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Belo Horizonte-MG
2007, Vol. IX, nº 2, 153-174
Ernst A. Vargas
B. F. Skinner Foundation
Resumo
A análise de Skinner acerca do comportamento verbal requer o entendimento de suas bases ex-
perimentais e filosóficas. A sua interpretação do comportamento social conhecido como “lingua-
gem” é construída diretamente a partir da análise experimental do comportamento em contato
direto com o seu ambiente imediato, tanto interno quanto externo, e do enquadramento do con-
tato comportamental como relações de contingência. A análise das relações de contingência do
comportamento verbal, contudo, lida com propriedades de comportamento não apenas sob os
controles dinâmicos do contato direto, mas a medida que este controle é mediado pela sociedade.
Uma comunidade social constrói esta mediação moldando as ações de seus membros para pode-
rem ensinar outros membros como verbalizarem efetivamente através de formas apropriadas de
ação. Portanto, os atributos de Skinner do comportamento verbal são: 1) relacional; 2) mediacio-
nal; 3) comunal; e 4) estipulacional. Todos os quatro são componentes necessários da sua análise
de comportamento verbal, e constituem o que ele define como comportamento verbal.
Abstract
Skinner’s analysis of verbal behavior requires understanding its experimental and philosophical
underpinnings. His interpretation of the social behavior known as “language” builds directly
from the experimental analysis of behavior in direct contact with its immediate milieu, both inner
and outer, and from the framing of behavioral contact as contingency relations. The analysis of
the contingency relations of verbal behavior, however, deals with properties of behavior not only
under the dynamic controls of direct contact, but as that control is mediated by society. A social
community constructs that mediation by shaping its members’ actions to teach other members
how to verbalize effectively through the proper forms of action. As such, Skinner’s attributes of
verbal behavior are: 1) relational; 2) mediational; 3) communal; and 4; stipulational. All four are
necessary components of his analysis of verbal behavior, and constitute what he defines as verbal
behavior.
Ph.D. Vice Presidente e Diretor Acadêmico da Fundação B. F. Skinner Meus agradecimentos ao Dr. Jerry D. Ulman e para a Dr. Julie
S. Vargas pelo precioso feedback em uma versão anterior deste artigo. E-mail: eavargas@bfskinnerfoundation.org
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O que ele encontrava mudava seus esforços mento por sua vez, se desenvolveu através do
experimentais. Ele também mudava o aparato seu contato com o seu mundo social, bioló-
e os requisitos de contingência. Apenas pos- gico e físico. Skinner portanto lidou com um
teriormente ele mudou as espécies, de ratos tipo de comportamento de segunda ordem
para pombos, mas os processos contingentes – mutuamente e concomitantemente contro-
que produziam propriedades comportamen- lado cercando eventos físicos e biológicos,
tais similares provaram ser os mesmos. A te- internos e externos, e através de uma cultura
oria de comportamento resultante foi lançada do ambiente, traduzida socialmente. Nesta
em vários artigos começando pelo A natureza interseção sobreposta de natureza e cultura,
genérica dos Conceitos de estímulo e da resposta os processos comportamentais descobertos
(1935), essencialmente uma reescrita da sua no laboratório se mostraram aplicáveis. Uma
tese, e encontrou expressão em forma de li- vez que a cultura é uma grande elaboração de
vro tal como O Comportamento dos Organismos relações comportamentais, o comportamento
(1938), Esquemas de Reforço (1957), e Contin- verbal exibiu uma complexidade labiríntica
gências de Reforço: Uma Análise Teórica (1969). talvez maior do que a sua contraparte não
Estes tocavam em todo tópico que lidava com verbal. Mas os mesmos processos estavam
comportamento. Mas a forma da teoria nun- em trabalho. O que era necessário era inter-
ca foi realmente completada. A maneira de pretar esta complexidade comunal dentro
apresentação da teoria nunca foi unitária. da estrutura da sua teoria. Na ambientação
A interpretação do comportamento singular de O Comportamento Verbal, Skinner
verbal também foi construída durante muitos providenciou esta interpretação.
anos, mas contrastantemente teve uma úni- O Comportamento Verbal é um livro
ca expressão inclusiva. Em sua autobiografia interessante. Construído indutivamente, ele
Skinner descreve como trabalha indutivamen- apresenta suas proposições dedutivamente.
te, organizando e reorganizando tanto fatos Respeitando a “reputação” de Skinner como
quanto categorias. Mas o sistema conceitual um não teórico, tal formato é irônico. Não de-
foi geralmente tirado a partir da análise expe- veria ter sido inesperado pois há um toque
rimental do seu trabalho em laboratório. Obti- do modo dedutivo em O Comportamento dos
das a partir das ações de organismos lidando Organismos, o livro que estabelece os funda-
com os seus arredores físicos, estas relações mentos experimentais da sua teoria. O livro
estabelecidas foram alteradas para se encai- começa com uma série de leis dinâmicas e es-
xarem aos novos requisitos colocados por um táticas do reflexo a partir da qual o leitor deve
dado social. Embora seja comportamental, a se orientar para o que se segue depois. Em
linguagem é um fenômeno cultural e não bio- Comportamento Verbal não há tal comentário
lógico ou físico. O fato de que a linguagem de tais leis ou mesmo o trabalho experimen-
requer um substrato biológico e físico não é a tal básico – com tabelas, gráficos, e equações
sua distinção crucial. Estes substratos podem – que dá suporte à análise da linguagem que
ser necessários mas não suficientes, da mes- se segue. Ao contrário, o estilo é quase literá-
ma maneira que é necessário um par de per- rio. Autores são mencionados sem a inserção
nas para andar até à loja mas isto não fornece da citação. Se estiver em outra língua que não
razão suficiente do porquê que alguém fez seja o inglês, a citação pode estar naquela lín-
isto. Sem uma comunidade social que atra- gua. Notas de rodapé são raras. Uma série de
vés de gerações transmita o comportamento neologismos aparecem, rapidamente defini-
adquirido por outros no grupo, nenhuma dos, com os exemplos sustentando o peso da
linguagem é possível. O comportamento ver- definição assim como os vários aspectos do
bal, a verbalização da linguagem pelo falante, significado da definição. Em nenhum lugar
se desenvolve através do seu contato com o aparente aparecem os sinais de um sistema
comportamento dos outros cujo comporta- hipotético-dedutivo que requer o modo de
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Pode uma maior utilidade da formulação de zer lápis ao vê-lo, parece ser “senso comum”
Skinner assim como uma maior clareza le- que quando um lápis é desejado é isto o que
vando em conta questões da linguagem, sim- é dito. Parece que não é este o caso. Uma “pa-
plesmente através de raciocínio, ser alcança- lavra” aprendida sob as condições controla-
da? Aumentando o escopo dos conceitos de- doras do tato tende a não ser emitida sob as
lineados em Comportamento Verbal facilita um condições controladoras do mando; (“ten-
entendimento daqueles conceitos e de ativi- de” – variáveis como o ouvinte ou processos
dades de lugar-comum não obtidas de outra como a indução também fazem a sua parte.)
maneira, por exemplo em, J. S. Vargas (1978, O segundo exemplo: Skinner se dedica a uma
1991), E. A. Vargas (1986, 1988, 1991, 1998). análise importante de expressões verbais sob
Comparações entre a formulação teórica de um controle múltiplo (importante em parte
Skinner e aquelas de lingüistas tradicionais porque ela forma a base do que ele mais tarde
esclarece as diferenças e ilumina as ques- explora no comportamento autoclítico, e im-
tões, por exemplo, Knapp (1990, 1992), Ma- portante, em boa parte, por causa dos múlti-
bry (1993, 1994-1995), Schonenberger (2005). plos controles no cenário social). Lowenkron
Qualquer leitura casual cuidadosa desta lite- (1991) examinou e ampliou esta análise sob
ratura encontra uma extensão da análise de o rótulo de controle conjunto. (Ele faz, contu-
contingência acentuada em Comportamento do, uma distinção entre controle conjunto e
Verbal. múltiplas causas; e.g., a nota de rodapé na
Em segundo lugar, Comportamento página 2 em Lowenkron e Colvin [1992]). Eu
Verbal providencia a sua formulação teórica discordo com a distinção: Controle conjunto é
de uma maneira hipotética-dedutiva na sur- um tipo de causa múltipla; a expressão verbal
dina. Proposições são declaradas e conclusões é controlada multiplamente e desta maneira
tiradas delas. O caso para estas proposições a probabilidade da verbalização é alterada.
é feito através de exemplo e ilustração. (Está Pode ser que tenhamos aqui a velha questão
implicado na sua aceitação se a pessoa aceita de como desejamos rotular os eventos.) O
a teoria de Skinner de seleção comportamen- trabalho de Lowenkron tem sido muito bem
tal e o seu histórico experimental.) Mas, mais seguido por outros como Joyce Tu. Tu (2006)
do que exemplo se torna necessário para pro- concluiu,
var uma proposição declarada em um projeto
O controle conjunto é um evento que é inde-
científico. Será que um teste experimental a
pendente de qualquer estímulo em especial
validaria? Pouco a pouco, de teste em teste, mas é específico quanto a relação [itálico adicio-
várias hipóteses vêm sendo examinadas ex- nado] entre estímulos... Além disso, o controle
perimentalmente. Os resultados destes ex- conjunto não requer quaisquer princípios no-
perimentos continuam a confirmar as decla- vos ou explicações para o comportamento do
ouvinte. Ele simplesmente reafirma e demons-
rações, dando crédito não apenas às propo- tra uma característica crítica do comportamen-
sições testadas, mas para o todo da análise. to verbal: a causa múltipla. (p. 931)
Duas investigações serão mencionadas por
alto. Um primeiro exemplo: Uma proposição Mais confirmações experimentais e
declarava que uma expressão verbal emitida ajustes das proposições teóricas de Skinner
sob um conjunto de circunstâncias embora seguirão a medida que os pesquisadores in-
apropriada para outra, poderia não ser neces- ventarem métodos novos e precisos através
sariamente emitida. Para colocar de maneira dos quais eles podem examiná-las experi-
mais familiar e solta, simplesmente porque mentalmente.
uma palavra era conhecida não significava O terceiro tipo de confirmação era de
que ela estaria sempre disponível para o uso. uma preocupação maior para Skinner (1957):
A proposição parece antiintuitiva. Uma vez
que um lápis é mostrado e é ensinado a se di- Na medida em que entendemos o compor-
tamento verbal em uma análise ‘causal’ este
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tre ações e outros eventos definem controles vra “liberdade” ou a palavra “Deus”, quais
relacionais. A forma de uma ação tira o seu são os controles sob os quais ela é emitida?
significado a partir dos controles relacionais Estes definem o significado do termo. Para
sobre ela, e portanto estes controles fornecem o ouvinte sofisticado que infere os controles
a sua interpretação. corretos do termo (independentemente de si-
nônimos de dicionário), estes controles forne-
Função Contingencial Relacional cem o significado do termo. Eles relacionam
a funcionalidade contingente da expressão (a
As funções de contingência fornecem variável dependente) e as suas variáveis con-
a estrutura de referência através da qual todas troladas (independente). Quando mediado,
as ações, inclusive a verbal, são interpretadas. o controle, e desta maneira o significado de
A interpretação não depende de “intenciona- uma expressão verbal, é moldado socialmen-
lidade” ou qualquer outro estado hipotético te.
de uma ação presumida. A interpretação não Mediacional: O Comportamento Verbal
depende de uma ação que integre as suas ex- começa com a frase, “A humanidade age so-
periências com eventos no ambiente, nem de- bre o mundo, e o modifica, e é mudada por
pende de um falante que providencie os prin- sua vez, pelas conseqüências de suas ações”
cípios e regras para a sintaxe. Em resumo, (p.1). Skinner alude, claro, ao comportamento
ela não depende de um falante como agente, governado pelo seu contato direto com o seu
como uma causa que origine o discurso. O ambiente, tanto dentro quanto fora do corpo.
falante é tanto um agente para as suas ações Ele muda rapidamente para outra classe de
quanto o sol quando os astrônomos dizem ações, ações estas moldadas pelos seus con-
“o sol nasceu”. O termo falante (assim como tatos com ações de outros indivíduos e que,
o termo ouvinte) simplesmente providenciam portanto, entram em contato com o mundo
uma forma abreviada conveniente para o ló- apenas através da interposição de tal contato
cus em que os fatores contingenciais exercem mediado. Tal contato mediado não significa
os seus efeitos. Estes fatores de contingência que a ação mediada formada de tal manei-
podem decorrer de dentro do corpo assim ra, o comportamento verbal, não contata ou
como do ambiente que o circunda. Eles refle- contatará o mundo diretamente. Isto sim-
tem a história ecológica, cultural, e genética plesmente quer dizer que naquele contato ele
das contingências que interagem concomitan- sempre carregará o efeito da sua formação so-
te na situação atual. Estas relações contingen- cial. As reações contrárias de grupos diferen-
ciais, inclusive a interdependência funcional tes a um mesmo evento, ou aos mesmos fatos
da ação e do estímulo, estruturam a interação com que concordam, ilustram isto. Ossos de
dinâmica do episódio verbal. dinossauro para o paleontologista represen-
Ao longo da análise do comportamen- tam reminiscências de um mundo de milhões
to verbal, as variáveis das quais ele é uma de anos atrás, e para os criacionistas estes os-
função fornecem o significado de qualquer sos representam a libertação de uma criatura
expressão verbal. Os processos de reforço, da arca após uma grande enchente não mais
punição, indução, e discriminação exercem antiga do que 4004 a.C. Ambas as classes de
os seus controles nos modos especiais que de- ações - direta e mediada - operam através
finem as expressões verbais de mando, tato, dos mesmos processos dinâmicos de seleção
intraverbal, e autoclítica. Abordando as rela- por conseqüências. A formação do comporta-
ções funcionais entre estes processos e formas mento através de contingências sociais segue
verbais desembaraça os diferentes significa- o mesmo caminho quanto a da formação por
dos de uma expressão idêntica feita em mo- contingências naturais.
mentos diferentes, por locutores diferentes, e Após aludir na página 1 de Comporta-
para grupos diferentes. Se alguém diz a pala- mento Verbal aos fundamentos experimentais
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troladas por uma confluência diferente de va- O problema aqui é similar ao da controvérsia
riáveis. Para o mediador, por exemplo, ações acerca do “QI”. Embora um substrato biológi-
mediadas não estão em questão; apenas as co claramente sustenta o comportamento “in-
ações que ele media. Dar uma maçã é diferen- teligente”, o trabalho de Flynn (2007) mostra
te de pedi-la. Nenhuma maneira especifica de como níveis “médios” testados do “quociente
passá-la é formada por uma comunidade ver- de inteligência” mudam através das gerações
bal. A pessoa que dá a maçã o faz com ações à medida que as exigências de repertório mu-
formadas por seleção natural – alcançando, dam culturalmente. Mas não há necessaria-
pegando, e assim por diante. Claro que uma mente uma contradição entre os efeitos de
comunidade pode também moldar estas for- seleção dos dois tipos de comunidade. Como
mas. (Após uma conversa, a pessoa pode sair Grant (1986) observou na sua análise dos ten-
do recinto da maneira que quiser. Na presen- tilhões, “a canção é um traço transmitido cul-
ça da Rainha, ele só pode andar de costas com turalmente, aprendido geralmente a partir do
os olhos discretamente baixos. Mas então vol- pai em um tipo de processo de impressão” (p.
tamos para a distinção inicial entre verbaliza- xvi). Obviamente, uma comunidade genética
ção e mediação, entre formas de ação molda- assim como uma comunidade cultural estão
das culturalmente e não culturalmente.) Não envolvidas na transmissão do que pode ser
apenas o requisito estipulado da ação difere, amplamente chamado de comportamento co-
mas também os controles sobre as diferentes municativo. Para início de conversa, um subs-
ações. Em um mando por uma maçã, o ver- trato comunicativo necessário deve ser forne-
balizador está provavelmente com fome mas cido ao organismo em sua anatomia e fisiolo-
o mediador pode não estar. Ao ensinar um gia. Este substrato é tipicamente herdado da
tato, o mediador tipicamente conhece o nome comunidade genética, embora nos humanos
do objeto ensinado e o verbalizador não. Tal a comunidade cultural pode compensar par-
diferença nos controles muda o significado tes defeituosas ou ausentes com aparelhos
das ações envolvidas no episódio verbal. (O protéticos tal como aparelhos auditivos. E,
aspecto cambiante destes papéis é descrito como na fabricação de robôs, a comunidade
através de diagramas que Skinner fornece em cultural pode construir o substrato necessário
Comportamento Verbal.) Apesar de não ser o para a comunicação. O grau em que as for-
seu único atributo de definição, o aspecto me- mas comportamentais abstratas de comuni-
diacional do comportamento de linguagem cação são herdadas é onde os especialistas em
é o que o separa de outros comportamentos linguagem diferem (e.g. as relações de sinta-
que entram em contato com o mundo. Tal xe). Não há discordância, contudo, quanto a
contato mediacional evolui através de uma necessidade de uma comunidade verbal em
comunidade verbal. particular para uma língua específica e as suas
Comunal. Do começo ao fim do livro expressões aprovadas. Nas comunidades ver-
Comportamento Verbal, a questão da comuni- bais do inglês ou português, um verbalizador
dade verbal constitui uma parte inerente da fala inglês ou português para a compensação
análise do comportamento verbal. Um apên- mediadora dos outros membros daquelas co-
dice final em Comportamento Verbal intitulado munidades em questão. Quer seja influencia-
“A Comunidade Verbal” até se ocupa de ques- do por fatores genéticos ou culturais, não há
tões sutis tal como o surgimento da lingua- como negar que um atributo de definição do
gem em animais e humanos. Um componente comportamento verbal é que ele é comunal.
genético é reconhecido. Implicado na análise O comportamento verbal é comunal porque é
de Skinner é que o que importa é o grau de mediado por outros, os “outros” claro sendo
transmissão biológica de formas específicas de membros de uma cultura e portanto daquela
expressão moldadas e mantidas inicialmente faceta vital conhecida como comunidade ver-
através de seleção natural e depois cultural. bal.
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cultural produz seu efeito através dos pro- mente genético, o termo sinal o designa. Nós
cessos dinâmicos primários e secundários de então alcançamos o que Skinner implica: que
reforço, indução, efeitos do plano, e outros. ambas as comunidades genéticas e culturais
Estes processos dinâmicos explicam como as desenvolvem, transmitem, e sustentam a re-
comunidades genéticas e culturais moldam e lação entre o comportamento comunicacional
mantém o comportamento comunicativo, in- e mediacional, assim como estipula as formas
clusive o verbal. Efeitos da comunidade parti- apropriadas verbais e de sinais da ação.
cipam de toda transação comportamental do Estipulacional: No apêndice de Com-
tipo verbal, até mesmo dentro do indivíduo portamento Verbal (1957), Skinner sustenta
único. A compreensão de símbolo e signo, que, “em geral, o comportamento operante
analogia e metáfora, gramática e recorrência, surge de movimentos não diferenciados, an-
ocorrem apenas quando amarrados por um teriormente desorganizados, e sem direção”
contexto de comunidade. (p. 464). Uma vez que o comportamento ver-
bal seja um sub-conjunto de todo o compor-
Fontes de Relações Funcionais: Comunidades Ge- tamento operante, formas verbais específicas
néticas e Culturais também surgem de tal ambigüidade de ação.
Uma comunidade verbal desenvolve as for-
A Figura 9 ilustra a relevância de to- mas específicas de ação verbal que contro-
das as contingências controladoras, mas a im- lam a ação efetiva do mediador. Estas formas
portância maior das fontes culturais e genéti- verbais se tornam o estímulo discriminatório
cas no comportamento comunicativo. para o qual o mediador responde. Já que es-
Embora Skinner (1981) reconhecer a tas formas verbais controlam as ações do me-
importância de outras fontes de seleção por diador, elas definem o significado destas ações
conseqüências, na análise do comportamento (ou de maneira mais sutil, a relação entre as
verbal ele enfatiza aquele aspecto da comu- duas designa o significado). Em relação às
nidade cultural que ele chama de verbal. Mas expressões do locutor, estas ações do me-
a sua teoria se aplica a um campo de análise diador são efetivas apenas a medida que elas
maior. Não é apenas a espécie humana que se endossam o controle funcional sob o qual o
comunica mas muitas outras. Primatas como verbalizador emitiu o seu comportamento.
o bonobo, o chimpanzé comum, e o gorila se Como apontado anteriormente, o significado
comunicam. Outros mamíferos como os gol- do comportamento verbal do falantereside
finhos e baleias se comunicam. Os pássaros se naqueles controles funcionais. Quanto mais
comunicam. As formigas e abelhas também aproximadamente a forma verbal refletir es-
o fazem. Para englobar outros organismos, o tes controles sobre o verbalizador e quanto
sistema de referência por necessidade deve mais aproximadamente a ação do mediador
ser mais amplo. Para que, por exemplo, ele se encaixar no requisito implícito ou explicito
englobe ao mesmo tempo que distingue entre da forma verbal para as conseqüências apro-
o desenvolvimento do comportamento ver- priadas, quanto mais efetiva será a ação de
bal pela seleção natural e aquela por seleção ambas as partes. Vamos dizer, por exemplo,
cultural. Para ambos os tipos de seleção, o que um marido está na sala de jantar à mesa
termo mais amplo comunicação abrange o re- de jantar. A sua esposa está na cozinha. Em-
sultado final de um membro de uma espécie bora em recintos separados, eles conseguem
que contata o seu ambiente imediato através se ouvir claramente. Ele diz para ela, “Sabe
de ações de outro membro. (A etimologia da aquele molho para o curry que nós dois gos-
palavra comunicar revela um belo aspecto tamos muito? Não esqueça de trazê-lo.” Ela
dela - compartilhar.) Quando o contato contro- responde, “Molho?” O que você quer dizer?”
lado é principalmente cultural, o termo verbal Ele então tenta esclarecer, “Você sabe. Ele tem
o designa, e quando o controle é principal- um cheiro especial, tipo gengibre. Ah, lem-
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do dos controles sobre aquela forma de discur- resumo das relações envolvidas.) Em qual-
so. Então ao se comunicar com o verbalizador, quer um dos casos, diretamente ou por infe-
uma forma idêntica pode manter significados rência, o mediador lida com as contingências
diferentes para o mediador. Se o significado controladoras em torno da forma verbal do
para o mediador difere com a mesma forma, locutor, e embora a forma possa ser idêntica
como o controle discriminativo apropriado ou parecida a outra, o controle discriminativo
é exercido sobre o mediador? A resposta é a adicional clarifica e providencia o significado
usual do contexto – ou melhor colocado, uma apropriado. Além disso, o verbalizador pode
resposta de sistema de referência. Definir um auxiliar o mediador a ter uma resposta efeti-
sistema de referência significa entrar em con- va. Esta é a razão do autoclítico. Um conjunto
tato com as contingências funcionalmente re- de formas verbais modifica o efeito de outro,
levantes para uma ação, verbal e não-verbal. e o reforço é inerente para tornar o compor-
Uma forma verbal em particular na ausência tamento do mediador mais eficiente. No au-
de um controle de contingência maior pode toclítico descritivo, Skinner (1957) fornece o
não ser suficiente para uma ação efetiva por seguinte exemplo, “Se o falante está lendo um
parte do mediador. Um controle discrimina- jornal e comenta ‘Estou vendo que vai chover.’
tório adicional acontece se o mediador entra O Estou vendo informa ao ouvinte que que vai
em contato com as variáveis responsáveis chover é emitido como uma resposta textual”
pela forma verbal do locutor. Na presença (p. 315). Em todos os tipos de autoclítico, o
de uma lareira ou do corpo de bombeiros o verbalizador tenta “informar” ao mediador
ouvinte se comporta apropriadamente (“sabe os controles sob os quais a forma verbal é
o que o falante quis dizer”) quando o falante emitida. A contingência de reforço que man-
diz, fogo. Muitas vezes, porém, o ouvinte tem tém e promove formas autoclíticas adicionais
que inferir as contingências controladoras em se segue a partir da maior efetividade do me-
torno da forma verbal, mesmo na presença do diador em responder ao verbalizador. (Repa-
locutor. Uma história em particular com um re nas sutilezas do subjuntivo.)
verbalizador fornece este controle discrimi- Nas linguagens de todas as comuni-
natório. Uma criança que era freqüentemente dades, formas verbais adicionais são dadas
carregada para subir as escadas quando pe- para aguçar o controle de estímulo em torno
diu para ser carregada disse “Carrega você?” das respostas do mediador. Esta é a função da
ao pai. O pai respondeu corretamente porque
perguntou freqüentemente à criança “Você
quer que eu carregue você?” antes de pegar
a criança para subir as escadas. A forma pode
não ser a gramaticalmente correta “Me carre-
ga!”, mas os controles estão claros. A criança
claramente aprendeu a forma “Carrega você?”
para ser apanhada, e então a emitiu como um
mando. Pistas faciais, entonação vocal, todo
o conjunto da chamada linguagem corporal
do verbalizador fornece um estímulo condi-
cional adicional. A criança também esticou
os braços para ser apanhada. “O principio
se-então relevante na mudança de significa-
do de uma luz verde, por exemplo, em uma
experiência de laboratório sob controle de es-
tímulo condicional se torna pertinente aqui.
Veja o artigo de Sidman [1986] para um bom
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O Comportamento Verbal de B. F. Skinner: uma introdução
gramática; em termos tradicionais é dito que sentido. (Como um sistema metafórico, em-
ela está lá para providenciar clareza e facili- bora os personagens principais falem inglês,
dade de entendimento. A forma gramatical é o filme inteiro é passado no Japão.) Os requi-
especialmente importante na escrita onde o sitos de uma comunidade verbal com o seu
leitor muitas vezes não observa, muito menos conjunto de formas convencionalizadas (Termo
contata, as contingências em torno das formas do Skinner) compartilhadas entre seus mem-
verbais do escritor. Na conversa, o mediador bros estabelecem a série de formas verbais es-
obtém pistas de expressões faciais, vocais, e tipuladas designadas como uma língua.
corporais assim como de eventos imediatos. No episódio verbal, a forma é uma
Os requisitos por uma forma verbal apropria- parte necessária do controle em torno do
da não são portanto tão rigorosos. comportamento do mediador. Ela não define
Os fundamentos da relação entre os o operante verbal. O operante verbal é de-
padrões verbais estipulados da ação podem finido pelos controles dinâmicos em torno
ser dados pela figura seguinte: do verbalizador envolvido na inter-relação
energética entre eventos estímulo e formas
Forma e o Episódio Verbal estipuladas. A forma estipulada se torna
um estímulo discriminatório para a ação do
Formas ou padrões de resposta consti- mediador. Um sistema de classificação que
tuem uma parte de toda troca verbal, e ao lon- lidasse apenas com o comportamento do me-
go de sua análise Skinner se preocupa, como diador seria baseado na relação entre aquele
ele coloca, em “ter que explicar... as relações estímulo discriminatório anterior e o compor-
entre padrões de resposta e reforços” (p. 36). tamento mediacional subseqüente. Portanto,
As várias categorias de relações verbais – o seria diferente do sistema de classificação das
autoclítico, o tato, e assim por diante – exem- relações verbais do locutor. Na verdade, seria
plificam estas explicações. Nestas relações, é a classificação de formas não verbais de com-
tão importante entender o papel de formas portamento.
estipuladas pela comunidade verbal quanto Um sistema de classificação baseado
é entender as suas propriedades dinâmicas. simplesmente em formas estipuladas seria
Formas estipuladas operam para controlar o mais elaborado. Seria uma descrição taxo-
comportamento mediacional na medida em nômica do comportamento topográfico do
que ele interage com o comportamento ver- verbalizador sem nenhuma ligação com os
bal que emprega estas formas. A comunidade controles funcionais (evocativo e conseqüen-
verbal desenvolve as formas de comporta- te) em torno daquele comportamento. Como
mento verbal sob os controles apropriados. tal o sistema teria que encontrar um signifi-
Ela estipula estas formas para um efeito práti- cado nas relações entre as unidades topográficas
co e eficiente das ações do mediador. O título (como definidas) das expressões. Sem trazer
do filme (traduzido no Brasil como Encontros
e Desencontros) Perdido na Tradução capta bem Como uma extensão ao posicionamento de Skinner, a relação
entre forma estipulada e controles dinâmicos é um assunto e
os problemas que ocorrem quando padrões tanto em debate, se primatas além dos seres humanos possuem
de ação, culturais, e mais especificamente, linguagem - práticas de uma dada comunidade verbal. O debate tem
verbais, são mal-entendidos. Os personagens se concentrado muito na estrutura e na forma e seu significado
implícito, através de intenção e relação sintática do discurso
no filme não sabiam bem o que os outros ou conjunto de discursos examinados. Não têm sido exami-
queriam dizer com o seu discurso e conduta nados: as interações dinâmicas entre controles funcionais e o
modo das formas estipuladas, a ambigüidade dos controles
- em termos comuns o que eles queriam ou nas interações entre membros de duas espécies diferentes (e
intencionavam – e achavam difícil ter uma as implicações para comunidades verbais comuns) como ver-
ação efetiva em relação a si mesmos ou à ou- balizadores e mediadores. Assim como os níveis sucessivos
de estágio com os seus controles diversos, nos quais formas
tra pessoa. Eles precisavam de formas verbais verbais idênticas podem ser emitidas de modo que em um nível
compartilhadas que carregassem o mesmo (primário versus secundário) possa haver comportamento verbal, não
no outro...
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Ernst A. Vargas
uma análise funcional para explicar estas re- uma condição de reforço que uma linguagem
lações, metapropriedades dessas formas esti- está sendo agora ensinada. Se uma ação está
puladas teriam que ser impostas, princípios em um controle relacional em relação a outra
e regras pelos quais elas são manipuladas e ação, somente isto não a torna verbal. Ações
então por necessidade uma manipuladora reforçadas (ou tendo conseqüência de qual-
destas regras. Talvez este esforço alternativo quer outra maneira) por seres humanos não
seja a razão de tantas pessoas procurarem o as tornam verbais. Reforçadores são dados
fantasma na gramática. para uma série de ações, humanas ou sub-
humanas. Recompensas não convertem estas
Conclusão atividades em uma linguagem ou em muitas
linguagens discretas. Um doce pode ser dado
Todos os atributos de definição devem em seguida a uma pirraça. Isto não faz da pir-
fazer parte do significado de comportamento raça um “mando”. Comida pode ser dada a
verbal, senão conclusões curiosas são o resul- um bebê de um ano que bate em uma mesa.
tado. Se a forma de uma ação é estipulada, so- Isto não torna a bateção um “mando”. Uma
mente isto não a faz ser verbal. O requisito de ação é um “mando” somente quando está em
uma forma apropriada para tornar uma ação uma forma estipulada assim como sob o con-
em particular efetiva, uma boa tacada de gol- trole apropriado e quando uma comunidade
fe por exemplo, não a torna verbal. Formas verbal moldou especificamente um media-
estipuladas que tenham sentido para uma dor para trazer esta forma para tal controle.
cultura são simplesmente sons e visões para Deve-se manter uma distinção entre os efei-
outra. O significado não está inerente nas ca- tos dos processos dinâmicos aplicáveis a todo
racterísticas estruturais de uma ação. Se uma comportamento, e aqueles efeitos relevantes
ação é mediada, somente isto não a torna verbal. apenas através de uma cultura para o sub-
Muitas ações são mediadas - tal como bicadas conjunto do comportamento que é lingüísti-
em um disco e pressão de alavancas e abdo- co. Conhecer estes processos, como Skinner
minais e tacadas de golfe. Mediar um bocado (1957) colocou, “não significa que o trabalho
de comida pela pressão de uma alavanca ou da análise lingüística possa ser evitado” (p.
elogiar por um abdominal não torna a pres- 44).
são da alavanca ou o abdominal verbal. Se o O comportamento verbal consiste em
único atributo de definição do comportamen- formas necessárias sob controles específicos
to verbal é que ele é mediacional, então toda mediados através de uma ação especifica-
troca mediada entre quaisquer dois animais, mente desenvolvida por uma comunidade
muito menos entre um humano e qualquer verbal. Em relação a este tipo de comporta-
outro animal, seria comportamento verbal. mento, ainda é difícil clarear nossa confusão
Uma troca mediacional então conotaria uma e acalmar nossa incerteza. Skinner abriu um
comunidade de linguagem, mesmo que só caminho através do supranumerário emara-
de dois. Mas pessoas se interpõe entre as nhado de atividade conhecido como lingua-
ações de um animal e as suas conseqüências gem. Nós temos milhas a percorrer antes de
para controlar e moldar milhões de ações em domarmos a vastidão da nossa perplexidade.
muitas espécies, desde formigas até zebras. Mas pelo menos estamos progredindo em
É um absurdo afirmar que porque tal com- uma direção prometedora.
portamento é agora mediado em relação a
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O Comportamento Verbal de B. F. Skinner: uma introdução
Referências Bibliográficas
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