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Sendo assim, anunciando as Primeiras Palavras1, Freire nos apresenta a razão porque
escrever um livro sobre a esperança em um contexto aparentemente sem esperança. Conta-
nos, também, acerca de críticas recebidas devido a sua politização no meio pedagógico-
escolar. Em que por esse fato o fez ir preso e, consequentemente, ao exílio. Partindo desse
pressuposto, nos apresenta a “esperança enquanto necessidade ontológica...” (p.05), isto é,
condição inerente aos indivíduos e, portanto, uma categoria à humanização. Humanização
esta sujeita ao fato de homens e mulheres terem ciência de seu lugar mundo, de tomarem
consciência de sua posição na história enquanto ser existencial, uma vez que a existência é a
marca fundamente do ser no mundo.
[...] é um livro assim, escrito com raiva, com amor, sem o que não há esperança.
Uma defesa da tolerância, que não se confunde com a conivência, da radicalidade;
uma crítica ao sectarismo, uma compreensão da pós-modernidade progressista e
uma recusa à conservadora, neoliberal. (p. 06)
1
Grifo nosso. Trata-se do título dado a uma parte introdutória da Pedagogia da Esperança.
Superando essas “primeiras palavras”, Paulo Freire compartilha um pouco de sua
biografia. Conta-nos sua experiência no trabalho desenvolvido junto ao SESI em Recife na
divisão de educação e cultura e seu abandono à profissão jurídica, enfatizando a importância
de sua ligação junto à instituição para a elaboração da Pedagogia do Oprimido, em que “... a
Pedagogia do oprimido não poderia ter sido gestada em mim só por causa de minha passagem
pelo SESI, mas a minha passagem pelo SESI foi fundamental. Diria até que indispensável à
sua elaboração” (p. 09).
[...] veja, doutor, a diferença. O senhor chega em casa cansado. A cabeça até que
pode doer no trabalho que o senhor faz. Pensar, escrever, ler, falar esses tipos de fala
que o senhor fez agora. Isso tudo cansa também. Mas – continuou– uma coisa é
chegar em casa, mesmo cansado, e encontrar as crianças tomadas banho,
vestidinhas, limpas, bem comidas, sem fome, e a outra é encontrar os meninos sujos,
com fome, gritando, fazendo barulho. E a gente tendo que acordar às quatro da
manhã do outro dia pra começar tudo de novo, na dor, na tristeza, na falta de
esperança. Se a gente bate nos filhos e até sai dos limites não é porque a gente não
ame eles não. É porque a dureza da vida não deixa muito pra escolher. (p. 13-14)
Foram momentos como esses que Freire carregou em sua companhia de modo
apaixonado para pensar em uma educação que pudesse está incluída nas realidades das
comunidades populares que visitou, podendo, a partir disso, dar validade as expressões e
manifestações dessas comunidades. Não apenas isso, como nos conta na pedagogia da
esperança, em contato com as populações oprimidas, conseguiu verificar o quanto de saber
essas pessoas carregam consigo. Como apresenta em outra passagem do livro através de um
jogo de perguntas e respostas, em que consegue mostrar aos presentes num assentamento rural
o quanto de saber possuem e, por sua vez, deve ser encarado como conhecimento válido, pois,
representa de modo verossímil a realidade daqueles sujeitos sociais.
Tomando esse mote acima como gancho, vimos na obra do autor recifense, que é
justamente pela educação popular imbuída de uma práxis transformadora da realidade que sua
Pedagogia do oprimido ganhará fôlego. E é, portanto, na prática das realidades dos oprimidos
que a teoria terá sua efetivação, uma vez que a educação sozinha não trará transformação,
apenas a implicará, tendo na esperança o alimento para a luta junto com os oprimidos,
segundo nos conta o autor. Esta luta é, portanto, uma das tarefas da educação popular, dado
que por ela as classes populares poderão trazer seu mundo a tona através da linguagem 2, e
nesta, sua visão de mundo será expressa a realidade.
Relembrando os momentos de exílio no Chile, bem como suas viagens pelos Estados
Unidos, Freire encontra uma conexão na educação em que aproxima sua prática pedagógica
daquela que era praticada em Nova York em comunidades negras e porto-riquenhas, quando
de uma visita para palestras a convite de Ivan Ilich em 1967. Nestas condições percebeu que a
leitura de mundo e compreensão deste, em muito clarifica as condições de oprimidos e
oprimidas e muitas partes do mundo.
[...] Vi e ouvi coisas em Nova York que eram "traduções" não apenas lingüísticas,
naturalmente, mas, sobretudo, emocionais de muito do que ouvira no Brasil e mais
recentemente estava ouvindo no Chile. A razão de ser do comportamento era a
mesma, mas a forma, o que chamo de "roupagem", e o conteúdo eram outros. (p. 28)
De posse dessa constatação que a linguagem pode fazer reproduzir uma ideologia
machista e, por sua vez, patriarcal e autoritária, Freire se convence da necessidade de recriar a
linguagem enquanto forma que viabilize a inclusão de homens e mulheres enquanto seres
existentes historicamente na sociedade, pondo fim na propagação desses princípios. Contudo,
as críticas recebidas pelo autor não se limitaram a essa perspectiva, há também aquelas que se
2
Linguagem expressa na Pedagogia da Esperança através da ideia de luta, de mudança, de transformação etc.,
em suma, na respectiva concepção da tomada da cidadania e da humanidade pelas classes oprimidas.
dirigiram ao seu pensamento e método. Para citar uma dessas críticas, vale mencionar a que
Freire nos conta a respeito dele não utilizar a expressão luta de classes, típica do pensamento
marxista, e sim, o conceito de oprimido. Posto que, o mais importante, na visão do autor, é a
reflexão acerca do papel que a classe trabalhadora deve criar em relação à classe dominante,
isto é, a reprodução de uma práxis libertadora. Não que a categoria de luta de classes não
represente na prática a realidade tratada por Freire, mas que o conceito de esperança se faz na
realidade cotidiana desses homens e mulheres oprimidos e oprimidas.
[...] O operário que está aprendendo, por exemplo, o oficio de torneiro, de mecânico,
de pedreiro, de marceneiro, tem o direito e a necessidade de aprendê-lo tão melhor
quanto possível, mas tem, igualmente, o direito de saber a razão de ser do próprio
procedimento técnico. Tem o direito de conhecer as origens históricas da tecnologia,
assim como o de tomá-la como objeto de sua curiosidade e refletir sobre o
indiscutível avanço que ela implica mas, também, sobre os riscos a que nos expõe.
(p. 68)
Assim, a formação da classe trabalhadora deve ser aquela que contribua para que
possam compreender como a sociedade funciona, ter conhecimento de seus direitos e deveres
e suas relações dialéticas e críticas na realidade vividas por cada um.
Além dos pontos tratados até aqui, Paulo Freire na Pedagogia da Esperança rememora
um pouco das viagens feitas a Europa, África, Ásia e Austrália, e discussões sobre diversos
temas, entre eles o racismo, sofridos por imigrantes e por sul-africanos e sul-africanas e como
essas discussões o influenciaram na escrita da Pedagogia do Oprimido. Foram depoimentos
que retratavam como o racismo sofrido por homens e mulheres dilaceravam a vida e a
humanidade, tirando sua condição ontológica de seres históricos e sociais. Tendo, por
conseguinte, esse tema do racismo sendo também o centro das atenções em seminários e
palestras nos Estados Unidos em uma série de conferências em vários estados desse país.
Ademais, na referida obra usada para rememorar a Pedagogia do Oprimido, se vê
relatar também outras experiências do autor em outros países da América latina como
Argentina, El Salvador. Também é importante frisar os relatos que Paulo Freire faz da
estrutura inicial que o livro teria constando com três capítulos, porém, depois de certo período
de afastamento seu com a obra e de uma leitura feita tempos depois, sentir a necessidade de
um quarto capítulo. E até mesmo a surpresa que teve pela receptividade da obra em vários
países e em grupos populares.
Finalmente, a Pedagogia da Esperança é uma obra que Paulo Freire tentou refletir o
percurso trilhado por ele na produção da Pedagogia do Oprimido, suas experiências e
vivencias. Bem como o que representa essa necessidade do homem ter esperança enquanto
uma condição de resistência em um mundo transformado e capaz de ser acolhedor e solidário.
Sem que haja a relação opressor-oprimido de modo tão acentuado na sociedade.
REFERÊNCIA:
RESENHA
MACEIÓ
2017
DARLAN DO NASCIMENTO LOURENÇO
RESENHA
MACEIÓ
2017