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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE HUMANIDADES – UNIDADE ACADÊMICA DE EDUCAÇÃO


CURSO PEDAGOGIA
DISCIPLINA: FUNDAMENTOS PSICOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO II
PROFESSOR: André Augusto Diniz Lira
ALUNAS: Aline Maria da Silva Gabriel
Jackeline Pereira Mendes
Janiely Ferreira Lopes
Rita de Cássia Gomes da Silva

Paulo Freire: a construção de um educador pelas experiências e pela


linguagem

Um acontecimento, um fato, um feito, uma canção, um gesto, um poema, um livro


se acham sempre envolvidos em densas tramas, tocados por múltiplas razões de ser
de que algumas estão mais próximas do ocorrido ou do criado, de que outras são
mais visíveis enquanto razão de ser. Por isso é que para mim me interessou sempre
muito mais a compreensão do processo em que e como as coisas se dão do que o
produto em si (FREIRE, 2019, p. 25).

Paulo Freire, grande educador e pensador brasileiro, conhecido mundialmente e


nacionalmente como patrono da educação brasileira, revolucionou a maneira de se pensar a
educação, principalmente no tocante ao conteúdo de sua obra “Pedagogia do Oprimido”, de
1968. Entretanto, visando esclarecer e até complementar as reflexões formuladas em PO 1,
Freire, em 1992 lança seu livro “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do
oprimido”. Obra essa, munida pelo sentimento de esperança que perpassa a luta por uma
educação democrática e de qualidade.
Em PE, Paulo Freire visita suas memórias e experiências de vida, com o propósito de
demonstrar desde a maturidade da PO até a sua constituição enquanto educador esperançoso
crente no processo de mudança. Para isso, Freire relata a construção da obra PO e os
1
Ao longo do texto, quando nos referimos à PO tratamos de Pedagogia do Oprimido e PE tratamos de Pedagogia
da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido.
caminhos que ela o fez seguir, numa trajetória de (re) construção, contradições, ganhos e
perdas, numa verdadeira metamorfose. Nesse sentido, o autor acaba trazendo discussões
presentes em PO para PE pretendendo desmistificar críticas infundadas e até mesmo injustas
feitas muitas vezes por pessoas que nem ao menos leram a obra. Desse modo, o educador
defende a atualidade de sua obra perante uma análise histórica e social, ao constatar que
muitas de suas denúncias feitas nos anos 70, ainda se faziam intrínsecas na sociedade até o
prezado momento da revisita a PE. Nesse panorama, a obra Freiriana mostra-se atemporal,
pois até o presente cenário vê-se perpetuada as problemáticas apontadas por Freire. Assim, é
valido salientar brevemente a construção do autor por suas experiências e o lugar de sua
linguagem nessa trajetória.
No que compete às experiências que possibilitaram as rupturas na vida do autor e até a
própria construção da PO, a experiência como membro do recém-criado Serviço Social da
Indústria (SESI), para a sua Divisão de Educação e Cultura mostrou-se de suma importância
na construção do Paulo Freire enquanto educador. No entanto, antes de sua entrada no SESI,
Freire desistiu de sua carreira como advogado na primeira experiência que teve ao conversar
com um jovem dentista, como advogado de seu credor. O drama pelo qual passava o jovem, o
que foi dito e ouvido, refletido e ressignificado naquele encontro, possibilitou que Freire
constata-se que o que lhe chamava não era a advocacia, mas a educação.
O educador tinha em si a junção das experiências de mundo e com os outros e sua
experiência de leitura da palavra. Pois no contexto da infância e da adolescência conviveu
com a malvadez dos poderosos e como a fraqueza dos maltratados e subjugados precisava se
transformar em força. Assim, por meio de suas vivencias no SESI, Paulo Freire firmou e
constituiu ainda mais o seu pensar crítico e sua prática política-educativa de cunho
progressista. Além disso, sua construção educativa deu-se pelo resultado dos textos já lidos e
dos outros que ainda estavam por vir. Em PE o autor cita autores como Marx, Sartre,
Gramsci, Arendt e outros mais.
Em outra de suas experiências fundantes no SESI, mais propriamente a pesquisa que
realizou a respeito das práticas educativas presentes no âmbito familiar e escolar. No tocante a
essa experiência, Freire formulou suas categorias como liberdade, licenciosidade,
autoritarismo e dialogicidade. Isso porque, os resultados da pesquisa mostraram que os
castigos eram mais presentes em famílias da área urbanas, estando às relações entre pais e
filhos pautadas pelo autoritarismo. Em contra partida, os castigos eram quase nulos em
famílias de áreas pesqueiras, que tinham um gosto pela liberdade, mas que ao mesmo tempo
deixavam essa liberdade cair na licenciosidade ao passo que deixavam os filhos livres para
escolherem quando ou se queriam ir à escola.
Nesse cenário, com o intuito de intervir e resolver o problema, Paulo Freire resolveu
conversar com pais e mães sobre os resultados da pesquisa e como resolver tal problemática,
nesse sentido surgiu uma concepção dialógica do falar, pois “Foi repetindo o caminho
tradicional do discurso sobre, feito aos ouvintes, que passei ao debate, à discussão, ao diálogo
em torno do tema com os participantes” (FREIRE, 2019, p. 33, grifo do autor).
Desse modo, os tempos vividos por Paulo Freire narrados no livro, são marcados pelo
entrelaçamento de vivências que exemplificam a constituição de seu pensamento pedagógico
e da sua prática pedagógica. Essas experiências se apresentam como uma teia que liga e
fundamenta os acontecimentos do passado com os vividos no presente. Nesse sentido, o autor
fez a revisita a sua casa da infância, onde passou pela experiência de perder o seu pai,
desnudando os fatos e descobrindo o porquê eles ocorreram, assim, alcançando uma
compreensão mais crítica e reflexiva sobre esses acontecimentos que o interpelaram.
Dentre os fios que teceram a sua história e que o marcaram profundamente, pontua-se
a experiência do exílio, em que Freire se viu obrigado a conviver em um contexto de
empréstimo cultural/social e de saudades. O autor pontua que durante a sua condição como
exilado, mesmo que ao sair do seu país de origem, carregava consigo a sua história, memórias
e cultura que fundam o seu eu. Diante desse cenário de imersão em tramas que exigem
atenção, é preciso colocar essas situações como objeto de reflexão crítica. Dentre as vivências
do processo politicamente rico e permeado por várias mudanças que o autor presenciou nessa
conjectura, destacam-se o seu aprendizado ao lado de educadores e educadoras chilenas, o que
possibilitou ver de perto a emancipação das classes populares agindo criticamente sobre o
mundo, a historicidade da luta democrática e o respeito das diferenças sociais do contexto que
está inserido em dado momento. Logo, o saber que foi constituído anteriormente ao período
de exílio, se consolidou na prática chilena e na reflexão que foi intensamente vivida durante
esses anos.
No tocante a linguagem, Freire tem uma concepção que vai além do uso da língua para
a comunicação. Para ele, a linguagem tem um importante papel para o indivíduo, pois visa a
dialogicidade e o inacabamento. Caráter dialógico, pois, nos faz (re)pensar sobre o dito e
assim ser capaz de revivê-lo, refletindo-o e (re)dizendo-o, levando em consideração o já dito e
o escutado. E inacabado, posto que a linguagem não seja algo estável, isto é, imutável. Muito
pelo contrário, os sujeitos, seres sociais e ativos na sociedade, que se apropriam do
conhecimento por meio das trocas entre os indivíduos e suas experiências, estão em constante
desenvolvimento (FUZA; OHUSCHI; MENEGASSI, 2011). Desse modo, quando Paulo
Freire repensa a sua escrita e a sua própria fala a partir das suas experiências com os outros,
ele mostra que a linguagem é um instrumento valioso para fazer-se entender a si e ao outro.
Assim, o autor salienta que:

[...]quando pondo no papel da melhor maneira que me parece os resultados


provisórios, sempre provisórios, de minhas reflexões, continuo a refletir, ao
escrever, aprofundando um ponto ou outro que me passara despercebido quando
antes refletia sobre o objeto, no fundo, sobre a prática. (FREIRE, p. 18, 1997, grifo
do autor).

E apesar de agora a linguagem de Freire, ser simples e descomplicada, nem sempre foi
assim, uma vez que no início de sua trajetória, e isto ele relata em PE, como durante sua
passagem pelo SESI, falava aos pais de alunos quase como se estivesse dirigindo-se a alunos
da universidade. Destarte, sua fala era distante da realidade dos presentes, pois ainda partia
quase sempre de seu mundo. Era quase, porque Freire já começava a entender que haviam
diferenças de linguagem entre as sociedades, diferenças regionais, sociais e culturais. Mas isto
não se deu no vácuo, foi a partir de uma experiência vivida que ele percebeu a importância de
se entender a linguagem em sua totalidade, chegando à conclusão de que o educador deve ir
transformando o falar ao povo em falar com o povo, tendo em vista as suas experiências
(FREIRE, 2019). Partindo dos discursos tradicionais feitos aos ouvintes, para o debate e
diálogo com os participantes.
Percebendo assim, que só através das conversas com eles, aprenderia sua sintaxe e
semântica, sem as quais não poderia com eficácia trabalhar com eles. Cabendo-o, como aos
outros professores progressistas, o respeito a sua ingenuidade, mas sem jamais se acomodar a
essa visão de mundo. Partindo dessa forma, da aceitação à problematização.
Entretanto, entender a realidade pode levar à compreensão de mundo e a possibilidade
de mudança, porém, não significa que vá haver uma mudança de fato no mundo concreto.
Ainda assim, começava ali uma luta ideológica, na qual as classes populares ao analisar a sua
realidade percebiam que podiam falar, iniciando o que Freire chamava de “rompimento da
cultura do silêncio”. Visto que, os oprimidos ao perceberem que a realidade na qual estavam
inseridos não se tratava de uma vontade de Deus, saiam da aceitação e adentravam no
processo de refazer-se, aspirando algo diferente.
À vista disso, o papel da linguagem para Freire é de possibilitar o desenvolvimento das
classes populares, construindo uma língua que parta, e ao mesmo tempo, volte-se para a
realidade dos homens e das mulheres, que os ajude a seguir o caminho da invenção da
cidadania. Caminho esse que não é fácil, dado que não basta compreender a realidade para
que haja uma mudança no concreto, mas ter uma noção do mundo real viabiliza que as classes
populares lutem se posicionem e busquem uma realidade melhor.
Portanto, nesse cenário, a PE é considerada como complementar a PO na medida em
que para o oprimido reconhecer sua condição e lutar por seus direitos e por uma existência
mais significativa é necessário ter esperança, ou melhor, buscar a esperança dentro de si, já
que segundo Freire é uma característica ontológica ao ser humano. Sendo assim, ter esperança
é olhar de forma crítica a realidade e acreditar na mudança através da luta. Foi munido de
tamanha esperança crítica, de experiências transformadoras e de sua linguagem dialógica que
Paulo Freire constituiu-se no grande educador que foi e é, pois mesmo após sua morte seu
legado continua perpetuando entre educadores e educadoras.

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 26ª


ed. São Paulo/ Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.

______. Professora sim, Tia não: cartas a quem ousa ensinar [recurso eletrônico]. 24ª. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.

FUZA, A. F; OHUSCHI, M. C. G; MENEGASSI , R. J. Concepções de linguagem e o


ensino da leitura em língua materna. Linguagem & Ensino, Pelotas, v.14, n.2, p. 479-501,
jul./dez. 2011.

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