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3 authors:
Leonardo Soares
Museu Paraense Emilio Goeldi - MPEG
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All content following this page was uploaded by Gabriela Gonçalves on 16 March 2022.
CONSELHO ED ITORIAL
Prof. Dr. Ricardo Alaggio Ribeiro (Presidcntc)
Prof. Me. Antonio Fonseca dos Santos Ncto
Prof '. Ma. Francisca Maria Soares Mendes
Prof. Dr. Jose Machado Moita Neto
Prof. Dr. Soli mar de Oliveira Lima
Prof' Dr". Tcresinha de Jesus Mesquita Queiroz
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Editora da Un ivcrsidadc Federal do Piaui - ED UFPI
Campus Uni vcrsitario Mini stro Petronio Portella - Bairro lninga - Teresina - PI - Brasil
Edufpi CEP: 64049-550 - Todos os direitos reservados
Diagrama~lio e Editora~lio:
Jonas Pederassi
Revislio Final:
Jose Ribamar Junior
Capa:
Serpente arborlcola (Leptodeira annulata) predando urn (Norops chrysolepis)
Foto: Leonardo S. Carvalho
lmpresslio:
Gratica Un iversitaria da UFP I
FICHA CATALOGRAFICA
ISBN 978-85-7463-853-9
COD 577
METODOS EM ECOLOGIA E
COMPORTAMENTO ANIMAL
Organizadores
Mauro Sergio Cruz Souza Lima
Leonardo Sousa Carvalho
Fabio Prezoto
Teresina/2015
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-~~~~;;:::--::::::c:--.._-
EdUFpi
SUMARIO
PREFACIO ................................................................................................................................................................... 8
Kleber Del Claro
INTRODU<,:AO .............................................................................................................................................................. 9
Fabio Prezoto
Capitulo 5: Metodos de Coleta e Identificat;ao para Nematoda, Pentastomida e Acari Parasitas de Repteis ........ 90
Samuel Vieira Brito, Felipe Silva Ferreira & Waltecio de OliveiraAlmeida
Capitulo 6: Aracnideos: Quem Sao, por que Estuda-los e como Coleta-los? ........................................................ 103
Leonardo Sousa Carvalho
Capitulo 11: Aspectos Biologicos e Conservat;ao dos Lagartos Brasileiros ........................................................... 216
Marcelia Basta da Silva, WaldimaAlves daRocha & Isabela Carvalho Brcko
Capitulo 12: Serpentes do Brasil: Introdut;ao aos Estudos em Historia Natural.. ................................................ 242
WaldimaAlves daRocha & Marcelia Basta da Silva
Organizado por
Mauro Sérgio Cruz Souza Lima
Leonardo Sousa Carvalho
Fábio Prezoto
Floriano – PI
Outubro de 2014
Apresentação
Os organizadores agradecem aos revisores dos capítulos pela leitura criteriosa e atenta
(em ordem alfabética do primeiro nome): Andersson Guzzi, David Figueiredo Candiani,
Diogo Loretto, Edilberto Giannotti, Felipe Augusto Correia Monteiro, Helena Matthews
Cascon, Maria Lucia Negreiros-Fransozo, Maryse Nogueira Paranaguá, Nancy França Lo
Man Hung, Ranyse Querino Barbosa da Silva, Rauquírio André Albuquerque Marinho da
Costa, Robson Waldemar Ávila, Rodrigo Hirata Willemart e Ulisses Caramaschi.
Prefácio
Kleber Del Claro
Introdução
Fábio Prezoto
Capítulo 1. Ecologia Evolutiva dos Recifes Biológicos
Marcelo de Oliveira Soares
Capítulo 2. Ecologia da Fertilização em Invertebrados Bentônicos Marinhos
Rosana Aquino de Souza & José Gerardo Ferreira Gomes Filho
Capítulo 3. Invertebrados Planctônicos Límnicos e Marinhos
Mauro de Melo Júnior, Pedro Augusto Mendes de Castro Melo, Viviane Lúcia dos Santos
Almeida, Janete Diane Nogueira Paranhos, Jeremias Pereira da Silva Filho & Sigrid Neumann
Leitão
Capítulo 4. Técnicas de Coleta para Crustáceos Decápodos
Bruno Gabriel Nunes Pralon & Allysson Pontes Pinheiro
Capítulo 5. Métodos de Coleta e Identificação para Nematoda, Pentastomida e Acari
Parasitas de Répteis
Samuel Vieira Brito, Felipe Silva Ferreira & Waltécio de Oliveira Almeida
Capítulo 6. Aracnídeos: Quem São, Por Que Estudá-los e Como Coletá-los?
Leonardo Sousa Carvalho
Capítulo 7. A vida Secreta das Vespas
Fábio Prezoto & Carlos Alberto dos Santos Souza
Capítulo 8. Biologia e taxonomia de himenópteros parasitóides
Carolina Rodrigues de Araújo & Angélica Maria Penteado-Dias
Capítulo 9. Térmitas em ecossistemas neotropicais: amostragens qualitativas e
quantitativas
Alexandre Vasconcellos, Flávia Maria da Silva Moura & Matilde Ernesto
Capítulo 10. Introdução à Ecologia dos Anfíbios Anuros
Mauro Sérgio Cruz Souza Lima & Jonas Pederassi
Capítulo 11. Aspectos biológicos e conservação dos lagartos brasileiros
Marcélia Basto da Silva, Wáldima Alves da Rocha & Isabela Carvalho Brcko
Capítulo 12. Serpentes do Brasil: Introdução aos estudos em História Natural
Wáldima Alves da Rocha & Marcélia Basto da Silva
Capítulo 13. Métodos e técnicas para o estudo de aves
Pablo Vieira Cerqueira; Gabriela S. Ribeiro Gonçalves & Leonardo Moura dos Santos Soares
Capítulo 14. Conservação e métodos de estudos de mamíferos
Rita de Cassia Bianchi, Alessandra Bertassoni, Luan Gabriel de Lima Silva, Natalie Olifiers &
Rogério Nora Lima
PREFÁCIO
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 8
CAPÍTULO 1. ECOLOGIA EVOLUTIVA DOS RECIFES BIOLÓGICOS .................................................................. 10
CAPÍTULO 2. ECOLOGIA DA FERTILIZAÇÃO EM INVERTEBRADOS BENTÔNICOS MARINHOS ................................. 25
CAPÍTULO 3. INVERTEBRADOS PLANCTÔNICOS LÍMNICOS E MARINHOS ....................................................... 52
CAPÍTULO 4. TÉCNICAS DE COLETA PARA CRUSTÁCEOS DECÁPODOS ........................................................... 74
CAPÍTULO 5. MÉTODOS DE COLETA E IDENTIFICAÇÃO PARA NEMATODA, PENTASTOMIDA E ACARI PARASITAS DE
RÉPTEIS ...................................................................................................................................... 87
CAPÍTULO 6. ARACNÍDEOS: QUEM SÃO, POR QUE ESTUDÁ-LOS E COMO COLETÁ-LOS? ................................. 100
CAPÍTULO 7. A VIDA SECRETA DAS VESPAS ........................................................................................ 138
CAPÍTULO 8. BIOLOGIA E TAXONOMIA DE HIMENÓPTEROS PARASITOIDES .................................................. 147
CAPÍTULO 9. TÉRMITAS EM ECOSSISTEMAS NEOTROPICAIS: AMOSTRAGENS QUALITATIVAS E QUANTITATIVAS..... 164
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO À ECOLOGIA DOS ANFÍBIOS ANUROS ............................................................ 186
CAPÍTULO 11. ASPECTOS BIOLÓGICOS E CONSERVAÇÃO DOS LAGARTOS BRASILEIROS ................................... 216
CAPÍTULO 12. SERPENTES DO BRASIL: INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS EM HISTÓRIA NATURAL ............................ 243
CAPÍTULO 13. MÉTODOS E TÉCNICAS PARA O ESTUDO DE AVES .............................................................. 266
CAPÍTULO 14. CONSERVAÇÃO E MÉTODOS DE ESTUDOS DE MAMÍFEROS ................................................... 281
AVISO
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Introdução
Observar a natureza é uma atividade que toda pessoa, seja um estudante ou pesquisador da
área biológica, ou apenas um amante ou admirador do mundo natural faz. Destas observações
espontâneas surgem grandes descobertas, ideias e até mesmo ensinamentos, quando tomamos os
modelos biológicos como exemplo.
Uma das coisas mais bonitas que observamos em nossos alunos é o interesse que os move
quando passamos a tratar de temas como ecologia e comportamento animal. Eles ficam atentos,
perguntam, relatam casos ocorridos e passam a entender melhor questões práticas que observam no
seu dia a dia.
Essas duas áreas de investigação aproximam os alunos do seu cotidiano, oferecendo uma
oportunidade para conduzir observações sobre a fauna que nos cerca, e que para o Brasil e mais
especificamente para a região Nordeste, carece de investigações a cerca de informações básicas de
sua história natural, ecologia e diversidade.
Esse evento foi fruto do esforço do Professor Dr. Mauro Sérgio Cruz Souza Lima, que com a
colaboração e apoio de diversos colegas docentes e discentes concretizou a realização do Simpósio.
Fui convidado pelo Professor Mauro para proferir a palestra de abertura do II SIMBIO, na
qual abordei aspectos da ecologia comportamental sobre as diferentes funções da Coloração
Animal.
Com o decorrer do evento fui interagindo com os demais colegas palestrantes e participantes
do evento e então percebi a grandiosidade das informações ali disponibilizadas na forma de
palestras e de trabalhos apresentados. Assim em uma de nossas conversas ao final de um dia do
evento, sugeri ao Professor Mauro a possibilidade de aproveitar as contribuições dos colegas
participantes publicando esses assuntos na forma de um livro com uma abordagem metodológica e
8
com uma linguagem voltada aos acadêmicos, buscando atualizá-los e incentivá-los a iniciar seus
estudos em Ecologia e Comportamento Animal.
Essa proposta pode parecer simples, mas demandou um grande esforço de todos os
integrantes, seja de autores ou de editores que dedicaram muito tempo para que essa obra se
concluísse. Quem já esteve envolvido em uma atividade dessa natureza sabe o quanto é difícil
publicar um livro. Assim deixo aqui um agradecimento especial aos Professores Mauro Sérgio Cruz
Souza Lima e Leonardo Sousa Carvalho, reconheço que se não fosse a dedicação e o
comprometimento de vocês esta obra não teria surgido. A vocês meu muito obrigado!
Esta não é uma obra final e sim uma edição que busca motivar o leitor a se enveredar pelo
estudo da ecologia e do comportamento animal nos diversos grupos aqui abordados. Trata-se de um
instrumento para nortear e dirigir os primeiros passos de uma futura investigação científica.
Para você leitor, deixo o meu desejo de faça um bom uso da riqueza de informações contidas
nessa obra.
Boa leitura!
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CAPÍTULO 1
1. Ecologia Evolutiva
A ecologia é uma ciência tradicional que lida com as interações dos seres vivos com o
ambiente, bem como busca explicar a diversidade e distribuição dos organismos. Estudos de campo
em diversos ecossistemas terrestres e aquáticos, bem como estudos experimentais e em laboratório
são a base dos estudos ecológicos.
Quando estas duas grandes ciências da vida se encontraram (há cerca de 150 anos) tivemos
uma abordagem chamada Ecologia Evolutiva. Apesar da idade, é uma ciência jovem que busca, de
forma integrada, entender os fatores que levaram a mudança nos padrões de diversidade ao longo do
tempo da história da terra (Mayhem, 2006).
1
Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR), Universidade Federal do Ceará (UFC). Avenida da Abolição, 3207,
60165-081, Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: marcelosoares@ufc.br
10
O Fanerozoico se divide em três Eras: o Paleozoico (em grego vida antiga, entre 540 a 252
milhões de anos), Mesozoico (em grego vida intermediária, entre 252 a 65 milhões de anos) e
Cenozoico (em grego vida recente, 65 milhões de ano a atual). A Era Paleozoica é a mais antiga e
responde pelo surgimento da maioria dos filos animais atuais. Enquanto que o Mesozoico sucede a
Era Paleozóica e é precedido pela Era Cenozoica que é a era em que vivemos (Briggs & Crowther,
2003). As eras normalmente se encerram em eventos de extinção em massa. As extinções em Massa
do Permiano (Fim da Era Paleozóica) e do Cretáceo (Fim da Era Mesozóica) tiveram papel
importantíssimo na extinção dos grupos dominantes nos ecossistemas recifais e para a especiação
de novas linhagens de bioconstrutores nos mares do planeta.
Os recifes biológicos foram construídos ao longo da história da Terra, por diferentes táxons
como microorganismos, algas e comunidades de metazoários. Estes organismos formaram
estruturas rígidas, principalmente de carbonato de cálcio, no substrato do ambiente marinho. Muitas
dessas comunidades existiam em condições ecológicas, bastante diferentes em relação aos
modernos recifes de corais (Briggs & Crowther, 2003). Para compreender a ocorrência dos recifes
ao longo da história da vida no planeta, os grupos zoológicos mais importantes na sua formação e os
mecanismos que responderam pela sua formação e diversificação, fazem-se necessário um estudo
da ecologia evolutiva nestes ambientes.
11
2) Quando os organismos acrescentam material por fixação química de matéria particulada. Um
exemplo é o caso de poliquetas sabelarídeos que constroem tubos com areia da praia, através
de produção de um cimento orgânico (Fig. 1B);
Figura 1. Tipos de bioconstrução: A) Bioconstrução carbonática com predominância de algas calcárias no recife do
Atol das Rocas (Rio Grande do Norte, Brasil); B) Bioconstrução de Poliquetas sabelarídeos (zonas de tonalidade
marrom) sobre recifes de arenito (beach rocks) na faixa entremarés da praia do Pecém (Ceará, Brasil). Fonte: Imagens
do Autor.
Segundo o registro fóssil, cada período da História Evolutiva da Vida na Terra teve seu
próprio grupo especializado de construtores nos ambientes recifais (Dullo, 2005). Em ambientes
marinhos, as mais antigas bioacumulações são provavelmente as das algas cianofíceas; os
estromatólitos (Fig. 2) desenvolvidos no pré-Cambriano, com mais de 540 milhões de anos.
3.1. Paleozoico
No registro evolutivo dos recifes encontra-se no início do Paleozóico a formação dos recifes
de arqueociatídeos (Archaeocyatha) (Fig. 3) no Cambriano, sendo esses organismos primitivos
filogeneticamente relacionados às esponjas. Alguns dos recifes do Paleozóico tiveram taxas de
crescimento semelhante ao dos atuais recifes de coral (3 – 4 mm por ano). Apesar disso, é provável
que muitas destas comunidades tenham se desenvolvido sem a necessidade da simbiose
fotossintética (simbiose animal/microalga). Pois existem exemplos de comunidades recifais
paleozóicas em ambientes crípticos (Briggs & Crowther, 2003).
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Figura 3. Fragmento de rocha gerada por acumulações biogênicas de arqueociatídeos do período Cambriano. Fóssil
procedente da região de Beltana, Austrália. Depositado no Museu de Paleontologia – UFRGS 5614.
Nos recifes do Devoniano, os corais tabulados e rugosos, além dos microbialitos e esponjas
(Porifera) conhecidas como estromatoporoides (Fig. 6) foram predominantes. Os microbialitos são
estruturas calcárias de natureza orgânica, formadas da interação de microorganismos bentônicos
com sedimentos do fundo marinho (Briggs & Crowther, 2003).
Joachimski et al. (2010) abordou que as mudanças climáticas e a oscilação entre períodos
quentes e frios no período devoniano foi importantíssimo para o estabelecimento desses sistemas
recifais. Os estromatoporoides se estabeleceram em períodos mais frios, enquanto os microbialitos e
os corais se expandiram em situação de maior temperatura na superfície do mar.
Os recifes do Paleozóico sofreram quatro das cinco maiores extinções (“Big Five”) em massa
do planeta (Briggs & Crowther, 2003): Cambriano, Ordoviciano, Devoniano e no fim do Permiano.
A extinção do Permiano extinguiu 90% das espécies marinhas e 60% das famílias, de táxons
terrestres e marinhos, existentes na época, incluindo os corais tabulados, rugosos e os trilobitas (Jin
et al. 2000)
14
organismos) ou a anoxia foram fatores preponderantes para esse evento de extinção (Jin et al. 2000;
Weidlich, 2002). Outros fatores como um aquecimento global de larga escala e a atividade
vulcânica são considerados como adicionais na extinção de inúmeros táxons recifais no fim do
período Paleozoico (Briggs & Crowther, 2003).
Figura 4. Estrutura tridimensional preservada de um coral rugoso da era paleozoica Diphyphyllum sp. do táxon Rugosa.
Material procedente da região de Idaho, Estados Unidos da América (EUA). Depositado no Museu de Paleontologia da
UFRGS 3040.
15
Figura 5. Fragmento exibindo parte preservada de um coral tabuloso, Favosites favosus do táxon Tabulata, em vista
transversal e parte longitudinal. Importante bioconstrutor paleozóico, principalmente no período Devoniano. Material
procedente de Indiana, EUA. Depositado no Museu de Paleontologia da UFRGS 3167.
3.2. Mesozoico
Embora a maior parte das classes da Ordem Anthozoa e de outros grupos de metazoários
tenham surgido no Paleozóico inicial, os corais escleractíneos (Anthozoa: Scleractinea) mesozóicos
são bem recentes nos ambientes recifais ao longo da história da Terra (Wood, 2001; Stanley Jr.,
2003). Eles apareceram no Triássico Médio e depois se tornaram importantes componentes bióticos
das mudanças nas paleocomunidades marinhas do Mesozóico (Vermeij, 1977).
Um período crítico para a evolução desses corais foi o Triássico tardio, em que muitas
modificações ocorreram nos ecossistemas do ambiente marinho. Kiessling (2010) aborda que nesse
período as mudanças climáticas (períodos quentes e frios) e a propagação evolutiva da simbiose
fotossintética foi o fator-chave na ecologia evolutiva do grupo.
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Figura 6. Parte da estrutura de uma esponja estromatoporoide Stromatopora sp. Material procedente da Pensylvania,
EUA do período Devoniano. Depositado no Museu de Paleontologia da UFRGS 1136.
3.3. Cenozoico
Figura 7. Concha com sua estrutura tridimensional preservada de um molusco rudista Foradiolites davidsoni.
Importantes bioconstrutores nos mares do Cretáceo. Material fossilífero proveniente do Texas, EUA. Depositado no
museu de Paleontologia UFRGS 3600.
Um recife de coral, sob o ponto de vista geomorfológico, é uma estrutura rochosa, rígida,
resistente à ação mecânica das ondas e correntes marinhas, construída por organismos marinhos
(animais e vegetais) portadores de esqueleto calcário (Hetzel & Castro, 1994). Em geral, usa-se o
termo “de coral” devido ao papel preponderante que esses organismos têm em recifes de diversas
partes do mundo no quaternário. Sob o ponto de vista biológico, os recifes atuais são formações
criadas pela ação de diversos tipos de organismos como corais escleractíneos, algas calcárias,
18
moluscos vermetídeos, dentre outros. Embora a estrutura básica de recifes biogênicos seja em geral
formada pelo acúmulo dos esqueletos de corais, para sua formação é necessária à atuação conjunta
de uma infinidade de seres, formando uma complexa teia de associações e eventos em sucessão
(Wood, 2001).
Os bioconstrutores recentes, como corais, algas calcárias e outros organismos, são sensíveis
aos parâmetros ambientais. Contudo, recifes podem ser formados em qualquer substrato e em
qualquer área do mar ou oceano se a profundidade não exceder normalmente os 40 m. As
profundidades mais favoráveis para uma grande quantidade de corais, algas e hidrocorais
bioconstrutores recifais é de 5 a 10 m. Eles se desenvolvem em águas marinhas com salinidade
normal, temperatura anual com média acima de 20° C, baixa quantidade de material em suspensão,
e abundantes minerais (Stanley Jr., 2003). Atualmente, os recifes estão submetidos a uma intensa
degradação ambiental, como as doenças e o branqueamento em corais. Inúmeros fatores como a
destruição direta do habitat, introdução de espécies exóticas, poluição urbana e industrial,
sobrepesca e os efeitos múltiplos das mudanças climáticas (nível do mar, oscilações térmicas, etc..)
influenciam nesse processo (Knowton & Jackson, 2013). A conservação desses recifes, pela nossa
sociedade, pode ocorrer mediante a mitigação dos impactos ambientais locais e, em larga escala,
pela redução significativa das emissões de carbono na atmosfera.
Os fatores ecológicos (bióticos e abióticos) tiveram papel importante na evolução dos grupos
construtores dos ambientes recifais, devido influenciarem em processos de especiação, seleção
natural, dentre outros. Dentre estes principais fatores ecológicos, podemos citar as: 1) mudanças
ambientais na composição da água do mar; 2) as extinções em massa; 3) o surgimento dos modos
de reprodução clonal e de crescimento modular, e 4) a propagação da simbiose fotossintética nos
organismos construtores.
O carbonato de cálcio (componente químico abundante na água do mar e nos esqueletos dos
animais marinhos) possui duas formas de cristalização: Aragonita e Calcita. Estudos com minerais e
sedimentos carbonáticos (Sandberg, 1983) permitiram dividir o éon Fanerozoico em três intervalos
de “mares de aragonita” e dois intervalos de “mares de calcita”. Hardie (1996) analisou que essas
oscilações no ambiente marinho podem ser explicadas por mudanças na razão entre o magnésio e o
cálcio (Mg/Ca) da água do mar, devido alterações nas taxas de exportação de minerais ao longo das
dorsais meso-oceânicas.
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Os diferentes táxons construtores dos recifes apresentam variações quanto à formação do seu
esqueleto. Alguns apresentam formação exclusiva ou predominante de aragonita, enquanto outros
apresentam a calcita como elemento mais comum ou exclusivo. Este é um aspecto evolutivo
importantíssimo, porque a mudança ambiental (composição química da água do mar) gerou a
seleção de mudanças fenotípicas e dos grupos bioconstrutores durante a história evolutiva nos
recifes (Stanley, 2006).
No Paleozoico inicial e médio tivemos um “mar de Calcita” (Calcita I), quando os recifes
foram dominados por corais dos táxons Tabulata, Rugosa, e os estromatoporídeos. Em contraste,
durante o período do Paleozoico tardio e no início do Mesozoico já em mar aragonítico (Aragonita
II), grupos taxonômicos (com composição aragonítica) de esponjas, corais escleractínios, além de
algas filoides e vermelhas coralinas com alto teor de magnésio (Mg) foram os principais
bioconstrutores.
Durante o Cretáceo tardio, durante um dos mares de calcita (Calcita II), bivalves rudistas
substituíram em grande parte os corais escleractínios. Atualmente, em um dos mares aragoníticos
(Aragonita III), os corais escleractínios são os principais bioconstrutores recifais. Da mesma forma
muitas algas calcárias são bioconstrutoras. Como o gênero de alga verde Halimeda sp., de
composição aragonítica, é o principal componente de esqueleto carbonático em muitas plataformas
e recifes nos mares tropicais.
A influência da composição química da água marinha na secreção dos esqueletos aparenta ser
especialmente forte em táxons de morfologia simples que exercem fraco controle sobre a
calcificação de esqueletos (Stanley, 2006). Tais grupos incluem algas, esponjas, corais e
briozoários.
O segundo fator ecológico tratado neste capítulo é o papel das extinções em massa. Diferentes
ecossistemas recifais se formaram ao longo da história da Terra. A estrutura desses ecossistemas
teve longa resiliência e normalmente se encerravam (principalmente com a extinção das linhagens
de grupos bioconstrutores) em eventos de extinções em massa. Como já observado neste capítulo
20
houve cinco extinções em massa (“Big Five”), as quais geraram drásticas mudanças nas
comunidades recifais.
21
A simbiose entre as microalgas e os corais constitui um dos fatores ecológicos que explicam a
radiação evolutiva nos ambientes recifais. Tais corais possuem zooxantelas (protistas
dinoflagelados) simbióticas, aproveitando diretamente elementos produzidos pelo processo
fotossintético sendo capazes de alto potencial bioconstrutivo. As algas simbiontes promovem aos
seus hospedeiros várias ordens de magnitude energética superiores do que normalmente possuem
como organismos heterotróficos (Stanley Jr., 2003). Vincent & Clark (1995) sugerem que essa
interação simbiótica tem grande influência na taxa de deposição de carbonato de cálcio, bem como
na ocorrência e distribuição dos recifes de coral (como a necessidade de águas claras e comumente
rasas).
Como já informado, muitos dos recifes do Paleozoico podem ter se desenvolvido na ausência
da simbiose fotossintética. No Mesozoico e, principalmente, no Cenozoico, com os corais
escleractíneos, a simbiose foi um fator importantíssimo. Após o colapso da associação corais-
stromatoporoides-algas vermelhas no intervalo de aquecimento global entre o Siluriano e
Devoniano, o Triássico Tardio foi o período onde os corais passaram a ter uma maior importância
relativa nos recifes até os tempos atuais. Stanley e Swart (1995) sugerem que este evento evolutivo
foi decorrente da endossimbiose das zooxantelas com os corais escleractíneos.
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Wood, R. 2001. Biodiversity and the history of reefs. Geological Journal 36: 251–263.
24
CAPÍTULO 2
1. Introdução
De acordo com a teoria da seleção natural, qualquer aspecto físico, comportamental ou
relativo à história de vida de um animal, que aumente as suas chances de reproduzir tenderá a
persistir nas próximas gerações. Assim, as estratégias de vida mais eficientes em termos
reprodutivos, tendem a prevalecer, em detrimento daquelas menos eficientes.
O princípio básico que norteia essa teoria, tão fundamental para as ciências biológicas, é
simples. O indivíduo que não sobreviver até a fase adulta ou não conseguir reproduzir até essa fase,
não deixará descendentes e, portanto, não transmitirá os seus genes. Assim, certas características
que impedem ou dificultam a sobrevivência dos indivíduos ou a reprodução, se determinadas
geneticamente, serão rapidamente extintas, ou tenderão a ser extintas gradativamente daquela
população.
Todo indivíduo possui uma quantidade limitada de energia e tempo disponíveis para suas
atividades. Isso em uma determinada atividade obrigatoriamente compromete o tempo e a energia
disponíveis para todas as outras atividades. Energia utilizada para um determinado fim,
necessariamente diminui a quantidade de energia disponível para outros fins. É por isso, por
exemplo, que espécies de mamíferos de grande porte, geralmente produzem uma prole pequena. A
energia gasta por um animal endotérmico, no crescimento e na manutenção de um corpo de grandes
1
Universidade Federal do Piauí, Centro de Educação Aberta e à Distância, Rua Olavo Bilac, no 1148, CEP
64 001-280, Bairro Centro, Teresina, Piauí.
25
dimensões, compromete muito o investimento em reprodução. É por isso também que espécies que
produzem um grande número de gametas, produzem gametas pequenos. Diferentes estratégias de
vida “priorizam” diferentes aspectos, em detrimento de outros. Aquelas estratégias que propiciarem
as maiores taxas reprodutivas (maior fitness), tenderão a ser selecionadas na população.
E por que, então, temos tanta diversidade? Por que não encontramos apenas algumas poucas
estratégias de vida, as mais exitosas de todas? Como veremos, a estratégia que resulta em maior
sucesso reprodutivo depende de vários fatores, incluindo a biologia da espécie, fatores abióticos,
parâmetros populacionais e interações biológicas.
A figura a seguir (Fig. 1) mostra, resumidamente, o ciclo reprodutivo dos animais. Todos os
processos (em negrito) e estágios de desenvolvimento (fonte normal), com exceção das fases
larvais, são obrigatoriamente encontrados em todos os animais. Todos os animais produzem
gametas haploides por meiose, os quais se desenvolvem até atingir o estágio maduro, quando estão
aptos a se unir; esta união resulta na formação de um zigoto diploide, o qual se desenvolve em
mórula e blástula. Portanto, a gametogênese e a fertilização, bem como o desenvolvimento
embrionário são etapas do ciclo reprodutivo que são universais entre os metazoários. Apesar desta
26
universalidade, as estratégias de fertilização são muito diversificadas, como veremos um pouco
mais adiante.
Figura 1. Esquema do ciclo reprodutivo de um animal. Os processos estão em negrito, enquanto as fases de vida estão
em fonte normal. O único estágio de vida não obrigatório é o estágio larval, que aprece em números variáveis nos
animais com desenvolvimento indireto.
Os organismos marinhos podem ser classificados de acordo com o seu hábitat em: 1)
organismos bentônicos, que vivem sobre ou dentro dos substratos marinhos; 2) organismos
pelágicos, que são os que nadam na coluna d´água; e 3) organismos planctônicos, que flutuam na
coluna d´água. Entre os invertebrados marinhos bentônicos, é muito comum o desenvolvimento
indireto, com um ou mais estágios larvais planctônicos ou pelágicos. Muitos invertebrados
marinhos são sésseis (fixos ao substrato) na fase adulta e, portanto, as larvas e os embriões são
27
fundamentais para a dispersão de indivíduos entre populações ou para a colonização de novos
hábitats e regiões. As larvas variam quanto à fonte de alimento, larvas planctotróficas alimentam-se
do plâncton, larvas lecitotróficas dependem de suas reservas energéticas de origem materna. Existe,
no entanto, uma escala contínua entre planctotrofia e lecitotrofia; muitas larvas são grandes e
possuem bastante reserva materna, mas também tem maior ou menor capacidade de se alimentar do
plâncton. Larvas planctotróficas, por serem independentes de reservas energéticas, têm vida longa
no plâncton antes de assentarem no substrato bentônico; larvas lecitotróficas têm vida curta no
plâncton. Por essa razão, de modo geral, se assume que larvas lecitotróficas se dispersam menos que
larvas planctotróficas. Nem todas as larvas de organismos bentônicos são planctônicas ou pelágicas,
algumas larvas se desenvolvem no próprio bentos, mas mesmo estas também podem ser carreadas
pelas correntes.
Alguns invertebrados bentônicos não sésseis e muito pequenos vivem nos espaços intersticiais
do substrato, principalmente entre os grãos de areia. Este grupo ecológico é denominado de
meiofauna. Entre eles, é comum o desenvolvimento direto. Esses invertebrados se dispersam
simplesmente migrando do ambiente bentônico para a coluna d´água. Tanto estes organismos
quanto as larvas pelágicas se dispersam principalmente através das correntes e não pela própria
natação, que só é importante em pequena escala.
Espécies bentônicas com desenvolvimento indireto sofrem pelo menos uma metamorfose.
Durante a última metamorfose, o indivíduo abandona a forma larval e assume a mesma forma e
modo de vida que os indivíduos adultos, mas sem a maturidade sexual.
Ao atingir a maturidade sexual, dizemos que o indivíduo atingiu a fase adulta. O adulto, para
reproduzir-se, terá que produzir gametas. Os animais produzem gametas anisogâmicos em forma e
tamanho, ou seja, produzem dois tipos de gametas diferentes, o masculino é pequeno e flagelado, e
o feminino é grande e não flagelado. Indivíduos gonocóricos produzem apenas um tipo de gameta,
ou seja, ou são machos ou são fêmeas. Por outro lado, em espécies hermafroditas, os indivíduos
produzem ambos os tipos de gametas. Existem hermafroditas que não produzem os dois tipos de
gametas simultaneamente, são os hermafroditas sequenciais. O início da vida sexual dos
hermafroditas sequenciais pode se dar como macho (hermafroditas protândricos) ou como fêmea
(hermafroditas protogênicos). Encontramos na natureza espécies que apresentam indivíduos fêmeas
e machos, apenas hermafroditas, fêmeas e hermafroditas, machos e hermafroditas, ou ainda fêmeas,
machos e hermafroditas.
28
variadas e merecem mais atenção, antes de começarmos a discutir especificamente a fertilização
externa em mais detalhes.
Como veremos com mais detalhes, em alguns grupos animais, apenas os gametas masculinos
são liberados no meio externo e a fertilização ocorre dentro do corpo da fêmea, sem envolver
qualquer mecanismo de copulação. Este tipo de fertilização é interna. No entanto, ecologicamente
falando, este processo se assemelha, em vários aspectos, com a fertilização externa, uma vez que os
machos liberam seus gametas no meio externo, tal como os machos dos fertilizadores externos.
Por outro lado, várias espécies fertilizam fora do corpo da fêmea, mas, por diversas razões, o
processo é equivalente a uma fertilização interna, em vários aspectos. É o caso, por exemplo, de
espécies que praticam pseudocopulação, que envolve um contato físico muito íntimo, mas sem a
introdução de um órgão masculino no corpo da fêmea, o problema da diluição dos gametas neste
caso inexiste. Também é o caso daquelas espécies em que a fêmea deposita seus gametas em
massas gelatinosas que afundam, ou permanecem grudadas no corpo da fêmea, e o macho ejacula
sobre estas massas.
29
aquáticos que liberam gametas serão chamados aqui de emissores de gametas ou não copuladores.
Os animais que fertilizam internamente sem emissão de gametas serão denominados de
copuladores, o que os diferencia imediatamente dos fertilizadores internos que são ao mesmo tempo
emissores de esperma. A Tabela 1 resume os principais aspectos relacionados aos três tipos de
estratégia de fertilização citadas neste parágrafo os quais serão discutidos ao longo deste capítulo.
Na segunda metade deste texto, especial ênfase será dada aos “problemas” enfrentados pelos não
copuladores e às “soluções” desenvolvidas no curso da evolução.
30
Tabela 1. Aspectos relacionados às estratégias de fertilização dos invertebrados marinhos.
FERTILIZAÇÃO EXTERNA FERTILIZAÇÃO INTERNA FERTILIZAÇÃO INTERNA
COM LIBERAÇÃO DE SEM LIBERAÇÃO DE
ESPERMA ESPERMA
LIBERAÇÃO DOS Masculinos e femininos Apenas masculinos Não ocorre
GAMETAS NA COLUNA
D’ÁGUA
NOMENCLATURA Emissores de gametas Emissores de esperma Copuladores
(Broadcast spawner) (Spermcaster)
COPULAÇÃO Não ocorre Não ocorre Ocorre
DILUIÇÃO DO ESPERMA Ocorre Ocorre Não ocorre
NA ÁGUA
DESENVOLVIMENTO No meio externo Pode ser interno ou Pode ser interno ou
DO ZIGOTO E EMBRIÃO externo externo
PRINCIPAIS - Facilita o encontro de - Facilita o encontro de - O esperma permanece
VANTAGENS parceiros, parceiros, concentrado desde sua
principalmente para principalmente para expulsão pelo macho
espécies sésseis e de espécies sésseis e de - Os ovócitos não se
pouca mobilidade pouca mobilidade dispersam
- Possibilita maior - Os ovócitos não se - O meio de fertilização
produção de ovócitos dispersam é mais controlado
- O meio de fertilização - Zigotos e embriões
é mais controlado incubados internamente
- Zigotos e embriões ficam protegidos
incubados internamente
ficam protegidos
- O esperma diluído
pode ser concentrado
pelas fêmeas antes de
ser utilizado
externamente, os ovócitos das fêmeas, ao serem liberados no plâncton ficam expostos e passíveis de
serem consumidos por animais planctotróficos (larvas e adultos que se alimentam de plâncton).
Como a fertilização ocorre externamente, o desenvolvimento embrionário também ocorrerá no
ambiente externo, o que significa que zigotos e embriões também podem ser consumidos como
alimentos por animais do plâncton. Além da predação, gametas e embriões em desenvolvimento no
meio externo estão expostos às condições físico-químicas do ambiente e suas variações, que muitas
vezes podem ser adversas.
31
A copulação e consequente fertilização interna, significa que o zigoto pode ser (mas não
necessariamente será) retido dentro do corpo de fêmea, onde o embrião poderá se desenvolver e ser
liberado no ambiente em diferentes estágios de desenvolvimento. Em outras palavras, o zigoto pode
ser incubado dentro do corpo da fêmea por diferentes períodos de tempo. Em algumas espécies, os
ovócitos fertilizados são liberados segundos após a fertilização, antes mesmo da completa
maturação e união dos núcleos de ambos os gametas. Já em outras espécies, a incubação interna
pode durar até a completa formação de uma larva (no caso de desenvolvimento indireto), ou do
indivíduo jovem com morfologia adulta (no caso de desenvolvimento direto).
Figura 2. Resumo esquemático do ciclo reprodutivo de uma craca (Crustacea: Cirripedia), um animal com fertilização
interna (copulador). As fases de vida representadas não estão em escala.
Quanto à dispersão e diluição dos gametas, na fertilização externa, ovócitos e esperma correm
o risco de serem dispersos para áreas onde não haverá gametas do sexo oposto para fecundar, e
mesmo que isto não aconteça, o esperma é rapidamente diluído na coluna d´água, o que pode
impossibilitar a fertilização dos ovócitos liberados pela fêmea. A copulação, ou seja a liberação do
esperma masculino dentro do corpo da fêmea, garante que o esperma será liberado próximo aos
ovócitos. A partir daí, os espermatozoides são atraídos pelo ovócito por feromônios (quimiotaxia).
O sucesso da fertilização depende em grande parte da concentração de espermatozoides no meio,
como veremos mais adiante.
Na fertilização interna, a expulsão dos gametas masculinos para fora do corpo do macho a
uma distância muito pequena dos ovócitos garante que o esperma não estará demasiadamente
diluído ao se aproximar dos ovócitos. É por isso que em fertilizadores internos, espera-se que haja
competição espermática. A competição espermática caracteriza-se por uma situação na qual a
quantidade de espermatozoides que atingem os ovócitos é tão numerosa, que um ovócito de uma
fêmea tem praticamente 100% de chance de ser fertilizado. Nesta situação, a seleção natural age
sobre os espermatozoides, selecionando características que melhoram suas chances de fertilizar. Em
situação de competição espermática, pouca pressão seletiva existe sobre os gametas femininos, já
que praticamente não existe variação nas taxas de fertilização dos ovócitos, pois elas são sempre
altas, independentemente dos atributos do ovócito. Trata-se de uma situação ecológica/evolutiva em
que o sucesso reprodutivo depende muito dos traços gaméticos masculinos e praticamente
independe dos traços gaméticos femininos.
Emissores de esperma
O sucesso da fertilização externa depende de diversos fatores que interagem entre si. Por
sucesso, queremos dizer que ocorrem altas taxas de fertilização e o desenvolvimento normal do
embrião. Isto porque, se a fertilização ocorre sob determinadas condições, o desenvolvimento do
embrião se dará de forma anormal ou simplesmente não ocorrerá. Alguns zigotos são inviáveis
porque, apesar de terem sido fertilizados, são incapazes de se desenvolver ou desenvolvem
anormalidades embrionárias. Isso pode se dar por questões genéticas, mas também devido às
condições em que foram fertilizados. Por exemplo, um ovócito fertilizado por dois ou mais
espermatozoides (poliespermia) não se desenvolverá normalmente. Embriões anormais podem até
34
se desenvolver até o estágio larval, mas estas larvas não atingirão a fase adulta, portanto, essa
fertilização não contribuirá para o sucesso reprodutivo dos pais que a geraram.
Os primeiros estudos experimentais sobre fatores naturais que afetam as taxas de fertilização
foram relativos aos efeitos da diluição do esperma. Apesar de algumas especulações anteriores (e. g.
Sparks, 1927), a pesquisa de Pennington (1985) foi a primeira a relatar resultados de estudos
experimentais sobre o efeito da diluição do esperma nas taxas de fertilização de ovócitos (Fig. 3).
Pennington (1985) realizou diluições seriadas do esperma do ouriço do mar Strongylocentrotus
droebachiensis, em pequenos recipientes previamente preenchidos com uma suspenção de ovócitos.
Em concentrações a partir de 107 espermatozóides.ml-1 para baixo, a percentagem de ovócitos
fertilizados diminuiu rapidamente. Pennington (1985) ainda testou, in vitro, a longevidade dos
gametas, demonstrando que o esperma perde a capacidade de fertilizar rapidamente após liberado.
Vinte minutos após a emissão dos espermatozoides na água, menos de 10% dos espermatozoides
ainda eram capazes de fertilizar. Por outro lado, os ovócitos desta espécie permanecem fertilizáveis
por muito tempo, pelo menos mais de 1,5 horas. O autor também descreveu as taxas de fertilização
em campo. Para isso, ele induziu machos a liberar esperma (o que é possível injetando cloreto de
potássio no animal) in situ e, utilizando seringas contendo ovócitos, coletou amostras da coluna
d´água logo acima dos machos e em locais gradativamente mais distantes. As taxas de fertilização
foram maiores quando dois machos eram utilizados e quando as correntes eram mais fracas. Em
qualquer situação, as taxas de fertilização dos ovócitos contidos nas seringas caíram com o aumento
da distância (em questão de centímetros), mas a queda foi menor e mais gradativa quando dois
machos eram utilizados e quando a hidrodinâmica era baixa.
O conjunto de dados pioneiros obtidos por Pennington (1985) sugerem que são importantes:
1) a sincronização na liberação dos gametas dentro de uma população, 2) a agregação dos
indivíduos durante este processo e 3) os efeitos da hidrodinâmica. Se não houver sincronização, os
espermatozoides podem rapidamente perder o poder de fertilizar. A agregação e a sincronização dos
indivíduos garantem maiores concentrações de espermatozoides no ambiente, aumentando as taxas
de fertilização. A agregação também diminui as distâncias entre machos e fêmeas, o que significa
que os gametas masculinos estarão mais jovens e mais concentrados quando alcançarem os
ovócitos. Os “problemas” da diluição e do envelhecimento dos gametas masculinos, bem como a
importância da agregação e da sincronização, são maiores, quanto mais intensa for a hidrodinâmica.
Esta foi uma importante contribuição e um marco para o estudo ecológico da fertilização em
invertebrados marinhos.
Até agora percebemos que fatores gaméticos (como concentração de espermatozoides e idade
dos gametas), comportamentais e populacionais (como agregação e sincronização) e ambientais
35
(como a velocidade das correntes) influenciam no sucesso da fertilização. Analisaremos com mais
detalhes os diversos fatores que afetam o sucesso da fertilização e que podem ser enquadrados nas
três categorias citadas: 1) fatores gaméticos, 2) comportamentais e populacionais, 3) e ambientais.
Por fim, especularemos um pouco sobre como as interações biológicas podem influenciar o sucesso
da fertilização em organismos não copuladores.
Figura 3. Resultados de Pennington (1985) para o sucesso da fertilização utilizando diferentes concentrações de
esperma. Resultados de quatro réplicas de um mesmo experimento realizado para determinar a percentagem de
fertilização de ovócitos quando volumes constantes de diluições seriadas de até 10 vezes do esperma seco (sêmen)
foram adicionadas a suspensões de ovócitos em frascos homogeneizadas por movimentação dos frascos. A percentagem
de fertilização aumenta com o aumento da concentração do esperma. Notar que 100% de fertilização ocorreu apenas em
esperma com concentrações de 106 espermatozoides.L-1 ou maiores. Fonte: Pennington, 1985.
Fatores gaméticos
Depois do trabalho de Pennington (1985) até hoje, inúmeros trabalhos têm demonstrado
efeitos similares da diluição do esperma no sucesso reprodutivo e a importância que a limitação
espermática tem na evolução dos traços gaméticos do gameta feminino. O padrão da curva da
relação entre a concentração de espermatozoides e a taxa de fertilização, encontrada por Pennington
(1985) para ouriços do mar, foi posteriormente corroborada para outras espécies (e. g. Levitan et al.,
36
2001; Oliver & Babcock, 1992; Benzie & Dixon, 1994; Baker & Tyler, 2001; Hodgson et al.,
2007). O principal problema que a diluição do esperma acarreta é uma menor probabilidade de um
óvulo ser colidido por um espermatozoide. Se considerarmos que o esperma é rapidamente diluído
após a sua expulsão pelo gonóporo masculino, espera-se que exista forte pressão seletiva sobre o
ovócito em favor de traços que aumentem as suas chances de colisão com um espermatozoide.
Portanto, o problema da diluição do esperma pode ser atenuado pelo aumento no tamanho dos
ovócitos, uma vez que quanto maior o ovócito, maior a probabilidade de um esperma colidir com
ele. O primeiro trabalho a demonstrar empiricamente o efeito positivo do tamanho do óvulo nas
taxas de fertilização foi o de Levitan (1993). Este estudo demonstrou a existência deste efeito tanto
entre espécies com ovócitos de diferentes tamanhos, quanto entre ovócitos de tamanho variável de
mesma espécie. Trabalhos posteriores encontraram resultados semelhantes (Levitan & Irvine, 2001;
Levitan, 1996; Marshall et al., 2002)
No entanto, como a energia disponível para uma fêmea produzir gametas é limitada, o
aumento no tamanho dos gametas compromete a quantidade de gametas produzidos, ou seja,
compromete a fecundidade. Em situações em que não há limitação de espermatozoides, o que
significa dizer que os ovócitos têm grande probabilidade de serem fertilizados, é de se esperar que o
aumento do tamanho do ovócito não compensaria a perda de fecundidade. O estudo realizado por
Levitan (1993) também foi o primeiro a analisar a vantagem da produção de ovócitos grandes, em
diferentes situações de disponibilidade de espermatozoides. Seus resultados demonstraram que em
altas concentrações de espermatozoides, o sucesso reprodutivo (medido pela quantidade de zigotos
produzidos) era maior em espécies com ovócitos pequenos, mas já em baixas concentrações de
espermatozoides, o sucesso reprodutivo era maior em espécies com ovócitos grandes. Marshal et al.
(2002) mostrou que os ovócitos pequenos da ascídea com fertilização externa, Pyura stolonifera,
tinham mais êxito em serem fertilizados em altas concentrações de espermatozoides que em baixas
concentrações.
Quanto aos fertilizadores internos não copuladores, como estes são emissores de esperma,
especula-se que também estejam sujeitos às pressões seletivas causadas por limitação espermática,
uma vez que também enfrentam o “problema” da diluição do esperma na coluna d´água. No
entanto, estas linhagens desenvolveram mecanismos que contornam o problema da diluição. Ao
invés da evolução de ovócitos morfologicamente e fisiologicamente adaptados para aumentar a
probabilidade de colisão com um espermatozoide, estes grupos desenvolveram mecanismos de
reverter a diluição do esperma. Uma vez que os ovócitos são retidos dentro do corpo da fêmea, o
que conta é a concentração interna de esperma, sendo assim muito mais eficiente aumentar as
39
chances de vários espermatozoides penetrarem o corpo da fêmea do que aumentar o volume efetivo
do ovócito. Os grupos que predomina a estratégia de fertilização interna com emissão de espermas
são as ascídeas coloniais, os briozoários, entoprocta, e pterobrânquios; também fertilizam
internamente sem copulação alguns corais, bivalves e hidróides (Bishop & Pemberton, 2006).
Ascídeas e briozoários retiram os espermatozoides da coluna d´água e os concentram dentro do seu
corpo antes de utilizá-los na fertilização, o mecanismo pelo qual isto é realizado não é conhecido,
mas provavelmente envolve o mesmo mecanismo de filtração que o organismo utiliza para se
alimentar (Bishop, 1998; Bishop & Pemberton, 2006). Os espermatozoides destas espécies têm uma
longevidade muito maior que o registrado para outros grupos animais (Bishop & Pemberton, 2006).
Estes dois fatores conjugados, espermatozoides de vida longa e acumulação de espermatozoides,
provavelmente superam o problema da dispersão e diluição do esperma na coluna d´água, para estes
organismos (Pemberton et al., 2003; Bishop & Pemberton, 2006). No entanto, quando a fertilização
interna sem copulação acontece em organismos que não possuem um mecanismo para bombear
água (por exemplo, corais e hidroides), a situação pode ser bem diferente, uma vez que a
acumulação de esperma a partir de uma suspenção muito diluída pode ser inviável sem
bombeamento. Brazeau & Lasker (1992) constataram índices de fertilização muito baixos (entre
50% e 47%) em um octocoral com fertilização interna não copulatória. Portanto, para estes
organismos, a limitação espermática pode ser sim um importante fator na evolução dos gametas, tal
qual para os fertilizadores externos.
40
de agregação destes indivíduos no sucesso da fertilização, na espécie de ouriço do mar
Strongylocentrotus franciscanus.
Figura 4. Desenho amostral (A) e resultados do experimento de campo (B) de Levitan et al. (1992), testando a
influencia do tamanho do grupo que libera gametas e do grau de agregação dos indivíduos liberadores de gametas no
sucesso da fertilização. (A) Desenho amostral: Grupos Pequenos com quatro indivíduos; Grupo A com indivíduos
menos agregados e Grupo B com maior grau de agregação. Grupos Grandes com 16 indivíduos, Grupo C com
indivíduos menos agregados e Grupo D com maior grau de agregação. Notar que quanto maior o tamanho do grupo e o
grau de agregação, maior a percentagem de fertilização. Fonte: adaptada de Levitan et al. (1992).
Fatores ambientais
Nos últimos anos, o interesse sobre o efeito do pH nas taxas de fertilização surgiu devido à
importância dada pelos biólogos marinhos à gradual diminuição do pH nos oceanos que tem
ocorrido devido o aumento da concentração de CO2 na atmosfera, e que continuará ocorrendo nas
próximas décadas (o fenômeno da acidificação oceânica). As pesquisas realizadas na área até agora
sugerem que, pelo menos para algumas espécies, a acidificação oceânica comprometerá o sucesso
da fertilização gamética marinha (e. g. Kurihara & Shirayama, 2004; Parker et al., 2009; Ericsson et
al., 2012; Albright & Mason, 2013), se as populações não tiverem tempo de adaptar.
Fatores bióticos
Diante do amplo conhecimento que se tem sobre como os organismos marinhos podem
modificar fisicamente o hábitat (engenharia de habitat), beneficiando outras espécies, é
surpreendente a escassez de trabalhos sobre como as interações biológicas podem afetar o sucesso
da fertilização marinha. Simon & Levitan (2011) analisaram as taxas de fertilização dentro e fora de
bancos de fanerógamas submersas e encontraram taxas de fertilização mais alta dentro dos bancos,
onde também a hidrodinâmica era mais baixa e os ovócitos se dispersavam menos, sugerindo que as
fanerógamas alteram a velocidade das correntes, aumentando o sucesso da fertilização (Fig. 5).
Assim como plantas aquáticas submersas alteram o ambiente e, por isso, afetam a fertilização,
qualquer espécie pode influenciar positivamente a fertilização amenizando fatores desfavoráveis ao
sucesso da fertilização. Além das relações de facilitação (interações biológicas positivas), como a
descrita do parágrafo anterior, as interações negativas também pode afetar o sucesso da fertilização
entre espécies. Alterações no ambiente físico ou físico-químico, também podem influenciar
negativamente as taxas de fertilização. Assim como foi sugerido no parágrafo anterior, que o
estresse fisiológico pode afetar a qualidade dos gametas, devido à baixa alocação de energia para a
43
reprodução, o mesmo pode-se especular sobre o estresse causado pela pressão de predação ou pelo
grau de competição. Os efeitos das relações ecológicas, positivas e negativas no sucesso da
fertilização, direta ou indiretamente, precisam ser mais bem estudados.
Além do interesse científico, estudar os fatores que afetam o sucesso da fertilização é também
importante do ponto de vista tecnológico, uma vez que os conhecimentos advindos destes estudos
podem ser diretamente aplicados no cultivo de espécies marinhas para consumo alimentar ou para a
obtenção de produtos comerciais extraídos destas espécies.
Finalmente, pesquisas nesta área também são importantes para a conservação. Os bentólogos
compreendem a importância de se estudar tanto os fatores que controlam as fases pré-assentamento
do ciclo de vida das espécies bentônicas que podem ser tão responsáveis pelas flutuações na
densidade, quanto os fatores que afetam as fases bentônicas. Entender o que controla o sucesso da
fertilização pode fornecer importantes subsídios para o manejo das populações naturais. Por
exemplo, as populações bentônicas marinhas são em sua grande maioria conectadas a outras
populações através da dispersão larval. O conjunto das populações (denominadas de subpopulações)
é designado de metapopulação. Este arranjo significa que a sustentabilidade de algumas
subpopulações pode depender da produção zigótica de outras subpopulações. Conhecer os atributos
populacionais que garantem o sucesso da fertilização ajuda os pesquisadores e analistas a identificar
com melhor grau de exatidão as populações mais produtivas, e, portanto, fundamentais para
sustentabilidade de toda a metapopulação.
E como se estuda os fatores que influenciam o sucesso da fertilização? Como qualquer tema
da ecologia dos organismos e populações, e como vimos nos trabalhos citados ao longo deste
44
Figura 5. Resultados obtidos por Simon & Levitan, 2011. (A) Comparação entre dois coeficientes de difusão dentro
(barras cinza escuro) e fora (barras cinzam claro) dos bancos de fanerógamas. (B) Média e erro padrão do número total
de ovócitos capturados na superfície aboral dos indivíduos após períodos de dois minutos de liberação de gametas
(barras cinza claro) e na coluna d’água durante períodos de dois minutos de liberação de gametas; dentro e fora de
bancos de fanerógamas. (C) Média da proporção de ovócitos de Lytechinus variegatus fertilizados dentro e fora dos
bancos de fanerógamas, coletados por uma bomba de plâncton de ovócitos livremente dispersos na coluna d’água.
Fonte: adaptada de Simon & Levitan, 2011.
45
liberar os gametas e manipulando fatores como densidade e distribuição dos indivíduos, ou
extraindo os gametas previamente e sujeitando-os a diferentes situações. Por exemplo, o esperma
pode ser inserido dentro de seringas e liberado artificialmente pelo pesquisador no ambiente,
mimetizando uma ejaculação natural. Ovócitos podem ser implantados no ambiente dentro de redes
que permitem a passagem de espermatozoides, mas que retenham os ovócitos para coleta posterior.
Tanto para estudos de campo como para estudos de laboratório, o isolamento dos gametas
pode ser feito induzindo o a animal a liberar os gametas ou extraindo os gametas diretamente das
gônadas. Existe uma variedade de métodos para induzir a liberação de gametas, como a injeção de
substâncias da cavidade corporal, a provocação de estresse fisiológico (como choque térmico) e o
uso de feromônios. Quando os gametas são extraídos diretamente das gônadas por dissecção, é
comum a obtenção de gametas imaturos, neste caso, há a necessidade de induzir a maturação dos
gametas o que é alcançado alterando o ambiente físico, como o pH, ou utilizando hormônios.
É importante salientar que a maioria dos dados disponíveis sobre ecologia da fertilização em
invertebrados bentônicos não copuladores, apresentados neste capítulo, refere-se a pesquisas
realizadas em equinodermos. Os equinodermos são organismos-modelo para o estudo da
reprodução, pois produzem gametas facilmente manipuláveis, os quais podem ser obtidos pela
indução da liberação injetando-se cloreto de potássio na cavidade celômica. Os equinodermos estão
entre os maiores invertebrados que liberam os gametas na coluna d´água e, portanto, produzem
gametas grandes e numerosos. Para aumentar a diversidade taxonômica das espécies estudadas, é
preciso avançar nas tecnologias de indução da liberação e maturação artificial de gametas. No caso
de espécies bivalves, isto ocorreu devido à importância comercial deste grupo. Mas para outros
grupos, sem importância econômica, a obtenção e manipulação de gametas maduros ainda impede a
experimentação.
Quanto aos invertebrados copuladores, pouco se sabe sobre a ecologia da fertilização. Nestes
animais é muito difícil ter acesso ao ambiente onde ocorre a liberação do esperma e a fecundação
do ovócito, que é o interior do corpo da fêmea. Experimentações envolvendo fertilizações in vitro
46
não são tão úteis para estudos ecológicos em copuladores. Talvez por estas razões, não se tem
explorado tanto a ecologia da fertilização copulatória.
Agradecimentos
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51
CAPÍTULO 3
Introdução
O plâncton só ganhou maior notoriedade após a sua definição como um termo científico. A palavra
plâncton vem do grego Planktos (“errante”) e foi empregada pela primeira vez em 1887, pelo naturalista
alemão Victor Hensen (1835-1924). Naquela ocasião, Hensen definiu o termo como sendo “algo que é
impulsionado ou que flutua”, sendo redefinido de forma mais adequada por Haeckel, em 1890, como “algo
que vive ao sabor das águas”. Assim, essa palavra tem sido utilizada para denominar o conjunto de seres
vivos que vivem na coluna de água e que não possuem movimentos natatórios suficientes para vencer as
correntes de rios e mares. Mesmo assim, dos pequenos lagos de altitude às águas frias dos pólos, dos riachos
temporários às grandes bacias oceânicas, pode-se encontrar invertebrados planctônicos – ou zooplâncton,
como são conhecidos os animais do plâncton. Eles podem ser observados em praticamente todos os
ecossistemas aquáticos do planeta! Entretanto, a composição taxonômica e estrutural da comunidade
zooplanctônica pode variar bastante, tanto espacial, quanto temporalmente. Um dos fatores que mais
influencia a distribuição do plâncton é o espectro de tamanho, como pode ser observado na Tabela 1.
Considerando todos os invertebrados planctônicos, são conhecidos representantes em quatro classes de
tamanho.
Particularmente para o zooplâncton estritamente marinho, pode-se observar uma incrível diversidade
de formas, tamanhos e cores. O zooplâncton límnico (aquele de águas continentais, usualmente chamadas
águas “doces”), por sua vez, engloba uma menor diversidade de grupos e cores.
1
Universidade Federal Rural de Pernambuco, Unidade Acadêmica de Serra Talhada, Fazenda Saco, s/n, Zona Rural,
CEP 56903-070, Serra Talhada, Pernambuco. E-mail: mmelojunior@gmail.com.
2
Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Oceanografia, Av. Aquitetura, s/n, Cidade Universitária, CEP
50740-550, Recife, Pernambuco. E-mails: pedroamcm@gmail.com (PAMCM), sigridnl@uol.com.br (SNL)
3
Universidade de Pernambuco, Campus Mata Norte, Rua Prof. Américo Brandão, 43, Centro, CEP 55800-000, Nazaré
da Mata, Pernambuco. E-mail: vls.almeida@yahoo.com.br.
4
Universidade Federal do Piauí, Campus Ministro Petrônio Portella, CEP. 64049-560, Ininga, Teresina-Piauí. E-mails:
jpsfilho@ufpi.edu.br (JPSF), jparanhos@ufpi.edu.br (JDNP)
52
Tabela 1. Classificação do plâncton quanto ao espectro de tamanho dos grupos, e alguns de seus principais
representantes. [Adaptado de Sieburth 1979].
Os invertebrados planctônicos possuem um papel central nas teias alimentares pelágicas aquáticas,
como consumidores, competidores e/ou presas, e sua atividade metabólica tem importantes implicações para
a ciclagem de compostos orgânicos e inorgânicos da coluna de água (Kiorboe, 2008). São observados
representantes com todos os hábitos alimentares: herbívoros, carnívoros, detritívoros e onívoros. Em
comunidades equilibradas, os predominantemente herbívoros são, muitas vezes, os organismos mais
abundantes do zooplâncton em termos de densidade e biomassa (Melo Junior, 2009; Almeida, 2011; Melo,
2013). Vale ressaltar que a utilização do termo predominantemente é importante para um melhor
enquadramento trófico de um determinado grupo planctônico na teia alimentar aquática, pois dependendo da
situação, um herbívoro pode, por exemplo, apresentar características detritívoras ou carnívoras temporárias.
Além disso, um mesmo grupo pode apresentar espécies pertencentes a mais de um tipo trófico, como, por
exemplo, os copépodes e as larvas de decápodes; quanto a este aspecto, é interessante o caso de organismos
com desenvolvimento indireto, como os copépodes, nos quais uma mesma espécie pode apresentar diferentes
hábitos alimentares, de acordo com o estágio de desenvolvimento, sendo os náuplios – larvas – normalmente
herbívoros e os jovens – copepoditos – e os adultos podendo ser herbívoros ou carnívoros, dependendo da
espécie. Especificamente quanto aos protistas heterótrofos, pode também ser observado o fenômeno da
mixotrofia, uma “forma de nutrição na qual autotrofia e heterotrofia podem ser utilizadas, dependendo da
disponibilidade dos recursos alimentares” (Lourenço, 2013).
53
Vários grupos de animais passam todo o seu ciclo de vida no plâncton, a exemplo dos rotíferos,
pterópodes, copépodes, cladóceros, apendiculárias e quetognatos. Esses animais constituem o chamado
holoplâncton, ou o zooplâncton permanente. Em águas continentais, eles representam praticamente toda a
comunidade, enquanto nos ecossistemas marinhos, o holoplâncton geralmente domina o zooplâncton,
sobretudo, nos oceanos abertos e nas regiões costeiras com pouca influência continental (Paranaguá et al.,
2004). Em grande parte dos lagos, represas e rios, principalmente os eutrofizados (ou seja, com grande
quantidade de nutrientes), é observada predominância de rotíferos e/ou copépodes ciclopoides. Nas águas
marinhas e estuarinas (ambientes com salinidade intermediária entre o rio e o mar, nos quais a maré atua
como um dos principais fatores reguladores), na maioria das vezes, os copépodes são os organismos
dominantes do zooplâncton, incluindo as formas larvais, jovens e adultas, e podem atingir até cerca de 80%
da abundância total. Estimativas recentes colocam os copépodes pelágicos no topo dos animais mais
abundantes do planeta, ultrapassando, inclusive, os insetos, em termos de densidade numérica (Schminke,
2007; Gallienne & Robins, 2001).
Por outro lado, alguns animais passam somente uma determinada fase de seu ciclo de vida no
plâncton, como ovos, larvas ou adultos, ou como uma combinação entre eles. Estes organismos são
conhecidos como meroplâncton, ou o zooplâncton temporário, não sendo considerados membros do
meroplâncton as larvas das espécies holoplanctônicas. Exemplos de meroplâncton são os ovos e/ou as fases
larvais de esponjas, corais, moluscos, caranguejos, camarões e, até mesmo, de vertebrados (peixes).
Particularmente para este último grupo de animais, em ecossistemas límnicos, há pesquisadores que
consideram as larvas de peixes como planctônicas (por ex.: Leite et al., 2006) - e, neste caso, elas seriam
consideradas como meroplâncton. Geralmente, em áreas próximas a desembocaduras de rios e baías, a
concentração de meroplâncton pode ser muito alta, suplantando os representantes do holoplâncton em muitas
ocasiões. Por exemplo, em um sistema estuarino do Nordeste do Brasil (Schwamborn, 1997; Melo Junior,
2005), a concentração de larvas meroplanctônicas (principalmente de caranguejos, cracas, camarões e
moluscos) chega a representar mais de 60% em alguns horários e fases de maré, mostrando que essa parcela
do zooplâncton pode contribuir de forma expressiva para o estoque total da biomassa animal do plâncton,
principalmente durante o período reprodutivo das espécies.
Os animais planctônicos podem ser bastante numerosos. Para a plataforma continental ao largo da baía
de Santos (SP), por exemplo, a densidade média de indivíduos do zooplâncton coletado com rede com
abertura de 64 µm pode ultrapassar os 30.000 ind.m-3, ou seja, mais de 30 indivíduos por litro (Miyashita et
al., 2009). Mesmo assim, esse número pode variar se considerarmos outras regiões do Planeta. Um exemplo
de uma densidade bastante reduzida é observado nas regiões neríticas e oceânicas da porção central do
Nordeste do Brasil, onde a abundância média de indivíduos coletados com rede de 120 µm dificilmente
ultrapassa os 2.000 ind.m-3 (Neumann-Leitão et al., 1999). Para ecossistemas límnicos, as densidades
populacionais do zooplâncton variam, principalmente, em relação à trofia (quantidade de nutrientes) de cada
corpo d’água, sendo que, normalmente, ambientes mais ricos em nutrientes apresentam maiores densidades
que aqueles com níveis nutricionais mais reduzidos (Almeida, 2011). Esta afirmação pode ser exemplificada
54
comparando-se dois corpos d’água do estado de Pernambuco: enquanto Melo Júnior et al. (2010)
encontraram uma densidade média de cerca de 3,26 ind. L-1 no reservatório oligotrófico de Jucazinho
(Agreste), Almeida (2011) registrou uma média de 1.241,61 ind. L-1 no reservatório de Apipucos (Recife),
um ambiente hipereutrófico e com grande carga de poluição orgânica. Mesmo considerando as diferentes
aberturas de malha utilizadas, os valores são bastante extremos! Desta forma, pode-se concluir que a
densidade de indivíduos do zooplâncton dependerá bastante da localização e condições bióticas e abióticas
das águas nas quais as coletas foram realizadas.
Existem, ainda, outros fatores espaciais que podem causar variações sobre a comunidade
zooplanctônica. Em lagos e represas, por exemplo, a ocorrência de bancos de macrófitas nas margens pode
alterar consideravelmente a composição taxonômica do zooplâncton, a partir da adição de espécies fitófilas
(Diniz et al., 2013). Ao longo de um rio, a ocorrência de represas altera o fluxo do sistema, que passa de
lótico para lêntico (ou semilêntico) nos locais onde as barragens são construídas. Nesse caso, os rotíferos
tendem a dominar nos trechos lênticos (Tundisi & Matsumura-Tundisi, 2008). Quando se considera as
diferentes regiões dos oceanos, as áreas mais costeiras são caracterizadas por uma maior abundância de
indivíduos quando comparada com as oceânicas, sobretudo pela elevada disponibilidade de nutrientes na
região mais próxima ao litoral. Fenômenos físicos como a ressurgência podem elevar esses valores em áreas
oceânicas. Quando considerada a biodiversidade, observa-se que quanto mais afastado da costa, maior é a
diversidade de espécies do zooplâncton (por ex.: Neumann-Leitão et al., 1999, 2008; Longhurst & Pauly,
2007). Esse padrão é ocasionado, principalmente, pelo fato de que nas regiões costeiras o ambiente é mais
dinâmico, favorecendo apenas a ocorrência de poucas espécies adaptadas às variações bruscas do meio. Já
nos oceanos abertos, por outro lado, a estabilidade dos fatores ambientais permite que muitas espécies
coocorram na coluna de água.
Outro aspecto que se deve levar em conta é a sazonalidade ou o horário de coleta, sobretudo
considerando larvas meroplanctônicas. A concentração de larvas é bastante variável durante um ciclo diário
e/ou anual e, muitas vezes, as elevadas densidades são frequentemente associadas ao período reprodutivo de
espécies bentônicas dominantes nas regiões costeiras próximas, como os estuários e costões rochosos. Picos
sazonais de larvas de decápodes de manguezais são, por exemplo, típicos das regiões tropicais do Brasil e de
outras partes do mundo, principalmente se for levado em conta o horário de coleta (Schwamborn, 1997;
Schwamborn et al., 2008). Geralmente, a liberação de larvas de moluscos e crustáceos bentônicos está
associada ao período noturno, pois, dessa forma, esses animais conseguem assegurar que sua prole seja
liberada durante o período de baixa atividade dos predadores visuais.
No caso de áreas estuarinas, a liberação de larvas também está condicionada ao estofo de preamar ou
início das vazantes, assegurando que boa parte da prole seja levada para áreas propícias ao desenvolvimento
através das correntes da pluma do estuário (por ex.: Melo Junior, 2005; Melo Junior et al., 2012). Para outros
grupos de organismos bentônicos, esse padrão não está muito claro e precisa de maior atenção em estudos
futuros.
55
O horário também atua como importante fator para as espécies holoplanctônicas, uma vez que esses
organismos realizam importantes migrações diárias ao longo da coluna d’água, tendo como principal padrão
a ascensão durante o período noturno e retorno para águas mais profundas durante o dia. Esses organismos
realizam migração vertical em busca de alimento nas camadas mais superficiais, evitando ainda os
predadores visuais, devido à ausência de luz. De acordo com Oliveira Neto (1993), os Rotifera possuem
fraca capacidade de migração quando comparados aos microcrustáceos, os quais nadam ativamente e
percorrem vários metros na coluna d’água no período de 24 horas. Migrações sazonais e ao longo do
desenvolvimento do ciclo de vida das espécies (ontogenética) também são bastante comuns no plâncton
marinho.
Além das condições abordadas anteriormente, outras variações nas abundâncias podem ser
ocasionadas pelos diferentes métodos de coleta de invertebrados planctônicos empregados nas pesquisas (ver
Métodos de Estudo, neste capítulo), tanto em águas continentais, quanto em águas estuarinas e marinhas.
Além do tipo de aparelho coletor, o pesquisador deve ter em mente o tamanho da malha da rede de plâncton
a ser utilizada. Caso a escolha da malha não seja a ideal para a captura dos organismos alvo, os valores de
densidade poderão ser subestimados em relação às condições reais.
Vivendo no plâncton
Para permanecer no domínio planctônico, os organismos precisam de algumas adaptações
morfológicas que fazem com que esses indivíduos se mantenham suspensos no plâncton. Muitos
representantes do zooplâncton são encontrados com expansões do corpo as quais aumentam sua área
superficial, resultando, às vezes, em formas interessantes e curiosas. As conhecidas medusas, por exemplo,
mostram um corpo do tipo pára-quedas. Alguns rotíferos e larvas de crustáceos e de equinodermos projetam
vários espinhos ao longo do corpo, aumentando, desta forma, suas áreas corporais. Da mesma forma, os
poliquetas do plâncton desenvolveram maiores expansões dos parapódios, com um incremento no número de
cerdas. Os moluscos, por sua vez, encontraram uma solução para amenizar o peso da concha ao
desenvolverem um véu lobular expansivo, rodeado de cílios os quais são utilizados na locomoção e na
captura de alimentos. Muitos copépodes desenvolveram cerdas plumosas ao invés dos espinhos observados
em outros crustáceos; outros desenvolveram um corpo achatado dorso-ventralmente, apresentando-o em
forma de folha.
56
reserva de compostos nos tecidos do animal e que são menos densos que a água. Exemplos desses compostos
são diversas formas de lipídios e é bastante comum observar copépodes e outros crustáceos oceânicos com
gotas de óleo espalhadas pelo interior do corpo (geralmente de cor laranja). Além disso, outros animais
(p.ex.: cnidários, alguns moluscos, taliáceos e quetognatos) desenvolveram um corpo bastante gelatinoso,
cujos íons pesados (sulfatos) foram substituídos por íons mais leves (cloretos), permitindo a estes animais
uma maior flutuação. Outros organismos do zooplâncton também apresentam cloreto de amônia como
mecanismo de flutuação, a exemplo das para-larvas de cefalópodes e de algumas larvas de crustáceos.
Outras particularidades dos animais do plâncton são as cores e a transparência. Como quase todos os
organismos do zooplâncton participam das teias alimentares pelágicas como estágios intermediários, eles
estão constantemente convivendo com seus predadores. Uma tática interessante dos animais planctônicos é a
transparência ou a apresentação de cores que auxiliam na camuflagem. Alguns organismos são tão
transparentes que algumas estruturas internas são facilmente observadas ao microscópio. O nível de
transparência varia de grupo para grupo, e de região para região. Estudos mostram que a concentração de
compostos na água sugere que a presença de predadores pode atuar nos níveis de transparência. Essas
estratégias permitem aos organismos se movimentarem na coluna de água sem serem percebidos facilmente
por seus predadores. As cores vivas, por outro lado, também podem auxiliar na camuflagem e/ou afugentar
seus predadores. Entretanto, a forte coloração (azul escuro brilhante) observada em organismos de superfície,
sobretudo do nêuston, é associada a uma provável proteção contra as radiações solares que penetram mais
facilmente nas camadas superficiais.
A pressão de predação também pode interferir nos hábitos reprodutivos dos microcrustáceos límnicos.
Almeida (2005), estudando um reservatório meso-eutrófico, observou uma maior densidade de náuplios de
Thermocyclops decipiens Kiefer, 1927, um copépode ciclopoide planctônico, na região litorânea do corpo
hídrico, local com grande abundância de macrófitas aquáticas. Esta autora comenta que a tendência de maior
desova desses organismos na região litorânea pode estar relacionada a uma estratégia de fuga do predador,
onde as fêmeas adultas buscam liberar seus ovos entre a vegetação aquática para dificultar a visualização e o
acesso dos predadores e garantir um maior sucesso populacional.
57
totalmente aceitas, mas a grande maioria dos pesquisadores acredita que essas funções sejam relacionadas à
defesa. A emissão de uma nuvem luminescente, por exemplo, confundiria temporariamente o predador. Por
outro lado, larvas de peixes poderiam utilizar tal fenômeno para atrair muitos invertebrados planctônicos, os
quais serviriam como presas. Porém, estudos experimentais são altamente indicados, sobretudo em regiões
tropicais e subtropicais, onde o fenômeno é mais comum.
A partir de 1833, o famoso naturalista inglês Charles Darwin fez, durante a expedição no Beagle,
algumas interessantes considerações sobre o plâncton, especialmente sobre os quetognatos (Darwin, 1844),
podendo ser este um dos trabalhos mais antigos sobre invertebrados planctônicos marinhos no Brasil. Em
suas anotações, fez a seguinte observação: “...Eu arrastei, muitas vezes, uma rede confeccionada com
retalhos e, deste modo, coletei muitos animais curiosos”. Outro grande salto nas pesquisas sobre o estudo
dos invertebrados planctônicos foi dado em 1845, durante uma expedição oceanográfica realizada em
Helgoland, na Alemanha. Neste cruzeiro, o naturalista Johannes Müeller passou uma rede fina de seda na
superfície do mar para capturar algumas partículas em suspensão na água, tornando-se o maior responsável
por aplicar uma técnica de arrasto de plâncton através de uma rede e torná-la universalmente conhecida. Ao
analisar as amostras, Müeller observou que essas partículas eram totalmente desconhecidas pela ciência e
representavam inúmeras formas de vidas vegetais e animais. A partir deste marco, as pesquisas sobre o
plâncton marinho ganharam um forte impulso. E a partir da expedição Challenger de 1872-1876 mostrou-se
a rica biodiversidade do plâncton marinho através das inúmeras pranchas confeccionadas por Ernst Haeckel
(Haeckel, 1891), um dos maiores naturalistas do século XIX.
Até 1890, existiam 13 trabalhos de expedições internacionais nas quais amostras de zooplâncton foram
estudadas em águas marinhas brasileiras. A partir de 1890 até 1900 houve uma contribuição maior para o
estudo dos organismos planctônicos, tendo sido feitos 20 trabalhos de zooplâncton. Destacam-se, nestes
períodos, os resultados das amostragens da “Plankton Expedition”, patrocinada pela Fundação Von
58
Humboldt, que abrangeu especialmente a região Norte e parte da região Nordeste do país. O interesse
estratégico pelos oceanos se intensificou após a 2ª Grande Guerra, e as viagens de pesquisa ofereceram boas
oportunidades para a Planctonologia internacional se expandir (Brandini et al., 1997). Ainda segundo esses
autores, no final da década de 1940 e início da década de 1950, a Marinha do Brasil promoveu expedições
oceanográficas na costa Central do Brasil, dando oportunidade a pesquisadores brasileiros de estudarem o
plâncton da região, a exemplo da naturalista Marta Vannucci que listou algumas espécies de hidromedusas.
Posteriormente, foram obtidas amostras de plâncton a bordo do N/Oc “Almirante Saldanha”, da Diretoria de
Hidrografia e Navegação, durante um cruzeiro realizado entre Vitória e a Ilha de Trindade. O material obtido
foi utilizado para análises qualitativas e quantitativas do zooplâncton, incluindo a identificação das espécies e
a determinação da densidade e volume total do plâncton. Os resultados mostraram que a região é dominada
por águas oligotróficas, pobres em fito e zooplâncton e com espécies típicas da Água Tropical da Corrente
do Brasil. Foram identificados os diferentes grupos do zooplâncton, verificando-se a dominância dos
copépodes, assim como uma alta representatividade de quetognatos e de apendiculários. Desde então, a
planctonologia marinha brasileira tomou impulso, simultaneamente, em distintos setores da costa, sobretudo
em São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul (Brandini et al., 1997).
Em relação ao zooplâncton límnico do Brasil, os primeiros trabalhos datam das décadas de 1920 e
1930. Inicialmente, a limnologia no País caracterizava-se pelo enfoque autoecológico e hidrobiológico, com
estudos principalmente na região Nordeste, considerada o “berço” da limnologia brasileira. Porém, nas
décadas de 1950 a 1970, no século passado, as atividades concentraram-se na região amazônica e no Rio de
Janeiro, onde muitos trabalhos sobre plâncton começaram a ser desenvolvidos (Esteves, 1998). Talvez, os
primeiros estudos sobre invertebrados límnicos em águas continentais nordestinas, ou até mesmo brasileiras,
tenham sido os de Spandl (1926), realizados no Piauí. Neste estudo, Spandl registrou sete espécies de
rotíferos, seis de cladóceros e uma de copépode. O trabalho de Ahlstrom (1938) também foi um dos
pioneiros para ambientes lênticos da região Nordeste. Nesse estudo, o autor compilou dados taxonômicos e
ecológicos das espécies de rotíferos provenientes de amostras coletadas nos estados da Paraíba, Pernambuco
e Ceará. Na mesma época, foram desenvolvidos alguns trabalhos sobre zooplâncton límnico de várias
regiões brasileiras, incluindo registros de espécies para o Nordeste (Brehm & Thomsen, 1936; Brehm, 1937;
1938). Depois dessas pesquisas, muitos anos se passaram para que outros estudos fossem desenvolvidos
sobre o assunto. Somente no final da década de 1970, Nordi & Watanabe (1978) retomaram os estudos no
Nordeste brasileiro, estudando os rotíferos do açude Epitácio Pessoa, na Paraíba.
Métodos de Estudo
Existem vários métodos e tipos de equipamentos para coletar invertebrados planctônicos. Porém, um
fator primordial antes da seleção do equipamento ou do método é o grupo alvo, sendo então escolhido o
tamanho da malha. O mais usado é a famosa rede de plâncton (Fig. 1). Alguns pesquisadores sugerem que a
abertura da malha possua, em média, uma diagonal 25% menor que a maior largura do organismo alvo.
Aberturas maiores favorecem o escape de indivíduos de pequeno porte, subestimando, desta forma, a
59
densidade desses organismos (Beers, 1981; Boltovskoy, 1981). Amostragens de invertebrados planctônicos
límnicos devem ser realizadas com malhas finas (40 a 80 µm). Caso o pesquisador opte por redes de
plâncton com malhas maiores (>100 µm), haverá um escape de muitas formas menores, tais como os
protistas heterótrofos, rotíferos, náuplios de copépodes e ciclopoides juvenis e adultos.
Figura 1. Tipos de equipamentos para coleta de plâncton. a) Garrafa coletora (tipo Niskin). b) Rede de plâncton padrão.
c) Rede tipo bongô (note o fluxômetro e depressor acoplado). d) Rede de neuston acoplada à catamarã (modelo
David/Hempel). e) Multinet. f) Mocness (Multiple Opening/Closing Net and Environmental Sensing System). [Fontes:
a-e. Hidro-Bios (2004) e f. Adaptado de Gulf of Maine Research Institute (1999-2012)].
Estudos realizados em diversas regiões costeiras e oceânicas do Brasil mostram valores bem distintos.
Por exemplo, em estudos feitos na área adjacente ao litoral norte de Pernambuco (Porto Neto et al., 1999;
Silva et al., 2003), pesquisadores observaram diferenças de até 12 vezes entre duas redes com diferentes
aberturas de malha (120 e 300 µm), destacando-se, em termos de densidade, a parcela coletada com rede de
120 µm. Desta forma, quanto menor a malha (variando entre 60 e 300 µm), maior será a quantidade de
organismos do zooplâncton estuarino/marinho coletada. Uma alternativa interessante para amostrar a
comunidade de maneira mais representativa, é a utilização de malhas de tamanhos distintos conjuntamente
(ex.: 64 e 200 µm), garantindo dessa forma uma maior abrangência da comunidade em termos de espectro de
tamanho, e consequentemente diversidade e estágios de desenvolvimento (Hopcroft et al., 2001).
60
Para realizar coletas quantitativas dos menores representantes do plâncton (nanoplâncton), garrafas do
tipo Van Dorn ou Niskin (Fig. 1a) são as mais indicadas, devido ao volume bem definido e boa
representatividade desses organismos em pequenos volumes de água. Redes de plâncton também são
utilizadas, mas geralmente são usadas para coletas qualitativas, sobretudo em ambientes límnicos. Os
organismos a partir do microplâncton (> 20 µm), por outro lado, necessitam de equipamentos mais eficazes
na captura, tais como redes Bongô, de nêuston ou de plâncton propriamente ditas (cônica padrão), esta última
podendo apresentar um mecanismo para fechamento (Fig. 1c, d, b, respectivamente). Dentre essas três,
bastante utilizadas em campanhas amostrais marinhas, merece destaque a rede de nêuston, já que,
diferentemente das demais, possui acessórios flutuantes que permitem a coleta de organismos associados à
película superficial da coluna de água. Esta rede possui uma aplicação especial para larvas meroplanctônicas,
pois estudos mostram que muitas fases larvais vivem associadas a substratos flutuantes, tais como folhas de
mangue e outros fragmentos vegetais, que se acumulam na camada superficial da coluna de água de áreas
estuarinas e costeiras.
Com exceção da rede de nêuston, as demais podem ser arrastadas de forma vertical, horizontal e/ou
oblíqua, o que dependerá dos objetivos do estudo (Fig. 2). No arrasto vertical, a rede é conduzida até a
profundidade desejada, com auxílio de um peso (muitas vezes chamado de poita), sendo arrastada
verticalmente até a superfície. No arrasto horizontal subsuperficial, a rede é lançada na superfície, sendo
arrastada horizontalmente e mantida sempre alguns poucos centímetros abaixo da interface água-ar. É
bastante importante realizar o monitoramento da posição da rede durante o arrasto, já que ao aumentar a
velocidade da embarcação, a rede tende a subir e ultrapassar essa interface. No arrasto horizontal profundo, a
rede é conduzida até a profundidade desejada, com auxílio de um peso, e arrastada horizontalmente nessa
profundidade, sendo posteriormente fechada e conduzida à superfície. O fechamento é essencial para que não
haja mistura de comunidades de invertebrados planctônicos de diferentes camadas. Por fim, no arrasto
oblíquo, a rede é arrastada durante todo trajeto de descida (Fig. 2; sentido de A para B), ao mesmo tempo em
que a embarcação é deslocada. Ao atingir a profundidade desejada (Fig. 2B), a rede é arrastada obliquamente
de forma ascendente até a superfície (Fig. 2C). A regulação da rede no fundo é mantida pelo peso e pela
força de arrasto, a partir da embarcação. Em todos os tipos de arrasto, o ideal é manter velocidade de 1 a 3
nós (maiores velocidades destroem ou danificam os organismos). Os arrastos verticais, horizontais de
profundidade e/ou oblíquos são indicados para quase todos os ecossistemas aquáticos, exceto para lagos e
reservatórios com grande quantidade de macrófitas ou árvores submersas. Arrastos horizontais não são
indicados para ambientes rasos e/ou com densos bancos de macrófitas flutuantes. Neste caso, é indicado o
método de filtração de água a partir de baldes graduados (> 100 L).
Geralmente, o zooplâncton de maior porte foge rapidamente ao sentir a aproximação da rede. Por isso,
redes com aberturas maiores são mais indicadas para este tipo de organismos (desde que respeitado o limite
mínimo entre a abertura da malha e o tamanho dos indivíduos a serem coletados). Quanto maior a abertura
da malha, menor a percepção por parte do zooplâncton mais sensível e/ou maior será o fluxo de água criado,
impedindo a fuga dos organismos com maior capacidade natatória. Destaca-se ainda, a importância da
61
utilização de tecidos de tonalidades escuras na confecção das redes, para reduzir a reflexão da luz, tornando-
as menos visíveis aos organismos, evitando a fuga destes (Sameoto et al., 2000).
Além desses equipamentos, o estudo do plâncton pode ser realizado por meio de redes múltiplas de
fechamento automático (Fig. 1e, f), capazes de coletar em várias camadas a partir de um único lance. Outros
aparatos de coleta comumente utilizados são bomba de sucção acoplada a uma rede, amostradores contínuos
(Continuous Plankton Recorder) ou até mesmo equipamentos acústicos e óticos. Após a coleta, todo o
material coletado pode ser fixado em solução com lugol a 1%, para os protistas heterótrofos, e com formol
neutro a 4%, para os metazoários, para análises posteriores em laboratório. Para análises mais específicas, a
amostra pode ser congelada ou mantida em baixas temperaturas (biomassa, conteúdo bioquímico, valor
nutricional, etc.), ou fixada em álcool P.A. para análises de DNA.
Figura 2. Tipos de arrasto com rede de plâncton em ecossistemas marinhos e límnicos: (i) vertical, (ii) horizontal
subsuperficial, (iii) horizontal profundo, e (iv) oblíquo [Adaptado de Omori & Ikeda (1984)]. As linhas tracejadas
indicam o percurso da rede de plâncton, cujos arrastos seguem o sentido das setas.
Uma vez coletadas, as amostras são processadas em laboratório, de acordo com os objetivos de cada
estudo, seja sobre sistemática ou ecologia. Inicialmente, antes de os invertebrados planctônicos serem
colocados em placas de contagem de plâncton (Fig. 3a e 3b), manipulados e dissecados com o auxílio de
pinças e estiletes (Fig. 3c e 3d), as amostras são subamostradas (devido ao elevado número de indivíduos)
através de pipetas ou fracionadores (Fig. 3e, f, g). Posteriormente, as subamostras são analisadas em
microscópio ou lupa (estereomicrocópio), de acordo com o tamanho dos organismos. Geralmente,
invertebrados límnicos ou aqueles marinhos de pequena classe de tamanho (microzooplâncton) são
analisados em microscópios, e os demais em estereomicroscópios. Esses organismos são quantificados e
identificados, seguindo bibliografia pertinente para cada grupo animal, podendo ainda serem medidos
(através de oculares milimetradas ou mesas digitalizadoras – ver Melo Junior, 2009).
62
Recentemente, equipamentos óticos também têm sido utilizados em laboratório, com destaque para o
Zooscan (Fig. 3h) e a FlowCam (Flow Cytometer and Microscope) (Fig. 3i). O ZooScan é bastante similar a
um escâner comercial, adaptado para amostras de plâncton, apresentando uma resolução de 2400 dpi, o que
permite a obtenção de até 2000 objetos por frame. Na FlowCam por sua vez, a amostra é passada através de
uma célula, de maneira similar a um citômetro de fluxo, e imagens dos organismos são capturadas e
armazenadas. Em ambos os equipamentos, as imagens são posteriormente processadas, gerando dados de
abundância, tamanho, volume, etc., além de possibilitar a identificação dos organismos, porém com menor
resolução que o método clássico. Essas imagens são utilizadas para criar um set de treinamento, o que
permite uma identificação semiautomática das amostras que serão posteriormente analisadas.
Figura 3. Equipamentos utilizados em laboratório para processamento e análise das amostras de plâncton. Placas de
contagem - modelos: Sedgewick Rafter (a) e Bogorov (b). Pinça (c) e estilete (d) para manipulação de invertebrados
planctônicos. Sub-amostradores de plâncton: Pipeta Hensen-Stempel (e) e fracionadores tipo Folsom (f) e tipo Motoda
(g). Equipamentos óticos de análise de plâncton: ZooScan (h) e FlowCam (Flow Cytometer and Microscope) (i).
[Fontes: a. Electron Microscopy Sciences (2013), b e f. Hidro-Bios (2004), c. e d. Fine Science Tools, Inc (2013), e.
Dhargalkar & Verlecar (2004), g. original, h. Hydroptic (2013), i. Fluid Imaging Technologies (2010)].
63
Análises de biomassa e produção secundária
Os invertebrados planctônicos são bastante abundantes nos diversos ecossistemas aquáticos. Uma
importante forma de se estimar a contribuição ecológica desses animais para as teias tróficas aquáticas é
investigando a energia armazenada sob a forma de matéria orgânica nos invertebrados planctônicos, através
dos cálculos de biomassa e produção secundária.
A biomassa zooplanctônica é, muitas vezes, representada por uma medida aproximada do volume do
plâncton. Um dos métodos mais práticos de avaliar a biomassa de invertebrados planctônicos
marinhos/estuarinos é a determinação do seu peso úmido. Este método deve, no entanto, ser efetuado com
algumas precauções, uma vez que não representa um valor preciso da biomassa. O peso úmido de uma
amostra de zooplâncton é determinado após a remoção, tão completa quanto possível, da água intersticial
(Ré, 2000). Geralmente, o valor da biomassa é expresso em g m-3 ou mg m-3. Em estudos sobre o plâncton
estuarino, costuma-se empregar o termo biomassa sestônica devido ao grande número de partículas detríticas
e inorgânicas (trípton) que vêm associadas aos organismos planctônicos no momento das coletas (Bonecker
et al., 2009). Uma desvantagem desse método é o fato desse dado ser representativo de toda comunidade, e
não das espécies isoladamente. Outras desvantagens são: (i) nem sempre toda água intersticial é retirada, o
que acaba superestimando os dados de biomassa; (ii) não é indicado para amostras com pequena quantidade
de organismos, tais como as amostras oceânicas, de profundidade ou límnicas de sistemas lênticos; e (iii)
grande quantidade de invertebrados com corpos gelatinosos (medusas, quetognatos, por exemplo) pode
mascarar os dados de biomassa.
Outros métodos de obtenção de biomassa podem ser utilizados. Um deles é o da obtenção do peso
seco, que pode ser extraído a partir da secagem, em estufa, de toda amostra concentrada em filtros de fibra de
vidro, devidamente pesados anteriormente. Seguindo protocolo específico, o pesquisador pode ainda extrair
valores das cinzas (matéria inorgânica), a partir da degradação da matéria orgânica em mufla. Outro método
é o da obtenção dos dados de biovolume, no qual o pesquisador pode inferir a partir do deslocamento
volumétrico de um líquido conhecido (medido em uma proveta, por exemplo) após a introdução da amostra
de plâncton neste volume. Mais detalhes sobre estes e outros métodos podem ser encontrado em Beers
(1981), Harris et al. (2000) e Pinto-Coelho (2006).
A produção secundária dos invertebrados planctônicos no ambiente pelágico inclui desde a produção
de protistas heterótrofos a quetognatos - e, diferentemente do que é observado para a produção primária do
fitoplâncton (Poulet et al., 1995), não existe nenhum método atualmente que permita estimar a produção em
todos os níveis tróficos de forma simultânea. Considerando a grande diversidade de espécies e o amplo
espectro de tamanho observado na comunidade de invertebrados planctônicos, esta mesma restrição é
observada (Runge & Roff, 2000). Enquanto não se dispõe de uma técnica que permita englobar a produção
de todos os componentes do zooplâncton, a única abordagem viável atualmente envolve a análise das taxas
de produção secundária de espécies numericamente importantes em uma dada associação.
64
A avaliação de produção secundária em ecossistemas pelágicos foi considerada como um assunto
principal na ecologia, e até hoje permanece como um grande desafio (Harris et al., 2000; Hirst & McKinnon,
2001; Miller, 2004), sobretudo em áreas marinhas tropicais e subtropicais do Brasil (Lopes, 2007). O
conhecimento sobre a produtividade secundária em uma dada região permite não apenas elucidar o estado
nutricional e fisiológico da comunidade, mas também a elaboração de teorias gerais sobre a produção
biológica como um todo (Kimmerer, 1987; Huntley & Lopez, 1992; Runge & Roff, 2000). No geral, a maior
parte dos estudos sobre a produção secundária do zooplâncton contempla os copépodes e, para ecossistemas
límnicos, cladóceros e rotíferos, já que eles são os organismos numericamente dominantes nestes ambientes
(Mauchline, 1998; Turner, 2004; Schminke, 2007; Tundisi & Matsumura-Tundisi, 2008). O acesso à
produção secundária destes organismos é uma forma eficiente de conhecer o papel do zooplâncton como
fonte de energia e matéria para os níveis tróficos das teias alimentares marinhas (Hirst & Bunker, 2003),
embora a maior parte das informações disponíveis sobre essa produção é restrita a ambientes localizados em
regiões temperadas.
A produção realizada por um heterotrófico sobre um dado intervalo de tempo é definida como uma
taxa de elaboração de biomassa pelo organismo, independentemente do destino dessa nova matéria. Essa
produção pode ser descrita pela fórmula simplificada P = (Bt – B0) + Br + Bs, onde Bt e B0 são a biomassa
da população no tempo t e 0, respectivamente, Br e Bs correspondem à biomassa equivalente aos gastos
reprodutivos (produção de ovos e espermatóforos) e somáticos (por ex.: exúvias em crustáceos),
respectivamente (Hirst & McKinnon, 2001). Uma forma ainda mais simplificada para estimar a produção
secundária de populações zooplanctônicas é multiplicando a biomassa pela taxa de crescimento de uma dada
população. Se por um lado a biomassa do zooplâncton pode ser obtida a partir de diversos métodos
geralmente simples e rápidos (ver também revisão de Beers, 1981), o mesmo não é constatado quando se
almeja obter as taxas de crescimento dos organismos (Miller, 2004; Lopes, 2007). Apesar disso, são poucos
os métodos capazes de obter dados de biomassa específicos para uma determinada espécie, destacando-se a
utilização de equações morfométricas empíricas que relacionam o peso dos organismos com o tamanho do
animal, as quais têm sido freqüentemente aplicadas em estudos sobre o zooplâncton marinho (Chisholm &
Roff, 1990; Webber & Roff, 1995; Hopcroft et al., 1998; Ara, 2004; Jiménez-Pérez & Lavaniegos, 2004;
Satapoomin et al., 2004; Miyashita et al., 2009), e os recentes métodos que utilizam imagens digitais dos
organismos (ver revisão de Oliveira, 2009).
Existe uma grande variedade de métodos para a avaliação das taxas de crescimento do zooplâncton,
sobretudo o marinho. Dentre estas técnicas, destacam-se as análises de coortes (Greze, 1978; Uye, 1982), a
técnica de “coortes artificiais” (Kimmerer & McKinnon, 1987; McKinnon & Duggan, 2003; Liu & Hopcroft,
2006a e b; 2007), os métodos baseados na estimativa das taxas de produção de ovos (Poulet et al., 1995; mas
ver Hirst & McKinnon, 2001), a medição de taxas metabólicas (Ikeda et al., 2000) e o uso de técnicas de
RNA (Saiz et al., 1998). Muitos destes métodos apresentam diversos problemas em comum, podendo ser
destacados os seguintes: (i) impossibilidade de agregar mais de uma espécie ou mesmo mais de uma fase de
desenvolvimento (mas ver Kimmerer & McKinnon, 1987), o que pode conduzir a uma interpretação não
65
confiável da produção zooplanctônica total; (ii) efeitos negativos das condições laboratoriais, não permitindo
que as incubações durem geralmente mais que um dia (ou, às vezes, poucas horas!); e (iii) incapacidade de
aplicar as técnicas aos diversos grupos ou espécies. Neste caso, uma alternativa aparentemente viável seria a
aplicação de modelos empíricos para o cálculo das taxas de crescimento e, conseqüentemente, de produção
secundária a partir de variáveis ambientais, particularmente a temperatura da água, o peso corporal dos
organismos e o alimento (Huntley & Lopez, 1992; Hirst & Sheader, 1997; Hirst & Lampitt, 1998; Hirst &
Bunker, 2003). Recentes revisões sobre as particularidades dos principais modelos globais empíricos
disponíveis na literatura atual podem ser conferidas em Liu & Hopcroft (2006a e b) e Lopes (2007).
O estudo dos invertebrados planctônicos vem sendo ampliado e aprimorado nos últimos tempos,
principalmente no que se refere às pesquisas relacionadas ao monitoramento ambiental, tanto em águas
marinhas quanto em ecossistemas continentais. Apesar disso, porém, assim como para vários outros grupos
de organismos, ainda persistem diversas lacunas a serem preenchidas.
Uma das dificuldades iniciais é a forma de divulgação dos dados. Grande parte das informações
produzidas está contida na chamada literatura cinza (relatórios técnicos, monografias, dissertações e teses),
muitas vezes de difícil acesso aos pesquisadores em geral. Alguns desses dados nem chegam a ser
verdadeiramente publicados em veículos de comunicação científica mais amplos, tais como artigos em
periódicos especializados e livros, o que faz com que parte dos conhecimentos existentes ainda esteja restrito
a um determinado público. Desta forma, é importante que os pesquisadores da área de invertebrados
planctônicos publiquem os resultados de seus estudos visando atingir um maior público possível.
66
a) Estudos em diferentes camadas de profundidade que incluam perfilagens contínuas, ao invés das
coletas discretas a pontos restritos na coluna d’água;
b) Amostragens em escalas horizontais adequadas, para permitir a realização de uma abordagem mais
completa da comunidade, a fim de constituir uma maior proximidade da caracterização real dos ecossistemas
estudados;
c) Amostragens em curto intervalo de tempo (horas, dias ou semanas), a fim de melhor esclarecer os
padrões dinâmicos dos organismos zooplanctônicos frente às diferentes escalas de variação dos principais
fatores ambientais envolvidos;
e) Priorização de pesquisas em áreas nunca ou pouco estudadas, tais como as regiões oceânicas e mar
profundo, nos ambientes marinhos, além de rios e lagoas temporárias de regiões semiáridas e lagos de
altitude, nos ecossistemas límnicos;
f) Estudos em regiões portuárias, lagoas costeiras e corpos d’água fronteiriços, a fim de determinar a
possível ocorrência e influência de espécies exóticas sobre as espécies de invertebrados planctônicos nativos.
Além disso, a ampliação dos conhecimentos quanto aos invertebrados planctônicos depende,
intrinsecamente, da intensificação das pesquisas em temas relacionados à taxonomia, trofodinâmica,
produção secundária, testes in situ e in vivo, e também aquelas relacionadas à ecologia aplicada. É primordial
que ocorra um maior investimento em estudos taxonômicos, uma vez que as dificuldades de identificação
tem sido limitantes em vários estudos; desta forma, deve-se buscar a formação de especialistas em taxonomia
de invertebrados planctônicos, principalmente em relação aos grupos de organismos pouco ou nunca
estudados.
As pesquisas com experimentações in situ e in vivo são importantes para esclarecer aspectos sobre
ontogenia e fisioecologia, áreas de conhecimento bastante relevantes e com dados ainda incipientes, cujos
resultados são a base de estudos ecológicos mais aplicados, tais como a biomanipulação e o
biomonitoramento.
67
Entretanto, uma vez que as comunidades de invertebrados planctônicos são partes integrantes de
ecossistemas complexos formados não apenas por fatores bióticos, mas também por fatores abióticos,
evidencia-se a necessidade de uma maior atenção para as variáveis ambientais nas pesquisas realizadas,
principalmente em relação àquelas pouco mensuradas, tais como turbulência e direção das correntes, no
ambiente marinho, e influência da Matéria Orgânica Particulada (MOP), em todos os ecossistemas aquáticos.
Não se pode esquecer, ainda, da importância de estudos que levem em consideração as mudanças climáticas,
principalmente quanto às variações no perfil térmico das massas d’água, já que este é um tema de
fundamental relevância na atualidade.
Desta forma, pode-se concluir que o estudo das comunidades de invertebrados planctônicos é uma
área na qual ainda há muito para se conhecer e se esclarecer, o que torna este tema um campo científico com
muitos mistérios e riquezas a serem exploradas.
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73
CAPÍTULO 4
Introdução
De forma impressionante, os crustáceos são animais de morfologia altamente diversificada, algo não
observado em nenhum outro organismo vivo (Martin & Davis, 2001). Os artrópodes atuais, que possuem
apêndices birremes, apresentam um sucesso notável visto o grande número de espécies existentes e a
diversidade de habitats que ocupam. Este fato pode ser evidenciado pela variabilidade de padrões nos seus
ciclos de vida e diferentes estratégias de estabelecimento em muitos ambientes (Sastry, 1983; Fransozo &
Negreiros-Fransozo, 1996).
Com cerca de 15.000 espécies atuais conhecidas (espécies fósseis ultrapassam 3300), os Decapoda são
os crustáceos mais familiares às pessoas devido ao fato de que há neste grupo várias espécies importantes do
ponto de vista econômico como camarões, lagostas, caranguejos e siris (Ng et al., 2008). A maioria das
espécies de decápodos ocorre nas regiões tropicais e subtropicais, apresentando significativa diminuição da
diversidade em direção às regiões temperadas-frias e frias (Fransozo & Negreiros-Fransozo, 1996; Boschi,
2000).
Apesar de alguns exibirem algum grau de terrestrialidade, os decápodos são basicamente animais
aquáticos. Mesmo as espécies com hábitos terrestres têm dependência da água para a realização de diversos
processos biológicos. As espécies aquáticas podem passar a vida toda em um determinado
habitat/comunidade, como espécies de caranguejos dulcícolas bentônicos que apresentam desenvolvimento
direto ou camarões tipicamente pelágicos. Da mesma forma, durante o ciclo de vida, os decápodos podem
mudar totalmente de ambiente, como caranguejos estuarinos e marinhos que habitam a comunidade
planctônica no início da vida e deslocam-se para a região bentônica após passar por um ou vários estágios
larvais. Os ambientes marinhos, estuarinos e dulcícolas onde são encontradas espécies de decápodos têm
ciclos de vida com variados períodos de tempo e as respectivas condições físico-químicas destes ambientes
estão em constante mudança. Consequentemente, os decápodos possuem adaptações (que surgiram ao longo
do tempo) para sobreviverem e se reproduzirem nos variados locais onde ocorrem.
1
Universidade Federal do Piauí – Campus Senador Helvídio Nunes de Barros, Rua Cícero Duarte, s/n,
Bairro Junco – CEP 64.600-000, Picos, PI, Brasil.
2
Universidade Regional do Cariri – Departamento de Ciências Físicas e Biológicas, R. Cel. Antônio Luiz,
1.161, 63.100-000, Crato, CE, Brasil
74
Desde que são importantes para o funcionamento dos ecossistemas naturais e muitas espécies são
exploradas comercialmente, os decápodos se tornaram objeto de diversas investigações ecológicas. O
conhecimento apropriado dos ciclos de vida de tais artrópodes é fundamental para a conservação e manejo
adequado das populações e ecossistemas e vêm sendo realizado há décadas.
Atividades de Campo
As coletas devem ser planejadas conforme um conhecimento prévio de logística. A decisão de qual
método de amostragem incluir na pesquisa requer uma minuciosa análise das características de cada tipo
disponível. Perguntas importantes devem ser consideradas antes da coleta como, por exemplo: como, quando
e em que locais coletar determinado grupo? Quanto material biológico coletar? O que fazer antes, durante e
após as coletas? Quais variáveis ambientais e bióticas serão mensuradas? Quanto de recurso financeiro será
necessário para a realização de todas as campanhas de coleta da pesquisa?
O planejamento das coletas incluem ações anteriores ao trabalho de campo propriamente dito e devem
considerar as legislações para acesso e manuseio da flora e fauna locais. No Brasil, a autorização da coleta
do material biológico deve ser providenciada, sendo emitida pelo órgão governamental competente (ICMBio
– Sistema SISBIO). Segurança e qualidade na coleta de dados são fundamentais. Recomenda-se, portanto,
visitas prévias aos locais de coleta para a escolha mais adequada do local específico (Amaral & Nallin,
75
2011). Outro fator que pode determinar o sucesso ou não de um programa de amostragens é o conhecimento
biológico e ecológico prévio a respeito da espécie alvo. Informações a priori sobre habitat, comportamento e
relacionamento ecológico são de grande importância para uma escolha adequada do método a ser
empregado. Para melhor entender os procedimentos que devem ser realizados antes e depois das coletas de
animais (ver Auricchio & Salomão 2002).
Tipos de coleta
A maioria dos decápodos adultos habitantes de mares e oceanos ocupa preferencialmente a região
bentônica. Algumas espécies passam a fase adulta na zona pelágica, mas é junto aos fundos de sedimentos
consolidados ou não, que a maior parte das espécies de decápodos ocorre. Há, também, casos de simbiose em
que decápodos vivem associados a outros organismos.
76
trabalhos ecológicos sobre as populações de crustáceos, também, se utilizam da mesma forma de captura, o
que permite avaliar os impactos da atividade pesqueira. O uso de redes de arrasto de fundo não é
exclusividade das pesquisas no Brasil, sendo este tipo de método comum ao redor do mundo para estudos
com decápodos bentônicos, além de outros organismos. Apesar de ser uma técnica eficiente para muitos
propósitos, sua baixa seletividade é evidente (Courtney & Dredge, 1988; Teikwa & Mgaya, 2003).
Figura 1. *************************************************
Como resultado desse esforço de pesca, uma fauna acompanhante diversificada é, também, capturada
constantemente nas embarcações. A fauna acompanhante, ou o termo anglo-saxão “by-catch”, se refere ao
conjunto de organismos de outras espécies que são capturados junto às espécies alvo da pesca e que,
geralmente, são rejeitados junto com indivíduos das espécies alvo que não atingiram o tamanho comercial ou
são devolvidos ao mar (Robert et al. 2007). A pesca efetuada por barcos, providos com redes de arrasto com
portas, captura acidentalmente uma enorme quantidade de organismos bentônicos que compartilham o
mesmo ambiente das espécies comercialmente procuradas (Fonseca et al. 2005). Negreiros-Fransozo &
Fransozo (2011) utilizaram como métodos de coleta para os decápodos em sublitoral não consolidado no
litoral do Estado de São Paulo, além das redes de arrasto, outros apetrechos como dragas e pegadores do tipo
van Veen, que se mostraram eficientes para obtenção de espécimes de decápodos bentônicos da meiofauna
ou infauna.
Em rios e riachos, muitas espécies de decápodos, como camarões e caranguejos de água doce, vivem
associadas às margens com vegetação. Uma técnica de coleta bastante eficiente para capturar tais animais é o
uso de puçás e peneiras junto à vegetação marginal (Mossolin & Bueno, 2002; Lima & Oshiro, 2002). Em
77
estudo com anomuros aeglídeos, Gomes (2012) utilizou rede manual do tipo puçá em margens, centro do rio
e locais com acúmulo de folhiços para amostrar indivíduos juvenis e adultos, que ocupam diferentes micro-
habitats dentro de um arroio. O puçá era colocado contra a correnteza para que, ao deslocar pedras e remexer
o substrato, os aeglídeos fossem capturados pela rede. Em estudo com portunídeos, o uso de puçás foi
eficiente para coletar o siri Callinectes danae ao longo de um transecto no Rio Grande do Sul (Castro-Souza
& Bond-Buckup, 2004).
Coleta manual
A coleta manual é uma técnica de coleta muito comum em pesquisas com decápodos terrestres e
semiterrestres. Nos ambientes de manguezais e de praias arenosas e rochosas a coleta manual é um método
bastante eficaz para se coletar espécimes adultos de crustáceos. Para algumas espécies que são exploradas
como recurso pesqueiro, as técnicas de coleta são inspiradas por técnicas de pesca tradicionais utilizadas por
pescadores. No manguezal, por exemplo, técnicas como o “braceamento” (introdução do braço do catador na
toca do caranguejo no intuito de agarrá-lo com a mão), a tapagem, o covo pequeno e grande, a linha, a
“ratoeira” e a redinha são usadas para captura de siris e caranguejos de importância econômica (Magalhães et
al., 2011). Caranguejos estuarinos conhecidos, popularmente, como “Uçás” estão entre os principais recursos
comercializados e coletados pela população ribeirinha (Cortez, 2010). Em um trabalho sobre a relação entre
o diâmetro da toca e tamanho do animal foram realizadas escavações e capturas por armadilhas de Ocypode
quadrata, um conspícuo caranguejo de praias arenosas da costa leste da América do Sul. Neste estudo, os
espécimes foram medidos e devolvidos ao ambiente natural (Alberto & Fontoura, 1999). Outra técnica de
coleta bastante utilizada para amostragem de decápodos bentônicos é o mergulho autônomo, procurando os
animais de forma paciente, principalmente nos esconderijos disponíveis no ambiente, como entre fendas e
embaixo de rochas. Em alguns estudos envolvendo mergulho podem ser utilizados quadrados com área
definida e sugar o material biológico associado ao sedimento (Robinson & Tully, 2000), ou realizar a sucção,
em local escolhido de forma aleatória, por um determinado tempo (Pile et al., 1996).
78
Estudos sobre a associação entre decápodos e outros animais podem ter metodologias de coleta
relacionadas ao hábito de vida. Os bancos de Phragmatopoma caudata (Kroiyer, 1856) ocorrem na forma de
uma faixa bem definida de 40-50 cm de largura ao nível mediano do mediolitoral em Matinhos, PR. Para o
levantamento dos crustáceos vivendo associados nas galerias, houve coleta de um bloco de 30 cm de lado
devido ao crescimento irregular dos bancos de P. caudata. Utilizou-se talhadeira e martelo para a retirada do
material (Bosa & Masunari, 2002). Após a retirada do bloco, este foi mergulhado em um balde graduado
contendo volume conhecido de água e, por deslocamento de líquido, obteve-se o volume da amostra. A
amostra foi retirada do líquido, colocada em saco plástico e levada ao laboratório. Em seguida, os talos da
alga Ulva spp. foram recolhidos e o bloco foi fragmentado até o tamanho de areia, durante o qual, os animais
de maior porte foram coletados manualmente. A areia que ficou depositada no fundo da bandeja foi lavada
pelo menos três vezes, sendo a água com o sobrenadante passada em uma peneira de 1 mm de abertura de
malha, a fim de recolher os animais menores. Mesmo havendo um procedimento específico para obter os
animais dos bancos de sedimento, a parte final da coleta resumiu-se em coleta manual.
O uso de armadilhas é prática comum para coletar decápodos bentônicos em diferentes profundidades
e há uma variedade de tipos de armadilhas que servem para esta finalidade. O tipo mais comum é o covo ou
“matapi” que se constitui em uma armação de metal ou madeira de formato variado com uma abertura em
forma de funil (Fig. 2). No interior da armadilha é colocada a isca. Algumas armadilhas usam fontes
luminosas para atrair os crustáceos como a rede do tipo “aviãozinho” para a pesca de camarão-rosa na região
Sul do Brasil (Vieira et al., 1996). Armadilhas do tipo “pitfall” com tubos de PVC foram usadas com sucesso
em um estudo com grapsídeos em um estuário australiano (Frusher et al., 1994).
Figura 2. *******************************************************
79
As redes, também, são amplamente utilizadas de forma passiva para captura de decápodos. Redes de
fundeio (emalhe demersal) foram usadas para identificar a fauna de anêmonas Calliactis tricolor (Anthozoa,
Acontiaria) em epibiose com caranguejos Brachyura no litoral sul do Paraná e norte de Santa Catarina
(Nogueira et al., 2006). A utilização de redes de emalhe de fundo é uma das técnicas amplamente utilizadas
nas pescarias direcionadas à captura de lagostas espinhosas no nordeste brasileiro (Vasconcelos et al., 1994).
Em alguns casos há a utilização de mais de uma técnica de coleta. Por exemplo, para as coletas de decápodes
de água doce na região amazônica foram utilizados puçás, peneiras, tarrafas, redes de malhas finas,
armadilhas e coleta manual, de acordo com Magalhães (2000).
No ciclo de vida da maior parte das espécies de decápodos está presente uma fase larval. A fase larval
destes animais é muito variável e se manifesta mais complexa em grupos filogeneticamente mais primitivos
(Boschi, 1981). As investigações sobre larvas de decápodos são importantes por aumentarem o
conhecimento sobre o ciclo vital das espécies e, em geral, das que são utilizadas pelo homem como recurso
pesqueiro.
Trabalhos com coleta de plâncton são realizados de diversas maneiras, sempre de acordo com os
objetivos propostos pela pesquisa. É possível estudar um ou vários estágios do desenvolvimento larval, a
distribuição das larvas no tempo e no espaço, entre outros aspectos da ecologia das larvas. Uma das maiores
dificuldades de trabalhar com o material proveniente de amostras de plâncton é a identificação correta a nível
80
específico, particularmente, em lugares onde há grande diversidade de espécies, cuja taxonomia não está
resolvida completamente.
Muitas vezes a coleta de larvas de Decapoda não é o objetivo principal em pesquisas sobre plâncton.
Todavia são componentes importantes do zooplâncton e é necessário o conhecimento de aspectos ecológicos
das espécies. Além das redes de arrasto com diferentes tamanhos de aberturas e diâmetro de malha, a sucção
de água com bomba, também, é bastante utilizada para amostragem de larvas de Decapoda (Dittel et al.,
1991; Queiroga et al., 1997; Queiroga & Blanton, 2005).
Para coleta de larvas de lagostas na costa do nordeste brasileiro foram realizados arrastos oblíquos em
200 metros de profundidade, com uma rede do tipo Bongo, aberturas de malhas de 300 e 500 μm (Góes &
Carvalho, 2005). Com isso, pôde-se analisar a distribuição das larvas de lagostas em diferentes
profundidades e temperaturas.
Figura 3. *****************************************************
81
Considerações finais
Coletar animais da natureza é algo realmente necessário em muitos estudos ecológicos. Alguns
procedimentos de planejamento são fundamentais antes das coletas para que durante e depois das atividades
de campo o trabalho não tenha sido em vão. Para cada tipo de ambiente, de organismo e fase do ciclo de vida
há uma maneira mais adequada de se coletar, com as ferramentas mais apropriadas. Desta forma, o
pesquisador deve estar atento às características individuais da espécie-alvo, de seu habitat e das limitações
das técnicas a serem empregados.
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86
CAPÍTULO 5
Introdução
Parasitas são reguladores naturais das populações de seus hospedeiros, modificam
comportamentos, dietas e até padrões morfológicos. Por isso, levantamentos de fauna, ações de
manejo e conservação de ecossistemas deveriam sempre levar em consideração parâmetros sobre o
parasitismo dos animais e plantas (Rocha et al., 2000; Marcogliese, 2004). Todavia, estudos sobre o
parasitismo de vertebrados no Brasil estão em sua grande maioria voltados para área veterinária
(Cunha-Barros et al., 2003). Entre os hospedeiros menos estudados estão os répteis, cuja
investigação das comunidades de parasitas associadas compreende muitas vezes apenas
levantamentos taxonômicos (por exemplo, Rego, 1983, 1984; Vicente et al., 1993).
A busca por dados ecológicos sobre interrelações entre parasitas e seus hospedeiros
(prevalência, intensidade média de infecção, sensu Bush et al. (1997) compreende um campo de
pesquisa ainda recente no Brasil. Esses trabalhos são predominantemente realizados com lagartos
de restinga nos estados do Rio de Janeiro (Ribas et al., 1998; Vrcibradic et al., 2000, 2002a, b),
Sergipe (Van Sluys et al., 1999), São Paulo (Vrcibradic et al., 1999), Espírito Santo (Vrcibradic et
al., 2002b) e Bahia (Dias et al., 2005). Outros trabalhos abordando diferentes ambientes são muito
raros, podendo ser destacados o estudo dos padrões de infecção de Mabuya dorsivittata Cope, 1862
em uma área de gramíneas no estado do Rio de Janeiro (Rocha et al., 2003) e a comparação da
fauna de helmintos de três espécies de Mabuya Fitzinger, 1826 continentais e insulares dos estados
de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia (Rocha & Vrcibradic, 2003), lagartos da Caatinga no Ceará e
Piauí (Anjos et al., 2011; Ávila et al., 2012).
Além da concentração dos trabalhos estar na região sudeste, há também um reduzido número
de hospedeiros (cerca de 10 espécies de lagartos) e endoparasitas (cerca de 11 espécies de
1
Universidade Regional do Cariri, Departamento de Química Biológica, Campus do Pimenta, Rua Cel
Antônio Luiz 1161, CEP 63105-100, Crato, Ceará. E-mails: samuelvieirab@yahoo.com.br;
ferreira_fs@yahoo.com.br; waltecio@gmail.com
87
Nematoda) estudados. Neste último caso, apenas os trabalhos de Vrcibradic et al. (2002a, b) e Dias
et al. (2005) também investigam dados ecológicos sobre outros táxons de parasitas diferentes de
Nematoda, todos constituídos de espécies não determinadas de Acanthocephala, Platyhelminthes e
Pentastomida. Para serpentes existem um número maior de hospedeiros analisados (Ver Vicente et
al., 1993), entretanto, trabalhos com dados ecológicos com parasitas de serpentes e anfisbênias são
escassos tanto quanto os dados de lagartos, os dados ecológicos se concentram principalmente com
as taxas de infecção por pentastomídeos na Caatinga (Almeida et al., 2006a,b; 2007; 2008a; 2009a)
Vários táxons de invertebrados comumente são registrados como parasitas de répteis merecem
destaque os táxons Pentastomida, parasitando principalmente o sistema respiratório, e Nematoda
que ocupam principalmente o trato gastrointestinal como endoparasitas, além de Arthropoda da
ordem Acari (ácaros e carrapatos), que são encontrados parasitando a pele de lagartos e serpentes.
88
ambientes terrestres como na água (Hickman et al., 2004). Os ácaros são amplamente difundidos
como parasitas de todas as classes de vertebrados e também de outros invertebrados (Bush et al.,
2001). Além disso, são um importante grupo de parasitas que causam muitos danos em espécies em
répteis podendo causar dermatite, perda de sangue e servindo de vetores para doenças infecciosas
(Frye, 2001; Delfino et al., 2011).
Dessa forma, este presente capítulo possui especial importância para a investigação da
biologia, sistemática e aspectos ecológicos de parasitismo de répteis na região do semiárido
brasileiro, fornecendo as informações básicas necessárias para os pesquisadores iniciantes, dando
diretrizes desde a coleta dos hospedeiros em campo e todo o processamento e análises com os
parasitas coletados.
As armadilhas de cola “gluetraps” consistem em uma camada delgada de cola sobre papel
(Fig. 1C), são largamente utilizadas no controle de ratos em residências, por isso podem ser
compradas em lojas que comercializam pesticidas. Nesse tipo de armadilha o animal ao passar
sobre a cola, fica com sua região ventral ou patas grudadas na armadilha. As armadilhas de cola
possuem uma vantagem adicional em relação as outras armadilhas, pois elas amostram
principalmente as espécies arborícolas, que raramente seriam coletadas pelos pitfalls ou pelos funis.
Entretanto recomenda-se que no caso o pesquisador decida utilizar este artefato de coleta é
necessário a realização de revisões constantes, pois os animais coletados morrem rapidamente assim
também como podem ser atacados por formigas, é recomendado dessa forma que sejam realizadas
revisões pelo menos a cada duas horas de intervalo.
As armadilhas do tipo funil, que são de grande utilidade na coleta de serpentes, esse artefato
pode ser confeccionado com material plástico ou de metal, consistindo em um tubo, na qual as duas
entradas são formadas por funis invertidos, permitindo que o animal entre mais não consiga sair
(Fig. 1D), normalmente os funis podem ser utilizados associados com as armadilhas do tipo pitfall,
contribuindo para uma maior eficiência na amostragem herpetológica de uma determinada
localidade.
Adicionalmente aos métodos de coleta acima citados, é ideal que o pesquisador realize buscas
ativas, vasculhando troncos caídos, removendo a casca de árvores morta, que frequentemente são
utilizadas como abrigos por algumas espécies de lagartos, além disso, na busca ativa podem ser
utilizados estilingues ou ligas de borracha, que podem ser uteis na captura dos espécimes.
90
Figura 1. (A) Armadilha de interceptação e queda (Pitfall), em formato de “Y”. Foto cedida por Ribeiro, S. C. (B)
Espécime de Ameiva ameiva coletado em uma armadilha de pitfall. Foto cedida por Ribeiro, S. C. (C) Armadilha de
cola. Foto cedida por Laranjeiras, D. O. (D) Armadilha do tipo funil, utilizada principalmente para coleta de serpentes.
Figura cedida por Laranjeiras, D. O.
Os hospedeiros coletados vivos devem ser sacrificados com Lidocaína 2%, posteriormente
fixados com formalina 10% e conservados em álcool 70%, posteriormente podem ser dissecados
para a busca por pentastomídeos e helmintos nos tratos respiratório e gastrointestinal, assim também
como para a busca por ectoparasitas sobre o seu tegumento, o ideal é que a análise dos órgãos para a
busca de endoparasitas e ectoparasitas (ácaros) ocorra em lupa estereomicroscópica (Fig. 2), já que
muitos desses parasitas são pequenos e a olho nu podem ser facilmente confundidos com fibras ou
pequenos vasos presentes nos órgãos (no caso dos endoparasitas).
Após a coleta os parasitas podem ser conservados em Etanol 70% e para serem identificados o
ideal é que sejam clareados e montados em lâminas temporárias, a fim de permitir uma melhor
visualização de suas principais estruturas morfológicas. Vários procedimentos podem ser utilizados
para tal finalidade. Para pentastomídeos é recomendado a utilização do meio Hoyer, que consiste
em uma solução hidrato de cloral, glicerina, água destilada e goma arábica, essa solução além de
permitir uma boa transparência das lâminas, também possibilita a preservação do material biológico
91
Figura 2. Exemplo do exame padrão do trato respiratório para verificar a presença de endoparasitas no Laboratório de
Zoologia da Universidade Regional do Cariri: (A) Análise do trato respiratório de uma serpente em microscópio
estereoscópico; (B) endoparasitas (pentastomídeos) encontrados. Fotos originais.
por um longo período, esse meio proporciona um bom destaque principalmente para as partes
quitinosas dos pentastomídeos como ganchos e cadrum bucal, essas estruturas são de grande
importância taxonômica.
Em muitos casos, há a necessidade de que os espécimes em análises sejam corados, para que
estruturas taxonomicamente importante sejam melhor visualizados, com essa finalidade alguns
corantes podem ser utilizados, geralmente carmim demonstra uma boa alternativa para helmintos
parasitas de répteis.
Ectoparasitas (ácaros) costumam infestar o tegumento de répteis. Para estudos com ácaros, os
hospedeiros devem ser analisados sob lupa, toda a região dorsal e ventral do hospedeiro deve ser
cuidadosamente verificada, como demonstrado por (Delfino et al., 2003), posteriormente a coletas
os ácaros devem ser montados em lâminas permanentes em meio Hoyer e identificados sob
microscópio de luz.
Para que os aspectos populacionais de uma espécie, ou taxocenose de parasitas em uma dada
população de hospedeiros(s) possa ser comparada entre diferentes localidades, é interessante que
92
algumas medidas populacionais dos mesmos seja calculada, os principais valores sugeridos por
Bush et al. (1997), são; Prevalência e a intensidade média da infecção.
A prevalência consiste na proporção de hospedeiros de uma amostra que estão infectados por
uma determinada espécie de parasita (% de hospedeiros infectados). Por sua vez a intensidade
média da infecção representa o tamanho da infecção causada por uma espécie de parasita em uma
espécie hospedeira. Para esse cálculo é considerado apenas a parcela de hospedeiros que estão
infectados, os não infectados são excluídos do cálculo. Para melhor compreensão do cálculo da
prevalência e intensidade da infecção, tomaremos como exemplo uma amostra de cinco (05)
indivíduos da espécie de lagarto Tropidurus hispidus coletados em uma determinada localidade
(Tabela 1).
Os resultados obtidos na pesquisa nos dizem quais são os endoparasitas, suas taxas de
infecção e seus hospedeiros naturais (ver exemplo na Fig. 3). Esses resultados são muito
importantes para (1) reconhecermos o estresse e doenças que os répteis estão sujeitos naturalmente;
(2) se essas taxas de infecção são agravadas com a ação do ser humano (desmatamento, poluição
etc.); (3) na aplicação de futuros planos de conservação e manejo da fauna; e (4) para a devida
manutenção sanitária de animais em serpentários, biotérios e zoológicos.
93
Figura 3. Exemplo de resultados obtidos com pesquisa de endoparasitas (Nematoda) de répteis. Tropidurus hispidus é
aqui o hospedeiro com mais diversidade em espécies de parasitas, seguido por T. semitaeniatus. Quase todos os
parasitas deste exemplo são generalistas, onde Parapharyngodon sp. infecta todas as espécies de hospedeiros,
contrastando com Spauligodon oxkutzcabiensis encontrado apenas em Phyllopezus sp. Imagem montada à partir dos
dados publicados por Ávila et al. (2012).
Agradecimentos
94
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99
CAPÍTULO 6
Introdução
Os aracnídeos podem ser diferenciados dos demais quelicerados pela perda das gnatobases
(modificações em forma de espinho da base das coxas de quelicerados basais, como límulos, e
utilizadas na alimentação), pela presença de enditos (coxas dos pedipalpos) móveis, pelo ganho da
respiração aérea e pela boca direcionada anteriormente ou anteroventralmente, dentre outras
características (Shultz, 2007; Brusca & Brusca, 2007). Este conjunto de modificações durante muito
tempo foi considerado como uma adaptação à vida na terra, surgidas a partir de um ou vários
eventos de colonização do ambiente terrestre por ancestrais de aracnídeos. No entanto, atualmente,
1
Universidade Federal do Piauí, Campus Amílcar Ferreira Sobral, BR 343, KM 3.5, Bairro Meladão, CEP
64800-000, Floriano, Piauí. E-mail: carvalho@ufpi.edu.br.
100
esta hipótese foi refutada a partir da realização de análises filogenéticas mais robustas e os
aracnídeos são considerados um grupo monofilético pela presença destas características típicas de
animais terrestres e derivadas de um ancestral de vida anfíbia, cujos descendentes completaram o
processo de terrestrialização uma ou diversas vezes de maneira independente, ou ainda retornaram
para uma vida completamente aquática (Shultz, 2007), como algumas espécies de ácaros
(Beccaloni, 2009).
Atualmente, são conhecidas cerca de 100 mil espécies de aracnídeos, sendo as aranhas
(~45.000 espécies descritas) e os ácaros (~45.000 espécies descritas) os grupos mais diversos,
seguidos por opiliões (~6.500 espécies), pseudoescorpiões (~3400 espécies), escorpiões (~1500
espécies) e solífugos (~1100 espécies), enquanto as demais ordens não possuem mais que 300
espécies descritas (Beccaloni, 2009; Platnick, 2014). Estes números não refletem a diversidade real
destes grupos e muitas espécies ainda permanecem desconhecidas. Estimativas indicam que pode
haver mais de 70 a 170 mil espécies de aranhas (Platnick, 1999; Coddington & Levi, 1991) ou
10.000 espécies de opiliões (Machado et al., 2007) no mundo.
Os opiliões (Fig. 1D) podem ser encontrados em uma grande variedade de ambientes, tais
como o solo, serapilheira, gramados e arbustos; embaixo de rochas e troncos caídos; em superfícies
verticais como troncos de árvores e paredes de cavernas (Curtis & Machado, 2007). Estes animais,
que não possuem veneno, são ainda considerados onívoros, uma característica marcante dentre os
aracnídeos. Entretanto, para muitas espécies a alimentação baseada em presas vivas parece
constituir a fonte primária (Acosta & Machado, 2007). Assim, os itens alimentares registrados como
fontes de alimento para opiliões englobam uma grande variedade de insetos, aracnídeos (incluindo
outros opiliões), miriápodes (piolhos-de-cobra e lacraias), isópodes (tatuzinhos-de-jardim),
minhocas, sanguessugas, gastrópodes, fungos, plantas, fezes diversas, pequenos vertebrados e
presas mortas (Acosta & Machado, 2007). A obtenção de alimento nestes animais pode ser
realizada caçando presas vivas (através de emboscadas ou caça ativa) ou conseguindo itens
alimentares imóveis (Acosta & Machado, 2007).
Os amblipígios (Fig. 1F) são reconhecidos pela modificação do seu primeiro par de pernas em
apêndices sensoriais alongados e delgados, formam um pequeno grupo de aracnídeos associados a
microhábitats úmidos. Estes animais podem ser encontrados vivendo no folhiço, em troncos de
árvores, em buracos de cupinzeiros ou ainda em paredes de cavernas, sendo predadores por
102
emboscada de insetos (tais como grilos, baratas, mariposas, etc.), outros aracnídeos e até mesmo
pequenos vertebrados (Weygoldt, 2000; Carvalho et al., 2012). A captura de presas é realizada com
seus pedipalpos raptoriais providos de espinhos pontiagudos que são utilizados para segurar e matar
as suas presas (Weygoldt, 2000).
De maneira semelhante aos amblipígios, os telifônidos (Fig. 1G) e esquizômidos (Fig. 1H)
possuem o primeiro par de pernas com função sensorial e pedipalpos raptoriais para a captura de
presas. Os telifônidos também são conhecidos como escorpiões-vinagre, pela presença de um
flagelo no abdômen e pela capacidade de liberação de substâncias repulsivas que contém ácido
acético, o componente ativo do vinagre (Beccaloni, 2009). Embora tenham uma semelhança de
nomes, da mesma forma como os falsos-escorpiões (ou pseudoescorpiões), os escorpiões-vinagre
(ou telifônidos) tem um relacionamento filogenético distante dos escorpiões (Shultz, 2007). Estes
animais, que podem atingir até 8cm de comprimento total, vivem preferencialmente em florestas
tropicais e podem ser encontrados embaixo de rochas e troncos caídos durante o dia. Durante a
noite, no entanto, são forrageadores ativos, que encontram suas presas utilizando sensações
percebidas por órgãos sensoriais e capturam suas presas (diversos grupos de insetos, outros
aracnídeos, lesmas e até pequenos sapos) utilizando seus fortes pedipalpos raptoriais (Beccaloni,
2009).
Os esquizômidos, por sua vez, possuem um relacionamento filogenético muito próximo aos
telifônidos, sendo os dois posicionados em um clado denominado Uropygi (Shultz, 2007). Assim
como os telifônidos, os esquizômidos possuem pedipalpos raptoriais para capturar presas, o
primeiro par de pernas é anteniforme e com função sensorial e também podem defender-se
utilizando jatos de acetona ou ácido acético (Beccaloni, 2009). Devido ao tamanho reduzido
(maioria possui até 5 mm), os esquizômidos se alimentam de pequenos invertebrados tais como
colêmbolos, tatuzinhos-de-jardim, cupins, baratas e pequenos insetos; que após serem percebidos
por suas pernas anteniformes, são capturados com seus pedipalpos raptoriais (Beccaloni, 2009).
Os solífugos (Fig. 2A) são caçadores ativos e agressivos, que utilizam duas estruturas únicas
dentre os aracnídeos: pedipalpos com órgãos suctoriais e quelíceras robustas. Quando um solífugo
encontra sua presa, ele dirige-se em direção a ela com seus pedipalpos estendidos e captura-a com
os poderosos órgãos suctoriais (que prendem a presa) ou mordem sua presa diretamente com suas
quelíceras, dependendo de fatores como o tamanho da presa e sua esclerotinização, o tamanho do
solífugo ou comportamentos específicos de cada espécie (Beccaloni, 2009; Willemart et al., 2011).
Embora sejam denominados “órgãos suctoriais”, as estruturas presentes nos pedipalpos de solífugos
funcionam através de mecanismos adesivos secos, tais como as forças de van der Waals (Cushing et
al., 2005; Klann et al., 2008; Willemart et al., 2011)
103
Os palpígrados (Fig. 2B) formam um grupo de aracnídeos diminutos (0,65-2,8 mm), cujo
nome relaciona-se ao hábito de caminhar utilizando também os pedipalpos. Estes animais diminutos
também não possuem olhos e nem sistemas respiratórios, perderam a coloração, sendo animais
translúcidos; e ainda possuem um distinto flagelo na região posterior do abdômen, com função
sensorial (Beccaloni, 2009). Eles constituem um dos grupos mais enigmáticos de aracnídeos
viventes. Habitam cavernas e ambientes fora destas, tais como o solo ou a serapilheira. A
alimentação destes animais pode incluir pequenos artrópodes, tais como colêmbolos (Beccaloni,
2009); embora cianobactérias heterotróficas sejam um item alimentar frequente registrado para uma
espécie (Smrz et al., 2013).
Os ricinúleos (Fig. 2C) representam um grupo bem distinto de aracnídeos, pela presença do
cúculo (ou capuz), uma estrutura que recobre as quelíceras e pode auxiliar no processo de captura
de presa, ajudar a segurar a presa enquanto esta é comida e ainda ajudar a carregar os ovos
juntamente com as quelíceras e os palpos (Beccaloni, 2009). Além disto, estes animais possuem a
perna III modificada para a transferência de esperma, uma característica que também os distingue
dos demais aracnídeos. A alimentação dos ricinúleos é bem variada e, embora a maioria das
espécies seja predadora de pequenos artrópodes (insetos, miriápodes, aracnídeos) e nematóides,
alguns ricinúleos já foram observados alimentando-se de outros animais mortos (como grilos,
amblipígios e baratas) ou ainda fezes de morcegos (Beccaloni, 2009).
Os ácaros (incluindo-se nesta denominação os carrapatos; Fig. 2D) formam o maior grupo de
aracnídeos e talvez aqueles que têm levado aos mais intensos debates com relação a sua sistemática,
sendo classificado por alguns autores como uma subclasse ou uma superordem de Arachnida,
denominada Acari. A maioria das classificações considera que Acari inclui sete subordens,
organizadas em três superordens: Opilioacariformes, Parasitiformes e Acariformes (Beccaloni,
2009), porém diversas hipóteses de relacionamento estão disponíveis (veja outras hipóteses em
Giribet et al., 2002; Shultz, 2007; Pepato et al., 2010; e Dunlop & Alberti, 2008). Todavia, a
maioria dos autores concorda que os ácaros compreendem dois principais grupos monofiléticos, as
superordens Acariformes e Parasitiformes, esta última que incluiria ainda os ácaros
Opilioacariformes (Lindquist et al., 2009). Os ácaros podem ser encontrados em quase qualquer
tipo de ambiente, incluindo ambientes terrestres e aquáticos (exceto mares abertos). Já foram
encontrados indivíduos a 4 metros de profundidade no solo e até 4.000 metros em profundidades
marinhas abissais. Estes animais alimentam-se de formas bastante variadas, havendo espécies
parasitas (de plantas, vertebrados ou invertebrados), predadoras, saprófagas, detritívoras, herbívoras
(alimentam-se de algas) e fungívoras, mas a grande maioria está adaptada a alimentação por apenas
uma destas fontes de alimento (Beccaloni, 2009).
104
As informações apresentadas aqui são apenas uma breve caracterização dos grupos de
aracnídeos viventes. Informações mais detalhadas sobre a morfologia, diversidade, ecologia,
comportamento e história natural dos diversos grupos de aracnídeos podem ser encontrados em
literatura específica, havendo importantes publicações com aranhas (Barth, 2002; Brescovit et al.,
2002; Ubick et al., 2005; Gonzaga et al., 2007; Beccaloni, 2009; Foelix, 2010; Viera, 2011;
Herberstein, 2011), escorpiões (Polis, 1990; Brownell & Polis, 2001; Lourenço, 2002a, 2002b;
Beccaloni, 2009; Stockmann & Ythier, 2010; Brazil & Porto, 2011; Viera, 2011; Rein, 2012),
opiliões (Kury & Pinto-da-Rocha, 2002; Kury, 2003; Pinto-da-Rocha et al., 2007; Beccaloni, 2009;
Viera 2011), pseudoescorpiões (Weygoldt, 1969; Mahnert, 1979, 2001; Mahnert & Adis, 2002;
Beccaloni, 2009; Harvey, 2013b; Viera 2011), amblipígios (Weygoldt, 2000, 2002; Beccaloni,
2009; Viera 2011; Harvey, 2013g), telifônidos (Rowland & Adis, 2002; Beccaloni, 2009; Harvey,
2013f), esquizômidos (Reddell & Cokendolpher, 2002; Beccaloni, 2009; Harvey, 2013d); solífugos
(Punzo, 1998; Rocha, 2002; Savary, 2006; Beccaloni, 2009; Viera, 2011; Harvey, 2013e),
palpígrados (Condé & Adis, 2002; Beccaloni, 2009; Harvey, 2013a), ricinúleos (Platnick, 2002;
Beccaloni, 2009; Harvey, 2013c) e ácaros (Zhang, 2003; Dunlop & Alberti, 2008; Beccaloni, 2009;
Krantz & Walter, 2009; Saito, 2010; Vacante, 2010; Gupta, 2010; Hoy, 2011; André et al., 2013).
Desta forma, o presente capítulo objetiva apresentar, de maneira geral, os principais grupos de
aracnídeos e os principais métodos utilizados para sua amostragem, o passo inicial para diversos
estudos com sistemática, ecologia e comportamento de animais.
Os aracnídeos formam um grupo mega diverso e com componentes que possuem associações
íntimas com uma enorme gama de variáveis ambientais. Por este motivo, diversos grupos de
aracnídeos (ex.: aranhas, opiliões e ácaros) são considerados importantes bioindicadores (Clausen,
1986; Paoletti et al., 1991; Churchill, 1997; Marc et al., 1999; Bragagnolo et al., 2007). Alguns
deles (ex.: aranhas e opiliões), juntamente com outros organismos da chamada macrofauna de solo
(que inclui ainda minhocas, formigas, isópodes, miriápodes, besouros, etc.), funcionam melhor
como bioindicadores descrevendo partes de uma paisagem, porque eles são coletados, triados e
identificados mais facilmente que organismos que compõem a microfauna (protistas, nemátodes,
alguns grupos de insetos, ácaros, etc.) e a mesofauna (nemátodes, ácaros, colêmbolos, proturos,
paurópodes, alguns grupos de insetos, etc.) de solo (Paoletti et al., 1991). Alternativamente, seria
possível imaginar que animais grandes e coloridos como aves, mamíferos e borboletas fossem
melhores indicadores ecológicos, por serem fáceis de visualizar e de grande interesse do público, da
mídia e de cientistas, em geral; porém, grupos inconspícuos de invertebrados, como insetos,
105
aracnídeos e nemátodes podem fornecer uma base de dados de milhares de espécies, permitindo
assim a realização de análises mais robustas para acessar o ambiente (Paoletti, 1999).
106
Figura 1. Representantes dos diversos grupos de aracnídeos. A. Aranha-caranguejeira Psalmopoeus irminia,
família Theraphosidae; B. Aranha da família Sparassidae, fêmea cuidando dos filhotes em broméia; C.
Escorpião Tityus aba, fêmea carregando um filhote no dorso; D. Opilião Protimesius evellynae; E.
Pseudoescorpião; F. Amblipígio macho do gênero Trichodammon; G. Telifônido (ou escorpião-vinagre) da
família Thelyphonidae; H. Esquizômido macho da família Hubbardiidae. Fotos: L.S. Carvalho (A-D, F), U.
Oliveira (E, H), A. Anker (G) e A. Anker & P.H. Martins (H).
107
Figura 2. Representantes dos diversos grupos de aracnídeos. A. Solífugo da família Ammotrechidae; B.
Palpígrado Eukoenenia maquinensis da família Eukoeneniidae; C. Ricinúleo da família Ricinoididae; D.
Ácaro-aveludado da família Trombidiidae. Fotos: L.S. Carvalho (A), R.L. Ferreira (B), A. Anker & P.H.
Martins (C) e U. Oliveira (H).
Todavia, os aracnídeos não constituem um grupo cujo estudo seja justificado apenas pela sua
utilidade como indicadores de qualidade ou de alterações ambientais. Este grupo possui organismos
que representam papéis muito variados em ecossistemas terrestres (maioria das espécies) e
aquáticos (alguns grupos de ácaros), compondo cadeias ecológicas em diversos níveis tróficos,
desde herbívoros até detritívoros. Assim, sua presença é fundamental para a manutenção e controle
de populações de outros grupos de organismos, afinal, a maioria das espécies de aracnídeos é
predadora. Os solífugos, por exemplo, merecem atenção, pois podem ser predadores-chave da fauna
de artrópodes do cerrado brasileiro (Rocha & Carvalho, 2006). Alguns grupos de ácaros (ex.:
Mesostigmata) são importantes predadores de Collembola e Nematoda de solo, enquanto aqueles
que vivem em plantas podem controlar pragas agrícolas, como outros ácaros fitófagos (Koehler,
1997). A manutenção de uma elevada densidade de aranhas, por sua vez, é importante no manejo
integrado de pragas (Marc & Canard, 1997), pois estes animais representam os mais abundantes e
diversificados predadores de biomas terrestres pelo mundo (Cardoso et al., 2011).
109
Adicionalmente, o estudo de aracnídeos pode ser transformado em ciência aplicada, gerando
descobertas no campo da biotecnologia e/ou bioprospecção, explorando as propriedades físico-
químicas de teias (eg., Swanson et al., 2006; Blackledge et al 2005a, 2005b, 2005c) ou venenos
(eg;, Díaz et al., 2009; Haeberli et al., 2000; Herzig & Hodgson 2009; Villanova et al., 2009). Além
disto, aracnídeos podem ser utilizados como modelos para estudos sobre evolução ou seleção sexual
(eg., Eberhard & Huber, 2010; Fowler-Finn & Hebets, 2011a, 2011b) e comportamento social (eg.,
Walsh & Rayor, 2008; Yip et al., 2009; Yip & Rayor 2011; Auletta & Rayor 2011), entre outros.
Soma-se aos argumentos apresentados acima, a grande quantidade de espécies ainda não
descritas de aracnídeos, o que será comentado ao final deste capítulo. Este fato, por sua vez, é
agravado considerando-se o grau crescente de destruição de ecossistemas naturais pelo mundo,
especialmente em ecossistemas tropicais, que abrigam a grande parte das espécies viventes de
aracnídeos. Muitas delas podem ser extintas, antes mesmo de serem conhecidas. Desta forma, é uma
tarefa ainda mais árdua preservar espécies que nem mesmo são conhecidas pela comunidade
científica. Enfim, não faltam motivos para qualquer pessoa engajar-se no estudo de Arachnida.
É imprescindível lembrar ainda que a captura e coleta de aracnídeos, bem como outros
organismos animais, exige, obrigatoriamente, autorização e registro através do Sistema de
Autorização e Informação em Biodiversidade (SISBIO), instituídos pela Instrução Normativa Nº
154, do ICMBio, de 01 de março de 2007. Estão inclusos nesta demanda a realização de práticas de
captura e coleta (entre outros procedimentos) de material biológico dentro ou fora de Unidades de
Conservação ou áreas privadas, dentro do território nacional. Soma-se a isso, a participação de
biólogos em atividades de coleta de animais silvestres, sem a devida autorização, constitui uma
falha ética, ferindo o Artigo 16º do Código de Ética do Profissional Biólogo, conforme instituído
legalmente (CFBIO, 2002).
A coleta de aracnídeos pode ser realizada através de métodos passivos e/ou ativos de
amostragem. Podem-se destacar oito métodos de amostragem: (1) armadilhas de interceptação e
queda; (2) coleta manual; (3) ecletor de tronco; (4) extrator de Winkler; (5) funil de Berlese; (6)
guarda-chuva entomológico; (7) rede de varredura; e (8) termonebulizador de copa. A seguir, é
apresentada uma breve descrição e os vieses destes métodos.
111
Armadilhas de interceptação e queda (pit-fall traps)
Este método de coleta consiste na captura de indivíduos de aracnídeos que habitam os estratos
inferiores do ambiente, tais como o solo e a serapilheira, através da utilização de objetos enterrados
ao nível do solo. A disposição destas armadilhas e o tamanho dos objetos utilizados para a captura
dos indivíduos é bastante variável. Esta variação nos tamanhos e disposição das armadilhas torna a
comparação entre resultados de estudos diferentes uma tarefa árdua, às vezes, inviável.
As armadilhas de interceptação e queda podem ser compostas por baldes plásticos com 15
litros (ou mais), enterrados ao nível do solo, sem qualquer tipo de líquido fixador (para evitar a
morte de animais que não sejam alvo da amostragem) e unidos entre si por uma cerca-guia (lona
plástica, normalmente) de 50 cm de altura (normalmente) e enterrada cerca de 10 cm no solo (para
evitar que os animais passem por baixo da lona), que guia os animais para dentro dos baldes. Estes
baldes podem ser dispostos em um formato de “Y” (Fig. 3A), sendo um balde posicionado ao
centro e outros três posicionados na extremidade do desenho, separados entre si, por 5 a 10 metros.
Outra conformação possível é a disposição em linha dos baldes (Fig. 3B), também os separando
entre si por 5 a 10 metros. Todavia, ambos os conjuntos (em linha ou em “Y”) de baldes, é
denominada uma estação de coleta.
Além disso, considerando-se que este tipo de armadilha envolve um maior gasto de recursos e
esforço físico e logístico para montagem, normalmente estas armadilhas são utilizadas
primariamente para a amostragem de vertebrados (sendo, portanto, estas armadilhas doravante
denominadas “armardilhas de interceptação e queda para vertebrados”). Assim, os invertebrados
(como aracnídeos) constituem normalmente um resultado secundário da amostragem com este
método. Martins et al. (2004) adicionaram uma placa (20 x 20 cm) de isopor para promover a
existência de uma pequena sombra dentro dos baldes e um pequeno local para colocação de água, a
fim de evitar a desidratação dos artrópodes. A conferência das armadilhas, para captura dos
indivíduos presos nos baldes, pode ocorrer uma ou duas vezes por dia, normalmente, ao amanhecer
e ao final da tarde. Isto pode ser feito por dois motivos: (1) para distinguir animais de hábitos
diurnos (capturados nas armadilhas ao entardecer) e animais de hábitos noturnos (capturados nas
armadilhas ao amanhecer); ou (2) para minimizar a predação dentro dos baldes.
112
96%), solução saturada de bórax (tetraborato de sódio), propileno glicol (35%, 50% ou 75%),
vinagre branco, etileno glicol (25% ou 100%), FAACC (uma mistura de formaldeído a 4%, ácido
acético a 5% e cloreto de cálcio a 1,3%), formaldeído tamponado com fosfato a 4%, salmoura
(solução saturada de cloreto de sódio ou sal de cozinha), solução 1:1 de ácido acético com TE (Tris
+ EDTA), ou formalina (formol) a 5% (Gurdebeke & Mealfait, 2002; Schmidt et al., 2006;
Aristophanous, 2010). Outros autores (ex.: Candiani et al., 2005; Indicatti et al., 2005) utilizam
ainda uma mistura de 90% de álcool etílico (diluído a 70%) e 10% de formol (diluído a 4%),
embora ressaltem que a utilização de formol, resseca as estruturas das aranhas, especialmente
palpos e pernas, que quebram com muita facilidade, dificultando seu manuseio e identificação. Ao
líquido conservante utilizado é ainda possível adicionar algumas gotas de detergente para quebrar a
tensão superficial da água e maximizar o efeito de captura.
Para estudos com fins ecológicos, uma amostra obtida com o uso destas armadilhas deve ser
considerada o conjunto dos indivíduos capturados e/ou coletados em todos os baldes de cada
estação ou de cada conjunto de armadilhas dispostas em linha ou de um sistema de blocos durante
um determinado período de tempo. Novamente, surgem problemas inerentes à pseudoreplicação,
outrora espacial, agora temporal. Assim, caso as armadilhas estejam dispostas a uma distância
considerável adequada espacialmente para o grupo de organismos a ser estudado (ex.: 150 m) e a
repetição da amostragem seja espaçada temporalmente (ex.: a cada três meses ou mais), pode-se
evitar pseudoreplicações temporais e espaciais. Para uma discussão mais abrangente sobre
pseudoreplicação espacial e temporal, recomenda-se Hurlbert (1984, 2004), Hargrove & Pickering
1992, Heffner et al. (1996), Southwood & Henderson (2000), Oksanen (2001, 2004) e Schank &
Koehnle (2009).
As armadilhas de interceptação e queda para invertebrados, por sua vez, apresentam vieses
semelhantes àqueles descritos anteriormente, para suas versões maiores. Porém, neste caso, uma
amostra será considerada o conjunto dos indivíduos coletados em uma única armadilha (quando as
armadilhas estiverem dispostas a uma distância considerada adequada para evitar pseudoreplicação
espacial para o grupo de organismos foco do estudo), ou pelo conjunto dos indivíduos coletados em
todas as armadilhas de uma estação, durante a totalidade do seu período de funcionamento. No
entanto, esta discussão reflete, em parte, a ausência de experimentos que testem a (in)dependência
destes tipos de armadilhas, seus diversos designs e disposições em campo.
114
Como desvantagens da utilização de armadilhas de interceptação e queda, pode-se listar:
elevado custo de instalação (para grandes armadilhas), inundamento por causa de água da chuva,
destruição por animais e ainda a morte de animais não objetivados primariamente (quando há
utilização de líquidos preservantes ou por desidratação). Para uma discussão mais ampla sobre a
coleta com armadilhas de interceptação e queda, seus vieses, vantagens e desvantagens, ver Work et
al. (2002), Gurdebeke & Mealfait (2002), Bowen et al. (2004), Brennan et al. (2005), Schmidt et al.
(2006), Umetsu et al. (2008), Ribeiro-Júnior et al. (2008, 2011) e Engelbracht (2013).
Coleta manual
Este método de coleta, atualmente empregado, é derivados dos métodos “looking up” e
“looking down”, propostos por Coddington et al. (1991); e consiste da coleta de aracnídeos
encontrados pelo coletor, enquanto este caminha vagarosamente pelo ambiente amostrado,
procurando animais na vegetação, embaixo de pedras, troncos caídos, rochas, dentro de buracos,
embaixo de cascas de árvores, em troncos vivos, na serapilheira e no solo, etc. Este método é
bastante empregado em estudos de ecologia de comunidades de aracnídeos (ex.: Ricetti & Bonaldo,
2008; Carvalho & Avelino, 2010; Bonaldo & Dias, 2010). Para trabalhos com objetivos ecológicos,
todos os indivíduos coletados por um mesmo coletor, durante um determinado período de tempo de
realização da amostragem por este método, devem constituir uma amostra. Para evitar
pseudoreplicação espacial, cada amostra deve ser realizada em um ponto distinto no ambiente,
espaçados pelo menos 30 metros dentre si. Amostragens subsequentes no mesmo ponto de coleta
podem representar pseudoreplicação temporal e é necessário avaliar seu custo benefício em
trabalhos com enfoques ecológicos.
Uma opção para a realização deste método de amostragem é desenvolvê-lo em uma área
delimitada, padronizando-se a área amostrada para permitir a comparação dos resultados em
diferentes ambientes. Por exemplo, pode-se executar a coleta manual executado dentro de uma
parcela de 300m², marcada através do uso de um fio-guia (transecto) de 30 metros, em que o coletor
executa o protocolo amostral em um raio de cinco metros a partir do fio-guia. A realização deste
protocolo de amostragem pode ser realizada durante o dia; ou durante a noite, com a utilização de
lanternas cefálicas, para permitir que o coletor fique com as mãos livres para manusear objetos. O
coletor também pode fazer uso de lanternas com luz ultravioleta para facilitar a amostragem de
escorpiões, que refletem este tipo de comprimento de onda. No entanto, a utilização deste tipo de
iluminação diminui a visibilidade do coletor em campo, aumentando o risco de acidentes e
dificultando a coleta de outros grupos de organismos.
115
Ecletor de tronco e de solo
Guarda-chuva entomológico
116
arbustos, respectivamente, e consideraram que este esforço compreende aproximadamente uma hora
para cada amostra.
Rede de varredura
A rede de varredura (Fig. 3F), assim como o guarda-chuva entomológico, é também um método
ativo de coleta de aracnídeos que vivem no estrato arbustivo e subarbustivo, porém permite ainda
acessar o estrato herbáceo da vegetação. Esta rede consiste de um aro de metal, de diâmetro variável
(ex.: 30-40 cm), envolto por um saco de tecido resistente e com fundo cego, preso a um cabo de
madeira. Utilizando este aparato, o coletor deve “varrer” a vegetação, de forma a capturar os
indivíduos lá presentes no saco de pano. A amostragem com rede de varredura apresenta a
vantagem de ser extremamente eficiente para a coleta de aracnídeos em áreas de aspecto campestre
ou savânico (áreas abertas), permitindo a coleta de um grande número de animais. Por outro lado,
devem ser evitadas em áreas de grande densidade no estrado arbustivo ou subarbustivo, onde este
método deve ser substituído pelo guarda-chuva entomológico (Toti et al., 2000; Sørensen et al.,
2002).
Extrator de Winkler
117
Figura 3. Métodos de captura e coleta de aracnídeos. A-D. Armadilhas de interceptação e queda para
vertebrados (A-B) e invertebrados (C-D), em formatos de “Y” (A), em linha (B), em formato de “X” (C) e
individual (D); E. Guarda-chuva entomológico; F. Rede de varredura; G-H. Extrator de Winkler; I:
Termonebulizador de copa. Fotos: L.S. Carvalho (A-D, G-H), F.M. Oliveira-Neto (E-F) e S.C. Dias (I-J).
Fotos: L.S. Carvalho (A-D, G-H); F.M. Oliveira-Neto (E-F) e S.C. Dias (I-J).
118
pseudoescorpiões, ácaros, palpígrados, ricinúleos, esquizômidos, entre outros. O material
particulado deve ficar exposto nas armadilhas por um período de pelo menos 48 horas para
maximizar a amostragem. Em estudos com fins ecológicos, cada amostra será considerada o
conjunto dos organismos capturados durante todo o período de amostragem e provenientes do
mesmo 1 m² ou 2 m² que foram inicialmente peneirados, independentemente do número de
extratores de Winkler necessários para armazenar todo o material resultante desta área peneirada.
Este método é muito utilizado em estudos de ecologia de comunidades de aranhas (ex.: Bonaldo &
Dias, 2010), porém Barreiros et al. (2005) destacou-o como o melhor método para a amostragem de
ricinúleos, quando comparado ao funil de Berlese-Tullgren e à triagem manual de serapilheira.
Funil de Berlese-Tullgren
119
invertebrados e extratores de Winkler na amostragem de aracnídeos (Sabu et al., 2011). Para
descrições mais detalhadas sobre a aplicação deste método de coleta, ver Aquino et al. (2006),
Este método, também conhecido por “canopy fogging”, é um método passivo de coleta
empregado para a amostragem de artrópodes habitantes dos estratos superiores da vegetação,
especialmente o dossel de grandes árvores. O termonebulizador (Fig. 3I) é um equipamento
mecânico, com partida elétrica, que promove a termonebulização de um inseticida piretróide
sintético não residual (ex.: lambdacialotrina a 0,5%; Battirola et al., 2004), diulído em óleo diesel a
uma concentração de 10% e outro inseticida (ex.: permetrina ou diclorvós, também chamado de
DDVP). A utilização de dois inseticidas provoca um efeito “knockdown” que causa uma morte
quase instantânea dos organismos, especialmente artrópodes, através da paralisação do
funcionamento de canais de sódio em membranas neuronais. Estes venenos piretróides possuem
rápida degradação sob a ação de luz solar e não poluem a água do solo.
Em termos de métodos para a amostragem de aracnídeos, diversas questões e/ou vieses devem
ser esclarecidos em um futuro breve, para permitir uma melhor aplicação dos métodos existentes.
Assim, deve-se descobrir o limite do custo-benefício da utilização de armadilhas de interceptação e
queda para invertebrados com uma ou diversas cercas-guia, ou com armadilhas posicionadas na
extremidade das cercas-guia ou em posições intermediárias, ou mesmo o tamanho destas cercas-
guia. Para outros grupos de artrópodes, sabe-se o tamanho mínimo que estas cercas-guia devem ser
instaladas para serem efetivas (ver Brennan et al., 2005, para uma revisão), enquanto que as cercas-
guia utilizadas para aracnídeos possuem tamanhos arbitrariamente decididos, sem experimentação
de sua real funcionalidade
Soma-se a estes fatos, o grande número de espécies de aracnídeos que existem. Para aranhas,
por exemplo, a riqueza conhecida é estimada em 35% (Agnarsson et al., 2013). Estimativas mais
otimistas indicam que cerca de 40 mil espécies ainda estejam por descrever, representando quase o
dobro da riqueza atual (Platnick & Raven, 2013). Considerando-se a taxa atual de descrição de
novas espécies todos os anos (média de 605 espécies/ano), seriam necessários entre 80 e 150 anos
para que toda a diversidade de aranhas fosse conhecida, a um custo estimado de 500 milhões de
dólares (Platnick & Raven, 2013). Assim, fica clara a necessidade da realização de estudos cada vez
mais abrangentes com sistemática de aranhas. Isto, por sua vez, reinicia o ciclo de argumentos,
evidenciando novamente a necessidade de investimento e de pessoal qualificado. Para outros grupos
de aracnídeos, informações tão detalhadas são ainda inexistentes e, talvez, a baixa taxa de descrição
de novas espécies seja apenas um reflexo da inexistência de taxonomistas trabalhando com os
grupos (ex.: solífugos; Harvey, 2007). Portanto, espera-se que trabalhos com novos enfoques
taxonômicos, morfológicos, moleculares e ecológicos com os mais diversos grupos de aracnídeos e
ligados a programas de pós-graduação stricto sensu poderão em um futuro próximo, melhorar o
panorama da aracnologia nacional.
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137
CAPÍTULO 7
Dentre as principais características das vespas, destacam-se a presença de dois pares de asas
membranosas, ovipositor ou ferrão (em um menor grupo de espécies), mas tais características
podem sofrer grandes modificações ou simplesmente não existirem em algumas espécies. A
organização social das vespas também pode exibir variações extremas, desde a existência de
espécies solitárias (Fig. 1A), espécies sociais (Fig. 1B), até espécies altamente sociais (Fig. 1E),
que podem formar colônias com milhares de indivíduos. Entretanto, mesmo as espécies sociais
altamente especializadas evoluíram possivelmente a partir de ancestrais solitários e predadores.
Ainda que algumas espécies de vespas sejam responsáveis por acidentes com seres humanos,
por causa de suas ferroadas dolorosas, as vespas desempenham um importante papel na dinâmica
florestal agindo como polinizadores potenciais e/ou efetivos de várias espécies de vegetais, assim
como atuando no controle biológico de diversas espécies de insetos e aranhas (Fig. 1C), seja como
predadores ou como parasitóides. Em um estudo realizado em uma lavoura de milho, Prezoto &
1
UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora, Campus Universitário Martelos, Programa de Pós-Graduação
em Ciências Biológicas Comportamento e Biologia Animal. Martelos, CEP 36.036-330, Juiz de Fora, MG.
Brasil.
UBM – Centro Universitário de Barra Mansa, Campus Barra Mansa, Rua Vereador Pinho de Carvalho, 267,
2
No Brasil, tanto as vespas sociais são conhecidas genericamente por marimbondos ou cabas e
as vespas solitárias são denominadas popularmente de marimbondo-escavador, marimbondo-
caçador, vespa pote, cavalo-do-cão dentre outros, e embora sejam facilmente reconhecidas,
possuem grande carência de informações ecológicas e comportamentais.
os ninhos de vespas costumam manter uma relação íntima com o substrato utilizado para
fundação e essas características tem sido utilizada recentemente como potencial para
bioindicação (Fig. 1E). Isso é possível devido ao fato de que algumas espécies de vespas
possuem um hábito de nidificação bastante especializado, refletindo assim as características
típicas de um dado ambiente como demonstrado por Souza et al. (2010).
ainda no contexto das interações cabe ressaltar que uma série de espécies “copiam” as
características das vespas, imitando seu padrão de coloração, morfologia e comportamento.
Essa estratégia se mantém estável devida à experiência prévia de predadores com as vespas.
Para um predador que já teve uma experiência desagradável com uma vespa, é melhor evitar
qualquer coisa que se pareça com elas, o que favorece as espécies miméticas, como por
exemplo o gafanhoto da Figura 1F.
140
o comportamento sexual e as estratégias na seleção de parceiros que influenciam no sucesso
de acasalamento em espécies solitárias;
Essas são apenas algumas das características que podem motivar estudos de ecologia
comportamental de vespas solitárias e sociais. Vale destacar que existe um enorme campo para
futuras investigações nesse grupo.
Embora possa parecer pouco estimulante, podemos destacar alguns aspectos que revelam a
importância e a praticidade de se trabalhar com esse grupo ainda pouco conhecido.
Em primeiro lugar, temos que levar em consideração a grande abundância das vespas, seja
qual for o ambiente de estudo. Pode-se se encontrar facilmente dezenas de espécies solitárias e
sociais, em poucas horas de esforço, seja em um ambiente preservado como um fragmento de Mata
Atlântica ou em um ambiente antropizado como uma área de cultivo agrícola. Isso facilita a
condução de estudos uma vez que permite a rápida localização de exemplares e facilita a
possibilidade de se conduzir estudos comparativos. No caso das vespas sociais, o pesquisador pode
retornar várias vezes ao local onde a colônia se encontra, devido ao fato de que estas permanecem
vários meses em atividade.
E por fim destaca-se o baixo custo das pesquisas que estudam vespas, se comparado a outros
grupos como, por exemplo, mamíferos. Essa característica econômica viabiliza a execução do
trabalho o que para outros grupos zoológicos poderia se tornar impraticável devido à falta de
financiamento. Bons trabalhos de pesquisa podem ser conduzidos com espécies de vespas que
nidificam em áreas urbanas como em campus universitários e jardins urbanos. Isso favorece o
deslocamento do pesquisador e barateia os custos do projeto.
As vespas, assim como todas demais espécies de insetos, possuem ciclo de vida mais curto
em contraste aos vertebrados podendo gerar respostas mais rápidas em relação às pressões ou estado
141
de conservação de ecossistemas, principalmente, em estudos que exijam resultados rápidos, menor
esforço operacional e baixo custo financeiro. Entretanto, qualquer estudo exige tempo para
realização e dedicação, tanto no processo de coleta e tratamento de dados quanto na redação e
divulgação dos resultados.
Entre as técnicas mais utilizadas para coleta de vespas em estudos de campo, destacam-se:
Malaise, Möerick, ninhos armadilhas, armadilhas de atração (uso de iscas), armadilhas de
emergência, rede entomológica para varredura e, em alguns casos, armadilhas de queda (como por
exemplo para fêmeas de Mutillidae). No Brasil, mesmo que pouco difundido para estudos com
vespas, métodos com uso de termonebulizador despontam com grande potencial para o
conhecimento da diversidade que se abrigam no dossel de árvores em florestas.
A criação de vespas em laboratório é um grande desafio, uma vez que a maioria das espécies
apresenta um complexo repertório comportamental adaptado às condições naturais que são
dificilmente reproduzidas em laboratório. Por outro lado, o manejo de colônias de espécies sociais
(remoção, transporte e realocação), como as vespas dos gêneros Mischocyttarus e Polistes, é um
método de ampla utilização em estudos de campo ou de laboratório devido à facilidade de
adaptação das colônias as novas condições.
142
Outra alternativa para realização de estudos com vespas (em termos de estudos taxonômicos e
padrões de distribuição) está no exame de coleções depositadas em Museus, Universidades e outros
centros de referência.
Vale à pena destacar que em julho de 2013, foi realizado em Manaus o “I Encontro
Internacional sobre Vespas”, que contou com mais de 100 participantes. A realização desse evento
deixou claro que atualmente existem vários centros de pesquisa qualificados para realizar estudos
com vespas no Brasil.
Recomenda-se ao interessado que faça uma consulta na Plataforma Lattes no site do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a partir daí localize os
pesquisadores e/ou as instituições de interesse.
O grupo das vespas presta-se como modelos para diferentes tipos de estudos. Alguns temas de
pesquisa já foram destacados ao longo desse capítulo. Abaixo, listamos alguns temas que tem sido
alvo de pesquisas recentes:
estudos sobre comportamento social (uma das grandes razões de se realizar esse
estudo com vespas é que no grupo podemos estudar comparativamente os diferentes
estágios de sociabilidade apresentado pelas espécies e dessa forma compreender a
evolução do comportamento social, soma-se a isso o fato de muitas pesquisas atuais
focarem sua atenção sobre aspectos comportamentais ligados ao reconhecimento de
dominância entre os indivíduos, a regulação das atividades coloniais, as interações
agressivas entre possíveis reprodutores e a diferenciação morfofisiológica entre as
castas dentre outros);
estudos das interações com espécies vegetais (as vespas mantêm interações com
diferentes espécies vegetais e, dessa forma, podem apresentar relações nas quais se
tornam pragas por danificarem frutos e, em outro contexto, são prestadores valiosos
de serviços ambientais como potenciais polinizadores (Fig. 1D) e predadores de
herbívoros (Fig. 1C). Em um estudo pioneiro Clemente et al. (2013) verificaram que
a estrutura da rede de interação entre planta-vespa varia de acordo com as regiões
143
estudadas. De forma semelhante verificaram que a robustez das extinções
cumulativas assumem diferentes padrões de acordo com o bioma estudado);
estudos das interações com espécies animais (vespas podem ser consideradas
predadoras ou presas, modelos para espécies miméticas, bem como organismos
mutualísticos, como se observa para algumas espécies de aves (Fig. 1G) e formigas
as quais se associam com ninhos de vespas, contudo muitas relações ainda
permanecem desconhecidas para o grupo);
Esses são apenas alguns apontamentos de temas que têm sido estudados atualmente por
diversos núcleos de pesquisas distribuídos pelo Brasil. Cabe ressaltar que o grupo das vespas
oferece muitas possibilidades para estudantes interessados em se aprofundar em estudos de ecologia
comportamental, uma vez que existem apenas pouco mais de uma dezena de espécies
razoavelmente estudadas.
Agradecimentos
144
para a ilustração deste capítulo e ao Prof. Dr. Edilberto Giannotti pela revisão e sugestão para a
redação deste documento.
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146
CAPÍTULO 8
Introdução
Vespas, formigas e abelhas são os nomes comuns utilizados para designar os Hymenoptera
(hymen= membrana; ptera= asas), ordem megadiversa que ocupa o terceiro lugar em número de
espécies, atrás dos Coleoptera e Lepidoptera. Poucos grupos animais são tão diversos e importantes
biológica, ecológica e economicamente. Tal diversidade pode ser ilustrada pelo grande número de
espécies descritas (superior a 130.000) e ainda por descrever, já que estimam-se 600.000 a
1.200.000 o total de espécies dessa ordem (Grimaldi & Engels, 2005).
Na evolução de Hymenoptera, que contém alguns dos insetos mais altamente especializados,
a ênfase não é dada apenas às modificações estruturais e fisiológicas, que ocorrem também em
1
Embrapa Meio-Norte UEP Parnaíba, BR 343, km 35, caixa postal 341, CEP 64.200-970, Parnaíba, Piauí.
E-mail: carolina.araujo@embrapa.br
2
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Rod. Washington Luiz, Km 35, caixa postal 676, CEP
13.565-905, São Carlos, São Paulo. E-mail: angelica@ufscar.br
147
outras Ordens, mas ao desenvolvimento de complexos padrões comportamentais que se relacionam
à provisão de alimento à prole o que tem levado à evolução da socialidade em muitos grupos.
Atualmente reconhece-se 21 superfamílias de Hymenoptera (Hanson & Gauld 2006) que são
tradicionalmente incluídas em duas subordens: Symphyta e Apocrita. Os sínfitos (7 superfamílias)
são na maioria fitófagos e compreendem a linhagem basal dentro de Hymenoptera, diferindo dos
Apocrita por possuírem larvas eruciformes (parecidas com as de Lepidoptera) e abdome unido ao
tórax sem forte constrição. Os Apocrita (15 superfamílias) possuem larvas vermiformes e abdome
separado do tórax por uma constrição evidente (“cintura de vespa”). Os himenópteros são ainda
divididos nas séries Parasitica e Aculeata, este último composto por um grupo monofilético
reunidos pela presença de ferrão, incluindo espécies sociais e vespas solitárias. Os Parasitica
agrupam a maior parcela de espécies dentro de Hymenoptera, reunindo espécies entomófagas
(maioria) e fitófagas (poucas). Incluem os conhecidos himenópteros parasitoides.
dois pares de asas membranosas, transparentes ou coloridas, sendo as anteriores maiores que
as posteriores e acopladas entre si por pequenos ganchos, denominados de hámulos,
presentes na margem costal das asas posteriores; nervação variável (simples ou complexa);
muitas espécies apresentam pequenas cerdas e franjas nas asas, como as dos Mymaridae;
cabeça bem desenvolvida, unida ao tórax por pescoço móvel; olhos bem desenvolvidos na
maioria das espécies; três ocelos na região do vértice (triângulo ocelar), podendo ser
rudimentares, atrofiados ou não ocorrer em algumas espécies, como nas formigas operárias;
antenas mais comumente filiformes ou geniculadas, com comprimento e número de artículos
variáveis; aparelho bucal mastigador (vespas e formigas) ou lambedor (abelhas);
metassoma com número variável de urômeros visíveis (de 6 a 9); pode ser séssil (Symphyta)
ou pedunculado (Apocrita); a parte mais volumosa é denominada gáster e a parte apical
148
denominada pigídio; as fêmeas possuem ovipositor em forma de terebra ou ferrão, que está
associado a glândulas de veneno, ceríferas ou que injetam toxinas.
Hymenoptera Parasitoides
O termo parasitoide é empregado àqueles grupos que depositam seus ovos próximos, sobre ou
dentro de outro indivíduo que recebe o nome de hospedeiro, que é sempre morto como
consequência do desenvolvimento da larva que dele se alimenta. Nos Hymenoptera esse hábito é
comum, porém, outros grupos de insetos podem ser assim classificados: Diptera (principalmente
Tachinidae), Coleoptera, Lepidoptera e Neuroptera. Parasitica é, portanto, um táxon considerado
parafilético por reunir indivíduos de diferentes grupos que compartilham esse hábito, mas têm
histórias evolutivas diferentes. Assim, o hábito surgiu diversas vezes na evolução da classe Insecta e
os táxons onde ocorrem nem sempre são estreitamente aparentados filogeneticamente.
Assim como os demais himenópteros, os parasitoides vivem a vida adulta livremente, mas
passam a fase larval alimentando-se das “vísceras” de outros artrópodes, principalmente insetos,
embora algumas aranhas e miriápodes possam ser parasitados (Hanson & Gauld, 2006). Seus
hospedeiros podem ser atacados em todas as fases do desenvolvimento: ovos, larvas, ninfas, pré-
pupas, pupas e adultos.
3. Ovo-pupal: idem caso anterior, porém o adulto emerge da pupa hospedeira (Ex: alguns
Braconidae: Alysiinae, Opiinae).
150
4. Superparasitismo: se mais que um ovo for deixado sobre o hospedeiro por uma ou mais fêmeas
de uma mesma espécie (competição intraespecífica);
As coletas de adultos são as mais empregadas, realizadas com o auxílio de armadilhas e redes.
Visam principalmente coletas quantitativas para estudos de taxonomia, incluindo descrição de
espécies, além de estudos sobre a distribuição e diversidade da fauna de himenópteros parasitoides.
Armadilha Malaise: tem estrutura semelhante a uma tenda de rede fina, no interior da qual
os insetos voadores entram, e na tendência natural de subir para escapar do anteparo que os impede
de prosseguir em voo (geotropismo negativo), os insetos passam por uma abertura que os conduz a
um frasco coletor, que os fixa numa solução. Trata-se, portanto, de um método de coleta passivo,
por interceptação de voo. É um dos mais difundidos entre os himenopteristas, principalmente por
seu baixo custo (operacional e financeiro) e sua eficiência de coleta para Hymenoptera como um
todo, embora diversos grupos não voadores ou pouco voadores sejam apenas acidentalmente
coletados.
Rede entomológica de “varredura”: técnica ativa de coleta realizada com rede de tecido
resistente, presa a um aro de metal fixo em um cabo para manipulação. A rede é “batida” contra a
vegetação, seguidas vezes, em movimentos regulares, geralmente em áreas mais abertas. Os
indivíduos capturados são mortos com substâncias voláteis tóxicas ou colocados em gaiolas para
transporte. O método é eficiente, principalmente para insetos pouco voadores associados à
vegetação, comum entre os parasitoides.
151
Bandejas coloridas ou armadilha de Moericke: constitui-se de recipientes plásticos
(bandejas ou pratos), normalmente de coloração amarela. São dispostos junto ao solo ou suspensos,
contendo uma solução fixadora e detergente para quebrar a tensão superficial da água. Os insetos
que pousam atraídos pela cor do recipiente afundam. É considerado um método passivo de coleta
que atrai os insetos pela coloração. Suas amostras são ricas, mas o método pode ser seletivo para
alguns grupos.
Coleta de hospedeiros
Busca direta: feita manualmente ou com ajuda de pinças, envolve a coleta de potenciais
hospedeiros encontrados diretamente na vegetação (como lagartas, massas de ovos, fungos) ou
ocultos (em frutos, flores, folhas enroladas, galhas, troncos, serrapilheira, minas foliares, tocas e
teias). Os dados dessa coleta têm grande valor nos estudos ecológicos, filogenéticos, econômicos,
além de taxonômicos.
152
(especialmente Ichneumonoidea) e a criação destes, em laboratório, pode resultar em importantes
estudos sobre a biologia dos parasitoides emergentes e também de suas relações com as plantas
nutridoras.
Iscas: para determinados grupos de parasitoides, pode-se usar iscas atrativas ao hospedeiro,
como carcaças animais que atraem larvas de dípteros saprófagos, ou mesmo plantar determinadas
espécies atrativas a pulgões ou pragas específicas. Essa técnica permite selecionar o hospedeiro e,
consequentemente, o parasitoide a ser estudado.
Os dados obtidos por meio da criação e/ou acompanhamento dos hospedeiros trazem sempre
informações importantes sobre a bioecologia dos parasitoides, hospedeiros e plantas nutridoras,
revelando dados sobre relações tritróficas que ocorrem nos ecossistemas.
Curadoria
Para melhor compreensão dos dados, as amostras devem ser identificadas em nível de espécie,
gênero ou morfoespécie. O tratamento estatístico envolve o estudo das frequências de ocorrência,
abundância relativa, cálculos de índices de diversidade (como o de Shannon) e de equitabilidade de
Pielou, assim como índices de dominância e similaridade. O índice de Shannon é o mais
comumente utilizado, sendo um método útil para comparação de diversidade entre diferentes
habitats, especialmente quando são feitas repetições de amostras (Magurran, 1988). O índice de
Equitabilidade evidencia a razão entre a diversidade observada na amostra e o máximo de
diversidade teórica possível para o mesmo número de grupos taxonômicos, caracterizando a
distribuição dos indivíduos entre os táxons, indicando se as diferentes espécies possuem abundância
semelhante ou divergente.
A linha de pesquisa é uma porta aberta a pesquisadores criativos e dedicados e tem grande
potencial de desenvolvimento. O custo é relativamente pequeno e os resultados têm contribuído
sobremaneira com estudos ecológicos no Brasil e no mundo.
154
Dados biológicos dos principais grupos de Hymenoptera alados
(Principal referência: Hanson, P. E. & Gauld, I. D, 2006)
1. Symphyta (Fig. 2)
É um grupo relativamente pequeno, constituído por 14 famílias, o qual contém pouco mais de
5% das espécies descritas de Hymenoptera; os grupos maiores e mais diversos são Argidae e
Tenthredinidae.
Diagnose: possuem nervação completa nas asas, com presença de pelo menos uma célula anal
fechada na asa anterior; trocânteres com 2 segmentos; não possuem a “cintura” presente no restante
da ordem (ausência da constrição entre o 1º e 2º segmentos abdominais) e larvas eruciformes, com
pelo menos 5 pares de falsas pernas, desprovidas de ganchos.
Diagnose de Orrussidae: Asa posterior geralmente com 5 ou mais células fechadas; célula
anal geralmente presentes na asa anterior e/ou posterior; corpo sem constrição (cintura) entre
155
mesossoma e metassoma; antenas inseridas na parte ventral da cabeça, próximas às mandíbulas;
parte superior da cabeça com tubérculos semelhantes a dentes.
Diagnose de Stephanidae: asa anterior com nervação bem desenvolvida, com uma ou várias
células fechadas; antena com mais de 16 segmentos, pronoto estendido anteriormente em um
“pescoço” alongado; cabeça esférica contendo pequenos dentes; primeiro segmento do metassoma
longo, delgado e cilíndrico.
3. Evanioidea (Fig. 6)
5. Platygastroidea (Fig. 9)
156
Representada pelas famílias Platygastridae e Scelionidae, inclui endoparasitoides solitários de
ovos de insetos (Orthoptera, Mantodea, Coleoptera, Lepidoptera, Neuroptera, Diptera e Hemiptera)
e aranhas (Araneae). Cerca de 4.000 espécies descritas, porém a estimativa para a fauna mundial é
de 10.000 espécies.
6. Ceraphronoidea (Fig. 7)
Diagnose: presença de dois esporões no ápice da protíbia; asa anterior com nervuras Rs
curvada para cima; 2º segmento metassomal muito largo, aparentemente conectado diretamente ao
propódeo; antena geniculada com escapo muito longo inserido logo acima do clípeo; mesoscuto
dividido em três partes; e ausência de espiráculo no metassoma.
7. Cynipoidea (Fig. 8)
Compreende cerca de 3.000 espécies descritas e 223 gêneros, classificados em cinco famílias
(Cynipidae, Figitidae, Liopteridae, Ibaliidae e Austrocynipidae). A família Cynipidae reúne um
conjunto de vespas fitófagas formadoras ou inquilinas de galhas. As demais famílias são
parasitoides de outros insetos, atacando preferencialmente larvas holometábolas. São geralmente
parasitoides primários. Muitas espécies parasitam insetos brocadores.
Diagnose: asa anterior com célula marginal em formato triangular, aberta ou fechada na
margem da asa; mesossoma em vista lateral com escutelo grande de tamanho semelhante ao
propódeo; metassoma geralmente achatado lateralmente.
Diagnose: metassoma com pecíolo com 2 segmentos; asa anterior peciolada na base,
reticulada, sem nervuras, em “formato de colher”, com cerdas (semelhantes a pelos) grandes na
borda da asa; e fossas antenais bem próximas entre si.
Diagnose: pronoto em vista lateral não atinge a tégula, geralmente com prepecto entre pronoto
e tégula; ovipositor originando-se da superfície ventral do metassoma; coloração algumas vezes
metálica; metassoma geralmente não comprimido dorsoventralmente e sem carena lateral;
espiráculo mesotorácico situado na margem lateral do mesoscuto; e antenas com sensilas do tipo
placa multipora.
Possui como principais características: asa anterior com célula costal não aparente (isto é,
com nervuras C e Sc+R+Rs fundidas ao longo de praticamente toda a margem da asa anterior);
158
parte ventral do metassoma parcialmente membranosa; antenas com mais de 15 artículos; e
ovipositor geralmente evidente.
Diagnose: a asa anterior com 5 células fechadas ou menos; asa posterior sem células fechadas
bem diferenciadas; antenas não inseridas em protuberância facial; cabeça geralmente grande e
prognata.
159
PRANCHA I
Figuras: (1) Orussoidea: Orussus abietinus (Orussidae) / Susanne Schulmeister, 2007; (2) Symphyta: Argidae / Katja
Seltmann, 2007; (3) Proctotrupoidea: Exallonyx sp. (Proctotrupidae) / John Heraty, 2011; (4) Proctotrupoidea: Belyta
sp. (Diapriidae) / Johan Liljeblad, 2011; (5) Stephanoidea: Schlettererius cinctipes (Stephanidae) / Johan Liljeblad,
2011; (6) Evanioidea: Evania bonariensis (Evaniidae) / Juan Martinez, 2010.
160
PRANCHA II
Figuras: (7) Ceraphronoidea: Ceraphron sp. (Ceraphronidae) / John Heraty, 2011; (8) Cynipoidea: Araucocynips
ariasae (Figitidae) / Matt Buffington, 2011; (9) Platygastroidea: Trichacis sculpturata (Platygastridae) / Tania Arias-
Penna, 2012; (10) Mymarommatoidea: Palaeomymar anomalum (Mymaridae) / Johan Liljeblad, 2011; (11)
Chalcidoidea: Conura sp. (Chalcididae) / John Heraty, 2006; (12) Chalcidoidea: Aphelinoidea sp. (Trichogrammatidae)
/ John Heraty, 2011.
161
PRANCHA III
Figuras: (13) Ichneumonoidea: Opius dissitus (Braconidae) / Dave Karlsson, 2008; (14) Ichneumonoidea: Seticornuta
jacutinga (Ichneumonidae) / Carolina R. Araujo e Angélica M.Penteado-Dias, 2011; (15) Apoidea: Sphecidae / Katja
Seltmann, 2007; (16) Apoidea: Apidae / Katja Seltmann, 2007; (17) Chrysidoidea: Chrysididae / Katja Seltmann, 2007;
(18) Vespoidea: Polistes olivaceus (Vespidae) / Forest and Kim Starr, 2008.
162
Referências Bibliográficas
Gallo, D.; Nakano, O.; Silveira Neto, S.; Carvalho, R.P.L.; Batista, G.C.; Berti Filho, E.; Parra,
J.R.P.; Zucchi, R.A.; Alves S.B.; Vendramim, J.D.; Marchini, L.C.; Lopes, J.R.S. & Omoto, C.
Entomologia agrícola. Piracicaba, FEALQ. 2002. 920pp.
Grimaldi, D.; Engel, M. S. (eds.). Evolution of the insects. Cambridge University Press, xiii+755
pp.
Grissel, E. E. Hymenopteran biodiversity: some alien notions. American Entomologist 45 (4): 235-
244. 1999.
Hanson, P.; Gauld, I.D. (eds) Hymenoptera de la región Neotropical. The American Entomological
Institute, Gainesville. 2006. 994p.
Magurran, A. E. Ecological diversity and its measurement. Princeton, New Jersey: Princeton
University Press, 1988. 179 p.
Bibliografia Recomendada
Gauld, I.; Bolton, B. The Hymenoptera. British Museum (Natural History), London. 1988. 332p.
Godfray, H.C.J. Parasitoids: behavioral and evolutionary ecology. Princeton: University Press,
Princeton. 1994. 473p.
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1995.
Lasalle, J.; Gauld, I.D. (eds) Hymenoptera and Biodiversity. C.A.B. International. Wallingford.
1993. 348p.
Quicke, D.L.J. Parasitic Wasps. Chapman & Hall, London, 1997. 470 p.
163
CAPÍTULO 9
Alexandre Vasconcellos1
Flávia Maria da Silva Moura2
Matilde Vasconcelos Ernesto1
Introdução
1
Laboratório de Termitologia, Departamento de Sistemática e Ecologia, Universidade Federal da Paraíba,
58051–900, João Pessoa, Paraíba, Brasil. E-mails: <avasconcellos@dse.ufpb.br> e
<matildeernesto@gmail.com>. Telefone (83) 3216–7771.
2
Unidade Acadêmica de Ciências Biológicas, Centro de Saúde e Tecnologia Rural, Universidade Federal de
Campina Grande, 58708–110, Patos, Paraíba, Brasil. E-mail: <fmsmoura@yahoo.com.br>.
164
Neste capítulo, serão apresentados os principais métodos de amostragem (quantitativos e
qualitativos) de térmitas em ecossistemas naturais, incluindo as suas vantagens e desvantagens.
Também serão descritos brevemente alguns detalhes relacionados aos seus hábitos que podem ser
decisivos na escolha do protocolo amostral.
Os térmitas são insetos eussociais (apresentam todos os níveis de socialidade sensu Wilson,
1971) abundantes e com elevada biomassa nos ecossistemas terrestres tropicais. Existem cerca de
3100 espécies descritas em todo o mundo, distribuídas principalmente entre os trópicos de Câncer e
Capricórnio (Krishna et al., 2013). Em ecossistemas da região Neotropical, os maiores valores de
abundância e biomassa foram registrados para a Floresta Amazônia e as florestas úmidas do
Nordeste brasileiro (Brejos de Altitude e Floresta Atlântica), com valores que podem alcançar 5700
indivíduos/m2 e 14-17 g (peso fresco)/m2 (Martius, 1998; Bandeira & Vasconcellos, 2002;
Vasconcellos, 2010).
Os térmitas apresentam espécies viventes distribuídas em nove famílias, das quais cinco
ocorrem na região Neotropical: Kalotermitidae, Rhinotermitidae, Serritermitidae, Stolotermitidae e
Termitidae (Krishna et al., 2013). A família Termitidae é a mais diversificada, abundante e
ecologicamente mais importante entre os Isoptera. Na região Neotropical, essa família apresenta
espécies das seguintes subfamílias: Apicotermitinae (com seis gêneros descritos na região
Neotropical), Nasutitermitinae (26), Syntermitinae (15 gêneros exclusivamente Neotropicais) e
Termitinae (19) (Krishna et al., 2013). Os elevados valores de biomassa nos ecossistemas tropicais,
juntamente com os hábitos alimentares e os comportamentos de construção (ninhos e túneis),
tornam os térmitas organismos com grande influência sobre os processos de decomposição da
matéria orgânica de origem vegetal e de formação dos solos, misturando as partículas verticalmente
e aumentando consideravelmente a porosidade e a retenção de água, podendo influenciar a
produtividade primária, especialmente em ecossistemas semiáridos (Wood & Sands, 1978;
Whitford, 1991).
Nos ecossistemas, os térmitas podem ser encontrados desde pequenos galhos secos no dossel
de florestas, a 40 metros de altura, até cerca de 70 metros de profundidade no solo (Lee & Wood,
1971; Roisin et al., 2006). A sua distribuição vertical e horizontal não é homogênea, e isso
representa a essência do problema para o delineamento dos métodos amostrais. Em contrapartida, as
castas ápteras (como soldados e operários) geralmente são encontradas ao longo de todo o ano, o
que confere uma vantagem para a amostragem desses insetos. Os térmitas, assim como outros
165
insetos sociais, vivem agregados, formando colônias (aqui o termo colônia faz referência
exclusivamente à parte viva da mesma) que concentram uma grande quantidade de indivíduos numa
área relativamente pequena. Essas colônias podem estar no interior de ninhos conspícuos (visíveis
na paisagem), no interior de troncos vivos e mortos (sobre o solo ou no dossel), no perfil do solo, no
interior de raízes e na serrapilheira fina.
Há uma grande dificuldade para estabelecer os limites exatos de cada colônia, uma vez que,
embora existam pontos com grande concentração de indivíduos, uma proporção considerável da
colônia pode estar em busca de recursos em túneis (interior do solo) ou em galerias, construídos
sobre todos os tipos de substratos e espalhados pelo ecossistema, compondo uma rede altamente
interligada. Isso representa outra dificuldade para o estabelecimento de protocolos amostrais, pois
amostragens concentradas em determinados substratos, como, por exemplo, em ninhos, podem
fornecer valores enviesados, tanto de riqueza de espécies quanto de abundância e biomassa.
166
Por outro lado, se as coletas estiverem direcionadas para os alados (machos e fêmeas que
apresentam dois pares de asas membranosas e subiguais), os protocolos amostrais devem ser
aplicados um pouco antes do início das chuvas, independente do ecossistema (Nutting, 1969).
Todavia, sabe-se que alguns grupos de térmitas podem revoar ao longo de quase todos os meses do
ano, especialmente espécies de Kalotermitidae na região Neotropical (Medeiros et al., 1999).
Figura 1. Protocolos de amostragem rápida da riqueza de espécies de térmitas. A) parcelas com tamanhos diversos,
utilizados por vários pesquisadores; B) transecto proposto por DeSouza & Brown (1994); C) transecto proposto por
Jones & Eggleton (2000); D) transecto proposto por Cancello et al. (2002).
167
Em 1994, o Dr. Og de Souza (Universidade de Viçosa, Minas Gerais, Brasil) e a Dra. Valerie
K. Brown (Imperial College at Silwood Park, Ascot, Berks, UK) propuseram um protocolo amostral
padronizado para avaliar os efeitos da fragmentação de habitat sobre a fauna de térmitas na Floresta
Amazônica (DeSouza & Brown, 1994). O caráter inovador dessa proposta está relacionado com a
manutenção de um delineamento amostral, independente do local de sua aplicação. A partir disso,
houve a possibilidade de uma comparação mais segura entre as faunas de térmitas oriundas de áreas
diferentes. O protocolo consistia basicamente de um transecto de 110 x 3 m, subdividido em 22
parcelas de 5 x 3 m, e o tempo amostral era de até 1h por parcela (Fig. 1B).
Uma variação ao protocolo de DeSouza & Brown (1994) foi proposta pela equipe de estudo
de térmitas do Museu de História Natural de Londres (Jones & Eggleton, 2000). Nesse protocolo,
houve diminuição da área do transecto de 110 x 3 m para 100 x 2 m, e das parcelas, de 5 x 3 m para
5 x 2 m, além de limitar o tempo amostral pelo número de pessoas envolvidas na coleta por parcela
Não seria bom dizer logo aqui que é 1 h de esforço de uma pessoa? (Fig. 1C). Além disso, houve
uma tentativa para a padronização da amostragem no solo através de 12 amostras (12 x 12 x 10 cm)
por parcela.
O protocolo proposto por Jones & Eggleton (2000) foi aplicado em dezenas de ecossistemas
tropicais espalhados pelo mundo e aparentemente consolidou as parcelas de 5 x 2 m (10 m2), com
uma hora de esforço por pessoa, como um padrão para a coleta de térmitas. Isso aumentou
substancialmente a capacidade de comparação entre áreas em diferentes escalas espaciais (local,
regional e global). No entanto, segundo Jones et al. (2006), a ausência de independência entre as
parcelas representa uma limitação deste protocolo. O fato de o transecto possuir parcelas justapostas
aumenta substancialmente a possibilidade de a mesma colônia ser amostrada várias vezes em
parcelas próximas. O tamanho da área de uso de uma colônia de térmitas é variável entre espécies
ou, até mesmo, entre colônias, impossibilitando um posicionamento definitivo sobre qual seria a
distância mínima necessária entre as parcelas. Desta forma, as parcelas justapostas são pouco
indicadas para a coleta de insetos sociais.
Este protocolo com seis transectos já foi aplicado pelo menos 60 vezes em ecossistemas
brasileiros, especialmente na Caatinga, Floresta Atlântica e Brejos de Altitude (florestas serranas
inseridas nos domínios do semiárido brasileiro). No entanto, foi pouco utilizado em outros
ecossistemas Neotropicais, como Chaco, Cerrado e Floresta Amazônica. Em relação à eficiência da
amostragem, a aplicação desse protocolo conseguiu acessar de 64% (Floresta Atlântica – Mata do
Buraquinho, João Pessoa, Paraíba) a 83% (Caatinga – Estação Ecológica do Seridó, Serra Negra do
Norte, Rio Grande do Norte) da riqueza real da área. Esses valores foram calculados a partir da
construção de curvas assintóticas (curvas com linhas “estáveis” construídas a partir da relação entre
o esforço amostral e as espécies acessadas no habitat) em quatro áreas, duas de Caatinga e duas de
Floresta Atlântica (dados não publicados). Estas estimativas são bem superiores aos valores obtidos
a partir do protocolo de Jones & Eggleton (2000) aplicado em três Florestas Tropicais Úmidas
(Danum Valley e Pasoh na Malásia e Mbalmayo na República dos Camarões), em que se acessou
cerca de 31-36% da riqueza conhecida e estimada para essas áreas.
No interior das parcelas de 10 m2, os térmitas podem ser encontrados em uma grande
variedade de micro-hábitats, tais como troncos (vivos ou em diferentes estágios de decomposição),
solo, ninhos arborícolas, epígeos (montículos), hipógeos (com a estrutura inserida no perfil do solo),
na serrapilheira fina, sob a casca de árvores (Fig. 2). A aplicação do protocolo com tempo e área
padronizados requer habilidade e relativa experiência do pesquisador, para que a procura e a coleta
nesses micro-hábitats seja efetiva e equitativa.
O desenho do protocolo não acessa as colônias do dossel. Dessa forma, ocorre uma
subestimativa dos Kalotermitidae, que são relativamente comuns nos ramos secos do dossel das
árvores (Roisin et al., 2006; Reis & Cancello, 2007). No entanto, as colônias de Kalotermitidae
também ocorrem em galhos, tocos e troncos de árvores, geralmente secos e caídos sobre o solo,
possibilitando a coleta dessas através do protocolo. A procura no perfil do solo até 20 cm é
relativamente adequada para amostras de riqueza de espécies. Abaixo disso, quase não há acréscimo
de outras espécies (Vasconcellos, 2010). Outro aspecto importante é que geralmente em ninhos
epígeos ativos ou ninhos abandonados em geral há uma grande variedade de espécies de térmitas
inquilinas associadas (Redford, 1984).
169
Figura 2. Micro-hábitats onde os térmitas podem ser encontrados durante um protocolo de amostragem rápida da
riqueza de espécies. A) solo; B) raízes; C) ninho epígeo; D) serrapilheira; E) ninho em madeira seca; F) ninho
arborícola.
Os soldados compõem a casta mais importante para a taxonomia e devem ser procurados com
afinco nos micro-hábitats. No entanto, nem todas as espécies de térmitas possuem soldados. Na
Região Neotropical, as espécies da subfamília Apicotermitinae perderam secundariamente a casta
dos soldados. Um coletor iniciante geralmente tem dificuldades para identificar em campo se um
operário encontrado é ou não um Apicotermitinae e, às vezes, mesmo coletores experientes podem
ficar com dúvidas. Nesses casos, a saída é sempre procurar soldados, e, caso esses não sejam
encontrados, confirmar a identificação em laboratório.
Uma pergunta comum feita por coletores iniciantes é “qual é o números de indivíduos por
casta que devo coletar para compor uma boa amostra?”. A resposta não é trivial, mas a presença de,
pelo menos, 10 indivíduos de cada casta (soldados, operários e alados) pode ser uma boa referência.
Geralmente isso não acontece na prática, pois os alados não estão presentes ao longo de todo o ano,
e os soldados estão em baixas proporções em relação aos operários. Uma boa amostra é
170
fundamental para a determinação segura da espécie e/ou do gênero. Após a coleta de campo, as
amostras devem ser limpas e os térmitas preservados em álcool 80%.
O material utilizado para as coletas dos térmitas através dos protocolos é relativamente barato
e fácil de encontrar. Com cerca de US$ 100.00, o pesquisador pode montar o seu kit básico (Fig. 3).
A trena pode ser substituída por uma corda de náilon, com as áreas das parcelas devidamente
marcadas. Os frascos utilizados precisam ter boa vedação. Um conjunto de frascos com 5 ml (80%
do total), 15 ml e 25 ml são recomentados para o campo.
Figura 3. Materiais e equipamentos básicos necessários para a realização de coletas de térmitas através dos protocolos
de amostragem rápida da riqueza de espécies.
171
Dentre os métodos existentes para estimar a riqueza de espécies, destacam-se os estimadores
não paramétricos, que são indicados para os casos de matrizes de dados com diferentes distribuições
de abundância. Esses estimadores são assim denominados por não serem baseados no parâmetro de
um modelo de abundância de espécies previamente ajustado aos dados (Magurran, 2011). Além
disso, permitem estimativas da riqueza de espécies a partir de poucas unidades amostrais.
Magurran (2011) destacou outra vantagem do método: suas medidas são intuitivamente fáceis
de compreender e usar, sendo sua acessibilidade ainda maior devido ao software livre EstimateS
(Colwell, 2013), criado pelo Dr. Robert Colwell (Universidade de Connecticut – USA). Dentre os
cálculos realizados pelo programa, várias estimativas de riqueza de espécies são computadas,
utilizando o ACE, ICE, Chao1, Chao2, Jackknife1, Jackknife2 e Bootstrap. Dentre esses
estimadores, os mais adequados para as matrizes de incidência, como são as fornecidas pelo
protocolo citado, são o ICE, Chao2, Jackknife1, Jackknife2 e Bootstrap, uma vez que esses utilizam
dados de presença ou ausência das espécies para realizarem suas estimativas (Burnham & Overton,
1978; 1979; Efron, 1979; Chao, 1984; 1987; Smith & Van Belle, 1984; Palmer, 1991; Chao &
Lee,1992).
Num estudo realizado em duas áreas de Floresta Atlântica da Paraíba, testou-se a eficiência
desses cinco estimadores não paramétricos para matrizes de incidência, a partir de inventários
completos de taxocenoses de térmitas (M. V. Ernesto e colaboradores, dados não publicados). O
esforço amostral final foi de 1500 m² (cinco protocolos) em uma das áreas estudadas e de 3600 m²
(12 protocolos) na outra, totalizando 5100 m² analisados no estudo. Em cada área, esse esforço
amostral foi suficiente para anular a interferência das espécies raras nas análises, a partir da
ausência de uniques (espécies presentes em apenas uma unidade amostral) e duplicates (espécies
presentes em duas unidades amostrais) nos dois bancos de dados. Dessa forma, a riqueza real de
espécies de térmitas sensível ao protocolo foi totalmente amostrada nas áreas, e a assíntota da curva
de acumulação de espécies foi nítida em ambas (Fig. 4). Essa característica é ideal para testes de
desempenho de estimadores (ver revisão de Walther & Moore, 2005). A partir desses dados, os
cinco estimadores foram avaliados quanto ao enviesamento, precisão e acurácia, e o parâmetro
utilizado na determinação dos desempenhos mais satisfatórios foi a porcentagem de espécies raras
de térmitas em cada corte amostral (a cada 15 unidades amostrais).
O estudo constatou que o Jackknife1 e Jackknife2 só devem ser utilizados para bancos de
dados de taxocenoses de térmitas que apresentem um número de uniques superior a 25% da riqueza
de espécies observada. Já as estimativas do Bootstrap e do Chao2 são indicadas para os demais
172
Figura 4. Riqueza observada (Sobs) de espécies de térmitas e riqueza estimada a partir de cinco estimadores não
paramétricos analisados, e valores dos uniques e duplicates. A) Floresta Nacional da Restinga de Cabedelo-PB; B) Área
de Preservação Permanente Mata do Buraquinho/ João Pessoa-PB.
casos, quando o número de espécies raras for inferior a 25%. Esses resultados foram obtidos para
florestas do Complexo Floresta Atlântica, mas estudos preliminares indicam que o comportamento
dos estimadores é similar para áreas da Caatinga.
Embora o protocolo de coleta descrito acima seja relativamente simples e de custo baixo, a
dificuldade de realizar identificações em nível específico reduz substancialmente a utilização dos
térmitas em programas de monitoramento de ecossistemas tropicais. Especialmente na região
Neotropical, as determinações das espécies de Kalotermitidae e Apicotermitinae necessitam de um
conhecimento taxonômico aprofundado do grupo ou são, em muitos casos, impossíveis pela
ausência de revisões taxonômicas recentes. Além disso, a crescente utilização de características
173
anatômicas internas para a determinação das espécies, especialmente do aparelho digestório dos
operários, gera a necessidade de conhecimento técnico especializado. Por outro lado, a identificação
dos térmitas em nível genérico é relativamente simples e conta com literatura especializada para os
gêneros que ocorrem no Brasil e demais áreas da região Neotropical (Constantino, 1999; 2002;
Rocha et al., 2012).
Uma alternativa para explorar o potencial do grupo como indicador biológico em programas
de monitoramento e como matéria prima para estudos com objetivos macroecológicos seria a
exploração do potencial da riqueza genérica como preditora da riqueza específica (Williams &
Gaston, 1994).
Mesmo a riqueza genérica sendo uma boa preditora da riqueza específica nos grandes
ecossistemas brasileiros, este fato não diminui a importância dos taxonomistas, apenas facilita o
trabalho de pesquisadores que necessitam de respostas rápidas para os estudos ecológicos e
monitoramentos das alterações ambientais em ecossistemas da região Neotropical. Dependendo dos
objetivos do estudo, uma determinação segura da espécie é fundamental, pois um erro pode
comprometer substancialmente a interpretação dos resultados.
Na região Neotropical, o método mais utilizado na literatura para a coleta de térmitas de solo
é o método sugerido pelo TSBF (Tropical Soil Biology and Fertility Program) (Anderson &
174
Figura 5. Relação entre a riqueza de espécie e a riqueza genérica para os principais ecossistemas brasileiros juntos
(acima) e por ecossistema isoladamente.
Ingram, 1989), o qual utiliza monólitos de solo, porém com variações quanto ao tamanho da área
amostral. Um tamanho bastante utilizado em estudos nas Florestas Amazônica e é de 20 x 20 x 30
cm (Fig. 6) (Bandeira & Harada, 1998; Silva & Bandeira, 1999; Vasconcellos, 2010). Os cortes do
solo são feitos com uma chapa de aço e uma marreta de 3-5 kg. Há possibilidade de avaliar a fauna
de térmitas a cada 10 cm de profundidade, ou seja, 0-10/10-20/20-30 cm. Para isso, utiliza-se uma
“pá torta” para a retirada de cada camada. Os cortes no solo para a retirada do monólito precisam
ser feitos com bastante rapidez para evitar a fuga dos térmitas. Uma saída para isto pode ser a
utilização de quatro chapas de aço; porém, o excesso de peso gera dificuldade para transportá-las
dentro dos ecossistemas até os pontos de amostragem.
175
Figura 6. Procedimentos realizados para a retirada de monólito de solo utilizado em amostragens de térmitas no solo e
serrapilheira. A) Posicionamento da chapa de aço para ser inserida no solo; B) retirada do solo em um dos lados no
monólito para a retirada das camadas do solo; C) detalhe das camadas do solo; D) procura manual dos térmitas no solo;
E-J) detalhes da coleta do monólito, ver na foto I a inserção de termômetro para aferição da temperatura.
Todos os térmitas devem ser manualmente retirados do monólito ainda em campo, pois a
visualização dos indivíduos de algumas espécies (por exemplo, Anoplotermes spp.), muitas vezes só
é possível devido à movimentação dos indivíduos na bandeja. Para uma padronização com os dados
da literatura, existe a necessidade de converter os dados para metro quadrado (m2).
O pesquisador pode analisar várias variáveis por camada de solo, como temperatura, umidade
do solo, pH, matéria orgânica, granulometria; e realizar análises correlativas com a riqueza de
espécies, abundância e biomassa de térmitas. Para isso, é necessário retirar amostras de solo de cada
camada e transportá-las para o laboratório em caixas de isopor. As análises devem ser realizadas
logo após o retorno para o laboratório.
Os térmitas podem construir ninhos crípticos ou conspícuos na paisagem. Entre esses últimos,
estão os ninhos arborícolas e os ninhos epígeos (montículos) (Fig. 2C e F). Os primeiros estudos
sobre a abundância e a biomassa de térmitas nos ecossistemas geralmente estavam focalizados nas
espécies construtoras de ninhos conspícuos, gerando dados que subestimavam os valores
quantitativos para o ecossistema, pois a maioria das espécies não constrói ninhos conspícuos e com
estrutura bem delimitada (Vasconcellos, 2010). Na realidade, grande parte das colônias é
176
estabelecida em troncos e no interior do solo. Além disso, os térmitas que estão forrageando fora
dos ninhos conspícuos também ficam fora das quantificações. Em uma área de Floresta Atlântica do
Nordeste Brasileiro, somente 13,7% dos indivíduos de Anoplotermes banksi foram encontrados nos
seus ninhos conspícuos, estando o restante no interior do solo (40,2%) ou em troncos com estágio
avançado de decomposição (46,1%) (Vasconcellos, 2010). Desta forma, estimativas direcionadas
aos ninhos podem mascarar a real abundância e biomassa de uma espécie no ecossistema.
O número total de indivíduos do ninho pode ser avaliado através da extração completa dos
indivíduos do ninho ou a partir de estimativas construídas pela extração de partes dele. A extração
completa em ninhos com mais de 20 litros é muito trabalhosa. Nesses casos, os ninhos podem ser
seccionados e porções das partes superior, mediana e inferior podem ter os térmitas extraídos, e os
valores encontrados nesses fragmentos extrapolados para todo o ninho (Vasconcellos, 2010). Para
tanto, os ninhos devem ser removidos dos seus substratos, medidos para estimativa do seu volume e
posteriormente abertos sobre uma lona (Bandeira & Vasconcellos, 2002). No caso de ninhos
arborícolas que envolvam o tronco da árvore, o volume do tronco-suporte deve ser estimado e
subtraído do volume total do ninho.
A primeira medida antes de iniciar a extração dos térmitas de troncos é determinar o diâmetro
mínimo da madeira que será amostrada. Diâmetros mínimos entre 1-3 cm geralmente são utilizados,
pois algumas espécies, por exemplo, de Microcerotermes e Heterotermes, podem concentrar uma
grande quantidade de indivíduos no interior de pequenos pedaços de madeira. Para a amostragem
dos troncos, é necessário o estabelecimento de parcelas distribuídas aleatoriamente na área. O
número e o tamanho das parcelas podem ser variáveis, mas parcelas maiores do que 10 x 10 m são
bastante trabalhosas e, por isso, dificultam um bom número de repetições em cada ecossistema. No
interior das parcelas, todos os troncos devem ser juntados e pesados. Para tanto, deve-se utilizar
uma balança manual em campo, com capacidade acima de 50 kg (Fig. 7). Na maioria dos
ecossistemas, há necessidade de motosserra para cortar os grandes troncos para a pesagem e depois
extração dos térmitas. O uso de motosserra é recomendável, pois evita que os térmitas sejam
esmagados no interior da madeira no momento de seus cortes, caso o mesmo seja realizado com
facões ou machadinhas.
177
Figura 7. Pesagem de troncos realizada através de balança manual em campo.
No interior de cada parcela, pode haver mais de uma tonelada de madeira (peso úmido),
tornando o trabalho bastante exaustivo. Nesses casos, a presença de ajudantes de campo (no
mínimo, três pessoas) otimiza a execução do trabalho. Para estimativa dos térmitas em troncos, uma
amostra do total deve ser coletada. O peso dessa amostra deve ser padronizado em todas as parcelas.
Vasconcellos (2010) utilizou 5 kg como peso padrão da amostra por parcela, mas esse valor pode
variar entre os estudos. Todos os térmitas dessas amostras devem ser extraídos manualmente e
ainda em campo. Posteriormente, a amostra de madeira deve ser levada para o laboratório para ter
seu peso seco verificado. A partir do número de indivíduos e da biomassa encontrados na amostra,
será possível estimar o peso dos térmitas para toda a madeira presente na parcela. É importante
lembrar que o peso real da madeira da parcela deve ser corrigido pela quantidade de água presente
na amostra seca em laboratório.
2.5.1 Iscas
Os térmitas também podem ser capturados utilizando-se iscas, como papelão corrugado,
pedaços de madeira (geralmente Pinnus spp.) e fezes de mamíferos herbívoros. As iscas possuem
178
um forte caráter de seleção das espécies que serão atraídas, subestimando as populações dos
térmitas pouco atraídos e superestimando as populações dos térmitas atraídos. A utilização de iscas
é recomendável em programas de monitoramento da área de uso de colônias, mas é pouco eficiente
para estudos quantitativos gerais. As iscas também podem ser utilizadas para a captura de espécies
para estudos em laboratório (Costa-Leonardo, 2002; Costa-Leonardo et al., 2013).
Métodos de captura e recaptura também usam iscas e são utilizados para estimativas do
tamanho populacional. Geralmente, os térmitas são marcados com radioisótopos ou com corantes
histológicos lipossolúveis (ver Easey & Holt, 1989 e Evans, 1997, respectivamente), sendo este último
método mais popularizado.
A marcação com corantes lipossolúveis, como o Azul de Nilo A e o Vermelho Neutro, pode
ocorrer de duas formas: a lenta, a partir da ingestão de papel com os corantes, a qual dura
aproximadamente de três a 10 dias, ou a rápida, a partir de uma solução aquosa com os mesmos
corantes, a qual necessita apenas de 24 horas para marcar os térmitas.
O método de marcação lenta sofreu várias críticas ao longo dos anos, devido a algumas
limitações que apresenta, como o tempo necessário para que os indivíduos se alimentem do papel
com corantes (aproximadamente uma semana), o eventual prejuízo causado aos indivíduos devido à
exposição por muito tempo ao corante e a necessidade de uma preparação cautolosa do papel para a
marcação, uma vez que os corantes são dissolvidos geralmente em solventes tóxicos, como acetona
ou etanol (Evans, 2000). A marcação rápida, por sua vez, não só aumentou a velocidade de
marcação, como também diminuiu os riscos na preparação do material, uma vez que utiliza água
como solvente dos corantes.
179
2.5.2 Armadilha luminosa
Os térmitas possuem formas ápteras e aladas (futuros reis e rainhas) no interior de colônias
maduras. Dependendo da espécie, os alados são produzidos sazonalmente ou ao longo do ano
(Nutting, 1969). Os alados possuem olhos compostos bem desenvolvidos e são comumente atraídos
por fontes luminosas. Por isso, no início do período de revoada é fácil encontrá-los em grande
quantidade ao redor dessas fontes. As espécies podem revoar ao longo de todo o dia ou mostrar
preferências pelo período diurno ou noturno. As armadilhas luminosas possuem atratividade para os
alados que revoam no período noturno ou no crepúsculo. As armadilhas utilizadas para a captura de
alados são semelhantes às do tipo Luiz de Queiroz, sendo equipadas com um fotossensor que liga a
luz da armadilha ao anoitecer e desliga ao amanhecer. Assim como as iscas, as armadilhas
luminosas conseguem atrair apenas uma parcela das espécies presentes na área. Além disso, a
identificação das formas aladas em nível de gênero ou espécies é complicada e requer um bom
conhecimento termitológico, pois poucas revisões taxonômicas incluem chaves para os alados.
Estudos ecológicos devem utilizar os dados das armadilhas luminosas com precaução, pois o poder
de atração da armadilha pode gerar indicativos errôneos sobre o número de espécies e o tamanho
das colônias no ambiente.
Os térmitas também podem ser capturados em outras armadilhas ou métodos de coleta, mas
com baixa eficiência. Os alados também podem ser coletados em armadilhas do tipo Malaise e
Janela-Estacionária, mas a ausência de atratividade pode resultar em um baixo número de
indivíduos coletados; no entanto, diferentemente das armadilhas luminosas, conseguem capturar
alados que revoam durante o dia.
Em geral, os pitfalls também possuem baixa eficiência para os térmitas, mas podem ser uma
boa alternativa para a captura e monitoramento da atividade de térmitas que forrageiam à noite em
trilhas abertas, como Constrictotermes cyphergaster e Ruptitermes spp. O padrão sazonal de
atividade destas espécies no forrageamento pode ser monitorado a partir de conjuntos de pitfalls,
como no formato utilizado por Vasconcellos et al. (2010). O uso de guarda-chuva entomológico é
pouco recomendável, uma vez que o número de indivíduos capturados é muito baixo e geralmente
restrito às espécies xilófagas e construtoras de galerias sobre os ramos das árvores e arbustos.
A coleta manual é o método mais indicado para os térmitas que habitam o complexo
serrapilheira-solo, porém esses organismos também podem ser extraídos com menos eficiência
utilizando-se aparelhagens do tipo Extrator de Winkler e Funil de Berlese-Tüllgren. Esses métodos
180
também possuem um forte caráter de seleção dos táxons amostrados. O Funil de Berlese-Tüllgren é
um método que produz uma movimentação dos invertebrados de solo da amostra a partir de
estímulos térmicos e luminosos. A baixa mobilidade de várias espécies de térmitas e sua
sensibilidade à desidratação faz com que muitos indivíduos morram antes de cair no recipiente
coletor. Com estrutura mais elaborada, segundo Silva & Martius (2000), o Extrator de Kempson
atenua os efeitos da temperatura e umidade e pode ter resultados compatíveis ao método manual. A
desvantagem desse método é o valor do equipamento e a sua difícil montagem. O Extrator de
Winkler, bastante utilizando nas coletas de formigas e aracnídeos, também coleta térmitas
especialmente da serrapilheira, mas possui pouca eficiência em comparação com o método manual
de coleta.
Agradecimentos
Ao Dr. Adelmar Gomes Bandeira pela leitura crítica do manuscrito. Aos editores do livro pelo
convite para elaboração deste capítulo.
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185
Capítulo 10
O presente capítulo tem por objetivo apresentar o panorama sintético de estudos de anuros e
as possibilidades de estudos a serem propostos e executados por novos pesquisadores, sobretudo,
aqueles que iniciam a carreira acadêmica.
Compreendendo os Anuros
Compreender os anuros é condição sine qua non para propor qualquer estratégia de estudo
ecológico, relativo à população ou biocenose das 913 espécies brasileiras (Segalla et al., 2012). A
compreensão requer a leitura dos artigos “A simplified table for staging anuran embryos and larvae
with notes on identification” (Gosner, 1960); “The Phylogeny of Anuran Larvae: A New Look”
(Sokol, 1975), bem como, do livro Tadpoles: The Biology of Anuran Larvae (MacDiarmid & Altig,
1999). Podemos dizer que com essa leitura iniciamos a compreensão da fase larvar, os girinos
propriamente ditos. Faz-se necessário agora compreender a distribuição e posição sistemática do
grupo e devemos iniciar fazendo a leitura do artigo “A large-scale phylogeny of Amphibia
including over 2800 species, and a revised classification of extant frogs, salamanders, and
caecilians” (Pyron & Wiens, 2011) e considerar ainda as atualizações em Frost (2014).
Recomendamos a leitura dos artigos de Faivovich et al. (2005); Frost et al. (2006); Heyer et al.
(2009a; 2009b); Maciel et al. (2006; 2010); Grant et al. (2006); Narvaes & Rodrigues (2009), além
1
Universidade Federal do Piauí, Campus Amilcar Ferreira Sobral, Floriano/PI
2
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Departamento de Vertebrados, Quinta da Boa
Vista, Rio de Janeiro/RJ
186
do clássico livro Biology of Amphibians (Duellman & Trueb, 1994). Esses são apenas alguns dos
passos necessários à compreensão do atual conhecimento do grupo.
Estudando os Anuros
Análise Amostral
“Chamar um estatístico depois que o experimento está pronto é quase o mesmo que lhe
encomendar um exame post mortem: ele é capaz de dizer por que o experimento morreu.”
Ronald Aylmer Fisher (1890 -1962), estatístico e geneticista – Congresso na Índia em 1938.
Não foi por acaso que iniciamos o texto com esta célebre opinião. Na maioria das vezes o
estudante procura o professor com os dados tabulados e pergunta que análises são possíveis
expressar. O importante é planejar com base no conhecimento prévio da espécie ou do gênero e, isto
feito, é possível estabelecer os objetivos e seguir para o campo. O estudo ecológico de anuros está
relacionado com longos períodos de acompanhamento dos vários ciclos reprodutivos ou estudos
pontuais, isto é, um único período reprodutivo. Fica evidenciado que o pesquisador terá que
considerar a sazonalidade e o ritmo de atividades diurnas e noturnas, inclusive o isolamento como
ilhas populacionais (Rose & Polis, 2000).
Uma potencial fonte de erro amostral é a dificuldade em detectar determinada espécie (e.g.,
Elachistocleis piauiensis Caramaschi & Jim, 1983), sem considerar as espécies raras e endêmicas
(e.g., Brachycephalus pernix, Pombal, Wistuba & Bornschein, 1998). A limitação amostral está
diretamente correlacionada com a probabilidade de captura da espécie e sua abundância (Longino et
al., 2002).
Protocolo Amostral
188
Atualmente, os vários estimadores exigem que o tamanho amostral e o esforço estejam
explicitamente representados, o que por um lado remedia os problemas, por outro lado faz com que
o “pesquisador” que não planejou o esforço não obtenha êxito com os estimadores por falta de
informações de campo que não foram consideradas durante a coleta.
Ecólogos procuram determinar a diversidade através de uma série de amostras, sendo que a
taxa com que novas espécies são adicionadas ao inventário fornece interpretações sobre a
distribuição e abundância das espécies. Estimativa da riqueza de espécies é estabelecida, mais
comumente, através das curvas de acumulação de espécies também denominada curva do coletor. O
programa EstimateS de Colwell (2012) permite a construção da curva desde que o processo de
amostragem seja uniforme para um universo amostral estável. Na prática significa que as amostras
devem ser obtidas de uma maneira sistemática (Magurran, 1988). Para compreender os mecanismos
matemáticos que estimam a curva do coletor, Lima et al. (2011) apresentam os axiomas que
compõem o método estimador.
Tamanho da Amostra
Durante quanto tempo, ou quantas espécies, ou mesmo quantos exemplares devemos coletar
para considerar satisfatória a amostra?
Considerando que adotaremos a curva do coletor como método de predição, temos que levar
em consideração que a ordem com que os indivíduos são inseridos na curva terá influência direta
sobre seu formato. Isto é, uma área diversificada influencia o formato da curva se for traçada mais
cedo que mais tarde, ao contrário, curvas de rarefação movem-se da direita para esquerda
(Magurran, 2011). A escala linear é utilizada comumente, no entanto Longino et al. (2002)
entendem que o eixo de X deve ser logaritmizado para destacar curvas assintóticas de curvas
logarítmicas. Independente da escolha amostral, a aleatorização é que melhora a estimativa
assintótica (Palmer, 1990).
Inventários Rápidos
Inventários que coincidam com o período chuvoso favorecem a emissão de lista de espécies
rapidamente, bastando encontrar as agregações reprodutivas e suas respectivas fontes de água. No
entanto, na estação seca, dependendo da região os resultados serão insatisfatórios. Dessa forma, é
189
necessário conhecer o regime pluviométrico da região para propor o período amostral. Outra forma
de desenvolver os estudos de inventário é detectar a relação de uma espécie, família ou grupo de
espécies com a região cujo manejo seja do interesse do empreendedor ou do órgão fiscalizador. Em
geral são consideradas espécies alvo aquelas em condição de risco, raras ou exóticas. A título de
exemplo podemos citar como espécies em risco: Hylodes regius Gouvêa, 1979; rara: Holoaden
bradei B. Lutz, 1958; exótica: Lithobates catesbeianus (Shaw, 1802).
Mesmo uma espécie que não está em risco de extinção pode indicar seu desparecimento por
destruição de seu hábitat (Lima et al., 2013). Além disso, uma espécie pode ser endêmica, como no
caso da Mata Atlântica, um hotspot que abrange atualmente entre 7,5 e 12,5% de seu território
original (Myers et al., 2000; SOS Mata Atlântica, 2013).
O som apresenta três parâmetros básicos para análise sonora, isto é, o período que
corresponde ao tempo de vai e vem, ou seja, o tempo necessário para a onda percorrer um
comprimento de onda, sendo aferido em segundos ou milissegundos; a frequência, que representa o
número de ciclos em um segundo, é o inverso do período, pois mostra o número de períodos
existentes na unidade de tempo e é estimada pela unidade Hertz (Hz) ou quilohertz (kHz), com
escala linear iniciando em zero; e a amplitude ou intensidade, que é o valor da pressão exercida
pela molécula durante seu deslocamento, cujo valor corresponde à unidade composta por peso e
deslocamento Watt/m2. O menor som audível corresponde a 0,000000000001 Watt/m2. Em uma
conversa entre pessoas a 1 metro entre elas, teremos uma potência de 0,000001 W/m2, então log
190
1.000.000/1 (potência atual dividida por 1 que é a potência referência), donde 10 = 6, isto é 106 =
1.000.000 que equivale a 6 Bels ou 60 dB (decibéis) (Som ao Vivo, 2013).
Dentre os componentes da vocalização dos anuros sensu Heyer et al. (1990) e Duellman &
Trueb (1994) podemos citar:
Canto: representa o conjunto de sinais acústicos produzidos em sequência. Pode compor-se por
uma única nota, uma série de notas similares ou um conjunto de notas de características
acústicas distintas. Os cantos podem distribuir-se em grupos de cantos que podem estar
espaçados por longos períodos de silêncio entre si. O espaçamento entre os cantos dentro de um
mesmo grupo pode ser uniforme ou variar de maneira mais ou menos previsível.
Nota: é a unidade individual do som. Pode ser curta composta por um único pulso, longa e não
pulsionada ou composta por uma série de pulsos (trilado).
Taxa de repetição das notas: é a frequência de emissão de notas de um canto composto por
notas múltiplas, sendo avaliado em notas por segundo. Se o canto é composto por apenas uma
nota o que teremos, portanto, será a taxa de repetição do canto.
Pulsos: são modulações na amplitude das ondas que compõem a nota (Fig. 2A). Essas
modulações na amplitude, que representam o afastamento da onda de sua origem em direção
vertical (INPE, 2009), podem chegar a 100% fazendo com que os pulsos sejam acentuadamente
discretos, ou seja, claramente distinguíveis entre si. Ou, a modulação pode ser menor de forma
a manter os pulsos mais unidos entre si. Em ambos os casos, quando esta oscilação na
amplitude ocorre, as notas são ditas pulsionadas.
191
Figura 2. Esquema representando a modulação na amplitude (A) e frequência (B). Adaptado de BBC,
2011.
Taxa de repetição dos pulsos: este parâmetro corresponde ao número de pulsos que ocorrem por
segundo ou, mais frequentemente, milissegundo (ms) de canto.
Nota
Pulso
Figura 4. Oscilograma de um trecho do canto de Pseudopaludicola mystacalis com oito notas (acima) e uma
nota ampliada para visualização de sua estrutura pulsionada (abaixo).
193
Figura 5. Espectrograma com sequência de quatro notas de frequência fundamental em torno de 5 kHz
(harmônico 0) com estrutura harmônica. Harmônicos múltiplos de H0 em 10 e 15 kHz aproximadamente.
Entretanto, mesmo sendo captado como um único som, é a existência e a qualidade vibratória de
cada harmônico do conjunto que confere a cada som sua característica única. Ou seja, é por causa
dessas características ondulatórias das frequências sonoras que somos capazes de reconhecer o
timbre de diferentes vozes ou instrumentos e isto não difere quando utilizamos esses caracteres para
o entendimento da comunicação entre os anuros. Os harmônicos mais agudos são facilmente
atenuados pelo meio, por isso, para captá-los, o microfone deve estar o mais próximo possível do
emissor desde que não acarrete na saturação do som gravado.
Figura 6. Esquema das ondas de frequência fundamental e seus harmônicos múltiplos derivados. Esquema
adaptado de Professor Global, 2013.
194
0 5 10 15 20
Frequência em kHz
Muitas vezes para o iniciante artefatos gerados pela análise podem ser confundidos com
harmônicos. Tais artefatos, os Side-Bands (Vielliard, 1993), são gerados quando analisamos o
espectrograma com um FFT size elevado. Na Fig. 8A e Fig. 8B abaixo comparamos o mesmo canto
de Physalaemus signifer com FFT size em 256 e 1024 pontos e embora a resolução em 256 pontos
seja menor não produz Side-Bands que poderiam, inadvertidamente, ser considerados harmônicos,
mesmo não se caracterizando como múltiplos da frequência fundamental.
Figura 8. Em A espectrograma criado a partir da transformada rápida de Fourrier (FFT) em 256 pontos. Em
B, FFT size em 1024 pontos gerando side-bands. Em cada figura é apresentado o mesmo canto: acima
oscilograma (amplitude x tempo), abaixo espectrograma (frequência x tempo).
195
Gravadores e Softwares para análise sonora
A tecnologia produz atualmente uma gama de possibilidades que rapidamente são superadas
por novas versões ou modelos emergentes e ao citar softwares ou hardwares para gravação e análise
sonora, corremos o risco de estarem defasados quando o leitor tiver acesso a esse texto.
Existem programas de análise sonora disponíveis para download em versões livres completas
ou demo. Estas últimas permitem ao usuário conhecer o software sem, entretanto, ter acesso a certas
ferramentas que poderiam ser úteis. De qualquer forma, dificilmente um único programa atende a
todas as necessidades da análise bioacústica e o uso de programas complementares pode ser uma
boa opção, senão fundamental. Dentre os programas livres podemos citar o Canary® (Cornell Lab),
Audacity® e SoundRuler®. Softwares com versões demo como Avisoft SASLab Lite® e Raven
Lite®, ainda que não permitam acesso a certas ferramentas, podem ser úteis por serem
especificamente criados para fins de estudo bioacústico. Todos possuem seus prós e contras e o
usuário deve conhecer suas necessidades de modo a identificar o melhor software para uso em seu
projeto;
A literatura específica está cheia de opções quanto aos aparelhos utilizados na gravação para a
análise bioacústica dos anfíbios anuros (Vielliard & Silva, 2010). Obviamente, nossa opção deve ser
adequada ao poder de investimento, muitas vezes limitado, principalmente enquanto somos
estudantes. Entretanto observar parâmetros mínimos pode livrar-nos de sérios problemas que podem
inviabilizar a utilização de dados coletados com equipamentos inadequados.
Gravadores que possuam opção de ajuste quanto à entrada de áudio podem ser úteis, pois após
ajustado o input de dados para a distância de gravação e frequência de emissão do animal, evita-se
196
que haja saturação da gravação e consequente perda da qualidade do som que gera mais viés no
resultado final.
A bioacústica não é exclusiva da ordem Anura. Pelo contrário, é utilizada por ornitólogos,
entomólogos, mastozoólogos entre outros e, por consequência, não devemos desprezar essa fonte de
dados para aprimorar nossa compreensão do estudo dos sons.
Vielliard & Silva (2010) apresentam uma lista dos principais sites de softwares e
equipamentos de uso em bioacústica.
197
aferição de CRC (Comprimento Rostro Cloacal) e sua deposição em coleção científica como animal
testemunho (sob autorização do órgão ambiental competente).
Os dados abióticos aferidos, bem como a espécie, o nome da localidade, data de coleta e
número de campo do espécime devem ser gravados no mesmo arquivo (Heyer et al., 1990; Vielliard
& Silva, 2010). A inserção desses dados na própria gravação evita que tais referências sobre a
vocalização gravada sejam perdidas, o que tornaria o arquivo sem utilidade científica.
Reverberação: Quando o som é gerado dentro de um ambiente, como nas raízes, buracos e
serapilheira, escuta-se primeiro o som direto e depois o som refletido ocorrendo sobreposição
gerando uma audição prolongada. Isso dificulta em campo localizar o anuro que vocaliza.
Corythomantis greeningi Boulenger, 1896 fica em baixo de rochas ou covas em rochas
naturalmente esculpidas pela água; Elachistocleis piauiensis Caramaschi & Jim, 1983 fica em
posição vertical apoiado nas raízes de gramíneas.
Mascaramento: A audição simultânea de dois sons de frequências diferentes faz com que o som de
maior intensidade supere o de menor, tornando o som inaudível ou não inteligível. Quanto mais
próxima a frequência dos sons maior a possibilidade de mascaramento.
Refração: a mudança de direção da onda sonora por ocasião da alteração do meio que interfere na
velocidade de propagação ocasionada pela mudança de temperatura do ar. Considerando as
198
alterações do som em virtude de seu deslocamento no meio, é necessário descartar amostras que
sofram severas alterações do ambiente.
Reprodução e Desenvolvimento
Os anuros apresentam rigorosos ciclos reprodutivos associados ao período das águas de cada
região, influenciados pela temperatura e precipitação (Santos et. al., 2003; Giaretta & Facure, 2008;
Eterovick & Barata, 2006; Pombal Jr. & Haddad, 2005).
199
flagging ou “sinalização com o pé” em Hylodes asper, conforme Haddad & Giaretta (1999). Vale
ainda destacar o comportamento satélite, que corresponde aos machos aguardarem fêmeas que estão
sendo atraídas pelo canto de anúncio de um outro macho, sendo o que aguarda inapto para a
competição vocálica (Wogel et al., 2002; Pombal Jr & Haddad, 2005; Wogel & Pombal-Jr, 2007;
Berec & Bajgar, 2011).
Quanto aos tipos de oviposição, estes não ocorrem de forma independente, pois estão
atrelados à combinação de caracteres que inclui o sítio de reprodução, característica dos ovos e
desovas, ritmo e duração do desenvolvimento, estágios e tamanho dos eclodidos e cuidados
parentais quando presentes sendo denominadas modos reprodutivos (Pombal Jr. & Haddad, 2005).
Exemplos de modos reprodutivos, ovos e girinos exotróficos em ambientes lênticos: Rhinella
icterica, R. ornata, Hypsiboas bischoffi; ovos e estágios larvais iniciais em piscinas de barro:
Hypsiboas faber, H. boans; ovos em ninho de espuma na água e girinos exotróficos em ambientes
lênticos: Scinax rizibilis, Physalaemus cuvieri; ovos terrestres sobre o solo com desenvolvimento
direto (dos ovos eclodem jovens com morfologia de adulto): Ischnocnema guentheri, Haddadus
binotatus; ovos arborícolas, com a eclosão das larvas exotróficas caem das folhas e passam para
ambientes lênticos: Phyllomedusa distincta, P. tetraploidea; ovos em ninho de espuma em toca
subterrânea, girinos endotróficos completam seu desenvolvimento no ninho: Adenomera
marmorata.
Segundo Pombal Jr. & Haddad (2005), 39 modos reprodutivos são registrados para o Brasil,
sendo nove para ovos depositados em água; um para ovos em ninhos de bolhas, quatro para ovos
em ninhos de espumas, dois para ovos incrustados no dorso de fêmeas aquáticas, sete para ovos no
solo sobre rochas ou em tocas, quatro para ovos arborícolas, seis para ovos em ninhos de espuma,
quatro para ovos carregados por adultos e dois para ovos retidos nos ovidutos.
A história natural de diversos anuros brasileiros já foi descrita, mas está aquém das 913
espécies conhecidas, sendo esta uma vasta área para o desenvolvimento de novos estudos em
200
especial para as regiões pouco estudadas, uma vez que o Brasil é detentor de 8.515.767 km².
Mesmo para espécies já estudadas como, por exemplo, Leptodactylus fuscus, encontramos
descrições de comportamento distintas por estarem ocupando biomas e regiões diferenciadas como
em “Biologia Reprodutiva de L. fuscus em Boa Vista, Roraima (Amphibia: Anura)” (Martins,
1988). E, por outro lado, temos o estudo da história natural de L. fuscus no Cerrado do Brasil
Central (De-Carvalho et al., 2008).
Figura 9. Esquema de biometria em anuros. Veja texto para descrição das siglas. Modificado de Napoli
(2000).
201
O desenvolvimento dos girinos se divide em 46 estágios (Gosner, 1960; McDiarmid & Altig,
1999; Duellman & Trueb, 1994). A Fig. 10 exemplifica a biometria em girinos proposta por Altig
(2007).
Figura 10. Vista dorsal (A) e lateral (B) de um girino. AMC – altura máxima da cauda; AMMC – altura
máxima do músculo da cauda; BP – broto da perna; CC – comprimento do corpo; CCD – comprimento da
cauda; CT – comprimento total; DIN – distância internasal; DIO – distância interorbital; DO – disco oral;
EMC – eixo muscular da cauda; ES – espiráculo; LMC – largura do músculo da cauda; TV – tubo ventral.
Modificado de Altig (2007).
Lima & Pederassi (2012), estudando girinos de Rhinella icterica, estabeleceram uma razão de
crescimento proporcional para diversos estágios de desenvolvimento dos girinos, bem como o
coeficiente de massa corpórea em relação ao estágio de desenvolvimento. Ainda, nesta mesma linha
de pesquisa estes autores estabeleceram a razão de desenvolvimento e a taxa de natalidade e
mortalidade por estágio de desenvolvimentos dos girinos (Lima & Pederassi, no prelo). Cardoso
(1982) estudou a formação de agregados de girinos e seu comportamento social, considerando a
densidade, estímulos bioquímicos, adaptação defensiva e como estratégia para obtenção de
alimento. Fatorelli & Rocha (2008) estudaram a interação entre os fatores ambientais bióticos e
abióticos e como estes fatores atuam na distribuição de padrões. Peixoto (1977; 1995) estabeleceu a
relação de dependência dos anuros com relação às bromélias e cunhou os termos bromelícola e
bromelígena. Nos bromelícolas apenas os adultos utilizam as bromélias como abrigo e sítio de
forrageio, enquanto nos bromelígenas ocorre o desenvolvimento das larvas dentro da água retida
nas axilas foliares das bromélias. Lima & Peixoto (2007) avaliaram o comportamento de girinos de
Rhinella icterica em diferentes concentrações de oxigênio e coliformes fecais. Segundo Andrade et
al (2007), os estudos sobre girinos são incipientes e muito há ainda a se estudar.
202
Distribuição Espacial
A distribuição espacial dos anuros no ambiente vai desde sua estratégia de vocalização e seu
espaço acústico (Pombal Jr., 2010) bem como a distribuição temporal e seus sítios de vocalização
(Cardoso et al., 1989; Conte & Machado, 2005) (Fig. 11 e Fig. 12). A escolha do ambiente pelo
anuro está intrinsecamente relacionada com a interação biótica-abiótica, como por exemplo, a
escolha de Scinax argyreornatus por bromélias (Pederassi et al., 2012) e a dinâmica de ocupação de
Dendrophryniscus brevipollicatus (Lima et al., 2013b).
Dendrophryniscus brevipollicatus, por ser bromelígena, tem uma relação direta com as
bromélias, pois delas depende seu sucesso reprodutivo. O diagrama causal da Fig. 13 mostra a
dinâmica de ocupação das bromélias de uma planície arenosa por essa espécie. Esse modelo de
interação levou em consideração as características bióticas e abióticas do sítio reprodutivo, isto é, as
bromélias. Como elementos chave foram utilizados a natalidade, bromélias expostas à luz, diâmetro
do tubo central e acúmulo de água pela planta. O gráfico gerado pelo modelo possui como elemento
limitante a exposição à luz que interfere na taxa de natalidade. O modelo representado pelo
diagrama mostra a preferência de ocupação, pelo anuro, da bromélia Neoregelia johannis quando se
Figura 11. Representação esquemática, sem observação de escala, dos sítios de vocalização utilizados
preferencialmente por algumas espécies de anuros: 1) Hypsiboas prasinus; 2) Sphaenorhynchus surdus; 3)
Hypsiboas faber; 4) Dendropsophus sanborni; 5) Hypsiboas albopunctatus; 6) Hypsiboas bischoffi; 7)
Scinax perereca; 8) Aplastodiscus perviridis; 9) Odontophrynus americanus; 10) Rhinella abei; 11) Rhinella
icterica; 12) Leptodactylus latrans; 13) Physalaemus cuvieri; 14) P. gracilis; 15) Scinax squalirostris; 16)
Dendropsophus minutus. (Modificado de Conte & Machado, 2005).
203
Figura 12. Distribuição espacial de anuros durante emissão de canto de anúncio. 1) Phasmahyla cochranae;
2) Aplastodiscus aff. perviridis; 3) Scinax ranki; 4) Hypsiboas polytaenius; 5) Vitreorana sp.; 6)
Ischnocnema juipoca; 7) Hylodes sp. Modificado de Cardoso et al. (1989).
Figura 13. Diagrama causal da dinâmica de ocupação de bromélias por Dendrophryniscus brevipollicatus
em planície arenosa da Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul, Ilha Grande/RJ. Modificado de Lima et
al. (2013b).
trata de reprodução, embora Aechmea sp. seja ocupada esporadicamente pelo animal. Essa
preferência ocorre devido à menor exposição à luz e maior diâmetro da roseta (maior acúmulo de
204
água) de N. johannis, que favorece o desenvolvimento larvar do anuro, caracterizando N. johannis
como espécie fundamental para permanência de D. brevipollicatus nesse ambiente.
Além da variação espacial local, dentro das comunidades, ocorre uma distribuição regional e
mesmo continental das espécies. Essa distribuição geográfica das espécies é o resultado da interação
da história evolutiva de seu ambiente (vicariância) e das próprias espécies envolvidas (migração), o
que culminou com o atual padrão geográfico estabelecido de populações, comunidades e
ecossistemas (Duellman & Trueb, 1994; Brown & Lomolino, 1998).
Agradecimentos
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215
CAPÍTULO 11
Introdução
O grupo dos lagartos com ocorrência no Brasil é composto por espécies de tamanho corporal
que varia de muito pequenas, como as do gênero Coleodactylus Parker, 1926, a espécies de
tamanhos grandes, como os teiídeos dos gêneros Salvator Duméril e Bibron 1839 e Tupinambis
Daudin 1802, e o iguanídeo Iguana iguana (Linnaeus, 1758). O Brasil comporta cerca de 12% das
1
Museu Paraense Emilio Goeldi, Departamento de Zoologia, Av. Perimetral, 1901, Bairro Terra Firme, CEP
66077-530, Belém, PA, Brasil. E-mail: marceliabasto@gmail.com, isabelabrcko@gmail.com
2
Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em Zoologia, CEP 70910-900, Brasília, DF, Brasil.
E-mail: waldima@yahoo.com.br
216
espécies (248 spp.) conhecidas, possuindo uma das maiores faunas de lagartos no mundo (Bérnils &
Costa, 2012). Nos últimos anos, a classificação dos lagartos sofreu diversas mudanças,
especialmente no arranjo e nomenclatura das famílias (Gamble et al., 2011; Harvey et al., 2012;
Hedges & Conn, 2012; Nicholson et al., 2012), o que acrescentou para 14 o número de famílias
com ocorrência no Brasil (Bérnils & Costa, 2012). Estas são brevemente descritas abaixo:
Gekkonidae Gray, 1825: As espécies dessa família podem apresentar hábitos noturnos,
pupilas elípticas e capacidade de produzir som ou possuírem hábitos diurnos, com pupilas redondas
e sem capacidade de produzir sons (Hatano et al., 2001; Vitt et al., 2008). Popularmente conhecidas
como lagartixas, bribas e osgas. O gênero Hemidactylus Oken, 1817 compreende cerca de 100
espécies, sendo um dos gêneros mais amplamente distribuídos no globo (Carranza & Arnold, 2006).
Hemidactylus mabouia (Moreau de Jonnès, 1818) é popularmente conhecida como lagartixa-da-
parede, pela fácil visualização nas paredes das casas. É uma espécie considerada exótica,
provavelmente introduzida, vindo juntamente com os navios negreiros. No Brasil ocorrem seis
espécies, sendo que três são endêmicas para o país, duas do gênero Hemidactylus e uma de
Lygodactylus Gray, 1864 (Bérnils & Costa, 2012).
217
Gymnophthalmidae Merrem, 1820: Geralmente os lagartos dessa família variam de pequeno
a médio porte, possuem corpo e cauda alongados e membros curtos, porém em alguns gêneros nota-
se a redução parcial ou total dos membros (Vitt et al., 2008); são ovíparos, diurnos, contudo
algumas espécies podem apresentar atividades noturnas, como a espécie Bachia flavescens
(Hoogmoed, 1973); se alimentam de artrópodes e apresentam uma diversidade de hábitos:
terrestres, fossoriais, semiarborícola e semi-aquáticas (Rocha, 1994; Ávila-Pires, 1995; Vitt et al.,
2008). Distribuem-se do sul do México à Argentina, além do Caribe e outras ilhas das Américas
Central e do Sul (Pellegrino et al., 2001). No Brasil ocorrem 84 espécies (Bérnils & Costa, 2012).
Hoplocercidae Frost & Etheridge, 1989: As espécies dessa família vivem principalmente em
florestas secas, mas os representantes dos gêneros Enyalioides e Morunasaurus habitam as florestas
tropicais (Wiens & Etheridge, 2003). Apresentam tamanhos relativamente pequenos, de
alimentação carnívora (Carvalho, 1949, Ávila-Pires, 1995). Presume-se que todas as espécies sejam
ovíparas. O gênero Hoplocercus possui como característica principal a cauda espinhosa. Os machos
de Hoplocercus spinosus Fitzinger, 1843 usam suas caudas espinhosas como arma defensiva
quando atacado ou para escavar buracos rasos no solo e bloquear a entrada das tocas (Rocha, 1994).
No Brasil ocorrem três espécies (Bérnils & Costa, 2012): Enyalioides laticeps (Guichenot, 1855) e
Enyalioides palpebralis (Boulenger, 1883) ocorrem na Amazônia (estados do Acre, Amazonas e
Rondônia) (Ávila-Pires, 1995) e Hoplocercus spinosus ocorre em áreas de Cerrado e Caatinga
(Torres-Carvajal et al., 2011; Vitt et al., 2002).
Iguanidae Gray, 1827: No Brasil, a família é representada pela espécie Iguana iguana. É uma
espécie diurna, heliotérmica, que ocorre em altas densidades nas margens de rios, onde são
facilmente observadas devido ao comportamento de termorregulação (Ávila-Pires, 1995; Campos,
2003; Vitt et al., 2008), são herbívoros generalistas (Rand et al., 1990) e podem correr por bipedia
(Lazell, 1973). Além disso, são bons nadadores e frequentemente tentam escapar mergulhando na
água (Vanzolini et al., 1980). No Brasil, a espécie é conhecida como sinimbu ou camaleão, sendo
distribuída pela região Amazônica, parte da região Centro-Oeste, Pantanal e na Caatinga (Ávila-
Pires, 1995; Campos, 2003).
Leiosauridae Frost, Etheridge, Janies & Titus, 2001: Família representada por espécies de
hábitos predominantemente arborícolas, porém algumas (Anisolepis undulatus (Wiegmann, 1834))
podem se deslocar pelo solo (Cei, 1993). São lagartos diurnos, ovíparos e alimentam-se de
artrópodes (Sousa & Cruz, 2008). No Brasil a família é representada por 13 espécies, distribuídas
pelas subfamílias Leiosaurinae Frost, Etheridge, Janies & Titus, 2001 e Enyaliinae Frost, Etheridge,
Janies & Titus, 2001, que ocorrem na Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e em áreas de
218
matas de galeria nas regiões Centro-Oeste e Sul do país (Pianka & Vitt, 2003, Bérnils & Costa,
2012).
Liolaemidae Frost & Etheridge, 1989: São lagartos de hábitos terrestres, diurnos e ovíparos
que se alimentam principalmente de artrópodes. No Brasil ocorrem três espécies do gênero
Liolaemus Wiegmann, 1834: Liolaemus occipitalis Boulenger, 1885, a qual ocorre no extremo sul
do Brasil, desde o sul de Santa Catarina (SC), Estado do Rio Grande do Sul (RS) e na costa do
Uruguai. Liolaemus arambarensis Verrastro, Veronese, Bujes & Dias-Filho, 2003 é encontrada
somente no Rio Grande do Sul e Liolaemus lutzae Mertens, 1938, é encontrada somente em áreas
de restinga no sul do estado do Espírito Santo e Estado do Rio de Janeiro (Verrastro et al., 2006;
Bérnils & Costa, 2012), considerada ameaçada de extinção (Espinoza, 2010). Uma parte das
espécies desse gênero é vivípara, porém esse recurso pode ser revertido para oviparidade (Schulte et
al., 2000; Crocco et al., 2008). São popularmente conhecidas como lagartixas-de-areia ou de praia.
Mabuyidae Mittleman, 1952: São lagartos de pequeno porte, com corpo cilíndrico, membros
reduzidos, pescoço pouco evidente, corpo coberto por escamas lisas, cicloides, com placas ósseas
(osteodermos) subjacentes, o que suscita o aspecto brilhante do corpo desses animais (Pough et al.,
1998; Vitt et al., 2008). Predominantemente terrestres, podem ser observadas associadas a
vegetação, como observado na espécie Psychosaura agmosticha Rodrigues, 2000, a qual é típica da
Caatinga e é encontrada entre cactos secos e em associação com espécies de bromélias (Bromelia
laciniosa Aechmea multiflora e Aechmea blanchetiana) (Dias & Rocha, 2013). Contudo existem
espécies com hábitos arborícolas, fossoriais e algumas semi-aquáticas. São heliófilos, muitas
espécies são vivíparas (Shine, 1985; Vitt et al., 2008), de alimentação carnívora ou onívora
(Flemming & Blackburn, 2003). As espécies dessa família são encontradas no sudeste da Ásia, na
África e nas Américas (Vitt et al., 2008; Hedges & Conn, 2012). No Brasil, ocorrem 14 espécies,
destas sete endêmicas (Bérnils & Costa, 2012), sendo a espécie Trachylepis atlantica (Schmidt,
1945), endêmica da ilha de Fernando de Noronha (Hedges & Conn, 2012).
Phyllodactylidae Gamble, Bauer, Greenbaum & Jackman, 2008: As espécies dessa família
são em sua maioria noturnas, contudo a espécie Thecadactylus rapicauda (Houttuyn, 1782)
aparenta ser o único lagarto primariamente noturno de floresta das América Central e do Sul que é
observado em atividade durante o dia (Vitt & Zani, 1997). Possuem olhos com pupilas verticais,
pele revestida por numerosos grânulos e lamelas adesivas nos dedos, que facilitam o deslocamento
por superfícies verticais (Vitt & Zani, 1997; Recoder et al., 2012). Apresentam estreita associação
com rochas, mas podem ser encontrados dentro de uma grande variedade de micro-hábitats: troncos
de árvores, cactos, folhas de palmeira, fendas rochosas, arbustos (Rodrigues, 2003; Colli et al.,
2003; Vitt et al., 2007). No Brasil ocorrem 12 espécies, e dessas, quatro pertencem ao gênero
219
Gymnodactylus (Bérnils & Costa, 2012). O gênero é endêmico para a América do Sul, e embora
tenha sido relatado em Trinidad, o registro não foi confirmada por amostras adicionais (Cassimiro
& Rodrigues, 2009). Ocorre nos biomas brasileiros do Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica
(Cassimiro & Rodrigues, 2009).
Teiidae Merrem, 1820: As espécies dessa família são diurnas, heliófilas e como estratégia de
forrageamento apresentam temperatura corporal alta quando ativas (Vitt & Caldwell, 1993; Vitt &
Colli, 1994); são ovíparos (Vitt & Breitenbach, 1993) e alimentam-se de artrópodes, embora
algumas espécies sejam onívoras. A família Teiidae reúne atualmente mais de 150 espécies,
distribuídas predominantemente nas Américas do Sul e Central, com exceção dos gêneros Holcosus
Cope, 1862 e Aspidocelis, Fitzinger, 1843 que apresentam distribuição exclusiva na América do
Norte (Reeder et al., 2002; Harvey et al., 2012). Os gêneros Salvator Duméril & Bibron, 1839 e
Tupinambis Daudin, 1802, são compostos por lagartos relativamente grandes em tamanho, estão
listadas como ameaçadas no apêndice II da CITES. No Brasil ocorrem 35 espécies (Bérnils &
Costa, 2012).
Tropiduridae Bell in Darwin, 1843: As espécies dessa família apresentam hábitos terrestres e
saxícolas (associadas a rochas), arborícolas e subarborícolas. São lagartos diurnos e ovíparos, que se
220
Figura 1. Espécies representantes das famílias de lagartos presentes no Brasil: A-Norops auratus, B-Hemidactylus
mabouia, C-Iguana iguana, D-Cercosaura ocellata, E- Chatogecko amazonicus, F-Hoplocercus spinosus, G-Salvator
merianae, H- Phyllopezus pollicaris, I-Polychrus marmoratus, J-Tropidurus helenae (Fotos
A,B,C,D,E,G,H,I‒M.B.Silva, F‒P.V.Cerqueira, J‒W.A.Eocha).
alimentam principalmente de artrópodes, embora alguns sejam onívoros (Van Sluys, 1993; Vitt et
al., 2008). As espécies do gênero Tropidurus Wied-Neuwied, 1825 são popularmente conhecidas
221
como calangos ou carambolos e a espécie Uranoscodon superciliosus (Linnaeus, 1758) é chamada
de tamacuaré. Os Tropidurus são facilmente visualizados nas cidades, sobre muros das casas. No
Brasil ocorrem 35 espécies, amplamente distribuídas (Rodrigues, 1987; Bérnils & Costa, 2012).
Termorregulação
Os lagartos utilizam uma série de mecanismos de regulação térmica, tais como a orientação
do corpo em relação à incidência da luz solar, deslocamento entre locais sombreados e ensolarados,
a mudança de postura e posição e alterações no grau de achatamento corporal, onde o animal
aumenta ou reduz sua superfície de contato com o substrato (Gandolfi & Rocha, 1998; Silva &
Araújo, 2008; Rocha et al., 2009). Lagartos intercalam sua termorregulação entre locais de sol e
sombra, pois é uma forma de evitarem altas temperaturas que poderiam causar superaquecimento,
gerando danos fisiológicos ou até mesmo a morte (Vargens et al., 2008). Na Ilha de Queimada
Grande, São Paulo, a temperatura corporal da espécie Psychosaura macrorhyncha (Hoge, 1947)
varia sazonalmente, sendo mais elevada durante o verão (Vrcibradic & Rocha, 2005).
222
O período de termorregulação dos lagartos sofre influência pelo seu comportamento de
forrageio. Os lagartos chamados de “forrageadores do tipo senta-e-espera”, caçam por emboscada,
permanecendo quase imóveis à espera da presa e com isso, gastam menos energia com essa
atividade. Lagartos do gênero Tropidurus (Fig. 2A) apresentaram-se ativos desde as primeiras horas
do dia até o início da noite (18:00h), padrão característico de lagartos forrageadores do tipo “senta-
e-espera” (Gandolfi & Rocha, 1998). Lagartos chamados de “forrageadores ativos” necessitam ficar
expostos ao sol por um longo período do dia, para que possam atingir uma temperatura corporal e
mantê-la proporcionalmente alta (Magnusson et al., 1985). Os teiideos Ameiva ameiva (Linnaeus,
1758) e Ameivula ocellifera (Spix, 1825), considerados “forrageadores ativos”, mantém as
temperaturas corporais mais altas enquanto estão ativos (Vitt, 1995) e portanto, tendem a possuir a
temperatura corporal geralmente mais elevada do que espécies simpátricas denominadas
“forrageadoras sedentárias” (Magnusson et al., 1985). Existem ainda as espécies chamadas
termorreguladores passivos (p.ex., Uranoscodon superciliosus, Neusticurus ecpleopus Cope, 1876),
que obtém o calor corporal primariamente a partir do calor do substrato, que por sua vez obtém
calor em áreas com manchas de sol reduzidas, como clareiras, disponíveis nas florestas (Rocha,
1994). Segundo Scott & Limerich (1983), os lagartos juvenis podem ganhar calor mais rapidamente
que os adultos, pois indivíduos maiores necessitam de mais tempo para se aquecerem, ao passo que
lagartos de tamanhos maiores apresentam maior relação superfície/volume e demoram mais para
perder calor.
Dieta
Os lagartos se alimentam principalmente de insetos e outros invertebrados, mas alguns podem
ser herbívoros e alguns comem vertebrados, incluindo outros lagartos. A dieta pode variar entre os
sexos, com a sazonalidade do ambiente e até mesmo ontogeneticamente. O grupo dos lagartos é
constituído por duas linhagens principais: Iguania e Scleroglossa, as quais diferem principalmente
no modo de forrageamento e consequentemente nos tipos de presa consumidos com mais frequência
(Vitt et al., 2003). Esses animais utilizam dois padrões de forrageamento: ativo e os sedentários
(Pianka, 1966).
223
Figura 2. A-Tropidurus helenae se aquecendo sobre rocha, no Parque Nacional da Serra da Capivara, Piauí; B- Iguana
iguana se alimentando de fruta, em São Luiz, Maranhão; C- Leptodeira annulata predando um espécime de Norops sp.,
FLONA do Amapá, município de Ferreira Gomes, Amapá; D- Gonatodes humeralis sobre tronco, evidenciando a
similaridade da coloração dorsal e do substrato, que funcionam como uma camuflagem para o lagarto; E- Indivíduos,
macho e fêmea da espécie de Norops cf. fuscoauratus durante a cópula. (Fotos: A, D‒ M.B.Silva; B‒A. Menks; C‒ I. C.
Brcko; E‒L. E. Araújo-Silva)
Visando evitar a predação, uma série de mecanismos de defesa está presente nos lagartos,
como por exemplo, a coloração que, em algumas espécies (p.ex., Gonatodes humeralis (Fig. 2E),
Polychrus marmoratus, Tropidurus torquatus) funciona como camuflagem devido à similaridade
entre a coloração e o substrato. A espécie Uranoscodon superciliosus possui uma concentração de
algas verdes sobre o corpo, aumentando assim seu padrão críptico com o ambiente (Rocha, 1994).
Esse lagarto é encontrado em áreas de mata de galeria e pula na água caso o predador se aproxime
(Vitt et al., 2008). Outras espécies, como os forrageadores ativos Ameiva ameiva e Tupinambis
teguixin, são relativamente grandes e devido ao seu modo de forrageio, são facilmente visualizados,
porém são muito ágeis durante a fuga e correm ao visualizar predadores.
Reprodução
227
possuem a reprodução do tipo assexuada, ou partenogenética. As espécies amazônicas
Gymnophthalmus underwoodi Grant, 1958 e Leposoma percarinatum (Müller, 1923) também
apresentam dentre os modos reprodutivos a partenogênese (Kizirian & Cole, 1999; Pellegrino et al.,
2011).
As diferenças encontradas nos ciclos reprodutivos são muitas; enquanto as fêmeas produzem
os ovos apenas sazonalmente, os machos produzem esperma ao longo de todo ano (Clerke &
Alford, 1993). Adicionalmente, as variações coespecíficas nos padrões reprodutivos, como, por
exemplo, o tamanho (CRC) em que indivíduos atingem a maturidade sexual, pode ocorrer em
diferentes latitudes ou em áreas climáticas (Fitch, 1982; Clerke & Alford, 1993). Isto é evidenciado
na espécie Thecadactylus rapicauda, da família Gekkonidae, em que observamos maior
comprimento dos indivíduos encontrados na região oeste da Amazônia em detrimento dos do leste
(Vitt & Zani, 1997). Também observamos esta diferença intraespecífica no padrão reprodutivo do
lagarto Ophiodes fragilis, sendo os indivíduos dos estados de São Paulo e Paraná (Pizzato, 2005)
maiores do que os indivíduos coletados no Rio Grande do Sul (Montechiaro, 2008).
Conservação
Os lagartos apresentam variados hábitos podendo ser terrícolas, arborícolas, fossoriais e semi-
aquáticos, e ocupam diversos ambientes e substratos. Algumas espécies apresentam hábitos
crípticos (Gymnodactylus vanzolinii Cassimiro & Rodrigues, 2009), ou seja, são difíceis de serem
encontrados na natureza. A utilização de métodos de capturas permite que essas espécies sejam
amostradas. Os métodos mais utilizados na captura de lagartos são os seguintes: Armadilhas de
Interceptação e Queda “Pitfall traps” (Cechin & Martins, 2000), Armadilhas de funil “Funnel
traps” (Franco et al., 2002), Armadilhas de cola “Glue traps” (Bauer & Sadlier, 1992) e Procura
Limitada por Tempo (PLT) (Martins & Oliveira, 1998).
As armadilhas “pitfall traps” podem ser instaladas em vários formatos (ex. L, T, Y, X), no
entanto a forma em “Y” é mais utilizada (Fig. 3A e B). No local de instalação são consideradas
características ambientais, tais como a presença de corpos de água, vegetação densa e o volume do
231
folhiço, o que permite a comparação entre diferentes áreas. Nesse tipo de disposição se forma se
ângulos de aproximadamente 120º, com um recipiente em cada extremidade.
Para coleta de espécies arborícolas, espécies ágeis e de grande porte, ou ainda aquelas que se
movimentam pouco, outro artificio para coleta é mais eficiente e, portanto, mais utilizado: método
da Procura Limitada por Tempo (Martins & Oliveira, 1998). Esse método consiste no deslocamento
lento de coletores (cerca de 5 km/h) pela área de interesse em um tempo pré-estabelecido, a procura
de espécimes de lagartos. Tal técnica é realizada tanto em período noturno quanto diurno e permite
encontrar espécies com hábitos diversos, pois o coletor de forma ativa sonda por animais em
microambientes específicos como: troncos caídos, árvores, buracos no chão, pedras em áreas
abertas, tocas, margens de riachos, sob folhiço, entre outros. O tempo que será dedicado a procura é
definido de acordo com os objetivos do trabalho a ser realizado. Esse método associado ao de
armadilhas de interceptação e queda proporciona uma combinação eficaz para o estudo de
comunidades herpetofauna (Ribeiro-Júnior et. al., 2008).
As armadilhas do tipo funil (funnel trap) consistem em um tubo de plástico ou de metal, que
apresenta uma ou duas entradas para o interior do tubo, como um funil. Essa armadilha é instalada
no solo, e pode ser associada as armadilhas de interceptação e queda, sendo colocada na metade do
caminho entre um balde e outro (Ribeiro-Junior et al., 2008), podendo ser usada como um
complemento a armadilhas de queda.
As armadilhas de cola (mouse glue trap) são uma possibilidade para a coleta de lagartos
arborícolas ou semi-arborícolas. Essas armadilhas consistem em pranchas adesivas, fixadas nos
troncos das árvores, sobre troncos caídos e podem ser utilizada em ambientes de áreas abertas,
sobre o solo ou em cima de rochas (Glor et al., 2000; Ribeiro-Junior et al., 2008). A cola da prancha
retém o animal, que para sua retirada se utiliza óleo de milho (Rodda et al., 1993).
Outros métodos usados para captura de lagartos são o laço, estilingue, liga de elástico e a
espingarda de ar comprimido. O laço é confeccionado com uma vara de madeira, de
aproximadamente um metro de comprimento, com um fio amarrado na extremidade contendo um
nó frouxo no final. O laço deve ser colocado ao redor do pescoço do animal alvo e deve ser puxado
para que o nó se aperte e com isso capture o lagarto. O estilingue funciona como um dispositivo
arremessador, construído com uma forquilha de madeira ou de metal, munida de duas tiras elásticas
nas laterais da forquilha e uma fita de couro no centro, com que se atiram pequenas pedras. A
espingarda de chumbinho é utilizada na captura de lagartos grandes ou daqueles que possam fugir
antes de serem capturados. Esse método, assim como o estilingue, tem que ser usados com cautela,
pois podem causar injúrias aos espécimes atingidos, desse modo deve-se tentar atingir as patas ou
232
pescoço do animal. Outra maneira de captura de lagartos, especialmente os de médio e grande porte,
é o uso de armadilhas de arame para captura de pequenos mamíferos (do tipo Sherman) (Fig. 3C).
Nesse tipo de armadilha são colocadas iscas, geralmente preparadas com pedaços de banana e pasta
de amendoim, que atraem espécies como os teiídeos Ameiva ameiva, Tupinambis quadrilineatus e
Salvator merianae, os quais são frequentemente capturados nesse tipo de armadilha.
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CAPÍTULO 12
Introdução
Na região Neotropical, os estudos de história natural das comunidades apareceram com maior
força no final da década de 1990 e, apesar dos vários trabalhos realizados (Cunha & Nascimento,
1978; Dixon & Soini, 1986; Zimmermann & Rodrigues, 1990; Martins & Oliveira, 1998; Marques,
1998, Strüssmann & Sazima, 1993; Cechin, 1999; Vanzolini et al., 1980; Vitt & Vangilder, 1983;
1
Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em Zoologia, CEP 70910-900, Brasília, DF, Brasil.
E-mail: waldima@yahoo.com.br
2
Museu Paraense Emilio Goeldi, Departamento de Zoologia, Av. Perimetral, 1901, Bairro Terra Firme, CEP
66077-530, Belém, PA, Brasil. E-mail: marceliabasto@gmail.com
243
Lima-Verde & Cascon, 1990; Vanzolini, 1948; Rocha & Prudente, 2010; Rodrigues & Prudente,
2011), ainda há necessidade de maior conhecimento sobre os processos ocorrentes, na tentativa de
identificar acontecimentos responsáveis pelos padrões de ocorrência e interações das espécies
dentro das comunidades de serpentes.
O enfoque dos estudos varia, mas alguns aspectos são recorrentes, como o tamanho e
forma do corpo, uso do hábitat, dieta, horário de atividade e o ciclo reprodutivo das espécies. Esses
aspectos são considerados fundamentais para o bom entendimento do conhecimento dos fatores
responsáveis pela estruturação das comunidades. Informações sobre a composição, diversidade e
riqueza, taxas de crescimento e distribuição geográfica das espécies, também são necessárias para o
entendimento da estruturação das comunidades de serpentes (Vitt, 1987; Duellman, 1990).
Classificação
Atualmente, ocorrem 3.432 espécies de serpentes em todo o mundo (Uetz, 2001); o Brasil
compreende 381 espécies de serpentes, alocadas em dez famílias, com 79 gêneros, mas se
considerarmos as subespécies o número sobe para 419 (Bérnils & Costa, 2012). Essa riqueza de
espécies coloca o Brasil em segundo lugar, ficando atrás apenas da Austrália. As famílias que
ocorrem no Brasil são (Fig. 1):
Família Anomalepididae Taylor, 1939 (com sete espécies): serpentes de pequeno porte, não
peçonhentas, de hábitos fossoriais. São semelhantes aos Typhlopidae, com exceção de algumas
espécies que possuem um único dente na mandíbula. Encontrada no sul da América Central a
noroeste da América do Sul; há populações nas regiões nordeste e sudeste da América do Sul.
Família Typhlopidae Merrem, 1820 (seis espécies): serpentes de pequeno porte, não peçonhentas,
de hábitos fossoriais. Apresentam pálpebras cobertas por escamas que dificultam sua visão, mas
possuem o olfato aguçado e conseguem identificar o predador ou presa pelos odores enviados via
sensorial. Alimentam-se de pequenos insetos e vivem essencialmente no subsolo. São encontrados
na África, Ásia e América do Sul.
244
um osso minúsculo, e um osso relativamente maior, o dentário. Ocorrem em uma variedade de
hábitats, desde os mais secos até florestais, geralmente associados a ninhos de formigas e cupins,
seus principais componentes alimentares. As serpentes desta família são ovíparas. São encontradas
na América do Norte e América do Sul, África e Ásia.
Família Aniliidae Stejneger, 1907 (uma espécie): Essa família possui somente um gênero, Anilius,
e uma espécie, Anilius scytale (Linnaeus, 1758). A espécie mede até cerca de 70 centímetros de
comprimento, possui olhos pequenos, localizados no centro da escama ocular, corpo cilíndrico, de
diâmetro uniforme, com faixas em vermelho e preto distribuídas uniformemente. São
constantemente confundidas com as corais, mas são inofensivas. São ovovivíparas e escavadoras.
Alimenta-se principalmente de pequenos vertebrados alongados. É encontrada no norte da América
do Sul, na Amazônia.
Família Tropidophiidae Brongersma, 1951 (uma espécie): As serpentes dessa família possuem
porte relativamente pequeno, podendo atingir até 60 centímetros de comprimento. São fossoriais e
passam o dia escavando no subsolo ou sob a vegetação. Possuem padrão de cores marcantes com
mudança de cor, devido à presença de grânulos de pigmento escuro nas escamas. Esta família é
restrita à região Neotropical e no Brasil ocorrem nas regiões sul e sudeste.
Família Boidae Gray, 1825 (12 espécies): Essa família abrange um conjunto de serpentes vivíparas e
ovovivíparas. Podem atingir grandes dimensões e são capazes de engolir presas de tamanho
superior ao seu corpo. Estas serpentes matam suas presas por constrição (pressão feita com o corpo
causando asfixia e parada cardíaca) e possuem dentição áglifa. Quando ameaçadas, emitem um som
originado pelo ar expirado dos pulmões e podem dar botes defensivos.
Família Colubridae Oppel, 1811 (34 espécies): As serpentes dessa família são de pequeno e
médio porte e apresentam dentição áglifa. Podem ser terrestres ou arborícolas, diurnas ou
noturnas. Ampla distribuição geográfica.
Família Dipsadidae Bonaparte, 1838 (244 espécies): Essa é a maior família dentre as ocorrentes no
Brasil. São serpentes de pequeno a médio porte, com dentição opistóglifa, que apresentam dentes
sulcados na parte posterior do maxilar superior, usados para introduzir o veneno em suas presas.
São consideradas inofensivas, mas podem causar acidentes de importância médica. Várias espécies
desta família eram alocadas anteriormente na família Colubridae. Ampla distribuição geográfica.
245
Família Elapidae Boie, 1827 (30 espécies): As serpentes dessa família são de pequeno e médio
porte. Em geral, apresentam padrão de cor característico, com anéis em torno do corpo nas cores
vermelho, preto e branco ou amarelo. A dentição é do tipo proteróglifo, com dentes inoculadores
dianteiros, fixos, pequenos e que pouco se destacam dos demais dentes. São encontradas em regiões
de clima tropical e subtropical. No Brasil ocorrem dois gêneros, Leptomicrurus com três espécies e
Micrurus com 27 espécies. O gênero Micrurus apresenta ampla distribuição geográfica, ocorrendo
dos Estados Unidos ao centro da Argentina.
Família Viperidae Laurenti, 1768 (30 espécies): As serpentes dessa família são de médio a grande
porte. Apresentam fosseta loreal e pupila em forma de fenda. São as verdadeiras serpentes
peçonhentas. A dentição é do tipo solenóglifa, onde o par de dentes inoculadores de veneno é longo,
dianteiro e curvado, e movimentam-se para frente no momento do bote, sendo considerado o mais
eficiente entre todos os répteis. Produzem venenos hemotóxico e neurotóxico, que podem causar
acidentes de gravidade elevada, variando de simples lesões até o óbito.
Roedores, lagartos e anfíbios anuros são os principais tipos de presas consumidos por
serpentes, mas há ainda outras presas como marsupiais, morcegos, aves, anfisbenídeos, outras
serpentes, gimnofionos (anfíbios ápodos), salamandras, girinos, peixes, minhocas, lesmas,
caramujos e centopeias. Cada espécie de serpente pode ter um tipo de preferência alimentar ou
predar vários grupos animais. Pequenas serpentes ingerem pequenos invertebrados e insetos, as
serpentes de maior porte comem vários tipos de vertebrados, desde peixes até mamíferos. As corais-
verdadeiras são ofiófagas e se alimentam de pequenas serpentes e anfisbênias, enquanto as grandes
serpentes ofiófagas, como as muçuranas, se alimentam de serpentes de grande porte grande como as
jararacas (Pough, 2001) (Fig. 2C).
246
Figura 1. Espécies representantes de algumas famílias de serpentes presentes no Brasil: A) Família Typhlopidae:
Typhlops brongersmianus Vanzolini, 1976; B) Família Boidae: Boa constrictor Linnaeus, 1758; C) Família Colubridae:
Pseustes sulphureus (Wagler, 1824); D) Família Dipsadidae: Xenodon merremi (Wagler, 1824); E) Família Elapidae:
Micrurus ibiboboca (Merrem, 1820) e F) Família Viperidae: Caudisona durissa Linnaeus, 1758 (Fotos: A, C, D e E: W.
A. Rocha; B e F: L. S. Carvalho).
Caldwell (1996) considera especialistas as espécies que se utilizam de um único tipo de presa.
Para Cadle & Greene (1993), aquelas espécies que utilizam os recursos abaixo da disponibilidade
da área são consideradas especialistas. Para os evolucionistas, a especialização implica em
247
modificações no organismo em relação a alguma particularidade vantajosa para sobrevivência da
espécie (Greene, 1988). São exemplos de espécies especialistas, espécies dos gêneros Atractus que
se alimentam de minhocas, Dipsas que são conhecidas por terem dieta exclusivamente de moluscos
(caramujos ou lesmas), espécies aquáticas dos gêneros Helicops e Hydrops alimentam-se
preferencialmente de peixes, Tantilla melanocephala (Linnaeus, 1758) alimenta-se exclusivamente
de centopeias (Cunha & Nascimento, 1978). A espécie Leptodeira annulata (Linnaeus, 1758)
alimenta-se primariamente de anfíbios anuros, mas pode eventualmente alimentar-se de pequenos
lagartos (Fig. 2A e B) (Cunha & Nascimento, 1978); a presença de outros grupos alimentares pode
ser considerada como ocorrência ocasional.
As serpentes utilizam o alimento como principal recurso partilhado e a partilha dos recursos
disponíveis pode diminuir a competição entre espécies e proporcionar sua simpatria (Toft, 1985).
Cadle & Greene (1993) afirmaram que eventos biogeográficos podem resultar na ocorrência de
espécies em determinadas comunidades e a simples disponibilidade do recurso não deve ser
considerada como fator responsável pela colonização de espécies nessas áreas. De acordo com
Martins (1994), a abundância de artrópodos em florestas tropicais, se comparado ao pequeno
número de serpentes que se alimentam desse tipo de presa, confirma essa hipótese, o que implica
dizer ainda que o aumento da disponibilidade de determinado item alimentar não provoca o
aumento de seu consumo. Serpentes consomem quantidades equivalentes ao longo do ano, mesmo
havendo aumento da abundância de sua presa; assim, a abundância de serpentes não é
correlacionada à abundância de suas presas potenciais.
Devido a grande variedade de presas, as serpentes podem ter grande importância para a
comunidade, trabalhando como reguladoras das populações de algumas espécies (Martins, 1994).
248
A maior parte das serpentes apresentam condições de caça ativa, saindo em busca de suas
presas, mas, os viperídeos preferem esperar que presas aproximem-se o suficiente para capturá-las,
inoculando seu veneno com um bote rápido, e em seguida, através do dardejamento da língua, as
presas são localizadas. A constrição é usada por algumas serpentes, como os boídeos, que
constringem a presa até que ela morra por asfixia ou parada cardíaca. A dieta e a disponibilidade de
presas no meio formam a base para os conceitos de nicho trófico, exclusão competitiva, forrageio
ótimo e uso dos recursos.
Atividade diária
O forrageio e deslocamento das serpentes necessitam de gasto energético elevado, então elas
forrageiam apenas quando os benefícios superam os custos de permanecerem ativas. Quando em
atividade as serpentes encontram-se expostas e suscetíveis a injúrias, além da perda de maior
quantidade de energia (Gibbons & Semlitsch, 1987; Huey & Pianka, 1981).
A atividade sazonal de determinadas espécies pode ser originada por fatores ambientais,
endógenos ou ecológicos, podendo ocorrer diferentes padrões de atividade em função da idade e do
sexo, em indivíduos de uma mesma espécie, em uma mesma localidade (Gibbons & Semlitsch,
1987); contudo, os fatores responsáveis pelos diferentes padrões de atividades diárias apresentadas
pelas serpentes ainda não são bem compreendidos.
De acordo com Gibbons & Semlitsch (1987), algumas espécies mantêm seu padrão de
atividade diária independente da estação do ano ou da temperatura, indicando que esse padrão pode
ser determinado geneticamente. Além disso, o padrão de atividade de algumas espécies pode ser
influenciado pela temperatura, e pode ocasionar variações entre a atividade noturna e diurna da
espécie, conforme a época do ano (Heckrotte, 1962; Platt, 1969; Mushinsky et al., 1980; Maciel et
al., 2003), mas Shine (1979) sugeriu que esse padrão poderia estar associado ao tipo de presa
utilizado e à estratégia de forrageio empregada.
A partilha entre os mesmos recursos, uso do substrato e hábitats por diferentes espécies,
podem ser influenciadas pela complexidade de ambientes existentes na região Neotropical. Shine
(1979) afirmou que o tipo de presa e a estratégia de forrageio utilizada podem explicar esse padrão.
As poucas informações ou informações pontuais a respeito da dieta da maioria das espécies e seu
comportamento alimentar dificultam o entendimento dos padrões encontrados para as comunidades
de serpentes.
249
Morfologia e uso do substrato
A forma do corpo e estruturas das serpentes estão associadas com seus hábitats específicos:
espécies arborícolas apresentam massa corporal pequena, geralmente com corpo alongado e
delgado, cauda relativamente longa e eventualmente preênsil, olho relativamente grande e centro de
gravidade posicionado na parte posterior do corpo. Segundo Lillywhite & Henderson (1993), há
forte associação entre as mudanças morfológicas observadas em serpentes com a evolução do
hábito arborícola. As espécies fossoriais têm em geral o comprimento do corpo pequeno, largura da
cabeça pequena, escamas reduzidas, olhos pequenos e às vezes atrofiados, boca localizada da região
ventral e narina estreita. As espécies aquáticas apresentam olhos e narinas localizados na parte
dorsal e narinas com válvulas de respiração (Pough, 2001).
Sawaya (2003), analisando grande quantidade de fêmeas adultas, observou que as serpentes
de uma região de Cerrado apresentam cauda relativamente menor em espécies fossoriais, cauda de
comprimento intermediário em espécies terrícolas e cauda relativamente maior em espécies
semiarborícolas ou arborícolas. Segundo o autor, o fato de algumas espécies não corresponderem ao
padrão esperado poderia estar relacionado aos diferentes grupos filogenéticos encontrados na região
e analisados conjuntamente. As espécies terrícolas em geral apresentaram maior variação entre o
comprimento da cauda e o comprimento total do indivíduo, o que pode ser resultado da pressão
adaptativa no meio terrestre. Nas espécies arborícolas há menor variação entre o comprimento da
cauda e o comprimento total do indivíduo, devido em parte à necessidade que as espécies
arborícolas têm de manter-se em equilíbrio em um ambiente instável e descontínuo, escalar e
prender-se em galhos durante sua atividade de forrageio, como exemplo a serpente Corallus
hortulanus (Linnaeus, 1758), que é uma espécie estritamente arborícola (Lillywhite & Henderson,
1993).
Espécies tipicamente arborícolas podem ser vistas no solo após ingerir presas relativamente
grandes; o indivíduo pode perder a habilidade de se locomover sobre a vegetação, sendo obrigado a
terminar a digestão no solo. Lillywhite & Henderson (1993) sugeriram que mudanças na morfologia
associadas com arborealidade podem estar principalmente relacionadas à instabilidade e
descontinuidade do macrohabitat arbóreo ou com problemas associados com a escalada. Ao se
250
Figura 2. A e B) Serpente arborícola Leptodeira annulata predando um Norops chrysolepis (Duméril & Bibron, 1837);
C) Micrurus ibiboca predando uma Amphisbaena sp.; D) Epicrates assisi Machado, 1945, predando um morcego (Foto:
A, B: I. C. Brcko; C: W.A. Rocha; D: L. S. Carvalho).
analisar macro-hábitat de serpentes, é possível observar que algumas espécies que forrageiam
sempre no solo, podem ser encontradas sobre a vegetação, e espécies arborícolas podem ser
eventualmente encontradas no solo; outras serpentes possuem hábito terrestre quando ativas, mas
podem ser encontradas dormindo sobre a vegetação, a vários metros do solo.
A análise da utilização de recursos pelas diferentes espécies é uma das formas de se explorar a
estrutura de uma comunidade (Martins, 1994), mas na prática, associar serpentes tropicais a
determinada categoria de macrohabitat, atividade e dieta, pode ser complicado e provocar
conclusões errôneas sobre o comportamento a história de vida das espécies (Cadle & Greene, 1993).
251
Estratégias de defesa
As serpentes geralmente são crípticas, o que dificulta a sua localização por predadores, ou
aposemáticas, com coloração de advertência, o que contribui para sua defesa (Greene, 1997). Outras
estratégias relativamente comuns usadas para impedir a subjugação é dar mordidas em seu
oponente, que causa o envenenamento, assim como a constrição, no caso dos boídeos (Greene,
1988; Martins, 1996).
As cobras corais (elapídeos) são serpentes peçonhentas e usam a coloração aposemática, para
afastar seus predadores; as cores vistosas desses animais alertam os predadores para o risco que a
serpente representa. As falsas corais (dipsadídeos) não são peçonhentas e mimetizam o padrão de
colorido das corais verdadeiras para enganar e afastar predadores (Pough et al., 1998) (Fig. 3A e B).
A cobra coral Micrurus ibiboboca (Merrem, 1820; Fig. 3C), ao sentir-se a ameaçada ergue a cauda
em forma anelar, esconde a cabeça sobre o seu próprio corpo mudando de posição em relação ao
oponente, realizando movimentos rápidos com intuito de confundi-lo (Lema, 2002). Em geral, as
espécies do gênero Micrurus possuem padrões de cores aposemáticas (combinações anéis vermelho,
preto, anéis amarelos, brancos e manchas ventrais) (Pough et al., 1998).
Termorregulação
253
Figura 3. Serpentes com padrões de cores aposemáticas: A) Oxyrhopus trigeminus (falsa coral); B) Erythrolamprus
aesculapii (falsa coral); C) Micrurus ibiboboca (coral verdadeira). Espécies crípticas: D) Bothrops sp.; E)
Thamnodyastes sp.; F) Xenodon merremi (Wagler, 1824); G) Bothriopsis bilineatus; H) Xenodon werneri (Fotos: A, B,
C, E, F, H: W. A. Rocha; D, G: L. S. Carvalho).
254
A ectotermia faz com que os répteis em geral necessitem economizar energia metabólica para
garantir os seus processos vitais, o que delimita seu comportamento, como o tempo diário
dispendido no processo de termorregulação, antes de iniciarem suas atividades diárias como
acasalamento e alimentação. As serpentes são dependentes das condições ambientais,
fotoperiodismo e sucessões de estações para regulação de suas atividades vitais; assim, a
temperatura é um fator determinante, pois atua diretamente nas taxas de reações químicas e
metabólicas, influenciando a atividade biológica desses organismos (Pianka, 1994).
Os mecanismos fisiológicos que controlam esses processos comportamentais não são bem
conhecidos, mas sabe-se que o comportamento termorregulatório em répteis pode ser controlado
por vias endócrinas que são reguladas pelo sistema circadiano (Tosini et al., 2001), sendo a
melatonina associada à termorregulação neste grupo. O fotoperíodo influencia a fase do ciclo da
melatonina (liberada no período noturno e inibida no período diurno) e a temperatura regula a sua
amplitude (García-Allegue et al., 2001). Juntos, esses processos interagem para influenciar as
concentrações plasmáticas de melatonina.
Reprodução
As serpentes reproduzem-se de duas maneiras diferentes, uns põem ovos (ovíparos) e outras
desenvolvem os embriões nos ovidutos (vivíparos). A viviparidade é uma modalidade que evoluiu
devido aos requerimentos térmicos dos embriões (Shine & Thompson, 2006) e ocorre
principalmente nos viperídeos, alguns colubrídeos, dipsadídeos e boídeos. Existem ainda casos de
oviviparidade, quando os ovos eclodem dentro dos ovidutos.
As serpentes têm pouco dimorfismo sexual, mas alguns machos apresentam a cabeça menor
que as fêmeas e muitas fêmeas têm tamanhos corporais maiores que os machos. Os boídeos retêm
vestígios da cintura pélvica, com a presença de ísquios, íleos, fêmur vestigiais, formando um
255
esporão na lateral da cloaca que o macho utiliza para preparar a fêmea para cópula (Pough et al.,
1998).
Uma comunidade pode apresentar espécies com reprodução sazonal e outras que se
reproduzem de forma contínua ao longo do ano (Vitt, 1983; Vitt & Vangilder, 1983). Estudos de
autoecologia realizados com espécies neotropicais mostraram padrões reprodutivos semelhantes
entre as espécies, onde, em geral, há um padrão reprodutivo não sazonal com recrutamento
ocorrendo ao longo de todo ano.
Não são raros casos de cópula múltipla, em que diversos machos copulam a mesma fêmea;
nesse evento, os machos e as fêmeas enrolam-se em um bolo reprodutivo e realizam a cópula. Os
casos de comportamento reprodutivo em serpentes, como combate entre machos, corte e cópula são
dificilmente observados na natureza e são bem raros os registros para América do Sul (Carpenter
1977, 1984; Martins & Oliveira, 1998; Almeida-Santos & Marques, 2002).
A escolha do local para postura dos ovos influencia diretamente seu sucesso e a sobrevivência
da espécie, assim como no desenvolvimento dos embriões. Para a maioria dos répteis, o maior
índice de mortalidade ocorre na fase de ovo (Vitt & Caldwell, 2009).
O ciclo reprodutivo das espécies de uma comunidade é um aspecto importante a ser estudado.
Poucos trabalhos têm abordado esse aspecto e ainda é difícil caracterizar a tendência reprodutiva da
maioria das comunidades de serpentes neotropicais (Dixon & Soini, 1986; Vitt & Vangilder, 1983;
Martins, 1994; Marques, 1998). Fatores abióticos, como quantidade de chuvas e temperatura, são as
variáveis climáticas que têm maior impacto sobre os padrões de recrutamento e atividade das
serpentes (Gibbons & Semlitsch, 1987; Lillywhite, 1987). Di-Bernardo (1998) afirmou que, se não
consideradas, estas e outras variáveis podem provocar interpretações errôneas. É difícil inferir a
época e duração do recrutamento, já que para isso é necessário um número elevado de exemplares,
o que só é possível para as espécies mais abundantes. Dados obtidos em estudos de comunidades
são importantes para o conhecimento dos padrões de recrutamento, mas não permitem conclusões
muito significativas devido ao baixo número de indivíduos coletados; parte das informações
disponíveis é proveniente de um número amostral reduzido, atribuído em parte pela baixa densidade
populacional de serpentes ou ainda à amostragem insuficiente da comunidade.
256
MÉTODOS DE CAPTURA APLICADOS ÀS SERPENTES
O sucesso do estudo das serpentes está diretamente relacionado à escolha dos métodos de
amostragem. A diversidade de formas, coloração, hábitat e diversas características específicas das
serpentes, lhe proporcionam peculiaridades em seu comportamento e sua captura está condicionada
a escolha de um determinado método de coleta para cada espécie.
Levantamentos mais longos tendem a amostrar um maior numero de espécies, já que fatores
como o tempo de coleta e a estrutura física da área também poderiam influenciar no sucesso de
captura de armadilhas de queda (Gibbons & Semlitsch, 1981). Esse método acessa apenas um
subgrupo da fauna local, sendo direcionado para serpentes de solo e folhiço, fossoriais ou
semifossoriais, não sendo eficiente para a amostragem de espécies muito ágeis ou arborícolas. Se
considerados a diversidade de hábitas de uma área, a escolha do método possibilita a captura de
serpentes em todo o ambiente. Ambientes florestados podem apresentar maior quantidade de
especeis arborícolas e o uso de armadilhas de queda pode não registrar a totalidade de espécies da
área, visto que espécies arborícolas dificilmente caem nos baldes. As armadilhas do tipo funil
(funnel trap) associadas às armadilhas de interceptação e queda, podem maximizar o esforço de
coleta (Ribeito-Jr. et al. 2008).
A Procura Limitada por Tempo proporciona uma amostragem mais representativa das
espécies de uma área, podendo amostrar todas as espécies visíveis, sendo utilizado com eficiência
para espécies que habitam ambientes facilmente identificados (Heyer et al. 1994). Essa amostragem
é diretamente influenciada pela experiência do coletor e para minimizar o efeito do coletor sobre a
amostragem, são utilizados os métodos de coleta passiva como as armadilhas de interceptação e
queda ou armadilhas de funil. Esse método apresenta restrições quanto a espécies que habitam
257
ambientes fossoriais ou ambientes de floresta, onde costumam se deslocar pelo dossel. O ideal é que
o método de PLT seja utilizado em conjunto com as armadilhas de queda, visto que estas podem
aumentar o numero de espécies de hábitos terrestres, enquanto a PLT acessa tanto espécies de
habito terrestre quanto as de habito arborícola (Gotelli & Colwell, 2001).
As armadilhas de cola (mouse glue trap) também podem ser utilizadas para coleta de
serpentes arborícolas ou semi-arborícolas, mas não é comumente usada em levantamentos no Brasil,
a eficiência é baixa e a retirada do indivíduo coletado da armadilha pode causar dano no espécime
(Ribeito-Jr. et al. 2008).
Não existe unanimidade em relação à metodologia mais eficaz para coleta de serpentes,
devido às especificidades de cada método e a fauna específica atingida por cada um dos métodos,
sugere-se que o uso conjunto dos diversos métodos podem fornecer dados mais confiáveis sobre a
riqueza e abundância de espécies para cada área estudada.
Considerações finais
Os Squamata são mais resistentes à fragmentação do habitat; Freire (2001) mostrou que
fragmentos de florestas isolados recentemente mantêm sua alta diversidade por um tempo,
independentemente de seu tamanho. Entretanto, a destruição do habitat é sua principal ameaça e o
impacto sobre as serpentes e lagartos terrestres é observado mais facilmente. As espécies florestais
são as mais vulneráveis à destruição, por não suportarem as altas temperaturas existentes nas áreas
de formações abertas. As espécies de formações abertas são mais resistentes que as espécies que
habitam ambientes florestados, porém não suportariam o desaparecimento de seus hábitats. Não se
258
tem muito conhecimento sobre os impactos da degradação ambiental e da perda de hábitats de
superfície sobre as espécies fossoriais. As serpentes sofrem pouco impacto da caça, mas devido ao
medo que causam nas pessoas, elas são constantemente mortas quando avistadas.
Estudos de história natural devem ser conduzidos de forma contínua e extensiva, aumentando
o volume de dados e proporcionando melhor conhecimento dos possíveis padrões de respostas aos
fatores relacionados à vida das espécies em seus diversos hábitats. São necessários estudos de
populações, autoecologia e comunidades, fragmentação e perda de hábitats, para termos
conhecimento dos efeitos da degradação dos ecossistemas naturais sobre espécies de serpentes
neotropicais.
Por fim, os estudos sobre sua biologia e comportamento devem ser analisados com cautela,
principalmente tratando-se da análise de uma quantidade pequena de indivíduos; uma interpretação
errada pode levar a conclusões precipitadas a respeito de aspectos da história natural das espécies e
as peculiaridades de cada espécie podem ser barreiras para esse entendimento.
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265
CAPÍTULO 13
Introdução
O Brasil abriga uma das mais diversas avifaunas do mundo, ocupando o segundo lugar no
ranking mundial com 1832 espécies de aves em seu território (CBRO, 2011), dessas, mais de 10%
são endêmicas do Brasil. De todos os biomas encontrados, a Amazônia e Mata Atlântica são os dois
biomas com o maior número de espécies de aves e com os maiores níveis de endemismos, em
seguida o Cerrado e a Caatinga são, respectivamente, o terceiro e quarto biomas mais diversos do
país (Marini & Garcia, 2005).
As aves apesar de serem um dos grupos de vertebrados mais estudados, ainda existem várias
lacunas de conhecimento. Isso é possível ser verificado com o grande número de espécies sendo
descritas recentemente (Whittaker, 2002; Carneito et al., 2012), descoberta de novas áreas de
ocorrência (Santos et al., 2010), e avanços em métodos e análises para descrições de novas
espécies, como análises moleculares e vocais, estão cada vez revelando a real diversidade de aves
nos nossos biomas (Ribas et al., 2012; Carneiro et al., 2012; Aleixo, 2002).
**************
266
comunidades e, concomitantemente, subsidiando a elaboração de atividades de manejo e estratégias
que têm por objetivo a conservação da paisagem (Silva et al., 2003).
A escolha do método de amostragem a ser aplicada para aves ou para qualquer grupo vai
depender do objetivo de estudo. Podem-se dividir as informações necessárias ao estudo de
comunidades de aves em dois grandes grupos: 1) dados sobre composição e riqueza de espécies e,
2) dados sobre a abundância relativa ou densidade de cada espécie. Há casos em que tanto dados de
composição e riqueza, como de abundância ou densidade são necessários, como naqueles em que se
pretende caracterizar a comunidade de modo mais detalhado, relacionando-se medidas sobre a
proporção de abundância entre as espécies e riqueza (Magurran, 2004; Begon et al., 2005; Ribon,
2010).
Listas de Mackinnon
O método foi proposto pelo ornitólogo John Mackinnon nas páginas iniciais do livro Field
Guide of the Birds of Java and Bali (Mackinnon, 1991). O método melhora a qualidade dos dados
obtidos de listas simples pois controla o tamanho das amostras, permitindo comparações mais
confiáveis entre diferentes locais ou de um mesmo local em diferentes épocas.
A proposta inicial do método foi a elaboração de listas de 20 espécies, porém Herzog et al.
(2002) propõem que sejam feitas listas de 10 espécies, o que aumenta o número de unidades
amostrais para uma mesma área. Neste método as unidades amostrais são as listas e o foco é
analisar a riqueza de espécies e não a abundância da espécie em cada área.
267
O método inicia-se logo de manhã cedo antes do nascer do sol para que possa estar na trilha
quando o pico de maior atividade das aves se iniciar, período em que estas saem à procura de
alimento e é possível ver e ouvir um maior número de aves, com o pesquisador caminhando por
trilhas pré-determinadas, visando cobrir todos os tipos de ambientes da área amostrada. Ao longo do
trajeto o pesquisador deve anotar em uma caderneta cada espécie que for vista ou ouvida, até
completar uma lista de 10 espécies diferentes (as espécies não podem se repetir em uma mesma
lista).
A cada lista de 10 espécies feita, inicia-se uma nova lista tomando cuidado para não anotar o
mesmo indivíduo de uma espécie que já foi registrado nas listas anteriores. Caso haja uma espécie
não identificada ou uma voz que o pesquisador desconheça, ele pode interromper a elaboração da
lista e procurar pela espécie, observar ou gravar, mas também coletar o espécime, retornando às
listas logo em seguida. Os espécimes não identificados devem ser sempre marcados nas listas com
um código próprio para posterior conferência (Ribon, 2010).
O observador deve posicionar-se no primeiro ponto a ser amostrado antes do amanhecer para
que esteja pronto assim que inicie o período de maior atividade das aves. A cada dia de visita,
devem-se sortear antes do início dos trabalhos os pontos que serão iniciadas as observações, pois
nem sempre é possível se deslocar rapidamente entre pontos distantes e o sorteio independente de
268
cada amostra faria perder tempo demais. Neste caso sugere-se sortear o ponto inicial e prosseguir a
amostragem pelos pontos vizinhos sucessivos.
Na metodologia por pontos de escuta os dados quantitativos das aves registradas em cada área
são expressos pelo Índice Pontual de Abundância (IPA), que é obtido para cada espécie pela divisão
do número de contatos das espécies pelo número total de pontos amostrados na área.
Figura 1. Pesquisador realizando gravação de vocalização de aves durante a metodologia de pontos de escuta na
Caatinga.
As redes-de-neblina (“mist nets”) como método de captura de aves são comumente utilizados
tanto por sua versatilidade, quanto pela segurança e variedade de espécies capturadas, além de
eficientes em diversos ambientes, capturando espécies pouco conspícuas e difíceis de observar
(Keyes & Grue, 1982; Gosler, 2004). No entanto, enquanto método de amostragem de comunidades
de aves, as redes-de-neblina podem não ser um dos melhores se usada de forma isolada, mas tem
sido bastante utilizadas para a amostragem de aves que ocorrem no sub-bosque das florestas,
especialmente Passeriformes.
269
O método de redes-de-neblina elimina o erro do pesquisador na detectabilidade das aves e
padroniza as amostragens em diferentes áreas por diferentes pesquisadores, sendo sua principal
vantagem a possibilidade de estudar os padrões espaciais e temporais nas taxas de captura e riqueza
de espécies. Contudo, esse método não amostra completamente a avifauna, visto que as taxas de
captura variam muito entre espécies de diferentes tamanhos e de acordo com os padrões de
distribuição espaciais e temporais das mesmas, devendo ser analisados com precaução.
O diferencial das redes-de-neblina é sem dúvida a possibilidade de ter as aves nas mãos. Isso
possibilita a aquisição de inúmeras informações impossíveis de serem adquiridas com outros
métodos de amostragem, tais como medidas morfométricas e peso, dados biológicos como muda e
placa de incubação, além de permitir a coleta de ectoparasitas, sangue e a marcação individual por
meio de anilhas. O anilhamento através da captura por rede-de-neblina nos permite obter e
monitorar informações das espécies capturadas e recapturadas gerando dados de abundância,
deslocamento das espécies e da flutuação das espécies durante um determinado período de tempo
(Low, 1957; Spencer, 1976; Lowe, 1989).
As redes-de-neblina mais usadas são as de cor preta, já que assim refletem menos a luz e se
tornam mais invisíveis, mas dependendo do ambiente a serem utilizadas podem ser mais efetivas
em outras cores. Normalmente o número de bolsas irá variar com a altura da rede, sendo comuns as
redes de 4 a 5 bolsas. Os comprimentos variam de 3 a 18 metros, enquanto a altura varia de 1,6 a
3,5 metros, sendo as redes de 12 x 2,5 metros as mais comumente utilizadas. O tamanho da malha é
a caracteristica mais importante a ser avaliada antes de se escolher o tipo de rede a ser utilizado,
pois está diretamente relacionado ao tamanho corpóreo da ave a ser capturada (Heimerdinger &
Leberman, 1966; Spencer, 1976; Pardieck & Waide, 1992).
A disposição das redes poderá ser de formas variadas, mas de maneira geral dependerá do
objetivo e do grupo de espécie a ser capturado. As redes podem ser dispostas em linha contínua ou
intercalada, mais usualmente se utiliza duas linhas de dez redes cada, com uma distancia de 500m
entre as linhas e em lados opostos da trilha (Fig. 2B).
270
A B
Figura 2. A) Pesquisadora retirando espécime da rede de neblina durante uma das revisões do método. B) Disposição
das linhas de redes de neblina em relação à trilha principal.
Os períodos de maior atividade das aves ocorrem nas primeiras horas da manhã e no fim do
dia em menor intensidade, sendo que as aves diminuem consideravelmente sua atividade nas horas
mais quentes do dia. Tal padrão de atividade possui influência direta na detectabilidade e na captura
das aves. Os horários de operação das redes-de-neblina devem seguir a regra básica de coincidir
com os horários de maior atividade do grupo pretendido, evitando-se condições extremas que
possam comprometer a vida das aves e as taxas de captura. Normalmente a abertura das redes-de-
neblina ocorre cerca de 15 a 20 minutos antes do nascer do sol, por volta das 5:30h da manhã (o
horário varia de acordo com a região amostrada e a época do ano) e o fechamento se dá 20 a 30
minutos antes do horário de pico de temperatura, por volta das 12h da manhã.
De modo geral, altas temperaturas proporcionam baixas capturas, o que está diretamente
relacionado com a atividade das aves. Em ambientes abertos, onde as temperaturas sobem mais
rapidamente, percebe-se uma diminuição das capturas ainda mais cedo do que em ambientes
sombreados. Tal fato também está relacionado com a incidência direta do sol (Quinlan & Boyd,
1976).
Binóculo
Talvez a ferramenta mais importante para um ornitólogo, com ela é possível observar com
maior clareza e definição indivíduos a longa distância, ou que se encontram no dossel das florestas,
situação em que é muito difícil a observação para segura identificação de algumas espécies que
vocalizam pouco, ou para acompanhar a passagem de um bando misto. As configurações variam de
8 x 42 mm, 10 x 42 mm, em que o primeiro número representa o número de vezes que a imagem é
ampliada e o segundo número em milímetros, a abertura de entrada da luz. (Fig. 3A).
Muito importante para o registro das vocalizações em campo, tanto para posterior
identificação em caso de desconhecimento do observador, quanto para análises vocais de cada
espécie, existem infinitos modelos e vários preços. Alguns gravadores de voz portáteis são muito
bons para uso sem microfone e fazem muito bem o papel para quem está iniciando neste ramo (Fig.
3B).
Muito utilizado para a técnica de chama (playback), o qual o observador possui as vozes das
aves de uma dada região em um Ipod ou similar e usa-as para atrair as espécies. Caixas de som são
para que essas vozes tenham um alcance maior na mata e possa atrair espécies que não estejam
próximas ao observador (Fig. 3C).
Câmera fotográfica
272
Para registrar as espécies que foram capturadas em rede ou mesmo em vida livre, além de
documentar a fisionomia do habitat ou algum comportamento específico de cada espécie (Fig. 3D).
A B
C D
Figura 3. A) Binóculo Steiner Skyhawk Pro 10X42mm usado para observações durante as metologias; B) Microfone
direcional Sennheiser ME66/K6 e gravador de voz digital portátil Sony ICD-PX720; C) Caixa amplificada e Ipod com
vozes das aves para uso de playback; D) Câmera fotográfica Pentax Kr com lente Sigma 70-300mm, para registrar as
espécie e o habitat em campo.
Filogeografia de Aves
273
Diversos marcadores genéticos podem ser usados para acessar a diversidade e a estrutura
genética de populações naturais. Na última década, com a automatização dos processos de
sequenciamento, a variabilidade genética tem sido cada vez mais estimada de forma direta a partir
da comparação entre sequências de DNA nuclear ou de DNA mitocondrial. O DNA mitocondrial
apresenta algumas características peculiares (tais como herança materna, ausência de recombinação,
taxa de evolução superior à do DNA nuclear, extensiva variação intraespecífica e facilidade de
estudo, por estar presente nas células em múltiplas cópias) que o tornam não apenas uma ferramenta
apropriada para estudos genéticos, como também uma importante ponte de ligação entre a genética
de populações e a filogenia (Avise et al., 1987).
Os instrumentos utilizados (tesouras, pinças e bisturi) devem ser cuidadosamente limpos para
evitar contaminação da amostra. Para tanto, é aconselhado lavar os instrumentos com detergente,
assegurando-se que nenhum vestígio de tecido ou sangue fique retido e, após isso, flambá-los
rapidamente com álcool.
Quando o projétil (chumbinho) atingir o abdômen da ave, deve-se evitar coletar tecidos dessa
cavidade, pois eles podem estar expostos a enzimas digestivas e principalmente à bile, que afeta a
estabilidade e conservação dos tecidos destinados a este tipo de análise (Dessauer et al., 1990).
Neste caso, coletar apenas músculo peitoral.
O tamanho das amostras de tecido coletadas deve ser de 2 – 4 mm. Elas devem ser
acondicionadas em tubos Eppendorf. Posteriormente completar o volume do tubo com etanol 95º
GL (álcool absoluto é mais recomendado) na proporção de, no mínimo, 3 volumes de álcool para 1
volume de tecido, de tal forma que o tecido fique totalmente imerso (Dessauer et al., 1990). Uma a
duas horas após este procedimento, o álcool deve ser trocado, porque desidrata os tecidos, tornando-
se diluído (Dessauer et al., 1990; Zhang & Hewitt, 1998). Após dois dias trocar o álcool da amostra
novamente e estocá-la, preferencialmente em freezer -80ºC (Zhang & Hewitt, 1998) (Fig. 4A).
Verifique cuidadosamente se a tampa está firmemente fechada para evitar a evaporação do álcool.
Sempre que possível, devem ser coletados dois tubos por espécime e, se for animal raro, coletar
mais de dois.
274
O material deve ser cuidadosamente etiquetado: marque o tubo, em pelo menos dois lugares,
fixando uma etiqueta com fita transparente (durex); coloque também uma etiqueta escrita a
lápis no lado de dentro do tubo.
Espécie;
Os produtos das amplificações após serem purificados com PEG (Polietilenoglicol) 8000 são
sequenciados utilizando-se o kit Big DyeTerminator v3.1, e os fragmentos lidos em um
sequenciador automático ABI 3130 (Fig. 4C).
275
influenciaram na diversificação de uma determinada região zoogeográfica (Aleixo, 2004; Bates et
al., 1998).
A B
Figura 4. A) Freezer -80 °C; B) Termociclador Labnet em funcionamento para amplificação de genes; C) Sequenciador
automático ABI3130.
No cenário atual da ornitologia, o uso de apenas uma metodologia para se estudar aves é
praticamente inviável, sendo aconselhado usar várias técnicas em conjunto para isso, pois assim os
resultados são mais robustos para se analisar a verdadeira diversidade. Desde o trabalho de campo
onde se estuda a composição e riqueza, abundância, coleta de dados morfológicos e genéticos, até
ao laboratório, onde se processam o material coletado para extração de DNA e posteriores análises
filogenéticas, existem vários métodos. Estes são usados em conjunto para se acessar de forma mais
segura e chegar o mais próximo possível da história evolutiva das espécies ou à estrutura de uma
comunidade ou população em uma área e período de tempo determinado.
276
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280
Capítulo 14
Os mamíferos evoluíram dos répteis sinapsidos e sua origem pode ser traçada em cerca de 200
milhões de anos atrás (Boitani & Rondinini, 2010). Existem três linhagens de mamíferos viventes:
os prototérios (equidna e ornitorrinco), os metatérios (marsupiais) e os eutérios (placentários). Esses
grupos provavelmente divergiram no Jurássico (Ridley, 2006).
Todos os mamíferos compartilham pelo menos três características que não são encontradas
em outros animais: três ossos no ouvido médio, presença de pelos e glândulas mamárias nas fêmeas.
Os três ossos do ouvido médio (martelo, bigorna e estribo) transmitem vibrações da membrana
timpânica ao ouvido interno. A presença dos pelos ocorre em pelo menos algum período do seu
desenvolvimento e possui funções diversas, incluindo proteção térmica e coloração. Todas as
fêmeas produzem leite para nutrir seus filhotes, uma situação que tem importantes consequências
em muitos aspectos da evolução, ecologia e comportamento dos mamíferos (Vaughan, et al., 2000).
De acordo com a IUCN (International Union for Conservation of Nature, 2013), existem
5.488 espécies de mamíferos distribuídas em 29 ordens (Wilson & Reeder, 2005); estas espécies
ocupam habitats terrestres, aquáticos e algumas espécies, como os morcegos, evoluíram para o vôo.
1 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus Jaboticabal, Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane s/n, 14884-900 - Jaboticabal, SP.
ritabianchi@fcav.unesp.br
2 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus São José do Rio Preto, Rua Cristóvão Colombo, 2265, 15054-000 - São José do Rio Preto, SP.
alebertassoni@gmail.com
3 Universidade Federal do Piauí, Campus Floriano, BR 343, km 3,5, 64800-000 - Floriano, PI. luan.ufpi@hotmail.com; noralima@gmail.com
4 Fundação Oswaldo Cruz, Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios, Av. Brasil, 4365, 21040-900 - Rio de Janeiro, RJ.
natolifiers@yahoo.com.br
281
Os maiores números de espécies de mamíferos (riqueza) são encontrados nas florestas tropicais,
principalmente na África e no sudeste da Ásia (Schipper et al, 2008).
Dentre os animais considerados pequenos mamíferos nas Américas, dois grupos de hábitos
terrestres se destacam pela grande quantidade de espécies que podem ser enquadradas nos variados
parâmetros que caracterizam esse grupo: aqueles que compõem a ordem Rodentia (considerados
apenas os pequenos e médios roedores) e os da ordem Didelphimorphia (família Didelphidae). A
maioria dos representantes desse grupo atende principalmente aos requisitos de tamanho corporal,
que é o mais marcante para a definição em questão. Didelfídeos e pequenos roedores formam o
grupo mais diversificado de mamíferos da região Neotropical (Fonseca et al., 1996). A família
Didelphidae possui 19 gêneros e aproximadamente 92 espécies (Voss et al., 2005) e desses números
podem ser encontrados 16 gêneros e 55 espécies no Brasil (Reis et al., 2006). Roedores, por sua
vez, somam cerca de 240 espécies no país distribuídas em 74 gêneros (Bonvicino et al., 2008;
Oliveira & Bonvicino, 2011)
282
enquanto outras espécies ocorrem em ambientes diversos e antropizados, se alimentando
oportunisticamente dos alimentos que encontram. Há diversos caracteres a serem observados em
sua identificação. Normalmente são observadas as dimensões externas, coloração e tipo de pelagem,
mas a caracterização ao nível de espécies muitas vezes requer a análise do número e tipo de
cromossomos (cariotipagem) ou métodos moleculares. Morcegos (Ordem Chiroptera) são o
segundo mais especioso grupo de mamíferos depois dos roedores (Ordem Rodentia). Em algumas
áreas tropicais, existem mais espécies de morcegos do que de todas as outras espécies de mamíferos
combinadas (Vaughan et al., 2000). A ordem Chiroptera é dividida em duas subordens,
Megachiroptera, com 170 espécies distribuídas apenas no Hemisfério Oriental, e a Microchiroptera
com cerca de 760 espécies são amplamente distribuídas. A maior diversidade de Microchiroptera,
entretanto, ocorre regiões tropicais com a riqueza de espécies reduzindo com o aumento da latitude
(Kunz & Pierson, 1994).
No Brasil ocorrem 174 espécies distribuídas em nove famílias. Há uma grande diversificação
alimentar nesse grupo, sendo a maior parte das espécies insetívoras, mas há também espécies
frugívoras, carnívoros, piscívoros e hematófagos. Ao contrário das crenças populares, os morcegos
hematófagos são representados por apenas três espécies (de quase mil), e dessas, apenas uma utiliza
sangue de mamíferos (Desmodus rotundus). Em função da sua abundância e diversidade, os
morcegos desempenham importantes papéis nos ecossistemas em que ocorrem, principalmente em
função da predação de insetos e da dispersando sementes, sendo os dispersores de sementes mais
importantes dentre os mamíferos (Reis et al., 2008).
Entre os biomas, a Amazônia é o que possui maior riqueza de espécies de mamíferos (399
espécies), seguida da Mata Atlântica e do Cerrado. Das 399 espécies de mamíferos amazônicos, 231
(57,8%) são endêmicos desse bioma, na Mata Atlântica pouco mais de 30%, nos Pampas 14,5%, no
Cerrado 12,7%, na Caatinga 6% e no Pantanal apenas 3,5% das espécies não ocorrem em outro
bioma brasileiro. Enquanto a Amazônia possui a maior diversidade de morcegos e de primatas, a
Mata Atlântica é a mais rica em espécies de roedores entre os biomas e o Cerrado possui a maior
diversidade de carnívoros (Plagia et al., 2012).
283
O grau de ameaça e vulnerabilidade desse grupo é tão grande quanto a sua riqueza. De todos
os mamíferos viventes, 25% das espécies não categorizadas como “deficiente em informações” pela
IUCN (n=1139) está ameaçada de extinção. De modo geral, as maiores ameaças são a perda de
habitat, degradação e a exploração (caça, uso medicinal). O estado geral de conservação dos
mamíferos provavelmente vai se deteriorar ainda mais no futuro próximo, a menos que ações de
conservação adequadas sejam aplicadas (Schipper et al., 2008).
No Brasil, 69 espécies de mamíferos estão oficialmente ameaçadas de acordo com a Lista das
Espécies Brasileiras Ameaçadas de Extinção (Machado et al., 2008), o que representa quase 10%
das espécies nativas de mamíferos que ocorrem no país, segundo a mais recente compilação
disponível (Paglia et al., 2012). A grande maioria das espécies ameaçadas (40 espécies) está
incluída na categoria “Vulnerável” (VU), quase um terço (18 espécies) está na categoria
“Criticamente em Perigo” (CR) e as 11 espécies restantes situam-se na categoria “Em Perigo” (EN),
segundo critérios de avaliação adotados para a elaboração da lista em 2002 (União Mundial para a
Natureza – IUCN, 2001a) e publicados em Machado et al. (2005). Nenhuma espécie foi
considerada Extinta ou Regionalmente Extinta. A maior parte das ameaças relacionam-se à perda e
fragmentação de hábitat, mas também podemos citar a caça, a perseguição e atropelamentos como
fatores que contribuem para redução das populações de muitas espécies (Machado et al., 2005).
3. Métodos de estudo
284
(abundância) ocorrem em uma determinada área. Esses são três parâmetros essenciais na descrição
de comunidades naturais que são amplamente utilizados.
Para descrever a riqueza de espécies de mamíferos de uma área, diferentes técnicas podem ser
utilizadas. Considerando que a Classe Mammalia possui uma grande diversidade de formas, hábitos
de vida e tamanho, cada um dos diferentes grupos de mamíferos devem ser amostrados com
técnicas específicas. De um modo geral utiliza-se armadilhas de captura em estudos de pequenos
mamíferos, redes de neblina para morcegos e uma série de outras ferramentas, incluindo registro de
vestígios em estudos de mamíferos de maior porte. O método a ser empregado em estudos
mastofaunísticos deve ser adequadamente escolhido em função do grupo-alvo e da questão a ser
respondida.
Conhecer a riqueza de espécies é uma questão prioritária para muitas áreas, já que há ainda no
Brasil muitas lacunas de conhecimento em relação à distribuição de muitas espécies. A coleta de
dados pode ser um pouco mais trabalhosa mas agregará muita informação se além das espécies de
uma área o pesquisador também obtiver dados de abundância de cada espécie. Se os dados forem
coletados de forma padronizada, estes podem ser utilizados para comparações entre áreas ou entre
períodos diferentes.
A seguir são descritas de maneira sucinta algumas técnicas utilizadas na obtenção de dados de
riqueza e abundância de diferentes grupos de mamíferos. Recomendamos a leitura de Sutherland
(2006) e Wilson et al. (1996) para aprofundamento.
Pequenos mamíferos
Os métodos de observação passiva são mais aplicáveis para Didelphidae, enquanto que
aqueles de observação ativa de abrigos e locais de nidificação servem para os dois grupos. Quanto
às técnicas de armadilhagem, são tradicionais o uso de armadilhas para captura de animais vivos,
tanto as de gaiola (Tomahawk® e similares) como as de "caixa" (Sherman® e similares) (Fig. 1),
No entanto, vem ganhando mais importância a técnica de pitfall (armadilhas de queda), por permitir
a amostragem de um número maior de espécies e por ser menos seletiva que as demais armadilhas
(Umetsu et al. 2006) Devem ser ressaltados, entretanto, os cuidados necessários com esta última
abordagem para evitar a morte (por hipo/hipertermia ou por predadores) ou a fuga dos espécimes
285
capturados. Por exemplo, é necessário deixar abrigos internos nos baldes e usar recipientes de maior
volume, acima de 30 litros (Reis et al., 2010).
Figura 1. Armadilha do tipo gaiola à direita e do tipo caixa à esquerda. Foto: R.N. Lima.
Com relação ao desenho amostral devem ser considerados a questão da área mínima, do
traçado do desenho, do número de armadilhas, das iscas e do manuseio das armadilhas. A área
mínima é aquela que permite que a amostragem das espécies de uma localidade represente a riqueza
e abundância típica desse ambiente; ela e varia para cada ecossistema, mas tradicionalmente tem
sido proposto como padrão o mínimo de 1/2 hectare ou 5.000 m2 (aproximadamente 70 x 70
metros). Nana prática, no entanto, esta área geralmente não é suficiente, sendo somente aceita para
o estudo de áreas urbanas - nas quais é difícil encontrar áreas maiores para estudos - ou em
pequenos remanescentes florestais. Quanto ao traçado há dois modelos tradicionalmente utilizados:
linhas ou transectos e grades. Linhas ou transectos são melhor indicados quando se pretende
correlacionar a riqueza de espécies com diferentes ambientes ou condições ambientais, geralmente
quando há um gradiente dessas condições, permitindo fazer inferências sobre como determinados
fatores ambientais influenciam a ocorrência de determinadas espécies ou raças geográficas. São
geralmente utilizados em levantamentos de espécies porque tendem a cobrir áreas maiores e
consequentemente amostrar melhor a riqueza de espécies da localidade escolhida para o estudo.
Grades são recomendáveis para estudos que desejam correlacionar o número de espécies ou
abundância com o uso dos recursos, permitindo fazer inferências sobre as dinâmicas populacionais
ou capacidade de suporte de um dado ambiente para as populações que nele vivem e disputam seus
recursos (alimentos, abrigo, território, etc.). Esta metodologia é então geralmente utilizada em
estudos de longo prazo, que envolvem a captura, marcação e recaptura de indivíduos e que
fornecem informações sobre os tamanhos populacionais de espécies, taxas de mortalidade e
natalidade, longevidade, entre outros parâmetros de estudos populacionais.
286
Nos dois métodos existe a necessidade de definir o espaçamento entre armadilhas e o número
de armadilhas. Auricchio & Salomão (2002) ressaltou a importância do maior número de
armadilhas (geralmente o dobro) em regiões semi-áridas para contrapor o padrão normalmente
encontrado de menor abundância por unidade de área, permitindo investigar mais adequadamente
também a riqueza de espécies quando há gradientes ambientais nessas áreas.
A duração da amostragem pode variar em relação a pergunta que se quer responder. Quando
se deseja estimar o tamanho da população (abundância) utilizando modelos de populações fechadas,
(ou seja, assume-se que no período amostrado não ocorrem mortes, nascimentos ou dispersões de
indivíduos),, então o tempo de amostragem deve ser pequeno para reduzir as chances de ferir essa
premissa, variando assim entre cinco e 10 dias. As iscas utilizadas normalmente são frutas, alimento
de origem animal, óleos e essências atrativas, mas o aspecto mais relevante para otimizar as
capturas quando se deseja conhecer o máximo da riqueza de espécies e/ou quando se possui pouco
tempo de amostragem por sítio é a experiência do pesquisador em escolher iscas que atraiam
eficientemente a fauna local. Além disso, deve ser considerada a praticidade na preparação (por
exemplo, rações com fortes essências são bons atrativos de carnívoros e frutos locais otimizam a
captura dos herbívoros e onívoros), além do cuidado com a limpeza das armadilhas antes das
instalações, devendo-se evitar que os membros da equipe manipulem os materiais quando estiverem
com fortes odores (sabonetes e perfumes), o que pode repelir os animais que se deseja capturar.
Para a estimativa de abundância, é importante que os indivíduos sejam marcados para que
sejam posteriormente reconhecidos durante eventos de recaptura. A marcação também pode agregar
um grande número de informações se ela for duradoura, pois informações sobre uso do espaço,
comportamento social, longevidade, dentre outras, podem ser adquiridas por meio de animais
marcados durante as capturas. Fernandez (1995) discute diferentes técnicas de estimativa de
tamanho populacional.
Todos os estudos que utilizam técnicas que envolvem manipulação dos animais devem seguir
os preceitos das normas dos comitês de ética em estudos animais. A Sociedade Americana de
287
Mastozoólogos publica periodicamente diretrizes para uso de mamíferos silvestres em pesquisa
(Sikes et al., 2011).
Morcegos
Os locais onde haverá maiores chances de capturar um grande número de animais são aqueles
utilizados pelos morcegos para seu deslocamento, como nas trilhas, ou próximo à áreas de
alimentação, como árvores em frutificação ou próximas à abrigos diurnos, como cavernas
(Peracchi & Nogueira, 2010).
Geralmente as redes são armadas na altura do solo até 2 a 3 metros de altura e embora uma
grande número de espécies possam ser capturadas dessa forma, esse tipo de amostragem pode ser
insuficiente para estudos os quais objetivem amostrar toda diversidade possível, pois é considerado
seletivo para espécies que voam baixo e não possuem capacidade de percepção das redes muito
acurada (Scultori et al., 2008). Em ambientes florestais, onde ocorre uma estratificação vertical de
recursos, muitas espécies podem realizar voos apenas nos estratos superiores e podem não ser
registrados. Dessa forma, muitos pesquisadores tem utilizado diferentes técnicas para realizar
capturas de espécies que utilizam o dossel (Scultori et al., 2008; Peracchi & Nogueira, 2010;
Carvalho & Fabián, 2011).
Durante a manipulação dos animais capturados na rede, todo o cuidado deve ser tomado para
que não haja acidentes. O tempo para verificação das redes não pode ser muito longo já que o
estresse é enorme e o animal pode se machucar. Além disso, também pode ocorrer predação dos
animais presos nas redes.
288
Figura 2. Rede-de-neblina para captura de morcegos sendo instalada em uma trilha. Foto: R.C. Bianchi.
Estudos que visem a avaliação da riqueza e/ou abundância de mamíferos de médio e grande
porte podem lançar mão de diversas ferramentas. A escolha de técnica mais adequada dependerá do
tempo disponível para a realização do estudo e dos recursos disponíveis. Diferente dos pequenos
mamíferos, que de um modo geral precisam ser capturados para serem adequadamente
identificados, os mamíferos de médio e grande porte geralmente podem ser registrados por meios
indiretos, como registro de pegadas, fezes, pelos, tocas, vocalizações, dentre outros.
Dependendo da questão que se deseja responder, o uso de vestígios pode ser uma ferramenta
de baixo custo e muito eficiente (Pardini et al., 2003) e muitos guias estão disponíveis para auxiliar
na identificação dos vestígios (Becker & Dalponte, 2013; Borges & Tomás, 2004). O registro de
vestígios pode, além da riqueza de espécies da área, ser utilizado para compor índices de
abundância, quando os dados são coletados de forma padronizada entre áreas ou entre períodos
distintos. A padronização desse tipo de amostragem se faz geralmente utilizando parcelas de
pegadas (Fig. 3). A parcela de pegada pode ter tamanho variado (geralmente 1 m x 1 m) e consiste
em peneirar o substrato para facilitar o registro da pegada. Também é comum o uso de iscas para
atração das espécies até a parcela o que pode aumentar a eficiência de registro de diferentes
espécies (Olifiers et al., 2011). Para uma revisão dos diferentes tipos de parcelas de pegadas,
consultar Long et al. (2008) e Olifiers et al. (2011).
289
Figura 3. Parcela de pegada instala em área de restinga com pegadas de cachorro-do-mato (Cerdocyon thous). Foto:
R.C.Bianchi.
Alguns cuidados devem ser tomados na coleta de dados com essa ferramenta já que é possível
coletar uma grande quantidade informações. Um desenho amostral adequado para a avaliação da
riqueza de espécies de uma área pode não ser bom para a estimativa de abundância de uma espécie
alvo, por exemplo. Portanto, é necessário que antes do início do estudo as questões a serem
respondidas estejam bem claras para que haja um delineamento amostral adequado. Por exemplo,
quando se deseja avaliar a riqueza de espécies de uma área é importante maximizar o registro de
todas as espécies presentes; nesse caso, procura-se colocar as armadilhas fotográficas em áreas com
maior chance do registro de diferentes espécies, como próximo a fontes de água ou de uma árvore
frutificando. Também é comum o uso de diferentes iscas para atração do maior número de espécies.
Armadilhas fotográficas tem sido uma das principais ferramentas para estimativas de
tamanhos populacionais de mamíferos que são dificilmente observados diretamente, como muitos
carnívoros (Karanth, 1995; Karanth & Nichols, 1998; Maffei & Noss, 2008; Negrões et al., 2012).
O advento dessa tecnologia abriu inúmeras oportunidades para o estudo de espécies que
dificilmente são estudadas de outra forma a não ser por meio de capturas e monitoramento por rádio
290
ou GPS-colar. Para estimativas de abundância por meio de armadilhas-fotográficas, utiliza-se o
mesmo princípio aplicado às estimativas de abundância de pequenos mamíferos por meio de
captura-marcação-recaptura, sendo a “captura” e “recaptura” nesse caso o primeiro e os demais
registros fotográficos, respectivamente. Para que esse princípio possa ser aplicado em estimativas
do tamanho de uma população, os indivíduos devem ter marcas individuais para que possam ser
individualmente identificados, como por exemplo, felídeos pintados (Fig. 4). Nesses casos, a
disposição e distância entre as câmeras devem estar de acordo com a biologia da espécie-alvo
(Karanth & Nichols, 1998; Negrões et al., 2012). Por exemplo, é comum a utilização de duas
câmeras por estação de “captura”, já que ambos os lados do animal podem ser fotografados
aumentando as chances de identificação e fazendo com que as estimativas sejam mais precisas
(Negrões et al., 2012). Tomas & Miranda (2003) descrevem o uso de armadilhas fotográficas em
levantamentos populacionais.
Figura 4. O mesmo indivíduo de jaguatirica (Leopardus pardalis) “capturado” em duas ocasiões por armadilhas
fotográficas.
Outras técnicas também podem ser utilizadas, tais como transectos lineares, se a espécie for
relativamente grande e conspícua (Krebs, 2006), como por exemplo, primatas que são arborícolas e
diurnos portanto mais fáceis de serem observados diretamente. Essa técnica consiste em percorrer
uma trilha linear e para cada indivíduo observado, anota-se a distância perpendicular entre ele e a
trilha. Nem sempre todos os indivíduos presentes serão detectados, mas um dos pressupostos
fundamentais dessa metodologia é o de que todos os indivíduos presentes sobre a linha de estudo
devem ser detectados. A partir dos dados coletados, um modelo (função de detecção) é produzido e
utilizado para estimar a proporção de indivíduos que não foram detectados durante o censo; a partir
desta informação, pode-se obter uma estimativa de densidade da população de interesse (Cullen Jr.
& Rudran, 2003).
291
b. Uso do Espaço
Entender os padrões de distribuição espacial das espécies animais é fundamental para estudar
a sua ecologia e, portanto, promover a sua conservação. Cada espécie requer, ao menos, um espaço
mínimo para se movimentar, evitar ou escapar de potenciais predadores e de intempéries, encontrar
um parceiro sexual e um local para fazer ninho/tocas para sua prole, obter comida e água suficientes
para a sua sobrevivência (Sinclair et al., 2006).
O uso do espaço de uma espécie é verificado em escalas espaciais definidas pela sua
movimentação. As localizações geográficas percorridas pelos animais podem ser coletadas de
diferentes formas e uma das mais utilizadas é a telemetria. Esta é definida como o rastreamento
remoto de variáveis do estado de um animal em vida livre (Cagnacci et al., 2010). As tecnologias de
rastreamento, seja por ondas de rádio – very high frequency - (VHF) ou por Sistema de
Posicionamento Global (GPS), são capazes de fornecer informações precisas e de baixo custo em
relação à importância da obtenção dos dados de localização e do movimento animal (Millspaugh et
al., 2006). O monitoramento por telemetria, com delineamento apropriado, provê uma quantidade
adequada de localizações do animal no espaço e no tempo, tornando possível obter dados
ecológicos básicos e estimar a sua área de vida.
Analisar o uso do espaço por uma espécie pode responder questões ecológicas importantes
como qual é o tamanho da sua área de vida (Medri & Mourão, 2005), suas variações temporais
(Leuchtenberger et al., 2013) e fatores que a afetam (Naidoo et al., 2012); quais hábitats a espécie
utiliza (Donovan et al., 2011) e o quão exigente o animal/espécie é em relação a tais hábitats
(Vanak & Gompper, 2010); comportamentos associados a determinados tipos de hábitat (Wilson et
al., 2012); o quanto e por onde o animal movimenta-se por dia (Birkett et al., 2012); relações intra-
específicas (Corriale et al., 2013), entre outras questões que podem ser respondidas através do uso
do espaço de um animal. O conhecimento de como uma espécie utiliza e seleciona os hábitats traz
informações sobre a importância desses para a população estudada (e.g. utilização de determinados
tipos de vegetação, de áreas próximas à cursos d’água, evitação de áreas antrópicas), podendo
orientar práticas de manejo e conservação.
O uso do espaço dentro da área de interesse pode ser quantificado de várias maneiras. Uma
das ferramentas mais empregadas atualmente para acessar e analisar informações do hábitat é o
Sistema de Informação Geográfica (SIG). Esse método permite associar informações geográficas
complexas com a estrutura física, uso do solo, relevo e características biológicas das espécies em
bases de dados informatizadas. Assim, é possível identificar, classificar e mensurar a quantidade de
hábitats disponíveis em uma área de interesse. Os dados de sensoriamento remoto e de sobreposição
292
dos dados de movimento da espécie criam representações ecológicas em diferentes escalas (Corsi et
al., 2000). A quantificação permite analisar o uso do hábitat e avaliar se há uso seletivo de
determinados hábitats pela espécie, comparando a frequência do seu uso com a sua disponibilidade.
Um hábitat é considerado como “selecionado” pela espécie quando o seu uso é desproporcional à
sua disponibilidade, e “preferido” quando a proporção de uso é maior que a disponibilidade
(Johnson, 1980; Aebisher et al., 1993).
Área de vida é um conceito que descreve o contexto espacial do comportamento animal e foi
definida pela primeira vez por Burt (1943) como “a área percorrida pelo indivíduo em suas
atividades normais de forrageio, acasalamento e cuidados com a prole”. Essa definição contém
questões debatidas como o termo “normal” e a ausência do fator temporal (Mohr, 1947). Powell &
Mitchell (2012) colocam que a área de vida é como um mapa cognitivo (a área que um animal
conhece e mantém em sua memória porque tem algum valor) de onde um animal vive. Kernohan et
al. (2001) utiliza o conceito “a extensão da área com uma probabilidade definida de ocorrência de
um animal durante um período de tempo especificado”. Seja qual for o conceito utilizado pelo
pesquisador, a área de vida deve delimitar onde um animal pode ser encontrado com algum nível de
previsibilidade em um determinado tempo. Conhecer as áreas de vida de uma espécie oferece uma
visão significativa de vários padrões ecológicos e comportamentais (ex. padrões de acasalamento,
de organização social, de interações intraespecíficas, de forrageamento, oferta e distribuição de
recursos, de componentes importantes do hábitat).
Apesar de existirem vários estimadores do tamanho da área de vida, os mais utilizados são o
Mínimo Polígono Convexo (MPC) e o Kernel. O MPC consiste na ligação dos pontos referentes às
localizações dos animais de modo a formar um polígono convexo (Mohr, 1947). Esse método é
sensível à localizações discrepantes (outliers) e à quantidade de localizações. O Kernel é estimado
pela distribuição de utilização baseada na frequência relativa das localizações do animal (Worton,
1989). Este estimador de densidade cria isolíneas de intensidade de utilização e cada uma contém
uma porcentagem fixa, sugerindo a quantidade de tempo (indexada pela quantidade de localizações)
que o animal permaneceu dentro daquele contorno. O método também indica áreas centrais de uso
(core area), sinalizando locais mais intensivamente utilizados dentro da área de vida (Powell,
2000). O Kernel apresenta vantagens em relação a outros estimadores, uma vez que produz
estimativas acuradas mesmo com poucas localizações, é menos sensível à falta de independência
entre localizações, permite mais de uma área central, além sofrer menor influência de pontos
externos (Kernohan et al., 2001). Para aprofundamento das técnicas de uso de hábitat e estimativas
de área de vida sugerimos a leitura de White & Garrot (1990), Millspaugh & Marzuluff (2001) e
Millspaugh et al (2006).
293
Geralmente, o principal desafio de estudar o uso do espaço é a captura da espécie-alvo para a
colocação do equipamento do animal. Muitas espécies são capturados por meio de armadilhas,
semelhante ao que acontece com pequenos mamíferos. As armadilhas geralmente são do tipo gaiola
e todos os cuidados para que o animal capturado não sofra nenhum injúria devem ser tomados. A
armadilha não deve ficar exposta ao sol ou a chuva, e a trama que compõe a armadilha deve ter uma
distância que não permita ao animal morder a grade e sofrer quebra de dentes, por exemplo. O tipo
de isca utilizado também terá relação com o tipo de animal que se pretende capturar, para
carnívoros é comum o uso de iscas como carcaças de frango e bacon. Para maiores detalhes sobre
técnicas de estudos de carnívoros veja Cheida & Rodrigues (2010).
Algumas espécies, entretanto, dificilmente são capturadas utilizando armadilha (Fig. 5) e para
cada espécie-alvo e tipo de ambiente o pesquisador pode avaliar a melhor forma de realizar a
captura.
Ainda, uma vez capturado, na maioria das vezes há a necessidade de sedação do animal para a
colocação do transmissor. Esta etapa requer a presença de um veterinário experiente e todos os
cuidados durante a manipulação do animal devem ser tomados para que não haja danos. Também
deve-se observar o peso do transmissor em relação ao peso do animal e, no caso de uso de colares
com transmissores, o ajuste do colar ao pescoço ou corpo do animal para que não fique apertado
demais (no caso de espécies cuja cabeça é de diâmetro igual ou menor do que o diâmetro do
pescoço). Por isso não é recomendado a colocação de colar em indivíduos jovens que ainda podem
crescer, embora haja no mercado colares que se expandem a medida que o animal cresce. Para
detalhes veja Mangini & Nicola (2003) descrevem todas as técnicas e cuidados na captura e
marcação de animais silvestres.
Para morcegos, o desafio para utilizar telemetria é ainda maior, já que em função do tamanho
do equipamento, a bateria costuma durar apenas algumas semanas (Mello, 2010).
c. Dieta
Acessar os hábitos alimentares fornece uma das informações mais básicas e mais importantes
sobre a espécie. Conhecer os principais itens consumidos por uma espécie fornece informações não
apenas sobre a própria espécie, mas também sobre com quais outros membros da comunidade essa
espécie interage.
294
Figura 5. Mão-pelada (Procyon cancrivorus) (à esquerda) e tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) (à direita)
capturados com utilização de puçá. Fotos: R.C. Bianchi e A. Bertassoni.
Existem diferentes maneiras de obter informações sobre os hábitos alimentares das espécies
de mamíferos e tudo vai depender do hábito de vida da espécie-alvo. Para espécies diurnas e fáceis
de serem observadas, como por exemplo preguiças, algumas espécies de primatas e de veados, o
hábito alimentar pode ser descrito por observações diretas, onde o pesquisador observa o animal e
registra a espécie que está sendo consumido (Medri et al., 2003; Hirsch, 2009) . Quando se trata de
um herbívoro, a árvore que o animal está se alimentando é marcada, identificada e as partes
consumidas (e.g. folhas, frutos, flores, brotos) registradas. Para animais de difícil observação, por
outro lado, o acesso ao conteúdo consumido geralmente ocorre de forma indireta, como por
exemplo, por meio de análise de fezes ou conteúdo estomacal. Na maior parte dos estudos, as fezes
são coletadas no campo, identificadas, triadas e os itens consumidos, identificados. Um dos maiores
desafios a esses estudos é a correta identificação da espécie produtora das fezes. Alguns estudos
utilizam fezes coletadas nas armadilhas, provenientes de espécies capturadas, como pequenos
mamíferos e carnívoros. Informações oriundas de conteúdo estomacal podem ser obtidas por meio
de animais atropelados e nesse caso tanto a espécie é facilmente identificada, quanto os itens
consumidos estão em melhores condições de serem identificados, já que ainda não passaram por
todo o processo digestório.
Um dos desafios de quem quer estudar os hábitos alimentares de uma espécie por meio da
análise de fezes é encontrar as fezes no campo. Fezes de felídeos e canídeos são facilmente
encontradas em áreas limpas, sem vegetação, tais como estradas. Isso se deve ao hábito de utilizar
as fezes como demarcação de território e pela preferência dessas espécies em se deslocar com mais
facilidade em áreas sem vegetação. Algumas espécies fazem o que chamamos de “latrinas”, ou seja,
defecam sempre no mesmo lugar, comum para espécies como lobo-guarás e ariranhas. Para outras
espécies, entretanto, a coleta de fezes pode ser uma tarefa muito complicada.
295
Encontrado o material a ser analisado, o primeiro passo é a identificação do animal que
defecou. Isso pode ocorrer por meio de pegadas associadas às fezes e à sua correta identificação
(Fig. 6). Uma das formas mais utilizadas e baratas na identificação das amostras fecais é por meio
de identificação dos pelos-guarda do predador encontrados nas fezes em função do comportamento
de auto-limpeza de muitos mamíferos. Ao se limparem, lambem-se e nesse processo muitos pelos
são ingeridos e consequentemente, defecados juntamente com todos os demais itens. O trabalho de
identificação é bastante laborioso e exige paciência. Quadros & Monteiro-Filho (2006a, 2006b)
descreve com detalhes as técnicas de preparação e identificação dos pelos-guarda de mamíferos.
Nos últimos anos tem sido relativamente comum a identificação do predador por meio de análises
moleculares (extração de DNA das fezes) (Farrell et al., 2000), entretanto algumas limitações ainda
existem, além dos custos, como por exemplo, a idade das fezes e o conteúdo consumido podem
dificultar a identificação do DNA (Panasci et al., 2011).
Figura 6. Fezes sendo coletada e acondicionada em saco de papel (à direita) e fezes de cachorro-do-mato (Cerdocyon
thous) com pegadas associadas. Foto: R.C. Bianchi.
Para a coleta das fezes no campo o uso de luvas de procedimento é indicado, mas na falta
delas pode-se pegar as fezes com uma sacola e subsequentemente inverte-la, para que o pesquisador
não tenha contato direto com as fezes. As fezes devem ser identificadas, datadas (dia, mês e ano) e
o local deve ser registrado em uma ficha que deve ser mantida junto com a amostra. Dados
complementares (e.g. tipo de substrato e coletor) também devem ser anotados. O armazenamento do
material pode ser em álcool 70% ou à seco.. Para secar o material, as fezes devem ir para a estufa
(48 horas em estufa a 60°C) em sacolas de papel juntamente com a sua ficha de identificação. Após
a secagem as fezes devem ser lavadas em água corrente sobre peneiras finas e serem novamente
secas. Nessa etapa é importante utilizar luvas de procedimentos e máscara. O material retido na
296
peneira deve retornar à estufa com seu número de identificação. O material é então triado com
auxílio de microscópio estereoscópico (lupa). A amostra é colocada em uma placa de Petri e com
auxílio de pinças é separado por grupos (e.g. sementes, élitros e pernas de insetos, pelos, penas,
ossos, escamas, dentes). É nessa etapa que geralmente o pelo do predador é encontrado e deve ser
guardado separadamente. Durante a triagem o pesquisador registra os itens encontrados em cada
amostra fecal. É sempre bom contar com a colaboração de especialistas que podem auxiliar na
identificação a níveis específicos, tornando as análises quantitativas com menos desvios e as
análises quantitativas mais interessantes. Após ter as amostras analisadas os dados devem ser
tabulados em planilhas eletrônicas ou programas estatísticos para análises quantitativas.
Dependendo dos objetivos o pesquisador pode avaliar a frequência com que cada item
apareceu em relação ao total de amostras (frequência de ocorrência) ou em relação ao total de itens
(porcentagem de ocorrência). Tanto a frequência de ocorrência quanto a porcentagem de ocorrência
podem não revelar a verdadeira importância de um item consumido pela espécie, já que o consumo
de apenas um animal maior pode suplantar em termos de biomassa muitos pequenos animais, mas
sua importância será subestimada em função da utilização da frequência da ocorrência do item ao
invés de uma estimativa de biomassa consumida. Entretanto, também existem inúmeros problemas
relacionados à estimativa de biomassa consumida, simplesmente porque não sabemos exatamente o
peso do animal consumido. Alguns trabalhos estimam fatores de correção para minimizar
problemas relacionados a estimativa de biomassa consumida (Ackerman et al., 1984), de maneira
que o volume produzido pelas fezes pode fornecer com mais precisão a quantidade de biomassa
consumida. Para ser útil, esse fator de correção precisa ser descrito para cada espécie, ou seja, erros
associados em utilizar fatores de correção descritos para uma onça-parda não podem ser utilizados
para um lobo-guará.
"Quantas amostras devo coletar?", é uma pergunta frequente. O número amostral vai
depender do quão diversificada é a dieta da espécie-alvo. Se uma espécie tem uma dieta restrita a
poucos itens, por ser um especialista ou por estar em uma área pobre em recursos e com poucas
opções para variar as presas, o número de amostras que precisam ser coletadas será menor do que
de uma espécie generalista consumindo itens de uma área bastante diversificada. Uma forma
simples de avaliar se as suas amostras refletem suficientemente bem os principais itens consumidos
pela espécie estudada é realizar uma curva de rarefação de espécies. Alguns estimadores podem ser
utilizados e fornecem, além da aleatorização das amostras, uma estimativa da riqueza de itens a
medida que o número amostral aumenta, de maneira que é possível observar a estabilização da
curva a medida que muitos itens consumidos irão se repetindo a medida que o tamanho da amostra
vai aumentando (Fig. 7). Se o objetivo do trabalho inclui comparações entre indivíduos de uma
297
espécie (entre machos e fêmeas, jovens e adultos ou estações do ano, por exemplo) ou entre
diferentes espécies, o seu tamanho amostral deverá ser maior para permitir tais comparações. Para
aprofundamento dessas e de outras questões recomenda-se a leitura de Reynolds & Aebischer
(1991), Trites & Joy (2005) e Klare et al. (2011).
Extremamente importante para quem quer estudar a dieta de uma espécie é manter uma
coleção de referência dos itens encontrados na área de coleta das amostras fecais. Coletar frutos,
insetos, pelos e escamas de vertebrados pode ser bastante útil na identificação dos itens. O material
de referência pode ser coletado no campo ou pode ser proveniente de uma coleção científica, se o
curador da coleção permitir a retirada de partes dos espécimes depositadas.
60
50
Número de itens alimentares
40
30 C. thous
L. pardalis
20 N.nasua
10
0
0 50 100 150 200
Amostras
Figura 7. Curva de acumulação de itens alimentares consumidas ((±DP) por cachorro-do-mato (C. thous - n=164),
jaguatirica (L. pardalis; n=46) e quati (N. nasua; n=84) na Fazenda Nhumirim, Pantanal Central de dezembro de 2005 a
fevereiro de 2008. 2008, avaliada pelo estimador Jackknife. Fonte: Bianchi et al. (2013).
d. Comportamento e atividade
298
tempo evolutivo. Anterior a “Era genômica”, a etologia era pautada basicamente em estudos
descritivos do comportamento animal. Os estudos eram baseados nas posições das partes do corpo e
em suas sequências de movimentação, pouca atenção era destinada às questões que modulavam
internamente o comportamento. A tendência atual é de desenvolver e testar explicações para as
causas e consequências do comportamento animal, o quê tem sido alcançado com a
multidisciplinaridade etológica, unindo conhecimentos de biologia molecular, neurociência,
fisiologia, ecologia, entre outras áreas (Altmann & Altmann, 2003; Batenson, 2003).
“Como um animal (ou grupo) dessa espécie irá se comportar sob determinadas condições?” é
a pergunta da maior parte das hipóteses etológicas testáveis. Para acessar essa informação é
necessário descrever o comportamento, seja em termos de estrutura (ex. ato de remover parasitos de
outro indivíduo; “allogrooming”), de sua consequência (ex. “comportamento de limpeza”) ou de
relação espacial (ex. “aproximar-se de um indivíduo do grupo”). As descrições comportamentais
são divididas em categorias, construídas a partir de posturas ou padrões comportamentais. Estas
serão a base do etograma, ou seja, do repertório comportamental (reações e posturas) a partir de
registros minuciosos. A quantificação dos comportamentos é baseada na sua frequência, duração e
intensidade de ocorrência. Os métodos observacionais (Ad libitum, Animal focal, Scan, Sequencial)
registram os comportamentos do indivíduo ou grupo. Dentre os métodos de registro estão o caderno
de anotações, imagens (fotos e filmagens), sons e monitoramento de animais marcados. Os
equipamentos acessórios que podem úteis para o estudo são os binóculos, termômetros, data
loggers, GPSs, cronômetros, rangefinders (Altmann, 1974; Martin & Batenson, 1993; Del-Claro,
2004).
Uma linha de pesquisa que vem recebendo bastante atenção nos últimos anos é o estudo do
padrão de atividade das espécies. Essa área acadêmica tramita diretamente entre a ecologia e a
etologia. Um mecanismo interno de tempo controla os períodos e o padrão de atividade dos
299
animais. O padrão de atividade evoluiu para lidar com a estrutura temporal do ambiente e pode ter
implicações ecológicas e significado evolutivo (Kronfeld-Schor & Dayan, 2003).
Saúde Animal
Diversos são os fatores que podem influenciar a saúde dos animais, dentre eles a exposição à
poluentes diversos (venenos, metais pesados, , pesticidas, fatores disruptivos do sistema endócrino
,entre outros), estresse de origens e naturezas distintas (barulho, luzes artificiais, movimento de
pessoas no ambiente silvestre, mudanças climáticas, degradação ambiental, entre outros) e parasitos
(Wolfe et al., 1998; Voss et al., 2000; Scheuhammer et al., 2007; Acevedo-Whitehouse & Duffus,
2009; Marcogliese & Pietrock 2011). Em muitos casos, esses fatores podem agir sinergicamente,
muitas vezes aumentando a severidade dos efeitos sobre a saúde dos animais (Burek et al., 2008;
300
Acevedo-Whitehouse & Duffus, 2009). Quando alteram a sobrevivência e/ou fecundidade dos
animais, eles podem ter consequências a nível populacional (e.g. Hudson et al. 1998),
potencialmente refletindo na estrutura das comunidades e mesmo em ecossistemas inteiros
(Cleaveland et al., 2002; Oaks et al., 2004; Blehert et al., 2009).
No Brasil estudos tem avaliado a presença de metais pesados em canídeos silvestres (Curi et
al., 2012) e relatos de exposição à veneno (Lemos et al., 2012) e outros poluentes (Dorneles et al.,
2010; 2013). No entanto, os estudos ainda focam predominantemente da detecção de parasitos sem
enfocar nos efeitos que causam na saúde dos animais silvestres. Ao mesmo tempo, há um
crescimento no número de trabalhos que relatam parâmetros hematológicos e bioquímicos de
animais silvestres (May-Junior et al., 2009; Mattoso et al., 2012). De fato, dentre os passos
normalmente utilizados para a análise do perfil de saúde de mamíferos silvestres, está a realização
do hemograma e perfil bioquímico. Aliado à obtenção desses parâmetros, está o exame físico dos
animais, a coleta de amostras para a detecção de parasitos diversos (ecto e endoparasitos) e/ou dos
componentes nos quais se deseja focar a investigação (por exemplo, pesticidas, metais pesados) e a
necrópsia dos animais (no caso de morte ou eutanásia).
Um dos primeiros passos para de caracterizar o perfil de saúde do animal consiste em realizar
um exame físico. O exame físico pode fornecer uma série de informações que complementam o
diagnóstico de doenças; ele envolve a obtenção de informações sobre a condição física geral do
animal e, para fins de comparação, exige que se conheça características anatômicas e
comportamentais consideradas tipicamente normais da espécie avaliada. Fazem parte do exame
clínico, por exemplo, a pesagem e medição corporal do animal, temperatura, pressão arterial,
frequência cardíaca e respiratória, verificação da condição das mucosas, da pele e do pelo, dos
linfonodos, das fezes, presença visível de parasitos e de assimetria de estruturas bilaterais,
comportamento geral do animal e sua condição reprodutiva. Quando não requer a contenção
química do animal, o exame físico é relativamente pouco invasivo, o que facilita a sua realização
por biólogos com treinamento prévio. Maiores detalhes sobre como realizar um exame físico
completo podem ser obtidas em livros específicos (por exemplo, Rijnberk & de Vries, 2009) e em
alguns sítios da internet (por exemplo, http://www.wildlifeinformation.org/home.aspx, acessado em
29/07/2013). Dentre as variáveis obtidas com o exame físico, o tamanho e peso corporal tem sido
utilizados com frequência para a criação de índices de condição corporal que em ecologia são por
vezes usados como indicador da condição de saúde de animais; como essas variáveis são
comumente obtidas durante estudos ecológicos que envolvem o manuseio de animais silvestres, é
301
relevante que se investigue a sua aplicabilidade no estudo da saúde animal. Para maiores
informações, consultar Schulte-Hostedde et al. (2005) e Peig & Green (2010) bem como textos
relacionados.
Diversas informações importantes que completam o perfil de saúde do animal podem ser
obtidas com a realização do hemograma. Pode-se, por exemplo, saber se o animal está anêmico,
possui distúrbios de coagulação ou está respondendo a alguma infecção. Na verdade, uma
infinidade de doenças causam alterações hematológicas que são detectáveis através da realização do
hemograma. O hemograma consiste basicamente na contagem de células total e de cada tipo celular
(contagem diferencial) das células brancas ou leucócitos (basófilos, eosinófilos, neutrófilos
segmentados, bastonetes, linfócitos e monócitos; no caso de lagomorfos e roedores, fala-se em
heterófilos em vez de neutrófilos), das células vermelhas do sangue (eritrócitos ou hemácias), de
plaquetas (trombócitos), bem como a obtenção de alguns índices adicionais (por exemplo, níveis de
hemoglobina e proteína plasmática total) e de caracterizações morfológicas das células sanguíneas
supracitadas. Para a realização do hemograma, é necessária ainda a preparação de esfregaços
sanguíneos, que podem ainda ser utilizados para a detecção de hemoparasitas (parasitas que vivem
no sangue/célula sanguínea do hospedeiro ou que passam alguma fase de seu desenvolvimento no
sangue/célula sanguínea do hospedeiro). A obtenção e preparação da amostra de sangue e esfregaço
para a realização do hemograma e detecção de hemoparasitas diversos é um procedimento
complexo que exige treinamento e prática. A interpretação dos resultados é também bastante
complexa, considerando os inúmeros fatores que podem influenciar nos resultados. Para maiores
informações sobre como realizar o procedimento, desde a coleta de sangue até a interpretação dos
resultados obtidos com o hemograma, o leitor pode consultar Cubas et al. (2007), Voigt, (2000),
Jain (1993), Rebar et al. (2003), entre outros.
Define-se aqui como parasito o organismo que obtém nutrientes ou abrigo de seu hospedeiro,
causando algum mal a este (modificado de Begon, 2006). Vírus, bactérias, protozoários, fungos,
helmintos, insetos, aracnídeos e helmintos e acantocéfalos são grupos que contém espécies
parasitas.
303
armazenamento e identificação de parasitos diversos (veja citações acima). Para os iniciantes, o
guia de Hendrix & Robinson (2006) oferece um primeiro passo para esta tarefa.
Dois aspectos fundamentais que devem ser considerados por todos que pretendem trabalhar
com animais silvestres diz respeito às práticas de biossegurança e a técnicas que contemplem o
bem-estar animal. As práticas de biossegurança tendem a minimizar a possibilidade de transmissão
de patógenos entre os animais silvestres e o homem. É importante ressaltar que cerca de 75% das
doenças infecciosas emergentes tem origem em animais (Taylor et al., 2001), sendo a maioria delas
originária de animais silvestres (Jones et al., 2008) e que biólogos e veterinários são em geral
considerados um grupo de risco porque lidam com animais. Assim, o uso de equipamento de
proteção individual (luvas, máscaras, jalecos, respiradores), bem como de procedimentos padrões
contra acidentes durante o manuseio de animais silvestres devem ser considerados, de acordo com
as espécies manuseadas e o risco e os patógenos potencialmente transmitidos pelas espécies
silvestres. Um aspecto importante que frequentemente é negligenciado em estudos que envolvem a
captura seguida de soltura de mamíferos diz respeito à necessidade de desinfecção do equipamento
utilizado na captura antes de sua reutilização. Mesmo armadilhas de captura devem ser
adequadamente desinfectadas antes da sua reutilização, com o intuito de minimizar a transmissão de
patógenos entre indivíduos que são capturados e posteriormente soltos no ambiente.
As práticas que ressaltam o bem-estar animal são aquelas que minimizam o estresse e
sofrimento dos animais durante a captura e manuseio. Em Sikes & Gannon (2011), o leitor
encontrará informações sobre os métodos aprovados pela Sociedade Americana de Mastozoólogos,
e que podem ser utilizados como referência para trabalhos desenvolvidos com mamíferos no Brasil.
Hoje em dia, grande parte das instituições públicas possuem Comitês de Biossegurança e
Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUAs) que exigem dos pesquisadores que seus projetos
científicos descrevam as técnicas de biossegurança e bem-estar animal que serão empregadas no
estudo. Da mesma forma, fontes financiadoras estaduais e federais e revistas científicas tem exigido
304
as licenças específicas concedidas pelos CEUAs. Assim, é importante que ecólogos, biólogos e
veterinários que trabalham com animais silvestres estejam cientes destes requerimentos.
As lacunas nos estudos de pequenos mamíferos é notável nos ambientes mais áridos, onde
pouco se conhece, por exemplo, sobre os hábitos alimentares desses animais e sua relação com a
vegetação e com a oferta sazonal de alimentos (Oliveira et al., 2003).
Com relação às adaptações regionais para as condições climáticas nos Cerrados do nordeste e
Caatinga quais são os mecanismos comportamentais ou ecofisiológicos utilizados para suportar a
estação quente e seca? Haverá acúmulo de biomassa no período chuvoso e torpor na época seca ou
adaptação para forrageamento noturno e abrigo e redução metabólica diurna, evitando a perda de
água e a hipertermia nas horas mais quentes do dia? Terá havido tempo evolutivo para surgimento
de raças fisiológicas ou sobrevivem apenas aqueles indivíduos da população que suportam
particularmente as condições mais agrestes? Estas são questões interessantes que, juntamente com o
maior conhecimento da biodiversidade da região. Por exemplo, Alho e Pereira (1985) e Alho et al.
(1986) analisaram a variação sazonal na abundância de pequenos mamíferos de Cerrado e
detectaram diferenças significativas entre a estação seca e chuvosa, com um maior número de
capturas na estação seca. Mas resultados preliminares de Lima et al. (com. pess.) indicam que nas
áreas de Cerrado e Caatinga transicionais, há correlação positiva da abundância com o período de
chuvas e de maior oferta de alimentos, ao passo que não houve qualquer correlação com a riqueza
de espécies amostradas. Outro aspecto importante é o de que espécies mais generalistas em termos
de uso de hábitat apresentam densidades relativamente mais altas do que espécies mais especialistas
(Tomblin & Adler, 1998), o que é um padrão ecologicamente previsível, mas que precisa ser
verificado para regiões semi-áridas e/ou de estações secas e quentes marcantes.
Apesar de ser um dos grupos mais conhecidos, os mamíferos de médio e grande porte ainda
apresentam uma enorme lacuna de conhecimento. Em 2008, existiam 110 espécies consideradas
como “Deficientes em Dados” (DD). Destas, quase metade ocorre na Amazônia, pouco mais de um
quarto são marinhas e cerca de um quinto ocorre na Mata Atlântica (Machado et al., 2008).
Muito esforço ainda deve ser aplicado para conhecer a real diversidade de mamíferos
brasileiros. Conhecimento sobre a taxonomia das espécies deve ser gerado para a sua classificação
correta e, assim, possibilidade de acessar dados biológicos básicos (Brito, 2004). Informações sobre
a distribuição geográfica e os parâmetros populacionais são insuficientes ou desconhecidos para a
305
vasta maioria das espécies (Percequillo & Kierluff, 2009), já que as pesquisas não são distribuídas
equilibradamente entre Ordens, biomas e tópicos de investigação (Brito et al., 2009).
Grande parte dos dados básicos de uma espécie é acessado após a captura de espécimes.
Contudo, a captura da maioria das espécies de mamíferos demanda um grande investimento de
tempo, recursos humanos especializados e muitas vezes equipamento de alto custo (Lewinsohn,
2005). Esta talvez seja a principal razão pela qual ainda haja muitas espécies ainda sendo
descobertas (Paglia et al., 2012) e outras com deficiência em dados. Ainda, a dimensão continental
do país e os recursos financeiros centralizados em alguns estados dificultam uma gama de pesquisa
para mamíferos em todo o país.
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