto de Edom.
Partiram, pois, o rei de Israel, o rei de Judá e o rei de Edom; e
andaram rodeando durante sete dias... (2 Reis 3:7-9).

A aliança entre Israel e Judá ainda funcionava. A estela de Mesa


diz-no que o rei de Judá não só estava a cumprir as suas
obrigações à proteção do tratado, como também era parte muito
interessada, pois Mesa ocupara parcialmente Edom, que era
administrado por um governador de Judá.

A força expedicionária incluía infantes e carros, e o comandante


supremo, não obstante a sua juventude, era Jorão. O seu
planejamento demonstra imaginação e audácia. Já que atravessar
diretamente o Jordão em Adã (ou em outro vau) e entrar em Moabe
seria o caminho óbvio, ele optou por uma aproximação indireta,
atacando Moabe pelo sul. A área do Jordão fora sempre cenário de
incursões e combates fronteiriços. Mesa fizera da sua refortificação
uma das suas grandes prioridades, e parece ter colocado a zona em
um elevado estado de prontidão militar. Fê-lo em detrimento do
reforço das defesas da sua fronteira sul, cujos acessos ele sabia
serem extremamente difíceis devido às duras condições
topográficas e climáticas.

Jorão contou exatamente com este negligenciar das defesas de


Moabe no sul, principalmente por saber que os acessos norte
também não eram topograficamente muito convidativos. Durante a
Primeira Guerra Mundial, os resultados dos ataques a Amã e Es-
Salt, nos quais forças britânicas soberbamente treinadas foram
severamente maltratadas pelos defensores turcos, ilustra as
dificuldades envolvidas em combater neste terreno. Além do mais,
na época de Jorão, o único grande ponto de travessia do rio Arnon
(Wadi Mijib) encontrava-se efetivamente bloqueado contra
importantes movimentos de tropas pela recém fortificada cidade de
Aroer.

Consequentemente, Jorão optou pelo risco calculado de uma


marcha pelo deserto, apesar da sua vulnerabilidade face aos
nômades e à dificuldade de abastecimento de água de homens e
animais. Desconhecemos o número real da força expedicionária
combinada, mas uma estimativa razoável será de aproximadamente
35.000 homens e 400 cavalos. Para o ataque turco ao Canal do
Suez, em janeiro/fevereiro de 1915, com uma força de 20.000
homens, 5.000 camelos transportaram água suficiente para catorze
dias e outros 2.500 transportaram o resto das provisões.[Nota 189] Em
849 a.C., os aliados não poderiam ter recorrido a menos da metade
do total de camelos utilizados pelos turcos. Estes animais também
necessitariam obviamente de água, tal como o gado conduzido atrás
do exército para fornecer alimentos frescos e durante a marcha.

A extensão da manobra de envolvimento e o setor onde os


aliados viraram para norte e começaram a penetrar em território
moabita podem ser estimados com a ajuda de duas passagens
bíblicas. A primeira (2 Reis 3:9) menciona sete dias para a duração
da marcha de aproximação. A segunda (2 Reis 3:16-20) afirma que
no sétimo dia, quando se encontravam em grande perigo devido a
uma aguda escassez de água, os aliados foram salvos pela súbita
inundação de um wadi provocada por chuvas nas montanhas de
Edom – tão longe que não havia sido avistada nenhuma nuvem nem
sentidos quaisquer outros sinais indicadores de chuva.
23 A guerra contra Mesa
1. Mesa, rei de Moabe, revolta-se e conquista várias praças-
fortes e povoações israelitas.

2. Jorão, aliado de Judá e Edom, vassalo de Judá, parte a


invadir Moabe pelo sul.

3. As forças de Josafá, rei de Judá, juntam-se a Jorão.

4. Os endomitas juntam-se às forças de Israel e de Judá.

5. Mesa desloca-se para sul, ao encontro dos aliados.

6. Mesa é derrotado e retira para Quir-Haréchet, que é sitiada


pelos aliados.

7. O cerco é levantado em circunstâncias misteriosas e os


aliados retiram, utilizando provavelmente o vau do Mar Morto.

A região topograficamente e climaticamente mais provável de dar


origem a um fenômeno da natureza são as encostas sudeste do
planalto de Edom. Calculando uma média de 22,5 km por dia
(começando em Samaria) para a marcha de aproximação do
exército aliado – estorvado pelas manadas e rebanhos, com os
alimentos e a água para homens, cavalos e animais de carga e para
abate – chegamos a esta área, perto do ponto onde a estrada da
beira do deserto ladeia a parte superior do desfiladeiro do rio Zerede
(Wadi el-Hesa). Qalat el-Hasa foi construída na Idade Média, para
proteger esta passagem. Mas é improvável que Jorão tivesse
corrido os muitos riscos inerentes à aproximação pelo sul para
desembocar no obstáculo natural que é o rio Zerede e nas cidades
que guardavam as suas margens e interior. A única solução lógica
era um largo movimento de flanqueamento, e ainda mais, dados os
endomitas a conhecerem certamente as fontes de água disponíveis
naqueles lugares.

Independentemente das razões para a escassez de água, um


temporal “milagroso” salvou os aliados e estes, depois de
derrotarem Mesa, bloquearam-no na poderosa fortaleza de Quir-
Haréchet, também chamada Quir-Moabe (atual Kerak fez dela um
dos mais poderosos bastiões do reino nas épocas das Cruzadas e
dos Mamelucos, celebrado pelos muitos e prolongados cercos aos
quais resistiu. Apesar das muitas dificuldades, o cerco fez
progressos. No momento mais crítico, Mesa tentou uma investida
em massa, à frente de 700 soldados de elite. Para a investida,
escolheu aquela que acertadamente considerava a parte mais fraca
da frente aliada, o setor ocupado pelas tropas do rei de Edom. Mas
também aqui foi derrotado, e naquela hora de desastre generalizado
e esperanças perdidas, “Então tomou a seu filho primogênito, que
havia de reinar em seu lugar, e o ofereceu em holocausto sobre o
muro” (2 Reis 3:27), após o que, segundo a Bíblia, os Israelitas
puseram fim às operações e deram por terminada a campanha.

Não existe nenhuma explicação de fato para esta abrupta


conclusão de uma campanha tão dispendiosa e tão
meticulosamente preparada, e à beira de um sucesso final e
absoluto. É sabido que no antigo Oriente se sacrificavam crianças,
um ato praticado in extremis e devido à iminência de epidemias.
Alguns estudiosos avançaram a hipótese de que teria eclodido uma
epidemia em Kerak, e que Mesa, através deste ato desesperado,
esperava exorcizar os espíritos malignos e impedir que a doença
alastrasse. Os aliados, receando o contágio, teriam considerado
mais avisado retirar-se rapidamente. Outra explicação seria a de
que Mesa acreditava no sacrifício de crianças como um último
recurso para evitar a fúria dos deuses, e ao cometer o ato dera a
impressão, não intencional, de que eclodira uma epidemia dentro da
cidade, levando os aliados a levantar acampamento.[Nota 190]

A primeira retirada de Moabe contribuiu bastante para anular os


feitos da primeira fase da guerra. Mesa conseguiu preservar a sua
independência e acabou por recuperar as fortalezas que perdera.
Embora a retirada de Moabe não tivesse posto em causa a sólida
estrutura do poderio militar de Israel nem as alianças políticas entre
os reinos irmãos e Tiro, não deixou de ser uma experiência
humilhante. É, pois, tentador procurar outras razões para a
apressada e total conclusão da campanha aliada. Sempre que
possível, as grandes potências do antigo Oriente evitavam guerras
em mais do que uma frente, pelo que a decisão de por fim à
campanha em Moabe poderá não ter sido motivada (ou só
motivada) pela ameaça de contágio da epidemia, mas
principalmente por eventuais preparativos bélicos por parte dos
arameus.
Um aríete móvel ataca as muralhas de uma cidade.

A Bíblia fala, por exemplo, de incursões damascenas. Um destes


grupos de atacantes terá capturado a menina que se tornou serva
na casa de Naamã, “general dos exércitos do rei da Síria”.[Nota 191] A
vantagem estratégica natural de Israel eram as suas linhas
interiores. Ao retirar-se de Moabe, fortaleceu a frente contra os
damascenos. Mas os sírios haviam aproveitado bem os anos em
que não tinham sofrido ofensivas israelitas, e antes de poderem ser
contidos passaram ao ataque. A fome e a morte impediram o
aprovisionamento das forças israelitas, e uma ofensiva síria levou os
damascenos às portas de Samaria. Contudo, as hábeis manobras
políticas de Jorão obrigaram-nos a sair apressadamente em
retirada.

Tendo experimentado diretamente a poderosa força de uma


ameaça à sua retaguarda, Jorão procurou e conseguiu um
entendimento com os vizinhos do seu inimigo, “os reis dos hititas”.
[Nota 192] A situação invertera-se contra os damascenos. Tal como

eles haviam explorado a guerra de Israel contra os moabitas, Jorão


aproveitou o fato de eles estarem a braços com os seus vizinhos do
norte e lançou um ataque sobre a retaguarda síria.[Nota 193] Os reis
de Israel e Judá[Nota 194] renovaram a luta de Acabe pelo Nordeste
de Gileade, a região de Ramore. A preferência dada a Arã-Damasco
em detrimento de Moabe faz todo o seu sentido estratégico.
Damasco era um inimigo mais forte e muito mais perigoso. Depois
de os arameus serem vencidos e de se estabelecer seguramente a
fronteira de Gileade no rio Jarmuc, o caminho estaria livre para um
ataque a Moabe, em cuja conquista, nessas circunstâncias, se
poderia corretamente apostar. Além do mais, a já referida
importância econômica da região de Ramote constituiu certamente
um motivo adicional para fazer dela um objetivo primário.

A segunda campanha aliada para conquistar Ramote, em Gileade


representou um sinal (pelo menos para o exterior) de que a
capacidade ofensiva dos reinos irmãos não fora permanentemente
reduzida nem o seu ânimo abatido.

Mas quando Jorão foi ferido (não longe do local onde o pai
recebera o seu ferimento fatal) e teve de abandonar o combate para
recuperar-se no seu palácio de Jezreel, eclodiu uma revolta no
campo aliado. O profeta Eliseu aproveitou a ausência do rei de Judá
no acampamento (que fora visitar o seu primo Jorão, em
convalescença) para transformar em rebelião declarada o
descontentamento latente que há muito sentiam os que se opunham
às tendências autocráticas e às práticas culturais e religiosas
estrangeiras que se espalhavam pelo país.

Refira-se que estes fatores eram efeitos secundários,


parcialmente inevitáveis, decorrentes do estatuto, dos
compromissos e relações internacionais de Israel. Porém, eram
essencialmente estranhos aos costumes simples do povo.

A oposição tinha no rei o seu alvo natural. Para Eliseu, a aliança


fenícia – com a influência religiosa e cultural exercida pelos
casamentos entre as casas reais de Israel e Tiro – era um anátema.
Esta influência estava a propagar-se rapidamente a Judá devido à
aliança entre os dois reinos, sobretudo porque Jorão de Judá (pai de
Acazias, o novo rei) desposara a princesa Atalía, filha de Acabe.

Assim, o profeta Eliseu escolheu Jeú, “capitão da hoste do rei”, de


entre os comandantes reunidos no acampamento frente a Ramote,
em Gileade, e ungiu-o rei de Israel.

A ASCENSÃO DE ARÃ

O assassinato de Jorão e Acazias às mãos de Jeú pode


considerar-se o início de trinta e cinco anos de declínio dos dois
reinos judaicos.[Nota 195] Através do seu ato, Jeú rompeu as alianças
tradicionais com Tiro e Judá. Muito fraco para resistir sozinho à
crescente pressão síria, pediu auxílio a Salmanasar da Assíria.
Mas esta medida não fez mais do que aumentar o seu isolamento,
pois os anais assírios dizem-nos que a aliança de líderes sérios
contra Salmanasar não se desfez após a campanha de Qarqar, e
que Salmanasar foi repelido por mais três vezes – em 849, 848 e
845 a.C. - pelas forças sírias coligadas. Embora Israel não tenha
participado nestas campanhas, ou pelo menos não com nenhum
contingente digno de menção, a atitude estritamente neutra do rei
israelita contribuiu para a causa comum. Possibilitou aos sírios
concentrarem todas as forças disponíveis contra os assírios, e
cobriu a retaguarda aliada. Na eventualidade de uma ameaça mais
direta ao seu reino, Jeú constituiria um aliado importante.

Mas tudo isso se perdeu quando Jeú abertamente e de livre


vontade, se declarou pela Assíria. Consequentemente, depois de a
vaga assíria ser temporariamente contida, Hazael, o soberano de
Damasco, não se poupou a esforços para esmagar a ameaça à sua
retaguarda antes que os assírios pudessem renovar o ataque.

Hazael agora era figura central entre os líderes sírios, enquanto


que os reinos judaicos irmãos – em oposição ao ditado “a união faz
a força” - estavam no ponto mais baixo do seu poder. Em uma série
de campanhas, Israel foi devastado, partes do seu território foram
incorporadas ao reino damasceno, e o resto do país e Judá
tornaram-se tributários de Hazael. Somente a relutância dos
arameus em se envolverem numa guerra de montanha salvou os
dois reinos de uma conquista completa.

Para celebrar a sua grande vitória, Hazael erigiu em Dã, uma das
fortalezas conquistadas, um marco fronteiriço cujos fragmentos
foram recentemente desenterrados. A inscrição declara, inter alia:
“Parti dos sete distritos (?) do meu reino e matei setenta (?) reis que
aparelhavam milhares de carros e milhares de cavalos (?). Matei
Jorão, filho de Acabe, rei de Israel e... Acazias, filho de Jorão, da
casa de Davi...”[Nota 196]

Mais uma vez, o reduto montanhoso natural, as montanhas de


Judá e Efraim (Samaria), permitiram aos judeus ganhar tempo
enquanto se completavam na Assíria, os preparativos para a
conquista do Mediterrâneo Oriental, das montanhas do Tauro ao
Nilo. Em uma expedição pré-militar, em 806a.C., o rei assírio Adad-
Nirari III esmagou decisivamente Damasco, retirando-lhe a
possibilidade de impedir os reinos irmãos de se expandirem das
montanhas e darem início a uma rápida reconquista.

O período de derrotas externas e perigo para a própria existência


dos Estados judaicos, mesmo na qualidade de vassalos dos seus
vizinhos, deu origem a um renascimento espiritual e moral precedido
por uma fase de profunda introspecção entre sacerdotes e laicos.
Enquanto que no Norte o orgulhoso Eliseu tentava imbuir rei e país
de zelo religioso e de um sentido da sua identidade judaica, o alto
clero de Judá promoveu uma revolução e um revivalismo culturais
continuados por Joás, que reinou durante trinta e oito anos (836-798
a.C.).

O ainda mais completo renascer social de Judá, promovido pela


posição do reino, topograficamente mais segura, possibilitou até a
Amacías, filho de Joás, tomar a iniciativa antes dos israelitas. Na
sua guerra contra os edomitas, estes foram novamente reduzidos à
vassalagem, e reabriram-se as rotas comerciais que, a partir de Elat
e Selá (posteriormente Petra), atravessavam o Neguebe e
conduziam à costa do Mediterrâneo.
Esta ascendência inicial serviu de enquadramento para um teste
de força entre Amacías e Joás de Israel, no fim do qual Israel
recuperou a sua primazia anterior. Em 790 a.C., com a bênção do
falecido Eliseu, Joás lançou-se à reconquista dos territórios perdidos
para os damascenos. Três campanhas destruíram o poder dos
aramaicos. O foco principal do combate decisivo foi Afec. A partir
daqui, os israelitas defenderam as estradas tradicionais para
Damasco e as serranias que sempre constituíam as linhas de
defesa naturais (até à Guerra do Yom Kippur, em 1973), avançando
para este e aproximando-se da capital inimiga ao longo da orla do
deserto.[Nota 197]

A base principal para esta movimentação era a cidade de


Carnaim, cuja conquista constituía um requisito essencial para a
aproximação a partir do leste. O profeta Amós preservou-nos a
consciência que a sua geração tinha da importância crucial deste
feito para os desenvolvimentos subsequentes. Ele menciona
Lodebar como o segundo ponto crucial conquistado pelos israelitas.
[Nota 198]

A sua localização no sopé do noroeste de Gileade prova que esta


vitória foi o passo preliminar para a reconquista da região de
Ramote e do resto de Gileade, o que, por sua vez, terá seguramente
aberto o caminho para a reconquista de Amom e Moabe.
24 expansão de israel e Judá durante os reinados de
Jeroboão II e Uzias

O reino de Josué cobrira praticamente os mesmos territórios,


exceto as cidades filisteias e a região a sul da linha Tiro-
Carnaim.

Início: Os Montes Golan. Acabe e Bene-Hadade enfrentaram-


se em um impasse na estreita sela entre as árvores do campo
superior esquerdo da fotografia e a serrania no horizonte.
Depois, os israelitas flanquearam os arameus.
Embaixo: Porta da praça-forte israelita de Dan.
Início: Lápide do rei Uzias, com a seguinte inscrição: “Para aqui
foram trazidos os ossos de Uzias, Rei de Judá. Não abrir”. O
texto, em aramaico, e o estilo da escrita revelam que se tratou
de um segundo funeral, no período asmoneu ou herodiano. O
funeral original não foram nas sepulturas reais propriamente
ditas (2 Crônicas 26:23), e provavelmente sofreu as
consequências.

Início, à direita: A fortaleza de Berseba – vários edifícios ao


longo de uma das ruas circulares.

À direita: Altar do santuário da guarnição de Berseba,


construído à imagem do altar do Templo de Jerusalém.
Início: Vestígios da “muralha de casamata” de Ramat Rahel.

Início, à direita: Vista aérea da fortaleza judaica de Arade, na


periferia nordeste do Neguebe.

À direita: Local da última batalha de Josué, frente à saída da


antiga estrada proveniente do passo de Iron.
Início: O passo de Iron, desde sempre uma importante estrada
militar, serpenteando através das faldas do Norte do vale do
Carmelo até ao vale de Jezreel.

Início, à direita:

Pontas de flecha e lança desenterradas em Láquis.

À direita: Pedras para funda provenientes das escavações da


Láquis.

Início: Escamas de armadura das escavações de Láquis.

Início, à direita: Cimeiras de capacetes descobertas em


Láquis.

À direita: A fortaleza judaica de Tell Lachish (Láquis).


À esquerda: Crânio cortado com o trépano, proveniente de
Láquis. Os rebordos sarados ao redor da parte removida do
crânio demonstram que a vítima sobreviveu à operação,
realizada durante o cerco de Senaqueribe.

Embaixo: O cerco assírio a Láquis, representado num relevo


do palácio de Senaqueribe, em Nínive.
À direita: A árida região do sudeste de Judá, para onde os
judeus observantes fugiram antes da insurreição dos
macabeus.
Início, à esquerda: A ladeira de Levona, onde Judas Macabeu
emboscou Apolônio.

À esquerda: A ladeira de Bete-Horom, cenário de muitas


batalhas, desde Josué e dos macabeus até a Guerra dos Seis
Dias.

Início: Vista a partir do acampamento de Ptolomeu em Emaús,


nas terras baixas de Judá.

Górgias penetrou nesta área e foi atacado pelas forças de


Judas.

À direita: Local do acampamento selêucida em Emaús.


Início, à esquerda: Cavaleiro helenístico.

Início: Infante helenístico.


À esquerda: Um dos elefantes de Antíoco V luta com um
soldado. Os Selêucidas haviam sido proibidos por Roma de
utilizarem elefantes na guerra, mas ignoravam o acordo nas
suas tentativas para subjugarem a revolta judaica. Eleazar, o
irmão mais novo de Judas, foi esmagado por um elefante na
Batalha de Bete-Zacarias.
À direita: Jerusalém – muralhas da época asmoneia, erguidas
sobre edifícios do período do Primeiro Templo, nas vertentes da
Cidade de Davi.

Embaixo: O vale do Jordão, na região de Gileade, onde Judas


e Jônatas derrotaram Timóteo e salvaram os judeus
perseguidos.
Início: Adasa, onde Judas derrotou Nicanor.

À esquerda: Túmulos dos macabeus em Modin, onde foi


sepultado Judas, após a sua morte na Batalha de Elasa, bem
como os seus irmãos e parentes asmoneus.

O RESTABELECIMENTO DAS FRONTEIRAS DE


SALOMÃO

Dos feitos atrás descritos, após a vitória de Afec, é discutível


quais os que pertencem a Joás e quais os que devem ser atribuídos
ao seu filho, Jeroboão II.

Os reinados de Jeroboão e Uzias de Judá foram a segunda idade


de ouro do Israel bíblico. Jeroboão ocupou Damasco e restabeleceu
a sua fronteira em Le-bó-Hamate, no Orontes. Durante quase todos
os quarenta e cinco anos do seu reinado, os israelitas e seus
vizinhos acostumaram-se à ideia de que Israel era a principal
potência da Síria. A extensão da influência e do peso da coligação
entre Israel e Judá é revelada pelo fato de que, enquanto durou, um
governante de Israel e Judá reinou em Hamate, um reino do Sul da
Síria, a norte de Lebó, ou ainda pelo episódio de um soberano local
ter considerado diligente adotar o nome hebraico de Obadias
(Yaubidii em aramaico).[Nota 199]

Um dos dois, Joás ou Jeroboão, reconquistou, entre outros


bastiões, a poderosa praça-forte de Dã, aos pés do Monte Hermon.
A eles ou às suas forças deve ser atribuída à destruição da estela
da vitória mandada gravar pelo rei Hazael de Damasco, 75 anos
antes. Podemos reconstruir a cena como uma destruição instintiva
do símbolo da supremacia do odiado inimigo pela mão de um
soldado anônimo, durante o combate ou pouco depois, ou como um
ato solene, presenciado pelo monarca vitorioso ou pelo seu
representante. Os fragmentos foram utilizados na construção de
paredes e pavimentos.[Nota 200]

Quando Zacarias, filho de Jeroboão II, foi assassinado em


circunstâncias misteriosas (para nós), pareceu muito natural que
Uzias de Judá ocupasse o seu lugar e se tornasse o maior dos
soberanos sírios, os quais estavam a fazer as pazes uns com os
outros para combinarem forças contra uma nova e iminente invasão
assíria.

O profeta Amós esteve em atividade durante a vida de Jeroboão,


no auge de Israel. A sua pregação elucida implacavelmente as
causas da subsequente queda de Israel. A súbita mudança de um
estado de miséria e fraqueza para a posição de principal potência
militar criou uma falsa sensação de autossuficiência e segurança.
As crescentes e sombrias nuvens da ameaça militar foram
ignoradas, e o fosso cada vez maior entre os que “tinham” e os que
“não tinham” minou o espírito que tanto contribuíra para a
ascendência das hostes israelitas sobre as dos seus inimigos.
Quando Zacarias foi assassinado por Chalum, subiu o pano para
uma série de revoluções palacianas. A rápida sucessão de governos
perturbou a continuidade e estabilidade do planejamento estratégico
e das atividades políticas. O profeta Oséias descreve esta situação
chamando a Israel “uma pomba, insensata, sem entendimento;
invocam o Egito, vão para a Assíria” (Oséias 7:11).

Carros pesados assírios com condutor e dois combatentes


protegidos por capas de malha.

É possível que esta indecisão política tenha sido a razão pela qual
Israel não se juntou à coligação formada sob a liderança de Uzias
de Judá. Dado o silêncio do texto bíblico em relação a este assunto,
restam-nos apenas as inscrições assírias severamente mutiladas
descobertas em Calah, no Eufrates. A batalha, travada no Norte da
Síria, foi, na melhor das hipóteses, inconcludente. Um ou dois anos
depois, em 738 a.C., Tiglat-Falasar III (a Bíblia chama-lhe Pul)
invadiu toda a Síria e impôs um pesado tributo a Israel e Judá. O
consentimento de Israel na suserania assíria provocou a revolta de
Pecá, filho de Remalias, um oficial superior, contra Pacaías, o
monarca reinante. Pecá era gileadita, e a sua ascendência foi típica
da crescente importância de Gileade e dos seus homens no reino
israelita. Apelando ao amor próprio dos seus compatriotas, cientes
do seu primado histórico sobre os cisjordanos e da sua importância
econômica e militar, Pecá serviu-se de uma companhia de gileaditas
para derrubar e matar o seu rei e senhor. Para reforçar o seu
domínio sobre Israel, Pecá certamente chamou unidades adicionais
do seu posto permanente em Gileade, deixando a região
completamente exposta a um ataque de Damasco (que se subtraíra
à hegemonia judaica algum tempo antes).

A QUEDA DE ISRAEL

Recin, rei de Damasco, foi rápido em aproveitar a oportunidade e


as suas tropas avançaram para o sul, até Elat. A fraqueza de Israel
permitira a Damasco, pela primeira vez na história bíblica, assumir o
controle de toda a Estrada Real. Independentemente das
implicações econômicas, os arameus podiam agora deslocar e
empregar as suas forças ao longo de toda a fronteira oriental de
Israel e Judá. Enquanto Israel aceitava, sem outra alternativa e na
prática, o estatuto de satélite damasceno, Judá recusou aderir a
uma aliança forçada com Recin e Pecá contra a Assíria. Quando
estes dois monarcas tentaram depor Acaz de Judá, este, em
desespero, declarou a sua total submissão a Tiglat-Falassar, o qual,
por seu lado, aproveitara a oportunidade oferecida pelo evidente
desmembramento de Israel para desencadear uma ofensiva ao
longo da costa sírio-palestina, avançado para sul até as fronteiras
do Egito (na atual El Arish).

Tiglat-Falasar não demorou a usar o pretexto de socorrer o seu


aflito vassalo. Em uma série de campanhas, entre 734 e 732 a.C.,
conquistou toda a Síria e a Palestina. Os relevos provam que os
exércitos assírios eram ainda mais diversificados do que antes,
integrando novos tipos de armas e equipamentos, quer para o
ataque em campo aberto, quer para o cerco de praças-fortes.[Nota
201] As derrotas sofridas pelos inimigos de Tiglat-Falasar foram tão

esmagadoras e os recursos nacionais assírios tão bem direcionados


para o esforço de guerra que o monarca decidiu transformar todos
os territórios conquistados em províncias permanentes. Toda a Síria
a leste da costa fenícia (incluindo Damasco), que era tributária, a
costa de Saron, a Galiléia e Gileade foram divididas em províncias
que se tornaram partes integrantes do Império Assírio. Israel foi
reduzido à vassalagem e confinado às montanhas da Samaria. O
destino de Judá foi semelhante, e as antigas dependências de
ambos os reinos foram convertidas em províncias assírias. Para
enfraquecer Israel ainda mais, Tiglat-Falasar exilou para a Assíria
13.500 israelitas pertencentes às classes sociais essencias a
qualquer esforço de guerra.[Nota 202]

Pecá não sobreviveu a esta catástrofe. Foi deposto por Oséias,


filho de Elá, que iniciou o seu reinado na qualidade de vassalo da
Assíria. Mas nem rei nem o país conseguiram suportar
impassivelmente o jugo. O anseio essencial de independência –
legado herança do período tribal que nunca desaparecera, nem
mesmo com a monarquia mais autocrática – voltou a afirmar-se, e o
agora pequeno Israel, fiando-se no seu prestígio político,
tradicionalmente grande, começou a conspirar secretamente contra
a Assíria: “O rei da Assíria , porém, achou em Oséias conspiração;
porque ele enviara mensageiros a Sô, rei do Egito, e não pagava,
como dantes, os tributos anuais ao rei da Assíria; então este o
encerrou e o pôs em grilhões numa prisão” (2 Reis 17:4). A narrativa
bíblica está incompleta. Mesmo que Oséias tenha insensatamente
decidido desafiar sozinho Salmanasar V, sucessor de Tiglat-Falasar,
certamente que não foi temerário ao ponto de se entregar, sem luta,
às autoridades assírias. A traição é uma explicação mais plausível –
mais uma traição sem provas suficientes, caso contrário, Oséias
teria sido imediatamente executado. Outra possibilidade é que, na
esperança de poupar o seu país da vingança assíria, Oséias tenha
decidido sacrificar a sua pessoa e entregar-se.[Nota 203]

Independentemente da causa, na sua última hora, Samaria viu-se


sem o seu rei e líder: “E o rei da Assíria subiu por toda a terra, e
chegando a Samaria sitiou-a por três anos” (2 Reis 17:5). Os feitos
de bravura, a persistência e o sofrimento que constituíram a saga do
cerco de três anos a Samaria ficaram por cantar, ou antes,
perderam-se para a posteridade. Todavia, pela sua duração, o cerco
de Samaria ombreia com os mais célebres combates até ao fim,
contra uma superioridade numérica esmagadora, nos anais da
Antiguidade. Nínive, a capital da Assíria, aguentou o cerco de
Nabopolassar durante aproximadamente dois anos; Cartago caiu
em poder dos romanos após três anos de cerco, mais ou menos o
mesmo tempo que Samaria resistiu; Alexandre Magno conquistou
Tiro em sete meses, e o general romano Marcelo apoderou-se de
Siracusa em dois anos. Entre os cercos mais prolongados da época
moderna incluem-se os de Sabastopol (1854-1855), de onze meses,
e o de Paris (1870 – 1871), que durou 130 dias. A conquista de
Samaria é atribuída a Sargão II, que entrou na cidade em 722-721
a.C. Uma grande parte da população das “dez tribos” foi exilada e
substituída por colonos gentios da Síria e da Mesopotâmia. Em 720,
em uma tentativa desesperada para reconquistar a sua
independência, Israel aderiu a uma revolta contra a Assíria,
instigada pelo Egito. O resultado foi desastroso, e as rigorosas
medidas punitivas incluíram novas deportações.[Nota 204] O reino de
Israel foi finalmente subjugado, para nunca mais renascer como tal.
25. As conquistas assírias

Os comandantes assírios tinham sempre o máximo cuidado de


evitar as montanhas de Judá, tal como demonstra esse mapa
de quatro grandes campanhas:

1. Tiglat-Falasar III - 734 a.C.

2. Tiglat-Falasar III - 733-732 a.C.

3. Sargão II - 721 a.C.

4. Sargão II - 720 a.C.


Escalando as muralhas de uma cidade com escadas. As
escadas de assalto não eram utilizadas com muita frequência
porque tinham de ultrapassar a altura das defesas para
permitirem a ascensão, e os defensores mais resolutos podiam
empurrá-las.

Notas do Capítulo 8

Nota 187 - KRESSENSTEIN, Mit den Türken, pp. 181 sqq. [Voltar]

Nota 188 - Ver LIVER, “The Wars of Mesha, King of Moab”, PEQ 99, 1967, p. 30. A outra
parte da passagem da Bíblia (2 Rs 3:27) não é muito clara: “Isto provocou grande
indignação [em hebraico: “Ketezef”, mais precisamente “fúria”] contra Israel, que se retirou
dali e voltou para a sua terra” [refira-se que na versão portuguesa se lê: “provocou grande
indignação em Israel” (N.T.)]. Por que a fúria contra Israel? STERN, P. D., “Of Kings and
Moabites”, HUCA LIV, 1933, pp. 1-14, não oferece uma resposta convincente. Todavia,
avança a hipótese de o príncipe sacrificado ser o herdeiro ao trono edomita, que poderia
ter sido capturado durante os combates (ibid. p.26). Se foi este o caso, poderemos ter aqui
outra explicação para a “fúria” como recriminações dos edomitas contra Israel: falta de
apoio quando atacados, etc. Com as suas linhas de comunicações ameaçadas, os
israelitas retiraram apressadamente. [Voltar]

Nota 189 - 2 Rs 5. A jovem aconselharia a cura para Naaman, que sofria de lepra. (N.T.)
[Voltar]

Nota 190 - 2 Rs 7:6 (N.T.) [Voltar]

Nota 191 - 2 Rs 7:6 refere que os arameus também receavam uma intervenção egípcia. Os
contatos entre Jorão e o Egito seguiam a política egípcia de responder a qualquer
aquisição de supremacia por um dos Estados da ponte terrestre palestina auxiliando a
parte aparentemente mais fraca. Recordamo-nos do “equilíbrio de poder” praticado pela
Grã-Bretanha na Europa continental, particularmente na Holanda, um “país-ponte” com
muitas características geográficas semelhantes às de Israel. Nesta época, o Egito estava
preocupado, entre outras coisas, com o seu abastecimento de cedro no Líbano, vital para a
manutenção da sua marinha. [Voltar]

Nota 192 - O rei de Judá era Acazias. (N.T.) [Voltar]

Nota 193 - MAZAR (Maisler), B., Untersuchungen zur alten Geschichte und Ethnographie
Syries und Palästinas, Giessen, 1930; TADMOR, H., in HJP I, pp. 122 sqq. [Voltar]

Nota 194 - BIRAN, A., e J. Naveh, “An Aramaic Stele Fragment from Tel Dan”, IEJ 43,
1993, pp. 81-98, e “The Tel Dan Inscription: A New Fragment”, IEJ 45, 1995, pp. 1-18. Esta
é a primeira menção do Rei Davi e do Rei Acazias em uma fonte não bíblica,
envergonhando os “zelosos” críticos que pusessem desnecessáriamente em dúvida a
própria existência de Davi e Salomão. [Voltar]
Nota 195 - Joás aproveitou-se obviamente da crescente pressão assíria sobre Aram:
WEIPERT, M., “Die Feldzüge Adadniranis III”, ZDPV 108, 1992, pp. 42-67. [Voltar]

Nota 196 - A “Lodebar” referida em (Am 6:13) está erroneamente traduzida de forma literal
pela Versão Autorizada como uma “coisa de nada”, mas trata-se de fato, do nome de uma
cidade mencionada em fontes bíblicas e externas (ex: 2 Sm 17:27). [A versão portuguesa
não enferma deste “problema”. (N.T.)] [Voltar]

Nota 197 - LIPINSKI, E., “An Israelite King of Hamate?”, VT 21, 1971, pp. 371-373. [Voltar]

Nota 198 - Ver Biran e Naveh, op. cit. [Voltar]

Nota 199 - Acerca do relevo representando o novo exército assírio, ver YADIN, Warfare, pp.
406 sqq. [Voltar]

Nota 200 - Para uma sinopse histórica da última fase do reino de Israel, ver TADMOR, H.,
HPJ I, pp. 133 sqq. [Voltar]

Nota 201 - Acerca do contexto da complexa situação política, ver EHRLICH, C. B.,
“Coalition Politics in 8th cent. BCE Palestine”, ZDPV 107, 1991, pp. 406 sqq. [Voltar]

Nota 202 - MITTMANN, S., “Gabbutuna”, ZDPV 105, 1989, pp. 56-59. [Voltar]

Nota 203 - Para um relato pormenorizado e com bibliografias relevantes, ver GICHON, M.,
“The Fortifications of Judah”, MHBT, 410-425. Algumas ideias divergentes encontram-se
em KALLAI, Z., “The Kingdom of Jerusalem”, Enciclopédia Judaica 10, pp. 246 sqq. [Voltar]

Nota 204 - No original, “Judeans”. A língua inglesa permite distinguir facilmente entre
súbditos do Reino de Judá (Judeans) e judeus em geral (Jews). Embora a palavra “judeu”
derive de “Judá” e “Judéia”, utilizaremos a forma “judaíta” para denotar uma ligação ou
associação específica a Judá, dado que uma opção por “Judeus” desvirtuaria a exposição
da realidade histórica. [Voltar]
CAPÍTULO 9

AS FORTIFICAÇÕES DE JUDÁ DURANTE


O REINADO DE ROBOÃO
O rei Roboão de Judá foi o arquiteto de um sistema de segurança
e defesa que durou gerações após o cisma da Monarquia Unida.[Nota
205] Toda a história militar subsequente do Reino do Sul deve ser

entendida como o resultado, desenvolvimento e elaboração das


possibilidades estratégicas inerentes à infraestrutura militar de Judá
concebida por Roboão. Tal como Israel, imediatamente após o
cisma do Reino Unido, Judá tomou consciência da alteração ao
equilíbrio do poder através da invasão do Faraó Chichac.
Surpreendentemente, apesar da invasão, Judá ainda possuía
recursos suficientes para que Roboão começasse a criar um
sistema defensivo global:

E Roboão habitou em Jerusalém, e edificou em Judá cidades


para fortalezas. Edificou, pois, Belém, Etã, Tecoa, Bete-Zur,
Socó, Adulão, Gate, Maressa, Zife, Adoraim, Láquis, Azeca,
Zorá, Aijalom e Hebrom, que estão em Judá e em Benjamim,
cidades fortes. (2 Crônicas 11:5-10).

Pode muito bem ter sido precisamente a invasão de Chichac a


fazer os habitantes da Judéia[Nota 206] compreender a necessidade
de novos sacrifícios para se protegerem contra todas as
contingências futuras de natureza similar. Como tantas vezes
aconteceu na história, a campanha de terror de Chichac, destinada
a enfraquecer a vontade de resistir, parece ter causado o efeito
contrário – um avivar do espírito nacional e o fortalecimento da
determinação para resistir à coação.

O sistema de defesa de Roboão representa um conceito


diametralmente oposto ao de Salomão. Dispondo de recursos
limitados, Roboão decidiu concentrar-se na defesa da área
essencial à preservação da independência de Judá. A sua outra
consideração foi a utilização da fortificação para bloquear qualquer
penetração hostil nessa mesma área. As fortificações deveriam
situar-se de modo a obrigar o inimigo a sitiar o maior número
possível de redutos, qualquer que fosse a sua linha de aproximação
potencial, servindo igualmente de bases para contra-atacar depois
de o inimigo ter esgotado uma grande parte dos seus recursos e
capacidade ofensiva, ou quando, por qualquer outra razão, fosse
considerado adequado um contra-ataque. Consequentemente,
Roboão decidiu renunciar à defesa de todo o território for a das
montanhas de Judá, berço, coração e reduto natural das tribos
sulistas.
A LOCALIZAÇÃO DAS FORTIFICAÇÕES DE ROBOÃO

Situar as fortalezas supracitadas no mapa elucida o conceito


operacional das defesas. Aialon, Sorá, Socó, Marecha e Láquis:
cada uma dessas fortalezas bloqueia um dos acessos ocidentais ao
maciço montanhoso de Judá; Aialon guarda a ladeira de Bete-
Herom e a estrada por cima das cidades gibeonitas que conduz ao
planalto a norte de Jerusalém; Sorá protege a estrada de Shaar
Hagai (a moderna autoestrada Latrun-Jerusalém); Socó vigia o vale
de Elá; Marecha guarda a estrada Marecha-Hebrom, e Láquis a via
Láquis-Hebrom.

Todas estas fortalezas estavam localizadas em acessos às


montanhas, onde as estradas este-oeste passam das faldas para as
encostas que conduzem ao planalto central da bacia hidrográfica. A
natureza assinalou esta linha de transição como um vale conhecido,
na sua parte norte, por vale de Aialon (já o mencionamos no
contexto da perseguição de Josué aos amorreus). Nesta divisão
natural entre o pé e as encostas abruptas, as vias norte-sul
interrompem os eixos este-oeste no ponto em que entram em
território montanhoso. Todas as fortalezas supracitadas estão
situadas diretamente por cima ou perto destes cruzamentos,
possibilitando comunicações rápidas e a deslocação de tropas entre
fortalezas, e constituindo uma ameaça potencial para a retaguarda
de qualquer força sitiante.

Para proporcionar mais profundidade e coesão a esta linha, foram


erguidas uma ou duas fortalezas na cadeia das próprias encostas:
Azeca e Gate (Tel Tsaphit?). Alguns quilômetros dentro do vale de
Elá, uma importante estrada secundária bifurca-se e chega ao
planalto a norte de Hebrom. Este desvio encontrava-se efetivamente
bloqueado pela caverna de Adulão.

No Sul, as características topográficas do terreno são


consideravelmente diferentes. O maciço montanhoso central divide-
se em duas serranias. A ocidental desce muito gradualmente em
direção à planície filisteia e ao vale de Berseba, enquanto que a
oriental desce abruptamente até ao vale de Berseba e ao deserto de
Judá. Para bloquear eficazmente os acessos em forma de leque às
vertentes inferiores da serrania ocidental seria necessário construir
e manter cerca de uma dúzia de fortalezas. O imperativo de
economizar fez Roboão desistir da ideia, e ele baseou a defesa
deste setor na fortificação do ponto nodal onde convergiam as
ladeiras em leque. Deste modo, Adoraim, que deu apropriadamente
o seu nome a toda a cordilheira ocidental, transformou-se na
fortaleza principal nos acessos sudoeste ao coração de Judá.

Tal como Adoraim a ocidente, a cidade de Zif deu o seu nome à


serrania oriental, onde cumpria a mesma função de ponto nodal. Um
grande número de trilhos provenientes do Neguebe e do Mar Morto
convergem sobre Zif.

Enquanto as entradas destes trilhos nas montanhas de Judá não


pudessem ser permanentemente fortificadas, Zif era o ponto a
defender. Um argumento adicional a favor do recuo da linha de
defesa permanente neste setor era a fraca pluviosidade e a
escassez de lençóis aquíferos na região mais baixa (e mais
avançada).

As condições ao longo das fronteiras orientais das montanhas de


Judá eram similares às da cordilheira sudeste, mas mais severas.
Assim, tal como Zif, as duas fortalezas orientais, Técua e Etam,
foram concebidas para proteção contra os nômades e os vizinhos
orientais de Judá. Também não foram construídas à entrada para as
montanhas, mas sim na parte superior das vertentes, à beira do
planalto da bacia hidrográfica.

Os arcos “composto” são identificados pelas suas


extremidades, distintamente curvadas para frente. O seu
alcance e poder de penetração, superiores aos dos outros
arcos, obtém-se pelo envolvimento do núcleo de madeira em
camadas de chifre e tendões de animais.
Uma ligeira alteração na pontuação ortográfica da lista revela, na
ordem das fortalezas individuais, subzonas de defesa taticamente
significativas. O seu objetivo operacional discerne-se facilmente
reparando na sua relação com a topografia da região e as estradas
ilustradas no mapa 26, e tendo em conta as considerações atrás
mencionadas.

A espinha dorsal de todo o sistema de defesa era a estrada da


bacia hidrográfica, através da qual tropas das reservas centrais
(estacionadas em Jerusalém) podiam ser rapidamente deslocadas,
sobre linhas interiores, em auxílio de qualquer setor ameaçado, ou
avançar por qualquer um dos acessos defendidos para roubar a
iniciativa ao adversário através de um ataque preventivo, de um
movimento simultâneo ou de um contra-ataque. Esta linha vital era
guardada pelas fortalezas de Belém, Bete-Zur e Hebrom, cada uma
das quais dominava também uma ou mais subidas para o planalto
na sua junção com o eixo da bacia hidrográfica. Devido à sua
localização, Hebrom estava predestinada a formar um contrapeso
norte-sul a Jerusalém e para ser escolhida como base para parte
das reservas estratégicas mantidas em prontidão para emprego
imediato no Sul. A decisão de edificar fortalezas régias em cidades
existentes pode ser explicada pelo fato de que, no Oriente antigo,
todas as cidades eram construídas em função das qualidades
defensivas do local. Tinham também que controlar um
abastecimento de água adequado, e ser facilmente ligadas à rede
de estradas existente. Além do mais, de acordo com o costume, os
escombros das cidades destruídas nunca eram completamente
removidos; o topo do entulho era nivelado, de modo que os níveis
das ruas eram cada vez mais elevados e cada cidade era construída
literalmente no início da sua antecessora. Estes acrescentos
artificiais a um local originalmente elevado davam aos tells (montes
artificiais das cidades) as suas encostas tipicamente abruptas,
fornecendo às cidades uma proteção adicional. Além disso, a
escolha de cidades existentes para a construção de fortificações
permitia a incorporação das defesas já existentes nas novas
fortificações, ou a sua utilização como fonte de materiais de
construção.

Finalmente, ao converter cidades existentes em fortalezas, os


próprios habitantes tornavam-se um suplemento e reservas
permanente para a guarnição regular, necessariamente limitada.
Quando estas guarnições se reduziam, devido à partida de algumas
tropas ou em virtude de um cerco, a população civil podia ser
chamada a preencher lugares nas muralhas ou nas brechas. Aliás, o
princípio de utilizar a população civil na defesa estacionária dos
seus lugares fortificados tornou-se um dos padrões básicos do
planejamento sionista, e foi incorporado na concepção e
organização da defesa nacional do moderno Israel.

AS BRECHAS NAS FORTIFICAÇÕES FRONTEIRIÇAS

Olhando novamente para o nosso mapa, descobrimos, apesar da


substancial lista de fortificações, alguns setores completamente
desprotegidos. É extremamente notória a ausência de qualquer
fortificação no Norte, onde a fronteira se situava, no máximo,
apenas a 11 km da capital, Jerusalém, e ainda por cima em terreno
facilmente acessível. A resposta a este enigma é política. Roboão
não quis consentir com o desaparecimento do Norte criando uma
fronteira permanente com Israel. Para suprir as suas necessidades
correntes, limitou-se a utilizar as defesas existentes nas cidades
fronteiriças.

Mas é mais difícil interpretar a ausência de qualquer bloqueio


direto do vale de Sorec, notório eixo de penetração dos filisteus, por
vezes até Jerusalém. Aplicando o pensamento militar moderno –
com as devidas reservas -, vem-nos necessariamente à ideia os
princípios da “zona de morte” e da “escolha do campo de batalha”.
Ao longo da história, muitos pensadores militares afirmaram que um
inimigo resoluto ataca quase sempre, independentemente das
forças das defesas. Mas tentará atacar no ponto que considera mais
vantajoso. Caso se veja confrontado com uma poderosa cintura de
fortificações, cuja redução se estima extremamente dispendiosa em
recursos e tempo, tentará descobrir um elo fraco ou um desvio para
efetivar a sua penetração. Em sintonia com esta atitude natural do
ser humano, durante a Segunda Guerra Mundial, as defesas
deixavam brechas consideráveis entre campos de minas e outros
obstáculos, precisamente para levar o inimigo a empenhar-se em
força nestas vias menos difíceis. Nestes pressupostos setores de
penetração inimiga, eram tomadas muitas medidas para enfrentar o
ataque nas melhores condições possíveis e com as maiores
probabilidades de o transformar em uma derrota esmagadora. Foi
exatamente isto que aconteceu em Alam el-Halfa, em 1942, quando
os alemães sofreram uma derrota tão grave que criou as condições
para o grande contra-ataque britânico em El Alamein.[Nota 207]

Deste modo, é possível ver na ausência de fortificações no


acesso do vale de Sorec a intenção de atrair qualquer futuro
Chichac para o estreito Vale, que poderia ser facilmente
transformado em uma vasta zona de morte. Outro ponto que indica
a intencionalidade da exposição desta rota é o descarte de Bete-
Chémes como uma fortaleza em potência. A localização desta
cidade, entre Sorá e Azeca, era ideal para bloquear eficazmente o
vale de Sorec. Esta impressão é suportada e reforçada pelo efeito
canalizador que as fortalezas de Socó e Azeca (a sul) e Sorá (a
norte) exerceriam indubitavelmente sobre qualquer força que se
aproximasse de Jerusalém. Quem desejasse evitar chocar com elas
seria automaticamente desviado para a brecha do vale de Sorec,
mais a sul.
Ordem para fornecimento de rações a uma unidade de “Kittim”
(mercenários oriundos do Mediterrâneo Oriental) de partida
para uma missão de patrulha ou escolta (arquivo da guarnição
de Arade, finais do século VII a.C.). O texto diz: “A Eliashiv:
fornecer aos Kittim três batos [medida bíblica para líquidos,
neste caso azeite] e inscrever a data [no registro]. Com a
primeira farinha [tipo de farinha], preparar [uma certa
quantidade?] de farinha para fazer pão para eles. Do vinho das
cubas, fornecer...” (outro fragmento de cerâmica proveniente de
Arade, com instruções semelhantes, menciona uma
alimentação de vinho para cinco dias).

A organização interna das defesas roboamitas é dada pelo


cronista do seguinte modo: “Fortificou estas cidades e pôs nelas
capitães, e armazéns de víveres, de azeite e de vinho. E pôs em
cada cidade paveses e lanças, e fortificou-as grandemente, de sorte
que reteve Judá e Benjamim” (2 Crônicas 11:11-12). A fórmula de
Roboão para garantir a lealdade e o bom funcionamento das suas
fortalezas e respectivos governantes é algo cômico. As suas dezoito
mulheres e sessenta concubinas[Nota 208] haviam-lhe dado vinte e
oito filhos, e foi entre eles que Roboão selecionou o comandante
para o exército permanente e os governadores para as praças-
fortes: “Também usou de prudência, distribuindo todos os seus filhos
por entre todas as terras de Judá e Benjamim, por todas as cidades
fortes; e deu-lhes víveres em abundância, e procurou para eles
muitas mulheres” (2 Crônicas 11:23).[Nota 209]

Nenhuma cintura de fortificações consiste unicamente de grandes


fortalezas. As posições avançadas, os postos de controle, os
acessos secundários, os atalhos e as fontes de água tinham que ser
guardados por fortes, fortins e torres de vários tamanhos e feitios,
que ligavam as linhas principais da cintura defensiva e lhe davam
profundidade à frente e à retaguarda. Além destas obras, uma rede
de postos de observação e sinalização, a maior parte sob a forma
de torres, constituía um complemento vital às fortificações de Judá.
Tal como qualquer outra cadeia defensiva, somente estaria
operando enquanto os seus olhos e ouvidos funcionassem. Em
outras palavras, tinham de existir uma vigia constante e um método
rápido de transmitir o alerta e qualquer mensagem tática. Isto era
habitualmente feito através de sinais com fumo ou fogo,
dependendo da visibilidade.[Nota 210] A Bíblia reconhece a
complexidade deste sistema de defesa ao utilizar a frase “da torre
dos vigias [posto de observação, o menor elo da cadeia] à cidade
fortificada [o elo principal]”. As pesquisas sistemáticas conduzidas
em décadas recentes pela Archeological Survey de Israel, uma
organização criada para registrar todas as antiguidades existentes
no país, trouxeram à luz os restos de muitas fortificações menores
que constituíam, no seu conjunto, uma rede de pequenas defesas
entre os redutos principais.[Nota 211]

É obvio que, na ausência de cidades adequadas, até as principais


fortificações tiveram que ser construídas em solo virgem e com
instalações puramente militares. Foi particularmente o caso do
Neguebe, onde a infraestrutura salomônica da milícia rural baseada
em aldeias e fortalezas (ver p. 222) fora demolida pela capanha de
Chichac. As fortalezas de Horvat Uza e Cades-Barnea constituem
bom exemplos.[Nota 212] Infelizmente não é possível atribuir com
certeza a maior parte das ruínas registradas até hoje a Roboão ou a
qualquer um dos seus sucessores. Sabemos que os herdeiros de
Roboão intervieram constantemente nesta rede de fortificações até
a queda de Judá, diminuindo-a ou expandindo-a em função das
circunstâncias. Consequentemente, terão sido acrescentadas
muitas outras fortificações. Mas independentemente da extensão do
reino e das suas fronteiras, a cintura original de redutos concebida
por Roboão constituiu sempre a espinha dorsal da defesa nacional.
A melhor prova do seu valor e função foi a preservação de Judá,
quase sempre sob grande pressão externa, durante 13 anos após a
queda de Samaria. É claro que as “fortificações de Roboão” não
foram o único motivo, mas prestaram inegavelmente uma importante
contribuição.

TENTATIVAS DE INVASÃO

Dentre os casos preservados nas fontes bíblicas, selecionamos


três para demonstrar como as defesas de Judá repeliram os
invasores. O primeiro é a invasão de Judá por “Zera, o Etíope, com
um exército de um milhão de homens e trezentos carros” (2
Crônicas 14:18), na época de Asa, neto de Roboão.

Muito provavelmente, “Zera, o Etíope”, era um chefe cuchita local


que gozava do apoio dos faraós, e que possuía algum cargo oficial
no âmbito das tentativas egípcias de conquista de uma presença
permanente na orla sul da ponte terrestre palestina depois da
invasão de Chichac.[Nota 213]

A residência de Gera era em Gerar, que ele perdera


temporariamente para Judá. É provavel que fosse apoiado pelos
filisteus, que dariam um primeiro passo para reconquistar o seu
antigo estatuto com qualquer enfraquecimento de Judá. Embora o
número dos seus infantes seja enormemente exagerado, a sua
quantidade de carros faz sentido, e mesmo que se tratasse apenas
de uma força auxiliar egípcia a ameaça era bem real.
Nesta reconstrução, os assírios atacam Láquis pela rampa que
construíram para o efeito, com tropas em apoio de aríetes com
cabeças perfurantes. Não foi desenhada a linha principal dos
defensores (a mais baixa), postada atrás das seteiras
piramidais.

A rota seguida pela invasão cuchita é um bom exemplo de uma


hábil utilização e exploração das defesas de Judá – ou de qualquer
zona defensiva similarmente concebida. Na primeira fase, o
agressor foi obrigado a abrandar o seu ímpeto ofensivo inicial, e
depois a sitiar uma das fortalezas de bloqueio, neste caso Marecha.
Enquanto Zera perdia tempo, provisões e forças nas operações de
cerco e a proteger os sitiantes contra uma eventual interferência das
fortalezas situadas nos seus flancos, Asa concentrava forças no
principal eixo lateral de manobra na retaguarda das suas fortalezas,
a estrada da bacia hidrográfica. Na fase seguinte, Asa roubou a
iniciativa do adversário lançando um contra-ataque que o fez partir
em debandada total. A exploração da vitória permitiu a Asa destruir
muitos redutos inimigos, o que abriu o caminho para a reconquista
dos territórios perdidos nas planícies do Sul, levada a cabo pelo seu
filho, Josafá.

O segundo caso no qual uma invasão foi destroçada pela cintura


defensiva de Judá encontra-se bastante envolto em mistério para
permitir uma apreciação racional. Basta dizer que uma invasão de
amonitas, moabitas e medianitas, que incluía uma tropa enorme de
combatentes nômades ligeiramente armados, foi contida e
apanhada na rede de fortificações das defesas orientais de Judá, na
área de técua (2 Crônicas 20:1-28).

O terceiro caso em que assistíamos ao funcionamento eficaz da


cintura de fortalezas de Judá ocorreu em condições extremamente
difíceis. Em 701 a.C., Senaqueribe, o grande rei guerreiro assírio,
invadiu a ponte terrestre palestina, onde uma coligação liderada por
Ezequias, rei de Judá, e Zidka, rei de Ascalão, havia erguido (com
ajuda egípcia) o estandarte da revolta contra o domínio assírio. Os
relatos de Nínive e os anais régios assírios oferecem um vívido
retrato da luta desesperada. Depois de a força expedicionária
egípcia ter sido derrotada na Batalha de Eltekeh, Senaqueribe virou
para leste para atacar Judá de oeste. Simultaneamente, um
segundo exército, comandado por Tartan, marechal de campo e
copeiro real, partiu da província assíria de Samaria e avançou para
sul, sobre Jerusalém, ao longo da estrada da bacia hidrográfica. O
plano de Senaqueribe era fixar o rei judaico e o máximo de suas
forças em Jerusalém, anulando a sua capacidade de dirigir o
esforço de defesa nacional, e neutralizar todas as reservas que
pudessem ser utilizadas em auxílio de outros setores encurralando-
as na capital.

O plano funcionou – até certo ponto. Jerusalém foi sitiada e o rei


Ezequias viu-se encerrado na capital. Senaqueribe pôde conduzir a
campanha de conquista das fortificações com considerável
liberdade e sem grande receio de interferências. A utilidade
estratégica da cintura defensiva de Judá estava grandemente
anulada, pois baseava-se muito na capacidade das reservas de
Jerusalém poderem intervir a qualquer momento e em qualquer
ponto adequado, tal como haviam feito durante a invasão de Zera.
Mas felizmente para Judá, foi comprovado o valor de outra
qualidade das suas fortificações, nomeadamente a sua capacidade
de provocarem desgaste ao inimigo, pois as fortalezas, já poderosas
de origem, haviam sido posteriormente reforçadas por uma
sucessão de reis cientes da necessidade de melhorar os redutos do
coração de Judá.
O primeiro grande objetivo de Senaqueribe era Láquis. A partir
dos registros gráficos assírios e de outras provas arqueológicas,
deduzimos que, apesar da incapacidade de Ezequias para orientar
pessoalmente a defesa de Judá, a campanha defensiva foi travada
com todo o vigor. Láquis acabou por cair, é certo, mas as perdas
assírias foram consideráveis. E Senaqueribe não pôde unir as suas
forças após a conquista da cidade, sendo obrigado a iniciar o cerco
de outro importante reduto, a poderosa fortaleza de Libna. Nessa
altura, segundo as fontes assírias, Senaqueribe fora já obrigado a
tomar de assalto quarenta e seis praças-fortes de Judá.[Nota 214]

Ezequias tentou conciliar o seu (ainda) terrível inimigo através de


uma declaração de submissão e do pagamento de um pesado
tributo. Porém, Senaqueribe sentia que enquanto fosse preservada
a independência judaica na vital ponte terrestre, e uma rebelião
contra a sua hegemonia deixasse de ser punida com a destruição
total do rebelde e do seu país, o seu domínio da Síria e da Palestina
não estaria seguro. Consequentemente, redobrou os seus esforços
para conquistar Judá, e incorreu em novas perdas que não poderia
compensar no curto prazo. Nesse momento, o Faraó Tiraca viu
reavivadas as suas esperanças com a informação de que
Senaqueribe estava a disperdiçar as suas forças em Judá, e decidiu
que não haveria melhor oportunidade para cair sobre a enfraquecida
retaguarda assíria e derrotar completamente Senaqueribe.
Quando Senaqueribe se deu conta deste perigo iminente, não
teve outra alternativa que não interromper todos os combates e
retirar apressada e desonro-samente amparado pela noite. A
retirada foi tão súbita que se assemelhou a um milagre aos olhos da
sua geração. O estudioso militar moderno recordar-se-á do “milagre”
de Verdun, em 1916, onde a obstinação dos alemães originou um
tremendo sacrifício de homens antes de a exaustão os obrigar a
retirar; em uma escala menor, inclui-se a retirada de Napoleão
perante Acre, devido à ameaça turco-britânica à retaguarda, no
Egito.

Um fator importante na resistência a Senaqueribe foi certamente a


elevada moral dos defensores. Não é nossa intenção negar que a
crença no auxílio e no parecer divinos ampararam os homens de
Judá na sua luta desesperada pela sobrevivência, mas pretendemos
realçar o papel decisivo das fortificações de Roboão para que o
milagre fosse possível.

O poder ofensivo de Senaqueribe foi seriamente reduzido, os


seus herdeiros evitaram envolver-se em uma guerra no coração de
Judá, e Judá conseguiu sobreviver por mais 115 anos, até à sua
conquista por Nabucodonosor, em 587 a.C. [Nota 215]

As portas de Láquis são atacadas por Senaqueribe. O aríete


móvel é apoiado por infantaria couraçada, operando aos pares
(arqueiro – porta-escudo). Em outra rampa, assiste-se a um
ataque de piqueiros. Apenas estão representadas as galerias
de madeira, reforçadas por escudos, que constituem o nível
superior das defesas. As armas principais são arcos, fundas e
lanças. Uma chuva de projéteis incendiários abate-se sobre o
aríete, cuja cabeça tem de ser constantemente molhada com
água para não se incendiar (palácio de Nínive).

Se desejarmos resumir os fatores subjacentes à sobrevivência de


Judá depois do cisma da Monarquia Unida e à sua recorrente
emergência como um Estado vigoroso e capaz de implementar uma
estratégia ofensiva, as fortificações de Roboão e as suas extensões
são o principal fator a citar. Judá assemelhava-se a um grande
porco-espinho que se podia defender em todas as direções sempre
que era ameaçado. Por esta razão, as forças inimigas operando na
ponte terrestre palestina tentaram sempre ao máximo evitar
enredarem-se nas montanhas de Judá, a menos que tivessem
motivos muito particulares para procederem de outro modo.

Salmanasar III (841 a.C.) e Tiglat-Falasar III (734-732 a.C.), bem


como Sargão II e Esarhaddon, mantiveram-se afastados das
montanhas de Judá, que diminuíam o seu ímpeto, neutralizavam
uma grande parte do seu sofisticado armamento ofensivo e os
expunham a todos os perigos e rigores de um dos mais desgatantes
tipos de guerra, o combate em terreno montanhoso bem defendido.
Somente assim podemos compreender a relutância de Sargão em
prosseguir o seu ataque contra Judá na sua guerra de 712 a.C.,
quando a sua hegemonia foi ameaçada por uma coligação chefiada
pelo rei de Asdod e por Ezequias de Judá, com o apoio ativo de
Shabaka – o vigoroso primeiro faraó da XXV Dinastia (Etíope).[Nota
216] Embora Azeca tivesse sido tomada de assalto após um longo

cerco, conduzido sob os olhares do próprio Senhor da guerra, o


esforço dispendido na conquista da fortaleza – localizada, segundo
a descrição assíria “em cima de uma colina tão afiada como a
lâmina de uma espada” - levou Sargão a desistir de alargar a sua
ofensiva às montanhas.[Nota 217]
Um sentimento semelhante foi expressado pelo Faraó-Neco, em
609 a.C., quando tentou persuadir Josias, rei de Judá, a não
interferir com o seu progresso pela Via Maris ao encontro dos
assírios: “Neco, porém, mandou-lhe mensageiros, dizendo: Que
tenho eu que fazer contigo, rei de Judá? Não é contra ti que venho
hoje, mas contra a casa à qual faço guerra... Deixa de te opores a
Deus, que está comigo...” (2 Crônicas 35:21). Na verdade,
geralmente era só quando Judá interferia na planície costeira que os
exércitos das grandes potências não viam alternativa a um ataque
ao reduto montanhoso do reino.

Não se admira, pois, que em épocas subsequentes, sempre que


Judá esteve ocupado por defensores resolutos, os atacantes
provenientes das planícies evitaram ao máximo combater nas
montanhas. Esta atitude foi expressada pessoalmente pelo grande
Napoleão. Em 1799, após a conquista de Gaza, quando os seus
generais e ajudantes os instaram a avançar para o oriente, ele
retorquiu: “Nem pensar! Jerusalém não se encontra na minha linha
de operações. Não desejo ser atacado por montanheses em
estradas difíceis... Não ambiciono o destino de Céstio”.[Nota 218]
Similarmente, em 1917, Allemby só entrou nas montanhas depois
de ter conquistado as planícies até Jafa e ultrapassado o rio Yarkon.

Depois de conseguirem forçar a linha Berseba-Gaza, as suas


tropas demoraram apenas doze dias para cobrir os 80 km que as
separavam do Yarkon, mas para chegarem a Jerusalém, que
acabariam por conquistar, necessitaram de vinte e um dias para
percorrer 33 km.

Notas do Capítulo 9
Nota 205 - Sobre Alam el-Halfa, ver DE GUINGAND, F.W., Operation Victory, Londres,
1947, pp. 139 sqq. [Voltar]

Nota 206 - Números impressionantes, mas não se comparam aos de Salomão: “Tinha ele
setecentas mulheres, princesas, e trezentas concubinas”. As riquezas de Roboão não eram
certamente de nível salomônico, e talvez o rei tinha também tido em conta o que se dizia
de Salomão: “e suas mulheres lhe perverteram o coração” (1 Rs 11:3). (N.T.) [Voltar]

Nota 207 - Na versão portuguesa: “...assegurou-lhes uma pensão copiosa e deu-lhes


muitas mulheres.” (N.T.) [Voltar]

Nota 208 - Ver cap. 11, nota 311, e BAR IX, 1983, pp. 6-8; MAZAR, A., “Iron Age Fortresses
in the Judeans Hills”, PEQ 114, 1982, pp. 87-109. [Voltar]

Nota 209 - P. ex, KOCHAVI, M. (ed.), Judaea, Samaria and the Golan, Archaeological
Survey 1967-1968, Jerusalém, 1972. [Voltar]

Nota 210 - Horvat Uza: ver BEIT ARISH, I., NEAEHL IV, pp. 1495-1497; Kadesh-Barnea:
ver COHEN, R., NEAEHL III, PP. 843-847. [Voltar]

Nota 211 - Ibid. [Voltar]

Nota 212 - Ibid. [Voltar]

Nota 213 - Ibid. [Voltar]

Nota 214 - Ibid. [Voltar]

Nota 215 - Ao contrário do que assumiram os comentadores mais antigos, os Cuchitas de


Serach não são os Etíopes, mas sim um povo seminômade de nome idêntico ao usado na
Bíblia para os africanos, e que se sabe ter habitado nas fronteiras sul da Palestina a partir
do segundo milênio a.C. Cf. Mazar (Maisler), B., Untersuchungen zur alten Geschichte und
Ethnographie, pp. 46-47. [Voltar]

Nota 216 - ANET, pp. 255-257. O cerco de Láquis encontra-se retratado em pormenor em
um relevo do palácio de Senaqueribe, em Nínive. Ver BARNETT, R. D., Assyrian Palace
Reliefs and their Influence on the Sculpture of Babylonia and Persia, Londres, 1960, pp. 44-
49. [Voltar]

Nota 217 - VAN DER KOOIJ, A., “Dass Assyrische Heer vor den Mauern Jerusalems...”,
ZDPV 102, 1986, pp. 93-110, ilumina a discussão relativa a esta campanha (ver as suas
referências bibliográficas). Segundo a sua interpretação textual, o exército assírio
decampou depois de isolar compeltamente a cidade, mas antes de dar início às operações
de cerco e assalto. [Voltar]

Nota 218 - Também chamado Xubaco ou Psamético. (N.T.) [Voltar]


CAPÍTULO 10

JUDÁ DURANTE O
REINADO DE UZIAS
As primeiras guerras do Reino de Judá após a defecção de Israel
e a invasão de Chichac podem ser descritas como um fútil teste de
força com Israel.

Em 2 Crônicas 13, é relatada uma guerra entre Abias de Judá e


Jeroboão de Israel, no difícil terreno do Monte Semaraim, a oeste de
Betel. Apesar de atacado pela retaguarda, Abias venceu e
conseguiu ocupar parte do território de Benjamim. Um número
crescente de especialistas põe em causa a ocorrência desta
campanha. Seja qual for a verdade, o território capturado regressou
à mãos israelitas na geração seguinte. Já mencionamos o passo
desesperado dado pelo rei Asa ao apelar em Bene-Hadade a Bene-
Hadade II de Damasco contra Israel. Apesar dos prejuízos a longo
prazo (aparentes para nós), para a política de Asa proporcionou-lhe
o desejado alívio imediato. Ao construir a fortaleza de Geba e
Mispá, Asa aceitou, pelo menos temporariamente, o cisma da
Monarquia Unida. Todavia, enquanto Basa, rei de Israel, se
esforçava por repelir os damascenos, Asa conseguiu estabelecer a
fronteira com Israel em uma linha topograficamente segura que se
encostava às profundas ravinas do Wadi Beth Haninah e do Wadi
Suweinit, que desciam o planalto da bacia hidrográfica,
respectivamente a oeste e a este. Para bloquear o acesso a
Jerusalém – mesmo nesta estreita faixa de planalto – Asa (ou um
dos seus sucessores) restaurou as fortificações de Gibeá de Saul, a
4,5 km a norte da capital. Consequentemente, para a defesa
próxima a Jerusalém a norte, foi criado um quadrilátero de
fortificações: Geba, Mispá, Gibeon e Gibeá.[Nota 219]

No século VIII a.C., de acordo com as provas arqueológicas, foi


criado outro quadrilátero através da construção da fortaleza de
Ramat Rahel (a Bete-Hacárem bíblica). Esse quadrilátero, que
incluía ainda Etam, Béter e Belém, guardava os acessos sul a
Jerusalém. [Nota 220]

Confinado por potências formidáveis e respectivos Estados


vassalos, bem como pelas tribos nômades do deserto, Judá foi
continuamente obrigado a tratar das suas defesas. Depois de
completar a urgente tarefa de consolidar a fronteira norte, Asa
prosseguiu as suas atividades de fortificação preenchendo as
brechas na cintura de fortalezas de Roboão.

Também removeu de todas as cidades de Judá os altos e os


altares de incenso; e sob ele o reino esteve em paz. Edificou
cidades fortificadas em Judá; porque a terra estava em paz, e não
havia guerra contra ele naqueles anos, porquanto o Senhor lhe dera
repouso (2 Crônicas 14:5-6).[Nota 221]

Ainda não estamos em posição de atribuir fidedignamente a


maioria das adições às fortificações roboanitas a qualquer um dos
seus sucessores, mas a lista incompleta que se segue dá uma ideia
da extensão da rede: En-Gedi, Arade, Tell Yeshua, Ira, Tell
Khluweilfe (Ciclag?).[Nota 222] Bete-Chemes e Gibeon, todas elas na
órbita do reduto montanhoso. Do teor da passagem supracitada,
podemos deduzir que as fortificações de Asa foram completadas
com a colaboração dedicada de toda a população em um contínuo
esforço nacional. Depois de se oferecerem para partilhar os
encargos, os habitantes de cada cidade a fortificar poderiam ter
contribuído com a mão de obra e ajuda material, em função de uma
avaliação régia. O êxito deste empreendimento está explicitamente
sublinhado na passagem atrás referida.

Existem registros de novas fortificações em grande escala a partir


da época de Josafá: “Assim Josafá ia-se tornando cada vez mais
poderoso; e edificou fortalezas e cidades-armazéns em Judá” (2
Crônicas 17:12). Em contraste com Asa, seu pai, Josafá concentrou-
se na dupla tarefa de tapar as brechas entre as defesas principais –
as praças-fortes – com fortes bastiões e outras obras menores, e de
renovar a infraestrutura logística da defesa nacional. Esta última
tarefa foi cumprida através da operação de bases logísticas, as
“cidades-armazém”, muito à semelhança do que fizera a Monarquia
Unida. Além disso, foi dada especial atenção a tornar as principais
cidades autossuficientes quanto à sua capacidade de produção e
manutenção de armas e outros equipamentos, incluindo carros de
guerra.

Um bom exemplo de um forte que serviu de elo entre as grandes


instalações é Horvat Rasham, entre Láquis e Azeca.[Nota 223] Em
áreas desprovidas de cidades, tais como a zona entre Jericó e Zoar
(tendo no oásis de En-Gedi a única povoação importante e
permanentemente ocupada), foi descoberta uma série de fortes,
entre os quais os de Ein el-Turabe e Mugheir, e está a ser trazido à
luz um número cada vez maior de torres de vigia e postos de
sinalização, alguns dos quais poderão pertencer ao grande
empreendimento de Josafá.[Nota 224]

FORTIFICAÇÕES E GUERRA DE CERCO


As fortalezas de Judá e Israel eram tipicamente quadrangulares
ou redondas, com torres quadradas salientes e muralhas com
ameias. Era dada uma atenção muito especial às portas. Nas
praças-fortes em que as muralhas seguiam os contornos da
elevação sobre a qual eram edificadas, as portas consistiam
geralmente de uma torre poderosa com uma entrada estreita que
podia ser fechada com dois conjuntos de portas e ferrolhos
pesados, e ser igualmente protegida na passagem entre os seus
elementos internos. A Bíblia resume todos estes aspectos ao referir-
se às fortificações de Salomão: “Edificou... cidades fortificadas com
muralhas duplas [assim o refere o texto hebraico],[Nota 225] portas e
ferrolhos”.[Nota 226]

As escavações, as passagens bíblicas e uma grande quantidade


de murais e outras pinturas e relevos provenientes de fontes
egípcias, assírias e outras, permitem-nos reconstruir as fortificações
israelitas e ampliar consideravelmente o que já dissemos a este
respeito. De Dã, na fronteira aramaica, a Cades-Barnéia, nos
confins do Sinai, as fortificações israelitas evoluíram em um padrão
típico que prova que a construção dos edifícios seguiu
frequentemente técnicas e especificações padronizadas. Um tipo de
cortina[Nota 227] muito utilizada era a chamada “muralha de
casamata”. Trata-se de uma muralha dupla, ligada por muralhas
internas que dividem o espaço interior em compartimentos
quadrados, “casamatas”. Estes poderiam, pelo menos em situações
de aflição, ser enchidos com cascalho, terra ou outros materiais
similares, fornecendo às muralhas uma considerável largura e
resistência. Este método de construção destinava-se a minimizar os
efeitos do sapa e dos instrumentos para abrir brechas. Depois de os
assírios terem introduzido o aríete melhorado, havia uma grande
probabilidade dessa nova arma ficar presa no enchimento da
casamata ou de a transformar em uma massa ainda mais sólida.
Além disso, os telhados planos das casamatas constituíam um
posto de combate muito mais largo do que o da estreita muralha
individual, o “caminho da ronda”. Finalmente, a largura destas
muralhas criava uma nova zona segura para movimento no interior,
pois era quase impossível cobri-la com projéteis, o que facilitava as
movimentações na retaguarda imediata da zona de combate.[Nota
228]

Mas nem todas as muralhas israelitas eram do tipo casamata.


Muitas fortificações poderosas possuíram, em determinadas alturas,
cortinas sólidas, construídas frequentemente em seguimentos
alternadamente avançados e recuados, seguindo os contornos da
topografia. Esta disposição garantia que os efeitos do aríete não se
propagavam a uma área maior do que o segmento da muralha
atacada. Quando as muralhas eram coroadas com galerias de
madeira, como as representadas nos relevos assírios sobre o cerco
de Láquis, os segmentos avançados e recuados permitiam o “tiro”
de enfilada. Por outras palavras, os arqueiros instalados nas
galerias podiam atirar mais ou menos em paralelo à seção
adjacente da muralha e cobrir as suas proximidades,
complementando o tiro de enfilada das torres, o qual discutiremos
adiante. Arade é um exemplo de que as muralhas mais antigas
(século X a.C.) são novamente de casamata.

No século X a.C., as muralhas de Berseba eram sólidas, mas um


século depois foram convertidas em muralhas de casamata. Cades-
Barnéia, construída no século IX ou VIII a.C., foi sempre uma
estrutura de casamata, e poderiam ser dados outros exemplos.
Parece não ter existido um consenso quanto ao valor respectivo das
cortinas sólidas e de casamata: as opiniões foram variando com o
tempo. Contudo, continuaram a ser construídas fortalezas de
casamata na Palestina até ao fim da época bizantina. Nos últimos
tempos do período romano, espalharam-se a todo o império, e
algumas fortalezas da Britânia ou da Germânia eram muito similares
às israelitas de mil anos antes.

As principais desvantagens de qualquer tipo de fortificação são a


ausência de profundidade em comparação com o combate em
campo aberto, e a falta de flexibilidade. As fortificações não se
podem esconder, são totalmente visíveis.

A fim de minimizar esta desvantagem tática, eram utilizados os


seguintes expedientes, individualmente ou em conjunto: uma dupla
linha de muralhas, como as de Láquis, poternas e passagens, como
em Ramat Rahel (Bete-Hacarém), um talude aos pés das muralhas,
a distâncias adequadas para a precisão e eficácia de arcos e
fundas, e de proteger as muralhas de serem facilmente minadas e
rompidas.

Entre os principais oponentes de todas as grandes fortificações


encontravam-se as torres que se projetavam das cortinas e
dominavam as fortificações.

O objetivo das torres era múltiplo. No clímax de qualquer cerco,


quando os defensores postados nas ameias se viam
impossibilitados de atingir o inimigo aos pés das muralhas sem se
exporem perigosamente aos projéteis dos sitiantes, os homens
colocados nas torres podiam atirar ao longo das muralhas e sobre a
sua proximidade imediata a partir de uma posição relativamente
segura. Este tiro de enfilada ou de flanco manteve a sua qualidade
decisiva até às fortificações da atualidade, que são desenhadas
para possibilitarem um tiro de flanco a partir de um máximo de
posições. Para garantir a enfilada total, a regra era obviamente
colocar as torres de modo a que se pudessem cobrir mutuamente
com tiro de arco.

De igual importância era a altura das torres. Quanto mais altas,


maiores eram o campo de visão e o alcance do “tiro” eficaz. Além
disso, a altura aumentava o poder de penetração das descargas
sobre alvos próximos e permitia aos defensores atingir os inimigos
que tivessem chegado ao cumo das muralhas.

As torres também dividiam as cortinas em segmentos separados.


Mesmo que uma destas seções da cortina fosse rompida ou
conquistada, enquanto o par de torres localizado nas suas
extremidades estivesse operacional, os defensores tinham uma boa
hipótese de repelir o atacante com o apoio do tiro de flagelação
executado pelos homens das torres, as quais poderiam muito bem
servir de base para um contra-ataque. Além do mais, não havia
hipótese de se avançar ao longo das muralhas enquanto as torres
flanqueadoras não fossem neutralizadas. Para garantir que as torres
fossem difíceis de atacar, mesmo a partir das muralhas, a partir da
época clássica. Pontes de madeira ou escadas, facilmente
removíveis, passaram frequentemente a ligar as torres às muralhas.
Este método pode ter tido origem no período do Primeiro Templo.
[Nota 229]

Era dada uma atenção muito especial às portas, o ponto mais


vulnerável de qualquer fortaleza. Na sua forma mais sofisticada, o
acesso às portas era guardado por dois conjuntos de torreões, como
em Megido, Samaria e Láquis.

Se conseguisse penetrar através da porta exterior, o atacante ver-


se-ia canalizado para a passagem entre as portas, dotada de
posições de tiro a todo o comprimento que o expunham a um “fogo
cruzado” proveniente de duas, três ou quatro direções. Mesmo que
a entrada fosse defendida por um único torreão, esta era geralmente
uma estrutura muito poderosa e profunda, com salas de guarda e
seteiras nos andares superiores para flagelar o inimigo que entrasse
pela porta. Os torreões dispunham pelo menos de duas portas
duplas, no interior e no exterior. A passagem da entrada também
podia ser bloqueada entre as muralhas divisórias das câmaras que
a flanqueavam.

As cidades maiores possuíam cidadelas que ofereciam aos


defensores um último ponto de resistência. Serviam de alojamento
para as guarnições regulares aquarteladas nas cidades, e de
arsenais para a população em situações de conflito. Dada a sua
posição elevada e as torres de que dispunham, serviam também de
postos de comando para a direção de defesa da cidade (vejam-se
os casos de Haçor, Megido e Láquis).

Uma fonte segura de abastecimento de água podia fazer toda a


diferença na resistência a um cerco caso o ataque fracassasse. Os
engenheiros conseguiam chegar a lençóis aquíferos subterrâneos
extremamente fundos, ou escavar túneis secretos até fontes
exteriores: Haçor, Megido, Gibeon e Azeca constituem bons
exemplos. Por vezes, as infraestruturas existentes eram utilizadas e
melhoradas, como aconteceu em Jerusalém.[Nota 230]

As estradas que conduziam às portas eram planejadas de modo


que o atacante tivesse que virar para a esquerda, perdendo ímpeto
e expondo o seu lado direito (duplamente vulnerável por não estar
protegido pelo escudo). Nestas situações, os benjaminitas, que
eram ambidestros, revelavam todo o seu valor, podendo utilizar a
funda com a mão esquerda e proteger o lado direito com escudo.

O que nos traz à guerra de cerco. Para o militar, é óbvio que as


artes da defesa e do cerco são complementares. É difícil decidir se
Vauban (1633-1707), possivelmente o maior de todos os
engenheiros militares, e o holandês Coehorn (1641-1704), quase
tão brilhante como ele, devem ser recordados mais como
construtores de fortificações ou inventores de meios e métodos para
as destruir. É, pois, quase incontestável que, acompanhando a
evolução da arte da fortificação, os israelitas se tornassem, desde a
época da Monarquia Unida, especialistas em todas as formas de
guerra de cerco.

O processo de um cerco é descrito muito concisamente por


Ezequiel em um aviso ao destino que espera Jerusalém: “E põe
contra ela um cerco, e edifica contra ela uma fortificação, e levanta
contra ela uma tranqueira; e coloca contra ela arraiais, e põe-lhe
aríetes em redor” (Ezequias 4:2).[Nota 231] Ao profetizar a queda de
Tiro nas mãos de Nabucodonosor, ele diz: “As tuas filhas ele matará
à espada no campo; e construirá fortes contra ti, levantará contra ti
uma tranqueira, e alçará paveses contra ti; dirigirá os golpes dos
seus arietes contra os teus muros, e derrubará as tuas torres com
os seus machados” (Ezequiel 26:8-9).[Nota 232]

Jeremias visualiza o cerco de Jerusalém da seguinte forma:


“Porque assim diz o Senhor dos exércitos: Cortai as suas árvores, e
levantai uma tranqueira contra Jerusalém” ( Jeremias 6:6). O reforço
das rampas, construídas de terra e pedras, através de um esqueleto
de madeira ou da inserção de pranchas manteve-se um método
comum até ao final da Idade Média. As rampas ou taludes eram
construídos para preencher espaços vazios, tais como os fossos, ou
para ganhar altura suficiente para a utilização de escadas de assalto
e aríetes. Desalojar pedras da parte de baixo da muralha nem
sempre era o melhor meio de penetrar em uma fortaleza sitiada; se
o aríete pudesse ser aplicado mais acima, a muralha, ao
desmoronar-se, arrastaria consigo outros segmentos da cortina e os
seus defensores. Além do mais, os escombros formariam uma
continuação da rampa, permitindo um acesso fácil à brecha.

Mas a narrativa bíblica não nos deixou quase nenhum relato de


soldados israelitas em ação, embora existisse uma passagem,
relativa ao cerco de Abel-Bete-Maaca por Joabe, que prova que os
israelitas aplicavam todos os métodos supracitados, e que já o
faziam na época de Davi: “Vieram, pois, e cercaram a Sebá em Abel
de Bete-Maacá; e levantaram contra a cidade um montão, que se
elevou defronte do muro; e todo o povo que estava com Joabe batia
o muro para derrubá-lo. (2 Samuel 20:15).[Nota 233]

O aríete começou a ser utilizado muito cedo, embora não


saibamos quando foi utilizado pela primeira vez para derrubar o
muro. A sua primeira utilização foi em um fresco egípcio da XII
Dinastia (século XX a.C.). No período davídico,[Nota 234] poderá ter
evoluído para um instrumento com a cabeça endurecida, na maioria
das vezes em metal e em forma de cabeça de carneiro (daí o seu
nome),[Nota 235] que era manobrado em um arnês fixo a uma
armação de madeira ou por um grupo de homens resolutos que
batiam com ele onde pretendiam abrir uma brecha. O aríete
representado no mural Beni Hassan poderá ser de outro tipo, com
uma cabeça pontiaguda que conseguia deslocar tijolos e blocos de
pedra destruindo as juntas. Estes aríetes são os haravot [Nota 236]
referidos em Ezequiel 26:9.[Nota 237] Não sabemos até que ponto os
reinos judaicos conseguiram acompanhar a liderança assíria na
utilização de aríetes cada vez mais elaborados, instalados em torres
e carros “blindados”.[Nota 238]

Assírios sitiando uma cidade: os arqueiros apoiam um aríete


com torre, enquanto os soldados minam as muralhas ou
exploram uma passagem subterrânea. Outros destróem a
muralha com pés de cabra. Os sitiados tentam apanhar a
cabeça do aríete com ganchos presos a correntes.

A guerra de cerco, que atraía necessariamente para a sua órbita


toda a população não combatente da cidade sitiada, regia-se por
uma regra absoluta:

antes de qualquer ação hostil, era oferecida a “paz” em troca da


rendição ao exército sitiante. Se esta oferta fosse recusada, a
população masculina adulta da cidade ficava sujeita a uma eventual
confiscação dos seus bens e à morte. Esta lei permaneceu em vigor
até ao século XIX: por exemplo, em março de 1799, Jafa, que
recusou capitular perante Napoleão, foi tomada de assalto e
entregue à pilhagem das tropas francesas.

Importa mencionar outra lei do Antigo Testamento que governava


a guerra de cerco: “Quando sitiares uma cidade... não destruirás o
seu arvoredo, metendo nele o machado, porque dele poderás
comer” (Deuteronômio 20:19-20).[Nota 239]

A explicação para esta regra encontra-se na leitura literal do


original bíblico, “Porventura a árvore do campo é homem, para que
seja sitiada por ti?”, ou na interpretação que lhe é dada pelos
tradutores ingleses, entre outros, “pois a árvore do campo é a vida
do homem”.[Nota 240]

Embora a regra hebraica se baseie em considerações éticas e em


outras a que chamaríamos hoje “ecológicas”, a Versão Autorizada
sublinha a abordagem ecológica: que valor terá a cidade
conquistada se as suas fontes de subsistência forem prejudicadas
pela destruição das suas plantações? Talvez ambos os fatores
tenham tido peso na formulação desta lei.

As fortalezas e torres de vigia dispunham de grandes armazéns


para vitualhas e equipamento bélico. Os armazéns alongados de
Berseba, dispostos lado a lado, cobriam uma área de 550 m2 .
Foram descobertas instalações semelhantes em Megido, Haçor,
Telel-Hesa e Tell Qasileh. Em outros locais, as casamatas serviam
de depósitos e arsenais.[Nota 241]
E não faltava alimento para o espírito. As escavaçõs em Arad,
Láquis e Berseba provaram que até o clero centralista do Templo de
Jerusalém cedeu às exigências dos soldados judaítas que se
encontravam confinados, durante longos períodos de serviço, às
bases fronteiriças, e forneceu-lhes “capelas militares” legais. O autor
inclina-se a ver neste fenômeno o primeiro passo na sucessão de
acontecimentos que viria a dar origem à revolucionária instituição
que se tornou o protótipo de todos os locais de culto monoteístas –
a sinagoga.[Nota 242]

Outra função destes santuários de guarnição era provavelmente


aquilo a que chamaríamos, na terminologia moderna, “bases para
unidades educacionais do exército”. Podemos até postular
atividades missionárias entre povos e tribos fronteiriças. Tal como
em épocas posteriores, a atividade político-militar era apoiada e
mantida por um domínio cultural e religioso. À imagem das
atividades dos levitas durante a Monarquia Unida, os santuários
fronteiriços devem ter funcionado internamente e externamente,
ensinando e difundindo a religião, a lei e a cultura do Antigo
Testamento. É sabido que, durante uma grande parte do período
monárquico, nem todos compreendiam e praticavam o verdadeiro
monoteísmo. Além disso, os contatos políticos e comerciais que
exigiam a tolerância de outros credos alimentavam a confusão.

Por vezes, estas questões também afetavam os santuários


militares. É o caso de Kuntillet Ajrud (ver página 233), onde as
práticas religiosas revelam um sin-cretismo quase desconcertante
de elementos judaítas, israelitas e fenícios.[Nota 243]

A COMPOSIÇÃO DO EXÉRCITO DE JUDÁ


O exército que guarnecia as defesas e operava dentro deste vasto
sistema fortificado compreendia, tal como na Monarquia Unida e no
Reino Norte, um núcleo de regulares e a leva nacional, o povo em
armas. Os regulares incluíam a guarda real, os infantes de elite
(chamados “corredores”) e obviamente os carros. É provável que os
“corredores” eram treinados para combater em equipe com os
carros, em formações que se apoiavam mutuamente. Os
mercenários estrangeiros, recrutados entre os Povos do Mar (como
os cereteus e os peleteus), continuaram a prestar o seu serviço
tradicional, iniciado com a casa de Davi. As escavações na fortaleza
de Arade trouxeram à luz ostraka (fragmentos de cerâmica) relativos
ao seu quartel-mestre. Incluem a ordem para fornecer determinadas
vitualhas a mercenários gregos (?), e o seu descobridor, Yohanan
Aharoni, datou-as da época de Sedecias, o último rei de Judá.[Nota
244]

O tamanho do exército regular deve ter variado em função da


prosperidade econômica do país. As tropas eram aquarteladas nas
fortalezas como guarnições estacionárias, ou como unidades
móveis para patrulhar, manobrar e combater principalmente em
campo aberto. Tal como antes, o maior contingente de forças
móveis estava aquartelado junto do rei, em Jerusalém. As tropas
eram formadas nas já nossas conhecidas divisões táticas de
“milhares”, “centenas”, “cinquentenas” e “dezenas”.

A grande diferença entre Judá e Israel era a preponderância da


infantaria judaíta como principal arma ofensiva. A defesa das
montanhas de Judá tornava obrigatória a ênfase nos infantes, do
mesmo modo que os amplos vales e planícies do Norte exigiram o
desenvolvimento dos carros. No entanto, as palavras de Josafá ao
colocar-se às ordens de Acabe - “os meus cavalos como os teus
cavalos”[Nota 245] – e a mesma frase dita por Josafá e Jorão, filho de
Acabe, na véspera da sua campanha combinada contra os
amonitas, bem como outras alusões bíblicas, provam a existência
de carros em Judá. O carro era, de fato, o veículo régio de combate,
a partir do qual os reis de Judá, tal como os monarcas do Egito, da
Assíria, da Babilônia e posteriormente da Pérsia, conduziam as suas
tropas à refrega. Nenhum carro podia entrar em combate sozinho,
um fato que indica a existência de uma força de veículos de
combate, por muito pequena que fosse. E a menção dos carros e
dos capitães dos carros do rei Jorão (ver adiante) confirma a
existência de uma força mais do que simbólica. É evidente, pois
sempre que Judá estendeu o seu domínio ao Neguebe, a Edom e à
planície costeira mediterrânica, não o conseguiu certamente fazer
sem um número considerável de carros.

Em relação à constante importância da infantaria nos exércitos de


Judá, possuímos uma inscrição – infelizmente muito mutilada –
originária da guerra entre a coligação síria liderada pelo rei Uzias de
Judá e Tiglat-Falasar. O analista assírio atribui a vitória do seu amo
à grande proeza de ter vencido a infantaria judaíta.[Nota 246] Estas
tropas incluíam seguramente recrutas do exército nacional acerca
dos quais também dispomos de alguma informação: “Ora, tinha Asa
um exército de trezentos mil homens de Judá, que traziam pavês e
lança; e duzentos e oitenta mil de Benjamim, que traziam escudo e
atiravam com arco; todos estes eram homens valentes” (2 Crônicas
14:8).

As competências bélicas tribais tradicionais foram evidentemente


continuadas. A tribo de Judá fornecia a falange de piqueiros, os
benjaminitas prosseguiram a sua tradição de arqueiros. Contudo, os
números citados são realmente elevados. Com uma população total
de meio milhão de habitantes, é algo raro um quarto da população
masculina ser mobilizado ao mesmo tempo para a guerra.

Uma lista datada do reinado de Josafá enumera cinco divisões


principais do exército popular e respectivos comandantes de
300.000 homens; Jeoanã de Judá, comandante de 280.000
homens; Amasias de Judá, comandante de 200.000; Eliadá de
Benjamim, comandante de 200.000 arqueiros; Jeozabade,
comandante de 180.000 arqueiros; “Estes estavam no serviço do
rei, afora os que o rei tinha posto nas cidades fortes por todo o
Judá” (2 Crônicas 17:14-19). O exército popular estava, pois,
alocado em cinco divisões, as quais poderiam, à semelhança das
doze divisões da antiga Monarquia Unida ter fornecido, de acordo
com um calendário pré-estabelecido, “reservistas para serviço ativo”
durante um período anual fixo. Se riscarmos um zero em cada um
dos números acima referidos, a totalidade do “povo em armas” cifra-
se em 116.000 homens (cerca de 50% da população masculina), o
que seria teoricamente possível em alturas de extrema emergência.
[Nota 247]
Carro judaico pertencente aos despojos de Láquis (palácio de
Nínive).

As cinco divisões parecem ter sido divisões de combate,


recrutadas nas doze divisões administrativas do reino. Josafá
conseguiu reconstruir a infraestrutura salomônica, baseando a
manutenção da administração e do exército em doze distritos, cada
um dos quais era responsável pelo fornecimento de provisões para
um mês. Todavia, dado que os limitados recursos humanos dos
distritos não eram suficientes para a formação de doze divisões
distritais, dois ou mais distritos tiveram de se combinar para
fornecerem as cinco divisões, que serviam com o máximo de
efetivos durante cerca de onze semanas por ano, ou com metade do
seu complemento duas vezes por ano, um mês de cada vez.[Nota 248]
A DEFESA DO NEGUEBE

As guerras combinadas de Israel e Judá, durante os reinados de


Acabe e Jorão de Israel e Josafá de Judá, foram tratadas no
capítulo 7. Falta abordar o Neguebe, o sul do reino de Judá que era
basicamente uma questão judaica, embora iniciativas comerciais
comuns dessem origem a cooperação com o reino irmão do norte.
Para uma melhor compreensão dos problemas inerentes, será
melhor observarmos, neste contexto, o envolvimento israelita no
Neguebe a partir da época de Salomão. A palavra “Neguebe”
significa “região seca”. Esta área compreende cerca de 7.200 km2,
entre Berseba e Eziom-Geber. Com uma precipitação média anual
de 150 mm, o Neguebe apenas podia suportar uma população
nômade. Dado que o Neguebe constitui uma zona fronteiriça
climática, são frequentes as variações até nesta mínima quantidade
de chuva, bem como nos lençóis subterrâneos que alimentam fontes
e poços. Nos períodos secos, o único meio de salvação dos
nômades era conseguirem acesso, bem ou mal, aos territórios
aráveis, dotados de fontes de água mais duradouras e de uma
variedade de pastagens, bem como de plantações e hortas
cultivadas pelos camponeses. Uma destas incursões foi a invasão
medianita enfrentada por Gideão no vale de Jezreel, cerca de 150
anos antes da fundação do reino de Saul.[Nota 249]

Após a fundação da monarquia, a tarefa permanente dos reis foi


assegurar uma vida em ordem e segura no país defendendo
firmemente as suas fronteiras a sul. Em outras palavras, uma linha
de defesa fronteiriças especialmente adaptada para repelir os
nômades do Neguebe e de outras regiões mais distantes era
essencial para a manutenção da paz em Judá. A linha de defesa
natural é a do profundo e íngreme desfiladeiro dos rios Besor,
Berseba e Malcata, que são tributários uns dos outros e formam
uma linha de demarcação contínua que pode ser transformada,
quando fortificada a preceito e bem patrulhada, em uma eficaz linha
defensiva.[Nota 250]

Na verdade, é possível identificar uma sucessão de bastiões


fronteiriços ao longo desta linha, incluindo Berseba, Tell Masos
(Hormat?), Ira, Arad e Malcata.[Nota 251] Para tornar esta linha eficaz
era necessária profundidade, pois os rápidos nômades do deserto
eram capazes de penetrar em qualquer defesa linear.

Começamos agora a descobrir, entre as bases principais da linha


do wadi e as vertentes superiores do Monte Hebron, um número
cada vez maior de fortificações que davam profundidade à linha
avançada. Temos que imaginar os grupos de atacantes do deserto
ensarilhando-se em uma rede de localidades fortificadas que se
apoiavam mutuamente. E mesmo que os nômades conseguissem
atravessar a cintura fortificada e chegar às zonas férteis, tornavam-
se seriamente vulneráveis à intercepção no caminho de volta,
sobrecarregados com o saque e/ou rebanhos. Que eram possíveis
intercepções deste tipo, mesmo sem a existência de defesas
fronteiriças devidamente funcionais, é demonstrado pela
perseguição movida por Davi e consequente intercepção do grupo
que atacara Ciclag quando ele ainda era um condottiere feudal a
soldo de Gate (1 Samuel 30). Este tipo de ação teria
indubitavelmente sido muitíssimo mais eficaz se fosse uma iniciativa
rotineira lavada a cabo por forças fronteiriças permanentes!

O principal valor do Neguebe para além da linha do wadi era o de


elo entre o comércio marítimo e terrestre que convergia sobre Edom
e o Golfo de Elat, de um lado, e sobre a planície filisteia, do outro.
Quando Estrabão, cerca de mil anos após Salomão,[Nota 252]
descreve Gaza, ele afirma apropriadamente: “... Diz-se que são
1260 estádios[Nota 253] até a cidade de Aila [Elat], situada no recesso
mais interior do Golfo Árabe... Viaja-se de camelo através de uma
região desértica e arenosa” (Geographica, XVI.II.30). E ainda:
“Aelana [Aila-Elat] é uma cidade... em frente a Gaza” (ibid.,
XVI.IV.4). Plínio, o Velho, cerca de 75 d.C., o outro principal centro
comercial ao qual Gaza e a costa filistina estavam ligadas: “...

Seguem-se os Nabateus, que habitam uma cidade chamada


Petra [a Selá da Bíblia, capital de Edom]. Em Petra, encontram-se
duas estradas, uma da Síria a Palmira e a outra proveniente de
Gaza” (História Naturalis, VI.II.144).

Os distritos de Edom, o Neguebe e a costa filisteia estiveram


sempre ligados por interesses comerciais comuns. Os edomitas e os
filisteus tinham interesse em manter boas relações com os nômades
do Neguebe, que já incluíam tribos árabes, para garantirem o fluxo
de bens de um centro comercial para outro. O estabelecimento da
monarquia israelita acrescentou uma quarta parte interessada. A
supremacia israelita sobre todo o Neguebe podia ser explorada
passivamente exigindo uma parte dos lucros do comércio, ou
ativamente com o desenvolvimento de novas rotas comerciais,
desviando parte do tráfego para ou através dos domínios israelitas.
Ambos os métodos foram utilizados, o segundo desviando para
leste parte do comércio Norte-Sul (ou vice-versa) ao longo da ponte
terrestre palestina, e conquistando parte do monopólio comercial
egípcio no Mar Vermelho através do desenvolvimento de Eziom-
Geber ou da vizinha Elat e desviando algum tráfego dos portos
egípcios.
As partes restantes interessadas estavam unidas no seu desejo
de sabotar os recém-chegados concorrentes israelitas. A partir da
época de Salomão, para proteger as rotas do deserto e as feitorias,
os israelitas viram-se obrigados a fortificar e controlar as rotas trans-
Neguebe e as principais fontes de água no deserto. O primeiro
sistema de rotas fortificadas no deserto foi claramente salomônico, e
uma grande parte da campanha de Chicag, em 924 a.C., foi dirigida
contra ele.[Nota 254] Quer a ideia tenha sido sua ou de seus
conselheiros, ou uma sugestão fenícia, Salomão teve a visão
suficiente para aproveitar ao máximo as realidades geopolíticas
criadas pelo estabelecimento do Grande Israel. Com a assistência
de Tiro, foi desafiado o antigo monopólio naval e comercial do Egito
no Mar Vermelho, e abriu-se uma rota alternativa entre o Mar
Vermelho e o Mediterrâneo. As fortalezas dos “primórdios israelitas”
de Hazeva, Yotveta e Tell el-Kheleifeh apontam para a utilização da
rota comercial de Harava, enquanto que a primeira fortaleza de
Cades-Barnéia guardava o oásis que servia de encruzilhada e nó
viário na periferia oriental do Neguebe.[Nota 255]
Navio Egípcio

Policiar o Neguebe e manter as suas estradas e tráfego


significava a operação de uma extensa rede de fortes, redutos,
torres, postos de controle, fontes de água protegidas, postos de
sinalização, etc.[Nota 256] A manutenção de todas estas
infraestruturas implicava a utilização de uma força permanente de
muitos milhares de homens. Os problemas inerentes eram múltiplos.
Como conseguiu o próprio Salomão manter permanentemente
tropas suficientes ou reservas em um sistema rotativo só para esta
missão, sem negligenciar outros compromissos não menos vitais?
Além do mais, se ainda hoje é logisticamente difícil manter uma
presença militar no Neguebe, antigamente te-lo-á sido muitíssimo
mais.

É verdade que não podemos comparar as sofisticadas


necessidades de um exército atual com as de um seu equivalente
de há 3000 anos. No entanto, já era então um esforço enorme trazer
todas as provisões de Berseba e do Norte, onde se localizavam
também todos os serviços básicos de produção e manutenção de
equipamentos – dos arcos compostos aos eixos dos carros, das
sandálias aos capacetes.

E havia ainda o elemento humano. Mesmo que o soldado israelita


dos tempos bíblicos fosse muito mais frugal e menos exigente do
que o de hoje – animado por cantinas, concertos e espetáculos, pela
rádio e até pela televisão, e que dispõe de uma rápida e constante
ligação postal a casa -, continuava a ser necessário descobrir meios
e métodos para permitir que as tropas estacionadas no deserto
fossem a casa de licença.

A resposta a todas estas dificuldades constituiu o protótipo da


solução encontrada para o mesmo problema em todas as épocas
subsequentes: a colonização permanente do Neguebe e a
imposição da defesa da área aos próprios colonos.[Nota 257] O
viajante do Neguebe observa, em muitos locais, uma típica trindade
de construção: uma fortaleza ou forte situados em uma posição
tática bem escolhida, geralmente no cume de uma colina com um
bom campo de visão a toda a volta; uma aldeia nas encostas, sob
as muralhas da fortaleza; e extensas infraestruturas para a captação
e armazenamento de água da chuva nas vertentes inferiores e nos
vales da colina. Os colonos forneciam aos soldados víveres e
supriam-lhes outras necessidades diárias, e a fortaleza e a sua
guarnição protegiam as residências, as plantações e as
infraestruturas de distribuição da água, vitais para a existência de
todos. Importa repetir que com as tribos nômades sempre a rondar,
a vida civil só era possível com uma constante vigilância e devido à
existência da fortaleza, simultaneamente dissuasora e local de
refúgio. A preocupação mútua com a sobrevivência convertia os
soldados e camponeses em uma comunidade extremamente unida.
De fato, a evolução natural teria sido, senão desde o princípio então
pouco depois, recrutar os membros das guarnições entre os colonos
das aldeias dependentes.

Sabemos que no período do Segundo Templo[Nota 258] os


camponeses do Neguebe constituíam uma milícia fronteiriça rural,
que recebia as suas terras do governo. Em troca da posse e
usufruto dos seus lotes, bem como de diversos outros benefícios,
tinham que assumir a vigilância da fronteira. Este dever passava de
pais para filhos. No período do Primeiro Templo, poderiam ter
existido esquemas semelhantes. De fato, tomando como prova a
passagem citada acima de 2 Crônicas 26 e as descobertas
arqueológicas, é exatamente este o retrato de que dispomos. Todas
estas instalações parecem ter sido planejadas segundo um único
modelo, e a sua construção aparenta ter sido simultânea. Além do
mais, as extensas infraestruturas de captação e armazenamento de
água e de irrigação, que ainda hoje suscitam a admiração do
observador mais sofisticado, não poderiam ter sido construídas nem
mantidas por particulares. A mão do governo central é visível por
todo o lado.

Para sermos exatos, a área de colonização era limitada pelas


condições topográficas das terras altas centrais do Neguebe, entre
as dunas a norte e as altas montanhas a sul. Mas mesmo aqui, este
ambicioso empreendimento só foi possível através da adaptação e
do desenvolvimento sofisticado dos métodos agrícolas já existentes
na beira do deserto.
Nem todas as cerca de trinta fortalezas descobertas até hoje se
destinavam primariamente à defesa dos lavradores. Algumas
guardavam a rede de rotas comerciais, reduzindo as ameaças
externas ao seu tráfego. Outras terão também servido de
paradouros ou centros administrativos. Isto era facilitado pelo fato
de todas as fortalezas do Neguebe pertencerem ao tipo preferido
em Israel, com um pátio aberto cujas muralhas eram do tipo
“casamata” (ver p.218).

Dado que todas as instalações – alojamentos, armazéns,


estábulos, etc. - estavam inseridas nas casamatas, os pátios
abertos destas fortalezas podiam servir para abrigar os viajantes e
os seus animais e bens, e ter ainda outros propósitos, caso as
acomodações nas casamatas não fossem suficientes.[Nota 259]

O tráfego trans-Neguebe não se beneficiava apenas da proteção


fornecida por estas fortalezas e pelos serviços que prestavam. As
aldeias também o auxiliavam, produzindo alimentos e forragem para
as caravanas, e os artesãos locais podiam prestar diversos serviços
a homens e animais.

Finalmente, podemos partir do princípio de que os colonos para o


Neguebe central foram recrutados entre a população excendentária,
que se multiplicou devido às prósperas condições reinantes durante
a Monarquia Unida.

Deste modo, vemos que o desenvolvimento e a exploração do


Neguebe por Salomão constituíram um projeto complexo, interligado
e multifacetado.

Todavia, como já referimos, este grande empreendimento


salomônico foi totalmente destruído por Chichac na sua tentativa de
desalojar os israelitas do Neguebe.[Nota 260]

A preocupação do Sul do Neguebe (até à sua fronteira natural


como o Sinai, o Rio do Egito?) deveu-se a Josafá: “Alguns dentre os
[as duas últimas palavras estão inexatamente traduzidas][Nota 261]
filisteus traziam presentes a Jeosafá, e prata como tributo; e os
árabes lhe trouxeram rebanhos: sete mil e setecentos carneiros, e
sete mil e setecentos bodes” (2 Crônicas 17:11). Vemos que são
mencionados tributos de filisteus e árabes. Estes foram dominados
não só através do exercício do poder militar, mas também pela
pressão econômica imposta pela hegemonia de Judá no Neguebe.

Um terceiro fator do Neguebe teve também a sua importância


para as atividades de Josafá. A Bíblia menciona, quase de modo
parentético, que “Nesse tempo não havia rei em Edom; um vice-rei
governava” (1 Reis 22:47). Este problema edomita foi
evidentemente resolvido com a completa anexação do reino.

Assim preparado o palco, estava aberto o caminho para a


renovação do comércio no Mar Vermelho: “E Jeosafá construiu
navios de Társis para irem a Ofir em busca de ouro; porém não
foram, porque os navios se quebraram em Eziom-Geber. Então
Acazias, filho de Acabe, disse a Jeosafá: Vão os meus servos com
os teus servos nos navios. Jeosafá, porém, não quis” (1 Reis 22:49-
50). Para não deixar o Reino do Norte envolver-se muito no
Neguebe, Josafá declinou a oferta dos homens de Israel, que a essa
altura já haviam adquirido bastante experiência náutica.

De especial interesse é Kuntillet Ajrud, a fortaleza e centro


comercial construída, nos séculos IX ou VIII a.C., sobre uma alta
colina que domina o deserto circundante, a meio caminho entre Al
Arish e Elat, na fronteira sudoeste do reino. Dominando os poços a
seus pés, uma das raras fontes de água perenes desta árida região,
esta fortaleza podia controlar a utilização da água. A interpretação
de pequenos achados e objetos de culto convenceu os arqueólogos
que o local constituía um elo vital, operando e protegendo um
empreendimento comercial conjunto dos dois reinos israelitas com
os fenícios, explorando a rota terrestre mais curta entre o Mar
Vermelho e o Mediterrâneo. Esta atividade deve ter contado com a
extrema oposição do Egito e de todos os outros elementos locais
que sentiam ameaçada a sua participação naquele lucrativo
comércio.[Nota 262]

Embora a Bíblia não o mencione, Josafá ou talvez Uzias terão


conseguido renovar a empresa naval de Salomão no Mar Vermelho.
Os especialistas são da opinião de que os frequentes ventos que
sopram sobre a costa em Eziom-Geber foram os responsáveis pela
destruição da frota judaica, e interpretam a subsequente construção
de Elat como a mudança da base naval para um local mais seguro.
É de crer que ninguém se teria dado a este trabalho se não
existissem navios para navegar.

As escavações de Tell el-Kheleifeh (a Ezion-Geber bíblica)


provaram finalmente a existência de fortificações da época de
Josafá. Dois outros sítios arqueológicos, a fortaleza de Cades-
Barnéia, nos acessos sul ao Neguebe a partir do Sinai, e Arade,
atrás da linha do wadi (Wadi Besor-Berseba-Malcata), apresentam
estratos de construção ligados a este rei. Mais uma vez, o relato
bíblico foi confirmado.[Nota 263] A fortaleza de Kuntillet Ajrud foi
recentemente identificada em Qureiye, a cerca de 45 km a sul de
Cades Barneia. Já discutimos as implicações comerciais e religiosas
neste contexto. Estrategicamente, a sua localização sugere que a
fronteira mais a sul de Judá, no seu auge, foi estabelecida ao longo
de uma linha topograficamente perfeita de escarpas e leitos de
wadis que ladeia a antiga estrada de Elat para El Arish e Gaza.
Podemos imaginar que os carros blindados egípcios que
patrulharam esta fronteira até 1967 levantaram a mesma poeira que
os carros de guerra de Judá 2800 anos antes.

A CAMPANHA DE JORÃO CONTRA EDOM

A rebelião de Jeú e o subsequentemente enfraquecido de Israel


tiveram repercussões imediatas a sul:

Nos seus dias os edomitas se rebelaram contra o domínio de


Judá, e constituíram um rei para si. Pelo que Jeorão passou a
Zair, com todos os seus carros; e ele se levantou de noite, com
os chefes dos carros, e feriu os edomitas que o haviam
cercado; mas o povo fugiu para as suas tendas.

À primeira leitura, esta passagem não faz sentido. Se o rei saíra


vitorioso, por que é que suas tropas abandonaram o campo de
batalha, dispensando-se em debandada? Mas após uma análise
mais apurada, podemos conjecturar o seguinte: Depois de uma
marcha de aproximação longa e cansativa, que exigiu que os carros
fossem transportados em peso ou até possivelmente desmontados
para negociar passagens que, além de estreitas, eram também
rochosas e íngremes,[Nota 264] o exército de Judá formou na planície
a sul do Mar Morto (Quicar na Bíblia).

Embora tivessem abandonado as montanhas, as muitas fendas,


rachas e leitos secos de wadis existentes no solo margoso tornavam
difícil a progressão dos carros, da infantaria, da carriagem e dos
serviços auxiliares. À noite, o exército acampou no oásis de Zoar ou
na sua proximidade. Devido ao cansaço geral, os soldados estariam
menos alerta do que o habitual, e as sentinelas – cada uma das
quais tinha que estar de pé no seu posto durante um terço da noite
– igualmente menos atentas.
27 campanha de Jorão contra Edom

1. Rota de aproximação judaíta.


2. Edomitas de Selá.

3. Os edomitas executam um ataque noturno contra o


acampamento judaíta.

4. Jorão repele os atacantes no seu setor do perímetro.

5. Desconhecendo o êxito de Jorão, uma parte do exército


judaíta entra em pânico e foge.

6. O rei Jorão e as suas unidades retiram ordeiramente

Para os rebeldes edomitas, a visão dos carros não era nada


agradável. Dispondo de forças majoritariamente irregulares, sabiam
que tinham poucas hipóteses contra carros em campo aberto. É
certo que Jorão arriscara os seus carros em um terreno difícil e
acidentado, uma planície com as montanhas de Edom à retaguarda,
mas os soldados dos carros de Judá eram eles próprios
montanheses e talvez fossem mais hábeis do que a maioria a
manobrar em condições topográficas adversas. Assim, Jorão
pensava que o risco que correra ao construir a sua expedição em
torno dos “blindados” fora bem calculado e rendera dividendos –
sobretudo quando não temos nenhum motivo para pensar que os
“corredores” (infantaria privilegiada), versados na cooperação e em
ações de apoio mútuo com os carros, não estivessem a participar na
campanha.

Os edomitas tinham razões para estarem preocupados, mas não


entraram em pânico. Uma análise fria da situação convencera-os de
que; tal como acontecera com os israelitas até a época de Davi, a
sua única salvação estava em surpreenderem o inimigo em uma
situação em que ele não pudesse explorar o seu armamento
superior. A oportunidade apresentou-se-lhes na noite da paragem
da exausta tropa judaica em Zoar.

Os hititas penetram no acampamento de Ramsés II, na Síria.


Depois de devastarem o lado esquerdo do acampamento, onde
se encontravam as tendas das tropas, os hititas aproximam-se
do recinto central, onde estão as tendas do rei e do seu estado-
maior. À direita, a rotina de prosseguir como habitualmente por
entre as bagagens, as filas de carros e as linhas de cavalos
desatrelados. A um canto encontram-se um grupo de rapazes
que servem para carruagem. O perímetro é defendido por uma
muralha de escudos espetados no solo. O acampamento do rei
Jorão em Zoar, atacado de surpresa pelos edomitas, seria
semelhante a este (2 Reis 8:20-21)
Cobertos pela escuridão, os edomitas avançaram silenciosamente
até ao acampamento judaíta e, depois de chegarem muito perto do
perímetro negligentemente guardado, lançaram-se subitamente ao
ataque. Tinham como objetivos principais o rei e os comandantes
dos carros (com os quais ele estava acampado), os carros e os
cavalos. Ao concentrarem-se nestes objetivos, os atacantes
esperavam atingir decisivamente a arma ofensiva do inimigo.
Felizmente para si, Jorão foi acordado a tempo de armar e organizar
a defesa dos soldados dos seus carros, agora sem os seus
veículos. Se nessa noite o acampamento fora montado seguindo o
padrão habitual, os “corredores” estariam acampados nas
proximidades ou em redor dos carros. Também eles devem ter
aproveitado o pouco tempo de aviso para pegarem nas armas e
acorrerem à defesa. Parece que o rei e muitos heróis anônimos
deram conta de si naquela noite, e que os edomitas foram repelidos
através de inúmeros feitos de bravura pessoal. A sua derrota foi tão
completa que Jorão conseguiu se retirar sem ser molestado com as
forças que haviam combatido sob o seu comando direto.

Enquanto o rei esteve cercado pelos edomitas, não pôde exercer


o comando sobre o resto do acampamento. Os soldados que lá se
encontravam, desconhecendo o destino do rei e sem chefes para os
liderarem, entraram em pânico com o súbito ataque noturno e
dispersaram em total debandada. Privado de uma grande parte das
suas forças, Jorão viu-se obrigado a cancelar a campanha, e
quando os problemas domésticos lhe exigiam uma constante
atenção, Edom concretizou a sua independência.

Esta independência foi conservada durante duas gerações, cerca


de trinta e cinco anos. Judá encontrava-se no seu nadir. Destituído
do escudo de Israel contra os arameus em virtude das desastrosas
consequências da rebelião de Jeú,[Nota 265] Judá enfrentava sozinha
Damasco, então no auge do seu poder. Hazael de Damasco
preparava-se para concretizar o antigo sonho de tornar Damasco
senhora da ponte terrestre palestina através do controle direto de
todas as suas vias principais. Se tivesse sido bem sucedido, a sua
posição dominante no comércio mundial ter-lhe-ia beneficiado com
uma influência igual à de Davi e Salomão.

Tal como tantas vezes acontece na geopolítica, os “vizinhos do


vizinho”

tornaram-se novamente aliados naturais. Moabe e Edom a oriente


e os filisteus a ocidente preferiam muito mais uma distante
hegemonia aramaica a terem que viver, ainda que independentes, à
sombra dos judeus. Nas suas campanhas, durante as duas últimas
décadas do século IX a.C., Hazael começou por se apoderar da
Estrada Real na Transjordânia, que chegava a Moabe no rio Arnon,
e depois na Via Maris, que o ligava aos filisteus em Gate. Os
moabitas, os filisteus e os edomitas prontificaram-se certamente de
bom grado a agirem como transportadores e intermediários em
quaisquer atividades comerciais originárias de Damasco.

Mas chegado a este ponto, Hazael não levou o seu plano a


conclusão lógica. Talvez se tenha acertadamente considerado
incapaz de o fazer, pois ao abster-se de conquistar o maciço central
cisjordano (Judá e Samaria), deixara os judeus na posse da estrada
da bacia hidrográfica no centro de seu bastião de montanha.
Deslocando-se nesta linha interior central, os judeus continuaram a
dominar os acessos aos flancos da Estrada Real e da Via Maris.
Consequentemente, ficaram a aguardar o momento certo para
irromper do seu reduto montanhoso e restabelecerem a sua
autoridade sobre os territórios e rotas comerciais perdidos.

OS AMACIAS RECONQUISTAM EDOM

Desta vez, os primeiros a tomarem a iniciativa foram os judeus.


Cerca de 785 a.C., com as atenções aramaicas centradas na frente
assíria, Amacias de Judá lançou uma campanha para reconquistar
Edom. O seu planejamento parece ter sido o de Jorão, mas levando
em conta as lições da sua campanha para evitar os mesmos
problemas. Quando os exércitos se enfrentaram, no Vale do Sal, a
cerca de 9 km a sul de Zoar,[Nota 266] os judeus infligiram uma
derrota esmagadora aos edomitas, abrindo caminho para a
reconquista de todo o Norte de Edom, incluindo a capital do país,
Selá (“o Rochedo”), cujo nome Jorão mudou para Jocteel (2 Reis
14:7).[Nota 267]

Existem três aspectos interessantes na narrativa bíblica da


campanha edomita de Amacias, tal como é paralelamente relatada
em 2 Crônicas 25. O primeiro é um censo oficial da população
masculina de Judá, possivelmente atualizado a intervalos regulares
mas realizado com toda a certeza antes de atividades militares em
larga escala. O segundo é a idade para o serviço militar obrigatório
ser de vinte anos. Não é difícil perceber o porquê. Os jovens entre
dezessete e vinte anos de idade eram necessários para ocupar as
vagas nos ofícios e profissões criadas pelo recrutamento de leva
nacional, e para ajudar os idosos e as mulheres a manterem as
suas fazendas, oficinas e outras atividades. Ao fazê-lo, atingiam a
maturidade da sua força física. Em um tempo em que a instrução
básica no uso das armas era ministrada pelos pais aos filhos, talvez
estes jovens ainda não fossem considerados suficientemente
habilidosos para participarem de uma grande expedição militar.
Além disso, a sua presença na frente doméstica garantia que a
retaguarda não ficava completamente desprovida de indivíduos do
sexo masculino capazes de defenderem os lares em imprevistos.

Amacias era um governante muito decidido e resoluto, com


grandes aspirações. É na sua época que temos a primeira prova
convincente, embora indireta, da existência de um corpo de
cavalaria no exército de Judá. Todavia, não obstante todo o seu
êxito e energia, Amacias não conseguiu roubar a Israel o estatuto de
primazia entre os reinos judaicos. Contudo, o resultado desta
competição foi a renovação da aliança ativa entre as duas
monarquias, que serviu de base para a segunda idade de ouro do
Israel bíblico. Tal como indicamos, a sua expressão externa foi uma
nova extensão do domínio judaico à maior parte dos territórios da
antiga Monarquia Unida.

UZIAS

Amacias foi para Uzias, seu filho, aquilo que Filipe seria para
Alexandre – forjador dos instrumentos que o seu filho e herdeiro
utilizaria para conduzir o reino a um elevado nível de prosperidade e
poder. Segundo a vontade de Alexandre, desde a época helenística
tornou-se costume, no ocidente, conceder aos líderes de exceção o
atributo de “Grande”. Ora, pelos seus feitos em muitas áreas do
governo, Uzias merece certamente ser chamado de “Uzias, o
Grande”.
Dado que a segurança nacional é sempre influenciada por fatores
muito além dos aspectos militares – que constituem o tema destas
páginas, devemos ter presente que as forças culturais, sociais,
religiosas e econômicas foram determinantes, permitindo a Uzias
alcançar os seus feitos de armas.

Saiu e guerreou contra os filisteus, e derrubou o muro de Gate,


o muro de Jabné e o muro de Asdode; e edificou cidades no
país de Asdode e entre os filisteus; porque Deus, o ajudou
contra os filisteus e contra os árabes que habitavam em Gur-
Baal, e contra os meunitas. Os amonitas pagaram tributo a
Uzias; e a sua fama se espalhou até a entrada do Egito, pois se
tornou muito poderoso (2 Crônicas 26:6-8).

Assim, Uzias voltou a reduzir os filisteus a um estado de absoluta


vassalagem. Para garantir o seu domínio, desmantelou as
fortificações de algumas das suas principais cidades e instalou
guarnições judaicas em cidades e territórios filisteus, construindo
fortalezas especiais para as proteger.

Já descrevemos as relações geopolíticas e geoeconômicas entre


os filisteus e as tribos árabes do Neguebe e do Sul da Transjordânia
(Edom). Com a conquista da Filistéia, as tribos do Neguebe ficaram
economicamente à mercê de Judá, que controlava os mercados
para os seus produtos. Nestas circunstâncias, fizeram a única coisa
racionalmente possível e aceitaram a hegemonia de Judá com todas
as suas implicações.

A submissão foi praticamente absoluta, pois em outra passagem


bíblica (2 Reis 14:22) é dito que Uzias “reconstruiu Elat e restituiu-a
ao domínio de Judá”.[Nota 268] A cronologia não é clara, mas antes ou
depois da conquista da costa filisteia, Uzias completou a conquista
de Edom, iniciada por seu pai, e coroou os seus feitos com a
renovação da base naval de Elat. Um fragmento de cerâmica
proveniente da “cidade-depósito” e comercial escavada em Tell
Qassila, nos arredores de Tel Aviv, apresenta a seguinte inscrição:
“Ouro de Ofir para Bete-Horom... trinta siclos”.[Nota 269]

A interpretação mais simples deste intrigante documento é que o


cofre regimental da guarnição estacionada na fortaleza israelita de
Bete-Horon recebeu uma determinada quantidade de ouro de Ofir,
enviado pelo comandante ou tesoureiro colocado na cidade-
depósito real, antepassada da atual Tel Aviv. O modo mais direto de
o ouro de Ofir ter-se tornado moeda corrente era através de uma
renovada aliança com Judá, o qual revivera – com ou sem
cooperação israelita – as suas iniciativas navais no Mar Vermelho a
partir de Elat.

Os meonitas (mehunim ou menuim) são tradicionalmente


identificados com as tribos seminômades que habitavam a região ao
redor da moderna Maan, na Jordânia. Esta referência aos meonitas
e aos amonitas destacava o controle exercido por Judá não só
sobre a Estrada Real, mas também sobre os desvios ao longo das
terras vizinhas a oriente, entre o planalto e o Deserto da Arábia.
Muita da resistência dos amonitas ou de quaisquer outros povos que
subsequentemente controlaram estas pistas na beira do deserto
deveu-se à incapacidade dos conquistadores (por força de um
conhecimento inferior do deserto) para dominarem estes desvios. A
especial importância de Amom estava na sua posição como guardiã
do Wadi Sirhan, a estrada da Arábia para a ponte terrestre
palestina. Com o triângulo, Asdod/ Filistéia-Elat-Petra (Sela ou, na
ápoca que estamos tratando, Jocteel) firmemente nas mãos de
Uzias, os amonitas sabiam muito bem onde estavam os seus
interesses econômicos.

Os meonitas foram recentemente identificados como tribos


mencionadas em documentos assírios como habitantes do Norte do
Sinai ou da região de Cades-Barnéia.[Nota 270] A presente obra não
pode colaborar no estabelecimento da sua identidade. Também se
enquadram na segunda hipótese, pois Uzias estendera a esfera de
influência de Judá para além do Regato (ou Rio) do Egito (Wadi El
Arish). É impossível fixar a localização exata da “entrada no Egito”,
mas a região situava-se entre as fortalezas de Pelúsio e Migdol, na
área entre Tine, Romani e Kantara. Ptolomeus e seleucidas,
cruzados e sarracenos, turcos e mamelucos, britânicos e turcos,
israelitas e egípcios e muitos outros enfrentaram-se posteriormente
nesta área, onde uma linha de fortificações ao longo do istmo do
Suez guardava por vezes a “entrada no Egito”.[Nota 271] O feito de
Uzias foi o controle dos dois ramais da Via Maris que atravessam o
Norte do Sinai, e possivelmente também nos respectivos desvios.
Este controle foi conseguido guarnecendo as fontes de água
fortificadas que obrigaram as estradas a manter os seus traçados
original através dos tempos. Tal como observamos quando
abordamos o Êxodo, esta tarefa era geralmente executada pelos
egípcios, por motivos comerciais e estratégicos. Somente a
coincidência entre o enfraquecimento do Faraó e a crescente força
de Judá obrigou os egípcios a abrirem mão dos acessos vitais ao
seu país, permitindo aos judeus preencherem a sua ausência ao
longo das estradas do deserto.

O SUL E A MILÍCIA RURAL


Outro dos grandes feitos de Uzias diz respeito ao Neguebe
propriamente dito:

Edificou torres no deserto, e cavou muitos poços, porque tinha


muito gado tanto nos vales como nas campinas; e tinha
lavradores e vinhateiros nos montes e nos campos férteis, pois
era amigo da agricultura. (2 Crônicas 26:10)[Nota 272]

Estas frases concisas indicam que, muito provavelmente, Uzias


alargou consideravelmente a instituição dos colonos e as
explorações agrícolas existentes na região sul do seu reino. Tanto
quanto podemos confiar nas nossas atuais pesquisas
arqueológicas, ele não se aventurou a renovar o projeto salomônico
nas terras altas centrais do Neguebe, concentrando-se antes na
intensificação dos colonos e atividades rurais nas terras baixas de
Judá, no vale de Berseba e em outras áreas adequadas na orla do
deserto.

Sou da opinião de que a guarnição de todas as fortificações


(exceto as principais) nestas áreas deve ser atribuída à milícia rural,
seguindo o exemplo de Salomão.

Provavelmente, Uzias não foi o reinventor da milícia fronteiriça do


Neguebe. Josafá é um candidato muito mais provável. Mas é a
Uzias que se deve a renovação e talvez o alargamento desta grande
empresa. O engenho que presidiu a tudo isto reside na solução
conjunta de muitos problemas diferentes. Cada solução individual foi
“problemática”, mas combinadas tornaram um esquema possível de
ser executado. Podemos tomar como exemplo a superpopulação de
Judá. Sempre que Judá prosperava e crescia acima de um
determinado máximo, surgia o problema da disponibilidade de terras
aráveis. Estando Judá confinado pelo mar, por Israel e pelo deserto
contíguo a Edom, as suas únicas reservas para o Neguebe, os reis
de Judá diminuíram a pressão populacional sobre o reino, criaram
novos lares para os necessitados, multiplicaram a quantidade de
terra cultivada, estabeleceram uma infraestrutura logística segura
para o comércio e a defesa da orla do Neguebe, proporcionaram
uma profundidade acrescida à rede de fortificações construídas para
impedir as incursões dos nômades, e constituíram os recursos
humanos necessários para a defesa da fronteira e das estradas, os
quais a financiaram, pelo menos parcialmente, com o seu próprio
trabalho manual.[Nota 273]

Existe outro caso em que Uzias seguiu os preceitos de Josafá, o


qual por sua vez continuara a tradição salomônica. Embora os
filisteus estivessem dominados, e talvez mais seguramente do que
nunca, Uzias não tentou exterminar nem se quer enfraquecer
decisivamente o inimigo hereditário, o mais ameaçadoramente
localizado dos vizinhos de Judá e aquele que nunca perdera uma
oportunidade para atacar Judá pela retaguarda sempre que o reino
fora pressionado por forças superiores em outros pontos. A razão
para esta política de Josafá era o fato de os filisteus servirem Judá
tal como os tírios serviam Israel, na qualidade de transportadores
marítimos do seu comércio. Com as ligações comerciais protegidas
como segredos de Estado, uma grande parte do comércio terrestre
pelo Neguebe também estava nas mãos dos filisteus, e Uzias, à
imagem dos seus antepassados, receava cortar o ramo que
viabilizava muitas das suas iniciativas comerciais. Muito
provavelmente, ao conceder tratamento preferencial a cidades como
Gaza e Ascalão, em vez de lhes arrasar as muralhas, Uzias
esperava induzir os filisteus a uma relação de trabalho mais positiva.
O ESTADO-MAIOR GENERAL E O EXÉRCITO DE
UZIAS

Todo o estudo do fenômeno militar tem presente a queixa de Wel


ington de que só poderia fazer uma de duas coisas: ou cumpria toda
a burocracia administrativa, tal como lhe exigia o secretário da
Guerra britânico, ou comandava as suas tropas e tentava ganhar
batalhas. Qualquer veterano concordará com Wellington ao
reconhecer que a burocracia já prejudicou muitas operações táticas.
Mas também reconhecerá que um bom trabalho do estado-maior é
um dos requisitos para a vitória. Por este motivo, regozijamo-nos por
termos um vislumbre – ainda que pequeno – do quartel-general de
Uzias. São mencionados três funcionários: um chefe de estado-
maior, chamado Hananías, que comandava o exército na ausência
do rei: Jeiel, o “G1 – chefe de Seção Pessoal”, que mantinha as
listas de efetivos do exército e estava incubido de todo o serviço
administrativo (o seu título em hebraico, sofer – literalmente,
“escriba” - denotava as funções adicionais de chefe dos serviços de
inteligência); e o shoter, cujos deveres incluíam a supervisão do
cumprimento das ordens emanadas do GQG, e possivelmente a
direção total ou parcial do departamento de logística.[Nota 274]

As forças de Uzias estavam equipadas com as armas tradicionais


de Judá: “Uzias proveu o exército inteiro de escudos, lanças,
capacetes, couraças e arcos, e até fundas para atirar pedras” (2
Crônicas 26:14). A partir da época de Davi, possuímos registros da
repetida fabricação de armas e equipamento para o exército de
Judá. Esta repetição é obviamente explicada pelo desgaste e perda
de armas em exercícios e em ação. Embora não tenhamos o
conhecimento de nenhuma alteração radical no “armamento
individual”, algumas mudanças e ajustamentos poderão ter sido
introduzidos de tempos em tempos, o que implicaria um
reequipamento das tropas. Por último, mesmo naquela época, tal
como hoje, havia muito a dizer em favor de uma uniformização do
armamento.
Punhais dos segundo e primeiro milênios a.C.
Além do mais, era impossível obrigar os soldados mais pobres a
equiparem-se com as armas prescritas pagando-as do seu bolso.
Uzias foi o primeiro rei que instaurou todo um armamento
uniformizado para o exército nacional, ou pelo menos foi o primeiro
a mandar registrar o fato. Entre os ítens de armamento
mencionados incluem-se os shi-ryoniyot, traduzidos na Bíblia King
James por cotas de malha, mas significando armaduras em geral.
Podemos deduzir que cada corpo de tropas envergava uma couraça
ou armadura diferente, em função dos vários tipos de armamento
ofensivo e missões. Os membros da célebre falange judaica
poderão ter usado capacete, cota de malha e sandálias pesadas, à
imagem dos seus equivalentes assírios.

Um outro componente do exército de Uzias é digno de menção: a


casta hereditária dos gibborei hayil, os “homens valorosos” na
versão King James. Estes parecem-nos ser, pelo menos em parte,
os descendentes da guarda de elite de Davi, os gibborim (“heróis”),
que recebiam terras do rei, permanentemente ou como feudos, e
que formavam uma casta “nobre” que constituía a espinha dorsal do
exército – ainda que, por serem proprietários de terras, fizessem
mais parte do “povo em armas” do que dos regulares. Sendo
homens de posses, tinham tempo disponível para se exercitarem
nas armas mais diligentemente do que o cidadão comum. O seu
número é plausivelmente colocado em 2.500 famílias, e “sob a sua
mão” encontrava-se a leva nacional (2 Crônicas 26:12-13).[Nota 275]

Foi com estas forças que Uzias alcançou as suas muitas vitórias
militares.

À sua frente, ele preencheu orgulhosamente o lugar do falecido


Jeroboão II de Israel como chefe da coligação sírio-palestina,
conduzindo o seu exército e os dos seus aliados para o norte, até
Hamate, no Orontes, ao encontro dos assírios. Tal como o confronto
em Qarqar, a Batalha de Hamate, cerca de 739 a.C., parece ter
resultado em um impasse.[Nota 276] Desta vez, no entanto, o poderio
assírio não foi quebrado. Tiglat-Falasar renovou a sua invasão em
738 a.C. E, dado a coligação ter-se desfeito, conseguiu conquistar
toda a Síria.

Segundo os anais assírios, até Uzias foi obrigado a prestar


homenagem ao vencedor. Porém, um saudável respeito pelas forças
armadas de Judá parece ter sido uma das razões pelas quais Tiglat-
Falasar não explorou a sua vantagem ao máximo, avançando mais
para sul. Mesmo quando deu início às suas campanhas no Sul, em
734 a.C., Tiglat-Falasar absteve-se de penetrar em Judá.

O EXÉRCITO EM MARCHA

As questões logísticas envolvidas na campanha de Uzias na Síria


foram as mesmas que discutimos a propósito da marcha de Acabe
sobre Qarqar.

O que sabemos acerca da ordem de marcha, dos acampamentos,


das comunicações e das evoluções táticas das forças judaítas?
Felizmente, o livro de Números preservou pormenores interessantes
relativos ao êxodo do Egito, os quais podem certamente aplicar-se
na prática ao reino de Judá. Segundo o décimo capítulo de
Números, a marcha através de território potencialmente hostil era
feita em quatro grandes formações de combate, cada uma das quais
repartida por três divisões. O quartel-general seguia atrás da
primeira divisão, e o santuário de campanha, presumivelmente junto
com a carruagem, deslocava-se entre as segunda e terceira
divisões. A coluna principal era precedida de uma guarda avançada
que incluía entre os seus deveres a escolha e marcação do local de
montagem do acampamento para passar a noite.

Estas disposições não são basicamente diferentes das seguidas


até hoje. A colocação do quartel-general atrás da primeira formação
de combate garantia a sua segurança se a vanguarda desse com o
inimigo. Existiam tropas suficientes à frente para lidarem com os
problemas mais imediatos, e o comandante encontrava-se
suficientemente avançado para efetuar uma primeira avaliação da
situação e suficientemente afastado do primeiro contato com as
forças inimigas para poder deliberar e decidir a linha de ação mais
apropriada enquanto o grosso das suas tropas ainda não estava
empenhado. De fato, na maior parte dos casos, a vanguarda alertá-
lo-ia mais cedo.

Para aproveitar ao máximo o tempo e os homens disponíveis, não


só em combate mas em todas as circuntâncias, o comandante
necessitava formar e orientar as suas tropas com breves sinais
convencionados. Para o efeito, os israelitas recorriam a estandartes
e instrumentos de sopro, algo que todos os exércitos fizeram até à
introdução do telefone de campanha.

Em Nm. 10:4-6 constam as seguintes instruções, traduzidas em


linguagem moderna: 1) um toque de trombeta – ajuntamento do
“Grupo O” [Nota 277] isto é, a reunião dos oficiais superiores com o
comandante supremo para receberem ordens e instruções; 2) um
toque de alarme (em um tom diferente do anterior) – ala esquerda:
avançar; 3) dois toques (ou segundo toque) de alarme – ala direita
avançar; 4) as alas em causa reconhecerão a recepção e execução
da ordem respondendo com um toque.

A utilização de estandartes e bandeiras para indicar movimentos


táticos é evidente em passagens como Isaías 5:26, “Ele levantará
um estandarte... ei-las que chegam depressa e velozes” ou ibid.,
11:12, “Levantará o seu estandarte... para juntar...” Jeremias
menciona um sinal diferente, para executar um movimento
retógrado: “Levantai o estandarte em direção a Sião! Retirai, não
fiqueis” (Jr. 4:6).[Nota 278] Instrumentos e estandartes eram também
utilizados em conjunto, nem que fosse apenas para, no calor do
combate, chamar a atenção das tropas para as insígnias (Isaías
18:3).[Nota 279]

À noite, ao acamparem, cada unidade dirigia-se diretamente para


a área que lhe era atribuída pela guarda avançada, que marcara
distintamente os locais exatos com os estandartes das respectivas
unidades. Isto e o fato de, em regra, as formações acamparem
sempre na mesma parte do acampamento, contribuía para reduzir
consideravelmente o tempo gasto para montar o acampamento e as
desordens associadas a este momento, um dos de maior
vulnerabilidade em qualquer campanha. Basta-nos o exemplo do
cerco de Jerusalém, em 70 d.C., quando a X Legião se viu por duas
vezes sujeita talvez ao maior perigo de toda a guerra, ao ser
atacada por surtidas em massa a partir de Jerusalém enquanto
erguia o seu campo fortificado.[Nota 280]

Muito curiosamente, o acampamento israelita descrito no segundo


capítulo de Números é bastante semelhante ao famoso castra
romano, que já foi considerado o maior feito logístico do exército
romano. O acampamento israelita é descrito como dividido em
quatro partes – o romano era em três ou quatro -, permanentemente
alocadas às mesmas unidades. Ambos os campos apresentam o
quartel-general, o santuário e as tendas do comandante ao centro, e
ambos utilizam as insígnias das unidades para efeitos de
demarcação dos espaços. O grande general e pensador militar
holandês, Guilherme Luis de Nassau (1560-1620), dedicou dois
ensaios à reconstrução dos acampamentos israelitas e utilizou-os
como modelo para o acampamento a adotar pelos holandeses na
sua guerra pela independência. Os seus escritos serviram de base
para muitas das subsequentes reformas dos exércitos europeus.[Nota
281]

Que forma tinham os estandartes judeus? O folclore moderno


dotou as doze tribos com símbolos heráldicos retirados das bênçãos
de Jacó (Gn 49).

As antigas tribos israelitas poderiam ter efetivamente possuído


símbolos tribais, mas a verdade é que infelizmente não fazemos a
mínima ideia se essas insígnias estariam relacionadas com os
símbolos de Jacó. O Professor Yadin conjecturou recentemente que
as insígnias em formas de abelha e outros discos semelhantes no
topo de longas hastes eram os estandartes reais de Judá. Estes
estandartes encontram-se representados em pratos de metal,
atualmente no Museu Britânico, que o Professor R.D. Barnett
identificou serem provenientes de Judá como parte do tributo pago a
um rei assírio. São transportados por porta-estandartes, em
procissão.[Nota 282] Não poderiam estes estandartes, claramente
feitos de metal, pelo menos em parte, ter sido utilizados em
combate, inter alia, para refletirem os raios solares como forma de
sinalização, à semelhança do que Josué fizera com a espada, a
lança ou o escudo durante a Batalha de Ai? Durante todo o seu
reinado (758-742 a.C.?), Jotam conseguiu manter a prosperidade e
força que Judá atingira com seu pai, Uzias. Quando Amon explorou
o enfraquecimento de Israel para se libertar da sua suserania, Jotam
obrigou Amon a pagar tributo (2 Crônicas 27:5), [Nota 283] seguindo
também aqui as pisadas do pai.

A Bíblia registra as suas poderosas fortificações em Jerusalém e


nas regiões arborizadas do interior de Judá (2 Crônicas 27:3-4). As
escavações arqueológicas comprovam que ele manteve sob guarda
as terras férteis a norte do Neguebe. Embora os investigadores
tenham atribuído a construção de Aroer à época de Manassés,[Nota
284] as considerações estratégicas tornariam eminentemente

sensato datar do reinado de Jotam este bastião e uma rede de


pequenas fortificações que cobre toda a região.[Nota 285]

Notas do Capítulo 10

Nota 219 - TADMOR, H., “The Campaigns of Sargon II of Assur”, Journal of Cuneiform
Studies 12, 1958, pp. 80 sqq. Note-se que Tadmor atribui este cerco perticular a Sargão.
[Voltar]

Nota 220 - DE BOURRIENNE, F., Memories of Napoleon, Edimburgo, 1830, p. 153 (deveria
ler-se “Céstio” em vez de “Crasso”!); Cf. Flávio Josefo, Bellum Judaicum (A guerra dos
Judeus), II, para. 542 sqq. [Em 66 d.C., Céstio Galo, legado da Síria, penetrou na Judéia
para debelar uma grande rebelião contra Roma. Obrigado a retirar após uma malograda
tentativa de conquista de Jerusalém, foi emboscado e derrotado pelos Judeus no
desfiladeiro de Bete-Horon, perdendo quase uma legião e sendo obrigado a fugir
vergonhosamente. (N.T.)] [Voltar]

Nota 221 - Mispá: ver McCOWN, C. C., Tell en Nasbeh Archaeological and Historical
Results, New Haven, Connecticut, 1947; Gibeá: ver ALBRIGHT, W. F., AASOR IV, 1922
-1923, e SINCLAIR, L. A., AASOR XXXV, 1954-1956, pp, sqq. Geba não foi escavada.
Foram levantadas dúvidas de peso quanto à própria veracidade das guerras entre Abias,
filho de Roboão, e Jeroboão (2 Cr 13): ver KLEIN, R. W., “Abijah’s Campaign”, ZAW 95,
1982, pp. 210-217. No entanto, embora o resultado possa ter sido muito menos favorável
para Judá do que o descrito por nós, a narrativa reflete a realidade dos frequentes
confrontos até ser atingido um equilíbrio. [Voltar]
Nota 222 - AHARONI, Y., Excavations at Ramat Rahel I e II, Roma, 1962-1964. Acerca da
sua identificação com Bete-Hacarém, ver pp. 122-123. O autor teve a oportunidade de
desenterrar cerâmica do século VIII em Béter. [Voltar]

Nota 223 - No original: “Construíram e prosperaram”. (N.T.) [Voltar]

Nota 224 - Ver as entradas relevantes em NEAEHL. Ciclag também foi identificada com Tell
Sera; ver SEGER, J.D., “The Location of Biblical Ziglag”, BA 47, 1984, pp. 47-53. [Voltar]

Nota 225 - Ver RAHMANI, L. I., Yediot 28, 1964, pp. 209 sqq. [Voltar]

Nota 226 - KICHAVI, M. (ed.), Judéia, Samaria and the Golan Archaeological Survey 1967-
1968, Jerusalém, 1972. Os seguintes sítios pertencentes à Segunda Idade do Ferro
poderiam ser fortalezas construídas por Josafá ou pelos seus sucessores: deserto da
Judéia, nº 4, 92,93, 145, 199, 202; Judá, nº. 28, 79, 166. [Voltar]

Nota 227 - A versão portuguesa não inclui a palavra “duplas”. (N.T.) [Voltar]

Nota 228 - 2 Cr 8:5. Não é do âmbito do presente livro uma descrição pormenorizada de
todos os aspectos das fortificações bíblicas, nem serão dadas referências ou fontes
detalhadas. Acerca das provas arqueológicas e sua interpretação, ver os artigos relevantes
em NEAEHL (ed. Avi-Yonah), que contém uma extensa bibliografia. Pode encontrar-se uma
análise mais breve na Archaeological Encyclopedia of the Holy Land (ed. A. Negev),
Londres, 1932. [Voltar]

Nota 229 - Pano de muralha entre dois torreões, entre um torreão e uma esquina ou entre
duas esquinas da fortaleza. (N.T.) [Voltar]

Nota 230 - Embora demonstradas através de exemplos romanos, as suas peculiaridades


aplicam-se também à época do Antigo Testamento. Ver GICHON, M., in Akten des 14 Int.
Limeskongress Carnuntum 1986 (ed. Vetters e Kandler), Viena. 1990, pp. 193-214. [Voltar]

Nota 231 - Ver nota 228. Acerca do número de efetivos das guarnições, ver GUICHON, M.,
“Estimating”, in The Eastern Frontier of the Roman Empire I, pp. 121-142 (aplicável ao
período bíblico), ed. French e Lightfoot, Londres, 1989. [Voltar]

Nota 232 - Ver as entradas relevantes em NEAEHL. [Voltar]

Nota 233 - Na versão portuguesa mais completa, lê-se: “Depois, empreenderá contra ela
um cerco, construirás contra ela trincheiras, erguerás contra ela um terraço, estabelecerás
contra ela acampamentos e instalarás à sua volta, contra ela, aríetes”. (N.T.) [Voltar]

Nota 234 - Versão portuguesa: “Contra ti levantará trincheiras, elevará plataformas e


construirá bastiões. Dirigirá contra os teus muros o ímpeto dos seus aríetes; com os seus
engenhos demolirá as tuas torres”. (N.T.) [Voltar]

Nota 235 - Versão portuguesa: “Foram então sitiá-lo em Abel-Bet-Maacá e levantaram


contra a cidade um baluarte que chegava à altura da muralha. Todos os que estavam com
Joabe tentavam destruir a muralha”. A construção de um “baluarte” não faz sentido, a não
ser que se tratasse de uma torre de cerco, mas não parece ser este o caso. Tratar-se-á
seguramente de uma rampa de acesso às muralhas. (N.T.) [Voltar]

Nota 236 - C. 1012 e 972 a.C. (N.T.) [Voltar]

Nota 237 - Do Grego aries, carneiro. (N.T.) [Voltar]

Nota 238 - “Espadas”. (N.T.) [Voltar]

Nota 239 - A versão portuguesa refere apenas “aríetes”, sem especificar. (N.T.) [Voltar]

Nota 240 - YADIN, Y., Warfare, pp. 36 sqq. [Voltar]

Nota 241 - O capítulo 20 de Deuteronômio intitula-se precisamente “Leis da Guerra”, e


contém informações muito interessantes sobre o fenômeno bélico no Oriente pré-classico.
(N.T.) [Voltar]

Nota 242 - O texto equivalente na versão portuguesa consultada será, porventura, “Só as
árvores que souberes que não servem para alimentação é que poderás destruir e cortar...”
(Dt 20:20). (N.T.) [Voltar]

Nota 243 - HERZOG, Z., “The Storehouses”, Beersheba I (ed. Aharoni), Tel Aviv, 1973, pp.
23-30. [Voltar]

Nota 244 - AHARONI, Y., IEJ 18, pp. 162 sqq. A existência de santuários nas fortalezas do
Reino Norte poderia ter sido descoberta através da Bíblia. Em ambos os reinos, Aharoni
lista Dan, Betel, Geba, Arade e Láquis. [Voltar]

Nota 245 - MESHEL, Z., NEAEHL IV, s.v. Teiman, Horvat, pp. 458-464 e bibliografia.
[Voltar]

Nota 246 - AHARONI, “Hebrew Ostraca from Arad”, IEJ 15, pp. 1-15. [Voltar]

Nota 247 - 1 Rs 21:4. A versão portuguesa consultada traduz erradamente “cavalos” por
“cavalaria”. A palavra “cavalos” alude metaforicamente aos carros de guerra, já que nas
épocas em causa não existiam unidades de “cavalaria” nos exércitos de Israel e Judá.
(N.T.) [Voltar]

Nota 248 - TADMOR, H., “Azriyau of Yaudi”, Scripta Hierosolymitana VIII, 1961, pp. 232-
271; ANET, p. 282. [Voltar]

Nota 249 - O tiro com arco foi uma das principais especialidades dos israelitas até a
destruição do Segundo Templo [em 70 d.C. (N.T.)] e em épocas posteriores. A tradição
benjamita é evidente entre os arqueiros montados que se juntaram a Alexandre Magno na
sua marcha sobre o Egito, no regimento de arqueiros montados que conquistou a Bataneia
herodiana (JOSEFO, In Apionem, I, 22; idem, Antiquitates Judaicae XVII, 2, 3), e ainda no
século II d.C., na coorte de arqueiros montados judaicos de Émesa, na Síria, que serviu no
exército romano (RE IV, 1, col. 295, s.v. Cohors). [Voltar]
Nota 250 - Os distritos administrativos de Josafá encontram-se preservados em Js 15:21-
62. Aos dez distritos registrados pela Bíblia hebraica, a Septuaginta acrescenta um décimo
primeiro, tirado de uma fonte mais completa do que a utilizada pelo cânone. O décimo
segundo distrito compreende as cidades benjaminitas do Sul, conquistadas pelo pai de
Josafá e por ele guarnecidas (cf. 2 Cr. 17:2). A lista destas cidades encontra-se em Js
15:21-24. Cf. ALT, “Juda’s Gaue unter Josia”, Kleine Schriften II, pp. 276-88; AHARONI, LB,
pp. 347-356. [Voltar]

Nota 251 - Ou seja, a fundação da monarquia, cerca de 1030 a.C. (N.T.) [Voltar]

Nota 252 - No seu tempo de serviço no exército israelita, o autor comprovou a utilidade de
grandes seções destes wadis como obstáculos antitanque. [Voltar]

Nota 253 - As escavações em Berseba, ainda em curso, já esclareceram o triplo papel


destas fortalezas como bases defensivas, ofensivas e administrativas da fronteira de Judá
(ver Beersheva I, ed. Aharoni). Com o seu valor tático inalterado, estes redutos tornaram-
se sucessivamente fortalezas fronteiriças gregas, herodianas e romanas: ver GICHON, M.,
“Idumea and the Herodian Limes”, IEJ 17, 1967, pp. 27-55. Ainda na Primeira Guerra
Mundial, o destino da Palestina ficou selado com a conquista de Berseba por Allemby, em
outubro de 1917 (ver GICHON, “Carta’s Atlas”, p. 105 e bibliografia). Berseba: ver
HERZOG, S., NEAEHL I, pp. 161-173. Masos: ver KEMPINSKI, B. J., NEAELH III, pp. 986-
989. Malata: ver KOCHAVI, M., NEAEHL III, PP. 934-936. aRAD: VER AHARONI, Y.,
NEAEHL I., NEAEHL II, pp. 642-646. [Voltar]

Nota 254 - Ou seja, no século I a.C. (N.T.) [Voltar]

Nota 255 - Cerca de 250 km. (N.T.) [Voltar]

Nota 256 - Ver pp. 142 a 145. [Voltar]

Nota 257 - Hazeva: ver COHEN, R., “The Fortress at En Hazeva”, Eilat (ed. J. Aviram et
all.), pp. 150-168 (H). Kadesh-Barnea: Idem, NEAEHL III, PP. 843-847. YOTVETA: meshel,
z., NEAEHL IV, pp. 1517-1519. [Voltar]

Nota 258 - Sobre as fortificações do Neguebe durante o período do Primeiro Templo, ver
AHARONI, Y., “FORERUNNERS OF THE lIMES”, IEJ 17, 1967, pp. 1-17, e nota 25 do
presente capítulo. [Voltar]

Nota 259 - Ver a súmula em GLUECK, N., in Rivers in the Desert: a History of the Negev,
Londres, 1959, pp. 168 sqq. Para os seus registros mais detalhados, ver BASOR, 1953-
1960. Análise final: ver COHEN, R., NEAEHL III, pp. 1126-1133, s.v. Negev; idem, “The
Fortress at En Hazeva”, Eilat (ed. J. Aviran et al.), e “Fortresses and Roads in the Negev”,
pp. 80-126. [Voltar]

Nota 260 - Entre 515 a.C. e 70 d.C. (N.T.) [Voltar]

Nota 261 - Ver cap. 10, nota 228 [Voltar]

Nota 262 - COHEN, R., NEAEHL III, pp. 1126-1133, s.v. Negev; Idem, “The Fortress at En
Hazeva”, Eilat (ed. J. J. Aviram et al.), e “Fortresses and Roads in the Negev”, pp. 80-126.
[Voltar]

Nota 263 - O original hebraico poderia significar “uma parte dos filisteus trouxe...” ou “dos
Filisteus, Josafá recebeu...”. [Na versão portuguesa lê-se: “Também os Filisteus trouxeram
a Josafá...”. (N.T.)] [Voltar]

Nota 264 - Ver nota 243. [Voltar]

Nota 265 - Sobre Eción-Geber, Cades-Barnea e Arade, consultar os artigos relevantes em


NEAEHL. Sobre Qureiye, a fortaleza mais a sul, cf. MESHEL, S., Hadashot Archeologist,
Outubro de 1975, pp. 51-51 (H). [Voltar]

Nota 266 - O relevo de Senaqueribe representando o cerco de Láquis mostra um carro


judeu. Ver capítulo 9, nota 214, e p. 218 do presente livro, e YADIN, Warfare, p. 301.
Relativamente à desmontagem e transporte de carros à mão, ver YADIN, p. 426, segundo
BOTTA, L. E., Monuments de Nínive I, Paris, 1849, Il. 20. [Voltar]

Nota 267 - Jeú matara Jorão, Rei de Israel, e apoderara-se do trono em 841 a.C. (N.T)
[Voltar]

Nota 268 - O Vale do Sal é a região de Arabá, próxima do Mar Morto, palco de uma derrota
edomita às mãos de Davi (2 Sm 8:13). (N.T.) [Voltar]

Nota 269 - As versões portuguesas consultadas atribuem este feito a Amacias e não a
Jorão. (N.T.) [Voltar]

Nota 270 - Na versão portuguesa o rei é identificado como Azarias, outro nome de Uzias.
(N.T.) [Voltar]

Nota 271 - MAZAR, B., The Excavations at Tel Qasile, Jerusalém, 1950. [O siclo (shekel)
valia aproximadamente 12 gramas de prata. (N.T.)] [Voltar]

Nota 272 - Os especialistas modernos tendem a situar os meonitas além das fronteiras sul
do antigo Judá: ver TADMOR, in MHBT, pp. 266 sqq. Alguns estudiosos, por exemplo,
ALBRIGHT, W. F., BASOR129, pp. 10-24, associam os meonitas aos Bani Main, os
“Minaioi” das fontes clássicas cujas caravanas comerciavam entre o Sul da Arábia e a
costa do Mediterrêneo. Mas esta associação também não vinga, pois os seus territórios
tribais parecem ter-se estendido do oeste ao este da Palestina. BORGER, R. e H. Tadmor,
“Zwei Beitäge zur A.T. Wissenschaft”, ZWA 94, 1982, pp. 250-251, são adeptos da ligação
entre os Me(h)unim e Maan. [Voltar]

Nota 273 - GICHON, M., Sinai as a Frontir Area in Historic Retrospect, Tel Aviv, 1969, pp.
17 sqq.: para os mapas relevantes, ver GICHON, “Carta’s Atlas” e ABEL, F. M., Géographie
de la Palestine II, p. 218. Migdol é o moderno Tell el Kher, e Pelúsio é Tell Farama. Neste
local, Z. Meshel escavou uma fortaleza e santuário judaítas; ver Qadmoniot 36, 1977, pp.
115 sqq. [Voltar]

Nota 274 - A versão portuguesa é algo diferente: “Construiu também torres no deserto,
onde cavou numerosos poços, pois aí possuía numerosos rebanhos, tanto na planície
como no planalto. Tinha lavradores e vinhateiros nas montanhas e nas vinhas, pois era
apaixonado pela terra”. (N.T.) [Voltar]

Nota 275 - Uma diligente investigação permitiu a B. Rothenberg definir um tipo especial de
cerâmica da Segunda Idade di Ferro própria do Neguebe, ao qual chama “medianita”. É
seguro supor que as tribos judaicas mais a sul, que permaneceram seminômades até o
estabelecimento de uma política de povoamento organizada centralmente, assimilaram
muito da cultura e do artesanato locais, especialmente por terem assimilado a população
“medianita” autóctone. [Voltar]

Nota 276 - Cf. 2 Cr 26:11. Na versão portuguesa, lê-se: “Uzias tinha um exército de
guerreiros que partiam para a guerra organizados em esquadrões segundo o alistamento
feito pelo escriba Jeiel e pelo administrador Massaías, sob a direção de Hananías, um dos
oficiais do rei”. (N.T.) [Voltar]

Nota 277 - DE VAUX, Ancient Israel, pp. 69-70. McKane, W “The Gibbor hayil...”, Glasgow
University Oriental society Transactions XVII, 1959, pp. 28-37. [A versão portuguesa é algo
diferente: “O número total dos chefes de família, guerreiros valentes, era de dois mil e
seiscentos. O exército que comandavam era de trezentos e sete mil e quinhentos homens
aptos para a guerra...”. (N.T.)] [Voltar]

Nota 278 - Relativo a Uzias como líder da coligação antiassíria, ver cap. 10, nota 15.
[Voltar]

Nota 279 - Grupo de oficiais ou grupo de comando. (N.T.) [Voltar]

Nota 280 - A versão portuguesa não fala propriamente num recuo ordeiro, dizendo antes o
seguinte: “Levantai o estandarte em direção a Sião! Fugi apressadamente...”. (N.T.) [Voltar]

Nota 281 - “...quando for levantado o estandarte nos montes, olhai; quando soar a
trombeta, escutai”. (N.T.) [Voltar]

Nota 282 - FLÁVIO JOSEFO, Bellum Judaicum, V. 73-97. [Voltar]

Nota 283 - WEBSTER, The Imperial Roman Army, pp. 166 sqq. Para um campo dividido
em três partes e quartel-general, ver a planta de Novaesium; para divisão em quatro e
quartel-general, ver Birrens e Fendoch. Ver também HAHLWEG, W., Die Heeresreform der
Oranier, Wiesbaden, 1973, pp. 362-367. [Voltar]

Nota 284 - BARNETT, R.D., European Judaism 8, 1968, pp. 1-6; YADIN, European Judaism
8, p. 6. [Voltar]

``Nota 285 - “Fez guerra ao rei dos amonitas e venceu-o. Este pagou naquele ano um
tributo de cem talentos de prata [3600 kg], dez mil coros de trigo e dez mil de cevada”.
(N.T.) [Voltar]
CAPÍTULO 11

O ÚLTIMO SÉCULO DE JUDÁ


Judá nunca conseguiria resistir à pressão assíria sem auxílio
externo. Contudo, por motivos que desconhecemos, Acaz, neto de
Uzias, recusou juntar-se à Damasco aramaica e ao monarca de
Israel, Pecá, filho de Remalias, na sua liga contra a Asíria. Talvez
Acaz pensasse que enquanto preservasse uma aliança com a
distante Assíria e não interferisse com nenhum dos seus desígnios,
tais como a livre movimentação pela Via Marias em qualquer conflito
futuro com o Egito, não seria do interesse da Assíria enredar-se nas
montanhas de Judá.

Não foi certamente insensata a sua tentativa de confiar na


segurança relativa de Judá, ficando a assistir o iminente banho de
sangue entre as grandes potências e aguardando novos
desenvolvimentos. Em Damasco e Israel, a situação era outra.
Encontravam-se no eixo direto das operações assírias, e em
qualquer tentativa da Assíria para exercer um controle mais direto
sobre a ponte terrestre palestina, a existência de ambos estaria em
perigo. Consequentemente, quando Acaz recusou aderir à liga de
Recin de Damasco e Pecá de Israel, os dois reis invadiram Judá
com a intenção de lhe imporem uma aliança, e chegaram ao ponto
de tentarem depor Acaz e a dinastia de Davi.

Embora o profeta Isaías tentasse imbuir o rei de confiança contra


estes “dois tições fumegantes”, Acaz entrou em pânico e apelou ao
auxílio de Tiglat-Falasar. Durante este período de confiaça perdida e
guerra fratricida contra Israel, Judá voltou a perder Edom, a Filisteia
e uma grande parte do Neguebe (2 Reis 16:2; 2 Crônicas 28; Isaías
7).

O destino de uma nação é frequentemente moldado pela sua


capacidade de enfrentar os mais sérios desafios, cuja própria
gravidade se torna um fator revigorante e unificador que impede a
nação a grandes esforços. A queda de França, Dunquerque e o
bombardeamento da Inglaterra pela Luftwaffe, em 1940, foram os
fatores que quebraram os grilhões da apatia britânica e lançaram a
Grã-Betanha no caminho da vitória sobre os onipotentes nazistas e
seus aliados. Em muitos aspectos, a queda de Samaria, em 722
a.C., teve um efeito semelhante sobre os judeus, devastados pelas
lutas internas e apáticos face aos acontecimentos externos.[Nota 286]
Do trauma da perda e deportação de dez das doze tribos que
compunham o povo judaico nasceu um revivalismo espiritual que
preparou os judeus para os sacrifícios físicos e para os enormes
esforços necessários não só para preservar a sua identidade e
independência nacional, mas também para propagar a sua
influência espiritual e física à maior parte possível do antigo Israel.

O REINADO DE EZEQUIAS

É claro que são necessárias as pessoas certas nos lugares certos


e o líder certo no momento certo para que se possa fazer bom uso
de uma onda nacionalista e orientá-la na direção da salvação
nacional. Ezequias, filho de Acaz, era este tipo de homem. O seu
reinado de trinta anos (iniciado c. 724 a.C.) foi merecidamente alvo
dos mais elevados louvores bíblicos. O cronista chega ao ponto de
afirmar que “...não houve outro como ele, entre todos os reis de
Judá que o precederam ou lhe sucederam” (2 Reis 18:5).

À semelhança de Josafá, Ezequias seguiu o precedente davídico


e fez dos levitas os arautos das suas reformas culturais,
administrativas e religiosas. Na questão da segurança, os seus
primeiros esforços destinaram-se a restabelecer o domínio sobre o
Neguebe e Edom. Para garantir uma presença permanente e segura
em ambos, promoveu a expansão da população simeonita
excendentária para estas áreas e a sua instalação definitiva. O seu
avanço para o ex-Reino do Norte foi precedido de emissários
religiosos que destruíram altares até Betel e Samaria, e apelaram
aos israelitas que restavam para que sacrificassem em Jerusalém e
aceitassem a cidade como seu centro espiritual. Além disso, para
fortalecer a população de Judá, Ezequias transferiu para os seus
domínios israelitas oriundos de locais tão a norte como Aser e
Zabulão.[Nota 287]

A dada altura, Ezequias proclamou abertamente uma rebelião


contra a Assíria: Assim o Senhor era com ele; para onde quer que
saísse prosperava. Rebelou-se contra o rei da Assíria, e recusou
servi-lo. Feriu os filisteus até Gaza e os seus termos, desde a torre
dos atalaias até a cidade fortificada. (2 Reis 18:7-8).

As relações com os filisteus eram um pouco mais complicadas do


que isto.[Nota 288] A partir de provas extrabíblicas sabemos que o
enorme perigo constituído pelo inimigo comum servira para diminuir
o ódio mútuo que existia entre Judá e os filisteus, o qual se
reacendera nos sombrios tempos de Acaz, quando os filisteus
tinham ocupado as terras baixas de Judá entre Guimso, Aialon e
Socó.
Além disso, as várias comunidades filisteias, expostas às
diferentes promessas e pressões políticas das grandes potências,
haviam desenvolvido tendências divergentes e até opostas.
Ezequias explorou-as, e constituiu uma liga antissíria com Ascalão.
Isto permitiu-lhe reconquistar todos os territórios perdidos (ou
quase), e assumir o controle de uma grande parte do domínio de
Gaza. Juntamente com Zidca de Ascalão, Ezequias depôs o rei Padi
de Ecron e encerrou-o em Jerusalém, substituindo-o por um
governante antiassírico. Estava preparado o campo de batalha para
o inevitável confronto com a Assíria.

É possível que a esta altura Ezequias tivesse já começando as


negociações com os babilônios,[Nota 289] que começaram a constituir
uma séria ameaça ao domínio da Assíria ao desencadearem uma
insurreição na Mesopotâmia, um dos pilares do poderio assírio. Seja
como for, com as grandes deportações de israelitas para o interior
do Império Assírio e da Babilônia, Ezequias dispunha certamente de
boas e constantes informações sobre os acontecimentos na Assíria.

O terceiro perceiro da aliança judaica-ascalonita era obviamente o


Egito.

Embora nunca tivessem recuperado o seu antigo poder, as faraós


não deixavam de ser sempre sensíveis ao fato de que uma
ocupação permanente da ponte terreste palestina por qualquer outra
grande potência constituía um eventual passo preliminar para a
conquista do país do Nilo, célebre pelos seus fabulosos recursos e
riquezas. Assim, o faraó Shabaka era um membro ativo da aliança.
[Nota 290] Ezequias estava claramente ciente do grave perigo a que

expunha o reino judaico ao desafiar a Senaqueribe, rei da Assíria.


Tomou todas as precauções para enfrentar o ataque assírio e não
mediu esforços para colocar Judá em um elevadíssimo estado de
prontidão.

Entre as suas fortificações, Jerusalém era a principal: “Para se


fortificar, Ezequias reparou a muralha em ruínas, levantou as torres,
construiu um segundo muro exterior, restaurou Milo, na Cidade de
Davi e mandou fabricar lanças e escudos em grande quantidade” (2
Crônicas 32:5). Em outras palavras, reparou as brechas nas
muralhas de Jerusalém, abertas na época de Acaz e que, devido a
uma falsa sensação de segurança ou por falta de meios, nunca
tinham sido tapadas. O alargamento básico das defesas
jerosolomitas e a inclusão dos novos bairros da Colina Ocidental no
perímetro das muralhas haviam já sido levados a cabo pelo tataravô
de Ezequias, o grande Uzias, e esta obra for a continuada por
Jotam: “[Uzias (N.T.)] Também Uzias edificou torres em Jerusalém, à
porta da esquina, à porta do vale e ao ângulo do muro, e as
fortificou”; “Ele construiu a porta superior da casa do Senhor, e
edificou extensivamente sobre o muro de Ofel (2 Crônicas 26:9;
27:3). Os vestígios da muralha com 6 m de largura e do complexo
sistema de portas escavadas por N. Avi Gade, entre 1,80 m e 4,80
m abaixo do nível da rua na atual Cidade Velha, devem ser
atribuídos aos esforços destes dois reis. Estas descobertas
forneceram a prova final da inclusão da Colina Ocidental na
Jerusalém pré-Exílio, uma sugestão que fora rotulada, talvez por
motivos nem sempre estritamente científicos, de invenção para
realçar a Jerusalém antiga.

O traçado da muralha perto da porta a norte ainda não foi


completamente estabelecido. Todavia, não podemos fugir à
impressão de que os engenheiros judaicos conceberam uma
sofisticada proteção para a porta, do tipo tenaz, comum na antiga
Grécia (p. ex., em Atenas, Perge e Side) e reinventado no princípio
da Idade Moderna europeia. Consequentemente, as muralhas eram
traçadas em forma de “U” (tenaz), e construíam-se frequentemente
dois conjuntos de portas, um na ponta da “tenaz” e outro na base. O
pátio criado pelos braços da “tenaz” canalizava os atacantes para
uma grande zona mortífera, expondo-o aos projéteis de arcos e
fundas atirados a partir da porta da retaguarda e das pontas da
“tenaz”. Quanto mais os atacantes se aglomeravam, mais fáceis
alvos se tornavam, inclusive para as lanças e quaisquer outros
objetos atirados de cima.[Nota 291]

Vemos que foi dada grande atenção ao reforço dos pontos


naturalmente fracos de qualquer fortaleza: as entradas e os ângulos
das muralhas que criam ângulos mortos para o defensor. O remédio
aplicado foi a construção de torres salientes para flagelar com
projéteis os flancos dos grupos de combate. Segundo a tradução
tradicional do cronista, Uzias armou estes torreões com engenhos
que disparavam projéteis: “E em Jerusalém fabricou máquinas,
inventadas por peritos, para que fossem colocadas nas torres e nos
cantos das muralhas, a fim de se atirarem com elas flechas e
grandes pedras”. (2 Crônicas 26:15).[Nota 292]

A passagem em hebraico “khesbonoth makhasheveth khoshev”,


que a versão King James traduziu por “máquinas inventadas por
homens astutos”, é obscura e presta-se a várias interpretações. Se
aceitarmos a tradução tradicional, que segue a Septuaginta, a
passagem acima citada torna-se a primeira referência escrita à
artilharia. Antecede em 500 anos o mais antigo engenho lança-
projéteis conhecido e, em 300 anos o supostamente o mais antigo
existente. Mas este fato não contesta automaticamente a tradução
da Septuaginta. Com o nosso crescente conhecimento e apreciação
das antigas capacidades técnicas judaicas, não podemos negar que
um pequeno país, devido à eterna precariedade da sua segurança,
tenha sido obrigado a aplicar a sua criatividade a inivações militares.
Caso contrário, como poderia ter sobrevivido nesta arena do mundo
antigo? A propósito, a tradição romana diz-nos que a invenção de
máquinas lançaprojéteis era atribuída à região sírio-fenícia.
Contudo, entre os argumentos que militam contra a identificação de
khesbonoth com catapultas ou algo similar está o fato de elas não
serem uma única vez citadas nem representadas na vasta
quantidade de material escrito ou gráfico proveniente da Assíria, a
mais avançada potência militar de então. Ainda que os assírios não
tivessem inventado estas máquinas, não as teriam adotado (caso
estivessem operacionais) ou pelo menos mencionado a sua captura
e destruição?
28 Jerusalém: planta e corte do “Tzinor” jebuseu original com
extensões posteriores, e do túnel construído por Ezequias.
Com isto presente, o professor Yadin propôs que se
reconhecesse na palavra khesbonoth a raiz semítica de “madeira”,
traduzindo-se a passagem por “galerias e parapeitos de madeira”,
que tão bem conhecemos das antigas fontes pictográficas.
Tratavam-se de estruturas de madeira construídas sobre andaimes,
que eram acrescentadas às muralhas e torres para darem mais
altura às defesas e proporcionarem espaço adicional para congregar
tropas.[Nota 293] Para proteger estas estruturas contra as flechas
incendiárias e vários outros combustíveis, bem como para proteger
as tropas nelas postadas contra o tiro de projéteis, os escudos dos
soldados – e se necessário outros escudos, tais como escudos –
eram amarrados às vigas. Sabe-se que ainda no século XVI
estruturas semelhantes reforçavam as defesas de castelos e
cidades. O principal problema é que devido à fácil inflamabilidade
das estruturas de madeira no Oriente, à influência negativa do sol e
dos quentes ventos estivais sobre a sua estabilidade, e ao desejo de
montar estas estruturas (um dos poucos meios de surpresa
disponíveis aos defensores) somente à aproximação do inimigo,
esta original e cativante interpretação da palavra khesbonoth
também não é inteiramente convincente.

Quaisquer que tenham sido as contruções e dispositivos de Uzias,


acreditamos que Ezequias os terá incorporado nas suas
fortificações. Intrigantemente, a passagem acima citada de 2
Crônicas 32, que registra as obras militares de Ezequias em
Jerusalém, inclui a produção de “dardos e escudos em grande
quantidade”. Estes trabalhos indentificam-se como a preparação de
escudos adicionais para as estruturas de madeira e com a
constituição de uma grande reserva de projéteis para os defensores.
Por outro lado, os “dardos” também poderiam ser as munições
necessárias para as catapultas e balistas.[Nota 294]
Para impedir a queda das fortalezas nacionais por falta de
provisões durante cercos prolongados, Ezequias providenciou as
suas “cidades fortificadas” com “depósitos para armazenar o trigo, o
vinho e o azeite, estábulos para toda a espécie de gado e apriscos
para os rebanhos” (2 Crônicas 32:28). Na ausência de amplas
quantidades de carne e outros elementos conservados, a
constituição para uma reserva de gado para o fornecimento de
rações de combate foi uma iniciativa ajuizada. Mas talvez o maior
feito tenha sido a provisão de uma fonte de água permanente e
segura para Jerusalém na eventualidade de um cerco: “Também foi
Ezequias quem tapou o manancial superior das águas de Giom,
fazendo-as correr em linha reta pelo lado ocidental da cidade de
Davi” (2 Crônicas 32:30). O que o engenheiro de Ezequias fez foi
fechar a saída da fonte de Giom, aos pés da Cidade de Davi, e
canalizar as águas, através de um túnel subterrâneo com mais de
500 m de comprimento e entre 90 cm e 3,30 de diâmetro, com uma
piscina construída intramuros para o efeito. Em 1880, foi descoberta
a hoje célebre inscrição colocada no túnel para comemorar o seu
acabamento.[Nota 295] O fragmento sobrevivente diz o seguinte:

...e foi assim a escavação: quando os mineiros ainda estavam a


levantar a picareta, cada um na direção do seu oposto, e faltava
ainda escavar três côvados,[Nota 296] ouviu-se a voz de cada um
chamando pelo seu oposto, pois havia uma fissura contínua de
norte a sul. E no fim da escavação, cada mineiro escavou até
encontrar o seu oposto, picareta contra picareta, e depois as
águas correram para a piscina durante mil e duzentos côvados,
e a altura da rocha por cima da cabeça dos mineiros era de
cem côvados.
Os múltiplos preparativos de Ezequias serviram-no bem quando
começou a avalanche assíria, em 701 a.C. O rumo da campanha de
Senaqueribe, a divisão das suas forças, os cercos prolongados a
que se viu obrigado e a sua ignominiosa retirada de Judá, deixando
o reino independente, foram relatados no capítulo 9.

Mas importa citar uma medida pré-combinada tomada pelos


Judeus na última hora:

“Quando Ezequias viu que Senaqueribe tinha vindo com o


propósito de guerrear contra Jerusalém, teve conselho com os
seus príncipes e os seus poderosos, para que se tapassem as
fontes das águas que havia fora da cidade; e eles o ajudaram.
Assim muito povo se ajuntou e tapou todas as fontes, como
também o ribeiro que corria pelo meio da terra, dizendo: Por
que viriam os reis da Assíria, e achariam tantas águas?” (2
Crônicas 32:2-4).

Lápide comemorativa da abertura, por ordem do rei Ezequias


(726-697 a.C.), do túnel canalizando a água da fonte de Giom
para uma piscina dentro da cidade. O túnel foi escavado a partir
de ambas as extremidades.
Embora estas medidas não constituíssem uma “política de terra
queimada” no sentido absoluto do termo (por exemplo, tal como a
praticada pelos russos em 1812 e 1941-1942), foram muito duras e
tiveram consequências prejudiciais para a população rural, tanto
para os lavradores quanto para os pastores.

Para as executar com êxito, Ezequias necessitava da cooperação


da população e a obteve, em grande parte devido aos gibborim, os
proprietários de terras “feudais”. Ao aceitarem dar o exemplo a toda
a população tapando as fontes de água das suas terras,
conquistaram a boa vontade dos pequenos lavradores e os
invasores viram-se ainda mais penalizados pela escassez de água.

As narrativas históricas frequentemente necessitam de uma


descrição das atitudes e reações de indivíduos pertencentes à
plebe. O golpe de sorte trouxe à luz o esconderijo de alguns judeus
durante o cerco de Senaqueribe a Láquis.[Nota 297]

Estas pessoas, que se refugiaram em uma espaçosa gruta


funerária nos arredores da cidade fortificada, deram livre curso a
suas emoções rabiscando grafite nas paredes da caverna. O seu
medo expressou-se no angustiado grito: “Deus Todo-Poderoso,
salva-nos”; as suas orações pelo êxito e sobrevivência judaica
traduziram-se em “O Todo-Poderoso é o Deus de toda a Terra; as
montanhas de Judá pertencem-lhe, é o Deus de Jerusalém”;
finalmente, a sua alegria face às notícias do êxito da resistência de
Jerusalém e ao fato de poderem abandonar o seu esconderijo
encontrou a sua expressão em “Deus Todo-Poderoso, favorecestes
o Monte Moriá para Tua habitação!”.[Nota 298]

Estes grafites também incluem desenhos de navios e de três


pessoas. Muito provavelmente, os navios aludem às embarcações
dos escalonitas, com os quais os judeus estavam aliados contra
Senaqueribe, ou a embarcações egípcias, expressando uma
esperança no socorro enviado pelo Egito por via marítima. Duas das
pessoas representadas poderão ser levitas, um tocando a lira e o
outro com as mãos erguidas em oração. Representam os próprios
fugitivos ou pessoas que lhes eram próximas? Neste contexto, a
terceira pessoa é ainda mais intrigante: um homem com cota de
malha e plumas, evocando a cimeira e as plumas dos capacetes
comuns nos exércitos da época. Terão os refugiados escrito na
parede da gruta o retrado do inimigo ou preservaram, de modo
fortuito, a imagem do “Tommy”, “GI”, “poilu”[Nota 299] ou qualquer
outro nome dado ao soldado anônimo de quem depende, quando as
coisas correm mal, o desfecho de todos os combatentes?

A Bíblia menciona um ítem de guerra psicológica utilizado pelos


invasores que nos espanta pela sua modernidade: o discurso dos
assírios aos jerosolomitas sitiados, em hebraico. Com uma
sucessão de argumentos – recorrendo ao terror, ao ridículo, à
promessas, à desinformação e a provas “lógicas” da futilidade da
resistência -, os assírios tentaram quebrar a determinação dos
sitiados. O Livro dos Reis e o Livro das Crônicas citam os principais
comandantes assírios dirigindo-se pessoalmente aos defensores em
hebraico. A ser verdade que terão conseguido parlamentar sem o
auxílio de intérpretes, teríamos aqui uma prova do peso relativo da
comunidade judaica na cena internacional nos derradeiros anos do
século VIII a.C. (2 Reis 18; 2 Crônicas 32).

O local escolhido para a tentativa de “lavagem ao cérebro” foi em


frente da piscina superior, o receptáculo das águas de Giom, que
fluíam pelo túnel recentemente escavado. É possível que este local
tenha sido escolhido para fazer os jerosolomitas compreender que,
não obstante a todos os seus esforços e preparativos, não era
possível fugir a Senaqueribe. Alguns argumentos parecem
irrelevantes. O general assírio zombou da incapacidade de Ezequias
para constituir um corpo de cavalaria adequado.[Nota 300] Pois talvez
os sitiados tenham abençoado a perspicácia do seu rei ao abster-se
de competir com os cavaleiros assírios, algo que seria
completamente fútil, concentrando-se antes, entre outras medidas, a
tornar Jerusalém imune à sede.

Os anais assírios tentam encobrir a súbita retirada de Jerusalém


(ver p. 201), tornada ainda mais vergonhosa devido o julgamento de
que a sua queda estava iminente. A confiarmos nesta fonte, Judá
não recuperou os distritos da planície perdidos e Ezequias
considerou mesmo ser expediente conciliar publicamente a Assíria.
[Nota 301]

Apesar disso, a retirada de Senaqueribe contribuiu muito para


aumentar o prestígio de Judá, de tal forma que Merodac-Baladan,
rei da Babilônia, enviou a Ezequias um emissário com cartas e
presentes.[Nota 302] Mas a força da Assíria estava longe de ser
quebrada. Pelo contrário, Senaqueribe e Assaradon (681-669 a.C.)
renovaram as suas incansáveis campanhas com o objetivo de
conquistarem o Egito. Todavia, o desfecho da campanha de 701
a.C. E a experiência nela ganha tinha aberto o caminho para um
entendimento tático com os judeus.

Enquanto Judá se abstivesse de interferir com os desígnios e


operações militares assírios na Via Maris, a Assíria não atacaria o
reino.
Pontas e cabos de lanças filisteias. As extremidades em
forqueta tornavam mais fácil espetar as lanças no chão quando
não estavam a ser utilizadas.

Em 669 a.C., Assaradon conseguiu conquistar o Baixo Egito ao


Faraó Tiraca, e em 663 a.C. Assurbanípel completou a conquista
apoderando-se do Alto Egito, até a primeira catarata do Nilo. O
poder da Assíria tornara-se supremo e Manassés, filho de Ezequias
e rei de Judá, foi obrigado a conformar-se e a aceitar a suserania da
Assíria, a ponto de lhe fornecer forças auxiliares para os seus
empreendimentos militares. No seu desejo de conciliar os seus
amos ou por insistência destes, e também na sua ânsia de manter
boas relações com seus vizinhos, Manassés abriu totalmente Judá
às práticas pagãs. Este compromisso, as severas medidas tomadas
contra quaisquer dissidentes e as poderosas fortificações
fronteiriças preservaram a integridade do coração de Judá e
permitiram a Manassés levar a cabo importantes preparativos e
reorganizações militares no início do seu reinado de cinquenta e
cinco anos, quando problemas internos enfraqueceram o controle de
Assurbanípal sobre o seu extenso império. Estas medidas foram
acompanhadas de reformas religiosas no espírito de seu pai, com o
objetivo de promover a identidade e a moral judaicas, implicando
uma cautelosa redução das práticas estrangeiras.[Nota 303]

Uma das importantes medidas defensivas atribuídas a Manassés


– e certamente mantida por ele – foi o controle de um dos principais
acessos ocidentais ao vale de Berseba através da construção da
poderosa cidade fortificada de Aroer. As muralhas de Aroer incluem-
se nas erguidas com uma sucessão de sólidas saliências e
reentrancias, respectivamente com uma largura de 3,90 m e 2,40 m.
As reentrâncias mais estreitas estavam bem protegidas pela
enfilada das saliências adjacentes. Eram tantas as vantagens deste
sistema de construção de cortinas que foi incluído nos métodos
recomendados pelo grande arquiteto militar Filo,[Nota 304] no século
III, cerca de 1000 anos mais tarde.[Nota 305]

JOSIAS

O verdadeiro herdeiro das políticas de Ezequias foi Josias (628-


609 a.C.), que explorou inteligentemente a crescente fraqueza da
Assíria fazendo dos seus emissários religiosos a vanguarda da sua
expansão política. A descoberta do Livro de Deuteronômio no
Templo serviu de incentivo para purificar o país das influências
estrangeiras, e Judá passou por um rápido processo de
rejuvenescimento religioso. O espírito de entusiasmo nacional
transformou-se em um imã para a população rural israelita de
ambos os lados do Jordão, destituída de qualquer liderança, e para
os grupos étnicos estrangeiros que tinham sido transferidos para
Israel e haviam se adaptado ao culto judaico. Consequentemente,
durante a primeira década do seu reinado, Josias estendeu o seu
domínio a quase toda a antiga Cisjordânia israelitas e partes de
Gileade.

A Bíblia não fala das suas fortificações, mas as pesquisas


arqueológicas revelaram uma poderosa fortaleza costeira, cerca de
11 km a norte de Asdode, que pode ser definitivamente identificada
como uma construção de Josias. O seu propósito era duplo: guardar
as fronteiras com os filisteus e bloquear qualquer movimento hostil
ao longo da costa.[Nota 306] Esta última missão é indicativa da
inquietação de Josias face ao ressurgimento e possíveis desígnios
do Egito. E os seus receios não eram infundados. A segurança de
Judá dependia de um equilíbrio de poder entre os “Três Grandes” de
então: Egito, Assíria e Babilônia.

Enquanto estes anularam mutuamente muita da sua


agressividade excedentária, os Estados menores tinham boas
hipóteses de não se limitarem apenas a sobreviver. Ninguém estava
mais ciente desta situação do que o rei de Judá, cujo reino se
situava no tradicional caminho de guerra das grandes potências.[Nota
307]

Ezequias dera a sua contribuição para manter este equilíbrio de


poder. O cativeiro temporário de Manassés[Nota 308] tornara a Assíria
predominante, mas desde então a Assíria fora devastada por
rivalidades internas, pois a Babilônia e a Média tinham-se aliado
para a destituírem da maioria das suas possessões orientais,
incluindo Nínive, a capital. Ao mesmo tempo, o Egito recuperou a
sua liberdade e Psamético, o primeiro faraó da XXV Dinastia,
esforçou-se ao máximo para fazer pender o novo equilíbrio tripartido
a seu favor. Ao ir em socorro dos assírios, os quais, em um futuro
previsível, lhe pareciam ter perdido a sua hegemonia, esperava
extinguir qualquer aspiração da Babilônia a tornar-se a sucessora
formal como única ou principal potência. Psamético pretendia
conquistar esta posição para o Egito.

A CAMPANHA DE NECO

Por ser precisamente este objetivo egípcio que Josias receava e


tentava frustrar, em 609 a.C., quando o Faraó embarcou na sua
campanha para auxiliar a Assíria no seu combate desesperado
contra os neobabilônios, ele recusou livre passagem a Neco pelos
teritórios de Judá. Josias arriscava tudo. Não só ignorou a oferta
egípcia de neutralidade, como optou por não impedir a marcha do
exército egípcio através da planície costeira, nem a sua passagem
pelo famigerado passo de Iron, que atravessava as montanhas do
Carmelo. Em vez disso, tomou posição em campo aberto perto de
Megido, onde o passo de Iron conduzia ao vale de Jezrael. A
situação era ainda mais dramática porque, pela primeira vez desde
o êxodo, judeus e egípcios enfrentavam-se em uma grande batalha
em campo aberto. Ao escolher o seu campo de batalha, Josias
estava bem ciente das vantagens psicológicas e políticas. O seu
plano era provar a superioridade militar de Judá sobre o Egito em
uma batalha na planície. Ao fazê-lo, esperava criar um duradouro
efeito dissuador sobre quaisquer invasores potenciais, taticamente,
apostava em apanhar o inimigo desorganizado e desequilibrado ao
sair do desfiladeiro, e em transformar a serrania do Carmelo em
uma gigantesca bigorna contra a qual martelaria e esmagaria os
egípcios através de um ataque geral com os carros e a infantaria.
Uma fuga ou mesmo uma retirada através do Carmelo, até ao Egito,
com o flanco exposto às montanhas de Judá, significaria um
desastre.

O plano de Josias era certamente audacioso. O fervor religioso


poderá explicar a força moral necessária para correr este risco
calculado. Todavia, é forçoso supor que Josias considerou que o
tamanho e a qualidade do seu exército estavam à altura do de
Neco. Só por si, esta avaliação constitui um bom indicador do seu
esforço para guindar as forças armadas de Judá a um nível elevado.

Importa referir que Josias parece não ter descartado algo que
considerava improvável, um revés judaico. Nesta contingência, a
fortaleza de Megido estaria à mão para servir de porto de abrigo
para os vencidos, tal como as muitas cavernas naturais das
montanhas do Carmelo.

Neco deve ter intuído a intenção judaica de atacar antes dele


conseguir formar ordeiramente todas as suas tropas no vale.
Presumivelmente, formou os seus arqueiros na maciça força
avançada de cobertura para quebrar ou pelo menos abrandar o
esperado ataque judaico às suas unidades ainda em manobra. Além
do mais, à semelhança de Hazael,[Nota 309] ordenou aos seus
arqueiros que tentassem identificar o rei judeu e concentrassem o
seu tiro sobre o carro, carregando à frente das suas tropas, a ser
mortalmente atingido por uma flecha egípcia na fase inicial da
batalha (2 Reis 23:29; 2 Crônicas 35:19-24).

Com a morte do rei a batalha estava perdida. E com a batalha


perdida, o plano de Judá para manter o equilíbrio internacional se
frustrou. Nesta perspectiva, o obscuro arqueiro que matou Josias
em Megido, em 609 a.C., deu o primeiro tiro na queda final de Judá.

Cerca de 605 a.C., o Reino de Judá, humilhado e enfraquecido


pela morte inesperada do seu carismático líder, tornou-se vassalo
de Nabucodonosor, rei e senhor do poderoso Império neobabilônico.
Mas mesmo nesta situação despresível, a nação não deixou de
acreditar na sua força e capacidade para se libertar do jugo
estrangeiro.
29 a queda de Judá

1. O exército de Nabucodonosor conquista várias cidades


judaicas e cerca Jerusalém.

2. O bloqueio babilônio a Jerusalém é enfraquecido quando os


egípcios avançam para unir forças com Judá.

3. Depois da derrota egípcia, Jerusalém é sitiada e conquistada.

4. Sedecias é capturado quando fugia para as montanhas.

5. Enfraquecido, Judá sofre incursões de vizinhos hostis, entre


os quais os edomitas.

O entusiasmo religioso originado pelas reformas de Josias


(precipitado pela descoberta do livro de Deuteronômio) era tão
persistente e iraizado que as pessoas de todas as classes sociais se
recusaram a aceitar a realidade. Contra a voz isolada do profeta
Jeremias, que pregava a submissão temporária à Babilônia como
uma medida divinamente sancionada no conceito da diplomacia
como a arte do possível, muitos “falsos” profetas apelaram à tomada
de medidas ativas e à rebelião.

Em 598 a.C., para debelar este espírito de revolta na estratégica


ponte terrestre, Nabucodonosor enviou um exército especial que
conseguiu cercar Jerusalém e impor a submissão absoluta a
Jeoiaquim, que aceitou o exílio pessoal e a tomada total do Templo
para salvar Jerusalém de ser completamente destruída. Juntamente
com o rei, foram levados 10.000 cativos, incluindo os grandes
nobres e funcionários do Estado, os gibborim e “todos os ferreiros e
artífices”.[Nota 310]
A óbvia intenção era privar Judá dos seus líderes e dos seus
técnicos, para impedir que voltasse a rebelar-se.

Mas esta medida de Nabucodonosor de nada serviu. Bastaram


uma demonstração naval egípcia ao largo da costa da Fenícia e o
desembarque de algumas tropas egípcias, no ano de 591 a.C., para
induzirem Sedecias, o novo rei, a preparar outra rebelião. Merecem
certamente admiração a magnitude da resiliência e dos recursos
físicos daquilo que se tornara um país muito inferior.

Os preparativos foram novamente efetuados com grande fervor


religioso, que desta vez foi também utilizado como alavanca de
reformas sociais tendentes a fazer ver a todos os cidadãos que valia
a pena lutar pela causa. Garantiu-se a assistência egípcia, e a
aliança antibabilônica começou a se desenvolver. Contudo,
Nabucodonosor apercebeu-se da necessidade de agir antes que a
aliança conseguisse efetuar grandes preparativos em 588 a.C.
Desceu rapidamente pela Síria para subjugar os revoltosos judeus.

As defesas de Judá foram reduzidas após grandes combates.


Desta luta épica, chegou até nós um eco difuso, mas mesmo assim
patético e vívido. As escavações em Láquis trouxeram à luz várias
ostraka que eram missivas do chefe de um pequeno posto chamado
Hoshayahu, sob o comando de Yaush, o governador militar de
Láquis. Uma mensagem concisa foi escrita durante a fase crucial do
ataque ao coração de Judá: “... estamos atentos aos postos de
sinalização de Láquis, de acordo com todos os sinais emitidos pelo
meu senhor, porque não vemos [os sinais de] Azeca”.[Nota 311]

Azeca tinha, pois, caído, e os babilônios reuniam as suas vastas


forças para o ataque a Láquis e outros redutos. Sabiam muito bem
que não deveriam internar-se nas montanhas antes de terem
limpado os acessos. Por fim, Jerusalém sofreu o seu último cerco
antes do cativeiro da Babilônia.
Uma Reconstrução de um aríete assírio em ação.
Uma fútil tentativa egípcia de socorro apenas serviu para reforçar
a convicção de Nabucodonosor de que enquanto Judá existisse, a
posição da Babilônia na ponte terrestre palestina não estaria segura.
Por seu lado, os defensores estavam bastante cientes da gravidade
da situação, e resistiram durante mais de dois anos: “E a cidade
ficou sitiada até o décimo primeiro ano do rei Zedequias. Aos nove
do quarto mês, a cidade se via tão apertada pela fome que não
havia mais pão para o povo da terra. Então a cidade foi
arrombada...” (2 Reis 25;2-4).

O rei fez uma única tentativa para manter a resistência e fugiu à


cabeça de algumas das suas tropas da guarda para prosseguir a
luta, possivelmente a partir do deserto de Judá.

Mas antes de chegar a segurança deste refúgio natural, Sedecias


foi interceptado e capturado. Sem liderança, a cidade foi
sistematicamente destruída pelo exército babilônico sob o comando
de Nebuzaradan, líder dos “capitães da guarda” de Nabucodonosor,
sendo também incendiado o Templo construído por Salomão.[Nota
312]

Exilados e emigrantes que deixaram Judá logo após a conquista


babilônica preservaram o seu caráter valente nas novas instituições
de colonos em terras estrangeiras. Os judeus começaram a figurar
proeminentemente nos exércitos e colonatos militares na Babilônia,
no Egito e nas respectivas dependências até ao período romano. Os
especialistas concluíram que o serviço mercenário – voluntário mas
também obrigatório – foi uma das razões da rápida expansão da
diáspora judaica na parte oriental do mundo mediterrânico.[Nota 313]
Estas qualidades marciais também foram uma das principais razões
pelas quais Ciro, rei da Pérsia, permitiu e promoveu ativamente o
regresso dos exilados na Babilônia a Judá. Depois de se apoderar
da Palestina, no seguimento da grande onda de conquista persa
que retirou a supremacia à Babilônia, cerca de 540 a.C., a sua
intenção foi garantir a posse da região através de uma população
valente e leal, mas não suficientemente forte para se tornar
independente. Que melhor modo de o fazer do que concedendo aos
judeus o direito de regresso a um território de Judá bastante
diminuído, com vizinhos hostis frustrando toda e qualquer tentativa
de independência face à benevolente suserania persa?
Consequentemente, em 537 a.C., a primeira vaga de repatriados
pôde estabelecer as fundações da Segunda Comunidade,
construída ao redor do segundo templo.

Notas do Capítulo 11

Nota 286 - Manassés reinou em 687-642 a.C. (N.T.) [Voltar]

Nota 287 - Sobre Aroer, ver BIRAN, A., NEAHEL I, pp. 89-92. [Voltar]

Nota 288 - Recordamos ao leitor que Samaria era a capital do reino de Israel. (N.T.) [Voltar]

Nota 289 - 1 Cr 4:41-43 e 2 Cr 30; 31:1: O texto fala extensamente das iniciativas bem
sucedidas de Ezequias para que os israelitas do antigo Reino do Norte participem nos
serviços religiosos do Templo de Jerusalém. A partir de 2 Cr 31:6, deduzimos que ele
também conseguiu instalar permanentemente alguns israelitas em Judá. Tal como
descobriram Judas Macabeu (ver 1 Mac 5) e, mais recentemente, o primeiro governo do
Estado de Israel, Ezequias compreendeu que para resistir às pressões externas era
imperativo aumentar as suas forças alistando Judeus do estrangeiro. [Voltar]

Nota 290 - Sobre ezequias contra os filisteus e a Assíria, ver TADMOR, MHBT, pp. 138
sqq. [Voltar]

Nota 291 - 2 Rs 20:12-13; 2 Cr 32:31. [Voltar]

Nota 292 - MASPERO, G., The Passing of the Empires 850 BC-330 BC, Londres, 1900, pp.
251-253 (obsoleto, mas ainda merece uma leitura); BREASTED, J. H., A history of Egypt,
Londres, 1964, pp. 460-461. [Voltar]
Nota 293 - AVI GAD, N., The Upper City of Jerusalem, Jerusalém, 1980; WINTER, F. E.,
Greek Fortifications, Londres, 1971, cap. 8. [Voltar]

Nota 294 - A versão portuguesa é algo diferente: “Mandou construir em Jerusalém


máquinas destinadas a serem colocadas sobre as torres e sobre os ângulos das muralhas,
para atirar flechas e pedras”. (N.T.) [Voltar]

Nota 295 - YADIN, Warfare, pp. 327-327. [Voltar]

Nota 296 - A versão portuguesa substitui “dardos” por “lanças”, desvirtuando o contexto,
pois são armas muito diferentes. (N.T.) [Voltar]

Nota 297 - ANET, p. 321. A minha citação é de BAIKIE, J., Lands and People of the Bible,
Londres, 1932, p. 33. [Voltar]

Nota 298 - 1 côvado = 50 cm. (N.T.) [Voltar]

Nota 299 - NAVEH, J., “Old Inscriptions in a Burial Cave”, IEJ 13, 1963, pp. 74-92. [Voltar]

Nota 300 - Alcunhas atribuídas, respectivamente, ao soldado de infantaria britânico,


americano e francês durante a Segunda Guerra Mundial. (N.T.) [Voltar]

Nota 301 - “Faz... um tratado com o meu soberano... e eu te darei dois mil cavalos, se
tiveres cavaleiros para os montar” (2 Rs 18:23). Talvez o assírio estivesse antes a sublinhar
a fraqueza econômica de Judá. (N.T.) [Voltar]

Nota 302 - ANET, Senaqueribe (a), pp. 287-288. Relativamente ao cerco, ver pp. 200-201
da presente obra. [Voltar]

Nota 303 - Ver capítulo 11, nota 289. [Voltar]

Nota 304 - LOWENSTAMM, S.E., EB V, s.v. Manasseh, cols. 41-45. [Voltar]

Nota 305 - Filo de Bizânico. (N.T.) [Voltar]

Nota 306 - LAWRENCE, A.W., Greek Aims in Fortification, Oxford, 1979, contendo a
tradução de Filo (84) na p. 87, “The Meanderlike System”. Trata-se do seu primeiro
sistema: ver (1)-(38), pp. 75 sqq. Aroer: ver BIAN, NEAEHL I, pp. 89-92. [Voltar]

Nota 307 - Sobre Mezad Hashaviahu, ver NAVEH, J., IEJ 10, pp. 129-139 e IEJ 12, pp. 89-
99. [Voltar]

Nota 308 - Acerca do contexto político do reinado de Josias, consultar MALAMAT, MHBT,
pp. 296 sqq. As suas reformas militares foram extensivamente tratadas em Jung, E., in
Beitrage zur Wissenschaft der Alte und Neue Testaments 1937: der Wiederaufbau des
Heerwesens des Reiches Juda unter Josia, Esturgada, 1937. Não tive acesso a esta obra
ao preparar o presente livro. Notem-se as nossas divergências na interpretação de vários
problemas. [Voltar]

Nota 309 - Na Babilônia. (N.T.) [Voltar]


Nota 310 - Ou Bene-Hadad II, cujas tropas mataram Acabe, rei de Israel, em Ramote de
Gileade. (N.T.) [Voltar]

Nota 311 - 2 Rs 24:14. (N.T.) [Voltar]

Nota 312 - TORCZINER, H., e all., “The Lachish Letters”, in HARDING, L. (ED.), Lachish I
Londres, 1938, Ostrakon 4; ANET, p. 322. Importa notar que, à semelhança dos
regulamentos de hoje, no período bíblico existia um procedimento próprio para passar para
um método de comunicação alternativo quando a sinalização direta se revelava impossível.
Os israelitas utilizavam sinais de fogo e de fumo desde a época dos Juízes, além dos
outros métodos de comunicação oral e visual descritos anteriormente (ver Jz 20:38). A sua
utilização limitava-se geralmente a postos estacionários. Ainda em 1799, na Galiléia,
Napoleão recorreu a sinais de fumo e de fogo. Ver também VEGÉCIO, Epitoma rei militaris,
III, 5; “Per noctem flammis per diem fumo” - chamas à noite e fumo de dia, para comunicar
com os aliados. Acerca do Oriente antigo, cf. DOSSIN, G., “Signaux lumineux du pays du
Mari”, Revue Archéologique XXXV, 1938. [Voltar]

Nota 313 - O contexto político e estratégico das últimas décadas de Judá foi descrito em
MALAMAT, A., “The twilight of Judah”, VT, Sup. 28, Edimburgo, 1974. [Voltar]
CAPÍTULO 12

AS PRIMEIRAS BATALHAS DOS


MACABEUS

AS ORIGENS DA REVOLTA DOS MACABEUS

As batalhas dos macabeus deram a conhecer um dos grandes


capitães de todos os tempos, Judas Macabeu. A história as registra
como as primeiras batalhas travadas pela liberdade religiosa. O que
as distingue é o gênio militar de Judas Macabeu, que se afastou, de
forma radical, das táticas universalmente utilizadas na época e
adaptou instintivamente os princípios da guerra de um modo
inteiramente novo.

A revolta dos macabeus teve início em 167 a.C., depois de um


longo período durante o qual nenhuma força judaica organizada
praticara a guerra. De fato, a última batalha em que um contingente
judaico importante pegara as armas fora em 586 a.C., mais de 400
anos antes, quando os defensores de Jerusalém haviam travado um
combate sem esperança contra as forças invasoras de
Nabucodonosor. De tempos em tempos, os judeus tinham
combatido integrados nos exércitos de outras nações, mas durante
400 anos não ecoara nas colinas da Judéia o som de exércitos
judaicos em marcha.

Em meados do século II a.C., a Judéia era uma pequena


província de base síria do Império selêucida. De fato, em 198 a.C., o
monarca selêucida Antíoco III conquistara a área da Palestina aos
ptolomeus do Egito e incorporara a Judéia no seu império. Na época
de Judas Macabeu, a província era uma área de forma retangular,
cobrindo aproximadamente 1500 km2, medindo cada lado entre 45
km e 60 km. A região era montanhosa, semeada de aldeias ou
wadis que desciam até ao Mediterrâneo a ocidente, ou ao vale do
Jordão e ao Mar Morto a oriente. Estima-se que a população da
província se situaria entre as 200.000 e 250.000 pessoas.

Em 332 a.C., Alexandre da Macedônia, um dos maiores generais


da história, derrotou os persas e passou a controlar o seu império,
que se estendia amplamente pela Ásia, incluindo Judá, latinizado
para Judéia. À morte prematura do jovem Alexandre, em 323 a.C.,
as terras que ele conquistara – do Egito e Ásia Menor a ocidente,
até a Índia a oriente – foram divididas entre os seus generais
macedônios, que disputaram a herança. Ptolomeu recebeu a
satrapia do Egito, onde rapidamente se estabeleceu como monarca,
com capital em Alexandria.

Seleuco, ao qual fora concedida a satrapia da Babilônia, também


se coroou rei e escolheu Selêucia para a capital. Depois, estendeu o
seu controle à Síria, estabelecendo uma nova capital em Antioquia,
no Mediterrâneo, no canto noroeste da Síria.

A rivalidade de longa data entre os poderes estabelecidos na Síria


e os do Egito voltou a manifestar-se. Por óbvias razões estratégicas,
a área da Palestina era cobiçada pelos ptolomeus, a sul, e os
seleucidas, a norte. Durante mais de cem anos, Jerusalém e a
Judéia permaneceram integradas no Império Ptolomaico. Contudo,
em 198 a.C., Antíoco III, pai do imperador contra o qual os
macabeus se iriam revoltar, conquistou a Palestina aos ptolomeus,
integrando-o no Império seleucida.

Os judeus tinham desfrutado de um governo relativamente


benevolente com os ptolomeus. Além da exigência de um pesado
tributo anual, a Judéia era, na prática, uma região autônoma.

Flávio Josefo, um historiador do século I d.C., relata como os


judeus tinham liberdade para administrarem os seus assuntos em
paz, para praticarem a sua religião sem serem molestados, e para
realizarem os ritos judaicos tradicionais no Templo de Jerusalém.

Esta política de tolerância para com a prática da religião judaica e


respeito pela autonomia doméstica dos judeus na Judéia manteve-
se depois de os seleucidas, liderados por Antíoco III, adquirirem o
controle da Palestina,[Nota 314] mas mudou com a subida ao trono de
seu filho, Antíoco IV Epifânio.[Nota 315]

Quando Antíoco IV chegou ao poder, em 175 a.C., compreendeu


que embora fosse inevitável o seu envolvimento futuro em um
conflito com o seu vizinho sulista, o Egito, a principal ameaça ao
Império Selêucida seria indubitavelmente o crescente poder de
Roma, que ele respeitava e temia. Assim, a Judéia assumia uma
importância acrescida, devido à sua proximidade com o Egito e ao
fato de que a partir das suas montanhas dominava a histórica
estrada costeira que ligava a Síria ao Egito. A Judéia não constituía
uma ameaça militar para Antíoco, nem ele receava que a área lhe
causasse algum problema militar. Todavia, ameaçado nas suas
fronteiras sul e oeste, onde Medos e Partos constituíam um perigo
constante, ele decidiu garantir o controle da vital e estratégica
província da Judéia impondo a cultura e os ritos gregos à sua
população, assegurando uma lealdade comum e uma uniformidade
religiosa em todo o seu império. Foi este o método que se propôs
adotar para fundir os seus povos e, tal como acreditava, unificar o
império. O instrumento unificador seria o helenismo, e o processo
seria levado a cabo não só com fins religiosos e sociais, mas
também políticos.

O processo de helenização da Judéia, particularmente em


Jerusalém; a assunção, pelos Seleucidas, da autoridade para
nomear o sumo sacerdote, líder espiritual dos judeus e a ruptura
entre os judeus “helenizados” e os que permanecerem fiéis às suas
tradições e fé, originaram a eclosão de uma rebelião em Jerusalém.
A notícia da revolta chegou a Antíoco em 168 a.C., quando ele
retirava do Egito para norte, pela estrada costeira, depois de ter
abandonado o cerco de Alexandria. A retirada foi uma experiência
humilhante, pois ele saíra do Egito devido à ameaça de uma
intervenção romana. Foi, pois, tomado de fúria que ele enviou um
dos seus generais, Apolônio, para lidar com esta nova situação na
Judéia.

As tropas selêucidas lançaram-se em um massacre da população


judaica de Jerusalém. Incendiaram, pilharam e entraram à força no
Templo, roubando muitos dos preciosos recipientes sagrados. O
Templo foi convertido em um santuário helenístico dedicado a Zeus
Olímpico, um ato profano coroado com a oferenda sacrificial de um
porco.

Uma fortaleza conhecida por Acra ou Cidadela foi construída em


uma colina superior ao Templo, e nela ficou permanentemente
instalada uma grarnição selêucida. Rapidamente, foram tomadas
medidas para impor a vontade de Antíoco aos rebeldes judeus, e
erradicar a influência dos ritos e costumes judaicos.
Os judeus foram proibidos, sob pena de morte, de se
congregarem em oração, de observarem o Sabatth e os festivais
religiosos, de praticarem a circuncisão ou de cumprirem as leis que
regiam a alimentação. Foram obrigados a participar dos rituais
pagãos, incluindo o sacrifício de porcos e a ingestão da sua carne.

A ASCENSÃO DOS MACABEUS

Depois de subjugar Jerusalém, Antíoco prosseguiu com o seu


plano de “desjudaização” da Judéia deslocando para as áreas rurais
tropas com ordens para fazerem cumprir os regulamentos contra as
práticas religiosas judaicas.

Uma destas unidades, comandada por um oficial de nome Apeles,


chegou à aldeia de Modim, junto às montanhas da Judéia, a
noroeste de Jerusalém. Foi instalado um altar na aldeia e depois,
perante toda a população, foi ordenado a Matatias, o sacerdote
judaico, que sacrificasse um porco e comesse da sua carne. Com
Matatias estavam os seus cinco filhos. Quando Matatias não se
moveu do seu lugar, um dos judeus dirigiu-se ao altar para obedecer
à ordem e realizar o sacrifício. Furioso, Matatias lançou-se em frente
e matou o traidor e Apeles.

Os seus filhos conduziram os aldeãos contra as tropas gregas,


aniquilando-as.

Assim começou a Revolta dos Macabeus.

Matatias levou o povo de sua aldeia para os montes de Gofna,


uma zona das montanhas da Judéia logo a noroeste da atual
Ramallah. A área foi escolhida devido a
sua relativa inacessibilidade para a
guarnição selêucida estacionada na
planície central, e porque o terreno
montanhoso se prestava a medidas
defensivas e evasivas. O pequeno grupo
de camponeses que havia tocado em
armas poderia organizar-se como um
bando de guerrilha, treinar-se, defender-
se e planejar o rumo da revolta. Eram
cerca de duzentos, dos quais
provavelmente não mais de cinquenta
seriam homens aptos para o combate, e
não tinham a mínima instrução militar.

Durante cerca de um ano, os rebeldes


fizeram os seus preparativos em relativa
tranquilidade. Treinaram para a guerra de
guerrilha e recrutaram novos membros
para as suas fileiras. Foi dada ênfase à
reafirmação dos princípios do judaísmo,
pelos quais combatiam. Defendiam-se
sempre que necessário, mas enquanto
organizaram a sua base iniciaram poucas
operações. Simultaneamente, reforçaram
os seus contatos com as aldeias e
espalharam a história da revolta. Em
pouco tempo, foi desenvolvida uma
organização eficaz de recolha da
inteligência, acompanhando a
constituição de uma milícia popular
chefiada por Judas Macabeu. Antes de o
idoso Matatias morrer, durante o primeiro
ano da revolta, designara como seu
sucessor Judas, o seu filho do meio.

Armado com utensílios agrícolas


primitivos e armas de produção caseira,
tais como cetros e fundas, o pequeno
grupo de Judas preparou-se para lutar
contra um moderníssimo exército grego.
Os selêucidas estavam bem treinados e
organizados, e tinham experiência de
combate. As suas fileiras compunham-se
de infantaria pesada e ligeira, cavalaria
pesada e ligeira, carros, elefantes e
unidades de “artilharia” que operavam
balistas (engenhos para lançar pedras
enormes), para não falar nas várias
unidades de serviços. As suas armas
incluíam espadas, dardos, lanças, arcos,
fundas, balistas e aríetes.

Judas analisou a situação –


aparentemente desesperadora – e
enumerou instintivamente os elementos
que poderiam ser usados a seu favor.
Embora as tropas selêucidas gozassem
de uma esmagadora superioridade em
tropas e armamento, tinham sido apenas
treinadas para combater de forma
convencional.
Arco compósito com a Eram mercenários, com pouca ou
curvatura para dentro,
nenhuma dedicação à causa. Teriam pela
característica do período
do Segundo Templo e de
frente os filhos do país, combatendo pela
épocas posteriores.
sua terra e pelo seu povo, dispostos a
morrer pelas suas convicções religiosas e
liberdade. Já que os selêucidas eram versados na guerra
convencional, a resposta militar dos judeus deveria ser atacá-los de
noite. Além do mais, as forças de Judas, pelo fato de serem
diminutas, cumpriam um dos requisitos básicos de uma tropa de
guerrilha. Tal como Mao Tsé-Tung expressaria mil anos mais tarde,
estavam como um peixe na água: os combatentes de Judas eram
oriundos das aldeias e poderiam desaparecer no meio da população
sempre que necessário.

À medida que prosseguiam a sua instrução e ganhavam


confiança, os guerrilheiros de Judas desenvolveram e reforçaram as
suas linhas de abastecimento com as aldeias. No fim do primeiro
ano, havia já várias centenas de homens em armas. Foi
desenvolvido um elaborado sistema de inteligência, que dava a
Judas um conhecimento absoluto da situação na Judéia e a norte,
na região de Samaria. Começaram gradualmente a executar-se
atividades ofensivas de guerrilha sobre as tropas seêucidas, que
eram emboscadas e aniquiladas. O objetivo destas táticas de
ataque e evasão rápidas era não só desorganizar as forças de
ocupação, mas também constituir um arsenal de armamento
moderno para os rebeldes judaicos.

As operações de Judas aumentaram, grandes áreas rurais


passaram para o controle efetivo dos macabeus e a guarnição
selêucida de Jerusalém ficou isolada. Vendo que a situação se
deteriorava e que os macabeus haviam conquistado a supremacia
na Judéia, Apolônio, governador e comandante das forças de
Antíoco na região, com base em Samaria, decidiu intervir. Judas e
as suas forças iriam enfrentar a sua primeira operação militar
inimiga em grande escala.

AS TÁTICAS DE COMBATE SELÊUCIDAS

O núcleo do exército selêucida era a falange, uma formação tática


consistindo de infantaria pesada em fileiras fechadas. Os soldados
avançavam sobre o inimigo em uma massa compacta, com os
homens ombro a ombro e quase pisando os calcanhares dos
homens da fileira da frente. O principal elemento tático da falange
era o sintagma, compreendendo cerca de 250 homens, comparável
à moderna companhia. Este corpo cumpunha-se de dezesseis
fileiras de dezesseis homens cada uma, ou seja, uma destas
unidades ocupava uma área de cerca de 1.400 m2. Quatro
sintagmas formavam uma quiliarquia de mais de 1.000 homens.
Duas quiliarquias, numerando cerca de 2.000 homens e com 1.000
m de largura e 1.400 m de profundidade, constituíam a menor
falange então utilizada na guerra.
30 de Judas 167-164 a.C.

1. Os macabeus se retiram para a região de Gofna.

2. Apolônio, o governador selêucida de Judá, avança para


sufocar a resistência israelita.

3. As forças de Judas emboscam e derrotam o exército


selêucida.

4. O general Seron conduz um segundo exército para subjugar


a rebelião.
5. 165 a.C.: Batalha de Bete-Horom. As forças selêucidas são
novamente emboscadas em um desfiladeiro e derrotadas.

6. Antíoco envia um terceiro exército, comandado pelos


generais Ptolomeu, Nicanor e Górgias. Os selêucidas evitam as
montanhas e montam acampamento em Emaús.

7. Judas reúne as suas forças em Mispá e avança sobre o


inimigo.

8. Os seleucidas são derrotados em Emaús.

9. Um quarto exército, comandado por Lísias, aproxima-se da


Judéia pelo Sul.

10. As forças de Judas avançam ao encontro dos selêucidas.

11. 164 a.C.: Lísias é derrotado em Bete-Zur.

Enquanto a falange avançava sobre o inimigo, as primeiras cinco


fileiras empunhavam as lanças horizontalmente, e as onze restantes
mantinham as suas na vertical. Todos os soldados estavam agora
prontos para enfrentar o inimigo.

Iniciado o combate, toda a falange exercia pressão sobre o


adversário. Quando este era fraco, a falange levava tudo à sua
frente; quando os antagonistas se equivaliam, as falanges
envolviam-se em um choque tremendo. Os flancos do dispositivo
eram protegidos por cavalaria e tropas ligeiras, que também
travavam escaramuças à frente das forças principais.

O ponto fraco desta organização era ser muito pesada, o que a


impossibilitava de explorar o elemento surpresa.
Consequentemente, uma das táticas de guerra estava ausente
deste dispositivo. O avanço de uma coluna de marcha formada em
falange pronta para o combate era lento e previsível. Os
antagonistas viam-se completamente um ao outro e o combate,
depois de iniciado, evoluía de acordo com os princípios táticos fixos.
O conceito de conquistar uma vantagem tática ou até estratégica
interferindo com o dispositivo inimigo não existia, era algo que não
se fazia na época.

O inato instinto militar de Judas viu as vantagens ao obter na


recusa em deixar o inimigo ditar o campo e o tipo de batalha.
Basicamente, a sua abordagem foi influenciada pelos problemas
político-sociais com que o seu povo se debatia. Tal como os
sistemas de reserva e milícia atualmente existente em Israel
refletem considerações de ordem social, econômica e política,
também a organização das forças de Judas refletia problemas
semelhantes que confrontavam a população judaica da Judéia.

A DERROTA DE APOLÔNIO

Em 166 a.C., as forças de Apolôneo partiram de Samaria e


avançaram pela bacia hidrográfica da montanha para sul, em
direção a Jerusalém. Apolônio optou pela estrada Samaria-
Jerusalém mais direta, que passa pelo flanco da área de Gofna.
Segundo o detalhado livro do major-general Avisar sobre as
batalhas dos macabeus, publicado em hebraico,[Nota 316] Apolônio
entrou na Judéia com um contingente de cerca de 2.000 homens
que tinham pela frente uma força judaica comandada por Judas
numerando aproximadamente 600 efetivos. Analisando a situação,
Judas resolveu aproveitar o elemento surpresa e utilizar o terreno
para neutralizar o efeito da superioridade selêucidas em homens e
armamento.

Os selêucidas teriam vantagem em terreno aberto e plano, pelo


que Judas decidiu atacar em um desfiladeiro ou em um vale. Dado
que a grande força inimiga assumiria o seu dispositivo de combate
normal, Judas iria atacá-la durante a marcha, quando não estaria
preparada para o combate nem poderia formar de acordo com a sua
instrução.

O local escolhido por Judas para o combate foi Nahal el-


Haramiah, entre 4,5 km e 6 km a nordeste de Gofna. Neste ponto, a
estrada de Samaria para sul entra em um estreito desfiladeiro que
sobe durante por mais de 1,5 km.

O inimigo marchava em colunas de quatro homens lado a lado.


Judas decidiu bloquear o avanço das tropas selêucidas e empurrá-
las para uma situação na qual seriam obrigadas a criar uma frente
em um dos flancos. Isto colocaria o inimigo em uma posição para a
qual ele estava menos preparado e na qual seria mais vulnerável.

Judas dividiu suas forças em quatro unidades. Uma selaria a


extremidade sul do desfiladeiro. A segunda constituiria a principal
força de ataque, a partir do lado oriental do desfiladeiro. Outra
atacaria do lado oposto, e a quarta ficaria não muito longe, a norte
da principal força de ataque, no lado oriental, pronta para fechar a
entrada norte do desfiladeiro e completar a armadilha.

A tarde chegava ao fim quando as tropas selêucidas entraram no


desfiladeiro em colunas de quatro homens lado a lado. Os
selêucidas marchavam em duas quiliarquias de aproximadamente
1.000 homens cada, entre as quais seguiam a cavalo o
comandante, Apolônio. As tropas avançavam em uma massa
compacta, na qual os soldados que iam atrás chegavam a chocar
com os da frente.

A um sinal, a unidade com a missão de vigiar a extremidade sul


do desfiladeiro caiu sobre a vanguarda da coluna selêucida. O corpo
principal, desconhecendo o que se passava na frente, continuou a
avançar, e todo o contingente selêucida ficou engarrafado no
desfiladeiro. Neste momento, a unidade emboscada na encosta
oriental atacou o flanco da coluna. Estorvada pelas suas armas
pesadas, inadequadas para combater no estreito desfiladeiro,a
coluna selêucida rodou para enfrentar o novo ataque, enquanto a
sua retaguarda continuava a entrar no desfiladeiro. Foi então que
surgiram as forças da encosta ocidental, que atacaram da
retaguarda. Os selêucidas estavam encurralados e sob uma
pressão devastadora proveniente de leste a oeste.

Ao ouvir o som do combate, Apolônio, que liderava a segunda


quiliarquia, lançou a sua montada em frente para ver o que estava
acontecendo, mas foi morto pelo mortífero “fogo” das encostas.
Depois de todo o contingente selêucida se encontrar dentro do
desfiladeiro, Judas, à frente da quarta força, encerrou a entrada a
norte. As tropas selêucidas estavam completamente encurraladas,
combatendo em condições para as quais nunca tinham sido
preparadas.

Foram totalmente aniquiladas, e todas as suas armas e


equipamentos caíram nas mãos dos judeus.

A vitória de Judas teve um efeito eletrizante sobra a população


judaica da Judéia. Foi aceito como líder nacional, e pôde finalmente
impor disciplina ao seu povo. Além disso, inúmeros voluntários
correram à juntar-se às suas forças.

As suas táticas haviam sido validadas, bem como a sua decisão


de ignorar os métodos de combate consagrados. Ele provara que
um povo pequeno e fraco podia lutar com êxito contra um exército
poderoso, e que a coragem pode ter mais força que um número. Na
essência, Judas demonstrara a importância de um grande princípio
da guerra – o moral. A sua abordagem ao combate, com a inerente
flexibilidade e capacidade de adaptação às circunstâncias, liberou
todo o seu talento de comandante, em total oposição ao pesado
método convencional seguido pelo inimigo. Além disso, Judas
aprendeu a grande importância de eliminar o líder adversário o mais
rapidamente possível, particularmente quando o inimigo está
comprometido com uma abordagem inflexível.

Depois da derrota das tropas de Apolônio, Judas compreendeu


que enfrentava uma situação grave da Judéia. Nenhuma conclusão
tática foi retirada da batalha, mas era óbvio que o imperador não
poderia permitir que um grupo de rebeldes despresasse a sua
autoridade de modo tão gritante. Todavia, em vez de reavaliar a
situação político-militar da Judéia, Antíoco decidiu levar a cabo uma
grande operação para restaurar a lei e a ordem na província, e
tomar medidas firmes e inequívocas contra os que se opunham às
suas forças.

A BATALHA DE BETE-HOROM

Assim, Antíoco enviou para a Judéia o general Seron, que


concebeu a sua missão de vingar a derrota de Apolônio como um
meio de aumentar a sua reputação militar em uma campanha fácil
contra um grupo de guerrilheiros ligeiramente armados. Partiu no
princípio de 165 a.C., marchando para sul, para a Judéia. Para não
cair na armadilha que provocara a ruína de Apolônio, decidiu
avançar pela estrada costeira, que garante uma aproximação
segura.

Ao chegar a área de Jafa, Seron virou-se para o interior,


avançando para leste. Passou pelo local onde se situa atualmente o
aeroporto de Lode, e chegou às terras baixas da Judéia. As suas
forças encontravam-se agora a cerca de 25 km (um dia de marcha)
de Jerusalém e da guarnição selêucida mais próxima.

O seu plano era juntar-se à guarnição selêucida mais próxima. O


seu plano era juntar-se à guarnição e depois, fazendo de Jerusalém
a sua base, percorrer a Judéia em uma expedição punitiva que
destruiria a revolta dos macabeus e esmagaria toda a resistência
judaica.

Segundo 1 Macabeus 3:16, Seron dirigiu-se ao passo de Bete-


Horom. Este passo, que constitui um caminho secundário para
Jerusalém, foi conquistado pela 90º Divisão britânica quando o
general Allemby avançou sobre os turcos, que se encontravam em
Jerusalém, em 1917. Também foi o caminho escolhido pelas forças
israelitas para marcharem sobre Jerusalém durante a Guerra dos
Seis Dias, em 1967, de modo a avançarem para a Cidade Velha a
partir do Norte.

Judas encontrava-se em grande inferioridade numérica. As forças


de Seron eram aproximadamente o dobro das de Apolônio,
nomeadamente uma falange da guarda composta por quatro
quiliarquias cerca de 4000 soldados, enquanto que Judas dispunha
de aproximadamente 1000 homens. De fato, 1 Macabeus descreve
a atmosfera de apreensão com a qual as forças judaicas,
entrincheiradas nas montanhas da Judéia, observaram a
proximação das tropas selêucidas pelo vale de Aialon, e como
Judas recordou vivamente aos seus homens que combatiam pelos
seus lares, pelas suas famílias e pela sua fé em Deus.[Nota 317]

Judas decidiu novamente emboscar o inimigo em um terreno que


neutralizasse a sua vantagem em organização, número e
armamento. A subida para o passo de Bete-Horom percorre um
longo desfiladeiro dominado, em ambos os lados, por encostas
abruptas.

Judas voltaria a selar a saída do passo, e depois atacaria os


flancos da coluna.

Desta vez, o general selêucida, Seron, cavalgava à frente das


suas tropas.

Para Judas, a eliminação do comandante inimigo logo na primeira


fase da batalha constituía uma missão primária, devido ao efeito que
teria sobre a moral das tropas adversárias. Segundo Josefo, o
historiador judaico, as ordens de Judas aos seus homens foram:
“independentemente do número do inimigo, que é poderoso,
avançaremos juntos e chegaremos a Seron”.
31. Batalha de Bete-horom

1. As tropas de Seron avançam pelas montanhas da Judéia.

2. O exército de Judas desce das montanhas de Gofna para


atacar os Selêucias.

3. Batalha de Bete-Horom.

Ao contrário do que fizeram as tropas de Apolônio, Judas não


poderia esperar encurralar a totalidade das forças selêucidas, pois
estas entraram nas montanhas deixando grandes espaços entre as
suas unidades. Consequentemente, a coluna se estendia por mais
de 1,5 km. Tentar encurralá-la integralmente teria significado
dispensar o elemento surpresa – devido ao fator tempo – algo que
Judas não estava disposto a considerar.

Ao amanhecer, as forças de Seron iniciaram aquele que deveria


ser o seu último dia de marcha antes de chegarem a Jerusalém. O
sintagma da frente da primeira quiliarquia iniciou a longa e tortuosa
subida para as montanhas de Bete-Horom. O avanço era lento, pois
as tropas transportavam todo o seu equipamento e armas pesadas.
Os vigias de Judas, dissimulados entre os rochedos e nas encostas
cobertas de oliveiras, observavam silenciosamente a vagarosa
escensão das tropas selêucidas em direção ao passo de Bete-
Horom.

Desta vez, Judas, brandindo a espada que tirara de Apolônio (e


que usaria em todos os seus combates), liderava a unidade incubida
de selar o desfiladeiro. Quando a vanguarda selêucida se aproximou
do local da emboscada, os homens de Judas carregaram sobre as
forças inimigas. Abateram as fileiras da frente, imobilizadas pela
surpresa, e avançaram sobre Seron. As unidades de trás da
primeira quiliarquia avançaram, enquanto as da frente recuavam sob
o terrível ataque de Judas. Neste momento, as unidades postadas
nas encostas lançaram uma chuva de projéteis com os seus arcos e
fundas sobre os flancos inimigos, aumentando a confusão no passo,
e depois, de espada em punho, atacaram os selêucidas.

Com a quiliarquia da vanguarda dizimada e Seron morto, as


forças selêucidas romperam fileiras e fugiram. O pânico espalhou-se
e as quiliarquias seguintes deram meia volta e debandaram para a
planície costeira, deixando mais de 800 homens, o grosso da
primeira quiliarquia, mortos no campo de batalha.
Judas conduziu os seus homens em perseguição dos fugitivos,
acossando-os “pela descida de Bete-Horom até a planície”.[Nota 318]

Judas destruíra dois exércitos selêucidas e capturara uma grande


quantidade de equipamento, ao qual deu bom uso armando as suas
tropas. Reforçara o seu prestígio aos olhos da população e
conseguira criar um exército estimado em 6000 homens. Utilizara ao
máximo os princípios da surpresa e da moral, ditara a escolha do
campo de batalha e atacara primeiro o comando inimigo. Agora,
chefiava uma força bem treinada, encorajada pelo sabor da vitória,
fortalecida pela experiência de combate adquirida contra uma
esmagadora superioridade inimiga, e confiante devido à certeza do
apoio maciço da população.

A BATALHA DE EMAÚS

Tornara-se finalmente claro a Antígono que as suas forças na


província da Judéia enfrentavam uma grande rebelião. O imperador
estava prestes a partir em campanha contra elementos rebeldes na
parte oriental do Império Selêucida quando lhe chegou a notícia da
derrota de Seron. Antíoco compreendeu a gravidade da situação na
Judéia, ainda por cima quando se preparava para iniciar uma
campanha que garantiria receitas adicionais para os seus cofres,
quase vazios. Consequentemente, até ao seu regresso nomeou
Lísias, um membro da família real, como seu vice-rei e guardião de
Antíoco, seu filho (posteriormente Antíoco V Eupator). Sem
alternativas, viu-se obrigado a transferir uma parte considerável das
forças destinadas à sua campanha para Lísias, para operações
contra a Judéia.
32. Batalha de Emaús (primeira fase)

1. As forças selêucidas avançam e acampam em Emaús.

2. Judas reúne o seu exército em Mispá.

3. Informado da paragem dos selêucidas em Emaús, Judas


posta-se com as suas tropas a sudeste de Emaús.

4. Górgias decide surpreender o acampamento israelita através


de um ataque noturno.

5. Alertado, Judas manda acender fogueiras no acampamento e


depois retira, deixando apenas uma retaguarda de 200 homens.
As ordens de Antíoco a Lísias foram para destruir as forças de
Judas recorrendo a todo e qualquer meio ao seu dispor, e “destruir e
aniquilar o poderio de Israel e do resto da Judéia,[Nota 319] até apagar
dali a sua memória, e instalar os estrangeiros em todos os seus
confins, distrinuindo-lhes a terra...” (1Mac 3:35-36). Lísias escolheu
três generais para liderarem a expedição contra a Judéia: Ptolomeu,
Nicanor e Górgias. Sob o seu comando, na primavera de 165 a.C., a
força expedicionária selêucida seguiu ao longo da costa e chegou a
Emaús, onde foi estabelecido um grande acampamento base. Desta
vez, era óbvio que não iriam deixar-se atrair para as montanhas da
Judéia para serem encurralados, como acontecera às duas
expedições anteriores.

O acampamento de Emaús (atual Imwas, adjacente à aldeia de


Latrum) localizava-se nas vertentes superiores ao vale de Aialon,
em uma posição escolhida para garantir as posições topográficas
requeridas pela forma de combater das forças selêucidas. Os
efetivos selêucidas empenhados nesta campanha são
contabilizados, em 1 Macabeus, em 40.000 infantes e 7.000
cavaleiros, enquanto que 2 Macabeus conta cerca de 20.000
homens (este número é geralmente tido como o mais aceitável). O
plano selêucida era organizar operações contra Jerusalém a partir
do acampamento base, contando, sem dúvida, com o apoio da
guarnição de Jerusalém, e depois estender progressivamente as
operações a toda a província da Judéia.

Entretanto, Judas tirara partido da sua vitória em Bete-Horom


para preparar os seus homens para enfrentarem a nova força
expedicionária, composta por cerca de metade do total de efetivos
do exército selêucida. Judas intensificou a campanha de
recrutamento, constituindo uma força de aproximadamente 6.000
homens, e começou a organizar o seu exército em subunidades
notavelmente similares às utilizadas pelos exércitos modernos.
Dividiu as suas forças em unidades equivalentes a batalhões,
numerando 1.000 homens cada uma. Por sua vez, estas foram
subdivididas em unidades do tipo companhia, com 100 efetivos.
Depois, cada uma destas unidades foi novamente dividida em
unidades do tipo pelotão, com 50 homens, e os pelotões foram
divididos em cinco unidades do tipo seção, cada uma com 10
soldados.[Nota 320]

Tão confiantes estavam os selêucidas na vitória (haviam-se-lhes


juntado reforços provenientes da Iduméia,[Nota 321] na fronteira sul da
Judéia e na planície costeira), que os seus comandantes
convidaram um grande número de gente que tinha por hábito seguir
os exércitos e muitos negociantes de escravos e juntaram-se às
tropas em Emaús. Segundo 2 Macabeus 8:11, Nicanor ofereceu
escravos judaicos às cidades do litoral, “comprometendo-se a
vendê-los a noventa por talento”. [Nota 322] Na expectativa de um
lucro considerável, os negociantes de escravos compraram grandes
quantidades de ouro e prata, e também grilhetas.
33. Batalha de Emaús (segunda fase)

1. Górgias, acreditando estar na presença de todo o exército


israelita, ataca o acampamento. A retaguarda israelita retira
pelo vale principal, na direção de Jerusalém. Górgias dá início à
perseguição, mas é flagelado por estas tropas.

2. Entretanto, Judas prepara-se para atacar o acampamento


selêucida e envia uma força de 1.500

homens para norte de Emaús. Em seguida, ataca as falanges a


partir do sudoeste.

3. Os 1.500 homens atacam o acampamento selêucida a partir


do norte.
4. Os selêucidas fogem para a costa.

5. O exército de Górgias regressa ao acampamento mas, ao ver


a debandada, também foge para o litoral.

Judas preparou as suas tropas dividindo-as em quatro grupos de


1.500 homens. Cada um dos primeiros três grupos era comandado
por um dos seus irmãos – Simão, Joanan[Nota 323] e Jônatas -, e ele
assumiu o comando da quarta unidade. Reuniu o exército em Mispá,
a cerca de 7,5 km a noroeste de Jerusalém, Mispá, a cerca de 7,5
km a noroeste de Jerusalém, na estrada para Bete-Horom.

Consolidou as suas forças e dedicou algum tempo a levantar-lhes


a moral pois estavam novamente em grande inferioridade numérica.
Ao dirigir-se às suas tropas, Judas sublinhou a ligação que tinham
ao passado e emitiu ordens de acordo com o espírito bíblico: por
exemplo, seguindo a lei bíblica, libertou do serviço os recém-
casados ou os que haviam construído uma nova casa.[Nota 324]

Em Mispá, Judas estava bem situado para cobrir qualquer


aproximação das forças inimigas à Judéia, pois os relatórios das
suas patrulhas haviam-lhe deixado bem claro que os seus
adversários estavam baseados em Emaús. Consequentemente,
Judas deslocou as suas forças para sudeste de Emaús,
concentrando-se nas colinas por cima da moderna Latrun.

Os dois acampamentos estavam agora claramente à vista um do


outro, e as forças selêucidas eram mantidas sob constante
observação. Desta vez, Judas decidiu deixar a iniciativa para o
inimigo, pois a sua intensa atividade de patrulhamento e
preparativos indicava um ataque ao acampamento judaico.
Górgias decidiu imitar as táticas anteriormente utilizadas por
Judas. O seu plano entra entrar com um contingente nas montanhas
da Judéia, protegido pela escuridão, surpreender o acampamento
judaico e destruir as forças de Judas. Partiu naturalmente do
princípio de que Judas não estaria à espera de um ataque noturno
por parte dos selêucidas, que não estavam habituados a combater
de noite. Assim, Górgias subiu às montanhas à frente de 5.000
infantes e 1.000 cavaleiros.

Judas estava obviamente bem informado destes planos quando


preparou o seu contra-ataque. Decidiu empregar uma estratégia
para levar as tropas de Górgias a internarem-se profundamente nas
montanhas da Judéia, afastando-se do grosso das forças
selêucidas. Primeiro, mandou acender um grande número de
fogueiras no seu acampamento, para sugerir a presença de uma
grande concentração de tropas. Mas depois, amparado pela noite,
Judas retirou as suas forças do acampamento, deixando-o ocupado
por uma pequena retaguarda de 200 homens.

Quando as tropas de Górgias atacaram o acampamento,


descobriram, para sua surpresa, que estava vazio, mas viram a
retaguarda a retirar – tal como se pretendia. Julgando tratar-se das
forças principais, Górgias lançou-se em perseguição da retaguarda,
que recuou para o vale principal que conduzia a Jerusalém, hoje
conhecido por Shaar Hagai (Bal el-Wad). Quando as forças de
Górgias começaram a avançar pelo desfiladeiro, foram atacadas por
unidades que Judas havia colocado no local.

Tinham ficado no acampamento inimigo, em Emaús, 15.000


infantes e 3.000 cavaleiros. Judas preparou-se para o atacar de
surpresa e tomá-lo de ataque. Enviou 1.500 homens para uma área
a norte do acampamento selêucida, os quais deveriam entrar em
ação depois de Judas iniciar o ataque principal com o grosso das
tropas. Ao amanhecer, à frente de 3.000 homens, Judas avançou
sobre o acampamento inimigo. Contudo, ficou surpreso ao descobrir
que o inimigo fora alertado e formara para o combate em falange, na
planície em frente do acampamento.

Judas já não podia seguir o seu plano de atacar o acampamento,


pois tinha que lidar com as forças selêucidas que o confrontavam.
Perdera-se o elemento surpresa e, pela primeira vez nas guerras
dos Macabeus, Judas enfrentava uma falange organizada e era
obrigado a travar um tipo de combate para o qual as suas forças
não estavam particularmente treinadas. Mas mesmo assim ele
surpreendeu o inimigo – pelo menos taticamente -, pois seguir o
padrão consagrado de um confronto militar ter-se-ia revelado
desastroso para as forças judaicas. Judas voltou a revelar uma
flexibilidade de pensamento invulgar nos chefes militares de então.
Avaliou a situação e adaptou-lhe imediatamente os seus
movimentos.

A falange inimiga estava virada para sul, as forças de Judas


encontravam-se a oeste do inimigo. Judas decidiu não atacar a
falange frontalmente – o movimento que seria de esperar -, mas sim
o seu flanco ocidental, onde a falange estava protegida por cavalaria
ligeira, para tentar rompê-lo. Judas dividiu as suas forças em três
grupos de 1.000 homens cada. Uma destas subunidades atacou a
cavalaria, e as outras duas se desviaram até ao flanco inimigo e
começaram a penetrar nas fileiras da falanges em pequenos grupos.
Treinada para combater de frente, em um embate direto, a falange
começou a desintegrar-se à medida que as suas fileiras se foram
envolvendo em uma disputa corpo a corpo.
Neste momento, o grupo de 1.500 homens que se encontrava a
norte – desconhecendo o combate de Judas contra a falange e
supondo que as suas forças haviam atacado o acampamento de
Emaús, que ainda continha cerca de 10.000 infantes e 2.000
cavaleiros – atacou o acampamento inimigo. As tropas que se
encontravam no acampamento não estavam preparadas para o
combate, pois haviam partido do princípio de que as forças de
Górgias, operando nas montanhas, a sul, tinham dado conta de
relativamente pequena força judaica, e sentiam-se seguras por
saberem que o acesso ao acampamento estava protegido por uma
falange. As forças judaicas penetraram no acampamento, atacando
os seus surpresos ocupantes. Judas conseguira fragmentar as
forças selêucidas.

Górgias, com 6.000 homens perseguia um inimigo esquivo pelas


montahas; as tropas de Judas tinham caído sobre o flanco da
falange e batiam-se corpo a corpo; as forças comandadas pelos
seus irmãos combatiam contra os surpresos ocupantes do
acampamento.

A falange rompeu fileiras e fugiu em direção ao acampamento,


onde reinava um pandemônio. Cavalos e elefantes misturaram-se
com os combatentes, o pânico espalhou-se e o grande número de
negociantes de escravos e civis começou a fugir. Os soldados de
Nicanor deram meia volta e fugiram para a costa. Foram mortos
cerca de 3.000. A esta altura, Judas revelou-se novamente um
comandante de exceção, sempre no controle da batalha, pois
interrompeu a perseguição e emitiu ordens proibindo quaisquer
pilhagens. Judas sabia que ainda teria que enfrentar Górgias, pelo
que concentrou as suas forças em Emaús e incendiou o
acampamento inimigo.
Pouco depois, Górgias foi informado de que o seu acampamento
base estava em chamas. Regressou a toda pressa com as suas
forças, que estavam a ser flageladas pelas tropas ligeiras judaicas
nas montanhas. Mas quando a cena que se desenrolava no vale se
revelou aos homens de Górgias, também eles foram tomados de
pânico e fugiram para a costa, desta vez perseguidos pelas forças
de Judas.

A derrota de Emaús constituiu um gravíssimo revés para Antíoco,


prejudicando efetivamente toda a sua campanha nas provícias
orientais do império.

De fato, a própria existência da dinastia selêucida estava


ameaçada, pois a derrota viria a ter sérias consequências. Quanto a
Judas, voltara a ganhar tempo e controlava agora toda a Judéia,
com a exceção da guarnição selêucida em Jerusalém (a qual, para
todos os efeitos, se encontrava isolada). Fora destruído outro
grande exército selêucida, e quantidades consideráveis de armas e
equipamentos, bem como muitas riquezas e valiosos despojos,
haviam caído nas mãos de Judas. Consequentemente, Judas pôde
equipar o seu exército, que numerava agora cerca de 10.000
homens
Reconstrução de uma balista helenística (palintonon), um
exemplo da artilharia do período dos macabeus.

Notas do Capítulo 12

Nota 314 - Acerca da extensão da diáspora, ver ESTRABÃO, Hist. Hypomnemata apud
Josephus, Antiquitates XIV, pp. 114-118. Sobre o serviço militar como causa importante da
extensão da diáspora, ver HENGEL, M., Judentum und Hellenismus, Tübingen, 1973, pp.
27-31. [Voltar]

Nota 315 - Embora o tesouro do Templo de Jerusalém tivesse sido pilhado por ordem de
Seleuco IV (187-176 a.C.) quando este teve que pagar o tributo que Roma impusera a seu
pai, Antíoco III (2 Mac 3:7 sqq.). [Voltar]

Nota 316 - A história de Antíoco e da revolta dos Macabeus é narrada nos primeiro e
segundo Livros dos Macabeus, obra de diferentes autores anônimos. As perseguições de
Antíoco são referidas no livro de Daniel, e Josefo também relata a história dos macabeus.
[Voltar]

Nota 317 - AVISAR, E., The Wars of Judah the Maccabee, Tel Aviv, 1965. [Voltar]

Nota 318 - “Mal viram o exército que vinha contra eles, os companheiros disseram a Judas:
‘Como poderemos enfrentar tamanho exército, se somos tão poucos e nos sentimos
debilitados pelo jejum de hoje?’. Mas Judas respondeu-lhes: ‘...a vitória no combate não
depende do número, mas da força que vem do céu. Esta gente vem contra nós com
impiedade e orgulho... Nós, porém, lutamos pelas nossas vidas e pelas nossas leis” (1
Macabeus 3:17-21). (N.T.) [Voltar]

Nota 319 - 1 Mac. 3:24. (N.T.) [Voltar]

Nota 320 - Na versão portuguesa lê-se “Jerusalém” em vez de “Judéia”, o que não faz
sentido. (N.T.) [Voltar]

Nota 321 - Seguindo a organização atribuída pela Bíblia a Moisés (ver cap. 1), e também
utilizada por Davi (ver cap. 5). [Voltar]

Nota 322 - Ou Edom. (N.T.) [Voltar]

Nota 323 - O talento equivalia a 36 kg de prata. (N.T.) [Voltar]

Nota 324 - José na versão portuguesa. (N.T.) [Voltar]


CAPÍTULO 13

DA LIBERDADE À INDEPENDÊNCIA

A BATALHA DE BETE-ZUR

Os selêucidas não demoraram muito para prepararem-se para dar


início à derrota. O próprio Lísias partiu de Antioquia à frente de uma
força determinada a pôr repressão, de uma vez por todas, à
humilhante situação provocada pelas sucessivas derrotas infligidas
pelos macabeus aos poderosos exércitos selêucidas. Desta vez,
Lísias avançou sobre Jerusalém para se juntar à guarnição da Acra.
Depois de se instalar nesta fortaleza, o seu plano era percorrer a
Judéia, montar expedições punitivas e esmagar finalmente as forças
judaicas.

Lísias conduziu seu exército pelo caminho tradicional, através da


planície costeira, mas não entrou nas montanhas da Judéia pelas
estradas anteriormente seguidas pelas forças selêucidas, onde as
tropas de Judas se haviam emboscado. Em vez disso, passou ao
lado da Judéia, marchando para sul, ao longo da costa, até a região
de Ascalão, depois virou para o interior, em direção a Marisa
(Marecha), e daí para Hebron. O seu caminho atravessou território
amigável para os selêucidas. A última parte foi a terra dos idumeus,
que eram hostis aos judeus e simpatizantes dos monarcas
helenísticos. As suas forças continuaram depois para norte, até
Bete-Zur, uma fortaleza fronteiriça judaica a cerca de 9 km de
Hebron, onde acamparam.
O exército de Lísias foi estimado em 20.000 infantes e 4.000
cavaleiros, um número de efetivos semelhante ao que Judas
enfrentara em Emaús. Em Bete-Zur, Lísias tinha pela frente uma
força judaica de 10.000 homens. Judas seguira de perto a marcha
do exército de Lísias, acompanhando-o à distância quando ele
começara finalmente a avançar de sul para norte. Judas
compreendeu que não poderia esperar fragmentar as forças
inimigas, tal como fizera quando enfrentara Nicanor e Górgias.

34. Batalha de Bete-Zur


1. Lísias aproxima-se da Judéia a partir de oeste, pela fortaleza
de Marisa, evitando o difícil e perigoso terreno das montanhas
da Judéia.

2. As forças de Judas avançam ao encontro de Lísias.

3. Os selêucidas são emboscados em Bete-Zur.

4. As tropas de Lísias fogem para Hebron.

5. Judas parte para Jerusalém, onde o Templo é dedicado.

Um ataque frontal às tropas de Lísias acarretaria muitos perigos


por causa do poder relativo das forças em presença.
Consequentemente, Judas conseguiu aproveitar ao máximo o
terreno na estrada que seguia para norte, para Jerusalém e
escolheu uma zona onde poderia enfrentar a falange selêucida –
não formada para o combate mas sim marchando em colunas,
extremamente vulnerável a um ataque.

Judas procurou um setor cuja natureza topográfica pudesse ser


explorada para anular a superioridade numérica do inimigo, e
decidiu-se por uma área à norte de Bete-Zur, provavelmente nas
cerranias da atual Hirbet Bete-Eiran.

A estrada para norte atravessava terreno elevado, rasgado em


muitos pontos por ravinas e wadis que proporcionavam uma
excelente cobertura para tropas emboscadas. Ao mesmo tempo, a
própria estrada, muito estreita, confinava as forças em marcha e
impedia-as de formarem para o combate.

Judas dividiu as suas tropas em quatro agrupamentos; o primeiro


consistia de 3000 homens, o segundo e o terceiro de 1.000 cada
um, e o quarto de 5.000.

Ele estimou que, não obstante a difícil natureza no terreno, Lísias


estaria em posição de concentrar até 10.000 efetivos em
determinados setores. Por este motivo, Judas manteve em reserva
o quarto grupo, de 5.000 homens, pronto a intervir e decidir a sorte
da contenda.

As forças selêucidas avançaram para norte em coluna de marcha.


Ao desembocarem de um longo desfiladeiro, o primeiro contingente
de Judas emergiu da ravina onde estivera emboscado e lançou um
ataque de surpresa sobre o flanco esquerdo inimigo. A unidade
selêucida da vanguarda foi severamente atingida, e a primeira
falange foi lançada na maior confusão enquanto a primeira formação
de Judas se abria em leque e atacava as unidades inimigas
seguintes de ambos os lados do barranco. As segunda e terceira
formações de Judas começaram a avançar, em uma frente de cerca
de 750 m de largura.

À medida que as unidades da primeira falange iam sendo


derrotadas, o pânico espalhou-se às falanges seguintes ao
descobrirem que estavam encurraladas em um barranco com as
forças de Judas postadas nas encostas de ambos os lados. As
tropas de Lísias incluíam um grande número de recrutas
inexperientes, e as suas unidades da vanguarda não demoraram
muito para escaparem rapidamente. Os fugitivos chegaram ao
acampamento base, no qual se encontravam ainda cerca de 8.000
soldados. Fora para os combater que Judas guardara a sua reserva
de 5.000 homens, mas as tropas inimigas entraram em pânico e
fugiram do acampamento antes da reserva atacar.
Judas optou por não perseguir as forças de Lísias, que fugiram
para Hebrom, porque apesar do seu sucesso não quis deixar-se
atrair para território hostil. Lísias, desencorajado pela medíocre
capacidade de combate dos seus mercenários, regressou a
Antioquía. O seu exército for a estrondosamente derrotado,
perdendo aproximadamente 5.000 homens. Porém, a sua retirada,
sem tentar sequer dar luta, deveu-se primeiramente a razões
políticas e não a uma fraqueza militar. Lísias sabia obviamente que
para combater Judas necessitaria de um exército maior, mas estava
principalmente preocupado com os crescentes problemas internos e
uma nova luta pelo poder no seio do Império Selêucida. Quanto a
Judas, embora tivesse alcançado mais uma vez uma vitória
brilhante, não tinham quaisquer ilusões acerca do verdadeiro motivo
da rápida retirada de Lísias.

A REDEDICAÇÃO DO TEMPLO

A Batalha de Bete-Zur foi a derrota mais grave que o exército


selêucida – liderado pelo vice-rei em pessoa e gozando de
considerável superioridade em homens e armamento – sofrera às
mãos dos macabeus. Judas considerou que ganhara algum tempo e
tranquilidade, que o princípio selêucida diminuíra e que o império se
encontrava em uma situação interna muito instável e precária.

Assim, concluiu que estava a vencer o combate – pelo menos


temporariamente -, e que as forças selêucidas demorariam algum
tempo até regressarem à Judéia.

Os macabeus haviam garantido a liberdade religiosa do seu povo,


e os pensamentos de Judas viraram-se para a conquista da
liberdade política. O seu primeiro passo nesta direção seria
deslocar-se a Jerusalém, dedicar novamente o Templo e afirmar,
perante toda a nação judaica, a conquista da liberdade religiosa.

Em Jerusalém, Judas decidiu adiar o ataque à Acra, a formidável


fortaleza selêucida frente ao Monte do Templo. Ao chegarem perto
do Templo, as forças de Judas eram atacadas pela guarnição
selêucida. Os homens de Judas contiveram o inimigo enquanto os
judeus entraram no Templo, removeram todas as profaneidades,
construíram um novo altar, restauraram o interior do Templo e
dedicaram-no. No vigésimo quinto dia de Quisleu (o nono mês do
calendário judaico), no ano de 164 a.C., o Templo foi dedicado. O
Talmude relata a história do milagre que se seguiu. Descoberto no
Templo, um único cântaro de azeite puro, suficiente para um dia,
ardeu no candelabro durante oito dias. Este acontecimento é
comemorado no festival judaico do Hanukkah.

AS EXPEDIÇÕES DE SOCORRO

A emergência do nacionalismo judaico e a sua expressão na


província da Judéia, que os macabeus controlavam militarmente,
provocou uma reação em todas as regiões adjacentes. As forças
pró-helenísticas, incapazes de fazerem frente aos macabeus no
campo de batalha, descarregaram a sua fúria sobre as comunidades
judaicas espalhadas pela região, do outro lado do rio Jordão e na
Galiléia. Na tentativa de demonstrarem a vulnerabilidade dos
judeus, perseguiram as comunidades locais, julgando que poderiam
agir impunemente.
Chegaram apelos urgentes da Galiléia, informando que
“coligaram-se contra nós as nações de Ptolomais [Acre], de Sídon,
de Tiro... para nos aniquilar”.[Nota 325] As potências locais haviam
atacado os Judeus em Gileade, do outro lado do Jordão, e
chegaram pedidos desesperados de auxílio de Datema, uma
fortaleza a cerca de 30 km a leste do Mar da Galiléia (na atual
fronteira entre a Síria e a Jordânia), informando Judas de que um
exército comandado por Timóteo[Nota 326] sitiava a cidade fortificada,
e de que as perdas das comunidades judaicas eram muito elevadas.
35 as expedições de socorro de Judas e simão
1. Forças de tiro e Sidon juntam-se as de Ptolomais para
perseguirem as comunidades locais israelitas.

2a. Informado da situação, Judas envia o seu irmão Simão para


a Galiléia.

2b Apelos semelhantes provenientes de Gileade levam Judas e


Jônatas a avançar pela Transjordânia.

3a Simão derrota os aliados fenícios e salva os Judeus da


Galiléia.

3b. As forças de Judas socorrem Bosra.

4a. Simão regressa à Judéia com os Judeus que salvou.

4b. Judas socorre Bosor, Alema, Maqued, Casfo e Carnaim.

5. Judas derrota Timóteo em Datema.

6. Fracasso do contra-ataque de Timóteo em Rafon.

7. Atravessando território hostil, Judas regressa à Judéia com


os Judeus que salvou.

8. Judas realiza expedições punitivas contra Jafa e contra os


Idumeus.

Judas compreendeu que a sua reação a esta nova situação seria


um teste a sua capacidade para liderar a luta pela independência
religiosa e nacional. Decidiu que nesta camapanha para salvar os
judeus dos territórios circundantes, as suas tropas operariam como
um exército de guerrilha, evitando sobrecarregar-se com
equipamento pesado e trens de aprovisionamento. E Judas também
compreendeu que a sua comprovada capacidade de manter tropas
na Judéia enquanto operava além das fronteiras causaria o efeito
desejado sobre todas as potências que observavam a luta na Judéia
e nos territórios vizinhos – principalmente o Império Romano, que
demonstrava um interesse cada vez maior sobre o que se passava
nas esferas de influência selêucida e ptolomaica.

Judas enviou o seu irmão Simão para a Galiléia, em uma


expedição de socorro com 3.000 homens, e ele e o seu irmão
Jônatas, à frente de 8.000 soldados, atravessaram o Jordão e
entraram no deserto transjordano, dirigindo-se à Gileade. O
contingente de Simão, sem ser incomodado pelas tropas selêucidas,
derrotou as forças locais e salvou os judeus da Galiléia,
regressando triunfal-mente com eles à Judéia. Entretanto, Judas
chegou a Gileade, onde as comunidades judaicas se encontravam
prisioneiras em praças-fortes como Bosra, Bosor, Alema, Casfo,
Maqued e Carnaim. Estas cidades, no Norte de Gileade,
concentravam-se primeiramente a este e sudeste dos atuais Montes
Golan.

Judas iniciou a sua campanha com um ataque a Bosra, situada a


cerca de 90 km a nordeste de Filadélfia (hoje Amã). Travou a sua
campanha cuidadosamente, de cidade em cidade, até que chegou a
Datema. Era o principal centro de resistência judaico, pelo que
estava sob ataque das forças de Timóteo.

Aproximando-se da cidade a partir de uma direção inesperada,


Judas chegou ao amanhecer, dando com o inimigo a escalar as
muralhas e fortificações de Datema. A situação dos judeus parecia
desesperada, mas Judas lançou subitamente o seu ataque,
surpreendendo a retaguarda das forças sitiantes, que foram
derrotadas. A cidade foi salva e o exército de Timóteo fugiu. Timóteo
tentou contra-atacar em Rafon, a 30 km a noroeste de Datema, mas
Judas venceu novamente as suas forças e saqueou a cidade.
Depois, reuniu todos os judeus de Gileade e, abrindo caminho por
território hostil, conduziu-os ilesos à Judéia.

Depois da sua campanha na Transjordânia, Judas finalizou várias


expedições punitivas contra os Idumeus (cujo território for a
atravessado por Lísias a caminho de Bete-Zur) e contra Jafa, onde
incendiou o porto e todas as embarcações que lá se encontravam
em represália pelo extermínio, por afogamento, da pequena
comunidade judaica da cidade. Judas afirmara-se como líder de
uma força militar a ter em conta, não só na Judéia, mas em toda a
área circundante. Também detinha o controle absoluto da Judéia
(com a exceção da Acra), e as fronteiras estavam relativamente
seguras. Agora, judas podia começar a orientar o seu povo para o
conceito de independência nacional.

Entretanto, a fortuna do Império selêucida estava muito inferior.


Antes da sua morte, Antíoco IV nomeara Filipe regente do império
até Antíoco Eupator atingir a maioridade. Mas em vez de garantir a
estabilidade, este seu ato final preceptou uma luta pelo poder entre
Filipe e Lísias, ao qual for a anteriormente confiada a guarda do filho
de Antíoco. Judas decidiu explorar esta situação – que prejudicava
obviamente as forças selêucidas – e atacar a Acra e os Judeus
helenistas de Jerusalém. Auxiliado pelo equipamento de cerco que
capturara, lançou-se ao ataque da cidadela.

Tornara-se óbvio a Judas que ele não poderia aderir


indefinidamente na existência de uma fortaleza selêucida no
coração de Jerusalém. A Acra assinalava aos Judeus que a área
não era inteiramente livre, e recordava aos governantes de
Antioquia que a sua guarnição imperial tinha que ser mantida e
reforçada.

Judas atacou a fortaleza no princípio de 162 a.C., mas as suas


tropas foram repelidas e o ataque fracassou. Consequentemente,
Judas sitiou a Acra. A guarnição rapidamente enviou emissários a
Antioquia, que imploraram o auxílio de Lísias. Influenciado pelo seu
desejo de se vingar de Judas, Lísias decidiu arriscar um possível
regresso de Antioquia à posse de Filipe, o seu rival, então em
campanha nas fronteiras orientais do império, e partiu para a Judéia
para montar uma nova ofensiva contra Judas.

Pela primeira vez, Judas enganara-se gravemente na sua análise


militar e política. Apostara na hipótese de Lísias permanecer em
Antioquia devido à luta pela coroa selêucida. Mas Lísias partira para
a Judéia acompanhado pelo jovem Antíoco V Eupator e levando
consigo uma unidade de elefantes de guerra – desrespeitando um
tratado com os Romanos, pelo qual os selêucidas tinham
renunciado à utilização de elefantes na guerra. Lísias decidira
arriscar a fúria dos romanos na esperança de que os elefantes, que
os macabeus nunca tinham enfrentado, se revelassem o fator
decisivo e provocassem a rápida derrota dos macabeus.

À frente de mais de 30.000 homens, cerca de trinta elefantes,


cavalaria e carros, Lísias seguiu o mesmo caminho pelo qual,
alguns anos antes, se aproximara de Jerusalém a partir do Sul. Ao
chegar a Bete-Zur, sitiou a cidade, obrigando Judas a levantar o seu
cerco à Acra para fazer frente à esta ameaça.

Depois de analisar as opções ao seu dispor, Judas terá chegado à


conclusão de que desta vez a única tática viável era enfrentar os
selêucidas em uma batalha convencional, já que o inimigo estaria à
espera de todos os tipos de estratégia menos da tradicional. Assim,
deixou a guarnição de Bete-Zur entregue a si própria e decidiu
enfrentar o inimigo em Bete-Zacarias, a cerca de 9 km a norte de
Bete-Zur e a 18 km de Jerusalém.

A guarnição de Bete-Zur acabou por capitular. Entretanto, as


tropas de Judas tomaram posição no terreno elevado de Bete-
Zacarias for a calculada para instilar o medo no coração dos
inimigos. A cena é descrita em 1 Macabeus. À frente dos exércitos
seguiam os elefantes, a infantaria ligeira e a cavalaria ligeira.

Atrás marchava a infantaria pesada, pronta a formar em falanges,


com os flancos protegidos pela cavalaria pesada. Sobre cada
elefante, “montaram torres de madeira, muito firmes, guarnecidas de
máquinas, e em cada uma delas, quatro guerreiros valentes, que
combatiam em cima das torres, assim como o seu indiano. O resto
da cavalaria foi colocada à direita e à esquerda, nas duas alas do
exército, para castigar o inimigo e proteger as falanges. Quando o
sol brilhou sobre os escudos de ouro e de bronze, a montanha
resplandeceu, como que iluminada por chamas de fogo” (1
Macabeus 6:37-39).

Esta descrição deixa patente que Lísias aprendera com os seus


combates anteriores com Judas, pois desta vez garantiu o controle
do terreno elevado no flanco do seu eixo de aproximação. 1
Macabeus descreve também como parte do seu exército “espalhou-
se sobre a colina e outra sobre a planície, caminhando com
precaução e boa ordem. Os judeus ficaram espantados ao ouvirem
o ruído de tal multidão, a sua marcha, a colisão das suas armas.
Era, na verdade, um exército extremamente grande e
poderoso.”[Nota 327]

Pela primeira vez, os macabeus iriam combater em posições


defensivas.

Judas postou as suas unidades de vanguarda com a intenção de


desgastar progressivamente o inimigo. Em seguida, as falanges
seriam atacadas pelas suas forças principais, postadas mais atrás.
Quanto a Lísias, o seu plano previa que a sua vanguarda, apoiada
pelos elefantes, enfraquecesse a capacidade de combate inimigo
desgastando as primeira unidades, para depois dar lugar às
falanges, que avançariam e esmagariam o resto do exército
macabeu.

Após o terrível choque dos exércitos, os elefantes tiveram um


efeito destabilizador sobre os judeus, colocando-os em
desvantagens psicológica. Ao ver o que se passava, Eleazar, o
irmão mais novo de Judas, compreendeu que tinha que demonstrar
aos seus homens que os elefantes eram vulneráveis. Avistando um
elefante ostentando as armas reais, abriu caminho pelas tropas que
protegiam o animal, enfiou-se por debaixo dele e espetou-lhe a
espada na barriga, matando-o. Mas o elefante caiu-lhe em cima e
esmagou-o. Foi o primeiro dos irmãos macabeus a tombar em
combate. E o seu sacrifício foi em vão, pois as falanges de Lísias
avançavam cruelmente. Lendo a batalha e compreendendo que a
situação era irremediável, Judas decidiu salvar o grosso do exército.
Rompeu o contato com o inimigo e retirou com as suas forças pelas
montanhas, para Jerusalém.
36 Batalha de Bete-Zacarias

1. Exército de Lísias.
2. Judas avança ao encontro de Lísias, parando em Bete-
Zacarias.

3. Lísias conquista Bete-Zur.

4. Batalha de Bete-Zacarias: Eleazar, o macabeu, é morto por


um elefante e o exército macabeu é derrotado.

5. Judas foge para as montanhas de Gofna e lísias avança para


Jerusalém, para tomar de assalto o Monte do Templo.

A Batalha de Bete-Zacarias deixou claro para Judas o erro


inerente nas tentativas de imitar as táticas do inimigo. O exército
judaico prosseguiria a sua carreira de sucesso enquanto
permanecesse verdadeiro às suas táticas originais do tipo guerrilha,
em vez de adotar táticas para as quais o inimigo estava melhor
equipado, adaptado, organizado e treinado. O exército selêucida era
regular, pelo que podia treinar longamente para combater formado
em falanges.

O exército de Judas era uma milícia de reservistas civis,


chamados às armas quando as circunstâncias o ditavam.

Mas mesmo em retirada, Judas demonstrara a sua têmpera de


chefe de guerra. A sua maior qualidade continuava a ser a sua
capacidade de se adaptar a circunstâncias novas e fluidas no meio
do combate. Apercebendo-se do seu erro e do rumo da batalha,
Judas continuara a controlar a situação e, sem hesitar, tirara as suas
conclusões e emitira as suas ordens, por muito dolorosas que
fossem.
Após a retirada de Judas, Lísias avançou para Jerusalém, que se
encontrava completamente indefesa. Judas passara pela cidade,
fortificara o Monte do Templo e depois retirara para Gofna com o
resto das suas forças, para que pudessem prosseguir a luta.
Quando Lísias chegou a Jerusalém e atacou o Monte do Templo, as
forças que Judas deixara para trás resistiram valentemente. Os
atacantes foram repelidos e Lísias viu-se obrigado a recorrer a um
cerco.

Os macabeus prepararam-se para uma resistência prolongada.


Contudo – e Lísias não o sabia -, a sua situação era desesperada
devido à carência de alimentos e provisões. Foram literalmente
salvos no último minuto, quando chegaram a Lísias notícias de que
Filipe marchava sobre Antioquía para se apoderar do governo.
Lísias viu-se confrontado com um difícil dilema. Tinha a vitória a
vista, mas era obrigado a retirar. Consequentemente, decidiu tirar o
melhor proveiro possível da situação e ofereceu um acordo de paz
aos judeus, garantindo-lhes a liberdade de consciência e de culto.

A sua proposta encontra-se registrada em 1 Macabeus:


Estendamos a mão a esses homens e façamos paz com eles e com
toda a sua raça. Deixemo-los viver como outrora segundo as suas
próprias leis, porque foi por causa dessas leis que nós abolimos,
que eles se revoltaram e fizeram tudo isso. (1 Mac. 6:58-59).

Assim que Judas aceitou esta proposta, Lísias regressou


apressadamente a Antioquía, atacou Filipe, derrotou-o e reassumiu
a sua posição de governante do Império Selêucida.

Na Judéia, muitos judeus sentiram que tinham alcançado o seu


objetivo.
Sentiam que era chegado o tempo de regressarem a suas casas
e aos seus padrões de vida habituais, e propuseram a dissolução
das forças armadas. Mas Judas chegara à conclusão de que só
alcançando a liberdade política e a independência poderiam os
judeus da Judéia conquistar uma verdadeira liberdade religiosa. Por
este motivo, o exército tinha de se manter intacto e adotar, como
seu objetivo primário, a independência nacional. Judas acreditava
que a fraqueza do trono selêucida, as intrigas na corte de Antioquía
e a vigilância dos romanos ofereciam grandes e extraordinárias
possibilidades. Consequentemente, decidiu prosseguir a luta.
37. Batalhas de cafarsalama e adasa

1. Nicanor parte de Jerusalém para subjugar os macabeus.

2. Judas embosca e derrota Nicanor em Cafarsalama.

3. Nicanor parte ao encontro de reforços enviados da planície.

4. Os exércitos selêucidas encontram-se perto de Bete-Horom


de Cima.

5. Ao dirigirem-se para Jerusalém, as forças selêucidas


combinadas são emboscadas em Adasa.

6. Os fugitivos são acossados pelos aldeãos judaicos.

Entretanto, em 162 a.C., eclodira uma sangrenta luta pelo trono


selêucida.

Demétrio, primo de Antíoco V Eupator, então com nove anos de


idade, regressou de Roma (onde estivera como refém), conquistou o
apoio da população local e apoderou-se do poder, mandando
executar Lísias e Antíoco V Eupator.

Seguidamente, Demétrio nomeou um novo sumo sacerdote para


Jerusalém, Alcimo, o qual – contrariamente às expectativas –
executou muitos hasideus[Nota 328] (judeus ortodoxos). Ao mesmo
tempo, na área de Gofna, o general selêucida Báquides, enviado
para a Judéia por Demétrio para reforçar a autoridade do novo sumo
sacerdote, matou muitos judeus suspeitos de serem simpatizantes
dos macabeus.
Este regresso a uma política de opressão incitou Judas a agir.
Juntamente com os irmãos e os seus experientes comandantes,
reativou a milícia judaica e começou a flagelar Alcimo e os seus
apoiantes helenistas. Alcimo pediu auxílio a Antioquía, e Demétrio
enviou imediatamente um contingente chefiado por Nicanor, o
general que fora derrotado por Judas em Emaús três anos antes,
para lidar com os macabeus.

Voltando às táticas de guerrilha, as forças de Judas emboscaram


Nicanor em Cafarsalama (Kfar Shalem), na estrada entre Jerusalém
e Bete-Horom, e puseram as tropas seleucidas em fuga. Nicanor
retirou para Jerusalém e ficou a aguardar a chegada de reforços de
Antioquía. Quando estes chegaram finalmente à fronteira de Judéia,
Nicanor saiu de Jerusalém e ficou a aguardar a chegada de reforços
de Antioquia. Quando estes chegaram finalmente à fronteira da
Judéia, Nicanor saiu de Jerusalém ao seu encontro, para proteger a
sua passagem pelo passo de Bete-Horom.

Judas esperou pelo momento certo, e só depois de os dois


exércitos se encontrarem e fundirem é que ele os emboscou, em
Adada, a 7,5 km a norte de Jerusalém, atacando o flanco direito. Os
selêucidas, excessivamente confiantes devido à sua força
combinada, foram apanhados de surpresa. Nicanor tombou logo no
princípio da batalla. As suas tropas entraram em pânico e, dado
terem o caminho para Jerusalém barrado pelas forças de Judas,
fugiram para a planície costeira, os aldeãos judaicos juntaram-se à
perseguição movida pelo exército de Judas, acossando as forças
selêucidas derrotadas.

Após a vitória sobre Nicanor, na primavera de 161 a.C., Judas, de


novo senhor do país, voltou a analisar a situação política do Império
Selêucida. Dada a tentativa de Timarco, sátrapa da Média e da
Babilônia, de renunciar à sua fidelidade a Demétrio, era óbvio que
este não gozava do apoio de Roma. Assim, Judas decidiu-se por
uma aproximação ao senado romano. A embaixada que enviou a
Roma teve êxito, concluindo um tratado de aliança entre Roma e a
Judéia (1 Macabeus 8:23-30). Pela primeira vez desde o Cativeiro
da Babilônia, a Judéia era considerada uma potência independente
– e pela maior potência mundial de então!

Todavia, a aliança com Roma, talvez o maior êxito político de


Judas, revelou-se ironicamente a causa imediata da sua queda.[Nota
329] Os selêucidas não estavam tão incomodados com um período

temporariamente vitorioso de guerrilha na Judéia, pois acreditavam


que, com a oportinudade certa, poderiam facilmente dominar a
situação. Mas quando a Judéia se aliou à Roma e se tornou, na
prática, protegida daquela potência imperial, a corte de Antioquía
não pôde deixar de se aperceber do enorme perigo da situação.
Além do mais, uma Judéia independente e apoiada por Roma
aumentaria a ameaça do Egito ao império selêucida, pois a nova
contelação de poder poderia dar origem a uma aliança entre os
ptolomeus de Alexandria e a Judéia, um desenvolvimento que
colocaria a Dinastia rival quase às portas dos selêucidas.

Ameaçado por este perigo iminente, Demétrio não hesitou. A sua


decisão foi reforçada por informações, provenientes da Judéia, de
que a resistência judaica enfraquecera porque já não era motivada
pelo desejo de derrubar as fontes de opressão religiosa. Ao
conceder-lhes a tolerância religiosa, Lísias, o antecessor de
Demétrio, eliminara o motivo do descontentamento dos judeus.
38. Batalha de elasa e morte de Judas

1. Báquides acampa em Beerote.

2. Judas avança para sul.

3. Batalha de Elasa: Judas é derrotado e morto. Os macabeus


fogem.

4. O corpo de Judas, retirado do campo de batalha, é sepultado


em Modin, a aldeia da família.

Assim, Demétrio poderia concentrar-se nos rebeldes macabeus e


enfraquecer a revolta judaica. De fato, a sua análise foi validada
pelos acontecimentos. Na primavera de 160 a.C., Demétrio enviou
Báquides para a Judéia, à frente de 20.000 infantes e 4.000
cavaleiros. Atravessaram a Galiléia oriental, seguindo o caminho
mais direto para Jerusalém. Tal como Demétrio corretamente
calculara, Judas não conseguiu reunir mais do que “três mil homens
escolhidos”.[Nota 330]

A ÚLTIMA BATALHA DE JUDAS

Báquides estabeleceu a sua base cerca de 13 km a norte de


Jerusalém, em uma área que hoje inclui a cidade de Ramallah.
Quando ele começou a avançar para norte, Judas moveu as suas
forças em direção a sudoeste, tentando colocar-se atrás de
Báquides e isolá-lo da sua base. Todavia, Báquides opôs-se a esta
manobra e os dois exércitos se enfrentarem em Elasa, a cerca de 9
km a leste de Bete-Horom. A visão da esmagadora superioridade
numérica do exército selêucia fez fraquejar a coragem nas fileiras de
Judas. Muitos desertaram, abandonando-o no campo de batalha
com 800 homens, e 1 Macabeus descreve como, confrontado com
uma tarefa impossível, o corajoso líder incitou desesperadamente o
seu pequeno grupo, dizendo: “Vamos marcar os inimigos e vejamos
se os conseguiremos vencer!”.[Nota 331] Os seus homens tentaram
dissuadi-

-lo de atacar, rogando-lhe que regressassem às suas antigas


táticas de guerrilha, desaparecendo nas montanhas para
combaterem em outro dia. Porém, Judas respondeu: “Deus me livre
de proceder deste modo e de fugir diante deles. Se chegou a nossa
hora, morramos corajosamente pelos nossos irmãos, mas não
manchemos a nossa honra”.[Nota 332]
Judas acreditava que se as suas forças mais leais fugissem
diante do inimigo, depois das numerosas deserções que já se
haviam verificado, isso poderia desmoralizar o povo e vir a significar
o fim do movimento de resistência judaica.

Na sua convicção, uma luta até à morte contra uma superioridade


numérica esmagadora inspiraria os seus seguidores. A sua decisão
foi um exemplo clássico do comandante que pesa o fator do moral
contra outros princípios da guerra e decide que a arma mais eficaz
que possui, num contexto político-militar, é a raça dos seus homens.

À frente dos seus 800 valentes, Judas atacou os 20.000 soldados


de Báquides. A batalha é descrita em 1 Macabeus:

...a cavalaria se dividiu em dois batalhões, os fundibulários e os


flecheiros se colocaram à frente e todos os mais valentes
postaram-se na primeira fileira. Báquides achava-se na ala
direita e, ao som das trombetas, a falange avançou dos dois
lados...

viu Judas que Báquides se encontrava à direita com a mais


forte porção de seu exército, e cercado dos mais corajosos dos
seus. Rompeu ele essa ala direita e a perseguiu... mas a ala
esquerda, vendo derrotada a direita, lançou-se atrás nas
pegadas de Judas e dos seus soldados... (1 Macabeus 9:11-
16).

Judas concentrara o seu ataque no flanco direito inimigo,


comandado por Báquides. O ataque teve êxito, mas não alcançou o
seu objetivo principal – matar o general selêucida. Quando o flanco
de Báquides rompeu a formação e fugiu, Judas e os seus homens
lançaram-se em sua perseguição. Contudo, as forças judaicas com
a missão de conterem a ala esquerda selêucida foram derrotadas, e
estas tropas inimigas deram meia volta e perseguiram as forças de
Judas, que perseguiram Báquides e o seu flanco direito. Então,
Báquides deu meia volta, renovando o combate. Judas ficou
entalado entre estas forças e os seus perseguidores da ala
esquerda inimiga. Seguiu-se um combate terrível, com muitas
baixas de ambos os lados. Judas Macabeu foi um dos que caíram.
“Todo o povo de Israel manifestou grande desolação, chorou e
guardou luto durante vários dias, dizendo: ‘Como sucumbiu o
valente salvador de Israel!’”[Nota 333]

Através do seu exemplo e sacrifício, Judas inspirara o seu povo


para prosseguir a luta. A liderança passou para os seus irmãos,
primeiro Jônatas[Nota 334] e depois Simão, o qual, após um combate
longo e sangrento, concretizou o sonho de Judas – a
independência. [Nota 335]

O gênio militar de Judas encontra-se bem patente nos relatos das


suas batalhas. Em todos os principais combates que travou, as suas
forças estiveram em inferioridade numérica. Na verdade, a sua
estratégia e táticas de combate foram, em grande medida, ditadas
pela desproporção de forças com a qual se viu invariavelmente
confrontado. Uma fria análise militar de batalhas de Judas faz-nos
concluir que foram resultado de seu inato gênio militar, combinado
com a bravura das suas tropas e os princípios morais que as
moviam.

Uma análise das táticas de Judas demonstra que o seu princípio


bélico essencial era o ataque – em todas as ocasiões e em todas as
circuntâncias. Ele acreditava que só uma política militar ofensiva
garantiria o sucesso contra os selêucidas, amarrados a um tipo de
guerra convencional, baseado nas inflexiveis falanges. Um segundo
princípio que guiava Judas era o de manter a iniciativa. Procurou
sempre utilizar o terreno a seu favor, nunca permitindo ao inimigo
ditar a escolha do campo de batalha.

A estratégia selêucida baseava-se em uma política que exigia a


subjugação da revolta judaica. Nesta ótica, os selêucidas tinham
que começar a procurar e descobrir o paradeiro das forças judaicas,
para depois atacarem o inimigo da única forma que conheciam,
recorrendo às táticas tradicionais baseadas na falange. Ciente desta
inflexível estratégia, Judas fez por condicionar a rota de
aproximação do inimigo e a escolha da área de combate, e pôs
brilhantemente em prática o princípio da surpresa, no qual baseou
grande parte das suas táticas.A estratégia dos macabeus exigiu um
trabalho de inteligência extremamente organizado e eficaz. Todas as
narrativas das batalhas de Judas deixam claro que ele aperfeiçoou
um esquema de inteligência militar que o serviu bem. Na verdade,
sem uma rede de informações eficiente, os princípios da guerra nos
quais ele assentava as suas iniciativas teriam-se revelado
ineficazes. Judas também beneficiou o fato de as forças selêucidas
evitarem deslocar-se de noite.

Compreendeu que aproveitando a escuridão poderia anular a


superioridade numérica do inimigo, mantendo simultaneamente um
maior grau de iniciativa.

Mas o que melhor serviu Judas foi a sua flexibilidade de


pensamento e abordagem. Os selêucidas nunca conseguiram
aprender esta lição nos seus confrontos contra os macabeus. Por
exemplo, continuaram a utilizar forças de cavalaria, embora estas
nunca fossem muito eficazes nas montanhas e vales da Judéia.
Enquanto Judas se aproveitou dos rígidos métodos de guerra
adotados pelo inimigo, saiu vitorioso. Todavia, à medida que o seu
exército foi aumentando e adquiriu armas modernas e sofisticadas,
ele tendeu a copiar as táticas inimigas.

Isto revelou-se a sua ruína em Bete-Zacarias, embora ele tenha


conseguido salvar as suas forças quando parecia iminente um
desastre. As tropas selêucidas mantiveram os seus efetivos, mas as
forças judaicas, que haviam atingido um pico de 15.000 homens,
começaram a decrescer a medida que as suas fileiras iam sendo
desgastadas pelas divergências políticas internas. Na sua última
batalha, Judas teve apenas 800 homens ao seu lado. Porém, fiel até
o fim ao princípio da moral, ele insistiu em entrar no combate em
esmagadora inferioridade numérica, ignorando a opção de uma
retirada.

O destino de Judas for a erguer o seu povo, forjar a nação e


preparar-se para implementar o seu sonho de independência. Pela
primeira vez na história, Judas liderou uma nação em um combate
pela liberdade religiosa. Foi um guerreiro, um herói, um general e
um líder nacional em tempos de grande tragédias e circunstâncias
extremas. Em Judas, a grandeza e coragem do espírito
combinaram-se com uma capacidade invulgarmente prática para a
ação e uma liderança do mais alto calibre. Foi um dos grandes
capitães da história.

Notas do Capítulo 13

Nota 325 - E não só; também disse aos que “tinham plantado uma vinha e aos tímidos que
voltassem cada um para sua casa, conforme a prescrição da lei”. (N.T.) [Voltar]

Nota 326 - 1 Mac. 5:15. (N.T.) [Voltar]


Nota 327 - General selêucida (N.T.) [Voltar]

Nota 328 - 1 Mac. 6:40-41. (N.T.) [Voltar]

Nota 329 - Literalmente: “pios”. Embora se opusessem totalmente a quaisquer tentativas de


helenização do judaísmo, não é provavel que tivessem pegado em armas. Os Salmos de
Salomão chamam “hassideus” aos fariseus. O nome “hassideus” pode ter dado origem aos
“essênios”, os grupos pietistas que viveram junto às costas do Mar Morto cerca de um
século mais tarde, e que se opuseram aos sucessores de Judas Macabeu, que se tinham
transformado na Dinastia Asmoneia, pró-helenização. Grupos revivalistas judaicos
posteriores, na Alemanha medieval e na Polônia e Lituânia a partir do século XVIII, também
foram chamados hassideus. [Voltar]

Nota 330 - Embora a fonte relativa a esta aliança seja o autor fortemente pró-judaico de 1
Macabeus, não existem motivos para dividar da sua existência. O acordo foi renovado
pelos sucessores de Judas, os asmoneus, mas acabou por se tornar uma fonte de conflito
na Judéia quando passou a ser apoiado apenas pelas classes altas – os governantes, os
sacerdotes e os seus ricos e influentes apoiantes, os saduceus. [Voltar]

Nota 331 - 1 Mac 9:5. (N.T.) [Voltar]

Nota 332 - 1 Mac 9:8 (N.T.) [Voltar]

Nota 333 - 1 Mac 9:10 (N.T.) [Voltar]

Nota 334 - 1 Mac 9:20-21 (N.T.) [Voltar]

Nota 335 - Jônatas foi nomeado sumo sacerdote pelo governante selêucida Alexandre
Balas. Judas nunca tentara conseguir esta nomeação porque a sua família não possuía as
qualificações hereditárias para o cargo. A nomeação de Jônatas viria a tornar-se fonte de
tensões na Judéia. [Voltar]
ABREVIATURAS

AASOR Anuário das American Schools of Oriental Research

ABD Anchor Bible Dictionary

ANET PRITCHARD, J.B. (ed.). Ancient Near Eastern Texts,


Princeton, 1955

AV Bíblia Sagrada (Versão Autorizada)

BA Biblical Archaeologist

BARBiblical Archaeology Review

BASOR Boletim das American Schools of Oriental Research

EB Enciclopédia Bíblica [em hebraico)

HJP BEN SASSON,H. (ed.), A History of the Jewish People I-III,


Cambridge, Massachusetts, 1976

HUCA Anuário do Hebrew Union College

IEJ Israel Exploration Journal

JNES Journal for Near Eastern Studies

JPOS Jornal da Palestine Oriental Society

JQR Jewish Quartely Review

JSOT Journal for the Study of the Old Testament


JSS Journal for Semitic Studies

LB AHARONI, Y., The Land of the Bible, Londres, 1979

MHBT LIVER, J. (ed.), the Military History of the Land of Israel in


Biblical Times, Jerusalém, 1964 (em hebraico) NEAEHL STERN, E.
et al. (eds.), New Encyclopedia of Archaeological Excavations in the
Holy Land I-IV, Jerusalém, 1993

PEQ Palestine Exploration Quartely

RB Revue Biblique

RE WISSOXA, G.. et al. (eds), Pauly’s Realenzyklopädie der


Klassiis-chen Altertumswissenschaft, Estugarda, 1893-1964

VT Vetus Testamentum Yadin YADIN, Y., The Art of Warfare in the


Biblical Lands, Londres, 1963

ZAW Zeitschrift für Alttestamentliche Wissenschaft

ZDPW Zeitschrift des Deutschen Palästina Vereins

Você também pode gostar