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REVISTA SANTA RITA

ISSN 1980 -1742


Ano 08 – Número 15 – Junho 2013
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autores
Todos os direitos desta edição estão
reservados

REVISTA SANTA
RITA
Ano 08, Número 15, Junho de 2013
ISSN 1980-1742

FICHA TÉCNICA
Diretor Geral da Faculdade de Ciências Anunciato Storopli Neto
Econômicas e Administrativas Santa Rita de
Cássia
Diretor Acadêmico Roberto Pepi Contieri

Conselho Editorial Eduardo Satochi Uchida


Helder de Jesus Dias
Francisca Gorete Bezerra Sepúlveda
Luiz Carlos Magno
Noeli Merces Mussolini

Corpo Editorial Cássio Marcos Vilicev


Walter Montagna Filho
George Oujeiko
Sérgio Joel de Menezes

Editor Rafael Annunciato Neto


Revisão Thais Rabello
Capa Arlequins - pintura de Di Cavalcante. Fonte:
Wikipédia – acessado em 26/04/2013.

Editoração Rafael Annunciato Neto

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS E ADMINISTRATIVAS SANTA RITA DE CÁSSIA


Unidade Jaçanã: Avenida Jaçanã, 648 – Jaçanã São Paulo – SP – CEP 02273 001
http://www.santarita.br
Telefone (11) 2241 0777

Permitida a reprodução desde que citada a fonte

ISSN 1980-1742 ANO 08 – Número 15 – Junho 2013


CAPA
MANIFESTAÇÕES POPULARES E EDUCAÇÃO

Rafael Annunciato Neto

As recentes manifestações populares inicialmente dos


estudantes reivindicando transporte e posteriormente educação
Arlequins - 1943
Pintura de Di Cavalcante (1897- etc. demonstram um novo iceberg que emerge das profundezas
1976) no Rio de Janeiro, filho de da sociedade.
Frederico Augusto Cavalcanti de Há pelo menos uma geração não se tem notícias de grandes
Albuque e Melo e Rosalia de manifestações populares conclamadas pelo próprio povo. Agora
Sena. Era sobrinho de José do
Patrocínio. Di Cavalcanti obrigou-
organizado em redes sociais que se tornaram um elemento
se a trabalhar e fez ilustrações crucial para o sucesso de movimentos e manifestações,
para a revista Fon-Fon. Em 1916, agregando pessoas das mais diversas classes sociais, unidas por
transferindo-se para São Paulo, um ideal.
ingressou na Faculdade de Direito O envolvimento é rápido, tão rápido quanto à nova tecnologia
do Largo de São Francisco. Seguiu
fazendo ilustrações e começou a que além de diminuir distâncias, diminui o contato humano e cria
pintar. O jovem Di Cavalcanti um ambiente virtual onde se propagam ideias, ideais e utopias.
frequentou o ateliê do Mundo virtual que se materializa nas manifestações, protestos
impressionista George Fischer legítimos ou não.
Elpons e tornou-se amigo de
Mário e Oswald de Andrade. Em
O passado nos ensina que existem em paralelo aos
1922 idealizou e organizou a movimentos inovadores, forças do passado que lutam para
Semana de Arte Moderna no manter o status quo ou forças que sinalizam com atitudes
Teatro Municipal de São Paulo, antidemocráticas.
criando, para essa ocasião, as As manifestações populares demonstram a insatisfação sobre
peças promocionais do evento:
catálogo e programa. Ingressou a forma da gestão governamental que refletirá, sobretudo nas
em 1926 no Partido Comunista. próximas eleições.
Os anos 1930 Di Cavalcanti, Deve-se lembrar de que as democracias são formatadas pela
estava imerso em dúvidas quanto vontade da maioria que elege um representante que se submete
à sua liberdade como homem e
artista e quanto a dogmas
as imposições constitucionais (estado de direito) e limites
partidários. Iniciou suas institucionais (burocracias). As manifestações abrem espaço para
participações em exposições passar por cima das regras e ter tratamento privilegiado sobre as
coletivas e salões nacionais e questões levantadas.
internacionais. Publicou o álbum A lição que se pode aprender é que a sociedade está se
"A Realidade Brasileira", série de
doze desenhos satirizando o organizando e que as novas tecnologias estão contribuindo e até
militarismo da época. Em 1950 foi definindo o sucesso de suas ações. As instituições de ensino
convidado e participou da I Bienal neste caso devem cada vez mais incentivar a livre expressão de
Internacional de Arte de São ideias, demonstrando que todo cidadão possui direitos e
Paulo em 1951. Ganhou uma sala
Especial na Bienal Interamericana
principalmente deveres. A escola tem que se tornar um ambiente
do México, recebendo Medalha catalizador de ideais, pois a sociedade precisa construir e
de Ouro. Tornou-se artista consolidar a democracia com mais democracia, apesar dos
exclusivo da Petite Galerie, no Rio ventos do passado.
de Janeiro. Viajou a Paris e
Moscou. Participou da Exposição
de Maio, em Paris, com a tela
"Tempestade". Fonte: Wikipédia –
acessada em 26/04/2013.

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SUMÁRIO

ARTIGOS

OS RECURSOS-META UTILIZADOS POR UM PROFESSOR DE ÁLGEBRA LINEAR, EM SALA DE AULA, AO


ENSINAR AS NOÇÕES DE BASE DE UM ESPAÇO VETORIAL 6
LUIS CARLOS BARBOSA DE OLIVEIRA
HISTÓRIA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL 20
TATIANA LIMA DE ALMEIDA
O COTIDIANO E A CRIATIVIDADE: UM DEBATE ENTRE HANNAH ARENDT E HENRI LEFEBVRE 30
SUSY CRISTINA RODRIGUES

ENSAIO

FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL 38


PAULO DOS SANTOS

INICIAÇÃO CIENTÍFICA

AVALIAÇÃO DE TREINAMENTO NAS ORGANIZAÇÕES 47


CAETANO VASTO NETO
BRUNA SEGATTO TAVEIRA
ALFABETIZANDO NA SOMBRA 54
GISLAYNE APARECIDA CANOVESI GALLEGO
RAFAEL ANNUNCIATO NETO
A URGÊNCIA DA ESCOLARIZAÇÃO NAS UNIDADES PRISIONAIS BRASILEIRAS 66
JERONIMO WAGNER FLORES
RAFAEL ANNUNCIATO NETO

RESENHA

EDUCAÇÃO 3.0 - COMO ENSINAR ESTUDANTES COM CULTURA TÃO DIFERENTES 76


RAFAEL ANNUNCIATO NETO

NORMAS GERAIS PARA PUBLICAÇÃO 78

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APRESENTAÇÃO

A Revista Santa Rita é uma publicação eletrônica multidisciplinar da Faculdade de


Ciências Econômicas e Administrativas Santa Rita de Cássia que visa o desenvolvimento e a
democratização do acesso ao conhecimento científico.

O engajamento dos professores tem sido fundamental para o aprimoramento da Revista


Santa Rita e construção de um veículo essencial para a formação de nossos alunos.

A revista basicamente possui quatro seções, a primeira dedicada a artigos científicos, a


segunda para ensaios acadêmicos, a terceira para trabalhos de iniciação científica, enquanto que a
última seção é um espaço para a publicação de resenhas e comentários de livros. Neste número
são apresentados três artigos, um ensaio e três trabalhos de iniciação científica.
O primeiro artigo que trata dos recursos-meta utilizados por um professor de álgebra
linear, em sala de aula, ao ensinar as noções de base de um espaço vetorial. Na sequência, o artigo
sobre a história da institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil, consistiu de um
levantamento bibliográfico sobre o assunto. O cotidiano e a criatividade: um debate entre Hannah
Arendt e Henri Lefebvre discute o cotidiano e a criatividade, do ponto de vista de Hannah Arendt e
Henri Lefebvre.
O ensaio sobre filosofia na educação infantil é de cunho filosófico-educacional, que discute
o papel da filosofia na educação infantil, buscando a relação que a teoria exerce na construção do
pensamento dos educadores com a prática destes em sala de aula.

Os artigos de iniciação sobre avaliação de treinamento nas organizações, alfabetizando na


sombra e urgências da escolarização nas unidades prisionais brasileiras foram elaborados pelos
alunos do curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia e Administração de Recursos Humanos,
revelando o nosso incentivo a produção acadêmica.

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ARTIGOS 6

OS RECURSOS-META UTILIZADOS POR UM PROFESSOR DE ÁLGEBRA LINEAR, EM SALA DE


AULA, AO ENSINAR AS NOÇÕES DE BASE DE UM ESPAÇO VETORIAL

Luis Carlos Barbosa de Oliveira


Professor da Universidade Nove de Julho
Mestre e Doutorando em Matemática

RESUMO
Este artigo teve como objetivo apresentar recursos-meta, utilizados por
um professor de Álgebra Linear, em sala de aula, que pudessem
ajudaram os alunos na compreensão da noção de base de um espaço
vetorial. As aulas avaliadas foram assistidas e audiogravadas pelo
pesquisador, para que se pudesse levantar e analisar os recursos-meta
observados. A teoria utilizada na anÁlise dos recursos-meta foi a
Alavanca-Meta de Jean Luc Dorier e Aline Robert. Foi levantado o uso de
pelo menos nove (9) recursos-meta no discurso do professor.

PALAVRAS-CHAVE: Álgebra Linear. Base. Recursos-meta. Sala de aula.

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ARTIGOS 7

INTRODUÇÃO se constatou que a forma axiomática utilizada


para tratar essas primeiras noções, como
A Álgebra Linear está na grade curricular espaço vetorial e base, causa no aluno uma
dos muitos cursos de ciências exatas, como sensação de fracasso que o impede de
Engenharia, Ciência da Computação, Física, avançar no aprendizado, conforme afirma o
Matemática e outros. pesquisador:
De acordo com vários pesquisadores da Sem dúvida, não existe na França, um primeiro ciclo
área, os alunos desses cursos enfrentam universitário, onde os professores não constatem o
fracasso do ensino tradicional da álgebra linear.
dificuldades na aprendizagem das noções (ROGALSKI, 1990, p 279).
elementares da Álgebra Linear, como espaço
Para DORIER (2002), o elevado número de
vetorial, combinação linear, dependência e
novas definições e a falta de conexão com os
independência linear e base. Essas
conhecimentos anteriores, provoca nos alunos
dificuldades geram um índice muito alto de
uma sensação de estranheza: "Os estudantes
reprovações, conforme pesquisa realizada por
usualmente sentem que estão aterrissando
CELESTINO (2000).
em outro planeta".
Em sua pesquisa, cujo objetivo era
De acordo com o autor, as dificuldades dos
apresentar um panorama das pesquisas
alunos com o aprendizado da Álgebra Linear
brasileiras sobre o ensino e a aprendizagem da
revelam um obstáculo epistemológico, pois
Álgebra Linear, na década de 1990, o autor
essas dificuldades são do mesmo tipo
concluiu que apenas seis trabalhos sobre o
daquelas enfrentadas por sucessivas gerações
tema foram levados a cabo. Um era de
de estudiosos no desenvolvimento dessa
Amarildo M. Silva, um de Rute Silva e quatro
estrutura, isto é, a criação de uma forma
eram de Marlene Dias (CELESTINO, 2000).
axiomática e a utilização de uma notação
As dificuldades enfrentadas pelos alunos se
própria para facilitar a manipulação
devem à característica dos conceitos da
matemática.
Álgebra Linear serem generalizadores,
Para melhorar o ensino e a aprendizagem
unificadores e simplificadores (ROBERT, A;
da Álgebra Linear, foram sugeridos dois
ROBINET, J ,1993).
grandes eixos de pesquisa: o prosseguimento
Além dessas dificuldades, os alunos
das pesquisas sobre a utilização da alavanca
também comentam que a Álgebra Linear é
meta e sobre a avaliação de seus efeitos reais
uma disciplina muito abstrata. Outros
sobre a aprendizagem, e a análise das ligações
trabalhos também constataram essa fala dos
entre os aspectos semióticos (gestão e
alunos. Em sua dissertação de Mestrado, que
conversão das representações) e os aspectos
discorreu sobre os obstáculos mais evidentes
mais conceituais da aprendizagem em álgebra
na conceituação de espaço vetorial da Álgebra
linear (DORIER et al, 1997).
Linear, COIMBRA (2008) relatou que os alunos
Neste trabalho foi focado o eixo que trata
de um primeiro curso de álgebra Linear
dos recursos-meta. Mais adiante será
comentam nos corredores que a disciplina é
esclarecido o significado da expressão
muito abstrata: É isso que amiúde ouvimos
“alavanca meta” e como se deu sua evolução
pelos corredores de nossos alunos quando a
ao longo do tempo.
“enfrentam” pela primeira vez: “Isso é muito
Verificou-se também que nos Estados
abstrato” (COIMBRA, 2008, p.7)
Unidos da América (EUA) outro grupo de
A dificuldade no aprendizado da Álgebra
pesquisadores preocupados com o ensino e
Linear não ocorre somente no Brasil.
aprendizagem da Álgebra Linear. De acordo
Verificou-se que um grupo de pesquisadores
com HAREL, G. (2000) em 1990, foi formado
franceses composto por Jean Luc Dorier, Marc
um grupo de professores de vários
Rogalsky, Aline Robert e Jacqueline Robinet
departamentos de Matemática de diferentes
também realizaram pesquisas sobre o tema.
universidades, denominado Linear Algebra
Uma dessas pesquisas foi um levantamento
Curriculum Study Group (LACSG), do qual o
sobre as principais dificuldades encontradas
autor também fazia parte, cujo objetivo era
pelos estudantes franceses no aprendizado
das primeiras noções da Álgebra Linear. Nela
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encaminhar propostas relativas ao ensino e desenvolvimento das noções elementares da


aprendizagem da Álgebra Linear. Álgebra Linear. As situações-problema
Este grupo gerou um conjunto de existentes ou são complexas e exigem do
recomendações, para um primeiro curso de aluno um conhecimento ainda não adquirido
Álgebra Linear e com isso, vários livros ou são tão elementares que ele pode resolvê-
didáticos foram escritos com base nessas las sem o emprego dos conhecimentos da
recomendações. Disciplina (DORIER et al, 1997).
HAREL, G. (2000) apresentou sua A não existência de situações-problema
interpretação sobre as recomendações adequadas para o desenvolvimento dessas
elaboradas pelo LACSG, onde ele divide estas noções elementares levou os pesquisadores
recomendações, de acordo com três princípios franceses, citados acima, a defenderem a
básicos: o princípio da concretização, da utilização de recursos-meta, em sala de aula,
necessidade e da generalização. seja no discurso do professor ou em
De volta às Pesquisas realizadas no Brasil, atividades cuidadosamente elaboradas, de
em especial, ao grupo de pesquisadores do modo a facilitar a compreensão dos alunos
qual o autor deste artigo era colaborador, sobre as noções elementares da álgebra
verificou-se que Zoraide Padredi também Linear.
estava pesquisando os problemas com o Robert e Robinet (1993) fizeram as
ensino e aprendizagem da noção de base de primeiras abordagens sobre a utilização do
um espaço vetorial. Ela realizou um estudo termo "meta". Elas relataram que os
que levantou os recursos-meta no discurso do professores, em sala de aula, utilizam em seu
professor de Álgebra. Para tal, a autora discurso elementos que dizem respeito ao
entrevistou seis professores que atuavam no conhecimento e sobre o conhecimento de um
ensino de Álgebra Linear. Em suas conclusões, dado assunto, sem necessariamente falar
a autora explicitou que os professores desse assunto, e que denominaram de
entrevistados, em seu discurso, sugeriram metaconhecimentos. Para elas, os professores
recursos-meta como analogias para facilitar a durante as suas aulas, costumam rechear seus
compreensão da noção de base (PADREDI, discursos com perguntas como "vocês
2003. compreenderam?" e "como se faz?", sem que
É neste cenário que o artigo, que é percebam.
resultado das pesquisas realizadas durante o Quando o professor expõe conhecimentos
mestrado do autor, se encontra. Seu objetivo em sala de aula, é levado a rechear seu
é o de levantar os recursos-meta que foram discurso estritamente matemático com frases
utilizados por um professor de Álgebra Linear que se relacionam, mas, sem conter,
ao desenvolver a noção de base de um espaço necessariamente, informações estritamente
vetorial, em sala de aula. Com isso, pretende- matemáticas. Exemplificando:
se gerar reflexão nos leitores de modo a que [...] o professor pode falar de maneira qualitativa dos
eles possam utilizar esses recursos-meta em conhecimentos que ele está prestes a
descontextualizar, ele pode explicar para o que eles
suas aulas, tanto de Álgebra Linear, como servem, como utilizá-los, ele pode citar os erros
também em outras aulas onde esta teoria freqüentes que causam... Há lá todo um discurso
possa se aplicada. sobre matemática, por isso, mais ou menos
Para fundamentar este trabalho, utilizau-se importante, mais ou menos difuso, mais ou menos
explícito como tal, que nós classificamos como
como fundamentação teórica a noção de discurso meta enquanto discurso sobre a
Alavanca-Meta de Jean Luc Dorier e os matemática, precisamente. (ROBERT e ROBINET,
resultados de Zoraide L. N. PADREDI. 1993 p. 1).
No entanto, é importante perceber que, no
1. REFERENCIAL TEÓRICO ensino da Matemática, a distinção entre
Um dos resultados verificados na pesquisa Matemática e "meta" (matemática) não é
de Jean Luc Dorier, aponta que não foi absoluta, pois reconhecer o caráter "meta" de
encontrada nenhuma situação-problema que certos conhecimentos depende dos
o aluno possa se defrontar em um primeiro
curso de Álgebra Linear, que dê origem ao
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ARTIGOS 9

conhecimentos anteriores do aluno exposto a apresentado, a solução do problema se torna


essas noções. (ROBERT e ROBINET, 1993) de difícil encaminhamento, ele interpreta o
Dadas as inúmeras mudanças sofridas pelo problema em outro domínio, que seja mais
termo metaconhecimento matemático, fácil perceber a solução. Assim, resolvido o
durante os anos que se seguiram, neste problema neste domínio, ele voltará ao
trabalho irá se chamar de recursos-meta, as domínio anterior para apresentar a solução
informações ou conhecimentos sobre a (OLIVEIRA, 2005).
Matemática a ser aprendida que podem Sobre os exemplos e contra-exemplos, o
envolver as operações matemáticas, seu uso e autor esclarece que não só a apresentação
a própria aprendizagem da Matemática. deles em uma institucionalização das noções
Os recursos-meta podem fazer os alunos estudadas, mas, sobretudo, na elaboração de
refletir sobre os objetos matemáticos de questões em atividades propostas aos alunos
Álgebra Linear, que estão sendo estudados. que levem em conta o questionamento de
Para ele, os recursos-meta são informações situações, em que apareçam não somente
concernentes ao que constitui o casos de exemplos da noção estudada mas
conhecimento matemático, isto é, seus também, casos em que esta noção não pode
métodos, estruturas, organização e ser verificada OLIVEIRA (2005).
reorganização e isto implica numa certa Outro recurso-meta apontado é a dialética
classificação de problemas para resolver e a antigo-novo, utilizada pelo professor ao
identificação das técnicas e ferramentas generalizar ou estender uma certa noção
disponíveis (DORIER 2002). (antigo para o novo), ou buscar exemplos de
Os métodos citados acima são os uma noção em conhecimentos adquiridos
procedimentos aplicados a um conjunto de anteriormente (novo para antigo) é
problemas semelhantes. A organização e a considerada um recurso-meta. Esta dialética é
reorganização referem-se à construção de usada na teoria desenvolvida por Régine
novos esquemas cognitivos, com base Douady, para descrever as fases da dialética
naqueles já internalizados. ferramenta-objeto.
Outro recurso que pode ser considerado Como citado acima, Zoraide Padredi, em
um recursos-meta são as informações sua dissertação de mestrado, investigou os
contidas nas operações matemáticas. Para recursos-meta utilizados por um grupo de
DORIER (2002), a informação que diz respeito professores em seu discurso sobre as
ao que constitui uma operação matemática: primeiras noções da Álgebra Linear, fora da
informação sobre o papel da interação de sala de aula. Ela verificou que os professores,
domínios na resolução de problemas, o papel antes da institucionalização dos conceitos,
dos questionamentos, os exemplos e contra- utilizam analogias para falar sobre essas
exemplos, o papel da identificação dos noções, sem necessariamente falar delas,
parâmetros numa questão matemática, o como um meio de fazer o aluno refletir por
papel da validação, são alguns exemplos deste meio de conhecimentos adquiridos
recurso. anteriormente.
A interação de domínios, nova Segundo a pesquisadora, os professores
denominação para a teoria que Régine entrevistados utilizaram uma forma coloquial
Douady chamou de “jeux de quadre” (jogo de para a introdução dessas noções,
quadros), é um meio de se obter diferentes intrinsecamente ligada através de analogias,
formulações de um dado problema, como: "vetores bem comportados", "grau de
permitindo uma nova visão das dificuldades liberdade", "colchinha de crochê",
encontradas e, assim, disponibilizar "ambiente", "lucro", "economia", "tijolos",
ferramentas e técnicas para resolver a "parede" (PADREDI, 2003, p. 117).
primeira formulação (MARANHÃO, 1999). A noção de base foi destacada, pela
O professor pode apresentar um problema maioria dos professores como prioritária, em
em um determinado domínio (no numérico ou um primeiro curso de Álgebra Linear,
no geométrico, ou no algébrico, ou das conforme comentários acima, a autora
grandezas...) e, percebendo que no domínio destaca que a noção foi abordada pelos
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ARTIGOS 10

professores, de três maneiras diferentes interpretativas, peculiares da pesquisa


(PADREDI, 2003, p. 117). qualitativa (Ludke e André, 2001).
Na análise das entrevistas foram Nesta pesquisa, o ambiente natural é a sala
verificadas três abordagens diferentes para a de aula, próprio de uma pesquisa qualitativa,
noção de base, no discurso dos professores. A mas que oferece a possibilidade de levantar os
primeira como um sistema de geradores recursos-meta que o professor utiliza ao
minimal, a segunda como um sistema maximal ensinar as primeiras noções de Álgebra Linear.
linearmente independente e a terceira como Isso implica na observação das aulas de um
uma justaposição de um sistema de geradores professor.
como um conjunto linearmente Sabe-se que é difícil conseguir a
independente. (PADREDI, 2003, p. 117) concordância do professor para observação de
Padredi constatou também que os suas aulas. Além disso, precisava-se de um
professores utilizam a ênfase nas operações professor que utilizasse uma dinâmica mais
de adição e multiplicação por escalar, como interativa com seus alunos. Diante disto, foi
recursos-meta, para caracterizar um elemento preciso realizar uma seleção do professor a
genérico de um espaço vetorial, de acordo ser observado.
com o seguinte trecho: Segundo Ludke e André (2001), a
Outra possível alavanca-meta é o recurso de se observação das aulas de um professor supõe
enfatizar as operações adição e multiplicação por que os dados coletados sejam descritivos e
escalar, como as ferramentas que estão inerentes à
de espaço vetorial e que bastam para caracterizar obtidos diretamente no contato do
um elemento genérico do espaço vetorial através de pesquisador com a situação estudada, de
um número finito de vetores "bem comportados" acordo com a caracterização de uma pesquisa
desse espaço. (PADREDI, 2003, p. 118) qualitativa.
Outro recurso-meta observado por Padredi Para realizar a observação das aulas,
no discurso dos professores foi "A passagem escolheu-se uma instituição que possuía
do antigo para o novo conhecimento", tendo a cursos de Ciências Exatas onde, naturalmente,
Geometria Analítica, como o antigo também exigem em sua ementa a disciplina de Álgebra
aparece no discurso dos professores Linear. Optou-se por uma instituição
entrevistados por Padredi. Para a particular, de renome, próxima da residência
pesquisadora, este recurso faz parte das do pesquisador, para facilitar meu
informações constitutivas do funcionamento deslocamento até lá, uma vez que deveria
matemático e pode ajudar os alunos quando a assistir às aulas por, pelo menos, um
mudança de ponto de vista é necessária. semestre.
Para os autores estudados, esses recursos- Selecionada a Instituição, analisou-se o
meta podem levar os alunos a refletirem quadro dos professores que ministravam
sobre seus conhecimentos matemáticos, Álgebra Linear, de modo que três deles foram
quando estiverem envolvidos em atividades selecionados, pois faziam parte da
adequadamente planejadas pelo professor ou, comunidade de educadores matemáticos. O
até mesmo, quando o professor estiver critério baseou-se no fato de que se desejava
falando com eles, interrogando a si próprio e um professor com experiência no ensino de
aos alunos, apontando seus erros, de modo a um de Álgebra Linear. Além disso, que
criar um cenário, no qual os alunos possam se interagisse com a classe, de forma a aumentar
questionar durante a resolução da atividade a possibilidade da utilização de recursos-meta.
ou quando da devolução dos Depois de se conversar com os três, foi
questionamentos do professor. escolhido o professor Siqueira, que atendia as
necessidades de investigador. A ele foi
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS garantindo o anonimato e o
O objetivo deste artigo é o de apresentar comprometimento de se perturbar o mínimo
os recursos-meta que um professor utilizou possível a dinâmica de suas aulas. É bom
em seu discurso, durante as aulas de Álgebra ressaltar que se trata de um nome fictício para
Linear. Para tal, utilizou-se uma pesquisa conservar o anonimato do profissional.
empírica, com abordagens descritivas e
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ARTIGOS 11

No início, com a intenção de não intimidar durante as aulas, para analisar se haviam
o professor e seus alunos decidiu-se fazer recursos-meta contidos nessas atividades.
apenas anotações sobre as ocorrências e As gravações foram realizadas até a
recursos utilizados pelo professor. Nas conclusão da abordagem da noção de base de
primeiras cinco aulas, anotaram-se os um espaço vetorial, objeto de estudo deste
elementos do discurso e da prática do trabalho. Ao todo foram treze aulas, oito
professor, que se julgou serem recursos-meta. gravadas e cinco somente anotadas.
No final da quinta aula, o professor Em todas as aulas observadas, o professor
Siqueira sugeriu que o pesquisador Siqueira utilizou diversos recursos-meta em
audiogravasse as aulas, para facilitar a tarefa seu discurso, na abordagem dos conceitos e
de observador. Com a aquiescência do na resolução dos exercícios propostos em sala
professor, passou-se a audiogravar suas aulas. de aula.
O gravador era deixado em cima de sua mesa, Dentre os recursos-meta levantados na
pois dali era provável que o aparelho captasse dissertação de mestrado, relatam-se abaixo
melhor sua voz. aqueles apenas as aulas em que aparecem
Além da gravação, ainda se anotava os recursos-meta relevantes e que foram
gestos e expressões do professor, pois estes julgados como passíveis de ajudar os alunos
poderiam conter algum recurso-meta. no aprendizado das noções evidenciadas.
Colecionaram-se, também, as atividades Na transcrição das situações de sala de
elaboradas pelo professor, que eram aula, para apresentar os recursos-meta que o
distribuídas aos alunos. professor usou em seu discurso, utilizaram-se
As gravações das aulas foram feitas até a as seguintes abreviações: P = Professor; A =
conclusão da abordagem da noção de base de Aluno (um, em especial); C = classe (um grupo
um espaço vetorial, objeto de estudo deste de alunos); L = Investigador; “...” = Pausa na
artigo. Uma vez terminadas as gravações das fala do professor; “..........” = Silêncio; Negrito
aulas, realizou-se a transcrição, agregando os = Ressalta a ênfase na fala do professor.
gestos e as anotações, feitas pelo professor,
de modo a tornar mais completa a “história” 3.1 Os recursos-meta utilizados em sala de
das aulas. aula
As três primeiras aulas do curso são usadas
3. A OBSERVAÇÃO DAS AULAS E ANÁLISE DOS pelo professor para recordar e discutir a
RECURSOS-META UTILIZADOS PELO resolução de sistemas lineares. O professor
PROFESSOR abordou o método de eliminação de Gauss e
Para não interferir no andamento da aula e resolveu alguns problemas envolvendo
evitar qualquer conversa sobre o conteúdo sistema linear de quatro equações por meio
com os alunos, o pesquisador posicionou-se desse método.
em uma carteira isolada, no fundo da sala, Ele também mostrou como resolver um
distante do professor e dos alunos. sistema linear por meio de sua representação
Como já discutido acima, nas primeiras matricial (matriz composta por uma submatriz
cinco aulas, somente anotou-se por escrito, os dos coeficientes e uma matriz-coluna dos
elementos do discurso e da prática do termos independentes); escalonando a matriz
professor passíveis de serem recursos-meta. A e interpretando o resultado obtido. O
partir da sexta aula, o professor Siqueira professor chamou a atenção para a vantagem
sugeriu que se audiogravasse as aulas, para do método “mais enxuto” na resolução de
facilitar a tarefa do observador. sistemas lineares. O termo “mais enxuto” foi
No decorrer das aulas, o professor foi considerado considero um recurso-meta, pois
observado e seus gestos e expressões foram conforme DORIER (2002), são informações
anotados, pois estes poderiam conter algum concernentes ao que constitui o
recurso-meta relevante. Além disso, conhecimento matemático.
guardaram-se as atividades elaboradas pelo Na aula 4, o professor abordou o conceito
professor, que eram distribuídas aos alunos, de espaço vetorial. Para tal, ele solicitou que
os alunos resolvessem uma atividade
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ARTIGOS 12

composta pelo conjunto dos vetores da vetorial", contido na atividade entregue na


Geometria Analítica, definidos por meio de aula anterior e que é transcrito, a seguir:
segmentos orientados. Ele informa que, para Os conjuntos abaixo são espaços vetoriais.
o conjunto, estão definidas a operação de Verifique se esta afirmação é verdadeira.
adição e multiplicação. A atividade contém 1) O conjunto 3  x, y, z  / x, y, z  R é
ainda o Conjunto das Matrizes Reais, em
um  -espaço vetorial.
particular, o conjunto das matrizes M 23 () ,
com as operações de adição e multiplicação Generalizando: n , n 1 é um  -espaço
vetorial:
bem definidas.
Ele concluiu a atividade solicitando para Adição: n  n  n ,
verificar se as propriedades para as mesmas
operações acima, valem para o conjunto R2, (a1 , a2 , a3 ,..., an )  (b1 , b2 , b3 ,..., bn )  (a1  b1 , a2  b2 , a3  b3 ,..., an  bn )
como abaixo: Multiplicação por escalar:   n  n
Finalmente, vamos observar se as mesmas
operações e suas propriedades valem para o
 (a1, a2 , a3, ..., an )  (a1, a2 , a3, ..., an )
 
conjunto   ( x, y) : x, y   . O conjunto
2

dos vetores da Geometria Analítica, definidos por


meio de segmentos orientados, o conjunto das
2) C, o conjunto dos números complexos, é um -
matrizes M mn () (m e n naturais não nulos) e o espaço vetorial
conjunto dos pares ordenados reais apresenta uma Adição: C C  C
coincidência estrutural em relação a um par de
operações definidas sobre eles. Isto significa que (a  bi)  (c  di)  (a  c)  (b  d )i
essas operações e propriedades caracterizam alguns
conjuntos que, embora tenham natureza diferente Multiplicação por escalar:  C  C
dos vetores do espaço, “comportam-se” como eles.
Dizemos que esses conjuntos têm a mesma estrutura  (a  bi)  a  bi
(OLIVEIRA, 2005, p. 39).
Parece que com esta atividade, o professor M 23 ()
3) O conjunto das matrizes é um -
quer que os alunos além de comparar os
espaço vetorial.
conjuntos de vetores da geometria analítica Adição:
com o conjunto de matrizes e suas operações
M 23 ()  M 23 ()  M 23 ()
de soma e multiplicação por escalar, sugere
que o aluno verifique se o conjunto R2 , com  A, B  A  B
as operações de adição e multiplicação bem Multiplicação por escalar:
definidas, possuem as mesmas características   M 23 ()  M 23 ()
que os dois anteriores.
Verificou-se que, ao elaborar a atividade, o  , A  A
professor utilizou o recurso-meta "passando Generalizando: O conjunto das matrizes
do antigo para o novo conhecimento", M mxn () é um  -espaço vetorial
empregando a geometria vetorial e o conjunto Adição:
das matrizes, como o antigo, para fazer os M mn ()  M mn ()  M mn ()
alunos refletirem sobre a generalização das
operações com elementos de diferentes  A, B  A  B
Multiplicação por escalar:
espaços vetoriais, isto é, refletirem sobre a
estrutura dos espaços vetoriais.   M mn ()  M mn ()
Na aula 5, o professor Siqueira
institucionalizou o conceito de espaço vetorial  , A  A
e solicitou aos alunos que resolvessem alguns
exercícios de uma série, envolvendo a 4) 2 () é o conjunto dos polinômios reais de
veracidade ou não da afirmação: "tal grau menor ou igual a 2, acrescido do polinômio
conjunto, com tais operações é um R - espaço nulo, é um  -espaço vetorial.

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ARTIGOS 13

Adição: f (t ), g (t ) 2 () , feitos fora da sala de aula (o professor


f (t )  g (t ) 2 () refere-se a lista apresentada acima). Alguns
alunos apontaram o exercício 7:
Multiplicação por escalar: f (t ) 2 () e
7) C é um espaço vetorial sobre C.
   , f (t ) 2 () . Adição: usual.
Multiplicação por escalar: multiplicação usual dos
Generalizando: n () é o conjunto dos complexos:
polinômios reais de grau menor ou igual a n e o professor, então, comentou:
(n  0) acrescido do polinômio nulo é um - Qual é o grande nó da Álgebra Linear? É vocês
espaço vetorial. estarem escrevendo corretamente aquilo que vocês
estão pensando. Existe uma dificuldade grande em
Adição: f (t ), g (t ) n () , escrever estas coisas. Então pelo menos uma vez na
f (t )  g (t ) n () vida temos que pegar e mostrar que é um espaço
vetorial. É trabalhoso, né? Não é simples e é
Multiplicação por escalar: f (t ) n () e trabalhoso, mas ao menos uma vez na vida temos
que fazer isso (OLIVEIRA, 2005, p. 52).
   , f (t ) n () . Aqui, o professor chamou a atenção dos
alunos para o fato de que a grande dificuldade
da Álgebra Linear, "o nó", é seu formalismo.
5) O conjunto V  u  R / u  0 com as
Ele usou o recurso-meta de fornecer
operações assim definidas:
informações sobre a natureza das noções a
Adição: u v  uv serem introduzidas.
Multiplicação por escalar:   u  u é um A seguir, dá a entender que a dificuldade
espaço vetorial sobre . relatada está na manipulação algébrica. Ou
seja, o aluno deveria analisar as operações
6) 2 munido de: definidas para o conjunto e à luz da definição
Adição usual contida no próprio texto, a validade de cada
Multiplicação por escalar: uma das oito propriedades, o que do ponto de
 m, n    m, n  é um  -espaço vista do professor "Não é simples e é
vetorial? trabalhoso, mas ao menos uma vez na vida
temos que fazer isso".
7) C é um espaço vetorial sobre C.
Mais adiante, o professor Siqueira passou a
Adição: usual.
Multiplicação por escalar: multiplicação usual dos tratar dos seguintes exercícios:
1) Dadas as matrizes quaisquer A e B do conjunto das
complexos: C C  C , matrizes reais 2 x 2, determine a matriz X, tal que
X  A X  2B
(a  bi)  (c  di)  (ac  bd )  (ad  bc)i  .
(OLIVEIRA, 2005, p. 50). 2 3
 
2) Dados os vetores quaisquer u ev determine o
   
Ao observevar a lista de exercícios acima,  x  u x  2v
vetor x , tal que  .
elaborada pelo professor e é possível verificar 2 3
a existência de um contra-exemplo no 3) Dados dois pares ordenados quaisquer u e v
exercício seis. Verifica-se que que além da determine o par ordenado x tal que
preocupação em apresentar diferentes x  u x  2v
 (OLIVEIRA, 2005, p. 54).
conjuntos a serem manipulados, o professor 2 3
também se preocupou com a existência de um Ao apresentar estas três equações, cada
contra-exemplo. Este recurso é um recurso- uma com vetores em diferentes espaços
meta que pode levar o aluno a refletir sobre a vetoriais, o professor está possibilitando ao
existência de conjuntos, que munidos das aluno perceber que, embora cada uma esteja
operações dadas, não têm estrutura de em diferentes espaços, os procedimentos de
espaço vetorial. resolução são os mesmos, pois são baseados
A aula 6 foi iniciada com o professor nas mesmas propriedades. Aqui, ele está
Siqueira indagando seus alunos se estes usando o recurso-meta da generalização, ao
encontraram dificuldade na resolução dos incorporar as ferramentas para resolver as
exercícios, sugeridos na aula anterior, a serem referidas equações.
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ARTIGOS 14

Durante a execução dos exercícios, o P – x é igual a y. Então, me dê um elemento


professor chamou a atenção dos alunos a de D, genérico.
respeito de alguns de seus comentários: A – (a, a).
A – Corta os denominadores. P – (a, a). Está aqui. O R2 são todos os
(...) pares, o que é que está dentro de D, ...,
A – Passa para o outro lado o 3A. todo mundo que tem qual cara? ... (a, a). O
Em relação ao primeiro, disse: “Cuidado primeiro elemento e o segundo elemento
hein. Corta denominador. ... Não corta coisa do par ordenado são iguais. (...) (OLIVEIRA,
nenhuma” e ao segundo comentou que: ”Ah, 2005, p. 58).
eu não sei passar nada de um lado para o O professor, utilizou o seguinte diagrama
outro”. Um pouco depois o professor lembra: de Venn, para mostrar "a cara" dos elementos
Olha, gente. Cuidado, que vocês tem essa mania de de D:
“ah, passa pra lá, ah, muda de sinal”. Vocês já viram
a sua conta bancária mudar de sinal?“. Ainda reitera: R2
“Ah, muda de lado. Não muda de lado. Isto aqui é
uma igualdade. As coisas não ficam pulando,
saltitando, de um lado para o outro. Isto vira ... Isto é
D
automático à medida que vocês trabalham e vão
fazendo isso automaticamente (OLIVEIRA, 2005, p.
55). (a,a)
Neste caso, Siqueira parece querer que os
alunos resolvam as equações, utilizando a
linguagem formal da Matemática que se
refere às propriedades de espaço vetorial e
e estabelece o seguinte diálogo:
que justificam as manipulações feitas. Assim,
P – O D já é um subconjunto de R2.
Siqueira está utilizando o recurso-meta das
A – Você tem que provar que quando você
“informações a respeito do que constitui o
faz uma adição ou uma multiplicação por
conhecimento matemático”.
escalar, você vai continuar dentro do D.
Na aula 7, o professor retoma o conceito
P – Dentro do conjunto. Então, se eu pegar
de subespaço vetorial, estudado na aula
um par ( a, a) e um par ( b, b) aqui, se eu
anterior, e recorda seus alunos sobre o fato de
um subespaço vetorial também ser um espaço somar, o que vai acontecer?
vetorial munido das mesmas operações do C – .........
espaço vetorial a que pertence, após o que, P – A soma, está aqui ou está aqui fora?
pergunta para a classe se é possível garantir C – Está dentro.
que um subespaço vetorial é espaço vetorial, P – Está dentro. ( a  b, a  b) . Primeiro
sem verificar os oito axiomas. O professor está elemento é igual ao segundo. Multiplicação
utilizando o recurso-meta de abordar por escalar. Multipliquei por um Real alfa
“informações que dizem respeito ao que qualquer. ( a, a) . Primeiro elemento e
constitui uma operação matemática”, segundo elementos iguais. Está dentro do
utilizando o papel do questionamento. D?
Segundo Dorier, este recurso-meta pode fazer A – Está. (OLIVEIRA, 2005, p. 58).
o aluno refletir sobre a noção matemática em Neste discurso, o professor está utilizando
evidência. o recurso-meta de dar informações sobre o
Em seguida, retoma a discussão sobre o que constitui uma operação matemática,
 
conjunto D  ( x, y)   2 / y  x , visto na fazendo os alunos refletirem na forma dos
elementos do subconjunto e na definição de
aula anterior, e questiona a classe sobre as
características do conjunto D, com o seguinte subespaço.
diálogo: A aula 8 foi iniciada pelo professor por
P - (...) O D, qual é a característica do meio de uma discussão sobre o conceito de
conjunto D? Que cara tem os vetores de D? subespaço vetorial. Para o comentário
A – x é igual a y. "Subconjunto do espaço vetorial", dado por
um aluno, Siqueira reforçou: "Um subconjunto
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ARTIGOS 15

de um espaço vetorial. Que tem as mesmas de o conjunto ser ou não um espaço vetorial,
operações que foram definidas para o espaço proposto na lista de exercícios, denominada
vetorial" e, em seguida, estabeleceu com a "Aula 3".
classe, o seguinte diálogo: Na aula 9 foi apresentado o conceito de
[...] Isso garante que ele seja um subespaço? soma e intersecção de subespaços vetoriais,
C – Não. por meio de uma lista de exercícios
P – O que mais precisa? (OLIVEIRA, 2005, p. 62).
denominada "Aula 04: Intersecção e somas de
O professor Siqueira, pode estar levando os
subespaços vetoriais". Os estudantes
alunos a refletir sobre o uso do dispositivo
utilizaram a aula inteira para resolver os
prático, abordado na aula anterior, utilizando
exercícios da lista. O professor não utilizou
o recurso-meta do questionamento, para o
recursos-meta relevantes, para que fossem
qual, dados dois elementos do subconjunto,
destacados.
basta verificar se ao somar os dois elementos
A aula 10 foi utilizada pelo professor
e ao multiplicar um elemento por um escalar,
Siqueira para fazer a abordagem do conceito
os resultados estão contidos no subconjunto.
de Combinação Linear, para a qual ele
Ele continua com a discussão sobre os
disponibilizou uma lista de exercícios
subespaços vetoriais e em um certo momento
denominada "Aula 5”. Esta atividade aborda
da discussão, ele desenha no quadro, o gráfico
as noções de combinação linear e de conjunto
abaixo, que faz parte do exercício g, da Lista
gerador.
de exercícios da "AULA 3", descrita acima:
Para iniciar a discussão do tema, o
professor escreveu no quadro o primeiro
exemplo da lista:
(1, 7) = _ (1, 1) + _ (1, 2) + _ (1, 3)
P – A Ideia é ... combinação linear. O que seria
combinação linear? ... A partir de alguns vetores
dados, alguns vetores que eu tenho, eu produzir
outros vetores. (...) Será que eu consigo colocar aqui,
números, que na hora que eu fizer esta operação eu
tenha (1, 7)? (OLIVEIRA, 2005, p. 66).
Os alunos começaram a indicar números
(OLIVEIRA, 2005, p. 63). que deveriam preencher os espaços vazios,
"_", e satisfazer a igualdade. Por meio desse
O professor pergunta aos alunos se o estratagema os alunos conseguiram indicar
conjunto W, representado por um gráfico no três números que satisfizeram a equação.
sistema cartesiano, também é um subespaço Em seguida, o professor sugeriu o mesmo
vetorial. O conjunto W é formado pela união tipo de problema trocando os vetores por
de duas semi-retas que se iniciam na origem, matrizes de ordem 2:
com direções distintas. Ao se adicionar um 0 2  1 2  1 0
   _   _ + _  
elemento da primeira semi-reta com um da
 0 1 0 0  0 1
segunda, com certeza, a soma estará fora do (OLIVEIRA, 2005, p. 66).
conjunto W. Aqui, o professor utiliza o
recurso-meta da mudança de quadros Neste caso, Siqueira utilizou o exemplo de
tentando fazer o aluno refletir no problema matrizes para dificultar o calculo, por ensaio e
por meio de outro ponto de vista. erro, para assim, introduzir a técnica
Em seguida, ele mostrou que o adequada para verificação de combinações
subconjunto não é um subespaço vetorial, por lineares. No caso, foi usado o recurso-meta de
meio de um contra-exemplo. Como discutido apresentar diferentes objetos matemáticos,
acima, no referencial teórico, a utilização de que tornou evidente aos alunos, a
contra-exemplos para mostrar aos estudantes necessidade de aprender uma nova técnica
a não validade do conceito, também é que lhes possibilitaria resolver qualquer
considerado um recurso-meta. problema desse tipo.
Durante todo o restante da aula, os alunos
resolveram os exercícios, sobre a verificação
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ARTIGOS 16

Nessa mesma aula, o professor introduziu (1, 1)   (1, 0)  ( , 0) pois se   1, 1 = 0


a noção de “conjunto gerador”, e resolveu o que é absurdo. (OLIVEIRA, 2005, p. 69).
com os alunos alguns exercícios da lista da Esta lista de exercícios inicia-se com um
“Aula 5”. Ele não utilizou recursos-meta texto que tenta levantar nos alunos a ideia de
relevantes para a discussão. que o conjunto S  (1, 1), (1, 0), (1, 2) e o
A aula 11 foi dedicada à primeira avaliação conjunto L  (1, 1), (0, 1) são geradores do
realizada pelos estudantes, individualmente, e R2, mas que L e S são diferentes, pois S tem
em sala de aula, da qual o pesquisador teve um elemento a mais que L e, ainda, em S, um
acesso. de seus elementos é combinação linear dos
Das questões contidas na prova, vale outros dois.
destacar a questão 5 (Anexo A), fotocopiada O professor passa a discutir o texto com
do original e apresentada a seguir, que aborda seus alunos e realça o conjunto S. Diante
o tema de subespaços Vetoriais do R2 em disto, ocorre o seguinte diálogo:
diferentes domínios: gráfico e simbólico. P – (...) a gente viu na aula passada, este S, se eu
2
A utilização deste exercício na prova pode pegar as combinações lineares de S, eu gero ... R . Se
2
provocar uma reflexão no aluno sobre a eu pegar as combinações lineares de L eu gero o R .
2
Agora mesmo, vocês disseram que este S gera o R ,
interação entre domínios, reconhecido
né? Bem, tenho este conjunto e tenho este conjunto
anteriormente como um recurso-meta, pois 2
e vou gerar o R . Aliás, eu tenho até três aqui no
para responder aos itens que apresentam quadro. Se eu fosse escolher um deles para
gráficos, o aluno terá forçosamente que trabalhar, qual eu escolheria?
recorrer a elementos da estrutura de P – escreve na lousa {(1,0),(01)}
C – Murmúrios.
subespaço vetorial. Ainda é importante notar A – Esse. (o aluno aponta para o conjunto formado
que a questão apresenta exemplos (b, g) e 2
pela base canônica do R ).
contraexemplos (a,c,d,e,f) de subespaços P – Óbvio. ... Tenho que pegar o quê?... O conjunto
2
vetoriais. Parece que o professor Siqueira teve mais simples que eu teria para gerar o R .
P – Posso partir daqui?
a intenção de apresentar questões que
O professor aponta para o conjunto
S  1,1, 1,0, 1,2
repetem recursos-meta utilizados em sala de
aula.
A – Pode.
A aula 12 foi utilizada para abordar o P – Posso. Só que o que vai acontecer?
conceito de Dependência e Independência A – A gente vai ter mais trabalho.
Linear. No início da aula, o professor retomou P – Eu vou ter mais trabalho (...) (OLIVEIRA, 2005, p.
os conceitos abordados anteriormente e, em 70).
seguida, o professor solicitou aos alunos para Este diálogo apresenta uma situação
trabalhar a atividade denominada "FICHA 6", propicia para o aluno refletir nas vantagens de
que iniciava assim: um conjunto gerador minimal, sugerindo a
A fim de identificar o conjunto gerador de um dado ideia de conjunto linearmente independente.
subespaço, precisamos conhecer algumas “relações Com este recurso-meta, o professor dá a ideia
algébricas” existentes entre os vetores do conjunto da economia de trabalho, ao utilizar os
gerador. menores conjuntos para trabalhar. Este
Vimos que o conjunto gerador
recurso-meta foi mencionado por vários
S  (1, 1), (1, 0), (1, 2) nos fornece o
professores entrevistados por PADREDI
subespaço S  que é igual ao 2 . Vimos também (2003).
que o conjunto gerador L  (1, 1), (0, 1) nos Além disso, ele leva o aluno a refletir sobre
fornece o subespaço L  que também é igual ao
um modo de verificar se um dado conjunto é
linearmente dependente, por meio do
2 . seguinte comentário:
Mas, existem algumas diferenças entre L e S: P – (...) um deles como combinação linear dos
- L possui 2 vetores e S possui 3 vetores. outros, é uma diferença que eu vou ter que ficar
- Em S, o vetor (1, 2) é combinação linear dos vetores olhando. (...) Essa é uma das características de um
(1, 1) e (1,0), isto é, conjunto que a gente vai chamar de L.D., ou seja,
(1, 2)  2(1, 1)  (1)(1, 0) linearmente dependente. Eu tenho alguém que está
- Em L, não existe um vetor que seja combinação dependendo dos outros, lá dentro do meu conjunto.
linear dos outros, isto é, não existe  tal que (OLIVEIRA, 2005, p. 71).

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ARTIGOS 17

Com este comentário, o professor utilizou Recursos como o da interação de domínios,


o recurso-meta de fornecer informações sobre foi empregado pelo professor em algumas de
o que constitui o conhecimento matemático suas aulas. É possível que com o uso desse
ao abordar as operações matemáticas recurso, o professor já estivesse preparando
envolvidas, tentando levantar no aluno a ideia os alunos para visualizarem os espaços
de que um conjunto é linearmente vetoriais em diferentes representações.
dependente se algum de seus elementos é O recurso-meta de fornecer informações
combinação linear dos demais. sobre as operações matemáticas, o dos
Na aula 13, o professor Siqueira introduziu exemplos e contraexemplos e o dos
o conceito de base de um espaço vetorial. questionamentos foram usados amplamente
Para fazer essa abordagem, o professor durante as aulas observadas.
trabalhou uma atividade denominada de ficha Vale a pena ressaltar que o professor
7, cujo conteúdo inicial remete à noção de iniciou praticamente todas as suas aulas
base de um espaço vetorial, como segue: discutindo os conceitos abordados em aulas
Queremos encontrar dentro de um espaço vetorial anteriores. Este tipo de estratégia também é
V, finitamente gerado, um conjunto finito de considerado um recurso-meta. Ao todo foram
vetores, tal que qualquer outro vetor de V seja uma
combinação linear dele, e mais, que todos os vetores 9 recursos-meta distintos utilizados pelo
desse conjunto realmente sejam necessários para professor, nessas 13 aulas observadas.
gerar V. A esse conjunto, daremos o nome de base. No entanto, os recursos-meta utilizados
(OLIVEIRA, 2005, p. 74). pelo professor Siqueira não foram
A ideia colocada no início da atividade transmitidos apenas oralmente. Em algumas
pode fazer os estudantes refletirem sobre das atividades distribuídas para seus alunos,
necessidade de um conjunto gerador minimal, também havia recursos-meta com
de modo a economizar trabalho, quando se possibilidade de se ajudar na compreensão
estiver trabalhando com geração do conjunto dos conceitos aboradados.
em evidência. ideia essa também utilizada no A introdução apresentada na atividade
discurso de professores entrevistados em denominada "Ficha 7" indica a reflexão sobre
(PADREDI, 2003) que a considerou um a noção de base ser um conjunto gerador
recurso-meta passível de se tornar uma minimal, recurso este já explicitado em outros
alavanca-meta para os alunos. trabalhos relativos a este tema, e a variedade
Em seguida, o professor institucionaliza a de exercícios sugeridos aos alunos, são
definição de base de um espaço vetorial, exemplos de recursos-meta transmitidos na
como é vista na maioria dos livros de Álgebra forma escrita.
Linear, e discute com os alunos a resolução Cabe aqui levantar uma questão: será que
dos exercícios propostos na atividade. esses recursos-meta, utilizados pelo professor
Siqueira, auxiliaram o aprendizado de seus
4. CONSIDERAÇÕES alunos? Esta é uma pergunta interessante,
Este artigo revelou a utilização de recursos- cuja resposta será discutida em outro artigo
meta, em sala de aula de Álgebra Linear, deste autor.
focando o ensino da noção de base de um REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
espaço vetorial. Para tal empreitada, foi feita ARAÚJO, C. C. V. B. A metamatemática no
um levantamento da dissertação de Mestrado livro didático de álgebra linear. São Paulo,
do autor, onde ele acompanhou as aulas de 2002. Dissertação (Mestrado em Educação
um professor de Álgebra Linear, desde a Matemática) - Programa de Educação
primeira até a 13ª aula, quando o professor Matemática, PUC-SP.
fez a abordagem da noção de base de um CALLIOLI, C. A. Álgebra Linear e aplicações. 6ª
espaço vetorial. Ed. São Paulo: Atual, 1990.
Como visto anteriormente, o professor CELESTINO, M. R. Ensino-Aprendizagem da
Siqueira utilizou recursos-meta em seu Álgebra Linear: as pesquisas brasileiras na
discurso de sala de aula, em todas as aulas década de 90. São Paulo, 2000. Dissertação
observadas pelo pesquisador. (Mestrado em Educação Matemática) -

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Dissertação (Mestrado em Educação em Educação Matemática) - Programa de
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DORIER, J. L. L'enseignement de l'algèbre Educação Matemática) - Programa de
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ARTIGOS 19

Anexo A

(OLIVEIRA, 2005, p. 68).

THE RECURSOS-META USED FOR A PROFESSOR OF LINEAR ALGEBRA, IN CLASSROOM,


WHEN TEACHING THE SLIGHT KNOWLEDGE OF BASE OF A VECTORIAL SPACE

ABSTRACT
This article aims to describe green tea and its therapeutic properties, with emphasis
on its antioxidant activity, its possible side effects and contraindications. Green tea is a
functional food, because a large amount of bioactive compounds of its formulation is
rich in catechins, among which stands out epigallocatechin gallate (EGCG), a factor
largely responsible for the protection of green tea against the deleterious effects of free
radicals in cells and tissues. In addition to antioxidant activity, green tea has anti-
carcinogenic action, anti-inflammatory, anti-diabetic action supporting the process of
weight loss, among others. To preserve as much functional properties, green tea should
be prepared respecting the maximum recommended infusion rate and grass: water. Can
be stored at room temperature or in refrigerator for 24 hours and consumption should
be around 4-6 cups per day to achieve the desired pharmacological effect.

Keywords: Camellia Sinensis. Green Tea. Catechins. Functional foods.

ISSN 1980-1742 ANO 08 – Número 15 – Junho 2013


ARTIGOS 20

HISTÓRIA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO


BRASIL

Tatiana Lima de Almeida


Professora da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas Santa Rita de Cássia
Mestre em Educação

RESUMO
Este trabalho consistiu em um levantamento bibliográfico acerca
da história da criança institucionalizada no Brasil. A criação das Casas dos
Muchachos e a instalação das Rodas dos Expostos nas Santas Casas de
Misericórdia revelaram, desde o período colonial, o início da
preocupação com crianças órfãs, abandonadas e pobres em situações
diversas. Posteriormente a chegada da Filantropia revelou um
atendimento assistencial, apoiado em conceitos higienistas e jurídicos
que deram base para o início da responsabilidade do Estado para com
estas crianças. A legislação condizente ao tema foi constituída em
diferentes fases passando pela Doutrina da Situação Irregular
impulsionada pelo Código de Menores de 1927, em seguida a Doutrina
da Segurança Nacional e o Estado de Bem Estar a partir da década de 60,
e por último a atual, embasada no Estatuto da Criança e do Adolescente
(1990), a Doutrina da Proteção Integral. O artigo ainda traz informações
sobre a conjuntura atual além de dados estatísticos a respeito do
acolhimento de crianças e adolescentes no século XXI.

PALAVRA CHAVE: Proteção Integral, institucionalização, acolhimento,


legislação, abandono.

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INTRODUÇÃO Maria Luiza Marcílio (1998) descreve que o


Crianças escravas, crianças indígenas, início da proteção à criança abandonada no
crianças trabalhadoras, crianças colonizadas, Brasil surgiu no período colonial. A
crianças abandonadas à própria sorte. No responsabilidade por esses cuidados era das
período colonial brasileiro, a condição de Câmaras Municipais, que por meio de
infância e juventude não teve resultados convênios, delegavam serviços especiais de
muito diferentes de uma guerra propriamente proteção à criança a outras instituições,
dita, vide figura n° 1. A Igreja Católica sobretudo às Santas Casas de Misericórdia.
incumbia-se de catequizar os índios e, Não diferentemente da situação indígena,
consequentemente, seus filhos, assim como os filhos de escravos negros também
de oferecer a educação para os filhos dos engrossavam a população de crianças órfãs e
colonos. Com a chegada dos jesuítas ao Brasil, abandonadas, principalmente após a Lei do
a Igreja estabeleceu aldeamentos, também entre Livre. A escravidão no Brasil teve três
conhecidos como –missões-, com o objetivo grandes marcos: a Lei do Ventre Livre, a do
de afastar os índios de suas lideranças, Sexagenário e a da Abolição. O que nos
converter os nativos ao cristianismo e, ao interessa para este artigo é o primeiro e o
contrário do que ansiava a Coroa último marcos. A lei do Ventre Livre
portuguesa, evitava a escravização indígena determinou que crianças, filhas de escravos,
pelos colonos. tornar-se-iam pessoas livres após a
Fig. 1 – Asilo dos Expostos Sampaio Viana maioridade, no entanto, permaneceriam sob a
guarda dos senhores de engenho até
completarem dezoito anos. Neste período,
comumente, esses filhos de escravos eram
abandonados e acabavam acolhidos em
instituições de caridade. Após a Abolição da
escravatura, a miséria e a pobreza
alimentaram este grupo de crianças
Asilo dos Expostos Sampaio Viana: Foto tirada em 30 de
institucionalizadas.
abril de 2010, no Museu da Santa Casa de Misericórdia Curumins, negros, filhos de prostitutas,
de São Paulo por Tatiana Lima de Almeida. filhos de famílias pobres, filhos fora do
A Companhia de Jesus, que fora fundada casamento, crianças que eram abandonadas
em 1534, tinha como proposta oficializar a ou retiradas de seus pais tornaram-se um
catequese como forma de salvação e incômodo aos olhos da sociedade. A Igreja
civilização dos índios. O conflito entre jesuítas Católica encarregara-se de acolher e doutrinar
e Portugal chegou ao ponto em que em 1759 esses sujeitos, mas os esforços necessitavam
os padres jesuítas foram expulsos do Brasil. de melhores condições e maior organização,
Entre 1550 e 1553, os colonizadores por isto foi criados as Casas dos Expostos por
criaram as Casas dos Muchachos, onde eram volta de 1726. Nestas Casas foram instaladas
abrigados os Curumins ou meninos da terra. as Rodas dos Expostos. De acordo com Rizzini
Com o tempo, estas casas tornaram-se úteis e Rizzini (2004) o Brasil passou a constituir
também para o acolhimento de órfãos e uma longa tradição de internação de crianças
enjeitados de Portugal. Estes espaços eram e jovens em instituições asilares.
utilizados para o aprendizado dos índios, até o
século XVII, por meio de um modelo 1. A RODA DOS EXPOSTOS
disciplinar rígido. Nos séculos XIV e XV, na Europa, foram
Philippe Ariès (1984) afirma que já no instaladas nos brefotrófios, instituições para
século XV, o sentimento em relação à infância crianças pobres e abandonadas, as Rodas dos
cresceu consideravelmente e isso revelava a Expostos. Um cilindro oco com uma abertura
preocupação com sua existência, assumindo em um de seus lados era colocado nos muros
um lugar central na família. das Santas Casas, preso a um sistema giratório
ele permitia que a criança fosse colocada pelo
lado de fora e recolhida pelo lado de dentro. O
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sistema procedia da seguinte maneira: a as Santas Casas de Misericórdia, instalaram


genitora ou outrem encarregado de - cada um a sua Roda dos Expostos.
abandonar- a criança na Roda a colocava na No Brasil, a Roda foi uma forma de
parte interior, em seguida girava a roda até manifestar um dos primeiros indícios de
que a parte da abertura se direcionasse para o tolerância da sociedade para com os -filhos
lado interior da instituição, finalmente esta dos pecadores-. A criança acolhida sem o
pessoa deveria tocar um sino que chamaria a reconhecimento e julgamento dos pais teria
atenção de algum funcionário ou freira para o maior chance de sobrevivência, uma vez que
fato de haver uma criança na roda. A criança muitas, antes da existência da Roda, eram
era recolhida e cuidada pela Casa dos abandonadas em ruas, praças, portas de
Expostos sem que a pessoa responsável pelo casas, submetidas ao frio, ao calor, aos
abandono fosse identificada: “A origem desses ataques de animais e na maioria das vezes não
cilindros rotatórios vinha dos átrios ou sobreviviam.
vestíbulos de mosteiros e de conventos No Brasil, uma vez recebidas nas Santas
medievais, usados para outros fins, como o de Casas de Misericórdia seriam batizadas e
evitar o contato dos religiosos com o mundo encaminhadas às Amas de Leite contratadas
exterior.” (MARCÍLIO, 1998, p. 57). que, além de fornecer-lhes o alimento
Fig. 2 - Roda dos Expostos – São Paulo necessário, encarregavam-se de seus
cuidados, educação e encaminhamento para
possíveis lares adotivos.
Fig. 3 - Amas de Leite da Santa Casa de
Misericórdia de São Paulo e as crianças por
elas cuidadas

Foto tirada em 30 de abril de 2010, no Museu da Santa


Casa de Misericórdia de São Paulo. Foto tirada em 30 de abril de 2010, no Museu da Santa
No período colonial, foram instaladas no Casa de Misericórdia de São Paulo.
Brasil três Rodas, em 1726, na cidade de A seleção das Amas de Leite não
Salvador, em 1738, no Rio de Janeiro e, em estabelecia critérios rígidos e em sua maioria
1789, no Recife. As três continuaram a eram camponesas ou mulheres das classes
funcionar mesmo após a Independência do sociais mais baixas da sociedade e seus
Brasil. salários eram muito baixos.
Em 1825, foi instalada uma Roda na Santa De acordo com Kuhlmann e Rocha (2006,
Casa de Misericórdia de São Paulo, pois o p. 599), “Houve uma forte resistência das
município apresentava o maior índice de amas em relação às noções básicas para
exposição de crianças. Após este período foi melhor alimentação, aplicação correta dos
elaborada a Lei dos Municípios, cujo princípio medicamentos às crianças, limpeza, entre
geral era baseado na proposta de que se o outras necessidades, fatores que aumentavam
município possuísse uma Santa Casa de os índices de mortalidade infantil”. Esses
Misericórdia, estaria isento da sua índices eram atribuídos às condições de
responsabilidade pelas crianças abandonadas. moradia e higiene das amas. Segundo os
Com isto, os municípios de Cachoeira (BA), autores, o Relatório do Irmão Mordomo dos
Campos (RJ), Cuiabá (MT), Desterra (SC), Expostos da Santa Casa de Misericórdia de São
Olinda (PE), Pelotas (RS), Porto Alegre (RS) e Paulo indica que em 1909, de 126 crianças
Vitória (ES), por possuírem em suas comarcas entregues às amas de sítio, 22 faleceram, de
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1909 a 1912, de um total de 652 crianças, vida às crianças reproduziam dentro de suas
houve 178 óbitos. A maior parte dos casos se paredes o mesmo descaso observado no
óbito ocorriam com as amas dos sítios, ou cotidiano das ruas. O sistema de amas
seja, aquelas que levavam as crianças para mercenárias e os problemas enfrentados
suas casas. nesses locais, como falta de higiene,
A própria instituição passou a questionar e iluminação precária, pouca ventilação,
reconhecer o irrisório auxílio fornecido às ausência de berços e móveis, levavam a um
amas de leite, concluindo que não seria altíssimo índice de mortalidade. Mesmo
suficiente para os cuidados com as crianças. diante das terríveis estatísticas, este modelo
No entanto, com o alto índice de mortalidade gozaria de prestígio, ultrapassando o período
destas crianças encaminhadas às Amas de colonial.
leite, as Santas Casas deixaram de entregá-las
para serem cuidadas em suas casas. 2. A CHEGADA DA FILANTROPIA
Nos arquivos do Museu da Santa Casa de A filantropia surgiu como modelo
Misericórdia de São Paulo há relatos de que assistencial fundamentado na ciência. A ela
algumas mães abandonavam seus filhos na atribuiu-se a tarefa de organizar a assistência
Roda e, logo em seguida, se ofereciam para dentro das novas exigências sociais, políticas
serem Amas de Leite daquelas crianças, ou econômicas e morais (MARCÍLIO, 1998, p. 76).
seja, dos próprios filhos, sem precisar declarar Entretanto, isto não significa o atendimento
abertamente sua maternidade. Desta forma, das necessidades sociais, de fato:
não correriam o risco de serem julgadas pela O modelo conservador trata o Estado como uma
sociedade por seus –pecados- (prostituição, grande família, na qual as esposas de governantes,
as primeiras damas, é que cuidam dos “coitados”. É
traição, miséria). Segundo Maria Luiza o paradigma do não direito, da reiteração da
Marcílio: subalternidade, assentado no modelo de Estado
Seria ele um meio encontrado para garantir o patrimonial (...). Neste modelo, a assistência social é
anonimato do expositor e assim estimulá-lo a levar o entendida como espaço de reconhecimento dos
bebê que não desejava para a roda, em lugar de necessitados, e não de necessidades sociais.
abandoná-lo pelos caminhos, bosques, lixo, portas (SPOSATI, 2001, p.76).
de igreja ou de casas de família, como era de
costume, na falta de outra opção. Assim
Reforçada pelo movimento higienista e
procedendo, a maioria das criancinhas morreriam de jurídico, passou a delimitar as formas de
fome, de frio ou mesmo comida por animais, antes atendimento a infância e definiu a condição
de serem encontradas e recolhidas por almas de –menores-. O Estado começou a participar
caridosas. (MARCÍLIO, 1998, p. 51).
do planejamento e implementação das
Muitas mães deixavam bilhetes ou políticas de atendimento a esta população
pertences para depois identificarem seus (MARCÍLIO, 1998, p. 29).
filhos: Ao Estado caberia um papel interventor
Os pais deixavam-lhes sinais para futuras diante das mazelas sociais. A pobreza deveria
identificações, no caso de terem intenção de reaver
a criança. Pedaços de madeira ou metades de ser combatida pela ameaça que representa à
moeda, para tanto partidas, por exemplo, eram ordem do país. Começavam a ser vistas como
deixados junto com o bebê na hora do abandono. desperdício de vidas a alta taxa de
Mais tarde, podiam-se juntar as duas partes, mortalidade infantil e o aumento de crianças e
comprovando a identificação dos pais. Essa prática
seria preservada na Europa até fins do século XIX e
jovens nas ruas, bem podendo a nação
transposta para o Brasil tradicional. (MARCÍLIO, aproveitá-los. O utilitarismo e o higienismo
1998, p.23) tornavam-se as referências para a construção
Estes pertences eram guardados e os de um sistema social produtivo. O primeiro
bilhetes muitas vezes anexados no Livro de como forma de otimizar as ações e os
Matrícula dos Expostos. Este livro continha cuidados para prover o bem estar da
dados como data de entrada, de batismo, de população e o segundo revelando a
saída, local para o qual foi encaminhado e necessidade de manter determinadas
outras informações pertinentes. condições de salubridade no ambiente da
Todas as Casas dos Expostos, no entanto, cidade nas quais a higiene passa a ser uma
ao invés de possibilitar mais digna condição de questão social. Foi neste período que a
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divulgação das pesquisas de Louis Pasteur, medicina atribuiu a si a função profilática e


cientista francês, revelou que a causa das social, enquanto a assistência pública
doenças estavam relacionadas à procurou garantir a eficácia de sua política.
contaminação por meio de microrganismos.
Higienistas e eugenistas fortaleciam-se uns 3. O CÓDIGO DE MENORES DE 1927 – A
aos outros no sentido de –limpar- a sociedade DOUTRINA DA SITUAÇÃO IRREGULAR
das reproduções ditas mal sucedidas, ou Em 1901, no Rio de Janeiro, sob uma
seja, das crianças indesejadas pela configuração político social instável, ainda em
sociedade. De acordo com Masiero (2005), adaptação ao panorama da República, é
para o eugenista Renato Ferraz Kehl era inaugurada a Colônia Penal Agrícola. No ano
necessário controlar o instinto humano para seguinte, em São Paulo é construído o
poder, no futuro, alcançar uma raça nobre, Instituto Disciplinar de São Paulo e a Colônia
equilibrada moral e fisicamente. Correcional, na antiga fazenda de Morgado
Os programas de controle da natalidade e Matheus, entre a Avenida Celso Garcia e o
controle do crescimento populacional, melhor leito do Rio Tietê.
dizendo, da população pobre, ganharam força Em 1924, em consonância com a
e embasamento teórico, difundindo a ideia de Declaração de Genebra sobre os Direitos da
que pessoas consideradas “inferiores” não Criança surgia o Juízo Privativo dos Menores
deveriam superlotar o mundo. Até a Abandonados e Delinquentes da Comarca de
atualidade se dissemina esta ideia. São Paulo, de acordo com a Lei Estadual nº
A biologia, por meio de Pasteur, atingia o 2059. Regulamentava-se a internação para os
terreno microscópico e, com isso, a menores abandonados e pervertidos, por no
compreensão de moléstias diversas tão mínimo três anos e no máximo sete anos de
comuns à época. A esterilização do leite reclusão. Para os infratores, aplicava-se a
passava a ser a exigência básica na condução para os Institutos Disciplinares da
alimentação das crianças. Estas descobertas Capital, Taubaté ou Mogi Mirim.
tornaram a figura das amas de leite obsoleta, Em 1927, é criado no Rio de Janeiro o
as crianças órfãs e abandonadas passaram primeiro Juízo de Menores do Brasil e
receber alimentação artificial. aprovado o Código de Menores. O Juizado de
Em 1948, foi desativada a última Roda Menores era um órgão centralizador do
chegando ao fim da Era da Roda dos Expostos, atendimento oficial ao Menor no Distrito
no Brasil. Crescia o número de associações Federal (RIZZINI e RIZZINI, 2004, p. 29). Por
protetoras da infância, que procuravam levar um lado, o Código de Menores garantia a
para as famílias mais pobres orientações internação e proteção dos menores e, por
acerca dos cuidados com os pequenos. outro, poupava a população da convivência
Instauravam-se campanhas de conscientização indesejada com esses meninos. Cuidavam da
pública, através da distribuição de folhetos, vigilância, regulamentação e intervenção
edição de livros educativos, entre outros. A sobre a população de menores abandonados e
vida familiar ganhava atenção dos filantropos delinquentes. Insistia-se ainda na elaboração
que a concebiam como estrutura primordial de um modelo não punitivo, mas disciplinar.
para o bom desenvolvimento da criança. Intento à parte, embora a punição fosse pelos
Esta também é uma época de criação de mecanismos jurídicos do Código de Menores,
leis de proteção à infância. Aos pais que não dentro dos muros das instituições
garantissem condições salubres para seu filho predominava a opressão física e moral. As
seria passível a suspensão do pátrio poder punições constituíam o alicerce do processo
(hoje denominado poder familiar) e o disciplinador, como nas colônias orfanológicas
estabelecimento da tutela. O Poder Judiciário do século XIX, gerando abusos e violência por
passa a controlar a vida familiar coibindo atos parte dos funcionários. Frente a esta situação,
perniciosos a infância. A psiquiatria ganha é inaugurado em 1931 o Serviço de
terreno através de laudos que pudessem Reeducação, com o fim de controlar a
diagnosticar desvios de conduta ou agressividade dos procedimentos punitivos
personalidade nos membros da família. A
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dos estabelecimentos para jovens e crianças –Fundação Estadual do Bem Estar do Menor-
abandonadas e infratoras. e tinha como proposta se opor ao modelo
Novas repartições são construídas, como o repressor do SAM constituído por castigos
Departamento de Assistência Social e o físicos e punições excessivas para disciplinar
Serviço Social de Assistência e Proteção ao os adolescentes internados. No entanto,
Menor, subordinadas à Secretaria de Justiça e acabou por repetir este modelo, mesmo com
Negócios do Interior. Em 1938, mudam-se os diversas reformulações em seu sistema. Em
nomes para semelhantes serviços, surgem o 1979, promulgada a Lei 6697, entrou em vigor
Departamento de Serviço Social e o Serviço o Novo Código de Menores, repudiado pelos
Social de Menores. setores progressistas envolvidos com
Em 1941, Getúlio Vargas instalou o SAM, educação e infância. Os internatos passaram
Serviço de Assistência a Menores. De acordo a seguir o regime estatal militar. Ex-internos
com Maricondi (1997, p. 9), funcionava de eram em sua maioria encaminhados para o
forma parecida com o sistema penitenciário, serviço militar e para o trabalho em órgão
correcional, repressivo e estava subordinado públicos.
diretamente ao Ministério da Justiça: “Nos Junto às manifestações sociais e o fim da
anos 60, às vésperas do regime militar, o SAM ditadura militar iniciam-se os
mergulhou em decadência e seu estilo questionamentos às modalidades de
repressivo e humilhante revelou-se à opinião institucionalização no Brasil. Surge a Frente
pública. O SAM entrou para a história como Nacional de Defesa dos Direitos da Criança.
'Universidade do Crime' e 'Sucursal do A imprensa passou a veicular os protestos
Inferno'” (MARICONDI, 1997, p. 9 e 10). de meninos e meninas internados, expressos
O período contemplado pelo Código de em rebeliões. Os anos 80 marcaram o início
1927 foi denominado pelo jurista argentino da Doutrina da Proteção Integral e foi
Ubaldino Calvento como Doutrina da caracterizado pelo processo de discussão e
Situação Irregular e seguiu até 1979 com a redação da Lei que viria a substituir o Código
promulgação do Novo Código de Menores. de Menores de 27 e de 79, o Estatuto da
Criança e do Adolescente, o ECA. (RIZZINI e
4. DOUTRINA DA SEGURANÇA NACIONAL E O RIZZINI, p.47).
ESTADO DE BEM ESTAR No âmbito internacional, as Regras
No século XX, prosseguem os debates em Mínimas das Nações Unidas para a Proteção
torno de infância e, mais recentemente, de de Jovens Privados de Liberdade, conhecida
juventude. O modelo democrático e liberal em também como Regras de Beijing, surgiu como
oposição à rigidez das instituições forma de aprimorar a Declaração dos Direitos
filantrópicas, pautadas na disciplina e da Criança (1959) elaborada pela ONU. A
severidade, instituiu ordem diversa, principal contribuição deste novo conjunto de
ampliando o debate social, político e jurídico. regras foi estabelecer diretrizes para que o
Assim, em 1959, surgiu a Declaração dos sistema de justiça de infância e de
Direitos da Criança, adotada pela Assembleia juventude respeitasse os direitos e a
Geral da Organização das Nações Unidas segurança dos jovens, fomentando o seu bem
(ONU). A criança e o jovem, independente de estar físico e mental.
seu credo, raça ou classe social, tornavam-se Em 1988, o Brasil elaborou sua
seres em desenvolvimento que necessitam de Constituição Federal e no Art. 227 determinou
respeito e cuidados especiais frente aos países a garantia dos direitos fundamentais de
que assinaram a declaração. crianças e adolescentes brasileiros:
Surgia o Welfare State, o Estado do É dever da família, da sociedade e do Estado
Bem Estar Social, interferindo no formato assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
da Política Nacional do Bem Estar do alimentação, à educação, ao lazer, à
Menor (PNBEM), que em 1964 é executada profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
pela Fundação Nacional do Bem Estar do respeito, à liberdade e à convivência familiar e
Menor (FUNABEM). A FUNABEM comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração,
distribuiu-se pelos estados através da FEBEM
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violência, crueldade e opressão. (ART 227, Estado, através das Fundações do Bem Estar
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL, 1988). do Menor (FEBEM), atualmente denominada
Em 1989, a Assembleia Geral da ONU Fundação CASA. Às crianças e adolescentes
aprovou o tratado que visa a proteção de que tivessem seus direitos violados, o ECA
crianças e adolescentes de todo o mundo, a previu medidas de proteção dentro das quais
Convenção Internacional sobre os Direitos da as seguintes medidas de proteção:
Criança, e teve como princípios gerais a Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas
participação da criança na sociedade como no art. 98, a autoridade competente poderá
determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
sujeito de direitos, a proteção à sobrevivência
I - encaminhamento aos pais ou responsável,
e ao desenvolvimento da criança, o interesse mediante termo de responsabilidade;
superior da criança e a não discriminação. II - orientação, apoio e acompanhamento
temporários;
5. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL III - matrícula e frequência obrigatórias em
estabelecimento oficial de ensino fundamental;
Em 1990, celebrou-se a Cúpula Mundial de IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de
Presidentes em favor da infância e no Brasil foi auxílio à família, à criança e ao adolescente;
promulgado o Estatuto da Criança e do V - requisição de tratamento médico, psicológico ou
Adolescente (ECA) por meio da Lei 8.069 de 13 psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de
de julho de 90, como forma de regulamentar o
auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e
artigo 227 da Constituição Federal. O Estatuto toxicômanos;
da Criança e do Adolescente é um conjunto de VII – abrigo em entidade;
princípios e regras de direitos humanos para VIII – colocação em família substituta
proteção integral de cidadania. Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e
excepcional, utilizável como forma de transição para
O ECA é dividido em dois livros, o primeiro a colocação em família substituta, não implicando
trata de proteção de direitos fundamentais da privação de liberdade.
pessoa em desenvolvimento e o segundo (BRASIL, 1990, Art. 101)
determina os órgãos e procedimentos O abrigo passou a ser caracterizado como o
protetivos, criando mecanismos de penúltimo recurso para a aplicação das
proteção nas áreas de educação, saúde, medidas de proteção, como um dos recursos a
trabalho e assistência social. São os direitos ser aplicado. No entanto, o que se observa é a
fundamentais previstos nesta Lei: I – Direito à falta de políticas públicas voltadas para a
Vida e à Saúde; II – Direito à Liberdade e à geração de renda, saúde, educação, esporte,
Dignidade; III – Direito à Convivência Familiar lazer, assistência social, transporte, assim
e Comunitária; IV – Direito à Educação, à como outras suficientes e adequadas para que
Cultura, ao Esporte e ao Lazer; V – Direito à estas crianças e adolescentes permaneçam
Profissionalização e à Proteção no Trabalho. com suas famílias. A falta de trabalhos
Nesta nova fase, a criança e o adolescente direcionados para essas famílias ocasiona o
passam a ser considerados pessoas em fase de abrigamento de crianças e adolescentes
desenvolvimento, deixando de responder durante muitos anos, e nesse aspecto se
penalmente por seus atos. As normas encontram diferentes pesquisas que indicam
transgredidas, a partir de agora, seriam os efeitos prejudiciais do abrigamento
denominadas - Atos Infracionais - e os prolongado. De acordo com Motta e Almeida
adolescentes, com idade entre 12 e 18 anos (2004):
incompletos, seriam submetidos às Medidas Na institucionalização não há lugar para as
Socioeducativas. As crianças de 0 a 12 anos necessidades individuais, poucas oportunidades para
incompletos não responderiam a essas trocas afetivas, sendo que muitas vezes esta
realidade indesejável é determinada pelo acúmulo
infrações. de tarefas das pessoas envolvidas com o trabalho
A partir desse momento, a legislação prevê institucional. (MOTTA & ALMEIDA, 2004, p. 18).
que o cuidado com abrigos e entidades de Em 2003, no Brasil, duas grandes pesquisas
atendimento às crianças em situação de risco, tomaram como foco a problemática do
abandono, violência, estaria subordinado aos abrigamento. Uma delas, realizada pelo
municípios. Os adolescentes autores de ato Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
infracional permaneceriam sob a custódia do
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(IPEA) e denominada Levantamento Nacional provisoriedade do afastamento do convívio


de Abrigos tratou do tema no âmbito nacional. familiar; a preservação e fortalecimento dos
Outra, realizada pelo Núcleo de Pesquisas vínculos familiares e comunitários; a garantia
sobre a Criança e o Adolescente (NECA) do de acesso e respeito à diversidade e não
Programa de Pós Graduação da PUC–SP e pela discriminação; a oferta de atendimento
Associação dos Assistentes Sociais, como personalizado e individualizado; a garantia de
também os psicólogos do Tribunal de Justiça acesso e respeito à diversidade e não
do Estado de São Paulo (AASPTJ-SP), buscou discriminação; a garantia de liberdade de
traçar um panorama dos abrigos no município crença e religião; e, o respeito à autonomia da
de São Paulo. criança, do adolescente e do jovem. Portanto,
Os dados levantados pelas duas pesquisas como forma de garantir a oferta do
foram de extrema importância para a atendimento adequado a crianças e
reelaboração de políticas públicas voltadas a adolescentes todas as instituições de
esta população. De acordo com o Censo acolhimento deverão, de acordo com as
Nacional de Abrigos, existem cerca de 20.000 orientações técnicas, elaborar um Projeto
crianças e adolescentes abrigados no Brasil, Político Pedagógico (PPP).
sendo que 87% têm família. O período
estimado de abrigamento varia entre sete 6.1. Lei 12.010/09, a Nova Lei da Adoção
meses a cinco anos. Os motivos do Legisladores e organizações de proteção a
abrigamento, em sua maioria, constituem as infância e juventude colocaram em pauta a
categorias pobreza (24,2%) e abandono elaboração de uma nova lei que reformulasse
(18,9%). Já na pesquisa do município de São alguns pontos do Estatuto da Criança e do
Paulo, os índices são de 22,3% de abandono Adolescente, estabelecesse novas diretrizes
e/ou negligência e 18,8% por problemas para o Sistema de Acolhimento nacional e
relacionados à saúde, a situação financeira para os processos de adoção. Foi criada a Lei
precária, a falta de trabalho e de moradia da 12.010 de 03 de agosto de 2009, conhecida
população (BAPTISTA, 2006, p. 42). popularmente como a - Nova Lei da Adoção -.
A situação de pobreza interfere com maior Seu objetivo principal foi o aperfeiçoamento
força em nível nacional, e com menor da sistemática prevista para garantia do
intensidade na cidade de São Paulo, e neste direito a convivência familiar e comunitária a
ponto é possível comparar o nível de todas as crianças e adolescentes.
desenvolvimento sócio econômico que é Este lei se fundamentou na ideia de que o
inversamente proporcional ao número de Estado deve priorizar a orientação, o apoio e a
abrigamentos. promoção da família natural, junto à qual a
criança e o adolescente devem permanecer,
6. CONJUNTURA ATUAL sendo afastados desta convivência apenas em
Em 2006, o Brasil elaborou o Plano casos extremos. O texto alterou e acresceu
Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do razoavelmente o conteúdo do Estatuto da
Direito da Criança e Adolescente à Criança e do Adolescente de 1990. Desta
Convivência Familiar e Comunitária. forma o texto do artigo 101 do ECA, após a
Diferentes grupos de trabalhos iniciaram suas alteração, passou a vigorar com o seguinte
discussões, um deles o Grupo de Trabalho formato:
Nacional Pró Convivência Familiar e Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas
Comunitária empenhou-se em desenvolver e no art. 98, a autoridade competente poderá
determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
difundir os parâmetros para o aprimoramento I - encaminhamento aos pais ou responsável,
dos serviços de acolhimento para crianças e mediante termo de responsabilidade;
adolescentes culminando na publicação do II - orientação, apoio e acompanhamento
Manual de Orientações Técnicas para os temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em
Serviços de Acolhimento para Crianças e estabelecimento oficial de ensino fundamental;
Adolescentes, em fevereiro de 2008. IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de
Os princípios gerais destas orientações auxílio à família, à criança e ao adolescente;
técnicas envolvem a excepcionalidade e a
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ARTIGOS 28

V - requisição de tratamento médico, psicológico ou trabalho, apesar de contarem com algumas


psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; diretrizes necessitam de um potencial criativo
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de
auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e que forneça subsídios para as ações diárias. A
toxicômanos; elaboração do Projeto Político Pedagógico
VII – acolhimento institucional; pode orientar e estabelecer espaços físicos e
VIII – inclusão em programa de acolhimento familiar; não físicos dentro das instituições para que os
IX - colocação em família substituta.
(BRASIL, 2009b, Art. 101)
acolhidos reflitam, construam e até se
posicionem em relação ao seu percurso de
No entanto, o que se observa nos dias de vida.
hoje são crianças e adolescentes que Este detalhamento e preocupação com as
permanecem durante anos em entidades ações mostram uma necessidade de
aguardando voltar para suas famílias de
reformulação no sistema de acolhimento
origem ou serem encaminhados para famílias
brasileiro de maneira que ofereça condições
substitutas, submetidos a um processo lento e
mínimas que garantam os direitos
doloroso de espera, o que leva a considerar fundamentais da criança e do adolescente
que o abrigamento não deveria ser a primeira reconhecendo-os como pessoas em fase de
alternativa de proteção para a criança ou para desenvolvimento, portadores de direitos,
a família.
criando para eles espaços nos quais seja
fomentada e fortalecida a autonomia e a
6.2. As instituições de acolhimento e o participação na construção de sua história.
atendimento a crianças e adolescentes hoje
A discussão em torno da legislação e dos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
planos e políticas governamentais para a sua
ARIÈS, Phillipe. História social da criança e da
efetivação revelaram um significativo avanço
família. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.
na última década. A preocupação com a ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS.
situação de desenvolvimento físico, mental, Declaração dos Direitos da Criança. 20 de
psíquico, social e espiritual dos acolhidos novembro de 1959.
passou a ser uma discussão recorrente entre ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS.
os profissionais e autoridades do Sistema de Convenção Internacional sobre os Direitos
Garantia de Direitos da Criança e do da Criança. Resolução 44/25 de 20 de
Adolescente no Brasil.
novembro de 1989.
Os nove princípios a serem adotados pelas
BAPTISTA, M. V. Abrigo: Comunidade de
entidades que desenvolvem programas de acolhida e sócio educação. São Paulo:
acolhimento familiar ou acolhimento Instituto Camargo Corrêa, 2006. (Coletânea
institucional estão descritos no Art. 92 do ECA:
Abrigar; 1)
I – preservação dos vínculos familiares e promoção
da reintegração familiar; BRASIL. Código de Menores. Decreto 7.943-A.
II – integração em família substituta quando Rio de Janeiro/RJ, 1927.
esgotados os recursos de manutenção na família BRASIL. Constituição da República Federativa
natural ou extensa; do Brasil: texto constitucional de 5 de
III – atendimento personalizado e em pequenos
grupos;
outubro de 1988 com as alterações
IV – desenvolvimento de atividades em regime de adotadas pelas Emendas Constitucionais
co-educação; de n 1, de 1992, a 32, de 2001, e pelas
V – não desmembramento do grupo de irmãos; Emendas Constitucionais de Revisão de n
VI – evitar, sempre que possível, a transferência para
1 a 6, de 1994. Brasília/DF, 1988.
outras entidades de crianças e adolescentes
abrigados; BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente.
VII – participação na vida da comunidade local; Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe
VIII – preparação gradativa para o desligamento; sobre o Estatuto da Criança e do
IX – participação de pessoas da comunidade no Adolescente e dá outras providências.
processo educativo.
(Brasil, 2009b, Art 92)
Brasília/DF, 1990.
BRASIL. Plano Nacional de Promoção,
As organizações voltadas ao atendimento
Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
desta população, assim como suas equipes de
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ARTIGOS 29

Adolescentes à Convivência Familiar e MARICONDI, Maria Angela (Coord.). Falando


Comunitária. Brasília/DF, 2006. de abrigo. São Paulo: FEBEM, 1997.
BRASIL. Orientações Técnicas: serviços de MASIERO, André Luís. A psicologia racial no
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Conselho Nacional de Assistência Social 2005, 10(2), 199-206. Natal: Universidade
(CNAS) & Conselho Nacional dos Direitos da Federal do Rio Grande do Norte, 2005.
Criança e do Adolescente (CONANDA), MOTTA, Maria Antonieta Pisano; ALMEIDA,
Resolução Conjunta n 1 de 18 de junho Tatiana Lima de. As marcas do abandono e
de 2009 Brasília/DF, 2009a. da institucionalização em crianças e
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MARCÍLIO, Maria Luiza. História social da Cortez, p. 54-82. 2001.
criança abandonada. São Paulo: Hucitec,
1998.

HISTORY OF THE INSTITUTIONALIZATION OF CHILDREN AND ADOLESCENTS IN


BRAZIL

ABSTRACT
Adequate nutrition is crucial for life. However, when children are concerned,
the value of a balanced diet becomes much greater since this group is in the growth
phase and thus needs a balanced nutrient support to enable its proper cognitive and
psychomotor (ALVES and Albiero, 2007). The present study aimed nutrition
education for schoolchildren. Aiming to improve the acceptance of meals and
provide knowledge to students to make healthy food choices and intelligent. Through
dynamic with pictures of food, and lecture containing the nutritional needs of
students being explained through the food pyramid where the students were able to
perform at two choices. The result of the initial sample 122 children, children enrolled
in the 6th series of public high school located in the city of Carapicuiba-SP overall 29%
after acceptance of meals nutritional intervention. According to the study we
can conclude that nutrition education is an effective intervention even in school,
enabling the consumption of healthier foods.

Keyword: School Meals. School Health. Feeding Behavior.

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ARTIGOS 30

O COTIDIANO E A CRIATIVIDADE: UM DEBATE ENTRE HANNAH ARENDT E HENRI


LEFEBVRE

Susy Cristina Rodrigues


Universidade Estadual De Campinas
Mestranda Em Educação e Assistente Social

RESUMO

Este artigo discute o cotidiano e a criatividade, do ponto de vista de Hannah


Arendt e Henri Lefebvre. Embora estes pensadores analisem o cotidiano sob
prismas diferentes, mesmo não tendo dialogado entre si, há a possibilidade de
se realizar uma problematização sob dois aspectos: o primeiro analisa o
cotidiano e a relação do homem com os objetos de uso, resultando na
construção da confiança, na obra de Hannah Arendt - A condição Humana
(1999). O segundo aspecto, em sua crítica à vida cotidiana, Henri Lefebvre
apresenta uma discussão sobre as ações repetitivas que causam passividade no
homem e o limitam na capacidade de criação. Neste texto, conclui-se que a vida
cotidiana pode ser paradoxal, pois no pensamento de Lefebvre, a festa
reencontrada se manifesta através da metamorfose do próprio cotidiano e para
Arendt, o cotidiano resulta em experiências que desenvolverão a construção da
confiança.

Palavras-chave: Cotidiano. Criatividade e construção da confiança.

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ARTIGOS 31

INTRODUÇÃO ganha legitimidade na medida em que uma


metamorfose nos valores imbrincados na
A temática do cotidiano permite descobrir sociedade pós-moderna se faz necessária.
e redescobrir as múltiplas expressões que a
repetição do dia a dia e as atividades rotineiras HANNAH ARENDT: A CONSTRUÇÃO DA
assumem sobre a vida do homem. O desafio CONFIANÇA
deste texto é iniciar a discussão com dois
intelectuais que assumirão as vozes nas Para Hannah Arendt, filósofa alemã de
provocações iniciais do debate, com origem judaica, desde o nascimento, o ser
pensamentos distintos sobre a vida cotidiana. humano essencialmente constitui o estrato
Busca-se, neste texto, problematizar as inicial para a construção da confiança, a partir
diferentes faces que o cotidiano apresenta, a do seu primeiro contato com o mundo. Como
partir da discussão desencadeada por Henri a ação é atividade política por excelência, é a
Lefebvre e Hannah Arendt, sob as perspectivas partir da natalidade que se forma a categoria
de sua defesa e oposição, em conectividade, central do pensamento político:
traçando desta forma, o aspecto paradoxal da Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com
vida cotidiana: ao mesmo tempo em que o o qual eles entram em contato torna-se
imediatamente uma condição de sua existência [...] O
repetitivo pode ser favorável ao homem, na que quer que toque a vida humana ou entre em
construção da sua confiança com o mundo, duradoura relação com ela, assume imediatamente o
consigo e com os outros homens, a partir do caráter de condição de existência humana. É por isso
contato com os objetos de uso, também se que os homens independentemente do que façam,
são seres condicionados (ARENDT, 1999, p. 17).
vislumbra a capacidade criativa que nasce
dentro da rotina, da repetição, transformando A confiança é gestada a partir da relação
o que era igual em algo novo e diferente. com os objetos de uso e de sua significação no
Em Lefebvre e em Arendt encontram-se mundo. O processo de construção da
possibilidades de compreender a relevância do confiança, na qual a experiência torna
cotidiano para a compreensão da produção da confiável a relação entre os sujeitos sociais e
vida social, pois a análise daquilo que se entre o mundo, se expressa nas inumeráveis
repete, que faz parte do dia a dia, da situações nas quais os seres humanos
trivialidade, permite levantar questões ligadas vivenciam, transitando da insegurança para a
à mudança, à criatividade, à segurança e à segurança. A partir da participação do sujeito
confiança, capacidades humanas que fazem nas experiências novas, que serão repetidas,
parte das relações sociais em sua totalidade. por intermédio do cotidiano, será estabelecida
Onde localizar a capacidade criativa do a confiança em situações desconhecidas ou
homem na automatização e na repetição? É inéditas.
possível compreender em que situações o Ao pensar na rotina, no cotidiano, atribui-
homem pode criar, tendo como ponto de se uma relação de confiança entre o mundo e
partida o cotidiano? Tanto Lefebvre quanto o ser humano, pois nas experiências limite,
Arendt irão responder que há alternativas para nas quais encontram-se alguns obstáculos
a criação, mesmo vivendo em uma sociedade para agir, seja por questão de insegurança, ou
pós-moderna, na qual a tecnologia ao mesmo pelo desconhecimento do novo, a partir da
tempo em que sempre busca inovar, pode relação com os objetos de uso permanentes
também limitar a criatividade e a imaginação que existem no mundo, os sujeitos
humana cada vez mais, ao oferecer seu conseguirão sentir segurança em si mesmos,
imediatismo, agilidade e a mais dinâmica nos outros sujeitos e no mundo.
gama de informações. Aquilo que se repete, está presente no
Este trabalho resulta em reflexões cotidiano e, portanto, revela familiaridade ao
alternativas à ruptura do cotidiano, indivíduo, valendo-se de algo que é confiável,
encontradas na festa, na arte, na música e em oposto ao que é estranho. Arendt (ibid., pp.
novos modos de vida, criados através da 105-106) ressalta também que
[...] vistos como parte do mundo, os produtos do
reinvenção do cotidiano. O reencontro dos
trabalho – e não os produtos do labor – garantem a
homens na cidade, nos espaços públicos,
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ARTIGOS 32

permanência e a durabilidade sem as quais o mundo obras, e afirma que a reprodução das relações
simplesmente não seria possível. É dentro desse de produção acontece a todo o momento e
mundo de coisas duráveis que encontramos os bens
de consumo com os quais a vida assegura os meios em todos os lugares, considerando
de sua sobrevivência [...]. Estas coisas são usadas e explicitamente o cotidiano (LEFEBVRE, 1976, p.
conforme as utilizamos nos habituamos e 8).
acostumamos. Como tais, elas geram familiaridade O autor esboça algumas hipóteses de
do mundo, seus costumes e hábitos de intercâmbio
definição do espaço. Em uma destas hipóteses,
entre os homens e as coisas, bem como entre
homens e homens [...]. o espaço é um produto da sociedade, por ser
A durabilidade dos objetos remete consequência do trabalho e da divisão do
independência com os homens e com as trabalho, sendo encontrados no espaço, os
coisas do mundo, visto ter objetivo de objetos produzidos, “*...+ el conjunto de las
estabilizar o mundo. A objetividade dos cosas que lo ocupan y de sus subconjuntos,
objetos do mundo implica em algo concreto, efectuado, objectivado, por tanto
tangível e palpável entre a natureza e o ser funcional”(ibid., p. 30). Nesta dimensão do
humano, que sustenta as necessidades de seu espaço, impera o que é percebido pelo
fabricante que é ao mesmo tempo, seu homem.
usuário (ibid., p. 150): Em outra hipótese, o espaço é um
[...] As coisas do mundo têm a função de estabilizar a intermediário e um instrumento, um meio e
vida humana; sua objetividade reside no fato de que uma mediação, um espaço manipulado
- contrariando Heráclito, que disse que o mesmo estrategicamente, ideológico, político, sendo
homem jamais pode cruzar o mesmo rio – os racional- funcional e funcional-instrumental
homens, a despeito de sua contínua mutação,
podem reaver sua invariabilidade, isto é, sua
(ibid., pp. 30 – 31). Este espaço é lugar de
identidade no contato com os objetos que não reificação, de consumo, no qual o sistema de
variam, como a mesma cadeira, a mesma mesa [...]. reproduções das relações de produção ocorre
O uso possui sua parcela anexa ao através do cotidiano, dos ócios, da cultura, da
consumo, contudo, usados ou não, escola e da Universidade, constituindo a
permanecerão no mundo por algum período totalidade do espaço (ibid, pp. 32 - 33). Este é
de tempo, enquanto que o consumo destrói, o espaço concebido.
aniquila e finda a permanência do objeto no Em sua última hipótese, o espaço é o
mundo. processo da produção das coisas e do
Os objetos de uso transcendem sua consumo, incluindo o espaço urbano, o espaço
funcionalidade produzida, com o objetivo de dos ócios, o espaço educativo e da
consumo, pois para estar no mundo, há outros cotidianidade. O autor ainda complementa
critérios, que vão além da necessidade, além que este espaço é unido e desunido ao mesmo
da composição das características destes tempo, espaço de inclusão e separação (ibid.,
objetos de uso, como exemplo seu lugar, sua pp. 34-35). Esta é a dimensão do espaço
adequação e como serão vistos (ibid., pp. 186 vivido.
– 187). Afirma-se que o espaço é político e que é
A confiança é desenvolvida, portanto, pela um produto social, existindo uma relação
solidez que os objetos de uso apresentam ao entre a produção das coisas e a produção do
homem, através de sua durabilidade e espaço (ibid., pp. 46 – 47).
permanência no mundo, e pela sua relação Lefebvre (2008, p. 163) menciona que os
com o homem, nos aspectos do uso e da sujeitos que habitam neste espaço, são
identidade que lhe são proporcionados. passivos e que o habitante e o usuário
permanecem mudos. O autor explica que este
bloqueio que não permite um movimento
HENRI LEFEBVRE: DO COTIDIANO À político, se explica pelo fato do espaço
CRIATIVIDADE concreto ser substituído pelo espaço abstrato:
O espaço concreto é o habitar: gestos e percursos,
corpo e memória, símbolos e sentidos, difícil
Henri Lefebvre, filósofo e sociólogo francês, maturação do imaturo-prematuro (do “ser
faz análise crítica da realidade social em suas humano”), contradições e conflitos entre desejos e
necessidades etc. Por seu turno, o pensamento
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ARTIGOS 33

reflexivo desconhece esse conteúdo concreto, tempo com a ultrapassagem dos valores do
inscrito num espaço, poésis inconsciente que neocapitalismo e da sociedade de consumo
desconhece suas próprias condições. Ele se lança no
abstrato da visão, da geometria. [...] Após essa dirigido (ibid., p. 214).
redução quase total do cotidiano, retornam à escala
do “vivido”. Dupla substituição, dupla negação que
estabelece uma afirmação ilusória: o retorno à vida LEFEBVRE E ARENDT: POR QUE PENSAR O
“real”. Assim funciona o cegante-cegado, no campo
COTIDIANO?
que parece iluminado, mas que não passa de um
campo cego (ibid., p. 164).
Para Lefebvre (1991, p. 18) o cotidiano Por mais que não seja tão simples
possui sua dualidade, sendo decadência e compreender Hannah Arendt, pela vasta
fecundidade e tendo grandeza e miséria. heterogeneidade de pensamento, encontrada
Enquanto miséria do cotidiano, se enquadram: em sua obra, implicitamente é definida uma
Os trabalhos enfadonhos [...] as relações teoria sobre a construção da confiança, em A
elementares com as coisas, com as necessidades e o condição humana (1999). O elemento chave
dinheiro, assim como com os comerciantes e as para esta compreensão é o contato do homem
mercadorias [...] O repetitivo. A sobrevivência da com os objetos de uso, que constituem o
penúria e o prolongamento da escassez [...] (ibid., p.
42).
mundo material, concreto e abstrato, e que
No aspecto da “grandeza do cotidiano”, através da atribuição aos significados destes
Lefebvre irá discorrer sobre a continuidade e objetos, constitui-se a objetividade e o
perpetuação da vida, o mundo que é criado a processo de construção da confiança. A
partir dos gestos que são repetitivos, a criação confiança, portanto, é construída pela
das obras a partir do cotidiano e de “fazer da permanência, solidez e durabilidade destes
vida cotidiana uma obra, para os indivíduos, os objetos de uso no mundo, através de sua
grupos, as classes” (ibid., p. 43). relação com o ser humano nas experiências
O que constitui o cotidiano? Segundo o vivenciadas no cotidiano.
autor, não bastam a representação objetiva Qual a importância das grandezas do
(ou objetal) de objetos classificados em tempo e do espaço na construção da
categorias (roupas, alimentação, mobília etc), confiança? No tempo e no espaço, constitui-se
nem tampouco a subjetividade dos filósofos e a história, a memória e a segurança, a partir
um conjunto de produtos que se distinguem das relações sociais imbrincadas no cotidiano,
dos seres vivos, mas que depende dos objetos de uso permanentes
[...] uma renovação simultânea, uma etapa e um no mundo, circunscritos no espaço. Entra em
trampolim, um momento composto de momentos questão, com fins de problematizar a teoria de
(necessidades, trabalho, diversão – produtos e obras Arendt, a efemeridade da modernidade
– passividade e criatividade – meios e finalidade etc)
líquida, nos termos da obra de Zygmunt
(ibid. p. 20).
A cotidianidade é descrita como um lugar Bauman (2000, pp. 7-63), que remete à
social no qual a dominação ideológica sobre a tecnologia o seu caráter obsoleto e
sociedade lhe causa passividade controlada. A descartável em relação aos objetos de uso,
crítica da vida cotidiana realça a segregação versus a sua durabilidade na construção da
dos momentos da vida e das atividades confiança.
(LEFEBVRE, 2008, p. 127). A sociedade Arendt (1999, pp. 149-150) responde a esta
burocrática de consumo dirigido se ancora no problematização, ao mencionar que há solidez
cotidiano (ibid., 1991, p. 82). nos objetos de uso que caracterizam a sua
A proposta de Lefebvre é uma revolução permanência no mundo, pois a partir da
cultural, baseada na filosofia ocidental, de objetividade, mesmo havendo contínua
Platão a Hegel, na qual se propõe criar um mutação, será possível construir uma
novo estilo de vida, com uma cotidianidade identidade no contato do homem com um
transformada, na qual a festa reencontrada objeto de uso que não varia, por exemplo,
permite a passagem do cotidiano para a com a mesma cadeira e a mesma mesa.
criatividade, através da reforma urbana, O uso desgasta os objetos, porém, com a
inventando novas formas de modos de viver, destruição final, decorrente do consumo, há a
substituição destes objetos, com as transições
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ARTIGOS 34

de gerações. Por mais que o tempo determine como de peças e de dispositivos, rotação, vaivéns),
a durabilidade de determinados objetos, horas, dias, semanas, meses, anos; repetições
lineares e repetições cíclicas, tempo da natureza e
haverá a identidade advinda do contato entre tempo da racionalidade etc. O estudo da atividade
o homem e este objeto, reforçando o processo criadora (da produção no sentido mais amplo)
de confiança. conduz à análise da re-produção, isto é, das
Mas ao pensar o cotidiano, a repetição e a condições em que as atividades produtoras de
objetos ou de obras se re-produzem elas mesmas, re-
reprodução das relações entre o homem e os
começam, re-tomam seus elos constitutivos ou, ao
objetos de uso, é possível localizar a contrário, se transformam por modificações graduais
capacidade criativa do homem e sua ou por saltos (ibid., p. 24).
habilidade de imaginar o novo e o diferente? Percebe-se que se instaura o paradoxo do
Hannah Arendt defende que é a partir do cotidiano, pois há uma segunda possibilidade
cotidiano que se constrói a confiança, que se opõe ao ciclo repetitivo, do re-produzir,
contudo, ao analisar o processo de transição do re-tomar: é o remodelar do cotidiano,
da desconfiança para a confiança, mediando transformando algo gradualmente ou por
algo novo, que não foi experimentado, pode- saltos.
se dizer que paradoxalmente há um momento Para compreender melhor de que forma
criativo, pois para conhecer o novo foi podem ocorrer estas modificações no
necessário participar de uma experiência cotidiano, pode-se criar uma hipótese, entre
limite, que pode se repetir por várias vezes, outras inumeráveis que não poderão ser
até que se gere a confiança. citadas neste artigo pela sua limitação: ao
Entretanto, ao se sentir seguro, o homem recorrer ao pensamento de Richard Sennett,
pode se acomodar, realizando novamente em sua obra O artífice (2009), em específico
ações repetitivas no cotidiano, sendo então em seu capítulo intitulado Resistência e
impedido de se arriscar no novo. É neste ambiguidade, é possível verificar que são
momento cômodo que a criatividade surge analisados alguns episódios históricos da
como desafio, na ruptura do cotidiano. engenharia e da arquitetura que marcaram a
Um exemplo desta transição da modernidade, tais como a construção de
insegurança para a segurança pode ser o túneis sob o rio Tâmisa, ideia inconcebível de
advento da tecnologia: para sua criação, foi se concretizar naquele contexto histórico,
necessária uma ruptura com o cotidiano. É pelas condições adversas para a construção
neste aspecto que se chama atenção para o civil debaixo da água e do lodo.
pensamento de Henri Lefebvre: o homem Na análise de Sennett (2009, pp. 239 - 265),
cotidiano pode arriscar, e desta forma, sabe o surgimento de obstáculos fez com que os
ganhar e perder (LEFEBVRE, 1991, p. 23). arquitetos e engenheiros pensassem em novas
Observa-se em uma carta enviada por alternativas, resultando em inovações que se
Henri Lefebvre ao sociólogo e professor da destacaram no urbanismo, desencadeando
USP, José de Souza Martins, mencionada no criações que impulsionaram novos eventos
35º Encontro da Associação Nacional de Pós- criativos.
Graduação em Ciências Sociais (2011), que foi Pode-se partir do pressuposto de que,
escrito: “O que há de novo nesta sociedade nesta hipótese de Sennett, a criatividade pode
contemporânea, cem anos após Marx? Tudo surgir a partir de situações de conflitos e
se repete”, critica Lefebvre: “a sociedade tensões e que o enfrentamento de obstáculos
perdeu o ímpeto transformador e pode permitir a reinvenção do cotidiano,
revolucionário do século XIX.” repercutindo em atividades de criação. Não é
A crítica da vida cotidiana de Lefebvre se anulando o cotidiano que se cria, mas
refere à automatização, que paralisa o homem utilizando-o como um meio, para dar-lhe uma
na sua capacidade criativa e na falta de nova roupagem, uma nova perspectiva.
politização, e depende da permanência da Lefebvre sugere a festa como possibilidade,
reprodução das relações sociais: por meio da Revolução Cultural, que tem a
Em sua trivialidade, o cotidiano se compõe de
missão de causar ruptura no cotidiano.
repetições: gestos no trabalho e fora do trabalho,
movimentos mecânicos (das mãos e do corpo, assim Portanto, a proposta de Lefebvre é extinguir a

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ARTIGOS 35

dicotomia cotidiano–festa, através da criação e sentimentos desaparecidos, retorno dos momentos


do lúdico, reorganizando o cotidiano para acabados, evocação das ausências e das existências
distantes, na música e pela música. Como no
transformá-lo (LEFEBVRE, 1991, pp. 43-44). imaginário e na arte em geral. [...] Será que a música
Através do retorno à atividade lúdica, abrem- revela a essência escondida do cotidiano, ou ao
se novas possibilidades de pensar a passagem contrário, compensa sua trivialidade e
do cotidiano para a festa, metamorfoseando a superficialidade substituindo-lhe o canto? Não seria
ligação entre a vida “profunda” e a vida
própria cotidianidade (ibid., p. 202).
“superficial”? E se ela as reuniu outrora, essa
Na festa reencontrada há novas formas de unidade pode ainda encontrar lugar, razão e
viver a vida, entretanto, é pertinente pensar: momento, tendo em vista a cisão que se acentua (até
de que forma o cotidiano metamorfoseado ao ponto de tornar-se estrutural) entre o cotidiano e
ganha concretude, no universo do trabalho o não cotidiano, em decorrência da agravação da
pobreza cotidiana? [...] (ibid., p. 26).
humano? Para Arendt (1999, p.156), o
trabalho produzido pelas mãos do homem Parece haver um paradoxo do cotidiano, ou
passa pelo processo de fabricação (reificação), seja, pode-se aprender e fazer bom uso na
que tem começo e fim definidos e previsíveis. análise do cotidiano, considerando-o como
Ora, se há previsibilidade no trabalho, e por agente imprescindível no contexto de suas
trabalho aqui, entende-se como aquele multiplicidades. Contudo, a metamorfose do
realizado pelo homem, que produz um cotidiano no trabalho parece encontrar
produto final, logo, não há processo criativo possibilidades de iniciar a Revolução Cultural a
no trabalho, que se repete ciclicamente no partir da educação, nos espaços de ócio, do
cotidiano. lazer e da produção de cultura, para
Pensando no aspecto da criação, é possível posteriormente, afetar as relações de
extrair a arte, descrita no pensamento de trabalho. Para ter consciência da dominação
Arendt. A atividade criadora humana na obra ideológica, é preciso quebrar a barreira do
de arte se afasta do mundo do trabalho, pois senso comum e desta forma, ousar e criar
na arte se enfatizam alguns aspectos: não se novas formas de vida, na coletividade, a partir
atribuem valor de uso e nem necessidade à da reunião e do reencontro dos sujeitos sociais
vida; sua durabilidade é quase que intacta; por na cidade, na sociedade.
não ser usada, possui permanência no tempo, Concluindo com Lefebvre, o estudo da vida
revela a disparidade entre o imortal e o mortal cotidiana permite compreender seus
– mortal, por ser feita por mortais e imortal desdobramentos, contradições e
pelo seu sentido de permanência e ambiguidades e partir para a reflexão de
durabilidade; a arte exige a capacidade outras variáveis que o circundam, entre estas,
humana de pensar e transformar os a criatividade e a produção da vida social. A
sentimentos em uma coisa, reificando-se (ibid, análise da vida cotidiana
[...] mostra o lugar dos conflitos entre o racional e o
pp. 180 - 183). irracional na nossa sociedade e na nossa época.
Para ter legitimidade, a criação, a obra de Determina assim o lugar em que se formulam os
arte, necessita passar pelo processo de problemas concretos da produção em sentido amplo:
reificação. Para Arendt, o reconhecimento de a maneira como é produzida a existência social dos
seres humanos, com as transições da escassez para a
uma obra de arte, poesia, ou música, apenas
abundância e do precioso para a depreciação
se evidencia, a partir do momento em que são [...](ibid., p. 30).
coisificados, reificados, em que são
transformados em registros, pintura, livros,
mesmo não sendo considerados como
CONSIDERAÇÕES FINAIS
trabalho (ibid., p. 106).
Lefebvre irá sugerir uma reflexão acerca da
Chega-se à conclusão que pensar o
música, contrapondo-se ao cotidiano e ao
cotidiano implica em reconstruir e aprofundar
mesmo tempo, utilizando-se dele mesmo para
reflexões sobre sua importância para a ciência,
redescobri-lo. A música se repete em sua
pois ao estudá-lo sob os diferentes olhares de
estrutura,
apenas dois pensadores, percebe-se o debate
[...] nos motivos, temas e combinações de intervalos
de melodia. Há ressurgimento das emoções e dos
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ARTIGOS 36

criado em torno do caráter paradoxal da vida reinventar, de produzir uma ruptura com o
cotidiana. mesmo e o de sempre, possibilitando o
De acordo com Hannah Arendt, o cotidiano metamorfosear do existente.
é favorável para a construção da confiança,
para a aquisição de segurança do homem no
mundo, em si mesmo e nos outros homens. O REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
ciclo repetitivo do cotidiano pode se quebrar ARENDT, Hannah. A condição humana. 9ª Ed.
em um momento único, considerado como o Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
experimento de experiências novas, ocorridas BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio
dentro do cotidiano. Neste passo que é dado de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 7-63
rumo ao novo, reinventando o que era velho, LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo
contudo, corre-se o risco de novamente se moderno. São Paulo: Atica,1991. pp. 17-88.
estagnar, pois mais uma vez, o homem será _____. A revolução urbana. Belo Horizonte:
submetido ao ciclo de repetição, das Editora da UFMG, 2008. pp 124-169.
atividades da vida cotidiana. _____. Espacio y política: el derecho a la
Henri Lefebvre critica o repetitivo e ciudad, II. Traduccion: Janine Muls de Liara
apresenta a ideia de ruptura do cotidiano, y Jaime Liaras Garcia. Barcelona: Península,
através da criatividade, que surge na 1976.
modificação daquilo que se repete, através do SENNETT, Richard. O artífice. Rio de Janeiro:
lúdico, da festa, do surgimento dos novos Record, 2009. pp. 239-265.
modos de vida, alternativos à atual sociedade
em que se vive.
É interessante pensar como primeiro passo,
na ideia da aproximação com a arte, à música
e o lúdico, para que se possa compreender
estes três elementos como balizadores para o
impulsionamento da criatividade. Ressalta-se
que a capacidade humana de criar é
desafiante na vida pós-moderna, com ênfase
no âmbito coletivo, para superar a
individualidade, pois a festa reencontrada não
produz seus efeitos apenas com um sujeito
criativo, mas sim, parte do encontro ou
reencontro de sujeitos de uma comunidade ou
sociedade, que possam se motivar para buscar
o reencontro na cidade e a significação do
engajamento político na busca de novas
alternativas que abrangem os valores culturais
na atual sociedade capitalista, inserida na pós-
modernidade.
Finaliza-se, mencionando que o cotidiano
possui infinitas possibilidades, sendo que a
educação formal e não formal/informal possui
papel fundamental no estímulo à criatividade,
à imaginação, tendo como premissa a
utilização do espaço como instrumento e
mediação, como lugar de produção de cultura.
Neste sentido, os sujeitos sociais podem se
utilizar do lúdico, da arte, da música e do lazer,
para reencontrar e aprender a pedagogia do
não se conformar e do não se acomodar com
o repetitivo, com vistas ao incentivo do
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THE EVERYDAY LIFE AND THE CREATIVITY: A DISCUSSION BETWEEN HANNAH ARENDT
AND HENRI LEFEBVRE

ABSTRACT

This article discusses the everyday life and the creativity, from the perspective of
Hannah Arendt and Henri Lefebvre. Although these thinkers analyse the everyday life
under different approaches, even if they hadn’t talked among themselves, there is the
possibility to propose the question under two headings: the first, analyses the daily life
and the relationship between the human person and objects to be used, resulting in the
confidence-building, on Hannah Arendt’s work, - The Human Condition(1999). The
second aspect, in his critique of everyday life, Henri Lefebvre presents a discussion about
the repetitive actions that cause passivity in the man and limit his capacity of creation.
This text concludes that everyday life can be a paradox, because, in Lefebvre’s thinking,
the “rediscovered party” manifests through the metamorphosis of the everyday life and
for Arendt, the everyday life results in experiences that will develop the building-
confidence.

Keys- words: Everyday life. Creativity and building-confidence.

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ENSAIO 38

FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Paulo dos Santos


Professor da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas Santa Rita de Cássia
Mestre em Filosofia

RESUMO

Trata-se de pesquisa teórica, de cunho filosófico-educacional, que discute o papel da


filosofia na educação infantil, buscando a relação que a teoria exerce na construção do
pensamento dos educadores com a prática destes em sala de aula. Tem por diálogo, a
reflexão de pensadores fundados em uma epistemologia pedagógica, desde Sócrates,
Platão, Aristóteles, Kant e Rousseau aos mais contemporâneos filósofos da educação,
permeando, principalmente, dentre eles, a construção epistêmico-pragmatista de John
Dewey. No diálogo entre a construção do pensamento do educando e sua prática,
relacionando à realidade contida no contexto, as contribuições da linguagem tiveram
grande significado na construção da formação cultural dos educandos. Conclui-se que a
utilização de recursos teóricos na prática docente é de grande valor na construção da
identidade e formação da cidadania da criança na educação infantil e, que o papel do
professor é importante, pois, por meio da ética, desenvolve a autonomia do
pensamento da criança.

Palavras-chave: Filosofia. Ética. Cidadania. Epistemologia. Linguagem.

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ENSAIO 39

1. Filosofia Infantil no Brasil: Contribuições fundamental para a aquisição do


epistemológicas conhecimento, uma vez estabelecido o critério
Ao pensar sobre a educação e a filosofia, da participação do professor como mediador
há a preocupação ligada à questão infantil; ou deste processo. Segundo comenta Cunha
seja, a filosofia da educação infantil deve (1994, p. 38-39):
contribuir com o desenvolvimento cognitivo [...] vê-se que, na concepção deweyana, educar não
da criança, a formação do caráter do é um mero procedimento pelo qual se instrui as
crianças para que reproduzam determinados
indivíduo, a construção da identidade e o conhecimentos. Educar é pôr o indivíduo em contato
aperfeiçoamento da inclinação do ser humano com a cultura a que pertence e, mais do que isto, é
para o pensamento. Tais conceitos, muitos prepará-lo para discernir situações que exijam
pensadores os vêm pesquisando durante reformulações e para agir em consonância com estas
necessidades de transformação. Todo procedimento
vários séculos, porém, é necessário dizer que educativo tem a finalidade primordial de possibilitar
no Brasil, foi nos últimos anos que se deu a a continuidade da vida do agrupamento social. A
devida importância para o tema. finalidade de educação não deve se encerrar de
Nota-se que após a publicação e qualquer instituição formalmente criada para
implantação dos Referenciais Curriculares instruir, mas deve estar enraizada na necessidade de
sobrevivência da coletividade.
Nacionais, no final do século XX, o ensino de
filosofia tem se tornado uma diretriz Percebe-se aqui, que a formação desta
fundamental para a construção desta criança não é uma mera obrigação, ela é de
identidade que permeia a educação brasileira, fundamental importância; essa formação deve
nestes últimos dez anos e os primeiros do auxiliar a criança a um desenvolvimento de si
século XXI. Mas, por que o ensino da filosofia mesmo, condizente com a formação do
se tornou tão importante? verdadeiro homem pela educação
Após a promulgação da Constituição em democrática.
1988, deu-se a devida atenção ao conceito de Para se compreender o significado de uma
liberdade, e a liberdade se dá por diversas educação democrática é preciso denotar a
razões, sejam elas oriundas da contribuição que a educação pode dar a esse
contextualização histórica, sejam elas processo. Segundo o pensador, a linguagem
constituídas pela construção ou facilita essa aprendizagem, pois, por meio
aperfeiçoamento de uma cidadania mais justa; dela, a criança entende o que lhe é passado de
ou, ainda, baseadas em uma ética e até gerações a gerações.
É importante enfatizar que Dewey atribui à
mesmo na própria vontade de exercer,
linguagem um importante papel no que diz respeito
livremente, seus direitos e deveres. à transmissão do conhecimento; é por meio dela que
Por esta característica, dita livremente, se pode entrar em contato com as experiências
acrescenta-se aí o tema abordado, pois o passadas, como toda a cultura acumulada pelas
objetivo é descrever o quanto a filosofia gerações anteriores, o que se torna particularmente
relevante em se tratando de sociedades complexas
aplicada à educação infantil pode contribuir como a nossa. A comunicação por meio de signos
na construção do raciocínio ou para a verbais “condensa significações que registram
consciência e reflexão sobre a liberdade que o resultados sociais e pressagiam perspectivas sociais”;
ser humano tanto busca. Ou seja, que a por intermédio dela pode-se recuperar a essência do
conhecimento adquirido no contato prático e
criança tenha ciência do que pode ser
imediato o aprendiz com a realidade do meio social
liberdade para ela. Isso deve ocorrer desde os em que vive, com o domínio desse instrumento, o
primeiros anos de vida, portanto, há a homem torna-se habilitado a antecipar situações,
necessidade de uma disciplina que vise à “simbólica e imaginativamente”. (CUNHA, 1994, p.
formação para essa reflexão. 40-41)
Um ponto importante a destacar é a Coloca-se aqui o termo passar e não
respeito do conjunto de experiências em que transmitir, pois, acredita-se que transmitir é
o ser humano, desde o nascer, está inserido. algo muito peculiar a um ensino tradicional.
John Dewey (1859-1952) confirma a tese Quando se fala em transmitir conhecimentos,
da importância desse tipo de ensino que se dá dá-se a impressão que somente
por meio da experiência do aluno, em conhecimentos pessoais. Supõe-se que se
destaque a criança. Para ele, a experiência é tenha muitas vezes de dirigir conhecimentos
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próprios para uma mediação mais próxima da O esclarecimento que o professor deve
realidade dos alunos. Pois, dirigir é conduzir e fazer para suprir necessidades básicas da
conduzir é levar o aluno à reflexão e a ter curiosidade infantil é buscar o conhecimento
consciência desta reflexão; portanto, é de propostas que abordam ou elucidam as
facilitar o processo em que ele está inserido, diversas características que formam estes
por meio de sua experiência, respeitando suas hábitos mentais na criança.
potencialidades – ao contrário de outra Esta capacidade que a criança tem de se
palavra que costumo não utilizar, capacidade, maravilhar com o mundo é manifestada pelas
pois acredito que todo ser humano tem suas atitudes e, se devem propiciar requisitos
capacidade e potência, basta apenas para facilitar tais ações. Ao se articular estes
aperfeiçoá-las. comportamentos, observa-se como a criança
Por tratar de potências, dentre muitas que produz suas indagações e por meio de suas
caracterizam o ser humano, uma em destaque inquietações; procuremos saber por que ela
que se pretende elucidar em algumas linhas, é pergunta como ela pergunta, quando
a curiosidade. Tal potência humana pergunta, dentre outras coisas. Tais perguntas
demonstra o quanto se é e se fica admirado formam o caráter filosófico da criança, porém,
com o espanto da criança pelo novo. Este é importante salientar o quanto se deve
despertar para algo que ainda não conhece observar como de fato esse caráter se forma
decifra a curiosidade, promovendo a e, consequentemente, sua consciência.
criatividade em muitas circunstâncias, por A formação de uma consciência de si coerente e
imitação ou partindo de si mesma, a criança sustentável, ou se queremos, da autoconsciência
autêntica, constitui o primeiro processo e produto
consegue solucionar, em muitos casos, seus do filosofar, o qual entra em atividade desde a mais
problemas cotidianos. tenra infância, que por mimetismo no entorno social,
Estas atitudes que a criança desenvolve, processos afetivos e cognitivos de consciência social,
promovem articulações de suas ideias, que por atividade interior de curiosidade, espanto e
estranhamento, ou, em uma palavra, de
facilitando a melhor compreensão daquilo que
maravilhamento. Os filósofos e as crianças têm
ela faz. José Auri Cunha (2005, p. 24-25) consigo mesmos. (CUNHA, 2005, p. 25)
explicita isso da seguinte forma: Com estas afirmações se fortalecem os
Além das atividades comportamentais, há, portanto,
na formação das atitudes, as atividades psíquicas tão hábitos das crianças em questionar, e do
ou menos importantes. Assim, além dos hábitos profissional de observar tais concepções. Esta
comportamentais, devemos esperar que se formem apreensão de características cognitivas forma,
hábitos mentais, de suma importância na formação o que descreve o autor citado (IBID, p. 31), o
da consciência o mundo e consciência de si pelas
crianças, que representam para si o que está fora e,
“tornar-se sujeito”.
ao mesmo tempo, representam-se a si para si Por outro lado, desperta nas crianças a
mesmas como sujeitos que produzem formação dos conceitos, que uma vez criados
representações de coisas, ideias sobre o mundo. e impressos na mente da criança, serão
Podemos enumerar hábitos mentais tais como:
armazenados, constituindo-se assim, o
hábitos de associar imagens com ideias, umas ideias
com outras, hábitos de imaginação, curiosidade, segmento de outras características cognitivas
reflexão, memorização e de formação de valores e que virão após a absorção destas.
crenças. Todo o processo de produção das [...] De fato, a essência da atividade filosófica é a
representações mentais é ativado por hábitos ou criação de conceitos em torno de questões
atitudes mentais; muitas delas, forçadas ao filosóficas. Estas dizem respeito às relações entre
automatismo da inconsciência e do pensamento e mundo, entre significados e crenças,
condicionamento. entre aparência e realidade. Giram em torno de
como pensamos, como sabemos se o que pensamos
Estes hábitos mentais devem ser mediados é verdadeiro para os outros e como compartilhamos
pelos professores, como eixos norteadores razões e critérios para aceitar crenças e regras. Para
para desenvolver na criança o desejo natural a criança em fase de formação da consciência de si, a
de sua própria investigação, promovendo, filosofia, antes de mais nada, é uma filosofia do
assim, o despertar, encontrar ou aprimorar e sujeito, daí seu interesse por modos de percepção:
sensações, emoções, imagens, intuições. É nesse
sempre manter a curiosidade cada vez maior percurso que o sujeito toma consciência construindo
por objetos que fazem parte do seu mundo. conceitos. (IBID, p. 32)

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Mas, para desenvolver ou conduzir a muitos professores. Com isso, que os alunos
criança a estas características, é preciso ser serão formados? Que homem será formados?
cuidadoso, pois, auxiliar no despertar na Que cidadãos serão formados? Portanto, a
criança algo que é inerente a ela, deve ser escola deveria ser um local que auxiliasse na
feito com muita prudência e rigor. É preciso construção de uma autonomia do aluno.
promover na criança a possibilidade de Ao perceber o papel da escola, há outra
aprender a pensar, aprender a construir característica importante a ser destacada:
articulações dos conceitos e educar o espera-se que a escola hoje dê aos alunos a
pensamento, de uma forma que possa lhe educação que não existe mais nas famílias. E,
propiciar caminhos mais sólidos na sua vida. por falar em família, algo que é inerente à
Caminhos estes que o conduzam para a filosofia, ao ser humano e,
felicidade e facilidade na compreensão dos consequentemente, à educação é o diálogo,
fatos ocorridos em seu cotidiano, além do porém, cada vez mais fica evidente que o
fator que o professor deve ter em sua própria diálogo está a se perder. Mas, o que fazer para
consciência, aquilo que não pode se separar que ele possa ser restabelecido?
dele jamais, o ato de produzir, juntamente ao O diálogo ganhará maior consistência na medida em
aluno, por meio de uma ação que resultar e, ao mesmo tempo, criar espaço para
um exercício de reflexão, de investigação. Investigar
comprometedora, pois o comprometimento reflexivamente é uma rica forma de dialogar, no
ou compromisso deve envolver uma “decisão campo da educação. Na busca coletiva de ampliação
lúcida e profunda de quem o assume.” do conhecimento, os educadores têm oportunidade
(FREIRE, 1981, p. 15). de derrubar certos preconceitos, apontar
contradições, superar problemas. Se acreditarmos
Outro ponto importante de se tratar é o que a busca de ampliação do conhecimento não se
espaço denominado escola. Na Grécia Antiga, dá só na direção do que é externo, mas no olhar
escola era apenas o lugar do lazer e do ócio sobre si mesmo, os educadores têm também
aonde as crianças iam para brincar, oportunidade de falar de si e de sua prática.
desenvolver suas aptidões, iam para fazer o (LORIERI, 2004, p. 69)
que mais gostavam e com a liberdade que lhes O que há, de fato, é a necessidade de uma
era inerente. reflexão que venha a melhorar a educação,
Paulo Freire insistia em uma pedagogia que porém, é de profunda importância que se
promovesse a autonomia ao ser humano, promova o diálogo, pois, Sócrates não
pensando educativamente. Autonomia esta dialogava por dialogar, todo procedimento
que está presente no próprio sujeito, porém, carece de um método de utilização, portanto,
aparece obscuramente enrijecida pela deve-se aparar de mecanismos teóricos e
heteronomia, tanto é que parece que a práticos que nos possibilitem maior clareza e
autonomia, do grego authos (minha, própria) objetividade em propósitos próprios.
e nomia (norma, lei ou regra) é sempre regida
pela exterioridade ou a heteronomia, do grego 2. Referenciais Curriculares Nacionais: A
hetero (outro). linguagem e a criança.
A autonomia é sempre relativa, isto é, dá-se em Um dos aparatos que podem auxiliar no
relação com os outros e, portanto, é inadequado processo de uma educação adequada e
confundi-la om independência ou com ausência da
facilitar a aprendizagem da filosofia e dos
responsabilidade. Autonomia implica liberdade, que
não é algo que isola os indivíduos, mas, ao contrário, conceitos que permeiam a filosofia, são os
aponta para o que se chama interdependência. A Referenciais Curriculares Nacionais (RCN´S).
reflexão filosófica, na sua feição ética, pode ajudar- São ferramentas norteadoras que traduzem
nos a ver mais claramente a direção que damos às para a prática aquilo que está implícito na Lei
nossas ações, a consistência ou não das normas que
definimos ou seguimos. (LORIERI, 2004, p. 66)
de Diretrizes e Bases da educação brasileira.
Há o costume de se dizer em sala de aula que
Parece que ocorre na escola nos dias atuais
são as receitas que o futuro educador tem
o oposto daquilo que, etimologicamente, a
para fazer o bolo, com o aluno, ou seja, o
escola nos proporciona. Ela tem hoje a
instrumento que auxilia os desenvolvimentos
característica de uma obrigatoriedade por
da criança como ser humano.
parte da sociedade, da família e até mesmo de
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Divididos em vários segmentos – e, dentre personagens, objetos ou animais. Começa


estes segmentos, um é voltado também a intercalar fatos ocorridos (por meio
exclusivamente para a ética –, acompanhados da memória) com fatos da imaginação,
por palavras-chave como diálogo, diferença e criando-se, assim, também, aspectos da
justiça, contidos nos Referenciais Curriculares própria identidade. Por isso, a brincadeira é
Nacionais, voltados para o Ensino Infantil. imprescindível para que ocorra este processo
A Introdução do volume 2 é dito que a na criança.
criança tem por si só potência em constituir Além da brincadeira, a criança se
sua própria autonomia e identidade; desenvolve num processo equivalente entre o
capacidade de desenvolvimento de sua psíquico e o motor; em outras palavras, a
segurança e de respeitar as diferenças, concomitância do desenvolvimento da criança
eticamente relacionadas entre si, como as é e deve ser psicossomático, ou seja, da
“religiões, etnias, costumes, hábitos e valores” mente e do corpo. O termo “psicossomático”
(REFERENCIAIS CURRICULARES NACIONAIS, é derivado de duas palavras gregas, psyché
1998, p. 11). E faz jus, ou seja, tem por direito (mente ou alma) e somo (corpo).
a recepção de saberes promovidos ou Porém, ao mesmo tempo em que há este
proporcionados pelos educadores. Cabendo a processo de evolução, tanto interno como
estes facilitar todo este processo por meio do externamente, há outro fator que é necessário
trabalho educativo. “O trabalho educativo observar com muita atenção; é o fato de que
pode, assim, criar condições para as crianças quando a criança constrói ou constitui sua
conhecerem, descobrirem e ressignificarem identidade, ela também tem a inclinação de
novos sentimentos, valores, ideias, costumes ser egoísta, buscar tudo para si, como se fosse
e papéis sociais.” (IBID). a conquista de um território, seja ele físico,
A percepção ou agentes internos, como a como lugar ou domínio de um objeto ou como
afetividade e a cognição, possibilitam à um local interno na pessoa; por exemplo,
criança um aperfeiçoamento dos ocupar a atenção dos pais ou de alguém, de
conhecimentos adquiridos dos valores sociais preferência, um adulto, que está ao seu redor,
e culturais exteriores a ela, lhe propiciando provocando, assim, um desentendimento com
uma fundamentação para a construção da os outros ou até mesmo um certo conflito
própria identidade. interno, consigo mesmo.
A ética tem por objetivo formar cidadãos Segundo os Referenciais, as crianças
com características que lhe guiarão por toda a devem ter oportunidade de buscar sua
vida. Estas características são desenvolvidas autoconfiança e de identificar suas limitações,
na criança não só por meio dela mesma, mas agindo de acordo consigo próprias; ou seja, o
também e, principalmente, por meio do correr, o andar, o pular e o andar fazem parte
convívio social com outras crianças. A imitação do desenvolvimento da imagem corporal.
de gestos, palavras e costumes levam a uma Assim, elas devem identificar e saber lidar
percepção que favorece o desenvolvimento com os conflitos, respeitando-se a si mesmas
psíquico, físico e cognitivo, pois é com o e aos outros, por meio do respeito mútuo e
contato que a criança se solta, se descobre, se valorizando a reciprocidade, além de praticar
comunica por meio da linguagem. Estas ações de cooperação e solidariedade.
características interativas constituem a Estas características não seriam tão
percepção das semelhanças e diferenças que fundamentais quanto são, se não fosse a
há entre as crianças, que podem ser mais bem linguagem. A linguagem é promovedora de
vistas, ou observadas pelo contato, fato este uma interação mais pertinente à criança, já
que é primordial para o crescimento da que conduz a mesma a se comunicar de
criança em diversos segmentos. diversas maneiras com o outro. Para tanto,
Quando a criança cresce, aprende e evolui, basta observar o quanto é necessário manter
começa a surgir nela a afirmação do eu, o a criança interagindo com outras, pois não
entendimento da pessoa que ela é, ou seja, o basta incluir, como é feito em muitas
sujeito. A partir de tal identificação do seu instituições, além de incluir tem que favorecer
próprio ser, começa a interpretar a interação. Portanto, a linguagem é a maior
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facilitadora do processo de ensino e pensamento da criança. Mas, algo é notório


aprendizagem na educação infantil, pois para reconhecer o princípio de uma bela
estabelece mecanismos que facilitam a troca construção do pensamento, o saber ouvir. O
das experiências. escutar é de primordial importância no que se
Com a linguagem a criança desenvolve com refere à articulação das ideias. Perceber o que
muito maior eficácia sua independência e a criança expressa, por meio de perguntas ou
autonomia. Eis aqui a grande contribuição que comentários, exerce no professor a admiração
a escola e os educadores podem oferecer às pelo que a criança sabe ou mesmo que não
crianças! A linguagem é a perfeita ferramenta sabe, ela pensa saber, portanto, é um
para que a criança se descubra e, por si só, se instrumento fabuloso para o respeito. Pedir ao
comunique com os demais; porém e, aluno que se expresse demonstra uma
infelizmente, é neste mesmo local que, muitas postura que notabiliza o respeito às
vezes, a criança se sente isolada dentro de um igualdades e às particularidades.
mesmo ambiente que seria o de convívio Os relatos das crianças demonstram o que
social. elas vivem ou viveram e isso significa o
No dia-a-dia da instituição pode parecer mais fácil exercício da capacidade de atribuir sentido;
que o adulto centralize todas as decisões, definindo respondendo, comentando e até mesmo
o que e como fazer, com quem e quando. Essa
centralização pode resultar, contudo, num ambiente perguntando, provoca-se nelas a sensação de
autoritário, em que não há espaço para o exercício que foram escutadas, ouvidas, notadas e
da ação autônoma. [...] Tradicionalmente, as respeitadas. Mesmo que as palavras estejam
instituições escolares associam disciplina a silêncio e incorretamente elaboradas, ou os
vêem a conversa como sinônimo de bagunça,
indisciplina. Embora mais consolidada no ensino
pensamentos desarticulados, o importante é
fundamental, essa visão influencia também a prática desenvolver este diálogo.
na educação infantil, em que não raro o Nada do que as crianças falam deve ser
comportamento que se espera da criança é o da lançado ao vento. São palavras que traduzem
simples obediência, o silêncio, a imobilidade. o que elas pensam, portanto, há a
(REFERENCIAIS CURRICULARES NACIONAIS, 1998, p.
39) necessidade da compreensão e da atenção
por parte do adulto. A criança se sente mais
Nota-se aí a preocupação com estes tipos
autoconfiante e mais segura, mas devem-se
de espaços educacionais e com profissionais
propor métodos para que haja esta interação,
de perfis inadequados à educação. Portanto,
porque deve haver uma aproximação daquele
há o objetivo de oferecer às crianças melhores
que fala com aquele que ouve, para que não
condições para que elas se sintam em um
haja disparidades e dispersões nos outros
local e com pessoas que favoreçam a
ouvintes, e para que aquele que fala não se
interação, em outras palavras, “oferecer
perca no seu próprio pensamento. Portanto, o
condições para que as crianças, conforme os
professor ainda é o melhor e maior articulador
recursos de que dispõem, dirijam por si
ou mediador do processo ensino-
mesmas suas ações, propicia o
aprendizagem. No que se refere às tendências
desenvolvimento de um senso de
pedagógicas, o trabalho educativo é e deve
responsabilidade.” (IBID).
ser apresentado de forma lúcida, com
Outra característica que desconstrói este
propostas e projetos claros e pertinentes,
fato é que a socialização, a ética, a linguagem,
coerentes e eficazes para promover o
a autonomia e a identidade se darão
princípio de uma educação ética, o diálogo.
paulatinamente, pois não adianta incutir na
criança como são os desejos do adulto, é
preciso perceber que para ela, tudo se dá em
um processo próximo à realidade dela,
3. Valores Humanos na Educação Infantil: O
respeitando seus limites, principalmente,
que ensinar às crianças?
aqueles de ordem psíquica e motora.
Como foi visto nos Referenciais
A linguagem oral tem sua importância na
Curriculares Nacionais, conceitos como ética,
construção ou aquisição de vários
justiça, liberdade, igualdade, respeito, valores,
conhecimentos e no desenvolvimento do
solidariedade, entre outros, são eixos
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norteadores de uma educação centrada na trabalhar na formação do pensamento dos


formação do caráter do indivíduo e também educandos destes futuros educadores, porém,
de sua identidade, buscar-se então a antes mesmo que isto aconteça, é preciso
fundamentação teórica e o aprofundamento desvendar ou desvelar o universo perene em
destes e demais conceitos que são necessários que se encontram estes futuros profissionais
à formação do indivíduo. da educação, parecendo uma eternidade o
Porém, na formação do docente que vai fato deles constituírem um pensamento
exercer a função de formar cidadãos e produtivo, baseado nas formulações teóricas
homens por meio do auxílio da filosofia, deve- ensinadas pelo professo e desenvolvido por
se ter em mente a obrigatoriedade de nomes importantes na filosofia, como Dewey,
métodos a serem seguidos que darão Sócrates, Platão, Aristóteles, Rousseau, Kant,
pertinência à sua prática. Lorieri (2002), a entre outros.
respeito desse tema e com ênfase em uma Por falar nestes nomes, é importante que
formação por meio de uma reflexão rigorosa, se entenda que os grandes mestres
nos diz: constituíram seus pensamentos a partir de
[...] É necessário também aprender (e, portanto, métodos, e que estes, encontraram
ensinar) quais são as “certas questões”, próprias dificuldades nesse percurso; mas, é preciso
especialmente da Filosofia, as temáticas, algumas
das respostas historicamente produzidas e, por que mostrar aos futuros educadores que:
não, alguns nomes que participaram ou foram [...] o aprendizado é uma espécie de acontecimento,
decisivos na sua produção. Tais aprendizados são que foge ao nosso controle, não significa de modo
necessários para o “trabalho” com os conteúdos, isto algum dizer que o ensino se faz ao acaso. O
é, para um trabalho de reflexão rigorosa, radical e professor precisa munir-se de um repertório,
abrangente sobre as temáticas e com base em construir estratégias de aula, definir seus objetivos e
questões bem postas e a elas pertinentes. (LORIERI, traçar suas linhas de ação (ASPIS, 2009, p. 69)
2002, p. 52) Portanto, existe o método ou o
Aqui, tem-se o objetivo de esclarecer ao instrumento coerente para o prosseguimento
futuro educador a importância dos temas e da construção das técnicas de aprendizagem
quem participou das formulações destes feitas pelos futuros educadores. Porém, há
temas, ou seja, os pensadores, criadores das uma grande e talvez a maior dificuldade do
teorias pedagógicas e, mais precisamente, os professor de filosofia da educação. Como
filósofos. causar o interesse em filosofia no aluno?
Dentre estes temas, no caso da formação Difícil resposta frente às diversas dificuldades
do educador, há o desenvolvimento do que o professor enfrenta todos os dias, posso
conhecimento, portanto, da teoria do citar algumas, porém, duas são relevantes. A
conhecimento. Quando se refere a valores, primeira diz respeito à dificuldade de lidar
fatos, situações e atitudes, têm-se o tema da com meios tecnológicos que são
axiologia ou ciência dos valores, em especial a desenvolvidos em uma aceleração fora do
ética e a estética. comum, desapropriando, muitas vezes, o
Percebe-se que há uma distância professor em seu ofício, mas, também há a
exorbitante entre o que se aprende na teoria possibilidade desta reversão de valores, já que
e o que se aplica na prática, em relação aos o professor pode transformar este inimigo
futuros educadores, por se tratar de teorias, midiático em um aliado poderosíssimo para a
consideradas abstratas e utópicas ou longe da produção do conhecimento, pois o uso de
realidade, por assim dizer, não se enquadram imagens e do áudio é favorável para o ensino
ou engendram em uma realidade constante da filosofia.
no universo educacional. Mas, é preciso Outro caso frequente é a escola tradicional
salientar o quanto é importante e necessária a que, como um fantasma, opera no cotidiano;
busca pelas respostas às mais diversas pior ainda, estar inseridos nela. Mas,
perguntas que surgem em nosso cotidiano novamente, é notório como se torna
pedagógico. importante e simples desvelar este
No que se diz à filosofia na educação paradigma, transformando a escola
infantil, busca-se a melhor maneira de tradicional, os velhos métodos filosóficos em
aulas interessantes e cheias de novidades. O
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ENSAIO 45

professor deve partir de uma dinâmica que correto para alguém e não pode ser para o
avance para despertar o interesse dos alunos, outro? O que se deve ensinar não é uma ética
a começar pela imensidão de assuntos e e, sim os caminhos que levam à ética. A
informações que surgem a cada segundo. promoção de se fazer o bem e que este bem
O fator que mais se aproxima à nossa não culmine em prejudicar o outro. Mas,
realidade é a má formação dos formadores: como se faz o bem a si mesmo ou ao outro,
Consideramos bastante legítima esta preocupação sem que se possa fazer a um terceiro? É
no caso dos professores de filosofia por diversos pertinente observar o quanto é necessário
motivos adicionais que esta disciplina encontra,
como a atual falta de tradição desse ensino nas fazer o bem a quem seja como o pensador
escolas, levando a uma desconfiança da sua Kant (1724-1804) tão bem demonstrava, que
importância por parte dos jovens, a sua devemos agir pelo dever e, este dever nada
peculiaridade de ser um estudo bastante abstrato e mais era que sua ação moral ou a ética
dissertativo, a imagem/preconceito que se tem de
que a filosofia é inútil. Atualmente os professores de
kantiana.
filosofia vivem o problema não só de ter o saber o Rios (2003, p. 19) defende que “não é
que e como ensinar, mas o de apresentar a filosofia apenas no campo da moralidade que se
aos jovens de forma instigante. (ASPIS, 2009, p. 75) encontram valores.” A distinção mais clara
O professor de filosofia encontra várias entre a ética e a moral, possivelmente, se
dificuldades que deturpam o seu ofício, encontrada na referida autora:
porém, não dificultam totalmente, já que o A ética se apresenta como uma reflexão crítica sobre
a moralidade, sobre a dimensão moral do
professor de filosofia deve ter em mente o
comportamento do homem. Cabe a ela, enquanto
quanto ele pode despertar a imaginação de investigação que se dá no interior da filosofia,
seu aluno, pois se ele o ensina a ter procurar ver – como afirmei antes – claro, fundo e
criatividade, e é necessário que ele tenha ou largo os valores, problematizá-los, buscar sua
saiba utilizá-la em sala de aula. consistência. É nesse sentido que ela não se
confunde com a moral. No terreno desta última, os
Outro aspecto ainda a ser desvendado pelo critérios utilizados para conduzir a ação são os
professor de filosofia, e que deve ser ensinado mesmos que se usam para os juízos sobre a ação, e
aos educandos e futuros educadores, no que estão sempre indiscutivelmente ligados a interesses
diz respeito ao ensino de filosofia é a ética. específicos de cada organização social. No plano da
ética, estamos numa perspectiva de um juízo crítico,
Por ética, entende-se o que vem do Grego
próprio da filosofia, que não quer compreender,
ethos (comportamento), porém, a ética é “a quer buscar o sentido da ação. (RIOS, 2003, p. 23-24)
própria vida” (VALLS, 1994, p. 07), mas tem
Percebe-se aqui, que a moral está mais
um caráter mais abrangente, pois é a ciência
voltada a algo social, enquanto que a ética,
da moral. Mas, o que é moral? Moral vem do
volta-se para características mais filosóficas,
Latim mores (costumes), em outras palavras,
aquelas que norteiam o comportamento dos
tanto a ética quanto a moral se
juízos do homem no próprio homem, ou seja,
complementam.
em sua consciência.
Sócrates foi o primeiro grande filósofo a se
Talvez seja esta a fórmula para se ensinar
preocupar com a ética, aquela que ele dizia
os valores às crianças? Será que elas têm
estar dentro dele, regendo e construindo sua
consciência do que é bom para elas, portanto
autonomia, dando assim destaque a uma ética
e para os seus colegas, ou os seus familiares?
subjetiva, que, porém, deveria ser
Será que elas são mesmo capazes de praticar
exteriorizada, portanto, passaria a ser
o bem? Devem valorizar as palavras e ações
denominada de ética objetiva, caracterizando
que denotam uma sociedade mais justa e
o que se conhece pelo nome de moral, ou
harmoniosa? Enfim estas são, pois difíceis de
seja, uma ciência de costumes e
compreender, piores ainda para responder!
comportamentos sociais, baseada na ética,
Sabe-se que a filosofia é um campo muito
que nada mais é que a ciência de costumes e
extenso e intenso ainda para percorrer e, que
comportamento do homem.
o caminho a ser trilhado pelo professor desta
Mas, como se deve ensinar a ética ao aluno
matéria em uma escola superior de formação
se não há uma ética? A ética existente é
de educadores, é árduo e penoso, conflitante
aquela relativa a qualquer pessoa, portanto,
e tortuoso, mas, o que mais o dignificaria,
como ensinar algo que pode ser considerado
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ENSAIO 46

justamente, é o prazer em encontrar possíveis DEMO, Pedro. Saber pensar. 6ª Ed. São Paulo:
caminhos que levam às soluções na educação, Cortez Editora/Instituto Paulo Freire, 2008
que enobrecem as aulas ministradas por este (Coleção Guia da Escola Cidadã v. 6).
professor e que conduzem aqueles ao FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de
desvelar do próprio conhecimento. Janeiro: Paz e Terra, 1981. (Coleção
Educação e Comunicação v. 1, 4).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ________. Conscientização: teoria e prática
ASPIS, Renata Lima e GALLO, Sílvio. Ensinar da libertação – uma introdução ao
filosofia: um livro para professores. São pensamento de Paulo Freire. 3ª Ed. São
Paulo: Atta Mídia e Educação, 2009. Paulo: Centauro, 2008.
CUNHA, José Auri. Filosofia na educação LORIERI, Marcos Antonio. Filosofia:
infantil: fundamentos, métodos e fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez
propostas. 2ª Ed. Campinas: Alínea Editora, Editora, 2002. (Coleção Docência em
2005. (Coleção Educação em Debate). Formação: Ensino Fundamental).
CUNHA, Marcus Vinicius da. John Dewey – SILVEIRA, Renê J. T. e GOTO, Roberto (orgs.).
Democracia e educação: Capítulos Filosofia na escola: diferentes abordagens.
essenciais. São Paulo: Ática, 2007 (Coleção São Paulo: Edições Loyola, 2008. (Coleção:
Ensaios Comentados). Filosofar é Preciso).
________. John Dewey: Uma filosofia para
educadores em sala de aula. 5ª Ed.
Petrópolis: Vozes, 2008.

PHILOSOPHY IN THE INFANTILE EDUCATION


ABSTRACT

Is about theoretical research, of philosophical-educational matrix, that argues the


paper of the philosophy in the infantile education, searching the relation that the theory
exerts in the construction of the thought of the educators with the practical one of these
in classroom. It has for dialogue, the reflection of thinkers established in a pedagogical
epistemology, since Socrates, Platão, Aristotle, Kant and Rousseau to more the
contemporaries philosophers of the education, to cross, mainly, amongst them, the the
pragmatic bases of the knowledge construction of John Dewey. In the dialogue the
construction of the thought of educating enters and practical it’s, relating to the reality
contained in the context, the contributions of the language had had great meaning in
the construction of the cultural formation of the pupils. One concludes that the use of
theoretical resources in the practical professor is of great value in the construction of
the identity and formation of the citizenship of the child in the infantile education and,
that the paper of the professor is important, therefore, by means of the ethics, develops
the autonomy of the thought of the child.

Keys- words: Philosophy. Ethics. Citizenship. Bases of the knowledge. Language.

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INICIAÇÃO CIENTÍFICA 47

AVALIAÇÃO DE TREINAMENTO NAS ORGANIZAÇÕES

Caetano Vasto Neto


Professor da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas Santa Rita de Cássia
Mestre em Administração

Bruna Segatto Taveira


Aluna do curso de Lato Sensu em Administração de Recursos Humanos da Faculdade de
Ciências Econômicas e Administrativas Santa Rita de Cássia
Graduada em Administração

RESUMO
O sucesso dos programas de treinamento depende da sintonia entre todas as áreas
de recursos humanos, ele deve ter como objetivo principal a melhoria da organização e
estar diretamente ligado ao planejamento estratégico. Os objetivos devem estar claros e
definidos para que seja possível chegar ao resultado do treinamento sem aumentar os
custos. O engajamento de todos é indispensável e a avaliação do treinamento segundo
Kirkpatric é um ferramenta estratégica para o alcance dos resultados esperados. Pois é
possível justificar os investimentos e custos do treinamento através do modelo de
avaliação de Kirkpatrick e do RI proposto por JACK PHILLIPS (1997), exigindo um
processo de comunicação para obtenção do envolvimento e cumplicidade de todos.

Palavras Chaves: Avaliação. Treinamento. Aprendizagem. Mudança de comportamento.

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INICIAÇÃO CIENTÍFICA 48

INTRODUÇÃO do mercado onde a empresa atua, exigindo a


Cada vez mais o treinamento se faz efetivação de planos de formação profissional
necessário em uma organização. Proporcionar que sejam flexíveis, dinâmicos e atualizados
um treinamento pode significar para a (Carvalho & Nascimento, 1997).
organização preparar seus funcionários para Atualmente o treinamento vem sendo
desenvolver habilidades, conhecimentos, utilizado pelas empresas com o objetivo geral
padronização das tarefas e até mesmo mudar de desenvolver pessoas, tanto na
o comportamento. Tem como objetivo aprendizagem de novas habilidades quanto na
aumentar o desempenho profissional e ampliação daquelas já existentes, uma vez que
motivacional do ser humano, melhorando os as pressões socioculturais, tecnológicas,
resultados e gerando lucros maiores. econômicas e políticas direcionam as
Para que haja sucesso no treinamento é organizações contemporâneas a se adaptarem
necessário que exista uma sintonia entre às exigências que o mercado impõe, focando
todas as áreas de Recursos Humanos-RH e à mais intensamente seu capital humano.
área de Treinamento e Desenvolvimento-T&D,
desde a identificação do problema até á 2. AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS DO
analise de resultados. TREINAMENTO
Neste trabalho será abordado como os Avaliação do treinamento é um conjunto
resultados do treinamento podem ser de metodologias e procedimentos que
avaliados nos 4 níveis propostos por permitem identificar os resultados alcançados
KIRKPATRICK (1998): Reação, aprendizagem, com os programas de treinamento,
mudança de comportamento e resultados comparando-os com os objetivos propostos, e
financeiros. visando, alimentar com informações a
elaboração de novos programas ou ainda
1. DEFINIÇÃO DE TREINAMENTO E modificar os já existentes. A avaliação do
DESENVOLVIMENTO treinamento pode ser caracterizada como
Diariamente as organizações vivem sendo qualquer tentativa no sentido de obter
conflitos em relação à satisfação e realização informações sobre os efeitos de um programa
dos seus profissionais. Sabe-se que as de treinamento, determinando seu valor de
mudanças estão ocorrendo velozmente e as acordo com essas informações.
informações mudam o tempo todo em um Para Kirkpatrick (1998), a razão de se
mercado cada vez mais competitivo e avaliar o treinamento é determinar a
exigente. É necessário preparar-se para elas, efetividade de um programa. Quando a
afinal é recomendada uma estruturação de avaliação é feita, tanto os responsáveis pela
forma que se aplique e consequentemente se coordenação dos programas quanto os
atinja os resultados almejados. Muitas vezes o gerentes de alto escalão da empresa se
diferencial para conquistar um lugar de beneficiam, pois passam a possuir bases
destaque no mercado está nas pessoas que concretas para tomada de decisão em relação
compoem a organização. a seus programas e investimentos.
Nota-se que uma organização que possui
deficiências no processo de treinamento e 2.1. Avaliação de treinamento de Kirkpatrick
desenvolvimento das equipes, é composta por Donald Kirkpatrick foi o primeiro autor a
uma equipe que não trabalha em sintonia e publicar considerações relevantes sobre as
não é padronizada. No entanto as empresas possíveis formas de se realizar a avaliação dos
que buscam melhorar e garantir o bom resultados do treinamento. Em uma sequência
desempenho dos seus funcionários considera de quatro artigos publicados entre 1959 e
necessário treiná-los adequadamente de 1960 no Journal of ASTD e diversos outros
modo a prepará-los para criar um ambiente artigos e livros publicados posteriormente, o
melhor e também atender seus clientes de autor consolidou sua metodologia de
maneira que esse seja fidelizado à empresa. avaliação como a mais famosa, até os dias de
Os principais objetivos do T&D refletem as hoje, dentre as diversas metodologias
mudanças econômicas, tecnológicas e sociais propostas por demais autores.
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INICIAÇÃO CIENTÍFICA 49

Kirkpatrick propõe que a avaliação do para outras pessoas suas impressões a


treinamento seja conduzida em quatro níveis: respeito do treinamento, o que pode vir a ser
 Reação: que avalia o conteúdo do base para a tomada de decisões acerca da
treinamento, seu programa, o continuidade e ou de modificações no
material didático, a carga horária, seus programa (Kirkpatrick, 1998).
instrutores e os recursos utilizados de Para explicar melhor a composição de uma
maneira a melhorar sua realização no avaliação de reação, algumas perguntas
futuro e até mesmo a eliminar sugeridas por Kirkpatrick para integrar esta
programas que não satisfizerem os etapa estão descritas a seguir:
participantes ou patrocinadores do • Como os participantes avaliam o
programa; conteúdo: Foi interessante? Relevante
 Aprendizagem: que avalia o que para o trabalho?
efetivamente os participantes • Como os participantes avaliam o
aprenderam; instrutor: Demonstrou domínio do
 Mudança de Comportamento: que conhecimento sobre o assunto? Exibiu
verifica se o participante colocou em habilidade ao se comunicar?
pratica, no trabalho, o conteúdo • Como os participantes avaliam as
aprendido, com modificações no seu instalações: Estavam confortáveis?
comportamento operacional, de Foram convenientes para o tipo de
relacionamento interpessoal ou de treinamento? Os equipamentos
atitudes, entre outras; utilizados eram adequados?
 Resultados: que verifica se a aplicação • Como os participantes avaliam a carga
do conteúdo no trabalho foi capaz de horária: Insuficiente? Suficiente?
causar impactos favoráveis no Excessiva?
resultado da organização, refletindo • Sugestões de melhoria pelos
principalmente pelos números, participantes: Como o programa poderia
quantidades e indicadores financeiros. ser melhorado? O que você faria para
tornar a sessão mais efetiva?
2.1.1. Nível 1 – reação Para Kirkpatrick, os participantes devem
Gostar do treinamento não é o suficiente também ser encorajados a emitir suas
para saber se ele é benéfico para a opiniões em questões abertas, para que
organização. Há ocasiões em que o conteúdo possam opinar sobre de que maneira
do treinamento, seja um programa específico efetivamente a qualidade dos programas pode
para transmitir conhecimentos, desenvolver ser melhorada. Para as questões fechadas,
habilidades, seja para motivar atitudes, é podem ser utilizados vários tipos de escala: os
exposto de uma ótima forma. Uma palestra participantes podem dar notas de 1 a 4, dizer
ministrada por um excelente interlocutor com se o quesito foi excelente, bom, regular ou
total domínio de palco, ou uma atividade ruim e até mesmo podem ser utilizadas
vivencial na qual todo o grupo ficou bastante expressões do tipo - folha de sorrisos -, que
entusiasmado, mas que, ao final, não mostram aos participantes desenhos de faces
proporcionou aprendizado algum: restou com expressão risonha, de indiferença ou
aquele sentimento de vazio por não ocorrer a aborrecimento.
transferência entre experiência vivida e a É importante, contudo, que os dados
prática no trabalho. colhidos nas questões fechadas possam ser
Avaliar a reação dos participantes do tabulados, para que o aspecto quantitativo
treinamento é a mesma coisa que medir a das reações possa ser medido. Através da
satisfação dos clientes com uma organização. análise dos dados, os responsáveis pelos
Para que o treinamento seja realmente programas podem tomar atitudes como fazer
efetivo, é importante que os participantes mudanças nas instalações, conteúdos
reajam favoravelmente às exposições iniciais. programáticos, instrutores (que podem ser
Os participantes também costumam contar substituídos ou aconselhados a mudar sua
abordagem ou comportamento),
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equipamentos e quaisquer outras variáveis 2.1.3. Nível 3 – mudança de comportamento


envolvidas no treinamento. É necessário observar o desempenho de
cada participante após o treinamento, pois há
2.1.2. Nível 2 - aprendizagem vezes em que ele aprendeu, mas não
No nível 2, avalia-se o que os participantes consegue atingir uma mudança de seu
aprenderam, ou seja, o que passaram a saber comportamento no trabalho por motivos
no final do treinamento. extrínsecos, a falta de uma ferramenta no
A avaliação de aprendizagem tem o ambiente de trabalho, ou intrínsecos a cada
importante papel de verificar se os participante, motivação (desejo de mudar).Se
conhecimentos apresentados pelo programa o conteúdo do treinamento gerou mudanças
foram absorvidos, se as habilidades dos no comportamento do participante no
participantes foram melhoradas e se suas trabalho, é preciso verificar se elas geraram
atitudes foram modificadas em função do impacto nos resultados da organização.
conteúdo exposto. Para Kirkpatrick, pelo Esse nível de avaliação busca respostas
menos um desses quesitos (conhecimentos, para o que acontece depois que os
habilidades e atitudes) deve ser modificado participantes deixam as salas de aula e voltam
para que a mudança de comportamento do a seus trabalhos. Como funcionou a
participante no trabalho realmente aconteça. transferência de conhecimentos, habilidade e
O autor sugere algumas possibilidades para se atitudes para suas atividades? Que mudanças
aplicar a avaliação de aprendizagem: em seus comportamentos aconteceram em
 Utilização de grupos de controle. O decorrência do programa de treinamento?
autor propõe a realização de Várias podem ser as barreiras encontradas
comparações entre grupos antes que a aprendizagem se traduza
semelhantes que receberam o realmente em mudanças de comportamentos
treinamento e que não receberam. As observáveis. Primeiramente, os treinandos
avaliações devem ser aplicadas antes e não podem mudar um comportamento a
após o treinamento para ambos os menos que encontrem oportunidade para
grupos para que o avaliador se fazê-lo. Em segundo lugar, é impossível prever
certifique de que os resultados quando uma mudança de comportamento irá
(melhores ou piores) dos grupos acontecer. Em terceiro lugar, as –
treinados sejam realmente em função recompensas - pelas mudanças de
do programa de treinamento. As comportamento no trabalho podem ser boas
diferenças encontradas entre o grupo ou ruins, ou seja, as sensações que ele pode
de controle e o grupo que recebeu o experimentar ao colocar em prática seu
treinamento podem então ser aprendizado vão determinar sua mudança, ou
explicadas pela aprendizagem efetiva não, de comportamento.
proveniente do programa. Por exemplo, ao se comportar de uma
 Avaliação de melhoria de nova maneira, um empregado pode gostar
conhecimento e mudanças de atitude. dos efeitos de seu novo comportamento e
Neste caso, o avaliador aplica um teste decidir adotá-lo daí para frente ou não gostar
que pontua conhecimentos, dos efeitos e decidir voltar a se comportar
habilidades e atitudes, antes e depois como antigamente, ou, ainda, gostar dos
do treinamento. Podem ser feitas efeitos da mudança de comportamento
perguntas que reflitam o conteúdo que pretendendo continuar a se comportar da
os participantes deveriam ter nova forma, mas ser desestimulado ou até
absorvido durante o programa. As mesmo impedido por seus superiores, pelos
avaliações tradicionais das escolas mais variados motivos.
podem exemplificar esta sugestão. Este Assim como para o nível de avaliação de
tipo de avaliação pode também utilizar, aprendizagem, Kirkpatrick propõe que a
em conjunto, grupos de controle. avaliação de mudança de comportamento seja
realizada por meio de grupos de controle, com
avaliações antes e após o treinamento. Para
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INICIAÇÃO CIENTÍFICA 51

esse nível de avaliação o autor sugere, como frustram por não conseguir, se houve retorno
forma de coleta de dados, a realização de do investimento em treinamento.
entrevistas e aplicação de questionários que O nível de avaliação de resultados,
sejam respondidos pelos próprios treinandos, segundo Kirkpatrick, é o mais importante e o
seus supervisores, subordinados e demais mais difícil de realizar. Avaliar os resultados
pessoas que possam relatar possíveis significa apurar que mudanças ocorreram nas
mudanças no comportamento dos avaliados. organizações em função da participação dos
Para Kirkpatrick, assim com os demais funcionários nos programas de treinamento.
investimentos realizados por uma Neste nível, os avaliadores devem considerar
organização, os custos de se operacionalizar questões como as seguintes:
esse nível de avaliação devem ser • Quanto melhorou a qualidade dos
confrontados com os benefícios que seus produtos ou serviços em função da
resultados trarão à organização. O tempo dos realização de um programa de
funcionários envolvidos na avaliação, os qualidade total oferecido a
recursos necessários e até mesmo os custos supervisores e gerentes? Quanto isso
decorrentes da possível contratação de uma contribui para os lucros da
consultoria podem não ser justificados companhia?
quando, por exemplo, um programa está • Quanto cresceu a produtividade em
previsto para acontecer uma só vez, mas função de um programa oferecido a
podem ser justificados caso a organização gerentes e supervisores que tratou de
tenha a intenção de realizar o programa esclarecer questões sobre a
continuamente. diversidade da força de trabalho?
Para o autor, é importante observar que a • Quanto diminuiu o rodízio de pessoal
mudança de comportamento não é um fim em e disputas internas após os
si mesmo, mas, principalmente, um fator supervisores e coordenadores terem
preditivo para melhorias de resultados sido orientados a oferecer constante
organizacionais que podem acontecer, caso a treinamento a seus novos
mudança de comportamento seja realmente empregados?
constatada. Desta forma, a mudança de • Quanto aumentou a produtividade ou
comportamento decorrente da aprendizagem diminuíram os custos após os
que ocorreu por motivo da realização do empregados terem sido treinados a
treinamento, é um fator determinante para trabalhar em equipes autogeridas?
que os resultados esperados pelos programas • Quanto aumentou o valor das vendas
sejam alcançados. após a equipe de vendedores ter sido
submetida a um programa de
2.1.4. Nível 4 – resultados treinamento de vendas?
Nesse nível, serão verificados, após o Assim como para os demais níveis de
treinamento, dados numéricos, obtidos junto avaliação, Kirkpatrick propõe a utilização de
a relatórios administrativos; ou a observação grupos de controle e de avaliações anteriores
dos supervisores dos participantes treinados. e posteriores ao treinamento. Para esse nível
A partir destes números, será verificado se os de avaliação, a coleta de dados pode se
custos foram reduzidos; se houve aumento de realizada tanto por meio de entrevistas e
vendas ou produção; se o rodízio de pessoal questionários (ideal para os casos onde não
diminuiu; se o índice de satisfação do cliente seja possível a quantificação exata dos
melhorou; se o número de reclamações benefícios do programa, como em um esforço
reduziu; se houve melhoria da qualidade de dirigido à melhoria das competências
produção, com diminuição de produtos gerenciais dos dirigentes, por exemplo),
rejeitados ou retrabalhados; se os lucros quanto por meio de evidências reais como a
foram mais altos; se houve melhoria do moral quantidade exata de produtos vendidos a mais
do pessoal, entre outros indicadores de em decorrência de um treinamento realizado
resultado; e aquilo que muitos profissionais de para esse fim.
T&D sonham provar e muitas vezes se
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De qualquer forma, as respostas 4. CONCLUSÃO


encontradas pela avaliação dos resultados do O programa de treinamento deve ter como
treinamento devem ser condizentes com as principal objetivo trazer uma melhoria na
expectativas dos patrocinadores do programa. organização e estar diretamente ligado com as
Para a alta gerência deve estar claro, por estratégias organizacionais. Os objetivos
exemplo, que informações sobre a evolução devem estar claros e definidos para que seja
dos níveis de satisfação dos empregados de possível chegar ao resultado do treinamento
uma gerência é insumo suficiente para que o de uma maneira mais fácil e sem aumentar os
programa de treinamento desenhado para custos já definidos anteriormente.
melhorar as habilidades de um grupo de Para que se obtenha sucesso em um
líderes seja consolidado. No caso de um treinamento é necessário que as demais áreas
treinamento de qualidade, devem ser de RH atuem em sintonia com a área de T&D e
esperadas pela alta gerencia informações que, todos na organização estejam
como exatamente quantas unidades de um prontamente envolvidos e informados sobre
produto deixaram de ser rejeitadas nos meses toda e qualquer informação a respeito do
posteriores à realização de um treinamento treinamento, desde a discussão do problema a
com este objetivo. ser abordado até os futuros resultados do
curso.
3. RETORNO DO INVESTIMENTO DO É possível justificar os investimentos e
TREINAMENTO (ROI) custos no treinamento através do modelo de
No nível 4, Jack Phillips (1997) identificou a avaliação de Kirkpatrick e do RI proposto por
possibilidade de converter muitos destes JACK PHILLIPS (1997), onde os profissionais da
dados em valores monetários, isolando-os, área de T&D devem comunicar a todos os
comparando os benefícios obtidos com o envolvidos com o investimento do
programa de treinamento a seus custos. treinamento e quem investiu seu tempo para
O conceito de retorno do investimento-RI, que esse treinamento fosse realizado e por
encontra-se a fórmula descrita a seguir: fim os participantes.
RI = Benefícios líquidos (benefícios – custos) X 100
custos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Um exemplo para cálculo de RI, pode ser
enunciado da seguinte forma. Um gerente de BOOG, Gustavo G. Manual de Treinamento e
projetos foi contratado por um ano com Desenvolvimento. São Paulo: Pearson
salário de R$ 5 mil mensais, num total de R$ Prentice Hall, 2009.
65 mil ao ano, incluindo-se o 13º salário. CARVALHO, A. V.; Nascimento, L. P.
Durante esse ano o gerente realizou Administração de Recursos Humanos. São
treinamentos no exterior que totalizaram um Paulo: Pioneira, 1997.
investimento de R$ 20 mil, e executou KIRKPATRICK, Donald. Evaluating training
trabalhos que geraram para organização um programs: the four levels. San Francisco:
lucro de R$ 1 milhão ao final do ano. Berret-Koehler, 1994.
Os custos do treinamento + custos de MILIONI, Benedito. Gestão de treinamento
salário do gerente no total foram de R$ 85 mil por resultados. São Paulo: ABTD, 2004.
(R$ 65 mil + R$ 20 mil) PHILLIPS, Jack. Return on investment in
Para calcular o RI: training and performace improvement
RI = Benefícios líquidos (benefícios – custos) X 100
programs. Houston: Butterworth-
Custos Heinemann, 1997.
RI= R$ 1 milhão – R$ 85 mil X 100 CATALANELLO, R. F. Evaluating training
R$ 85 mil programs: the state of the art. Training
RI= 915 mil/85 mil X 100 = 1.076,47 and Development Jounal, 1968.
R$ 85 mil

O retorno do investimento naquele


gerente foi superior a mil por cento.

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INICIAÇÃO CIENTÍFICA 53

EVALUATION OF TRAINING IN THE ORGANIZATIONS

ABSTRACT
The success of the training programs depends on the tunning enters
all the areas of human resources, it it must have as objective main the
improvement of the organization and be directly on to the strategical
planning. The objectives must be clear and definite so that it is possible
to arrive at the result of the training without increasing the costs. The
enrollment of all is indispensable and the evaluation of the training as
Kirkpatric is a strategical tool for the reach of the waited results.
Therefore it is possible to justify the investments and costs of the training
through the model of evaluation of Kirkpatrick and of the RI considered
for JACK PHILLIPS (1997), demanding a process of communication for
attainment of the envolvement and complicity of all.

Keywords: Evaluation. Training. Learning. Change of behavior.

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INICIAÇÃO CIENTÍFICA 54

ALFABETIZANDO NA SOMBRA

Gislayne Aparecida Canovesi Gallego


Pedagoga pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas Santa Rita de Cássia, Auxiliar
Técnica de Educação na Prefeitura Municipal de São Paulo

Rafael Annunciato Neto


Professor da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas Santa Rita de Cássia
Mestre em Educação

RESUMO
A saúde, bem primordial e essencial ao ser vivo, aponta um sentido sinônimo
a infância e juventude, entretanto, no percurso da história surpreende-se por
experiências que marcam essa passagem, exigindo criatividade, inovação e
capacidade para transformar e adaptar recursos existentes em outros que
somarão resultados e acrescentarão alternativas aos que por algum motivo não
dispõem dessa oportunidade. Visando melhoria na qualidade de vida e saúde,
baseando-se num processo de humanização, é que as áreas da Saúde e
Educação, criaram a Pedagogia Hospitalar, contando com a sala aula que é um
espaço reservado dentro dos hospitais, destinada ao desenvolvimento de
atividades pedagógico-educacionais que objetiva e possibilita a construção de
conhecimentos, ameniza o sofrimento e tranquiliza os responsáveis durante o
período da internação.

Palavras-chave: Qualidade de Vida. Humanização. Pedagogia Hospitalar.

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INICIAÇÃO CIENTÍFICA 55

INTRODUÇÃO tamanho grau de importância que se tornou o


Este estudo tem como objetivo verificar as símbolo da medicina.
possibilidades da criança/adolescente em Nestes últimos séculos, a saúde ficou a
condições de saúde fragilizada de serem cargo da igreja católica, que mantinha ao lado
estimuladas a aprendizagem e como a de suas sedes uma enfermaria para que se
pedagogia hospitalar pode contribuir para a respeitasse o princípio de que o corpo
melhoria deste processo. Pois, a medicina humano é a imagem de Deus e não podia ser
observa o paciente do ponto de vista clínico, aberto, pois só a alma precisava de
enquanto a educação o desenha como um tratamento. Estes locais também abrigavam
discípulo ideal. Pretende-se nesta análise os excluídos, com o objetivo de retirar de
conduzir a uma reflexão sobre a inserção circulação os indivíduos com aparência feia e
dessa alternativa pedagógica, vinculada área miserável, alegando oferta de riscos e
médica, abrangendo alunos em condição contagio, atribuindo sua saúde a um milagre e
especial que surgiu da necessidade de seu óbito a um castigo divino.
afastamento de sua rotina por um período de No entender de Garrison (1966), o
curto ou médio prazo. Renascimento e as transformações do século
XVI atingiram também a saúde pública,
1. A ORIGEM DO HOSPITAL alterando suas finalidades. Com o início da
vida urbana, proliferou-se a quantidade de
A análise do contexto exige a compreensão mendigos, propagadores de moléstias
do modelo hospitalar de hoje que segundo contagiosas e crimes. Henrique VIII obrigou
Campos (1995), o termo é de raiz latina que os hospitais católicos fossem destruídos e
hospitalis, procedente de hospes - hóspedes, os doentes lançados às ruas. Os londrinos
pois inicialmente estas entidades recebiam desapontados solicitaram ao rei a doação de
peregrinos, pobres e enfermos. Ele afirma que um ou dois edifícios e auxílio financeiro
aproximadamente a 4.000 A.C. os médicos suficiente para mantê-los, o rei atendeu,
egípcios eram organizados em casta, com cedeu o Hotel Dieu, na tentativa de
títulos de sacerdotes. transformá-lo e um hospital modelo, deve-se
Na Babilônia, os primeiros registros datam destacar que assumia funções de asilo, desde
de 2.250 A.C, conforme Código Hammurabi 829 D.C.
que direcionava a prática da medicina de De acordo com Foucault (1979), no século
forma diferenciada. XVIII a igreja católica sofreu uma grave crise
Os doentes eram conduzidos ao mercado, porque doutrinária, resultando na decadência do
não existiam médicos. Os que passavam pelo doente sistema hospitalar cristão. Os municípios
interpelavam-no com o intuito de verificar se eles
próprios tinham sofrido o mesmo mal ou sabiam de foram obrigados a assumir a direção da saúde
outros que o tivessem tido. Podiam, assim, propor o pública. As ações priorizaram mudanças
tratamento que lhes fora eficaz ou eficaz na cura de bruscas e rápidas, principalmente no que se
pessoas de suas relações. E não era permitido passar referente à quantidade de pessoas que
pelo doente em silêncio. Todos deviam indagar a
causa de sua moléstia (HERÓDOTO apud CAMPOS,
conviviam no mesmo ambiente, com idade e
1944, p.10). quadro clínico diferente, leitos comunitários,
Segundo Campos (1944) os procedimentos más condições de higiene e descaso total,
eram feitos a partir dos preparados vegetais, causando altos índices de óbito, como o Hôtel-
Dieu de Paris (conhecido como antessala da
minerais e do uso de antídotos contra veneno
de cobra e escorpiões. A serpente que a morte). Um modelo negativo, amontoando
princípio tinha sua homenagem vinculada à pessoas por corredores e enfermarias, em
importância como divindade e poder curativo razão de seu propósito de nunca negar auxílio,
era preservada nos lares e nos templos da e acolher a todos que o procurassem
Grécia, não só por seu significado místico, mas posteriormente criando a primeira enfermaria
também pelo seu fim utilitário, pois devorava destinada a pacientes mirins que se tem
ratos e fornecia medicamentos, chegando a registro, a Salle dês Innocents.
[...] nestas instituições o asilamento era
predominantemente de adultos. As crianças,
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acometidas frequentemente de doenças infecciosas com a tuberculose, peste bubônica, febre


agudas, nunca chegavam aos hospitais; estas ou se tifoide e outras moléstias, obrigando-o a
curavam ou morriam rapidamente, em ambas as
situações no próprio domicílio (ZOMBINI, 2011, distanciar-se do conhecido centro urbano,
p.18). assumindo em 1932 a denominação de
Pode-se considerar que a transformação Hospital Emílio Ribas (1862-1925).
sofrida pelo até então conhecido Espaço de Reconhecido mundialmente pelo combate a
Cura, em Hospital, segue importantes fatores: moléstias infectocontagiosas. E ainda
[...] percorrendo a história desde o descobrimento,
a) a transferência da responsabilidade ao pouco se acrescenta em relação à área infantil nesse
médico; b) a mudança em seu gerenciamento, período, contando apenas com a denominada “roda
conciliada a sabedoria médica. Ele passou a dos enjeitados” ou “roda dos expostos”, como era
ser obrigação do Estado que deveria mantê- entendido o artefato de madeira fixado à frente de
igrejas, conventos e hospitais, criado na França em
los com gratuidade. Os recursos eram 1.188 pelo Papa Inocêncio III, chegando ao Brasil
precários, portanto, suas condições de através das Santas Casas de Misericórdia em
conforto e higiene, reduzidas. Percebeu-se Salvador (1726), Rio de Janeiro (1738), Recife (1789)
então a necessidade de alterações nas e São Paulo (1825), já no início do império, recurso
no qual era colocada a criança que por algum motivo
condições gerais de atendimento, visando à
seria entregue para adoção, sem que a identidade do
diminuição na propagação de doenças. Essa sujeito fosse revelada. (ZOMBINI, 2011).
nova fase objetivando modificações no plano
A primeira instituição pediátrica da
arquitetônico, leitos somente individuais e
América Latina e terceira do mundo que se
separados por sexo, e a preocupação com
tem registro oficial é o Hospital de Crianças da
separação de pacientes por categoria e grau
Cruz Vermelha Brasileira, fundado por Maria
de doença, torna-o direcionado para o
Rennotte, primeira mulher formada em
paciente, tratando-o com humanidade.
medicina a registrar o diploma na cidade.
O desenvolvimento da medicina e o uso de
medicamentos que diminuíram drasticamente
2. O CONCEITO DE INFÂNCIA, SAÚDE E
as mortes por infecção contribuíram para
EDUCAÇÃO NOS SÉCULOS XIX E XX
alterar a imagem do hospital que deixou de
ser um lugar aonde os pobres iam para
morrer, transformando-se em local onde os A criança era invisível, sem conotação, sua
enfermos podiam se curar. Em resultado disto, importância, quase irrelevante em famílias
pela primeira vez, os ricos começaram a numerosas, sem acesso a qualquer controle
solicitar os serviços hospitalares. de natalidade, notada apenas em função da
De acordo com Mac Eachern apud Campos quantidade, ou seja, era mais um a ser
(1944) no Brasil o primeiro órgão destinado alimentado e causar preocupação até atingir
exclusivamente a zelar pela saúde do idade de trabalho e começar a mostrar alguma
indivíduo que se tem registro oficial é a Santa utilidade e dar lucro.
Casa de Misericórdia de Santos, criada por O conceito de infância – entendido como um
Braz Cubas em 1543, contando com os jesuítas período da vida muito diferente da idade adulta
– é uma invenção construída ao longo da era
para atendimento. A Santa Casa de São Paulo,
moderna, antes disso, no decorrer da Idade
sem registro oficial da data de sua fundação, Média, a duração da infância era reduzida ao seu
sabe-se apenas que sua sede foi a palhoça de período mais frágil e (...) mal a criança adquiria
Anchieta, no século XVI, inaugurada em 1715, algum desembaraço físico, era logo misturada
sem endereço definido até 1884, quando aos adultos e partilhava de seus trabalhos e
jogos (...) assim como a arte medieval que
estabeleceu-se no bairro do Arouche. Cabe retratava esta ideia e representava a criança
destacar que o Hospital de Isolamento de São como um adulto em escala reduzida (ARIÈS,
Paulo inaugurado em 1880 em pleno combate 1981, p. 279).
a varíola havia levado a óbito muitas crianças De acordo com Barbirato (2011), a família
e adultos, chamado a princípio por Hospital no início da era moderna tinha por missão a
dos Variolosos, com funcionamento irregular, conservação dos bens, a prática comum de
atuando apenas em momentos de epidemias, um ofício e a ajuda mútua quotidiana, mas
quando em 1894, o país passou por uma crise não tinha uma função afetiva, o sentimento
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de amor entre os cônjuges e entre pais e filhos filhos, preocupando-se com seu futuro,
não era necessário à existência, nem ao carreira e educação, adotando os primeiros
equilíbrio da família, se existisse, tanto álbuns de família com a presença de bebês,
melhor. O sentimento da família para com as crianças, moças e rapazes, passando também
crianças transformou-se durante a evolução a perceber-se o comércio de roupas,
das sociedades em decorrência de valores brinquedos e livros para crianças, porém o
socioeconômicos, demográficos, religiosos, importante foi o surgimento da especialização
culturais, afetivos e educacionais. médica em moléstias infantis.
As incertezas da sobrevivência das crianças De acordo com Zombini (2011) no processo
decorrentes da ausência de vacinação de descoberta da infância, a escola exerceu
regular, do limitado conhecimento de papel fundamental. Coube a ela a
doenças contagiosas e das condições de individualização e a valorização da criança
higiene pouco favoráveis, deixaram as
como sujeito de direito. A escolarização em
crianças à mercê de doenças variadas que
aliadas a uma taxa de natalidade alta faziam
épocas remotas não era um direito de todos e
com que estas não fossem vistas como tampouco uma obrigação dos governos em
seres que fizessem faltas. A sua morte não provê-la, como pelo menos na prática
era encarada como uma tragédia, pois acontece nos dias de hoje, em que a educação
outras crianças podiam nascer substituindo apesar de ser um direito humano ainda é uma
as que se foram (SCARANO; 2008; p.108). concessão. As escolas eram destinadas
De acordo com Ariès (1981), as crianças particularmente a formação de clérigos. Estas
mais pobres não despertavam sentimento de instituições serviam, também, de asilamento
infância, era comum serem abandonadas ou para estudantes pobres que ali viviam sob
tratadas com total negligência, assim que regime monástico recebendo pouco
demonstrassem condições de se defender ensinamento além do religioso.
ingressavam na fase adulta, o que assim era a Ariès (1981) afirma que é raro encontrar
partir dos 7 anos de idade, visto a falta de nos textos medievais referências precisas à
afetividade; iam para a casa de conhecidos idade dos alunos que frequentavam a escola.
para serviços pesados dos 14 aos 18 anos, A obrigatoriedade de se registrar a data do
denominadas aprendizes, trocas rotineiras nascimento das pessoas só surgiu a partir do
entre famílias, considerava-se que crianças século XVIII. Há indícios que os alunos
estranhas serviam melhor que seus próprios iniciantes tinham cerca de 10 anos de idade.
filhos. A aprendizagem doméstica transmitia a Era natural misturar crianças com adultos na
bagagem de conhecimentos, experiência mesma sala de aula e não havia um tema
prática e o valor humano, que seguia de uma específico para cada idade. Todos liam ou
geração a outra, voltando raramente a sua ouviam a mesma leitura, independente da sua
família de origem depois de adulto, a família complexidade. A confusão de idades passava
resumia-se em uma realidade moral e social. despercebida, pois assim que ingressava na
Segundo Zombini (2011) as mudanças escola, entrava imediatamente no mundo dos
aconteceram de forma profunda e lenta. A adultos.
extensão da escolarização, a preocupação em No século XVII, os jesuítas fizeram surgir
isolar a infância para proteger sua inocência um novo sentido de particularidade infantil, o
primitiva, e a mudança de valores, onde os conhecimento da psicologia infantil e a
pais passaram a querer acompanhar seus preocupação com o método de ensino
filhos e seu desenvolvimento, não os expondo adaptado a psicologia. Lentamente as escolas
a longas distâncias e nem a proteção de foram deixando a função exclusiva de
outros, substituindo assim a responsabilidade asilamento e de formação religiosa,
de sua aprendizagem ao educador, fato adquirindo uma importância social. Tratava-se
marcante do século XVII. O retorno dos filhos tanto da formação como da instrução do
ao lar, os sentimentos, como se o espírito de estudante. A escola transformou-se num
família estivesse nascendo junto com a escola. instrumento para a educação da infância e da
Conforme Mauad (2008) as famílias ricas e juventude em geral, modificando e ampliando
muito numerosas passaram a valorizar os seu recrutamento. Composta anteriormente
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de pequena minoria, clérigo, abria-se um seria a educação, mas sim a sua


número crescente de leigos, nobres e transformação em cidadãos úteis e produtivos
burgueses. na lavoura, enquanto os filhos de uma
No princípio essa escolarização atingiu pequena elite eram ensinados por professores
somente uma parcela da população infantil, particulares. O trabalho infantil continuava
excluindo principalmente as meninas, que sendo visto pelas camadas subalternas como a
continuaram sendo encaminhadas para melhor escola. A ausência de políticas públicas
conventos para formação religiosa, mantidas voltadas para a formação escolar
em casa para serviços domésticos ou principalmente da criança pobre acentuou a
artesanais, ou ainda prestando serviços em sua situação de miséria. Inicialmente, estas
casa de conhecidos a troco de salários foram empurradas para fora da escola, na
irrisórios ou somente a título de troca de direção do trabalho da lavoura.
favores, situação mantida até o inicio do Posteriormente, a industrialização trouxe a
século XIX. Essa situação não impediu o criança para o trabalho fabril, tornando-a
avanço das unidades escolares e nem as substituto mais barato do trabalho escravo.
mudanças na escolarização iniciada na Europa Durante os séculos XIX e XX a partir de
do século XVI guiada por padres católicos e lutas populares, houve a emergência dos
pastores protestantes, marcando uma direitos humanos ditos sociais, dentre eles a
metamorfose no sentido moral dos educação, proporcionando a possibilidade de
estudantes, oposta a educação anterior, emancipação do indivíduo e de qualificação
preocupada com o futuro, valorizando para o trabalho. A Constituição Federal
principalmente a individualização da criança. Brasileira de 1988 incorporou este ideal,
A ideia de uma educação escolar para todos determinando que a educação se tornasse um
emergiu somente após a revolução industrial, direito de todos e um dever do Estado,
nos primórdios do modo de produção capitalista,
quando a burguesia deu conta da importância da devendo a família promovê-la para o
escola para prover a educação necessária ao desenvolvimento pleno.
acesso a determinados bens sociais, culturais e Em 1996, com a criação da Lei de Diretrizes
políticos, indispensáveis para diminuir o e Bases da Educação Nacional, ficaram
problema de sua estagnação na hierarquia social
garantidas aos educandos formas alternativas
(MATTOS; 2005; p.47).
de acesso aos diferentes níveis de ensino
Os acontecimentos benéficos e provedores
incluindo aqueles que têm necessidades
permitiram que os pobres passassem a sonhar
educacionais especiais. Nesta categoria estão
com a possibilidade de uma ascensão social, as crianças com limitações físicas devido ao
aprendendo a se relacionar na escola para ter comprometimento temporário da sua saúde.
uma oportunidade de adquirir conhecimentos A escola graças às transformações das
e concorrer a uma chance no mercado de
práticas de educação ocorridas ao longo do
trabalho. tempo foi indiretamente responsável pela
No Brasil, a escolarização chegou com imposição à sociedade do sentido de uma
atraso, comparada aos países europeus onde
infância mais longa, da volta da criança ao
o capitalismo instalou-se no alvorecer da foro íntimo familiar e do compromisso das
Idade Média, aqui apoiado inicialmente no
famílias na educação dos seus filhos.
sistema colonial e, posteriormente, numa
Mauad (2008) afirma que a primeira escola
tardia industrialização, não houve muito infantil surgiu em 1769, em Oberlin, na
espaço para que esta iniciativa florescesse. França, com o objetivo de fazer com que a
Segundo Zombini (2011) sem a presença de criança perdesse os maus hábitos, adquirisse
um sistema econômico que exigisse a hábitos de obediência, e conhecesse as letras,
adequação física e mental dos indivíduos a
soletrando corretamente as palavras, além de
este contexto não foram implementados os ter contato com as primeiras noções de moral
instrumentos que permitiriam adaptação ao e religião. Em 1824, surge a escola infantil
novo cenário. Apesar do aumento do número derivada da escola primária, que sistematizou
de ingressantes nas escolas, no século XIX a
a proposta de uma instituição educacional
alternativa para a maioria dos pobres não
para crianças de 2 a 11 anos. Esta escola
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infantil propagou-se por todo Reino Unido, com as lavouras de café, havendo a
influenciando as escolas francesas que necessidade de melhoria no sistema público
mudaram seu nome para Escola Maternal, e de ensino. Em 1875, inaugura-se no Rio de
atendia várias crianças com diferentes idades Janeiro a primeira unidade de Jardim-de-
em uma sala ampla comandados por alunos infância do País, criada por Menezes Vieira
monitores tendo forte caráter religioso. Em (1848-1897), sob o cuidado de entidades
1840, surge na Alemanha, em Bad particulares e com o propósito de atender a
Blankenburg, o jardim-de-infância como elite. Esta escola recebia apenas meninos,
estabelecimento tipicamente educativo, com aplicando as propostas e os materiais usados
uma concepção mais pedagógica, criado por das salas francesas e as atividades
Froebel (1782-1852), seguidor das ideias froebelianas (pedagogia dos jogos e das
pedagógicas de Pestalozzi (1746-1827). Ela era brincadeiras). Em 1877 inaugura-se em São
destinado às crianças entre 3 e 7 anos e Paulo o Jardim-de-infância. Vieira defendia a
utilizava a pedagogia dos jogos, posição de que os jardins-de-infância
principalmente os de construção, sendo as deveriam dar assistência às crianças negras
crianças monitoradas pelas chamadas libertas pelo Ventre Livre e às com poucas
jardineiras. Froebel pretendia reformar a condições econômicas.
estrutura familiar e os cuidados dedicados à Durante a segunda metade do século XIX, o
infância, envolvendo a relação entre as quadro das instituições educacionais no
esferas pública e privada. Destacou-se o mundo se reconfigura, compondo-se da
objetivo da educação preliminar à escola. A creche e do jardim-de-infância ao lado da
partir de 1870, as creches se multiplicam para escola primária, do ensino profissional, da
atender os bebês até os 3 anos, onde as educação especial, dentre outras
crianças recebiam cuidados, conselhos e vida modalidades. Os princípios da Escola Nova
em comum. O desabrochamento da ideia das foram introduzidos por Rui Barbosa (1849 -
creches tinha por objetivo a preservação da 1923), que pregava a ideia que os jardins-de-
ordem social e sua reprodução. Iniciou-se a infância deveriam desenvolver a criança de
internacionalização das instituições de forma harmônica. Mas, mesmo com todos
Educação Infantil, propagando sua seus discursos, somente no período
importância nas sociedades mundiais. republicano é que apareceram as creches
Mauad (2008) afirma que o tema Educação públicas no Brasil.
Infantil, em maior ou menor abrangência, Foi somente no final do século XIX e no
sempre teve sua marca nas Constituições início do século XX que a infância e sua
Brasileiras, de modo que na Constituição educação integram os discursos sobre a
Imperial de 1824 houve o estabelecimento da edificação da sociedade moderna. Em 1896
gratuidade da instrução primária, que foi surge o primeiro jardim-de-infância público,
estendida a todos os cidadãos como sendo um na cidade de São Paulo, e em 1899 é fundado
direito civil. As escolas, em geral, partiam de no Rio de Janeiro, o Instituto de Proteção e
uma concepção de infância que considerava Assistência à Infância (IPAI) para cuidar de
as crianças menos favorecidas como carentes, crianças pobres. No mesmo ano, é inaugurada
inferiores, à medida que não correspondiam uma creche vinculada a fabrica de tecidos de
ao padrão médio de comportamento e corcovado no Rio de Janeiro para atender as
desempenho infantil. As primeiras instituições necessidades das mães trabalhadoras.
de atendimento às crianças de 0 a 6 anos Posteriormente, é criada uma série de escolas
surgiram ainda no período imperial com os infantis conjuntamente com os jardins-de-
orfanatos, com a finalidade de amparar as infância pela iniciativa privada como, por
crianças abandonadas nas ruas das cidades, exemplo, em Belo Horizonte em 1908 e no Rio
por meio das Rodas dos Expostos, a princípio de Janeiro em 1909, com vistas ao
em Salvador e Bahia, antes de 1700, seguindo atendimento das crianças socialmente
para Rio de Janeiro (1738) e São Paulo (1825). privilegiadas.
A Proclamação da Independência Em 1940 surge o Departamento Nacional
proporcionou crescimento capitalista interno da Criança, administrado pelo Ministério da
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Saúde, com o objetivo de ordenar as oferecer não somente uma continuidade de


atividades relativas à infância, maternidade e instrução. Ele vai além, quando realiza a
adolescência. Nessa época ocorre a integração do escolar doente, prestando
regulamentação dos parques infantis no ajuda, não só na escolaridade e na doença,
mas em todos os aspectos decorrentes do
território nacional. Assim, prosperaram as
afastamento necessário do seu cotidiano e
iniciativas governamentais para o do processo, por vezes, traumático da
atendimento das crianças pequenas, sendo as internação” (MATOS & MUGIATTI; 2001;
creches entendidas como um mal necessário, p.27).
com caráter assistencial-protetoral. Segundo Jesus (2009) outro conceito que
Até meados da década de 1970, as necessita ser diferenciado é o de
instituições de Educação Infantil vivenciaram Hospitalização Escolarizada que se constitui
um lento processo de expansão. As crianças num espaço temporal diferenciado, em que as
de 4 a 6 anos eram atendidas pelos sistemas condições de aprendizagem fogem à rotina
de educação, enquanto os menores tinham escolar e o aluno é uma criança/adolescente
apenas um contato indireto com a área adoentada. Nesta situação é prestado o
educacional, onde a escola ficava vinculada atendimento individual ao escolar,
aos órgãos da saúde e da assistência social. desenvolvendo um projeto pedagógico
Com a edição da LDB de 1971 (Lei nº específico relacionado à sua escola de origem,
5692/71), novos elementos foram trazidos enquanto que nas classes hospitalares são
para o ensino ao declarar que “os sistemas desenvolvidos projetos que integram
velarão para que as crianças de idade inferior diferentes realidades das quais as crianças
a 7 anos de idade recebam Educação em advém.
escolas maternais, jardins de infância ou
instituições equivalentes”. Zambini (2011) afirma que atualmente se
No final do século XX, é que a Educação discute sobre Qualidade de Vida, como aplicá-
Infantil brasileira vive intensas la de forma correta e coerente, propiciando
transformações, sendo reconhecidas as assim, um equilíbrio entre a saúde física e
creches e pré-escolas como parte do sistema mental, bem estar consigo, com a sociedade,
educacional nacional e primeira etapa da resultando em harmonia com a vida. A ação
educação básica consolidando-se esse pedagógica desenvolvida no ambiente
pensamento na nova constituição de 1988 e hospitalar é uma forma de integração entre a
na tardia LDB da Educação Nacional de 1996. escola e o hospital, entre o setor educação e
Na sequência, em reforço aos direitos saúde. Portanto, a educação não se restringe
constitucionais, a lei nº 9394/96, Lei de aos bancos escolares, assim como a saúde não
Diretrizes e Bases (LDB) estabeleceu para os se realiza unicamente em realidades
Municípios a responsabilidade constitucional e hospitalares.
legal em relação à Educação Infantil, definida A abordagem educativa deve estar presente
pela primeira vez como a primeira etapa da em todas as ações buscando promover a
saúde e prevenir as doenças bem como
educação básica, tendo por finalidade o
facilitando a incorporação de ideias e
desenvolvimento integral da criança até 6
práticas corretas que passem a fazer parte
anos de idade. do cotidiano das pessoas de forma a
atender suas reais necessidades (PELICIONI
3. PEDAGOGIA HOSPITALAR & PELICIONI, 2007, p.320).
De acordo com Zombini (2011) a Pedagogia
Consiste em uma área destinada a Hospitalar vem se expandindo no
desenvolver análises e práticas dentro do atendimento à criança e adolescentes que por
ambiente hospitalar, não eliminando a motivos de diagnósticos de parto ou por
escolarização dos hospitalizados, ao contrário, enfermidades adquiridas, veem-se na rotina
incluindo-o sob um novo sistema educativo. hospitalar sua chance única de sobrevivência,
“*...+ constitui-se num espaço alternativo
porém, um esforço de dignificação do
que vai além da escola e do hospital, haja
visto que se propõe a um trabalho de
enfermo deve ser procurado por meio de uma
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reavaliação das relações médico-paciente, e A rotina é considerada um fator


por um reordenamento do próprio sistema de dinamizador da aprendizagem, facilitador da
saúde para que a hospitalização não seja uma percepção de tempo e espaço. Portanto,
experiência negativa em sua vida, um estabelecer hábitos com a criança é ofertar-
exercício antecipado de sua morte. Contando lhe segurança e oportunidades para o seu
com um trabalho humanista, é imprescindível desenvolvimento, conforme o Referencial
a conscientização, discussão e ampliação de Curricular Nacional para a Educação Infantil
ideias e ideais dos profissionais atuantes na (BRASIL, 1998).
área médica e educacional, possibilita o De acordo com JESUS (2009) a doença e a
cuidado e um olhar especial. Ele proporciona o hospitalização desenvolvem no enfermo
atendimento individualizado, domiciliário ou sentimento de insegurança, aflição e medo da
hospitalar, favorecendo e enriquecendo toda morte, entre outras emoções negativas. O
a estratégia de desenvolvimento global, próprio ambiente hospitalar pode acentuar
trocando experiências e refletindo sobre a estas sensações, desde que não sejam
oferta de ferramentas a serem empregadas valorizados os aspectos relacionados aos
neste processo evolutivo que precisa sentimentos, não se perceba que os
primeiramente trabalhar a ansiedade e o hospitalizados são mais que doentes.
temor advindos do processo da enfermidade.
Deslandes (2004) afirma que humanizar na 3.1. Classe hospitalar
atenção à saúde compreende dentre outras
A classe hospitalar teve seu início em
coisas, o restabelecimento de valores como a
1935, quando Henri Sellier inaugurou a
cidadania e o direito à participação social e à
primeira escola para crianças inadaptadas nos
saúde como qualidade de vida. É a forma de
arredores de Paris, seguido pela Alemanha,
atenção que valoriza a qualidade técnica do
França, Europa e Estados Unidos, com o
cuidado associado ao reconhecimento da
objetivo de suprir as dificuldades escolares de
singularidade e integralidade do indivíduo.
crianças tuberculosas. Porém, considera-se
Segundo Pelicioni (2005) a educação e a
como marco decisório das escolas em hospital
participação da população são fundamentais
a Segunda Guerra Mundial, que resultou em
para assegurar que as ideias da promoção se
grande número de crianças e adolescentes
viabilizem eficazmente, deverão ser
atingidos, mutilados e impossibilitados de ir à
construídas pelo povo e com o povo, e não
escola, com a inauguração do CNEFEI (Centro
sobre o povo e para o povo.
Nacional de Estudos e de Formação para a
De acordo com FOCESI apud PENTEADO
Infância Inadaptada de Suresnes) em 1939,
(1996) a educação em saúde deve buscar
objetivando a formação de professores
capacitar a população para a reflexão sobre a
especiais. O que facilitou o emprego desse
sua qualidade de vida, causas e prevenção de
trabalho foi à aceitação e mudança no
problemas, possíveis soluções, acesso a
conceito de necessidades do enfermo,
recursos, normas e leis existentes. É
segundo Behrens (2009) favoreceu uma visão
fundamental para o desenvolvimento de
humanizada das elações entre os indivíduos”.
competências necessárias para que as pessoas
analisem e transformem a sua realidade, No Brasil, o trabalho da classe hospitalar
assumam o controle e a responsabilidade existe a mais de 50 anos, a primeira, vinculada
sobre a sua saúde e a da comunidade. ao Hospital Municipal Jesus, na cidade do Rio
A hospitalização na infância pode alterar de Janeiro, fundada em 1950 com atividades
significantemente o desenvolvimento realizadas por Lecy Rittmeyr, estudante de
infantil, uma vez que restringe as relações Serviço Social (SANTOS & SOUZA, 2009).
de convivência da criança por limites à Hoje, a Secretaria de Educação Especial
socialização e às interações, acarretar o (SEE) define como classe hospitalar o
afastamento da família, da escola, dos
atendimento pedagógico-educacional que
amigos, da rua, da casa, enfim da sua rotina,
determinando regras sobre o corpo, a
ocorre em ambientes de tratamento de saúde,
saúde, o tempo e os espaços (MEDEIROS e seja na circunstância de internação, como
GARBO, 2004, p.70). tradicionalmente conhecida, no atendimento
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em hospital-dia e hospital-semana ou em (2011) a prática pedagógico-educacional diária


serviços de atenção integral à saúde mental. visará à continuidade do currículo da escola de
Sua prioridade é assegurar a continuidade dos origem da criança e/ou um trabalho educativo
conteúdos regulares, possibilitando um com conteúdos programáticos próprios a cada
retorno após a alta sem prejuízos a sua faixa etária das crianças hospitalizadas com
formação escolar, objetiva a integração das ênfase às atividades sociais sempre que
áreas da saúde e educação, dando suporte à possível, faz-se necessário, respeitar a
criança em condições fragilizadas em seu vontade e o tempo das crianças/adolescentes
estado físico ou mental, acolhendo-a em seu na realização de qualquer atividade, inclusive
novo (ou não) ambiente, de forma nas intervenções pedagógicas.
humanizada, facilitando e privilegiando seu Ela é administrada por um profissional que
contato familiar e social. Sua criação precisa deverá ter formação pedagógica,
ser vista como uma questão social, preferencialmente em educação especial, ter
preocupada com a qualidade de vida da noções sobre as doenças e condições
criança/adolescente enferma, e sua família psicossociais vivenciadas pelos educandos e as
que encontra dificuldades no período de consequências clínicas e afetivas que delas
recuperação, socialização e inclusão, que decorrem, criando condições para favorecer e
normalmente seguem por um caminho de motivar o processo ensino-aprendizagem. Este
reeducação. processo deve ter uma programação flexível e
Segundo Zombini (2011) na infância e adaptada à situação especial de cada criança,
adolescência, a hospitalização altera o assegurando a continuidade do
desenvolvimento social e emocional, desenvolvimento, criando um elo entre a
restringindo as relações de convivência com a realidade hospitalar e a vida cotidiana da
família, amigos e escola, essa condição deixa criança, oferecendo subsídios para a
os pais confusos, abandonando o devido valor compreensão do processo de elaboração da
dos estudos no período de tratamento, doença, explicando procedimentos médicos e
priorizando a condição de saúde e reforçando auxiliando a criança na adaptação ao hospital
o desestímulo do desenvolvimento de suas de acordo com FONSECA e CECCIM (1999).
habilidades e competências, que se inseridas Segundo De Paula e Matos (2007; p. 253)
no contexto de forma correta, em seu retorno o professor insere no hospital o universo da
o aluno não computará faltas nem atraso no cultura escolar. Ao lado de injeções,
currículo. seringas, soros e sofrimento, este leva lápis,
De acordo como Fonseca (2003) é de cadernos, tintas, cultura, arte, educação e
lazer na tentativa de modificar o ambiente
responsabilidade da classe hospitalar elaborar
hospitalar. Dependem esforços para que
estratégias para possibilitar o estas práticas educativas sejam tratadas
acompanhamento pedagógico-educacional do como políticas de Estado e não fiquem à
processo de desenvolvimento e a construção mercê de interesses e das políticas locais.
do conhecimento de crianças, jovens e adultos Compete ao professor da Classe Hospitalar
matriculados ou não nos sistemas de ensino fazer o diagnóstico de dificuldades específicas
regular, no âmbito da educação básica, que se no aprendizado do aluno, a aplicação de
encontram impossibilitados de frequentar a estratégias para sanar tais problemas e a
escola, temporária ou permanentemente, por elaboração de recomendações para a casa e
meio de currículo flexibilizado, favorecendo o
para a escola de origem ao final da internação.
seu ingresso ou retorno ao ensino regular. É Do ponto de vista administrativo, o professor
embasada numa regularidade e uma da classe hospitalar deve articular-se com a
responsabilidade com o aprendizado formal equipe de saúde do hospital e com a escola de
da criança, um atendimento obrigatoriamente origem do educando (BRASIL, 2002b).
inclusivo dos pais e das escolas de sua origem, O professor por estar diluído no ambiente
a formulação de um diagnóstico para o da sala de aula do hospital leva vantagem
atendimento e de um prognóstico à alta, com na observação de padrões de
recomendações para a casa e para a escola ao comportamentos ou situações, a partir dos
final da internação. De acordo com Zombini quais poderá elaborar, preferencialmente
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com a equipe multiprofissional, um pedagógico com regularidade e intensidade,


planejamento das intervenções calcado nas uma vez que parte das classes iniciais da rede
reais necessidades e interesses do aluno e de ensino conta com professores com
familiares (FONSECA, 2003, p.49). pequena formação pedagógica, facilitando
Martins (2009) afirma que o professor diversos tipos de exclusão escolar segundo
vivencia sensações e emoções de forma Ceccim e Col ( 1997).
intensa, lidando com elas no seu limite na
tentativa de assistir o aluno hospitalizado da
melhor forma possível. O convívio diário com CONSIDERAÇÕES
esses sentimentos proporciona ao professor
um aprendizado que irá repercutir em sua Percorrida pesquisa nos parâmetros
prática de ensino-aprendizagem, muito sugeridos, observa-se que o tema proposto
diferente dos processos tradicionais de Pedagogia Hospitalar ainda conhecido por
educação. Por outro lado, o contato com esta pequena parcela da sociedade, vem se
nova forma de ensinar e aprender faz com que estruturando e com respaldo legal,
a criança/adolescente hospitalizada crie forças priorizando a Saúde e a Educação como
para reagir ao tratamento, renovando o seu pilares fundamentais na edificação do ser
fôlego e recompondo a sua saúde. humano.
O Pedagogo Hospitalar é profissional Nesta pesquisa, observou-se que o acesso
responsável em desenvolver e aplicar ao sistema ocorre por meio da internação,
conceitos educacionais, estimular o aluno- quando os responsáveis fragilizados reagem e
paciente para aquisição de novas exigem seus direitos, pois a razão de sua
competências e habilidades, avaliar as presença é o estado de saúde do paciente, sua
condições do local e recursos dentro do condição psicológica e pedagógica, secundária
hospital para desenvolvimento do trabalho de ou inexistente.
interação e construção de novos conceitos. É Essa mudança de conceito necessita de
o tutor global do aluno enquanto paciente, considerações e avaliações médicas que
para que seja tratado de seu problema de apontam os pacientes com maior suporte a
doença, considerando suas necessidades rotina hospitalar, principalmente nos setores
pessoais; sua intervenção objetiva que o aluno de oncologia e doenças infectocontagiosas. O
mantenha rastros que o ajudem a recuperar suporte do pedagogo permite que a rotina
seu destino e garantir o reconhecimento de que ficou para traz (sua história), a escola, os
sua identidade. Sua intermediação com a amigos, a aprendizagem e a aprovação final
escola colabora para que o centro médico se seja mantida.
torne uma agência educacional, Apresenta-se neste trabalho uma reflexão
proporcionando o desenvolvimento de sobre a classe hospitalar num significado
atividades que o ajudem a construir um abrangente, buscando alternativas que
percurso cognitivo, emocional e social, facilitem a compreensão da realidade da
mantendo assim uma ligação com a vida criança/adolescente quando se percebe
familiar e hospitalar, sem prejuízo social. A doente, acamada, independente de idade e
elaboração de projetos integrados a grau de comprometimento de saúde, entra
aprendizagem específica e modificada, em desespero, perde o chão, o sol, os
adaptações que fogem da educação formal, brinquedos, os amigos, etc.. É preciso um
considerando e integrando ao contexto amparo profissional imediato, para resgatá-la
educacional, o atendimento pedagógico desse sentimento, substituindo por esperança,
preocupado com o todo e o aperfeiçoamento sentimento de proximidade de sua realidade e
humano, construindo uma nova consciência ressaltando sempre sua condição singular.
onde a sensação, a integração e a razão
cultural valorizem o indivíduo, são suas metas.
Neste contexto para algumas crianças,
talvez o trabalho do pedagogo no hospital seja
a oportunidade ímpar de receber atendimento
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lse). Acesso em 20/setembro/2012.
(http://www.clubemundo.com.br/revistap
Notas
1
de fim
[...] Humanização é respeitar alguém fragilizado, com naturalidade, sem parecer superior. No caso de pessoas doentes,
procurar aliviar o seu sofrimento, ter compaixão no bom sentido, com atitudes positivas. Não é esmola, é realizar
realmente alguma coisa para melhorar a sua qualidade de vida – um tratamento, um gesto de amizade, um conforto,
uma atenção, uma palavra, um sorriso, uma esperança ou a explicação com delicadeza de uma situação grave. No caso de
doentes sem possibilidades de viver, deixá-lo morrer com dignidade VIEGAS (2007, p. 49).

LITERACY IN THE SHADE

ABSTRACT

An essential and one of the main needs of the living beings is the health, that
indicates to be a synonym of infancy and youth, though there are surprising experiences
that marks our passage during the steps of the life, requiring our imagination,
innovation and ability to change and adjust available features in others features that for
some reason did not have such opportunity. The hospital pedagogy is based in an
humanization process that aims to increase the quality of life and the health, with a
reserved space in the hospital – the support room – that aims the development of
pedagogical and educational activities. These activities are intended to meet three
needs: enable the construction of the knowledge, minimize the suffering and reassure
the responsible (family members) during the hospital stay.

Keywords: Quality of Life. Humanization. Hospital Pedagogy.

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A URGÊNCIA DA ESCOLARIZAÇÃO NAS UNIDADES PRISIONAIS BRASILEIRAS

Jeronimo Wagner Flores


Pós Graduado em Didática e Metodologia do Ensino Superior
Cursando Lato Sensu em Gestão de Recursos Humanos e Licenciado em Pedagogia pela Faculdade
de Ciências Econômicas e Administrativas Santa Rita de Cássia
Diretor de Divisão da Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo

Rafael Annunciato Neto


Professor da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas Santa Rita de Cássia
Mestre em Educação

RESUMO

A prisão surgiu como forma de punição aos infratores (indivíduos que não
respeitavam as regras de convívio em sociedade). Durante muito tempo persistiu tal
visão retributiva, acreditando-se que desta forma o delinquente pagaria pelo mal
cometido. Hoje se acredita que o apenado é fruto da sociedade, fruto da marginalização.
Atribui-se o fenômeno da delinquência e do crime, principalmente à falta da educação.
Pesquisas levantadas pelo Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN, órgão ligado
ao Ministério da Justiça, demonstra que a maior parte da massa de encarcerados deste
país é composta por jovens com menos de 30 anos e de baixa escolaridade (97% são
analfabetos ou semianalfabetos). Pode-se considerar que a criminalidade está
diretamente ligada à escolaridade, bem como às questões econômicas e sociais. O artigo
37º da Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96) estabelece a educação de jovens e
adultos determinando destinarem-se aqueles que não tiveram oportunidade de estudo
no ensino fundamental e médio na idade própria. Segundo o artigo 3° da Lei de
Execução Penal, Lei n° 7.210 de 11 de julho de 1984, ao condenado e ao internado serão
assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Palavras-chave: Escolarização. Reeducação. Ressocialização.

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INTRODUÇÃO agentes multiplicadores da ressocialização.


Desta forma, promover uma educação
O sistema penitenciário brasileiro vem inclusiva aos encarcerados, pode significar ter
sofrendo ao longo dos tempos mudanças em mãos a possibilidade de reverter
importantes, de uma visão puramente percentualmente o caos em que a sociedade
punitiva a uma visão em que os encarcerados vive, com menos reincidentes.
são vítimas da sociedade e sofrem com a O pressuposto deste trabalho é que a
exclusão social, educacional e econômica, educação escolar é fator importante para a
nesse sentido Bittencourt (1996; p. 35) ressocialização dos encarcerados, desta forma
descreve que o sistema capitalista “exige a pretende-se demonstrar que a ressocialização
manutenção de um setor marginalizado da é possível através da educação escolar dos
sociedade, podendo afirmar que sua lógica é encarcerados.
incompatível com o objetivo ressocializador”. As “Diretrizes Nacionais para oferta de
O que se pode observar é que o caos ainda Educação nos Estabelecimentos Penais”,
persiste e não é algo que tenha acontecido Resolução CNE/CEB 2/2010. Diário Oficial da
nos últimos tempos, mas sim uma União, Brasília, 20 de maio de 2010, Seção 1,
continuidade histórica do descaso das p. 20, necessita ser colocada em prática da
políticas penitenciárias. mesma forma como o que é previsto na Lei de
O sistema penitenciário passa por Execução Pena Lei n° 7.210 de 11 de julho de
problemas, tais como: superpopulação 1984, no que diz respeito aos seus direitos
carcerária, analfabetismo, baixa escolaridade, principalmente à educação, levando-se em
doenças, formação de facções criminosas e a consideração o artigo 37º da Lei de Diretrizes
reincidência criminal, conforme pode ser e Bases (Lei nº 9.394/96) que estabelece a
observado na figura n° 1. Na tentativa de educação para aqueles que não tiveram
reverter este quadro o Estado deve enfrentar oportunidade de estudo na idade própria.
um grande desafio com um possível caminho
a seguir, que seria o da educação, pois a maior 1. O APARECIMENTO DAS PENAS, CASTIGOS
parte dos encarcerados são analfabetos ou
possuem baixa escolaridade. Portanto Desde os primórdios havia uma grande
estamos diante de uma necessidade e de um necessidade de se disciplinar os membros que
contrassenso, pois como se pode falar em infringiam as normas da vida coletiva.,
ressocialização se a maioria destas pessoas segundo Teles (2004, p. 18),
sequer tiveram a oportunidade de serem [...] o homem primitivo, assim que passou a viver em
devidamente alfabetizadas, e por grupo, sentiu a necessidade de reprimir aquele que
tivesse agredido algum interesse de seus membros e
consequência não poderiam ser socializadas. também de punir o estranho que se tivesse colocado
Carneiro (1964) afirma que o contra algum valor individual ou coletivo.
analfabetismo limita a participação política e Desta forma o homem iniciava as sanções
cidadã, podendo torná-lo um marginal na disciplinares contra seus semelhantes
sociedade e gerar novos analfabetos. contraventores, uma forma de corrigir os
Este desafio faz refletir sobre a Unidade desvios de conduta.
Prisional e quais ações podem ser De acordo com Elizabeth Misciassi (2005),
desenvolvidas para que os encarcerados existia a falta de um código que
tenham uma nova conduta e proporcionar regulamentasse as relações sociais, além da
uma nova realidade, uma nova visão humana inexistência de cadeias ou presídios, “*...+ os
em relação ao sistema. locais que serviam de clausura eram diversos,
Há necessidade de se elaborar uma política desde calabouços, aposentos em ruínas,
penitenciária voltada para educação, que trate torres, conventos abandonados, enfim, toda a
os apenados com respeito e humanismo, edificação que proporcionasse a condição de
acolhendo-os como alunos, transformando-os cativeiro *...+”.
e mostrando-lhes que a sociedade os quer de Na idade média, em meados do séc. XVI
volta, mas regenerados, instruídos e em algumas punições foram apresentadas em
condições de atuarem como cidadãos e
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forma de espetáculo para agradar o povo seguinte forma: amputação dos braços,
(amputação de membros, forca, roda e incendiar, forca, guilhotina, degola e abertura
guilhotina etc.), faziam com que os do ventre entre outros horrores, o que servia
penalizados se angustiassem, mostrando suas de espetáculo e exemplo para a sociedade
dores, servindo como modelo punitivo para medieval.
toda a sociedade, e em alguns casos também Os delitos passíveis de punição entre
se usava como penalidade, tornar o réu em outros, poderiam ser ainda; blasfêmia,
escravo. Com o a evolução da humanidade, a desobediência, inadimplência, heresias,
sociedade passa a cobrar mais dos seus vadiagem e traição, situações delituosas que
líderes, e para atender as reivindicações da poderiam hoje em dia parecer subjetivas ou
sociedade são criadas as prisões. até mesmo não ter tanta importância ao
O surgimento das prisões, Segundo Oliveira ponto de se impor a alguém algum tipo de
(2003; p. 49) as prisões surgiram “*...+ na castigo.
sociedade cristã que [...] tomou força de As penas tinham um caráter expiatório, ou
sanção. De início foi aplicada seja, o castigo deveria ser a retribuição sobre
temporariamente e, após como detenção o delito cometido, servindo também como
perpétua e solitária em cela murada. “A prisão forma de exemplo, intimidando o réu para
celular”, nascida no século V, teve que não cometesse novamente outros delitos,
inicialmente aplicação apenas nos mosteiros”. servindo ainda de exemplo para os demais
O crime nasceu certamente junto com o membros que porventura estivessem prontos
homem, mas as formas de coagi-lo sofreram a contrapor a ordem estabelecida.
alterações de acordo com a evolução humana As punições variavam de povos para povos,
e de acordo com os interesses sociais ou de conforme os usos e costumes da região e da
alguns grupos através de seus respectivos época, não havendo a preocupação em
líderes. respeitar a humanidade do aprisionado.
As prisões se desenvolveram longe da Segundo Foucalt (2001; p. 9-10)
Justiça, levando ao aprisionamento as “*Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757+, a
populações mais pobres e carentes, fato pedir perdão publicamente diante da porta principal
da igreja de Paris (onde devia ser) levado e
discutido por WACQUANT (2001). A grande acompanhado numa carroça; nu; de camisola,
transformação prisional ocorreu após a carregando uma tocha de cera acesa de duas libras;
Revolução Francesa, que seguindo seus ideais [em seguida], na dita carroça, na praça de Greve, e
de - Fraternidade, Liberdade e Igualdade - sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado
(torturado) se aplicarão chumbo derretido, óleo
deixou para trás o pensamento feudal, onde a
fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos
igreja era a grande senhora feudal, com conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado por
poderes políticos e econômicos. O que lhe quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos
concedeu praticamente a posse de ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao
aproximadamente dois terços das terras vento.”
europeias com influência e poder para
derrubar ou levantar Impérios. A Igreja 2. A PRISÃO NA IDADE MODERNA
também possuía interferências na situação Entre os séculos XVI e XVII, segundo
prisional da época, pois estimulada pelo lado Huberman (1986), a Europa foi atingida pelo
religioso tornava em pagamento de penitência alarmante estado de pobreza, o que atingiu
a sentença prisional. intensamente diversos países, trazendo um
A prisão na idade média, portanto foi expressivo aumento da criminalidade, guerras,
marcada pelo terror e pela ilegalidade, pois distúrbios religiosos, expedições militares. A
ainda nesta época não havia nenhuma devastação de países por conta da crise feudal
garantia de defesa ou as necessárias e agrícola desencadeou a necessidade da
regulamentações sobre o assunto. organização e construção de prisões para
A aplicação das penas era cruel, encarcerar e corrigir o grande número de
demonstrando e fortificando a falta de apenados que surgia.
respeito com o ser humano, estavam sob o Neste momento histórico por conta da
arbítrio dos governantes e procediam-se da crise os delitos considerados crimes foram de
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prostituição, mendicância, vagabundear e Diante da necessidade de manter a


desobediência à legislação que obrigava a segurança das classes dominantes, segundo
aceitação de qualquer trabalho oferecido sem Dotti (1998; p. 37)
que se pudessem levantar questionamentos [...] a pena privativa de liberdade foi o novo e grande
sobre o salário. Isto denota que a legislação invento social, intimidando sempre, corrigindo
frequentemente e que deveria imprimir um
penal estava serviço do poder econômico e retrocesso ao crime e, se não pudesse derrotá-lo,
político. Hauberman (1986; p. 97) afirma que pelo menos deveria manter o fenômeno encerrado
“[...] quando não havia outra forma de se entre muros.
livrar dos mendigos que sitiavam suas casas Em meados do século XVI foram criadas as
ou vagavam em bando pelas estradas e primeiras casas de correção, primeiramente
florestas, os homens de bem organizavam na Inglaterra e depois na Holanda, onde o
expedições contra esses desgraçados capitalismo estava desenvolvido. A
heimatlosen (desabrigados)”. experiência da igreja com as penas privativas
Devido à falta de emprego e condições de liberdade (clausura e penitências)
dignas de sobrevivência que abrangessem influenciou os países que professavam o
toda a população, o Estado cria o direito penal catolicismo a adotarem a prisão.
como instrumento de preservação da ordem
política e social, neste momento o conceito de 3. HISTÓRICO DAS PRISÕES NO BRASIL
crime deixa de estar ligado ao conceito de
pecado, saindo do controle da religião e As injustiças praticadas na Europa sobre o
passando definitivamente ao Estado. A justiça sistema penal, enfim chegam ao Brasil
deixa de ser um ajuste entre indivíduos e Nos primórdios da colonização o sistema penal
brasileiro estava contido nas ordenações Afonsinas,
passa a ser ferramenta de controle político e
Manuelinas e Filipinas. Elas consagravam a
social pelo Estado. Foucault (2005; p. 79), desigualdade de classes perante o crime, devendo o
delimita “quais foram os mecanismos e os juiz aplicar a pena de acordo com a gravidade do
efeitos da estatização da justiça penal na caso e a qualidade da pessoa. Os nobres, em regra,
Idade Média”, o que posteriormente eram punidos com multa; aos peões ficavam
reservados os castigos mais pesados e humilhantes.
observou-se que também serviu como fonte (TELES, 1999, p. 59)
de renda para o Estado no momento em que O Brasil como colônia sofria com as
torna os crimes públicos e arrecada com ambições e a ganância desenfreada dos
multas e fianças. colonizadores portugueses, que distantes da
Nesta intervenção do Estado não se pode metrópole não respeitavam a legislação das
deixar de lado a proteção ofertada aos mais ordenações em vigor, impondo aos
afortunados e influentes, afirma Rusche e malfeitores os mesmos tratamentos utilizados
Kirchheimer (2004; p. 34-36) na idade média sendo que somente em 1551
a possibilidade, em muitos casos, de substituir a
pena capital e o castigo corporal por fiança ou, nos
na Bahia, é que se tem notícia de uma cadeia,
casos mais graves, pelo banimento. Destarte, “[...] cadeia muito boa e bem acabada com
enquanto aqueles que tinham recursos suficientes casa de audiência em cima [...] tudo de pedra
para pagar estavam aptos a comprar a liberação da e barro, rebocadas de cal e telhado com telha”
punição.
(RUSSEL-WOOD; 1981; p. 39).
Desta forma aqueles que não podiam As condições dos encarcerados eram
pagar eram submetidos a severos terríveis em 1821 o príncipe regente D. Pedro,
tratamentos. através de um decreto demonstra a
O sistema penal que criava espetáculos preocupação das autoridades com o estado
populares entrou em decadência por não das prisões estabelecendo que “ninguém será
conseguir diminuir a criminalidade que crescia lançado em masmorra estreita, escura ou
cada vez mais, este sistema punitivo que infecta porque a prisão deve só servir para
demonstrava o poder e a violência que o guardar as pessoas e nunca para adoecê-las e
Estado pode infringir, não tinham os efeitos flagelar” (SALLA; 1999; p. 43).
desejados e ao contrário despertava a revolta As transformações e mudanças políticas,
por parte da sociedade do século XVI. econômicas e sociais eram inevitáveis, em
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sete de setembro de 1822, D. Pedro anuncia a liberal e a defesa dos direitos humanos,
Independência do Brasil. A autonomia exigiu influências que mudaram as relações políticas,
criar uma Constituição própria (1824) que ao econômicas e sociais brasileiras, exigindo a
dispor quanto ao tratamento dos reformulação e a criação de outros códigos
encarcerados, reafirma o decreto de 1821 que regulassem as penalidades impostas aos
[...] as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, infratores. A última lei que regula este
havendo diversas casas para a separação dos réus, tratamento é a Lei de Execuções Penais - LEP
conforme suas circunstâncias e natureza dos seus
crimes. (BRASIL. Constituição de 1824, p. 34) criada em 1984.
Historicamente não se pode localizar, com precisão,
A evolução do tratamento prisional estava o surgimento dos direitos fundamentais do homem
gravada na constituição sem garantir o seu já que vários monarcas fizeram constar de suas leis,
cumprimento. A realidade vivida continuava direitos e garantias aos homens, ainda que para
privilegiar determinados grupos de pessoas. No
atada aos tratamentos do passado, sendo
entanto, é na idade média que se localizam seus
desumano, cruel e na maioria das vezes antecedentes mais próximos. Entre outros
injusto. Vivia-se um momento de transição, documentos importantes para a história dos direitos
mas os proprietários de terras e de negócios humanos, destaca-se a Declaração de Direitos do
mantinham o controle e a ordem com mãos homem e cidadão proclamado pela Assembleia
Constituinte Francesa de 1789 e a Declaração
de ferro não se importando com a dignidade Universal dos Direitos Humanos de 1948, que foi
dos plebeus, cativos ou escravos. ratificada por vários países, inclusive o Brasil”
Diante da necessidade de se disciplinar as (PELEGRINI. 2004 P.5).
relações sociais e criar uma legislação que Houve um período de retrocesso com a
substituísse a do Reino, em 1830 foi criado o ditadura militar que durou 21 anos, seus
código criminal do império, estabelecendo efeitos são sentidos até hoje por estarem
três tipos de crimes: a) os crimes públicos que enraizados nos diversos setores da sociedade
controlavam a ordem política; b) os crimes e principalmente no sistema policial e
particulares que regulavam as relações entre a penitenciário. Deve-se destacar a herança
propriedade e os indivíduos; e c) os crimes desumana carregada na lembrança do
contra a segurança pública que preservavam massacre do Carandiru em 1992 com 111
os bons costumes e a civilidade, o que se presos mortos na extinta Casa de Detenção.
transformou no primeiro código penal. Nos dias atuais e até por conta da pressão
Excluía-se neste momento a pena de morte e externa de países, ONGs e Instituições ligados
instituíam-se garantias e direitos individuais, aos Direitos Humanos, o Brasil continua
expressos no artigo 179, inciso 5º do Código passando por adequações e transformações
Penal de 16 de dezembro de 1830. que tem refletido no tratamento ofertado aos
Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, encarcerados pelo sistema penitenciário, que
exceto nos casos declarados na lei; e nestes, dentro luta para controlar os aprisionados,
de 24 horas, contadas na entrada na prisão, sendo
em cidades, vilas, ou povoações próximas aos
ressocializá-los e reinserí-los na sociedade,
lugares da residência do juiz; e nos lugares remotos porém algumas notícias de torturas,
dentro de um prazo razoável que a lei marcará, execuções sumárias, abusos, desumanização e
atenta a extinção do território, o juiz, por uma nota desrespeitos aos direitos humanos continuam
por ele assinada, fará constar ao réu o motivo da
sendo apresentadas. Pois Beccaria (2003, p.
prisão, os nomes dos seus acusadores, e os das
testemunhas, havendo-as. 43) afirma que;
Quanto mais terríveis forem os castigos, tanto mais
O envelhecimento das leis provocou cheios de audácia será o culpado em evitá-los.
mudanças e adequações, forçando uma Praticará novos crimes, para fugir a pena que
reforma na legislação criminal, surgindo o mereceu pelo primeiro. [...] Os países e os séculos
Código de Processo de 1832, que durou até em que se puseram em prática os tormentos mais
atrozes, são igualmente aqueles em que se
1941. Entre outros acontecimentos praticaram os crimes mais tremendos. O mesmo
importantes que mudaram os rumos da espírito de ferocidade que ditava as leis de sangue
história do Brasil, destaca-se a Abolição da ao legislador colocava o punhal nas mãos do
Escravatura em 13 de maio de 1888 e a assassino e do parricida.
Proclamação da República em 1889, bem O crescimento da população carcerária e
como recebendo influências, pensamento por vezes as dificuldades nas mudanças dos
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INICIAÇÃO CIENTÍFICA 71

paradigmas, têm feito com que os esforços dinâmica demográfica, expressando estoque de
pareçam ser insuficientes, dispersos e inúteis, analfabetos remanescente nos grupos etários mais
velhos. Elas revelam que esse estoque está sendo
o Brasil tem sofrido com a herança de reposto continuamente pela produção social do
modelos de sistema penitenciário falido de analfabetismo junto às novas gerações, mediada
outros tempos, de outros países e de outras pelo sistema educacional, seja por meio da não
realidades sociais. frequência à escola, seja pela exclusão precoce da
mesma, sem que tenham se consolidado as
Segundo dados do IBGE de 1994, sobre a aprendizagens básicas das habilidades associadas ao
situação carcerária no Brasil dos 297 alfabetismo.
estabelecimentos, 175 encontram-se em O IBGE anunciou em 2009 que 9,6% da
situação precária e 32, em construção. A população eram analfabetas (um total de 14,1
população carcerária era aproximadamente milhões de pessoas) esta taxa atinge o
130 mil presos, dos quais 96,31% eram equivalente a 20,3% da população.
homens e 3,69% eram mulheres. Quanto aos Dados coletados junto ao DEPEN 2005,
motivos da detenção, 51% dos presos expõem que havia cerca de 360 mil presos no
cometeram furto ou roubo, 17% homicídio,
Brasil, e em dezembro de 2009, este número
10% tráfico de drogas e o restante outros subiu para 473.626, um aumento de 112.224
delitos, 95% dos presos são indigentes, sendo presos em apenas 04 anos, o que significa um
97% analfabetos ou semianalfabetos. crescimento de aproximadamente 31% na
Enquanto isso a população residente no Brasil massa carcerária brasileira, apresentando na
em 2005 era de 183.881 milhões e em quatro figura n° 1.
anos (2009), passou para 191.796 milhões, Os custos do sistema penitenciário são
dados do IBGE (2009), portanto pode-se desafiadores e alarmantes, pois os
observar que houve um crescimento em mecanismos que possui para lidar com os
números de 7.915.000 o que significa problemas do encarceramento são precários e
aproximadamente 4,3% de crescimento dispersos. Os custos médicos, alimentícios, os
dentro deste período. Hoje o Brasil ocupa a 5ª
gastos com salários de funcionários, e os
posição mundial em termos de população, custos assistenciais indicam que o sistema
perdendo apenas para; China, Índia, Estados atual utilizado para a gestão prisional é
Unidos e Indonésia. inviável e tem onerado toda a sociedade, além
A população brasileira tem vivido grandes de que, possivelmente, poderá entrar em
transformações nas últimas décadas que tem colapso se não puder arcar com esses gastos.
repercussões sociais e econômicas. A divisão Com o crescimento da população carcerária
de renda está longe de ser a mais apropriada que depende de cuidados especiais, a busca
em termos de justiça social e isso tem por novos modelos institucionais que
contribuído para aumentar as disparidades propiciem um ambiente e cuidados
entre os mais ricos e os mais pobres. Existe
específicos que preservem e promovam os
certa dificuldade, por parte da sociedade direitos fundamentais do preso como ser
brasileira, até mesmo aquela que possui humano precisa ser incentivado.
melhor nível educacional, em entender o mal O déficit de vagas no sistema prisional era
que tem feito essas diferenças e, inclusive, em de 191.650, segundo o Departamento
aceitá-las como causadoras reais das mazelas Penitenciário Nacional, DEPEN (2009). A
existentes. Segundo (FREIRE, 1996, p. 80), construção de novas unidades prisionais para
“*...+ mudar é difícil, mas é possível” e como suprir esta carência tem sido necessário, mas
estratégia de mudança observa os gestores públicos parecem evitar investir
[...] desafiar os grupos populares para que
percebam, em termos críticos, a violência e a no sistema prisional, pois é visto com
profunda injustiça que caracterizam sua situação preconceito pela sociedade e não traz votos,
concreta. Mais ainda, que sua situação concreta não optando investir em outras áreas que
é destino certo ou vontade de Deus. produzam e proporcionem maior visibilidade
Segundo Di Pierro (2000; p. 181) política.
O aumento contínuo do contingente total de Não se pretende dizer que todos os
analfabetos na população é um indício de que as
taxas de analfabetismo não refletem apenas a
encarcerados sejam exatamente vítimas das
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INICIAÇÃO CIENTÍFICA 72

circunstâncias que a sociedade cria. Na O DEPEN apresenta ainda a seguinte


realidade são inúmeras as práticas delituosas situação dos encarcerados no Brasil; 26.091
sem retribuição punitiva. Um grande alfabetizados, 49.521 com ensino
contingente de pessoas comete crimes, porém fundamental incompleto, 178.540
poucas chegam a ser, ao menos processadas. fundamental completo, 67.381 com ensino
Existem, e são evidentes aqueles que são médio incompleto, 44.104 com ensino médio
incorrigíveis, pois assumiram uma postura de completo 31.017, 2.942 com superior
criminosos natos e ainda se orgulham em sê- incompleto, 1.715 superior completo e 60
los. Pessoas monstruosas que cometeram com pós-graduação, conforme dados
crimes hediondos são o que não tem faltado consolidados do Ministério da Justiça e
dentro e fora do sistema penitenciário. Vários demonstrados na figura n° 2.
criminosos conhecidos na mídia, além das Diante da gravidade mostrada, Freire
facções criminosas, ou o crime organizado, (2001, p. 15) afirma que
que conseguem com sua estrutura A concepção, na melhor das hipóteses, ingênua do
organizacional lucrar muito dinheiro não analfabetismo o encara ora como uma “erva
daninha” – daí a expressão corrente “erradicação do
aparentam estar dispostos a se sujeitarem aos analfabetismo” -, ora como uma “enfermidade” que
baixos salários oferecidos pelo mercado de passa de um a outro, quase por contágio, ora como
trabalho. Na maioria das vezes é o que tem uma “chaga” deprimente a ser “curada” e cujos
acontecido com a maior parte da população índices estampados nas estatísticas de organismos
internacionais, dizem mal dos níveis de “civilização”
pobre, não qualificada e de baixa instrução de certas sociedades. Mais ainda, o analfabetismo
educacional. O crescente aumento da aparece também, nesta visão ingênua e astuta, como
criminalidade pode resultar na ampliação do a manifestação da “incapacidade” do povo, de sua
Direito Penal, levando a legislação penal a um “pouca inteligência”, de sua “proverbial preguiça.
endurecimento ainda maior, através de penas A situação do analfabetismo nas prisões é
mais severas e abrangentes, o que fatalmente gravidade, permitindo questionar o sentido da
recairia sobre a mesma classe vulnerável e sociedade e do Estado que deveria equalizar a
empobrecida da população. questão. O Estado deve investir na prevenção
As pessoas encarceradas acabam social, educacional e econômica para evitar
encontrando nas prisões muito mais que novas gerações de criminosos. Não se pode,
punições pelos seus crimes, vivem num contudo atribuir o alto índice de criminalidade
mundo à parte, com uma ética diferenciada, à pobreza, segundo (ZALLUAR, 1996, p.65)
costumes e regras próprias, possuem uma afirmar a associação entre pobreza e criminalidade,
visão de vida deturpada. Além dos aspectos pobreza e violência, leva a um claro viés que reforça
a discriminação contra os pobres, tanto nas
negativos ligados à saúde física, a vida instituições encarregadas de reprimir o
intramuros traz inúmeros problemas comportamento criminoso, quanto no imaginário da
psicológicos, de autoestima e de piora no população em geral. (...) Não convém esquecer que,
relacionamento social, sobretudo quando o apesar da enorme desigualdade neste país, são
pouquíssimos os jovens pobres que enveredam pela
apenado cumpre sua pena e retorna ao
carreira criminosa (...). O número de pessoas
convívio em sociedade. Neste momento que envolvidas nas atividades ilícitas era muito menor do
percebe ser vítima da desconfiança, do que se propalava, segundo o levantamento que
preconceito e da discriminação não minha equipe fez em Cidade de Deus, um conjunto
conseguindo sua recolocação ou seu espaço habitacional da Cohab no Rio de Janeiro. Menos
de1% da população total do conjunto.
na sociedade, marginalizado e em sua grande
maioria propensa a retornar ao mundo do A prisão nada mais pode ser do que a
crime. perda do direito de mobilidade, não se deve
E o que esperar da segregação de internos encará-la como supressão dos direitos de
ociosos e incapacitados, por uma longa história dignidade, respeito e educação, a maior parte
de encarceramento e marginalidade para o dos internos na maioria das prisões brasileiras
convívio na sociedade civil, de quem são objetos
possui um nível educacional baixo quando
de suspeita e discriminação, se não a
reincidência no crime? (PAIXÃO, 1991, p.10). comparado ao da média nacional, podendo
concluir que de alguma forma foram excluídos

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INICIAÇÃO CIENTÍFICA 73

da escola formal ou nunca tiveram encarcerados e consigo próprio de uma forma


oportunidade de acesso. geral, sendo urgentemente necessária a
O encarceramento deve ser quebra desta continuidade desastrosa.
primordialmente uma oportunidade para que Deve-se agir de forma humana, ética e com
os internos decodifiquem sua realidade e respeito aos Direitos Humanos, mesmo que
entendam as causas e consequências dos atos seja em um ambiente prisional. Eles deverão
que os levaram à prisão, que consigam ser tratados como alunos, dando-lhes um voto
entender e dar um significado ao passado, de confiança, pelo menos para aqueles que
traçando um paralelo e uma relação futuro queiram e mostrem condições e
versus presente, a prisão deve servir apenas comprometimento. A estes interessados
para privar alguém temporariamente de seu deverá ser ofertada a oportunidade de se
direito de ir e vir enquanto paga sua sentença. desenvolverem educacionalmente, de forma a
A educação é um direito que tem sido terem condições de reverem seus conceitos e
proclamado pela comunidade internacional na valores morais, fazendo com que entendam
Declaração de Direitos Humanos desde 1948, que errar pode ser natural do homem, mas
estabelecendo a obrigação do Estado em reincidir no erro é um absurdo. Essa
organizar a educação nas prisões, a cadeia é consciência pode gerar a resposta dos
um micro mundo, onde se reproduzem as problemas, tais como: desestrutura familiar,
mesmas relações que existem na sociedade e envolvimento com as drogas, o sistema
por conta disso as dificuldades em implantar e econômico capitalista, as más políticas
manter as escolas e consequentemente a públicas sociais e principalmente na educação
educação nas prisões é de certa forma igual de baixa qualidade ou em muitos casos
ou ainda pior ao mundo extramuros. inexistente.
Como mola propulsora na mudança do É importante que saibam que estas
quadro em que o sistema penitenciário vem situações problemáticas que afetam
sofrendo, a educação teria um papel principalmente os mais pobres, são geradoras
fundamental, longe da simples alfabetização e de violência, e provavelmente podem ter sido
do conhecimento simples de censo comum. provocadas de forma intencional pela classe
Há necessitadade de uma educação dominante, pois o fatalismo ou o destino são
transformadora e revolucionária, mas se para causas que não justificam as injustiças
a sociedade em geral este direito é deficitário, cometidas às classes menos favorecidas, das
o que se dirá então a respeito da situação dos quais em sua maioria são oriundos.
encarcerados nas prisões deste país.

REFERÊNCIAS BIBLIGRAFICAS
CONSIDERAÇOES FINAIS
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas.
Diante dos desafios que cercam o atual São Paulo: Martin Claret, 2003.
sistema prisional, o ponto de maior BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena
importância a ser destacado nessa questão de de Prisão - causas e alternativas. 3ª Ed. São
ressocialização, é a necessidade de Paulo: Saraiva, 2004
transformação e mudança que o sistema BRASIL. Constituição de 1824
prisional precisa sofrer para que possam ser BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
criadas possibilidades reais de educação, 1996.
reeducação, socialização e ressocialização BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984.
entre os aprisionados, situações estas que DI PIERRO, Maria Clara. As políticas públicas
visam diminuir a reincidência criminal e os de educação básica de jovens e adultos no
malefícios decorrentes que afetam a Brasil do período de 1985/1999, São
sociedade em geral. Paulo: Pontifícia Universidade Católica de
O sistema penitenciário brasileiro tem São Paulo 2000, f. Tese (Doutorado em
carregado uma herança de falta de políticas História e Filosofia da Educação).
que enfrentem os descasos vividos com os Faculdade de Educação,
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OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um


DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o paradoxo social. 3ª edição. Florianópolis:
sistema de penas. Revista dos Tribunais, UFSC, 2003.
São Paulo: 1998.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: História da PAIXÃO, A. L. Recuperar ou punir? Como o
violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, Estado trata o criminoso. São Paulo,
2001. Cortez, 1991.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Rio PELEGRINI, Carla Liliane Waldow.
de Janeiro: Paz e Terra, 1996. Considerações a respeito da dignidade da
FREUD, Totem e tabu. Rio de Janeiro: Imago, pessoa humana. Revista Bonijuris. Ano
1999. XVI.N. 485, abril. 2004.
HUBERMAN, Leo. “Trabalhadores de Todos os RUSCHE, George; KIRCHHEIMER, Otto.
Países, Uní-vos!”. In:_____.História da Punição e estrutura social. 2ª Ed. Rio de
riqueza do Homem. 21ª Ed. Revista. Rio de Janeiro: Revan, 2004.
Janeiro: Guanabara. 1986. Parte II, capítulo RUSSEL-WOOD. A. J. R. Fidalgos e Filantropos.
18, p. 212 – 232. A Santa casa de misericórdia da Bahia,
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MISCIASCI, Elizabeth. Prisões. 2005, disponível TELES, Ney Moura. Direito Penal; Parte Geral
em:http://www.revistazap.hpgvip.com/pri – I. 1 ed. São Paulo: Editora de Direito,
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2009. ZALUAR, A. M. Da Revolta ao Crime S.A. São
Paulo: Moderna, 1996.

Figura n° 1 - Série histórica – população carcerária

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INICIAÇÃO CIENTÍFICA 75

Figura n° 2 – Escolaridade no sistema Penitenciário do Brasil

THE URGENCY OF SCHOOLING IN BRAZILIAN PRISON UNITS

ABSTRACT

The arrest came as punishment for offenders (individuals who do not respect the
rules of life in society). Long persisted such retributive view, believing that in this way
the offender would pay for the evil committed. Today it is believed that the convict is a
result of society, the result of marginalization. Attributed to the phenomenon of
delinquency and crime, particularly the lack of education. Research raised by the
National Penitentiary Department - DEPEN , linked to the Ministry of Justice , shows that
most of the mass of prisoners in this country is made by people under 30 years and low
education (97 % are illiterate or semi illiterate). It can be considered that the crime is
directly linked to education, as well as the economic and social issues. Article 37 of the
Law of Guidelines and Bases (Law No. 9.394/96) establishes the education of youth and
adults determining intended to those who had no opportunity to study in elementary
and high school at the proper age. According to Article 3 of the Penal Execution Law, Law
No. 7:20 of July 11, 1984, and sentenced to be hospitalized secured all rights not
affected by the judgment or the law.

Keywords: Schooling. Reeducation. Resocialization.

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RESENHA 76

EDUCAÇÃO 3.0 - COMO ENSINAR ESTUDANTES COM CULTURA TÃO


DIFERENTES
FAVA, Rui. Educação 3.0 - como ensinar estudantes
com culturas tão diferentes. 2ª Ed. Cuiabá: Carlini e
Caniato, 2012. ISBN 978-85-8009-046-8

Rafael Annunciato Neto


Professor da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas Santa Rita de Cássia
Mestre em Educação

Não há nada mais difícil de se empreender, mais perigoso de se conduzir, do que assumir a
liderança na introdução de uma nova ordem de coisas, porque a inovação terá como
inimigos todos aqueles que têm se dado bem sob as antigas condições, e defensores
indiferentes naqueles que podem se sair bem sob as novas. (NICCOLÓ MACCHIAVELLI (O
príncipe – 1532) apud FAVA; p.7).

A discussão sobre a educação 3.0 tem como base as novas tecnologias de comunicação e
informação que disponibilizam o conhecimento em tempo real. O estágio atual da comunicação pode
ser descrito como uma cultura de convergência que é a passagem da cultura interativa para a cultura
participativa. A convergência é uma transformação cultural uma vez que os alunos & professores são
incentivados a disponibilizar informações nos mais diversos sistemas e conexões. Desta forma, os
alunos & professores não podem ser separados, pois todos são participantes do mesmo processo de
ensino-aprendizagem. O papel do professor como detentor do conhecimento e o modo de se fazer as
aulas neste contexto estão sendo substituídos pela tecnologia, mudando a relação entre eles.
A educação 3.0 é uma forma de caracterizar esse novo mundo digital, virtual e em redes
emergido com a geração Y. O desafio básico dos professores é ensinar os estudantes nascidos nesta
nova linguagem.
O autor faz uma breve apresentação do que ele chama de educação 1.0 – educação até o
século XII. Em seguida, faz uma comparação ao processo de produção em massa alinhando com a
educação 2.0. A passagem para a educação 3.0 não teve indicativo de data, pois ainda está se
formatando e há necessidade de estudos para delimitar momentos e espaços.
Retoma a sua argumentação voltando-se para a caracterização dos jovens da geração Y, que
são mais visuais do que as gerações anteriores, centradas na leitura. É um novo mundo que se
aproxima do horizonte, onde eles percebem de forma diferente estabelecendo representações do
espaço tridimensional, criam mapas mentais e respondem rapidamente a estímulos inesperados. Em
uma interpretação rápida, pode-se entender que eles estão emburrecendo, mas na verdade o mundo
está mais inteligente, há um choque cultural e de percepção entre a geração da educação 2.0 com a
nova geração, a educação 3.0.
O docente da educação 3.0 deve entender que “cada vez mais a educação superior vai se
tornando mais complexa, porque o foco vai migrando da simples transmissão de conteúdos para
dimensões menos integradas ou visíveis com as competências e habilidades intelectuais, emocionais
e éticas.” (p. 92)

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RESENHA 77

Este professor deve aprender a lidar com as comunidades do conhecimento que agregam valor
nos processos de ensino-aprendizagem. Ele cita Lévy afirmando que a comunidade é conhecimento
compartilhado, fundamentalmente um conhecimento coletivo.
O aluno da educação 3.0 quer aprender de forma diferente, pois percebe o mundo com outro
olhar e absorve informação de forma diferente. Enquanto que para o gestor significa desenvolver
competências e habilidades para este novo cenário digital, em rede e globalizado dentro e fora da
instituição de ensino.
As redes sociais, inicialmente criadas para aproximar pessoas, se tornam rapidamente em
redes da educação 3.0, afirmando “*...+ a aprendizagem não acontece apenas numa sala de aula, mas
em redes, em qualquer lugar, em todo lugar, em qualquer espaço, em qualquer tempo, em todo
tempo” (p. 116). As instituições diante deste novo formato precisam ter consciência para utilizá-las
como uma ferramenta de ensino e prevenir anomalias que podem causar transtornos ao sistema. É
lançada uma proposta para os gestores utilizarem as ferramentas de benchmarking para melhorar os
seus processos de ensino-aprendizagem, bem como os modelos de governança.
A proposta é um alerta às instituições de ensino que precisam se conscientizar para o
horizonte que se aproxima e se preparar, discutindo seus processos de gestão, processos de ensino e
aprendizagem se atualizando e passando a marcar presença no ensino a distância, considerando as
ideias de Jacques Delors, as determinações da política governamental, e sistemas de gerenciamento
de custos com base na produtividade e eficácia do sistema. Finalizando com o seguinte pensamento,
“*...+ as pessoas não compram o que você faz, elas compram o porquê você faz e se você deixar claro
o que você acredita, vai atrair aqueles que acreditam no que você acredita.” (p. 173).

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78

NORMAS GERAIS PARA PUBLICAÇÃO


A Revista Santa Rita tem por finalidade publicar artigos acadêmicos de seus professores, alunos e
outros colaboradores no intuito de difundir o conhecimento, promover a integração acadêmica e
estabelecer um espaço no qual o acadêmico possa manifestar o resultado de sua produção
intelectual e profissional. A Revista Santa Rita é publicada semestralmente e sua difusão é interna e
externa. Os textos enviados serão submetidos ao Corpo Editorial, que dispõe de plena autoridade
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incorporadas ao texto, entre aspas. Os artigos devem ter no mínimo 2.500 e no máximo 25.000
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referência. As referências bibliográficas devem estar de acordo com as normas da ABNT (NBR 6023),
por exemplo:
 Livros no todo: SELESKOVITCH, Danica & LEDERER, Marianne. Interpréter Pour Traduire.
Paris: Didier Érudition, 1984.
 Partes de livros: PINTO, Álvaro Vieira. A definição da pesquisa científica. Em Ciência e
existência: problemas filosóficos da pesquisa científica. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e
T erra, 1979, p. 441-459.
 Trechos em obra coletiva: SEWELL, Penelope & HIGGINS, Ian. Introduction. In: SEWELL,
Penelope & HIGGINS, Ian (eds.), Teaching Translation in Universities. Present and Future
Perspectives, London: CILT, 1996, p. 9-14.
 Artigos de periódicos: CHESTERMAN Andrew. From ‘Is’ to ‘Ought’: Laws, Norms and
Strategies in Translation Studies. Target, Amsterdam, v. 5.1, p. 1-20, 1993.
O Corpo Editorial não se obriga a publicar, em qualquer momento, toda e qualquer colaboração
que lhe for remetida. Os textos que não estiverem de acordo com as Normas Editoriais serão
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