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CAPITULO 5 FILOSOFIA E HISTORIA DA EDUCACAO 1. A Filosofia e os problemas de cada época 2. Os problemas educacionais atuais e a Historia da Educacao 3. Filosofia e Histéria 4. Filosofia e Historia da Educagao Como conciliar a reflexdo filosofica sobre os problemas educa- cionais que enfrentamos na atualidade com o estudo de idéias e fatos educacionais do passado? E sobre esta questdo que pretendemos ofere- cer algumas consideracGes neste capitulo. 1. A Filosofia e os problemas de cada época Os filosofos sempre refletiram a partir dos problemas de sua época. AristOteles, Platao, Descartes, Kant e outros pensadores reconhecidos como filésofos fizeram filosofia exatamente na medida em que pen- saram nos problemas de sua época. Nés também, se pretendemos assumir uma atitude filosdfica, de- vemos desenvolver um processo de reflexdo sobre os problemas que nossa época esté nos colocando. No caso da Filosofia da Educacao, devemos orientar nossa reflexdo sobre os problemas educacionais de hoje. 36 2. Os problemas educacionais atuais e a Historia da Educacéo Se devemos refletir sobre os problemas educacionais de hoje, por que, entdo, estudar Historia da Educacdo? Para podermos entender esses problemas é necessdrio assumirmos a postura historica. E assumir uma postura historica nao significa apenas memorizar uma seqiiéncia de fatos ou idéias que se verificaram no de- correr do tempo. Para assumir esse tipo de postura no campo da edu- cagdo, por exemplo, nao ¢ suficiente conhecer os fatos e¢ idéias rela- cionados com a educacdo em cada época histérica. E necessério, além disso, investigar os aspectos “de ordem econdmica, politica e social do pais em cujo seio se desenvolve o fendmeno educativo que se quer compreender, uma vez que & esse processo de investigacdo que fard emergir a problematica educacional concreta”. (SAVIANI, D. Op. cit., p. 38.) Para mostrar a importancia desse processo de investigacao, o mesmo autor usa a seguinte imagem: “No cendrio da Historia temos os atores e os autores da Historia, do mesmo modo que numa pega teatral temos os atores e o autor da peca. O autor no aparece; no entanto, a obra é sua e os atores repre- sentam aquele papel que lhes foi designado na trama da pega, trama essa que é obra do autor da pega. Para os espectadores, os atores estéo em evidéncia e so por vezes cultuados, surgindo como idolos. Em con- trapartida, os autores estao ocultos nos bastidores, ficando, geralmente, na penumbra, quando no sao totalmente esquecidos. Na Historiografia temos, pois, o seguinte fendmeno: os fatos de bastidores que sdo fundamentais, dado que nos permitiriam com- preender o que esta acontecendo, tais fatos ndo sao explorados sufi- cientemente, enquanto que os fatos da supra-estrutura (ligados a ima- gem dos atores) sio mencionados numa seqiiéncia cronolégica sem que se entenda bem por que em determinado momento quem esteve em evidéncia foi este ator e nao outro e que papel representava este ator; quer dizer, que forgas ele estava representando, forgas essas que nos permitiriam compreender qual a matriz bdsica daquele momento historico. Dessa forma, a Historiografia tende a se resumir na apresen- tagdo de uma série de nomes, fatos e datas e o recurso para se reter esses dados terd que ser a memorizagdo mecdnica, uma vez que a com- preensdo da trama da Historia se perde”’. (Id., ibid., p. 37-8.) 37 3. Filosofia e Historia Para compreender adequadamente a trama da Histéria precisamos da Filosofia. A Histéria como ciéncia nao se satisfaz em compreender como se passaram as coisas, Ela quer saber por que se passaram de tal maneira e ndo de outra, e para isso ela precisa da Filosofia. Em cada época histérica existem diferentes escolas filosoficas. As de um determinado perfodo da Histéria tem sempre algo em comum, que nos permite encard-las como diferentes espécies de um mesmo género. Se para compreender os fatos histdricos Pprecisamos ter presentes as diferentes maneiras de pensar de cada época, precisamos também saber por que e como surgiram essas diferentes maneiras de pensar. Precisamos conhecer os aspectos de ordem econdmica, politica e social de cada época, pois estes sao fundamentais Para podermos entender as diferentes maneiras de pensar. Assim, Filosofia e Historia se relacionam intimamente. 4. Filosofia e Historia da Educagao Vimos que a Filosofia da Educacdo consiste “numa reflexdo que pensa de modo radical e rigoroso os problemas surgidos na educacao a partir de uma perspectiva de conjunto”. (Id. ibid., p. 51.) Pensar a educacdo numa perspectiva de conjunto implica ter uma visio histé- tica da mesma. Por isso precisamos estudar Histéria da Educagao. Com o estudo da Historia da Educagdo podemos compreender os valores que orientaram os educadores de cada €poca. A Filosofia, por sua vez, tem a missao de refletir sobre esses valores com o objetivo de confronté-los com os valores atuais da educacdo. Dessa maneira, a tarefa da Filosofia consistiré na busca de novas alternativas e na fi- xagdo de novos critérios de valor, Vejamos um exemplo. No Brasil, podemos observar ‘“‘as incom- pI sOes de que foram vitimas aqueles que propugnaram pela ex- tensdéo de oportunidades, pela maior liberdade dos alunos nas escolas e que defenderam a co-educacdo de meninos ¢ meninas e que sempre tiveram contra si os defensores dos ‘verdadeiros valores da educacao’. Mais recentemente, quando as condig6es sociais praticamente tornaram insustentavel uma educagao voltada para gtupos privilegiados, deu-se inicio 4 expansao quantitativa do sistema escolar — embora com as falhas inevitaveis de toda expansao rapida —, que tem provocado erif- 38 ticas contundentes dos defensores de uma certa ‘qualidade do ensino’, como se este pudesse ser mensurado precisamente em funcdo de seu valor intrinseco e indiscutivel. Muitos ndo percebem que, ao criticarem a expansio do ensino, por exefmplo, certos educadores reforcam os va- lores que justificam uma educagdo elitizada, alienada da realidade, onde o aluno € considerado como ser Passivo e o professor se coloca como dono da verdade. Conscientemente, talvez muitos ndo sejam contra a expansao do ensino, a vivéncia de valores democrdticos na escola, etc., mas, ao criticarem a situagdo do presente, reforgam, impli- citamente, o modelo anterior e apenas consolidam o pensar daqueles para os quais a educacdo nada mais deve fazer do que cumprir as fung6es tradicionais ¢ fixar os automatismos que respondem adequa- damente a feigdo conservadora do ato educativo’’. (GARCIA, Walter E. Educagao: visdo reérica e pratica pedagogica. Sao Paulo, McGraw-Hill, 1981, p. 148.) Através desse exemplo podemos ter uma idéia da importancia da teflexao filosOfica para a educagdo e para a compreensdo de sua his- toria. Essa reflexdo é tio importante que © pensador norte-americano John Dewey afirmou que a esséncia de toda a Filosofia é a Filosofia da Educagao, pois ela consiste em estudar como construir 0 aaa.) Resumo 1. Os filésofos sempre refletiram a partir dos problemas de sua época (Aristételes, Platdo, Descartes, Kant, ete.). Na Filosofia da Educacdo devemos orientar nossa reflexdo sobre os problemas educacionais de hoje. 2. Para entender os problemas educacionais de hoje € necessdrio assumir a pos- tura histérica no campo da educagdo. 3. (4 Hist6ria como ciéncia nfo se contenta em aprender como se passaram as coisas. A Filosofia quer saber por que se passaram de tal maneira e nao de outra qualquer. : Para compreender os fatos histéricos precisamos saber por que e como surgi- ram as diferentes maneiras de pensar; por isso Filosofia e Histéria se relacio- nam intimamente. ) : 4. ls Filosofia da Educago procura abordar de modo radical ¢ rigoroso os pro- blemas surgidos na educagao, a partir de uma Perspectiva de conjunto. A Histéria da Educaggo nos dd uma idéia dos valores que orientam os educa- lores de cada época. ) John Dewey diz que a/esséncia de toda a Filosofia é a Filosofia da Educagao, pois ela consiste em estudar como construir o mundo. Questées propostas Como a reflexdo filoséfica se relaciona com os problemas da época? 2. O que significa assumir uma postura histérica no campo da educacado? 3. Em que sentido a Filosofia é importante para entender a trama histérica? 4. Que aspectos histéricos precisamos conhecer para entender as diferentes ma- neiras de pensar de cada época? 5. Qual é a missdo da Filosofia com relag&o aos valores educacionais? 6. Por que, segundo John Dewey, a Filosofia da Educacao € a esséncia de toda a Filosofia? Discussio: Em que sentido o estudo da Historia da Educagao é importante para quem pretende ser educador? Leitura Complementar O papel especifico da Filosofia da Educacao Ao invés de pensar que a Filoso- _pensar a partir da Educagao. Nao é a fia € a fonte dos ideais que se aplica- "Filosofia que vai impor problemas ¢ ‘40 Figorosamente a Educacdo, que € _solugdes @ priori a aco pedagégica, @ teoria geral das idéias que englobam mas so os educadores que vio in- toda a acdo educativa, a Filosofia da terrogar os fildsofos. Educacdo terd como papel especifico Sendo definida como uma refle- 40 xo, a Filosofia da Educacio, forco- samente, segue a acdo pedagogica. Deverd pensar ¢ ter as suas raizes nos proprios problemas da Educagio. Depois, esta reflexdo sera critica no sentido de que ndo vai pensar dog- maticamente o que deve ser a Educa- co a partir dos problemas que ja existem na ado. Poderiamos dizer que a Filosofia da Educacao “descobre a educagdo” na acdo pedagégica. Alias, esta posigéo humilde da Filosofia é comum, visto que o filosofar tem sem- pre as suas raizes fora de si, esté sem- pre prestando atengio a vida, ouvindo— os outros para melhor penetrar a rea- lidade. Claro que o filésofo pode recusar esta atitude ¢ se colocar fora das situa- ges, pensando c seguindo a livre lé- gica do seu pensamento. Mas, entdo, Questées sobre o texto a sua reflexdo tera apenas o dinamis- mo do idealismo e nunca podera agarrar-se, novamente, ao real. A Fi- losofia, neste caso, seria téo sé um pas- satempo ©, como todos os passatem- pos, teria o seu interesse e encanto. No entanto, a urgéncia e a presenca dos problemas educativos na Amé rica Latina tornam muito di uma posic¢aéo tao distante. Ao con- tririo, nos parece que o filésofo, sobretudo nestes nossos tempos, pre- cisa empenhar-se seriamente na exis- téncia e aceitar o desafio de pensar a partir da complexidade e da confu- sio do real, a partir de todos os even- tos cotidianos que nos assaltam ¢ que assaltam a nossa razao. (FURTER, Pierre. Educacao e reflexdo. Rio de Janeiro, Vozes, 1970. p. 26-7.) 1. Como se relacionam a reflexao filoséfica ¢ a ago pedagégica? 2. Onde se situam as raizes da reflexdo filos6fica? 3. Qual o desafio que se impoe ao filésofo em nossos dias? CAPITULO 20 A EDUCACAO NOVA NO BRASIL 1. A Revolucao de 1930 e a educagao 2. Manifesto dos Pioneiros da Educacao Nova 3. O ensino primario e secundario 4. Oensino técnico-profissional 5. O ensino superior No final da Primeira Reptiblica, em matéria educacional, pouco ou nada haviamos avancado em telagdo ao final do Império. Continudva- mos sem um sistema nacional de educacdo: 0 Governo Federal nada, dizia e nada fazia em termos de ensino Primario, que ficava ao encargo| dos reduzidos recursos dos Estados; 0 ensino secundario continuava minado pelo ensino irregular, nao-seriado, tendo como principal obje- | uma universidade funcionando. Com a Revolugao de 1930, alguns dos reformadores educacionais 206 1. A Revolugao de 1930 e a educagao A primeira iniciativa da Revolucdo de 1930, no campo da educa- » ¢do, foi a criagdo do Ministério da Educagdo e das Secretarias de Edu- cacao dos Estados. Para Ministro da Educacao foi escolhido Francisco Campos, que na década anterior havia reformado a educacdo de Minas ‘ Gerais. Com a criagdéo do Ministério da Educacdo, no entender de Held- dio C. G. Antunha (Apud BreJon, M. Op. cit., p. 63.), 0 Governo Federal procurou alcangar trés objetivos: “1°) Ampliar sua faixa de participacdo no desenvolvimento da educagdo nacional, marcando dessa forma o término de um longo periodo de total — ou quase total — alheamento dos problemas relaciona- dos com a educacao popular. 2°) Desenvolver os instrumentos destinados a unificar, disciplinar e proporcionar a articulagdo e integragdo aos sistemas isolados estaduais, os quais registravam grande heterogeneidade em relacao 4 organizagao das diversas modalidades de ensino a seu cargo. 3°) Estabelecer os mecanismos destinados a promover o relaciona- mento federal com os diversos sistemas, definindo-se assim as formas de intervengdo do Ministério e de suas relagdes com as Secretarias de Educagdo estaduais e com os proprios estabele- cimentos”. ) A Constituic¢do de 1934 foi a primeira a incluir um capitulo es /eial sobre a educagdo, estabelecendo alguns pontos importantes: a edi \ cagdo como direito de todos; a obrigatoriedade da escola primdria inte- | gral; a gratuidade do ensino primario; a assisténcia aos estudantes necessitados; etc. \ A partir da Constituigdo de 1934, 0 Governo Federal assumiu novas atribuigGes educacionais (Cf. ANTUNHA, H.C. G.Id., ibid., p. 63-4): 1. A fungdo de integragdo e de planejamento global da educacgdo brasileira. Passou a ser competéncia da Unido “‘fixar 0 plano nacio- nal de educacéo, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; coordenar e fiscalizar a sua exe- cugdo, em todo 0 territério do Pais” (art. 150). 2. A funcgdo normativa para todo 0 territorio nacional e para todos O artigo 5° estabeleceu: ‘Compete privativamente 4 do: XIV — tracar as diretrizes da educagao nacional”. 207 3. A fungdo supletiva de estimulo ¢ assisténcia técnica, onde houves- se deficiéncia de iniciativa ou de recursos (art. 150). 4. A funcdo de controle, supervisio e fiscalizagdo do cumprimento das normas federais. Se, por um lado, tais atribuigdes constitufram o inicio da constru- ¢ao de um sistema nacional de educagdo, por outro lado assinalaram uma profunda centralizacdo das competéncias. A autonomia dos Esta- dos e dos diversos sistemas educacionais foi limitada; quase tudo passou a depender da autoridade superior; multiplicaram-se os Orgdos, as leis, os regulamentos, as portarias, etc., a limitar a agao de escolas e educa- dores; as fungdes de controle, supervisio e fiscalizagdo tornaram-se burocrdticas e rigidas, assumindo, muitas vezes, um cardter “policia- lesco”; tal énfase em aspectos legais, normativos, burocraticos, muitas vezes levaram a esquecer ou telegar a um plano secundério o objetivo fundamental da educagdo, que é o de criar condig6es para a formacado de pessoas humanas. 2. Manifesto dos Pioneiros da Educagéo Nova Em 1932, um gmupo de 26 educadores langaram o Manifesto dos Pioneiros da Educacdo Nova: 4 reconstrugdo educacional no Brasil. Neste documento foram propostas e defendidas muitas solugées que, a partir de ento, foram sendo aplicadas a educagdo brasileira. As princi- Pais idéias do Manifesto sao: 1. A educacdo é vista como instrumento essencial de Teconstru¢ao da democracia no Brasil, com a integragdo de todos os grupos sociais. 2. A educagdo deve ser essencialmente publica, obrigatoria, gratuita, leiga e sem qualquer segregagdo de cor, sexo ou tipo de estudos, e desenvolver-se em estreita vinculagao com as comunidades. 3. A educacao deve ser “uma s6”, com os varios graus articulados Para atender as diversas fases do crescimento humano. Mas, uni- dade ndo quer dizer uniformidade; antes, pressup6e multiplici- dade. Dai, embora unica sobre as bases e os princfpios estabele- cidos pelo Governo Federal, a escola deve adaptar-se as caracte- risticas regionais. 208 4. A educagdo deve ser funcional e ativa e os curriculos devem adap- tar-se aos interesses naturais dos alunos, que sao o eixo da escola © o centro de gravidade do problema da educacao. 5. Todos os professores, mesmo os do ensino primdrio, devem ter formagio universitéria. 3. O ensino primério e secundario O governo que assumiu o poder em 1930 nao elaborou um do- cumento legal unico, que disciplinasse a educacdo em seu conjunto. Antes, preferiu editar leis separadas — e, mesmo assim, uniformes —, para os diversos graus e modalidades de ensino. A Lei do ensino primério sé foi promulgada a 2 de janeiro de 1946 (Decreto-tei n? 8529). Constitui a primeira regulamentacao nacional do ensino primdrio, depois de 1827. Segundo Valnir Chagas (op. cit., p. 52-3), na Lei do ensino pri- mario acenava-se “com 0 triplice objetivo de desenvolvimento da-per- sonalidade, de preparacdo 4 vida cultural ¢ familiar ¢ a defesa da satide, e de iniciagdo ao trabalho, tudo com um sentido acentuadamente brasi- leiro. Dividia-se a escolarizacdo em fundamental e supletiva, destinando aquela as criangas de 7 a 12 anos e esta aos adolescentes e adultos maio- res de 13. A fundamental compreendia quatro anos do curso elemen- tar e um do complementar, que era, no fundo, o anterior ‘cursinho” de adestramento para 0 exame de admissdo ao gindsio”’. O ensino secundario sofreu no perfodo duas reformas: a primeira em 1931 (Decreto n° 19890, de 18 de abril) ¢ a segunda em 1942 (Decretolei n? 4244, de 9 de abril). Quanto a essas reformas interes- sa-nos verificar os objetivos, a estrutura e os contetidos de ensino atri- bufdos ao curso secundario. No que diz respeito aos objetivos, tanto a reforma de Francisco Campos (1931) quanto a de Gustavo Capanema (1942) — ambos Minis- tros da -Educacao — atribuiram ao curso secundario uma dupla finalida- de: formacdo geral e preparagdo para o ensino superior. Assim se manifesta Francisco Campos, em sua Exposicdo de Moti- vos da reforma (Decreto n° 19 890/31): “A finalidade exclusiva nao ha de ser a matricula nos cursos superiores; o seu fim, pelo contrério, deve ser a formacéo do homem para todos os grandes setores da atividade nacional, construindo no seu espirito todo um sistema de habitos, atitudes e comportamentos que 0 habilitem a viver por si mesmo e a 209 tomar em qualquer situagdo as decisdes mais convenientes e mais seguras””. Ja na Lei de 1942, em seu artigo 1°, eram estabelecidos os seguin- tes objetivos para o ensino secundario: “Formar (...) a Personalidade integral dos adolescentes; acentuar e elevar (...) a consciéncia Ppatrio- tica e a consciéncia humanistica; dar Prepara¢do intelectual geral que Possa servir de base a estudos mais elevados de formacdo especial”. Tanto em 1931 quanto em 1942 a estrutura do ensino secundério foi montada em dois graus, com duracdo total de sete anos. Em 1931 instituiu-se um curso fundamental de cinco anos, seguido de um curso complementar ou pré-universitdrio de dois anos. O fundamental era comum a todos ¢ pretendia oferecer uma sdlida formagdo geral. O com- plementar pretendia adaptar os candidatos aos Cursos superiores e, por isso mesmo, era dividido em tras ramos: © para os que se destinassem aos estudos juridicos, dava-se énfase as matérias de Humanidades; © para os que pretendiam cursar Medicina, Farmacia ¢ Odontolo- gia, a predominancia ficava para as Ciéncias Naturais e Bio- légicas; © para os que objetivavam os cursos de Engenharia e Arquite- tura, 0 estudo de Matemitica era fundamental. Em 1942 continuaram os dois graus, porém com duracado modifi- cada: a um curso ginasial de quatro anos sucedia um curso. colegial de trés anos, que perdeu seu carater quase exclusivo de Preparatorio para 9 ensino superior e passou a Preocupar-se mais com a formagao geral. Dividia-se em apenas dois ramos, 0 colegial classico e o colegial cienti- fico, com poucas diferengas de contetido entre eles: no classico estu- dava-se Grego (optativo) e Latim, Filosofia no 2° e 3° anos, Historia Natural sé no 3° ano, € ndo havia Desenho nem Espanhol; ja no cienti- fico ndo havia Grego nem Latim: Filosofia sé no 3° ano, Historia Natu- tal no 2° e 3° anos e estudava-se Espanhol e Desenho. As outras maté- rias eram comuns: Portugués, Francés, Inglés, Matematica, Fisica, Qui- mica, Historia Geral, Historia do Brasil, Geografia Geral e Geografia do Brasil. Todavia, 0 cientifico tornou-se predominante, chegando a reunir cerca de 90% dos alunos do colegial. No que diz respeito aos conteudos curriculates, houve nova queda da participacdo da area de Humanidades. Em 1942, os indices relativos a cada drea foram os seguintes: Comunicagao e Expressdo: 34.3%: Mate- matica e Ciéncias: 24.3%: Estudos Sociais: 22.8%: outras atividades: 186%. 210 4. O ensino técnico-profissional Embora 0 artigo 129 da Constituigao de 1937 tivesse destinado o ensino técnico-comercial as “classes menos favorecidas”, a partir de 1942 esse ramo de ensino comecou a contar com uma legislagdo nacio- nal. Assim € que em 1942 foi regulamentado o ensino industrial (Decre- to-lei n° 4073, de 31 de janeiro); em 1943, 0 ensino comercial (Decre- to-lei n° 6141, de 28 de dezembro); e, em 1946, 0 ensino normal (Decreto-lei_ n° 8 530, de 2 de janeiro) e o ensino agricola (Decreto-lei n° 9613, de 28 de agosto). Da mesma forma que o secundario, esses quatro ramos do ensino — industrial, comercial, agricola e normal — desenvolviam-se em dois ciclos. Também na mesma época foram criados o Servico Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), através do Decreto-lei n° 4048, de 22 de janeiro de 1942, e o Servico Nacional de Aprendizagem Comer- cial (Senac), por meio do Decreto-lei n° 8 621, de 10 de janeiro de 1946. 5. O ensino superior O ensino superior passou por importantes modificagoes a partir de 1930. Com a criacao das primeiras universidades, superou-se a fase das escolas superiores isoladas, de carater marcadamente profissional. A criagao da Universidade de Sdo Paulo, em 1934, tornou-se possfvel gragas aos Estatutos das Universidades Brasileiras (Decreto n° 19 851,° de 14 de abril de 1931). Atendia-se, dessa forma, as reivindicagdes dos educadores que, principalmente a partir da década anterior, vinham insistindo na necessidade de se instituir o ensino universitario. Segundo Heladio C. G. Antunha (Id., ibid., p. 67.), a fundagdo das universidades brasileiras significou ‘ta introdugio no sistema de ensino superior: a) dos estudos de carater desinteressado, com a criagdo de uma escola central e integradora, a Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras, destinada ao cultivo da totalidade ou universalidade do conhecimento; b) da pesquisa e dos altos estudos, tanto de carater desinteressado como de sentido utilitario; c) da unificacdo e da integracao das diversas esco- Jas sob a égide da Universidade e a base da Faculdade de Filosofia, Cién- cias e Letras; d) da autonomia universitaria, entendida no caso brasileiro em termos relativos, ou seja, como o exercicio da faculdade de que passa a dispor a instituigdo universitaria de estabelecer a sua propria lei, isto é, de implantar os seus préprios regulamentos, dentro das normas gerais estabelecidas pela administracao publica”. 211 Os Estatutos das Universidades Brasileiras, estabelecidos em 1931, vigoraram, com poucas modificagdes, até 1968, quando Procedeu-se a reforma universitaria. Resumo 1. A Revolugao de 1930 produziu importantes transformacoes no campo educa- cional. A educacao passou a articular-se como um sistema: a. criou-se 0 Ministério da Educagio; b. a Constituigao de 1934 incluiu um capitulo sobre a educacao. 2. A partir de 1934 0 Governo Federal Passou a assumir novas atribuigdes: a. a funcao de integracao e planejamento global da educacao; b. a funcao normativa para todo o Brasil e todos os niveis educacionais; ¢. a funcdo supletiva de estfmulo e assisténcia técnica; d. a fungao de controle, Supervisio e fiscalizagdo. 3. O Manifesto dos Pioneiros, em 1932, defendeu novas idéias: a educagdo como instrumento de Teconstru¢ao nacional; a educacdo piiblica, obrigatéria e leiga; a educa¢do adaptada aos interesses dos alunos; ete. 4. O Governo Federal passou a regulamentar o ensino primério, em 1946. 5. Os objetivos do ensino secundario Passaram a ser a formagio geral ¢ a prepa- ta¢do para o ensino superior, nas reformas de 1931 e 1942. 6. O ensino secundario passou a dividir-se em dois ciclos: fundamental e comple- mentar (em 1931), ginasial e colegial (em 1942). 7. 0 ensino técnico-profissional passou a ter legislacgo nacional, a partir de 1942. 8. Promulgaram-se os Estatutos das Universidades Brasileiras, em 1931, e fun- dou-se a Universidade de Sao Paulo, em 1934. Questées propostas 1. Como estava a educagao brasileira no final da Primeira Republica? 2. Qual a importéncia da criagdo do Ministério da Educaggo? 212 atime 3. Comente as fungdes educacionais assumidas pelo Governo Federal a partir da Constituigao de 1934. 4. Quais as principais idéias do Manifesto dos Pioneiros da Educagao Nova? 5. Como ficou o ensino primario a partir da Lei de 1946 e qual a sua importancia? 6. Que objetivos as reformas de 1931 e 1942 atribuiram ao ensino secunddrio? 7. Como ficou estruturado o ensino secundario em 1931 eem 1942? 8. O que aconteceu com o ensino técnico-profissional a partir de 1942? 9. Qual a importancia da Revolucao de 1930 para o ensino superior? 10. Qual a significagio da fundaggo das universidades para o ensino superior brasileiro? Discusséo: As propostas dos pioneiros de 1932 esto sendo praticadas pela educa- ¢ao brasileira atual? Algumas sim e outras no? Quais? Por qué? Leitura Complementar A nova politica educacional Esboco de um programa educacional extraido do manifesto Estabelecimento de um sistema completo de educacdo, com uma estratura organica, confor- me as necessidades brasileiras, as novas diretrizes econémicas e sociais da civilizagao atual e 08 seguintes prineipios gerais: a) A educacao ¢ considerada em todos os seus graus co- mo uma funcdo social e um servigo essencialmente _pa- blico que o Estado é chama- do a realizar com a coopera- gio de todas as instituigdes sociais. b) Cabe aos Estados federados organizar, custear e minis- trar 0 ensino em todos os graus, de acordo com os principios e as normas gerais estabelecidos na _Constitui- cao © em leis ordinarias pela Uniao a que competem a educacao na capital do pais, uma acéo supletiva onde quer que haja deficiéncia de meios e a acdo fisealizadora, coordenadora e estimulado- ra pelo Ministério da Edu- cacao. 213 i it — 214 c) O sistema escolar deve ser estabelecido nas bases de uma educacdo integral; em comum para os alunos de um e outro sexo e de acor- do com as suas aptiddes naturais; tinica para todos ¢ leiga, sendo a educacao pri- maria, gratuita e obrigato- ria: © ensino deve tender progressivamente 4 obriga- toriedade até 18 anos e a gratuitidade em todos os graus. Organizac3o da escola secunda- ria (de 6 anos) em tipo flexivel, de nitida finalidade social, co- mo escola para 0 povo, nio pre- posta a preservar ¢ a transmitir as culturas classicas, mas desti- nada, pela sua estrutura demo- cratica, a ser acessivel e propor- cionar as mesmas oportunida- des para todos, tendo, sobre a base de uma cultura geral co- mum, as secdes de especializa- cdo para as atividades de prefe- réncia intelectual (humanida- des e ciéneias) ou de prepon- derancia manual e¢ mecanica (cursos de carater tecnico). Desenvolvimento da educacao técnica profissional, de nivel secundario e superior, como base da economia nacional, com a necessdria variedade de tipos de escolas: a) de agri- cultura, de minas e de pesea (extragio de_matérias-primas): b) industriais e profission: (elaboragio de mat -pri- mas); ¢) de transportes ¢ co- Iv ¥I mércio (distribuicdo de produ- tos elaborados), e segundo mé- todos © diretrizes que possam formar técnicos e operarios ca- pazes em todos os graus de hierarquia industrial. Organizacao de medidas e insti- tuicdes de psicotécnica e orien- tacao profissional para o estu- do pratico do problema de orientacdo e selecdo profissio- nal e adaptacao cientifica do trabalho as aptiddes naturais. Criagdo de Universidades de tal maneira organizadas e aparelha- das que possam exercer a tripli- ce fancao que Ihes é essencial, de elaborar ou criar a ciéncia, transmitila ¢ vulgarizé-la, e sir- vam, portanto, na variedade de seus institutos: a) a pesquisa cientifica e a eul- tura livre e desinteressada; b) & formagao do professorado para as escolas_primérias, secund: superiores (unidade na pre- paracdo do pessoal do ensi- no): ©) a formacao de profissionais em todas as profissdes de base cientifica: d) a vulgarizacdo ou popular- zacio. cientifica, literaria e artistica por todos os meios de extensdo universitaria. Criagdo de fundos escolares ow especiais (autonomia econdmi- ca) destinados & manutencio e desenvolvimento da educa go em todos os graus ¢ consti- VIII — Desenvolvimento das _instit tuidos, além de outras rendas e recursos especiais, de uma porcentagem das rendas arreca- dadas pela Uniiio, pelos Esta- dos e pelos Munieipios. calizagao de todas as insti- tuigdes_particulares de cnsino que cooperario com o Estado na obra de educacao e cultura, Jé com fune30 supletiva, em qualquer dos grausde ensino, de acordo com as normas basi- cas estabelecidas em leis ordi- nrias, jd como campos de en- saios e experimentacio peda- gogica. cGes de educacdo e de assistén- cia fisica e psiquica a erianga escolas maternais e jardins de infancia) e de todas as institui- des complementares periesco- lares ¢ pos-escolares: a) para a defesa da sade d escolares, como os servicos imédico e dentario escolares (com fungao preventiva. edu- cativa ou formadora de ha- bitos sanitarios, ¢ clinica, pelas clinicas escolares, co- lonias de férias © escolas para débeis) e para a priti- ca de educacio fisica (pra- ¢as de jogos para criangas, pracas de esportes, piscinas e estadios): b) para a criacdo de um meio escolar natural e social e o desenvolvimento do espirito de solidariedade e coopera- ¢40 social (como as caixas Ix — escolares, cooperativas esco- lares, ete, ©) para a articulaggo da escola com o meio social (citculos de pais © professores, conse- Ihos escolares) ¢ intercam- bio interestadual e interna- cional de alunos ¢ professo- res; d) e para a intensificagiio © ex- tensio da obra de educagio e cultura (bibliotecas esco- lares, fixas ou circulantes, museus escolares, radio ¢ ci- nema educativo). Reorganizacio da administra- ¢Ho escolar e dos servicos técni- cos de ensino, em todos os departamentos, de tal maneira que todos esses servigos possam ser: a) executados com rapidez ¢ eficiéncia, tendo em vista 0 maximo de resultado com 0 minimo de despesa; b) estudados, analisados e me- didos cientificamente, e, por tanto, rigorosamente con- trolados nos seus resultados; ¢) e constantemente estimula- dos e revistos, renovados e aperfeigoados por um corpo técnico de analistas ¢ inves- tigadores pedagogicos ¢ so- ciais, por meio de pesquisas, inquéritos, estatistica e ex- periéncias. Reconstrucao do sistema educa- cional em bases que possam con- tribuir para a interpenetracao, das classes sociais e a formacio de uma sociedade humana mais 215 Justa e que tenha por objeto a organizacao da escola unifica- da, desde © Jardim da Infancia a Universidade, “em vista da se- legao dos melhores”, e, portan- to, 0 maximo desenvolvimento dos normais (escola comum), como o tratamento especial de anormais, subnormais © super- normais (classes diferenciais e escolas especiais). (AZEVEDO, Fernando de et alii. A reconstrugéo educacional do Brasil. Manifesto dos pioneiros da educapéo nova. Sao Paulo, Nacional, 1932. p. 113-7.) Questées sobre o texto De todo o texto, selecione as cinco tantes. Justifique sua escolha. Propostas que vocé considera mais impor- Trabalho em grupo (para posterior apresentagdo a classe): Quais as ués propostas 216 que mais se aproximam das atuais praticas educacionais? Quais as que esto mais longe de aplicagdo? Apresente exemplos tirados da propria experiéncia escolar.

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