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XIX CONIC

III CONITI
VII JOIC CTG - UFPE - 2011

INVENTÁRIO DOS JARDINS PRIVADOS DE BURLE MARX NO


RECIFE

Ana Beatriz Tenório de Souza Beltrão1; Ana Rita Sá Carneiro2


1
Estudante do Curso de Arquitetura e Urbanismo- CAC – UFPE; E-mail: ana.biazinha@gmail.com,
2
Docente/pesquisador do Depto de Arquitetura e Urbanismo – CAC – UFPE. E-mail:
anaritacarneiro@hotmail.com.

Sumário: Roberto Burle Marx projetou no Recife 33 jardins privados. Esses projetos
foram iniciados no final da década de 1930 e mais intensificados na década de 1970. Esse
conjunto juntamente com os jardins públicos que somam aproximadamente 20 é parte de
uma grande produção paisagística de um artista de renome internacional. O presente
trabalho mostra parte do desenvolvimento do Inventário de Jardins Privados de Burle Marx
no Recife para demonstrar as características artísticas e botânicas dos jardins e a relação
com a edificação para a identificação dos valores culturais e seu reconhecimento como
obras de arte. Também está sendo analisado o estado de conservação dos jardins. O
inventário é um instrumento de análise e apoio para o planejamento da conservação dos
jardins, e é a partir dele que pretendemos formar um instrumento de pesquisa e reunir o
maior número de informações. A pesquisa teve por objetivo principal identificar os
projetos de jardins privados de Roberto Burle Marx no Recife bem como avaliar o estado
de conservação de tais jardins. O que ocorre, quase na totalidade dos jardins, é a falta de
conhecimento por parte dos proprietários da relevância desses jardins como objeto
patrimonial, o que resulta no descuido da vegetação, do mobiliário. Por outro lado, o
crescimento urbano tem gerado a perda da escala entre o jardim e o seu entorno.

Palavras–chave: Burle Marx; conservação; inventário; jardins privados

INTRODUÇÃO
Este estudo faz parte da pesquisa realizada pelo Laboratório da Paisagem da UFPE cujo
título é “Inventário dos jardins de Burle Marx no Recife”. O jardim de Burle Marx,
caracterizado pelos princípios do Movimento Moderno, cristaliza a gênese do jardim
brasileiro, materializado em plantas brasileiras, e levando em conta o tipo de usuário. Na
concepção de Burle Marx “o jardim é natureza organizada subordinada às leis
arquitetônicas” (Marx, 1935). Dessa maneira, constitui uma categoria de paisagem cultural
que é criada intencionalmente pelo homem por razões estéticas, num trabalho combinado
da natureza e do homem e reconhecido em vários países do mundo (UNESCO, 1992).
Na visão do paisagista, os princípios para a elaboração de seus jardins são: higiene,
educação e arte. Onde, do ponto de vista higiênico o jardim deveria ser um “pulmão verde”
na cidade, um local para recreação ao ar livre. Do ponto de vista educacional o jardim
deveria trazer para as pessoas o “amor pela natureza”, e do ponto de vista artístico o jardim
deveria ser a “manifestação da arte”, levando em conta na composição “forma, cor,
dimensão, tempo, ritmo e a dinâmica dos seres vivos” (Previatello, 2009).
Em fases anteriores, foram realizados projetos que trataram da identificação e análise dos
componentes dos Jardins Públicos de Burle Marx visando à conservação desses como
patrimônio cultural. Para dar continuidade, a pesquisa agora se debruça sobre os Jardins
Privados de Burle Marx, que constituem um total de 33 jardins, como por exemplo, os
projetos de instituições e residências como o da Superintendência do Desenvolvimento do
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Nordeste (SUDENE) e Companhia de Eletricidade de Pernambuco (CELPE) e o da


residência Emir Glasner na Rua Jacobina. A pesquisa teve por objetivo principal identificar
os projetos de jardins privados de Roberto Burle Marx no Recife bem como avaliar o
estado de conservação de tais jardins, analisando em particular cada jardim, sua relação
com o entorno e a mudança ou permanência do uso da edificação a qual está relacionado,
além de pesquisar sua planta original com a finalidade de comparar a vegetação e seu
traçado com o momento atual.

MATERIAIS E MÉTODOS
Diante de uma lista de Jardins Privados de Burle Marx produzida pela equipe do
Laboratório da Paisagem da UFPE, esforços foram realizados para confirmar os mesmos
em fontes bibliográficas, no caso o livro de Jacques Leenhardt, intitulado de Nos Jardins
de Burle Marx, 2000 e o livro de Lauro Cavalcanti e Fares El-Dahdah, intitulado Roberto
Burle Marx: a permanência do instável, 100 anos, 2009. Durante o estudo bibliográfico,
foram analisadas as Cartas Patrimoniais do ICOMOS (Carta de Veneza e Carta de
Florença). Foram consultados exemplos de manual e inventário para intervenções em
jardins históricos, como o Manual de Intervenções de Jardins Históricos – IPHAN, 2005,
no que dizia respeito a monumentos históricos e praças históricas e os corretos
procedimentos de restauro, além de trabalhos de graduação e de bolsistas das pesquisas
anteriores relacionadas ao tema. Para desenvolver a pesquisa dos jardins privados foram
feitas visitas de campo. Durante as visitas, foi observado o estado de conservação dos
jardins, o entorno e o uso da edificação. Foram feitos registros fotográficos para
aprofundar a análise com a equipe do Laboratório e comprovar informações. Em algumas
das edificações foi possível conversar com funcionários e moradores sobre o jardim para
entender qual a relação dos usuários com o jardim.

RESULTADOS
De maneira geral, percebeu-se a descaracterização ou quase descaracterização dos jardins, uma
vez que não foram encontradas evidências projetuais de Burle Marx. Foi percebida também, a
falta de conhecimento dos proprietários sobre a origem e importância do projeto para a história
da arquitetura paisagística do Recife, o que resultou na falta de preocupação com a
conservação do jardim. Dos jardins visitados, percebeu-se que esses haviam passado por
grandes transformações que resultaram na maioria dos casos na descaracterização do
jardim. Na visita ao Banco Safra, localizado na Av. Dantas Barreto, percebemos vestígios do
projeto do paisagista, como por exemplo, os bancos e tipos de vegetação. Porém a situação era
de total abandono apesar de todo gradeado, o que impossibilitava o acesso. De dentro da
edificação, que tem paredes de vidro, é possível ver todo o jardim, porém o mesmo não se
torna atrativo diante da falta de conservação. O entorno da edificação prejudica ainda mais a
manutenção do jardim, pois tem muitos camelôs instalados que fazem do jardim um lixeiro
além dos moradores de rua, que se o utilizam como moradia. No edifício do antigo Bandepe,
que atualmente funciona o Porto Digital, no bairro do Recife, quase não existe mais elementos
do jardim, o único vestígio de vegetação é um gramado elevado na entrada (Fig. 05), com
alguns exemplares de agave (Agave angustifólia) e de fícus (Ficus sp.) e uma escultura, que
fica ao nível do chão. Em um dos locais que supostamente era jardim (gramado), foram
colocados containers para estocar entulhos e o local dos bancos para descanso e contemplação,
foi transformado em estacionamento de motos. Os supostos jardins que existiriam em alguns
dos andares do edifício não foram confirmados, porém, funcionários informaram que não
existem mais; a única área livre por andar é uma varanda que serve de fumódromo. Na
residência José Alves de Oliveira, atual Banco Santander, na Av. Rui Barbosa, as únicas
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evidências projetuais de Burle Marx são três exemplares de jasmim-manga-branco (Plumeria


rubra var. alba) e algumas ixórias (Ixoria coccinea), uma vez que tais espécies faziam parte do
repertório botânico do paisagista. No mais, o jardim está restrito a uma área gramada e sem
manutenção. Provavelmente a perda de identidade do jardim se deu pela mudança de uso
residencial à prestação de serviço, vindo à necessidade de estacionamento. A Residência Emir
Glasner de Barros, projetada pelo arquiteto Vital Pessoa de Melo, assim como o Edifício
Transatlântico, fazem parte dos exemplares da arquitetura moderna da década de 70. Do
projeto original de Burle Marx para a residência, muito já se perdeu devido ao fato de
ninguém mais morar nela. Apesar de ser possível identificar espécies características dos
projetos do paisagista, o jardim da residência tende a ser descaracterizado por falta de
manutenção. Já no Edifício Transatlântico, no Centro de Convenções e Exposições do
Estado de Pernambuco, Companhia de Eletricidade do Estado de Pernambuco CELPE,
SUDENE - Agência Nacional para o desenvolvimento do Nordeste, Sítio São João da Várzea
e na Praça da Oficina Cerâmica Francisco Brennand, observamos a preocupação em manter
bem conservados os jardins apesar de, na maioria dos casos, não ter sido ainda
comprovado a permanência das espécies vegetais que confirmem a legitimidade do projeto.

DISCUSSÃO
Diante da lista de Jardins Privados concebidos pelo paisagista Roberto Burle Marx no
Recife pertencente ao Laboratório da Paisagem, esforços foram realizados para a
certificação da autoria dos mesmos. Para tanto se utilizou dois livros: “Nos Jardins de
Burle Marx”, de Jacques Leenhardt e “Roberto Burle Marx a permanência do instável, 100
anos”, de Lauro Cavalcanti e Fares El-Dahdah. A partir das confirmações deram-se início as
visitas aos jardins. Porém, de um total de 23 jardins confirmados, apenas 10 foram visitados,
uma vez que, ocorreram impedimentos relativos à proibição de acesso por parte dos
proprietários ou por falta de informações seguras sobre os endereços. Em quatro dos dez
jardins visitados pudemos percebemos vestígios do projeto do paisagista, a exemplo de bancos
ou alguns tipos de vegetação. Porém a situação normalmente é de abandono e em alguns deles
a perda de identidade do jardim provavelmente deu-se pela mudança de uso, foram estes o
jardim da Residência Emir Glasner de Barros, residência José Alves de Oliveira, o edifício do
antigo Bandepe e o Banco Safra da Avenida Dantas Barreto. Já no jardim do edifício da
CELPE, no bairro da Boa Vista, se mostra muito bem conservado. Algum tipo de vegetação foi
alterado assim como a colocação de jarros. O traçado se manteve conforme o projeto original
de Burle Marx e relacionado diretamente à edificação projetada pelos arquitetos Reginaldo
Esteves e Vital Pessoa de Melo, o que confirma a autenticidade do jardim. Assim como no
Centro de Convenções de Pernambuco, Burle Marx fez o projeto tanto do jardim interno
quanto do externo. O fato do uso não ter mudado e o jardim já ter sido pensado para tal
uso, permitiu que sua conservação fosse mais eficaz. Os jardins internos ainda mantêm-se
bem conservados apesar de não ter sido ainda comprovado a permanência das espécies
vegetais que confirmem a legitimidade do projeto. Além disso, os bancos são elementos
característicos de seus projetos. No jardim do edifício Transatlântico, projetado por Burle
Marx, possui características muito marcantes do estilo do paisagista, linhas retas e curvas
se unem para criar canteiros e espelhos d’ água. A vegetação escolhida por Burle Marx é
na maioria de baixo porte, o que talvez tenha facilitado a manutenção do jardim e
permanência das características originais. Diferentemente do edifício da SUDENE, que
apesar da mudança de uso hoje funciona a Justiça do Trabalho, os jardins estão sendo
mantidos e com isso pode-se preservar seu desenho e muitas das espécies, porém se
verifica a inserção de novas espécies, que provavelmente não estavam no projeto original.
O fato de o edifício ser circundado pelo jardim faz com que as pessoas tenham que
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percorrer um caminho para acessar as entradas e dessa forma, vão percebendo e sentindo o
jardim. O projeto para a Praça da Oficina Brennand foi um presente de Burle Marx para
Francisco Brennand, que admirava muito suas obras. O jardim é muito bem conservado até
hoje, devido ao conhecimento do proprietário da importância de Burle Marx e sua relação de
amizade. Também da propriedade da família Brennand o Sítio São João da Várzea, foi o
primeiro projeto de jardim privado de Burle Marx no Recife no final da década de 1930. O
jardim está localizado no entorno da residência, famosa por sua arquitetura de ferro.

CONCLUSÕES
O paisagista Roberto Burle Marx concebeu em Recife na década de 1930, a essência do
jardim moderno, que ficou caracterizado pela sua expressão artística. O estudo desses
jardins públicos e privados vem permitindo o aprofundamento do estudo da obra de Burle
Marx em sua totalidade, e é através do inventário que a população terá conhecimento da
existência e importância dos jardins passando a valorizá-los. As visitas aos jardins privados
e a transmissão de informações aos proprietários e usuários visa contribuir para a
preservação dos mesmos. Para isso, é preciso que os valores históricos, artísticos, culturais
e sociais estejam devidamente explícitos em documentos e conferidos na paisagem do
Recife. É, portanto, através do aprofundamento das informações sobre a obra de Burle
Marx como grande artista e paisagista, que conseguiremos preservar os valores, a
autenticidade e a integridade de cada um deles.

AGRADECIMENTOS
A orientação da Profª Drª Ana Rita Sá Carneiro, assim como a colaboração dos demais
bolsistas do Laboratório da Paisagem e professores que ajudaram na elaboração do
inventário, foram de fundamental importância para a elaboração dessa pesquisa. Além do
incentivo financeiro do CNPq, a quem devo agradecimentos.

REFERÊNCIAS
LEENHARDT, Jacques. Nos jardins de Burle Marx. São Paulo: Perspectiva S.A., 2006.
CAVALCANTI, Lauro e EL-DAHDAH, Fares. Roberto Burle Marx: a permanência do
instável, 100 anos. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.
CURY, Isabelle. Cartas Patrimoniais. IPHAN. Rio de Janeiro, Edições do Patrimônio,
2000.
DELPHIM, Carlos de Moura. Manual de intervenções em jardins históricos (texto).
Brasília, 2005.
TABACOW, José. Roberto Burle Marx, Arte e Paisagem: conferências escolhidas. São
Paulo: Studio Nobel, 2004.
MOTTA, Flávio L. Roberto Burle Marx e a nova visão da paisagem. São Paulo: Nobel,
1983.

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