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A análise de falhas: Parte 1 3. RESISTÊNCIA DOS MATERIAIS


A resistência mecânica dos me-
tais é, em última análise, definida
Fundamentos das falhas, pela presença (tipo, quantidade e
distribuição) dos inúmeros defeitos
fratura e o papel do aço presentes em sua estrutura cristali-
na, defeitos estes esquematizados
Figura 1.
na Figura 1.
Orientação técnica para detectar o problema e identificar a melhor forma para corrigi-lo. Exemplificação dos
Destes defeitos, as discordân-
defeitos presentes
cias possuem papel de destaque
Willy Ank de Morais nas estruturas
nas propriedades mecânicas. Sua
Marcus Vinícius de Oliveira Gonçalves cristalinas dos
movimentação é o principal me-
André Varvello Nunes metais a partir da
canismo pelo qual os átomos se
Celso Sacchetta Filho* representação dos
deslizam uns sobre os outros den-
defeitos presentes
tro da estrutura dos metais que é
na estrutura de um
1. INTRODUÇÃO c. Apresenta um uso inseguro de- to ou estrutura(s) existente(s); basicamente deformação plástica.
rebite de aço[5].
Este artigo é o primeiro de uma vido a uma séria deterioração. 4. Separar amostras e executar Sendo assim, quando a resistência
série de trabalhos de revisão do uma sequência de testes para resolver a maioria dos casos ape- que se compreenda os mecanis- mecânica dos metais é aumentada,
processo de Análise de Falhas em Para determinar e descrever os caracterizar e registrar as condi- nas através de observação e aná- mos de falha nos produtos meta- normalmente ocorre uma redução
componentes metálicos, particular- fatores responsáveis para a falha de ções de operação e o desem- lise com emprego de recursos lúrgicos, dos quais a fratura é um na capacidade de movimentação
mente feitos em aço. Cada trabalho um componente é recomendável a penho reais da parte falhada, simples. Para isso é fundamental dos principais. de suas discordâncias[8] e, conse-
explora um contexto da análise de realização de uma análise de falhas, prioridade deve ser dada aos
falhas, revisando informações bási- cujos resultados são agregados ao ensaios não destrutivos antes
cas da metalurgia e de ferramentas conhecimento histórico técnico em- dos ensaios destrutivos;
de análise de materiais, correlacio- pregado no projeto, produção e uso 5. Formular hipóteses com
nando-as com a experiência e a de componentes e estruturas iguais base nas observações a aná-
técnica profissional, a fim de solu- ou similares[1]. Uma análise de falhas lises feitas do componente
cionar questões práticas de falhas é essencialmente um processo de falhado e validá-las através
na aplicação dos metais em com- investigação científica e, como tal, dos dados obtidos dos testes
ponentes e estruturas. Neste pri- deve ser executado seguindo uma (ensaios) realizados;
meiro trabalho serão apresentados metodologia científica. Existem vá- 6. Obter as causas da falha, listar
e discutidos alguns aspectos sobre rios procedimentos descritos na as causas-raiz e indicar, ou ao
falha e fratura, os fundamentos da literatura[1-4], porém, de uma forma menos subsidiar, a definição
fratura dos materiais e o papel do geral, esta análise é realizada através de métodos para bloqueio.
aço neste cenário. das seguintes etapas:
1. Verificar o histórico e o desem- Genericamente as causas para
2. FALHAS penho prévio existentes do a falha da maioria das estruturas/
É muito comum associar falha componente e/ou estrutura, componentes estão relacionadas
a uma fratura, geralmente frágil ou ou ao menos de seus similares; as duas situações[2]:
oriunda de fadiga ou ainda corro- 2. Estudar o funcionamento 1. Desvios na fase de projeto,
são. Mas o conceito de falha é mais do equipamento ou da es- construção ou operação da
abrangente e genericamente uma trutura onde ocorreu a falha, estrutura ou componente.
estrutura ou componente pode ser assim como de particularida- 2. Aplicação de um novo proje-
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considerado falhado quando este: des presentes ou eventuais; to ou material.


a. Fica completamente inutilizado; 3. Analisar visualmente como a
b. Ainda pode ser utilizado, mas falha se manifestou, inclusive Na maioria das análises de
não desempenha sua função verificando a relação desta falha falhas, uma pessoa treinada, ou
de forma satisfatória; com o restante do equipamen- um time de pessoas, conseguem

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los eventos de fratura da maioria


das condições práticas. Consi-
derando este cenário, é possível
considerar a inclusão do valor
do fator de intensidade de ten-
sões no modo de abertura I (K I)
no critério de balanço de energia
considerando um campo de ten-
sões elásticas e obter uma equa-
ção elegantemente simples, mas
uma redução da tenacidade para de intensidade de tensões, r e θ Figura 5. Um muito útil no estudo da maioria
menos de 20% da apresentada as coordenadas polares do ponto CP de CTOD já das falhas com fratura:
quentemente, uma restrição na entre uma boa resistência mecânica formas, mas na maioria dos casos, pelo CP liso. considerado à frente da trinca. aberto ilustrando
Figura 2. (Eq. 3)
a geometria e
plasticidade (ductilidade) do metal. e uma razoável capacidade de de- Efeito na curva a origem destas está vinculada a As trincas podem ser carrega- Considerando o critério de Von posição da região
tensão versus
Podem ser empregados mecanis- formação plástica. Mesmo assim, es- concentradores de tensão. dos em três modos de abertura: I, Mises como forma de quantificar o plástica na ponta Onde: σ representa a tensão
deformação de um
mos especiais de controle micro- truturas e componentes metálicos Concentradores de tensão pro- II ou III ou em combinações destes, efeito plástico do campo de ten- da trinca. aplicada no componente, Y é um
aço HSLA (0,08%C;
estrutural para se minimizar os efei- falham, fraturando-se em várias si- 0,65%Mn; movem um aumento localizado da conforme ilustrado pela Figura 3. sões gerado na ponta da trinca fator geométrico (disponível na
tos da perda da ductilidade com o tuações o que incita em um estudo 0,030%Nb) pela tensão aplicada no componente. Um campo de tensões elásticas é é possível fazer uma interpreta- literatura, mensurável ou obtido
aumento da resistência mecânica. mais profundo dos mecanismos de introdução de um A máxima tensão (σmáx.) que surge gerado ao redor da trinca, confor- ção gráfica do campo de tensões através de cálculos numéricos), a é
concentrador de
Tais técnicas implicam na obtenção fratura, abordado nos dias de hoje pela presença de um concentra- me exemplificado para o modo I descrito pela Equação 2, apresen- o tamanho da trinca e KI o fator de
tensões (entalhe
de metais com diferentes níveis de pela Mecânica de Fratura. mecânico com dor de tensão pode ser relacionada pela Equação 2. Nesta equação as- tada na Figura 4. Na Figura 5 está intensidade de tensões. A unidade
tenacidade já que esta propriedade O conceito básico emprega- raio de 0,30mm) à tensão aplicada externamente socia a intensidade deste campo de ilustrado um CP de dobramento de medida para KI é tensão x raiz
depende, simultaneamente, da re- do na Mecânica de Fratura é que em corpos de (σ0) por meio de medições experi- tensões a uma constante conheci- com uma trinca, empregado em quadrada de comprimento (exem-
prova de tração
sistência e da plasticidade[6 e 7]. o material apresenta concentra- mentais de tensão (extensometria da como fator de intensidade de ensaios da Mecânica de Fratura. plo: MPa×m½).
prismáticos.
dores de tensão severos (trincas), ou outros), por análises numéri- tensões (KI, KII ou KIII). O CP foi preparado de tal forma a Neste caso, ocorrerá propaga-
Figura 3.
4. MECÂNICA DE FRATURA cuja propagação é definida por cas (elementos finitos) ou através evidenciar a deformação plástica ção de uma trinca (falha do ma-
Os três possíveis
A grande aplicabilidade dos me- um balanço entre a energia libe- modos de abertura de ábacos. De uma forma geral, (Eq. 2) na ponta da trinca, conforme indi- terial) quando a intensidade de
tais é oriunda dos seus altos valores rada pelo carregamento mecânico de uma trinca. empregam-se valores do fator de cada na Figura 5. tensões atuante na ponta da trin-
de tenacidade, os maiores dentre os e a energia absorvida na deforma- Figura 4. concentração de tensão (Kt) para Como o modo de abertura I é ca (KI) for superior a um valor ca-
materiais de engenharia. Esta maior ção plástica ao redor da trinca. As Interpretação do descrever a amplificação da tensão Onde: σ representa os com- o mais comum, é normal consi- racterístico do material (KIc). Des-
tenacidade é oriunda da conciliação trincas podem se originar de várias campo de tensões pelo concentrador: ponentes de tensões normais, τ o derar apenas este modo de aber- ta forma o parâmetro KIc passa a
ao redor de um componente cisalhante, KI o fator tura como sendo responsável pe- representar uma forma de quanti-
concentrador de (Eq. 1)
tensões carregado
no modo de Onde: σmáx. representa a máxima
abertura I (Figura tensão presente na região do con-
4) conforme centrador de tensão; Kt é o fator de
descrito pela
concentração de tensões e σ0 a ten-
Equação 2. A ponta
do concentrador são aplicada no componente (fora
de tensões (trinca) do concentrador de tensões).
sx sy está situada O efeito de um concentrador de
sempre no meio da tensões intenso pode ser observa-
lateral esquerda
das figuras. As
do pela curva tensão-deformação
cores vermelhas mostrada na Figura 2. Apesar do
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indicam valores aumento da resistência mecânica


mais elevados de obtida (+15%), houve uma queda
tensão, as cores
muito acentuada na capacidade
azuis valores mais
baixos e as laranjas de deformação plástica (-87%) o
sxy sVON MISES intermediários. que implicou, para este caso, em

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Tenacidade a Fratura KIc (MPa×m½)


[4]
– SACHS, N.W.; Pratical plant [8]
– MATWEB – Material Proper- Sabesp, técnico da Superintendên-
failure analysis - A guide to under- ty Data. Disponível em http://www. cia de Gestão do Programa de Re-
METAIS Desv.
Mín. Méd. Máx. standing machinery deterioration matweb.com/search/PropertySear- cuperação Ambiental da Baixada
Pad.
and improving equipment reliabil- ch.aspx Acesso em: 26/02/2014. Santista (TBT). e-mail: mvogoncal-
Aço Alta 31,6 97,7 42 165 ity. CRC - Taylor & Francis, Boca Ra- ves@sabesp.com.br
ton, 2007. 8. AUTORES
Ligas Ti 13,5 68,6 28 148 [5]
– ENGEL, L.; KLINGELE, H.; An Willy Ank de Morais André Varvello Nunes
atlas of Metal Damage. Wolfe Scien- Mestre e doutorando em enge- Engenheiro mecânico e mes-
Aço Méd. 34,0 66,2 27 110 ce Books,1981. nharia metalúrgica e de materiais, trando em engenharia mecâni-
[6]
– MAGNABOSCO, A.S.; Resis- engenheiro metalurgista, técnico ca pela Unisanta. Engenheiro da
Ligas Al 12,0 38,9 26 136
tência Mecânica × Conformabilida- em metalurgia. Professor adjunto Transpetro. e-mail: andre.varvello@
de. Módulo 5, Cap.3 p. 481-500. In: na Faculdade de Engenharia da gmail.com e andre.varvello@petro-
Outros Ñ
6,0 15,2 5 27 MORAIS, W.A.; MAGNABOSCO, A.S; Unisanta e consultor técnico na Ins- bras.com.br
ferrosos
NETTO, E.B.M.; Metalurgia física e pebras. e-mail: willyank@unisanta.
mecânica aplicada. 2a Edição. São br e willyank@inspebras.com.br Celso Sacchetta Filho
ficar a tenacidade do material na muitos deles substitutos dos aços. Figura 6. 6. CONCLUSÕES Paulo: ABM, 2009. Engenheiro industrial mecânico
presença de um concentrador de Adicionalmente, surgiram aplica- Correlação Falhas são eventos que ocor- [7]
– MORAIS, W.A.; Análise das Marcus Vinícius de Oliveira e mestrando em engenharia me-
entre os níveis
tensões intenso (trinca). A esta ca- ções novas e cada vez mais sofisti- rem devido as mais diversas ori- relações entre as características dos Gonçalves cânica pela Unisanta. Gerente de
de plasticidade
racterística dos materiais, dá-se o cadas, exigindo um maior nível de (%Alongamento) gens, mas muitas associadas pela aços e sua tenacidade. 65o Con- Engenheiro civil e mestrando operação na Bohler Técnica de Sol-
nome de tenacidade a fratura e os confiabilidade na aplicação dos e resistência conciliação de condições mecâni- gresso Anual da ABM, Rio de Janei- em engenharia mecânica pela Uni- dagem. e-mail: Celso.Sacchetta@
valores de KIc tornaram a forma materiais. Apesar de não terem (Limite de cas e metalúrgicas adversas. É de ro, jul. 2010. santa. Engenheiro de projetos na voestalpine.com
mais popular de quantifica-la. contribuição exclusiva, estes dois Resistência) primordial importância a compre-
de diversas
cenários estiveram e ainda estão ensão dos mecanismos básicos
categorias de
5. O PAPEL DO AÇO intimamente ligados às duas prin- metais e valores para a ocorrência de uma falha e
A amplitude de resistência cipais causas de falhas em com- de tenacidade neste sentido a Mecânica de Fra-
mecânica que o aço pode apre- ponentes e/ou estruturas: a fratura KIc turas é essencial, pois através dela
para diferentes
sentar varia entre os valores de 1. Desvios na fase de projeto, é possível correlacionar defeito
categorias de
um material polimérico (plástico) construção ou operação da metais[8]. (trinca), carregamento mecânico
até de um material cerâmico (de estrutura ou componente. (tensão) e propriedade do material
100 a 2.000MPa). Nenhum outro Um material de alta tenaci- (tenacidade à fratura) para esboçar
material, além do aço, apresenta dade à fratura apresenta me- o cenário onde a falha ocorreu. O
uma amplitude tão grande desta nor probabilidade de falhar desafio torna-se maior especial-
propriedade. Além disso, o aço é o mesmo quando ocorrem al- mente quando novas aplicações e
material de engenharia que apre- terações na configuração ini- novos materiais surgem.
senta o maior valor de tenacidade cial da sua aplicação, como o
à fratura entre todos os materiais surgimento de trincas. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
existentes (de 30 a 300 MPa×m½), 2. Aplicação de um novo pro- [1]
– COLANGELO, V.J.; HEISER,
apresentando uma combina- jeto ou material. Em muitas F.A., Analysis of metallurgical fail-
ção entre resistência mecânica e aplicações a tenacidade e ures, Wiley, London, 1987.
plasticidade superior aos demais a tenacidade à fratura são [2]
– WULPI, D.J., Understanding
metais, como mostra o gráfico da características muito impor- how components fail. ASM Inter-
Figura 6. tantes à aplicação, mas nem national, Materials Park, 3rd Edition,
Entretanto este tipo de com- sempre são consideradas ou 2013.
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portamento não era tão óbvio quantificadas de maneira [3]


– MORAIS, W.A.; A Condução
ao longo do século 20, período a refletir a real necessidade de uma Análise de Falhas. In: GODE-
durante o qual houve muitos de- que a aplicação requer por- FROID, L.B.; CANDIDO, L.C.; MORAIS,
senvolvimentos e aplicações dos que simplesmente não fo- W.A.; Análise de Falhas, ABM, São
novos materiais de engenharia, ram percebidas como tal. Paulo. Cap. 9, 2012.

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