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A cartomante - Texto final v1 (31/05/23)

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(Coro - todos): HAMLET


observa a Horácio, que há mais coisas no céu e na terra,
do que sonha a nossa filosofia.

(Letícia): Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de
novembro de 1869,

(Giovanna): quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante;

(Isa): A diferença é que o fazia por outras palavras

(Aisha): — Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela
adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a
botar as cartas, disse-me:

(Letícia):"A senhora gosta de uma pessoa..."

(Aisha): Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim
declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...

(Moço rindo): — Uma ideia frívola, de fato!

(Aisha): — Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você
sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...

(Felipe devagar e em tom neutro): Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou
que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum
receio, a melhor cartomante era ele mesmo

(Deivid): Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas. Vilela podia
sabê-lo.

(Aisha): — Qual saber! Tive muita cautela ao entrar na casa, não passava ninguém na ocasião.
Descansa; eu não sou maluca.

(Moço): — E tu crês deveras nessas coisas?

(Coro - todos): Perguntou-lhe. Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet
em vulgar, disse-lhe

(Aisha- adaptação): Saiba que há muita coisa misteriosa e verdadeira nesse mundo Camilo! Se não
acredita, paciência!! Mas é certo que a cartomante adivinhara tudo sobre nós e a prova é que estou
tranquila e satisfeita

(Letícia): Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele,
quando criança, foi supersticioso,

(Giovanna): teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe ensinou e que aos vinte anos
desapareceram.
(Moço, em primeira pessoa): : Não acredito em nada.

(Coro - todos): Por quê?

(Isa): Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento: limitava-se a negar tudo. E digo mal,
porque negar é ainda afirmar. Contentou-se em levantar os ombros, e foi andando

(Deivid): No fim, estavam contentes, ele ainda mais que ela. Rita estava certa de ser amada;

(Felipe): Camilo também, e como via-a arriscar-se por ele correndo às cartomantes, por mais que a
repreendesse, não podia deixar de se sentir lisonjeado.

(Aisha): Uma história entre

(Giovanna): Vilela,

(Isa): Camilo

(Letícia): e Rita,

(Coro - Giovanna, Isa e Letícia): Três nomes

(Letícia): uma aventura e nenhuma explicação das origens.

(Coro - todos): Vamos a ela.

(Isa): Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado.

(Giovanna): Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai; mas o pai morreu, e Camilo
preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público.

(Felipe): No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma dama formosa e
tonta;

(Deivid): abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa para
os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo.

(Aisha): — É o senhor? Não imagina como meu marido é seu amigo, falava sempre do senhor.

(Letícia em tom de fofoca): Camilo e Vilela olharam-se com ternura. Eram amigos deveras.

(Felipe em tom de fofoca): Depois, Camilo confessou de si para si que a mulher do Vilela não
desmentia as cartas do marido.

(Deivid em tom de fofoca): Realmente, era graciosa e viva nos gestos

(Isa em tom de fofoca): Era um pouco mais velha que ambos: contava trinta anos, Vilela vinte e
nove e Camilo vinte e seis.

(Giovanna em tom de fofoca): Entretanto, o porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho que a
mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral e prática.
(Coro - todos): Uniram-se os três.

(Moço): Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, os dois mostraram-se grandes
amigos dele.

(Felipe): Vilela cuidou do enterro;

(Letícia): Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor.

(Isa): Como daí chegaram ao amor? ele nunca soube dizer. A verdade é que gostava de passar as
horas ao lado dela, era a sua enfermeira moral e principalmente era mulher e bonita.

(Coro – todos menos Arthur e Aisha): Odor di femmina:

(Aisha em primeira pessoa): Liamos os mesmos livros,

(Moço): iamos juntos a teatros e passeios.

(Aisha em primeira pessoa): Camilo ensinou-me as damas e o xadrez e jogavamos às noites; eu


mal,

(Moço em primeira pessoa):— eu, para lhe ser agradável, pouco menos mal.

(Letícia): Até aí as coisas. Mas os olhos teimosos de Rita procuravam muitas vezes os dele, que os
consultavam antes mesmo do marido.

(Felipe): Um dia, fazendo aniversário, Camilo recebeu de Vilela uma rica bengala de presente e de
Rita apenas um cartão com um vulgar cumprimento a lápis,

(Deivid): e foi então que ele pôde ler no próprio coração,

(Letícia): não conseguia arrancar os olhos do bilhetinho. Palavras vulgares;

(Isa): mas há vulgaridades sublimes,

(Giovanna): ou, pelo menos, deleitosas.

(Letícia): Pela primeira vez passeaste com a mulher amada.

(Felipe): Assim é o homem, assim são as coisas que o cercam.

(Isa): Camilo quis sinceramente fugir,

(Coro - todos): Mas já não pode..

(Aisha): Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos
num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca.

(Giovanna): Ele ficou atordoado e subjugado.

(Isa): Vexame, sustos, remorsos,


(Aisha): desejos, tudo sentiu de mistura, mas a batalha foi curta e a vitória delirante.

(Coro - todos): Adeus, escrúpulos!

(Letícia): Não tardou para que o remorso não incomodasse mais, e aí foram ambos, ignorando os
possíveis problemas e se entregando a essa paixão.

(Deivid): A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.

(Moço): Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima. Dizia que o caso era sabido de todos.

(Felipe): Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de
Vilela. Que notou-lhe as ausências.

(Isa): Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de rapaz. As ausências
prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente.

(Moço): Pode ser que entrasse também nisso um pouco de amor-próprio, uma intenção de diminuir
os obséquios do marido, para tornar menos dura a aleivosia do ato.

(Letícia): Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa,

Correu à cartomante para consultá-la sobre a verdadeira causa


(Coro - todos):
do procedimento de Camilo.

(Isa): Correram ainda algumas semanas.

(Giovanna): Camilo recebeu mais duas ou três cartas anônimas,

(Aisha): tão apaixonadas, que não podiam ser advertência da virtude, mas despeito de algum
pretendente;

(Letícia): Nem por isso Camilo ficou mais sossegado; temia que o anônimo tivesse com Vilela, e a
catástrofe viria então sem remédio.

(Coro - todos): Rita concordou que era possível.

(Aisha): — Bem, eu levo os sobrescritos para comparar a letra com as das cartas que lá
aparecerem; se alguma for igual, guardo-a e rasgo-a.

(Felipe): Nenhuma apareceu; mas depois de um tempo Vilela começou a mostrar-se sombrio,
falando pouco, como desconfiado.

(Deivid): Rita deu-se pressa em dizê-lo ao outro, e sobre isso deliberaram.

(Giovanna): A opinião dela é que Camilo devia tornar à casa deles, tatear o marido.

(Isa): Camilo divergia; aparecer depois de tantos meses era confirmar a suspeita ou denúncia.

(Aisha): Mais valia acautelarem-se, sacrificando-se por algumas semanas.


(Letícia): Combinaram os meios de se corresponderem, em caso de necessidade, e separaram-se
com lágrimas.

(Coro - todos): No
dia seguinte, estando na repartição, recebeu Camilo este
bilhete de Vilela:

(Deivid): "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora."

(Coro - todos): Era mais de meio-dia.

(Isa): Camilo saiu logo; na rua, advertiu que teria sido mais natural chamá-lo ao escritório; por que
em casa?

(Giovanna): Tudo indicava matéria especial, e a letra, fosse realidade ou ilusão, afigurou-se-lhe
trêmula.

(Letícia): Ele combinou todas essas coisas com a notícia da véspera.

(Moço): — Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora,

(Coro - todos): Repetia ele com os olhos no papel.

(Letícia): Imaginariamente, viu a ponta da orelha de um drama, Rita subjugada e lacrimosa,

(Moço): Vilela indignado, pegando da pena e escrevendo o bilhete, certo de que ele ajudaria, e
esperando-o para matá-lo.

(Deivid): Camilo estremeceu, tinha medo: depois sorriu amarelo, e em todo caso repugnava-lhe a
idéia de recuar, e foi andando.

(Letícia): De caminho, lembrou-se de ir a casa; podia achar algum recado de Rita, que lhe
explicasse tudo.

(Giovanna): Não achou nada, nem ninguém.

(Isa): Voltou à rua, e a idéia de estarem descobertos parecia-lhe cada vez mais verossímil;

(Giovanna): era natural uma denúncia anônima,

(Aisha): até da própria pessoa que o ameaçara antes;

(Giovanna): A mesma suspensão das suas visitas, sem motivo aparente, apenas com um pretexto
fútil, viria confirmar o resto.

(Letícia): Camilo ia andando inquieto e nervoso. Não relia o bilhete, mas as palavras estavam
decoradas

(Coro - todos): Eram-lhe murmuradas ao ouvido, com a própria voz de Vilela.

(Deivid): "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora."

(Moço): Ditas assim, pela voz do outro, tinham um tom de mistério e ameaça.
(Isa): Tanto imaginou o que se iria passar, que chegou a crê-lo e vê-lo.

(Coro - todos): Positivamente, tinha medo.

(Letícia): Entrou a cogitar em ir armado, considerando que, se nada houvesse, nada perdia.

(Giovanna): Logo depois rejeitava a ideia, vexado de si mesmo, e seguia, picando o passo, para
entrar num tílburi.

(Coro - todos): Chegou, entrou e mandou seguir a trote largo.

(Deivid): Mas o mesmo trote do cavalo veio agravar-lhe a comoção.

(Isa): O tempo voava, e ele não tardaria a encarar o perigo.

(Leticia): Quase no fim da Rua da Guarda Velha,

(Giovanna): o tílburi teve de parar, a rua estava atravancada com uma carroça, que caíra.

(Moço): Camilo, em si mesmo, estimou o obstáculo, e esperou.

(Felipe): No fim de cinco minutos, reparou que ao lado, à esquerda, ao pé do tílburi, ficava a casa da
cartomante,

(Giovanna): a quem Rita consultara uma vez,

(Deivid): e nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas.

(Felipe): Olhou,

(Isa): viu as janelas fechadas,

(Letícia): quando todas as outras estavam abertas e pejadas de curiosos do incidente da rua.

(Coro - todos): Dir-se-ia a morada do indiferente Destino.

(Isa): A agitação dele era grande,

(Giovanna): extraordinária

(Letícia): e do fundo das camadas morais emergiam alguns fantasmas de outro tempo,

(Deivid): as velhas crenças,

(Isa): as superstições antigas. O cocheiro propôs-lhe voltar à primeira travessa, e ir por outro
caminho:

(Deivid): ele respondeu que não, que esperasse.

(Letícia): E inclinava-se para fitar a casa...

(Coro - todos): Depois fez um gesto incrédulo:


(Giovanna): era a idéia de ouvir a cartomante, que lhe passava ao longe,

(Felipe): muito longe, com vastas asas cinzentas;

(Letícia): desapareceu,

(Giovanna): reapareceu,

(Deivid): e tornou a esvair-se no cérebro;

(Letícia): mas daí a pouco moveu outra vez as asas,

(Felipe): mais perto,

(Isa): fazendo uns giros concêntricos...

(Deivid): Daí a pouco estaria removido o obstáculo.

(Felipe): Camilo fechava os olhos,

(Moço): pensava em outras coisas:

(Letícia): mas a voz do marido sussurrava-lhe a orelhas as palavras da carta:

(Felipe): "Vem, já, já..."

(Aisha): E ele via as contorções do drama e tremia.

(Coro - todos): A casa olhava para ele.

(Letícia): As pernas queriam descer e entrar.

(Moço): Camilo achou-se diante de um longo véu opaco...

(Felipe): pensou rapidamente no inexplicável de tantas coisas.

(Deivid): A voz da mãe repetia-lhe uma porção de casos extraordinários:

(Giovanna): e a mesma frase do príncipe de Dinamarca reboava-lhe dentro:

(Coro - todos): "Há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa
filosofia...

(Isa): Que perdia ele, se.entrasse?

(Letícia): Deu por si na calçada, ao pé da porta:

(Deivid): disse ao cocheiro que esperasse,

(Giovanna): e rápido enfiou pelo corredor, e subiu a escada.

(Isa): A luz era pouca,


(Moço): os degraus comidos dos pés,

(Aisha): o corrimão pegajoso;

(Felipe): mas ele não viu nem sentiu nada.

(Letícia): Trepou e bateu.

(Moço): Não aparecendo ninguém,

(Giovanna): teve idéia de descer; mas era tarde,

(Isa): a curiosidade fustigava-lhe o sangue,

(Deivid): as fontes latejavam-lhe;

(Letícia): ele tornou a bater uma,

(Felipe): duas,

(Giovanna): três pancadas.

(Isa): Veio uma mulher;

(Coro – todos menos Letícia e Moço): Era a cartomante.

(Moço): Procuro-lhe para uma consulta.

(Felipe): Ela fê-lo entrar.

(Aisha): Dali subiram ao sótão, por uma escada ainda pior que a primeira e mais escura.

(Giovanna): Em cima, havia uma salinha,

(Deivid): mal alumiada por uma janela,

(Felipe): Velhos trastes,

(Aisha): paredes sombrias,

(Deivid): um ar de pobreza,

(Giovanna): que antes aumentava do que destruía o prestígio.

(Felipe): A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto

(Aisha): com as costas para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de
Camilo.

(Isa): Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxovalhadas.

(Deivid): Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele,


(Giovanna): não de rosto

(Isa): mas por baixo dos olhos.

(Aisha): Era uma mulher de quarenta anos,

(GIovanna): italiana,

(Isa): morena e magra

(Giovanna): com grandes olhos sonsos e agudos.

(Coro - todos): Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:

(Letícia): — Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto...

(Deivid): Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo.

(Letícia): — E quer saber, se lhe acontecerá alguma coisa ou não…

(Moço): — A mim e a ela,

(Coro - todos): Explicou vivamente ele.

(Giovanna): A cartomante não sorriu: disse-lhe só que esperasse

(Isa): Rápido pegou outra vez das cartas e baralhou-as,

(Coro - todos): Camilo tinha os olhos nela, curioso e ansioso.

(Letícia): — As cartas dizem-me que nada tenha a temer. Nada acontecerá nem a um nem a outro; o
terceiro, ignora tudo. Porém, é indispensável muita cautela

(Isa cortando a fala anterior): Camilo estava deslumbrado.

(Deivid): A cartomante acabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.

(Moço): — A senhora restituiu-me a paz ao espírito,

(Felipe): disse ele estendendo a mão por cima da mesa e apertando a da cartomante.

(Coro - todos): Esta levantou-se, rindo.

(Letícia): — Vá, vá, ragazzo innamorato...

(Deivid): E de pé, com o dedo indicador, tocou-lhe na testa.

(Felipe): Camilo estremeceu,

(Giovanna): como se fosse a mão da própria sibila,

(Isa): e levantou-se também


(Deivid): A cartomante foi à cômoda, sobre a qual estava um prato com passas,

(Aisha): tirou um cacho destas, começou a despencá-las e comê-las,

(Isa): a mulher tinha um ar particular.

(Aisha): Camilo, ansioso por sair, não sabia como pagasse; ignorava o preço.

(Moço): — Passas custam dinheiro. Quantas quer mandar buscar?

(Letícia): — Pergunte ao seu coração.

(Giovanna): Camilo tirou uma nota de dez mil-réis, e deu-lha.

(Isa): Os olhos da cartomante fuzilaram.

(Coro - todos): O preço usual era dois mil-réis.

(Letícia): — Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá,
tranqüilo.

(Aisha): A cartomante guardou a nota,

(Deivid): e desceu com ele, falando, com um leve sotaque.

(Felipe): Camilo despediu-se,

(Isa): enquanto a cartomante, alegre com a paga,

(GIovanna): tornava acima, cantarolando uma barcarola.

(Aisha): Camilo achou o tílburi esperando;

(Moço): a rua estava livre.

(Coro - todos): Entrou e seguiu a trote largo.

(Felipe): Tudo lhe parecia agora melhor, as coisas traziam outro aspecto,

(Moço): o céu estava límpido e as caras joviais.

(Isa): Chegou a rir dos seus receios, que chamou pueris;

(GIovanna): recordou os termos da carta de Vilela e reconheceu que eram íntimos e familiares.

(Deivid): Onde é que ele lhe descobrira a ameaça?

(Moço): Advertiu também que eram urgentes, e que fizera mal em demorar-se tanto;

(Felipe): podia ser algum negócio grave.


(Moço): — Vamos, vamos depressa,

(Coro - todos): Repetia ele ao cocheiro.

(Letícia): E consigo, para explicar a demora ao amigo, engenhou qualquer coisa;

(Coro - todos): Reboavam-lhe na alma, as palavras da cartomante.

(Giovanna): Em verdade, ela adivinhara o objeto da consulta,

(Isa): o estado dele,

(Deivid): a existência de um terceiro;

(Felipe): por que não adivinharia o resto?

(Letícia): O presente que se ignora vale o futuro.

(Deivid): Era assim, lentas e contínuas, que as velhas crenças do rapaz iam retornando

(Giovanna): e o mistério empolgava-o com as unhas de ferro

(Isa): Às vezes queria rir,

(Moço): e ria de mim mesmo, algo vexado;

(Felipe aliviado): mas a mulher,

(Isa): as cartas,

(Giovanna): as palavras secas e afirmativas,

(Deivid): a exortação:

(Letícia): — Vá, vá, ragazzo innamorato;

(Giovanna): e no fim, ao longe, a barcarola da despedida, lenta e graciosa,

(Felipe): tais eram os elementos recentes, que formavam, com os antigos, uma fé nova e vivaz.

(Moço): A verdade é que meu coração ia alegre e impaciente,

(Isa): pensando nas horas felizes de outrora e nas que haviam de vir.

(Deivid): Ao passar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora,

(Felipe): até onde a água e o céu dão um abraço infinito,

(Isa): e teve assim uma sensação do futuro, longo, interminável.

(Giovanna): Daí a pouco chegou à casa de Vilela.


(Isa): A casa estava silenciosa.

(Felipe): Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de bater,

(Coro - todos): A porta abriu-se, e apareceu-lhe Vilela.

(Moço):— Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?

(Deivid): Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas;

(Aisha): fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior.

(Felipe): Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror:

(Aisha):— ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensangüentada.

(Coro - todos): Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o
morto no chão.

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