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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

CURSO DE RELAÇÕES PÚBLICAS


SOCIOLOGIA GERAL DA COMUNICAÇÃO

TRANSPORTE PÚBLICO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA


IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA
1. INTRODUÇÃO

A Sociologia existe como o campo responsável pelo estudo da vida social humana, dos
grupos e das sociedades. O sociólogo, segundo o britânico Anthony Giddens, é quem
tem a capacidade de se libertar do quadro da própria pessoalidade e analisar as coisas
sobre lentes mais amplas.
Essa habilidade é o conceito introduzido pelo sociólogo americano C. Wright Mills
como imaginação sociológica, a prática de enxergar e compreender as circunstâncias
sociais e vidas pessoais dos indivíduos através das interações que estes têm com fatores
de ordem histórica, econômica, cultural e social.
[imaginação sociológica] é a capacidade de passar de uma perspectiva
a outra — da política para a psicológica, do exame de uma única
família para a análise comparativa dos orçamentos nacionais do
mundo.
MILLS, Charles Wright, A Imaginação Sociológica, 1959

Portanto, depreende-se da imaginação sociológica o condão de inserir os problemas


comumente tidos como individuais em um contexto coletivo e de interesse público. Sob
essa base teórica, o presente trabalho se propõe a analisar especificamente o transporte
público brasileiro, um país de dimensões geográficas continentais, traçando as
semelhanças e fatores comuns nos processos sociais nele estabelecidos. Para tanto, o
distingue em 4 planos sociológicos diferentes, fazendo uso de demarcadores conhecidos
das Ciências Sociais como gênero, classe, raça e cultura.
O escopo do trabalho é subverter a imagem de um sistema tão populoso e massificado
como o de transporte público, e logo à primeira vista um emaranhado de indivualidades,
encontrando correspondências em suas rotinas. Por vezes, porém, apesar de pensar em
um contexto nacional, o estudo se aproxima da realidade da locomoção urbana de
Maceió pela proximidade dos seus realizadores.
2.1 PERFIL SOCIOECONÔMICO E DESIGUALDADES DO TRANSPORTE
PÚBLICO

O primeiro registro de um serviço de deslocamento coletivo brasileiro é de 1817, na


cidade de São Paulo, com o bonde de tração animal Sant’Anna. Os problemas de
logística e flexibilidade operacional perduraram até a chegada dos bondes elétricos e
seus avanços tecnológicos. Ainda assim, o público-alvo do serviço eram os
membros da elite paulistana, deslumbrados com esse novo modo de carregamento
de pessoas vindo da Europa. A efeito de comparação, durante o mesmo período de
surgimento desses serviços, era comum o uso da liteira, um dispositivo de transporte
urbano usado para trajetos curtos, que consistia em um passageiro branco sentado
em uma cadeira sendo carregado pelo trabalho braçal de duas pessoas negras
escravizadas.

Hoje, o perfil do usuário de transporte público mudou e o ônibus é o meio utilizado


por 1 entre cada 4 brasileiros, segundo pesquisa da CNI (Confederação Nacional da
Indústria). A população rica individualizou seus meios de transporte com a
popularização dos carros e o transporte coletivo foi delegado ao uso das pessoas
pobres — e pretas.

Portanto, a primeira inferência sociológica do uso de transporte público é a de sua


relação com a pobreza e sua dimensão racial. No Brasil, pessoas pretas e pardas, que
são 56% da população nacional e que segundo o IBGE, sofrem mais com o acesso à
emprego, educação, saneamento e segurança, heranças diretas da escravidão e
sintomas do racismo estrutural brasileiro. A mobilidade e a formação do espaço
urbano também foram afetados por essas questões, com a alocação das famílias
pobres nas extremidades urbanas das cidades e as formações das periferias quase
sempre longe de onde se concentra a oferta de serviço nas cidades ou mesmo os
empregos destas pessoas.

Para residentes de determinadas áreas, um sistema de transporte é insuficiente para


conseguir chegar ao ponto de destino. Em algumas cidades, quando os oferecem, é
preciso usar ônibus, trem e metrô para chegar ao destino, em outras, mais de três
linhas de ônibus diferentes. Essas desigualdades são sentidas além dos próprios
veículos mas no conforto, iluminação e segurança dos pontos e estações,
preocupação em especial das mulheres (item 2.2).

Os impactos dessas desigualdades urbanas são sentidos no bolso dos usuários.


Segundo relatório da confederação Oxfam Internacional, em 2022, 34.766 milhões
de brasileiros recebiam um salário mínimo (R$1.212 reais no período), o que com o
custo médio de transporte brasileiro de R$4,80, comprometeria entre 15% a 20% do
orçamento das pessoas nessa faixa salarial, com uso de duas passagens por dia
somente. Com a crescente nos números de desempregados e trabalhadores
autônomos, esse acesso a mobilidade pode ser ainda mais crítico e restrito.
Desse modo, fica claro como o transporte público é uma vitrine da segregação racial
e de classe, oriunda da formação histórica do Brasil e que sua oferta enquanto
serviço público é insuficiente, insatisfatória e cara para aquelas que dependem dele.

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