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Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Instituto de Geociências – IGC

Departamento de Geografia – Solos e Meio Ambiente.

Robert Aender Neri

Túlio César Teixeira Ferreira

Victor Moreira

Relatório de campo: pedologia e a aplicabilidade no uso e


ocupação do espaço.
Trabalho sobre incursão realizada em Minas
Gerais, pela disciplina Solos e Meio Ambiente.

Belo Horizonte

2013
Metodologia aplicada em campo

O trabalho desenvolvido adotou a metodologia do engenheiro agrônomo Maurício


Fernandes, ilustrado na figura 1, compondo uma práxis de pesquisa em campo que tem como
princípio a observação da relevância da geologia e do relevo, desde que contidos em um
mesmo clima, como principais fatores de discernimento pedogenéticos. A necessidade da
integração entre geologia e relevo na análise pedológica é de suma importância, pois
saberemos relacionar o material de origem do solo ao escoamento superficial e a percolação
de água, condicionantes principais de sua distribuição pelo solo. Partindo desses dois pilares,
integramos outros fatores de associação que nos auxiliam para a compreensão e entendimento
da dinâmica do solo, que atuam de forma correlacionada.

A vegetação nos destaca como fator relacionado pois nos apontará a capacidade
do solo em suportar os mais diferenciados portes vegetacionais e sua disponibilidade de
nutrientes. Outro elemento a considerar na análise é a fauna, a exemplo de formigas que
areiam o solo fazendo seus dutos subterrâneos, organismos decompositores que auxiliam na
transformação da matéria orgânica e no revolvimento do solo, assim facilitando a absorção de
água e sais minerais, e por último, a atividade antrópica que irá alterar a paisagem,
independente da multiplicidade das práticas que serão aplicadas, seja agrícola, pastoril,
habitacional, industrial, etc.
Atividade de campo para estudo de caso

Norteados pela metodologia em questão partimos para atividade de campo no dia


15/10/2013, no qual percorremos uma distância de aproximadamente 140 km dentro da
Região Metropolitana de Belo Horizonte e proximidades, sendo selecionados seis pontos de
parada, distribuídos nas coordenadas 1ª parada 19º41’53”S 43º54’37”O (altitude 687m); 2ª
parada 19°34’49”S 43º54’57”O (altitude 677m); 3ª parada 19º33’43”S 43º57’32”O (altitude
751m); 4ª parada 19º27’83”S 43º54’34”W (altitude 674m); 5ª parada 19º26’57”S 43º50’20”O
(altitude 767 m); e 6ª parada 19º18’20”S 43º36’32”O (altitude 1024 m). Durante a atividade
de campo observamos os diferentes tipos de usos e suas relações com os variados tipos de
solos.

Análise de vertente: Vespasiano/MG

A primeira parada foi em Vespasiano, próximo ao Ribeirão da Mata, em uma


vertente do tipo convexa-côncava. Dentro do nosso campo de visão foi possível observar
morros aplainados com presença desde área construída até mata preservada, embora não mais
nativa. A observação inicial é de que o interflúvio da área estudada, por ser aplainado
possibilita menor escoamento superficial da água, além de promover uma infiltração de forma
homogênea.
Segue abaixo uma imagem alterada do Google Earth onde é possível identificar o
1º ponto de parada em amarelo e o Ribeirão da Mata em azul. Pela imagem 1 é possível
visualizar ocupações urbanas do município de Vespasiano e a rodovia MG-010 cortando de
sudoeste a nordeste.
Imagem 1. Imagem alterada do Google Earth

Ao ter contato com uma amostra de terra, retirada na média vertente, observamos
que possui alta porosidade, sendo, portanto outro fator favorecedor para o desenvolvimento
pedológico, tendo alta taxa de intemperismo do material de origem e alongamento do
horizonte B, caracterizando-o visualmente como latossolo. A vegetação da região já está
alterada, principalmente pela conurbação metropolitana, mantendo pouco das características
da flora nativa. Foi possível observar algumas espécies típicas do cerrado e também
resquícios de mata atlântica.
Os latossolos se caracterizam por ter baixa fertilidade, devido alta lixiviação dos
elementos mais solúveis presentes no solo, porém, são considerados os melhores para a
atividade agrícola, pois sua estrutura física permite produtividade de culturas de todos os
portes, sendo necessário apenas corrigir sua infertilidade, adubando-o. Consideramos possível
a utilização dos morros aplainados para uso agrícola de culturas anuais, tais práticas devem
ser realizadas de modo adequado devido ao risco de erosão laminar. A quantidade de
microporos encontrado nesse tipo de solo permite que a vertente estudada seja uma área de
recarga hídrica, abastecendo o aquífero. A paisagem se encontra degradada, mostrando a
tendência de urbanização da área, o que irá gerar grande impacto no abastecimento fluvial,
pois irá impermeabilizar o solo, gerando déficit para a dinâmica fluvial do Ribeirão da Mata,
logo a jusante.
Na parte côncava da vertente nota-se a passagem do Ribeirão da Mata,
observando a topografia do local foi possível delimitarmos a área de inundação do rio. O
comportamento da cheia do rio, carregando o material inconsolidado, antes depositado,
inviabiliza com que os sedimentos transportados desde o interflúvio sejam mantidos na
planície de inundação. Por apresentar infiltração imperfeita devido à granulometria arenosa e
proximidade com o nível de base a tendência será haver menor lixiviação e subsequente
pouco desenvolvimento do solo, caracterizando como um Neossolo Flúvico. Referente às
práticas antrópicas, não é aconselhável a atividade habitacional devido à oscilação do nível do
rio, já a atividade agrícola de cultivo de curto prazo, antes do período da ocupação das águas
na planície de inundação, é aconselhável, pois o Neossolo possui alta fertilidade com a
presença de minerais mais solúveis e com maior valor nutricional principalmente após a
cheia. Segue abaixo uma fotografia do local sendo possível visualizar a vertente analisada.
Foto 1. Vertente ao lado da MG-010, Vespasiano/MG
Fotografia: Ricardo Souza

Análise de Latossolo em Cerrado: Lagoa Santa/MG

Na segunda parada, dentro de Lagoa Santa, entramos em uma área de Cerrado


stricto-sensu. Na área há loteamentos novos indicando avanço de ocupações, não há áreas de
pastagem nem de cultivo. É possível perceber maior ocupação na porção esquerda da imagem
2, no qual representa áreas de baixa vertente.
houve retirada de terra, que possibilitou a análise pedológica e a observação de
imediato do grande desenvolvimento do horizonte B possibilitando concluir a presença do
processo de latolização.
Imagem 2. Imagem alterada do Google Earth

Ao iniciarmos o estudo do perfil, lembramos que estávamos em uma região de


relevo cárstico, que gera solos férteis a partir do calcário e do dolomito, mas ali notava-se
uma grande alteração sofrida do solo perante o seu material de origem frente ao intenso
processo de lixiviação, implicando em uma baixa fertilidade. O perfil estudado possui a
morfologia de uma rampa de colúvio, sendo pouco declivosa e de grande comprimento,
mantendo uma erosão homogênia em toda sua camada superficial. O perfil estudado pode ser
observado na foto 2.
Foto 2. Perfil de latossolo em Logoa Santa/MG.
Fotografia: Ricardo Souza

Foi possível retirar um agregado, este oriundo das interações estáveis entre íons de
matéria orgânica e minerais de argila com o solo (floculação), como amostra para demonstrar
a infiltração da água no solo, e observou-se que a água facilmente se infiltra devido aos
macroporos, e concomitantemente é retida nos microporos, que gera um aspecto de
plasticidade ao solo e pode ocasionar o Ponto de Murcha Permanente (PMP), saturação de
absorção de água pela planta.
A coloração avermelhada nos permite concluir que há concentração relativa de
hematita oxidada no solo, e essa oxidação é significado de solo muito arejado. Com o pH do
solo onde ocorre a máxima floculação, balanço de cargas positivas e negativas igual a zero
(Ponto de Carga Zero – PCZ) formou-se o horizonte Bt muito coeso, propiciando diferentes
atividades antrópicas que se potencializam neste solo, como a implantação de aterros que não
iram afetar o lençol freático devido a capacidade de retenção da água nos microporos, talude
nas estradas pois é mais resistente perante a erosão, e a agricultura se torna extremamente
viável devido à estrutura física do solo, bastando ter uma prática efetiva do controle de erosão.

Análise e compreensão da pedogênese em ambiente cárstico: Gruta da


Lapinha/MG

Na terceira parada, na região da gruta da Lapinha em Lagoa Santa, ainda em


ambiente cárstico, observamos logo após a entrada no parque, um perfil de solo mostrado pelo
orientador que o classificou como Neossolo Litólico, foi possível visualizar o horizonte A
diretamente sobre a rocha, A sobre saprólito e A sobre pequeno horizonte B. Devido a
declividade acentuada do relevo, ocorre menor infiltração e consequente menor lixiviação do
solo. No horizonte A foi possível perceber uma textura fina e ao retirarmos uma amostra
desse solo percebemos como é escorregadia, similar ao talco, devido a alta proporção de silte
no solo. Logo abaixo do horizonte A é encontrado dobramentos de xisto oriundo de
metamorfismo em alta temperatura e pressão, como também rochas apodrecidas. Foi notado o
pequeno horizonte B em descontinuidade na vertente que propiciou um suave aplainamento
que condicionou a gênese do mesmo.
Imagem 3. Imagem alterada do Google Earth

Chegando ao lado da gruta, observamos que esta possui o acamamento linear,


visível na foto 3, demonstrando que não sofreu alteração por metamorfismo, e houve a
sedimentação em ambiente submerso gerando assim rochas carbonáticas. Nas paredes da
gruta em que haviam plataformas, nota-se pedogênese, organismos colonizadores que se
associaram, como líquens e briófitas, encontraram mesmo em cima das rochas um ambiente
propício para seu enraizamento, sendo úmido e sombreado. Foi visível ao lado da gruta uma
dolina com cerca de três metros de profundidade e diâmetro de aproximadamente 15 metros,
que contém um neossolo e suporta árvores de porte médio. Pela gênese de formação de uma
dolina sabemos que ocorreu um abatimento do terreno devido a dissolução química e
formação de espaços vazios.
A nossa frente foi observado grupos de fanerófitas que se localizam em cima do
maciço, suas raízes buscam nas frestas das rochas a água, cálcio e o magnésio dissociado da
rocha para sua nutrição, o solo por sua vez não é ácido devido a calcita e o dolomito que
atuam corrigindo a acidez. A vegetação na região é de mata estacional semi-decidual, mais
precisamente a mata seca, que são sustentadas por neossolos e cambissolos de alta fertilidade
devido à abundância de magnésio e cálcio. A atividade antrópica da região é o ecoturismo
para a visitação da gruta e adjacências, outra importante atividade são as pesquisas
arqueológicas realizadas na região devido ao grande número de fósseis lá encontrados, sendo
a preservação desses fósseis somente possíveis em ambientes de rochas sedimentares.

Foto 3. Rocha calcária presente nas paredes da Gruta da Lapinha.


Fotografia: Ricardo Souza
Considerações sobre a dinâmica de um paleofluxo no perfil de solo

No quarto ponto de parada observamos o horizonte A sobre pequeno horizonte B,


que tinha um horizonte C em processo pedogenético mais avançado contendo seixos rolados,
oriundo de um paleofluxo fluvial.

Imagem 4. Imagem alterada do Google Earth

Na foto 4 podemos perceber a presença de seixos incrustado no horizonte B. Sua


litologia constituída de siltito se encontrava em processo avançado de intemperismo pelo
relevo pouco acentuado, favorecendo seu desenvolvimento e classificando-se como
Cambissolo. Devido a essas características o solo analisando não possui aptidão agrícola, mas
podendo ser indicado para pastagem.
Foto 4. Perfil de neossolo A sobre C (com seixos rolados) sobre saprólito.
Fotografia: Túlio César

Espaço improdutivo: a inviabilidade econômica frente ao processo pedológico

No quinto ponto de parada, descemos em São José de Almeida e observamos um


talude de estrada. Nesse corte de solo identificamos inicialmente apenas um pequeno
horizonte A sobre a rocha.
Imagem 5. Imagem alterada do Google Earth

Percebemos que não houve um processo de pedogênese por predominar a


presença de macroporos provenientes de sedimentos de grande granulometria,
impossibilitando a retenção da água no solo, tornando-o arenoso e seco (foto 5). O orientador
denominou a área como um grande espaço vazio, pela improdutividade econômica diante dos
vários problemas na estrutura e química do solo. Esse tipo de solo foi classificado como
Neossolo, porém mesmo não havendo muita lixiviação o mesmo é infértil devido ao material
de origem ser pobre em minerais. A vegetação do local é de cerrado ralo pela presença de
vegetais de porte arbustivos e gramíneas. Analisando a paisagem da foto 6 observasse uma
divergente característica vegetacional de onde as águas escoam pelo encaixamento das
vertentes, é evidenciado o cerradão, que obtém a disponibilidade hídrica da região e também a
manutenção da matéria orgânica principalmente pela deposição de folhas sobre o solo.
Foto 5. Perfil de neossolo em São José de Almeida/MG.
Fotografia: Ricardo Souza
Foto 6. Mata de Galeria presente em ambiente de neossolo.
Fotografia: Ricardo Souza

Serra do Espinhaço e suas limitações pedológicas

Na última parada do trabalho de campo, subimos até uma altitude a cerca de 1000
metros, em Cardeal Mota, já na Serra do Espinhaço. Foi observado campo rupestre
quartizítico e sua restrição do porte vegetacional, limitando-se a pequenos arbustos e
gramíneas devido ao pequeno desenvolvimento do solo, o tornando raso. O principal fator que
impede o processo de pedogênese é a declividade acentuada do relevo. Essa região de
transição entre Cerrado e Mata Atlântica pode ser considerado como um bioma singular, por
apresentar alto grau de endemismo com espécies singulares a exemplo das “canelas de ema” e
das “sempre vivas”. O tipo de solo predominante no local é o neossolo, sendo possível
perceber sua granulometria arenosa e seca, indicando baixa manutenção hídrica.
Imagem 6. Imagem alterada do Google Earth

Foi observado que a região é de transição entre mármore e quartizito, em ambos


os ambientes são encontrados neossolos, porém sobre o mármore há presença de vegetação
arbórea visível na foto 7, por ser bastante fértil e bem estruturado. Já o neossolo encontrado
sobre a serra do espinhaço é bastante infértil devido ao seu material de origem ser
basicamente metarenitos. A atividade antrópica se faz pelo turismo, que tem a serra como
patrimônio. Existem inúmeras áreas de camping e pousadas para servir de estrutura a
aventureiros e pesquisadores.
Foto 7. Vegetação arbórea sobre neossolo e logo abaixo afloramento rochoso.
Fotografia: Wladimir Ferreira

Considerações finais

A prática empírica de campo nos proporcionou elevado patamar de compreensão e


análise dos fatores contidos no espaço, que estão diretamente e indiretamente correlacionados,
interferindo e influenciando a dinâmica e comportamento pedológico. A necessidade de
almejarmos o entendimento nos proporcionou compreender as práticas antrópicas que podem
e foram implantadas para a produção econômica, em conjunto com a análise ambiental do
impacto do uso inadequado diante da multiplicidade de diferentes tipos de solos.
Através das análises de diversos perfis, encontramos relações diretas entre a
litologia e geomorfologia como agentes iniciais para a pedogênese. Já o clima e sua
subsequente disponibilidade hídrica, como também os agentes bióticos, apresentam-se como
fatores moduladores e transformadores da estrutura física e da composição química do solo.
Dessa forma verificamos e concluímos que a metodologia criada pelo agrônomo Maurício
Fernandes é viável e efetiva para a análise e compreensão da dinâmica pedológica espacial.

Referências Bibliográficas

ROBERTO, Maurício Fernandes; BAMBERG, Soraya Marx. Estratificação de ambientes


para gestão ambiental. Gestão ambiental na agricultura, Informe Agropecuário, Belo
Horizonte, v.30, n. 252, p. XX-XX, set./out.2009.

GONTIJO, Bernado Machado. Uma geografia para a Cadeia do Espinhaço.


Megadiversidade , volume 4, nº 1-2, dezembro 2008.

VIDAL-TORRADO, Pablo; LEPSCH, Igo Fernando; CASTRO, Selma Simões. Conceitos


e aplicações das relações pedologia-geomorfologia em regiões tropicais úmidas. Tópicos
Ci. Solo, 4:145-192, 2005.

ROSSI, Marcio; NETO, José Pereira de Queiroz. Relações solo/paisagem em regiões


tropicais úmidas: exemplo da serra do Mar em São Paulo, Brasil. Revista do Departamento
de Geografia, 14 (2001) 11-23.

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