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Universidade Federal de Pernambuco

Centro Acadêmico do Agreste


Curso de Design

Flávio Vieira da Silva Santos

Moda e historicidade: uma investigação dos


acabamentos do vestuário de alta-costura

Caruaru, 2017
Flávio Vieira da Silva Santos

Moda e historicidade: uma investigação dos


acabamentos do vestuário de alta-costura

Projeto de graduação apresentado como requisito


final para à obtenção do título de Bacharel do
Curso de graduação em Design, da Universidade
Federal de Pernambuco, Campus do Agreste.
.

Orientador: Prof. Dra. Flavia Zimmerle da Nóbrega Costa

Caruaru, 2017
Catalogação na fonte:
Bibliotecária – Marcela Porfírio – CRB/4-1878

S237m Santos, Flávio Vieira da Silva.


Moda e historicidade : uma investigação do acabamentos do vestuário de alta-
costura. / Flávio Vieira da Silva Santos. – 2017.
58f. ; il. : 30 cm.

Orientadora: Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa.


Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Universidade Federal de
Pernambuco, CAA, Design, 2017.
Inclui Referências.

1. Vestuário. 2. Moda. 3. Desenho (Projetos). I. Costa, Flávia Zimmerle da


Nóbrega (Orientadora). II. Título.

740 CDD (23. ed.) UFPE (CAA 2017-139)


FLÁVIO VIEIRA DA SILVA SANTOS

MODA E HISTORICIDADE: UMA INVESTIGAÇÃO DOS ACABAMENTOS DO VESTUÁRIO DE


ALTA-COSTURA

Monografia apresentada ao Curso de Design da Universidade


Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção
do título de graduado em Design.

Aprovado em: 28/06/2017.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________
Profa. Dra. Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa (Orientadora)
Universidade Federal de Pernambuco

____________________________________________
Profa. Dra. Danielle Silva Simões Borgiani (Examinador Interno)
Universidade Federal de Pernambuco

____________________________________________
Profa. Dra. Nara Oliveira de Lima Rocha (Examinador Interno)
Universidade Federal de Pernambuco
Agradecimentos
Genuinamente e de coração aberto, minha sincera gratidão se volta para o Criador dos
céus e da terra. Sua força é o que rege a vida e nele é quem confio minha direção, a justiça
aspirada para cada causa e a revelação sobre o que ainda não entendo.
Aos meus pais, Angelita Vieira e João Ambrósio por tudo que fizeram e me ensinaram
para que hoje possa ser parte do que sou. A presença deles é a certeza que sempre terei um
cais a me esperar, durante as tempestades da vida.
A meus irmãos Fábio Vieira e Maria Angélica, pelos encorajamentos, incentivos e
fraternidade.
Ao amigo-irmão Jefferson Sobral, por me incentivar a lutar por meus sonhos e
objetivos e que sempre me ajudou nos momentos mais difíceis dessa jornada acadêmica.
Meu ser se sente lisonjeado pelas pessoas incríveis que cruzaram meu caminho
durante essa jornada e partilharam companheirismo, sorrisos e afetos, entre eles Michele
Farfan, Maíra Fernandes, Valdete Paz e a todos que de algum modo fizeram parte dessa
trajetória.
A todos os professores do curso de Design da UFPE-CAA, pelo partilhar do
conhecimento e contribuição em minha formação acadêmica e humana, em especial à Flavia
Zimmerle pela disponibilidade, direcionamento e paciência necessários a esse trabalho.
“A alta-costura, para mim, é um estado de espírito, porque nos abre muitos caminhos, como o
da excentricidade e o do individualismo".
Christian Lacroix
Resumo
O segmento de alta-costura pode ser considerado o ápice do sistema de moda cujas
referências sejam estéticas, sejam tecnológicas ecoam por toda a cadeia desde o setor têxtil à
moda popular. Seu surgimento e desenvolvimento remontam as origens e sistemática das
sociedades industriais que desencadeou uma revolução no próprio modo de vida das pessoas.
Fruto dessa revolução industrial, a burguesia desejosa pelo luxo percebeu na indumentária um
modo de diferenciação social visível e palpável; é nesse cenário que surge a figura do
designer pelo visionário creditado pai da alta-costura o inglês Charles Worth que estabeleceu
a Câmara Sindical da alta-costura, que regulamenta e dita as regras para as Maison
s que fazem parte do seleto grupo. Edificada sob um sistema de produção artesanal e centrada
sob uma clientela exclusiva e abastada, todo o trabalho empregado em uma peça couture
perpassa por processos que envolvem desde o desenvolvimento de tecidos exclusivos,
modelagem sob medida, seleção entre inúmeras técnicas de aplicação (bordados, perolização,
plumaria) e técnicas de acabamento manual. Esse estudo se propôs ao entendimento da alta-
costura como engrenagem no sistema de moda, seja pela historicidade, tecnologias e técnicas
de acabamentos empregados. Por meio da pesquisa documental, foi possível identificar e
analisar diferentes tipos de acabamentos usados em costuras de união de grandes blocos que
compõe de modo geral a peça de vestuário. Outros tipos de acabamentos são explorados, por
serem de extenso uso na alta-costura, denominados: barras, vistas e debruns, para os quais
destacamos os detalhes de uso, material e técnica. Os resultados percebidos apontam para uma
variedade de acabamentos pouco estudada e explorada na literatura nacional e no meio
acadêmico, visto a quase inexistência de publicações com conhecimento direcionado sobre o
tema. Desse modo, o estudo possibilita o conhecimento de técnicas e procedimentos que
aguçarão a percepção técnica e criativa de designers e profissionais da área no sentido de
pensar a construção do vestuário de um modo amplo com novas adaptações e possibilidades
de finalizações no vestuário.

Palavras-chave: Construção do vestuário. Acabamentos. Alta-costura.


Abstract
The haute couture segment can be considered the apex of the fashion system whose references
are aesthetic, be they technological innovations throughout the chain from the popular fashion
textile sector. Its emergence and development trace the origins and systematics of industrial
societies that triggered a revolution in people's own way of life. As a result of this industrial
revolution, the bourgeoisie, desirous of luxury, perceived in clothing a visible and palpable
mode of social differentiation; It is in this scenario that the figure of the designer arises by the
visionary credited father of the Haute Couture, the Englishman Charles Worth who
established the Chamber of Commerce of Haute Couture, which regulates and dictates the
rules for the maisons that are part of the select group. Built under a system of artisanal
production and centered under an exclusive and wealthy clientele, all the work employed in a
couture piece goes through processes ranging from the development of exclusive fabrics,
tailor-made modeling, selection among numerous application techniques (embroidery,
beading, plumarie) and manual finishing techniques. This study aimed at understanding
couture as a gear in the fashion system, whether for the historicity, technologies and finishing
techniques employed. Through documentary research, it was possible to identify and analyze
different types of finishes used in union seams of large blocks that generally make up the
garment. Other types of finishes are exploited because they are widely used in haute couture,
called: bars, views and borders, for which we highlight the details of use, material and
technique. The perceived results point to a variety of finishes that have not been studied and
explored in the national literature and in the academic environment, due to the almost non-
existence of publications with directed knowledge on the subject. In this way, the study makes
possible the knowledge of techniques and procedures that will sharpen the technical and
creative perception of designers and professionals of the area in the sense of thinking about
the construction of clothing in a broad way with new adaptations and possibilities of finishes
in clothing.

Keywords: Clothing construction. Finishes. Haute Couture.

.
Lista de quadros
Quadro 1: Haute Couture VS. Ready-to-Wear ......................................................................... 27
Quadro 2 - Aplicação: bordas de costuras de união (margens de costura). .............................. 40
Quadro 3 - Aplicação: Debrum ................................................................................................ 42
Quadro 4: Características gerais dos acabamentos de barra. .................................................... 43
Quadro 5: Acabamento de borda/Bainha plana ........................................................................ 44
Quadro 6: Informações gerais sobre as vistas separadas. ......................................................... 50
Quadro 7: Informações gerais das vistas em viés. .................................................................... 51
Lista de figuras
Figura 1: Segmentos de varejo do mercado de moda ............................................................... 17
Figura 2: Christian Dior, por Yves Saint Laurent: "L'Elephant blanc". ................................... 31
Figura 3: Vestido de Gabrielle Chanel ..................................................................................... 32
Figura 4: Vestido de noite de Hubert de Givenchy .................................................................. 33
Figura 5: Debrum (Hong Kong) e bainha plana: base para alguns dos principais acabamentos
em couture ................................................................................................................................ 35
Figura 6: Chuleio à mão em margem de costura no vestido Dior. ........................................... 39
Figura 7: Vestido assinado por Bohan para Casa Dior. ............................................................ 40
Figura 8: Início da execução do debrum .................................................................................. 41
Figura 9: Finalização da execução do debrum. ........................................................................ 41
Figura 10: Margem de costura encadernada com chiffon de seda cor nude............................. 42
Figura 11: Redução de volume de costura em área da bainha.................................................. 44
Figura 12: Bainha plana dobrada, alfinetada e alinhavada para costura. ................................. 45
Figura 13: Modo de segurar o vestuário para abainhar: (a) posição para abainhar tecidos que
não enrugam); (b) posição para abainhar tecidos que enrugam. .............................................. 45
Figura 14: Bainha de costura dupla .......................................................................................... 46
Figura 15: Processo de construção da bainha enrolada à mão ................................................. 47
Figura 16: Bainha tombada. .................................................................................................... 47
Figura 17: Vestido da década de 1950 de Hardy Amies. Decote escamado, cintura caída e saia
cheia. O decote termina com revestimentos separados. ........................................................... 48
Figura 18: Aplicando vista à mão, de cima para baixo: (a) aplicando na parte da frente do
vestuário; (b) aplicando na parte das costas do vestuário. ........................................................ 49
Figura 19: Formato de vistas, da esquerda para direita: (a) vista circular; (b) vista retangular.
.................................................................................................................................................. 50
Figura 20: Vestido de seda desenhado por Cristobal Balenciaga na década de 1950. Uma vista
larga finaliza o decote e a cava. ................................................................................................ 50
Figura 21: Aplicação de uma vista em viés em um decote. ..................................................... 51
Figura 22: Debrum único.......................................................................................................... 53
Figura 23: Da esquerda para a direita: (a) Preparando a tira de debrum; (b) Costura de
vestuário sobre tira de debrum; (c) Finalizando o debrum. ...................................................... 53
Sumário
1 INTRODUÇÃO 12
1.2 Objetivo Geral 13
1.3 Objetivos Específicos 13
1.4 Justificativas 13
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 15
2. 1 A indústria da moda: a configuração do mercado de moda e o luxo 15
2.2 O ápice de uma cadeia 19
2.2.1 O florescer da Haute Couture 19
2.2.2 A Haute Couture hoje 21
2.3 A suprema arte de projetar artefatos na Couture 24
2.3.1 Pilares da construção de uma peça Couture 25
2.3.2 Artesanato requintado: a alma da Haute Couture 29
2.4 Acabamentos aplicados ao vestuário da alta-costura 33
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 36
4 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS 38
4.1 Acabamentos em costura de união 38
4.1.1 O Chuleio 39
4.1.2 O Debrum (Hong Kong) 41
4.2 Acabamentos de borda 43
4.2.1 Barra 43
4.2.2 Bainha plana 43
4.2.3 Bainha de costura dobrada 46
4.2.4 Bainhas estreitas 46
4.2.5 Bainha enrolada à mão 46
4.2.6 Bainha tombada 47
4.3 Vistas 47
4.3.1 Vistas separadas 48
4.3.2 Vistas em viés 51
4.3.3 Vistas estendidas 51
4.4 Debruns 52
4.4.1 Debrum único 52
4.4.2 Debrum duplo 53
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 55
REFERÊNCIAS 57
12

1 INTRODUÇÃO
A democratização da moda seja por meio da difusão de estilos, diversificação de
materiais e segmentos de mercado, seja pelo acesso à informação sobre tendências em voga,
não foi capaz de suplantar o desejo envolto na busca pelo individual, o único e o exclusivo.
Como ápice de uma cadeia diversificada e globalizada a alta-costura abarca todas as
características fomentadas por um mercado de luxo que tem suas origens remontadas na
segunda metade do século XIX. Mas o que fá-la tão reluzente e ao mesmo tempo tão secreta?

A união de técnicas aplicadas a um projeto couture é que traz legitimidade à obra e ao


seu criador, aliás, a supremacia da técnica somada à perspicácia do criador foi o que legitimou
o seu ofício, abrindo espaço para o que hoje conhecemos como designer de moda “[...] as an
artist and established his or her “name” as an international authority for the design of
luxurious, original clothing”1 (STEELE, 2005 p.186).

Embora uma peça couture seja demasiada cara para a maioria dos usuários, uma
totalidade de técnicas aplicadas nas salas das casas de alta-costura podem ser reproduzidas,
fato que pode surpreender muitos profissionais que não possuem esse conhecimento
específico (SHAEFFER, 2011).

Na tentativa de tornar dinâmica e ágil a produção em larga escala de bens de consumo,


especificamente no que cabe às roupas, muitas das técnicas de construção do vestuário têm
sido suprimidas, substituídas e até mesmo esquecidas. Um bom exemplo dessa questão pode
estar no fato da pouca, ou até mesmo da falta generalizada de conhecimentos de técnicas
simples como a costura à mão, esta que é a base de construção de segmentos inteiros como a
alfaiataria, cuja construção é focada no usuário e busca o aprimoramento na execução e
acabamentos das peças.

Nessa perspectiva, a pesquisa pretende identificar dentro do sistema de produção da


alta-costura técnicas e tecnologias que compõem a elaboração de uma peça de vestuário com
foco nos tipos de acabamentos, de modo a entender e mostrar o passo-a-passo de confecção
de algumas dessas técnicas.

1
“como artista e estabeleceu o seu ‘nome’ como uma autoridade internacional para a concepção de originais
roupas de luxo”. [Tradução elaborada pelo autor]
13

Como resultado, a representação e passo a passo de como deve ser utilizado representa
um importante resgate histórico. A pesquisa contempla um segmento de uma grande área que
é pouco explorado, possibilitando um fácil acesso e utilização dos conteúdos aqui explorados
por estudantes e profissionais de diversas áreas.

1.1 Pergunta de pesquisa

 Como acontece o processos/técnica de acabamento nas peças de alta-costura?

1.2 Objetivo Geral


 Levantar o processo de construção de algumas técnicas de alta-costura.

1.3 Objetivos Específicos


 Estudar a cadeia e o mercado de moda;
 Entender os processos e regras da alta-costura;
 Levantar as principais técnicas de acabamento da alta-costura;
 Reproduzir algumas técnicas de acabamentos de costuras utilizadas para produzir um
produto desse segmento de mercado.

1.4 Justificativas
As nuances da moda, seu aperfeiçoamento e sua busca por qualidade, tem
vertiginosamente alimentado o fascínio pela exclusividade entre o público consumidor.
Apesar de presenciarmos o declínio de algumas profissões concernentes ao mundo da moda,
como a profissão de alfaiate, cujo exercício se aproxima da ideia de construção de vestimentas
únicas para o usuário, a alta-costura como o ápice da cadeia produtiva da moda, onde tudo é
possível, ainda fomenta a exclusividade no desejo de consumo do vestir.

Muito se fala e se especula a respeito da Haute Couture francesa: o savoir-faire, sua


excentricidade, seu elitismo, as exibições no tapete vermelho, e até mesmo a sua possível
morte, são algumas das razões que a tornam tão fascinante e, até certo ponto, secreta. Os
segredos do mundo da couture está, sem dúvida, especialmente vinculado ao trabalho
habilidoso empregado nas peças, que tem em seu cerne uma construção artesanal, meticulosa
e primorosa.
14

O sistema de produção da alta-costura é alicerçado no artesanato impecável, realizado


por diferentes artesãos de oficinas à parte que, contempla desde a construção de tecidos
nobres até as ornamentações, tais como: plumária, perolização, bordados, rendas e flores de
tecido; sendo esses exemplos do arsenal que a constitui.

Sofisticada, cara e exclusiva, a alta costura goza de status que somente uma clientela
muito seleta e abastada pode ter acesso. Segundo Claire Shaeffer (2011), colecionadora e
perita em alta costura, esta é constituída por cerca de 2.000 (duas mil) mulheres no mundo
inteiro, na qual destas, apenas algumas centenas consomem com assiduidade.

Se a moda é uma arte que “conseguiu estabelecer uma ponte entre a beleza e a vida”
como declarada pelo filósofo Manuel Fontán de Junco (1996), podemos acrescentar que o
mérito da Haute Couture foi estender essa ponte ao nível dos sonhos e da magia.

Recentemente, Gustavo Lins, designer radicado em Paris e único brasileiro a fazer


parte do seleto grupo da alta-costura, introduziu em parceria com o SENAI da cidade de Belo
Horizonte - MG, um curso que visa à difusão de técnicas da alta costura, objetivando que o
mercado de moda brasileiro absorva esse conhecimento e possa desenvolver com mais
perspicácia essa indústria que tanto contribui para a economia nacional. Seu foco, como não
poderia deixar de ser, está na aposta da qualidade de roupas em larga escala com preço justo
para o consumidor brasileiro, o que aponta necessidades de redirecionamentos nos processos
hoje utilizados na indústria, em virtude de uma técnica de elaboração do vestuário mais
apurada.

Na literatura e na academia, é escassa a produção científica sobre o tema em especial


no tocante ao processo de construção de uma peça couture, que envolve precisão em todo o
processo de construção desde a modelagem (centrada no usuário) acabamento e
ornamentação, fato que ressalta a importância e credibilidade do estudo.

Desse modo, a difusão dessas informações esmiuçadas poderá contribuir para um


pensar mais amplo e um agir com acuidade na seleção de técnicas e procedimentos a serem
empregados à projeção e execução de uma peça de vestuário no âmbito do design,
oferecendo, por exemplo, melhor qualidade ao produto final.
15

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Esse capítulo trata dos aportes teóricos que fundamentaram nossa pesquisa. Iniciamos por
tratar da indústria de moda, explorando o mercado de luxo. Seguimos com o entendimento do
segmento de alta-costura, esmiuçando suas formas de produção. Por fim levantamos os
principais acabamentos que são aplicados ao vestuário desse segmento.

2. 1 A indústria da moda: a configuração do mercado de


moda e o luxo.
No final da Idade Média e início da Renascença, o homem europeu, por meio do
pensamento racional, vivenciou um processo de mudanças que decompôs significativos
ditames regidos pela sociedade; o questionamento entre razão e fé, o desenvolvimento
tecnológico e a noção do individualismo em sintonia com o poder de mudança e decisão,
foram algumas das situações vivenciadas que possibilitaram o germinar da moda como um
sistema (POLLINI, 2007).

O uso das roupas em diferentes períodos da história, sob diversos aspectos, foi
incutido pelo homem para sinalizar diferenciação seja ela, social, simbólica ou conduzida por
valores morais (BRAGA, 2006).

Na Europa Renascentista a percepção do individual expressa nas vestimentas é um


indício pulsante do homem em busca da exclusividade que a burguesia passou a almejar; essa
busca entra em sinergia com a ideia do novo e do luxo. No entanto só podemos pensar a moda
como a conhecemos hoje, a partir do século XIX, com o advento da Revolução Industrial, na
Inglaterra (POLLINI, 2007).

Todas as sementes, tais como a descoberta de novas energias e o uso da tecnologia,


foram lançadas para o surgimento de um novo paradigma que propiciou o crescimento cada
vez mais expressivo da burguesia, desejosa de diferentes tipos de bens de consumo (inclusive
as vestes) que fomentaria o novo ritmo das sociedades industriais:

O século XIX começou, portanto, como um novo Renascimento. O conceito de


rapidez, de velocidade, se instalava, e as maneiras de pensar, de vestir e de se
divertir se modificavam. Estava pronta a fórmula para o florescimento da moda
como a conhecemos: os bens de consumo, principalmente o vestuário, passam a ter
16

uma produção muito mais rápida e barata; ao mesmo tempo, a burguesia encontrava
na moda um dos elementos de ostentação desta prosperidade e de exercício de seu
desejo pelas novidades estéticas. (POLLINI, 2007, P, 38).

No início do século XX, época denominada de “La Belle époque” (1900 à 1914) ou na
“era da opulência” como ficou conhecida, “[...] a riqueza era exibida em estilos de vida
extravagantes e era especialmente evidente nas luxuosas roupas femininas” (MENDES e DE
LA HAYE, 2009, p. 2). Já o homem, antes portador de vestimentas mais elaboradas, passa a
apresentar uma aparência mais mitigada, com o uso do casaco de alfaiataria e chapéu; sinais
dos tempos do trabalho nas novas sociedades industriais (MENDES e DE LA HAYE, 2009).

A época era propícia ao luxo, e foi durante esse período que a Chambre Syndicale de
la Confection pour Dames et Enfants, durante a Exposition Universelle de Paris, em 1900
organizou uma mostra de trabalhos de vinte grandes casas, consagrando a indústria francesa
de alta-costura perante o mundo. O estilo Eduardiano2 trouxe a referência da alfaiataria
britânica para o homem do início do século e os ricos eram fregueses de alfaiates famosos,
longamente estabelecidos na Bond Street e na Savile Row (MENDES e DE LA HAYE, 2009).
Podemos pontuar que embora a sociedade estivesse caminhando para a democratização da
moda, existia uma forte inclinação para a exclusividade no trajar, e as similaridades de
estética só poderiam existir dentro do mesmo grupo social.

Desde a introdução da máquina de costura com pedal em 1859, pelo inventor norte
americano Isaac Singer, o sistema de produção do vestuário absorveu profundas mudanças. O
boom da revolução industrial possibilitou a dinamização da produção de vestuário, aliada a
uma grande oferta de tecidos. Nos dias contemporâneos, o uso de softwares como o CAD (do
inglês: computer aided design) “[...] permitiu à indústria responder com rapidez as demandas
do mercado [...]” (JONES, 2005, p. 56).

Na atualidade, o mercado global da moda abrange vários grupos e segmentos. Nessa


diversidade é quisto que o designer atue de modo a compreender quem é o seu cliente ou
público-alvo, (SORGER e UDALE, 2009; RENFREW e RENFREW, 2010). Jones (2005, p.
59) complementa que essa compreensão abranja do mesmo modo os “[...] limites tecnológicos
e de recursos humanos [...]” dos confeccionistas e produtores.

2
Referência ao então rei da Inglaterra Eduardo VI, que influenciou a moda masculina da época e ainda nos dias
atuais. Segundo Mendes e De La Haye (2009, p. 36) “apesar de nos últimos anos ter se tornado extremamente
corpulento, Eduardo VI continuou a se vestir com aprumo”.
17

Por segmentação de mercado podemos entender que esta, compreende duas esferas,
que de modo geral, em primeiro plano, estão divididas pelo sexo e fase de vida dos usuários: a
moda masculina, a moda feminina e a moda infantil (JONES, 2005), sendo distribuídas por
tipos de varejo. Esta última engloba em diferentes setores do mercado, todos os indivíduos da
primeira esfera, distribuídos por aspectos sociais, culturais e econômicos (vide Fig. 1):

Figura 1: Segmentos de varejo do mercado de moda

Fonte: Adaptado de Jones, (2005, p. 65).

Na figura 1 podemos comparar a configuração do varejo por segmentos que constitui o


mercado de moda, tanto europeu como americano. Nele, podemos absorver diferenças sutis
em sua constituição. No entanto a mais relevante e peculiar característica é observada na
Europa devido a presença do mercado de alta-costura, que apesar de constar lado a lado com o
segmento de lojas de luxo em referência ao mercado americano, não se encontram em mesmo
nível de equivalência.
18

A denominação Haute Couture só pode ser utilizada por casas que passem pelo
rigoroso crivo das regras da Chambre Syndicale de la Haute Couture. Tal titulação é
sustentada por poucas casas na França e outras que originalmente não fazem parte do circuito
francês mas que participam como convidados à exemplo dos italianos Valentino e Giorgio
Armani. Nos demais países, entre eles o Brasil, a denominação para uma moda inspirada na
couture é o High Fashion ou Alta Moda, ou mesmo um prêt-à-porter de luxo (PALOMINO,
2003).
O mercado consumidor da alta-costura, segundo Allérès, (2000, p. 143), se distribui da
seguinte forma:

 50% nas Américas;


 25% no Oriente Médio;
 22% na Ásia e Europa (exceto França);
 3% na França.

Jones (2005, p. 39), disserta que a alta-costura “Está edificada sobre o prestígio e o
sucesso das peças únicas, sob medida e finalizadas à mão, vendidas a um público abastado e
socialmente versátil”. Sorger e Udale (2009, p. 110) enfatiza que “As roupas [...] são feitas
para ajustar-se a clientes individuais e são muito caras, uma vez que o estilista utiliza tecidos
exclusivos e artesãos altamente qualificados”. As definições apresentadas apontam para um
produto de luxo e exclusivo, vários são os processos que validam essa individualidade o que
concomitantemente, é feita para um consumidor que pode pagar por tal produto.

Todo o processo que envolve a construção de uma peça de alta-costura corrobora na


exclusividade do produto. A organização e o aporte de profissionais envolvidos justificam os
preços praticados nesse mercado. De acordo com Steele (2005):

The sewing staff are divided between two areas: dressmaking (flou), for dresses and
draped garments based upon feminine dressmaking techniques, or tailoring (tailleur),
for suits and coats utilizing male tailoring techniques of construction. The staff work
according to a hierarchy of skills ranging from the première, head dressmaker or
tailor, to apprentices3 (STEELE, 2005, p. 186).

3
As equipes de costura estão divididas entre duas áreas: costureira (flou), para vestidos e roupas drapeadas com
base em técnicas de costura feminina, ou alfaiataria (tailleur), para ternos e casacos utilizando técnicas de
alfaiataria masculina de construção. O trabalho pessoal de acordo com uma hierarquia de habilidades que vão da
première, costureira chefe ou um alfaiate, para aprendizes. [Tradução livre do autor.]
19

Apesar de a França ser o único país a deter os poderes absolutos sobre o setor da alta-
costura, a maior percentagem de usuárias desse produto não é francesa; a própria Europa não
adquire nem a metade da produção. Mesmo com a recessão financeira vivenciada nos últimos
anos, e ainda, apesar de possuir um mercado ready-to-wear bem desenvolvido, o público
americano é o principal mercado comprador da alta-costura, como se pode verificar na
distribuição desse mercado, segundo Allérès (2000) no esquema apresentado anteriormente.
Embora em teoria, o mercado brasileiro não consuma a alta-costura francesa, temos um caso
peculiar da brasileira e ex-modelo Bethy Lagardère que morou na França durante vários anos;
numa exposição apresentada durante a São Paulo Fashion Week em comemoração ao Ano da
França no Brasil em 2009, foram exibidos alguns modelos pertencentes à sua vasta coleção
pessoal (MARRA, 2009).

2.2 O ápice de uma cadeia


O presente tópico trabalhará a historicidade da alta-costura, sendo dividido em duas
etapas: suas bases e seu funcionamento no contemporâneo.

2.2.1 O florescer da Haute Couture


As bases para o que conhecemos como alta-costura foram lançadas em meados do
século XIX, através do creditado pai da alta-costura, o habilidoso alfaiate britânico Charles
Frederick Worth, no ano 1856. O mesmo era assistente de vendas na loja de tecidos Gagelin-
et Cie Opigez, (SHAEFFER, 2011). Para Shaeffer (2011) Worth, de modo visionário, soube
aliar seus hábeis conhecimentos na construção do vestuário e de tecidos para montar o
primeiro atelier comandado por um homem em Paris, reduto até então, apenas de mulheres
costureiras.

Os projetos de Worth eram centrados no cliente e em um padrão de design que passou


a ser a sua identidade enquanto criador; o uso de tecidos nobres e o próprio modo de produção
com cerne na individualidade foram os fomentadores da couture e do próprio ofício do
designer de moda, como se pode ver no comentário:

Worth’s designs also commanded high prices that were a substantial investment in
the garment It self and his associated and recognizable design style. This significant
shift established the profession of fashion designer of women’s garments as a
suitable and profitable one for men. Worth worked directly with the French silk
20

weaving industry to access and promote the original, luxury textiles that were a
signature of his production4 (STEELE, 2005, p. 186).

Habilidosamente, Worth alçou esforços que resultaram no estabelecimento da esfera


de regimento do novo sistema que havia criado: La Chambre Syndicale de la Couture
Parisienne, em 1868. A nova instituição trataria do lobby e questões de natureza trabalhista,
impostos, administração e produção (STEELE, 2005).

O florescer do novo século indicava novas ideias e concepções a cerca da moda e da


nova configuração das sociedades. Para Steele (2005, p. 186), “At this time there was little
distinction between couture, clothing made to measure, and confection, ready-made
clothing”5. Somente em 1910, é que ocorreu uma distinção clara entre a produção francesa de
vestuário e a nomenclatura la haute couture passou a ser exclusivo dos salões de alta-costura
que direcionavam sua produção para clientes privados.

No desenrolar da moda, por todo o século XX, muitos nomes e acontecimentos sociais
influenciaram a estética e desenvolvimento da alta-costura. Pela primeira vez um costureiro
foi capaz de sugerir a libertação do corpo feminino dos opressores espartilhos, em voga por
todo o período da Belle Époque; o jovem Paul Poiret introduziu a cintura reta, o que veio a se
tornar moda de fato, com a ocupação feita pela mulher em diversos setores no campo de
trabalho, por motivo do acontecimento da Primeira Grande Guerra Mundial (BRAGA, 2009).

Já nos chamados anos loucos (1920), uma das maiores referências da moda do século
foi Coco Chanel. A criadora que elevou seu nome ao status de estilo começou sua carreira
com a confecção de chapéus, migrando posteriormente para o campo do vestuário. Uma das
suas maiores ousadias nesse campo foi a introdução da malha jérsei na confecção de tailleurs
(BRAGA, 2009).

A crise mundial iniciada no final dos anos 20, encadeada pela grande depressão da
bolsa de Nova York, se estendeu até 1937, e alterou o ritmo de produção das maisons6 de
grandes costureiros, como Jean Patou e Chanel, que com menos clientes especiais, tiveram

4
“Projetos de Worth também comandaram os altos preços que eram um investimento substancial no vestuário
em si e seu estilo de design associado e reconhecível. Essa mudança significativa estabelecida à profissão de
designer de moda de roupas femininas como um adequado e rentável ofício para homens. Worth trabalhou
diretamente com a indústria Francesa de tecelagem de seda para acessar e promover os originais, tecidos de luxo
que eram uma assinatura de sua produção”. [Tradução livre do autor.]
5
“Neste tempo havia pouca distinção entre alta-costura, roupas feito à medida, e confecção, roupas ready-
made”. [Tradução livre do autor.]
6
Casas de alta-costura.
21

que exportar suas ideias para todo o mundo, direcionando sua produção desse modo, a
usuários anônimos. Posterior a esse período de depressão, um novo período de turbulência,
dessa vez uma Segunda Grande Guerra mundial, fez parar a produção de moda em Paris, que
se viu sitiada pelas tropas alemãs. Sobre esse período NERY (2004, p. 230- 231) disserta que
“A alta-costura fechou suas portas, como fez Chanel, que reabriria as suas após 15 anos.
Enquanto houve guerra, não houve grandes criações e o setor da moda não podia trazer
novidades”.

A exposição em miniaturas de bonecas com armação de arames, vestidas com criações


da alta-costura, denominada o Théâtre de la Mode em 1945, exaltava e proclamava o retorno
de Paris como centro da moda. Tal fato veio à confirmação com o surgimento da moda que
ressoou durante toda a década de ouro da alta-costura parisiense. O provinciano e tímido
designer, advindo da burguesia francesa e anteriormente assistente de Pierre Balmain,
Christian Dior conquistou prodígio e sucesso no ano de 1947, após a declaração feita pela
então editora da Harper´s Bazaar , Carmel Snow: “This is a new look”, sobre sua primeira
coleção de alta-costura. Essa teve como principal traje o icônico tailleur bar, composto de
“[...] uma jaqueta de xantungue justa e de uma fina saia de lã plissada. Abaixo da diminuta
cintura (conseguida com um pequeno espartilho) [...]” (MENDES e DE LA HAYE, 2009 p.
137; BAUDOT, 2002).

Nas décadas posteriores, vários nomes figuraram como expoentes máximos da moda
francesa, Cristobal Balenciaga, Hubert de Givenchy e Yves Saint Laurent, mas a nova
configuração das sociedades e o surgimento constante de novos comportamentos, fez com que
a moda lograsse seu direcionamento rumo a várias camadas sociais. Com o advento do ready-
to-wear americano e o equivalente francês prêt-à-porter, a alta-costura teve que se adaptar
aos novos tempos. Entre essas adaptações estão os “contratos que permitem às maisons [...]
pôr grife em sapatos, artigos de marroquim, óculos, joias relógios, etc.” bem como a
exportação de “um prêt-à-porter e acessórios made in france cujo padrão está relacionado
com o nome daquele que os propões”, ou seja, o designer (MENDES e DE LA HAYE, 2009,
p. 173).

2.2.2 A Haute Couture hoje


Apesar de todo o prestígio e sucesso gozados pela alta-costura por mais de um século
de moda, nas últimas décadas muitas especulações foram lançadas sobre o seu futuro incerto e
22

até mesmo a sua possível morte. O primeiro sinal de declínio da Haute couture ocorreu no
final da década de 1950, quando a iminência de um mercado adolescente em crescimento e
abastado, dos dois lados do atlântico, fez surgir a sociedade do descartável e do consumismo
(MENDES e DE LA HAYE, 2009).

Em meados da década de 1960, um grupo de talentosos designers em Londres, passou


a estabelecer o ritmo da moda internacional. A hegemonia de Paris permaneceu apenas pela
rápida desenvoltura do prêt-à-porter “[..] e por inovações futuristas de Pierre Cardin, André
Courrèges e Emanuel Ungaro e por modelos revolucionários de Yves Saint Laurent”; ainda
em 1968, Balenciaga fecha sua casa parisiense e declara que a alta-costura estava no fim
(MENDES e DE LA HAYE, 2009, P. 159).

Lipovetsky (1989, p. 108) destaca que ainda nesse momento, muitas casas podiam
trabalhar somente com o vestuário sob medida, mas nos anos que seguiram o declínio passa a
ficar mais evidente; “[...] em 1975, a parcela do sob medida não representava mais que 18 por
cento da cifra de negócios direta (excluídos os perfumes) das casas de Costura, e, em 1985, 12
por cento”.

Nesse momento histórico da moda francesa, a alta-costura perde espaço para o sistema
de prêt-à-porter voltado para um público jovem e dinâmico. O número de casas cai de 106 em
1946 para 19, já na década de 1970 e passa a ser sustentada por uma clientela formada por
apenas 3 mil mulheres (STEELE, 2005).

Lipovetsky (1989) discursa sobre a nova posição da couture dentro da nova realidade
do mercado da moda:

Não só o polo costura sob medida, expressão sublime da moda de cem anos,
atrofiou-se por decréscimo extremo da clientela, como também a Alta Costura não
veste mais as mulheres na última moda. Sua vocação é bem mais de perpetuar a
grande tradição de luxo, de virtuosismo de ofício, e isso essencialmente com fim
promocional, de política de marca para o prêt-a-porter ponta de série e para os
diversos artigos vendidos sob sua griffe no mundo. Nem clássica nem vanguarda, a
Alta Costura não produz mais a última moda; antes reproduz sua própria imagem de
marca “eterna” realizando obras-primas de execução, de proeza e de gratuidade
estética, toaletes inauditas, únicas, suntuosas, transcendendo a realidade efêmera da
própria moda. (LIPOVETSKY, 1989, p. 109).
23

Nos anos que se seguiram a alta-costura soube se preservar perante a ameaça do prêt-
à-porter, apesar do declínio (tendo em vista a queda no número de clientes) o sistema de
produção soube se adaptar à nova realidade. O número de pessoas no trabalho das casas
classificadas como “Costura Criação” também foi afetado e contava com apenas (2.000) duas
mil operárias, para um total de vinte e uma casas; onde antes, por exemplo, somente a casa
Chanel (antes da Segunda Guerra mundial) empregava 2.500 (duas mil e quinhentas)
operárias (LIPOVETSKY, 1989).

Em 1987 Christian Lacroix surge para dar novo fôlego à alta-costura e provoca uma
nova atenção ao segmento. Seu estilo barroco aliado a uma sedução sofisticada, “assinala o
fim do século XX; a expressão barroca sempre foi sinal de passagem [...]” (VINCENT-
RICARD, 2008, p. 76).

No século XXI a alta-costura pode ser considerada como um laboratório de criação e


tendências que ecoará em toda a cadeia de produção da moda. O número de clientes
atualmente não ultrapassa (2.000) duas mil pessoas, o que refletiu diretamente também para a
queda do número de casas integrantes do seleto grupo. Shaeffer (2011, p. 16) enfatiza que:
“The couture customer base has dwindled to an estimated 2,000 with perhaps only a few
hundred women purchasing regularly, and the number of couture houses has dropped from a
high of 53 after World War II to 21 at the beginning of 1993. By 2010, there were just 117”.

Contudo essa pequena fatia do mercado de moda é responsável por promover as casas
e impulsionar as vendas do segmento de prêt-à-porter, perfumes, sapatos e um número
infindável de outros produtos licenciados. Segundo Shaeffer (2011, p. 16):

Today, couture is considered the engine that pulls the train as the most successful
houses spin off lucrative licenses for ready-to-wear clothing, fragrances, cosmetics,
fashion and home accessories, chocolates and even automobile interiors. The House
of Cardin, for example, had 840 licenses in 94 countries, including one for car tires.
Although supported by bigger and more profitable business operations, haute

7A base de clientes de alta-costura tem diminuído para cerca de 2000, talvez com apenas algumas centenas de
mulheres que compram regularmente, e o número de casas de alta-costura caiu de uma alta de 53 após a Segunda
Guerra Mundial, para 21 no início de 1993. Até 2010, havia apenas 11. [Tradução elaborada pelo autor].
24

couture is still an art form practiced by a few creative men and women and a small
group of skilled artisans8.

Parafraseando Renfrew e Renfrew (2010), a principal queda de demanda na alta-


costura foi o desaparecimento de muitas formalidades sociais e mudanças na sociedade. O
número de clientes que compram com frequência esse tipo de vestuário não ultrapassa 300
mulheres. Muitas dessas mulheres utilizam cada peça somente uma vez e posteriormente
doam para museus. O comportamento é incentivado pelas próprias casas, visto que existe uma
promessa de desconto na próxima compra, caso o façam. A maison Chanel proporciona um
desconto de trinta por cento para a cliente que couber em alguma das peças desfiladas, já que
não será necessário confeccionar uma nova. Algumas consumidoras compram uma peça
couture apenas para possuí-la e mantê-la como uma obra de arte sem mesmo usar e outras
posteriormente realizam leilões, e suas peças passam a compor coleções de museus faculdades
ou até mesmo de colecionadores particulares (PALOMINO, 2003).

Outra importante passarela que promove grandiosamente as casas de alta-costura são


os tapetes vermelhos, tais como a cerimônia do Oscar em Los Angeles, e o Festival de Cannes
na França, na qual as usuárias são copiosamente assistidas pelos designers que, inclusive
montam “ateliês” apenas para garantir as provas da peça até a chegada do evento
(RENFREW, 2010, p. 83). No entanto muitas casas emprestam suas criações para
celebridades e atrizes no intuito de trazer mais prestigio à mesma. Como bem afirma
Palomino (2003, p. 26), “a couture hoje atende a “indústria de celebridades”.

2.3 A suprema arte de projetar artefatos na Couture


Esta seção volta-se para explorar o feitio artesanal das peças de alta-costura. Iniciamos
tratando das bases dessa construção tão específica e seguimos por abordar essas técnicas
artesanais.

8 Hoje, a couture é considerada o motor que puxa o trem para as casas de maior sucesso com lucrativas licenças
de produtos como vestuário pronto-a-vestir, perfumes, cosméticos, moda e acessórios para casa, chocolates e até
mesmo interiores de automóveis. A Câmara dos Cardin, por exemplo, teve 840 licenças em 94 países, incluindo
um para pneus de carro. Embora apoiada pelo maior e mais rentável negócio operações, alta-costura ainda é uma
forma de arte praticada por alguns homens e mulheres criativos e um pequeno grupo de artesãos qualificados.
[Tradução elaborada pelo autor]
25

2.3.1 Pilares da construção de uma peça Couture


O principal pilar da Haute Couture é sem dúvida a arte da costura à mão que no ato de
salvaguardar a primazia de habilidades de técnicas de costuras e alfaiataria foram reunidas em
um sistema de produção, que ainda centrado no serviço de clientes individuais, veio a
estabelecer o cunho inicial sobre o conceito de designer de moda, agora não mais artesão
(STEELE, 2005).

O inglês Charles Frederick Worth foi um visionário de sua época, na qual soube aliar
ao seu tino empreendedor tanto a sua habilidade de alfaiate, como os conhecimentos sobre
tecidos adquiridos desde a infância, numa loja de cortinas em Londres e, posteriormente, na
capital francesa em sua estadia na maison Gagelin.

A priori, dois importantes pilares foram somados para a configuração do sistema da


alta-costura: a arte da alfaiataria e a primazia por tecidos de luxo. Shaeffer (2011) declara que
tais tecidos muitas vezes custam centenas de dólares por yd (medição jarda) e alguns mais de
mil dólares por metro e complementa:

Many printed fabrics are made with exclusive patterns or colorways, meaning the
same design in different colors, designed by either the couturier or a fabric designer.
A few couturiers work closely with a fabric house to develop new fabrics. Some
fabrics, such as the extra-wide silks manufactured for Vionnet, the silk gazar
designed in 1958 for Balenciaga by the noted fabric-design firm of Abraham […]
and the printed silk muslin designed in 1947 for Dior by the firm of Bianchini-Ferier
[…], are still widely used. Many other original fabrics are, of course, no longer

available9 (SHAEFFER, 2011, p. 10).

Muitas maisons possuem ligação de longa data com fabricantes na criação de tecidos.
Um exemplo é a parceria entre a Chanel e a Linton Tweeds, que desde a primeira coleção da
marca em 1919 desenvolve com exclusividade os variados padrões de tweed com mescla de lã
e mohair, que por vezes recebem o incremento de outros fios. No entanto, em determinados
projetos, alguns tecidos são criados no próprio ateliê, em especial quando se busca uma

9
Muitos tecidos estampados são feitos com exclusividade em padrões ou colorways, ou seja, o mesmo design
em cores diferentes, concebidas tanto pelo designer ou um designer de tecidos. Alguns designers trabalham em
estreita colaboração com uma casa de tecido para desenvolver novos tecidos. Alguns tecidos, como as sedas
extra-largas fabricadas para a Vionnet, o gazar de seda desenhado em 1958 para a Balenciaga pela firma de
design de tecido Abraham [...] e a musselina de seda impressa desenhada em 1947 para a Dior pela firma
Bianchini -Ferier [...], ainda são amplamente utilizados. Muitos outros tecidos originais, obviamente, não estão
mais disponíveis. [Tradução elaborada pelo autor].
26

unidade em harmonia e caimento de padrão, tal como acontece com o uso das listras em que o
tecido é cortado e posteriormente cosido para um olhar contínuo respeitando características da
figura do usuário (SHAEFFER, 2011).

Dentro do ateliê das maisons existem divisões de áreas que determinam o tipo de
roupa que será criado. As principais são denominadas, flou e tailleur. O flou é destinado à
construção de vestidos e peças desenvolvidas pela técnica da moulage. No tailleur técnicas da
alfaiataria são empregadas na construção de blazers, casacos e ternos, que são adaptados ao
corpo feminino (RENFREW e RENFREW, 2010). Shaeffer (2011) destaca que algumas
maisons possuem duas salas que realizam o trabalho de execução da alfaiataria e detalhes
diferenciados são empregados no acabamento de peças em tecidos como a seda:

A few houses have two tailoring workrooms: one that concentrates on tailored,
menswear-influenced designs made of fabrics similar in texture, weave, and weight
to those used for menswear; and a second that concentrates on softer dressmaker
styles made of soft wools, mohairs, bouclés, or chenilles. In the dressmaking atelier,
where many gowns, dresses, blouses, and other garments are sewn, silk is the
predominant fabric. Many of the garments made in this workroom are softly draped
designs the prototypes, the edges are sometimes serged, pinked, or zigzagged, and it
is not uncommon for tailored garments to be left unlined 10 (SHAEFFER, 2011 p.
11) .

A preocupação com a legitimidade de um projeto couture e de seu criador foi o que


motivou Worth ao fomento de um órgão de regimento que controlasse a execução e evitasse o
plágio dos modelos. No ano de 1868 foi fundado em Paris a Chambre Syndicale de la
Confection et de la Couture pour Dames et Filletts. Também conhecida como Chambre
Syndicale de la Haute Couture possui regras rigorosas que determina qual casa pode integrar
o seleto grupo. Segundo Vincent-Ricard (2008, p. 68-70), algumas dessas regras constitui:
empregar mais de 19 pessoas, só executar modelos sob medida e apresentar à imprensa duas
vezes por ano, pelo menos 75 modelos diferentes. Ainda, deve-se preparar 45 apresentações
particulares para sua clientela, sendo obrigado a ter que empregar no mínimo, vinte pessoas
nos ateliês. Toda a coleção deve ser apresentada para a imprensa reunida (vide quadro. 1):

10
uma que se concentra em projetos sob medida, influenciado-moda masculina, feita com tecidos semelhantes
em textura, tecer, e peso aos utilizados para a moda masculina; e uma segunda que se concentra em estilos de
costureiras mais macios feitos de lã macia, mohairs, Boucles, ou chenilles. No atelier couture, onde muitas batas,
vestidos, blusas e outras peças de vestuário são costuradas, a seda é o tecido predominante. Muitas das roupas
feitas nesta oficina são suavemente drapeado desenha os protótipos, as bordas são, por vezes, overlocado,
picotado, ou em ziguezague, e não é incomum para roupas sob medida serem deixadas sem forro. [Tradução
elaborada pelo autor]
27

Quadro 1: Haute Couture VS. Ready-to-Wear

(Continua)
28

Quadro 1: Haute Couture VS. Ready-to-Wear (continuação)

Fonte: Adaptado de Shaeffer (2011. p. 20-21).


29

2.3.2 Artesanato requintado: a alma da Haute Couture


Durante o século XIX, nas principais capitais europeias, a presença de habilidosas
artesãs “[...] mais executantes que criadoras, que respeitavam as ordens imperiosas – ditadas
por um código social preciso – de suas clientes [...]” confluiria posteriormente aos ateliês das
maisons de alta-costura para agregar diferentes tipos de técnicas artesanais (VICENT-
RICARD, 1989, p. 53).

Consonante a destreza na arte de projetar empregada nos ateliês das maisons à


exemplo das atividades na “flou” e “tailleur”, “embellishment and accessories are added
incrementally as applied decoration, often from sources outside the couture house”11
(MARTIN E KODA, 1995, p. 47).

A indústria da alta-costura depende de um grande corpo de fabricantes de acessórios e


serviços especializados em moda, tais como cabeleireiros, sapateiros, além do apoio de
indústria como a de peles. No entanto os métiers12 de oficinas que elaboram o trabalho
artesanal aplicado diretamente sobre a roupa, é quem traz à vida muitos dos artefatos da
couture (id, 1995, P. 73). A valia do trabalho artesanal dessas oficinas é tamanha, que foram
elas as responsáveis pela permanência das maisons em Paris durante a invasão nazista. Martin
e Koda (1995) atestam que:

When Lucien Lelong, president of the Chambre Syndicale during the War, was
challenged by the Nazi authorities to transport the couture to Berlin in the 1940s, he
responded that such a move was impossible because of the synergy between the
couturiers and the petites mains workshops. To have taken the couture to Berlin
would have meant moving hundreds of ateliers, and so the führer's plan was
thwarted13. (MARTIN E KODA, 1995, p. 73).

O modo soberanamente artesanal de construção, desde a costura aos acabamentos


empregados, todos meticulosamente elaborados com trabalho manual, é o que distingue uma

11 Embelezamento e acessórios são adicionados de forma incremental, como a decoração aplicada, muitas vezes
a partir de fontes de fora da casa de alta-costura. [Tradução elaborada pelo autor]
12
Ofícios.
13
Quando Lucien Lelong, presidente da Chambre Syndicale durante a guerra, foi contestado pelas autoridades
nazistas para o transporte da alta-costura para Berlim na década de 1940, ele argumentou que tal mudança era
impossível por causa da sinergia entre os costureiros e as oficinas de petites main (pequenas mãos). Para ter
tomado a couture para Berlim teria sido necessário o deslocamento de centenas de ateliês, e assim o plano do
Führer's foi frustrado. [Tradução elaborada pelo autor]
30

peça couture de uma roupa prêt-à-porter, e isso não é um mero acréscimo de luxo, mas um
valor essencial empregado à peça de vestuário (SHAEFFER, 2011).

Duas importantes oficinas de artesania de destaque são a “Lesage” e o “Lemarié”. A


tradicional casa de bordados que também é especializada em tranças e penas, fundada em
1868. A mesma desenvolveu imponentes projetos usando lamê dourado ou prateado para
bordar capinhas para Schiaparelli, mas também contribuiu para casas como a de Worth e
Doucet, entre outras (CALLAN, 2007). O Lemarié é uma casa especializada na arte plumária,
fora inaugurada em 1880 e é uma das poucas existentes com experiência nessa arte
atualmente. Sediada em Paris, cidade que já chegou a sitiar mais de seiscentas (ESPINOSSI,
2013).

Entre as principais especialidades das oficinas de trabalho artesanal que contribuem


para a couture está o bordado, renda e tule, a perolização e arte plumária. Poucas maisons
possuem oficinas próprias de acabamentos aplicados à roupa ou de acessórios. A Casa Dior
não conta mais com ateliês próprios (RENFREW e RENFREW, 2010, P. 81). A Casa Chanel,
durante os últimos anos, adquiriu vários ateliês especializados, numa empreitada que teve por
objetivo “preservar a experiência única de artesãos tradicionais da moda” (RENFREW e
RENFREW, 2010, SHAEFFER, 2013). Denominada "Paraffection" a associação dessas
empresas artesanais é composta atualmente por doze ateliês que são eles: "Desrues" para
ornamentação, "Lemarié" de penas e camélias, "Lesage" de bordado "Massaro" de sapateiro,
"Michel" de chapéus, a “Goossens” bijuterias finas e peças de decoração, “Guillet”,
“Montex”, “Barrie” especialistas em cashmere e “Glove causse” que se dedica a confecção
de luvas. A última grande aquisição da companhia foi no final de 2013, momento em que a
casa de bordado “Lanel”, passou a integrar o ateliê “Lesage”. Apesar do aparente monopólio
no mundo da haute couture, a Chanel admite não impedir a independência dos ateliês e a
prestação de serviços para as demais casas de moda (VALOIS, 2014; SHAEFFER 2011,
2013).

A relação entre os ofícios das oficinas e as maisons é intrínseca e se completam em


perfeita sinergia ao ponto em que uma amostra de bordado ou a sugestão em novo uso de
dado material, pode guiar o caminho no desenvolvimento de uma coleção pelo designer. A
mesma resulta em artefatos que, mesmo sendo permeada pela sensibilidade estética do
extravagante, e fazendo parte da contenção elegante pertinente ao nosso tempo, possibilita
31

que a prática de luxo continue a ser sustentada pelas habilidades manuais que tratam, em si,
de mestria, sutileza, e etiqueta (MARTIN e KODA, 1995).

A seguir serão destacados trabalhos de algumas das principais técnicas de aplicação


sobre uma peça de Haute Couture. Em cada projeto é elaborado um trabalho meticuloso e
demorado, existindo peças que podem consumir até 3.000 horas para serem confeccionadas
(YAHN, 2012).

Ilustramos essas horas de trabalho com o caso de um vestido de noite que apresenta
uma silhueta trapézio, resultante da aplicação de uma rígida estrutura formada por uma
esvoaçante gaiola. Contendo um trabalho em bordado cintilante aplicado em uma superfície
transparente, “[…] from the earliest works at the house of Dior through the designer's
accomplishments in his own house, Saint Laurent has practiced and perfected this modernist
wielding of couture construction and proficiency to seem wholly unfettered”14 (MARTIN E
KODA, 1995, p. 90) (vide Fig. 3):

Figura 2: Christian Dior, por Yves Saint Laurent: "L'Elephant blanc".

14
Desde as primeiras obras na casa de Dior através das realizações do designer em sua própria casa, Saint
Laurent tem praticado e aperfeiçoado este modernista manejo de construção de Alta-costura e proficiência para
parecer totalmente sem restrições. [Tradução elaborada pelo autor]
32

Fonte: Martin e Koda (1995, p. 90-91).

A Figura 2, apresenta um vestido de noite, da coleção primavera-verão de 1958. A


peça é feita de seda branca e bordada com fio de prata e strass. À direita da imagem podemos
ver seu detalhamento.

O trabalho empregado nesta rede de seda da Figura 3 e seus babados é uma prova da
habilidosa percepção estética de Chanel, que muito embora tenha difundindo uma estética
com forte influência da alfaiataria masculina, “was not oblivious to the beautiful benefits of
the virtuoso hand-sewn details of the couture”15 (MARTIN E KODA, 1995, p. 99):

Figura 3: Vestido de Gabrielle Chanel

Fonte: Martin e Koda (1995, p. 98-99).

A Figura 3 detalha um vestido de noite da Maison Chanel, que data de 1936. O


mesmo foi construído em Chantilly Branco, sendo aplicado com rendas e seda.

15
Não era alheia ao belos benefícios dos virtuosos detalhes costurados à mão na alta-costura.[Tradução
elaborada pelo autor]
33

A Figura 4 revela um exemplo da união de técnicas, esse harmonioso vestido emprega


bordado e penas de avestruz com destaque intencional para a cintura com localização incerta e
camadas luxuosas (MARTIN E KODA, 1995). Trata-se de um vestido de noite, do início de
1960, elaborado com cetim de seda branco e rosa com bordado com cristais rosa e penas.
Figura 4: Vestido de noite de Hubert de Givenchy

Fonte: Martin e Koda (1995, p. 110-111)

2.4 Acabamentos aplicados ao vestuário da alta-costura


Dentro do processo de produção e manipulação de um tecido, o termo acabamento,
perpassa por duas definições distintas nos diferentes processos empregados. A primeira
definição para o termo envolve uma das etapas dentro da produção seja ela industrial ou
artesanal do tecido definido por Fischer (2010, p. 178) como “técnicas e processos usados
para manipular aparência, características, desempenho ou toque de um tecido”. Esse tipo de
acabamento pode mudar as funções práticas e estéticas do produto final, Mussi (2009, p. 370)
exemplifica o desempenho da impermeabilidade, que pode evitar manchas e umidade ao
tecido e acrescenta ainda que, a depender do acabamento usado “pode afetar o modo de lavar
e passar e costuma ser indicado na etiqueta da peça”.
34

A segunda definição sobre acabamento que será explorada nesse trabalho, diz respeito
ao modo como a roupa será acabada durante o processo de confecção (FISCHER, 2010).
Mussi (2009, p. 370) classifica esse modo de finalização da peça de vestuário como “proteção
das beiradas da margem de costura ou do pedaço do tecido para que não desfie”, Fischer
(2010, p. 178) acrescenta que tais técnicas e métodos, são empregados em “costuras e
bainhas”. Assim sendo, acabamentos são partes essenciais no vestuário; trata-se da finalização
ou pré-finalização de uma roupa e irá afetar diretamente a estética e o toque. São diversos os
modos e técnicas empregadas para acabamentos, e envolve conhecimentos prévios sobre
fechamentos, forros e comportamentos do tecido, e seu uso abrange boa parte da construção
do vestuário em diferentes setores da produção (FISCHER, 2010).

Na alta-costura distintos tipos de acabamentos são usados para diferentes materiais e


finalidades a exemplo dos acabamentos para costuras de união, decotes e bainhas de acordo
com o projeto requerido. Nesse trabalho exploraremos a estrutura e execução dos
acabamentos de costura em costuras de união. As mesmas podem incluir também vistas e
bordas e tem a função de evitar o seu desgaste. É o acabamento mais popular em couture, o
mais demorado e, consequentemente, o mais oneroso. Um outro grupo de acabamentos será
reportado, são os acabamentos denominados de borda e suas variáveis. O escolhemos visto a
sua extensão de uso, pois existe uma gama de possibilidade de aplicações em partes do
vestuário (SHAEFFER, 2011).

Dentro da gama de acabamentos de bordas, existem três divisões distintas


denominadas: barras, vistas, e debruns. A escolha para o tipo de acabamento que será
empregado dependerá de variáveis que permeiam desde o tipo de peça, tais como o tecido e o
projeto, bem como o formato da borda a ser acabada, as tendências da moda da estação, e até
mesmo a preferência do designer e/ou do cliente. Sobre suas aplicações e usos no processo de
construção de uma vestimenta na alta costura, Shaeffer (2011) destaca que:

Hems, facings, and bindings are all edge finishes, but each has a slightly different
function. Hems are used on the lower edges of a garment or garment section (like a
sleeve) and may help the garment hang attractively by adding weight to the edge.
Facings, on the other hand, are most often applied to the upper and vertical edges of
a garment. Bindings can be used on upper, lower, or vertical edges, but they are used
more often to replace facings rather than hems. 16 (SHAEFFER, 2011, p. 64)

“Barras, Vistas, e debruns são todos os acabamentos de borda, mas cada um tem uma função ligeiramente
diferente. Barras são usadas nas bordas inferiores de uma peça de vestuário ou seção de vestuário (como uma
manga) e pode ajudar a roupa a cair atraente, adicionando peso para a borda. Vistas, por outro lado, são mais
frequentemente aplicados às bordas superior e vertical de uma peça de vestuário. Debruns podem ser usados em
35

Nesse sentido, a literatura apresenta a estrutura básica dos diferentes tipos de


acabamentos de união e acabamentos de borda (barra, vista e debrum), conceituando-os e
ilustrando-os, de modo a situar as diferenças entre ambos, com destaque para algumas de suas
peculiaridades no processo de construção de uma roupa no sistema de alta costura, como
mostra a Figura 5:

Figura 5: Debrum (Hong Kong) e bainha plana: base para alguns dos principais acabamentos
em couture

Fonte: Shaeffer (2011, p. 44-68)

bordas superior, inferior ou vertical, mas são usados mais frequentemente para substituir as vistas do que as
barras”. Shaeffer (2010, Tradução livre do autor).
36

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Envolto a atender as propostas definidas nos objetivos gerais e específicos, buscou-se
por meio da pesquisa bibliográfica, onde segundo Marconi e Lakatos (2003, p. 186) permite
“que se estabeleça um modelo teórico inicial de referência, da mesma forma que auxiliará na
determinação das variáveis e elaboração do plano geral da pesquisa”, e ajudou situar a
historicidade pertinente ao entendimento da alta-costura e os processos na construção,
desenvolvimento e contribuições que esta provocou no sistema de moda e em toda a cadeia
produtiva de vestuário, com ênfase às técnicas e tecnologias empregadas.

Nosso estudo se caracteriza de base exploratória, pois segundo Leão (2007, p.3), “Os
estudos exploratórios têm como principal característica a informalidade, a flexibilidade e a
criatividade, e neles procura-se obter um primeiro contato com a situação a ser pesquisada ou
um melhor conhecimento sobre o objeto em estudo”. Segundo o autor, esses estudos podem
ser efetuados a partir de dados secundários. Assim, de modo a direcionar o processo de
identificação, seleção e amostragem em forma de passo-a-passo dos acabamentos, para além
das pesquisas documentais, utilizamos como referência a obra da escritora estadunidense,
Claire Shaeffer, por ser uma das poucas que exploram o know how do universo da alta-costura
com maestria.

A variedade de acabamentos em haute couture perpassa o mero ato de finalizar uma


peça de vestuário, situar suas aplicações e variáveis em um dado artigo têxtil aguçarão
diferentes percepções na seleção de melhor método de construção e consequente finalização
do mesmo. O limiar da seleção das técnicas deu-se a partir da verificação da importância, usos
constantes e variáveis que os mesmos assumem no ato de construção e finalização de uma
borda junto ao vestuário.

Os resultados apresentados para elucidar os devidos acabamentos seguiram a


sistemática de: conceituação, que introduz o entendimento sobre usos e peculiaridades;
quadro, onde apresenta as informações gerais em referência a materiais, aplicação e método
de corte, seguida de um passo-a-passo detalhado para os acabamentos que são pontos de
partida para a execução dos demais, e o uso de ilustrações que possibilitam a compreensão
sobre a estrutura de montagem do acabamento e guiam o executante para a confecção, que
podem acompanhar imagens reais de peças de alta-costura que demonstram o uso no
vestuário.
37

O tipo específico de material e ferramentas e tecnologias aplicadas à elaboração e


execução das técnicas apresentadas deverão respeitar a função e finalidade do projeto, e tal
conhecimento prévio é quisto ao profissional, seja a costureira, modelista e o designer. O
conhecimento prévio de materiais seus usos e aplicação é o que irá direcionar o profissional
na construção de um artefato de moda e o sucesso ao produto final, por esse motivo, não
foram abordados os pormenores de esse proceder, bem como o uso de infinitas possibilidades
de tecnologias aplicadas.

Do momento do planejamento para a execução no processo e sistemática da confecção


dos artefatos, buscou-se a complementação sob a perspectiva de outro método de abordagem:
o funcionalista. Essa abordagem é apoiada por técnicas descritivas (Martins e Theóphilo,
2009 P.42), e elas servirão como condutores na observação e interpretação dos processos de
construção assimilados. Desse modo, o acesso à obra de Shaeffer, propiciou entender o passo-
a-passo da execução dos variados acabamentos e seus usos na vestimenta.
38

4 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS


Fomentando a percepção de uma gama de variáveis para acabamentos de costuras de
união e costuras de borda (barras, viés e debruns) e o entendimento de suas aplicações e usos
pelo designer, a pesquisa aponta e apresenta uma coesa explanação sobre a execução de
alguns acabamentos, considerando o que já foi ressaltado em termos de peculiaridades e usos,
pois sua aplicação depende do tecido, formato e função requeridos pelo vestuário.

Um total de 12 técnicas são exploradas nessa seção e estão distribuídas em dois


grupos: no primeiro que são os acabamentos em costura de união, foram (2) investigados, e
o segundo que são os acabamentos de borda, que totalizam (10) dez, são subdivididos em
barras (4), vistas (3) e debruns (2). A construção do vestuário em alta-costura engloba uma
variedade significativa de técnicas em acabamentos de finalização de uma peça, visto o
proceder em testar os limites da moda. Para o escopo do trabalho a escolha de cada
acabamento foi orientada pela lógica da necessidade básica de uso de dado acabamento ao
vestuário e a extensiva usabilidade no mesmo, possibilitando assim uma aplicabilidade em um
número significativo na vestimenta, bem como, adentrar o conhecimento primal nesse
universo.

Desse modo, por meio da representação imagética do acabamento, e suas fases de


execução, oferecemos uma percepção sintética sobre o modo de trabalho executado nas salas
das grandes maisons da moda na execução dos acabamentos citados. Apresentamos a
visualização sobre variáveis dessa construção e apontamos do uso de ferramentas e
tecnologias, inerentes à realidade de um atelier de alta costura, que são: agulha, linha para
costura, linha para alinhavo, alfinetes, máquina de costura reta, entre outras.

4.1 Acabamentos em costura de união


Costuras de união podem ser entendidas como costuras que irão fazer a ligação
principalmente, em grandes blocos ou partes que compõe a roupa, como exemplo se pode
citar, a junção lateral da parte da frente e da parte das costas de uma blusa. Esse tipo de
costura trará como resultado, o aparecimento de sobras de tecido, denominada, margem de
costura na parte interior da roupa com tamanhos estabelecidos no corte, em vestuário prêt-à-
porter. Em alta costura, o modo de corte muitas vezes não contempla ou estabelece de
imediato as margens ou bordas de tecidos, após a execução das costuras principais, é que se
39

define no ato de refilar, o tamanho das bordas, anteriormente a essa tarefa (a depender da peça
a ser confeccionada) as marcações de costura são realizadas com o ato de alinhavar no tecido.
Como a tendência do tecido, de um modo geral, é a de desfiar, é necessário um tratamento de
finalização para que, com a manipulação, uso e lavagem da vestimenta, não ocasione o
desgaste do tecido e consequentemente da peça de vestuário. Na couture, existem duas
maneiras de executar esse acabamento que são o chuleio e o debrum.

4.1.1 O Chuleio
A técnica de chulear à mão, é o processo de acabamento mais usado e mais demorado
(e também o mais caro) na alta costura, pelo fato de possibilitar uma aparência lisa, suave e
menos provável de mostrar ou marcar do lado de fora - lado direito da roupa. Na atualidade,
algumas salas de trabalho de alta-costura, passaram a admitir o uso de uma estreita costura de
ziguezague à maquina nas margens das peças, ou ainda, o acabamento das bordas em
overloque, a fim de diminuir despesas e agilizar o tempo de construção (Vide Fig.6).

Figura 6: Chuleio à mão em margem de costura no vestido Dior.

Fonte: Shaeffer (2011, p. 44).


40

No Quadro 02, descrevemos o material e os passos da execução desse acabamento.

Quadro 2 - Aplicação: bordas de costuras de união (margens de costura).


Materiais utilizados Linha (de algodão ou seda), agulha curta e fina (chuleio à mão), máquina de
costura com ponto ziguezague (chuleio à máquina), máquina overloque
(beiras overlocadas) debrum (Hong Kong).
Tipo de costura Feita à máquina ou à mão
Etapas do 01 Trabalha-se nas beiras da margens de costura da direita para a esquerda,
processo usando pontos inclinados com 0,3 cm de profundidade e de distância.
02 Em tecidos que tem uma tendência maior em desfiar, faz-se uma segunda
carreira de pontos na direção oposta.

Fonte: Adaptado de Shaeffer (2011, p. 44).

A Figura 7 mostra o elegante vestido que recebeu o acabamento tratado anteriormente.


O mesmo foi confeccionado em jacquard de seda, que foi projetado por Marc Bohan para a
Casa Dior em 1985, e apresentado na coleção Primavera/Verão.

Figura 7: Vestido assinado por Bohan para Casa Dior.

Fonte: Shaeffer (2011, p. 131).


41

4.1.2 O Debrum (Hong Kong)


Outra possibilidade de uso é a técnica de envelopar a borda com debrum, conhecida
como acabamento Hong Kong. O debrum é especialmente usado em roupas confeccionadas
com tecidos pesados. Pode ser aplicado em bainhas, vistas ou margens de costura. Nesse
último caso, podem ser debruadas unidas (que resultará em maior volume e rigidez) ou
separadas. Contudo, em tecidos leves e de peso médio, esse tipo de acabamento pode marcar
o lado direito da peça; nesse caso é recomendado o chuleio (tratado anteriormente) como
acabamento de finalização das margens. Na sequência pode ser observada nas Figuras 8 e 9,
seguida da explicação de sua sequência operacional (Quadro3).

Figura 8: Início da execução do debrum

Fonte: Mussi (2009. p. 89).

Figura 9: Finalização da execução do debrum.

Fonte: Mussi (2009. p. 89).


42

A figura 10 mostra a encadernação em margem de costura com debrum confeccionado com


chiffon de seda na cor nude. Este acabamento será quase invisível quando o vestido estiver em
uso.

Quadro 3 - Aplicação: Debrum


Tecidos leves como chiffon, tecidos de seda ou organza (usados para
Materiais utilizados
confeccionar o debrum).
Tipo de costura Feita à máquina ou à mão
01 Cortar no sentido do fio ou no viés (para aplicação em partes onduladas)
Deve-se aparar as margens de costura para 2cm e as margens da bainha
02
devem ser de 7cm.
Costure a 6 cm da borda com direito do tecido e direito do debrum e refile a
03
beira a 0,3cm ou menos.
Vire o debrum por cima da beira e acomode-o na parte de baixo, prenda com
04
alfinetes.
Etapas do
Execute pontos curtos rentes à primeira costura pelo lado esquerdo, refile
processo 05
0,3cm ou menos do debrum na parte de trás.
06 Assente a costura com ferro.
Em aplicações em cavas ou ao trabalhar com tecidos transparentes, no
07 momento da finalização, realiza-se o alinhavo das margens juntas, corta-se a
costura de 0,6cm para 1,2cm, e aplique as bordas juntas.
Para finalizar o debrum, vire sob sua borda crua e costure-a a linha de costura
08
que une os cortes do viés e da margem.

Fonte: Shaeffer (2011, p. 44-45).

Figura 10: Margem de costura encadernada com chiffon de seda cor nude.

Fonte: Shaeffer (2011, p. 45).


43

4.2 Acabamentos de borda


As bordas dizem respeito a qualquer parte do vestuário que necessita de finalização,
sejam decotes, cavas, bainhas ou mesmo cinturas, e não incluem as costuras de união. Os
acabamentos para esse tipo de finalização estão divididos em três grandes grupos: barras,
vistas e debruns. Cada grupo possui suas especificidades de uso e aplicação para o vestuário.

4.2.1 Barra
Os acabamentos de barra de um modo geral contemplam as bainhas de peças como
blusas e saias, mas diz respeito também à cavas, por exemplo. O acabamento barra pode ser
efetuado por meio do acabamento de bainha plana, bainha de costura dobrada, bainha
enrolada à mão e bainha tombada, conforme explorados a seguir. No quadro 4 apresentamos
as características gerais desses acabamentos.

Quadro 4: Características gerais dos acabamentos de barra.


Aplicação: Bainhas e cavas.
Material: No geral o mesmo tecido da peça trabalhada.
Como uma extensão do tecido ou revestimento separado (geralmente para bainhas
Corte:
que serão aplicadas formas).
Largas ou estreitas (depende do projeto, localização e o peso do tecido eou
Comprimento:
transparência).
Tipo de À mão, máquina ou uma mescla das duas ferramentas.
costura:

Fonte: Adaptado de Shaeffer (2011, p. 68).

4.2.2 Bainha plana


Conhecida como bainha de alta-costura ou ‘bainha cega’, é a bainha mais simples e
comumente usada em projetos couture (quadro 5). Essa bainha é constituída a partir do corte
em extensão da borda inferior do vestuário, a margem é revirada para o lado errado da roupa e
pode ter sua borda em bruto dobrada para baixo, na qual será sustentada por pontos cegos, que
a tornam invisível pelo lado direito da peça ou de igual modo pode ser ligada ao vestuário
com apenas uma dobra, com suas bordas devidamente chuleadas. Durante o processo de
abainhar, algumas técnicas são inferidas à peça de vestuário, no sentido de aprimoramento e
melhor finalização, que é destacado na seção denominada ‘execução’.
44

Figura 11: Redução de volume de costura em área da bainha

Fonte: Shaeffer (2011, p. 69).

Quadro 5: Acabamento de borda/Bainha plana


Aplicação: Saias, blusas.
Material: Linha para alinhavo, linha encerada, agulha, máquina de costura.
Corte: Como uma extensão do tecido.
Tipo de costura: Mão, máquina ou uma mescla das duas ferramentas.
Execução: 1 Após definir a linha da bainha que deve ser marcada com giz de alfaiate e
posteriormente com um alinhavo ponha a peça com o lado errado da peça de
vestuário pra cima dobre a margem de costura acima; alinhave a 0,6cm acima
da linha da bainha.
2 Com o lado errado para cima, deve-se acomodar a peça numa bancada
apropriada para a aplicação de prensagem à ferro da extremidade dobrada da
bainha. Essa tarefa deve ser efetuada evitando o deslizamento do ferro sob a
dobra da bainha, na qual pode provocar ondulações, deve-se proceder de modo
a impor pressão com o movimento de abaixar o ferro a cada cota da bainha de
modo sucessivo até finalizar a tarefa ao redor de toda a bainha.
3 O uso do ferro á vapor ou pano úmido é importante para imprimir forma à
linha da bainha, no entanto, para garantir o sucesso dessa técnica em alta
costura, emprega-se também o uso do ferro sem vapor a cada sessão da bainha
antes de passar para a próxima, no intuito de secar e firmar a forma.
4 Ainda com o lado direito para cima e na direção do executante marca-se a
profundidade da bainha com giz a partir da dobra impressa, se a borda bruta da
bainha for dobrada adicionar 0,6cm de excesso para a aplicação do acabamento
desejado. Aparar o excesso acima da linha de giz.
5 Os acabamentos que poderão ser empregados para as bordas brutas, são os
mesmos apresentados na seção ‘acabamentos em costuras de união’, a escolha
deve obedecer aos critérios do projeto e suas particularidades.
6 Alfinete a bainha contra a roupa e alinhave cerca de 0,6cm abaixo da borda
presa. Essa tarefa deve ser realizada sob um apoio.
7 Com o lado direito para fora, assenta-se a peça sob a mesa na direção do
executante.
8 Se o tecido não enrugar facilmente, pegar a bainha da camada de saia superior
mantê-la perpendicular à mesa e dobrá-lo de volta para o alinhavo de modo
que a peça é dobrada com o lado direito juntos.
45

9 Se o tecido dobrar facilmente, se trabalha na camada inferior da saia, deixando


a bainha plana sobre a mesa e dobrando para trás apenas a borda superior da
bainha, em vez de toda a extensão da bainha.
10 Usando uma agulha fina e linha correspondente, ancorar a linha no subsídio da
bainha. Segura a borda dobrada para trás no lugar com um polegar enquanto
segura a borda com um ponto bastante solto. Os pontos devem manter a bainha
no lugar, mas não ser apertado o suficiente para mostrar. Se a peça for apoiada,
tente evitar a costura através do apoio para o tecido do vestuário.
11 Complete a bainha e remova todo o alinhavo. Com a saia do lado errado para
cima, pressione a bainha com cuidado, parando logo abaixo da parte superior
da extensão da bainha para evitar a criação de uma impressão de prensagem no
lado direito do vestuário. Pressione a saia em si, deslizando a ponta do ferro
entre a bainha e a peça de vestuário. Examine o lado direito da peça de
vestuário. Se houver quaisquer marcas de fundição, cubra a bainha com uma
amostra do próprio tecido da peça trabalhada ou pano de prensagem de lã e
impressão de vapor para removê-los.

Fonte: Adaptado de Shaeffer (2011, p. 69-70).

Figura 12: Bainha plana dobrada, alfinetada e alinhavada para costura.

Fonte: Shaeffer (2011, p. 70).

Existem duas maneiras de segurar o vestuário para abainhar (Fig. 13, (a) e (b) da
esquerda para a direita):

Figura 13: Modo de segurar o vestuário para abainhar: (a) posição para abainhar tecidos que
não enrugam); (b) posição para abainhar tecidos que enrugam.

Fonte: Shaeffer (2011, p.70).


46

4.2.3 Bainha de costura dobrada


Esse tipo de bainha é uma variação da bainha plana, e é indicada para tecidos pesados
que tendam a repuxar os pontos de embainhado. A técnica consiste em dobrar a margem de
bainha duas ou três vezes, sendo a primeira dobradura realizada no ponto médio da margem, e
depois perto da borda terminada. Outro modo, ilustrado abaixo, é o de marcar o ponto médio
da margem, alinhavar e aplicar pontos cegos, finalizando junto à borda (já com o devido
acabamento), com uma nova cadeia de pontos cegos.

Figura 14: Bainha de costura dupla

Fonte: Shaeffer (2011, p. 72).

4.2.4 Bainhas estreitas


Existe uma vasta gama de bainhas estreitas, entre as mais úteis, estão as bainhas
enrolada à mão e a bainha tombada. Em roupas de alta-costura, as variáveis desse tipo de
bainha, são costuradas à mão, enquanto que na produção do prêt-à-porter ou na costura
doméstica, esse trabalho é realizado em máquinas de costura. As bainhas estreitas cosidas à
mão são mais macias e flexíveis do que as cosida à máquina.

4.2.5 Bainha enrolada à mão


Frequentemente usado em sedas e lãs leves, e em chiffons e organzas, tecidos pesados
não são indicados para esse tipo de acabamento ou tecidos leves com incremento de bordados,
fios metálicos ou contas, pois a presença desses materiais afeta o caimento suave da bainha. A
bainha enrolada apresenta a característica de esconder a linha de costura quase que totalmente
dentro do rolo formado.
47

Figura 15: Processo de construção da bainha enrolada à mão

Fonte: Shaeffer (2011, p.74).

4.2.6 Bainha tombada


Essa variação de bainha é adequada para tecidos leves que são inadequados para a
aplicação da bainha enrolada. Sua formação consiste na dobradura dupla da borda. Em tecidos
de peso médio, pode ser uma ótima alternativa na substituição da costura à maquina e também
quando ambos os lados da bainha ficarão expostos.

Figura 16: Bainha tombada.

Fonte: Shaeffer (2011, p. 74).

4.3 Vistas
Outro modo de finalizar bordas do vestuário que ao contrário das barras que pendem
fora do corpo, as vistas moldam-se à forma do corpo e afetam sutilmente a silhueta do
vestuário. Esse acabamento é comum em aberturas de vestuário e bordas curvas e moldadas, e
seu uso dar-se principalmente em bordas superiores do vestuário e resulta em peças de
vestuário bem construídas.
48

As vistas são divididas em três tipos, na qual duas são cortadas à parte do vestuário
(separadas e viés), no geral em tecidos leves e o outro tipo denominadas estendidas, na qual o
corte é feito como uma extensão da seção do vestuário a exemplo das bainhas planas.
Em alta-costura frequentemente uma vestimenta ou uma única borda é elaborada com mais de
um tipo de vista. Abaixo são apresentadas informações gerais pra cada tipo de vista e seu uso
em alta-costura (vide fig. 17):

Figura 17: Vestido da década de 1950 de Hardy Amies. Decote escamado, cintura caída e
saia cheia. O decote termina com revestimentos separados.

Fonte: Shaeffer (2011, p. 76).

4.3.1 Vistas separadas


Vistas separadas podem afetar sutilmente o caimento do vestuário e diferentemente do
modo de construção em prêt-à-porter, não é cortada no formato a serem trabalhados antes da
aplicação, blocos retangulares do mesmo tecido da peça ou um tecido mais leve são moldados
49

e adaptados de modo a encaixar no desenho da roupa. Esse tipo de vista pode ser facilmente
adaptado para um revestimento menor ou um forro (vide, fig. 18):

Figura 18: Aplicando vista à mão, de cima para baixo: (a) aplicando na parte da frente do
vestuário; (b) aplicando na parte das costas do vestuário.

Fonte: Shaeffer (2011, p. 78).


50

Figura 19: Formato de vistas, da esquerda para direita: (a) vista circular; (b) vista retangular.

Fonte: Shaeffer (2011, p. 77).

Quadro 6: Informações gerais sobre as vistas separadas.

Parte superior do vestuário (atenção para as costuras do decote, cava e ombros.


Aplicação:
Nesse último caso, nem sempre as linhas de costura nos ombros coincidem com
as da peça de vestuário).
Corte: À partir do padrão original ou a peça de vestuário em si pode servir como molde.
Tipo de costura: À mão ou máquina (no prêt-à-porter é aplicado apenas à máquina)
Material: O mesmo tecido da peça trabalhada ou um tecido mais leve.

Fonte: Adaptado de Shaeffer (2011, p. 75-76).

Figura 20: Vestido de seda desenhado por Cristobal Balenciaga na década de 1950. Uma
vista larga finaliza o decote e a cava.

Fonte: Shaeffer (2011, p. 77).


51

4.3.2 Vistas em viés


As vistas em viés são tiras de tecidos que na maioria dos casos são recortes do próprio
tecido da peça a ser trabalhada. Essas tiras são moldadas ao vestuário e trazem unidade e um
olhar contínuo ao projeto.

Figura 21: Aplicação de uma vista em viés em um decote.

Fonte: Shaeffer (2011, p. 78).

Quadro 7: Informações gerais das vistas em viés.


Blusas e vestidos (são mais estreitos, mais lisos e menos visíveis que as vistas
Aplicação:
separadas).
Corte: Tiras de viés que serão moldadas às bordas (ângulo de 45º).
À mão.
Costura:
O mesmo tecido da peça trabalhada ou tecido leve como chiffon de seda ou
Material:
organza.

Fonte: Adaptado de Shaeffer (2011, p. 78).

4.3.3 Vistas estendidas


Vistas estendidas são usadas frequentemente em alta-costura, por possibilitar um
melhor caimento e serem mais flexíveis, visto sua constituição como extensão do vestuário e
posteriormente dobrada ao contrário das vistas separadas que são cosidas à roupa e as vistas
de viés moldadas.

Bainha plana (vide, pág. 42) constitui exemplo claro para entendimento de como
proceder com esse tipo de acabamento, que também é muito usado em decotes e em bordas
destinadas a ter uma aparência nítida e construída, e também em bordas fendidas.
52

4.4 Debruns
Debrum é o tipo de acabamento mais versátil e adequado para quase todas as bordas.
Sua constituição é baseada em uma tira de tecido, que é costurada pelo lado direito de uma
borda, é envolvida ao redor da borda, na qual é assentada na parte inferior. O corte do debrum
em viés (ângulo de 45º em relação à linha longitudinal) permite a manipulação e o molde do
mesmo em bordas curvas, também sua aplicação em tecidos transparentes, tecidos de face
dupla, e em vestuário reversível e sem forro é frequente, pois possibilita um olhar limpo e
elegante em ambas as partes do vestuário. Também pode ser cortado no sentido do fio de
modo a compor projetos que pedem bordas retas realçando-os. A depender do tipo de tecido,
os valores de largura dos debruns concluídos, podem variar, mas de modo geral seguem-se as
medidas estabelecidas abaixo:

Padrão (uso mais frequente): 0,6cm


Tecidos muito leves: 0,3cm
Tecidos volumosos ou pesados: 2,5cm

As tiras de debruns podem ser feitas com uma camada (mais flexível) ou duas
camadas (duras e espessas) que atendem a diferentes projetos em diferentes tecidos de pesos
leves ou pesados e volumosos. No geral, o debrum é confeccionado com o mesmo tecido do
vestuário a qual será trabalhado, mas pode sofrer variações. A execução dos pontos de
costura em debruns pode ser feitos inicialmente à mão ou máquina e a borda em bruto é
coberta no ato do revestimento.

4.4.1 Debrum único


A aplicação de um único viés pode ser feito totalmente à mão e ao invés da máquina,
permite o controle total sobre a borda e possibilita um acabamento mais suave (vide fig. 22).
53

Figura 22: Debrum único.

Fonte: Shaeffer (2011, p. 83).

4.4.2 Debrum duplo


Esse modo de aplicação do debrum é um método incomum desenvolvido pelo
costureiro americano Charles Kleibacker que consiste em primeiro colocar a tira de debrum
em viés sob a mesa de trabalho, depois a peça de vestuário aplicada junto ao debrum, que é o
modo inverso do que comumente é feito.

Figura 23: Da esquerda para a direita: (a) Preparando a tira de debrum; (b) Costura de
vestuário sobre tira de debrum; (c) Finalizando o debrum.

Fonte: Shaeffer (2011, p. 84).


54

A importância das informações levantadas tem o seu valor ao adentrar um universo


pouco explorado, e instigar novas percepções sobre a construção do vestuário em parâmetros
como inovação e qualidade, para um pensar e agir, voltado ao novo e ao diferencial, e
evidencia que existem várias maneiras de se fazer uma vestimenta com valor agregado, fora
do lugar comum que costumeiramente é difundido no meio acadêmico e no setor da indústria
de moda de roupas prontas, o que abre a possibilidades para adaptações e surgimento de
novas técnicas em acabamentos para o vestuário como um todo.

Alguma das variáveis em acabamentos apresentada possui similaridade com o que é


difundido na produção industrial, mas, grosso modo, o escopo apresentado denota diferentes
modos de usabilidades das técnicas pouco difundidas nos meios aquém do setor de produção
em alta-costura. Por vez, a depender do setor de produção a ser considerado, o seu modus
operandi, possa não se adequar a realidade de produção aqui exposto, mas pode fomentar
novas adequações e adaptações no ato de pensar e executar o construto artefactual do
vestuário.
55

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse estudo, a historicidade sobre o desenvolvimento do sistema de produção em
alta-costura, tornou possível o entendimento sobre diferentes momentos da linha do tempo
que configuraram profundas mudanças sob as estruturas que configuram as engrenagens da
moda e suas nuances frente às novas realidades de cunho tecnológico e humano.

Enquanto ápice do sistema de moda, a alta-costura, apesar de não ser lucrativa por si, é
fomentadora do savoir-faire que destila influência estética e técnica para a vasta rede de
componentes que integram a indústria da moda.

Ao adentrar os estudos sobre acabamentos usados para finalizar um artefato em alta-


costura, pode-se compreender as diferenças de procedimentos e técnicas que permitem que o
vestuário nesse segmento de mercado, seja restrito a um grupo de usuários e o quanto o
proceder na elaboração se distingue do segmento mais comercial que é o prêt-à-porter. Cada
processo ou técnica empregada é o proceder direcionado e planejado para dado projeto
concebido sob o olhar do design, onde o trabalho essencialmente manual possibilita o manejo,
e total controle sobre o tecido e a costura e fica claro que o modo de produção tem o seu foco
a testar os limites da criação de trajes em consonância com o corpo.

De modo a atender aos objetivos pretendidos pelo estudo, fora exposto um breve
passa-a-passo de algumas das principais técnicas de acabamentos próprio do construto da
couture, que tornou possível o entendimento pormenorizado sobre o acabamento pretendido.
A compilação de acabamentos inferida trouxe uma pincelada sobre as possibilidades de uso e
aplicação, no entanto, não buscou ser um guia de referência, mas sim, um promotor sobre a
necessidade de expansão sobre conhecimentos de diferentes procedimentos utilizados em
setores do design de moda que carecem de estudos e difusão, à exemplo da alta-costura e
alfaiataria.

Por fim, na pesquisa fica evidente que o estudo dos diferentes tipos de acabamentos,
seja em costuras de união ou em bordas, expande as possibilidades sobre o modo de se
desenvolver um vestuário com maior perspicácia, ao mesclar diferentes métodos, como à
costura à mão (quase inexistente na atualidade) e à máquina, instigando assim, o designer a
aumentar o leque de possibilidades em acabamentos e finalização de uma peça de vestuário
com qualidade e valor de design.
56

A expansão sobre possibilidades de acabamentos e suas aplicações no vestuário de um


modo geral, foi a ideia motriz que sustentou esse estudo ao ressaltar a realidade constituída
para o regime de alta-costura. Assim sendo, é evidente as possibilidades de aprofundamento e
expansão da pesquisa, a partir dos resultados aqui alcançados, bem como a exploração de
diferentes vieses que a temática possibilita para a área do design de moda. Nesse sentido, se
pode sugerir alguns caminhos que podem levar a novas perspectivas para futuros estudos:
- Um estudo mais aprofundado sobre os acabamentos e suas aplicações, inferindo sobre o
vestuário, a fim, de entender seu comportamento junto ao produto de moda e a percepção
estética do usuário sobre este produto.

- Adentrar outras áreas que permeiam a construção do vestuário em alta-costura, como


material, modelagem, corte, costura e demais técnicas próprias desse setor.

- Adaptação e melhoramento do produto de moda em um determinado segmento, como o


mercado de luxo ou mesmo o prêt-à-porter, ampliando as possibilidades de acabamentos e de
qualidade nesses segmentos, bem como gerando novas demandas de produtos no mercado.
57

REFERÊNCIAS

ALLÉRÈS, Danielle. Luxo...: estratégias/marketing. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.

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