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A Cartomante

(Coro - todos): Há mais coisas no céu e na terra, do que sonha a nossa filosofia.

(Letícia) Era a mesma explicação que dava Rita ao Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869,

(Giovanna) quando ele ria dela por ter ido no dia anterior consultar uma cartomante;

(Isa): A diferença é que ela fazia por outras palavras.

(Aisha): — Ria, pode rir. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que
ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a
botar as cartas, e me disse:

(Letícia):"A senhora gosta de uma pessoa..."

(Aisha): Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim
declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...

(Moço rindo): — Ai, Rita, nunca ouvi tanta ingenuidade!

(Aisha): — Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu estou, por sua causa. Você sabe; já
lhe disse.

(Felipe): Camilo pegou em suas mãos, e olhou sério para ela. Jurou que só queria seu bem; em todo
o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo.

(Deivid): Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas. Vilela podia
sabê-lo.

(Aisha): — Qual saber! Tive muita cautela ao entrar na casa, não passava ninguém na ocasião.
Descansa; eu não sou maluca.

(Moço): — E você acredita nessas baboseiras?

(Aisha- adaptação): Saiba que há muita coisa misteriosa e verdadeira nesse mundo Camilo! Se não
acredita, paciência!! Mas é certo que a cartomante adivinhou tudo sobre nós e a prova é que estou
tranquila e satisfeita.

(Letícia): Pensou em rebater, mas reprimiu-se.

(Giovanna): Ele também teve, quando criança, sua fase supersticiosa, acreditava em tudo que lhe
diziam, mas aos vinte anos ela desapareceu.

(Moço, em primeira pessoa): Não acredito em nada.

(Isa): nunca soube dizer o porquê, não possuía um só argumento: limitava-se a negar tudo.
Contentou-se em levantar os ombros, e foi andando.

(Aísha): Uma história entre

(Giovanna): Vilela,

(Isa): Camilo

(Letícia): e Rita,
(Coro - Giovanna, Isa e Letícia): Três nomes

(Letícia): uma aventura e nenhuma explicação das origens.

(Coro - todos): Vamos a ela.

(Isa): Os dois primeiros eram amigos de infância.

(Felipe): No início de 1869, voltou Vilela do interior, onde se casou com uma mulher bonita e tonta;

(Letícia): Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi recebê-lo.

(Aisha): — É o senhor? Não imagina como meu marido é seu amigo, falava sempre do senhor.

(Letícia em tom de fofoca): Camilo e Vilela olharam-se com ternura. Eram grandes amigos.

(Giovanna): E apesar disso, eram muito diferentes. Vilela era um homem sério e responsável,

(Isa): enquanto Camilo era ingênuo na vida moral e prática.

(Felipe em tom de fofoca): Depois, Camilo confessou para si que a mulher de Vilela não desmentia
as cartas do marido.

(Letícia em tom de fofoca): Realmente, era graciosa nos gestos.

(Coro - todos): Uniram-se os três.

(Moço em tom dramático): Pouco tempo depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, os dois
se mostraram grandes amigos dele.

(Felipe em menos intensidade): Vilela cuidou do enterro;

(Letícia): Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor.

(Isa): Como daí chegaram ao amor? Ele nunca soube dizer. A verdade é que gostava de passar as
horas ao lado dela, era a sua enfermeira moral e principalmente era mulher e bonita.

(Coro- todos menos Arthur e Aisha): Odor di femmina:

(Aisha em primeira pessoa): Liamos os mesmos livros,

(Moço): iamos juntos a teatros e passeios.

(Aisha em primeira pessoa): Camilo ensinou-me as damas e o xadrez e jogavamos às noites; eu


mal,

(Moço em primeira pessoa):— eu, para lhe ser agradável, pouco menos mal.

(Letícia): Até aí tudo bem. Mas os olhos teimosos de Rita procuravam muitas vezes os dele, que os
consultavam antes mesmo do marido.

(Felipe devagar): Um dia, fazendo aniversário, Camilo recebeu de Vilela um elegante chapéu e de
Rita apenas um cartão com um vulgar cumprimento a lápis,

(Deivid): Foi então que ele pôde ler no próprio coração,

(Giovanna): e agora não conseguia arrancar os olhos do bilhetinho.

(Isa): Camilo quis sinceramente fugir,


(Coro - todos): Mas já não pode..

(Aisha): Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu todo e finalmente pingou-lhe o
veneno na boca.

(Giovanna): Ele ficou atordoado e subjugado.

(Isa): Vexame, sustos, remorsos,

(Aisha): desejos, tudo sentiu de mistura, mas a batalha foi curta e a vitória delirante.

(Coro - todos): Adeus, escrúpulos!

(Letícia): Não tardou para que o remorso não incomodasse mais, e aí foram ambos, ignorando os
possíveis problemas e se entregando a essa paixão.

(Deivid): Enquanto Vilela nem desconfiava.

(Moço): Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima. Dizia que o caso era conhecido por
todos.

(Felipe): Camilo teve medo, e começou a diminuir as visitas à casa de Vilela.

(Isa): Alegou que era uma paixão boba de rapaz. As ausências prolongaram-se, e as visitas
cessaram inteiramente.

(Deivid): Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa.

(Coro - todos): Correu à cartomante!

(Letícia): para consultá-la sobre o sumiço de Camilo.

(Isa): Correram ainda algumas semanas.

(Giovanna): Camilo temia que falassem com Vilela, e a catástrofe viria então sem remédio.

(Coro - todos): Rita concordou que era possível.

(Aisha): — Bem, eu levo o envelope para comparar a letra com as cartas que lá aparecerem; se
alguma for igual, guardo e rasgo-a.

(Felipe): Depois de um tempo, Vilela começou a mostrar-se sombrio, falando pouco, como
desconfiado.

(Deivid): Rita foi logo contar a Camilo.

(Giovanna): A opinião dela é que Camilo devia retornar à casa deles, conversar com o marido.

(Isa): Camilo discordava; aparecer depois de tantos meses era confirmar a suspeita.

(Aisha): Então melhor não se verem por algumas semanas.

(Letícia): No dia seguinte,

(Coro - todos): recebeu Camilo este bilhete de Vilela:

(Deivid): "Vem já, à nossa casa; precisamos conversar."


(Isa): Camilo saiu logo; na rua, pensou que teria sido mais natural chamá-lo ao escritório; por que em
casa?

(Felipe): Ele combinou todas essas coisas com a notícia da véspera.

(Moço): — Vem já, à nossa casa; precisamos conversar.,

(Coro - todos): Repetia ele com os olhos no papel.

(Letícia): E viu a ponta da orelha de um drama. Imaginou Rita subjugada e lacrimosa.

(Moço): e Vilela esperando-o para matá-lo.

(Giovanna): Camilo estremeceu, mas continuou andando inquieto e nervoso. Não relia o bilhete,
mas as palavras estavam decoradas.

(Aisha): Eram-lhe murmuradas ao ouvido,

(Coro - todos): com a própria voz de Vilela.

(Deivid): "Vem já, à nossa casa; precisamos conversar."

(Moço): Ditas assim, tinham um tom de mistério e ameaça.

(Isa): O tempo voava,

(Coro - todos): e ele não tardaria a encarar o perigo.

(Letícia): Quase no fim de seu caminho, um obstáculo: uma carroça que caíra

(Felipe): Logo, reparou que ao lado, à esquerda, ficava a casa da cartomante,

(Giovanna): aquela que Rita consultou uma vez,

(Deivid): e nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas.

(Isa): A agitação dele era grande,

(Letícia): extraordinária

(Giovanna): e do fundo das camadas morais emergiam alguns fantasmas de outro tempo,

(Deivid): as velhas crenças,

(Isa): as superstições antigas.

(Aísha): Em pouco tempo estaria removido o obstáculo.

(Felipe): Camilo pensava em outras coisas,

(Letícia): mas a voz de Vilela sussurrava-lhe às orelhas as palavras da carta:

(Felipe): "Vem, já, ..."

(Aisha): E ele via as contorções do drama e tremia.

(Coro - todos): A casa olhava para ele.

(Letícia): As pernas queriam descer e entrar.


(Moço): Camilo achou-se diante de um longo véu opaco...

(Felipe): pensou rapidamente no inexplicável de tantas coisas.

(Isa): Que perdia ele, se entrasse?

(Aísha): Deu por si na calçada, ao pé da porta:

(Deivid): disse ao cocheiro que esperasse,

(Giovanna): e rápido enfiou pelo corredor, e subiu a escada.

(Isa): A curiosidade fustigava-lhe o sangue,

(Letícia): ele bateu uma,

(Felipe): duas,

(Giovanna): três pancadas.

(Isa): Veio uma mulher;

(Coro - todos menos Arthur e Letícia): Era a cartomante.

(Moço): Procuro-lhe para uma consulta.

(Felipe): Ela fê-lo entrar.

(Aisha): Dali desceram ao sótão.

(Isa): Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxovalhadas.

(Deivid): Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele,

(Giovanna): não de rosto

(Isa): mas por baixo dos olhos.

(Coro - todos): Tirou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:

(Letícia): — Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto e quer saber,
se lhe acontecerá alguma coisa ou não…

(Moço): — A mim e a ela,

(Letícia): — As cartas dizem-me que nada tenha a temer. Nada acontecerá nem a um nem a outro; o
terceiro, ignora tudo. Porém, é indispensável muita cautela.

(Deivid): A cartomante acabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.

(Moço): — A senhora restituiu-me a paz ao espírito,

(Felipe): disse ele estendendo a mão por cima da mesa e apertando a da cartomante.

(Coro - todos): Esta levantou-se, rindo.

(Letícia): — Vá, vá, ragazzo innamorato...

(Moço): — E qual seria o preço da consulta?


(Letícia): — Pergunte ao seu coração.

(Giovanna): Camilo tirou uma nota de dez mil-réis, e deu-lha.

(Isa): Os olhos da cartomante fuzilaram.

(Coro - todos): O preço usual era dois mil-réis.

(Letícia): — Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá,
tranqüilo.

(Aisha): A cartomante guardou a nota.

(Felipe): Camilo despediu-se.

(Aisha): e achou o tílburi esperando;

(Deivid): a rua está livre.

(Coro - todos): Entrou e seguiu a trote largo.

(Giovanna): Daí a pouco chegou à casa de Vilela.

(Isa): A casa estava silenciosa.

(Letícia): Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de bater,

(Coro - todos): A porta abriu-se, e apareceu-lhe Vilela.

(Moço):— Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?

(Deivid): Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas;

(Aisha): fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior.

(Felipe): Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror:

(Aisha):— ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensangüentada.

(Coro - todos): Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto
no chão.

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