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RIO DE JANEIRO
2021
Virginia Morais e Silva Vieira
Rio de Janeiro
2021
A infância como protagonista do espetáculo-história-memória do teatro infantil nas tramas
da dramaturgia de Sylvia Orthof
S. Orthof
RESUMO
*
Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ. E-mail:
virna20ver@hotmail.com.
ABSTRACT
This article highlights the role of childhood in the dramaturgy of renowned author
Sylvia Orthof. For this, the study presents as main objective the analysis of the following
works: the first, autobiographical, Open book, confessions of an inventor of stage and
writing; and the second, dramaturgical, Cantarim de Cantará, identifying, in them, the
elements of the infantile universe. It is also intended to work on the child's imagination
and creativity, in addition to stimulating emotions and feelings in a welcoming and
meaningful way in early childhood education. The central themes that occur in these
stories are also observed, as well as the subversive language adopted by the writer. The
methodology used collides with theoretical references, such as Ariés, Cohn, Abramovich,
Magaldi, which support the analysis of the cited works.
Introdução
Era assim que Sylvia escrevia. Como se criança fosse. Como uma
fada feiticeira, ela se transformava para chegar mais perto do
universo dos pequenos. Falava a sua língua. Pensava o seu
pensamento. Imaginava com a sua imaginação. Ia longe, lá do outro
lado do arco-íris, em busca das pérolas em forma de histórias, gentes
e poemas. (VALENÇA, c2013).
Sendo assim, é essa expressão, “criançar a infância”, tão usada pela dramaturga
que norteia nossa reflexão sobre a contemporaneidade do teatro infantil como texto e
“formador” de um espectador crítico nos dias de hoje.
Para isso, foram utilizadas, como aporte teórico, consultas e referências de autores
como Ariès, Clarice Cohn, Nelly Novaes Coelho, Renata Pallotini, e da própria Sylvia
Orthof, observando a sua obra, entre outros. Para tanto, esse recorte bibliográfico se pauta
sobre dois livros da dramaturga Sylvia Orthof, sua autobiografia, Livro aberto, confissões
de uma inventadeira de palco e escrita e o outro, um de seus textos teatrais, Cantarim de
cantará.
3. Criançar a infância
“Criançar a infância? Parece besteira a tal frase, mas as palavras têm cadências,
elas podem, dependendo do ritmo, trazer ideias que se complementam.” (ORTHOF, 2005,
p.4).
Pensar a infância na obra de Orthof nos conduz a refletir sobre a construção desse
período, o que pressupõe significar/ressignificar conceitos: o que é infância? Quantas
infâncias existem? Entretanto, por ser um conceito subjetivo e variável com a evolução
do tempo e da sociedade, encontram-se diversas definições quanto à sua significação.
A própria etimologia da palavra infância já carrega em si uma enorme carga de
preconceito, pois vem do termo “infante”, do latim infantia, que significa “incapaz de
falar”, o “sem voz e sem fala”:
“FARI” (verbo) – “falar”
“FAN” (particípio presente) – “falante”
“IN” (negação) – “não”
Sendo assim, várias concepções de infância foram surgindo no decorrer de
diversos estudos ao longo da evolução da sociedade. Todavia, uma grande marca é o
pensamento de que a criança não é capaz de compreender o mundo e suas complexidades.
Segundo Ariès (1981, p. 52), “[...] a infância era um período de transição, logo
ultrapassado, e cuja lembrança era logo perdida”.
Pode-se afirmar que “toda nossa prática vai no sentido de transformar a criança
no adulto e, pior, no adulto que já somos, que idealizamos e que desejamos; ajustando-a
aos nossos planos e anseios, sob nossa ótica e aspirações, segundo nossos próprios
objetivos” (DAMAZIO, 1991, p. 24).
Logo, a ideia que predomina sobre o que é ser criança, é que é um estágio em que
ela se prepara para vir a ser adulto. As primeiras obras voltadas para a infância tinham
um cunho moralizante e doutrinador porque entendiam a criança como um adulto em
miniatura e é na figura do escritor brasileiro Monteiro Lobato que vemos ser desenhado
um novo cenário na literatura infantil. Entretanto, no tocante a dramaturgia infantil só
veremos mudanças a partir da década de 70.
Por outro lado, nesse novo cenário, muitos escritores surgem, mas Sylvia tem em
sua escrita uma liberdade de pensar criança, um respeito pela criança para qual ela escreve
que a difere em estilo. Para a autora, “o espetáculo deve ser “aprendizagem” e não
moralista.”
Em uma entrevista, questionada sobre de onde vinham as suas histórias, responde:
– Como surgem suas histórias?
– Em geral de desenhos que faço. E através de perguntas para
crianças. No Eu Chovo, perguntei a uma criança quem é que
mandava a chuva, e ela respondeu o chuveiro. (SUSSEKIND, 1980
apud VALENÇA, c2013).
A doutora em antropologia social Clarice Cohn (2010) alerta para o fato de não
existir uma única infância, mas várias, e essas estarem essencialmente ligadas ao meio
em que vivem, à cultura em que estão inseridas e à visão do adulto sobre elas, afirmando
que “a diferença entre as crianças e os adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a
criança não sabe menos, sabe outra coisa.” (COHN, 2010, p. 20). Isso é muito perceptível
na recepção da forma como Orthof aborda temas sociais com lirismo, poesia e muito
humor, respeitando o saber das crianças.
Em seguida, é possível declarar que “a memória, na qual cresce a história, que por
sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro. Devemos
trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão”
(LE GOFF, 2003, p. 471).
É justamente sobre o potencial libertário da obra de Orthof que se quer tratar e
não há como fazê-lo sem falar da mulher de teatro, Sylvia. Sobre ela, compreende-se que
“no conjunto de sua obra narrativa pode-se perceber um delicioso sotaque teatral, herança
de toda uma vida dedicada à encenação” (VILLAÇA, 2017, p. 21).
A história de vida, pessoal e profissional, da escritora tem como pano de fundo
dois dos períodos mais conturbados da História: a segunda guerra mundial e a ditadura
militar no Brasil. Esses foram um dos mais fecundos cenários da história do teatro
brasileiro, incluindo o teatro infantil.
Na dramaturgia infantil de Sylvia, os textos são ágeis, divertidos, brincantes e
reflexivos, sem ser moralizantes. Possuem um tempero próprio e característico, um
tempero orthofiano. Por isso, um dos melhores ingredientes da obra Orthofiana é a
memória. Por ser algo pessoal e intransferível, acaba sendo um ingrediente “secretérrimo”
visto que ela mesma confessa: “adoro segredos!” (ORTHOF, 2005, p. 1).
A liberdade, a infância não são temas em sua obra, todavia são “protagonistas”
em vários de seus textos dramáticos: A viagem de um barquinho (1975), Eu chovo, tu
choves, ele chove... (1976), Zé Vagão da Roda Fina e Sua Mãe Leopoldina (1979), A
Gema do Ovo da Ema (1980), Cantarim de Cantará (1980), entre outros.
O Livro aberto, confissões de uma inventadeira de palco e escrita (ORTHOF,
2005) nos dá “deixas” para entender uma geração que está se perdendo no esquecimento.
Finalmente pode-se dizer que é a revisitação dessas memórias que nos abrem as cortinas
do Espetáculo-história-memória em sua dramaturgia.
A literatura dramática é uma área um tanto controversa por se tratar de duas artes
distintas entre si, a Literatura e o Teatro. Contudo, há uma necessidade premente no nosso
tempo em que é urgente trabalhar nas escolas a leitura/compreensão de um texto do
gênero dramático com todas as suas especificidades, todos os seus signos.
Em literatura, o gênero dramático, como o próprio nome indica, são os textos
literários feitos com o intuito de serem encenados ou dramatizados. Entretanto, a simples
leitura desse tipo de gênero não se constitui no fazer teatral, porque essa arte engloba um
conjunto de elementos que juntos darão vida ao espetáculo.
Sendo assim, “ler teatro, ou melhor, literatura dramática, não abarca todo o
fenômeno compreendido por essa arte” (MAGALDI, 1994, p.7-8). Por isso, a proposta
de trabalho, no âmbito escolar, deveria ser conjunta entre os professores de literatura e os
de arte, especificamente, as artes cênicas para que se tenha a real compreensão do teatro
como arte e o seu papel histórico como obra de arte.
Do grego, a palavra “drama” significa “ação”. Assim, os textos dramáticos, além
de serem constituídos de personagens (protagonistas, secundárias ou figurantes), são
compostos pelo espaço cênico (palco teatral e cenários) e o tempo. Geralmente, os textos
destinados ao teatro possuem uma estrutura interna básica, a saber:
• Apresentação: faz-se a exposição tanto dos personagens quanto da ação a ser
desenvolvida.
A linguagem poética pode ser identificada facilmente por meio das rimas, do
ritmo, das metáforas e da musicalidade. Entretanto, ao se ler o texto, pode-se perceber a
poeticidade nos movimentos e nas ações das personagens já na primeira rubrica.
Sylvia trata o tema morte de forma tão natural como se conversasse com as
crianças, desmistificando a ideia de que esse é um tema que as crianças não entendam ou
não estejam prontas a entender. Um texto de celebração a vida, ao novo, de superação.
Considerações finais
REFERÊNCIAS
IORIO, M. I. Biografia. Sylvia Orthof. Rio de Janeiro: 25 nov. 2010. Disponível em:
https://sites.google.com/site/sylviaorthof/biografia-da-autora. Acesso em: 14 jan. 2021.
MIRANDA, Danilo Santos de. In: GUINSBURG, J.; FARIA, João Roberto; LIMA,
Mariângela Alves de (org.). Dicionário do teatro brasileiro: temas, formas e conceitos.
São Paulo: Perspectiva: Sesc São Paulo, 2006.
ORTHOF, S. Cantarim de cantará. Ed. José Prado. Rio de Janeiro: Rovelle, 2010.
STRAUSZ, Rosa Amanda. In: AIOLFI, Fábio. Biografia de Sylvia Orthof. O Aplauso.
27 abr. 2012. Blog. Disponível em: http://oaplauso.blogspot.com/2012/04/biografia-de-
sylvia-orthof.html. Acesso em: 14 de janeiro de 2021.
VALENÇA, Fátima. Sylvia Orthof, a tecelã - 1ª parte. Centro Brasileiro de Teatro para
Infância e Juventude. Rio de Janeiro, c2013. Disponível em: https://cbtij.org.br/sylvia-
orthof/. Acesso em: 14 jan. 2021.
VILLAÇA, C.; PRADO, José (org.). Sylvia Orthof: um ramalhete de histórias. 1. ed. Rio
de Janeiro: Bambolê, 2017. p. 224.