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RICARDO CARDIM

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PAISAGISMO DVSHFWRVHFROµJLFRVHFXOWXUDLV3DLVDJLVPRVXVWHQW£YHO
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SUSTENTÁVEL
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O BRASIL
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PAISAGISMO
SUSTENTÁVEL
PARA
O BRASIL
RICARDO CARDIM

PAISAGISMO
SUSTENTÁVEL
PARA
O BRASIL
Integrando natureza e
humanidade no século XXI

São Paulo, 2022

Na página anterior,
Escola Pueri Domus,
São Paulo. Ao lado,
Escola Avenues,
São Paulo.
A evolução da Floresta de Bolso
“Bosque da Batata” em três anos.
INTRODUÇÃO

O que pode vir a ser um paisagismo sustentável para o Brasil? O que é verdadeiramente impor-
tante em nossa realidade? Esse livro procura compreender o passado e o presente para apresentar
caminhos na busca dessas respostas.
Em pouco mais de 150 anos, a natureza mudou drasticamente em quase todo o país. Com eficiên-
cia, conquistamos o progresso material através da degradação das nossas paisagens e da biodiversida-
de nativa. Dizimamos os animais, cortamos florestas e cerrados, arrancamos as orquídeas, poluímos
rios e plantamos gramados, culturas agrícolas, estradas, carros e cidades. A maioria dos biomas foi
transformada em retalhos na paisagem, e os espaços destinados à natureza nas ocupações humanas
foram trocados por áreas verdes que pouco ou nada lembravam as originais, com plantas tratadas
como objetos e predominância de espécies de origem estrangeira, tanto na cidade quanto no litoral ou
na zona rural. Os centros urbanos, via de regra, cresceram em uma velocidade sem precedentes, trans-
formando o seu território de forma tão abrangente e sólida que descaracterizaram completamente o
meio natural, resultando em aglomerações caóticas, áridas e com graves questões ambientais.
Vivi um pouco disso na infância. Nascido em 1978, cresci em um bairro da metrópole paulistana
assistindo apreensivo aos antigos quintais com árvores desaparecerem e à paisagem da janela do apar-
tamento ficar com cada vez menos céu, com a vegetação limitada pela construção de muitos outros
edifícios altos que ocupavam praticamente todos os lotes dos arredores. Em poucos anos, Moema,
como muitos outras partes de São Paulo e do Brasil, se transformou em um denso canyon urbano
persistentemente sombreado e árido. No lugar das jabuticabeiras, figueiras-brava e grumixamas em
meio a alegres canteiros caseiros de plantas misturadas, surgiram rígidos jardins comerciais com a
monotonia das mesmas plantas ornamentais exóticas, como areca-bambu e cicas, que também esta-
vam em muitos outros lugares, até quando eu ia para a praia e o campo. Lembro de quando passava na
rua e via que aquelas plantas que conhecia dos quintais tinham sido simplesmente cortadas. Na rua
em que morava, com nome de pássaro nativo, Inhambu, havia um córrego, que, embora já degradado
de todas as formas possíveis, fascinava minha curiosidade infantil com a sua água suja e acinzentada
sobre um assoalho de entulhos e lixo. No final de um inverno, ele foi coberto por lajes de concreto e
depois foi construído um grande prédio por cima; simplesmente desapareceu, como se nunca tivesse
existido. Progressivamente, nos 4 m² do meu terracinho repleto de plantas no alto do 13° andar, o sol foi
deixando de bater e ficando mais complicado o cultivo. Desde as primeiras memórias, gosto de natu-
reza e plantas. Enquanto era difícil vivenciar isso no pequeno apartamento que morava, tive a sorte de
estudar em uma escola que ainda conservava, por acaso, um raro trechinho de Mata Atlântica. Era ali
que me maravilhava com suas árvores altas, bromélias penduradas e uma enorme variedade de plan-
tas incomuns, de formas e tons de verde que não via em outros lugares da cidade. Na hora do recreio
e na saída da aula, enchia a lancheira de sementes interessantes e de copos descartáveis usados com
mudas, acolhidas e respeitadas pela minha família. Com o passar dos anos, fui percebendo como eram
escassas as lindas plantas daquela floresta da infância. Eu as via em alguns poucos parques, como o
Trianon e o Volpi, mas não na cidade. Então aprendi o que era Mata Atlântica e a diferença entre plan-
tas nativas e exóticas, mas aí já é outra história.
SUMÁRIO
PARTE 1 84$UERUL]D©¥RDQ¥
RAÍZES E QUESTÕES ATUAIS 853UHGRP¯QLRGHH[µWLFDVQDDUERUL]D©¥RXUEDQD
87$SODQWDFRPRREMHWR
16 1 88$IDOWDGHYHUGHHDPRELOLGDGHXUEDQD
AS RELAÇÕES COM O VERDE NOS 89O paisagismo e a troca do verde nos paraísos naturais
PRIMEIROS SÉCULOS DO BRASIL: AS 94A preservação dos fragmentos de vegetação nativa
CIDADES VERDES DE PRIMEIRA GERAÇÃO QDVFLGDGHVEUDVLOHLUDV
98 O paisagismo e a sucessão ecológica degradada
28 2 pelas exóticas
A MODA DO VERDE, URBANIZAÇÃO E 100 2SUREOHPDGRVRORQDVFLGDGHVEUDVLOHLUDV
CONFLITOS: AS CIDADES VERDES DE
SEGUNDA GERAÇÃO PARTE 2
29 A moda do verde (1860-1930) CAMINHOS PARA O PAISAGISMO
36 O intenso crescimento das cidades (1930-1980) SUSTENTÁVEL
45 &RQǕLWRVHPHLRDPELHQWH HPGLDQWH
102 5
50 3 PAISAGISMO SUSTENTÁVEL E
SOBRE PLANTAS NO PAISAGISMO BIODIVERSIDADE
51 Motivações históricas da preferência por plantas 103 Introdução
exóticas nos jardins 103 2TXHSRGHYLUDVHUXPSDLVDJLVPRVXVWHQW£YHO
53 Plantas ornamentais: o mercado das “plantas FRQVLGHUDQGRDUHDOLGDGHEUDVLOHLUD"
FRPHUFLDLVJOREDLVƍ 104 Por que propor o uso de vegetação nativa regional
57 O mercado das plantas ornamentais no Brasil QRSDLVDJLVPR"
60 )¯FXVHVXDVPRGDVFRPRƌSODQWDFRPHUFLDOJOREDOƍ 108 Fatores ecológicos
no Brasil 110 A importância da interação entre plantas
62 Frutas nativas e exóticas e animais no Brasil
114 Fatores econômicos
66 4 116 Fatores culturais
PROBLEMAS ATUAIS NO PAISAGISMO 120 O destino dos remanescentes da vegetação de
E EM ÁREAS VERDES campos cerrados nativos no campus da Universidade
67 Alguns padrões insustentáveis de paisagismo no Brasil de São Paulo
67 1. Paisagismo desconectado da paisagem evolutiva 125 A grave questão das plantas exóticas invasoras
natural 131 A palmeira australiana que invadiu a Mata Atlântica
68 2. Paisagismo restrito às principais plantas ornamentais na cidade de São Paulo
do mercado mundial 133 A invasão da jaqueira da Ásia na Mata Atlântica
69 ƌ3DOPHLUL]D©¥RƍRSDLVDJLVPRFRPSUHGRP¯QLR 135 Lista de espécies exóticas invasoras comumente usadas
de palmeiras e assemelhados QRSDLVDJLVPRHQDDUERUL]D©¥RQR%UDVLO
71 3DLVDJLVPRFRPHVWLORWURSLFDOQ¥RVLJQLǔFD 137 $ƌSROXL©¥RJHQ«WLFDƍHDTXHVW¥RGDSURFHG¬QFLD
ǕRUHVWDQDWLYD genética em plantas ornamentais nativas e em áreas
71 3DLVDJLVPRVHPVRPEUD naturais preservadas
72 3DLVDJLVPRGHSUD©DVS¼EOLFDV£ULGDV 139 As nativas que na verdade não são nativas
73 3DLVDJLVPRVHFRHƌDGDSWD©·HVƍGRxeriscaping 139 3ODQWDVQDWLYDVHH[µWLFDVDGDSWD©¥RQRPHLR
74 8. Paisagismo com predomínio de pedras XUEDQRHPXGDQ©DVFOLP£WLFDV
75 3DLVDJLVPRS¼EOLFRSRSXODU 146 $JHQWHVGDELRGLYHUVLGDGHƇDVSODQWDVHS¯ǔWDV
75 10. Paisagismo de cores saturadas 150 Benefícios da vegetação nas cidades
77 11. Paisagismo com topiaria 150 Redução de temperatura e ilhas de calor
77 12. Paisagismo temático 150 Filtragem da radiação ultravioleta
78 $VGLǔFXOGDGHVQDDUERUL]D©¥RXUEDQDEUDVLOHLUD 151 Aumento da umidade do ar
78 As mudas 151 Barreira contra o vento
78 O anelamento 151 Diminuição da poluição sonora
80 Calçadas 151 Filtragem da poluição do ar
81 Podas 152 Melhoria da qualidade da água e interceptação
82 3RGDVHǔD©¥RD«UHD da chuva
83 Podas e patologias 152 Proteção do solo
152 Promoção de chuvas suaves e constantes
Na página anteorior, fachada
verde do Shopping Cidade
Jardim, em São Paulo.

152 Ajuda para descontaminar o solo 228 8PDH[SHUL¬QFLDGHUHVWDXUD©¥RGHELRPDVHP6¥R


152 &DUERQRHPXGDQ©DVFOLP£WLFDV Paulo: a Floresta de Bolso®
152 Redução da manutenção das ruas 232 &DVH$)ORUHVWDGH%ROVRpƌ%RVTXHGD%DWDWDƍ
153 3URPR©¥RGDELRGLYHUVLGDGH 234 $ǕRUHVWDSRUW£WLO
153 $MXGDQRFRQWUROHGHSUDJDVXUEDQDV 235 &DVH&D©DPEDVǕRUHVWD
153 6D¼GHHEHPHVWDU 236 &HUFDVYLYDVFRPǕRUHVWD
153 Benefícios sociais 236 ,GHLDVVREUHDUERUL]D©¥R
240 Case: Paisagismo na margem direita do rio Pinheiros
154 6 241 ƌƒUYRUHQDYDJDƍXPDQRYDDUERUL]D©¥RQDVFLGDGHV
OS BIOMAS BRASILEIROS 243 As árvores-monumentos no paisagismo
155 $ELRGLYHUVLGDGHEUDVLOHLUD 244 $VSODQWDVV¯PERORGHFDGDFLGDGHRXUHJL¥R
160 2SRWHQFLDOGDELRGLYHUVLGDGHEUDVLOHLUDQRSDLVDJLVPR 245 $JULFXOWXUDXUEDQD
162 Amazônia 246 1RWDVREUHUHXWLOL]DUPDWHULDLVSRWHQFLDOPHQWHWµ[LFRV
166 Cerrado no paisagismo
172 Mata Atlântica 246 ƌ8UEDQ-XQJOHƍRX6HOYD8UEDQD
178 Caatinga 247 -DUGLQVQRcanyon XUEDQR
181 Pampa 247 Case: Paisagismo interno em escritórios
183 Pantanal 248 A varanda do apartamento
250 Telhados verdes
186 7 251 9HJHWD©¥RHELRGLYHUVLGDGHQDWLYD
UMA PROPOSTA PARA O PAISAGISMO 252 Segurança nos telhados verdes e plantios em altura
SUSTENTÁVEL 252 A água e os telhados verdes
187 Ecologia e cultura: a vegetação no paisagismo 254 A manutenção do telhado verde
sustentável 255 Case: Telhado verde com Mata Atlântica
187 &RPRHVSHFLǔFDUDYHJHWD©¥RHPXPSURMHWRGH 256 &DVH3RQWHVREUHRULR3LQKHLURV
SDLVDJLVPRVXVWHQW£YHOSDUDDUHDOLGDGHEUDVLOHLUD" 257 O jardim vertical
191 'HVFREULQGRTXDO«DYHJHWD©¥RQDWLYDGDUHJL¥R 258 A vegetação
HVXDVHVS«FLHV 259 A irrigação
192 ([HPSORGHDSOLFD©¥RGDGLUHWUL]GHHVSHFLǔFD©¥R 259 -DUGLQVYHUWLFDLVLQWHUQRV
e composição 259 A manutenção do jardim vertical
193 Três chaves para o paisagismo sustentável 260 Case: Floresta vertical em fachada de edifício
193 1 – Biomassa vegetal 261 7HOKDGRVYHUGHVMDUGLQVVREUHODMHVHMDUGLQVYHUWLFDLV
195 Ƈ%LRGLYHUVLGDGHQDWLYD Q¥RVXEVWLWXHPWHUUHQRVSHUPH£YHLV
196 3 – Uso humano 262 Fachadas verdes
198 2QRYRSURǔVVLRQDOGRSDLVDJLVPR 263 Case: Fachada verde em edifício de arquitetura
198 $HVW«WLFDQRSURMHWRGHSDLVDJLVPRVXVWHQW£YHO contemporânea
202 As novas plantas ornamentais 264 Recriar rios para a educação e convívio
205 2FXLGDGRHPHYLWDURH[WUDWLYLVPRLOHJDO 264 Case: Recriando um rio ancestral do
205 $OHJDOL]D©¥RGHYHLQFHQWLYDUDSHVTXLVD Planalto Paulistano
RFXOWLYRHRSODQWLRGHHVS«FLHVQDWLYDV 265 *UDPDGRVELRGLYHUVRVHFDPSRVQDWLYRVǕRULGRV
207 A água 267 O jardim caipira tradicional
211 O solo 268 2VSRPDUHVHDVǕRUHVWDVGHIUXW¯IHUDVQDWLYDV
214 A infância e o paisagismo sustentável 270 &DVH8PSRPDUQDWLYRHQFDL[DGRHQWUHORWHVXUEDQRV
217 6ROX©·HV%DVHDGDVQD1DWXUH]DHRXWURVFRQFHLWRV 270 O jardim rupestre
219 5HVWDXUD©¥RHFROµJLFDQDVFLGDGHV«SRVV¯YHOSURSRU 271 $ƌI£EULFDGHERUEROHWDVƍ
DSUHVHQ©DGDELRGLYHUVLGDGHQDWLYDQRPHLRXUEDQR" 272 O paisagismo para pisar
220 &LGDGHVYHUGHVGHWHUFHLUDJHUD©¥RDKDUPRQLDHQWUH 272 Paisagismo sustentável para escolas
DFLGDGHPRGHUQDHVXDSDLVDJHPDQFHVWUDO 273 Case: Escola Avenues São Paulo

222 8 APÊNDICES
FERRAMENTAS PARA O PAISAGISMO 276 DEFENSORES DA VEGETAÇÃO NATIVA
SUSTENTÁVEL NO PAISAGISMO
223 2SDVVDGRQDWXUDOFRPRXPDDUTXHRORJLDERW¤QLFD 282 GLOSSÁRIO
225 Case: Araucárias de volta a Pinheiros 288 BIBLIOGRAFIA
227 $UHVWDXUD©¥RGHELRPDVQRSDLVDJLVPR
PARTE 1
RAÍZES E QUESTÕES ATUAIS

1
AS RELAÇÕES
COM O VERDE NOS
PRIMEIROS SÉCULOS
DO BRASIL
As cidades verdes
de primeira geração

16
É difícil imaginar o que se passou no pensamento dos europeus em seus primeiros contatos com o
território brasileiro, vindos de um ambiente completamente diferente, em uma época escassa de ima-
gens e conhecimentos disponíveis e encontrando outra civilização que vivia em um território natural
extraordinário. As primeiras viagens transoceânicas do século XVI poderiam ser facilmente compara-
das, em complexidade e ousadia, a uma viagem espacial contemporânea.
O Brasil do século XVI ainda vivia o domínio da vegetação nativa, apresentando extensos arvore-
dos em sua costa de norte a sul. Para as sociedades pré-colombianas que viviam aqui, a fauna e a flora
nativas forneciam os elementos necessários à sua existência, constituindo a cultura, o abrigo, a farmá-
cia e a fonte de alimentação. E, embora manejassem esse ambiente havia muito tempo, com o plantio
de árvores de interesse na floresta, por exemplo2,3, esses povos ainda não dominavam tecnologias de
grande impacto para as paisagens4. No mesmo período, a paisagem natural e humana da Europa re-
nascentista era bem diferente. O avanço tecnológico já havia diminuído a dependência da sociedade
em relação à natureza nativa, modificada extensivamente por milênios, e sua aparência temperada em
nada se parecia com a exuberante biodiversidade tropical.
Mesmo vivendo em territórios de tamanho discrepante, as populações de Portugal e do Brasil se
assemelhavam na época. No litoral brasileiro do século XVI, estimativas sugerem que havia cerca de
1 milhão de indígenas do tronco tupi, divididos em dezenas de grupos tribais, compreendendo con-
glomerados de aldeias com populações que variavam de 300 a 2 mil habitantes. Na mesma época, a
população de Portugal seria de pouco mais de 1,2 milhão de habitantes5.
Assim que os europeus criaram os primeiros povoados no Novo Mundo, trouxeram seu repertó-
rio de plantas familiares de origem europeia, africana e asiática para uso na alimentação, nos rituais
religiosos, na medicina, entre outros6,7. Elas constituíam as “cercas”, espaços cultivados com plantas
comuns na cultura europeia, como roseiras e frutas cítricas, que se misturavam às novas espécies
recém-apresentadas pelos indígenas, a exemplo de árvores frutíferas da floresta, como o araçá e as
jabuticabeiras. Surgia nesse momento uma incipiente cultura híbrida, soma de plantas e animais vin-
dos com as caravelas e da biodiversidade nativa brasileira, gerando um verdadeiro intercâmbio de
novidades para ambos. E também novos modos de explorar a natureza nativa.
A partir da primeira metade do século XVI, a Mata Atlântica, até então um extenso tapete verde
apenas pontuado pela agricultura itinerante (coivaras) das aldeias indígenas, começa a sofrer mudan-
ças sem precedentes. Inicialmente de maneira mais seletiva, com a extração do pau-brasil (Paubra-
silia echinata) enviado para a Europa para produção de tintura vermelha, e posteriormente com as
extensas derrubadas para o plantio da exótica cana-de-açúcar. No ciclo do açúcar ocorre o início da
degradação severa do bioma, já que a produção dependia totalmente dos recursos das florestas, como
mostra este relato do jesuíta Antonil, em 1711:

Querem as fornalhas, que por sete e oito meses ardem de dia e de noite, muita lenha [...]. Que-
rem as serrarias machados e serras. Quer a moenda de toda a casta de paus de lei [...]. Quer a
carpintaria madeiras seletas e fortes para esteios, vigas, aspas e rodas [...].

As caixas em que se mete o açúcar se fazem de jequitibá e camaçari [...]. E estas tábuas para as
caixas vêm da serraria já serradas [...].

Junto à casa da moenda, que chamam casa do engenho, segue-se a casa das fornalhas, bocas
verdadeiramente tragadoras de matos, cárcere de fogo e fumo perpétuo, e viva imagem dos
vulcões, Vesúvios e Etnas [...].8

O açúcar dependia tanto dos recursos da Mata Atlântica, como a madeira e o húmus que adubava
a terra, que a exaustão determinava a impossibilidade de sua produção, como também cita Antonil:

17
PARTE 1
RAÍZES E QUESTÕES ATUAIS

2
A MODA
DO VERDE,
URBANIZAÇÃO E
CONFLITOS
As cidades verdes de
segunda geração

28
O que podemos chamar de “cidades verdes de segunda geração no Brasil” corresponde a uma pro-
gressiva valorização da vegetação e do paisagismo, principalmente dentro das malhas urbanas. Um di-
visor de águas dessa mudança é a reforma empreendida em 1860 no Passeio Público do Rio de Janeiro
pelo paisagista francês Auguste Glaziou, que simbolizou uma intensa fase de transformações no verde
dos espaços públicos e paisagismo em diversas cidades brasileiras. Nas palavras do livro O jardineiro
brazileiro, de 1880, essa reforma veio a despertar o “bom gosto do povo pelos jardins”.38
O período de cerca de 150 anos das “cidades verdes de segunda geração no Brasil” pode ser dividido
em três etapas: A moda do verde (1860-1930); O intenso crescimento das cidades (1930-1980); Conflitos
e meio ambiente (1980 em diante).

A moda do verde (1860-1930)

A intensificação da Revolução Industrial no século XIX e a consequente migração para os centros


urbanos, sem infraestrutura e moradia para receber as novas populações, geraram problemas de insa-
lubridade e epidemias em países europeus, que fomentaram transformações culturais e melhoramen-
tos nas cidades. Nessa época, difundiu-se o higienismo, linha de pensamento que defendia padrões de
comportamento em nome da saúde, de forma a combater doenças e pestes presentes nas cidades em
decorrência dos miasmas, supostas emanações da matéria orgânica em decomposição no solo e em
áreas úmidas contaminadas.39 Assim, as áreas verdes passaram a ser consideradas uma questão de
saúde pública, um remédio para combater os “miasmas”, já que teriam o poder de fazer circular o ar e
de filtrá-lo, além de reduzir a umidade do solo. Nesse contexto, a partir da década de 1870, a arboriza-
ção das cidades ganha propósitos mais nítidos e objetivos predefinidos.40
A Paris de Georges-Eugène Haussmann foi pioneira nas mudanças urbanísticas que levaram à
construção de um modelo da nova cidade, influenciada diretamente pelo pensamento higienista. Nes-
se sentido, foram empreendidas na velha cidade de aspecto medieval mudanças drásticas na infraes-
trutura de água e esgoto, derrubadas edificações aglomeradas e sem ventilação, abertas novas ruas e
avenidas e estabelecido um plano de arborização com extenso repertório de áreas verdes e parques,
proporcionando o ideal da cidade moderna.41 Também foram criados os boulevards com linhas de
árvores, copiados por várias cidades europeias, como Londres em 1870.42
As elites brasileiras, tão atentas à França no período, logo perceberam a inadequação urbanística
das então caóticas e pestilentas cidades brasileiras, assoladas por surtos de bexiga, cólera e febre tifoi-
de. Assim, cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo começaram a passar por mudanças, principal-
mente com relação ao verde urbano.
Nas últimas décadas do século XIX, os antigos terreiros urbanos nas áreas centrais ou em locais de
alto poder aquisitivo das cidades começaram a receber planos de parques ambiciosos, com desenhos
ao gosto inglês ou francês e composições com predominância das plantas exóticas em evidência.
Um ótimo exemplo é a própria Corte imperial, que em suas temporadas em Petrópolis, na serra
próxima à cidade do Rio de Janeiro,

julga acrescentar à sua nobreza a aura de civilidade das rosas inglesas e das coníferas euro-
peias no momento exato em que, paradoxalmente, a própria Europa acredita acrescentar à
sua civilização a glória que se lhe irradia das colônias colocando um número cada vez maior
de plantas tropicais em suas estufas e seus jardins de inverno, como testemunha da abundân-
cia da flora latino-americana [...].36

No Rio de Janeiro, os projetos do paisagista Auguste Glaziou, como a reforma do Passeio Público
(de 1860 a 1862) e o ajardinamento completo da Quinta de São Cristóvão (1869) e do Campo de San-
tana (1880), são exemplos dos novos espaços verdes da época. Em São Paulo, João Teodoro Xavier,

29
PARTE 2
CAMINHOS PARA O PAISAGISMO SUSTENTÁVEL

5
PAISAGISMO
SUSTENTÁVEL E
BIODIVERSIDADE

102
Introdução

A Conferência da Organização das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente que aconteceu em
Estocolmo, Suécia, em 1972 pode ser considerada um marco para a mudança de mentalidade sobre
a importância das questões ambientais. Sua declaração apontava: “Defender e melhorar o meio am-
biente para as atuais e futuras gerações se tornou uma meta fundamental para a humanidade”.207
Passados 50 anos, continuam aumentando a população humana, a ocupação, a urbanização e a
degradação de áreas naturais no planeta, transformando as paisagens e os ecossistemas nativos cada
vez mais em ambientes domesticados e projetados. As atividades de restaurar, manter e desenvolver
paisagens sustentáveis se tornaram algumas das tarefas mais desafiadoras para diferentes áreas do
conhecimento.208 E, nesse cenário, o paisagismo se destaca por ser o responsável pelo destino de muitas
áreas verdes rurais ou urbanas, principalmente destas últimas, que participam diretamente do coti-
diano da maior parte da população mundial, já que atualmente 55% da humanidade habita cidades.209
Em face dos desafios de nossa época, os ideais antropocentristas precisam ser considerados ultra-
passados, e o paisagismo não pode mais ser pensado apenas para o ser humano, dentro do modo tra-
dicional de entender a paisagem apenas como um simples desafio estético, considerando a vegetação
como elemento arquitetônico, artístico ou decorativo, destinado ao deleite e à contemplação. Hoje o
paisagismo deve incorporar evidências científicas, ser multifuncional e sustentável, com o ser humano
compreendendo a importância de respeitar a paisagem natural ancestral, suas formas de vida, o res-
tabelecimento das funções ecológicas de ecossistemas nativos em harmonia com suas necessidades e
seu cotidiano, abrangendo temas ambientais, econômicos e sociais. Suas atribuições nunca foram tão
amplas e envolveram tanta responsabilidade como neste começo do século XXI.

O que pode vir a ser um paisagismo sustentável, considerando a realidade brasileira?

Desenvolvimento sustentável pode ser definido como “o desenvolvimento que supre as necessi-
dades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender às suas próprias neces-
sidades”, conforme o Relatório Brundtland de 1987, Nosso futuro comum,210 e envolve questões sociais,
econômicas e ambientais.211 No Brasil, paisagismo, segundo o arquiteto Silvio Macedo,212 é um termo
genérico, proposto em diferentes escalas, ações e estudos da paisagem, que vão do ato de plantar jar-
dins até complexos projetos da arquitetura paisagística como parques e planos urbanísticos.
O paisagismo sustentável trata principalmente da multifuncionalidade da paisagem, em que a
estética é apenas mais uma função entre tantas importantes. Dessa forma, ele envolve a integração
ao projeto de fatores ecológicos, sociais, culturais e econômicos, de modo a proporcionar ações pro-
tetoras, regenerativas e responsáveis ao meio ambiente. Contribui para o desenvolvimento de comu-
nidades saudáveis, a valorização da biodiversidade nativa, a restauração de hábitats, a proteção da
qualidade do ar, do solo e da água e a perenidade do ciclo hídrico equilibrado, e proporciona maior efi-
ciência energética por meio da vegetação. Visa a destinação correta de resíduos, a redução da emissão
de gases de efeito estufa, a fertilização responsável, a correta locação e escolha de plantas, a redução ou
eliminação de pesticidas, entre outros aspectos.213,214,215 Como tema interdisciplinar e transdisciplinar
que integra a ciência e a arte, muitas são as abordagens possíveis,208 exigindo propostas customizadas
e específicas conforme a situação. Sinteticamente, não se trata apenas de criar áreas verdes bonitas,
mas de como beneficiar humanos e ecossistemas simultaneamente.141
No Brasil, raramente a sustentabilidade entra como uma preocupação no paisagismo. Nas últi-
mas décadas, junto com o advento das construções certificadas, começaram a ser adotadas algumas
premissas nesse sentido. Entretanto, normalmente elas representam diretrizes transferidas do mundo
desenvolvido e temperado, sem adaptação crítica profunda e partindo de realidades muito diferentes

103
da nossa. Tal situação resulta em escolhas e investimento de recursos com foco em questões que não
necessariamente são prioritárias, como somente na busca pela economia de água.
Entendemos que, para a realidade natural brasileira, diante da extraordinária natureza herdada
no território, a preocupação prioritária para o paisagismo sustentável deve ser a preservação, a restau-
ração e a valorização da biodiversidade nativa, como a principal ferramenta ambiental, econômica e
social de suporte para outras questões pertinentes ao tema. A biodiversidade é, inclusive, uma chave
fundamental para a abundância de água e energia no país. Dois nomes relevantes para o paisagismo
brasileiro já apontavam esse peso de importância: Fernando Chacel propôs a ecogênese, ação humana
que utiliza espécies e associações dos ecossistemas naturais para a recuperação da paisagem cultu-
ral;86 e Roberto Burle Marx ressaltava a necessidade da compatibilidade ecológica, do respeito à paisa-
gem nativa em harmonia com a beleza.175
Com relação à realidade brasileira, é necessário levar em consideração os grandes problemas re-
sultantes do histórico caos urbanístico originado pela falta crônica de planejamento, pelo descaso com
a presença de áreas verdes, pela prevalência de interesses privados sobre os públicos e pela ausência
de cuidados com o meio ambiente. Neste começo do século XXI, tornam-se urgentes a criação e a
melhoria de áreas verdes multifuncionais que integrem atividades físicas e contemplativas à produção
de serviços ecossistêmicos e de geração de saúde para a população, mais ainda se considerarmos o
desafio das mudanças climáticas.
Por fim, acreditamos que, no contexto brasileiro, o paisagismo sustentável se traduz na valoriza-
ção, na abundância e na harmonia entre a vida moderna humana e a rica paisagem nativa. O que pro-
pomos é que o paisagismo seja uma ferramenta que possibilite às futuras gerações compreenderem e
viverem no único ecossistema viável, o da coexistência respeitosa entre humanos e a natureza nativa
que herdamos.

Por que propor o uso de vegetação nativa regional no paisagismo?

Em um mundo globalizado e com mais da metade da população vivendo em cidades (4,1 bilhões
de pessoas),216 as áreas verdes urbanas se tornam cada vez mais importantes217 para a manutenção do
equilíbrio ecológico e para a saúde pública, entre outros benefícios, e a conservação da biodiversidade
e o aprimoramento dos serviços ecossistêmicos são considerados a base para enfrentar grandes desa-
fios que vão de mudanças climáticas à economia verde.218 O Brasil apresenta 84,72% de sua população
vivendo em áreas urbanas89 e é considerado o país de maior biodiversidade do planeta, com 20% do nú-
mero total de espécies da Terra,116 46.852 espécies vegetais nativas, sendo 8.242 espécies de árvores,135 e
57,4% das plantas com sementes endêmicas de nosso território, ou seja, plantas que só ocorrem aqui.219
Esse patrimônio ainda é pouco conhecido, com a média de uma nova planta descoberta a cada dois
dias.220 Comparativamente, na Mata Atlântica ocorrem 3.279 espécies arbóreas nativas,135 e em algu-
mas de suas áreas é possível encontrar, em apenas 1.000 m², até 144 espécies diferentes de árvores.221 Já
na Europa, 51% das florestas existentes têm apenas de duas a três espécies diferentes de árvores, 15%
têm de quatro a cinco espécies diferentes e há somente 5% com mais de seis espécies diferentes.222
Mas, paradoxalmente, mesmo diante de uma absoluta e inigualável herança natural, no Brasil as áreas
verdes planejadas e construídas são dominadas por plantas estrangeiras.223
Muitas pesquisas em diferentes regiões brasileiras confirmam essa situação. Um levantamento no
bairro do Butantã, na capital de São Paulo, chegou a 70% das espécies arbóreas nas calçadas e nos
canteiros centrais de origem exótica e 28% de espécies nativas.161 Na cidade do Rio de Janeiro, um in-
ventário das espécies arbustivas e arbóreas no paisagismo urbano resultou em 84,7% de plantas exó-
ticas e apenas 15,3% de nativas.224 Lorenzi (2002) estima que 80% das árvores cultivadas nas ruas das
cidades brasileiras são de flora exótica.225 Em Fortaleza, Ceará, um levantamento da arborização viária,
praças e quintais na cidade resultou em 70% das espécies e 86% dos indivíduos de origem exótica nos

104
1

É notável a diferença na diversidade de plantas


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exemplo. 1. Vista da Mata Atlântica no sul da
Bahia com centenas de espécies de plantas
diferentes. 2. Floresta temperada na França com
predominância de uma só espécie de pinheiro.

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densa em São Paulo, ocupado por uma
densa e emaranhada variedade de 4
YHJHWD©¥R2LQWHULRUGDǕRUHVWDQDFLRQDO
de Tronçais, França, comparativamente
de baixa densidade e diversidade.

105
existir ali desde pelo menos o final do século XIX.13 Mas não só a figueira-brava mostra capacidade de
resiliência nas novas condições, muitas outras espécies nativas também, como foi verificado em um le-
vantamento com 20 exemplares arbóreos possivelmente centenários e nativos do bioma Mata Atlântica
em diferentes pontos da cidade de São Paulo, sobreviventes da transformação de pequena cidade em
grande metrópole, que fomentaram em 2012 a campanha “Veteranas de Guerra” pela organização não
governamental Fundação SOS Mata Atlântica, em alusão ao processo agressivo de urbanização, similar
a uma “guerra” contra o meio natural.394
O paisagismo com vegetação nativa também mostra boa adaptação às condições urbanas no longo
prazo, como pode ser observado em diversos projetos de Roberto Burle Marx realizados décadas atrás
e até hoje existentes e funcionais. Exemplos são os projetos do Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro,
e da sede do Banco Safra e da cobertura do Condomínio São Luiz, em São Paulo. Outro exemplo são os
extensos jardins nas margens do rio Tietê, com o predomínio de forrações, arbustos, árvores e palmei-
ras nativas que se desenvolvem normalmente há mais de duas décadas à beira das marginais, vias de
enorme movimento de tráfego, poluição e acúmulo de calor. Mesmo as ações de restauração ecológica
em meio à malha urbana, que procuram recriar os ecossistemas originais, mostram desenvolvimento
promissor e boa taxa de sobrevivência das mudas, como o paisagismo do Parque Villa Lobos em São
Paulo e as Florestas de Bolso de Mata Atlântica no bairro de Pinheiros, Vila Olímpia e outras.
Vale mencionar que o conhecimento e as pesquisas sobre a adaptação de plantas nativas regionais
em situação de paisagismo urbano no Brasil são escassos, mas experimentações práticas demonstram
que pode haver muitas surpresas interessantes nesse tema. Exemplo ocorreu com o palmito-juçara
(Euterpe edulis), uma espécie típica do sub-bosque úmido e ameno da Mata Atlântica, que ao ser plan-
tada em toda a fachada de um edifício de 17 andares em bairro verticalizado na cidade de São Paulo,
em local exposto a ventos constantes, temperaturas elevadas e insolação direta, se adaptou bem e
segue prosperando há quatro anos totalmente fora de seu “envelope climático”. Situações como essa
podem fornecer importantes insumos acerca da adaptação futura da vegetação nativa nas cidades em
face das mudanças climáticas globais.
Mas como poderão se comportar as espécies nativas em situação de mudanças climáticas glo-
bais? Pesquisas mostram que pode ocorrer aumento na mortalidade de árvores em florestas tropicais
e a consequente redução de longevidade e diminuição dos estoques de carbono conforme a tem-
peratura e a aridez aumentarem.9,395 Por outro lado, experimentos controlados em laboratório com
espécies da Mata Atlântica sugerem que árvores como o tapiá (Alchornea glandulosa) poderão ser
capazes de lidar com aumentos na temperatura do ar,396 e jatobá (Hymenaea courbaril), jacarandá-da-
-bahia (Dalbergia nigra), guapuruvu (Schyzolobium parahyba), pau-jacaré (Piptadenia gonoacantha) e
feijão-do-mato (Sesbania virgata) responderam positivamente à elevação do CO2 e da temperatura até
os níveis de 800 ppm e 3°C a 5°C, respectivamente, com aumento no crescimento e na acumulação da
biomassa, tendo o dióxido de carbono um efeito fertilizante.397
Nesse cenário futuro incerto, a diversidade de espécies nativas é fundamental. Uma floresta urba-
na homogênea é mais vulnerável às mudanças climáticas devido ao maior risco de perda de árvores
por ameaças específicas sobre certas espécies, como insetos e doenças. Assim, a floresta urbana pode
ser orientada para otimizar a diversidade, seguindo uma ampla gama de critérios, incluindo uma re-
presentação equilibrada das espécies, diversidade genética e outros critérios fisiológicos,382 além de
ampla cobertura vegetal.
Por fim, promover conscientemente a disseminação de espécies exóticas e o descontrole de plan-
tas invasoras nas cidades brasileiras por receio de não adaptação das suas espécies nativas regionais é
muito perigoso, e vai contra o direito fundamental de um meio ambiente ecologicamente equilibrado
previsto na Constituição Federal. Diante do cenário atual, não há por que considerar desadaptadas
as nativas regionais e privilegiar espécies exóticas no intuito de uma melhor adaptação às mudanças
climáticas provocadas pela urbanização e pelo efeito estufa. Isso somente provocaria maior perda de

144
Árvores longevas 1
remanescentes de
época pré-urbanização.
1. A “Figueira das
Lágrimas” em 1910, ainda
na zona rural, e em 2017,
em meio à malha urbana.
2. Figueira do Largo da
Memória em meados
do século passado e
atualmente. 3. O chichá
(Sterculia curiosa) do
Largo do Arouche, em
São Paulo, exemplar
nativo no município
que já era enorme em
1940, e atualmente.

145
1

1. Muda da “Figueira
das Lágrimas” em pleno
desenvolvimento no
canteiro central da poluída
marginal Pinheiros em
São Paulo. 2. Sementes
germinadas da Figueira
das Lágrimas original.

3. Restauração
ǕRUHVWDOXUEDQDGH
Mata Atlântica no
meio do árido Largo
da Batata, em São
Paulo, apresentando
crescimento saudável
e vigoroso com três
anos de idade.

biodiversidade, sua desvalorização cultural, vulnerabilidade da floresta urbana e ameaça aos rema-
nescentes naturais urbanos e rurais, que poderão ser progressiva e pacificamente contaminados em
abundância e descontrole por espécies invasoras proliferadas por tais premissas. Uma cidade repleta
de plantas exóticas e invasoras pode impactar e comprometer progressivamente as formações nativas
do entorno e, conforme a escala de espaço e tempo, até em áreas preservadas distantes.
Em suma, o Brasil é um território de clima predominantemente ameno, apresentando extraordiná-
ria biodiversidade, com inúmeras espécies vegetais provenientes de diferentes paisagens geográficas,
e disponibiliza amplo repertório para aplicações paisagísticas e ecossistêmicas diante de diferentes
possibilidades de cenários presentes e futuros, complexos ou não, sem precisar dispensar o plantio de
espécies nativas regionais e os princípios de conservação e integridade ecológica. O que se faz neces-
sário realmente é aumentar a cobertura verde urbana, a biodiversidade nativa, as pesquisas científi-
cas e minimizar os efeitos ambientais negativos da urbanização para contribuir na transformação da
vegetação nativa em um importante aliado para a resiliência de nossas cidades nos novos desafios
climáticos globais que se delineiam no horizonte.

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Orquídeas, bromélias, filodendros, cactos e muitas outras, as epífitas são plantas que agregam
beleza e funcionalidade ambiental ao paisagismo, sendo componentes fundamentais da biodiversi-
dade pela riqueza em número de espécies e quantidade de nichos e abrigos para animais.398 Diferen-
temente do pensamento popular, as epífitas não são parasitas, mas plantas que germinam e enraí-
zam sobre suportes em algum estágio de sua vida sem estarem conectadas ao solo, não utilizando

146
Palmitos-juçara bem
adaptados no 17o andar
do edifício Seed, após
três anos de plantio.

nutrientes do suporte,399,400 assim é comum ver bromélias vivendo de forma independente sobre fios
elétricos, telas metálicas ou outras estruturas artificiais.
O Brasil apresenta 2.881 espécies de epífitas.135 Comparativamente, a América Tropical possui cer-
ca de seis vezes mais espécies dessas plantas que a África e uma vez e meia mais que a Ásia e a Oceania
juntas. Em algumas florestas brasileiras, elas são responsáveis por mais de 50% das espécies. No bioma
Mata Atlântica, as suas famílias mais ricas são Orchidaceae, com 45,8%, e Bromeliaceae, com 12,9% das
espécies, mas também temos Araceae, Cactaceae, entre outras.398
As plantas epífitas contribuem substancialmente para a diversidade dos ecossistemas e para a
produção e ciclagem dos nutrientes, fornecem alimento para a fauna associada, como pássaros, mor-
cegos e formigas,401 são fonte de água e umidade que podem ser cruciais em períodos de escassez
e permitem uma valiosa rede de interações, atraindo uma alta diversidade de aves, especialmente
aquelas que dispersam frutas ou polinizam flores.402 Também podem nos dar fortes indícios de quão
rica é a flora brasileira. Como exemplo, orquídeas podem ser consideradas indicadoras da floresta
preservada, madura e de seus remanescentes. No Parque Estadual da Serra da Cantareira, um grande
e pressionado remanescente de Mata Atlântica ao norte da Região Metropolitana de São Paulo, ainda
ocorrem 159 espécies diferentes de orquídeas, sendo destas 88 classificadas como raras, localmente
ameaçadas, e outras 10 espécies presentes em listas vermelhas.403
Aliás, as orquídeas são consideradas as produtoras de algumas das mais belas flores do mundo,
como as do gênero Cattleya e Laelia, também merecendo destaque a beleza de suas formas, como as
raízes, os pseudobulbos e as folhas, a exemplo de muitas espécies de Cyrtopodium. A polinização em or-
quídeas é um bom exemplo de sua complexidade ecológica. Suas flores coloridas e aromáticas normal-
mente atraem os polinizadores, que podem receber em troca alimento como néctar e pólen, mas um
aspecto interessante é que cerca de um terço da família de orquídeas “enganam” o animal polinizador
sem oferecer recompensa para ele, com estratégias muito interessantes como a liberação de substân-
cias que imitam os feromônios sexuais de insetos fêmeas ou a presença de presas, locais de oviposição,
abrigo e pontos de encontro dos polinizadores.404 Exemplo são algumas orquídeas do gênero Ophrys,
conhecidas popularmente como orquídeas-abelhas. Suas flores possuem uma pétala modificada – o
labelo, que mimetiza uma abelha, possuindo forma, cor e até pelos semelhantes aos desses insetos.220
Outra família importante de epífitas é a Bromeliaceae, com suas 1.380 espécies em território na-
cional,135 muitas apresentando formas de incomparável beleza e equilíbrio estético, com uma enorme
variedade de cores, padrões e texturas, compondo extenso potencial para o paisagismo. As bromé-
lias também têm grande importância ambiental, pois auxiliam na manutenção da biodiversidade e
fornecem hábitat e suporte a vários processos ecossistêmicos, o que pode trazer novas sementes ao
local e estimular o estabelecimento de novas espécies vegetais.405,406 Por isso, também são plantas faci-
litadoras no processo de restauração ecológica, a exemplo do seu uso em técnicas de nucleação, com

147
1 2
)LWRǔVLRQRPLDVGR&HUUDGR
1. Campo limpo (primeiro plano
da imagem). 2. Campo sujo.
3. Campo cerrado. 4. Cerrado
stricto sensu. 5. Cerradão.
6. Floresta de galeria.
7. Veredas de buritis.
8. Floresta estacional
semidecidual. 9. Floresta
estacional decidual.
10. Xilopódio exposto
em barranco.

3 4

5 6

10 7

8 9

168
1 2
Ameaças ao bioma Cerrado.
1. Braquiária recobre um
murici. 2. Capim-gordura sobre
uma lobeira. 3. Andropogon
invade o Cerrado. 4. Fornos
de carvão abandonados após
o desmatamento do Cerrado
em fazenda, com o capim
invasor andropogon em volta,
uma cena comum no bioma.

3 4

5. Vista aérea da expansão da


agricultura de alta tecnologia
em trecho do Matopiba. 6.
Desmatamento mecanizado
VREUHǔWRǔVLRQRPLDGH
campo limpo. 7. Pequizeiros
derrubados para
formação de pastagem.

6 7

O Cerrado perdeu 46% de sua cobertura original e atualmente apenas 19,8% do bioma permanece
intacto. As áreas públicas protegidas cobrem apenas 7,5% de sua área original (em comparação com
46% da Amazônia) e o Código Florestal do Brasil exige apenas 20% de preservação em área privada
(em comparação com 80% na Amazônia), apresentando uma taxa de devastação 2,5 vezes maior que
a da Amazônia.481 Entre as principais ameaças ao bioma estão o desmatamento para a expansão
agropecuária de larga escala,489 a erosão dos solos e a invasão biológica causada por gramíneas de ori-
gem africana. Estas últimas representam os maiores agentes de mudança no Cerrado. As pastagens
plantadas com gramíneas de origem africana cobrem atualmente uma área de 500.000 km², ou o equi-
valente à área da Espanha,484 e são representadas principalmente pelas espécies exóticas invasoras

169

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