Você está na página 1de 242

rosa

Capa
Paulo Freire e a práxis pedagógica na
contemporaneidade

Cláudia Coelho Hardagh


Luciano Gamez
(Orgs)
Nota 1: Esta obra foi elaborada de forma colaborativa, tornando-se uma
coletânea. Os capítulos respeitam as normas técnicas e recomendações da
ABNT. A responsabilidade pelo conteúdo de cada capítulo é de competência
do respectivo autor, não representando, necessariamente, a opinião da
editora, tampouco da organizadora e organizador.

Nota 2: A organizadora, organizador, autoras, autores e editora


empenharam-se para fazer as citações e referências de forma adequada,
dispondo-se a possíveis acertos caso, inadvertidamente, alguma referência
tenha sido omitida. Apesar dos melhores esforços de toda a equipe editorial,
organizadores, autoras e autores, é inevitável que surjam erros no texto.
Deste modo, as comunicações das leitoras e leitores sobre correções são
bem-vindas, assim como sugestões referentes ao conteúdo que auxiliem
edições futuras.

© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. A V&V Editora detém direito


autoral sobre o projeto gráfico e editorial desta obra. A organizadora,
organizador, autoras e autores detêm os direitos autorais de publicação. O
trabalho Paulo Freire e a práxis pedagógica na contemporaneidade, dos
organizadores HARDAGH, Cláudia Coelho e GAMEZ, Luciano também está
licenciado com uma Licença de Atribuição Creative Commons – Atribuição
4.0 Internacional, permitindo seu compartilhamento integral ou em partes,
sem alterações e de forma gratuita, desde que seja citada a fonte.

Impresso no Brasil.
Printed in Brazil.
Paulo Freire e a práxis pedagógica na
contemporaneidade

Cláudia Coelho Hardagh


Luciano Gamez
(Orgs)

V&V Editora
Diadema – SP
2021
Conselho Editorial

Profa. Dra. Marilena Rosalen Profa. Dra. Rita C. Borges M. Amaral


Profa. Dra. Angela Martins Baeder Profa. Dra. Silvana Pasetto
Profa. Dra. Eunice Nunes Prof. Me. Arnaldo Silva Junior
Prof. Dr. Flávio José M. Gonçalves Profa. Ma. Beatriz Milz
Prof. Dr. Giovano Candiani Prof. Me. Everton Viesba-Garcia
Prof. Dr. Ivan Fortunato Profa. Ma. Letícia Moreira Viesba
Prof. Dr. José Guilherme Franchi Profa. Ma. Marta Angela Marcondes
Profa. Dra. Luciana A. Farias Prof. Me. Pedro Luis Castrillo Yagüe
Prof. Dr. Luiz Afonso V. Figueiredo Profa. Erika Brunelli
Profa. Dra. Maria Célia S. Gonçalves Profa. Sarah Arruda

Expediente

Coordenação Editorial: Everton Viesba-Garcia


Coordenação de Área: Marilena Rosalen
Projeto Editorial: Giovanna Tonzar, Thays Soares e Everton Viesba-Garcia

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

H258 Paulo Freire e a práxis pedagógica na contemporaneidade /


Organizadores Cláudia Coelho Hardagh e Luciano Gamez. –
Diadema: V&V Editora, 2021.
250 p. : 14 x 21 cm

Vários autores
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-88471-23-4
https://doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4

1. Paulo Freire. 2. Práxis Pedagógica. 3. Formação. I.


Hardagh, Cláudia Coelho. II. Gamez, Luciano.
CDD 372.72

Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422

V&V Editora - Diadema, São Paulo – Brasil


Tel./Whatsapp: (11) 94019-0635 E-mail:
contato@vveditora.com
vveditora.com
Sumário

Ação-reação… Resistir, resistir, resistir! Esperançar! ...........6


Paulo Freire e a Práxis Pedagógica na Cultura Digital
para a Justiça Social ..........................................................11
Cláudia Coelho Hardagh
Luciano Gamez
A concepção da Dodiscência Freiriana: uma simbiose
que repensa e reconstrói as práticas docentes e
discentes na escola contemporânea ...................................30
Daisy Antunes de Souza
Eduardo Fofonca
Cláudia Coelho Hardagh
Dialogicidade na educação a distância e no ensino
remoto: concepções para conciliar “distância” e
“proximidade” ....................................................................44
Braian Veloso
Daniel Mill
Diálogos para a práxis pedagógica e o processo formativo ..60
Maria São Pedro Barreto Matos
Augusto Matos Oliveira
Antonio Hamilton Santos
Ilvanir da Hora Santos
Josenilson Felizardo dos Santos
No meio da Educação tinha uma pandemia, tinha uma
pandemia no meio da Educação: a esperança e a
amorosidade freiriana nesse contexto ................................76
Valda Colares
O papel da escola democrática e a questão da
rigorosidade metódica no ato de ensinar: ressignificar
Freire em tempos de liquidez .............................................90
Cláudia Alencar Lopes
Educação em Paulo Freire no Ensino Superior .................108
Luciano de Figueiredo Borges
As aproximações da pedagogia transformadora de Paulo
Freire com a práxis coletiva de revista estudantil,
comunitária e democrática ...............................................121
Millena Miranda Franco
Beatriz Marques Paiva
Giulianna Ramalho Osteti
Nathalia Rodrigues Pinheiro da Silva
Beatriz Hitos Silva
Giovanna Ramalho Osteti
Pyetra Stephannie Rodrigues Costa
A Pedagogia da autonomia em tempos pandêmicos:
desafios e contemporaneidade no discurso freiriano ........137
Mariela Vilella
Nora Machalous
Paulo Freire: desmistificando os lugares-comuns .............148
José Renato Polli
A avaliação da aprendizagem numa perspectiva dialógica
e investigativa ..................................................................162
Valéria Sperduti Lima
Luciano Gamez
Práxis e o inédito viável na Escola Pós-Graduar................184
Maria Fernanda Degan Bocafoli
A construção da identidade e a emancipação dos
estudantes no século XXI: um olhar a partir da educação
e do
currículo ..........................................................................196
Arlete Vilela de Faria
Estela Aparecida Oliveira Vieira
Daniela Simone de Azevedo
Sobre a organizadora e o organizador ...............................221
Sobre as autoras e os autores ...........................................223
Índice remissivo ...............................................................234
Ficha técnica....................................................................237
Ação-reação… Resistir, resistir, resistir! Esperançar!

Prefaciando a obra
“Paulo Freire e a práxis pedagógica na
contemporaneidade”

Estamos perante uma situação-limite global que nos


obriga a pensar e reforçar a nossa capacidade de ação, como
força de resistência humana, um tempo em que emerge e se
afirma um tema gerador geracional que nos põe
definitivamente em causa, pondo em risco a nossa
sobrevivência enquanto espécie. À educação cabe um papel
crucial no ato de construção e resistência, sendo esse papel
pautado por enorme complexidade e diversidade, como
evidenciam os eixos das propostas apresentadas neste livro.
Celebramos o centenário de Paulo Freire, que nos
instiga a denunciar para anunciar, assumindo esse nosso
lugar no processo de humanização com as outras pessoas e
mediatizados pelo mundo. Apesar de tudo… ou talvez por
isso mesmo, este é um tempo de celebração esperançosa.
Celebramos, afirmando o nosso lugar como autores e
autoras da nossa história. Celebramos, corporizando no
contexto académico, a reivindicação e afirmação da
educação e da cidadania, como direitos de todas e de todos.
Celebramos, produzindo conhecimento e intervenção com as
pessoas, (re)ações essas focadas na redução das
desigualdades sociais e colaborando para uma vida mais
humanamente humana. A educação transborda para além
das margens da escola tradicional para ser hoje reconhecida
como processo mais ou menos dialógico e mais ou menos
conflitual que ocorre – ou pode ocorrer – efetivamente em
todos e qualquer contexto social.
Num tempo em que a miscigenação entre ciências se
tem vindo a revelar particularmente frutífera, é interessante
trazer aqui a teorização de Newton, matemático, físico,
astrônomo, teólogo e autor que revolucionou o mundo

6
científico, já no século XVII. A terceira lei de Newton pode
ajudar-nos a compreender os desafios que hoje se
apresentam à educação. O princípio da ação e reação
explica que na interação física entre dois corpos distintos, se
um dado corpo, exerce uma força sobre outro, o segundo vai
exercer, em simultâneo, uma força da mesma magnitude
sobre o primeiro. Estando na mesma direção, essas forças
são, no entanto, exercidas em sentidos opostos.
Extrapolando para uma aproximação às realidades sociais,
como corpo em situação-limite de opressão, parece poder
afirmar-se que estas são informadas por essa mesma
dinâmica de ação-reação, sendo que quanto maior a ação
(agressão) maior terá que ser a reação que, provocando
desequilíbrios e novos equilíbrios, obriga à construção de
processos de resistência. A práxis pedagógica ganha aqui
lugar.
Como resistência, celebrar hoje Freire corporiza,
sinergicamente, celebrar todas as entidades e pessoas que
se mobilizam em torno do pensamento-ação – práxis
freiriana – como pre(a)núncio de uma história outra possível.
Representa também a possibilidade e o espaço para a
criação de novos equilíbrios, com afirmação da co-laboração,
da interdependência e da relação solidária, num
enquadramento ético e estético de (re)humanização. A obra
que aqui se apresenta é disso exemplo, reinventando Freire
e a sua proposta política filosófica da educação.
Apropriações diversas a partir de campos de saber e
interesses distintos ilustram de forma clara a atualidade de
um pensador e de um pensamento reflexivamente
revolucionário que se multiplica no tempo e no lugar e para
além deles, trazendo a promessa de que a resistência
prevalece e se fortifica. As e os profissionais da educação
têm muito a dizer (e a fazer) na (re)construção de um
pensamento político pedagógico também reflexivamente
revolucionário e radical, um pensamento necessariamente
aberto às realidades e às pessoas que as constroem – e se
constroem – nesse processo.

7
Não quero gastar o meu tempo – o meu texto/
palavramundo – como instrumento da propaganda de um
mundo que hegemonicamente sloganiza a normalização, a
economia, o valor do mercado e tudo isso que nos tem vindo
a preocupar, como tema gerador de época. Ao longo de
muitos – talvez demasiados – anos uns e outros umas e
outras temo-nos revezado na desocultação das
desigualdades, sendo urgente e possível, a busca e
afirmação de um mundo outro construídos sobre os pilares
de uma democracia mais autêntica, feita de escuta e de
reconhecimento. É esse o eixo que antevejo nesta obra que
me orgulho em prefaciar, um eixo que exprime a intenção e
efetivação da intervenção no mundo, na busca de soluções
com e a partir das pessoas, como sujeitos únicos e
irrepetíveis e membros de grupos sociais específicos, onde se
cruzam heterogeneidades e diversidades, e onde se
reclamam, ou afirmam desejos e direitos que, sendo
particulares, expressam também necessidades mais globais
de um mundo que se transforma, sem pedir licença.
Não podendo (nem devendo) ignorar os múltiplos
processos de opressão, mais ou menos subtil, que informam
as nossas vidas, inspirada pelos autores e autoras que
contribuíram para este livro, opto aqui, por testemunhar e
enunciar a presença neste mundo vivido de um espaço para
a afirmação de voz, das vozes. Um espaço ganho a pulso por
um movimento freiriano plural que cada vez mais se
assevera, ganhando força e corpo, resistindo e reinventando
possibilidades nesse seu (re)existir. Este espaço de voz, que
caminha no horizonte da esperança, tanto pode emergir de
uma cultura digital que, em vez de empurrar para as
margens as e os trabalhadores, as e os cidadãos menos
qualificados, pode dar lugar à busca de justiça social,
reconhecendo a diversidade e tirando partido da autoestrada
digital para a afirmação dessa mesma diversidade. Pode
também permitir a possibilidade de repensar e reconstruir,
hoje, práticas docentes e discentes na escola, o que implica
a passagem de uma visão territorial, hierarquizada,

8
desumanizada, fechada sobre si, a uma visão ética, estética
e solidária de co-laboração.
Ganha sentido(s) uma educação que, ultrapassando
a visão técnica, investe no vaivém enriquecedor entre a
―distância‖, que nos aproxima do ‗todo‘, e a ―proximidade‖,
que nos aproxima de cada sujeito; uma visão que vai além
de uma perspetiva utilitária da educação para a
empregabilidade para afirmar a educação como formação de
corpo inteiro, uma experiência holística, relacional,
inclusiva, em processo. Falamos aqui de uma educação que
resiste, fazendo recurso à esperança e amorosidade
freiriana, como instrumentos dessa resistência, face a
ameaças globais que conhecemos demasiado bem, por força
das tecnologias e que, lamentavelmente, vão desde a
situação pandémica a uma ação governativa desgovernada
que, muitas vezes – demasiadas vezes – amplifica a ameaça
global, fazendo recurso à negação, expondo, estigmatizando,
oprimindo com a ligeireza de quem não quer saber.
Em reação, falamos aqui de uma educação em
contexto que não dá lugar ao ‗facilitismo‘ que menoriza, mas
que, indo no sentido oposto, apela ao exercício democrático,
investindo no rigor metódico inerente ao ato de ensinar (e
aprender, ensinando); uma educação em que autonomia e
resistência se tornam cúmplices; em que a avaliação se pode
demitir de um papel penalizador para se assumir como
aprendizagem com um caráter investigativo. Uma educação
como práxis, conscientização e emancipação, lugar que
permite o (re)conhecimento das situações-limite de opressão
para além da questão individual, inserindo-as num
panorama de experiência partilhada e mais global, com
responsabilidades a diversos níveis, o que permite a
exploração do potencial humano de transformação da
realidade, e a emersão como sujeitos sociais renovados e
renovadas.
No que concerne às questões pedagógicas e
educativas, é também importante acentuar como, ao longo

9
dos tempos, se têm vindo a pensar como essenciais
diferentes níveis de escolarização, ou de falta dela, sendo
que o analfabetismo tem constituído instrumento de
opressão manipuladora nos mais diversos contextos e
lugares, afetando os grupos das populações em condições de
maior vulnerabilidade, particularmente as/os menos
qualificados e que menos dominam os saberes tecnológicos,
o que as e os empurra para as margens do sistema.
De algum modo, neste tempo do capitalismo
desorganizado, o prolongamento sucessivo da escolaridade
até ao nível superior pode ser articulável com a falta de
capacidade do mundo de trabalho global para receber novos
trabalhadores e trabalhadoras, adiando uma inserção
profissional jovem válida, segura e compensadora. No
quadro destes limites sistémicos em que o mundo
universitário parece vir preencher uma lacuna na inserção
laboral, pensar o ensino superior com Paulo Freire, abre
uma janela formativa a alguns grupos, permitindo
reinstituir este nível de ensino como fórum de debate bem
como o domínio de um conjunto de saberes essenciais à
construção democrática. Ganha também relevância a
articulação da pedagogia transformadora com o ativismo
juvenil, em afirmação de democracia e recusando visões
mais convencionais que negam a participação jovem, por
confundirem participação com participação política
convencional/ partidária e/ou através do voto. Estes são
exemplos de um pensar educativo que constitui uma
(re)ação criadora e transformadora, o pensar educativo de
uma resistência que não cruza os braços face às misérias do
mundo, mas que arrisca arregaçar as mangas na construção
de experiências e relações mais humanamente humanas,
como já referi. Neste espírito de (re)ação, (re)existência e
possibilidade como sujeitos históricos de transformação
social amiga de mulheres-e-homens, celebremos!
Eunice Macedo
Porto, Portugal, 1 de setembro de 2021

10
Paulo Freire e a Práxis Pedagógica na Cultura Digital
para a Justiça Social

Cláudia Coelho Hardagh, Luciano Gamez

Paulo Freire e a Práxis Pedagógica na


Cultura Digital para a Justiça Social

Cláudia Coelho Hardagh


Luciano Gamez

doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4.1

11
Contexto

A existência humana não pode ser muda,


silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se
de falsas palavras, mas de palavras
verdadeiras, com que os homens
transformam o mundo. Existir,
humanamente, é pronunciar o mundo, é
modificá-lo. O mundo pronunciado, por
sua vez, se volta problematizado aos
Sujeitos pronunciantes, a exigir deles
novo pronunciar. Não é no silêncio que
os homens se fazem, mas na palavra, no
trabalho, na ação-reflexão (FREIRE,
1992, p. 78).
O momento em que vivemos quando redigimos esse
capítulo e nos propomos a organizar esse livro, é de um
contexto pandêmico muito fastidioso para a história da
humanidade. Além do problema de ordem epidemiológico da
Covid 19, que afeta igualmente todos que habitam este
planeta, atravessamos no Brasil um difícil período
caracterizado por fortes turbulências (e truculências)
políticas e ideológicas. A combinação desses dois contextos -
epidemiológico e político – impôs um cenário desolador e
obscuro que se estendeu também para os contextos social,
educacional, econômico, cultural e, sobretudo, sanitário. Por
essa razão, como nos sugere a citação de Paulo Freire
acima, não queremos e não podemos ficar no silêncio, nem
sermos neutros perante tal cenário.
Sabemos, historicamente, que os regimes políticos
baseados em uma perspectiva mais democrática dão mais
atenção à educação emancipadora do que os regimes
autoritários e de viés neoliberal. Isso se observa pela
postura crítica e de respeito à justiça social e aos direitos
humanos que a própria democracia preconiza. Respeito aos
direitos humanos não parece ser uma prática do governo em
exercício no Brasil atualmente, por isso, ao nos
pronunciarmos, clamamos por justiça social e endossamos

12
aqueles que apregoam a Educação como um ato político e de
transformação social.
Como professores que somos, e no exercício
democrático da cidadania, nossa forma de romper o silêncio
é por meio da proposição de ações que levem os docentes a
uma permanente reflexão sobre a prática. Reflexão esta não
apenas pedagógica, mas, sobretudo crítica. Em seu livro
Política e Educação, Freire (2001) alude que o primeiro
aspecto a sublinhar para pensar a respeito da prática
educativa, é que devemos ampliar a dimensão educacional e
entendê-la como prática social, como prática produtiva,
cultural, crítica e política. Para ele, a prática educativa é a
práxis, ação social refletida e sustentada por conhecimentos
complexos e diversos. Por isso mesmo, é um fenômeno
exclusivamente humano, é um fenômeno típico da
existência. Partindo dessa premissa, Freire conclui que a
prática educativa, seja histórica e tenha historicidade,
portanto, concluímos em nossas reflexões, esta prática não
pode se dissociar dos fatos históricos pelo qual estamos
vivendo na atualidade no Brasil e no mundo.
O momento atual é denominado de ―obscurantista‖ e
por isso, somos impulsionados a refletir de que forma a
educação pode contribuir para a formação de jovens com
consciência crítica e defensores da democracia. Os
educadores são protagonistas deste processo, pois, são eles
que promovem em suas práxis de educação libertadora,
conhecimentos que promovam a justiça social, e a equidade,
como fundamentos para a democracia.
Para dialogar com o (a) leitor(a) organizamos as
reflexões trazendo os conceitos freirianos de práxis e cultura
digital como promotoras da cidadania e da justiça social.
Para alcançar o objetivo de entusiasmar o leitor e
fazer com que as relações se estabeleçam com o mundo do
trabalho do professor, organizamos este Capítulo, com uma
primeira parte de contextualização acerca do momento

13
histórico marcado pela pandemia da COVID 19 com foco no
Brasil. Apresentamos reflexões sobre a educação brasileira,
trazendo os conceitos de cultura digital e dodiscência. Na
sequência, estabelecemos a relação entre esses dois
conceitos com justiça social e direitos humanos. Para
concluir, consideramos a nossa experiência em cursos de
extensão, promovidos pela UAB-UNIFESP, com temáticas
freirianas em que professores compartilharam narrativas a
respeito das suas atividades educativas realizadas em
tempos de pandemia.

Dodiscência e Cultura Digital

No exercício da docência, o diálogo com os


educandos nos leva a uma nova leitura de mundo, e com
isso, a transformação da práxis pedagógica. Esse estado de
dodiscência, no qual as mudanças culturais e tecnológicas
provocam novas formas de agir e interagir com o discente,
passam a questionar a eficácia de práticas educativas
hegemônicas e míopes a esse cenário de mudanças.
[...] Ao ser produzido, o conhecimento
novo supera outro que antes foi novo e se
fez velho e se ―dispõe‖ a ser ultrapassado
por outro amanhã. Daí que seja tão
fundamental conhecer o conhecimento
existente quanto saber que estamos
abertos e aptos à produção do
conhecimento ainda não existente. [...]. A
―dodiscência‖ – docência-discência – e a
pesquisa, indicotomizáveis, são assim
práticas requeridas por esses momentos
do ciclo gnosiológico (FREIRE. 1996, p.
28).
A natureza formadora da docência não pode se
reduzir a um puro processo técnico e mecânico de
transferência de conhecimentos, sendo importante enfatizar
nos educadores ―a exigência ético-democrática do respeito
ao pensamento, aos gostos, aos receios, aos desejos, à
curiosidade dos educandos, sem, no entanto, eximir o

14
educador, enquanto autoridade, de exercer seu direito e
dever de estabelecer limites, pois, ‗sem limites, a autoridade
se extravia e vira autoritarismo‘‖ (FREIRE, 2001 p. 22).
Freire destaca que o educador precisa entender que a
neutralidade política no ato de educar o(a) afasta de seu
compromisso de transformar o mundo no qual a ética,
justiça social e a equidade sejam balizadores para a sua
práxis. Na perspectiva freiriana, a palavra práxis representa
a ação transformadora do mundo e no mundo. Dentro da
filosofia da práxis temos cinco categorias fundantes que
asseguram a dignidade humana, a liberdade e a justiça
social: 1. Politicidade; 2. Comprometimento, 3. Eticidade, 4.
Democracia, 5. Dialogicidade. Posto isto, o nosso exercício
reflexivo, enquanto autores em diálogo com vocês leitores, é
trazer para a Cultura Digital, no contexto educacional, as
bases do conhecimento de Freire como destacamos acima.
A Justiça social, a equidade e a democracia, na
contemporaneidade, estão correlacionada ao acesso à
Internet e aos meios digitais, desta forma, os educadores(as)
e educandos(as) devem se inserir nesta cultura digital, para
a politicidade do processo de ensinar e aprender com o
objetivo de fazer a leitura crítica do ciberespaço e das redes
que esse território cria e recria.
O diálogo ético entre educação e cultura digital, a
partir dos conceitos de autonomia e liberdade, enfatizados
por Freire, é um caminho para que educadores(as) e
educandos(as) se autocompreendam como sujeitos histórico-
sociais e com capacidade de se indignar diante das
injustiças da sociedade contemporânea, da situação política,
incluindo o não acesso de grande parte da população do
Brasil ao ciberespaço, ou seja, acesso à informação e dados
necessários à justiça social e equidade.
A epistemologia freiriana nos sugere que aprender e
ensinar são ações que fazem parte da existência humana,
histórica e social, como dela fazem parte também, ―a

15
criação, a invenção, a linguagem, o amor, o ódio, o espanto,
o medo, o desejo, a atração pelo risco, a fé, a dúvida, a
curiosidade, a arte, a magia, a ciência, a tecnologia‖
(FREIRE, 1996, p. 12). É importante compreender que o ato
de ensinar e de aprender permeia todas estas atividades
humanas que não podem estar desconectadas da história
social dos indivíduos. O que Paulo Freire quer nos dizer com
isso é que não é possível para o ser humano não estar de
algum modo ou de outro, envolvido em certa prática
educativa, pois o ser humano, durante toda sua vida, jamais
para de se educar e de educar, que para o professor
representa a dodiscência. Aqui, entende-se que a prática
educativa, nessa lógica, não necessariamente está restrita à
escolarização, mas que há outras formas de se educar
mediadas pela interação social e pela cultura.
Esse ato de educar freiriano é um ato político e de
conscientização, por isso, reflexivo e dialógico, para
reconhecimento de si pelo contato e respeito ao outro que foi
colocado à margem da linha abissal (SANTOS, 2007) e para
promover a injustiça cognitiva que se ressignifica como
injustiça cognitiva digital.
E que é diálogo? É uma relação
horizontal de A com B. Nasce de uma
matriz crítica e gera criticidade. Nutre-se
do amor, da humildade, da esperança, da
fé, da confiança. Por isso, só o diálogo
comunica. E quando os dois pólos do
diálogo se ligam assim, com amor, com
esperança, com fé um no outro, se fazem
críticos na busca de algo. Instala-se,
então, uma relação de simpatia entre
ambos. Só aí há comunicação (FREIRE,
1967, p. 107).
Para fazer a leitura de mundo à luz da filosofia de
Freire temos que abandonar a neutralidade para reconhecer
que na educação, currículo, recursos didáticos virtuais e
analógicos são carregados de politicidade, como nos mostra
Freire nos ensaios ―Política e educação (1993):

16
para isso tenho que reconhecer a
politicidade e lutar pela postura ético-
democrática de acordo com a qual
educadoras e educadores, podendo e
devendo afirmar-se em seus sonhos, que
são políticos, se impõem, porém: deixar
claro aos educandos que há outros
sonhos contra os quais, por várias razões
a ser explicadas, os educadores ou as
educadoras podem até lutar; b) que os
educandos têm o direito de ter o dever de
ter os seus sonhos também, não importa
que diferentes ou opostos aos de seus
educadores‖ (FREIRE, 1993, p. 21).
As releituras das obras de Paulo Freire se
intensificaram, sobretudo em tempos de difícil entendimento
sobre democracia, ideologia, educação e justiça social. As
campanhas equivocadas sobre neutralidade na escola,
escola apolítica e aporofobia, provocam nos educadores
brasileiros muita inquietação e preocupação, pois ao se
posicionarem, por exemplo, a favor da diversidade de gênero
e do respeito às diferentes formas de expressão cultural e
religiosa, os educadores passam a ser alvo de perseguição
individual pelas próprias famílias dos(as) seus
educandos(as). O sentimento de medo e insegurança,
gerados pelas políticas neoliberais e de caráter autoritário
ameaçam penetrar em nosso cotidiano e interferir em nossa
práxis educativa, mas para nos fortalecer, recorremos às
leituras de Freire e outros educadores latino-americanos
como Simón Rodríguez - Venezuela, Domingo F. Sarmiento -
Argentina, José Mart – Cuba, e Mariátegui – Peru.
Estes autores ratificam que o caminho a ser trilhado
deve ser a educação emancipadora e crítica, respeitosa, e
que traga a felicidade e esperança para nossos alunos.
Neste capítulo trazemos questionamentos
relacionados à educação e cultura digital: Como ler o mundo
do século XXI sem ter acesso às redes sociais para poder
entender de forma crítica a cultura digital? Não há como

17
dissociar, na contemporaneidade, o acesso às informações e
conteúdos virtuais de equidade e democracia.
A educação e seus sujeitos, gestores, docentes e
discentes, em formação permanente, precisam trazer a
discussão e estudo profundo a respeito dos recursos
tecnológicos educacionais e transformá-las em artefatos
pedagógicos para inserir em suas práticas educativas e
criativas. Realizar esse movimento formativo é necessário
para que o processo de aprendizagem reflexivo e crítico
ocorra, também, no e sobre o ciberespaço, território ocupado
por informações pouco confiáveis, leituras sem profundidade
teórica e de redes que valorizam ações e pensamentos
antidemocráticos, mas que pode ser revertido positivamente
para disseminar conhecimento e facilitar o acesso à
educação em todos os níveis.
É que não existe ensinar sem aprender e
com isto eu quero dizer mais do que diria
se dissesse que o ato de ensinar exige a
existência de quem ensina e de quem
aprende. Quero dizer que ensinar e
aprender se vão dando de tal maneira
que quem ensina aprende, de um lado,
porque reconhece um conhecimento
antes aprendido e, de outro, porque,
observando a maneira como a
curiosidade do aluno aprendiz trabalha
para apreender [...], o ensinante se ajuda
a descobrir incertezas, acertos, equívocos
(FREIRE, 1997, p. 27).
Freire defendia que para ter autonomia teríamos que
ter ―(...) condições em que aprender criticamente é possível.
E essas condições implicam ou exigem a presença de
educadores e de educandos criadores, instigadores,
inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes
(FREIRE, 1996, p. 14-15)‖. Logo, para promover autonomia,
no contexto contemporâneo, o tema cultura digital e
ciberespaço são imprescindíveis para que possamos nos
aprofundar teoricamente quanto ao seu papel ético e político

18
que pode ampliar ou reduzir a liberdade, a justiça social e a
democracia.
Entender a dinâmica da cibercultura, e dos meios
digitais, é parte da formação de todos os envolvidos na
educação, para que se insiram à cultura digital do século
XXI e possam divulgar seus saberes, práticas populares e
tradições.
Por que não discutir com os alunos a
realidade concreta a que se deva associar
a disciplina cujo conteúdo se ensina, a
realidade agressiva em que a violência é a
constante e a convivência das pessoas é
muito maior com a morte do que com a
vida? Por que não estabelecer uma
necessária ―intimidade‖ entre os saberes
curriculares fundamentais aos alunos e a
experiência social que eles têm como
indivíduos? Por que não discutir as
implicações políticas e ideológicas de um
tal descaso dos dominantes pelas áreas
pobres da cidade? A ética da classe
embutida neste descaso? Porque, dirá
um educador reacionariamente
pragmático, a escola não tem nada que
ver com isso. A escola não é partido. Ela
tem que ensinar os conteúdos, transferi-
los aos alunos. Aprendidos, estes operam
por si mesmos (FREIRE, 1996, p. 17).
As questões sobre ética na cibercultura precisam ser
tratadas como temas do eixo transversal nos currículos e na
práxis educativa para romper com a ―ignorância cognitiva
digital‖, por isso, a dodiscência é um processo fundamental
na vida profissional dos educadores que aprendem com os
educandos conhecimentos relacionados à cultura digital.
Em seu livro Pedagogia da Autonomia, Freire destaca
muito claramente essas questões sobre a ética, por isso
pedimos licença para citar na íntegra um fragmento dessa
obra:
Mas, é preciso deixar claro que a ética de
que falo não é a ética menor, restrita, do

19
mercado, que se curva obediente aos
interesses do lucro. [...] Não falo,
obviamente, desta ética. Falo, pelo
contrário, da ética universal do ser
humano. Da ética que condena o cinismo
do discurso citado acima, que condena a
exploração da forma de trabalho do ser
humano, que condena acusar por ouvir
dizer, [...] golpear o fraco e indefeso,
soterrar o sonho da utopia [...]. A ética de
que falo é a que se sabe traída e negada
nos comportamentos grosseiramente
imorais como na perversão hipócrita da
pureza em puritanismo. A ética de que
falo é a que se sabe afrontada na
manifestação discriminatória de raça, de
gênero, de classe. É por esta ética
inseparável da prática educativa, não
importa se trabalhamos com crianças,
jovens ou com adultos, que devemos
lutar. E a melhor maneira de por ela
lutar é vivê-la em nossa prática, é
testemunhá-la, vivaz, aos educandos em
nossas relações com eles. Na maneira
como lidamos com os conteúdos que
ensinamos no modo como citamos
autores de cuja obra discordamos ou com
cuja obra concordamos (FREIRE, 2006,
p. 15-16).
A educação é um dos caminhos mais seguros para
promover a ética numa sociedade marcada pelo racismo e
desigualdade que geram a injustiça social. Temos um
compromisso freiriano com a sociedade em que estamos
inseridos, crendo que a Pedagogia da esperança, o
esperançar, é condição para conscientizar educadores e
educandos, para que possamos ensinar pela autonomia,
para a indignação, para a mobilização das lutas sociais,
contra as injustiças sociais, pela dignidade e para que o bem
comum prevaleça.
A Pedagogia da esperança, de Freire, esse ato de
esperançar, é condição no processo de conscientização, para
que possamos questionar a ingenuidade sobre o ciberespaço

20
e o que a virtualidade alterou na relação dos jovens, como o
conhecimento mais profundo, com a arte, com o processo de
produção de conhecimento. É no contexto da escola que a
análise e avaliação do que se consome no ciberespaço deve
ser feita, com argumentos, criticidade e rigor.
Freire nunca perdeu a esperança, levou suas
propostas pedagógicas de libertação pela educação por
muitos países do mundo. Escreveu e se expôs contra as
injustiças, como mostra o fragmento a seguir em seu livro
Pedagogia da Esperança.
Fazendo-se e refazendo-se no processo de
fazer história, como sujeitos e objetos,
mulheres e homens, virando seres da
inserção no mundo e não da pura
adaptação ao mundo, terminaram por ter
no sonho também um motor da história.
Não há mudança sem sonho como não
há sonho sem esperança. (...) Não posso
entender os homens e as mulheres, a não
ser mais do que simplesmente vivendo,
histórica, cultural e socialmente
existindo, como seres fazedores de seu
caminho que, ao fazê-lo, se expõem ou se
entregam ao caminho que estão fazendo e
que assim os refaz também (FREIRE,
1992, p. 91-97).
Com o mundo pandêmico, o confinamento, e o
isolamento social, a cultura digital passou a ser a principal
forma de interação e de socialização, de acesso à informação
e produção de conhecimento, reduzindo as práticas
educativas ao ciberespaço. Nesse sentido, a questão que
trazemos é muito importante: Há equidade no ciberespaço?
O acesso é livre? Quantos conseguiram ter acesso à
aprendizagem no ciberespaço que exige acesso à internet, e
aos suportes tecnológicos viáveis para estudar? Essas
questões são aqui tratadas a partir das categorias que
apontamos anteriormente: politicidade, comprometimento,
eticidade, democracia, dialogicidade e práxis.

21
Paulo Freire na educação mediada pela cultura digital:
uma questão de equidade e justiça social

Podemos analisar o marco histórico da pandemia


provocada pelo COVID19, que se alastrou pelo mundo, como
uma mudança de paradigma que afetou de forma global a
educação. Todas as crianças e jovens foram retirados de
seus contextos educacionais - que vamos tratar aqui como
território - e confinados em suas casas para estudarem, a
princípio, mediados pelas tecnologias virtuais que ocupam o
território denominado ciberespaço, em um modelo
denominado na urgência, de Ensino Remoto.
Vamos nos deter ao espaço do território brasileiro a
partir de nossas experiências como formadores de
professores e pesquisadores na área da educação, que neste
contexto de pandemia, fomos requisitados para criar cursos
de formação com o propósito de orientar os professores de
educação básica a entenderem as possibilidades
pedagógicas do uso de tecnologias digitais, além de cursos
de extensão oferecidos pela UAB/UNIFESP- tendo como
temática a Epistemologia freiriana.
No item anterior defendemos que a cultura digital é
um fator relevante para que a equidade e justiça social se
efetivem em nosso país, devido a hegemonia que os meios
virtuais possuem sobre os dados e a informação. Howard
Rheingold (2000) denomina cibercidadania ―como um
contrato de representação informal e não-escrito, a
expansão do conceito de cidadão na sociedade
contemporânea para o ciberespaço‖ (RHEINGOLD, p. 16,
2000).
Paulo Freire, em sua gestão como secretário de
educação em São Paulo, na década de 90, implantou
computadores nas escolas públicas do município de São
Paulo, pois defendia que os educadores(as) tinham que se
apropriar dos meios de comunicação para poder se
aproximar e entender a linguagem dos jovens. Em processo

22
de dodiscência, diálogo com os jovens e a cultura digital, os
educadores constroem novos conhecimentos e novas
pedagogias. Também, na mesma linha de pensamento,
Freire alertava que as tecnologias não são neutras e os
computadores poderiam ter um ―efeito cavalo de tróia‖, ou
seja, quando se introduz um novo instrumento na escola o
objetivo é ter resultado ―modernizado‖ e "sofisticado" que
oculta a continuidade da educação bancária mas, com uma
roupagem nova. Devido a esse uso equivocado das
tecnologias virtuais na educação, Freire na década de 80-90,
como secretário da educação, mostrava o perigo com relação
ao olhar negativo sobre as tecnologias: ―Divinizar ou
diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente
negativa e perigosa de pensar errado‖ (FREIRE, 1996) No
entanto, as mudanças necessárias na educação para uso
pedagógico desses recursos, não ocorrem e,
consequentemente, a cultura digital, ingenuamente utilizada
e esvaziada de crítica, corre o risco de apenas fazer uma
maquiagem superficial ao velho modelo tradicional
excludente.
Hoje as tecnologias virtuais, como tecnologia
hegemônica, e sendo uma ―ferramenta‖ sem crítica e
reflexão incorporada nas escolas, reforça a educação
bancária que Freire tanto criticou. O conhecimento
fragmentado é oferecido ao educando para que ele engula,
assimile e responda mecanicamente, de acordo com critérios
que não valorizam o sujeito histórico - professor e aluno –
reforçando o papel de consumidor de ferramentas e não
criadores de seus artefatos pedagógicos e conhecimentos. A
avaliação é realizada com critérios preestabelecidos e a
humanização da educação, o respeito pelas diferenças de
aprendizagem de cada aluno é simplesmente ignorada. Por
isso, Paulo Freire acrescentou, neste caso para o professor,
que o mesmo poder que o determina pode também
programá-lo para reproduzi-lo. A Pedagogia crítica defende
que devemos ter

23
(...) condições em que aprender
criticamente é possível. E essas
condições implicam ou exigem a presença
de educadores e de educandos
criadores, instigadores, inquietos,
rigorosamente curiosos, humildes e
persistentes (grifo nosso) (FREIRE, 1996,
p. 14-15).
Podemos arriscar caminhar além do pensamento de
Freire, como contribuição para entender o contexto
contemporâneo, que o ―efeito cavalo de troia‖ ao qual Freire
se referia, é exatamente este que estamos vivenciando
durante a pandemia para isolamento social. A cultura digital
hegemônica, como mercadoria e a serviço do consumo,
disponibiliza o acesso apenas às camadas privilegiadas
socialmente, mas a massa da população continua na linha
abissal, à margem desse território do ciberespaço no qual a
escola teve que se abrigar e, com isso, se ampliou de forma
ainda não calculada o abismo no acesso à educação nessa
modalidade remoto emergencial.
Educadores, em sua maioria, não receberam o apoio
suficiente para dar continuidade à práxis pedagógica, devido
ao distanciamento da cultura digital e a exclusão dos
recursos digitais necessários que possibilitam o acesso à
comunicação, ao ensino e à aprendizagem. A situação do
educando se iguala a do educador e a valorização da
categoria dodiscência se faz imprescindível para que, de
forma colaborativa e em diálogo, ―educadores e educandos
criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos,
humildes e persistentes‖ (FREIRE, 1996) ressignifiquem as
práticas educacionais para ensinar e aprender.
O comprometimento para a luta ao acesso à cultura
digital é um ato político quando se entende que na
sociedade contemporânea ter acesso a meios de
comunicação, a informação e conhecimento interfere na
consolidação da democracia, pois ser cidadão é ter acesso
aos dados disponibilizados no ciberespaço, saber interpretar

24
de forma reflexiva e crítica essas informações, para não
colocar em risco a ética e a própria democracia.
O nosso alerta, enquanto autores deste capítulo, está
voltado à justiça social e à equidade, por meio do acesso à
cultura digital. Defendemos que essa justiça pode ser
assegurada e disseminada com o acesso à educação, que
atualmente migrou para o território do ciberespaço, sendo
responsabilidade do poder público prover esse acesso às
camadas de maior vulnerabilidade social. Educadores e
educandos, em diálogo, precisam se apropriar de forma
crítica da cultura digital que pode seguir dois caminhos: ser
emancipadora ou aprofundar ainda mais a ignorância
cognitiva e a linha abissal.
Os conceitos de autonomia e liberdade, tão presentes
na obra de Paulo Freire, ficam comprometidos sem o acesso
ao novo território escolar. A escola foi desterritorializada
(DELEUZE,1995) quando seus atores, docentes e discentes,
cumprem com as medidas sanitárias de isolamento social.
Com essa mudança de território a escola é reterritorializada
para o ambiente doméstico e para o ciberespaço, com isso a
escola se expande em território, no entanto devido ao não
acesso ao ciberespaço, se reduz as possibilidades de
aprendizagem e sociabilidade.
Sem esse acesso, o educador perde o espaço para
criação e politicidade passando a ser, assim como o aluno,
um mero replicador de conteúdos prontos e descolados da
cultura local e das necessidades dos educandos.
As reflexões levantadas são resultados de pesquisas
na área da educação e cultura digital publicadas em livros e
artigos, no entanto o contexto atual causado pela pandemia
provocou o acirramento da exclusão de crianças e jovens da
escola e a interrupção do processo de aprendizagem devido
ao não acesso ao ciberespaço. Cabe aqui o conceito de
Escola Expandida, desenvolvido por Hardagh (2009), com o
objetivo de ―Criar redes colaborativas como expansão da

25
escola, que pode ser uma forma de organizar e disseminar
as experiências e saberes desses ―outros sujeitos‖ que
habitam a escola e torná-los visíveis dentro e fora da escola‖
(HARDAGH, 2018).
O diálogo com docentes da educação básica pública e
privada, em cursos de formação para inserção da cultura
digital na práxis pedagógica durante a pandemia, nos trouxe
as indagações feitas neste capítulo e acirrou as
preocupações como formadores que devem trabalhar com as
problemáticas reais e do cotidiano escolar.
A urgência sanitária fez com que a Escola fosse
desterritorializada, e no movimento de reterritorialização,
novos espaços foram ocupados e novas pedagogias foram
necessárias, dentre elas, a pedagogia que trouxesse
possibilidades de utilização crítica dos artefatos digitais que
habitam o ciberespaço. Secretarias de educação de vários
municípios procuraram alternativas para dar continuidade
ao ano letivo, e neste momento, se explicitou as limitações
dos educadores com relação ao uso das tecnologias virtuais,
a exclusão destes e dos educandos aos meios ou suportes
tecnológicos para mediarem seu trabalho e estudo. A
realidade de grande parte da população sempre foi de
exclusão à cibercidadania e neste momento isso se revelava
pelo não acesso à educação, o que consideramos como mais
um fator para o agravamento da injustiça social e cognitiva.
O nosso papel de educador(a) e pesquisador(a) está
em imergir nestes contextos diversos de problemáticas
educacionais para analisar e indicar caminhos que
solucionem ou minimizem os problemas. Sendo assim,
encaminhamos uma linha de reflexão que aponta a relação
da exclusão à cultura digital de docentes e discentes que
agrava a injustiça social e coloca em risco a democracia,
pois sem o acesso ao ciberespaço o território de ação para
exercer a cidadania (cibercidania) e práxis pedagógica
dialógica fica limitado, assim como as possibilidades de
desenvolver a autonomia e a criticidade.

26
As políticas públicas devem, a partir desse momento,
em que esse cenário se explicita de forma injusta e cruel
para jovens e crianças, estar voltada à expansão das redes
virtuais para acesso livre e democrático em cidades, bairros,
comunidades ribeirinhas, população indígena e quilombola.
A política de tornar pública a Internet e promover espaços
em que a cultura digital com seus suportes e meios virtuais
sejam disponibilizados para a população, espaços esses que
podem minimizar a linha abissal que dificulta o acesso à
educação.

Considerações finais

O caminho que trilhamos leva-nos à compreensão de


que a existência da educação não pode se dar sem o
estabelecimento de uma política educativa que estabeleça
prioridades, metas, conteúdos, meios, e para Freire (2001),
também os sonhos e as utopias. Neste sentido, ele reforça a
importância de
[...] termos sonhos de um mundo menos
feio, em que se diminuam as
desigualdades, as discriminações de
raça, de sexo, de classe, devendo-se
incorporar aos ensinamentos das
Cidades educativas o direito ao cidadão a
viver numa verdadeira democracia, o
direito de ser diferente de ser respeitado
nessa diferença. Caberá então às Cidades
educativas, reforça o autor, ensinar a
seus filhos que não é preciso se esconder
da condição de judeus, de árabes, de
alemães, de suecos, de norte-americanos,
de brasileiros, de africanos, de latino-
americanos de origem hispânica, de
indígenas não importa de onde, de
negros, de louros, de homossexuais, de
crentes, de ateus, de progressistas, de
conservadores, para gozar de respeito e
de atenção (p. 14).
Evidenciamos aqui, mais uma vez, o papel
educacional e político do Poder Público para diminuir o

27
analfabetismo digital, criar mecanismos de prover maior
acesso e acessibilidade aos mais vulneráveis social e
economicamente. Cabe também aos nossos educadores(as),
pensar e repensar as práticas pedagógicas a fim de
promover a educação emancipadora com o uso consciente
crítico e reflexivo das informações e dados disponíveis no
ciberespaço. A reflexão sobre a prática pedagógica, portanto,
deve ser conduzida pelos(as) educadores(as) a partir da sua
relação sócio-histórica com o mundo e no mundo, sem
deixar de lado o contexto específico de trabalho na qual
estão inseridos e as características culturais e econômicas
dos seus educandos(as). No entanto, acredita-se que a
prática pedagógica não deve estar descolada dos princípios
democráticos e de justiça social. É na ação educativa e no
cotidiano da formação que se pode marcar a diferença nas
atitudes que promovam o respeito mútuo, e que o cotidiano
formativo, e o que nele acontece, é reflexo dos sonhos
idealizados dos educadores(as) e dos próprios
educandos(as), sonho este que pode ser entendido como um
desejo, mesmo que utópico, de um mundo melhor, onde se
possa fazer a diferença.
Que a esperança nos devolva esses sonhos e que a
utopia nos mova em direção à equidade e justiça social. O
comprometimento com o rigor metodológico com o ato de
educar dialógico e dodiscente em novos territórios escolares
é urgente para que a politicidade, democracia e esperança se
expandam também para o ciberespaço com acesso livre e
público.

Referências

ARROYO, Miguel G. Outros Sujeitos, Outras Pedagogias.


Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2012.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo


e esquizofrenia; Tradução: Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto
Costa. São Paulo: Ed. 34, 1995.

28
FREIRE, Paulo. Política e Educação. São Paulo: Cortez
Editora, 1993.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e


Terra. Coleção Leitura, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro


com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1992.

HARDAGH, Cláudia Coelho. Redes sociais virtuais: uma


proposta de escola expandida. Tese de doutorado PUC-SP,
2009.

HARDAGH, Cláudia Coelho. Escola expandida: por uma


justiça cognitiva digital e perspectivas para ―outros sujeitos‖.
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade
Estadual do Oeste do Paraná. Revista de Educação, Revista
Educere Et Educare, Vol. 13, N. 28, maio/agos. 2018.

RHEINGOLD, Howard. The virtual community:


Homesteading on the electronic frontier. 2d ed. Cambridge,
2000.

SANTOS, Boaventura de Souza. Para além do Pensamento


Abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes,
Revista Crítica de Ciências, 2007.

29
A concepção da Dodiscência Freiriana: uma simbiose
que repensa e reconstrói as práticas docentes e
discentes na escola contemporânea

Daisy Antunes de Souza, Eduardo Fofonca, Cláudia Coelho


Hardagh

A concepção da Dodiscência
Freiriana: uma simbiose que repensa e
reconstrói as práticas docentes e
discentes na escola contemporânea

Daisy Antunes de Souza


Eduardo Fofonca
Cláudi a Coelho Hardagh

doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4.2

30
Introdução

As relações entre professores e estudantes tendem a


se estreitar na medida em que há, por parte do educador, o
reconhecimento que seu papel vai além de ensinar. Sua
incumbência abrange a transformação do mundo e do
homem. Assim, parafraseando Paulo Freire (1996), o
educador em sua prática não pode negar-se do dever de
reforçar no educando a curiosidade, a criação, a construção
e reconstrução do conhecimento. De tal forma, isso só se faz
possível quando o educador também se faz curioso, criativo
e construtivo, fazendo de sua experiência uma possibilidade
de produção de conhecimento e que não serão meramente
transferidos, mas serão verdadeiras situações de
aprendizado.
Dessa maneira, ensinar deixa de ser algo que alguém
já produziu e está sendo repassado de forma mecânica,
como quando se lê um manual de instruções ou uma receita
de bolo. Ensinar deixa de ser distante e passa a ser próximo,
numa proximidade que permite se tornar sujeito do
processo, abandonando as certezas que impedem de estar
adeptos a conhecer o desconhecido.
Passando a entender de fato, quando Paulo Freire
(1996, p. 12) ensina que é preciso, sobretudo, assumir-se
como sujeito da produção do saber, convencendo-se
definitivamente de que ―ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar possibilidades para a produção ou
sua construção‖.
Somente, assim, pode-se falar em um saber que ao
ser ensinado é constantemente apreendido, quando se
procura estabelecer uma relação entre os conteúdos e os
livros com a realidade que os cerca, que cerca os
estudantes, a escola e o mundo.
Compreendendo, então, que ensinar só se faz
possível quando se aprende, entendendo o que Paulo Freire

31
(1996) preconiza: que não se encontra concretude num
ensino que não resulta um aprendizado. Pois, é exercendo a
capacidade de aprender que se desenvolve a curiosidade
epistemológica. De fato, ensinar não existe sem antes
aprender. Quanto mais se ensina, mais se deve aprender,
pois a prática de ensinar desenvolve a habilidade de
aprender. Sob esse ponto de vista, salienta Pereira e
Fonseca (2007, p. 3): ―[...] o profissional da educação, cada
vez mais, sente necessidade de ter contato maior com
teorias, pensamentos e edificações teórico-metodológicas
que venham contribuir para a ressignificação da prática
pedagógica‖.

A concepção “dodiscência”

Para que o professor possa ressignificar a prática, é


preciso que ele se conecte com o aluno para uma grande e
eterna partilha que, num esforço coletivo, perceba que ―não
há docência sem discência, as duas se explicam e seus
sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se
reduzem à condição de objeto, um do outro‖ (FREIRE 1996,
p. 12). Nesse contexto, o diálogo deve ser considerado na
prática educativa, pois, será a partir da relação dialógica
que a curiosidade, a criatividade e a construção do
conhecimento serão confirmadas.
Dessa forma, viabilizando um ambiente de diálogo,
em que a distância entre docentes e discentes se reduz e
juntos passam a ―saber melhor o que sabem e conhecer o
que ainda não sabem‖ (FREIRE, 1996, p. 51). Será nessa
relação dialógica que professores e estudantes aprenderão e
crescerão, assumindo o protagonismo e a autoria do
conhecimento promovendo a autonomia de ambos.
Partindo desses saberes necessários à prática
educativa, Paulo Freire (1996), então, buscou articular o
aprender-ensinar do professor com o ensinar-aprender dos
estudantes, num conceito que chamou de dodiscência.

32
Assim, para compreender melhor a dodiscência, buscou-se
pela concepção do termo. Cunha (2008) afirma que a síntese
dessa concepção se revela numa permanente simbiose que
impede de olhar a docência separada da discência. ―Nela o
conhecimento é processo de recriação, em que o ensinar e o
aprender se colocam em perfeita sintonia‖ (CUNHA, p. 254).
Conforme Zitkoski; Streck (2008, p. 707), a
concepção ―constitui um binômio com decência,
―dodiscência‖ para significar a inseparabilidade do ensinar e
aprender‖. Já Saul e Saul (2017, p. 6), a dodiscência ―é a
relação estabelecida entre um ensinar que jamais se dá
separado do aprender‖. Sendo assim, o processo de ensinar
parte do processo de aprender e o aprender parte do
processo de ensinar, envoltos num processo ainda maior: o
de conhecimento.
Na perspectiva de Hardagh (2019, p. 117), a
concepção retoma a ―necessidade de desterritorialização dos
territórios escolares para reterritorializar e ressignificar o
processo de aprendizagem e a produção do conhecimento‖
que se dá por meio do diálogo, partilhas e trocas simbólicas
e culturais que possibilitarão professores e estudantes
alcançarem uma consciência crítica e cognitiva para
produção e disseminação do conhecimento.
Assi, para Stefanelli (2017) passa a existir uma
―Dodiscência Digital‖, num processo de conectividade entre
ensino e aprendizagem que significa:
O ato ou ação de aprender ensinando,
envolve em ação comunicativa (dialógica)
e em práticas colaborativas que unem
teoria e prática (práxis) educando e
educadores, que se motivam uns aos
outros, que se ensinam a si mesmos e a
outros; é a ação pedagógica de quem
ensina, ao mesmo tempo em que
aprende, sobre um determinado
conhecimento; ou aquele que organiza a
produção dos conhecimentos pré-
existentes (docente) coparticipando da

33
aprendizagem dos aprendizes (discentes)
e do seu próprio processo de aprender
(STEFANELLI, 2017, p. 90).
Diante dessas concepções, é possível entender que a
dodiscência envolve um processo, no qual o encontro entre
educador e aprendente pode ocorrer para pensar a prática
educativa, para encontrar respostas, para escutar a própria
voz, sendo docente ou discente, ganhando espaço e se
sentindo objeto de seu aprendizado (TEIXEIRA, 2014).
Sob o ponto de vista de Camas; Fofonca; Hardagh
(2020), aprender e construir conhecimento, em meio à
dodiscência, não se dá sem uma troca dialógica:
Pelo processo de socialização com os
alunos, pelas experiências do passado,
na troca dialógica que se transforma os
meios usados para ensinar e aprender
isso envolve ideias, reflexões sobre teoria
e prática de alunos e professores, cada
um com seus saberes e criatividade
(CAMAS; FOFONCA; HARDAGH 2020, p.
119).
Frente a essa consideração, torna-se visível que a
dodiscência pode dar uma nova forma à prática pedagógica,
onde os saberes se relacionam com as experiências para
adequar os conteúdos às necessidades dos estudantes,
admitindo a capacidade de que professores e estudantes
ensinam e aprendem, à medida que se relacionam com o
mundo (SILVA, 2013).
Dessa forma, a partir da concepção da dodiscência,
procurou-se tecer, nesta pesquisa, uma conjuntura de
saberes que se unem para delinear as explicitar as
contribuições da pedagogia freiriana para compor a
discussão em torno da prática docente no contexto
educativo.

34
A concepção da “dodiscência” a partir de uma revisão de
literatura

O segundo caminho dá-se numa Revisão de


Literatura com base nos bancos de dados SCIELO, ERIC e o
banco de dados da CAPES, que são indexadores de
periódicos científicos publicados, em nível nacional e
internacional. Contudo, ao refinar a busca para o período
específico, entre os anos de 2013 a 2018, e com base nos
descritores: dodiscência e dodiscentes, também, com seus
correspondentes em outra língua (Dodiscence – dodiscent),
quando necessário) os resultados foram in suficientes para o
desenvolvimento de um aporte teórico. De tal modo, fez-se
necessário selecionar outros bancos de dados para
prosseguir com as análises: GOOGLE ACADÊMICO,
BIBLIOTECA DIGITAL de TESES e DISSERTAÇÕES da
Universidade Federal do Paraná (SiBi/UFPR) e a
BIBLIOTECA DIGITAL BRASILEIRA de TESES e
DISSERTAÇÕES (BDTD).
As equações de pesquisas foram criadas com apoio
nos descritores de investigação, tendo sido utilizadas da
seguinte forma: ((dodiscência); (dodiscence); (dodiscente),
(dodiscent)).
Após a seleção de novos bancos de dados para
completar a busca, foram encontrados um total de 99
trabalhos entre eles, artigos, teses e dissertações.
Uma vez selecionados os trabalhos, fez-se necessário
um filtro para um critério de inclusão/exclusão para
auxiliar o processo de leitura. Porém, diante de um
resultado de busca tão escasso, o processo para a restrição
de leitura deu-se conforme a figura abaixo

35
Figura 1 - Critérios de Inclusão/Exclusão.

Fonte: Souza (2021).

Posteriormente, conforme exposto, na figura 12, com


a leitura e análise dos títulos e resumos, apenas cinco foram
selecionados para leitura do conteúdo, na íntegra, e compor
a revisão sistemática, pois, estes se enquadraram nos
critérios de inclusão e exclusão definida com base na
pergunta problemática que norteia a pesquisa: ―É possível
estabelecer uma prática educativa inovadora por meio da
curadoria de conhecimento nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental‖? De tal forma, os critérios para análise dos
estudos possibilitaram uma análise e a realização de uma
síntese visando a reforçar a importância de se prosseguir
com a pesquisa acerca da dodiscência, na prática educativa.
À luz dos principais achados, nenhum estudo foi encontrado
nos bancos de dados: Scientific Eletronic Library On-line
(SCIELO), Education Resources Information Center (ERIC) e
Portal de periódicos da CAPES. Consequentemente, em
busca por elementos que conversassem com a temática da
pesquisa, a sistematização da Revisão de Literatura
prosseguiu com a realização das análises dos estudos,
conforme os quadros abaixo.

36
SILVA, G. M. F. 2018, Brasil.
STEFANELLI, R., 2018, Brasil.
Ano
País
Autor

Conectivida-
Planos de estudos da escola do
de e Dodiscência no ensino com
campo: situações-limites a uma
audiovisual – Um estudo das
prática emancipatoria dos
Título

percepções de estudantes e
sentidos humanos.
professores da escola básica.

Audiovisual na Escola Básica.


Conectividade. Educação do Campo.
Dodiscência. Currículo. Planos de Estudo.
chave
Palavras-

Práticas Pedagógicas

Analisar os fundamentos teóricos-

37
metodológicos que dão suporte às Conhecer que situações limites
práticas pedagógicas de ensino- encontram os Planos de Estudos
aprendizagem com audiovisual de uma escola do/no campo para
desenvolvida na escola básica, tornar a educação proposta em
destacando sua condição de método seu Projeto Político Pedagógico

Fonte: Souza (2021).


Objetivos

ativo e colaborativo, explicitado uma prática emancipatória dos


teoricamente com as categorias sentidos humanos de todos que
conectividade e dodiscência, conforme dela participam.
teorizações de base freiriana.
Noção de dodiscência empregado
Quadro 1 - Construção Marco Teórico – Bdtd

Associação entre conectividade e


em encontros denominados
dodiscência na medida em que se
Diálogos Dodiscentes para que os
configuram como elemento prático-
professores participantes da
pedagógico do processo ensino-
proposta fossem conduzidos a
Achados

aprendizagem tanto dos professores


Principais

pensar a escola e seu papel como

Grande do Sul, por meio de encontros, batizado por ela de

reconhecendo a dualidade existente na tarefa de


―Diálogos Dodiscentes‖. Estes visavam ser um espaço para
analisar a prática docente de uma escola rural, do Rio

pesquisa e debates, num clima informal para ouvir todos e


Silva (2008), em seu relatório de Mestrado, buscou

levar os educadores a se enxergarem como educandos,

educadores. A autora buscou, nos princípios freirianos, a


dialogicidade que fundamentou os encontros que ajudariam
como dos estudantes.
educador.
a aprofundar questões do currículo, as quais constituem os
Planos de Estudo da escola em questão.
Em sua tese de Doutorado, Stefanelli (2018)
estabelece uma relação entre conectividade e dodiscência, a
partir do diálogo que se dá entre educadores e educandos,
que incentiva a colaboração e o protagonismo ente ambas as
partes e que ganha concretude com o uso de meios
audiovisuais na escola. O autor defende um ensino que
explore possibilidades conectivas do uso de meios
audiovisuais nas práticas dodiscentes. O trabalho explora
conhecimentos que potencializam o aprender-ensinar-
aprender a si mesmo e a outros numa ação pedagógica que
permite ensinar ao mesmo tempo em que ensina.

Quadro 2 - Construção Marco Teórico – Sibi.


Autor
Palavras-
Ano Título Objetivos Principais Achados
chave
País
Noção de dodiscência, empregada em encontros
Aprofundar as contribuições de Paulo Freire na
sua potencialidade em vista de uma educação

denominados Diálogos Dodiscentes, para que


socioambiental crítica, como fundamentação

fossem conduzidos a pensar a escola e seu


os professores participantes da proposta
específica e diferencial na formação de
Formação de Educadores Ambientais:
Contribuições de Paulo Freire.
DICKMANN, I., 2015, Brasil.

Formação de Educadores.
Pedagogia de Paulo freire.

papel como educador.


Educação Ambiental.

Círculos de Cultura.

educadores.

Fonte: Souza (2021).

Ao tratar da formação de educadores ambientais, em


sua tese, Dickmann (2015) aprofunda-se nas contribuições
de Paulo Freire que constituiu todo o seu referencial teórico

38
e embasou o desenvolvimento de sua pesquisa. Em uma
seção de seu trabalho, o autor aborda a dodiscência dentro
da tarefa da rigorosidade metodológica que supera a
memorização e a transmissão de conhecimento, numa
perspectiva de aproximação do mundo e da realidade, o que
exige de o professor estar aberto à produção do
conhecimento ainda não existente, numa prática de ensinar,
aprender e pesquisar. Sob essa perspectiva, o processo de
―ensinar aprendendo‖ é retratado pelo autor ao se
referenciar em Paulo Freire, que expressa o conceito do
humano ser um ser inacabado, em constante busca e diante
disso, é preciso que o docente se assuma como um eterno
discente.

39
COUTINHO, A. da S./
SALDANHA, M. H, M., 2017, Brasil.
REZENDE, I. M. N./ Ano
País
Autor

ARAÚJO, M. L. F., 2013, Brasil.

AUTOPOIESE e DODISCÊNCIA:
A avaliação no ensino de Biologia sob a
Relações necessárias para a
perspectiva da dodiscência.
Título

cidadania na escola?

Autopoiese
Dodiscência.
Ensino de Biologia.
Regras de Convivência.
Avaliação.
Projeto Político Pedagógico.
chave

Dodiscência.
Palavras-

Educação de Jovens e Adultos.

Compreender a ausência de grêmio


Analisar concepções e práticas que norteiam

40
estudantil durante 27 anos de sua
a avaliação desenvolvida na disciplina de
existência, e os motivos que deram
Biologia em uma escola com indicadores
causa à sua organização, após
Objetivos

nacionais insatisfatórios de qualidade.


esteperíodo.

Fonte: souza (2021).


Sistema de avaliação, planejamento
sistematizado e processo de ensino-
aprendizagem pautada numa pedagogia Estudo de caso que buscou refletir
tradicional levaram a escola a resultados sobre o conceito de autopoiese para
insatisfatórios no Exame Nacional do Ensino a Educação, e da dodiscência para
Médio (ENEM), o diagnóstico foi perceber a as relações comportamentais de
dodiscência como uma intervenção precisa uma determinada escola.
Quadro 3 - Construção Marco Teórico – Google Acadêmico

em busca de melhoria não somente da


Principais Achados

avaliação, mas de todo a prática educativa.

buscou identificar, no contexto escolar, o protagonismo

diálogo e regras de convivência de uma determinada escola.

que os docentes expressam as metodologias que adotaram,


Saldanha (2017), em seu trabalho de graduação,

infantil, analisando categorias de autonomia, liberdade,

uma ferramenta permeável à democracia numa realidade em


Nesse contexto, a autora compreende a dodiscência como
em sala de aula, compartilhando perspectivas, incentivando
a discussão e a comunicação e levando o discente a
pesquisar, a perguntar e a experimentar a proposta
pedagógica e a dinâmica do professor de tal maneira que o
educando ―aprende, aprendendo a ensinar‖, e o educador
―ensina, aprendendo com o aprendente‖.
O artigo de Coutinho, Rezende e Araújo (2013) deixa
claro que avaliar é essencial no processo de ensino-
aprendizagem, pois, a partir da avaliação, é possível nortear
a prática docente, a fim de um melhor desenvolvimento do
educando. Porém, a forma de avaliar sob a perspectiva de
transmissão e memorização que enfatiza o desempenho final
se revela excludente e opressor, portanto, ineficiente. Diante
disso, tal processo avaliativo precisa ceder espaço a uma
avaliação pautada no desenvolvimento de competências e
habilidades alicerçadas na contextualização e na
interdisciplinaridade. Para os autores, a dodiscência poderia
subsidiar a reflexão sobre a prática docente para formar
cidadãos participativos, críticos e comprometidos.

Considerações finais

O acesso aos estudos, que a Revisão de Literatura,


proporcionou contribuiu para compreender a importância de
abordar a dodiscência como temática para pesquisas e
novas perspectivas na Educação Básica, uma vez que tal
concepção freiriana, é pouco utilizada e pouco aprofundada
no meio acadêmico-científico.
Desse modo, frente à importância de a docência ter a
consciência de que faz parte de um processo dodiscente, a
discussão que se coloca como um ponto de partida para
repensar o papel da docência e, sobretudo, oportuniza uma
reflexão aos educandos a liberdade ao adentrar a um eterno
e dinâmico processo de ensino e aprendizagem. Para que o
professor possa ressignificar a prática, é preciso que ele se
conecte com o aluno para uma grande e eterna partilha que,

41
num esforço coletivo, percebendo que não há docência sem
educandos e que apesar de algumas diferenças de
atribuições na sociedade, os sujeitos não devem se reduzir à
objetos estanques na escola. Nesse sentido, atribui-se a
grande relevância do diálogo na prática educativa, visto que,
será por meio de uma relação dialógica que a curiosidade, a
criatividade e a construção do conhecimento são
efetivamente consolidadas, assumindo o protagonismo e a
autoria do conhecimento e, especialmente, promovendo a
autonomia dos dodiscentes.

Referências

CAMAS, N.P.V; FOFONCA, E.; HARDAGH, C.C. Pesquisa


narrativa e curadoria de conhecimento na cultura digital.
"RE@D – Revista de Educação a Distância e eLearning.
Lisboa, v.3, n.1, p. 115-130, mar./abr. 2020.

CUNHA, M.I. Discência/Docência. In: Dicionário Paulo


Freire. Autêntica, 2008.

DICKMANN, I. Formação de Educadores Ambientais:


Contribuições de Paulo Freire. Tese (Doutorado em
Educação) – UFPR, Curitiba, 2015.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à


prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

HARDAGH, C.C. A Pedagogia Digital e Maker como caminho


para mente expandida. In: DIAS-TRINDADE, S.; MILL, D.
Educação e Humanidades Digitais: aprendizagens,
tecnologias e cibercultura. Imprensa da Universidade de
Coimbra, 2019.

PEREIRA, Ana Cristina Silva de Oliveira; FONSECA, Zenilda


de Jesus. Pesquisa e formação do educador: desafios e
possibilidades de articulação.
In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO NORTE
E NORDESTE, 18. 2007, Maceió, AL, 2007.

42
SAUL, A. M; SAUL, A. O saber/fazer docente no contexto do
pensamento de Paulo Freire: contribuições para a Didática.
Cad. Pesq., São Luís, v. 24, 2017.

STEFANELLI, R. Conectividade e dodiscência no ensino


com audiovisual: Um estudo das percepções de estudantes
e professores da escola básica. 2017. Tese (Doutoramento
em Educação) – Universidade Nove de Julho, São Paulo,
2017.

SOUZA, D.A. A curadoria de conhecimento como


dispositivo pedagógico nos anos iniciais do Ensino
Fundamental: Desvelando a dodiscência em narrativas
docentes on-line. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2021.

SILVA, W. F. da. A dodiscência na Educação Profissional


e Tecnológica para o Desenvolvimento Local Sustentável
no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
de Pernambuco, Campus Ipojuca. 2013. Dissertação
(Mestrado em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável)
- IFPE, Recife, 2013.

TEIXEIRA, O. O lugar do olhar e da escuta psicopedagógica


das aprendizagens na IES. In. Semana de Extensão,
Pesquisa e Pós-graduação SEPesq, 10, 2014. Anais [...]
Laureate International Universities, 2014.

ZITKOSKI, J.J; STRECK, D.R. Que fazer. In: Dicionário


Paulo Freire. Autêntica, 2008.

43
Dialogicidade na educação a distância e no ensino
remoto: concepções para conciliar “distância” e
“proximidade”

Braian Veloso, Daniel Mill

Dialogicidade na Educação a
Distância e no ensino remoto:
concepções para conciliar
― distância‖ e ― proximidade‖

Braian Veloso
Daniel Mill

doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4.3

44
Introdução

A pandemia ocasionada pela COVID-19 coloca-nos a


(re)pensar problemáticas que, muito embora não tenham
sido inauguradas pela recente crise mundial, por ela foram
acentuadas. A democratização do acesso educacional é um
desafio histórico para países de acentuada desigualdade
social como o Brasil. E as medidas de distanciamento e
isolamento social, compelindo instituições a adotarem a
Educação a Distância (EaD) e/ou o ensino remoto,
descortinaram as disparidades no acesso às tecnologias que
permeiam as relações sociais contemporâneas. Como
corolário dessas experiências vivenciadas durante o período
pandêmico, observa-se que o êxito e o fracasso têm forte
relação com questões mais amplas, evidenciando que os
problemas desbordam da escola e compreendem as
estruturas da sociedade.
Não obstante, questiona-se em que medida as
propostas pedagógicas assentadas nas possibilidades das
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) se
encontram enredadas em problemas intrínsecos. Noutros
termos, as especificidades técnicas e de configuração do
ensino-aprendizagem da EaD ou do ensino remoto1
possibilitam um processo educacional verdadeiramente
progressista, calcado na libertação e na prática dialógica em
que pese a disparidade no tempo e/ou no espaço entre os
envolvidos? Ou estamos em face de uma modalidade ou

1 Entendemos que a distinção entre ―EaD‖ e ―ensino remoto‖


envolve questões legais, trabalhistas, filosóficas etc. No entanto, em
ambos os casos temos as condições basilares: separação no tempo
e/ou no espaço entre professores e alunos, e mediação pedagógica
alicerçada em tecnologias diversas – sobretudo digitais. A tentativa
de diferenciar ou aproximar as duas coisas incorre numa
discussão complexa, que buscaremos realizar posteriormente, mas
que, aqui, não cabe no momento. Destacamos apenas que, ao nos
referirmos à EaD e ao ensino remoto, por vezes até de forma
indiferenciada, estamos nos atendo às questões técnicas e de
configuração do processo educacional supraditas.

45
configuração educacional que apresenta problemas
inerentes que não seriam sobrepujados ainda que a
desigualdade de acesso às tecnologias fosse contornada? Na
tentativa de contribuir para a discussão no que toca às
possibilidades e limitações da EaD e do ensino remoto,
apoiamo-nos numa revisão de um conceito fundante da
teoria de Paulo Freire, qual seja, o diálogo. Ao entendermos
a dialogicidade como imprescindível para uma educação
libertadora, propomo-nos, neste ensaio, a compreender de
que forma ela pode ser trabalhada em contextos de ensino-
aprendizagem mediados por recursos tecnológicos. Para
tanto, recorremos à distinção entre ―distância‖ e
―proximidade‖, uma vez que a presença física não
representa, necessariamente, diálogo – ao menos sob o
conceito que, neste capítulo, será trabalhado.
A respeito da estrutura do texto, iniciamos com uma
discussão sobre educação e sociedade, demonstrando que
ambas estão imbricadas e não podem ser pensadas
isoladamente. Após isso, procuramos trabalhar o conceito
de diálogo em Paulo Freire para, junto dele, distinguirmos
―distância‖ e ―proximidade‖, com vistas a evidenciar que,
mesmo na EaD ou no ensino remoto, é possível realizar um
ensino-aprendizagem dialógico, com trocas importantes
entre os sujeitos. Por fim, tem-se as considerações finais que
arrematam a discussão e propõem vislumbres que podem
ser trabalhados em pesquisas alhures.

Educação e sociedade como indissociáveis

Antes de partirmos para as ponderações que tratam


das especificidades do diálogo na EaD ou no ensino remoto,
direcionamos nossa análise para a apreensão do caráter
indissociável entre educação e sociedade. Em Saviani
(1989), observamos que, em âmbito educacional, de um
lado, as teorias não críticas buscam soluções para aquele
que seria o fracasso escolar, alvitrando novas metodologias,
abordagens e propostas pedagógicas consideradas, em

46
muitos sentidos, inovadoras. Por outro lado, as assim
chamadas teorias crítico-reprodutivistas desvelam que o
fracasso escolar é, a bem dizer, o principal indicador de que
a escola atingiu o seu objetivo de reprodução da ordem
social vigente. Concordamos com Saviani (1989) ao
considerar que essas duas correntes teóricas podem
conduzir a uma visão dicotômica da realidade: ou a escola
seria capaz de solucionar os problemas sociais maiores, ou
ela está tão somente atrelada à estrutura da sociedade sem
muitas possibilidades de ação.
Para nós, a EaD se encontra no cerne da síntese
dessa discussão. Frequentemente, essa modalidade é tida
como grande tendência da contemporaneidade, capaz de
democratizar o acesso educacional e de solucionar, em
grande medida, óbices históricos. Mas há críticas mais
severas que imputam à EaD a responsabilidade por
precarizar a docência e exasperar o processo de
mercantilização do ensino, servindo como instrumento do
capital que, na verdade, esforça-se incessantemente para
obnubilar o eminente fracasso educacional. Encontramos
evidências empíricas advindas do período pandêmico que
sustentariam as duas proposições. Porque há, certamente,
propostas bem-sucedidas, demonstrando que a
convergência entre o presencial e o virtual tende a ser
profícua para ampliar a qualidade do ensino. No entanto,
muitas instituições que já sofriam com cortes de verba e
falta de infraestrutura tiveram seus problemas ampliados
exponencialmente em razão do uso forçado e emergencial da
EaD – ou ensino remoto. A análise que fazemos dessas
experiências multifacetadas ratifica que a modalidade 2, per

2 Em alguns momentos, para evitar a repetição de palavras,


usamos o termo ―modalidade‖ para nos referirmos à EaD. Mas
como dito noutra nota, a discussão que empreendemos, nestas
páginas, não visa entrar na seara da distinção que se faz entre
―EaD‖ e ―ensino remoto‖, mas apenas demonstrar que é possível
promover diálogo, embora professores e alunos estejam dispersos
no tempo e/ou no espaço, conectados por meio de TDIC.

47
se, não é capaz de solucionar problemas sociais históricos,
contribuindo, aliás, para intensificá-los em muitos
contextos. Todavia, não estamos falando de um caráter
perverso imanente, mas sim ao uso que dela é feito, uma vez
que, reiteramos, a educação não está desvinculada da
sociedade e das estruturas que a subjazem.
Para Bourdieu (2014), à escola cabe o exercício
legítimo da violência simbólica. Isso significa que a
instituição escolar é responsável, dentre outras coisas, por
inculcar nos sujeitos a cultura dominante. Quanto maior é a
distância entre a ação pedagógica primária (familiar) e
aquela introjetada institucionalmente, tanto maiores são os
choques que resultam das dessemelhanças entre o contexto
cultural que circunscreve as classes sociais marginalizadas
e aquele preconizado pelas dominantes como cultura
legítima dentro de uma sociedade hierarquicamente
estruturada. Contudo, defendemos que a EaD não é mero
receptáculo de ―resíduos escolares‖ que, excluídos de vagas
mais prestigiadas na educação presencial, a ela recorrem
sob força da violência simbólica. Sabe-se que, ao
concordarmos com Bourdieu (2014), os alunos são
desigualmente distribuídos a depender da classe social de
origem, de modo que há aqueles relegados aos cursos a
distância precarizados e sucateados. E esse mecanismo de
violência simbólica se dá, também, pelos baixos custos e
facilidade de acesso que tornam a modalidade, para muitos,
a única realidade possível para seguir os estudos, sobretudo
em nível superior.
Mas a pandemia contribuiu para demonstrar que o
problema não é intrínseco à EaD, entendida, aqui, como
separação dos sujeitos no tempo e/ou no espaço mediados
por TDIC (MOORE; KEARSLEY, 2007). Porque essa
modalidade, especialmente quando converge com a
educação presencial num formato híbrido, pode
potencializar o ensino-aprendizagem, com propostas mais
ajustadas às expectativas e tendências da sociedade

48
coetânea. Porém, a depender do contexto social e de
percalços preexistentes, a EaD tende a recrudescer
desigualdades sociais. Deve-se trazer à baila a discussão de
que a escola e a sociedade não são independentes, como se
existissem de maneira isolada. Estão, em verdade,
imbricadas, de sorte que a instituição escolar é,
historicamente, responsável por reproduzir as estruturas de
classe. Há de se considerar, no entanto, que sobretudo a
educação formal é, ainda, espaço privilegiado de acesso ao
conhecimento.
Em tempos de uma suposta democratização da
informação nas redes digitais, é imprescindível que o
processo educacional seja capaz, dentre outros aspectos, de
desenvolver, nas classes marginalizadas, aquelas faculdades
necessárias à filtragem, seleção, avaliação etc. do excesso de
conteúdo atualmente disponível. Isto é, se a EaD não se
constitui como panaceia para os problemas que engolfam a
sociedade, tampouco ela pode ser considerada como inócua,
especialmente em tempos de ampliação exponencial do
acesso às TDIC. Porque, cada vez mais, o exercício da
violência de classe se dá de forma simbólica e dissimulada.
E a EaD, dadas as suas especificidades e relação histórica
com a democratização do acesso (MOORE; KEARSLEY,
2007), torna-se instrumento passível de apreensão por um
processo educacional verdadeiramente progressista,
pautado no diálogo e que busque, mediante o domínio da
cultura dominante considerada legítima, instrumentalizar os
oprimidos para a luta pela superação das desigualdades
sociais.

Dialogicidade na Educação a Distância ou no ensino


remoto: elementos para se pensar um processo
educacional emancipatório

Acreditamos que a EaD e o ensino remoto,


considerados em suas especificidades metodológicas e de
organização do processo educacional, não podem ser

49
concebidos como intrinsecamente perversos – nem
tampouco democráticos. Para Freire (2013), as tecnologias
não são boas ou ruins, podendo servir a práticas
humanizantes ou negadoras do ser mais, a depender do uso
que delas seja feito. Fernandes e Braga (2018) afirmam que
as concepções freirianas não rechaçam o uso de recursos
tecnológicos na educação, mas defendem sempre um olhar
crítico. Ora, a análise do percurso intelectual de Paulo Freire
demonstra, como em Veloso (2020b), que o posicionamento
defendido pelo autor compreendia a importância das TDIC
para a sociedade contemporânea. Não se deve ignorar os
avanços tecnológicos, mas discuti-los e problematizá-los.
Entendemos que essas reflexões se aplicam
necessariamente à EaD e ao ensino remoto.
Com efeito, não há como ignorar o processo de
precarização, especialmente da docência (VELOSO, 2020a),
que acompanha a expansão dos cursos a distância no
Brasil. A despeito disso, consideramos que os problemas
subjacentes estão mais diretamente relacionados ao uso e a
elementos atinentes à sociedade. É claro que as tecnologias
não podem ser concebidas como exclusivamente neutras,
haja vista que estão imbuídas de intenções políticas latentes
ou patentes. Só que a história nos mostra a possibilidade de
subversão e de ressignificação. No caso da EaD, muitos
problemas que incidem diretamente sobre a qualidade do
processo de ensino-aprendizagem estão mais atrelados ao
seu uso do que às suas características imanentes. Quando
entendemos que educação e sociedade são indissociáveis,
verificamos que cursos a distância, dada sua dependência
das TDIC que, de certa forma, flexibilizam e facilitam
mudanças mais substanciais que a educação presencial
tende a resistir, podem potencializar o processo de
reprodução da ordem social vigente. Contribuem, aliás, para
o exercício da violência simbólica. Entretanto, acreditamos
que a EaD pode, igualmente, servir à democratização e à
ruptura de estruturas de poder e opressão, especialmente

50
porque o processo educacional formal – seja qual for a
modalidade – ainda é espaço privilegiado de acesso ao
conhecimento legitimado pelas classes sociais dominantes.
Com vistas a argumentar em favor de cursos a
distância – ou de um ensino remoto – de qualidade,
pautamo-nos na concepção freiriana de diálogo. Este, para
Paulo Freire (1994), é o encontro de seres humanos
mediados pelo mundo que o pronunciam sem esgotar-se na
relação eu-tu. Logo, um processo educacional que se
pretenda verdadeiramente dialógico não pode estar
assentado numa educação bancária, ato de depositar
conhecimentos nos educandos, por meio de uma relação
dominadora. O diálogo freiriano é, na verdade, dialético,
porque se supera a contradição educador-educandos, de
sorte que ambos orientam-se no sentido da humanização
(FREIRE, 1994). Tal como discute Veloso (2020b), os
sujeitos, enquanto cognoscentes, transformam-se pela
busca da compreensão do objeto cognoscível que os
mediatiza. Nesse processo, respeita-se a autonomia do ser
(FREIRE, 1996), ao passo que, dialeticamente, educador e
educandos se inter-relacionam e se transformam. O diálogo,
pois, tem que ver com reciprocidade, numa troca incessante
cujos indivíduos tanto ensinam quanto aprendem. Rompe-
se com a rígida estrutura hierárquica e bancária, na qual
docentes são os únicos detentores do conhecimento e os
alunos, por sua vez, constituem-se como simples
receptáculos ou recipientes vazios.
Ainda em Freire (1985), constata-se que a
dialogicidade da educação não pode prescindir de um prévio
conhecimento das aspirações, percepção e visão de mundo
dos educandos. Respeita-se o saber com que os estudantes
chegam à escola, uma vez que são seres inconclusos, em
constante processo de transformação nas relações que
estabelecem com o mundo. Freire (1997) entende que o
educador que se orienta pelo caráter dialógico da educação
compreende que não há outro caminho senão partir da visão

51
de mundo que os discentes detêm. Isso não significa,
evidentemente, que não se deva construir, com eles, um
conhecimento mais crítico, científico e epistemológico da
realidade. No entanto, na concepção freiriana deve-se
superar o processo educacional cimentado no exercício da
violência simbólica legitimada, que busca tão somente
sobrepujar o saber de experiência dos oprimidos. Saber este
que é considerado, pelas classes dominantes, como inculto.
Na verdade, o educador progressista parte da visão de
mundo dos educandos para, com eles, transformar-se,
numa relação dialética.
Diante disso, temos que o diálogo não se inicia no
encontro entre educadores e educandos numa situação
pedagógica, mas no próprio questionamento que o professor
faz sobre o que vai dialogar com os alunos (FREIRE, 1994).
Como destaca Veloso (2021), o respeito à autonomia e ao
diálogo começa quando do planejamento do processo
educacional, não se restringindo à materialização da
proposta pedagógica. A dialogicidade considera os aspectos
supracitados sem, todavia, prescindir de uma profunda
reflexão docente. A educação envolve rigor metodológico,
conhecimento da teoria, concepções claras etc. O processo
dialógico não se dá ao acaso, mas deve ser racionalmente
orientado, ainda que isso não implique engessar o ensino-
aprendizagem. Nessa ótica, vemos que as discussões
freirianas sobre diálogo, fundamentais a uma educação
libertadora e progressista, estão muito mais relacionadas às
intenções e às concepções teóricas e políticas do que ao
caráter instrumental e técnico da educação. Em nosso
entendimento, dialogicidade não é sinônimo de presença
física dos envolvidos. As proposições freirianas de diálogo
não dizem respeito ao uso deste ou daquele aparato
tecnológico, mas às intenções que subjazem ao fazer
pedagógico. Acreditamos que um processo educacional
progressista e libertador, dialógico em si mesmo, está muito
mais relacionado à ideia de ―proximidade‖ que, como

52
veremos, não é o contrário de ―distância‖, mas de
―ausência‖.
Conforme Mareco e Araujo (2015), a relação
professor-aluno pode ter maior ou menor proximidade e
afetividade independentemente da presença física dos
envolvidos. Refletindo sobre Freire (1994), observamos que a
educação bancária, opressora, pode se dar em situações
cujos envolvidos compartilham o mesmo tempo e/ou
espaço. E esse caráter baseado na transmissão de
conteúdos, sem diálogo, pode ser transposto para a EaD ou
para o ensino remoto que podem, inclusive, potencializá-lo.
No entanto, não é a modalidade que inaugura essa relação
dominadora entre educador e educandos. Porque, como
dissemos acima, a dialogicidade diz respeito às intenções e
concepções políticas e ideológicas que condicionam a ação
pedagógica. De acordo com Tori (2017), a aproximação é
condição necessária, mas não suficiente, para promover a
aprendizagem. O autor argumenta, pois, que o termo
―aprendizagem a distância‖ torna-se um paradoxo, na
medida em que, para aprender, há necessidade de
aproximação, quer entre educador e educandos, quer entre
alunos e conteúdo, quer entre os próprios estudantes.
Vemos que o conceito de proximidade, nesse sentido, não
está restrito ao compartilhamento de um mesmo espaço e
um mesmo tempo. É perfeitamente possível estar ―ausente‖,
ainda que os sujeitos estejam todos dentro de uma mesma
sala de aula.
Quando apoiada noutras tecnologias, como a
correspondência, a EaD lidava com as limitações impostas
pela assincronia. Hodiernamente, dados os avanços
tecnológicos, um curso nessa modalidade pode conciliar
distintas técnicas, ferramentas, possibilidades etc. que
conjuguem momentos síncronos e assíncronos.
Argumentamos, aliás, que, se outrora aprender a distância
era algo distante do cotidiano de muitos indivíduos,
atualmente a própria sociedade se vê em face de uma

53
imbricação entre o real e o virtual. A influência das relações
estabelecidas digitalmente para a formação humana não é,
na contemporaneidade, exclusividade da educação formal.
Pelo contrário, as interações entre sujeitos se dão, cada vez
mais, em contextos que transcendem a presencialidade.
Aprender pela internet não significa apenas acessar
videoaulas, cursos, e-books e outros, mas se relacionar com
sujeitos nas redes sociais, em fóruns, em sites diversos etc.
Partindo da teoria freiriana, entendemos que os seres
humanos são inconclusos, e sua educação é, por isso
mesmo, permanente. Não é apenas a escola que influi no
desenvolvimento. Mas a própria inserção numa realidade
histórico-social, que faz com que os indivíduos, ao passo
que influenciam a materialidade, sejam por ela
influenciados.
Diante disso, a ideia de proximidade, imprescindível
ao diálogo e, por consequência, à aprendizagem, não tem
que ver com presença física. Relaciona-se, ao contrário, ao
estabelecimento de relações humanizantes que podem – ou
não – ser mediadas por tecnologias. Na EaD, o docente
precisa buscar meios para transformar sua ação pedagógica,
deixando de ser um transmissor de conteúdos em busca de
uma prática baseada na reflexão e no estabelecimento de
vínculos para com os estudantes (MARECO; ARAUJO,
2015). Dentro de um Ambiente Virtual de Aprendizagem
(AVA), típico espaço de cursos a distância mais complexos e
sistêmicos, o professor se depara com uma gama de
possibilidades tecnológicas que viabilizam a proximidade e o
diálogo. Fóruns, chats, webconferências, atividades
reflexivas, tarefas de construção colaborativa, dentre outros
são possibilidades que, se devidamente exploradas, com
racionalidade e intenções humanizantes, propiciam o
desenvolvimento de laços entre os envolvidos, engendrando
a proximidade indispensável ao caráter dialógico de uma
educação progressista e emancipatória.

54
Moore e Kearsley (2007) afirmam que a separação no
tempo e/ou no espaço implica, a bem da verdade, que os
professores planejam, expõem e interagem de modo
distintos daqueles do ambiente presencial. Isso pode gerar,
como os autores sugerem, um hiato ou um espaço
psicológico de compreensões errôneas potenciais. Trata-se
da assim chamada distância transacional. Entretanto, para
Moore e Kearsley (2007), um dos elementos que deve ser
considerado a fim de suplantar essa possibilidade de
compreensões dúbias ou distantes daquelas pretendidas
pelos objetivos pedagógicos é o diálogo. Este, para os
autores, concerne à inter-relação de palavras, ações ou
quaisquer interações entre professor-aluno quando um
transmite a instrução e o outro, por sua vez, responde.
Moore (1993 apud MOORE; KEARSLEY, 2007) assevera que
diálogo significa interação com qualidades positivas,
porquanto tem intencionalidade, além de ser construtivo e
valorizado pelos participantes. Nessa interação dialógica, os
sujeitos são ouvintes respeitosos e ativos. Cada um
contribui e se baseia na contribuição dos outros,
inclinando-se a uma melhor compreensão do processo
(MOORE, 1993 apud MOORE; KEARSLEY, 2007).
Obviamente, as especificidades da EaD e do ensino
remoto geram situações e condicionantes diferentes da
educação presencial. Ambos envolvem tanto possibilidades
como limitações. E se concordarmos com o fato de que a
qualidade é determinada pelo uso e, além disso, pelas
conexões que se estabelece com as estruturas sociais, é
certo que cursos a distância não representam,
necessariamente, proximidade ou educação dialógica.
Novamente, entendemos que as tecnologias podem servir a
práticas humanizantes, mas também negadoras do ser
mais. Contudo, o problema de um processo educacional
norteado pela prática bancária e opressora, que cria uma
verdadeira ausência (de mediação, de afeto, de proximidade,
de diálogo etc.) na aprendizagem não é óbice imanente à

55
EaD ou ao ensino remoto. Pois, como afirmamos, dentro de
uma sala de aula, ainda que compartilhando o mesmo
espaço e tempo, os sujeitos podem estar, em verdade,
ausentes. E uma educação, para ser dialógica, próxima,
progressista e emancipatória, depende, em última instância,
da intencionalidade e daquilo que subjaz à ação pedagógica.
Um educador verdadeiramente progressista, em face das
atuais possibilidades tecnológicas, e se estiver munido de
aprofundado conhecimento crítico, é capaz de promover
diálogo, mesmo que mediado por tecnologias digitais.

Considerações finais: para além destas páginas

Nosso intuito, neste texto, foi problematizar uma


visão equivocada de que proximidade e, consequentemente,
diálogo são predicados indissociáveis da educação
presencial. As experiências recentes com a EaD e o ensino
remoto, é verdade, têm escancarado problemas endêmicos
do Brasil, como a acentuada desigualdade social.
Reiteramos que a educação escolar e institucionalizada não
está desvencilhada da sociedade. Por isso, lida com
problemas estruturais que não podem ser simplesmente
solucionados pelo processo educacional. De qualquer forma,
concordamos com Paulo Freire, porque, se a educação não é
capaz, sozinha, de mudar o mundo, sem ela tampouco as
coisas mudam. Mas é preciso que professores e profissionais
estejam atentos, sempre com um olhar crítico, às questões
que transcendem o espaço escolar. E a pandemia, devido às
medidas de distanciamento e isolamento social, certamente
contribuiu para descortinar desigualdades históricas que,
infelizmente, persistem no País.
Nestas páginas, buscamos evidenciar, todavia, que
os problemas enfrentados durante o ensino remoto e o uso
emergencial da EaD, embora legítimos e incontestáveis, não
são intrínsecos às características de um processo em que os
sujeitos se encontram separados no tempo e/ou no espaço,
mas conectados por meio de tecnologias. A educação é

56
opressora na medida em que se mantém bancária, voltada
ao exercício da violência simbólica e à perpetuação da
estrutura de classes. Quer dizer, sua função de reproduzir
desigualdades sociais não tem que ver com a modalidade. O
processo educacional pode ser bancário, ausente, opressor e
sem diálogo ainda que os sujeitos estejam dentro de uma
sala de aula presencial, compartilhando o mesmo espaço e
tempo. Existem problemas sociais maiores que, por certo, as
tecnologias potencializam, haja vista as experiências mais
recentes de uma EaD que precariza a docência, banaliza a
aprendizagem, acentua desigualdades etc. No entanto, da
mesma forma que ela pode ser utilizada para oprimir,
entendemos que, dentro de condições adequadas e sob
intenções emancipatórias e humanizantes, pode-se
promover um ensino-aprendizagem em que exista
proximidade, afetividade e, é claro, diálogo.
Por fim, ressaltamos que não foi nosso objetivo
esgotar a temática, tendo em vista que tal discussão é em
demasia complexa e demanda outros debates. Também não
defendemos um ensino remoto ou uma EaD que sejam
emergenciais, isto é, sem preparo, infraestrutura, condições
adequadas, olhar crítico etc. É inegável que a escola,
quando fechada em si mesma, tende a perceber,
equivocadamente, que o sucesso ou o fracasso educacional
são resultados produzidos apenas internamente, restritos às
características da própria instituição. Conquanto tenha
papel fundante, a educação formal não está desconectada
da sociedade e dos problemas sociais de grande
envergadura. Entender isso é estabelecer, criticamente, as
possibilidades e limitações da escola. E, para nós, é possível
que a EaD sirva à democratização, ao alinhamento do
ensino-aprendizagem às especificidades da sociedade
coetânea, ao diálogo, à emancipação etc. desde que seu uso
esteja, como sugere Freire (2013), iluminado por uma
prática política verdadeiramente progressista, esclarecendo-

57
se quanto aos questionamentos: Quem a usa? A favor de
quê? A favor de quem? Para quê? Para quem?

Referências

BOURDIEU, Pierre. A reprodução: elementos para uma


teoria do sistema de ensino. Tradução de Reynaldo Bairão.
7. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2014.

FERNANDES, Jarina Rodrigues; BRAGA, Fabiana Marini.


Inclusão digital. In: MILL, D. (Org.). Dicionário crítico de
educação e tecnologias e de educação a distância. São
Paulo: Papirus, 2018. p. 333-336.

FREIRE, P. Extensão ou comunicação? Tradução de Darcy


de Oliveira. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. 11. ed. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 2013.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes


necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro


com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1997.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 11. ed. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1994.

MARECO, Raquel Tiemi Masuda; ARAUJO, Rosana da


Silva.Educação a distância:afetividade, proximidade e
colaboração no discurso do aluno/cursista. Anais do
Encontro Virtual de Documentação em Software Livre e
Congresso Internacional de Linguagem e Tecnologia Online,
[S.l.], v. 4, n. 1, jun. 2015. Disponível em:
<http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/anais_lin
guagem_tecnologia/article/view/8434>. Acesso em: 26 jul.
2021.

MOORE, Michael; KEARSLEY, Greg. Educação a distância:

58
uma visão integrada. Tradução de Robert Galman. 2. ed.
São Paulo: Thomson, 2007.

SAVIANI, Saviani. Escola e democracia: teorias da


educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e
política. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1989.

TORI, Romero. Educação sem distância: as tecnologias


interativas na redução de distâncias em ensino e
aprendizagem. 2. ed. São Paulo: Artesanato Educacional,
2017.

VELOSO, Braian. A condição da docência na educação a


distância pública brasileira. Curitiba: CRV, 2020a.

VELOSO, raian. Da autonomia a tecnologia: Paulo Freire


como base epistemológicas a pesquisa sobre educação e
tecnologias. In: MILL, Daniel; VELOSO, Braian; SANTIAGO,
Glauber; SANTOS, Marilde. (org.). Escritos sobre educação
e tecnologias: entre provocações, percepções e vivências.
São Paulo: Artesanato Educacional, 2020b. p. 61-75.

VELOSO, Braian. Proposições sobre Educação, Tecnologias


e Paulo Freire. In: MILL, Daniel; SANTIAGO, Glauber. (org.).
Luzes sobre as Estratégias Pedagógicas com Tecnologias
Digitais: uma visão propositiva. São Carlos: SEaD-UFSCar,
2021. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/350382011_Pr
oposicoes_sobre_Educacao_Tecnologias_e_Paulo_Freire>.
Acesso em: 15 jul. 2021.

59
Diálogos para a práxis pedagógica e o processo formativo

Maria São Pedro Barreto Matos, Augusto Matos Oliveira,


Antonio Hamilton Santos, Ilvanir da Hora Santos, Josenilson
Felizardo dos Santos

Diálogos para a práxis pedagógica


e o processo formativo

Maria São Pedro Barreto Matos


Augusto Matos Oliveira
Antonio Hamilton Santos
Ilvanir da Hora Santos
Josenilson Felizardo dos Santos

doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4.4

60
Introdução

O processo formativo contínuo do professor, visa


uma relação entre teoria e prática, mas uma prática
intencionalizada pela teoria e por suas vivências, que não
descarta as experiências, as culturas, a diversidade e
favorece para o desenvolvimento integral do indivíduo.
Em princípio, a formação do professor com o olhar
sensível ao desenvolvimento integral das potencialidades
humanas, necessita do conhecimento identitário da sua
relação com o saber e do reconhecimento do outro quanto
indivíduo nesse processo de construção de identidade e
apropriação. De acordo com Charlot (2000) toda relação com
o saber é também relação consigo próprio: por meio do
―aprender‖ qualquer que seja a figura sob qual se apresenta,
sempre está em jogo a construção de si mesmo e seu eco
reflexivo.
Precipuamente, pensando nesse processo da reflexão
sobre seu papel social, o professor busca conhecer a si e ao
outro, para subsidiar suas experiências na busca de
fundamentos que o qualifique para esse olhar atento, para
uma prática pedagógica que não privilegia uma ou outra
linguagem, mas possibilita um repertório onde respeita a
escolha de cada ser.
Deste modo, um pesquisador que se coloca como
mediador, que não descarta uma hipótese, que não anula
nenhuma forma de expressão, que busca o diálogo, que
considera que o processo da aprendizagem e a formação
vêm das reflexões das ações do cotidiano, das experiências
vividas, da interação com o mundo e com o outro.
Continuamente, o ―Ser Professor‖ constrói-se pelo
significado que cada professor, enquanto ator e autor,
confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus
valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história
de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas

61
angústias e anseios, do verdadeiro sentido que tem em sua
vida o Ser Professor (PIMENTA, 1998).
Atualmente, a sociedade contemporânea exige cada
vez mais do indivíduo que nela atua, pensando no professor
como um agente social capaz de exercer papel fundamental
nas modificações que ela sofre com o passar dos anos, o
educador atual busca constantemente conhecer, aprender,
interagir, mediar, transformar e construir sua identidade
problematizada, inserida no contexto social e escolar que ele
age e interfere, busca sua identidade, seu eixo, seu espaço
para ―aplicar‖ o que fora aprendido e vivido nas experiências
de vida dentro e fora do âmbito escolar.
Contudo, o profissional que antes baseava-se numa
educação conteudista está cada dia se reconstruindo e
adaptando-se, às transformações que a sociedade passou ao
longo desses séculos. A educação começa a levantar
discussões acerca de como os indivíduos aprendem, do
ambiente possibilitador de aprendizagens; como o professor
interage com os ―alunos‖, quais são suas contribuições para
o desenvolvimento da criticidade dos alunos? Enfim, um
professor reflexivo que possui uma visão social e usa a
educação como agente transformador de ações, visando o
desenvolvimento das habilidades que o indivíduo pode
desenvolver para o seu próprio bem na sociedade.

A relação teoria e prática - práxis pedagógica

A compreensão de Freire da relação entre teoria e


prática será objeto de reflexão neste artigo. As sugestões
educacionais de Freire estão em consonância com a inter-
relação sistemática entre teoria e prática e se manifestam na
prática docente. Pensar a educação na dinâmica da prática
atual ainda é um dos grandes desafios do educador de sala
de aula.

62
Desta forma, precisamos tentar ousadamente, no
espaço de formação para melhorar a transformação social, o
desenvolvimento intelectual, a construção de
relacionamentos e, claro, a capacidade de construir
conhecimento. Quando falamos sobre transformação, temos
em mente a interdependência entre transformação,
formação e ação. A realização desse tripé deve ser a
libertação e a melhoria dos sujeitos sociais e das condições
de vida do grupo.
Em contrapartida, entendemos que a mudança em si
é uma espécie de oposição, um impacto realista sobre um
determinado contexto, no qual o sujeito envolvido não
entende a importância de introduzir mudanças que muitas
vezes desestabilizam, é um fator subjetivo do sujeito ou da
sociedade.
Notadamente, a semelhança entre teoria e prática
mostra que ―sem dados empíricos, o ensino da reflexão
torna-se vazio e, sem referencial teórico, sua atuação torna-
se cega‖ (MÜHL, 2011, p. 12-13). Essa lógica pode ser
entendida como uma forma de interpretar a realidade e a
vida, levando à alienação e à transformação. Portanto, para
mudar, o sujeito deve ter consciência de sua própria
existência no mundo e de sua existência no mundo com os
outros. É errado pensar que uma sociedade globalizada
baseada nos princípios individuais está errada porque o
coletivo desencadeia a discussão, análise e síntese de uma
determinada realidade.
Neste ínterim, na pedagogia do oprimido,
encontramos que a afirmação de Freire feita em condições
humanas, como está, é uma existência prática. ―O que você
faz é ação e reflexão, é prática. Essa é a transformação do
mundo‖ (FREIRE, 1987, p. 121). A educação para o ensino e
a aprendizagem estimula a construção epistemológica
democrática e promove o diálogo, o respeito à diversidade e
a unidade nas ações educativas. A educação não pode ser
precedida do verbalismo ou do radicalismo.

63
Assim, como educadores e alunos não nascem
preparados, mas construídos durante sua formação, a
construção da democracia ocorre no ato da esperança,
considerando que ―a esperança é uma necessidade
ontológica‖ (FREIRE,1992, p. 10), faz parte da humanidade
histórica, ele está constantemente se movendo e
progredindo.
Nossa abordagem, da relação entre teoria e prática
permeia os compromissos existentes da disciplina na
construção do conhecimento e na transformação social. No
processo de ensino, teoria e prática precisam ter um diálogo
permanente, para se livrar dos conceitos tradicionais, ou
seja, o conhecimento está apenas na teoria, longe ou
separado da ação, prática.
De acordo com Freire, teoria e prática são
indissociáveis, e sua relação torna-se prática real,
possibilitando ao sujeito refletir sobre as ações e educar
para a liberdade. ―Porém, a prática é o reflexo das pessoas
sobre o mundo e uma ação para mudá-lo. Sem ela, é
impossível superar a opressiva contradição entre o
reconhecimento e a libertação humana‖ (FREIRE, 1987, p.
38).
Ademais, Freire entendia a educação como prática,
que, no sentido mais amplo, evoca o poder do ser humano
de mudar o meio natural e social em que vive. ―Só a prática
docente pode transformar a visão de mundo ingênua em
uma visão de mundo revolucionária‖ ( ENINCÁ, 2011, p.
47). Ciente da visão e do alcance que a visão
comportamental pode ultrapassar, é difícil chegar a uma
metodologia que transforme o espaço de construção do
conhecimento em dolorosa pesquisa (educador) e
pesquisador (aluno), a menos que haja uma relação direta
entre sujeito e assunto. Considerando que o ensino é
realizado por meio do comportamento e das relações
humanas subjetivas.

64
Dessa maneira, o processo de ensino prático, além de
gerar conhecimento, também orienta educadores a se
tornarem pesquisadores permanentes, em uma pedagogia de
investigação, transformação e educação, e investimento na
formação permanente continuada.

A “construção dialógica” do posicionamento crítico do


professor e seu processo formativo

Nesta reflexão procuramos nos aproximar dos


conceitos que emergem da palavra formação. Mas por que é
preciso dizer que a formação é contínua?
A partir das mudanças ocorridas na formação de
professores nos meados dos anos 1980, foram abrindo o
leque para as grandes reformas educacionais tendo como
objetivo a melhoria da educação. Ferreira (2003) expõe que
nesse período passaram a existir duas ideias distintas
direcionadas à formação de professores sendo a primeira
entendida como treinamento e a segunda como educação.
Desde a criação das escolas normais no século XIX
até os dias atuais há uma tentativa, por parte dos
educadores, de se chegar mais próximos das diversas
mudanças existentes no contexto educacional. Nada pode
ser desprezado quando se quer de fato conduzir um
processo de transformação diante das diversas formas
escravistas e opressoras marcadas pelo sistema puramente
dominador.
Para Freire (2011) tal formação deve estar lado a lado
com a reflexão sobre a prática educativo-progressiva em prol
da autonomia do ser dos educandos. Não se pode pensar em
formação continuada sem que esta não esteja vinculada a
uma proposta de autonomia e liberdade.
Continuamente, há sempre uma tentativa de
aproximação da formação ligada às questões da realidade do
cotidiano e, sobretudo, da ruptura das algemas oriundas
das ideologias puramente dominantes. Quebrar essas

65
amarras constitui uma tarefa primordial para atingir o
propósito de uma educação libertadora.
Para Tardif (2014) todo saber implica um processo de
aprendizagem e de formação. Os saberes de um professor
estão ligados a uma realidade social materializada por uma
formação, programas, práticas coletivas, disciplinas
escolares, etc.
Tudo que propicia um saber impulsiona uma
determinada formação que deve ser constituída de reflexão
crítica e não de submissão. Freire (2011) expõe sua
preocupação quanto à formação docente ao lado da reflexão
sobre a prática educativo-progressiva em prol da autonomia.
Alerta para a importância de uma reflexão sobre o ato
formador.
É preciso, sobretudo, e aí já vai um
destes saberes indispensáveis, que o
formando, desde o princípio mesmo de
sua experiência formadora, assumindo-se
como sujeito também da produção do
saber, se convença definitivamente de
que ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua produção ou a
sua construção (FREIRE, 2011, p. 24).
Desse modo, não se pode pensar em um processo de
formação se distanciando das primícias da relação do
formador com o formando. A proposta de ensinar vem
sempre unida à proposta de construção de um ideal
libertador. Quando há um ato de formação, portanto, deve
existir um ato de construção e de produção.

A caminho da criticidade

Começando esse momento de prosa poderíamos


instigar com uma breve indagação sobre tal reflexão. Como
poderemos ser críticos sem o senso de percepção? Como
tentar provocar a produção mediante a formação se ficamos

66
estagnados às questões do cotidiano e, principalmente, ao
conhecimento da arquitetura opressora?
Antes de tudo, é interessante percebermos que todo
processo de formação provoca uma reação. Seja ela de
inquietação ou de mobilização. Sendo, ambas, enraizadas
por uma proposta de autonomia e libertação, não se pode
admitir nenhum tipo de acomodação. Mas, sobretudo,
constituída desse desejo incomensurável pela liberdade.
Assim, a formação não pode ser constituída de
pacotes que configure presença de ideologia hegemônica.
Tão concebível e presente na relação de poder em que o
opressor manipula com o falso amor, com a falsa
preocupação, mas que trazem consigo suas concepções
antidemocráticas e sustentadas por um grande ideal posto
ao autoritarismo.
Percebe-se como uma tal prática
transpira autoritarismo. De um lado, no
nenhum respeito à capacidade crítica dos
professores, a seu conhecimento, a sua
prática; de outro, na arrogância com que
meia dúzia de especialistas que se julgam
iluminados elabora ou produz o "pacote"
a ser docilmente seguido pelos
professores que, para fazê-lo, devem
recorrer aos guias (FREIRE, 2014 p. 84)
Dessa forma, a construção dialógica do
posicionamento crítico do professor deve sim começar dessa
percepção da ação do opressor em meio aos mais diversos
processos de formação. A sua ação opressora não terá
espaço no campo onde a ação democrática se impera. Onde
os educadores expulsam para longe toda e qualquer forma
de autoritarismo e ação antidemocrática.
Para Freire (2014) a formação é sempre permanente
e nunca se finda. Sendo assim, o significado de formação
continuada, por vez, não será aplicado a proposta ampla de
formação no tocante a sua existência permanente de
formação.

67
Portanto, a formação permanente e constante. A
formação e não treinamento. Em todas as circunstâncias
busquemos a criticidade e o reconhecimento das ações
excludentes impostas pelos agentes opressores. Mas, como
conclui Freire (2000): ―reconhecer que o sistema atual não
inclui a todos, não basta‖. Mas se faz necessário lutar
contra ele e não assumir a posição fatalista que vem forjada
pelo próprio sistema.
Conduzir ao processo de criticidade será uma tarefa
primordial e importantíssima nessa longínqua estrada para
uma crescente pedagogia da esperança.

O ato de educar como prática transformadora

O ato de educar é algo já discutido há muito tempo


por pesquisadores da área, pois, a educação é essencial
para o desenvolvimento do ser humano. O pensamento
humanístico, no cenário educacional, mostra a facilitação do
processo ensino aprendizagem a compreender o homem de
maneira mais simples, onde a sua prevalece dignidade e
permite que vidas sejam transformadas, a partir de modelos
educacionais em que o indivíduo possa descobrir em si
mesmo suas próprias potencialidades (SILVA, 2021).
Outrossim, educar não é uma tarefa fácil, não é
apenas transferir conhecimento, mas criar possibilidades
para a sua produção e sua construção pautado na vivência
e na experiência um do outro (FREIRE, 2013). Ainda, Freire
diz que educar é um ato de amor e que precisa de coragem
para educar.
A socialização de práticas inovadoras no
processo de ensino-aprendizagem traduz
o elemento que propicia a mudança
social, acarretando a difusão do
conhecimento, a partir da valorização do
sujeito. A busca pela tão esperada
transformação social é o fator que
provoca a inquietação de onde se origina

68
esse novo olhar da educação com o viés
transformador (SILVA, p. 3, 2020)
Nessa perspectiva, a educação deve estar aberta para
inovações, para o novo, para a descoberta e isso é sem
dúvidas um dos maiores obstáculos para uma educação
transformadora, pois há docentes que se fecham para essa
nova realidade de ensino o qual traz novas propostas de
ensino e aprendizagem.
Para tanto, a educação como prática transformadora,
necessita que o professor seja um pesquisador reflexivo,
buscando constantemente repensar seu comportamento e
considerar a aprendizagem dos alunos, pois ambos precisam
ser vistos como investigadores críticos, em diálogo
permanente (FREIRE, 1987).
Indubitavelmente, a relação da incompletude
humana é o sentido que decorre a educação em Freire, que
está em construção, busca modificar-se, apresentando uma
necessidade humana, na concretude de querer Ser-Mais,
numa espécie de atualização constante. Contudo, este
estado humano não exclui outra alternativa, que consiste
em Ser-Menos: ―A humanização enquanto vocação tem, na
desumanização, sua distorção‖ (FREIRE, 1994, p. 184).
Devido a essa contingência, o fazer educativo pode
constituir-se num fazer incoerente.
Desta forma, é notório, o que nos possibilitou
enxergar Freire, que não existe apenas uma educação, mas
educações, isto é, ―[...] formas diferentes de os seres
humanos partirem do que são para o que querem ser‖
(ROMÃO, 2008a, p. 150). Transformando uma educação
alienante, em uma educação libertadora, reflexiva, crítica,
lutando contra um sistema que oprime, aliena, desumaniza,
mas que a educação libertadora prima pela conscientização,
pela autonomia, pela humanização dos educandos,
constituindo-se mediante processos interativos, nos
processos dialógicos.

69
Ensaios Pedagógicos: diálogos como prática de liberdade

Envolvida dialeticamente no tempo presente de


incertezas, contradições e crise, a educação se apresenta
como espaço privilegiado de reflexão, interrogação e
autoavaliação social. A busca pela compreensão e formação
do ser humano em suas múltiplas potencialidades para que
possa assumir-se na condição de sujeito histórico ativo e
comprometido com a superação das contradições do seu
tempo histórico, torna-se um grande desafio para a
educação.
Sobretudo, com o antagonismo da conflituosa
realidade atual – que coloca de um lado a necessidade de
adaptação ao mundo da tecnologia, ao mundo do trabalho
com forte apelo econômico e do outro o sentido da vida, da
humanização, da construção da sociedade verdadeiramente
democrática – tem suscitado significativas discussões nos
espaços educacionais e na sociedade em geral.
Inquestionavelmente, a educação é um lugar onde
toda a nossa sociedade se interroga a respeito dela mesma,
ela se debate e se busca. Não poderia ser diferente, toda
essa problemática terá influências diretas nas propostas de
formação de professores, isto porque o professor, no seu
fazer pedagógico, se apresenta como fomentador singular
dessas discussões.
Nesse contexto, o envolvimento nas discussões no
espaço da educação pública e a participação em alguns
programas de formação continuada para professores
tornaram-se ruins e com muitos questionamentos e
inquietações quanto aos saberes docentes necessários a
uma prática pedagógica de qualidade. Sendo que a
compreensão da "qualidade da educação‖ que nos motiva
em nossos percursos da docência, está indissociavelmente

70
relacionada com o compromisso histórico, político e ético e
também estético de transformação social.
Tomando como premissas norteadoras a
―inconclusão do ser humano‖, o engajamento político e o
compromisso ético, tece Freire (1996, p. 14) argumentos
―sobre a prática educativo-progressista em favor da
autonomia do ser educando‖. Prática essa que só se viabiliza
com uma formação docente que seja coerente com seus
pressupostos. Para o educador brasileiro o exercício da
docência exige:
Rigorosidade metódica, pesquisa,
respeito aos saberes dos educandos,
criticidade, ética e estética, corporificar
as palavras pelo exemplo, assumir riscos,
aceitar o novo, rejeitar qualquer forma de
discriminação, reflexão crítica sobre a
prática, reconhecimento e assunção da
identidade cultural, ter consciência do
inacabamento, reconhecer-se como um
ser condicionado, respeitar a autonomia
do ser educando, bom senso, humildade,
tolerância, convicção de que mudar é
possível, curiosidade, competência
profissional (FREIRE, 1996).
Ademais, só compreenderemos a postura teórica de
Paulo Freire em relação às exigências do exercício da
docência, quando atentarmos para as suas concepções e
princípios educacionais, que se traduzem em práxis
educativa. A formação docente e os princípios da educação
libertadora e emancipadora são partes indissociáveis do
todo/do fenômeno educativo. Dessa forma, ter clareza sobre
os pressupostos da educação emancipadora se faz assaz
indispensável para compreender a proposta de formação
docente.
Com esse intuito iniciamos por dizer que a proposta
pedagógica de Paulo Freire se alicerça sobre a base da ação
reflexiva e dialógica e se articula como possibilidade de
transformação da pessoa e da sociedade. ―Educação que,

71
desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força
de mudança e de libertação‖ (FREIRE, 2007, p. 44).
Propositalmente, isto em virtude do fato de que a
tradição educacional em que se estruturam as concepções e
práticas pedagógicas em nosso país está alicerçada, em
grande parte, em um modelo de escola que se construiu
segundo os preceitos ideológicos da burguesia, da lógica de
mercado e da formação profissional. Um modelo educacional
que se preocupa prioritariamente com a formação
―conteudista‖ do educando, com vistas à formação
profissional para atender a interesses mercadológicos de
uma economia capitalista neoliberal.
Consequentemente, trata o educando como sujeito
passivo e receptor de conteúdos que, na maioria das vezes, é
fragmentado e descontextualizado da realidade pessoal,
social e histórica do aluno.
Na dialogicidade educativa, o professor não tem seu
papel reduzido ou relegado a insignificância, mas
ressignificado. De transmissor de conteúdo, característica
da educação bancária, o professor passa a ser o mediador
do processo educativo.
Por certo, a postura dialógica no processo educativo
imprime um aspecto consideravelmente mais dinâmico ao
processo de ensino e aprendizagem. O diálogo como fonte de
reflexão, ativa a criatividade, o compartilhamento de
experiências, e torna desafiador os processos de busca do
conhecimento.
Com Freire (1987, p. 33) acreditamos que ―só existe
saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta,
impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo,
com o mundo e com os outros. Busca esperançosa
também‖. Uma dinâmica que supera absolutamente os
espaços silenciosos e entediantes em que se transformam os
ambientes escolares com práticas bancárias de educação.

72
Consequentemente, a formação inicial e continuada
dos professores é, também, fator decisivo no processo de
transformação da educação. Uma formação que oportunize
a reflexão sobre as concepções e práticas educativas pode
levar o professor a ressignificar sua ação pedagógica e
tornar-se ele próprio fomentador engajado na proposta de
transformação educacional e social.
Para a viabilização de uma educação nesses moldes é
necessária uma formação que possibilite a ―reflexão crítica
sobre a prática‖. Somente quando o professor voltar o olhar
criticamente sobre a sua ação pedagógica é que será capaz
de perceber os seus acertos e desacertos e com isso
transcender de um ativismo prático à práxis verdadeira e
com isso concretizar mudanças no seu pensar e agir
docentes.
Com Freire insistimos que ―na formação permanente
dos professores, o momento fundamental é o da reflexão
crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de
hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática
(FREIRE, 1996, p. 44).
É neste sentido que se justifica a relevância de
compreender as concepções e práticas educacionais no
espaço/lugar da escola pública – que constitui
especificamente, o objeto de investigação neste trabalho –
com a intenção de contribuir com a transformação da
educação alicerçada na esperança amorosa freiriana.

Considerações finais

Este processo, sobre a base da ação reflexiva e


dialógica que se articula como possibilidade de
transformação da pessoa e da sociedade em que a
transformação política social acontece por meio da
consciência do seu papel no mundo e sobre ele, nas
articulações da luta pela não alienação, pela sobrevivência,

73
pelo direito à vida e por ser ativo nessa construção
identitária.
A educação legitimada por Freire constitui-se em um
que-fazer social-político antropológico-ético: É preciso
conscientizar, mas sem violentar a consciência do outro
(GADOTTI, 2001, p. 53). É preciso humanizar o humano,
crescer nas concepções da desalienação, da desocultação e
da compreensão/conscientização, para a construção efetiva
de atitudes capazes de gerar transformação, relações
humanas fundamentadas e efetivadas com o compromisso
ético e gnosiológico freiriano.

Referências

BENINCÁ, Elli. Práxis e investigação pedagógica. In: MÜHL,


Eldon Henrique; SARTORI, Jerônimo; ESQUINSANI, Valcir
Antonio (Org.). Diálogo, ação comunicativa e práxis
pedagógica. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo
Fundo, 2011, p. 45-67.

CHARLOT, B. Da relação com o Saber. Porto alegre:


Artmed, 2000.

FIORENTINI, Dário. Formação de professores de


matemática: explorando novos caminhos com outros
olhares. (org.). Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro.


Paz e Terra, 2014.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes


necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17º edição. Rio de


Janeiro. Paz e Terra, 1987.

FREIRE, Paulo. Política e Educação. São Paulo: Paz e


Terra. 20l4.

74
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro
com a Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1992.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas


pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP,
2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes


necessários à prática educativa. 47ª ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2013.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 30.


ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes


necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e
Terra, 1996. (Coleção leitura).

FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas


pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP.
2000.

GADOTTI, M. Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender


com sentido. Novo Hamburgo,RS: Feevale, 2003.

MÜHL, Eldon Henrique; SARTORI, Jerônimo; ESQUINSANI,


Valcir Antonio (Org.). Diálogo, ação comunicativa e práxis
pedagógica. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo
Fundo, 2011, p. 25-44.

PIMENTA, S. G. (Coord.). Pedagogia, ciência da


educação?. São Paulo: Cortez, 1998.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação


profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

ROMÃO, J. E. Educação. In. STRECK, D.; REDIN, E.;


ZITKOSKI, J. J. (orgs.) Dicionário Paulo Freire. Belo
Horizonte: Autêntica, 2008a. p. 150-152.

75
No meio da Educação tinha uma pandemia, tinha uma
pandemia no meio da Educação: a esperança e a
amorosidade freiriana nesse contexto

Valda Colares

No meio da Educação tinha uma


pandemia, tinha uma pandemia n
meio da Educação: a esperança e a
amorosidade freiriana nesse cont exto

Valda Colares

doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4.5

76
“Nunca me esquecerei desse acontecimento.
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho.”
Carlos Drummond de Andrade
É perceptível que o contexto da pandemia
(disseminação mundial de uma nova doença que se espalha
por diferentes continentes) do COVID-19, alterou,
sobremaneira, o modelo didático-pedagógico e as relações
sócio educacionais, evidenciaram ainda mais o cenário de
crise em que está mergulhada a educação brasileira,
sobretudo, neste estranho biênio de 2020/2021, alguém se
dispõe em contrário?
E se por uma contingência inesperada, os(as)
professores(as) do século XXI, entrassem numa cápsula do
tempo e viajassem ao século XX? E se os do século XX,
viessem ao presente e se deparassem com a paisagem atual,
no que concerne as dimensões educacional e social? Será
que perceberiam algumas verossimilhanças? A propósito,
podemos falar em semelhanças? O que sentiriam, como
reagiriam, que conjunto de situações utilizariam para
enfrentar esse flagelo?
Para essas e outras perguntas, não é possível ter
uma resposta que dê conta de redarguir às tantas
inquietações no presente momento.
No entanto, se tem uma palavra que aproxima os(as)
professores(as) dos séculos acima citados, além da
transição, é a palavra crise. Crise de paradigmas, crise dos
modos pedagógicos, crise com as ferramentas da educação,
crise nas relações educacionais, crise na disciplina, crise
conceitual, crise existencial, crise ética, crise de valores,
crise social, crise econômica, crise política, crise na saúde...
Crise!

77
E é uma realidade. A quem interessa? Quem ganha e
quem perde? Provavelmente a sociedade é quem mais perde,
como um todo.
O cenário da pandemia apontou não apenas as
dificuldades vivenciadas pelos(as) professores(as) e
estudantes, mas acima de tudo, o contraste entre os Brasis.
De um lado, um Brasil com pleno domínio das tecnologias e
de outro, estudantes sem acesso à internet e que sequer
possuem aparelhos celulares. Esta distância para além de
técnica, é econômica e social, que não atinge somente
alunos(as), mas alguns(mas) professores(as) também.
A maioria dos(as) docentes foram dormir
professores(as), com seus planos, modos e ferramentas
pedagógicas organizadas, e acordaram youtubers,
videomakers, atores e atrizes. Os(as) discentes por outro
lado, igualmente se viram diante de dificuldades e uma
necessária adaptação à ―nova educação‖, sem o contato
diário com os(as) amigos(as), as conversas, os encontros nos
corredores, nas salas de aulas, e para todos, uma
indefinição de como transcorrerá o ano letivo, que mal
começou e, já está em seu término.
Os(as) educadores(as) em especial, foram compelidos
a se reinventarem, transformando-se em uma espécie de fac
totum, (faz tudo), tendo que dar conta de ministrar aulas de
um modo jamais pensado, sem a devida estrutura, sem
domínio de EaA (Educação à Distância), porque essa
modalidade de ensino têm suas características, objetivos,
competências e exigências, como qualquer outra categoria.
Os professores de EaD recebem formações e um
conjunto de recursos materiais, para a prática educativa
nesse gênero. O que não ocorreu com relação aos docentes
da Educação Infantil, Fundamental I, Fundamental II, o
Ensino Médio e muitas vezes o Ensino Superior, no modo
presencial. Todo o cenário e as relações socioeducativas
foram afetadas e alteradas.

78
Bem como também, o pouco domínio no blended
learning, (ensino híbrido), que já é considerado tendência
para o século XXI, por alguns pesquisadores. Como o
próprio nome indica, consiste em uma mistura ―entre o
ensino presencial e propostas de ensino online‖ tornando a
tecnologia digital, de ponta, cada vez mais integrada à
Educação.
Em harmonia com Moran (2015, p. 28), ―Híbrido é
um conceito rico, apropriado e complicado‖, para esse
momento, mas que já não é novidade para a maioria dos(as)
professores(as) e estudantes.
Entretanto, todos(as) tiveram que se adaptar ao
contexto e prosseguir como se sua casa, seus equipamentos
domésticos fossem a sala de aula. Tal mudança causou uma
tensão, uma pressão psicológica, um cansaço mental,
emocional e físico para todos(as) os(a) membros da
comunidade educacional. Diretores(as), supervisores(as),
professores(as), alunos(as), pais, mães e demais agentes,
foram engolidos por um Tsunami (abalos sísmicos, palavra
de origem japonesa; tsu = "porto"; nami "onda"), e tendo que
emergir e sobreviver, como se fossem expertos diante da
inusitada situação.
Nesse horizonte, a solução, caseira, diga-se de
passagem, foi tentar adequar conteúdo e metodologias,
dentro do que fosse possível, e essa resolução foi a
Educação Remota, manter ―a rotina de sala de aula em um
ambiente virtual acessado por cada um de diferentes
localidades‖.
Usar as tecnologias nas aulas remotas, não garantem
a aprendizagem, como o contrário também é verdadeiro.
Estamos diante de uma situação, que somente o futuro
trará os desfechos, e ainda assim, temporários e
inconclusos.
Não são somente as ferramentas, a tecnologia
empregada, os recursos inovadores que definem o sucesso

79
ou o insucesso na educação, seja presencial, remota ou
EaD, sem a figura e a intervenção do professor, não adianta
a modernização, todavia, não se pode dizer que o uso desse
expediente, dessa engenharia seja dispensável.
As histórias do mundo, da Educação, têm
demonstrado que com os avanços tecnológicos, cria-se
também uma expectativa de que essas ferramentas
apresentem as soluções imediatas para sanar as
dificuldades e mudar a educação. Consoante Moran,
Masetto e Behrens (2018, p. 8), ―as tecnologias nos
permitem ampliar o conceito de aula, de espaço e de tempo,
estabelecendo novas pontes entre o estar juntos fisicamente
e virtualmente‖.
Coincidente Freire (1999, p. 39), ―ensinar exige risco,
aceitação do novo‖, como tem sido vivenciar o desafio do
ensino/aprendizagem, no presente momento, à revelia de
um processo, mas com todos os impactos advindos da
inesperada Pandemia.
Entretanto, isso não é garantia de uma ampliação,
posto que, junto com a parafernália técnica vêm a
contradição dos vários brasis, com as mais distintas
realidades. Os desafios impostos pela modernização dessa
ferramenta, abrangem todo o conjunto educacional, desde
professores que não dominam o uso desse artifício
tecnológico de ponta, aos educandos desprovidos de acesso
às ferramentas.
A educação é um processo de toda a sociedade.
Agora muito mais percebida, em função da pestilência, que
exigiu dos pais, das mães, tios (as), dos avôs(ós), dos(as)
tutores(as) e responsáveis pelos(as) estudantes, uma
participação e assistência que muitas vezes não tinham,
sem entrar no mérito das impossibilidades subjetivas.
O fato é que essa situação, descortinou a
necessidade da valorização do (a) professor (a) em todas as
dimensões: do respeito ao ser, proporcionar um salário

80
digno e compatível com seu papel social, melhorar as
estruturas físicas das escolas, e as condições de trabalho. É
através da educação que avançamos como pessoas, como
profissionais, como cidadãos. Ampliamos a nossa forma de
ver e compreender o mundo, desconstruir preconceitos,
ultrapassar barreiras, superar paradigmas obsoletos e
construir a sociedade.
A escola pré-pandemia, já demonstrava seu cansaço,
sua incompatibilidade com as necessidades sociais e muito
distante das ―demandas atuais‖. Por outro lado, a
sobrevivência delas, nos moldes atuais, se deve ao fato de
que, segundo Moran et all (idem, p. 13), ―porque são os
espaços obrigatórios para a certificação‖, e essa não é uma
responsabilidade dos(as) professores(as). A mudança deve
ser geral. O(a) professor(a) é a ponta do processo, mas não
menos importante. Para o autor (idem, p. 12), as
aprendizagens são definidas pelas ―pessoas‖, pelo ―projeto
pedagógico, as interações e a gestão‖.
É necessário que o Estado brasileiro ofereça políticas
públicas que acompanhem o avanço da sociedade, que
priorize a ciência, a pesquisa, que os pais e gestores
assumam cada um e cada uma, o papel que lhes cabe. O(a)
professor(a) não possui uma carta na manga, para
barganhar tão significativa e necessária mudança, é urgente
resgatar a importância do(a) professor(a), dando-lhe a devida
valorização. É uma vontade política, com a participação
coletiva.
O que dificulta as desejadas mudanças pelos(as)
professores(as) e pela sociedade, entre outros pontos, de
acordo com Moran (idem, p. 24), é ―a profunda
sedimentação dos modelos tradicionais‖, além dos
―processos desiguais de aprendizagem e evolução pessoal e
social‖.
É preciso ultrapassar o fosso que separa a práxis
pedagógica dos docentes e as condições materiais oferecidas

81
pelo Estado brasileiro, que emperra o exercício de uma
educação de qualidade, que vise, conforme analisa Moran
(idem, p. 21), ―ajudar a integrar ensino e vida, conhecimento
e ética, reflexão e ação, a ter uma visão da totalidade‖, que
contribua para ―integrar todas as dimensões da vida, a
encontrar nosso caminho intelectual, emocional,
profissional, que nos realize‖ e que esse contributo possa de
fato ―modificar a sociedade em que vivemos‖.
Esse atual estágio tem trazido uma sobrecarga de
inquietações aos/às docentes brasileiros(as), para a
―reflexão crítica sobre a prática‖, acorde Freire (1999, p. 43),
comprometendo ainda mais o ―emocional‖ dos(as)
professores(as), para além ―da capacidade de aprender‖, de
toda a comunidade escolar, ―não apenas para nos adaptar,
mas sobretudo para transformar‖ essa inesperada
―realidade‖, prossegue o filósofo (idem, p. 76).
A educação se constitui como um poderoso espaço
de mudança e para a contínua mudança, como releva Mello
(1986, p. 14), porque existindo na negociação ―política, o
acesso ao ensino em todos os níveis é uma aspiração que
perpassa e unifica diferentes grupos sociais‖, não sem a
existência de conflitos, mas a universalização do ensino e o
acesso à educação, ainda é um desejo da maioria dos (as)
brasileiros (as).
Os livros futuros contarão a história desse tempo,
como as instituições e as pessoas organizaram e conduziram
suas vidas, diante da conjuntura vivenciada neste
adventício episódio, iniciado durante o ano de 2020, em que
o Brasil vive uma crise política, ética, moral, social,
econômica e de saúde. Qual foi o seu papel nesse episódio?
Como o cumpriste? Representou bem, a sua parte nesse
inesperado espetáculo de uma Educação Remota? Quais
foram as maiores dificuldades? Houve ganhos?

82
O que resultará deste futuro imediato, tornado
presente e, que impõe a todos e a todas, a repensar as
relações sociais, profissionais, de consumo e ecológica?
Diante de diferentes realidades educativas e sociais,
que obrigam a comunidade escolar, a prosseguir com as
aulas, é possível manter uma certa ―normalidade‖?
Qual será o resultado dessa diástase que transmutou
a organização das instituições, sobretudo, as escolares, que
foram compelidas a rever até então, os ―horários rígidos, a
organização espacial da aula e ao sistema de tutoriais, à
adequação da realidade‖? Teremos que mudar a Educação,
ou teremos que mudar nós, ou todo o sistema?

O que mais temos nesse momento, são as perguntas,


indefinições e angústias!

Diante do exposto, pergunto: no ―novo normal‖, ou


no ―pós-pandemia‖, como serão as novas salas de aulas?
Como serão as novas aulas? Seremos novos docentes? Serão
novos os nossos estudantes? A conjunção do COVID-19,
trouxe apenas como salienta Barreto (2010, p. 228), um
―divisor digital‖, ou também a necessidade premente e
inadiável da mudança no sistema educacional?
É presumível que nesse enquadramento apresentado
pelo isolamento social, os estudantes conseguirão se
apropriar do conhecimento e das habilidades desse processo
de ensino?
Condizente Moran et all (idem, p. 11) é exequível
―ensinar e aprender de muitas formas‖. O que está em
debate é o imediatismo da mudança trazida pela realidade
do SARS – CoV2, além da crise na Educação, que se arrasta
há muito, e não se percebe uma perspectiva de um
movimento, que avance em curto ou médio prazo, nesse
sentido.

83
Mas é fundamental não perder a esperança, como
dizia Freire (2008, p. 11),
É preciso ter esperança. Mas tem de ser
esperança do verbo esperançar. Porque
tem gente que tem esperança do verbo
esperar. Esperança do verbo esperar não
é esperança, é espera [...] daí a precisão
de uma certa educação da esperança. É
que ela tem uma tal importância em
nossa existência individual e social.
Precisamos dessa esperança freiriana, para a
superação dos desafios, e para uma vida em comunidade, e
a educação é uma das dimensões que alimenta essa
finalidade. Concordando com Ricoeur (1993, p. 76), ―nós só
poderemos viver se esperarmos, se perspectivarmos algures
a possibilidade de viver em conjunto‖.
Precisamos esperançar, ir atrás e realizar, como
anunciava Freire (2008, p. 11), o ―inédito-viável‖.
Nesta vigência a relação sócio-pedagógica, de um
lado os professores, bem como toda a equipe de educação,
entre eles os gestores e, de outro, os estudantes, o ―novo‖
ambiente escolar, com ―novas tramas‖, atualizando Freire
(2008, p. 13), trespassado por outros cuidados e normas de
segurança, com a presença de máscaras, álcool em gel,
distanciamento social, entre outros protocolos especificados
pela OMS – Organização Mundial da Saúde -, exige de todos,
permanentemente, o ato da ressocialização, de repensar as
ações individuais e coletivas.
Consentâneo Freire (1983, p. 57), constitui um ―sério
empenho de reflexão, para que seja práxis‖. As mudanças
vividas e percebidas nesse cenário pandêmico, estão levando
todos a agir de outro jeito. Pensar a educação hoje, requer
mergulhar profundamente na práxis pedagógica, sem se
distanciar da teoria e da prática, haja vista, que elas ―são
indicotomizáveis‖, consoante o educador pernambucano.

84
Atualmente a dinâmica da educação tem sido um
grande desafio enfrentado pelos educadores/as em sala de
aula. Vive-se um tempo ―cambiante e dramaticamente
contraditório‖, prossegue o autor (2006, p. 43), em que o
maior inimigo é um vírus invisível, mas devastador, cuja
imunização foi politizada. É preciso ousar e se adaptar aos
espaços formais de educação, experimentar outras formas
de acesso às aulas. Mais do que nunca, as perspectivas
freirianas da educação são atuais, nesse instante
transitamos entre a esperança e a amorosidade; entre a
esperança e a liberdade.
A esperança que, ―enquanto ontológica, precisa
ancorar-se na prática para tornar-se concretude histórica. É
por isso que não há esperança na pura espera, nem
tampouco se alcança o que se espera na espera pura, que
vir, assim, espera vã‖, convergente Freire (2008, p. 10). A
esperança de que os obstáculos trazidos pelo SARS-CoV-2,
não condene a Educação do biênio 2020-2021 e, sobretudo,
os estudantes, em especial os da rede pública.
Considerando que cada escola é um mundo amplo,
cheio de especificidades e, quando se está referindo à
educação pública, as idiossincrasias e subjetividades dos
estudantes, perpassam situações e realidades, que só são
superadas pelo grande empenho e compromisso com que
gestores e professores, têm para com a educação, ainda em
cônsono com Freire (1987, p. 125), com a ―práxis, a teoria
do fazer‖, do suplantar as dificuldades materiais dos alunos,
oriundas de uma profunda e permanente ―reflexão e de
ação‖.
No caso particular da Escola Estadual São Lucas, de
ensino básico, das séries finais, além da modalidade de EJA,
para o Ensino Fundamental, fases I, II, III,IV; EJA, para o
Ensino Médio, módulos I, II, III e Educação Especial, no
município de Olinda, PE., com um contingente de 248
estudantes matriculados (censo escolar de 2021), no ensino
regular, distribuídos da seguinte maneira.

85
Tabela 1 - séries e distribuição de alunos por sala.
6º anos 7º anos 8º anos 9º anos
66 alunos 65 alunos 59 alunos 58 alunos
(divididos em (divididos em (divididos em (divididos em
2 salas) duas salas) duas salas) duas salas)

É bastante expressivo, embora cambiante número de


estudantes matriculados no Programa Travessia, EJA para
os anos finais do 6º ao 9º anos e Ensino Médio, no horário
noturno, cujas disciplinas e séries, são oferecidas em
módulos, nos dois semestres letivos.
Uma porcentagem destes estudantes não tem acesso
à internet. Demandando da equipe gestora, um esforço
sobre-humano para coreografar os desenhos didáticos das
aulas e, que pudessem atender às requisições dos
estudantes em suas mais diversas especificidades: ensino
on line, ensino híbrido e ainda, os que ficaram em casa, sem
frequentar a escola, impedidos pela peste. Para este último
caso, os professores confeccionam uma apostila com os
conteúdos e as atividades, que serão trabalhados nas aulas,
com as devidas orientações, para que assim os(as) discentes
tenham o menor prejuízo possível e se sintam incluídos na
rotina escolar, estimulando a participação de todos(as).
Desenvolveu-se ainda, um programa chamado
― usca Ativa‖, que consiste em fazer um registro dos(as)
alunos(as) que por alguma razão, sejam faltosos,
sistematicamente, nas três condições (presencial, híbrido e
remoto). Nesse caso, a equipe gestora (Diretora, Vice-
diretora e/ou Supervisão Pedagógica), entram em contato
com os responsáveis para identificar a razão da ausência e
mitigar as possíveis causas.
Para tanto, construíram um instrumento de registro
de comunicação, para que diante dos fatos narrados,
possam encontrar alternativas que dirimam essa ausência e,
por conseguinte, a inclusão do aluno no processo de
ensino/aprendizagem.

86
Esse procedimento vem ressaltar a preocupação com
o ―complexo sistema de interações comportamentais entre
professores e alunos‖, relevando o sentido humanista da
educação, com o objetivo de envolver seus estudantes, de
maneira amorosa e com o esperançar freiriano, por parte da
equipe da Escola Estadual São Lucas.
Amorosa porque, em especial os estudantes, estão
fragilizados, cansados e ansiosos, diante da pressão do
momento, do porvir e de toda sorte de insegurança, bem
como toda a comunidade escolar.
Requisitando uma compreensão jamais imaginada,
por parte de todos os atores e do próprio sistema
educacional. Onde o classroom se tornou o novo corredor, o
quadro de avisos, de atividades e mural da escola. O google
meet como o espaço formal das aulas, avaliações,
questionários e outras atividades do gênero, aplicadas via
google forms. Diversas ferramentas on line se tornando
comuns, na linguagem e em seu uso cotidiano, como por
exemplo: Mentimeter, Kahoot, Padlet, Khan academy, World
wall, Storyteelling, Windows whiteboard, Pixton, entre
outros.
Esperançosa porque, juntos, professores, alunos e
demais membros da comunidade escolar, possam perpassar
as inquietações e resistir aos obstáculos postos e os ainda
não visíveis, no processo ensino/aprendizagem, porque
acorde Freire (1999, p. 80), ―a esperança faz parte da
natureza humana‖ e, sempre necessária, como um
―condimento indispensável à experiência humana‖,
prossegue o autor (idem, p. 81).
Assim, se faz pertinente indagar: estamos diante do
futuro? Essa tecnologia impulsionada pela Pandemia, veio
para ficar? Todos os alunos têm as mesmas condições de
acesso à tecnologia? Dispõem de aparelho celular, internet,
computadores, laptop? As realidades são semelhantes? O
que faz a equipe da educação, para incluir todos os

87
estudantes e minimizar o impacto e perdas por aqueles que
não possuem e não usufruem da mesma materialidade?

Referências

FREIRE, Paulo. (2013) Cartas a Cristina: reflexões sobre


minha vida e minha práxis. Organização e notas, Ana Maria
Araújo Freire. Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro.

FREIRE, Paulo. (2008) Pedagogia da Esperança: um


reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Editora Paz e
Terra S/A. São Paulo.

FREIRE, Paulo. (2006) Educação como prática da


liberdade. Paz e Terra. Rio de Janeiro.

FREIRE, Paulo. (2001) Ação Cultural Para a Liberdade e


outros escritos. 9ª, Paz e Terra. São Paulo.

FREIRE, Paulo. (1999) Pedagogia da Autonomia: saberes


necessários à prática educativa. Editora Paz e Terra S/A.
São Paulo.

FREIRE, Paulo. (1996) Pedagogia da Autonomia: saberes


necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.

FREIRE, Paulo. (1983) Pedagogia do Oprimido. 13ª ed. Rio


de Janeiro, Paz e Terra.

KECHIKIAN, Anita. (1993) Os Filósofos e a Educação.


Edições Colibri. Portugal.

LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. (2010)


Currículo: debates contemporâneos. Cortez Editora. São
Paulo.

MELLO, Guiomar Namo; VELLOSO, Jacques; WARDE,


Mirian; SILVA, Teresa Roserly; MARIA, Umbelina Salgado.
(1986) Educação e transição democrática. Cortez Editora.
São Paulo.

88
MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos T.; BEHRENS,
Marilda Aparecida. (2018) Novas tecnologias e mediação
pedagógica. Papirus Editora. Campinas, SP.

PÖPPELMANN, Christa. (2010) Dicionário de Máximas e


Expressões em Latim. Editora Escala. São Paulo.

JÚNIOR, Ruy Ricardo Weyer Harten. Avaliação do Programa


Travessia (Prefeitura da Cidade do Recife) (em exercício).
Disponível em:
https://tce.pe.gov.br/internet/docs/anop/410/travessiarec
iferesumodaavaliacao.pdf. Consulta: 29.04.2021.

SCHUELER, Paulo. (2020). O que é uma pandemia.


Disponível em:
https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/noticias/1763-o-
que-e-uma-
pandemia#:~:text=Segundo%20a%20Organiza%C3%A7%C3
%A3o%2C%20pandemia%20%C3%A9,sustentada%20de%20
pessoa%20para%20pessoa. Consulta: 24.09.2020.

Wells. H.G. (2013). Uma Breve História do Mundo. (2013)


L&PM Editores. Porto Alegre.

89
O papel da escola democrática e a questão da
rigorosidade metódica no ato de ensinar: ressignificar
Freire em tempos de liquidez

Cláudia Alencar Lopes

O papel da escola democrática e a


questão da rigorosidade metódica no
Ato de ensinar: ressignificar Freire em
tempos de liquidez

Cláudia Alencar Lopes

doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4.6

90
Palavras iniciais

É insuprimível em Paulo Freire a ideia de que


ensinar exige rigorosidade metódica e ao educador
democrático cabe o dever de reforçar a capacidade crítica do
educando, sua curiosidade, sua insubmissão. Em tempos de
negação da história e de qualquer ―objeto‖ de acesa
polêmica, como são os conceitos expressos nas obras de
Freire, é de suma importância espaços como este, que
oportunizam professores de vários níveis de atuação,
dilucidar de modo crítico suas releituras sem nulificar o que
há de mais complexo no sagaz e centenário Freire. Digo isso,
porque entre nós, professores, há quem cometa a inépcia de
rejeitá-lo, por julgar ser ele, um mero falador de frases, que
apesar de profundas, se tornaram com o tempo nada mais
que epígrafes de canto de pauta, quando muito, breve
reflexão em momento formativo. Não... Freire oferece bem
mais que isso, lido com interesse sincero, notar-se-á,
conceitos e origens diversas: política, teologia, antropologia,
filosofia, Gramsci, Marx, etc.
Diante da necessária reinvenção do modo de ensinar
a que muitos têm se referido, frente ao adiantamento forçoso
do uso das tecnologias durante o ensino remoto e do
isolamento decorrente da Pandemia pela COVID-19
enfrentada desde 2020; não seria de igual relevância, pensar
sobre a rigorosidade metódica a ser exercida pelo educador
democrático diante de um novo cenário? Visto que, a
implantação do ensino remoto tornou evidente, sobretudo,
no sistema público de ensino, a escassez de recursos
(equipamentos e serviço de internet para acesso do
educando às aulas) e a fragilidade no estabelecimento das
relações humanas, cada vez mais, pautadas pela
superficialidade relacionada ao conceito de modernidade
líquida desenvolvido pelo sociólogo polonês Zygmunt
Bauman.

91
Por agora, é preciso refletir de modo adulto e
emergente, sobre o papel da escola e do educador, neste
sentido, é possível colocar algumas questões: as tecnologias
democratizaram de fato o acesso ao conhecimento? Ora, se o
conhecimento já está socializado nas redes sociais, qual o
papel da escola? O conhecimento supostamente socializado
pelas tecnologias da informação e comunicação, são os
conhecimentos sistematizados que cabe à escola propor?

Por que os conceitos em Freire devem permanecer na


atualidade moderna

Discutir a questão da educação na atualidade,


significa reconhecer o engajamento dos variados temas
coexistentes, portanto, pertinentes a ela. Compreender o
cenário configurado pela organização e ação humana, olhar
de modo crítico e ativo para as políticas educacionais e seus
movimentos, para as condições socioafetivas e econômicas
do povo brasileiro, reconhecer a cultura digital como um
recurso de promoção para interação na construção de
conhecimentos, mas, primeiro, admitir que essa construção,
não se efetua sem a reflexão e a ação epistemológica da
práxis pedagógica metódica e rigorosa. Abordar alguns
conceitos em Freire para entender a atualidade moderna
(mas nem tanto) vem no sentido de admitir a coexistência da
abundância para alguns poucos, e escassez para outros
tantos. Assim sendo, devemos pensar em uma educação
para garantir direitos, cidadania e democracia.
Quando falamos em democracia, podemos pensar em
sua ampla significação no âmbito educacional, como é o
caso da gestão democrática na escola, por exemplo, aqui,
focaremos na democratização do conhecimento, atrelada aos
recursos tecnológicos e ao papel da escola, mas não antes
de passarmos por alguns conceitos básicos contidos em
Freire, sem os quais a discussão não estaria completa.

92
Escola enquanto parte constituinte dos direitos
humanos para Freire

A escola enquanto parte constitutiva dos direitos


humanos, é um pensamento seminal contido em Freire; não
uma escola qualquer, mas, uma escola integral, no sentido
de completude, uma escola para atender o ser integral na
sua inteireza para tornar mais autêntica a linguagem. Assim
sendo, imaginemos Freire entre nós, vivendo o presente,
com a necessidade emergente que se faça uma escola
tecnológica, um ensino híbrido; imaginado este cenário
temos o bastante para sustentar algumas hipóteses: a de
que, a educação continuaria sendo um processo, e todo
processo subentende um caminho a ser percorrido,
certamente Freire de pronto indagaria: como percorrer este
caminho sem o direito básico de acesso garantido? Ora, essa
é a profundidade que perscrutou Freire durante quase toda
sua existência, a dos direitos negados; identificando a
escassez de recursos tecnológicos, sairia em defesa da sua
conquista, e em não estando mais entre nós, que reverbere
sua palavra.
A escola como parte constitutiva dos direitos, é
também aquela capaz de fazer com que todos os
personagens a ela pertencentes, participem, tenham voz,
pois:
Quem apenas fala e jamais ouve; quem
―imobiliza‖ o conhecimento e o transfere
a estudantes, não importa se de escolas
primárias ou universitárias; quem ouve o
eco apenas de suas próprias palavras,
numa espécie de narcisismo oral, quem
considera petulância da classe
trabalhadora reivindicar seus direitos,
quem pensa, por outro lado, que a classe
trabalhadora é demasiado inculta e
incapaz, necessitando, por isso, de ser
libertada de cima para baixo, não tem
realmente nada que ver com libertação
nem democracia, pelo contrário, quem

93
assim atua e assim pensa, consciente ou
inconscientemente, ajuda a preservação
das estruturas autoritárias (FREIRE,
1990, p. 17).
É notório em Freire, a marca da defesa pelos direitos
dos menos favorecidos, no trecho supracitado há referência
crítica dirigida à aula meramente expositiva, a
desconsideração de conhecimentos prévios e a
impossibilidade da interação no processo de aprendizagem,
fatores estes, que devem sem dúvida continuar em pauta,
pois ainda que venhamos a ter o apoio tecnológico, e um
ensino híbrido, ainda assim, devemos estar atentos de modo
a não permitir ecoar apenas as ―palavras‖ unilaterais (pelo
risco do excesso ou superficialidade dos conteúdos
disponibilizados através de recursos digitais, e até mesmo
das palavras, quando nas aulas ao vivo e gravadas) e como
veremos adiante, se não formos capazes de selecionar o que
seja de fato relevante, frente a reverberação de uma
infinidade de ―conteúdos‖ (como veremos adiante na
abordagem de Bauman, ao tratar o problema da liquidez)
carregaremos a mesma velha preocupação, de como saber
lidar com os conhecimentos: senso comum, científico e o
que é próprio da escolarização, os que carecem de
sistematização.
Sobre o aproveitamento dos saberes cotidianos, e
aqui podemos aludir diretamente, aos temas comumente
visualizados (pois nem sempre que um estudante visualiza
algum conteúdo nas redes sociais, necessariamente
aprendeu algo verdadeiramente sistematizado ou científico
por meio dele) nas redes sociais por estudantes de todas as
idades, é necessário refletir sobre a possibilidade de inflexão
no trato do que se pretende ensinar e aprender. A questão
que fica, é como a escola pode aproveitar o que é de direito
do estudante (acesso aos diversos conteúdos) para ampliar
conhecimentos sistematizados? Partindo do ponto que o
conhecimento mais rigoroso é de direito do estudante, será
por meio da compreensão de que:

94
É necessário combater, por exemplo, a
posição ideológica, por isso mesmo nem
sempre explicitada, de que só se estuda
na escola. Daí que seja ela, a escola,
considerada, deste ponto de vista, como a
matriz do conhecimento. Fora da
escolarização não há saber ou o saber
que existe fora dela é tido como inferior
sem ter nada que ver com o rigoroso
saber do intelectual. Na verdade, porém,
este saber tão desdenhado, ―saber de
experiência feito‖, tem de ser o ponto de
partida em qualquer trabalho de
educação popular orientado no sentido
da criação de um conhecimento mais
rigoroso por parte das massas populares
(FREIRE, 1990, p. 34).
Ao se referir ao saber experienciado, como um saber
desdenhado, Freire nos convida justamente a valorá-lo, e
para isso, precisamos de muito mais perspicácia que antes
dada imensidão de conteúdos e orientações (sobretudo após
implementação da BNCC, como veremos adiante) não é
difícil observar uma infinidade de ‗blogs‘, sites, plataformas
(talvez seja este um fenômeno de liquidez a ser igualmente
verificado). Para garantia dos direitos dos educandos e
consolidação de uma escola democrática e cidadã, Freire já
mensurava a necessidade da reinvenção do papel da escola
e dos educadores, onde prevalece a compressão da história,
i.e, não é essa a luta que engendra a atualidade? Pois
A importância do papel interferente da
subjetividade na história coloca, de modo
especial, a importância do papel da
educação. (…) Cedo ou tarde, por isso
mesmo, prevalece a compreensão da
história como possibilidade, em que não
há lugar para as explicações
mecanicistas dos fatos nem tampouco
para projetos políticos de esquerda que
não apostam na capacidade crítica das
classes populares. Como processo de
conhecimento, formação política,
manifestação ética, procura da boniteza,
capacitação científica e técnica, a

95
educação é prática indispensável aos
seres humanos e deles específicos na
História como movimento, como luta. A
História como possibilidade não
prescinde da controvérsia, dos conflitos
que, em si mesmos, já engendrariam a
necessidade da educação (FREIRE, 2021,
p. 9-10).
As ideias de Freire, são, portanto, incisivas na
valorização da subjetividade presente na escolarização,
como direito, o aproveitamento da história para construção
do novo. O novo chegou, a chamada nova geração, parece
lidar facilmente com os recursos tecnológicos disponíveis,
quando há acesso é claro; entender a atualidade moderna,
sim, compreender criticamente as origens da pobreza
declaradamente revelada pelas frases comumente proferidas
durante o ensino remoto (modalidade sustentada às duras
penas durante a pandemia por COVID-19 desde 2020, até o
momento): ―professora, acabaram meus dados móveis‖ —
―professora, meu celular não abre esse vídeo‖ — ―meu
celular não tira foto‖ — ―estou sem internet‖ — frases como
estas indicam razões de luta, seja para garantia de recursos
para implementação das tecnologias na escola, ou nos lares,
seja para formação dos professores (pois estes também
tiveram suas frases de apelo) para aprender lidar com as
novas ferramentas de trabalho, ao se depararem com o
desafio das aulas remotas, é necessário reconhecer que
temos um mundo moderno, mas para alguns, nem tanto.

A questão da autonomia e da opressão na educação nem


tão moderna

Ao encontro dos conceitos abordados anteriormente,


veremos que o conceito de autonomia em Freire, perpassa
as ações docente e discente. Este conceito, reforça a
necessidade de que, cada vez mais, se conduza a leitura do
mundo, das palavras, dos conteúdos, sejam eles, escolares
ou não, de modo autônomo, cuja condição necessária, recai
sobre propiciar as condições:

96
Uma das tarefas mais importantes da
prática educativo-crítica é propiciar as
condições em que os educandos em suas
relações uns com os outros e todos com o
professor ou a professora ensaiam a
experiência profunda de assumir-se.
Assumir-se como ser social e histórico,
como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de
sonhos, capaz de ter raiva porque capaz
de amar. Assumir-se como sujeito porque
capaz de reconhecer-se como objeto. A
assunção de nós mesmos não significa a
exclusão dos outros. É a ―outredade" do
‖não eu‖, ou do tu, que me faz assumir a
radicalidade de meu eu (FREIRE, 1996,
p. 22).
A perspectiva de gerar a capacidade de autonomia
por intermédio da educação, nunca foi algo de fácil nem
tampouco acabado ou implementado em totalidade nas
escolas. Para aprofundar este o assunto, teríamos que
também abordar as temáticas: ideologias, formação e
reformas curriculares, no mínimo, o que não caberia aqui,
mas no que se refere a afirmativa ―propiciar as condições em
que os educandos em suas relações uns com os outros e
todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência
profunda‖, podemos considerar tarefa árdua pela frente,
pois além do cenário anterior o qual Paulo Freire suponha
necessário transcender, temos a modernidade, e é claro, o
não acesso a ela. Neste sentido, a valorização dos dois
momentos do ciclo gnosiológico manifesto em Freire, devem
ser exercidos desde o pensar o ensino híbrido, no qual,
docência, discência e construção de conhecimento
continuarão no ―palco‖ dos acontecimentos pois:
Ensinar, aprender e pesquisar lidam com
esses dois momentos do ciclo
gnosiológico: o em que se ensina e se
aprende o conhecimento já existente e o
em que se trabalha a produção do
conhecimento ainda não existente. A "do-
discência‖ – docência-discência – e a

97
pesquisa, indicotomizáveis, são assim
práticas requeridas por estes momentos
do ciclo gnosiológico (FREIRE, 1996, p.
16).
Dar vida às obras de Freire na atualidade é sem
dúvida um ato de coragem, pois requer atrelar, de certo
modo, sua visão progressista da época (em tempos
malfadados sob a égide de uma ditadura medonha) que
vemos reverberar em nossos tempos como torvelinhos
materializados nas redes sociais míope e acrítica. Uma
retomada necessária, em socorro aos menos favorecidos, aos
oprimidos, na compreensão de classe social, aumento das
desigualdades e o agravamento da precariedade de
rendimento de ensino dos menos favorecidos. Temos,
portanto, nos fatos atuais, as causas dignas para uma
pedagogia adequada:
A Pedagogia do Oprimido: é aquela que
tem de ser forjada com ele e não para ele,
enquanto homens ou povos, na luta
incessante de recuperação de sua
humanidade. Pedagogia que faça da
opressão e de suas causas objeto da
reflexão dos oprimidos, de que resultará
o seu engajamento necessário na luta por
sua libertação, em que esta pedagogia se
fará e refará (FREIRE, 1987, p. 20).
Em suma, o entendimento de Freire, sobre como
forjar a Pedagogia do Oprimido, passa primeiramente pelo
papel de tornar autônomo o oprimido, oportunizar que
educandos sejam capazes da compreensão de processos
históricos, da colocação de suas próprias palavras, o que
representa sem dúvida uma tarefa incomensurável, diante
do que temos em termos de conteúdos e como utilizamos as
tecnologias na atualidade. Talvez um caminho inicial, seja
compreender alguns fenômenos típicos deste cenário
moderno e sua liquidez.

98
Modernidade líquida

O conceito de modernidade líquida em Bauman


(2001) é caracterizado pela dissolução de sólidos vindos da
sociedade tradicionalmente estruturados, ou seja, as
estruturas políticas, sociais, econômicas, relações sociais, e
aqui, podemos incluir é claro, a educação, seus processos, e
em se tratando de sistema público de ensino, porque não
considerar, suas configurações, da qual falaremos no
próximo tópico.
Para o autor, existem duas categorias de
modernidade: clássica e moderna, para entender às duas
formas de modernidade descritas por Bauman, é necessário
frisar, que, toda modernidade tem como finalidade derreter
as estruturas recebidas (anteriores, clássicas) assim sendo,
a modernidade líquida em definição, terá sempre algo sólido
(definido por ser estável e duradouro) em oposição, já a
modernidade líquida (instável por definição) por não ter
forma e estar em contínua mutação representa um desafio
inevitável, que aqui, atribuímos à educação.

Educação, modernidade líquida e currículo

Tomando como ponto de partida que a modernidade


líquida é aquela que derrete as estruturas sólidas
anteriores, o que poderíamos considerar como estrutura
sólida educacional, derretida pela modernidade líquida
atualmente? Para responder esta questão, assim, de modo
bem direto, sem grandes fundamentações teóricas, partindo
apenas de convicções materiais cotidianas, podemos
destacar alguns exemplos: a existência do quadro negro e o
giz, as práticas tradicionais de alfabetização, as fragilidades
formativas (iniciais e continuadas) e é claro, não poderíamos
deixar de citar, o currículo. Diante das tão sólidas
estruturas, que teimam em não derreter, como o docente
poderá empenhar rigorosidade metódica e abstrair de uma

99
imensidão de conteúdos disponíveis nas redes sociais, o que
é de fato cognoscível? Para Freire:
O educador democrático não pode negar-
se o dever de, na sua prática docente,
reforçar a capacidade crítica do
educando, sua curiosidade, sua
insubmissão. Uma de suas tarefas
primordiais é trabalhar com os
educandos a rigorosidade metódica com
que devem se ―aproximar‖ dos objetos
cognoscíveis. E esta rigorosidade
metódica não tem nada que ver com o
discurso ―bancário‖ (FREIRE, 1996, p.
14).
Freire (1996, p. 18) afirma: ―Estar sendo é a
condição, entre nós, para ser‖. auman ao descrever nossa
realidade como líquida, utilizando pontualmente, termos
como: vida líquida, medo líquido, liquidez, etc. Nos remete a
refletir sobre a condição de existir que nos faz ser. Do ponto
de vista do papel da escola, caberá compreender de modo
crítico e humano, que apesar da modernidade, o caráter de
educar contínua o mesmo:
Educar é substantivamente formar.
Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a
ciência é uma forma altamente negativa e
perigosa de pensar errado. De
testemunhar aos alunos, às vezes com
ares de quem possui a verdade, rotundo
desacerto. Pensar certo, pelo contrário,
demanda profundidade e não
superficialidade na compreensão e na
interpretação dos fatos (FREIRE,1996, p.
18).
Reconhecer a possibilidade de vida líquida significa
estar imerso em ―uma sucessão de reinícios‖ ( AUMAN,
2007, p. 08) a este respeito, gostaria de citar apenas um,
dos fatores de grande impacto na educação, que na
atualidade se encontra em ―reinício‖, o currículo, e mais
especificamente a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
e sua possível relação com a modernidade líquida, não que

100
estivéssemos antes dela, em uma confortável e clássica
ascenção da educação, mas no sentido de que, o contexto
vem sendo muito confuso com ela, basta ―dar um google‖ e
ver a infinidade de resultados, o que nos faz cada um
―correr‖ para um lado, e ninguém caminha para lugar
algum, em especial nos planejamentos docentes.

A BNCC e suas implicações: entre a pedagogia da


autonomia e a liquidez

A BNCC tem em suas configurações algo sólido que a


modernidade líquida não irá dissolver tão facilmente: o
papel de mantenedora das desigualdades sociais; pois ainda
que seja, um documento orientador de cunho obrigatório é
notório, que, como o próprio nome indica, não se trata de
uma ferramenta que educandos ascendam ao nível de
conhecimento às bases que ocupam (e graças a ela, hão de
continuar a ocupar) nem tampouco docentes acendam em
conceitos que ensinam. Suponhamos que houvesse na
BNCC algo realmente desafiador e valioso sendo
implementado, e que a escola demonstrasse indícios de
êxito, ao invés disso, temos uma modernidade líquida às
avessas, fortalecida por um documento que desorienta e
confunde as práticas docentes, Brasil afora, nas escolas
públicas, para constar, basta novamente, ―dar um google‖
ou abrir sua página do Facebook e visualizar a imensidão de
receitas prontas de ―como usar‖ a NCC para planejar. Será
que esse caminho líquido é válido para a elite? Também não
é necessário pesquisa profunda, basta realizar uma visita a
uma escola particular de elite, bem trajado (com pinta de
quem irá comprar os serviços) e solicitar o conteúdo
programático, este será apresentado (com começo, meio e
fim de todo um ano letivo, ou seja, uma meta a ser atingida)
um material didático de qualidade (isso equivale dizer, sem
síntese, há exemplo do famoso livro indisciplinar que
suprime toda riqueza dos conteúdos de ciência, história e
geografia num único, formando uma miscelânea de

101
conteúdos desconexos) para constatar a discrepância, assim
sendo, a modernidade líquida da elite, pode não ser a
mesma das camadas populares, pois os primeiros,
representam, a chamada modernidade clássica, a eles basta
uma pequena acomodação, seja qual for o avanço, pois:
―qualquer que fosse o caso, porém, os indivíduos da
modernidade ―clássica‖ deixados ―desacomodados‖ pela
decomposição da ordem estamental, dispunham de seus
novos poderes e autonomia na busca frenética da
―reacomodação‖ (BAUMAN, 2001, p. 39).
Cabe ainda uma última consideração acerca da
BNCC contida em Duarte (2020) em seu texto intitulado ―um
montão de amontoado de muita coisa escrita: sobre o alvo
oculto dos ataques obscurantistas ao currículo escolar‖ o
título, faz alusão a uma fala espontânea do atual presidente
da república contida em uma matéria jornalística de janeiro
de 2019, na qual o presidente se refere aos livros didáticos
como lixo e promete suavizar o conteúdo, o que, de acordo
com o autor, é o mesmo que promover o empobrecimento do
mesmo.
Saviani (2020) sobre o conceito de currículo define
em síntese, ser este, ―a própria escola em pleno
funcionamento, isto é, mobilizando todos os seus recursos,
materiais e humanos, na direção do objetivo, que é a razão
de ser de sua existência: a educação das crianças e jovens‖
(p. 8). Sendo assim, destaca o autor, o currículo escolar
busca responder uma questão: ―qual é o conteúdo da
educação escolar?‖ Em resposta, afirma ser o conteúdo
ligado ao saber e ao conhecimento, mas salienta, não é
qualquer saber, mas sim, um saber elaborado,
sistematizado, e completo dizendo: ―o conhecimento de
senso comum desenvolve-se e é adquirido
independentemente da escola. Para o acesso ao saber
sistematizado é que se torna necessária a escola‖ (p. 8).
Diante da reflexão de Saviani, e em observação a pedagogia
da autonomia de Freire, devemos aqui uma pausa,

102
retomando a indagação: como o docente, diante da escassez
de recursos, de formação e de tantas informações, poderá
selecionar conteúdos sistematizados para construção de
saberes, dando início a uma nova estrutura sólida? Neste
sentido, apresentaremos algumas reflexões de Bauman,
com base em entrevista concedida ao Canal Futura no ano
de 2015, no próximo tópico.

O papel da escola e do Educador: os desafios


contemporâneos da modernidade líquida à construção
de uma pedagogia da autonomia

Neste trecho, conforme indicado anteriormente, tem-


se o apoio das transcrições das respostas de Bauman (2015)
em entrevista sobre o papel da escola e do educador no
cenário de excesso de informação, da modernidade líquida,
proporcionado pela combinação da disponibilidade de
tecnologia portátil e do crescimento das redes sociais. Logo,
de início, o sociólogo anuncia ser essencial que os jovens de
hoje desenvolvam duas habilidades principais: atenção e
síntese. Tal afirmação vem ao encontro do saber
sistematizado destacado por Saviani destacado aqui, da
necessária autonomia defendida por Freire. Questionado
sobre como conciliar a necessidade de inovação nas escolas
com a pressão para que novas tecnologias sejam incluídas
no ambiente escolar, Bauman responde:
As pessoas aprendem a fazer várias
tarefas, porque a maioria dos jovens
possuem muitos dispositivos eletrônicos
(celulares, ipad, laptop, entre outros.
Veem televisão, ouvem rádio, cada um
deles oferecem algo naquele momento,
sempre que me concentro em uma
informação, estou perdendo uma outra,
isso é trágico, o desenvolvimento da
atenção, do foco é tremendamente
importante, é condição para o processo
de educação, sem o desenvolvimento
dessa habilidade, não é possível tirar um
bom proveito da educação, e dos

103
benefícios que ela a princípio pode
oferecer. Caso sejam desenvolvidas a
atenção, a habilidade de se aprofundar e
a calma com os resultados, não se pode
exigir resultados imediatos, nem ficar
entediados ou decepcionados se os
resultados demoram a aparecer
(BAUMAN,, 2015)
Bauman tece uma crítica ao que Freire chamou de
educação bancária, destaca algo de muita relevância, ao
bordar com tranquilidade a questão da coexistência do velho
e do novo, e o que inevitável:
Não se pode pedir para estudantes que
apenas memorizem informações,
memorizem fatos, especialmente numa
época com acesso ao google. O google
pesquisa por você, você sempre recebe
resultados para o que procura, então,
não se pode só memorizar. O importante
é desenvolver o pensamento crítico, para
saber distinguir o relevante do
irrelevante. Por exemplo, se você pedir ao
google, alguma informação sobre uma
questão específica, um problema, uma
pessoa ou um lugar, aposto que você
receberá mais de três ou quatro milhões
de resultados. Está fora de questão
examinar tudo isso. É necessário ser
crítico, ver o que é fundamental e o que
é fruto da imaginação, o que é relevante
para a questão e o que é irrelevante. A
habilidade de pensar criticamente, é
assim que eu resumo esse tipo de
capacidade (BAUMAN, 2015)
Mediante a afirmação das habilidades acima, o
autor é questionado sobre a hipótese de que as crianças
sejam protegidas quanto ao uso das tecnologias, para que
possam desenvolver tais habilidades:
Não acho que a primeira (referindo-se à
proteção das tecnologias) seja a solução.
Quem dera fosse tão fácil assim. A
desvinculação da internet é algo
impensável. Ela aconteceu, ela está aqui,

104
e é muito difícil, quase impossível,
imaginar um retorno para quando ela
não existia. O problema maior, muito
mais difícil de ser solucionado, é como
empregar as possibilidades, fornecidas
pelas novas informações virtuais, a
serviço da educação. Não contra a
educação, e sim a favor dela. E milhões
de professores ao redor do mundo estão
quebrando a cabeça, tentando solucionar
essa questão. Estamos vivendo um
estágio bem inicial da era eletrônica. Ela
tem apenas 10,15,20 anos. Em 20 anos,
não se cria uma nova cultura. Primeiro,
há o nascimento dela, o ―parto‖, que é
muito doloroso, e é nesse estágio que nós
estamos (BAUMAN, 2015).

A entrevista concedida pelo referenciado sociólogo, se


encerra com uma declaração espontânea de sua parte, sem
que o entrevistador tenha sequer mencionado a correlação
do tema que vinha sendo tratado, Bauman conclui
brilhantemente alinhado à Freire em pedagogia do
Oprimido, e à Saviani em seus escritos sobre a necessidade
de uma Pedagogia Histórico-crítica, dizendo:
O papel da mudança que a educação
deve exercer na sociedade atual. Há
pressão na maioria dos países no
momento, para tratar a educação como
um mecanismo para duas coisas:
primeiro, fornecer mãos de obra para
empresas, para as indústrias, as
indústrias de consumo; e segundo,
reproduzir a distribuição, de privilégios e
privações, a desigualdade social, para
continuar produzindo a desigualdade
social (BAUMAN, 2015).
Lazaretti (2020, p. 107-108) em análise da BNCC,
afirma a existência de posicionamentos que apontam a
concepção privatista no documento, com interesses
empresariais e econômicos, assim como o esforço de
diferentes instituições financeiras, de empresas e de

105
fundações para direcionar essa política educacional
brasileira.

Considerações finais

A relação da contemporaneidade educacional e o


impacto da modernidade líquida sobre a educação,
requererá que educadores de todos os níveis retomem as
obras pedagógicas histórico-críticas. A atonia que assola a
educação pós-implementação da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), somada ao excesso de informações
disponíveis nas redes sociais, acurta a significação dos
fatos, tudo isso relacionado a liquidez do mundo moderno,
cabe à escola iniciar a busca emergente por caminhos que
levem a construção do saber próprio da escola, o saber
sistematizado, o saber científico, e para tanto, é preciso
subverter o que torna a prática educativa estagnada, para
uma perspectiva crítica e criadora, tal como almejava Freire
em suas inúmeras declarações calorosas e encorajadoras.
Neste sentido, o dever é por meio do campo de experiência
cotidiana manter-se atentos aos conteúdos que de fato
sejam inerentes aos saberes verdadeiramente fundamentais,
saber extrair e direcionar conteúdos de maneira clara para
cada nível de ensino, sem ter que deixá-los na base, o que
equivale dizer, superar as concepções que oprimem e
valorizar os conteúdos científicos, filosóficos e artísticos, e
não apenas conteúdos cotidianos, contribuindo desta forma
para o desenvolvimento dos educandos para superação na
vida.

Referências

SAVIANI, Dermeval; Educação Escolar, Currículo e


Sociedade: O problema da Base Nacional Comum
Curricular. In: MALANCHEN, Julia; MATOS, Neide da S.
Duarte; ORSO, Paulino José (org.). A Pedagogia Histórico-
Crítica, as Políticas Educacionais e a Base Nacional

106
Comum Curricular. 1. Ed. São Paulo -SP: Autores
Associados, 2020.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de janeiro:


Jorge Zahar, 2001.

BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Tradução de Carlos


Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2007.

DUARTE, Newton. Um Montão de Amontoando de Muita


Coisa Escrita. Sobre o Alvo Oculto dos Ataques
Obscurantistas ao Currículo Escolar. In: MALANCHEN,
Julia; MATOS, Neide da S. Duarte; ORSO, Paulino José
(org.). A Pedagogia Histórico-Crítica, as Políticas
Educacionais e a Base Nacional Comum Curricular. 1.
Ed. São Paulo -SP: Autores Associados, 2020.

LAZARETTI, Maria Lucinética. Cadê o conteúdo que estava


aqui? Interlocuções Entre Base Nacional Comum Curricular
E Educação Infantil. In: MALANCHEN, Julia; MATOS, Neide
da S. Duarte; ORSO, Paulino José (org.). A Pedagogia
Histórico-Crítica, as Políticas Educacionais e a Base
Nacional Comum Curricular. 1. Ed. São Paulo -SP: Autores
Associados, 2020.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da


educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e
política! - 32. ed.- Campinas, SP: Autores Associados, 1999.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo:


Cortez, 1990.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e


Terra, 1987. FREIRE, Paulo.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes


necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
1996. (coleção leitura) – 25ª ed.

FREIRE, Paulo. Política e educação: ensaios / Paulo Freire.


– 5. ed - São Paulo, Cortez, 2001.

107
Educação em Paulo Freire no Ensino Superior

Luciano de Figueiredo Borges

Educação em Paulo Freire no Ensino


Superior

Luciano de Figueiredo Borges

doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4.7

108
―Ninguém é sujeito da autonomia de
ninguém. Por outro lado, ninguém
amadurece de repente, aos vinte e cinco
anos. A gente vai amadurecendo todo dia,
ou não. A autonomia, enquanto
amadurecimento do ser para si, é
processo, é vir a ser (Freire, 2014).
É com esse pensamento do nosso ilustre Paulo Freire
que inicio essa reflexão sobre a aula universitária, ou
melhor dizendo, o processo educativo universitário no século
XXI. Antes de trazer o pensamento freiriano como alicerce
do processo pedagógico no ensino superior, gostaria
primeiramente de trazer uma reflexão acerca do ser humano
e do seu papel junto à sociedade do conhecimento.
Em um momento onde nos deparamos com os
enormes avanços tecnológicos, sobretudo daqueles que nos
permitem uma rápida comunicação em rede e um acesso
quase que infinito às informações diversas, nos damos conta
que vivemos em plena sociedade do espetáculo, da
competição, do consumo e, principalmente, do
conhecimento (NÓVOA, 2003; 2009). Entretanto, todos estes
avanços tecnológicos, somados aos avanços científicos das
últimas décadas, não foram capazes de garantir, até o
momento, uma qualidade de vida esperada. Ainda
continuamos a presenciar enormes atrocidades, fruto da
falta de limites e de valores pessoais daquele que reina
soberano sobre a terra: o ser humano.
Este ser não nasce pronto, ele precisa se fazer ser
humano ao longo de sua vida, ou como dizia Aristóteles, o
ser humano nasce virtualmente humano. Ainda que
considerando nossos instintos primitivos e naturais, o Homo
sapiens pouco sabe sobre a sua própria natureza tão logo vê
a luz. O ser humano precisa entender a sua própria vida e
sua existência para poder se manter vivo, aliado ao fato
dessa vida acontecer dentro de uma sociedade heterogênea.
Ao longo dessa caminhada, o Homo sapiens aprende
a viver e, para tal, inicia sua jornada rumo ao conhecimento

109
e pelo conhecimento se torna capaz de transcender à sua
própria natureza. Não somos como as abelhas, que já
nascem com seu destino definido: serão operárias, zangões
ou rainhas. Não haverá revolução das operárias na colméia
reivindicando o posto de rainha. Às abelhas não lhe restam
ser o que a sua natureza definiu. Diferentemente das
abelhas, nós, seres humanos, podemos fazer diferente,
podemos ser diferentes, pois estamos constantemente em
mudança, constantemente aprendendo, constantemente nos
refazendo. É neste cenário que a educação aparece como
ferramenta fundamental, sendo esta um processo contínuo
de desenvolvimento físico, intelectual e moral que fará com
que este ser humano se integre à sociedade, demonstrando
civilidade e capacidade de socialização, e porque não dizer,
delicadeza e cortesia com os outros seres que o cercam. A
educação é condição para a existência humana. Não é
possível fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem
refletir sobre o próprio ser humano, a sua natureza, a sua
essência, algo que possa constituir o núcleo fundamental no
qual se sustente o processo educativo. Para Freire (2011)
este núcleo seria a consciência de inacabamento e de
inconclusão do ser humano.
O cão e a árvore também são inacabados,
mas o ser humano se sabe inacabado e
por isso se educa. Não haveria educação
se o ser humano fosse um ser acabado.
Dessa forma o ser humano é um questionador de si e
do seu meio: Quem sou? De onde vim? Pra onde vou? O ser
humano reflete sobre si mesmo e busca sempre uma
transformação, uma ação transformadora, que o transporte
a um lugar diferente do anterior. Eis aqui a raiz da
educação, um dos alicerces da pedagogia freireana.
Para o pensamento grego, a dignidade moral
consistia no desenvolvimento de nossas virtudes e talentos.
Sendo assim, poderíamos pensar que nossa meta
educacional seria descobrir nossos talentos e virtudes e

110
então, desenvolvê-los e aprimorá-los ao longo das nossas
vidas. Não desenvolvê-los seria, portanto, uma heresia, um
erro contra o universo do qual somos parte integrante.
Para Kant, a dignidade moral está não apenas em
descobrir os nossos talentos, mas sobretudo na decisão de
―como‖ vamos conduzi-los, ou seja, na maneira pelo qual
decidiremos o destino de nossas virtudes. Somente com o
uso da razão poderemos dar dimensões práticas aos talentos
e, portanto, deliberarmos sobre o que faremos com eles.
Neste momento, passamos nossa meta educacional para
outro patamar, o da razão e da reflexão. Ainda para Kant,
todos nós, seres humanos, pelo uso da razão, somos
capazes de decidir sobre como conduziremos os nossos
talentos, neste ponto todos nós, seres humanos, nos
igualamos. A razão nos torna iguais, assim como pela
liberdade que temos de decidir o que faremos de nossas
vidas. Exatamente porque somos livres, somos iguais. Não
somos mais escravos da natureza, mas sim agentes
transformadores, capazes de transcender. A isso chamamos
de humanidade e é nisso que decidiremos como conduzir
nossos talentos e virtudes.
É neste cenário turbulento que retomamos a nossa
essência questionadora e nos indagamos: Qual ou quais
seriam os nossos talentos ou virtudes? Que destino daremos
a eles? Teremos capacidade de desenvolvê-los? Como iremos
conduzi-los? Qual a melhor maneira? Qual o melhor
caminho? Caso declinemos desse talento, poderemos
desenvolver outro que não seja tão inerente a nós? Qual ou
quais seriam as nossas verdadeiras aptidões? Não somente
a angustia de descobri-los nos arrebata, mas o caminho a
percorrer e as decisões que deveremos tomar, nos são
igualmente torturantes. Não é incomum que, desde criança,
escutemos frases como – ―O que você vai ser quando
crescer?‖ – ―Vai ser como teu pai ou como tua mãe?‖ – ―Já
está indo para a escola?‖- ―O que você está aprendendo?‖.

111
Todos estes questionamentos inundam as nossas
mentes e, sem nos darmos conta, travamos prévios diálogos
internos. É a moral que nos cingiu. Durante nossa trajetória
de vida percebemos que para viver, precisamos pensar e
deliberar. Para deliberarmos, precisamos atribuir valores às
alternativas que nos são apresentadas. Decidida sobre
aquela de maior valor, ainda nos deparamos com o que
faremos com a nossa alternativa resultante. É a decisão
sobre a decisão. Nada disso é tarefa fácil quando
percebemos que, somado a toda esta endofasia, ainda existe
o fato de que podemos decidir contando com proporções
diversas de interferências de ações externas que produzem
em nós sensações como medo, temor e angústia. É neste
momento que minha mente insiste em porfiar – qual o
verdadeiro papel da Escola e/ou da Universidade durante
esta trajetória cercada de tantas intempéries? – Qual o papel
da educação?
Mas o que mais me absorve, me intriga e me encanta
é – qual o verdadeiro papel de nós professores e educadores?
Qual o nosso papel dentro de um ensino universitário? Qual
o ideal de uma aula universitária?
Dentre os grandes pensadores da educação, e aqui
vale lembrar nomes como Edgar Morin, Rui Canários,
Antônio Nóvoa, José Pacheco, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro
e outros que muito contribuíram nessa busca por tais
respostas, destaco o grande educador e filósofo Paulo Freire,
com sua enorme sensibilidade e capacidade de tocar na
alma do processo educativo: a educação transformadora.
Paulo Freire nos trás uma profunda reflexão: educar
não consiste no ato de transmitir conhecimentos. Formar
um cidadão com competência profissional, ético, reflexivo e
com capacidade de repensar a sociedade e promover
mudanças que visem a melhoria da vida no coletivo, não se
faz com aulas exaustivas pautadas no conteudismo.
Atualmente a aula universitária ainda se limita à repetição
resumida, ou não, do conteúdo contido nos livros didáticos,

112
incrementada pelos recursos de multimídia, onde o
professor pode apresentar verdadeiras "aulas-shows". É fato
que os livros didáticos são necessários, mas como suporte
para que o estudante busque o conhecimento. O professor
que limita sua função em mero repassador de conteúdo,
desrespeita a autonomia e a capacidade do educando de ler
e tirar suas próprias conclusões, mesmo que essas não
sejam as mais aceitas pela comunidade científica. Ler e ter
as suas próprias conclusões é o caminho inicial para uma
atividade reflexiva. Certamente haverá o coro daqueles que
protestarão sobre a reduzida carga horária das disciplinas
nas universidades e, portanto, não havendo tempo para
maiores discussões e logo, o foco será lançado sobre o
currículo mínimo, jamais fugindo do conteúdo
programático. Não se justifica repensar a educação
baseando-se no fato de que a carga horária das disciplinas
nas Universidades encontra-se, de fato, cada vez mais
reduzida nas novas matrizes curriculares, ou, alegando que
a tendência atual é a de que o educando passe menos tempo
em sala de aula e mais tempo em estudo individual.
Qualquer que seja a carga horária, esse tempo deve ser
utilizado para a reflexão e não para o exaustivo exercício de
armazenamento de dados. É fato notório o sistema de
avaliação predominante em nossas escolas e universidades,
onde os educandos são avaliados muito em função de seu
poder de memorização e não pelo exercício de sua
capacidade reflexiva.
Mas como definir o currículo mínimo? Existe um
conhecimento mínimo? Assumir a existência de um
conhecimento mínimo, seria aceitar, em contrapartida, a
existência de um conhecimento máximo. Sendo assim,
poderíamos pensar na existência de um limite para o
conhecimento. Entretanto, o conhecimento é algo infinito e
pela sua infinitude estamos em sua contínua busca. Logo,
trazemos novamente o pensamento freiriano de educação
continuada, ou seja, devemos aprender por toda vida,

113
inclusive quando nos tornamos educadores pois educar
exige respeito aos saberes dos educandos (FREIRE, 2014)
A universidade é um centro de geração e transmissão
do conhecimento. Mas seria esse o seu único papel ou
função central? Como esse conhecimento é compartilhado?
Para aqueles que se encontram matriculados na busca de
um diploma que lhes dêem o direito do exercício de uma
profissão, esse conhecimento é definido, em grande parte,
pela carga horária das disciplinas nas matrizes curriculares.
Não é incomum ouvirmos professores aludindo que o que
define a diferença de uma mesma disciplina que é
ministrada para cursos diferentes, ou, uma disciplina que
tenha tido a carga horária reduzida, seja o grau e/ou o nível
do conteúdo que será transmitido. Novamente aparece em
questão a palavra ―conteúdo‖. Penso então, que se temos
uma carga horária "x" o educando receberá "x" de
conhecimento, em outras palavras, conteúdo. Caso esta
carga horária se reduza pela metade, o educando então
receberá "x/2". Isso é inaceitável do ponto de vista
pedagógico. A essência desse pensamento é o conteudismo e
não a reflexão.
Logo, não pode ser a carga-horária o fator
determinante do conteúdo programático e/ou do currículo
mínimo. Mas então, qual seria o conteúdo a ser trabalhado
em sala de aula? Ou, não seria o conteúdo apenas uma
faceta de um todo cujo objetivo maior, primeiro e central é a
busca do conhecimento e sua consequente reflexão?
Paulo Freire evoca a visão bancária da educação,
onde o educando é visto como um depósito bancário, aquele
que recebe, passivamente, as informações transmitidas pelo
professor e este último, como o detentor do conhecimento
(FREIRE[1996] 2014). Centrar a aula na transmissão do
conhecimento é colocar o professor, como aquele que detém
e é, a única fonte do saber. Não detemos em absoluto o
conhecimento e tão pouco somos, hoje, a única fonte para
os educandos, sobretudo com todos os avanços tecnológicos

114
que dispomos no mundo contemporâneo. A partir do
momento que o foco da aula passa a ser a busca do
conhecimento, o professor deixa de ser aquele que o detém e
assume o seu verdadeiro papel de orientador, colaborador,
direcionador, a peça chave nessa jornada construtivista. O
educando deve ser instigado à busca do conhecimento,
através de contextualizações que mimetizem o seu futuro
profissional e, sem nos esquecermos jamais, que a vida se
dá em sociedade e, portanto, essa educação deve servir a
uma coletividade. Se dedicando à pesquisa e a leitura, a sala
de aula passará a ser um local de discussão e reflexão, onde
educando e educador, juntos, trabalharão nessa caminhada.
Não é a quantidade de assuntos abordados durante a
aula que definirá a sua excelência, mas sim que o educando
aprenda à reflexão, a discussão e a contextualização dos
seus conhecimentos adquiridos. Todo conhecimento deve
ser contextualizado dentro do seu futuro âmbito
profissional, bem como no âmbito social em que se
encontram. Para isso, o professor deve entender a realidade
social dos seus educandos. E Freire (2014) nos mostra que
ensinar exige saber escutar e compreender que a educação é
uma forma de intervenção no mundo. A convivência em sala
de aula, em um ambiente acolhedor, com a pluralidade de
idéias e as discussões em grupo proporcionarão um terreno
fértil para o fortalecimento das práticas éticas e morais. O
trabalho em grupo e o concomitante uso de ferramentas
tecnológicas (internet) serão excelentes mecanismos de
tornar a aula universitária mais atraente.
O professor catedrático, que subestima a capacidade
de um educando recém-chegado à Universidade, de
construir seu próprio aprendizado, tantas vezes
contrariando os padrões tradicionais (do simples para o
complexo, do concreto para o abstrato), ignora a realidade
de nossos jovens da era tecnológica, afinal muitas grandes
descobertas foram, a princípio, grandes impossibilidades.

115
A essência da educação universitária está em: como
conduziremos a discussão em sala de aula. Nosso papel é o
de aprofundar a discussão, nutrir a reflexão com base na
vida e na futura profissão do educando e nunca esquecer o
seu primordial papel na sociedade como agente
transformador. A universidade é o terreno fértil para que
sejam exploradas possibilidades, para que o aluno dê início
a um processo reflexivo que irá perdurar por toda a sua
vida.
Como apresentado por Calleja (2008) a concretização
efetiva desse processo deve se dar por meio de uma
integração entre as disciplinas (interdisciplinaridade), em
que o educando sinta que todas, em seu conjunto, são
significativas para ele poder enfrentar o seu cotidiano de
vida atual e futuro. É assim que se poderá estabelecer uma
relação afetiva com o conteúdo, mas isso depende muito da
atitude e das habilidades profissionais do educador. Daí a
nossa importância como docente nesta educação
continuada do Ensino Superior.
Retomando um dos conceitos de Nóvoa, a sociedade
do conhecimento provoca uma fragmentação deste,
acentuando o papel do professor como construtor de
sentidos e pontes. Devem ser formados professores
capacitados a uma ―transposição deliberativa‖ dos saberes
para que saibam planejar, enfrentar dilemas e estar apto às
imprevisibilidades do aprendizado, para que então
conduzam os alunos ao jogo pedagógico que lhes convêm
(NÓVOA, 2003).
Como exemplo podemos pensar: todos os educandos
dos cursos compreendidos dentro das Ciências da Vida e da
Saúde merecem e precisam ter o conhecimento dos
processos biológicos com iguais possibilidades de discussão
e reflexão e em graus diversos de aprofundamento desses
conteúdos. Cabe ao professor/educador conduzir esta
reflexão considerando a futura atuação profissional do
educando e a carga horária necessária destinada a este

116
trabalho em sala de aula. Não é o conteúdo (ementa,
currículo mínimo e conteúdo programático) que norteará o
aprendizado do educando, mas a reflexão sobre a inserção
do conhecimento dentro da sua futura profissão, pois o
contrário disso seria se afundar no conteudismo.
Quando uma matéria básica é ministrada para
diferentes cursos de uma mesma área, ela se nomeia
"aplicada" a alguma profissão. Para que se faça jus a este
propósito é preciso trazer a realidade dessa profissão para a
sala de aula, apresentá-la ao estudante e criar condições
para que ele descubra, por si só, o conteúdo que lhe é
pertinente. Evidentemente que a presença do professor é
fundamental neste processo educativo como orientador
dessa busca. Essa contextualização não deve ser
interpretada como uma explanação, ao final das aulas
conteudistas, de determinados exemplos que ilustram o que
foi apresentado. Uma pessoa minimamente escolarizada
pode perceber a importância da matemática para a
construção de pontes e edifícios e concluir que esse
aprendizado deve ser parte integrante e fundamental dentro
dos cursos de engenharia. Mas não basta apenas
exemplificar, é preciso refletir sobre ―como‖ o conhecimento
matemático se interpõe à sua futura atividade profissional.
Não é preciso ser médico para pensar sobre o
universo médico. Não é um diploma específico que nos
autoriza a pensar no universo daquela profissão. O que nos
autoriza é a capacidade reflexiva, uma formação geral
adequada e liberdade de pensamento. Mas como esperar
que um estudante de engenharia compreenda de maneira
mais motivante a função dos algoritmos sem contextualizá-
los no dia a dia de sua futura profissão? O que o logaritmo
tem a ver com o pH das soluções? O que a matemática tem
a ver com uma partitura musical? A reflexão sobre as
implicações e aplicações do conhecimento nas diversas
áreas é o âmago da verdadeira aula e tarefa imperativa do
professor.

117
Será que para compor uma música é imprescindível,
antes de tudo, conhecer as sete notas musicais, com seus
sustenidos e bemóis? Será que para sovar um pão é
necessário conhecer todos os diferentes tipos de farinhas?
Já não estaria este conhecimento no âmbito do
aperfeiçoamento? E a vontade de aperfeiçoar-se não seria
fruto de uma reflexão e compreensão de que tal
conhecimento é o que permitirá ao educando avançar e
expandir as suas possibilidades de mudança e de fazer
diferente? Não somos depósitos de conhecimento, mas sim
peças fundamentais na geração deste. Cada educando, em
um processo particular de busca, vai trilhando o seu próprio
caminho e definindo o seu aprendizado.
O aluno busca então o conhecimento apropriado ao
seu futuro profissional, com liberdade e autonomia e é neste
cenário que o educador exerce seu papel fundamental, o de
conduzi-lo nesta busca do conhecimento. Não se trata de
tarefa fácil. É muito mais simples definir um conteúdo
(currículo mínimo) e transmiti-lo. Mas isso definitivamente
não é educação. Isto é um aprisionamento de ideias
pontuais, descontextualizadas, que vagam solitárias pelas
mentes dos educandos. Prisão é a total falta de liberdade e
sem liberdade não há igualdade e tão pouco autonomia. A
aula universitária não pode se limitar a esta função.
Repensar a educação se deve ao fato de refletir que,
os métodos utilizados não estão sendo capazes de formar
cidadãos que possam transformar nossa sociedade em algo
mais aceitável do ponto de vista sociológico. De nada
adianta ilustres engenheiros construindo câmaras de gás,
capazes de exterminar populações inteiras em campos de
concentração. De nada adianta exímios cirurgiões traficando
órgãos ou jovens estudantes sonhadores partindo para a
guerra. Se for assim, resta duvidar deste tipo de educação.
O pensamento é livre. A reflexão é livre. O homo
sapiens é o homem que sabe; sabe que nada sabe e que
para saber é preciso buscar e, que nessa busca, os

118
caminhos vão se abrindo, enquanto se puder pensar. Penso
numa universidade na qual os ali inseridos não se limitem à
simples reprodução e aplicação dos aprendizados, mas uma
universidade capaz de permitir que o conhecimento
repassado seja alimento para fortalecer os estudantes como
atores de um meio, de tal forma que compreendam a sua
própria realidade com o propósito de transformá-la,
favorecendo majoritariamente a sociedade. Entender a
educação como um processo que não se finda, em que a
universidade esteja sempre aberta e a favor da sociedade e
cujo ensino considere a realidade social do aluno e de seu
entorno. Nunca nos esquecendo que considerar não significa
aceitar a sua realidade, mas tê-la como ponto de partida,
expandindo o universo do aluno para que ele consiga
compreendê-la, experimentá-la e modificá-la.
Dependemos profundamente de processos educativos
para a nossa sobrevivência e da reflexão para a nossa
existência. Os processos pedagógicos devem estar em
consonância com o tecido social e têm como tarefa elaborar
o indispensável amálgama para a vida coletiva. A
universidade em sua prática educativa deve conduzir o
educando a um lugar diferente do que ele está, visto que
este é o significado exato da palavra educação. No meio de
um processo em que ensino e aprendizagem adquirem uma
conotação diferente, ante o desenvolvimento científico e
tecnológico, o papel do professor segue reafirmando-o como
condutor ou guia principal deste processo (CORTELLA,
2011, p. 42).
Temos a opção de tentar mudar, pois o melhor
caminho surge sempre da conquista de uma nova tentativa.
Esta é a importância da atividade docente. Este é nosso
desafio. Mas como professores, temos um compromisso com
o futuro, sobretudo, o de acreditar nele. E finalizo com um
convite do pensamento freiriano: ―ensinar exige consciência
do inacabamento‖.

119
Referências

CALLEJA, José Manuel Ruiz. Os professores deste século.


Algumas reflexoões. Revista Institucional Universidad
Tecnológica Del Choco: Investigación y Desarrollo.
2008;27(1):109-117.

CORTELLA, Mario Sergio. A Escola e o Conhecimento –


fundamentos epistemológicos e políticos. São Paulo: Cortez,
2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – Saberes


necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2014.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 2014.

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. São Paulo: Paz e


Terra, 2011.

NÓVOA, António. Novas disposições dos professores – A


escola como lugar de formação. Salvador, 2003.
* Adaptação de uma conferência proferida no II Congresso
de Educação do Marista de Salvador (Baía, Brasil), em Julho
de 2003. O texto é transcrito com a autorização do autor.

NÓVOA, António. Educação 2021: para uma história do


futuro. 2009. http://hdl.handle.net/10451/670

120
As aproximações da pedagogia transformadora de Paulo
Freire com a práxis coletiva de revista estudantil,
comunitária e democrática

Millena Miranda Franco, Beatriz Marques Paiva, Giulianna


Ramalho Osteti, Nathalia Rodrigues Pinheiro da Silva, Beatriz
Hitos Silva, Giovanna Ramalho Osteti, Pyetra Stephannie
As aproximações da Costa
Rodrigues

pedagogia transformadora
de Paulo Freire com a práxis
coletiva de revist a estudantil,
comunitária e democrática

Millena Miranda Franco


Beatriz Marques Paiva
Giulianna Ramalho Osteti
Nathalia Rodrigues Pinheiro da Silva
Beatriz Hitos Silva
Giovanna Ramalho Osteti
Pyetra Stephannie Rodrigues Costa

doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4.8

121
Introdução

Projetos educativos inspiradores podem servir como


exemplos concretos de ideais teóricos de grande relevância
para o campo educacional. No presente artigo, buscamos
sistematizar o desenvolvimento de um periódico estudantil
na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
agenciado por estudantes.
A revista Futuro do Pretérito se baseia na pedagogia
de Paulo Freire que visa o diálogo, a construção conjunta de
conhecimento entre e com os leitores, o desejo de
conscientização de classes, o anseio por uma transformação
social e o reforço da democracia. As publicações da revista
se baseiam e buscam a linguagem mais acessível possível de
modo a contemplar todos e os mais diversos tipos de
leitores, aproximando-se da realidade da comunicação.
O principal intuito da revista, dito pelo seu próprio
nome - Futuro do Pretérito - é conhecer e analisar o passado
de modo que se possa projetar um futuro mais situado e à
altura da atualização histórico-cultural (PARO, 2010). Os
editores acreditam na educação como base para construir
diálogo entre as sociedades civis e um futuro que não repita
os mesmos erros do passado, assumindo como finalidade a
promoção da ação-reflexão-ação enquanto ciclo de trabalho
transformador e emancipador da sociedade.
A Futuro do Pretérito busca promover escuta ativa a
todas as pessoas, incluindo professores da própria FE-USP,
estudantes da faculdade, professores de escolas públicas,
educadores de espaços não escolares e toda comunidade
externa. A revista é feita por estudantes e desenvolvida sob
a luz do conceito de práxis em Paulo Freire, orientado pelos
princípios da humanização, dialogicidade, problematização,
conscientização e emancipação. Em parceria com a
Faculdade de Educação de Kwazulu-Natal na África do Sul,
a revista atravessou oceanos para trocar experiências e
interligar comunidades.

122
Dentro da bibliografia concernente aos periódicos
estudantis no Brasil, encontram-se estudos voltados mais
especificamente para escritas de estudantes em periódicos
escolares (BASTOS, 2013; TORRES, NASCIMENTO, 2018) e
vinculados aos ideários dos movimentos estudantis (ALVES
et.al., 2013; BASTOS, 2013; TORRES, NASCIMENTO, 2018).
Em contrapartida, a experiência específica vivenciada na
revista Futuro do Pretérito da FE-USP possui algumas
nuances como, por exemplo, consistir numa publicação
híbrida que publica artigos científicos e divulga eventos
educativos, sujeitos que participam da construção da
identidade institucional da FE-USP e outras, além de
amplas discussões importantes ao campo da educação.
Nesse sentido, a experiência apresentada enuncia-se
como uma plataforma de encontro entre as identidades e
diferenças (SILVA, 2000), de valorização da
interculturalidade (CANDAU, 2008), da intercomunicação
coletiva pensada para a educação inclusiva (CAMARGO,
2017), da democracia como prática pedagógica (DEWEY,
1979; FREIRE, 1967) e do trabalho como princípio educativo
(GRAMSCI apud. MORAES, 2015) à medida que atua no
sentido contra-hegemônico da educação e concebe a força
de trabalho coletivo como motriz para a transformação e
atualização histórico-cultural (PARO, 2010).
Para compreender mais sobre o projeto é preciso
reconhecer a situação inicial, o ponto de partida que levou a
sua construção. Ao largo desse processo é possível
identificar aspectos muito importantes e que se aproximam
da práxis tematizada por Paulo Freire nos círculos de
cultura e na conformação das bibliotecas populares entre os
anos 60 e 80 (FREIRE, 1989), que apontam para a
necessidade de reconhecimento das palavras geradoras e
sua potência enquanto instrumento de luta social, do
universo vocabular dos escritores e leitores, dos
mecanismos necessários para a intercomunicação coletiva e

123
a organização do trabalho horizontal, dialógico, político e
democrático.

Origem e instalação do projeto

A revista Futuro do Pretérito, criada por Millena


Miranda em outubro de 2019, idealizava homenagear o
Centro de Memória da Educação - USP, o aniversário de 50
anos da FE-USP e 60 anos da Escola de Aplicação (EA) e
divulgar oportunidades profissionais e acadêmicas.
Contudo, ao longo do tempo, tal projeto foi se
complexificando e assumindo novos contornos devido à
intercomunicação coletiva, ao estudo do contexto histórico,
político e social e à diversidade dos sujeitos que começaram
a integrar a organização do periódico.
Atualmente, a revista tem como mote divulgar
produções científicas produzidas por discentes da Faculdade
de Educação da USP tal como da comunidade externa,
apresentando linguagem visual e textual inclusiva e
acessível, além de estabelecer relações interinstitucionais e
internacionais, de modo a fazer com que as publicações
tenham maior alcance.
Quanto ao nome da revista, Futuro do Pretérito,
trata-se de um tempo verbal que indica incerteza e
indignação, sendo utilizado para se referir a algo que
poderia ter acontecido posteriormente a uma situação do
passado; e esse jogo de palavras pode ter muitos
significados. A revista busca mostrar a importância da
História da Educação contida e produzida pela FE-USP, mas
sobretudo visa a construção de um presente mais
consciente por meio da exposição do passado.
Essa reflexão quanto ao passado não se resume
apenas ao ambiente universitário, mas à construção
individual de cada um, que reverbera no presente e também
em seu futuro. O que cada pessoa faria? O que cada pessoa
modificaria em sua própria realidade, a partir do

124
desvendamento do passado? O que a história transformaria
em nossas vidas se ela fosse mais valorizada ou conhecida?
São reflexões como essas que a revista Futuro do Pretérito
busca promover.
Quanto às relações interinstitucionais e
internacionais, em outubro de 2020 integrantes da revista
se reuniram com as estudantes editoras da revista
estudantil sul-africana Creative Network produzida na
Faculdade de Educação da Universidade de KwaZulu-Natal
(UKZN) na África do Sul. O encontro integrou o calendário
da Semana Global de Letramento Midiático e Informacional
da UNESCO 2020, e essa parceria que teve início em abril
de 2020 está sendo decisiva para a cooperação internacional
entre FE-USP e UKZN, gerando grande impacto positivo.
Logo, a revista Futuro do Pretérito é instrumento
histórico, coletivo, democrático e potente para a expansão
da FE-USP e de suas produções, bem como para
aproximação e inclusão de diferentes comunidades que
possam contribuir para a construção e transformação dessa
conceituada instituição formativa.

Humanização e Dialogicidade

O tempo é um tema bastante interessante de se


discutir quando se pensa sobre um periódico, visto que o
próprio nome dado a revista Futuro do Pretérito advém de
uma temporalidade. A revista é uma construção recente que
se dá em uma faculdade não tão recente assim, fundada em
1969, e que reconhece a importância de resgatar aquilo que
vem antes e por isso permite que o agora esteja
acontecendo, o que a coloca entre o que foi e o que será.
Esse resgate temporal e histórico é abordado desde a
primeira edição, e de distintas maneiras vêm se atualizando,
mas sem perder a valorização do conhecimento que pode vir
das mais diversas fontes e nos trazer evidências históricas
diversas sobre como o processo educativo tem funcionado

125
na faculdade e quem tem contribuído para que tal processo
seja possível. A Futuro do Pretérito é a primeira revista
divulgativa, histórico-científica e educacional feita por
estudantes na história da Faculdade de Educação da USP.
Com isso, o compartilhamento de histórias de
funcionários, professores, estudantes e comunidade externa
trazem consigo percepções, experiências e vivências
localizadas em tempos diferentes. Essa união de tempos em
um único periódico vem contribuindo para a construção
abrangente em significados, todos com o propósito em
comum de divulgar produções educacionais de maneira
acessível, dando voz a saberes por vezes ignorados e
mostrando o poder das memórias e histórias individuais e
coletivas.
Essa acessibilidade ultrapassa a barreira da
linguagem buscando, tal como postula Jacques Rancière
(1987), auxiliar no reconhecimento de que todo o
conhecimento é poderoso, não apenas aqueles que vêm das
produções acadêmicas, assim sendo: ―Les amis de l‟égalité
n‟ont pas à instruire le peuple pour le rapprocher de l‟égalité,
ils ont à émanciper les intelligences, à contraindre n‟importe
qui à vérifier l‟égalité des intelligences" (p. 12). A construção
de um passado com eventos históricos significativos é um
fator importante para que seja possível aos leitores situar-se
sobre o que está sendo dito, por quem está sendo dito e
como está sendo dito, podendo ou não deixar uma marca de
inspiração para eles. Compreendendo de onde a Faculdade
de Educação da USP e a revista vieram, é possível pensar
em criar uma base no imaginário popular e construir uma
transformação a partir de todos que fazem parte da
comunidade.
Pensando na democratização da ciência e tecnologia
para a sociedade, a revista atualmente recebe artigos
científicos produzidos por estudantes de licenciaturas,
graduação e pós-graduação, funcionários e comunidade
externa, fato que propicia grandes oportunidades e incentivo

126
para quem escreve, assim como oportuniza reflexões e
acesso a debates educacionais mais recentes para quem lê.
Do ponto de vista da cooperação internacional, a
revista Futuro do Pretérito tem fortalecido relações com
estudantes editores da revista estudantil Creative Network
da Faculdade de Educação da Universidade de KwaZulu-
Natal na África do Sul, elaborando coletivamente uma nova
agenda de debates que ocorrerão ao longo do próximo ano.
Assim, desde o começo da produção da revista, há
um esforço sincero em manter o trabalho com acessibilidade
e democratização e com iniciativas de investigação e
criticidade, de modo que as análises sejam cada vez mais
informativas e próximas ao maior número de pessoas dentro
e fora da FE-USP.

Problematização e conscientização

A revista Futuro do Pretérito carrega algumas


preocupações constantes em suas publicações. Algumas
delas estão relacionadas à essência democrática discutida
por Paulo Freire, que se constitui como um direito e um
dever para os cidadãos brasileiros. É um dever no sentido de
assegurar que todos tenham sua voz dentro da revista a
constituindo como uma publicação participativa com e para
os estudantes e toda a comunidade. O objetivo da revista
acaba por ser que toda e qualquer pessoa independente da
sua cor, etnia, classe social, religião, orientação sexual e
gênero faça parte desse movimento, de forma que suas
experiências, conhecimentos e história de vida possam ser
compartilhadas, reconhecidas e valorizadas.
Todas as pessoas são convidadas a participar e
compor a revista, geralmente conhecendo o trabalho por
meio de redes sociais, amigos e da página no site da FEUSP.
Dentro das próprias edições publicadas e nas redes sociais
há uma chamada para o público enviar seus artigos para a
revista; tudo acontecendo de forma gratuita e com auxílio de

127
mais de trinta voluntários que, atualmente, integram o
projeto.
Outro ponto importante que faz parte das discussões
de todas áreas da revista Futuro do Pretérito- Direção
Editorial, Vice-Direção Editorial, Conselho Editorial,
Revisão, Diagramação e Assessoria de Imprensa e
Divulgação- se trata da linguagem utilizada nos artigos e
demais publicações que compõem o trabalho. Preza-se por
uma linguagem acessível, importante para que o maior
número de pessoas tenha acesso aos conteúdos
publicizados.
A não partidarização tem igual relevância nesse
contexto, uma vez que as redações são politicamente
posicionadas a favor da efetivação do direito à educação
pública, gratuita e de qualidade para todas as pessoas, e
buscam não privilegiar determinado grupo em detrimento de
outros. Desta forma, inspirados na concepção proposta por
Paulo Freire, uma das intenções declaradas pelos
estudantes editores da revista é que ela seja cada vez mais
coletiva, democrática, emancipatória e comunitária,
abarcando a diversidade, a multiplicidade de culturas
existentes no Brasil e no mundo e reconhecendo todas as
vozes.
A Faculdade de Educação da USP apoia
significativamente a Futuro do Pretérito, viabilizando assim
a ideia que nasceu em outubro de 2019, materializando-a e
tornando-a possível, sendo validada e respaldada pela
direção e corpo docente da faculdade. Cada vez mais
pessoas conhecem a criação da revista Futuro do Pretérito, o
que para os editores e para a comunidade interna e externa
da USP tem sido motivo de grande alegria.
É possível verificar o impacto positivo das
publicações devido às conexões que estão sendo construídas
entre as comunidades e os retornos advindos do público.
Trabalha-se para que a revista sempre seja um instrumento

128
potente para a expansão do conhecimento produzido na FE-
USP e sua produção, bem como para a aproximação de
diferentes comunidades à faculdade. Esse é um trabalho
construído por muitas mãos e olhares pautados na
responsabilidade e compromisso social por uma educação
cada vez mais igualitária e acessível.

Emancipação

A emancipação se dá pela ideia de um indivíduo que


se torna livre ou independente de algo ou alguém; mais
especificamente com base nos estudos de Paulo Freire é um
processo de libertação em que os oprimidos e os opressores
se libertam política, social, cultural e humanamente, de
maneira que as pessoas se emancipem através de meios
sociais como a educação.
A práxis como luta contínua para a libertação
através de uma educação libertadora é o único meio de
assegurar a emancipação em relação às distintas formas de
exclusão, opressão e dominação encontradas no mundo
neoliberal, conforme em Freire (2000). A emancipação é a
principal conscientização para liberdade e cidadania em prol
da efetivação da democracia, e parte de uma busca por
transformação social, que deve ser política, ao passo que as
relações entre política e emancipação, bem como educação,
são essenciais.
A articulação entre política e educação é capaz de
transformar realidades, como demonstrado por Freire
(1989), ao objetivar elucidar que a prática política não pode
ser esvaziada de significado educativo, bem como que a
neutralidade da educação é um mito que acaba por ser
benéfico para o lado opressor, pois auxilia na manutenção
do sistema:
Do ponto de vista crítico, é tão impossível
negar a natureza política do processo
educativo quanto negar o caráter
educativo do ato político. Isto não

129
significa, porém, que a natureza política
do processo educativo e o caráter
educativo do ato político esgotem a
compreensão daquele processo e deste
ato. Isto significa ser impossível, de um
lado, como já salientei, uma educação
neutra, que se diga a serviço da
humanidade, dos seres humanos em
geral; de outro, uma prática política
esvaziada de significação educativa
(FREIRE, 1989, p. 15).
Freire (1981) disserta sobre uma pedagogia que
defende a emancipação dos sujeitos em busca de uma
reconstrução, de modo que não só os oprimidos se libertem,
mas também os opressores, através de uma pedagogia
alicerçada em diálogos. Os oprimidos só poderão ser libertos
quando houver uma ruptura na estrutura social, que se
baseia nas desigualdades. Para Paulo Freire é necessário
que haja consciência de classes e organização da sociedade
para que isso possa ocorrer.
Os lugares ocupados na divisão social do trabalho
devem ser alterados para que se converta a condição de
explorado e explorador, assim como de oprimido e opressor.
As condições de vida dos oprimidos podem ser modificadas a
partir da mudança de lugares que ocupam economicamente
ao apoiar-se em práticas emancipatórias.
Ao pensar em educação e emancipação o autor
justifica suas possibilidades e tensões, além de suas
potencialidades para a libertação das práticas educativas,
mostrando a existência de educadores que tenham práticas
críticas com enfoque na luta; mas também aqueles
responsáveis pela contribuição involuntária de práticas de
dominação através da educação bancária, em que os
educadores ocupam o lugar ativo de possuidores do
conhecimento e os estudantes ocupam passivamente o lugar
de objetos daquele ensino.

130
Para a educação ser libertadora os educadores
devem reconhecer os educandos enquanto sujeitos do
processo - agentes ativos - e confirmar que o conhecimento
não pode ser visto como algo imutável que possa ser
transferido do professor para o aluno, mas sim como algo
construído em conjunto. As práticas libertadoras, além de
ensinar conteúdos, conscientizam por meio da participação
horizontal entre envolvidos nos processos educativos, que
devem ser reconhecidos como inseridos nas lutas em relação
à opressão. Conforme evidencia,
Tanto no caso do processo educativo
quanto no do ato político, uma das
questões fundamentais seja a clareza em
torno de a favor de quem e do quê,
portanto contra quem e contra o quê,
fazemos a educação e de a favor de quem
e do quê, portanto contra quem e contra
o quê, desenvolvemos a atividade política.
Quanto mais ganhamos esta clareza
através da prática, tanto mais
percebemos a impossibilidade de separar
o inseparável: a educação da política.
Entendemos então, facilmente, não ser
possível pensar, sequer, a educação, sem
que se esteja atento à questão do poder
(FREIRE, 1989, p. 15-16).
O ensino crítico precisa ser conscientizante para que
seja libertador; que entra em divergência à educação
sistemática, com práticas que favorecem a formação dos
sujeitos para a reprodução das estruturas sociais e
manutenção da ordem imposta pelos indivíduos
dominantes. É papel de educadores críticos ensinar e
problematizar os significados das situações em conjunto
com seus educandos ao reconhecer a realidade opressora,
ouvir e objetivar a libertação através de processos formativos
para a autonomia dos sujeitos.
Dizer-lhes sempre a nossa palavra, sem
jamais nos expormos e nos oferecermos à
deles, arrogantemente convencidos de
que estamos aqui para salvá-los, é uma

131
boa maneira que temos de afirmar o
nosso elitismo, sempre autoritário. Este
não pode ser o modo de atuar de uma
educadora ou de um educador cuja
opção é libertadora (FREIRE, 1989, p.
17).
A revista Futuro do Pretérito se baseia na práxis de
Paulo Freire quanto à emancipação. Acredita-se que os
autores da revista não podem ocupar os cargos de
educadores ativos e que o público seja passivo na questão
do conhecimento. O conhecimento não é algo que possa ser
transferido, mas sim construído. Preza-se por uma revista
libertadora, que trate os leitores horizontalmente.
A revista é sobre educação, que é a chave e o meio
para a libertação dos indivíduos. É necessário emancipação
para tal, que é o foco buscado pelos editores da Futuro do
Pretérito. Busca-se com o periódico lograr transformação
social e política, além de fortalecer a democracia, visando a
libertação de oprimidos e opressores.
A Futuro do Pretérito se posiciona politicamente, pois
a neutralidade diante das situações acaba por beneficiar o
lado do opressor e a manutenção do sistema de
desigualdades que vivemos. A revista busca sempre estar do
lado dos oprimidos, mas querendo libertar também os
opressores, a fim de contribuir e ser agente de uma
mudança efetiva na sociedade para promover a igualdade
almejada.
A prática emancipatória da Futuro do Pretérito
busca conscientizar a população em geral acerca de seus
papéis na sociedade, a fim de promover através do diálogo
entre os autores da própria revista e com os leitores uma
transformação social. A revista baseia-se no diálogo, que é
visto como fundamental pelos editores para tornar sua
construção e alcance mais próximos do público.
Observa-se respostas positivas em relação à práxis
emancipatória da revista, vinda de interações com os

132
leitores da própria FE-USP e da comunidade externa. O
público declara se sentir parte da Futuro do Pretérito e que
esta é muito acessível. Isso parte do princípio norteador de
que tanto editores quanto leitores são sujeitos agentes e
pacientes do saber, haja vista que o conhecimento é
construído em conjunto, seja entre os próprios editores ou
entre os editores e os leitores, que são parte ativa da
construção do periódico.
Todos os sujeitos são partes ativas do processo de
criação e da construção de conhecimento da revista,
tornando a Futuro do Pretérito não só horizontal, popular e
democrática entre os estudantes da FE-USP, FFLCH-USP e
IFSP-Salto, mas também entre a comunidade externa à nível
nacional, abrangendo principalmente educadores. A revista
surgiu da vontade da comunidade da FE-USP de criar uma
plataforma de intercomunicação coletiva, e devido ao seu
alcance agora essa mídia multiplataforma é expandida
internacionalmente, criando um ambiente de diálogo
horizontal, de consciência de classe, de caráter
emancipatório e de libertação de todos indivíduos.

Considerações finais

De modo geral, o projeto apresentado como


desenvolvedor da práxis coletiva comunitária e democrática
traz a potente oportunidade de trabalho pedagógico a partir
da imprensa estudantil. Faz-se importante considerar que a
práxis em Paulo Freire - concebida aqui como um processo
composto pelos princípios de humanização, dialogicidade,
problematização, conscientização e emancipação - não deve
ser vista como um movimento unilinear, visto que é
impossível construir uma hierarquia de complexidade entre
os vetores constituintes do conceito, dado o fato de que
tratam-se de princípios dinâmicos que encavalam-se,
sobrepõem-se e reorganizam-se ao longo da experiência de
cada indivíduo.

133
Um dos traços mais marcantes tanto dentro da
proposta de trabalho discutida ao longo do artigo, quanto na
práxis freiriana, é a necessidade de diálogo e escuta ativa,
com vistas a promover o ensino-aprendizado mútuo e
emancipatório. Nesse engodo, a imprensa estudantil
apresentada, embora não esteja partidariamente vinculada,
é politicamente posicionada a favor da efetivação do direito à
educação pública, gratuita e de qualidade para todos. Com
vistas a contribuir nas reflexões que permeiam tal campo e
na condição de meio de divulgação, ela defende sua
aproximação com a práxis freiriana pelo fato de promover
oportunidades acadêmicas e profissionais, produções
científicas e tecnológicas de estudantes e professores,
valorizar a história e memória de vida dos sujeitos que
compõem a identidade institucional da FE-USP e a
construção do periódico, e abdicar do academicismo na
linguagem com vistas a fazer com que diferentes públicos
possam acessar os textos.
A experiência editorial na vida dos estudantes que
participam da sua elaboração também permite ampla gama
de experiências nas quais emerge ―a possibilidade de os
seres vivos aprendem não apenas diretamente do e com o
seu meio natural, naturalmente, mas uns com os outros e
uns entre os outros, culturalmente‖ ( RANDÃO, 2006). Por
meio natural, entende-se a realidade de vida de cada sujeito
e o contexto sob e sobre o qual operam.

Referências

ALVES, Hercules Alfredo Batista; MEDEIROS, Daniel Amaro


Cirino de; COELHO, Marina Souza; PERES, Sara Duarte.
Jornais e Revistas Estudantis (1861-1967): O que Diziam
Esses Jornais? Quais os Possíveis Ideários Estudantis?. In:
E-LOCUÇÃO (Revista Científica da FAEX). 3ª Edição. Ano
2. 2013. Disponível em:
<https://faex.edu.br/_arquivos/_revistas/45754500137167
4217_6.pdf>. Acesso em: 06/07/2021.

134
BASTOS, Maria Helena Camara. Escritas Estudantis em
Periódicos Escolares. In: Hist. Educ. (Online). Porto Alegre,
v. 17, n. 40. Maio/ago. 2013, p. 7-10. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/heduc/a/g7jfPkBBvhQmkqxxpLG
SkcP/?lang=pt&format=pdf>. Acesso em: 07/07/2021.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação Popular?


Vol. 318. Coleção Primeiros Passos. 1 jan. 2006. Disponível
em:
<http://ifibe.edu.br/arq/201509112220031556922168.pdf
>. Acesso em: 03/07/2021.

CAMARGO, Eder Pires de. Inclusão Social, Educação


Inclusiva e Educação Especial: Enlaces e Desenlaces.
Editorial. In: Ciênc. Educ., Bauru, v. 23, n. 1, p. 1-6, 2017.
Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/ciedu/a/HN3hD6w466F9LdcZqH
hMmVq/?lang=pt&format=pdf>. Acesso em: 05/07/2021.

CANDAU, Vera Maria. Direitos Humanos, Educação e


Interculturalidade: as Tensões entre Igualdade e Diferença.
In: Revista Brasileira de Educação v. 13 n. 37 jan./abr.
2008.

DEWEY, J. Democracia e Educação: Introdução à Filosofia


da educação. São Paulo: Nacional, 1979.

FREIRE, Paulo. A importância do Ato de Ler: em Três


Artigos que se Completam. 23a edição, 1989.

FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. Ed.


Paz e Terra, 1967.

FREIRE, Paulo. “Pedagogia da Indignação” - Cartas


Pedagógicas e outros Escritos. São Paulo: Ed UNESP, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 9. ed. Rio de


Janeiro: Paz & Terra, 1981.

MORAES, Carmen Sylvia Vidigal. Trabalho como Princípio


Educativo. Santo André, Secretaria Municipal de Educação,
2015.

135
PARO, Vitor Henrique. Educação como Exercício do
Poder: Crítica ao Senso Comum em Educação. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2010.

RANCIÈRE, J. Le Maître Ignorant. Librairie Arthème


Fayard, 1987.

SILVA, Tomaz Tadeu da; HALL, Stuart; WOODWARD,


Kathryn. Identidade e Diferença: a Perspectiva dos
Estudos Culturais. Tomaz Tadeu da Silva (org.). Petrópolis,
RJ: Vozes, 2000.

TORRES, Carla Michele Ramos; NASCIMENTO, Maria Isabel


Moura. Os Impressos Estudantis e a História da Educação.
In: Rev. HISTEDBR On-line, Campinas, v.18, n.2 [76], p.
462-482, abr./jun. 2018.

136
A Pedagogia da autonomia em tempos pandêmicos:
desafios e contemporaneidade no discurso freiriano

Mariela Vilella, Nora Machalous

A Pedagogia da autonomia em
tempos pandêmicos: desafios e
contemporaneidade no discurso
freiriano

Mariela Vilella
Nora Machalous

doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4.9

137
Nossas primeiras palavras...

Iniciamos esse capítulo, reverenciando o legado de


Paulo Freire e propondo uma breve análise da vivacidade de
suas reflexões, frente ao cenário pandêmico atual. Assim
como Freire, privilegiamos o pensamento crítico do leitor,
destacando a relevância dessas contribuições para o
enriquecimento da temática.
A escolha das obras Pedagogia da Autonomia (1996)
e Pedagogia e Política (2001) justificam-se pela maneira
acessível e clara como Freire apresenta aspectos essenciais
da práxis pedagógica, pois: ―A questão da formação docente
ao lado da reflexão sobre a prática educativo-progressiva,
em favor da autonomia do ser dos educandos‖ é a temática
central abordada por ele (FREIRE, 1996, p. 14). Nosso
intuito foi discorrer sobre o caráter emergencial imposto às
escolas, em que destacamos algumas considerações acerca
da educação remota, a exigência para que professores e
alunos mudassem radicalmente suas posturas e de como
essas práticas rompem com os principais preceitos
freirianos.
Nesse contexto, diante da heterogeneidade de
práticas e ―soluções de ensino‖, em que os saberes do
discente são desprezados, em detrimento de uma certa
―ordem‖ e ―currículo‖ centrados na normatização e
planificação do conhecimento, problematiza-se, assim, o
papel da educação, os saberes relevantes ao educando e a
desumanização do ato educacional. Isso se concretiza em
materiais didáticos prontos, que instigam pouco ou nenhum
pensamento crítico, pois na ânsia de entregar à sociedade
um modelo de educação que coubesse nesse formato,
muitos profissionais foram levados a uma mera reprodução
do modelo pedagógico presencial.
Então, as novas formas de ensinar na educação
básica , especialmente no que diz respeito à adaptação e
superação dos desafios, por docentes e discentes, trazem os

138
preceitos freirianos, mais do que nunca, para a discussão
atual das mudanças de paradigmas impostas pelo Covid-
19.

A dodiscência e a práxis pedagógica

Pensando, portanto, que os professores e as


professoras tiveram que repensar a sua práxis pedagógica,
não basta transferir o formato das aulas presenciais para o
formato de aulas virtuais ou híbridas. A ―dodiscência‖,
conceito criado por Paulo Freire ao juntar os termos
docência e discência, traz-nos o conceito do educador que
está sempre disposto a aprender com o que faz e com o
próprio aprendiz.
A 5ª Geração Tecnológica, de conexão contínua e
comunicação móvel, segundo Santaella (2012) já alcançou
praticamente a sociedade toda. A escola, como instituição
social, não está à margem das transformações
socioculturais de sua época, pois tem a responsabilidade de
interpretar as transformações culturais, pedagógicas,
metodológicas e instrumentais, para, assim, serem
utilizadas na prática docente.
Assim, a prática pedagógica renova e desafia a
realização de um trabalho com diferentes possibilidades e
diversificadas estratégias didáticas, a fim de abandonar os
preceitos da sala de aula tradicional, ao expandir os
espaços, como a cibercultura propõe, tornando-os híbridos.
Segundo Levy (2002, p. 245):
Na era dos meios eletrônicos, a igualdade
é considerada uma possibilidade para
todos transmitirem para todos; a
liberdade é objetificada por meio de
programas de codificação e acesso
transfronteiriço a várias comunidades
virtuais; fraternidade, enfim, ela
transpira na interconexão global.

139
Os alunos estão muito mais imersos na comunicação
móvel, de forma que a dodiscência se torna ainda mais
presente e necessária. O professor do analógico migrou para
um ambiente totalmente virtual, porém uma parcela
significativa nunca havia trabalhado neste formato e teve
que se adaptar, teve que aprender. Por outro lado, os
professores aprendem com os alunos a utilização de uma
série de recursos tecnológicos, configurando-se como uma
real parceria. É justamente disso que Paulo Freire fala
quando afirma que ―quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender‖ (FREIRE,1996. pg 25).
Podemos aqui pensar em exemplos concretos, como alunos
ajudando na projeção de apresentações, durante as aulas
virtuais, ou auxiliando no uso de alguns aplicativos.
Por outro lado, a posição do docente deve ser uma
postura crítica e de rigorosidade metódica, pois de forma
nenhuma pode ser apenas a transferência do formato
presencial para o virtual. Os docentes devem, neste novo
formato, ainda mais do que no formato presencial, ter uma
postura questionadora, pois―...não tem nada que ver com o
discurso ―bancário‖ meramente transferidor do perfil do
objeto ou do conteúdo‖ (FREIRE 1996, pg. 25). Com a
mudança do formato, a eleição dos conteúdos a serem
ministrados transformou-se drasticamente, já que a
oferta na WEB é de um volume inimaginável.
O acesso sem limite trouxe uma responsabilidade
ainda maior, que é a de se respeitar a autoria. Conforme
Paulo Freire (2001, p. 63):
O nosso testemunho de seriedade nas
citações ou nas referências que fazemos a
autores de quem discordamos ou com
quem concordamos ou, pelo contrário, a
nossa irresponsabilidade no trato dos
temas e dos autores, tudo isso pode
interferir de maneira negativa ou positiva
na formação dos estudantes.

140
A prática de ensinar exige pesquisa e, na situação
atual, com o advento da WEB, essa postura por parte do
docente torna a curiosidade epistemológica crucial para a
prática docente. De acordo com Freire (1996), essa
curiosidade epistemológica faz parte de um esforço contínuo
do professor, em busca do compromisso com a consciência
crítica do educando. Há muito material pronto disponível e o
risco de lançar mão a este conteúdo de forma
indiscriminada é real, se o docente não tiver a postura
crítica e ética para realizar pesquisas, muitas vezes
trabalhosas, mas necessárias.
O docente deve, portanto, ter ―...a curiosidade
ingênua, de que resulta indiscutivelmente um certo saber...‖
(FREIRE, 1996). Mas, ao mesmo tempo que o docente deve
pesquisar, ser curioso, ele tem que ter respeito pelo saber
dos educandos. Os alunos com acesso à WEB conseguem
ter conhecimentos que podem e devem ser compartilhados
entre eles. A postura do professor não pode ser o de
―sabedor‖ de tudo, e sim de parceria, de ser alguém que,
como diz Freire, corporifica as suas palavras pelo exemplo.
―Pensar certo é fazer certo‖. (FREIRE, 1996, p. 38).
Isto pode ser novamente exemplificado pela questão
da autoria. Frequentemente os alunos, com acesso ilimitado
ao conteúdo da WE , tomam ―conteúdos emprestados‖ sem
a devida citação dos autores. O docente deve ser exemplo e
ao utilizar material de outros professores ter rigor na citação
da autoria.
O ato de ensinar exige, antes de mais nada, também
ética e respeito pelo saber do aluno, pois, segundo Freire,
cada aluno tem uma experiência social individual e esta
deve ser respeitada, levando essa perspectiva em
consideração, no momento de se trabalhar os saberes
curriculares. Desse modo, todo e qualquer tipo de
discriminação teve ser rejeitada e um exemplo concreto é o
conhecimento que cada aluno tem em relação ao uso dos
diferentes usos da WEB, possibilitando um trabalho

141
colaborativo, juntamente com o desenvolvimento da
autonomia dos educandos.

O currículo e a práxis pedagógica

Ao considerarmos os postulados freirianos, em que


aprender é transformar e que toda educação é política, pois
educar exige liberdade, diversidade e ética, constatamos, no
contexto pandêmico, a relevância e urgência da mudança de
paradigmas .Isso tanto em relação ao papel do professor, no
processo de ensino-aprendizagem, quanto à concepção do
sistema educacional como um dispositivo de reprodução de
―verdades‖ e ―poder‖.
Segundo Agamben (2011), o dispositivo ―é a rede que
se estende entre estes elementos (...) tem sempre uma
função estratégica específica, que está sempre inscrita
numa relação de poder, resulta da intersecção das relações
de poder e saber‖. Sob esse prisma, a escola, mais do que
nunca, não pode e não deve ser mais um mecanismo
simples de transferência mecânica de conhecimento, pois
segundo Bruner (Bruner,1999, p. 10)
Nem a escola nem a educação podem ser
entendidas como meros veículos para
transmitir as habilidades básicas
necessárias para ganhar a vida ou
manter a competitividade econômica dos
respectivos países. Para que essa
dimensão econômico-tecnológica de
nossa civilização seja viável, ela tem que
ser incorporada em um contexto cultural
humano que a sustente.
A definição de conhecimento também se torna uma
problemática que permeia a composição dos currículos, no
exercício do Ensino remoto, pois a ―escolha‖ dos conteúdos
torna-se despida de coerência e reflexão metodológicas.
Segundo Silva (SILVA, 2000, p. 12).
...o currículo é visto como um processo
de racionalização de resultados

142
educacionais, cuidadosa e rigorosamente
especificados e medidos. O modelo
institucional dessa concepção de
currículo é a fábrica. Sua inspiração
―teórica‖ é a ―administração científica‖, de
Taylor. No modelo de currículo de
Bobbitt, os estudantes devem ser
processados como um produto fabril. No
discurso curricular de Bobbitt, o
currículo é supostamente isso: a
especificação precisa de objetivos,
procedimentos e métodos para a
obtenção de resultados que possam ser
precisamente mensurados ...
Está claro que esse modelo de currículo não
corresponde ao real objetivo da educação, pois não respeita
o conhecimento de mundo dos estudantes, tornando o
conteúdo das disciplinas algo estanque e acabado, posto que
tudo já foi dito e explicado. Para Freire (Freire, 2001, p. 63):
Os professores não ensinam apenas os
conteúdos. Através do ensino deles,
ensinamos também a pensar
criticamente, se somos progressistas e
ensinar para nós, por isso mesmo, não é
depositar pacotes na consciência vazia
dos educandos‖.
Para Giroux (1997) a escola e o currículo constituem-
se como uma ―esfera pública democrática‖, pois,
segundo ele, é no ambiente escolar que os estudantes
exercem suas habilidades democráticas, problematizando e
desempenhando papéis questionadores do status quo,
buscando distanciar-se do obscurantismo do senso comum.
Nesse sentido, para Foucault (2007) este ―regime de
verdade‖ tem como lógica ―a verdade do mercado‖ e a escola,
como instrumento político, desempenha um papel que
interessa ao Estado, na medida em que o próprio Estado
não é um dispositivo e depende da Escola para a imposição
de suas verdades.

143
O sistema escolar como dispositivo pressupõe várias
decisões e ações políticas que nada têm a ver com questões
pedagógicas. Desde o seu surgimento até os dias de hoje, é
utilizado como instrumento de normalização, pois ao
planejar a maneira de pensar de um povo o faz aceitar as
coisas como são. No entanto, visa garantir a passividade dos
indivíduos como parte fundamental para o cumprimento de
seus objetivos. Assim, na construção dos sistemas
escolares, estabelece mecanismos de controle, utilizando um
currículo baseado nas expectativas capitalistas de produção,
distantes de práticas pedagógicas humanistas e éticas.
Para Freire, (Freire, 2001, p. 36):
[...] por isso que transformar a
experiência educativa em puro
treinamento técnico é amesquinhar o que
há de fundamentalmente humano no
exercício educativo: o seu caráter
formador. Se se respeita a natureza do
ser humano, o ensino dos conteúdos não
pode dar-se alheio à formação moral do
educando. Educar é substantivamente
formar.
Portanto, é explícita a multiplicidade de fatores que
impedem que, no contexto pandêmico atual, o ensino
remoto contenha todos os elementos indispensáveis a uma
educação de qualidade, posto que mesmo antes essas
condições ideais eram distantes. O que se pode defender é o
compromisso, sempre revisto e acordado, do professor que
respeita a autonomia dos estudantes, utiliza o bom senso
em suas escolhas, assumindo sua incompletude quanto aos
saberes. Assim, essa constante revisão da apreensão da
realidade deve ser dividida com os alunos, o que demonstra
humildade e tolerância. Segundo Freire, (FREIRE, 2001, p.
71).
A intolerância é sectária, acrítica,
castradora. O intolerante se sente dono
da verdade, que é dele. Não é possível
crescer na intolerância. O educador

144
coerentemente progressista sabe que
estar demasiado certo de suas certezas
pode conduzi-lo a considerar que fora
delas não há salvação.
Sem dúvida, é mister observar como Paulo Freire, ao
defender essa ― consciência de inacabamento‖ do ser
humano, volta-se para a impossibilidade de homogeneização
da educação e de suas práticas.
Na atual conjuntura, em que professores veem-se,
repentinamente, distantes de sua prática habitual, torna-se
imperativa a reflexão e a formação contínua desses
docentes, o que, infelizmente, não acontece com a
frequência desejada. Isso porque, assumindo a educação
como interação e cooperação, deparamo-nos com a
ineficiência de acesso à internet, indispensável para que
essa interatividade se concretize, e de ausência de políticas
públicas em educação, com o intuito de suprir essas
lacunas.

Considerações finais

A escola foi surpreendida com mudanças bruscas


das práticas e mecanismos habituais, evidenciando as
fragilidades do sistema educacional atual. Nesse contexto,
os docentes como profissionais em contínua aprendizagem,
ao migrarem para as plataformas virtuais, adaptaram-se a
esses novos formatos, porém, enfrentando obstáculos
quanto ao domínio dessas ferramentas tecnológicas e à
escolha de um currículo adequado. Se antes da pandemia,
já se fazia necessária a formação tecnológica dos
profissionais da educação, isso concretizou-se ainda mais
na contemporaneidade.
O uso da digitalidade, no processo ensino e
aprendizagem, tem modificado a práxis metodológica na
pandemia, possibilitando aos alunos tornarem-se, cada vez
mais, co-autores e protagonistas de seu próprio
aprendizado, em que o professor é um mediador e não

145
detentor do conhecimento, pois novos contextos exigem
novos papéis na educação.
Sob esse prisma, a dodiscência, como linha
condutora de uma postura para a práxis pedagógica, torna-
se indispensável ao papel do docente, a saber,o desafio de
estar em constante atualização, para uma educação ética,
libertadora e progressiva.

Referências

AGAMBEN, Giorgio (2011). O que é um dispositivo? In:


Sociológica, ano 26, número 73, pp. 249-264 de maio a
agosto de 2011.

BRUNER, Jerome. 1. Mente Cultura y Educación 2.


Pedagogía Popular 4. Enseñar el presente, el pasado y lo
posible. 6. Narraciones de la ciencia. 8. El conocimiento
como acción. Em: La educación puerta de la cultura.
Madrid, Visor, 1996.

FREIRE, Paulo. Política e Educação . 5. Ed. São Paulo:


Cortez, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 3ª. Ed. São


Paulo: Paz e Terra, 1996.

FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica. Buenos


Aires: Fundo de Cultura Econômica, 2007.

GIROUX, H. A. Os professores como intelectuais. Porto


Alegre: Artmed, 1997.

LEVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2010.

SANTAELLA, L. Navegar no ciberespaço. O perfil cognitivo


do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2014.

SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma


introdução às teorias do currículo. 2ª Ed.- Belo Horizonte:
Autêntica, 2000.

146
SILVA, J. M. da. Educação em tempos de Covid-19: desafios
e possibilidades. In: LACERDA, T. E. de; TEDESCO, A. L.
[Org.]. A emergência da educação e do currículo na
cultura digital em tempos de pandemia e
distanciamento social. Curitiba: Bagai, 2020.

147
Paulo Freire: desmistificando os lugares-comuns

José Renato Polli

Paulo Freire:
desmistificando os lugares-comuns

José Renato Polli

doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4.10

148
Introdução

Alguns setores da mídia já vinham alimentando,


desde fins da década de 2000, o repúdio ao pensamento de
Paulo Freire, abordando sem nenhum rigor jornalístico ou
teórico, distorções conceituais, de ideias e práticas de Paulo
Freire que são tomadas como motivos para este repúdio à
sua obra. Episódio de grande repercussão foi a publicação,
em agosto de 2008, em um órgão da imprensa escrita, a
Revista Veja, de uma matéria comparando a popularidade
de Paulo Freire a de outros pensadores de renome e
constatando o ―absurdo‖ da discrepância entre os nomes
citados:
Muitos professores brasileiros se
encantam com personagens que em
classe mereceriam um tratamento mais
crítico, como o guerrilheiro argentino Che
Guevara, que na pesquisa aparece com
86% de citações positivas, 14% de
neutras e zero, nenhum ponto negativo.
Ou idolatram personagens arcanos sem
contribuição efetiva à civilização
ocidental, como o educador Paulo Freire,
autor de um método de doutrinação
esquerdista disfarçado de alfabetização.
Entre os professores ouvidos na
pesquisa, Freire goleia o físico teórico
alemão Albert Einstein, talvez o maior
gênio da história da humanidade. Paulo
Freire 29 x 6 Einstein. Só isso já seria
evidência suficiente de que se está diante
de uma distorção gigantesca das
prioridades educacionais dos senhores
docentes, de uma deformação no espaço-
tempo tão poderosa, que talvez ajude a
explicar o fato de eles viverem no passado
(APP SINDICATO, 2019, Online).
A matéria mereceu uma carta da educadora Ana
Maria Araújo Freire, esposa de Freire, jamais publicada.
Estes elementos indicam que já havia uma ―arquitetura da
destruição‖ e de descaracterização da obra de Paulo Freire,

149
acentuando o uso de seu nome como referência para
justificar, oito anos depois, a investida em projetos de lei
que sugeriam a necessidade de uma ―escola sem partido‖.
Tais iniciativas fundamentam-se em postulados estes sim
arcaicos, a suposta neutralidade científica e a neutralidade
política.
Beisegel (2010) faz lembrar que, desde a publicação
da Pedagogia do Oprimido, obra escrita em 1968, o educador
vinha sendo questionado por grupos mais sectários do
campo marxista, que o consideravam idealista, verbalista,
que estaria perdendo-se num discurso ontológico que
propõe o amor, diálogo, esperança, humildade e simpatia.
Freire os acusava de incapazes para o diálogo democrático.
Há, evidentemente, no bojo destas tentativas de
desqualificação, aquilo que Balduíno Andreola (2013)
aponta:
Este fenômeno de memória necrófila com
relação a grandes personalidades nossas
foi oficializado, em vários momentos de
nossa história, por regimes autoritários e
repressores, na forma de ritos macabros
de satanização, mediante os quais
cidadãos e cidadãs eminentes, com
atuação altamente reconhecida, como
intelectuais, artistas políticos ou
lideranças populares, foram julgados
como traidores, destituídos de suas
funções e condenados ao cárcere, ao
exílio ou então ao anonimato dos
cemitérios clandestinos. Isso não é
imaginação, são fatos sobejamente
conhecidos (ANDREOLA, 2013, p. 93).
Com o avanço de grupos conservadores e
ultraconservadores nos últimos anos, este clima se
intensificou. O recurso às novas tecnologias da informação,
mesmo que, com as restrições legais e controles sociais
engendrados na resistência para o combate às chamadas
―Fake News‖, a voracidade dos ataques a pessoas, ideias e
grupos progressistas cresceu vertiginosamente. Blogs,

150
páginas em redes sociais, que abrigam ―opiniões‖
articuladas propositalmente, fizeram de Paulo Freire um dos
alvos preferidos de ataques.
Há uma série de ―lugares-comuns‖, propalados como
verdades, que apesar de não encontrarem respaldo na
realidade, ganham força como mecanismos de
desqualificação. Nossa intenção é indicar alguns destes
―lugares-comuns‖, e a eles contrapor com conhecimentos
que partem da experiência acadêmica e prática acumulada
por tantos estudiosos das ideias de Freire.
Destacamos a seguir o que consideramos ser mais
enfático, no dizer dos grupos conservadores, nestes
processos de desqualificação.

Paulo Freire é um teórico doutrinador

Talvez o mais comum dos lugares-comuns atribuídos


a Freire seja o de que suas teorias se constituem como
mecanismo de doutrinação e restrição da liberdade de
pensamento. No entanto, há em seus próprios escritos
elementos de análise que desmistificam este parecer. Em
processo de lançamento de uma nova biografia, dentre as
muitas que já foram publicadas, o educador Sérgio Haddad,
defendeu em recente entrevista ao jornalista Wellington
Ramalhoso, do portal UOL (2018, Online), que ―(…) nunca,
em nenhum momento dos seus escritos e da sua prática,
advogou a ideia de ser favorável à doutrinação política ou
partidária dos alunos. Ao contrário, sempre defendeu o
respeito e o diálogo entre a diversidade de opiniões.‖
Paulo Freire já deixava claro em sua obra Medo e
Ousadia, publicada em forma de diálogo com o educador
americano Ira Shor, que sua perspectiva educacional é por
natureza em favor de uma radicalidade democrática.
Sobre o direito de iniciar a transformação
da consciência, só poderia resumir o que
já disse sobre manipulação, dominação e

151
liberdade, e, depois acrescentar mais
alguma coisa. Eu disse que o educador
libertador nunca pode manipular os
alunos e tampouco abandoná-los à
própria sorte. O oposto da manipulação
não é laissez-faire, nem a negação da
responsabilidade que o professor tem na
direção da educação. O professor
libertador nem manipula, nem lava as
mãos da responsabilidade que tem com
os alunos. Assume um papel diretivo
necessário para educar. Essa diretividade
não é uma posição de comando, de ―faça
isso‖ ou ―faça aquilo‖, mas uma postura
para dirigir um estudo sério sobre algum
objeto, pelo qual os alunos reflitam sobre
a intimidade de existência do objeto.
Chamo essa posição de radical
democrática, porque ela almeja a
diretividade e a liberdade ao mesmo
tempo, sem nenhum autoritarismo do
professor e sem licenciosidade dos alunos
(FREIRE; SHOR, 1986, p. 203)
Freire também alertava, em 1959, quando da
aprovação de sua tese para a cadeira de História e Filosofia
da Educação na Escola de Belas Artes de Pernambuco,
denominada Educação e atualidade brasileira, que há uma
distinção a ser feita entre uma consciência transitiva crítica
e uma consciência transitiva ingênua, caracterizada pela
(…) simplicidade na interpretação dos
problemas, idealização do passado,
transferência acrítica da
responsabilidade e da autoridade,
subestimação do homem comum,
inclinação ao gregarismo característico
da massificação, impermeabilidade à
investigação, gosto acentuado pelas
explicações fabulosas, fragilidade da
argumentação, forte teor de
emocionalidade, desconfiança de tudo
que é novo, gosto não propriamente do
debate, mas da polêmica, explicações
mágicas, tendência ao conformismo
(FREIRE, 2001, p. 30-31).

152
A uma atualidade destas características nas formas
de combate ao próprio pensamento de Paulo Freire. Desde
aquele momento, o educador já indicava caminhos para a
efetiva prática coletiva da construção de conhecimentos
sólidos para entender a realidade, quando propunha uma
consciência transitiva de feição crítica:
A transitividade crítica, pelo contrário, se
caracteriza pela profundidade na
interpretação dos problemas. Esta
modalidade de consciência transitiva
teria como características a ―substituição
de explicações mágicas por princípios
causais‖; o teste dos achados e a
permanente disposição a suas revisões; a
disposição ao abandono de preconceitos
na análise dos problemas; o esforço por
evitar deformações; a recusa à
transferência de responsabilidade, a
―recusa por posições quietistas‖; a
―segurança na argumentação‖; ―o gosto
pelo debate‖, uma ―maior dose de
racionalidade‖; a aceitação de arguições;
a ―apreensão e receptividade a tudo o que
é novo‖. Seria também marcada pela
aceitação da massificação como um fato,
e ao mesmo tempo pelo esforço dirigido à
humanização do homem. (id.)
No entanto, as condições para o florescimento desta
consciência crítica só se dariam em realidades históricas
propícias. Diferentemente do que se propaga, a perspectiva
ético-política da pedagogia de Freire funda-se nas liberdades
individuais e numa consciência sobre o estar no mundo,
uma consciência histórica que se elabora nas práticas de
diálogo autêntico e qualificado para a superação das
condições pessoais e coletivas perversas. A escola é um
espaço onde se constituem práticas de engendramento de
elementos radicais de democratização e fomentação da
esperança, por meio do diálogo qualificado, como futuro a
ser inventado, por meio de um novo ethos, a humanização,
processo permanente de construção existencial e social.

153
Paulo Freire é o responsável pelo fracasso da educação
brasileira, devido à utilização de seu método

Diante da falácia de que a utilização do suposto


―método freiriano‖ na educação brasileira teria levado ao seu
―fracasso‖, os críticos demonstram desconhecer duas
questões: 1. As políticas de educação no Brasil sempre se
inspiraram em modelos que não foram imaginados no
Brasil. O tecnicismo, o discurso das competências e
habilidades, fundamentaram tais políticas. Apenas
recentemente, a partir da década de 2000, Paulo Freire é
tomado entre muitas outras referências, como um dos
inspiradores de uma educação como direito social e
subjetivo, mas nunca elaborou um método de ensino, a não
ser o método de alfabetização de adultos; 2. Paulo Freire,
portanto, nunca foi efetivamente utilizado na educação
básica brasileira, nem mesmo seu suposto método. As
inspirações teóricas de Freire não resultaram em método
específico, já que seus conceitos são utilizados de diferentes
maneiras para diferentes práticas educativas.
Corroborando com esta opinião, Raphael Silva
Fagundes e Wendel Barbosa, em artigo publicado no portal
Le Monde Diplomatique Brasil (2019, Online), afirmam que
―(…) apesar de ser inspirador e de ter se transformado em
patrono da educação brasileira, suas ideias (as de Freire),
são usadas pontualmente, e não como uma política pública
aplicada ao sistema educacional brasileiro como um
todo.‖ No mesmo artigo, os autores fazem menção aos
estudos de José Eustáquio Romão, professor do programa
de pós-graduação em Educação da Uninove, um estudioso
da obra de Paulo Freire, para quem os problemas da
educação brasileira são, ao contrário, justamente porque as
ideias de Paulo Freire não são aplicadas. Não haveria tantos
problemas de compreensão do mundo e seus problemas,
tantos preconceitos e discursos discriminatórios disfarçados
de opinião, diz o autor.

154
Paulo Freire não é conhecido e utilizado em nenhum
lugar do mundo

Lugar-comum que já esteve até na boca de um


ministro da educação, esta falácia se esfarela no ar diante
dos dados apresentados a seguir. José Eustáquio Romão,
numa entrevista concedida a Camila Costa, da BBC Brasil
(2015, Online), reforça que as ideias e o método de
alfabetização foram usados como base de políticas públicas
em diversos países: Finlândia, Coréia do Sul (onde se
desenvolve o maior evento internacional sobre Paulo Freire),
Japão, Cuba, Hungria, País Basco, Mongólia.
Durante uma de nossas passagens por Portugal,
verificamos que em vários momentos da história da
educação daquele país o método de alfabetização de Paulo
Freire foi utilizado na prática, especialmente no processo da
Revolução dos Cravos, com a alfabetização de camponeses
pelo Movimento Graal, nas comunidades rurais do entorno
da cidade de Coimbra. As políticas de educação de adultos
naquele país nos momentos posteriores à revolução, foram
inspiradas nas ideias de Paulo Freire, relacionando a
formação escolar com o trabalho, em diversas atividades no
interior.
Elliott Green, professor associado da London School
of Economics analisou menções nos trabalhos disponíveis
na ferramenta Google Scholar, onde a Pedagogia do
Oprimido de Freire aparece como a terceira obra mais
citada, superando pensadores como Michel Foucault e Karl
Marx.
Nas mais importantes universidades do mundo há
referências sobre Paulo Freire. Há meios para constatar esta
assertiva e verificar que nas instituições como as
universidades de Oxford, Cambridge, Massachusetts
Institute of Technology, California Institute of Technology,
Harvard, Princeton, Yale, Imperial College London, Chicago,
Zurich, Johns Hopkins, Pennsylvania, College of London,

155
California-Berkeley, Columbia, California-Los Angeles, Duke
University, Cornell University, Michigan.
Também há projetos e homenagens em
desenvolvimento inspirados em Paulo Freire nas
Universidades de Tucson-Arizona, Lancashire Central-
Londres, Universidade do Porto, no Centro Paulo Freire de
Viena, Universidade Chapman-California, Centro Paulo
Freire da Finlândia, Universidade de KwaZulu-África do Sul,
Universidade Paulo Freire de Manágua-Nicarágua,
Universidade de Coimbra-Portugal, Universidade Lusófona
de Humanidades e Tecnologia de Lisboa. Além disso,
existem os Centros de Estudos em Paulo Freire na
Finlândia, África do Sul, Áustria, Alemanha, Holanda,
Portugal, Inglaterra, Itália, Estados Unidos.
Se consideramos atividades pedagógicas realizadas
em escolas de educação básica, apontamos as experiências
realizadas na Revere High School, em Massachusetts, que
foi considerada em 2014 a melhor escola de ensino médio
dos Estados Unidos. Também em Kosovo, jovens
acadêmicos criaram um projeto de ciência cidadã para
monitorar condições ambientais. Um dos mais recentes
exemplos é o da Escola Exalt Youth, uma instituição de
ensino e orientação profissional para crianças e jovens em
situação de conflito com a justiça, que realiza parcerias com
empresas para ressocializar jovens em situação de conflito,
que homenageou Paulo Freire dando nome a uma de suas
salas.
Há uma Cátedra Paulo Freire em Sevilha, com vários
estudiosos da educação se dedicando ao pensamento
freiriano, por meio de eventos e publicações. Na
Universidade de Genebra, onde Paulo Freire lecionou,
eventos constantes são organizados para celebrar suas
contribuições para a educação naquele país e no mundo.
Em 1994, Paulo Freire recebeu um de seus títulos de doutor
honoris causa na Universidade de Barcelona.

156
Ainda é possível constatar a existência de
organizações não governamentais, como o Centro Popular de
Cultura e Desenvolvimento, Cooperativas educacionais
(Colégio Paulo Freire Jundiaí), cursos de formação de
professores e agentes educativos (Curso de extensão em
Educação Não Formal da FA-UNICAMP, em Limeira), do
Instituto Paulo Freire, de escolas privadas (Colégio Santa
Cruz), de escolas públicas (Escola Estadual Rural Taylor-
Egídio), do Movimento Dos Sem Terra e de projetos em
empresas (Projeto Alfabetização Cidadã-Samsung) que se
baseiam nas ideias de Paulo Freire.
Ana Maria Araujo Freire (2006, p. 498) identificou,
até 2005, a existência de 303 escolas com o nome de Paulo
Freire: 47 estaduais, 190 municipais, uma distrital, uma
federal, uma do Movimento dos Sem Terra e 63 privadas.
Além disso, espalhados pelo mundo, 13 teatros, 14
diretórios acadêmicos, 33 praças e logradouros, 8
bibliotecas, 7 cátedras, 30 centros de pesquisa. Freire
recebeu também 6 prêmios importantes e 122 homenagens.
Há também 12 medalhas, condecorações e prêmios com o
nome de Paulo Freire, concedidos por várias organizações
espalhadas pelo mundo. Paulo Freire recebeu 39 títulos de
Doutor Honoris Causa em diferentes universidades no Brasil
e no exterior, 4 outros títulos honoríficos e 9 títulos de
doutor Honoris causa não recebidos devido à doença e
morte. Recentemente, a Faculdade de Educação da Unicamp
homenageou seu ex-professor, dando seu nome ao seu
edifício principal.

Paulo Freire é um autor marxista-comunista

Mesmo que não consigam estabelecer diferenças


entre o significado dos termos que empregam (comunismo,
socialismo e marxismo), os detratores de Paulo Freire o
identificam como um autor vinculado ao marxismo-
comunismo-socialismo. No entanto, Freire está entre
aqueles intelectuais que transitam, em decorrência dos

157
processos históricos mais amplos, nos campos das ideias
democráticas, cristãs e socialistas. Nunca foi um dogmático
seguidor do marxismo ortodoxo, embora tenha utilizado
conceitos e instrumentais de análise marxistas a partir da
Pedagogia do Oprimido.
Em sua obra ―História das Ideias Pedagógicas no
rasil‖, Dermeval Saviani faz uma análise detalhada dos
fundamentos filosóficos do pensamento de Paulo Freire, a
partir da publicação da obra ―Educação como prática da
liberdade‖, publicada originalmente em primeira edição
brasileira em 1967. Nesta obra, Freire apresenta sua ―teoria
do trânsito‖, com pares de conceitos opostos entre si,
tentando demonstrar a transição de uma condição para
outra, como por exemplo, da domesticação para a
libertação, da acomodação para a integração, do antidiálogo
para o diálogo, da consciência transitivo-ingênua para a
consciência transitivo-crítica. O trabalho educativo, neste
caso, consistiria em contribuir para a passagem de uma
consciência ingênua para uma consciência crítica (SAVIANI,
2019, p. 322-325)
No bojo das preocupações de Freire estão o desejo
pela democratização da sociedade brasileira, a superação
dos processos de massificação e o aprimoramento de um
trabalho educativo com vistas à conscientização. No método
de alfabetização criado por Freire, define-se a
intencionalidade de que seja ―ativo, dialogal, crítico e
criticizador‖ (Idem, ibidem)
A centralidade do ponto de partida do método e o
universo cultural dos educandos, sua leitura de mundo.
Nesta fase, Freire está conectado às condições
objetivas do período que se convencionou chamar de
nacional-desenvolvimentista e as suas influências teóricas
são claramente o personalismo cristão de Emmanuel
Mounier e as ideias de conscientização e mudança que

158
partem dos intelectuais brasileiros ligados ao ISEB (Instituto
Superior de Estudos Brasileiros).
Durante a elaboração de sua obra referencial, a
Pedagogia do Oprimido, Freire inclina-se para a filosofia
dialética e o marxismo, acolhendo contribuições de autores
diversos, considerando a dialética hegeliana e várias
expressões do pensamento marxista como instrumentais
importantes para a análise das condições de opressão.
Também estão presentes, autores ligados à psicanálise e ao
existencialismo. A ideia do ―máximo de consciência possível,
conceito de Lucien Goldman proveniente da matriz
lukacsiana, se traduz no pensamento de Freire como `
―inédito viável‖, formulado a partir da ―situação-limite‖, de
Jaspers, reinterpretado por Álvaro Vieira Pinto (…) ` (Idem,
p. 332)
Saviani argumenta que apesar de toda a referência a
autores diferentes da primeira fase, na Pedagogia do
Oprimido prevalece a filosofia personalista e o Solidarismo
Cristão, que em Freire assumirá características diferentes de
sua expressão decorrente da doutrina social da igreja
católica, para se transformar na base do que se constituiu
posteriormente o discurso teológico da libertação (Idem, p.
332-333)
Na última fase de sua produção intelectual, já nos
anos 90, alguns autores situam o pensamento freiriano no
campo da Teoria Crítica da Sociedade. É o que faz Henry
Giroux, ao considerá-lo ―pai da Pedagogia Crítica‖. Um
encontro de Paulo Freire com o filósofo alemão Jürgen
Habermas estava previsto para aquele ano de 1997, mas
jamais aconteceu, devido à morte de Habermas. Vários
estudos no Brasil promovem uma aproximação entre Freire
e Habermas nos campos da democratização da sociedade,
da ética, dos direitos humanos e da educação (POLLI, 2013,
p. 116)

159
Considerações finais

Além dos lugares-comuns apontados nesta reflexão,


há vários outros que merecem ainda ser elucidados
criticamente em outra oportunidade. Neste momento
interessava mais, didaticamente, apresentar os meios
teóricos e práticos de se responder a afirmações sem
seriedade, demonstrando que há uma fragilidade enorme
nestas tentativas de desqualificação, mesmo que elas
ganhem grandes proporções e causem efeitos muito
negativos na desconstrução das ideias de Freire. Mas estes
mecanismos de oposição política a Freire sempre existiram.
Ele sempre foi alvo de críticas, sobretudo provindas dos
grupos conservadores, que o levaram inclusive à prisão e ao
exílio durante 15 anos.
Seu lugar no conjunto das ideias pedagógicas
progressistas, no entanto, está assegurado, tanto no Brasil
como no exterior. Mais como inspiração, do que de forma
prática. Os efeitos práticos, mesmo que existam, sobretudo
no Brasil, são ainda insuficientes. Até as políticas de
educação mais afeitas ao seu ideário, carecem de levar a
sério aspectos relevantes de sua obra. Alguns continuam a
vê-lo, inclusive no campo das esquerdas, como um
sonhador. A sua não adesão aos dogmatismos teóricos
ainda é um elemento de crítica em ambientes acadêmicos.
Por outro lado, há elegâncias e considerações. Não nos
grupos conservadores, mas em pessoas e grupos mais
abertos e honestos intelectualmente.

Referências

ANDREOLA, Balduino. Atualidade de Paulo Freire. Revista


Educação On Line, no. 14, p. 89-104, ago/dez 2013.
Disponível em: http://educacaoonline.edu.puc-
rio.br/index.php/eduonline/article/view/43. Acesso em:
02.12.2019.

160
APP. SINDICATO. Viúva de Paulo Freire envia carta de
repúdio à Revista Veja. Disponível em:
https://appsindicato.org.br/?p=11770/. Acesso em 02.12.2019.

ARAUJO FREIRE, Ana Maria. Paulo Freire – uma história


de vida. Indaiatuba: Villa das Letras, 2006.

BEISEGEL, Celso de Rui. Paulo Freire. Recife:


MEC/Fundação Joaquim Nabuco/FNDE. 2010.

COSTA, Camila. Brasil nunca aplicou Paulo Freire, diz


pesquisador. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150719_entrevis
ta_romao_paulofreire_cc. Acesso em: 02.12.2019.

FAGUNDES, Rafael Silva; BARBOSA, Wendell. Por que o


sistema educacional brasileiro nunca adotou Paulo
Freire na prática? Edição 138, 03.01.2019. Disponível em:
03.https://diplomatique.org.br/por-que-o-sistema-
educacional-brasileiro-nunca-adotou-paulo-freire-na-
pratica/. Acesso em 02.12.2019.

FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. São


Paulo: Cortez/IPF, 2001.

FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e Ousadia: o cotidiano do


professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

POLLI, José Renato. Freire, Habermas e o horizonte da


emancipação. 2ª. Ed. Jundiaí: In House, 2013.

RAMALHOSO RAMALHOSO, Wellington. Entrevista com


Sérgio Haddad. Portal UOL. 22.12.2018. Disponível em:
www.educacao.uol.com.br/noticias/2018/12/22/ paulo-freire.
Acesso em: 20.01.2018.

SAVIANI, Dermeval. História das Ideias Pedagógicas. 5ª.


Ed. Campinas: Autores Associados, 2019.

161
A avaliação da aprendizagem numa perspectiva
dialógica e investigativa

Valéria Sperduti Lima e Luciano Gamez

A avaliação da aprendizagem numa


perspectiva dialógica e investigativa

Valéria Sperduti Lima


Luciano Gamez

doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4.11

162
Entrelaces conceituais à epistemologia freiriana

Os princípios teóricos subjacentes às teorias de


Paulo Freire nos convidam a estabelecer relações de
aproximação conceitual com teorias de outros educadores
que abordam a temática da avaliação dos processos de
ensino e de aprendizagem, e a partir do cruzamento dessas
leituras, apresentamos neste trabalho, uma concepção de
avaliação como um processo dialógico, porém destacando a
necessária rigorosidade metódica que envolve as
competências profissionais no exercício da docência.
Em seu livro Pedagogia da Autonomia (FREIRE: 2014
p. 89), Freire destaca que
[...] uma das qualidades essenciais que a
autoridade docente democrática deve
revelar em suas relações com as
liberdades dos alunos é a segurança em
si mesma. É a segurança que se expressa
na firmeza com que atua, com que
decide, com que respeita as liberdades,
com que discute suas próprias posições,
com que aceita rever-se.
Partindo dessa premissa, inserimos a avaliação como
parte do processo de educar, discutindo-a a partir de uma
visão de autoridade do professor integrada ao
desenvolvimento de sua competência profissional.
Acrescentamos a essa visão outros elementos importantes
ressaltados na práxis freiriana, como a escuta, o diálogo, o
comprometimento, a defesa dos interesses humanos, a
generosidade, a afetividade e, sobretudo, a alegria a serviço
da mudança.
Apesar do aparente foco no professor, colocamos
uma lupa sobre a escuta do aluno nessa concepção de
avaliação, caracterizada a partir de uma perspectiva
investigativa e dialógica. Freire deixa claro em sua obra que
é por meio da escuta que aprendemos a falar com o outro,
como sujeito ativo de uma fala crítica e não como objeto de

163
nosso discurso. Deste modo, a construção do conhecimento
é desenvolvida como possibilidade e não como
determinismo.
Meu papel fundamental, ao falar com
clareza sobre o objeto, é incitar o aluno a
fim de que ele, com os materiais que
ofereço, produza a compreensão do
objeto em lugar de recebe-la, na íntegra,
de mim. Ele precisa se apropriar da
inteligência do conteúdo para que a
verdadeira relação de comunicação entre
mim, como professor, e ele, como aluno
se estabeleça (Ibidem: p. 116).
Destacamos a importância do aluno assumir,
durante todo o seu percurso educacional, o papel de sujeito
da produção de sua compreensão de mundo, ou seja, uma
postura que o coloca na posição de protagonista do seu
próprio processo de aprendizagem. A partir dessa
perspectiva, procuramos entrelaces com outros autores para
apoiar nossa visão sobre a temática da Avaliação, sendo
nossa primeira preocupação tentar compreender a questão:
"Para que" e "para quem" avaliamos?
Partimos, inicialmente, da visão de Tyler (1974). Esse
autor também concebe a avaliação como uma ação que se
desenvolve concomitante ao ato de ensinar e de aprender,
com a finalidade de detectar até que ponto os objetivos
educacionais estão sendo alcançados pelas ações
desenvolvidas. De acordo com o planejamento da ação
educacional, a avaliação pode possibilitar o acesso a
informações importantes para o aperfeiçoamento da
qualidade do processo de educar.
Zabala (1998), por sua vez, discute as
particularidades na relação entre o objeto de avaliação e o
sujeito da investigação. Segundo ele, quando o sujeito da
investigação for o estudante, o objeto de análise deve
contemplar principalmente o processo de aprendizagem,

164
enquanto que, se o sujeito for o professor, a análise pode ser
mais direcionada ao processo de ensino.
Porém, Perrenoud (1999, p. 55) atenta ao fato de que
os conteúdos e os procedimentos adotados na proposta
avaliativa podem, em muitos casos, não ser
necessariamente a maneira ótima, mais eficaz ou mais
racional de alcançar os objetivos da avaliação, mesmo
quando estes são bem claros. Alertas a esse fato, recorremos
aos princípios apontados por Svinick e McKeachie (2012) no
que tange à definição dos objetivos da avaliação:
 ―O que é avaliado normalmente é o que acaba
tendo valor‖. Portanto, o planejamento do
professor deve considerar como atividades
avaliativas aquelas que representem as
principais metas de aprendizagem (Figura 1).

Figura 1– Relação entre atividade e metas de aprendizagem.

Atividade Metas de
avaliativa aprendizagem

 ―A avaliação é muito valorizada nos processos


educacionais como ato de atribuir nota‖. Essa
perspectiva aprofunda um pouco mais o que
consideramos no tópico anterior, sugerindo um olhar
cauteloso sobre o valor definido para cada atividade
avaliativa, de modo a considerar o seu grau de
importância no processo de aprendizagem da
disciplina/curso;

 ―Os professores também devem se beneficiar da


avaliação com enfoque na obtenção de informações e

165
feedback‖, tanto referente aos processos de ensino
como de aprendizagem a fim de refletir
continuamente sobre a ação de educar;
 ―É fundamental considerar a relação entre os
métodos de avaliação e suas metas‖ para que se
possa alcançar de forma mais eficaz os objetivos da
avaliação no processo educacional em questão;

 ―A auto avaliação e a avaliação pelos colegas podem


ser utilizadas como estratégias de emancipação na
aprendizagem‖, considerando o diálogo do estudante
com o processo de aprender;
 ―É importante o uso de diferentes estratégias de
avaliação para melhor compreensão dos processos
educacionais‖, tendo como suporte outras
perspectivas do mesmo fenômeno (o que chamamos
de Triangulação dos dados).
Numa proposta de educação centrada no estudante,
a definição das metas de avaliação dialoga com os objetivos
de aprendizagem, considerando-se conteúdos,
procedimentos, atitudes, competências e outros contextos
da ação educacional em questão. Para tanto, é importante
que se tenha clareza sobre as ações educacionais que
precisam ser desenvolvidas para apoiar os estudantes a
alcançarem os objetivos de aprendizagem traçados. Além
disso, recomendamos que no desenho dos processos
avaliativos se priorize o uso de estratégias de avaliação
formativa, que mantenham o diálogo com o processo de
ensinar e de aprender.
Por mais particularizado que seja o objeto de
investigação da avaliação, a ação educacional não pode ser
tratada como uma busca de informação em sentido único. O
diálogo entre as ações de ensino e de aprendizagem deve ser
constante e, deste modo, o confronto entre as estratégias de
ensino do professor e como estas dialogam com as

166
estratégias de aprendizagem dos estudantes (Figura 2)
precisam coexistir e se expressar com naturalidade por meio
da avaliação.

Figura 2 – Avaliação como expressão do processo educacional

Estratégias
do
professor

Estratégias
do aluno

Martins (2010) atenta para a Triangulação de


diferentes estratégias avaliativas na análise de uma prática
educacional, em busca de maior credibilidade à investigação
(Figura 3).

Figura 3 - Avaliação integrada entre sujeitos da ação educacional.

Aluno Professor

Gestão

O autor insere os processos de gestão na


triangulação da ação educacional, de modo a dialogar e
potencializar a proposta de ensino e de aprendizagem em
desenvolvimento.

167
Okada (2007, 2009, 2012) enriquece essa discussão
com o conceito de co-aprendizagem nos processos
educacionais, e dá ênfase aos ‗co-aprendizes‘ como parceiros
de um processo colaborativo de aprendizagem e da
construção dinâmica de significados e de saberes. Para
Okada; Meister & Barros (2013: p. 3) os rapidos avancos da
Web 2.0 potencializaram a coaprendizagem considerando-
se: as diversas vantagens de criacao e troca de conteúdos
gerados por usuarios; o rapido compartilhamento de
informacoes; a alta interoperabilidade; e o design centrado
na aprendizagem colaborativa e social em rede.
Como consequência, a avaliação manifesta-se como
importante estratégia para consolidar e aprimorar a co-
aprendizagem na rede por meio das diversas interfaces
digitais abertas. Neste cenário, decorrente do uso de
inovacoes tecnologicas nas estratégias de aprendizagem dos
estudantes, as autoras (idem) enfatizam a necessidade de se
discutir sobre novas abordagens para a avaliacao,
considerando inclusive os processos educativos que se dão
no contexto da educação aberta e em rede, tão presentes
atualmente nos contextos educativos.
Tanto a educação em rede como a educação por meio
de outras modalidades educacionais, necessitam que a
avaliação considere a análise do sujeito investigado
(professor, estudante, gestão dos processos educacionais)
integrada ao ato de educar.
Aproximamos para essa discussão as premissas de
Barkley, Cross y Major (2012, p. 22), quando discutem as
práticas colaborativas desenvolvidas por um coletivo, a
partir de um desenho intencional que valoriza o
comprometimento entre os participantes e considera, como
meta, gerar aprendizagens significativas sobre um
determinado tema ou contexto.

168
Avaliação dialógica e investigativa

Partindo desse breve entrelaço de concepções de


avaliação de diferentes autores, avançamos para a sua
expressão nas práticas educacionais, a fim de caracterizá-la
como um processo dialógico e investigativo. Para isso,
recuperamos as principais características da avaliação,
segundo Ângelo & Cross (1993), descrevendo-as em diálogo
com os autores e com as práticas que ilustram tais
características:
A. Centrada no estudante; D. Formativa;

B. Dirigida pelo professor; E. Específica ao contexto;

C. Mutuamente benéfica; F. Contínua.

A. Centrada no estudante

Na Figura 4 apresentamos os fundamentos


relacionados à característica da avaliação centrada no
estudante, em ordem sequencial e evolutiva:

169
Figura 4 - Fundamentos da avaliação centrada no estudante.

Potencialização das
aprendizagens (Foco
Acompanhamento: no aluno)
consquistas,
lacunas e
dificuldades. Aprimoramento
Definição dos didático (Ação do
Revisão dos professor)
objetivos de processos (Ação do
aprendizagem aluno)
para o aluno:
parciais e Acompanhamento,
gerais. disgnóstico e
(Ação do orientação no
professor) processo (Ação do
professor)

A participação da avaliação na definição dos


objetivos de aprendizagem para os alunos parte da escuta
desses alunos, desde o início, no planejamento pedagógico.
Embora o professor deva ter claro qual o seu propósito
educacional, poderá aproximá-lo à realidade e expectativas
dos estudantes. Poderá coletar informações que o ajudem no
redesenho e adaptação das estratégias educacionais de
forma a estabelecer um diálogo mais aproximado com os
alunos.
Apresentamos alguns exemplos de atividades
avaliativas que podem apoiar a participação do aluno na
adequação dos objetivos de aprendizagem:
a) Reflexão sobre o processo de aprendizagem.
Essa estratégia pedagógica pode ser desenvolvida
com finalidade de agrupar ideias, antecipar problemas ou

170
simplesmente colocar perguntas. Alguns caminhos de
perguntas:
- Perguntas especulativas (expectativas dos
estudantes).
- Perguntas que geram perguntas (o próprio
estudante formula questões referente ao seu processo de
aprendizagem).
- Perguntas reflexivas (fazem o estudante pensar
sobre suas novas aprendizagens e relações com situações
reais do cotidiano.
Na Figura 5, um exemplo de composição dessa
estratégia de atividade avaliativa:

171
Figura 5 - Atividade de reflexão sobre o processo de aprendizagem.
Prezado alun@

O diário de processo será utilizado nesta disciplina para as


reflexões pessoais de aprendizagem. Somente você e os
professores terão acesso aos apontamentos publicados neste
espaço.

O primeiro uso do diário será feito com o propósito de analisar a


disciplina de modo particular, buscando verificar:

1. Quais os temas que tenho mais afinidade e se


relacionam com os meus objetivos de formação.
2. Quais os temas que não tem relação com os meus
objetivos de formação e como pretendo me dedicar às
atividades propostas nestes temas.
3. Quais ciclos podem requerer maior dedicação aos
estudos.
4. Quais as dificuldades que prevejo para a realização da
disciplina e como pretendo superá-las.
5. Como pretendo me organizar para participar das aulas
online que requerem a minha participação em horário
definido (síncrona) e nas aulas online que posso atuar
com maior flexibilidade em determinado período
(assíncrona).
6. Como planejo me organizar com os colegas para a
realização de atividades coletivas.

Procure refletir sobre cada um destes itens e publique tais


reflexões neste espaço.

Bom trabalho!

b) Organização para os Estudos.


Na Figura 6 destacamos uma atividade aplicada no
início de uma disciplina, com a finalidade de apoiar o aluno
na sua organização pessoal.

172
Figura 6 - Atividade de organização para os estudos.

c) Atividade de apoio mútuo entre estudantes.


A Figura 7 apresenta uma atividade onde cada aluno
compartilha sua pesquisa sobre determinados conceitos e
realizam comentários nas publicações dos colegas, com o
propósito de contribuir com críticas construtivas.

173
Figura 7 - Atividade de apoio mútuo entre colegas.

A seguir, apresentamos outra atividade de apoio


mútuo, onde alunos compartilham produções de vídeo em
grupo, representativas de suas compreensões sobre
determinado tema. Cada grupo também deveria analisar a
atividade dos colegas sob sua ótica de compreensão da
temática.
As perguntas aos grupos:
- Vocês teriam valorizado no vídeo as mesmas
cenas apresentadas pelos colegas como representativas da
mensagem do texto lido?
- Caso não, qual o tema que teriam valorizado e
por que? Acreditam que o vídeo pode apoiá-los de algum
modo na construção das aprendizagens sobre o tema do
autor? Argumentem.
A Figura 8 ilustra a composição da atividade.

174
Imagem 8 - Atividade de análise dos trabalhos dos colegas.

B. Dirigida pelo Professor

A reflexão sobre esta característica das práticas


avaliativas parte da imagem abaixo (Figura 9), que destaca a
relação entre a escolha do instrumento de avaliação e a
definição de critérios da avaliação. Muitas vezes, associamos
a avaliação a mais de um critério de análise e definimos
pesos diferenciados a tais critérios na atividade, dependendo
das metas educacionais da atividade proposta para a
disciplina/curso.

175
Figura 9 - A característica dirigida pelo professor.

Instrumento Critérios de
de avaliação avaliação

Testes e provas; Tratamento dos conceitos


(nível de domínio, métodos
Projetos, artigos, textos de
de trabalho e
autoria;
procedimentos, processos
Atividades coletivas; intelectuais);
Autovaliação; Comportamentos
Avaliação sobre a associados (ética, relações
disciplina/curso; interpessoais, dedicação);

Avaliação construtiva das Atitudes colaborativas e/ou


atividades dos colegas; cooperativas;

Diários e portfólios. Coesão, coerência, estética.

C. Mutuamente Benéfica

É fundamental o diálogo entre as ações de ensino e


de aprendizagem por meio da interação entre as estratégias
de ensino do professor e como estas dialogam com as
estratégias de aprendizagem dos alunos. A avaliação é um
recurso importante para viabilizar a participação do aluno.
A Figura 10 procura representar os benefícios desse diálogo
constante.

176
Imagem 10 - A característica mutuamente benéfica.

D.

Formativa

A avaliação tem o propósito de auxiliar o aluno a


progredir no sentido dos objetivos de aprendizagem. Para
tanto, é fundamental que por meio desta o professor possa:
- Deslocar a regulação ao nível das aprendizagens e
individualizá-la;
- Criar situações de aprendizagem ―portadoras de
sentido e regulação‖, como exemplo: situações-problema,
métodos ativos de participação do aluno.
- Considerar a dimensão do ato de ensinar e das
situações didáticas integrados aos processos de
aprendizagem.
A Figura 11 procura representar essa discussão:

177
Imagem 11 - Avaliação formativa.

Aluno Professor

- Reflexão Intervenção
- Feedback diferenciada:

- Material
didático;
- Recursos;
- Tempos.

E. Específica ao Contexto

A proposta avaliativa deve considerar a relação


contínua entre os objetivos de aprendizagem representados
na proposta, as especificidades referentes ao contexto e
realidade vivenciada com os alunos e condições de trabalho
do professor, a possibilidade de flexibilizar acordos, e o
acompanhamento contínuo dos alunos na disciplina (Figura
12).

178
Figura 12 - A característica específica ao contexto da avaliação.

F. Contínua

Resgatamos a visão de Perrenoud (1999) que integra


a avaliação à proposta de formação plena do sujeito, a fim
de articular a comprovação do aprendizado e a intervenção
em percurso (Figura 13).

Figura 13 - Intervenção diferenciada

Comprovação Intervenção em
do aprendizado percurso

179
Para o autor, os possíveis resultados com o uso da
avaliação contínua:
 Ajuste dos objetivos e conteúdos;

 Diagnóstico das situações para adequações em


processo;
 Certificação do rendimento dos estudantes e
previsibilidades de desvios do itinerário formativo
proposto;
 Seleção e adequação dos conhecimentos às
necessidades sociais;
 Motivação dos estudantes e professores (o que, como
e quando se estuda; o que e como se ensina) com o
objetivo de facilitar o êxito;
 Previsão de resultados a partir de um prognóstico
inicial;
 Informação e orientação aos estudantes - superar
falhas e lacunas e minimizar seus efeitos;

 Promoção da investigação científica - comparação de


métodos, estratégias, cursos, grupos de estudantes,
recursos, etc., a partir dos dados coletados;
 Fundamentação da inovação educativa por meio da
investigação científica - comprovar ou não a eficácia
de novos métodos ou estratégias didáticas.
As características da avaliação, propostas por Ângelo
& Cross (ibidem) e ilustradas com diferentes práticas nos
ajudam a dimensionar a visão de avaliação na perspectiva
investigativa. Nesse ponto, voltamos ao início do nosso
trajeto investigativo e recuperamos novamente Freire
quando defende a importância de os alunos perceberem o
esforço do professor buscar sua coerência enquanto
educador, considerando sua visão de mundo, os alicerces

180
que definem sua concepção de educar, de conhecer, sua
ética e a percepção de si e do outro como seres inacabados.
―Como professor não devo poupar
oportunidade para testemunhar aos
alunos a segurança com que me
comporto ao discutir um tema, ao
analisar um fato, ao expor minha posição
em face de uma decisão governamental.
Minha segurança se funda na convicção
de que sei algo e de que ignoro algo a que
se junta a certeza de que posso saber
melhor o que já sei e conhecer o que
ainda não sei.‖(ibidem: p. 132).
Para Freire, a educação dialógica se confirma como
inquietação e curiosidade, como inconclusão em
permanente movimento na história.

Considerações finais

A partir dos entrelaces estabelecidos entre a


epistemologia freiriana com os vários autores aqui citados,
concluímos este texto reforçando a nossa concepção de
avaliação. Entendemos que, mais do que verificar se os
objetivos educacionais traçados são alcançados ao longo do
processo educativo, a avaliação pode ser um instrumento
que possibilita acessar importantes informações para
aperfeiçoar a qualidade da práxis docente e potencializar a
autonomia do estudante e o seu protagonismo na ação de
aprender. Reforçamos a importância de estabelecer a
coerência necessária no planejamento educacional,
considerando a adequada escolha das estratégias
pedagógicas, dos recursos tecnológicos e comunicacionais,
dos instrumentos de avaliação, da definição clara e precisa
dos critérios da avaliação, e enfatizamos a lógica da
avaliação como um processo formativo. Por fim, ao articular
e integrar diferentes abordagens teóricas sobre a avaliação
da aprendizagem, tecemos uma visão de avaliação não
apenas como um processo dialógico, mas também como um
importante momento de comunicação investigativa em prol

181
de uma educação mais assertiva e inclusiva, traduzida
coletivamente para o contexto de todos que dela participam.

Referências

ANGELO, T.; CROSS, K. P. Classrom assessment


techniques. San Francisco: Jossey- Bass, 1993.

BARKLEY, E.F.; CROSS, K.P.; MAJOR, C.H. Técnicas de


aprendizaje colaborativo: Manual para el professorado
universitário. Gobierno da España. Ministerio de Educación,
Cultur Y Deporte. Ediciones Morata, S.L. Espanha, 2012.

MARTINS, J. P. Considerações sobre avaliação no ensino


superior, In: Avaliação nos Processos Educacionais. São
Paulo: Editora Unifesp, 2010, pp. 19 – 42.

OKADA, A. Knowledge Media Technologies for Open


Learning in Online Communities. IJTKS International
Journal of Technology, Knowledge and Society, 3 (5).
2007, pp. 61-74.

OKADA, A.; BUCKINGHAM SHUM, S.; BACHLER, M.;


TOMADAKI, E., SCOTT, P., LITTLE A. and EISENSTADT, M.
―Knowledge media tools to foster social learning‖. In:
HATZIPANAGOS, S. and WARBURTON, S., Social Software
and developing Community Ontology, Hershey PA:
Information Science Reference IGI Global, 2009.

OKADA, A. Open Educational Resources and Social


Networks: Co-Learning and Professional Development.
London: Scholio Educational Research & Publishing. 2012.

OKADA, A.; MEISTER, I. e BARROS, D.M.V. Refletindo sobre


avaliação na era da co-aprendizagem e co-investigação. In:
Livro de resumos da CATES 2013 - 1ª Conferência
internacional Avaliação e Tecnologias no Ensino Superior,
2013.

PERRENOUD, P. Avaliação da excelência à regulação das


aprendizagens – entre lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 1999.

182
SVINICKI, M.; MCKEACHIE, W.J. Dicas de ensino:
estratégias, pesquisa e teoria para professores
universitários. São Paulo: Cengage Learning, 2012.

TYLER, R. W. Princípios básicos de currículo e ensino.


Porto Alegre: Globo, 1974.

ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto


Alegre: Artmed, 1998.

183
Práxis e o inédito viável na Escola Pós-Graduar

Maria Fernanda Degan Bocafoli

Práxis e o inédito viável na Escola


Pós-Graduar

Maria Fernanda Degan Bocafoli

doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4.12

184
Introdução

“Esperançar é levar adiante,


esperançar é juntar-se com outros
para fazer de outro modo….”
(Paulo Freire)

Pensar com Paulo Freire na contemporaneidade


constitui igualmente um desafio e uma necessidade. Se por
um lado, a preciosidade de seu legado para a educação -
não apenas no Brasil, mas também, apenas para citar
exemplos, nos Estados Unidos, África do Sul, Suécia e
Finlândia, em que diversos pesquisadores se dedicam a
estudar e propor práticas pedagógicas inspiradas por suas
obras – o transformou, no ano de 2012, em patrono da
educação brasileira, por outro, assistimos no atual cenário
político do país um movimento que busca atribuir-lhe
flagrante descrédito ou afigurá-lo como uma espécie de
espantalho, do qual advieram todos os males educacionais
que hoje vivenciamos, e em relação ao qual a única postura
possível seria o completo afastamento, em caso de que se
deseje que a educação brasileira passe a ter bom
funcionamento, índices e qualidade.
A despeito dos diversos ataques às ideias freirianas,
pensar com elas se faz cada vez mais necessário: se a
educação, em seus diferentes graus e níveis, se apresenta
ainda a muitos indivíduos, apropriando-nos de Rancière,
como uma complementaridade entre ―um interdito‖ e ―um
impossível‖ (RANCIÈRE, 2017), propor ações e
posicionamentos que coloquem a práxis do educador como
fundamentalmente esperançada, como denunciante de uma
―realidade desumanizante‖, que interdita e impossibilita a
camadas socialmente vulneráveis da população que se
compreendam enquanto ―projetos‖; e, simultaneamente,
como anunciador de possibilidades para que ―os homens
possam ser mais‖ (FREIRE, 1983a), parece fundamental e
imprescindível.

185
Neste contexto, a Escola Preparatória para a Pós-
Graduação em Humanidades, a ―Pós-Graduar‖, projeto
extensionista da Universidade Federal do ABC (UFABC), e
objeto deste capítulo, inicia seu trabalho no ano de 2020
motivada e esperançada pelas possibilidades de construção
coletiva de uma pós-graduação mais equânime e plural.

A Escola Pós-Graduar: surgimento e trajetória

A Pós-Graduar foi concebida no ano de 2019, em


reuniões e discussões do grupo de pesquisa ―Política,
Políticas Públicas e Ação Coletiva‖ (3PAC), da Universidade
Federal do ABC, que reúne pesquisadores do Programa de
Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais (PCHS) e do
Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, de
diferentes níveis de formação, bem como pesquisadores (as)
associados (as). Orientado pelo princípio da
interdisciplinaridade - o qual, como apontam Penteado; Jard
da Silva; Cilla (2015), é uma das principais características
acadêmicas da UFABC - por ser composto por
pesquisadores de diferentes temáticas e abordagens, o grupo
conta também com vivências e experiências diferentes que
em muito contribuíram para a concepção da Escola Pós-
Graduar. Tendo como ponto de partida e motor para as
discussões os desafios de acesso e permanência no ensino
superior que enfrentam grupos desfavorecidos da população
brasileira, que muitas vezes, precisam enfrentar barreiras
educacionais e culturais para ingressar na pós-graduação
(ALMEIDA FILHO, 2007), e considerando, ainda, que é a
pós-graduação, como coloca Steiner (2005), o topo da
pirâmide do sistema de ensino formal em âmbito mundial, a
Escola objetiva, através do oferecimento de curso totalmente
gratuito,
[...] preparar estudantes graduados/as,
notadamente egressos de escolas
públicas do ensino médio ou bolsistas de
escolas particulares, de comunidades
carentes, mulheres, negros, refugiados e

186
LGBTQIA+ para o ingresso em cursos de
pós-graduação. Neste sentido, seu foco
principal é oferecer conhecimentos
teóricos e metodológicos que permitam a
alunas e alunos conceber e escrever
projetos de pesquisa a serem
apresentados em processos seletivos de
pós-graduação de instituições públicas e
privadas no Brasil e no exterior.
Ao iniciar suas atividades, em 2020, a Escola
recebeu e acolheu cinquenta inscrições, já no ano seguinte,
em sua segunda edição, houve aumento expressivo no
número de inscritos: foram realizadas cento e oitenta e cinco
inscrições, e acolhidas sessenta e duas, entre candidatos ao
mestrado e ao doutorado. Importante destacar também,
neste cenário, a relação com parceiros tanto externos
quanto internos à UFABC: ao longo de 2020 e 2021, as duas
parcerias iniciais com as quais a Pós-Graduar começa seus
trabalhos se mantém: a União dos Núcleos e Associações
dos Moradores de Heliópolis e região (UNAS/Heliópolis),
organização que atua socialmente em uma das maiores
favelas do município de São Paulo; e a Rede Emancipa de
Educação Popular, movimento com atuação na área
educacional, que, dentre outras iniciativas, prepara jovens
das classes populares para ingresso em cursos de
graduação. Ao longo de 2021, vem ocorrendo um movimento
de ampliação e fortalecimento das parcerias e, internamente
à UFABC, estão estabelecidas parcerias com o Laboratório
de Justiça Territorial (Labjuta), o Núcleo Educacional de
Tecnologias e Línguas (Netel), Conexão Políticas Públicas
(ConexPP) e o Comitê Gestor Institucional de Formação
Inicial e Continuada de Profissionais do Magistério da
Educação Básica (COMFOR-UFABC). Como a Pós-Graduar
reúne pesquisadores, tutores, professores, técnicos
administrativos e estudantes da UFABC que atuam de forma
voluntária na escola, as parcerias com voluntários externos
entregam ao projeto não apenas a possibilidade do
envolvimento de mais sujeitos, e, portanto, de mais saberes

187
e práticas que o compõem, mas também, ampliam ―as
linguagens em circulação, (...) os espaços e públicos que se
pode alcançar. Ademais, interliga os saberes produzidos na
universidade e fora dela, criando a possibilidade de um fluxo
de trocas e contribuições contínuo.‖ (ALVES DA SILVA;
PEREIRA; BOCAFOLI, 2021, p. 08).
A prática pedagógica da escola se organiza e realiza a
partir de três frentes principais: a primeira são as aulas
quinzenais de elaboração de projetos acadêmicos, que visam
ao fornecimento de ferramentas metodológicas que auxiliem
na escrita de projetos de pesquisa científica, em que os
cursistas se dividem em grupos menores para assistir as
aulas, propor e debater a respeito das elaborações próprias
de seus projetos; a segunda, as tutorias também quinzenais
de Inglês e Espanhol, buscam, por meio de práticas do
Ensino de Línguas para Fins Específicos (ELFE), repertoriar
os cursistas e familiarizá-los com a leitura de textos na
língua-alvo, para a realização de provas de suficiência e
proficiência em idioma estrangeiro exigidas em muitos
programas de pós-graduação como etapa eliminatória do
processo de ingresso; além das aulas públicas mensais,
parte fundamental do fazer pedagógico da Escola, abertas
não só aos cursistas da Pós-Graduar, mas ao público em
geral, que apresentam e debatem temas transversais e
procuram aliar pesquisa e debate crítico de temas sociais
relevantes. Ao longo do ano de 2020, foram realizadas aulas
públicas sobre ativismo social e pós-graduação, pesquisa
sobre movimento negro no Brasil e trabalho não-
remunerado das mulheres, para citar alguns exemplos. Já
em 2021, os cursistas têm a possibilidade de participar dos
próprios encontros de pesquisa realizado pelos integrantes
do 3PAC, em atividade denominada ―Colóquio 3PAC‖,
para que aqueles que desejarem, possam já começar a se
familiarizar com rotinas de debate e produção acadêmica.
Ao cabo da primeira edição, houve nove aprovações de
cursistas em processos seletivos de ingresso em pós-

188
graduação (mestrado): na Universidade Federal do ABC
(UFABC), na Universidade de São Paulo (USP), na
Universidade Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖ (UNESP), na
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), na Pontíficia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e na
Universidade da Integração Latino-Americana (UNILA). É
crucial neste ponto que destaquemos a perspectiva de
ingresso, ou antes, de preparação, sob a qual a Pós-Graduar
atua: não se trata da busca por uma ―profissionalização‖ do
acesso à pós-graduação, como uma mercadoria educacional
à qual se acede com vistas à recepção de determinados
dados e informações, nos moldes do que Freire designava
―educação bancária‖ (1983a), o que poderia conduzir à
prática e funcionamento da Escola como mecanismo para
aumentar a competitividade dos cursistas através de
técnicas e ferramentas voltadas exclusivamente à aprovação
e ingresso em cursos de pós-graduação. Antes,
contrariamente a esta visão ―sistemática‖ de educação
(FREIRE, 1983a, p. 44), propõe-se um entendimento que se
poderia compreender como ―educação problematizadora‖
(FREIRE, 1983a, p. 77): ―trata-se de criar espaços que
favoreçam a reflexão crítica e o debate sobre realidades
sociais nas quais os próprios sujeitos se enxergam‖ (ALVES
DA SILVA; PEREIRA; BOCAFOLI, 2021, p. 08). Entendendo,
então, o lugar da Escola como aquele em que ―educador e
educandos (...), co-intencionados à realidade, se encontram
numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de
desvelá-la, e assim, criticamente conhecê-la, mas também
no de recriar este conhecimento‖ (FREIRE, 1983a, p. 61), as
práticas pedagógicas da Pós-Graduar buscam tensionar as
barreiras internas culturais e educacionais da universidade,
configuradas em ritos de seleção que requerem o domínio de
linguagens e saberes específicos e que muitas vezes se
traduzem em barreiras para segmentos sociais
historicamente desfavorecidos: além de propor reflexão a
respeito dos lugares sociais de onde pensam nossos
cursistas, uma vez na pós-graduação, os segmentos sociais

189
público da Escola trazem ―temas e perspectivas, vivências de
um certo lugar social – de classe, raça, gênero, sexualidade
etc., - que também ajudam a tensionar as barreiras internas
da universidade, além de pautarem temas e agendas de
pesquisa.‖ (ALVES DA SILVA; PEREIRA; OCAFOLI, 2021,
p. 03). Deste modo, o ingresso na pós-graduação não é
entendido como desfecho do processo, mas como parte dele:
não se trata da pura ―troca de lugar‖ ou da ―passagem de
um pólo a outro‖ (FREIRE, 1983a, p. 47), mas, antes, da
reabertura da disputa política em torno a uma universidade
mais plural, inclusiva e equânime.

Abertura para o esperançar

Segundo Freire (1983b, p. 35), ―não há educação fora


das sociedades humanas e não há homem no vazio‖.
Partindo-se desta premissa, faz-se possível compreender o
que o autor compreende por práxis: ―reflexão e ação dos
homens sobre o mundo para transformá-lo‖ (FREIRE,
1983a, p. 40). Daí advém a proposição freiriana de que uma
práxis pedagógica autêntica se desenrola, necessariamente,
sob as bases da solidariedade, isto é, a partir da ideia de
que ação pedagógica e mundo, mundo e ação pedagógica,
são intimamente solidários, inseparáveis. A inserção crítica
na realidade, objetivo primordial de uma práxis pedagógica
solidária, se funda na noção de que ―nenhuma realidade se
pode transformar a si mesma‖ (FREIRE, 1983a, p. 43), isto
é, de que nenhuma mudança prescinde da reflexão e ação
dos homens sobre o mundo: não há mudança que prescinda
da práxis.
Muitas vezes, por conta das dificuldades que
segmentos sociais desfavorecidos encontram para o acesso à
pós-graduação, inclusive, como lembra Gatti (2001, p. 113),
o fato de que muitos indivíduos são trabalhadores, e,
portanto, precisam tentar conciliar o tempo demandado pelo
trabalho com aquele exigido para a preparação para os
processos seletivos, o desejo de aceder à pós-graduação

190
pode se afigurar, apropriando-nos de Freire, como uma
―situação-limite‖ (1983a, p. 106). As ―situações-limite‖,
conceito com Freire trabalha com referência a Jaspers, são
aquelas que carregam consigo uma percepção ou um
sentimento pronunciado de ―freio‖ (1983a, p. 106), como
fossem em si uma determinante inescapável, algo impossível
de ultrapassar e em face às quais, não resta alternativa que
conformar-se. Muitas vezes, longo das aulas e tutorias da
Pós-Graduar, os cursistas trazem relatos que ao revelam
falta de confiança em suas capacidades, ou descrença de
que efetivamente possam elaborar um projeto acadêmico de
pesquisa, ou preparar-se de forma adequada para as provas
dos processos seletivos. Entretanto, é função de uma práxis
pedagógica solidária convidar à percepção do que estes
freios constituem dimensões históricas e concretas da
realidade em que os sujeitos estão inseridos, e atuar no
sentido de gestar e desenvolver um clima de esperança, em
que os sujeitos se sintam esperançosos o suficiente para
empenhar-se na superação destas ―situações-limite‖.
A esperança, coloca Freire, é uma necessidade
ontológica (1983b, p. 10), sem a qual nos imobilizamos e
entregamos ao fatalismo. Não é, porém, elemento bastante:
―pensar que a esperança sozinha transforma o mundo e
atuar movido por tal ingenuidade é um modo excelente de
tombar na desesperança, no pessimismo, no fatalismo.‖
(1983b, p. 10). Se não for crítica e, portanto, solidária,
levando sempre em consideração os elementos econômicos,
históricos e sociais que explicam a existência de cada
sujeito, certamente não se realizará nunca enquanto
concretude histórica. Não se trata de propor a pura espera,
mas, antes, de postular a necessidade de uma ―educação da
esperança‖, que busca agir orientada pela crença na
superação das ―situações-limite‖. Parece adequado
considerar que o objetivo da Escola Pós-Graduar - qual seja,
―enfrentar e confrontar um padrão histórico de exclusão
educacional no Brasil em seu mais alto nível de excelência

191
científica, o qual durante décadas foi tratado como privilégio
exclusivo das camadas sociais mais abastadas e
intelectualizadas‖ – certamente coaduna com uma visão
pedagógica que propugna como papel fundamental da
educação o desvelamento, através da análise política séria,
de possibilidades mais além das ―situações-limite‖, lugar em
que se encontra o inédito viável. Ao enunciar o acesso à pós-
graduação como possibilidade real para os segmentos que
perfazem seu público-alvo, o que a Pós-Graduar faz é
explicitar o ―inédito viável‖, o desejo de que vozes oriundas
de camadas populares que não compõem tipicamente as
salas de aula de pós-graduação, possam vir a ser
academicamente válidas e consideradas, do ponto de vista
dos muros simbólicos que em grande medida determinam a
―apropriação, pelo público externo, daquilo que a
universidade é e pode oferecer.‖ (ALVES DA SILVA;
PEREIRA; OCAFOLI, 2021, p. 10). Assim, o ―inédito viável‖
que embasa as ações pedagógicas da Escola parece já estar
definido e, a partir disto é que se dão suas ações
pedagógicas, que se dirigem à sua concretização. Por esta
razão, e porque a Pós-Graduar não pretende forjar-se
enquanto um mecanismo que entenda o ingresso na pós-
graduação como um fim per se, sua práxis não pode
realizar-se dentro das práticas ―bancárias‖, que, afirma
Freire, enfatizam, direta ou indiretamente ―a percepção
fatalista que estejam tendo os homens de sua situação‖
(1983a, p. 85). Em outra via, através da proposição de uma
práxis problematizadora, que coloca esta mesma percepção
enquanto problema, e por isso, passível de reflexão e ação, a
Escola parece fundar-se na crença de que, ao apropriarem-
se deste problema como realidade histórica, os sujeitos, em
cooperação e diálogo com os professores e tutores, poderão,
talvez, sentir-se capazes de transformá-la, a partir de seu
aqui e agora. Esta transformação implica que os sujeitos
possam se compreender enquanto ―projetos‖, isto é, ―como
seres que caminham para frente, que olham para a frente
(...), para quem olhar para trás não deve ser uma forma

192
nostálgica de querer voltar, mas um modo de melhor
conhecer o que está sendo, para melhor construir o futuro.‖
(FREIRE, 1983a, p. 84).
Em muitos relatos de cursistas da Pós-Graduar, há
indicações de uma visão mais esperançada em relação ao
desejo e projeto de ingresso na pós-graduação. Se nas
situações-limite, para além das quais deparamo-nos com o
‗inédito viável‘, podemos encontrar convincentes razões de
ser tanto para a esperança quanto para a desesperança, a
trajetória que os cursistas e a Pós-Graduar vem trilhando
parece ser um convite para a abertura ao sonho e ao
esperançar.

Considerações finais

Os debates, caminhos e desafios na busca por um


acesso mais democrático à pós-graduação no Brasil
certamente não poderão deixar de levar em conta que,
dentro de um horizonte de equidade e justiça social, sujeitos
e políticas públicas diversas devem estar mobilizados e
implicados. Neste sentido, o papel das universidades dentro
e ao longo deste processo, certamente, não é menor e nem
secundário. A Universidade Federal do ABC, que sedia o
projeto extensionista Pós-Graduar possui, desde 2019,
reserva de vagas na pós-graduação para pessoas com
deficiência, negras e indígenas. Esta reserva, porém, não
estava ainda regulamentada, de forma que não se previa um
número mínimo de vagas para cada um dos grupos
mencionados. Em agosto de 2021, a Comissão de Pós-
Graduação da UFABC ampliou o alcance da política, bem
como estabeleceu regras gerais para toda a Universidade.
Assim, determinou-se em resolução que pelo menos 30%
das vagas sejam destinadas a pessoas negras (pretas e
pardas) e, que haja, ao menos, a destinação de uma vaga
supranumerária para indígenas, quilombolas, pessoas com
deficiência, pessoas trans e pessoas refugiadas ou
solicitantes de refúgio, em todos os cursos de pós-graduação

193
da instituição. Trata-se de importante indicativo de que o
trabalho e esforço contínuos de democratizar o acesso ao
ensino superior e de fomentar a produção de conhecimento
são centrais em um âmbito mais amplo no qual repensar
o(s) papel(eis) social(is) da universidade está diretamente
relacionado a repensar também sua estrutura e
organização.
Para além das questões profícuas e necessárias sobre
acesso e inclusão que a Pós-Graduar se propõe a debater,
ou antes, oriundas destas, levantam-se perguntas
pertinentes a respeito das possibilidades de permanência
dos estudantes na pós-graduação, que para tanto, precisam
dispor de políticas públicas de apoio para subsidiar e
garantir sua permanência no curso, considerando as
condições de vida de alunos trabalhadores, ou que residem
em regiões periféricas, de difícil acesso à universidade, entre
outros elementos que podem dificultar a conclusão do
curso. Assim, acesso e permanência decerto configuram dois
lados de uma mesma questão, e apontam para o longo
caminho que há de ser percorrido no enfrentamento às
desigualdades sócio-educacionais brasileiras.

Referências

ALMEIDA FILHO, Naomar de. Universidade Nova: textos


críticos e esperançosos. Salvador: EDUFBA, 2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 1983a.

ALMEIDA FILHO, Naomar de. Educação como prática da


liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983b.

GATTI, Bernadete Angelina. Reflexão sobre os desafios da


pós-graduação: novas perspectivas sociais, conhecimento e
poder. Rev. Bras. de Educação, n. 18, 2001, p. 108-154.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Paulo Freire é declarado o


patrono da educação brasileira. 16 de abr. de 2012.

194
PENTEADO, Claudio Luis de Camargo; JARD DA SILVA,
Sidney; CILLA, Karen Christina Dias da Fonseca.
Humanidades na UFABC: produção do conhecimento
interdisciplinar na pós-graduação. Revista Brasileira de
Pós-Graduação, v. 12, p. 475-500, 2015.

PÓS-GRADUAR. Sobre. [s.d.]. <


https://sites.google.com/view/posgraduar-ufabc/sobre-o-
projeto>. Acesso em: 15 de jul. de 2021.

RANCIÈRE, J. Prefácio ao Le Philosophe et ses pauvres.


Rapsódia, (11), 33 – 43. 2017. Disponível em:
<https://www.revistas.usp.br/rapsodia/article/view/143784>.

ALVES DA SILVA, Eliane; PEREIRA, Lídia Pancev Daniel;


BOCAFOLI, Maria Fernanda Degan. Pós-Graduar: camadas
populares e acesso à pós-graduação. In: O lugar da
pedagogia social em tempos de pandemia: reflexões e
práticas. Universidade Presbiteriana Mackenzie. 2021 (no
prelo).

STEINER, João Evangelista. Qualidade e diversidade


institucional na pós-graduação brasileira. Revista Estudos
Avançados, v. 19, n. 54, p. 341-365, 2005.

195
A construção da identidade e a emancipação dos
estudantes no século XXI: um olhar a partir da educação
e do currículo

Arlete Vilela de Faria, Estela Aparecida Oliveira Vieira,


Daniela Simone de Azevedo

A construção da identidade e a
emancipação dos estudantes
no século XXI: um olhar a partir da
educação e do currículo

Arlete Vilela de Faria


Estela Aparecida Oliveira Vieira
Daniela Simone de Azevedo

doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4.13

196
Introdução

Para Freire (2017), uma educação para ser


libertadora necessita ter em seus pressupostos de formação
princípios que permitam conceber sujeitos socialmente
críticos e ativos. O que significa tornarem-se sujeitos ativos
na sociedade em que vivem, com o olhar reflexivo e uma
postura dialética que vise a formação sociocultural conjunta
relevante para constituição de uma sociedade mais justa e
igualitária. É nesse sentido que as ideias de Paulo Freire são
fundamentais para a mudança social e é nessa direção,
também, que a utilização das tecnologias digitais como
mediadoras de uma educação emancipatória encontra
significado.
A inserção das tecnologias digitais da informação e
comunicação (TDIC) no ensino não é neutra e deve ser
pensada de forma que esteja em consonância com as
necessidades da formação integral e da escolarização
proposta. Dito de outra forma, é necessário estabelecer uma
dialética entre as necessidades da sociedade e o respeito ao
sujeito em sua individualidade. Para isso é necessário
avançar além da formação para o trabalho e ressignificar o
uso das TDIC como instrumentos a serem empregados para
o avanço econômico e inclusão social e que respondam às
demandas do capital. Uma formação emancipatória caminha
em consonância com uma postura ética e reflexiva
cotidiana, e avança sem negar o contexto sociocultural e
histórico.
A sociedade denominada da informação e da
tecnologia, chamada por Castells (2005) de sociedade em
rede é uma forma de entender a estrutura social através das
suas conexões. Segundo o autor (2005, p. 566) ―Rede é um
conjunto de nós interconectados‖. Assim, entendemos que a
sociedade em rede é composta por ―nós‖ onde cada nó
representa um ponto de interseção de um determinado
sistema. Esses sistemas interligam-se e conectam-se a
outros sistemas, formando uma extensa e contínua ―rede‖.

197
Nesse contexto, as TDIC potencializam a formação de redes
descentralizadas, e destaca que elas possuem vantagens
extraordinárias como ferramentas de organização social por
sua flexibilidade e adaptabilidade, uma vez que são
colocadas como as bases de processos produtivos, políticos
e culturais em um mundo globalizado.
Ao mesmo tempo em que as alterações das
sociedades são profundas, as relações sociais se tornam
mais centradas no indivíduo, havendo, portanto, quebra do
paradigma societal que evidencia a reconfiguração do
sistema produtivo, colocando o desafio na compreensão de
suas novas características. As TDIC, mais especificamente
as plataformas de mídias sociais, respondem a esse
contexto, suportando materialmente e tecnicamente esse
processo, ao formar uma sociabilidade expressa pelo
individualismo em rede, em que há uma superação das
―relações primárias (corporificadas em famílias e
comunidades) para a de relações secundárias (corporificada
em associações)‖, o que cria um padrão fundado em
comunidades personalizadas, corporificadas em redes
egocentradas (p. 108-109).
As ―redes‖, no sentido de conjunto de conexões,
sempre existiram, mas a expansão do uso das TDIC
transformou o espaço em que elas se interligam e modificou
a forma de como o indivíduo tece os seus fios e interage
sobre elas. De acordo com esses argumentos, saber
escolher e utilizar adequadamente as TDIC influencia
diretamente no processo inclusivo social. É preciso entender
que as TDIC entrelaçam-se com as relações de mercado e
sociais que permeiam as realidades virtuais e reais da
cibercultura (LÉVY, 2010). Essa competência é primordial
para que o indivíduo se mantenha ativo e crítico da sua
realidade e dos sistemas e organizações em que está
inserido.
Tornando à perspectiva de Freire sobre a formação
do indivíduo para sua independência e autonomia, esse

198
conhecimento sobre ―como‖ e ―quais‖ tecnologias utilizar
para este ou aquele propósito, repercutirá diretamente no
modo de como o indivíduo se integrará ao seu meio e tornar-
se-á autor e condutor de suas ações e não apenas reagente
às tramas da Rede. A partir de tais fundamentos, nos resta
refletir sobre a maneira como as TDIC, construção da
identidade e emancipação, estão sendo trabalhadas na
escola: quais valores e olhares sobre as TDIC estão sendo
discutidos para além do mundo do trabalho e para a
construção de um sujeito autônomo e crítico? Considerando
isso, perguntamo-nos se a maneira como os processos
formativos estão sendo conduzidos, inclui estratégias que
levem o sujeito ao desenvolvimento de um pensamento
digital/tecnológico disruptivo, emancipatório e crítico? Não
temos a pretensão de responder a este questionamento, mas
sim de expandir e trazer elementos para essa discussão.
Na educação que temos hoje, os pressupostos de
emancipação de Theodor Adorno (2010) e da libertação de
Paulo Freire (2017) são discutidos como influência para o
estabelecimento de uma educação eficiente em função do
pleno exercício da cidadania de forma crítica e ativa na
sociedade tecnológica em que vivemos. Todavia, é
importante levar em consideração como a educação efetiva
esses princípios. A própria educação evidencia-se como meio
de controle da classe dominante, a partir da proposição
ideológica do ensino. Nesse sentido, a libertação do sujeito
por meio da educação, deveria privilegiar a formação
cultural de forma que este realmente liberte. Essa educação,
sendo dialógica com a diversidade e as diferenças,
possibilita que prevaleça sua função social de construção da
identidade para uma vida plena em sociedade, realmente
bem-sucedida pela emancipação dos sujeitos. Se ela não
cumpre este papel, trata-se, mesmo que de forma
inconsciente, de uma semiformação (WAAR, 2003), ou
Halbbildung, na perspectiva de Adorno.

199
Para tanto, esta reflexão trata-se de uma revisão
narrativa de abordagem qualitativa, de forma a apontar
reflexões para a relevância social e acadêmica/educacional
de discutir o currículo na ótica da sociedade em rede.
Dentro dessa perspectiva, temos por objetivo refletir a
relação entre a construção da identidade emancipatória dos
estudantes e o currículo escolar em um contexto tecnológico
digital.

Desenvolvimento

O conceito de Bildung está presente na linguagem


cotidiana e educacional Alemã, e se disseminou para outros
países, como por exemplo, a Inglaterra. Este conceito está
para os alemães como a paideia para os gregos ou a
formação para nós. Essa discussão perpassou por grandes
filósofos, influentes no modelo educacional, como Kant,
Hegel, Hölderlin, Schopenhauer, Nietzsche entre outros,
cada um a seu tempo buscou uma "melhor forma de educar
o homem" (CORREIA, 2016, p. 111). Alguns autores
traduzem Bildung como edificação, como cultivo ou
'formação', e tem sido relacionada a várias concepções de
educação liberal na tentativa de recuperar, fortalecer ou
renovar sua crítica. A noção de Bildung se refere tanto ao
processo pelo qual o indivíduo adquire sua forma como
produto desse processo de formação da alma e do espírito.
Segundo Masschelein e Rickens (2010, p. 127), se
observarmos mais de perto o processo e o produto, podemos
distinguir entre seis áreas tipológicas de significado de
Bildung, sendo o primeiro deles uma referência ao corpo de
conhecimento obrigatório, o cânone, incluindo o
conhecimento reflexivo. A segunda noção se refere a
qualificações e certificados obtidos através de um processo
de apropriação e aquisição de conhecimento. A terceira se
relaciona a disposição ou atitude do educando, que é o
produto desse processo e que poderia ser enunciada como
um habitus ou referências internas. E é nessa direção que

200
Adorno explica a Bildung como o subjetivo dentro do objetivo
fora da cultura (Adorno, 1959/1972), autotransformação
permanente. A quinta noção de Bildung é a apropriação do
conhecimento para o autoaperfeiçoamento, a liberdade
individual, e por isso, algumas vezes sendo reduzida a
individualismo humanista, usado como uma oposição crítica
às necessidades sociais e especialmente econômicas. E a
sexta noção, que visa a apropriação do conhecimento no
sentido de produzir um aumento da liberdade e na elevação
da moralidade e da ética.
No entanto, Adorno chama a atenção para o fato de
que esta proposta tenha sido uma das bandeiras alemãs
durante a segunda guerra, devendo ser abordada com
suspeita. Isso porque durante a segunda guerra esse
projeto, que teve sua fundamentação em uma razão
esclarecedora, priorizou os aspectos técnicos e científicos.
Sua base era a razão como instrumento, mas levou ao
irracionalismo e a um processo de semiformação
(Halbbildung) que provocou a perda da identidade e a
objetificação do indivíduo. Para Adorno, em grande parte
teve como ponto motriz a Indústria Cultural (CORREIA,
2016, p. 116). Assim, em Adorno surge a ―Teoria Crítica‖,
que visa uma ―análise crítica dos ideais iluministas com sua
visão de unidade e universalidade, revelando o poder
coercitivo da razão, ao contrário de sua pretensão
emancipatória‖.
Para alguns autores (MASHIBA, 2013), Freire e
Adorno se aproximam, pois, ambos trazem suas
fundamentações teóricas amparadas no materialismo
histórico e na Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. O
pensamento deles se encontram na teoria do cientista social
e psicanalista humanista Erich Fromm, no entanto, cada
um toma seu próprio caminho, estando presente em Adorno
a emancipação humana e em Freire a historicidade, a
alienação e a emancipação. Sendo um elemento essencial
para a fundamentação da Teoria Crítica a emancipação, esta

201
se dá pela conscientização via processo de humanização, na
qual a educação é uma das possíveis pontes. Uma educação
que se fundamente na formação do sujeito que saiba
perceber e analisar as estruturas em suas bases políticas e
sociais presentes no contexto, que seja ele micro ou
macroestrutural. A proposta é que a educação contribua
para a formação de sujeitos autônomos, críticos, que saibam
dialogar na busca de uma sociedade mais justa.
A construção desse ideal de sujeito perpassa a
construção de sua identidade, e não se relaciona a posições
políticas ou idealistas, mas sim ao saber observar a
sociedade e tomar parte dela de maneira consciente. A
identidade do sujeito se constrói durante a trajetória social,
cultural e pessoal no contexto ao qual se está inserido. No
âmbito escolar, esta se dá desde a educação infantil, está
presente na proposta pedagógica e abordagem didático
pedagógica e na maneira como os professores estabelecem
perspectivas de uso das tecnologias para o desenvolvimento
da aprendizagem, considerando-se o contexto da Sociedade
em Rede.
Podemos pensar que o desenvolvimento da
identidade se dá em rede e traz o aspecto físico e psicológico,
como intelectual e social, e segue se modulando por meio da
trajetória histórico-social, ou seja, os determinantes e
condicionantes sociais, políticos e ambientais, do qual a
escola é parte e exerce um importante papel.
Em relação a construção da identidade, esta abrange
a definição de quem se é, valores e possíveis direções que
deseja dar a vida. Segundo Schoen-Ferreira e colaboradores
(2003, p. 107), a identidade se estrutura a partir de valores
e crenças. Mas esta estruturação se dá a partir da
concepção que o sujeito possui de si mesmo e as metas as
quais se envolve e se compromete. Pensando assim, a
inclusão das tecnologias nos processos de desenvolvimento
da personalidade deve ser natural, mas focada no
estabelecimento de metas e na possibilidade de atingi-las

202
com o uso/escolha da ferramenta tecnológica mais
adequada ao momento.
Para Goffman (1988), a construção da identidade se
dá por intermédio de bases e parâmetros sociais que se
fundamentam nas expectativas estabelecidas pelo meio. Ou
seja, as categorias de identidade e seus atributos são
determinados pela sociedade, no meio em que se encontram
e as relações nele estabelecidas. A sociedade em Rede
estabelece, implicitamente, e por regra geral, que os
indivíduos possuam conhecimento tecnológico que os
situem entre os seus diversos nós e que os capacitem a
navegar pelas trilhas digitais que os interligam. Por este
motivo é essencial compreender que a inclusão das TDIC no
ensino não é mais uma opção e sim a ferramenta que
possibilitará a construção da equidade e justiça social. É o
ponto de junção entre o conhecimento e seu uso. Quando o
sujeito estabelece uma relação contínua de uso das TDIC ele
reconhece que o mundo digital é parte do universo social em
que está inserido. A partir daí, ele aumenta as
possibilidades de inserção social e de transformação da sua
própria realidade, agrega valores que o igualam aos demais
ou, mesmo, o destacam daqueles outros.
Ainda de acordo com Goffman (1988), na identidade
social estão presentes as exigências que o grupo social faz
ao sujeito, de forma virtual ou real, que são os atributos e
categorias que o indivíduo prova ter. Nessa direção, a
capacidade de interagir e agir ―a partir de‖ e ―com‖ as
tecnologias destaca-se como uma dessas exigências, tendo-
se em vista que as informações e relações pessoais e
comerciais, de todo o mercado e de toda a estrutura social,
atualmente, perpassam por elas. Entre estas categorias de
exigências podem ocorrer discrepâncias, surgindo o que
Goffman (1988) chama de estigma, que se relaciona a
evidências que o indivíduo possui alguns ou um importante
atributo que o torne diferente dos demais da categoria que
pode o excluir. Ele deixa de ser uma criatura comum ao

203
grupo para se tornar alguém estranho, discrepante,
surgindo o estigma. Em tempos de tecnologias e diversidade
cultural, e discrepâncias sociais há um embate no que
perpassa a relação entre formação social do sujeito e
educação do século XXI.
As teorias educacionais se apresentam recheadas de
afirmações sobre como as coisas deveriam ser influenciadas
na realidade, de forma que esta se torne o que elas dizem
que são ou deveriam ser. Porém há uma
descontextualização na construção do currículo ao pensar
este apenas como o conteúdo que será ensinado. Ao ser
discutido, o currículo deve ser pensado tendo na base a
sociedade que se quer formar, pois o conhecimento a ser
ofertado se relaciona intimamente com o que somos - aquele
que ensina e aprende -, e aquele que inicia a caminhada em
seu vir a ser, - que aprende e ensina-, não podendo ser
excluída do currículo a intencionalidade desse devir. São
diferentes correntes pedagógicas responsáveis por abordar a
dinâmica e as funções do currículo, isso porque o currículo
está intrinsecamente envolvido com a formação da
identidade e por consequência na proposta político social de
construção de uma sociedade (SILVA, 2017).
À vista disso, a BNCC (Base Nacional Comum
Curricular, 2018) traz em seu texto uma reflexão relevante
sobre a necessidade de desenvolvimento da literacia digital
como forma de construção de uma identidade social que
privilegia o protagonismo e autoria, consequentemente a
inclusão e equidade:
Compreender, utilizar e criar tecnologias
digitais de informação e comunicação de
forma crítica, significativa, reflexiva e
ética nas diversas práticas sociais
(incluindo as escolares) para se
comunicar, acessar e disseminar
informações, produzir conhecimentos,
resolver problemas e exercer
protagonismo e autoria na vida pessoal e
coletiva (BNCC, 2018, p. 9).

204
Para a teoria crítica, o currículo é atrelado aos
interesses e conceitos das classes dominantes excluindo os
grupos sociais minoritários e subordinados. Nesta ótica, ele
deve ser crítico e permitir uma perspectiva libertadora que
favoreça as classes sociais mais populares. Em um diálogo
possível, a perspectiva pós-crítica visa avançar para além
das questões das classes sociais, é fundamentada no pós-
estruturalismo que acredita que o conhecimento é algo
incerto e indeterminado e tem o sujeito como foco
(MOREIRA, 1999). Assim, as teorias pós-críticas dão ênfase
ao multiculturalismo, às diferentes culturas raciais e
étnicas.
Para Silva (1997) é importante que a teoria crítica e a
pós-crítica estabeleçam um diálogo para que se possa
compreender os processos e as relações de poder e controle
que alimentam a formação. As duas teorias ensinam em
suas abordagens que o currículo é uma questão de saber,
identidade e poder presente no próprio processo
educacional. Sem ser criticado o currículo se torna numa
questão de organização, não discutida, sendo simplesmente
uma mecânica. Mas então onde ficam as questões que
envolvem a contribuição da educação para a formação do
ser integral, enquanto sujeito social, histórico e cultural,
ativo, crítico e reflexivo no meio onde vive?
[...] a construção social do currículo,
arguindo sobre os interesses e valores
envolvidos na seleção, organização e
estruturação do conhecimento escolar,
abriu espaço para diferentes estudos.
Estes estudos procuram mostrar como o
conhecimento escolar se estrutura e se
organiza de acordo com os interesses
daqueles que têm poder na sociedade.
Desta forma, diferentes trabalhos
demonstram a presença de ideologia nos
livros didáticos, no currículo oculto ou no
discurso do professor, enquanto outros
procuram mostrar a relação entre
currículo e controle social, currículo e
estratificação social ou currículo e

205
formação da força de trabalho (SANTOS,
1993, p. 73).
O currículo deveria buscar corresponder às lacunas
das instituições sociais no processo de desenvolvimento do
sujeito, inserindo valores humanos, éticos e sociais, além de
componentes curriculares associados a áreas específicas do
conhecimento. Todavia, a ascendência das grandes
organizações e da economia influencia-o para que se
privilegie a construção do conhecimento para formação para
o trabalho, isso quando realmente produz, em sua dinâmica
processual o conhecimento, pois, muitas das vezes, acaba
por tornar o processo de ensino um repositório de
informações a serem „aprendidas‟, e não refletidas para a
construção do conhecimento real, de acordo com a
concepções e princípios de cada um ou impostas e
estabelecidas pelo meio, e não pelo ser em si.
Ao lado disso, a introdução das Tecnologias Digitais
no currículo escolar é uma estratégia que precisa ser
cuidadosamente planejada pela instituição escolar e pelos
seus profissionais, visto que elas atendem ao comando
daquele que a utiliza, o propósito definido, o meio em que
ele está inserido e se integra a ele, considerando as suas
escolhas as suas necessidades. Isso é relevante pois,
dependendo das escolhas, do propósito e do meio em que
elas são utilizadas, pode-se conduzir o usuário para
caminhos diversos. Nessa perspectiva, Lévy (2000, p. 26)
assevera que: A tecnologia não é boa nem má, dependendo
das situações, usos e pontos de vista, e "tampouco neutra,
já que é condicionante ou restritiva, já que de um lado abre
e de outro fecha o espectro de possibilidades". Então,
considerando-se a pressão do mercado para que a educação
incorpore competências especializadas para o trabalho no
currículo, a inserção das TDIC no ensino pode estar
condicionando o indivíduo para exercer papéis múltiplos que
atendam a esses interesses. Nessa perspectiva, a inserção
das tecnologias digitais na educação sem que os professores
compreendam o significado delas para a emancipação do

206
indivíduo poderá induzir o processo educacional para o
desenvolvimento de seres subservientes. Para Rojo:
[…] é preciso que a instituição escolar
prepare a população para um
funcionamento da sociedade cada vez
mais digital e também para buscar no
ciberespaço um lugar para se encontrar
de maneira crítica, com diferenças e
identidades múltiplas (ROJO, 2013, p. 7).
Considerando os argumentos anteriores, o uso das
TDIC no ensino deve ser direcionado para o desenvolvimento
do sujeito integral, que saiba utilizar os equipamentos
tecnológicos de maneira consciente, entendendo as diversas
leituras e possibilidades que esses instrumentos oferecem e
que seja capaz de optar entre as múltiplas trilhas que a
sociedade em Rede engloba, mas, outrossim, que também
esteja habilitado para atuar na construção de uma
sociedade que pensa em práticas sociais sustentáveis,
inclusivas e igualitárias. Que utilize as tecnologias não
apenas para se comunicar ou realizar tarefas cotidianas,
mas para construir uma sociedade mais justa.
Não se trata de deixar de abordar o que
propõem os currículos escolares e suas
práticas, mas de rever a constituição de
sentido pelos estudantes e docentes
sobre suas trilhas significativas de
aprendizagem, na atual sociedade do
conhecimento (DOS SANTOS et. al.,
2017, p. 4).
Essa inserção fundamentada e refletida das TDIC no
ensino contribui para uma educação transformadora e
emancipatória, que vai além do mundo do trabalho e pode
favorecer a equidade e autonomia do sujeito. Reiteramos a
importância dos educadores e toda a sociedade, enquanto
produtora do projeto de formação de futuros cidadãos para
a sociedade que se almeja, entenda a complexidade da
relação que intermedia o uso das TDIC e a atuação do
sujeito a partir e com elas. Vale questionar a
intencionalidade dessa inserção na unidade escolar em que

207
atuamos: qual o currículo definido no Projeto Político
Pedagógico, a quem ele servirá, quais interesses ele
incorpora, qual a abordagem pedagógica, de que forma ele
propõe a inclusão dos recursos tecnológicos no ensino?
Essas indagações são importantes para evitar que estejamos
formando sujeitos acríticos e para evitar que estes sejam
excluídos ou formados para exercer subfunções ou papéis
inferiores na sociedade. Para Dos Santos et.al. (2017, p. 4) a
proposta pedagógica que inclui as TDIC passa por um
raciocínio de que, ―muito maior que ter equipamentos
tecnológicos, é a necessidade de repensar a proposta
educativa em uma sociedade que produz conhecimento
mediada pelas tecnologias digitais‖.
Gramsci (1982, p. 9), há mais de quatro décadas
postulava que ―a escola é o instrumento para elaborar os
intelectuais de diversos níveis‖, conforme a intenção que ali
subsiste. Na proposta de Gramsci(1982) a escola deve
englobar todas as dimensões significativas para
emancipação dos sujeitos, independentes de classe ou
ideologia, garantindo o acesso à cultura básica, para depois
pensar na formação profissionalizante para o trabalho. No
entanto, nas narrativas educacionais modernas há um
questionamento aos impulsos "emancipatórios" presentes na
formação básica, pois são direcionados aos pressupostos
pedagógicos que se estruturam em um mapa
intrinsecamente concebido por relações sociais de
dominação. E é neste sentido que se deve considerar o uso
das TDICs no ensino. A que elas servem? Dependendo do
uso que se faz delas, essas ferramentas apenas reproduzirão
o cenário de dominação e o que discutimos neste ensaio é
exatamente o contrário.
Quando o sujeito se apropria do conhecimento
tecnológico ele torna-se capaz de romper com a lógica de
―reprodução‖ e passa a agir conscientemente sobre a sua
vida, fazendo escolhas e não, apenas, seguindo a trilha.

208
Nesta perspectiva, o conceito de emancipação
colocado por Freire pode ser considerado como princípio
básico para se questionar a educação moderna. Este
conceito está presente em suas obras, seja na Pedagogia da
Libertação, da Esperança, do Oprimido ou da Autonomia
(FREIRE, 2013; 2017a; 2017b; 2018). O autor em sua teoria
pedagógica desenvolveu uma obra com implicações
importantes e parte do pensamento da chamada ‗ideologia
do desenvolvimento‘, se dedicando a analisar a formação
social brasileira. Ele concebeu a ‗educação
problematizadora‘ como alternativa para a construção do ato
de conhecer, em que os sujeitos estão envolvidos ativamente
para a construção do conhecimento, de forma
contextualizada e de acordo com suas necessidades e
especificidades.
Sendo assim, percebe-se em sua teoria a ligação
entre a formação educacional e a formação do sujeito, pois
sua proposta metodológica tem por mote trazer para o
centro da discussão os saberes sociais e culturais,
contextualizados historicamente e de acordo com as
individualidades de cada um para que este não se perca. Em
um mundo onde o global e o local conversam e em alguns
casos até mesmo há uma sobreposição da macroestrutura
sobre as realidades locais e mesmo individuais, pensar a
educação a partir do próprio conhecimento do indivíduo é
respeitar sua identidade, seu ser para que ele próprio
discuta e pense seu vir a ser. Ao se deparar com a
imensidão do mundo e sua diversidade a pessoa coloca seus
próprios conhecimentos em xeque. Isso se dá também na
educação, na colisão entre o conhecimento ingênuo e o
conhecimento acadêmico-científico, entre o conhecimento de
ser enquanto indivíduo e enquanto grupo social, cidadão
responsável como parte estruturante da sociedade. Esses
elementos necessitam se unificar para constituir o ser, é a
partir dessa dialética indivíduo-sociedade que o sujeito
interioriza todos esses conhecimentos e realidade para
construir sua identidade. E como este processo não se dá de

209
forma isolada, pois: ―Ninguém se conscientiza
separadamente dos demais. A consciência se constitui como
consciência de mundo‖ (FREIRE, 2017a, p. 19-20) ou, como
poderíamos afirmar nos dias atuais, não há como se
conscientizar separadamente das tecnologias, das redes
sociais, da cibercultura, pois estas integram o mundo e
perpassam por todas as estruturas sociais.
Para Silva (2017) a educação e o currículo são
―documentos de identidade‖, estes são compostos por
saberes que se apresentam como ―verdades universais‖
chancelados por uma instituição que forma para a
sociedade. A pedagogia libertadora freiriana, se atrela à
constituição da autonomia do ser frente a reflexão crítica
das distorções ideológicas do conhecimento, que
sumariamente, acabam por serem construtos presentes
nesses documentos e que compõe os sujeitos uma vez que
se impõe sobre suas concepções, alterando crenças e valores
permeados pela cultura local, negando as diferenças. Para
Freire o conhecimento, seja ele qual for – social, cultural, de
princípios -, é a fonte para a "intersubjetivação das
consciências‖. O que não significa aceitar todo e qualquer
conhecimento como verdadeiro, ao contrário, é aprender a
questionar a partir de um pressuposto inicial, seja ele
científico ou popular, e desenvolver suas vertentes sob um
olhar epistêmico.
Para Freire (2017a, p. 18), a educação ―reproduz,
assim, em seu plano próprio, a estrutura dinâmica e o
movimento dialético do processo histórico de produção do
homem. Para o homem, produzir-se é conquistar-se,
conquistar sua forma humana‖. Freire ainda destaca a
inconclusão do homem que o coloca em um
permanentemente movimento de busca de ‗ser‘ e ‗‘estar
sendo‘, ora imersos, ora emersos em seu mundo ou no
mundo, mas sempre numa constante relação dialógica
(FREIRE; 2017a, p. 103). Paulo Freire se inscreve entre
aqueles educadores empenhados na luta em defesa de uma

210
educação humanizadora, descrevendo que o ato de ensinar é
uma especificidade humana, dotado de racionalidade e
ideologia, por mais imparcial que essa possa parecer.
Todavia, se a educação cumprir seu papel de
libertadora, ela torna-se base para as mudanças sociais e
dos sujeitos, adentrando no processo de emancipação do
homem, oportunizando a real construção de conhecimento,
e de desenvolvimento do ser enquanto cidadão ativo na
sociedade em que vive. Por isso reiteramos a importância
que as TDICs ocupam no cenário educativo. Ao falar em
emancipação, Freire retoma as diferentes formas de
opressão e de dominação no mundo neoliberal e de
exclusão, o que pode ser acentuado ou não através da
compreensão do uso das TDICs na constituição do ser
humano no seu aspecto social. Por isso, Freire nos leva a
pensar no conceito de emancipação: ―como sendo uma
conquista política, ou seja, emancipar o sujeito é libertá-lo
da opressão e dominação de classe. Esse tema aparece,
também, na perspectiva marxista‖, e compreende a
educação como meio para que os oprimidos se libertem dos
opressores (OLIVEIRA; PROENÇA, 2016, P. 91).
Na teoria freiriana, a emancipação é
entendida como um estágio de
modificação da vida do sujeito e, ao
falarmos sobre a emancipação humana, é
fundamental termos como parâmetro a
necessidade de ruptura do sistema
vigente (nesse caso, do sistema
capitalista). A tão aclamada emancipação
seria o alcance da plenitude do sujeito,
ou seja, quando o sujeito se reconhece
como sujeito histórico, inacabado e
autônomo. Freire não almeja, em seus
escritos e práticas, apenas uma mudança
da forma como o educador ministra suas
aulas, mas pretende romper com a lógica
viciosa do ensino bancário. É necessário
―quebrar‖ o sistema para que a
emancipação seja promovida (OLIVEIRA;
PROENÇA, 2016, p. 92-93).

211
A emancipação, portanto, perpassa a construção da
identidade, uma vez que a identidade legitimada forma a
sociedade civil. Esta última por sua vez, reproduz o formato
da dominação estrutural, perpassando pela transformação
social, alterando as formas de opressão, de dominação e de
exclusão. Compreendido a proposta de Paulo Freire, é
importante fazer uma aproximação com as concepções de
Theodor Adorno, sobre a questão. Mas antes disso é
importante pontuar que um dos grandes problemas da
relação opressor-oprimido é quando o oprimido se liberta do
opressor e passa a oprimir, nos colocando em um ciclo de
poder apoiado na violência e não no reconhecimento do
outro. Por isso a importância de se estabelecer uma dialética
para que se possa avançar além de pontos de vista
reducionistas ao se propor a estruturação de um plano de
construção de sociedade elaborado a partir da sociedade.
Mesmo que a educação não seja "o fator"
emancipador do sujeito, pois não é o único fator e nem a
educação é a mesma. Adorno (1995, p. 11), propôs que ―a
educação não é necessariamente um fator de emancipação
do sujeito‖, ele ―adverte contra os efeitos negativos de um
processo educacional pautado meramente numa estratégia
de ‗esclarecimento‘ da consciência, sem levar na devida
conta a forma social em que educação se concretiza‖,
aproximando as concepções de emancipação. Isso é o que
ele chama de Teoria da semiformação, que funda-se num
princípio educativo distorcido para educação
profissionalizante, integrada mas desconectadas da
realidade do aluno e de suas necessidades para vida em
comunidade, reproduzindo um desigualdade perante a
diversidade, em que não se instala o princípio básico do
ensinamento do ‗pensar‘, na qual a educação não é
universal, e não propicia a autonomia e a formação crítica
reflexiva do sujeito para a vida em sociedade.
Adorno afirma que a arte e o sujeito
moderno buscam um indivíduo
autorreflexivo e acredita na escola como

212
propulsora da emancipação. ―Diferente
dos autores do pós-moderno, a educação,
na perspectiva adorniana, deve perseguir
uma formação para a autonomia e
emancipação do sujeito‖ (Idem, p. 187).
Ainda, de acordo com Loureiro, Adorno
afirma que ―A única concretização efetiva
da emancipação consiste em que aquelas
poucas pessoas interessadas nesta
direção orientem toda sua energia, para
que a educação seja uma educação para
a contradição e para a resistência‖
(OLIVEIRA; PROENÇA, 2016, p. 95).
Segundo o autor, não podemos compactuar para que
essa forma de educação, ou semiformação, continue. Em
uma sociedade em rede, na qual o diálogo pode ser
estruturado de várias maneiras e distâncias geográficas, as
barreiras sociais precisam ser ultrapassadas. As TDICs
podem facilitar a ruptura dessas barreiras. Ao possibilitar
que o sujeito experencie o uso consciente e eficiente das
tecnologias ele passa a conversar com o mundo, tornando-se
o artífice da sua vida e agindo para transformar-se a si a ao
seu meio. Por isso, as considerações sobre a atualidade da
educação e sobre os inúmeros aspectos de suas relações
com a sociedade impõem-se. A formação como categoria
definida a priori, de maneira impositiva e sem flexibilidade
inibe ideias de libertação e construção da identidade dos
sujeitos autônomos e realizados num conceito de cultura
como liberdade (ADORNO, 2010).
Para Arroyo (2013) o currículo, além desses fatores
ideológicos, ainda é um território de disputa. Aqui, a
educação perde toda a essência postulada por Paulo Freire e
se adentra a questão de educação hegemônica discutida por
Gramsci. Essa disputa interminável, muitas vezes, é
distorcida em função da própria disputa de poder ideológico
para sua constituição hegemônica, nem sempre com o olhar
voltado para uma sociedade igualitária.
Isso se torna cada vez mais difícil na educação da era
digital. Yanaze (2012) reflete a profundidade das relações e

213
interações do homem com a tecnologia na
contemporaneidade, diante do papel que as TDIC
desempenham no processo de constituição do sujeito, de
sua identidade, e no processo de ensino e aprendizagem, as
mudanças tecnológicas foram inaugurando modelos
educacionais que lhe são próprios. Todavia, mesmo diante
dessa revolução digital e do devir transformador dela, a
educação não pode perder de vista seu princípio de
construção de produção de uma consciência verdadeira.
Verdadeira porque na semiformação, por não se ter
conhecimento e consciência da liberdade, há uma adaptação
e uma acomodação à falsa libertação, e o sujeito acaba por
copiar a essa falsa realidade e assimilar-se a ela, sem que
haja reflexão, libertação, emancipação.
Entender e dar a devida importância ao currículo
enquanto peça no desenvolvimento da identidade e
emancipação do estudante é dar a sociedade o entendimento
e o direito de discutir o currículo como parte do projeto de
sociedade que se espera para as futuras gerações. Para
Arroyo (2013, p. 10), ―o currículo na prática são os espaços
onde se vivenciam nossas realizações, mal-estares e até as
crises de docência, mas a rica dinâmica social a qual
estamos inseridos hoje, é ele que ―toca de frente na
conformação da cultura e das identidades‖ (p. 13), pois
trata-se da do núcleo e do espaço central estruturante da
função da escola. A inserção das tecnologias digitais na
escola nos remete a discussão da fundamentação teórica
que embasa o currículo e quais sujeitos se pretende formar,
pois esta não é neutra. A escola não pode perder de vista
sua função social, ainda mais se o campo do conhecimento
tenha se tornado mais dinâmico, complexo e disputado. Por
isso a necessidade de questionar a quem e para quem serve
a inserção das tecnologias no currículo, para que essa não
seja feita de maneira ingênua, desconectada da realidade
global e do contexto local.

214
Oliveira (2006, p. 430), aponta que ―o contexto
cultural tem o papel de regular as condições sociais de
constituição do senso de si‖, e por isso a escola não pode
perder de vista esta função, enquanto instituição social,
cultural e histórica, mesmo diante da complexidade da
educação do século XXI e da diversidade contemporânea, de
seres, culturas, de diferenças, da sociedade em si. Ou seja,
não se pode negar os avanços tecnológicos, a importância da
habilidade de entender, navegar e sobretudo contribuir para
a produção e crescimento de um mundo que se abre ao
toque de uma tecla e nos põe em contato direto com uma
sociedade global. E sobretudo não se pode negar aos
sujeitos o direito de escolha sobre o conhecimento e
apropriação dessa realidade. Por isso nosso interesse em
tornar visível essa questão de suma importância na
dinâmica social de formação dos sujeitos, para que,
entremeio a essas disputas e questões, a mais valiosa
função da educação não seja perdida no meio do caminho.
―O processo de formação da identidade é influenciado
por processos de tipo dialético, que envolvem
incompatibilidade, inconsistência e conflito, seguidos da
síntese e/ou resolução‖ (MCADAMS; MARSHAL, 1996, p.
435), mas na educação da era digital vai além disso. Ela
deve conceber e abarcar estas questões de acordo com as
transformações substanciais nas áreas fundamentais da
vida e da evolução do ser: social, cultural, individual e etc,
contemplando competências para que essas dinâmicas se
fundam, mesmo que formas diferentes no princípio básico
da educação e emancipação do ser.
O sentimento de ter uma identidade pessoal dá-se de
duas formas: a primeira é perceber-se como sendo o mesmo
e contínuo no tempo e no espaço; e a segunda é perceber
que os outros reconhecem essa semelhança e continuidade‖,
e o currículo deve possibilitar a escola a reconhecer as
diferenças e estimular esse sentimento de pertencimento e
de ser (SCHOEN-FERREIRA et al, 2003). Todas essas

215
questões vão influenciar diferente no desenvolvimento do
sujeito social, crítica e reflexivo, ativo ou passivo no meio em
que vive, por isso o currículo deve privilegiar uma proposta
de emancipação do sujeito, em favor da diferença e da
construção da identidade, de modo que esses possam ser
indivíduos autônomos, libertos, construtores de suas
próprias realidades.
Perez Gómez (2015), nos mostra a necessidade de
reconhecer o potencial instrutor e formador oferecido pela
revolução comunicacional e tecnológica, oferece uma
expansão das limitações dos contextos aos quais estão
inseridos. Todavia, é preciso considerar a teoria aqui
apresentada quanto a semiformação sendo mais importante
que o acúmulo informacional, e a possibilidade de reflexão e
construção do conhecimento. A formação cultural para a
libertação com certeza ultrapassa as barreiras desse
processo, assim, como o vemos.
É necessário pensarmos na real interação e
participação dos interlocutores virtuais e a que encaminham
a construção do conhecimento. Se a educação é a base para
a construção da liberdade e contra ideologia, como está será
pensada, de forma a abarcar tais princípios diante das
influências da inovação tecnológica e comunicacional. Este
novo cenário, de pensamento ensino e aprendizagem, em
suma influencia a própria condição educativa, transforma a
natureza das questões e dos processos ideológicos e de
libertação. Cabe-nos pensar a respeito, de forma a encontrar
meios de aliar tudo isso.

Considerações finais

Mesmo em tempo de mudanças e transformações


sociais e tecnológicas, a libertação e a emancipação devem
ocorrer. Somente por meio da educação, há a possibilidade
de formação intelectual voltada para o pensar crítico do
sujeito para uma vida ativa na sociedade em que vive.
Todavia, a própria educação, enquanto, o processo

216
educativo estiver arraigado na alienação da semiformação,
diante da imposição ideológica, não haverá emancipação do
sujeito para uma vida crítica e ativa socialmente, estando
esses, condenados a não libertação desse processo circular
recorrente.
A formação integral e da identidade do sujeito pode
ser alcançada perante a diversidade e a diferença,
respeitando-as na e para a construção da identidade dos
sujeitos no contexto em que estão inseridos, inclusive diante
da tecno-pedagogia. O currículo é o instrumento para a
garantia dessa proposta, não perdendo de vista as
finalidades maiores da educação, em consideração a esse
princípio, de formar um cidadão competente sim, mas para
a vida em sociedade.
Considera-se, portanto, que a libertação e a
emancipação podem ocorrer a partir da garantia da
valorização da identidade, e integração das tecnologias
digitais no processo de emancipação do sujeito, na qual o
currículo exerce papel fundamental. Para tanto, é necessário
desenvolver estratégias de rompimento com a alienação ou a
semiformação imposta ideologicamente, e com a ideia de que
as tecnologias não são instrumentos de aprendizagem e
desenvolvimento. As TDICs podem ser consideradas apenas
instrumentos ou serem inseridas, de fato, como mediadoras
do conhecimento e da aprendizagem. Isso vai depender,
principalmente, da compreensão do sujeito que se deseja
formar: crítico, alienado ou submisso. Se o currículo o guiar
para uma aprendizagem em que ele seja independente e
emancipado, como propõem Freire em suas obras, as TDICs
devem acompanhar o mesmo raciocínio. Devem ser
inseridas no contexto escolar como uma forma disruptiva de
promover a equidade e de desenvolver seres pensantes e
reflexivos, e não como equipamentos neutros.
Sem o pensamento complexo do ser humano as
máquinas servem ao propósito de reproduzir a dominação.
Nas mãos daqueles que já conseguem entender o poder que

217
elas representam, as TDICs incorporam possibilidades
inumeráveis de sucesso e de autonomia. Essa nova forma de
encarar as tecnologias no ensino é um passo importante em
prol da formação da identidade e do sujeito integral, crítico e
proativo, como proposto por Freire e resgatado ao longo
desse texto.

Referências

ADORNO, T. Teoria crítica e inconformismo: novas


perspectivas de pesquisa / Bruno Pucci, Antônio A. S. Zuin,
Luiz A. Calmon Nabuco Lastória (orgs.) . - Campinas, SP:
Autores Associados, 2010.

ARROYO, M. G. Currículo – território em disputa.


Petrópolis/RJ, Vozes, 5ª Ed, 2013.

BELONI, M. L. O que é mídia educação. Campinas, SP:


Autores Associados, 3. Ed. Ver. 2009.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: do conhecimento


à política. In: CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo
(Orgs.). A Sociedade em Rede: do conhecimento à ação
política. Conferência. Belém (Por) : Imprensa Nacional. p.
17-30, 2005.

CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre


a internet, os negócios e a sociedade / Manuel Castelles,
tradução Maria Luiza X. de A. Borges – Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editora, 2003.

CIAVATTA, M. A formação integrada a escola e o trabalho


como lugares de memória e de identidade. Revista Trabalho
Necessário, ano 3, nº 3. 2005

CORREIA, Fábio Caires. Theodor Adorno e o Problema da


(Semi) formação. Kínesis-Revista de Estudos dos Pós-
Graduandos em Filosofia, v. 8, n. 16, 2016.

DOS SANTOS, Andréa B, et. al.. Um olhar sobre o ensino


híbrido: desafios e possibilidades. V Seminário Web
Currículo Educação e Cultura Digital. PUC-SP, 2017.

218
FREIRE, Paulo. Educação como prática da Liberdade. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 44ª ed. 2013.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro,


Paz e Terra, 64ª ed. 2017a.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes


necessários à prática educativa. Rio de Janeiro/São Paulo,
Paz e Terra, 55ª ed. 2017b.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro


com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro/São Paulo,
Paz e Terra, 24ª ed. 2018.

FREIRE, Ana Maria de Araújo. Pedagogia da Libertação em


Paulo Freire. São Paulo, Paz e Terra, 1ª ed. 2018.

FREITAS, M. S. Letramento digital e formação de


professores. Educação em Revista, Belo Horizonte, vol. 26,
n. 3, p. 335-352, 2010. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/edur/v26n3/v26n3a17

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da


identidade. Tradução: Mathias Lambert, v. 4, 1988.

GRAMSCI, Antônio. Os Intelectuais e a Organização da


Cultura. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 4ª ed. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1982.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da


Costa. São Paulo: Editora 34, 2010.

MCADAMS, G.R.; MARSHal., S.K. A developmental social


psychology of identity: Understanding the person-in-context.
Journal of Adolescence, v. 9, p. 429-42, 1996.

MASHIBA, Glaciane Cristina Xavier. Emancipação Humana


em Theodor Adorno e Paulo Freire. Tese de Doutorado.
Universidade Estadual de Maringá, PR. 2013.

MASSCHELEIN, J.; RICKENS, N. Bildung. In P. Peterson, E.


Baker & B. McGaw (eds.) International encyclopedia of

219
education (3rd ed.) (pp. 127-131). Oxford: Elsevier
Academic. 2010

MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa (org.). Currículo:


Políticas e práticas. Campinas: Papirus, 1999.

OLIVEIRA, Maria Claudia Santos Lopes de. Identidade,


narrativa e desenvolvimento na adolescência: uma revisão
crítica. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 2, p. 427-
436, mai./ago. 2006

OLIVEIRA, Neiva Afonso; PROENÇA, Kátia Aparecida Poluca.


Emancipação: Uma Perspectiva Freiriana no GT- 17 da
ANPED no Período De 2001 A 2007. Expressa Extensão.
Pelotas, v.21, n.1, p. 88-102, 2016

PEREZ GOMEZ, A. Educação na Era Digital: a escola


educativa. Tradução Marisa Guedes; Revisão Técnica Bartira
Costa Neves. – Porto Alegre: Penso, 2015.

ROJO, Roxane (org.) Escola conectada: os multiletramentos


e as TICs. São Paulo: Parábola, 2013.

SANTOS, Lucíola. Novas abordagens no campo do


currículo. Em Aberto, v. 12, n. 58, 1993.

SCHOEN-FERREIRA, et al. A construção da identidade em


adolescentes: um estudo exploratório. Estudos de
Psicologia, 2003, 8(1), 107-115

SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução à


teoria do currículo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Teoria cultural e educação — um


vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

WAAR, Wolfgang Leo. Adorno, Semiformação e Educação.


Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, 2003.

YANAZE, L. K. H. Tecno-pedagogia: os aspectos lúdicos e


pedagógicos da comunicação digital. 2009. 235 p.
Dissertação (Mestrado em Interfaces Sociais da
Comunicação) – USP, São Paulo, 2009.

220
Sobre a organizadora e o organizador

Luciano e Claudia se encontraram nas trilhas dos


caminhos deixados por Paulo Freire.

Cláudia Coelho Hardagh


Claudia Coelho Hardagh, o sobrenome diz tudo: filha
de espanhola e pai romeno, mas o Coelho vem de Portugal
mesmo por parte do avô. Imigrantes muito pobres e que
sempre valorizaram os estudos, tudo girava em torno dos
livros, da música e da gastronomia. Por isso amo cozinhar,
consegui fazer doutorado e pós-doutorado porque os livros
são os nossos parceiros fiéis que nos provocam a vida toda.
Fiz História por paixão e Sociologia para mudar o mundo,
busquei na Pedagogia as respostas para os meu
inconformismo e indignação como professora. Fui mãe
professora e professora mãe, filhas críticas que mostravam o
quanto a professora tinha que melhorar. Ai... Inquieta e
curiosa, resolvi seguir em frente nos estudos, que por sinal
nunca acabam, e me tornei pesquisadora na área da
educação. Confesso que isso é muito pouco perto do que
sentir amor de avó e acreditar cada vez mais que por meio
da educação vou conseguir fazer o melhor para meu neto
Benício.

221
Luciano Gamez
Luciano Gamez é paulista, mas como o nome revela,
descendente de espanhóis. Desde muito cedo sou amante do
teatro e da música e, desta paixão, sendo fruto de uma
família de educadores, me tornei professor, psicólogo,
analista psicodramático e ―coreógrafo educacional‖, um
termo metafórico que venho utilizando desde que conclui
meus estudos de pós-doutorado em Educação e Pedagogia
do E-learning. Pensar sobre a Educação nessa relação com a
Psicologia, as Artes e a Tecnologia tem sido meu maior
desafio. Atualmente integro o corpo de professores do Curso
Superior de Tecnologia em Design Educacional na Unifesp,
onde também ocupo o cargo de Coordenador Adjunto da
UAB/Unifesp. Desenvolvo pesquisas no âmbito dos
processos de ensino e aprendizagem em contextos
educacionais Abertos e em Rede, integrando Rede
Acadêmica Internacional WEIWER® - Wikis, educação e
investigação | Wikis, Education & Research
(www.weiwer.net). Sou pai do Arthur, e por ele me movo na
esperança e nos sonhos que alimentamos juntos.

222
Sobre as autoras e os autores

Antonio Hamilton Santos


Professor da SEDUC, Pesquisador na área de
Formação Docente, Líder de Grupo de Pesquisa Jr.
Doutorando em Educação.

Arlete Vilela de Faria


Mestre em Educação pela Universidade Federal de
Lavras (UFLA), Licenciada em Pedagogia (UFJF) e
Licencianda em Tecnologia Educacional (UFMT).
Especialista em Teorias e Práticas na Educação (UNIFAL);
em Planejamento e Implementação e Gestão da EAD (UFF).
Atualmente é Professora de AEE/Sala de Recursos
Multifuncionais na Secretaria de Estado de Educação de
Minas Gerais.

Augusto Matos Oliveira


Mestrando em Educação/PPGED-UFS, Professor da
rede Municipal de Piritiba-BA, Especialista em Gestão
Escolar, Pos-graduando em Neoropsicopedagogia, trabalha
na educação basica da Zona Rural. Pesquisador sobre
educação inclusiva e educação ambiental no contexto rural
e formação docente. Participante do Nucleo de Estudo,
Extensão e Pesquisa em Inclusão Educacional e Tecnologia
assistiva (NUPITA/ UFS) e Grupo de Estudos e Pesquisa em
Formação de Professores e Tecnologia da Informação e
Comuinicação (FOPTIC/UFS).
Beatriz Marques Paiva
Graduanda em Pedagogia pela Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo (2021). Integrante
do Metamorfose - Grupo de Estudos e pesquisas Feministas
em Educação e Gênero pela Universidade Federal de Santa
Maria (2019). Membro da comissão organizadora da Semana
da Educação da FEUSP 2021 e diagramadora da revista
Futuro do Pretérito (2021).

Beatriz Hitos Silva


Graduanda em Pedagogia pela Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo. Trabalha como
professora assistente bilíngue na Hirano Bilingual School.
Recursos Humanos da Semana da Educação da Faculdade
de Educação da USP. Projeto de Extensão na Universidade
de São Paulo. Diretora de Assessoria de Imprensa e
Divulgação na Revista Futuro do Pretérito. Diretora de
Artigos na Associação Atlética Acadêmica XV de Outubro.
Diretora da Modalidade de Dança da Associação Atlética
Acadêmica XV de Outubro. Participação na Semana Global
de Letramento Midiático e Informacional da UNESCO.

Braian Veloso
Mestre e doutorando pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de São
Carlos (PPGE-UFSCar). Também é doutorando, na mesma
instituição, pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia
(PPGS-UFSCar). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
sobre Inovação em Educação, Tecnologias e Linguagens
(Grupo Horizonte-UFSCar). Recentemente, suas pesquisas
versam sobre a Educação a Distância (EaD) e sobre o
trabalho na contemporaneidade.
Cláudia Alencar Lopes
Possui graduação em pedagogia (2006) Mestrado em
Educação pela Universidade Metodista de São Paulo (2011).
Tem experiência docente na Educação Básica, nos anos
iniciais, formação de Professores e tutoria em EAD.
Atualmente é membro do Núcleo de Formação da Rede
Municipal de Ensino do Município de Itaquaquecetuba.

Daisy Antunes de Souza


Pedagoga e mestre em Educação: Teoria e Prática de
Ensino pela Universidade Federal do Paraná. Especialista
em Alfabetização pela Faculdade Professor João Bagozzi.
Atualmente é professora regente da Prefeitura Municipal de
Curitiba.

Daniel Mill
Professor da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar), onde trabalha como docente, chefe do
Departamento de Educação e gestor de Educação a
Distância (EaD). Doutor em Educação pela UFMG, com pós-
doutorados pela Universidade Aberta de Portugal e pela
Universidade de Coimbra-Portugal. É membro do Programa
de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós-
Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade. É líder do
Grupo Horizonte (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Inovação em Educação, Tecnologias e Linguagens) e, como
pesquisador, tem interesse particular pela interseção das
temáticas: Trabalho Docente, Tecnologias, Linguagens,
Cognição, Aprendizagem e Educação a Distância.
Daniela Simone de Azevedo
Assessora Tecno-Pedagógica na Prefeitura Municipal
de Betim, trabalho com as áreas de Educação à Distância e
formação de professores para o uso das TDICs na educação.
Mestra em Formação de Professores e especialista em Uso
Educacional da Internet e Produção de Material Didático
para a Diversidade, sou formada em Letras Inglês e
Português e professora do ensino fundamental de Língua
Inglesa. Principais Publicações: Letramento digital: uma
reflexão sobre o mito dos ―Nativos Digitais‖ (Editora Renote,
2018), LongForm or Microcontent? An analysis of supports
for digital content courseware (Revista de Educacion a
Distancia ; 21(65), 2021.), Investigação Sobre As
Habilidades Para O Uso De Tecnologias Digitais De
Informação E Comunicação Na Educação Básica, (UFLA,
2018), Literacia Digital– Desenvolvendo Competência Para
Atuar com e no Mundo Mediado por Tecnologias Digitais da
Informação e Comunicação (Editora Dialética, 2020).

Eduardo Fofonca
Pedagogo e licenciado em Letras. Doutor em
Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie, SP. PhD em Educação pela Logos
University Int. Pós-doutor em Educação pela Universidade
do Estado de Santa Catarina e em Didática pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
Atualmente é Técnico em Assuntos Educacionais na Pró-
reitoria de Ensino do Instituto Federal do Paraná, BR e
docente dos Programas de Pós-graduação UniLogos, EUA e
UFPR, BR.

Estela Aparecida Oliveira Vieira


Pós-doutorado em Educação pela Universidade
Federal de Lavras.
Giovanna Ramalho Osteti
A Graduanda em licenciatura em Letras português
pelo Instituto Federal de São Paulo (IFSP), revisora da
revista de divulgação cientifica da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo, Futuro do Pretérito (2021),
fundadora e Diretora-Editorial da revista de divulgação
científica do Instituto Federal de São Paulo – Campus Salto
(2021). É roteirista e editora de vídeos educacionais para
escolas particulares, com foco na Educação Infantil e Anos
Iniciais do Ensino Fundamental (2020).

Giulianna Ramalho Osteti


Pedagoga pela Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo e pós graduanda em
Psicopedagogia pela Anhembi Morumbi, professora de
diferentes disciplinas na Educação Infantil e Ensino
Fundamental de colégio da rede privada de ensino. É Vice-
diretora editorial da revista Futuro do Pretérito FEUSP
(2019), membro da comissão organizadora da Semana da
Educação da FEUSP em 2020 e 2021. Ministrou atividades
sobre temas educacionais na Universidade Santo Amaro
(2018 e 2019), bem como curso sobre Excel do básico ao
intermediário na FE-USP (2018), participante da Semana
Global de Letramento Midiático e Informacional da UNESCO
(2020).

Ilvanir da Hora Santos


Mestre em Ensino de Ciências e Matemática (UFS),
Especialista em Pedagogia Empresarial, Didática e
Metodologia do Ensino Superior e em Libras (FSL), Pedagoga
(Pio X), membro do grupo de pesquisa Núcleo de Estudo,
Extensão e Pesquisa em Inclusão Educacional e Tecnologia
Assistiva - Núpita (UFS). Graduanda no curso de Letras -
Libras (UFS).
José Renato Polli
Licenciado em Filosofia em Pedagogia, Mestre em
História Social (PUC-SP), Doutor em Educação (FEUSP),
Pós-doutor em Educação (FE-UNICAMP). Professor
colaborador junto ao Departamento de Filosofia e História
da Educação da FE-UNICAMP. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Filosofia e Educação - PAIDEIA.
Membro do Conselho Científico do INPPDH - Instituto
Nacional de Pesquisa e Promoção dos Direitos Humanos.

Josenilson Felizardo dos Santos


Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática
(NPGECIMA) UFS-SE; Professor da Educação básica da
Prefeitura Municipal de Aracaju e da Secretaria de Educação
Estadual de Sergipe-SEDUC. Pedagogo com habilitação em
Orientação Educacional pela Faculdade PIO DÉCIMO.
Especialização em Pedagogia Empresarial; Educação e
Gestão; Membro do Grupo de pesquisa Educação e
Contemporaneidade (EDUCON) Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisa Identidades e Alteridades -(GEPIADDE).

Luciano de Figueiredo Borges


Professor Associado do Departamento de Ciências
Biológicas da Universidade Federal de São Paulo. Professor e
Orientador junto ao Programa de Pós Graduação em
Patologia da EPM/UNIFESP. Professor
convidado/colaborador junto ao INSERM/Universidade de
Paris e CNRS/Universidade de Lyon, França. Co-fundador e
coordenador do Grupo de Apoio a Docência, Ensino e
Aprendizagem (GADEA)da Unifesp/Diadema. Integrante da
Rede de Apoio Docente e Membro do Centro de Colaboração
Internacional BICC/BEME/UNIFESP. Tem como linha de
pesquisa o estudo das doenças vasculares e metodologias de
ensino/aprendizagem.
Maria Fernanda Degan Bocafoli
Possui graduação em Ciências Sociais pela
Universidade Estadual de Campinas (2008), graduação em
História pela Universidade de Franca (2014) e graduação em
Pedagogia pela Universidade Aberta do Brasil (2019). Possui
especialização em Globalização e Cultura pela FESP-SP
(2014), especialização em Psicopedagogia Clínica e
Institucional pela Universidade São Camilo (2020) e
especialização em Design Instrucional pelo SENAC-SP
(2021). Atualmente é professora de Filosofia e Projeto de
Vida do Centro de Mídias da Educação do Estado de São
Paulo e Professora de Educação Básica - Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo. Pesquisadora vinculada
ao Grupo Política, Políticas Públicas e Ação Coletiva
(3PAC/UFABC), do CNPQ. Colaboradora da Escola
Preparatória para a Pós-Graduação em Humanidades (Pós-
Graduar/UFABC). Tem experiência na área de Educação,
com ênfase em Sociologia da Educação, atuando
principalmente nos seguintes temas: Sociologia da
Educação, História da Educação e Filosofia da Educação.

Maria São Pedro Barreto Matos


Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática
UFS-SE; Professor formador COEF/DEB/SEMED - rede
Municipal de Aracaju; Integrante do grupo de assessoria a
formação de Professores da Soluções Moderna, Sergipe e
Bahia; Pedagoga/Psicopedagoga; Foi professora da rede
Municipal de São Paulo; Pós-graduada em Administração
Escolar, Cultura e Cidadania e Arte Educação. Participante
do grupo de Pesquisa- Núcleo de Estudo, Extensão e
Pesquisa em Inclusão Educacional e Tecnologia assistiva
(NUPITA/UFS) e do Grupo de Pesquisa Formação,
Interdisciplinar e Meio Ambiente (GPFIMA -UFS)- Pesquisa
Formação Docente, Processos de Ensino e Aprendizagem e
primeira infância. Inclusão e Educação Ambiental.
Millena Miranda Franco
Mestranda em História e Historiografia da Educação
no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo (PPGE/FEUSP).
Graduada em Pedagogia pela FE-USP. Diretora editorial da
revista Futuro do Pretérito FEUSP desde 2019. Membro da
comissão organizadora da Semana da Educação da FEUSP
em 2018, 2019 e 2020. Participou da Semana Global de
Letramento Midiático e Informacional da UNESCO.
Desenvolveu pesquisa financiada pelo CNPq intitulada
"Ginásios Vocacionais Noturnos para Trabalhadores", sob
orientação da Profª. Drª Carmen Sylvia Vidigal Moraes.
Desenvolveu pesquisa intitulada "Registro histórico por meio
de relatos biográficos de docentes aposentados: valorizando
e reconstruindo a história da FEUSP (parte 1)", sob
orientação do Prof. Dr. Marcos Garcia Neira, financiada pelo
PUB/USP. Atualmente, pesquisa os Ginásios Vocacionais do
estado de São Paulo na década de 60, financiada pela
CAPES/CNPq.

Mariela Vilella
Formada em Letras, Licenciatura - Língua
Portuguesa/Literatura Brasileira, pela Universidade Federal
de Minas Gerais. doutoranda em Educação pela UNR ,
Universidade Nacional de Rosario, Argentina, com o tema
Letramento digital, inclusão e políticas públicas. Faz parte
do quadro efetivo de professores da Prefeitura Municipal de
Contagem, exercendo a função de Professora de Língua
Portuguesa, no Ensino Fundamental III e atua como
secretária do Conselho Diretor da Escola CEI Integral.
Nathalia Rodrigues Pinheiro da Silva
Pedagoga pela Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (FEUSP). Pós graduanda em
Neuropsicopedagogia, Didáticas e Metodologias Ativas de
Aprendizagem e MBA em Transformações de Negócios
Digitais. Idealizadora e co-fundadora do projeto InterAção
Educacional. Diretora Editorial da Revista InterAção
Educacional (2020-) e membro da área de Assessoria de
Imprensa e Divulgação da Revista Futuro do Pretérito.
Palestrante sobre temas educacionais com participação
internacional na Semana Global de Letramento Midiático e
Informacional da UNESCO (2020). Membro da comissão
organizadora da Semana da Educação da FEUSP,
representando os setores de Recursos Humanos e/ou
Comitê Científico (2018-2020).

Nora Machalous
Licenciada em Letras pela FFLCH-USP (alemão e
português). Possui mestrado em Ciências Humanas pela
Universidade de Santo Amaro Psicopedagogia (2002) e
mestrado em Educação, Arte e Historia da Cultura pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie (2018) Atualmente é
professora de alemão no colégio Humboldt Colégio e
professora de alemão comercial e de gestão ambiental nas
curso de pós segundo grau (DUAL) Humboldt. Tem
experiência na área de Letras, com ênfase em Alemão.
Possui especialização em Educação Ambiental, Gestão
Estratégica de Pessoas e Tecnologias na Educação pelo
SENAC. Atua em temas como: língua alemã, alfabetização
bilíngue, interdisciplinaridade, cultura digital, diversidade e
história da cultura. Doutoranda em Educação na
Universidad Nacional de Rosário, Argentina. Tem
publicações principalmente sobre uso de tecnologias digitais
em sala de aula e sobre politicas educacionais.
Pyetra Stephannie Rodrigues Costa
Minibiografia. Graduanda em Pedagogia pela
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
(2018). Trabalhou como assistente de coordenação na
Fundação Bradesco (2019-2021). Trabalha como Assistente
de sala na Fundação Instituto Tecnológico de Osasco (2021).
Presidente e Financeiro da Associação Acadêmica Atlética
XV de Outubro (2020). Revisora na Revista Futuro do
Pretérito (2021) Desenvolvendo pesquisa na área de
Avaliação Pedagógica financiada pela CNPq através do
programa Residência Pedagógica, orientada pelo Prof. Dr.
Ocimar Munhoz Alavarse (2020 - 2022).

Valda Colares
Nascida em Santa Luzia, Maranhão, é historiadora,
poeta, escritora, doutoranda em Ciências da Educação, pela
Universidade do Porto (Portugal). É mestre em Ciências da
Educação, pelas Universidades de Educação de Granada
(Espanha), Rovira i Virgili, Tarragona (Espanha) e
Universidade do Porto (Portugal), como bolsista da União
Europeia, pelo programa Erasmus Mundusfor. Pós-
graduada em Docência em Escola de Tempo Integral e
Capacitação Pedagógica, pela Universidade Federal Rural de
Pernambuco e, licenciada em História, pela Fundação de
Ensino Superior de Olinda. É autora do livro de poesias,
Rota do Âmbar, coautora do livro Magdalena Arraes: a Dama
da História (Biografia). Atualmente é professora de História,
Arte e Geografia, para os anos finais do Ensino
Fundamental, na Rede Estadual de Ensino (PE).
Valéria Sperduti Lima
Mestre em Multimeios pela Universidade Estadual de
Campinas – UNICAMP e doutora em Educação (Currículo)
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/
SP. Sua atuação e pesquisa atualmente concentra-se nas
áreas de aprendizagem colaborativa, avaliação e formação de
professores nos setores de educação formal, informal,
educação aberta e educação corporativa. Desenvolve ações
de gestão em projetos e cursos de formação de professores.
Docente da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar no
período de 2006 a 2011, e na Universidade Federal de São
Paulo - UNIFESP até o momento, onde atua no Curso de
Tecnologia em Design Educacional, em cursos de
especialização e aperfeiçoamento na educação online. Foi
coordenadora de Desenvolvimento Docente da ProGrad
UNIFESP e atualmente é coordenadora geral da UAB
UNIFESP.
Índice remissivo

A 37, 38, 39, 40, 41, 42,


44, 146, 147, 153
avaliação da
aprendizagem, 8, 170, E
190
educação, 6, 8, 6, 7, 9, 12,
C 13, 14, 15, 17, 18, 19,
21, 22, 23, 24, 25, 26,
co-aprendizagem, 176, 27, 28, 29, 33, 38, 40,
191 45, 47, 49, 50, 51, 52,
53, 54, 55, 56, 57, 58,
co-investigação, 191
59, 60, 64, 66, 67, 68,
conteúdo, 3 70, 71, 72, 73, 74, 75,
76, 78, 80, 81, 83, 84,
criticidade, 17, 21, 28, 64, 85, 87, 88, 89, 90, 91,
69, 70, 74, 133 96, 97, 99, 101, 103,
105, 107, 108, 109,
currículo, 8, 17, 39, 104, 110, 112, 115, 116,
105, 106, 107, 118, 117, 118, 119, 120,
119, 120, 122, 124, 121, 122, 124, 125,
145, 149, 150, 151, 128, 129, 134, 135,
153, 154, 191, 204, 136, 137, 138, 139,
207, 211, 212, 213, 140, 142, 145, 146,
214, 215, 217, 220, 149, 150, 152, 153,
221, 222, 224, 227 154, 159, 161, 162,
163, 164, 167, 168,
D
174, 177, 189, 190,
dialogicidade, 22, 39, 47, 193, 197, 198, 200,
53, 54, 75, 128, 140 203, 204, 205, 207,
208, 209, 210, 211,
diálogo, 77, 78 213, 214, 215, 216,
217, 218, 219, 220,
dodiscência, 14, 16, 20, 221, 222, 223, 224,
23, 25, 33, 34, 35, 36, 225, 227, 229, 232, 239
educação a distância, 6, humanização, 6, 7, 24,
45, 59, 60 52, 72, 73, 128, 140,
160, 161, 209
emancipação, 8, 9, 59,
128, 135, 136, 137, I
138, 139, 140, 169,
174, 204, 207, 209, identidade, 8, 63, 64, 74,
214, 215, 216, 218, 129, 141, 154, 204,
219, 220, 221, 222, 207, 208, 209, 210,
223, 224 211, 212, 213, 217,
219, 220, 221, 222,
enfermagem, 243 224, 225, 226, 227

ensino remoto, 6, 45, 46, imprensa estudantil, 140


47, 48, 49, 51, 52, 54,
57, 58, 59, 95, 100, 152 inédito viável, 8, 166, 192,
200, 201
F
P
formação, 9, 13, 18, 19,
23, 27, 29, 40, 43, 55, pandemia, 7, 14, 22, 23,
63, 65, 66, 67, 68, 69, 25, 26, 27, 46, 49, 58,
70, 72, 73, 74, 75, 76, 79, 80, 81, 84, 86, 93,
78, 100, 101, 107, 123, 100, 153, 154, 203
126, 138, 145, 148,
paulo freire, 2, 3, 4, 6, 7,
151, 152, 153, 163,
8, 6, 10, 11, 12, 16, 17,
164, 180, 187, 194,
22, 23, 24, 26, 32, 33,
205, 206, 207, 208,
34, 40, 43, 44, 47, 51,
209, 211, 212, 213,
52, 58, 60, 61, 74, 78,
215, 216, 220, 222,
95, 102, 112, 113, 114,
223, 224, 225, 226,
118, 120, 127, 128,
229, 231, 232, 236, 239
129, 133, 134, 135,
formação continuada, 68, 136, 138, 140, 145,
70 146, 147, 152, 155,
156, 157, 158, 159,
H 160, 161, 162, 163,
164, 165, 167, 168,
169, 171, 193, 203,
205, 207, 218, 219, 149, 153, 171, 189,
220, 226, 243 193, 198, 199, 200, 243

pedagogia da autonomia, projeto, 5


20, 30, 78, 92, 126,
145, 154, 171, 226 proximidade, 6, 9, 32, 45,
47, 54, 55, 57, 58, 60
pós-graduação, 30, 194,
202, 203, 230, 231, R
235, 236
redes, 15, 18, 27, 28, 50,
pós-graduar, 8, 192, 194, 55, 96, 98, 102, 104,
195, 196, 199, 200, 107, 110, 134, 158,
201, 202, 203, 235 205, 206, 217, 244

práxis, 2, 3, 4, 6, 7, 6, 7, T
9, 13, 14, 15, 18, 20,
trabalho, 3
22, 25, 27, 28, 35, 62,
64, 74, 76, 77, 78, 85, trabalho coletivo, 129
88, 89, 92, 96, 127,
128, 129, 135, 138,
139, 140, 145, 146,
Ficha técnica

Título Paulo Freire e a práxis pedagógica na


contemporaneidade
Subtítulo -
Org. Cláudia Coelho Hardagh e Luciano
Gamez
Coleção -
Páginas 250
Edição 1ª
Volume 1
Ano 2021
Cidade Diadema
Editora V&V Editora
ISBN 978-65-88471-23-4
DOI 10.47247/VV/CCH/88471.23.4

REFERÊNCIA
HARDAGH, C. C.; GAMEZ, L. Paulo Freire e a
práxis pedagógica na contemporaneidade. Diadema: V&V
Editora, 2021.
https://doi.org/10.47247/VV/CCH/88471.23.4
Querida leitora e querido leitor,

Agradecemos por ter comprado a versão impressa desse


livro e/ou por ter feito o download do e-book. Decerto que
despertar seu interesse pela obra, para nós, editores e
autoras, é uma alegria imensa.
Por isso, agradecemos.

Caso tenha alguma dúvida ou sugestão, entre em contato


conosco pelo e-mail:
contato@vveditora.com
____________________________________

Publique conosco!
Biografias, poesias e textos literários.
Trabalhos de Conclusão de Curso, Dissertações e Teses.
Artigos e textos de Grupos de Pesquisas e Coletâneas.

Acompanhe nossas redes e site e também nossos eventos.


Contracapa

Você também pode gostar