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Copyright © 2021 by SODRÉ

ILUSTRAÇÃO E DESIGN DE CAPA


Carmell Louize

PREPARAÇÃO DE TEXTO
Nathalia Brandão
Vitória Almeida

REVISÃO
Andréa Santos
Isabella Lazaroni
Ivan Souza
Jéssica Sampaio

DIAGRAMAÇÃO
Lara Design Editorial

[2021]
Todos os direitos reservados à SODRÉ || @horsinha
LEMBRE-SE DE NÓS, 1ª EDIÇÃO, EDITORA EUPHORIA, 2021
CNPJ: 39.317.627/0001-06
Contato: editoraeuphoria@gmail.com
Site: editoraeuphoria.com.br
Rio de Janeiro — RJ
Uma história de ficção que alcançou limites os quais eu nunca
imaginei serem possíveis. Serei eternamente grata a cada um de
vocês, carinhas. Muito obrigada, do fundo do meu coração, da
minha mente para os braços de vocês.

Espero que apreciem a leitura.

SODRÉ
Prólogo - Passado
05 de novembro, 2016 - DIAS ATUAIS
Capítulo 1 – Sonho Louco
Capítulo 2 – Encarando a realidade
Capítulo 3 - Egoísmo
Capítulo 4 - Carinha
Capítulo 5 - Diários
Capítulo 6 - Família
Capítulo 8 - Desejos
Passado – Camille Cruz
Capítulo 9 – Dor compartilhada
Capítulo 10 - Aniversário
Capítulo 11 - Recomeço
Capítulo 12 - Reconhecer
Capítulo 13 - Conexão
Capítulo 14 – Primeiro beijo
Capítulo 15 – Esperanças
Capítulo 16 – Lugar certo
Capítulo 17 - Familiar
Capítulo 18 – Um pedaço do seu coração
Capítulo 19 – Resposta óbvia
Capítulo 20 – Até quando resistir?
Capítulo 21 – Minha pessoa
Capítulo 22 – Dias melhores
Capítulo 23 – Tudo acontece por um motivo
Capítulo 24 – Cuidar dela
Capítulo 25 – Na alegria e na tristeza
Capítulo 26 – Feliz Natal
Capítulo 27 – O primeiro passo
Capítulo 28 – Ponto de paz
Capítulo 29 – O pedido dela
Capítulo 30 - Tudo
Capítulo 31 - Momentos
Capítulo 32 – Diversas sensações
Capítulo 33 – Uma lembrança
Capítulo 34 - Pronta
Capítulo 35 – Eu sou seu presente
Capítulo 36 – A escolha perfeita
Capítulo 37 – Gravidez dupla?
Capítulo 38 – Finalmente completas
Capítulo 39 – O grande dia
Capítulo 40 – Lembre-se de nós
Capítulo 41 – Esposa idiota
Agradecimentos
Prólogo - Passado
Se fosse possível adicionar ao dicionário uma nova definição
para idiota, eu, sem sombra de dúvidas, colocaria em letras
garrafais o nome daquela idiota: Luna.
Ou pode chamá-la apenas de “meu eterno carma”.
Você provavelmente deve estar se perguntando o motivo,
certo?
É bem simples: eu odeio tudo nela e sobre ela. Desde seu
jeito arrogante de falar até o modo de andar como se fosse dona do
mundo, principalmente por achar que as pessoas caem de amores
aos seus pés. Porém, a razão maior é que essa garota sempre
consegue encontrar um jeito de atormentar minha vida. A qualquer
lugar que vou, ela está lá. Às vezes, parece que me persegue, e
confesso que não ficaria surpresa se isso fosse verdade.
Talvez essa idiota seja obcecada por mim.
Ela não deve ter nada da vida para fazer além de me
perturbar. Isso deve diverti-la muito, pois desde que a idiota entrou
em minha vida, nunca mais tive sossego. Todos os dias, na escola,
parece um labirinto eterno, porque sempre tem a maldita Luna no
meu caminho.
Infelizmente, morar no mesmo lugar desde o meu nascimento
fez com que eu crescesse praticamente rodeada pelas mesmas
pessoas. É como entrar em um loop infinito: não importa aonde você
vá, sempre terá um conhecido seu.
Meus pais são do México, mas se mudaram para os Estados
Unidos antes mesmo de eu nascer. E para o meu azar, os pais da
dita cuja tiveram a brilhante ideia de fazer o mesmo quando Luna
ainda era um bebê. Diferente de mim, no entanto, ela não nasceu na
Inglaterra, cidade natal dos pais dela, e sim aqui mesmo, em Miami.
Tenho certeza de que, em breve, terei muitos cabelos
brancos por causa dessa pendeja.
— Eu gostaria de saber o que esse pobre taco te fez para ser
amassado com tanto ódio dessa forma — uma voz é ouvida de
repente, sendo seguida por alguns risinhos, mas meus olhos estão
focados naquele ser humano asqueroso rindo escandalosamente,
cercado de seus amigos idiotas. É incrível como ela consegue trazer
o meu pior à tona, e não é necessário muito esforço. Deve ser um
dom me deixar irritada com facilidade.
Solto uma lufada de ar e finalmente desvio meu olhar da
idiota. Fito o ser sentado a minha frente, encontrando minha irmã
gêmea, Belinda. Ela tem uma expressão divertida em seu rosto, tão
idêntico ao meu, e parece focar em algo. Resolvo olhar para o
mesmo lugar e faço uma careta ao me deparar com a bagunça que
havia feito. Merda!
— Estragando comida outra vez, Lil[1] ? — dessa vez é a
pessoa ao meu lado, minha melhor amiga, Vanessa, quem diz
alguma coisa.
Eu apenas reviro os olhos, ignorando-a, mas a careta em
meu rosto aumenta quando sinto meus dedos colarem. Excelente!
Além de ficar sem meu lanche, estou com as mãos sujas. E tudo
isso é culpa de quem? Daquela idiota dos infernos! Justo no dia que
a cantina do colégio resolveu colocar um pouco da culinária latina
no cardápio.
— Luna trancou a Camille no vestiário — minha queridíssima
irmã resolve confidenciar a Vanessa sobre o infeliz incidente de
mais cedo, quando a digníssima resolveu que seria muito divertido
me trancar dentro do vestiário sozinha e com as luzes apagadas.
Acabei me atrasando para a aula de História, porque demorou um
bom tempo até que alguém me encontrasse lá dentro.
Eu seria capaz de matar aquela garota com minhas próprias
mãos lentamente. Da mesma forma que fiz com o meu lanche,
poderia fazer no pescoço dela. Não me importaria de sacrificar meu
réu primário com um homicídio.
— Quantas vezes ela fez isso durante essa semana mesmo?
Eu apenas ouvia as duas zombando e rindo, enquanto
tentava tirar aquela nojeira das minhas mãos e pensava em diversas
maneiras de matar Luna.
— Acho que foram sete.
— Na verdade, contando a de hoje, foram oito.
— Luna está se tornando especialista em prender nossa
querida Camille nos lugares.
— Pobre irmã, sempre na hora e no lugar errado — Belinda
respondeu, e isso fez com que as duas voltassem a gargalhar.
Eu não estava a fim de me irritar ainda mais, tinha estourado
toda a minha cota de estresse com a idiota. Hoje foi só mais um dos
tantos dias que ela infernizou minha vida. Não é algo fora do
comum, para dizer a verdade. Minha única salvação é saber que as
férias de julho se aproximam e, pelo menos durante algum tempo,
ficarei longe dessa garota idiota.
— Vocês perceberam como o Noah parece ficar mais lindo a
cada dia?
Meu rosto se contorce automaticamente com o tom de voz
adocicado da minha melhor amiga ao dizer aquilo. Vanessa alimenta
uma paixonite pelo irmão da idiota há alguns anos, acho que uns
quatro, para ser mais exata. Não tenho nada contra o Noah, é um
garoto legal, que só deu azar de ser irmão da Luna. Não sei como
ele suporta conviver com aquela garota, deve ser horrível.
Mas, voltando ao assunto, tenho certeza de que ele desconfia
da paixonite de minha melhor amiga, porque Vanessa não consegue
esconder a cara de idiota toda vez que estamos no mesmo
ambiente.
Noah sempre foi muito divertido e simpático, e pelo fato de
que todos se conhecem desde sempre nesse colégio, os dois estão
em constante contato. Ainda assim, minha amiga quase morre
quando esse garoto se aproxima dela.
Quando ele estava comprometido, eu entendia o silêncio de
Vanessa, mas agora que nada a impede, continua sofrendo calada,
ao invés de simplesmente se declarar. É melhor arriscar do que
viver imaginando como teria sido.
Sinceramente, não entendo o porquê de as pessoas ficarem
agindo de maneira tão idiota quando estão apaixonadas, acho uma
besteira. Sendo bem sincera, toda essa coisa de amor é palhaçada.
Por outro lado, minha irmã foi determinada a ir atrás do que
queria: ela namora Rodrigo, o brasileiro recém-chegado. Para dizer
a verdade, não é tão recente assim, faz três anos que se mudou e
está aqui, no mesmo colégio que todo mundo.
Belinda se interessou quase que instantaneamente, assim
que o viu, e não demorou muito para começar a puxar assunto,
dizendo que adorava seu sotaque, entre outras coisas que prefiro
nem saber. Foi questão de poucos meses para eles começarem a
se envolver, e agora são um dos casais mais melosos que conheço.
Infelizmente. Eu quero morrer todas as vezes que eles começam a
se agarrar nos lugares. É constrangedor, e não adianta nada
reclamar, porque os dois continuam.
— Eu não entendo...
— Oh, meu Deus! Oh meu, Deus! — Vanessa corta minha
fala, completamente afobada. — Noah está vindo para cá. Ele está
vindo mesmo.
Seu rosto estava completamente vermelho, e parecia prestes
a entrar em colapso.
Não pude evitar fazer caretas de desgosto. Como disse
antes, as pessoas agem de forma tão idiota quando estão
apaixonadas...
Isso porque os dois cresceram juntos, imagine se ele fosse
novo na cidade, por exemplo. Vanessa é muito besta por esse
garoto, não tenho paciência.
— Pelo amor de Deus, Vanessa. Respire ao menos — peço,
agoniada, ao vê-la daquele jeito, e tudo somente porque o dito cujo
está vindo em sua direção. Será que ela irá morrer, caso ele sorria e
a cumprimente como sempre? Não é como se isso não acontecesse
todos os dias.
— Ele é lindo demais, eu não consigo.
Já completamente sem paciência para aquela cena ridícula,
apenas reviro os olhos e a ignoro. Belinda é a única que tem
paciência para lidar com essa criatura surtando por causa de um
garoto.
Coloco meus cotovelos sobre a mesa, apoio meu queixo
sobre as mãos, para observar as pessoas, e começo a ficar nervosa
quando noto que não apenas Noah está vindo em nossa direção,
mas meu cunhado Rodrigo também.
Era só o que faltava. Que delícia, estava precisando de uma
vela aqui mesmo!
Querendo me poupar de presenciar momentos
constrangedores, preparei-me para me levantar daquela mesa, mas
fui impedida ao notar uma presença repentina ao meu lado. Não
precisava nem me esforçar para saber quem era.
— Oi, Camies... Eu vim te fazer companhia, você sabe... pra
que você não fique sobrando — ela diz e abre um enorme sorriso,
apontando com a cabeça em direção aos pares ao nosso lado, que
parecem bem entretidos em alguma conversa idiota. — Muita gente
gostaria de estar no seu lugar, mas eu escolhi você. — E como
sempre, esse ser precisa mesmo abrir a maldita boca e cuspir esse
monte de lixo sonoro em cima dos outros.
Luna não se conforma em ser desagradável, ela tem sempre
que piorar tudo. São por atitudes como essa que não consigo
suportá-la. Queria fazê-la sumir da face da terra. Ela precisa mesmo
agir como se as pessoas fossem cair aos seus pés, apenas por
causa desse maldito sorriso e desses olhos verdes?
— Ok, primeiramente você não me escolheu, porque eu nem
sou uma opção sua. Shh! — Faço sinal para ela se calar, antes que
mais alguma idiotice saia daquela boca. — Não sou e nunca vou
ser, porque eu não quero.
— Camies, você está muito estressada hoje. Que tal darmos
uma volta e deixarmos esses quatro sozinhos?
— Não vou a lugar algum com você. Nem ao menos te
chamei para vir até aqui. Ninguém chamou. — Cruzo os braços e a
encaro com extremo deboche, antes de completar: — E só para
refrescar a sua memória: você não faz meu tipo, pode tirar esse
sorriso ridículo da cara.
Isso poderia abalar qualquer pessoa. Sim, qualquer uma,
mas eu sabia que ela nem daria importância. Não é a primeira vez
que lhe dou um fora, e Luna parece gostar disso.
Tento desviar meu olhar da idiota, mas me arrependo no
momento em que meus olhos pairam sobre minha irmã e meu
cunhado aos beijos. Eles nem se importam de estarmos no colégio
ou com todas as pessoas ao redor. Isso me deixa bem
desconfortável, porque é muito constrangedor.
— Você sabe que eu faço o tipo de todo mundo.
— Felizmente, minha mãe sempre disse que não sou todo
mundo. E eu não poderia ser mais grata a ela por isso.
Olho para a idiota, que não parece nem um pouco abalada
com os meus foras e continua sustentando aquele sorriso ridículo
em seu rosto. Será que essa garota caiu de cabeça no chão logo
depois que nasceu? Porque nada pode explicar sua falta de noção
para entender que não é bem-vinda.
— Minha sogra gosta de mim, e você sabe disso — ela diz,
com aquele ar grotesco de arrogância, e, então, sinto um braço
sobre meus ombros.
Meu corpo todo estremece de raiva.
— Você está louca? Não toque em mim com esses dedos
nojentos. Não te dei permissão.
Sei que provavelmente estou fazendo uma cena absurda,
mas não poderia me importar menos. Luna não tem vergonha na
cara, inferniza minha vida em uma hora e na outra quer agir como
se fôssemos próximas.
— Dedos nojentos? Você não diria isso se soubesse o que
eles são capazes de fazer.
Meus olhos quase saltam das órbitas e minhas bochechas
ficam doloridas na mesma hora. Com certeza, estou corada,
desacreditada que acabei de ouvir uma merda dessas. Realmente,
Luna consegue se superar todas as vezes.
— Você é asquerosa! — exclamo e rapidamente me levanto
para me afastar daquela criatura, antes que minha razão suma e
acabe acontecendo uma coisa da qual irei me arrepender depois.
Provavelmente, eu iria agredi-la ou algo parecido com isso.
Felizmente, consegui evitar aquela idiota pelo resto do dia, ou
teria cometido um crime de ódio direcionado. Não vejo a hora de
estar de férias, livre disso.

“Onde está aquela imbecil?” questiono a mim mesma, depois


de mais uma tentativa falha de me comunicar com minha melhor
amiga. Não sei para que uma pessoa tem celular se não atende
quando alguém liga. Faz uns vinte minutos que estou parada em
frente ao colégio, esperando por aquela idiota, e ela parece ter
simplesmente sumido.
― Veja só o que temos aqui...
— Nem ferrando.
Fecho os olhos e respiro fundo, não acreditando que a vida
está me maltratando desse jeito. Hoje foi um péssimo dia mesmo,
tenho certeza. Deus me marcou quando eu nasci, para nunca me
perder de vista, porque as coisas que acontecem comigo não
podem ser apenas coincidências.
— Sozinha aqui, gatinha? Sabia que é perigoso?
Mordo o lábio inferior com força, mas minha vontade é de
virar e dar um soco bem no nariz dessa escrota, para ver se
aprende a ser gente. Somente a presença dela me faz ter
pensamentos horríveis, de tanto ódio que sinto.
Coloco um sorriso irônico em meus lábios e me viro para ela,
que está gloriosamente sentada em sua moto, me encarando. —
Moto ridícula e barulhenta, igual à dona mesmo.
― Não é mais perigoso do que ficar perto de você por mais
de três segundos.
― Boa. — Ela riu, nem sequer dando importância ao meu
comentário. “Não seja idiota, rebata isso, anda!” digo a mim mesma.
— Vem comigo — ela diz, e eu arregalo os olhos ao vê-la pegar o
capacete extra, estendendo-o para mim. ― O que foi? Vou te levar
em casa. Não vou te deixar sozinha aqui.
― Nem fodendo. Não subo nessa coisa com você nem que
me paguem. ― Bato o pé e cruzo os braços, decidida a não ir a
lugar nenhum com esse ser. Prefiro ir a pé mesmo.
Luna bufa e fecha os olhos por alguns segundos. Parece
estar buscando paciência, contando até dez ou algo assim.
“Não busque paciência, idiota. Discuta comigo!” grito
internamente.
― Não fala assim da Sky — finge estar ofendida e acaricia o
tanque da moto. Reviro os olhos. Quem dá nome à moto? Só essa
idiota mesmo. ― Vamos, Camies. É só uma carona, prometo ir
devagar. Você não pode ficar aí sozinha.
― Estou esperando a Vanessa.
― Ela já foi embora.
― E por que eu acreditaria em você?
Luna revira os olhos.
― Meu irmão a levou em casa. — Dá de ombros, como se
não fosse grande coisa.
Meu queixo caiu. Não acredito que aquela fingida não me
avisou, sendo que vamos embora juntas todos os dias.
― E, então, vamos? Sua casa é muito longe para você ir
andando sozinha a essa hora.
Eu sabia que, se não aceitasse a carona dela, provavelmente
teria que me aventurar andando ou ficar horas esperando um ônibus
passar. E odeio ficar zanzando sozinha por aqui. Que ótimo, vida,
muito obrigada!
― Fazer o quê? Não tenho opção mesmo.
O sorriso vitorioso de Luna quase me faz desistir. Quase.
― Mas se você fizer qualquer gracinha, eu corto seus dedos
fora, entendeu? Eu juro que corto.
Ela faz uma expressão inocente e beija os dedos cruzados,
como se estivesse jurando que se comportaria. Só espero que se
comporte mesmo!
— Se segura bem.
Se eu soubesse o real significado daquela última frase, teria
desistido de receber uma carona. Uma coisa é certa: nunca mais
andarei nisso outra vez.
Estou tremendo desde que Luna estacionou em frente à
minha casa. Meus braços ainda estão em volta de sua cintura,
enquanto tento assimilar que estou viva. Essa filha da puta me
enganou. No começo, estava indo devagar e, de repente, a rua virou
um borrão diante dos meus olhos. O barulho daquela moto era tudo
o que eu ouvia, além do som do vento.
― Ah, qual é, Camies? Um pouco de adrenalina faz bem.
Minha consciência volta à realidade, aos poucos, e quando
me dou conta de como ainda estou, rapidamente solto sua cintura,
internamente pedindo para que minhas pernas não me abandonem
e sustentem meu peso.
Sua risada pode ser ouvida, e me dou conta de que ela
parece estar se divertindo com tudo isso. Uma verdadeira idiota!
― Vai se foder, idiota! — esbravejo, mas, como de costume,
isso nem parece abalá-la. Solto uma bufada impaciente e me viro
para sair dali. Preciso ficar o mais distante dela para não a matar. ―
Espero que você sofra um acidente no caminho de volta à sua casa.
― Sua mãe não te ensinou que não se deve desejar mal aos
outros?
― Foda-se!
Ergo minha mão para cima e mostro meu dedo do meio a ela.
Estarei chegando à minha porta, em breve estarei longe daquela
criatura.
― Camille? Camies?
Quero ignorá-la, mas a idiota parece disposta a continuar
chamando meu nome sem parar. Meus pais acabariam ouvindo e
sairiam para verificar o que estava acontecendo. Então, mesmo a
contragosto, tenho que me virar para ela outra vez.
― O que é, inferno?!
― Meu capacete, gatinha. Eu preciso dele.
Ela abre um sorriso idiotamente irônico e aponta em direção
à minha cabeça. Meu rosto quase se desfaz, tamanha a vergonha
que estou sentindo por não ter notado que ainda estava usando
aquela coisa.
― Ah...
― Se quiser guardar como recordação para as próximas
caronas, tudo bem.
― Você quer? — Sorrio diabolicamente, enquanto estendo o
capacete e começo a caminhar em sua direção. Luna acena,
concordando com a cabeça, e espera eu chegar até ela. ― Todo
seu.
Dessa vez, quem sorri de forma debochada sou eu, ao lançar
o capacete dela em direção ao chão, fazendo-o quicar duas vezes e
rolar até seus pés, deixando-a, aparentemente, incrédula. Isso me
deixa extremamente satisfeita. Uma pequena vingança pelo
estresse de hoje.
― Porra, Camille. Você sabe quanto custa um desses? Se
estiver quebrado, farei você pagar por um novo!
Cruzo os braços, mantendo meu sorriso irônico, enquanto a
observo dar a volta na moto e agachar-se para pegar o capacete.
Toma essa, sua idiota.
― Coitada de você — desdenho, totalmente despreocupada.
Muitas pessoas costumam ter medo dela, mas eu, felizmente, não
sou uma delas, porque, apesar de me infernizar, sei que Luna não
seria louca de fazer algo sério contra mim.
Ela pega o capacete e começa a analisá-lo. A expressão em
seu rosto me satisfaz bastante, por saber que, de alguma forma,
finalmente consegui atingi-la.
― Inferno. Ele está todo arranhado e quebrou um pedaço da
viseira. Satisfeita?
― Você não faz ideia do quanto.
Luna bufa e, dessa vez, parece realmente irritada. Isso me
alegra ainda mais, sinto vontade de gargalhar por vê-la daquele
jeito. Não é fácil tirá-la do sério, e quando isso acontece, me deixa
verdadeiramente feliz.
― Vai ter que pagar.
― Me obrigue!
Eu espero que ela rebata, me xingue ou surte, mas o sorriso
que cresce em seu rosto faz o meu morrer aos poucos.
Será que nada abala a estrutura dessa criatura? Não é
possível.
Luna enfia um braço por dentro do capacete, para segurá-lo,
e me encara com um olhar esquisito. Não estou gostando nada
disso...
― Eu já sei como você vai me pagar — seu tom de voz é
estranho, e me faz estremecer quando ela começa a ir em minha
direção; eu, rapidamente, recuo. ― Quero um beijo.
― Um beijo? — pergunto, apenas para confirmar que não
estou ouvindo coisas.
Luna rapidamente concorda com a cabeça ao parar a minha
frente, obrigando-me a olhar para cima e encarar seu rosto. Nossa
diferença de altura é notável quando ela fica próxima assim.
― Um beijo, de língua. Nada de beijos cinematográficos, sem
qualquer emoção verdadeira. Eu quero um de verdade.
Ela é realmente louca. Estou tendo a certeza desse fato
nesse momento.
“Tudo bem, idiota. Duas podem jogar esse jogo” penso.
― Você quer um beijo?
Luna confirma com a cabeça e dá duas batidinhas em seus
lábios com o dedo indicador, mostrando onde quer minha boca. Eu
quase faço uma careta, porém tenho uma ótima ideia.
― Então, ok, feche os olhos.
É explícita a surpresa em seu rosto, mas não demora muito a
fazer o que eu havia dito. Parece ansiosa para receber seu
pagamento. Que inocente, ela realmente pensa que irei beijá-la.
Tenho de me controlar para não dar gargalhadas quando começo a
me afastar lentamente, até estar distante o suficiente dela. Luna
abre os olhos quando finalmente me escuta rir e se dá conta da
distância que estou.
― Você trapaceou!
― O mundo é dos espertos, idiota. Achou mesmo que eu
queria te beijar? Me poupe, se poupe, nos poupe.
Achei que dessa vez conseguiria tirá-la do sério, mas não,
muito pelo contrário. Fico indignada ao vê-la abrir um sorriso
extremamente largo.
― Você me deve um encontro.
― Eu não te devo nada. Nunca vou te dar coisa alguma.
― Nunca diga nunca, Camies. — Ela acena com a mão
direita para mim e manda um beijo no ar, antes de se virar e voltar
para sua moto. Quando sobe no veículo, me olha e completa: ―
Nós ainda iremos nos casar, Camille. Espero que guarde bem na
sua memória.
― Você enlouqueceu?
― Não esqueça. Temos um mês inteiro pela frente, e muitas
coisas podem acontecer.
Ela nem me dá a chance de rebater, apenas coloca o outro
capacete no compartimento de trás da moto e a liga. Tudo o que
posso ouvir, em seguida, é o barulho ensurdecedor daquela moto
ridícula.
Entro em casa, cuspindo fogo. Odeio perder para aquela
idiota. Quem dá a última palavra sempre sou eu!
Não olho para os lados, só miro a escada para ir até meu
quarto. Preciso de um banho e cama. Talvez, depois, ligue para
Vanessa e a xingue de todos os palavrões possíveis por ter me
deixado plantada na escola, sem avisar que já havia ido embora.
Quando acabo de sair do banho e volto ao meu quarto para
descansar, lembro da idiota dizendo que iríamos nos casar.
― Eu nunca vou nem te beijar, Luna Jacobs. Quem dirá me
casar com você! — murmuro para mim mesma, antes de me jogar
em minha cama, soltando um gemido satisfatório ao sentir o cheiro
gostoso que os lençóis exalam. É sempre maravilhoso chegar em
casa, tomar um banho e me deitar.
Prefiro morrer solteira a me casar com aquela idiota.
― Está se dando bem com a Luna? ― Belinda surge, de
repente, invadindo meu quarto, sem me dar tempo de ter outra
reação além de susto.
Viro-me de barriga para cima e noto que ela está vestida com
a mesma roupa que estava usando na escola.
― Você estava em casa ou chegou agora?
― Estava em casa. Fui buscar Sofia na escola — explica e
dá de ombros, indo até minha cama para se sentar. ― E, então...
estão se dando bem?
― Você ainda pergunta? É óbvio que não. Eu a odeio.
― E por que deixou que ela a trouxesse em casa? — Ergue
uma sobrancelha, curiosa.
― Vanessa é uma imbecil, que saiu sem me avisar, e acabei
tendo que aceitar a carona daquela idiota. Longa história, e estou
cansada agora. Você pode me deixar sozinha?
― Claro! — concorda rapidamente e se levanta da cama,
indo em direção à porta. ― Fica de olho na Sofi, porque nossos pais
vão chegar tarde. Ela está dormindo, mas você sabe que não vai
demorar muito para acordar.
― Pode deixar.
― Ok. E Camille? Eu acho que você deveria tentar se dar
bem com a Luna.
― Você está louca? Por que eu faria essa idiotice?
― Lembra que o papai estava procurando alguém para
ajudá-lo com a estufa? Eu comentei que Luna gosta de hortas, e ele
a convidou.
― O quê? Por que você fez isso?
“Vida, você me odeia?”, eu mentalmente indago.
― É isso mesmo, irmãzinha. Parece que o destino adora te
juntar a ela.
― Saia do meu quarto antes que eu mate você.
Belinda não responde mais nada e sai do meu quarto,
gargalhando.
Estou chocada, para dizer a verdade, e muito, muito brava.
Só pode ser algum tipo de teste do universo comigo. Todas as
pessoas estão fazendo um complô contra mim, é a única explicação
plausível.
Qual foi o pecado que eu cometi para ter Luna em minha
vida?
05 de novembro, 2016 - DIAS ATUAIS
Minha cabeça está girando, quando tento abrir os olhos, e
sinto fisgadas dolorosas, as quais me fazem resmungar. Quando me
viro na cama, sinto meus músculos doerem, e minhas costas
parecem arder por alguma razão. Não sei dizer que horas são, nem
se fiquei muito tempo dormindo, porque tudo parece confuso. Se eu
tivesse costume de beber, diria que estou tendo uma amnésia
alcoólica somada a uma ressaca infernal, mas nunca fui de fazer
isso. Porém, faz sentido eu ter dormido mal: tinha acabado de
receber a péssima notícia de que teria de lidar com aquela idiota
durante quase um mês.
Vai ser uma das piores férias da minha vida. Ou talvez a pior.
Tentando esquecer aquela imbecil ao menos um pouco,
sabendo que terei o desprazer de encontrá-la em breve na escola,
faço menção de me levantar da cama, porém sou impedida por
alguma coisa que me segura firmemente. Com a mente ainda
confusa, cogito a possibilidade de ser Sofia, porque sei que Belinda
não está aqui. Ela nunca é silenciosa entrando nos lugares. Então,
consigo me soltar do braço em minha cintura, e meu coração
dispara ao me dar conta de que o tamanho era bem maior que o de
minha irmã mais nova.
“Oh, meu Deus! Alguém invadiu minha casa e abusou de mim
durante a noite”, penso, com pavor, e dou um salto da cama, quase
caindo no chão ao ter meus pés enroscados no cobertor. Meus
olhos se fixam na imagem de uma pessoa adormecida sobre meu
colchão, e eu recuo, implorando para que não tenha sido abusada
de alguma forma. Então, a pessoa se move na cama e começa a
tatear o colchão. Isso me permite ter uma visualização do que
parecer ser... uma mulher?
― Mãe! Pai! Cadê vocês? Socorro!
Começo a chamar pelos meus pais, em desespero, tentando
encontrar a porta para fugir, mas não consigo encontrá-la. Onde
está a porta do meu quarto?
Rapidamente, começo a olhar em volta e quase sofro um
ataque cardíaco, ao me dar conta de que não faço ideia de que
lugar é aquele. Um medo, nunca sentido por mim, toma conta de
todo o meu ser. Meu coração acelera de maneira absurda, e
começo a hiperventilar.
Fui sequestrada?
Onde estou?
Quem é essa mulher?
― Amor? — então, de repente, em meio ao meu surto, ouço
a voz da desconhecida. Não sei se quero encará-la, sinto que posso
matá-la caso ela se aproxime de mim. ― Por que está gritando e
girando pelo quarto? Nossa, parece que um caminhão me atropelou.
Estou toda dolorida da noite de ontem e com uma ressaca bizarra.
― Noite de ontem?
Pergunto-me, não sabendo dizer se falei muito alto ou
apenas sussurrei. Estou confusa, com medo e irritada. Vou perder o
horário da aula e não faço ideia de como me comunicar com os
meus pais.
― Sim, a noite de ontem começou de uma forma, mas
terminou de maneira deliciosa. Volta para a cama, ainda temos
tempo para mais uma rodada. Você acabou comigo, mas eu
aguento mais ― ela diz, com a voz ainda grogue de sono, e solta
uma risada que parece muito safada.
Meu estômago se embrulha de nojo. Eu acabei com ela noite
passada? Nem me lembro de ter aceitado vir para cá! Que droga
essa mulher me deu para me trazer até aqui? Fui dopada e abusada
por uma desconhecida.
Tomada pela raiva, resolvo finalmente enfrentá-la. Então, giro
em meus calcanhares, prestes a confrontá-la e talvez matá-la,
exigindo que me leve de volta à minha casa, onde eu poderia estar
protegida e chamar a polícia. Porém, toda a minha pose se desfaz,
tomada pela confusão, quando a reconheço:
― Luna? ― questiono, desacreditada, mas algo não está
certo. Ela parece diferente: seus cabelos não estão curtos, na
verdade, parecem bem longos e com a cor mudada, um tom bem
mais claro que o usual. Luna também tem alguns traços mais fortes
e algumas coisas em seu rosto, as quais parecem ser linhas
expressivas que somente pessoas mais velhas têm. Não faz sentido
algum. Seria algum parente dela? Oh, Deus.
― Camille? Por que está me olhando com essa cara? ― ela
questiona, parecendo confusa.
Sua resposta me faz confirmar que realmente é a idiota que
atormenta a minha vida. Queria socá-la com toda a força que existe
em meu corpo, quebrar todos os seus dentes, para fazê-la aprender.
Não acredito que, dessa vez, essa garota foi longe demais. Com
tudo isso em mente, caminho energicamente em direção à cama,
preparada para enchê-la de porrada. Luna me encara, parecendo
confusa, olhando-me como se eu fosse louca ou algo assim. Ela não
faz ideia do que sou capaz.
― Isso é algum tipo de piadinha imbecil? Está achando legal
me drogar, abusar de mim e me trazer para essa casa, que eu não
faço ideia de onde é?
― Camille, do que você está falando?
― Cala a boca, sua mentirosa!
Ela arregala os olhos com meu grito e parece assustada,
quando me vê com tanta raiva. Sem pensar duas vezes, dou um
salto sobre a cama, escalando o corpo dela, e a seguro pelos
ombros, pressionando seu corpo diversas vezes contra o colchão e
tentando estapeá-la.
― Para com isso, Camille. Isso ainda é sobre aquela ruiva?
Eu nem sabia que ela estava dando em cima de mim. Para!
― Eu. Vou. Matar. Você!
Estou ofegando, e ela medindo forças comigo para que eu
não consiga acertar nem um tapa sequer. Isso me deixa com mais
raiva ainda.
Depois de não sei quanto tempo, Luna inverte as posições e
segura meus pulsos sobre minha cabeça, com tanta rapidez que
mal consigo reagir. Minha cabeça gira um pouco mais, fazendo-me
quase vomitar. Eu deveria mesmo soltar tudo na cara daquela idiota,
para que ela aprenda a não fazer esse tipo de coisa com as
pessoas.
― Eu acho que extrapolamos na noite passada. Não
deveríamos ter bebido tanto. Estávamos agitadas demais, por causa
de tudo, acho que passamos do ponto ― Luna diz isso com extrema
calma, e eu diria que ela parece até mesmo estar se divertindo com
a situação.
Quão perturbada uma pessoa precisa ser para estar assim,
depois de dopar e sequestrar alguém?
― Passamos do ponto? Você me drogou, sua desgraçada,
eu vou te matar! ― esbravejo em seu rosto, e isso parece
desconcertá-la. Esse momento é raro, porque posso ver que
realmente consegui mexer com ela.
Luna faz uma careta confusa e afrouxa um pouco o aperto
em meus pulsos. Isso me dá espaço para empurrá-la de cima de
mim e conseguir sair da cama. Nesse instante, me dou conta de que
estou sem roupas, completamente nua, e meu rosto esquenta de
vergonha.
Será que nós duas fizemos...?
― Você está zoando com a minha cara, Camille? ― Luna
começa a falar com seu sotaque acentuado. Isso acontece quando
ela está com o humor oscilando. Na escola, sempre acontecia
quando ficava brava demais. Era impossível não notar quão
britânica ela poderia ser. Porém, eu deveria estar assim, não essa
idiota sequestradora de meninas inocentes.
― Brincando com você? Eu estou aqui, nessa casa, que não
faço ideia de quem seja ou onde seja, e você acha que estou
brincando?
― Como assim você não faz ideia de onde seja a nossa
casa?
― Nossa? Você ficou louca? Eu quero a minha casa, vou
ligar para os meus pais. Prepare-se, porque nem sua família de
advogados vai te salvar da prisão.
― Primeiro de tudo: você está na sua casa. Não tem motivo
algum para ligar para os meus sogros, pensei que estávamos bem.
Segundo: que conversa é essa de drogas? Está querendo dizer que
te forcei a beber ontem? Porque você é adulta, Camille, não posso
te proibir de nada.
― Do que você está falando, porra?
Tento interrompê-la, mas ela parece disposta a falar sem
parar, e continua:
― Você ligou para os seus pais? Eu não acredito que
teremos outra discussão sobre isso. Essa é sua casa também,
construímos juntas. Pensei que tínhamos nos acertado.
Ela está louca. Eu preciso sair daqui, antes que vire sua
prisioneira!
― Não sei que tipo de entorpecente está usando, mas não
construí nada com você. Só quero a minha casa, minha vida e que
você fique o mais longe possível.
― Por que está tentando me machucar dizendo essas
coisas? Foi só uma briga idiota. Você me disse que passaríamos por
tudo juntas.
― Você é lenta, garota? Eu nem te vi ontem, depois daquela
carona. Sabia que não devia ter aceitado aquilo.
― Carona? Do que está falando? ― ela questiona,
parecendo confusa, e eu, sem nenhuma paciência, me canso de
toda essa merda.
Olho em volta para encontrar minhas roupas, mas não vejo
nada que poderia vestir. Quando olho na direção daquela idiota e
percebo que está indo na minha, não penso duas vezes antes de
abrir a porta e sair dali. Ouço-a me chamar, mas finjo não ouvir.
Preciso descobrir uma maneira de sair desse lugar. Estou em um
corredor com três portas, duas de um lado e uma solitária do outro.
Ao longe, vejo algo que parecem escadas e rapidamente faço
menção de caminhar até lá, mas sou impedida por uma mão firme
em meu pulso esquerdo.
― Solta meu braço agora! ― ordeno, entre dentes, sentindo
que poderia agredi-la sem qualquer dificuldade, caso ela não me
ouvisse, mas felizmente, dessa vez teve decência de fazer o que
mandei. Diria outras coisas, mas sou impedida ao ouvir o som de
uma porta se abrindo no andar de baixo e, então, passos
apressados na escada.
― Mamãe!
Se eu estivesse em um desenho animado, esse seria o
momento exato em que minha alma sairia correndo do corpo.
Olho para baixo, em desespero, sabendo que estou
completamente nua, e agora os prováveis donos da casa chegaram
e me verão assim. Tento me virar para voltar ao quarto e pegar
algum lençol, mas um tecido felpudo envolve meu corpo, e noto que
Luna havia coberto meus ombros com um roupão vermelho.
― Não acho que sua nudez seja algo traumatizante, mas não
é correto nosso filho te ver assim. — Eu acho que abri tanto a boca,
ao ouvi-la dizer aquilo de maneira tão natural, que quase desloquei
a mandíbula. Como assim “nosso filho”? Do que essa louca está
falando? ― Carinha!
― Mãe!
Completamente estarrecida com toda a situação, viro-me
para olhar aquela cena em que uma Luna, devidamente vestida,
também, com um roupão, só que na cor preta, ajoelha-se para
cumprimentar um belo garoto de cabelos longos. Ele parece
bastante animado ao vê-la, mas eu ouvi “mãe”? Será que ouvi
certo?
― Seu parente? ― finalmente consigo perguntar quando
reencontro a minha voz.
Os dois fazem um toque ensaiado com as mãos e logo
voltam suas atenções para mim. Eu continuo paralisada no mesmo
lugar, tentando me lembrar de onde conheço essa criança. Vendo-o
de relance, ele se parece com Luna.
― Como assim “seu parente”, mamãe? Eu só fiquei um dia
fora, não mudei nada.
― Mamãe? Eu... Mamãe?
Sinto o mundo à minha volta girar completamente, ao ouvir
aquilo, e preciso me recostar na parede atrás de mim. Meu coração
acelera no peito e parece que o ar começa a me faltar. Estou tendo
um colapso nervoso, é real. Ouço vozes ao longe, mas não sei dizer
ao certo se realmente estou ouvindo coisas, porque a última coisa
de que me lembro é de sentir alguém me segurar, antes de cair no
chão.
O resto é um borrão.
Capítulo 1 – Sonho Louco
Quando acordo outra vez, parece que os sintomas anteriores
deixaram de existir momentaneamente, mas ainda estou me
sentindo enjoada. Meu corpo parece pesado e me sinto bem
indisposta, como se tivesse contraído alguma virose. Porém, nada
disso faz sentido quando me lembro de ter ido dormir bem.
Por Deus! Que sonho foi aquele?
Em toda a minha vida, tive alguns sonhos realmente
esquisitos, como na vez que eu era uma panda com chifre de
unicórnio e uma bunda gigantesca. Sim, eu sonhei com isso. Não
me lembro muito desse sonho em questão, mas o de ontem está
bem vívido em minha mente. Isso me apavora, porque imaginar
aquela situação me dá calafrios.
Suspiro longamente e abro os olhos, me arrependendo na
mesma hora quando uma luz me incomoda, me fazendo fechá-los
outra vez. Bendita Belinda, tenho certeza de que foi ela quem abriu
a cortina do meu quarto. Me resolverei com aquela idiota quando
conseguir me levantar da cama. Depois de algum tempo, finalmente,
consigo sair do colchão e caminho até o banheiro.
Que horas são agora?
Retiro minhas roupas e rapidamente abro o blindex.
Estranho, meu banheiro parece maior ― penso comigo mesma,
olhando, sem reparar muita coisa à minha volta, e não noto tanta
diferença. Mas algo está parecendo fora do lugar, só não percebi
ainda o que pode ser. Talvez minha querida gêmea tenha mexido
nas minhas coisas outra vez. Não seria a primeira, e tenho certeza
de que não será a última. Quando a água bate contra o meu corpo,
solto um gemido satisfatório. Nada melhor para relaxar os músculos
que um banho quente. De olhos fechados, estico minha mão para
buscar pelo meu sabonete, mas não o encontro no lugar de sempre
e, então, abro os olhos, surpreendendo-me ao não ver minha
prateleira. Na verdade, quando me viro, sou surpreendida por cinco
prateleiras de vidro repletas de produtos que não faço ideia de onde
vieram.
Será que meu pai andou fazendo as reformas dele por aqui e
eu não notei?
Disposta a continuar meu banho e depois ir atrás dele para
questioná-lo, ignoro tudo aquilo e pego um dos frascos de sabonete
líquido que ali estava. Coloco uma quantidade generosa de sabão
em minha mão e desligo o chuveiro para espalhar em meu corpo.
Como de costume, começo pela barriga, partindo dali para outras
partes do meu corpo. Estou distraída, me esfregando, quando noto
uma coisa que quase me faz soltar um grito de pavor.
Olho para baixo, querendo confirmar com os olhos o que
minhas mãos acabaram de sentir, e realmente tenho a resposta que
procurava. Que merda está acontecendo?
― Eu estou sonhando ainda. Isso só pode ser coisa da minha
cabeça.
Chocada, continuo olhando fixamente para o par de peitos
enormes que ostento nesse momento. Bom, eles não são realmente
enormes, mas em comparação aos meus, qualquer um pode ser
considerado gigante.
Dou de ombros e continuo meu banho. Em algum momento
irei acordar, mas não custa nada aproveitar, certo?
Errado.
Sem poder me conter, aperto meus novos peitos e, quando
estou prestes a gemer, ouço a porta do banheiro ser aberta. Por
instinto, solto os meus peitos falsos e me viro para descobrir quem
invadiu minha privacidade. Incredulidade não é o suficiente para
descrever como estou me sentindo agora, ao me deparar com a
maior idiota de todas.
Será possível que nem nos meus sonhos eu posso ficar em
paz?
― Está melhor?
― Luna! Que porra você está fazendo aqui? Eu estou nua,
será que não percebeu? Some daqui!
Ela me olha como se eu fosse louca. Há algo estranho em
seu olhar que, de certa forma, me incomoda, mas por que eu
deveria me importar? Eu a odeio, ela está me cercando de todas as
formas. Isso é tudo culpa da Belinda, por ter me dito que eu teria de
ver essa idiota durante minhas férias todos os dias. Enquanto
aquela imbecil continua me olhando, lembro-me de que estou sem
roupas na frente dela e rapidamente começo a tentar me cobrir da
melhor maneira possível. Sinto vontade de xingá-la, porém estou
morrendo de vergonha.
― Tudo bem, eu só vou deixar suas roupas aqui. Nós
precisamos conversar.
Derrotada ― e eu diria que até um pouco raivosa ―, ela se
vira e sai do banheiro antes que eu possa respondê-la. Não tenho
absolutamente nada para conversar com aquela esquisita. Eu
espero acordar em breve, para poder xingá-la na vida real por ser
uma idiota até mesmo no mundo da fantasia. Por qual razão estou
sonhando com essa garota mesmo?
Mesmo achando tudo aquilo muito estranho e sem entender
ao certo o motivo de ainda estar presa nesse sonho estranho, ao
invés de simplesmente acordar, eu volto ao meu banho. Mas dessa
vez não quero correr o risco de me tocar e, outra vez, ter a presença
indesejada daquela garota. Eu farei isso quando tiver privacidade o
suficiente.
Quando termino de me lavar, sinto-me muito mais relaxada.
E, enquanto me seco, olho em direção à bancada, onde a idiota
deixou um par de roupas limpas. Que curioso, nem minha mãe
separa minhas roupas para eu vestir. Essa garota consegue se
superar nas esquisitices cada vez mais, e estou começando a ficar
verdadeiramente preocupada com a sanidade dela.
Será que devo ligar para a polícia?
Meu rosto esquenta quando me dou conta do tamanho
minúsculo da calcinha que terei de vestir, e me pergunto se essa
lingerie é minha mesmo ou se a louca comprou para que eu vista.
Vou matá-la, se descobrir que tudo isso é um plano seu para me ver
usando essas coisas.
Ignorando a razão e disposta a confrontá-la e, finalmente, me
livrar desse cativeiro, termino de me vestir e a procuro. Olhando
brevemente em volta, me dou conta de que estou naquele mesmo
quarto. Então, sim, ainda estou sonhando.
Será que isso é mesmo um sonho ou Luna realmente me
sequestrou?
Eu preciso ir embora. Tenho de enfrentar a psicopata outra
vez e exigir que ela me leve embora daqui. Meus pais devem estar
desesperados.
Quando, enfim, saio do quarto, percebo que agora a casa
está silenciosa. Tanto silêncio me deixa desconfortável, pensando
que aquela maluca pode sair de qualquer lugar e me agarrar.
Reparando à minha volta, pergunto-me quem deve ser o dono ou
dona dessa casa. Será que Luna matou os antigos donos e agora
tomamos o lugar deles?
Tem algumas fotos pelas paredes, e noto que, por algum
motivo, eles parecem conhecidos, mesmo que eu nunca os tenha
visto em minha vida. Uma das pessoas na foto chama minha
atenção pela incrível semelhança com minha melhor amiga,
Vanessa.
BigBig[2] sempre pareceu ter mais idade do que ela realmente
tinha, mas agora parece demais. Será que é a tia Ana? Pode ser
uma das irmãs dela também, aquela família é enorme.
Dou de ombros e continuo analisando, então um homem me
chama atenção pela incrível semelhança com o irmão da Luna.
Porém, Noah não tem barba, muito menos é tão musculoso assim.
Ele está com dois meninos sobre seus ombros. Um parece muito a
criança que apareceu aqui mais cedo, e o outro me parece
conhecido, mas não faço ideia de quem seja.
Que porra de lugar é esse?
Tentando buscar uma explicação para tudo aquilo que está à
minha frente e acontecendo à minha volta, sinto meu coração quase
parar ao reconhecer uma menina. Mulher, na verdade. Não poderia
ser outra pessoa, eu reconheceria minha irmã mais nova em
qualquer lugar nesse mundo. Seus olhos pretos, como a noite, são
inconfundíveis. Mas como ela parece tão mais velha? Sofia tem
somente cinco anos.
Quem é essa cópia mais velha da minha irmã mais nova?
Estou realmente assustada agora. Se isso for um sonho, eu
preciso acordar. Será que fiquei presa em algum tipo de universo
paralelo e agora não consigo voltar? Nunca mais terei minha vida de
volta? Estarei para sempre presa nesse lugar com aquela
psicopata?
— Você prometeu que iria comigo ver as coisas do Toni. —
Ouço uma voz grossa no andar de baixo e sinto que essa é minha
chance de escapar daqui. — Não pode furar comigo, você sabe que
minha mulher vai me matar se eu não escolher coisas decentes.
Espera, esse é o Noah? Meu Deus! Essa é mesmo a minha
chance de ser salva!
Ao chegar, finalmente, ao andar de baixo e encontrar Luna
em frente a um homem alto, de costas, que parece estar esperando
uma resposta dela, fico confusa. Eu sei que é a voz do Noah, mas
aquele cara parado ali não se parece em nada com o garoto do
ensino médio de que me lembro.
— Noah? — chamo, curiosa e incerta sobre realmente ser ele
ou não, e quando ele se vira para mim, o mundo fica invertido na
mesma hora.
― Cunhadinha, boa tarde.
Ele vem em minha direção e me puxa para um abraço
apertado com aqueles braços musculosos. Não retribuo, por estar
assustada demais para ter alguma reação. Ele não parece se
importar, porque continua sorrindo quando volta a se afastar de
mim.
― Será que você pode convencer a sua esposinha querida a
me ajudar com a compra dos móveis para o quarto novo do Toni? O
afilhado de vocês e minha mulher irão agradecer se formos logo.
Principalmente ela. Queremos nossa privacidade de volta.
Mas de que merda ele está falando? Esposa? Minha esposa?
Esposa dele? Quando ele se casou? Quando me tornei madrinha de
alguma criança? Desde quando Noah tem barba?
— Que porra de brincadeira idiota é essa? — esbravejo,
fazendo-o saltar e me olhar, sem entender. Ouço Luna suspirar de
maneira pesada, mas estou ocupada demais, tentando entender
que porra de universo paralelo é esse. Esse é o sonho mais bizarro
que já tive. Será que eu vou conseguir acordar logo? Ou estou
mesmo presa em outro mundo?
― Era isso que eu estava tentando te contar, irmão − Luna se
pronuncia, e eu a fito na hora. Parecia perdida, encarando-me de
forma desanimada e confusa. Isso me irrita ainda mais. ― Camille
não está se sentindo bem hoje. Acordou estranha, e eu não sei o
que aconteceu.
― O que aconteceu?! Sua idiota, você me sequestrou e me
drogou! Foi isso que aconteceu! Eu vou te matar!
Tento avançar para cima dela, que se encolhe, surpresa com
minha agressividade, mas sinto braços firmes em minha cintura.
Noah está me impedindo de matar a irmã dele, e ela tem sorte de
ele estar aqui. Seus olhos verdes demonstram terror, e é bom
mesmo que ela esteja com medo, porque dessa vez eu sinto que
posso realmente matá-la.
― O que aconteceu? Como assim a Luna te drogou e te
sequestrou? — Noah parecia tão confuso quanto a imbecil. Eu só
queria entender qual era o problema deles dois. — Camille, por que
ela faria isso com a própria esposa? Isso é algum tipo de fetiche
sexual? Estão encenando ou algo assim?
Noah soa brincalhão, divertindo-se com toda aquela situação.
Eu queria poder estar da mesma forma, mas tudo isso está me
assustando. Luna nega com a cabeça, encolhendo os ombros, sem
nem esboçar um sorriso. Não é possível que todos à minha volta
estejam ficando loucos ou a louca possa ser eu mesma.
― Você também está brincando comigo? Desde quando sou
casada com aquela idiota ali? Eu a odeio!
Solto-me dele, completamente revoltada, nem sequer me
importando com a expressão aparentemente magoada de Luna. Por
que eles estão fazendo essa babaquice comigo? Eu só quero a
minha casa, minha vida longe dessa psicopata.
Noah olha para a irmã dele e depois para mim, fazendo esse
mesmo gesto duas vezes, dessa vez parecendo realmente confuso
com tudo o que está acontecendo. Ele se aproxima de mim
novamente, e o observo pegar minha mão esquerda e erguê-la na
altura de nossos rostos, deixando visível a chamativa aliança em
meu dedo anelar.
Mas como é que...?
― Eu não faço ideia do que está acontecendo, mas vocês
duas estão casadas há anos. Você disse sim milhares de vezes.
Ele diz, como se fosse óbvio, e meu estômago embrulha na
hora. Sinto que vou pôr tudo para fora e me afasto dele, mas ao
invés de vomitar, eu apenas apago outra vez, porque tudo fica
escuro. É como cair no sono repentinamente.
Lá vamos nós de novo.

Ouço um monte de vozes e não consigo identificar nenhuma.


Por que meu corpo parece pesar uma tonelada? Onde estou?
— Camille? Você pode me ouvir?
Eu abro meus olhos e pisco algumas vezes, para que minha
visão se acostume à claridade. Tento focar em alguma coisa e, em
questão de segundos, percebo que à minha frente tem um homem
vestido de jaleco branco. Será que me levaram para o hospital?
— Onde eu... — Sinto minha garganta doer e solto um
pigarro, ajeitando-me melhor na cama. — Onde eu estou?
— Você está no hospital — o médico responde, abrindo um
enorme sorriso. Ele é bonito, posso confirmar isso ao reparar melhor
em seu rosto. Porém, o ponto não é esse, quero saber se finalmente
acordei daquele pesadelo. — Eu sou o Dr. Charlie, ainda bem que
você acordou. Sua esposa não para de perguntar por você — ele
me informou, e eu travei meus dentes, soltando uma lufada de ar
pelas narinas. Será que até ele vai ficar com essa ideia de esposa?
Mas que inferno, pensei que finalmente tinha me livrado.
— Eu não tenho esposa nenhuma. Não tenho nem idade
para me casar. Nem cursei minha faculdade ainda. Além disso, nem
sei se quero me casar algum dia.
O Dr. Charlie me olhou, confuso, leu algo na prancheta em
suas mãos e depois foi para perto de mim. Ele começou a medir
minha temperatura com uma mão, enquanto eu estava tentando
entender tudo aquilo.
— Você está sentindo algo diferente?
— Não.
— Camille, me diz uma coisa... qual é a última coisa de que
você se lembra?
— Como assim? Quando eu acordei?
— Não, antes disso. Do que se lembra?
— Lembro-me de que fui me deitar, porque estava cansada e
muito irritada, pois teria que conviver minhas férias com uma louca
que eu odeio. Então, acordei e estava presa em um lugar paralelo,
onde as pessoas parecem mais velhas e insistem em dizer que
estou casada com aquela psicopata — falo tudo, quase sem
respirar, resumindo ao máximo toda a loucura que está
acontecendo. Esse, definitivamente, é o dia mais louco da minha
vida. Eu só quero ir para casa, quero meus pais, minhas irmãs
chatas. Nunca mais vou reclamar de nada, só quero tudo de volta
no mesmo lugar.
― Okay... — Dr. Charlie anota algo em sua prancheta e
depois se levanta. ― Eu vou chamar sua esposa e seus pais, acho
que precisamos ter uma conversa.
Eu o responderia outra vez que não sou casada com
ninguém, mas ao ouvi-lo mencionar meus pais, fico animada.
Finalmente, serei salva desse labirinto. Estou ansiosa para voltar à
minha casa.
Dr. Charlie abre a porta e chama tanto meus pais quanto a
psicopata. Primeiro, quem entra é Luna, e ela sorri, sem jeito. Fecho
a cara na mesma hora. Depois é a vez da minha... mãe? Por que a
senhora parece tão velha?
― Mãe?! ― questiono, horrorizada ao vê-la tão envelhecida.
Seus cabelos estão com um tom bem mais escuro de loiro do qual
me lembro. É claro que ela pode ter pintado, mas nada explica as
marcas de idade em seu rosto. Não a impeço de me abraçar,
mesmo estando confusa, e quando olho por cima de seu ombro,
tenho outro choque ao ver meu pai.
Desde quando o senhor Javier é grisalho?
― Mi hija, que bom te ver acordada. Você nos deu um baita
susto, sabia? Quando Luna me ligou, dizendo o que aconteceu, nós
ficamos desesperados. Ela parecia realmente preocupada e sem
saber o que fazer.
Minha mãe segura meu rosto em suas mãos, enquanto seus
olhos brilhavam por trás dos óculos de grau ― outra coisa que ela
nunca usou antes. Porém, apesar de tudo, os dois parecem felizes
ao me ver. Meu coração, finalmente, encontra um pouco de paz. A
única coisa que não faz sentido é: por que eles parecem tão
confortáveis perto da Luna?
― Não nos assuste assim outra vez, pendeja! ― Papai vai
até mim e bagunça meus cabelos. Eu ainda estou tentando
assimilar que meus pais envelheceram pelo menos uns dez anos
em uma noite só. Não faço ideia de como isso aconteceu, mas
todos parecem mais velhos.
― Senhor e Senhora Cruz, nós precisamos conversar sobre
o caso de Camille.
— É grave? ― meu pai questiona o Dr. Charlie, parecendo
preocupado e ansioso.
O médico lê algumas coisas nos papéis em suas mãos e
suspira. Agora, quem fica preocupada sou eu. Será que estou
morrendo?
— Existe alguma razão para ela estar assim?
— Senhora Cruz-Jacobs, com as informações fornecidas e
todos os exames que fizemos e ainda estamos realizando, cheguei
a algumas conclusões...
― Cruz-Jacobs? Como é que é? Por que está falando como
se essa psicopata tivesse o meu sobrenome? E vocês dois não
notaram que eu preciso sair daqui? ― explodo de repente, cansada
de toda essa palhaçada.
Meus pais parecem assustados, mas não reagem ao me
ouvir chamar a maluca daquele jeito. Se até mesmo eles estão
participando disso, deve ser algum programa de TV idiota. Nunca
achei graça nesse tipo de pegadinha.
― Camille, não fale assim da sua esposa. Que tipo de atitude
é essa? ― minha mãe está brigando comigo e me dando um olhar
severo. Mas como ela pôde dizer isso? Por quê?
― Pelo que estou vendo até agora, parece que estamos
presenciando um caso de amnésia a longo prazo ― ele diz aquilo
com uma seriedade que me faz ter vontade de rir. Esse ator é bom,
tão convincente que estou quase acreditando no que ele diz. ―
Tudo do que ela se lembra é de ainda estar no colegial.
― Eu estou no colegial! ― respondo, impaciente. Estou farta
dessa conversa idiota. Não me levará a nada, só quero que tudo
isso acabe e eu possa voltar para casa e esquecer o dia de hoje.
Todos me olham, parecendo horrorizados.
― Camille, em que ano nós estamos?
― Em 2000.
Minha resposta parece chocá-los ainda mais, e eu mantenho
minha expressão tediosa. Se eles acham que vão conseguir me
enganar com esse teatro, estão muito enganados. Não estou com
paciência para aturar gracinhas dos outros.
― Camille? ― Dr. Charlie me chama e vai em minha direção,
sacando algo de seu bolso. Tento identificar o que ele tem em mãos
e fico confusa ao notar o que pode ser. Parece um celular, mas os
celulares têm teclado e uma tela minúscula. De onde ele tirou esse
aparelho fino e sem teclas? ― Por favor, leia em voz alta que dia é
hoje.
— Dia primeiro de novembro de dois mil e dezesseis. Espera
aí, que droga está acontecendo? Por que você tem esse telefone
estranho e por que a data está errada? Que palhaçada é essa? Faz
parte do seu show?
— Camille, não tem nada de errado com as datas. Isso aqui
não é um filme, nós estamos realmente em 2016 ― Dr. Charlie diz,
com cautela, e parece preocupado com mais uma explosão minha.
Encaro um ponto qualquer à minha frente, enquanto tento
assimilar tudo, e, então, uma risada me escapa. Começo a
gargalhar com vontade, fazendo todos me encararem, confusos.
— Essa é a coisa mais idiota que eu já ouvi.
― Nós estamos em 2016, filha ― quem fala dessa vez é meu
pai, ou eu diria essa versão bem mais velha, com cabelos grisalhos,
que se assemelha incrivelmente a ele.
Olho, então, para minha mãe e noto que ela está abraçada a
Luna, enquanto parece chorar em extrema agonia, sendo amparada
pela louca, que também parece triste.
Que cena toda é essa? Eles devem ser atores.
― Vocês estão querendo me dizer que eu dormi durante
dezesseis anos? ― minha voz é sarcasmo puro. ― Ou melhor: que
eu me teletransportei para o futuro de alguma forma? Oh, meu
Deus! Chame a imprensa, muitos programas adoram essas
palhaçadas. Eles precisam saber disso.
Cuspo ironia, porque estou cansada de toda essa coisa,
dessas pessoas dizendo coisas que não são verdadeiras, enquanto
eu só quero voltar à minha rotina normal, ser uma adolescente e
odiar Luna com todas as minhas forças, pois é meu passatempo
favorito.
― A viagem no tempo ainda não é possível, mesmo nos dias
de hoje, com o avanço da tecnologia, Camille.
― Então, o que aconteceu com os dezesseis anos que se
passaram sem que eu visse?
O Dr. respirou fundo e olhou para os meus pais e para Luna,
antes de voltar a olhar para mim e responder, completamente sério
― tão sério que chegou a me arrepiar. Dessa vez, o sarcasmo me
fugiu, porque senti, de alguma forma, toda sua sinceridade:
― Eles sumiram da sua memória, você simplesmente não se
lembra de nada do que aconteceu nos últimos dezesseis anos.
Esse, com certeza, é o sonho mais louco que eu já tive.
Capítulo 2 – Encarando a realidade
Quantos pecados eu devo ter cometido em outra vida?
Estou sendo castigada, esta é a única explicação plausível. O
universo finalmente está me punindo por todos os erros das minhas
vidas passadas. Chegou a hora em que eu vou pagar pelos meus
pecados. Eu sabia que esse dia chegaria, mas não achei que seria
dessa forma. Estou finalmente tendo consciência de que essa é
mesmo a realidade e não uma brincadeira de péssimo gosto das
pessoas à minha volta.
Minha vida passou e eu nem aproveitei.
Puta merda! Perdi toda a adolescência e parte da minha vida
adulta. Por que logo comigo? Eu nunca fui uma pessoa ruim,
sempre respeitei meus pais. Por que receber esse castigo? Tinha
que ser justamente eu?
Se a vida é uma piada, comigo ela está sendo um stand-up
completo.
Existem tantas coisas das quais eu gostaria de lembrar.
Nesse exato momento, depois de tudo, estou aqui e continuo
paralisada, tentando assimilar todos os acontecimentos recentes.
Meus pais, Dr. Charlie e Luna conversam a alguns metros de mim,
tentando entender como isso aconteceu. Eu virei um tipo de análise
muito intrigante. Provavelmente, vão fazer diversos estudos na
minha cabeça para entender o que aconteceu.
Só consigo pensar em como infernos acabei me casando
logo com a idiota Luna Jacobs? Eu escolheria qualquer uma, e ela
nem ao menos entraria na minha lista. Definitivamente, não entraria.
Poderia até mesmo ter me casado com um homem.
Na verdade, pensando bem... eu preferia morrer solteira a ter
de me casar com um homem.
Mas voltando à idiota com quem me casei, nós nunca nos
suportamos. Como eu acabei me casando com esse ser? O que ela
fez para me convencer de tamanha loucura?
— Meu conselho é que a deixe viver sua vida normalmente.
Quem sabe se, ao conviver com a esposa e o filho, sua memória
não volta aos poucos? Eu sinceramente não faço ideia de como isso
aconteceu. Em meus vinte e oito anos de carreira, nunca ouvi sobre
algo parecido com o caso de Camille. É uma novidade, e tenho que
estudar todas as hipóteses.
Ah, pronto! Só me falta agora ele querer fazer estudos
comigo, como se eu fosse algum rato de laboratório. Céus! Estou
em um mundo desconhecido com pessoas que eu conheço, mas, ao
mesmo tempo, não conheço. Vocês conseguem entender o
tamanho dessa confusão?
Estou enlouquecendo.
— Será que vocês podem parar de falar de mim como se eu
não estivesse aqui? Estou sem memória, não invisível.
Não posso evitar ser rabugenta, mas acredito que vocês
conseguem entender o meu estresse com toda essa situação.
Embora eu ache difícil que alguém realmente entenda como é
simplesmente acordar, um dia, e saber que toda sua vida passou e
você não se lembra. Consegue se imaginar nessa situação? É
sufocante.
— Parece que o humor da adolescência voltou pra ela ―
mamãe brinca e, nesse momento, parece mais tranquila, o que, de
certa forma, me deixa aliviada. Eu, por outro lado, sinto que posso
ter um colapso a qualquer momento.
— Mi hija. — Papai vai até mim e eu suspiro, cansada. Só
quero ir para casa, quero minha cama. Será que ela ainda existe?
Quero todos os meus estresses de volta. Posso apenas voltar para
onde parei? — Quer ir embora?
— Óbvio ― resmunguei, cruzando os braços, pois achei que
fosse óbvio que eu quisesse ir para casa.
Dr. Charlie sussurra algo para Luna, mas eu nem me dou ao
trabalho de ouvir. Quanto menos eu me envolver em tudo isso,
melhor para mim. Não faço a mínima questão de saber sobre nada
relacionado a essa idiota! Eu só quero a minha casa, a minha vida
sem graça. Só quero dormir e me lembrar de tudo o que esqueci...
Ou melhor, não. Eu sou casada com Luna Jacobs! Não quero me
lembrar desse desgosto. O que fiz para merecer esse castigo? Será
que cometi tantos pecados assim?
— Doutor, o que poderemos fazer? Ela vai precisar de algum
tratamento?
Eu não quero prestar atenção em tudo isso, mas preciso,
afinal é a minha vida que está sendo comentada. Bom, em partes, é
a minha vida. Tudo é muito confuso, parece um filme malfeito, a vida
que eu não vivi. Poderia mesmo virar alguma coisa no cinema, e o
título seria: O drama de Camille, uma adolescente desesperada.
Espere... Eu sou adulta, me esqueci desse detalhe. Perdoem-
me.
Seria assim, então: O drama de Camille, a adolescente presa
em um corpo de adulta e casada com uma psicopata.
— Ela vai precisar, sim, fazer outros exames que vou pedir,
mais detalhados, para tentarmos entender a condição atual dela.
Por hora, a única coisa que posso aconselhá-los a fazer é deixá-la
voltar à sua rotina normal, pois ainda não sabemos se essa perda
de memória é temporária ou se ela nunca mais se lembrará desses
anos que esqueceu.
Ah, que ótimo!
Voltar à rotina normal significa viver sob o mesmo teto que a
idiota? Não mesmo, eu prefiro não me lembrar de nada e ficar com
meus pais. Morar com ela é que eu não vou, me recuso a ter de
passar por isso.
Infelizmente, minha mãe não parece nada feliz com essa
ideia, e quando dou a entender isso, recebo uma resposta
extremamente seca. Quero saber por que logo ela está querendo
me aprisionar nesse casamento sem sentido.
— Camille, nós estamos tentando fazer o melhor para você.
O doutor disse que isso talvez a ajude a recuperar sua memória. O
que custa voltar para casa com sua esposa? Você a ama tanto.
Isso já é demais para mim.
— Não, mãe! Não fala isso nem de brincadeira. Eu não sou
casada com ela e não a amo. Eu odeio Luna Jacobs com todas as
minhas forças! Isso é uma piada sem graça de algum universo
paralelo ― perco completamente minha paciência outra vez,
cansada de ouvir todas aquelas coisas. Não suporto a ideia de
conviver com Luna, imagina pensar que me casei com ela e que
todos à minha volta estão dizendo que eu a amo.
É simplesmente impossível.
Meu peito sobe e desce, e mamãe me olha, surpresa com
minha explosão, negando com a cabeça. Com certeza, está
desapontada, mas eu quero que ela entenda o meu lado.
Ouvimos um pigarro, então olho para trás. Sinto-me como
uma criança travessa sendo pega no flagra. Papai está ao lado
daquela idiota, segurando-a por cima dos ombros. Luna me olha
como se eu fosse algum tipo de monstro, não sei. Parece com
medo. Não a conheço para identificar seus olhares, mas esse,
definitivamente, não é um olhar feliz, porém também está longe de
ser um olhar raivoso. Será mágoa? Odeio admitir que esse olhar
está me deixando mal de verdade, mas realmente está. Parece que
ver Luna assim me afeta diretamente. Eu sei que não tenho
sentimento algum por ela, além de ódio, mas nunca fui insensível a
ponto de não ter empatia. Talvez esse sempre tenha sido um
problema meu: preocupar-me demais com todo mundo.
Papai diz algo em seu ouvido, parecendo encorajá-la ou
acalmá-la. Bem, eu não me importo realmente. Luna ouve tudo e
concorda com a cabeça, virando-se para sair do quarto, mas não
sem me dar uma última olhada.
Ela simplesmente não consegue parar de me olhar, e isso é
desconcertante, para ser sincera. Principalmente porque não existe
aquela superioridade com que estou acostumada. Há alguma coisa
diferente ali.
Sinto-me mal, confesso, e piora ainda mais quando meu pai
olha para mim e sua expressão me dá medo. Encolho meus
ombros, sentindo-me minúscula. Quando era mais nova, meu pai
quase nunca brigava comigo e com minhas irmãs, mas seus olhares
eram suficientes para nos deixar com medo.
— Precisava mesmo dizer todas essas coisas, Camille? ―
repreendeu-me de uma forma que nunca havia feito antes. Como eu
disse, papai nunca gritava, porque não era preciso. — Luna já
assinou sua alta. Você vai para sua casa, sim, e não se fala mais
nisso. Nem adianta choramingar. Quer agir como criança? Então,
irei te tratar como tal ― ordenou com a voz firme, deixando claro
que não existia alternativa a não ser obedecê-lo.
Mamãe não me olha com raiva, mas dá para ver em seu
rosto que nada disso a deixou feliz. Para ser sincera, ela parece
bem decepcionada, e isso me mata por dentro. Eu odeio
decepcioná-la.
Com os braços cruzados e de cabeça baixa, passo pelos dois
e saio do quarto sem olhar para trás.
Eu gostaria de me lembrar de tudo, pelo menos as coisas
seriam mais fáceis.
Meus pais ainda demoram um pouco, conversando com o Dr.
Charlie para saber melhor sobre minha condição. Parecem
empenhados em me ajudar na recuperação. Eu também quero me
recuperar o mais rápido possível.
O médico nos indica uma psicóloga, dizendo que ela pode
me ajudar. Bom, toda ajuda é bem-vinda nesse caso, certo?
— Mamãe? ― chamo quando eles se despedem de mim,
aproveitando que ainda não tinham entrado no carro. Ela para e me
observa, então aproveito o momento para ir em sua direção. —
Tenho mesmo que ir para a casa da Luna? Eu não a conheço
direito, me sentirei estranha.
— Camille, nem ouse começar com essa história.
— Mas, mãe...
— Estou falando sério com você, Camille! ― ela me
repreende, me fazendo bufar. Será que agora meus pais brigariam
comigo sempre por causa dela? — Você pode ter perdido a
memória e não se lembrar dela, mas aquela mulher ali ― disse e
apontou em direção ao outro lado do estacionamento, onde Luna
mexia em algo no porta-malas de seu carro — ama você mais do
que tudo e move montanhas, se for preciso, para te ver feliz. Ela
nunca te abandonou em momento algum. Sempre lutou por vocês.
Será que você pode, ao menos, tentar ser amigável? Não desconte
nela as mágoas do passado, muita coisa mudou.
Meus olhos não saem de Luna. Eu presto atenção ao que
minha mãe está falando e tento, de alguma forma, encontrar essa
Luna tão boa que todos parecem adorar. Eu não a conheço, tudo o
que me lembro é que ela consegue ser a pessoa mais nojenta e
idiota da Terra e que eu gostaria de matá-la. Minha mente cria um
bloqueio quando tento vê-la como uma mulher legal.
Suspiro, desviando meu olhar.
— Dê uma chance a ela, filha. Luna não é má pessoa ― meu
pai completa a fala de minha mãe, mas eu não respondo nada,
apenas suspiro outra vez.
— Será que posso ao menos voltar com vocês? Eu me
sentiria mais confortável assim.
— Claro, hija. — Papai me puxa para seus braços,
abraçando-me brevemente, e sinto-me melhor com esse afeto. Ao
menos ele não está mais bravo. — Será bom mesmo irmos até lá,
estou com saudades de Louis.
— Quem é Louis?
— Seu filho ― mamãe responde, com um enorme sorriso. —
Você irá amá-lo.
Filho?
Meu Deus, ainda tem mais essa responsabilidade.
Durante o caminho do hospital até aquela casa que não
conheço, mas que aparentemente é onde moro atualmente,
converso com os dois para tentar saber melhor as coisas. Meus pais
dizem que sou completamente apaixonada por aquela casa, e posso
ver o porquê disso. Quando paramos em frente a ela, só consigo
suspirar e admirá-la. Parece que a idiota e eu nos demos bem na
vida. Noto que em frente à casa tem um carro grande, na cor preta.
É bonito. Imediatamente, busco em minha memória e lembro que é
o mesmo carro que Luna estava usando mais cedo.
Ela tem bom gosto.
Bem, ela realmente tem. Não por acaso, casou-se comigo.
Já não posso dizer o mesmo sobre mim, afinal me casei com
ela.
— Não seja rude com seu filho. Será que você consegue?
Ele não tem culpa de nada e é completamente apaixonado por você
― papai diz assim que descemos do carro. Sua expressão está
completamente séria, e ele parece bem irritado ao imaginar que eu
possa tratar mal o seu neto. Nem tive tempo de respondê-lo,
demorou apenas segundos para ouvir uma voz de criança, e logo o
garoto estava em seu colo, abraçado a ele.
Eu sorri. Era adorável de ver.
Não vou ser hipócrita de dizer que não sinto meu coração
acelerado com essa cena, porque é nítido que os dois se amam
muito. Louis parece amar seu avô, e isso me deixa triste durante
alguns segundos, porque me dou conta de que não me lembro de
tê-lo gerado. Não sei qual foi a sensação de segurá-lo pela primeira
vez nem como foi a alegria de finalmente ter um filho. Eu gostaria
tanto de me lembrar disso, não vou mentir.
— Vovó! ― ele exclama quando meu pai o solta, correndo em
direção à minha mãe e abraçando suas pernas. — Senti saudade.
Meu coração parece que vai rasgar meu peito e saltar para
fora. Ele parece mesmo amar meus pais, e é um sentimento mútuo.
Isso me afeta de um jeito bom. Apesar de tudo, acredito que a
presença dele fará muita diferença nessa minha nova rotina.
— Senti saudade também, pequeno príncipe. ― Ela se
abaixa para beijá-lo na bochecha e sussurra algo em seu ouvido.
Só então ele olha para mim, e quando seus olhos claros se
encontram com os meus, eu sinto como se tudo à minha volta
tivesse sumido. Um turbilhão de sentimentos bons toma conta de
mim, e sinto vontade de chorar, de correr para segurá-lo em meus
braços e não soltar mais. Meu coração parece um tambor.
— Mamãe!
Ele corre em minha direção com os braços abertos: um claro
sinal para que eu o pegue no colo. Não hesito, nem ao menos
ligando que ele possa não ser tão leve quanto aparenta, porque ele
não é tão pequeno assim, mas sua estrutura física não é tão
corpulenta. Quando seus braços envolvem meu pescoço, tenho de
ser muito forte para não chorar ali mesmo. É o abraço mais sincero
que já recebi em toda a minha vida.
Olho de relance para os meus pais e os pego admirando a
cena, parecendo alegres ao me ver dando carinho ao pequeno. Que
sensação gostosa dentro de mim. Ele não para de falar e gesticular
da mesma forma que vi Luna fazer mais cedo. Era claro que os dois
se pareciam, não somente na aparência ― e isso me assusta
bastante, porque, apesar de saber que o gerei, parece que ela teve
alguma parte nisso.
Eu ouço tudo e sempre o abraço quando tenho oportunidade.
É bom demais. Mães se sentem assim quando abraçam seus filhos?
É normal sentir o coração inflar apenas com esse contato?
— Foi divertido? ― questiono, demonstrando bastante
interesse em sua história. Ele está me contando que Luna o tinha
levado a um fast-food depois de buscá-lo na escola.
— Muito! Mamãe me deixou escolher dois lanches, e eu
ganhei o Finn e o Jake.
Eu devo estar com a expressão mais idiota no rosto,
completamente admirada com aquele ser humano pequeno, falando
mais do que tudo, sem parar. Mamãe sempre diz que eu era
exatamente dessa forma quando pequena. Dá para entender de
quem ele puxou esse jeito elétrico.
— E que tal se você for tirar essa roupa e tomar um banho?
Depois prometo que vamos brincar com seus novos brinquedos ―
falo ao colocá-lo no chão.
— Oba! ― ele comemora e sai correndo, passando em
disparada por todos e entrando em casa.
O sorriso não some do meu rosto, e tenho certeza de que o
amarei outra vez com facilidade. É impossível olhá-lo e não sentir
carinho imediato.
— Vamos entrar? Eu vou preparar um café para todos nós ―
Luna convida meus pais, e acredito que a mim também, com um
enorme sorriso em seu rosto. Fico surpresa que ela pareça
educada.
Ela parece outra pessoa.
Bem, Camille, vocês não estão mais no colegial. Ela é outra
pessoa.
Espero que seja alguém melhor, caso contrário nossa
convivência será péssima.
Ainda não consigo acreditar que me casei com ela.
— É isso, Camille. Bem-vinda à sua nova vida ― sussurro
para mim, enquanto acompanho os três à minha frente.
Capítulo 3 - Egoísmo
Sabe quando sentimos nosso coração aquecido de alguma
forma? É assim que me sinto com meus pais. Eles parecem estar se
divertindo, enquanto preparam o jantar. Fico muito feliz ao constatar
que entre eles nada mudou. Mesmo com o passar de tantos anos,
seu amor mútuo ainda parece o mesmo. O relacionamento deles
sempre foi minha inspiração, desde pequena, e eu desejava ter um
casamento tão feliz quanto o dos meus pais.
Será que meu casamento com Luna é assim? Ou ao menos
chega perto disso?
Não acredito que estou pensando sobre isso, mas estou
curiosa. Duvido muito que teria me casado com essa mulher e
passado tanto tempo ao seu lado por comodismo ou apenas por
causa da criança que temos juntas. Nosso casamento tem de ter
sido, no mínimo, feliz. Surpreende-me que eu tenha passado tanto
tempo com ela sem pedir o divórcio.
Volto à realidade e saio de meus pensamentos quando sinto
um puxão em minha blusa, seguido de uma voz adorável ao fundo.
Meus olhos encontram aquele pequeno garoto, lindo, com seus
olhos verdes e enorme sorriso. Acho incrível como ele tem traços
meus e dela, chega a ser assustador. E eu não faço ideia de como
isso é possível.
— Oi, pequeno. ― Sorrio para ele, nem me importando com
seu peso ao trazê-lo para meu colo. Louis parece adorar isso,
agarrando meu pescoço com um forte abraço aconchegante. Eu
ainda não sei explicar como realmente me sinto sabendo que sou
mãe, mas essa criança, de alguma forma, parece me dar esperança
de dias melhores.
— Sinta, mamãe. Estou muito cheiroso — ele diz ao se
afastar, inclinando sua cabeça de lado para que eu possa inalar o
cheiro em seu pescoço. Quando inalo aquele aroma, é como se eu
estivesse vivendo algum tipo de déjà vu. Lembro-me bem daquele
cheiro, parece bastante o perfume que eu costumava usar quando
mais nova. Sempre foi meu favorito.
— Mmmmm... Está cheiroso mesmo.
— Estou usando seu perfume favorito. Minha mãe comprou e
me deu de presente.
Eu sabia que conhecia esse cheiro.
Levanto as sobrancelhas, surpresa que Luna saiba disso,
mas era de se esperar, afinal estamos juntas há muito tempo. A
convivência faz com que conheçamos as pessoas, certo? Eu
acredito que ela saiba e se lembre de muita coisa. Eu invejo sua
memória, gostaria de ter a minha também. É triste.
— Sua mãe fez uma ótima escolha — digo a ele, e o sorriso
não sai do meu rosto.
Sinto como se alguém estivesse me encarando e olho em
volta, deparando-me com Luna de pé, com o ombro encostado na
parede, observando-nos. Seus cabelos estão úmidos e penteados
para trás, jogados de qualquer forma. Um cheiro de banho recém-
tomado toma conta do ambiente, e ela exibe um enorme sorriso em
seus lábios, parecendo bem feliz ao me ver interagindo com nosso
filho.
É estranho demais pensar que sou casada e tenho um filho.
Ainda me sinto como se tivesse dezesseis anos. Tudo isso é surreal,
e vai demorar para me acostumar.
Desvio meu olhar dela e volto a dar atenção a Louis. Ele está
animado e não para de falar sobre seu dia na escola. Disse também
que está muito animado para o Natal. Presto atenção em tudo o que
ele diz, com meu coração disparado. Essa sensação de amá-lo é
muito boa, e não mudou mesmo com a falta de memória. Seguirei o
conselho do Dr. Charlie e tentarei viver minha vida da forma mais
normal possível. Quem sabe, assim, minha memória resolve voltar?
Luna resolve se juntar a meus pais e ajudá-los com o jantar.
Quando passa por nós, dá um beijo na testa do pequeno e depois
sai. Eu continuo ali, com Louis.
O resto da noite passa de forma tão natural, nada parece fora
do lugar, e perceber isso é tão estranho quanto foi acordar nua ao
lado da idiota, essa manhã. Quem olhasse de fora nossas
interações, confirmaria que somos uma família feliz.
Mas eu não me sinto ligada a eles, digo... a ela.
O jantar estava delicioso, e meus pais não pouparam elogios
ao tempero de Luna. Mamãe fez questão de elogiá-la o tempo
inteiro, frisando quão boa cozinheira e mãe exemplar ela é. Isso me
deixou ainda mais curiosa para conhecê-la. Meus pais parecem
mesmo amá-la demais. Eles se dão bem, é nítido. Só quero me
lembrar de como tudo aconteceu para chegarmos até aqui, como as
coisas se encaixaram dessa forma. Só quero saber como nós
chegamos a esse ponto da nossa vida, como tudo começou entre a
gente, quando surgiram os sentimentos. Cada detalhe. Quero saber
de tudo, para que eu possa entender o que me fez amar Luna
Jacobs.
Infelizmente, meus pais tiveram que ir embora, alegando que
sairiam cedo para seus respectivos trabalhos — embora tenha
parecido uma enorme mentira para que pudessem nos deixar
sozinhas. Mas eu não podia fazer nada para segurá-los ali. Os dois
têm suas vidas, não sou mais responsabilidade deles. Quando os
levo até a porta, eles se juntam para dizer, como se tivessem
ensaiado juntos, o pequeno sermão:
— Não seja rude com Luna. Ela não tem culpa de nada,
muita coisa mudou entre vocês duas. Permita-se ver isso.
“Muito legal, família. Será que podem explicar isso para o
meu cérebro? Ele está com defeito. Tudo o que lembro é de odiá-la.”
Claro que apenas penso isso, não quero dizer em voz alta, correndo
o risco de levar uma bronca dos dois. Além do mais, nunca os
desrespeitei para ficar de deboche assim. E eles parecem enormes
fãs de Luna Jacobs, eu não posso competir com isso. Então,
contrariando minha pessoa sarcástica, apenas concordo e me
despeço deles.
Espero que o carro vire a esquina e deixo um suspiro
escapar. Preciso me acostumar com tudo isso. Essa é minha vida e
tenho que lidar com ela.
Quando entro em casa, ouço o barulho de televisão na sala e
vou até lá para saber quem está assistindo. Minha primeira
impressão daquele espaço é de admiração: tudo muito bem
decorado, espaçoso e de ótimo gosto. Parece que vivemos mesmo
bem, afinal. Não é repleta de luxo, mas são coisas de qualidade.
Louis é quem está na sala, deitado em uma posição nada
convencional: de bruços, com o quadril erguido e os joelhos
dobrados, com seus olhos verdes fixos na televisão. Será que ele
sempre fica assim? Essa não parece uma boa posição para se
assistir à televisão. Mesmo com vontade de questioná-lo sobre
aquela posição, o barulho de pratos na cozinha chama a minha
atenção e, com uma dose extra de coragem, caminho naquela
direção. Sei que preciso conversar com ela, conversar sobre a
nossa vida e entender melhor como tudo isso aconteceu.
— Oi… — minha voz não sai tão alta quanto eu gostaria,
estou sem jeito e com receio. Luna ouviu tanta coisa de mim hoje,
sendo praticamente humilhada e esnobada. Estou realmente
envergonhada por ter que enfrentá-la cara a cara agora, sem a
presença de outras pessoas.
Ela para de esfregar o prato em suas mãos ao ouvir minha
voz, erguendo um pouco sua postura. Olha-me por cima do ombro,
e eu espero que seu olhar seja duro, mas, contrariando-me, ela
parece surpresa e abre um pequeno sorriso. Suas bochechas
cheias deixam-na adorável, e o cabelo preso em forma de rabo de
cavalo lhe dá uma aparência mais jovial. Luna não é velha, mas
claramente está diferente do que eu me lembrava. Afinal, só me
lembro dela adolescente e prepotente.
— Oi, você...
Ela parece tímida e retraída, e percebendo isso, eu abro um
sorriso para tranquilizá-la. Seus olhos me acompanham, enquanto
vou em direção à mesa. Preciso me sentar, se quero ter alguma
conversa com ela. Luna continua na mesma posição, esperando
que eu diga alguma coisa. Como devo me comportar com minha
esposa, que na minha mente ainda não suporto, mesmo com todos
à minha volta dizendo que a amo?
— Tudo bem? — pergunto.
— Uh... Sim... Sente-se melhor?
Nego com a cabeça, e ela suspira. É a verdade, não me sinto
mesmo bem, depois de tudo.
— Eu lavei alguns morangos e os coloquei nesse pote com
cobertura de chocolate — ela continua. — Você quer um pouco de
coco ralado por cima para acompanhar?
Meu rosto é uma completa confusão. Na verdade, toda a
minha pessoa é uma confusão nesse momento. Não me lembro de
ter pedido isso a ela, mas pode ser a sobremesa.
— Sobremesa?
Ela termina de lavar o que parece ser o último prato, pega um
pano sobre a pia, para secar suas mãos, e se vira de frente para
mim. Estou encarando-a, esperando alguma resposta. Sinto-me tão
desconfortável em sua presença, por não saber ao certo o que dizer
ou não fazer ideia do que poderá sair de sua boca. Minha vontade é
atacá-la o tempo inteiro, mesmo sabendo que não devo.
— É difícil me acostumar com você assim — ela diz, como se
fosse uma confissão ou desabafo, e suspira, colocando o pano no
mesmo lugar em que o havia pegado. — Geralmente, você gosta de
comer alguma fruta depois do jantar. Eu sempre levo para você na
sala, pensei que estaria lá. Levaria para você — ela esclarece,
falando de maneira natural, embora o sorriso em seu rosto revele
que está tímida.
Eu apenas balanço a cabeça em entendimento, esticando-me
para pegar o pote redondo e verde à minha frente. Olho para dentro,
e os morangos parecem bem apetitosos, o que enche minha boca
de água. Quando provo um deles, é impossível não gemer de
satisfação.
— Mmmmm... — Fecho os olhos, apreciando aquele gosto.
— Estão... deliciosos.
Volto a comer, devorando boa parte dos morangos em
questão de segundos. Ao que parece, o meu apetite ainda é
enorme, não consigo comer pouco. Lembro-me de que fui parar no
hospital mais de uma vez por ter passado dos limites. Meus pais
sempre brigaram comigo por causa disso. Mas o que posso fazer?
Comer é divino.
Luna não tira seus olhos de mim, observando-me, enquanto
devoro aqueles deliciosos morangos. Ela parece se divertir, posso
jurar que a ouvi dando algumas risadas. Mas eu não poderia me
importar menos, minha prioridade é comer.
— Mais? — ela questiona, e eu paraliso na hora, me dando
conta do que estou fazendo, lambendo o pote em que antes
estavam os morangos. Minha mãe me daria uma bronca se me
visse fazendo isso.
Sinto meu rosto esquentar de vergonha. Nem percebi que
estava agindo dessa forma mal-educada. Coloco lentamente o pote
vazio sobre a mesa, recusando-me a olhá-la. Estou completamente
sem graça. “Que bonito, dona Camille. Seus pais adorariam vê-la
agindo como uma adolescente mal-educada”. Eu preciso aprender a
me comportar como uma mulher adulta, mas é tão difícil.
— Estou satisfeita — minto, é claro. Gostaria muito de pedir
mais, talvez comer cada morango que tivesse nessa casa. Mas eu
tinha acabado de extrapolar os limites da falta de educação, não
queria dar mais motivos àquela mulher para que ela ficasse rindo de
mim.
Luna não diz nada, apenas recolhe o pote, assim como a
colher, e só então noto quão pálida ela está. Todos esses anos
morando em Miami e essa mulher ainda se parece com uma
enorme vela humana.
— Isso é tão engraçado — ela diz entre risadas, e isso me
deixa irritada.
— O que é tão engraçado, idiota?
Como nas vezes anteriores, ela se retrai e não rebate minha
grosseria. Os anos deixaram-na frouxa. Por que ela não retruca o
que eu falo, como antigamente?
— Nada... — Ela termina de lavar o pote e a colher,
guardando-os no escorredor. — Só é engraçado vê-la sem jeito. Eu
nem me lembro de qual foi a última vez que a vi agir assim.
Meu rosto se contorce em confusão. Esperava, na verdade,
que ela dissesse que eu tinha passado vergonha ao agir como uma
criança esfomeada, ou algo assim, mas, outra vez, lá está ela, me
surpreendendo com toda sua postura madura.
— Eu sempre fui tímida. — Luna nega com a cabeça,
deixando-me confusa. — Não?
— Você foi, durante a sua adolescência. — Ela segura a
borda do balcão, onde está instalada a pia, e o seu olhar é
nostálgico. Parece estar se lembrando de algumas coisas. — Isso
só durou até você terminar o colegial. Depois disso, na faculdade,
você se tornou outra, mais confiante e cheia de atitude. Dificilmente
desviava o olhar de outra pessoa quando era encarada.
Eu coloco meus cotovelos sobre a mesa, inclinando-me um
pouco para a frente. Estou curiosa para saber um pouco mais sobre
a mulher que me tornei. Sei que mudei totalmente, e ela também.
Luna está completamente diferente do que costumava ser: nada
arrogante e até mesmo tímida. Nesse momento, ela está encarando
a mesa, com uma mão em sua nuca. Luna sempre foi prepotente e
cheia de si. É estranho vê-la dessa forma: calma e calada.
— Você pode me dizer como foi...
— Mamãe!
Eu iria perguntar como nós duas começamos a nos dar bem,
mas o chamado de Louis me interrompeu. Poderia ter ficado irritada,
claro, porém me lembrei da posição desconfortável na qual ele
estava deitado, e algo despertou dentro de mim: preocupação.
Será que tinha se machucado? Eu sabia que ele não deveria
se deitar daquela forma.
Levanto-me rapidamente, chegando à sala antes mesmo de
Luna. Ele continua na mesma posição e está coçando um de seus
olhos, sonolento.
— Você está bem? — questiono, preocupada, ao me abaixar
perto dele.
Na mesma hora, um sorriso nasce em seu rosto. Olhando
mais de perto, com atenção, posso ver que ele tem adoráveis
sardas por suas bochechas e que o sorriso dele lembra bastante o
de Luna. Parece da época em que ela tinha os dentes da frente um
pouco maiores que o normal. Como é possível que eles se pareçam
tanto?
— Cadê a mamãe?
— Estou aqui — ela responde antes mesmo que eu possa,
sentando-se ao lado dele, e Louis boceja brevemente, apontando
para a televisão.
— Começou Hora de Aventura. Lembra que a senhora disse
que assistiria comigo?
Fico intrigada. Ele está claramente caindo de sono, mas
lutando para ficar acordado e assistir à televisão com ela. Isso me
surpreende. Eles se adoram, ela deve ser mesmo uma boa mãe.
Louis é claramente apaixonado por ela, nem foi preciso conviver
muito com eles para ter certeza disso. Pelo menos como mãe, Luna
parece estar fazendo um excelente trabalho.
— Eu me lembro, sim — ela responde, antes de levá-lo para
seu colo. — E você lembra quantas vezes a mommy disse para que
você não se deite assim, pois faz mal à coluna?
Ele se encolhe nos braços dela na mesma hora,
demonstrando saber que tinha feito algo errado. Eu sou a mommy[3],
certo? Sabia que algo naquela posição não havia me agradado.
— Desculpe, mamãe.
Como eu poderia não o desculpar?
Pergunto-me se existe alguma forma de brigar com essa
coisa fofa. Será que eu sou a mãe que manda, e Luna, a legal, que
encobre tudo? Não acredito que sou a mandona da casa.
— Tudo bem, anjo lindo — chamo-o por um apelido, porque
não me sinto confortável para chamá-lo de filho ainda. Eu não faço
ideia se tenho o costume de chamá-lo pelo nome.
Como um reflexo, olho para Luna e noto que nenhum dos
dois estranhou. Talvez eu o chame dessa forma mesmo sempre. Ele
tem seu olhar fixo na televisão, assim como ela, e os dois parecem
entretidos.
Eu poderia deixá-los ali e ir para o meu quarto, tentar dormir
ou talvez passar a noite relembrando tudo o que aconteceu no dia
de hoje, mas não o faço e continuo ali, fazendo companhia aos dois,
e isso parece deixá-los animados.
Luna tenta disfarçar, mas, por diversas vezes, eu a vejo com
um enorme sorriso nos lábios. Ela parece gostar de mim de
verdade, mas não a suporto. Não consigo imaginar como pude me
apaixonar por ela. Quero muito entender nossa relação e saber de
tudo o que aconteceu entre nós. Como ela conseguiu me conquistar
a ponto de chegarmos ao casamento e termos um filho juntas? Não
é pouca coisa: um filho, casamento... Uma vida juntas. E um filho
que eu gerei. É surreal demais imaginar isso, nunca tinha cogitado a
possibilidade de ficar grávida. Lembro-me bem de que, quando
descobri ser lésbica, ao me imaginar casada, nas minhas fantasias,
quem engravidava era minha esposa.
Realmente, muita coisa mudou em todos esses dezesseis
anos.
Louis acabou adormecendo no sofá, e Luna decidiu levá-lo
para o quarto. Eu aproveitei esse momento para ir até o meu. Fiquei
em dúvida sobre qual era minha escova de dentes, mas arrisquei na
azul. Sei que essa sempre foi minha cor favorita, então
provavelmente deveria ser essa a minha. Tomei um rápido banho
antes de voltar para o quarto. Sentia um pouco de sono e mal podia
esperar para apenas dormir.
Por falar em dormir, uma coisa me preocupa muito: onde
Luna vai dormir? Sei que somos casadas e devemos dormir juntas
todas as noites, mas não quero dividir uma cama com ela. Só de
pensar nessa possibilidade, eu quero morrer.
Tentando não pensar tanto nisso, deito-me na cama. É muito
confortável. E podendo observar o quarto todo dessa vez, dou-me
conta de como ele é bonito e bem decorado. Bom gosto é o que não
falta nessa casa.
— Posso tomar meu banho ou você quer ir primeiro?
Levo um susto com a pergunta repentina de Luna. Eu nem
percebi que ela estava no quarto comigo. Cruzes, já é branca igual a
um fantasma e ainda chega dessa forma sorrateira. Um dia vou
morrer de susto.
— Eu já tomei o meu, na verdade.
— Tudo bem, então eu vou tomar o meu — ela avisa, sem
esperar alguma resposta minha, atravessa o quarto e entra no
banheiro.
Estamos no inverno, e dentro daquele quarto está
começando a fazer frio. Olhando em volta, noto uma lareira
embutida na parede, bem abaixo da televisão. Estou com preguiça
de me levantar para ligá-la, por isso me cubro com as duas cobertas
grossas sobre a cama, esperando que, assim, possa aquecer meu
corpo. Luna não demora muito no banho e, quando sai, tudo o que
cobre sua nudez é uma toalha azul-escura.
Onde estão as roupas dessa criatura? Eu não sou obrigada a
ficar vendo essa coisa quase nua. Ninguém me paga para aguentar
isso.
Ela abre uma porta de correr, que só agora me dou conta de
sua existência. Parece ser um closet. Ela entra, fechando a porta
atrás de si, e me sinto um pouco melhor, porque não estou mais
vendo-a quase nua. Não demora muito para ela sair de lá outra vez,
agora vestida apenas com uma blusa do Real Madrid, que não
cobre quase nada. Suas belas pernas estão expostas, e ela não
parece muito preocupada com o fato de que eu posso ver o tecido
de sua calcinha.
O perfume dela toma conta de todo o quarto, não me dando
chance de respirar outra coisa. Ela está usando creme de uva?
Sempre foi o meu favorito.
Luna vai em direção à lareira e aperta um botão, não
demorando muito para que ligue. Tudo nesse quarto parece muito
caro e sofisticado. O ambiente começa a ficar aquecido aos poucos,
e agradeço mentalmente por isso. Pelo menos a idiota serve para
alguma coisa.
— Boa noite, amor — ela deseja, logo após se deitar ao meu
lado, e eu não posso acreditar. Por que ela fica me chamando de
amor? Será que esqueceu que tenho nome? E por que infernos ela
não foi dormir em outro lugar?
— Você vai dormir aqui? — questiono, tentando não parecer
muito apavorada.
Luna está de costas para mim, mas ao ouvir minha voz, se
vira de frente e me encara sem entender.
Eu quero dormir sozinha. Será que você entende, criatura
asquerosa?
— Sim?
— Não tem outro quarto nessa casa? Eu acho que o sofá é
macio.
Luna parece incrédula, de verdade, nunca a tinha visto com
aquela expressão. Eu, por outro lado, estou inquieta, desesperada
para que ela saia logo daqui. Quero um pouco de privacidade para
ficar em paz, tentando assimilar tudo.
— Você está me expulsando do nosso quarto? — Concordo
com a cabeça. — Por qual razão? Esse quarto é tão meu quanto
seu, Camille.
— E daí?
— Você sabe que somos casadas.
— Eu não me importo, idiota! — corto seu início de discurso.
Estou cansada de ouvir isso. Quero um pouco de paz, quero
esquecer, nem que seja apenas por aquela noite, que eu me casei
com o ser humano mais irritante e idiota da Terra. — Não quero
dormir ao seu lado. Será que pode respeitar isso?
Eu estou tentando não ser tão rude, mas sua expressão me
diz que não consegui. Luna se levanta da cama em questão de
segundos, calça um par de chinelos e, com passos pesados, sai do
quarto. O baque da porta é alto, e eu me preocupo que o barulho
possa acordar nosso filho. Dessa vez, ela pareceu irritada de
verdade, mas eu não tenho culpa, não quero dormir com ela. Como
ela mesma disse, esse quarto também é meu, e eu tenho meus
direitos.
Será que posso ao menos ter uma boa noite de sono sem a
presença dela?
Quando acordo no outro dia, a primeira coisa que noto é
estar me sentindo milhões de vezes melhor que no dia anterior. Ao
abrir meus olhos, percebo que não tem ninguém ali dentro além de
mim, e isso muito me alegra. Paz e sossego, tudo o que quero.
Sento-me na cama para esticar meus braços, alongando-me.
Essa cama é maravilhosa, mais confortável do que a que eu dormia
quando era mais nova. O quarto está escuro, mas sei que lá fora
está claro. Onde será que a louca está? Espero que bem longe
daqui.
Mais uma olhada em volta e percebo que a porta do closet
está aberta. Uma curiosidade cresce em mim, quero muito saber
como são as coisas ali dentro. Espero que Luna não se importe de
eu estar prestes a mexer nas coisas dela. Ou seriam minhas coisas
também?
Afinal, somos... vocês sabem… somos casadas.
Levanto-me da cama e vou em direção ao closet. O chão
está frio, e noto que a lareira já não está ligada, o que me faz
perceber que o quarto tem uma temperatura ambiente. Quando abro
a porta, fico chocada com o tamanho e a organização daquele lugar:
tudo bem arrumado em prateleiras e gavetas, dois lados com
diversas roupas e sapatos.
Sinto-me como em um filme. É surreal pensar que parte de
tudo isso é meu. Minha família nunca ostentou muitas coisas.
Tínhamos uma vida boa e não nos faltava nada, mas minhas irmãs
e eu nunca vivemos cercadas de coisas muito caras.
Curiosa, ando por aquele espaço, olhando tudo em volta, e
consigo reconhecer algumas roupas como sendo dela, porque são
completamente do estilo que Luna sempre gostou de usar. Isso não
parece ter mudado com o passar dos anos, ela ainda ama se vestir
de maneira informal. E tem bom gosto para roupas.
Com cuidado, resolvo analisar algumas coisas.
Armani.
Nike.
Adidas.
Chanel.
— Caramba...
Estou chocada com tantas marcas caras presentes naquele
closet. Qual será o nosso emprego? Devemos ganhar muito bem,
porque não temos como bancar uma vida dessa se não ganharmos
muito bem mensalmente. Lembro-me de que Luna estava destinada
a se tornar uma juíza ou promotora, talvez por isso tenhamos uma
vida boa assim.
Os pais de Luna sempre cobraram a Noah e a ela que
seguissem os passos da família com a carreira na área de Direito.
Eu sei disso, porque Vanessa sabia tudo sobre eles. Sabia que
vieram da Inglaterra e abriram um escritório em Miami, nos Estados
Unidos. Na época, o negócio deles estava se expandindo bastante,
toda a família vem de uma linhagem de advogados, promotores,
juízes etc. Ela deve mesmo ter seguido os passos de seus pais. Isso
explica o carro que usa, essa casa e as roupas caras.
Continuo olhando tudo, realmente chocada com tudo o que
temos. Da mesma forma que Luna tem bom gosto, eu pareço ter
muito mais. Minhas roupas mudaram totalmente, não uso mais
tantas coisas coloridas, meus vestidos são mais formais e
sofisticados. Sou uma verdadeira dama, e isso me faz sorrir.
Quando estou prestes a sair daquele closet, acabo
esbarrando em uma caixa de madeira. Olho para baixo, com o
cenho franzido, e minha curiosidade desperta na hora. Abaixo-me,
em frente a ela, tentando deduzir o que poderia ter ali dentro. Eu
imaginei que fossem sapatos, mas acabei me deparando com
montanhas de fitas e CDs.
Por que temos essas coisas aqui dentro?
Sei que devo estar sozinha em casa, por isso não me
preocupo ao revirar tudo ali dentro. Tem bastante coisa, e fico
curiosa para saber o conteúdo daquelas fitas e CDs. Provavelmente,
algumas músicas e filmes. Talvez fizéssemos maratonas de filmes
antigos. É uma possibilidade, eu sei que sempre amei assistir a
filmes clássicos. Um dos CDs chama mais minha atenção, porque o
nome de Luna está escrito na capa.
O toque de alguma coisa ressoa e parece estar vindo do
quarto. Pego o tal CD com o nome de Luna e fecho a tampa,
levantando-me para sair daquele closet. O som continua, e utilizo-o
como guia para descobrir de onde está vindo. Não demoro muito a
encontrar um aparelho enorme e fino na mesa de cabeceira da
cama. Está com a tela acesa e aparecem coisas escritas nela.
Quando, enfim, pego o aparelho em minhas mãos, um nome
tem destaque na tela: Mi suerte, e logo abaixo, o conteúdo de
mensagens. Sento-me na beirada da cama, colocando o CD ao meu
lado.

— Senha do quê?
Minha pergunta é respondida quando noto a frase “deslize
para desbloquear” bem no final da tela. Escorrego um dedo sobre o
local e uma caixinha aparece, abrindo também o teclado. Escrevo
os números que li na mensagem e a caixinha desaparece, dando
lugar a uma série de aplicativos. Eu sei que o telefone é meu, pois
na tela tem uma foto minha, com Louis ao meu lado, beijando minha
bochecha. Tem um pequeno ícone com um balão de fala e, em cima
dele, o número sete. Eu clico em cima e sou direcionada para o que
parecem ser mensagens. Acho muito curioso e prático esses novos
aparelhos celulares sem teclado. As coisas realmente mudaram nos
últimos anos.
Três mensagens de Mi suerte.
Uma de Big.
E por último, também, tem uma de Cópia malfeita.
— Cópia malfeita? Só pode ser a Belinda.
Tenho certeza de que é ela, lembro-me de que sempre dizia
isso quando nos apresentávamos para alguém. Eu nasci poucos
minutos antes dela, então ela é a cópia malfeita mesmo.
Decido abrir primeiro as mensagens de Mi suerte. Estava
curiosa.

Eu sei que é Luna, não apenas pelo conteúdo das


mensagens, mas também porque ninguém nesse mundo, além dela,
me chama de Camies. Parece que as coisas não mudaram tanto
assim. Eu sempre odiei esse apelido, porque ela o usava como
deboche. Mas se ela ainda me chama assim, pode ser que eu tenha
aprendido a gostar. Ou talvez ela só esteja me provocando.
Ela disse algo sobre um estúdio. Será que Luna é cantora ou
trabalha com música? Isso explicaria todo o luxo dessa casa. E
claro, também explicaria aqueles CDs todos. Deixo o celular no
mesmo lugar em que o havia pegado, volto a capturar o CD com o
nome dela e vou em direção à televisão. Não sou muito
familiarizada com toda essa nova tecnologia, mas não deve ser
muito difícil. Demorou um tempo e, confesso: foi complicado
descobrir que eu tinha que passar o dedo sobre o botão da televisão
para ligá-la. O aparelho abaixo dela foi menos complicado: eu
coloquei o CD e voltei para a cama. Curiosa e ansiosa, esperei o
conteúdo carregar.
Eu esperava que começasse a tocar alguma música, mas
quando a tela escureceu e depois a imagem apareceu, fiquei
confusa. O que eu estou fazendo ali?
— Camies?
Olho em volta, assustada, pensando que ela tinha voltado
para casa mais cedo. Levo alguns segundos para me dar conta de
que o chamado de Luna, na verdade, vem do vídeo. Sinto-me mais
tranquila, porque ela ainda não voltou.
— Eu estou aqui.
No vídeo, estou sentada nessa mesma cama, e a única coisa
diferente é a cor da parede atrás de mim. Faço algumas graças,
acenando para a câmera e fazendo caretas.
— O que está fazendo?
Ouço um som de porta abrindo e, em seguida, Luna aparece
na tela. No vídeo, ela está usando um moletom branco enorme, que
vai até o meio de suas coxas, sem nada por baixo, e quando ela se
aproxima, noto o escudo do Real Madrid estampado na peça. Ela
sempre foi mesmo fascinada por esse time, vivia usando os
uniformes dele pela escola. Seu rosto está completamente livre de
qualquer maquiagem, e os cabelos, soltos e úmidos. Os anos
parecem mesmo ter feito bem a ela, não posso negar. Luna até que
é bonita.
— Estava testando a câmera, achei que ela tivesse quebrado
na semana passada — respondo, antes de voltar o foco da câmera
para mim.
Luna se aproxima, dando uma pequena risada, senta-se ao
meu lado e olha na mesma direção que eu. De repente, a câmera
não estava mais focada em nós duas, e tudo o que podia ser ouvido
eram sons de estalos.
Faço uma careta. Estávamos nos beijando? Eca! Ainda bem
que isso não foi filmado.
Poucos segundos depois, a câmera está de volta, com o foco
em nós duas. Meus lábios estão vermelhos, assim como os dela.
Dessa vez é ela quem segura a câmera, enquanto eu estou
agarrada em seu pescoço, com a cabeça sobre seu ombro. É
impossível não ver o brilho intenso em meus olhos, é inegável que
realmente pareço feliz. Eu realmente pareço apaixonada por ela.
— Vamos continuar nos gravando abraçadas ou posso
desligá-la? — ela pergunta aquilo sem me olhar.
Mal posso acreditar quando me vejo abrindo um sorriso bem
malicioso na tela. Estava na cara que eu queria aprontar.
— Hmm... Eu pensei que talvez pudéssemos fazer uma
atividade.
O tom sugestivo em minha voz faz meu estômago embrulhar.
Não acredito que eu estava sugerindo que fizéssemos algo
inapropriado. Pior, em frente à maldita câmera. E pior ainda, com
Luna Jacobs.
— Qual tipo de atividade você sugere? — sua voz é pura
sensualidade e provocação. Parecia até mesmo que iríamos iniciar
algum tipo de jogo. Um maldito jogo de sedução.
Eu não quero continuar assistindo a isso, me recuso a ver as
coisas impróprias que protagonizei com essa mulher. Fecho os
olhos para não ter que continuar assistindo, chocada demais para
me levantar e desligar a televisão. Então, ouço o som da minha
risada e abro meus olhos.
Arrependo-me na hora.
Estou com um enorme sorriso e os lábios encostados nos
dela. Luna se inclina para a frente e tenta me beijar, mas eu me
esquivo. Dou outra gargalhada, voltando a encostar meus lábios nos
dela. Parece que eu estava me divertindo muito com a provocação.
Continuo com essa brincadeira durante um tempo, até me render
quando ela faz uma carinha de cachorro sem dono, implorando com
os olhos para ganhar um beijo.
Eca!
— Eu quero que você faça uma coisa — digo ao me levantar
da cama, aproveitando esse movimento para pegar a câmera dela.
Luna continua no mesmo lugar, o foco é ela. Sentada na
cama, com as pernas cruzadas, ela me observa com curiosidade,
como se esperasse pelos meus comandos. Meu olhar,
momentaneamente, desce até suas coxas, e na hora arrependo-me,
pois sua calcinha é de renda branca e aparece visivelmente.
Ela abre um sorriso malicioso antes de falar:
— O que você quer que eu faça?
Ela fez menção de ir em minha direção, mas minha mão
aparece na tela com um sinal de “pare”, e Luna obedece,
continuando na mesma posição.
— Vai fazer qualquer coisa?
— Sempre — ela responde rapidamente, de forma sensual. O
brilho em seus olhos deixa claro que ela está totalmente à minha
mercê, completamente ao meu dispor. Aproximo-me dela com a
câmera, ficando bem perto.
— Masturbe-se para mim. Eu quero ver você gozando e
gemendo meu nome. Depois eu vou te chupar inteira. Cada parte
sua.
Meus ouvidos não podem acreditar no que acabei de ouvir.
Não sei dizer se estou mais chocada em saber que ela faria aquilo
mesmo ou com a confirmação de que eu tinha me tornado uma
maldita pervertida.
Luna sorri, desdobrando as pernas.
Joguei-me para trás na cama, desconcertada. Não queria
mais assistir àquilo, gostaria de poder apagar de minha memória
também. O vídeo continua rolando, mas não estou prestando
atenção.
Quem era essa Camille?
Eu não me reconheço.
Que tipo de pessoa eu me tornei? Falando de maneira chula,
gravando vídeos indecentes. Me casando com Luna Jacobs.
— Você vai me chupar gostoso? E depois eu vou poder
retribuir?
Essa fala faz com que eu volte a olhar para a tela.
Luna está deitada na cama, apoiada em seus cotovelos e
encarando-me com luxúria. O detalhe que mais me choca é o fato
dela já estar sem o moletom, com os peitos totalmente expostos.
Não posso deixar de reparar em como seus mamilos são
bonitos, com um tom bem claro de rosa, contrastando perfeitamente
com seu tom de pele.
Estou paralisada.
— Vou chupar bem gostoso e quero que você me chupe da
mesma forma. Sei que você pode. Eu amo as coisas que essa sua
língua gostosa faz comigo.
— Adoro essa sua boca suja...
— Vou te comer todinha com ela.
Estou chocada.
Luna não responde nada, apenas sorri ainda mais e deita-se
totalmente na cama.
Eu pensei que o vídeo acabaria ali, dessa forma, mas não.
Ela leva as mãos até a barra de sua calcinha, erguendo um
pouco o quadril e depois as pernas para retirá-la. Parecia que tudo
estava em câmera lenta, enquanto eu a observava se despir.
Quando ela finalmente está nua, joga a calcinha em minha direção e
abaixa as pernas, separando-as para que eu possa ter uma visão de
sua...
— NÃO! EU ME RECUSO!
Estou quase morrendo. Não posso acreditar que estava
vendo Luna completamente nua outra vez, mas dessa vez com mais
detalhes e bem nitidamente. Meu coração está disparado. A imagem
dela na tela com as pernas afastadas e se alisando de forma
sensual é... perturbadora. Completamente perturbadora.
Quando ela enfia o dedo na boca e depois leva em direção
ao meio das suas pernas, finalmente tenho uma reação e desligo a
televisão. Esse tempo todo, o controle estava ao meu lado e eu não
tinha forças para pegar e desligá-la, mas finalmente consegui.
Parece que minha mente ia entrar em pane, não posso acreditar no
que vi.
— Camille? — Ouço a voz de Luna e sei que não é por causa
do vídeo dessa vez. Isso me faz arregalar os olhos.
Levanto-me da cama com um salto digno de uma atleta, corro
até o aparelho e, com as mãos trêmulas, tiro o CD lá de dentro,
desligando o aparelho de qualquer forma. Os passos de Luna
ecoam pela casa, logo ela estará aqui, e eu preciso esconder tudo.
Volto a pular na cama, para pegar a capa, e com certa rapidez,
consigo guardar o CD, bem a tempo de ela finalmente chegar ao
quarto. Quando ouço a porta abrir, ensaio minha melhor expressão
de tédio. Espero que ela não note nada de estranho.
— Estou aqui...
Meu coração está disparado no peito, e eu prendo a
respiração, porque não quero que ela perceba como estou ofegante.
Toda a descarga de adrenalina que esse momento me causou está
me deixando um pouco desesperada.
Ela me analisa durante alguns segundos, parecendo
desconfiada.
— Você está bem? Ainda não tomou seu café? Não
conseguiu encontrar seu celular? Eu o deixei na cabeceira da cama
— ela parece preocupada, porém, ao mesmo tempo, com receio de
se aproximar. Isso é ótimo.
Desvio meu olhar. Não vou conseguir encará-la sem me
lembrar de que estava vendo-a completamente nua, em um
momento bem íntimo, alguns segundos atrás.
— Estou bem, sim, eu só estava... Hm, vou descer para
comer — respondo rapidamente, arrastando-me para fora da cama.
Preciso ficar longe dela, não quero olhá-la e me lembrar de como
ela estava naquele vídeo.
Saio do quarto de cabeça baixa, mas sinto seu olhar sobre
mim. Não a encaro de volta, quero sair dali o mais rápido possível.
Preciso manter distância dessa mulher.
Quando chego à cozinha, sinto-me um pouco mais tranquila e
solto o ar que estava preso em meus pulmões. A mesa está posta,
parece ter bastante coisa e tudo está devidamente coberto. Ela sabe
mesmo como preparar um banquete.
Sei que meu apetite continua o mesmo, pois quando sinto o
cheiro do café ainda fresco, meu estômago parece acordar e
reclamar de fome. Eu preciso mesmo comer, aquele vídeo me deu
fome.
Começo a retirar todas as coisas que protegem a comida.
Quero saber, de uma vez, tudo o que tem ali. Meus olhos encontram
os waffles recheados, e dá para ver chocolate escorrer pelas
bordas, mesmo que não estivessem mais tão frescos. Luna parece
mesmo me conhecer, posso confirmar isso apenas olhando tudo o
que ela havia preparado.
Estou tão entretida em tomar meu café e me alimentar que
nem sinto a presença de outra pessoa na cozinha. Somente quando
a porta da geladeira é aberta, percebo que não estou mais sozinha.
Olho por baixo dos cílios em direção à Luna e me arrependo na
mesma hora.
Ela tinha mesmo que ficar com essa bunda para cima?
Luna está abaixada, pegando alguma coisa na parte debaixo
da geladeira, e sua bunda parece tão redonda e durinha naquela
saia social cor de giz. A roupa está colada em seu corpo,
destacando bem suas curvas. E preciso dizer: que curvas!
Luna parece uma empresária sexy.
Essa bunda...
Distraio-me do café quando imagens daquele vídeo tomam
conta da minha mente, sem ao menos pedir licença. De repente, eu
a visualizo nua na cama outra vez, gemendo meu nome, enquanto
eu a incentivava, empurrando-a para o orgasmo.
Meus pensamentos parecem não ter fim, mas eles têm. Levo
um susto quando algo passa em frente aos meus olhos. É Luna, e
ela está de pé ao meu lado, encarando-me.
— Está tudo bem? Você parecia estar bem longe daqui, e seu
rosto está vermelho — ela parece mesmo preocupada, mas o tom
em sua voz é de diversão.
Eu rapidamente me recomponho. Preciso aprender a me
controlar quando estiver perto dela. Volto a olhar para a comida,
porque só assim vou conseguir me concentrar em outra coisa.
— Estou bem, sim, só me distraí com algumas coisas sem
importância.
— Ah, sim... — Ela se inclina sobre a mesa em busca de
algo. É um morango. Luna o leva até a boca e morde a fruta com
vontade, soltando um longo gemido. Sim, ela fez isso. — Está
delicioso. Você deveria prová-los.
Não satisfeita com todo aquele erotismo anterior, ela leva os
dedos até a boca e suga-os, parecendo saboreá-los com vontade,
bem ali, na minha frente, sem qualquer tipo de pudor. Seus olhos
verdes me encaram fixamente, e os lábios cheios chamam minha
atenção com aqueles movimentos. Talvez pudesse ser algo normal,
mas no momento eu não queria ver essas coisas. Será que ela
poderia pegar leve?
Sem poder controlar, minha mente é novamente invadida por
imagens. Dessa vez, visualizo Luna sobre um dos balcões da
cozinha. Ela está com as pernas afastadas e um pote de morangos
nas mãos. Quando ela morde um pedaço da fruta e leva o outro até
o meio de suas pernas, sinto vontade apenas de me inclinar e...
— PARA!
Meu grito repentino a assusta. Ela salta e me olha, sem
entender nada.
— Camille, você...
— Eu estou bem, Luna!
Levanto-me da cadeira, arrastando-a para trás com força.
Nem olho para ela, apenas saio da cozinha. Preciso ficar longe dela
para restaurar minha sanidade.
Estou tendo visões eróticas com a psicopata. Era só isso
mesmo que faltava para minha vida ficar melhor.
Obrigada, vida, você me odeia cada vez mais.

Agora estou na sala, assistindo a um filme qualquer ou, pelo


menos, tentando. Ouço barulhos no andar de cima, mas tento não
me abalar. O que essa mulher está aprontando? Só falta ela ser
alguma sádica sinistra e querer me torturar até minha memória
voltar. Eu preciso parar com esses pensamentos.
Volto a prestar atenção ou tentar prestar atenção no filme,
mas os sons de algo sendo arrastado no andar de cima atiçam
minha curiosidade.
Ir ou não até lá?
Melhor não, vai que eu vejo coisas desnecessárias?
Tipo: Luna se masturbando e gozando... Para com isso,
Camille!
Os barulhos param. Eu respiraria, aliviada, mas os sons de
passos apressados na escada me chamam a atenção. Não vou ter
paz hoje, tenho certeza.
— Camies? Seu celular estava tocando — Luna me avisa, e
eu faço menção de me levantar para buscá-lo, mas ela estende o
fino aparelho na minha frente. — E... foi você quem mexeu na nossa
caixa de vídeos?
Nossa caixa de vídeos...
Nossa.
Oh... Será que também tem vídeos meus ali?! E puta que
pariu! Ela percebeu que eu mexi lá. Será que sabe a qual vídeo eu
assisti?
— Não estou te repreendendo, Camille. Os vídeos são
nossos, assim como tudo naquele quarto e nessa casa também —
Luna diz ao perceber minha possível expressão de medo e culpa, e
desvio meu olhar do dela. Não quero acabar me entregando. Ela se
senta ao meu lado, mas nem me dou o trabalho de encará-la. —
Amor, você precisa começar a se sentir bem na sua casa, ela é sua.
Você não é uma estranha aqui.
É fácil para você falar, idiota!
— Luna, você pode me fazer um favor? — Viro-me para olhar
bem em seus olhos, e ela afirma com a cabeça, abrindo um sorriso.
— Será que você poderia parar de me chamar de amor?!
Sua boca abre e fecha algumas vezes. Ela parece buscar
algo para dizer, mas depois suspira, derrotada, e abaixa a cabeça.
Parece cabisbaixa e apenas acena, sem jeito, com a cabeça. Reviro
os olhos. Por que ela fica agindo dessa forma? Argh! Camille, vocês
são casadas. E meu pai me mandou não ser tão rude com ela, mas
simplesmente não consigo.
Luna levanta-se do sofá e vira-se para sair dali, mas eu sou
rápida e seguro-a pelo pulso.
— É só que... é muito difícil, entende? — explico. — Eu não
sei lidar com tudo isso. Não está sendo fácil para mim.
Luna solta uma risada sem qualquer resquício de humor, e
confusa, franzo o cenho, porque achei que ela estivesse magoada.
Solto seu pulso na mesma hora.
— Eu estou tentando te entender, Camille. Juro que estou! —
ela quase cospe as palavras. Sua voz é pura ironia, da forma que eu
me lembrava. Essa, sim, é a Luna que eu conheço. — É difícil para
você não se lembrar de nada? Mas eu tenho certeza de que não é
pior do que ver o amor da sua vida te tratando com tanta frieza,
como se eu fosse um nada, quando eu costumava ser seu tudo.
— Você precisa me entender, droga! — grito de repente.
Estou me sentindo exausta, prestes a explodir, e não só no sentido
figurado. Luna, assim como eu, está arfando. Seu rosto está
vermelho, com uma veia saltando em sua testa. — Não está sendo
nada fácil para mim. Eu perdi toda a minha vida, é difícil.
— Está sendo difícil para você? — Ela dá um passo em
minha direção, e por instinto, dou um para trás. Era difícil vê-la sair
do sério, e estou realmente preocupada. — Será que você não vê
que está sendo difícil para todos nós?
— Luna...
— Não! Você vai me ouvir!
Calo-me, ao ouvir seu tom de voz severo, e engulo em seco.
Parece que minha garganta está sem água há muito tempo, de tão
seca.
— Por acaso você acha que é fácil ver o amor da minha vida
agindo da forma que você tem agido? Você realmente acha que
está sendo fácil ver tudo o que construímos, durante esses anos,
simplesmente desmoronar, e eu não poder fazer nada?
— Eu...
— Você... — Ela se afasta, passa as mãos em seu rosto e
solta um longo suspiro. — Eu amo você, Camille. Provavelmente,
mais do que, um dia, imaginei amar alguém em toda a minha vida. E
eu prometi no altar que estaria ao seu lado em todos os momentos,
na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. Acha que está sendo
difícil só para você?
Meus olhos começam a arder por causa das lágrimas. Vê-la
dessa forma, tão vulnerável, apesar de sua ira anterior, causa-me
uma angústia desconhecida. Desde que tudo aconteceu, eu nunca
parei para pensar na forma que ela está se sentindo. Deve mesmo
estar sendo difícil para ela.
— Não sei o que dizer. Tudo é realmente muito difícil para
mim.
Luna se aproxima um pouco mais de mim, parando a
centímetros do meu corpo. Dessa vez, embora ela ainda pareça
irritada, seu jeito não me assusta. Eu não me afasto, sei que não
fará nada comigo. Com uma longa puxada de ar, ela eleva uma mão
até que toque meu rosto com as pontas dos dedos. Estão gelados e
traçam uma pequena linha em meu queixo. Seus olhos
acompanham a pequena trilha, e um suspiro lhe escapa.
— Você perdeu a sua memória, mas as outras pessoas não,
Camille — sua fala me faz arregalar os olhos e prender a
respiração. Seus olhos encontram os meus. Tão intensos. — Você
nunca foi egoísta, não comece a ser agora. — E após dizer essa
última frase, ela simplesmente se vira e caminha em direção às
escadas. Passos rápidos e pesados ecoam pela casa vazia, e ouço,
em seguida, o baque alto de uma porta sendo fechada.
Minha pele ainda está aquecida no local em que ela tocou.
Porém, mesmo com seu toque carinhoso, eu sei que Luna ainda
está com raiva, e dessa vez ela tem toda a razão de estar. Não
podendo mais evitar as lágrimas, estou, mais uma vez, chorando.
O que eu devo fazer para conseguir arrumar tudo?
Como eu poderia amar alguém que eu costumava odiar?
Sento-me de volta no sofá, sentindo-me perdida. Meus olhos
vagam sem rumo pela sala, não sei o que fazer. Eu ouço a porta da
frente ser aberta e, depois, fechada com força. Ela deve estar
mesmo precisando de espaço, irei respeitá-la dessa vez.
Meu celular começa a tocar sem parar. Busco pelo aparelho
no sofá e leio Big na tela. Nem precisaria ver a foto na tela para
saber quem era. Só podia ser uma pessoa.
— Camille? — Meu coração acelera ao ouvir aquela voz.
Nem em mil anos eu esqueceria a voz de Vanessa. Sempre foi um
porto seguro para mim. — Sou eu, Vanessa.
— Big!
— Sentiu saudade? Estou indo à sua casa em alguns
minutos. Toni não está em casa e Noah acabou de sair. Ele disse
que iria encontrar Nayara e o marido dela — ela dispara a falar.
Pergunto-me se ela sabe sobre a minha memória. Bem, se
não sabe, eu terei que contar.
Estou mesmo surpresa por ela ter citado Noah. Então, a
esposa que ele citou ontem era Vanessa? Oh, meu Deus! Eu não
acredito que minha melhor amiga se casou com sua paixonite do
Ensino Fundamental. E quem seria Toni? O filho deles?
— Daqui a pouco estou aí, Lil. Estou levando cupcakes.
Beijos, beijos. — Desligou. Ela simplesmente falou sem parar e
desligou. Bom, Vanessa continua a mesma de sempre.
Pelo menos vou ter alguém com quem desabafar. Eu
realmente preciso de alguém que me entenda. O dia de hoje foi
muito intenso, e nada como a presença de minha melhor amiga para
me acalmar. Preciso de alguém que me faça entender melhor toda
essa situação.
Capítulo 4 - Carinha
Um pequeno sorriso surge em meu rosto. Logo Vanessa
estará aqui comigo e eu poderei tentar entender melhor a situação
em que estou. Solto um longo suspiro. Com aquele mesmo
incômodo presente em meu peito, as palavras de Luna ressoam
outra vez em minha mente. Meu rosto ainda está marcado pelas
lágrimas, sinto as trilhas que elas deixaram em minha pele. Um
lembrete do quão complicado tudo isso está sendo.
Não é fácil para ninguém, mas está sendo pior para mim.
Será que ninguém consegue se colocar no meu lugar? Eu
simplesmente acordei, um dia, e ao invés de ir à escola, como uma
adolescente normal, descobri que sou casada e tenho um filho.
Esqueci-me de longos dezesseis anos. Como eu poderia me
acostumar com isso instantaneamente?
Não sou egoísta, só estou confusa. É injusto como todos
parecem estar me cobrando algo. Eu não tenho culpa se não me
lembro de nada, certo? Ninguém pode me julgar por não estar
sabendo lidar com tudo isso. Nem mesmo os médicos conseguiram
explicar o que está acontecendo.
Levanto-me do sofá, com pensamentos frenéticos. Preciso
organizar minha mente, mas neste momento a necessidade maior é
tomar um banho, antes que minha melhor amiga chegue. Enquanto
subo as escadas, ouço meus próprios passos ecoarem pelas
paredes extremamente brancas — além de toda a decoração
branca. Será que temos fetiche por essa cor? E todo o silêncio
desse lugar me incomoda muito. Luna não comentou sobre eu ter
um emprego nem me deixou algum lembrete.
Será que passo os meus dias em casa, sem fazer nada, e
sou sustentada por ela? Não consigo me ver nessa posição.
Sempre desejei crescer e ter minha independência, não importava
se eu estaria casada ou não.
O banho foi relaxante, a água estava ótima e ajudou-me a
ficar um pouco mais tranquila. Depois de terminá-lo, saí do banheiro
e fui em direção ao closet. Eu não sabia ao certo se as roupas que
peguei de algumas gavetas eram as minhas, mas gostaria que
fossem — principalmente as íntimas. Não é higiênico compartilhar
calcinhas com outra pessoa. Devidamente vestida, volto ao banheiro
para colocar minha toalha ao lado de outra que estava pendurada.
Eu sabia que aquela era a minha, pois tinha “C.J.” bordado nela.
Só podia ser “Camille Jacobs”. Parece que a outra eu
realmente gosta de ostentar o sobrenome de Luna. Isso é surreal
para mim agora.
Quando me sento no sofá da sala de televisão, só então me
dou conta de como ele é confortável. Agora, entendo por que Louis
e Luna adoram ficar deitados aqui. Sentada ali, tento, de forma
inexperiente, forçar minha mente. Nada, nem uma mísera
lembrança da menor coisa possível. Sinto-me desolada e sei que
logo estarei chorando outra vez, mas o som da campainha me
anima.
— Vanessa! — Levanto-me do sofá e corro em direção à
porta. Estou ansiosa para revê-la. Há um enorme sorriso em meu
rosto quando giro a maçaneta, mas abro a boca, incrédula, ao me
deparar com ela. — Caralho!
Ela sempre teve um corpo fenomenal, mas parece que os
anos lhe fizeram muito bem. Sem contar seu rosto com traços de
mulher. Uma beleza única, que sempre foi somente dela.
— Olha só, parece que alguém voltou a falar palavrões — ela
brinca e solta uma risada.
Eu estou muito chocada para ter qualquer outra reação, a
não ser a de ficar paralisada. Vanessa tinha um belo corpo quando
ainda éramos jovens, mas a vendo agora percebo que ela se tornou
uma mulher excepcional.
— Que olhar é esse? Será que preciso te lembrar de que não
vamos transar outra vez?
— Você está... Como assim outra vez?! — grito,
completamente incrédula, e rapidamente paro de encarar seu belo
corpo, fixando meu olhar em seu rosto. Ela tem sua típica cara
debochada de tédio, e eu não posso acreditar que fizemos aquilo
alguma vez nessa vida.
— Você realmente perdeu a memória. Só assim para se
esquecer de ter tido tudo isso na cama — gabou-se, balançando os
cabelos curtos e apontando para si mesma.
— Vanessa... eu... nós? Como que… — estou gaguejando,
tamanha a minha surpresa com aquela revelação. Ou poderia dizer
o meu horror? Estava tentando assimilar isso.
E, enquanto eu pensava, a idiota à minha frente explodiu em
uma gargalhada.
Franzi o cenho.
— Continua sendo tão fácil enganar você. — Ela não parava
de rir. — Vem aqui, Lil.
— Eu odeio você — resmungo, emburrada.
Ela continua rindo e vai em minha direção, mas me afasto. —
Sai de perto de mim.
— Pare de ser assim. Eu estava com saudades. — Vanessa
me puxa para um abraço impossível de recusar. Senti saudade
disso. É aconchegante e sufocante. Peitos enormes em meu rosto,
mas é como estar em casa.
— Seu abraço é o melhor do mundo — murmuro contra o
vale de seus seios. Sim, meu rosto está enfiado exatamente nesse
lugar. Vanessa sempre teve mania de me sufocar assim quando nos
abraçávamos. Os peitos dela parecem bem maiores. Eles sempre
foram grandes, mas estão maiores agora. Alguém deve fazer a festa
nesses peitos.
— Ele sempre foi o melhor do mundo, eu sei disso — ela se
gaba ao se afastar de mim, e reviro os olhos, pois nem todos
aqueles anos fizeram seu ego diminuir. — Mas me conta sobre tudo
isso... É mesmo verdade a amnésia? Noah chegou à nossa casa
desesperado, dizendo que você tinha perdido a memória e queria
matar Luna. Fiquei achando que era brincadeira e não parei de rir
até ele me explicar melhor.
Suspiro, finalmente dando espaço para que ela entrasse,
fecho a porta e faço sinal com a cabeça para que ela me
acompanhe em direção à sala.
— Infelizmente, não é uma brincadeira. — Sento-me no sofá
e ela me acompanha. Vanessa parece realmente chocada. — Eu
simplesmente acordei ontem de manhã e descobri que sou casada
com a Luna e que tenho um filho com ela. Você consegue imaginar
como isso deixou a minha cabeça? Eu só me lembro de odiá-la.
— Meu Deus... Não acredito que isso realmente aconteceu.
Pensei que era mentira.
— Eu gostaria que fosse.
— Só porque eu ia perguntar sobre o sexo de reconciliação
com o picolé de leite.
Um rubor surge em minha bochecha, acompanhado pelo
revirar em meu estômago. Vanessa falou aquilo com tanta
naturalidade, como se fosse comum ela saber da minha vida sexual
com Luna. É nojento imaginar que fizemos essas coisas.
— Sexo de reconciliação?
Apesar de apavorada com a hipótese de ter feito sexo com a
idiota durante toda a minha vida, estou curiosa sobre o que ela
falou. Luna não comentou nada sobre qualquer briga que tenhamos
tido na noite anterior ao fatídico dia da minha amnésia. Não que eu
lembre. Confesso que não presto muito atenção no que ela diz.
— Você não se lembra? — Olho para ela, incrédula. Vanessa
finalmente parece se dar conta de sua falha e bate em sua testa. —
Eu esqueci que você não se lembra de nada. Perdoe-me.
— Lerda.
— Me respeita, garota.
— Conta logo o que aconteceu, Big.
— Tudo bem. Você deu um show no meio da boate em que
estávamos. Era nosso dia de folga e os adultos resolveram sair, se é
que você me entende.
Como assim eu dei um show no meio de uma boate? E do
que exatamente ela está falando?
— Eu fiz o quê?
Vanessa gargalha. Sim, ela está gargalhando alto, com a
cabeça jogada para trás. Parece que a lembrança da tal noite a
diverte muito, e isso me preocupa, afinal ela ama rir das minhas
desgraças. Sempre foi assim.
— Lil... — Ela finalmente para de rir, retomando sua postura
séria, ou ao menos a mais séria possível. — Você simplesmente
teve uma crise de ciúme e praticamente arrastou Luna para fora da
boate.
— Eu não acredito.
Estou envergonhada. Muito envergonhada, para ser sincera.
Não acredito que, além de ter me tornado uma pervertida, também
me transformei em uma ciumenta psicótica.
— Pois pode acreditar. Eu fiquei com dó da Luna, ela nem
estava dando atenção para a ruiva em cima dela. O mais engraçado
foi o pessoal com medo de você e sua esposa tentando te acalmar.
— Vanessa solta uma risadinha. — Você disse para ela que iria
enfiar o seu salto tão fundo na garganta dela que iriam ter que cortá-
la no meio para remover.
Cadê aquele buraco para eu enfiar minha cara nele? Senhor!
Em que tipo de pessoa me transformei? Tendo ataques de ciúme,
fazendo show na frente de pessoas desconhecidas e conhecidas
por causa da Luna… Tudo por causa da maldita idiota!
— Vanessa, isso não tem graça! — exclamo, sem paciência.
Eu estou prestes a ter um colapso nervoso, porque não me
reconheço mais, e essa idiota está rindo, divertindo-se às minhas
custas.
— Você diz isso porque não estava assistindo àquela cena.
Camille, você queria arrancar uma das pilastras para jogar na tal
ruiva.
— Meu Deus...
Estou horrorizada. É isso, muito horrorizada. Eu nunca fui do
tipo que perde a cabeça. Quero dizer, somente Luna tinha o dom de
me tirar do sério. Ela despertava o meu pior sempre.
— Sem contar que a mulher era enorme. Parecia que
estávamos vendo um pinscher tentando brigar com um pitbull.
Meus olhos quase saltam das órbitas ao ouvir isso. Não
bastava eu estar arrumando confusão, ainda arrisquei minha
integridade física. E se a mulher tivesse me matado?
— Não acredito que me arrisquei assim.
Vanessa não responde nada, apenas volta a rir, e eu reviro os
olhos, empurrando-a para trás. Com uma melhor amiga dessas, eu
nem preciso de inimiga!
Demoram, no mínimo, uns quarenta minutos para que ela
pare de se divertir às minhas custas. Eu queria estapeá-la por não
ser uma melhor amiga decente. Vanessa podia, pelo menos, não
ficar zombando tanto de mim na minha presença.
— Vanessa? Você se casou com o Noah?
— Sim. Pensei que já soubesse.
— Como isso aconteceu? Eu não acredito que você
conseguiu se casar com o seu primeiro amor. Isso é coisa de filme
romântico e clichê.
Ela ri.
— Realmente. Mas eu o amo tanto. As coisas com ele são
melhores do que eu sempre imaginei. Noah é mesmo minha
pessoa.
O brilho em seus olhos não esconde isso. É bom vê-la assim.
Sei que por muitas vezes eu ficava implicando com ela por causa de
sua paixão secreta não correspondida, mas é muito bom ver como
minha melhor amiga parece realizada. Vanessa merece o mundo.
— Conte-me tudo — peço, ansiosa para saber sobre a
história deles.
Vanessa conta tudo, literalmente, desde o início do romance.
Ela diz que no último dia de que eu me lembrava — que foi o da
carona com a idiota — Noah pediu o número dela e não fez rodeios
ao revelar seu interesse. É óbvio que ela deve ter surtado. Fico
imaginando como deve ter sido sua animação ao me contar isso no
passado. Conta, também, que o primeiro encontro deles aconteceu
duas semanas depois que ele a deixou em casa. Eles saíram para
jantar uma semana depois. Noah foi um cavalheiro e encantou-a
muito. Eu sempre soube que ele era boa pessoa, por isso nunca me
preocupei com a possibilidade de ela ter o coração partido por ele.
Não fico surpresa quando ela diz que, depois de Luna, eu sempre
fui a que mais os apoiou.
Sempre quis o bem da minha melhor amiga, mesmo que, no
passado, eu odiasse tanto coisas românticas. Fico imaginando
como o meu pensamento mudou com o passar do tempo, afinal
estou casada e tenho um filho. Quero dizer, o romantismo, em
algum momento, começou a me atrair.
— Tudo aconteceu da forma mais pura e natural entre nós
dois. E hoje, dezesseis anos depois, ainda estamos juntos. Minha
vida não poderia ser melhor.
O sorriso dela diz tudo. Eu sorrio também, muito feliz por
Vanessa.
— Vocês têm filhos?
— Sim! — ela responde rapidamente, pega o celular e
desbloqueia a tela, chegando mais perto para me mostrar uma foto.
— Anthony, mas o chamamos de Toni.
— Meu Deus, Big! Ele é lindo. — Estou apaixonada pelo
pequeno Hansen Jacobs. — Quantos anos ele tem?
— Seis, a mesma idade do seu filho.
Meu filho.
Um sorriso espontâneo nasce em meu rosto. Não posso
evitar visualizar o rosto daquele pequeno, extremamente fofo, e
sinto como se meu coração estivesse aquecido. Todos dizem que
temos uma forte ligação, e agora eu entendo. Mesmo sem memória,
sinto aqui, bem no fundo, que o amo bastante. Seria capaz de tudo
por Louis.
— Big, eu preciso saber de algumas coisas. Luna e Louis
sempre foram tão apegados? Eu os observei ontem e hoje, eles
parecem muito unidos.
— Sim. Ela o ama mais que tudo. — Ela sorri. — Quando
Louis nasceu, parecia que Luna tinha ganhado uma fortuna na
loteria. Ninguém tirava o sorriso do rosto dela. No hospital, ela não
saía de perto de vocês, era muito difícil tirá-la do quarto. Vocês dois
são o mundo dela, Lil.
Mesmo sem querer, sinto uma felicidade desconhecida dentro
de mim ao imaginar essa Luna tão carinhosa e superprotetora. Não
a conheço direito, mas pela forma que Vanessa e meus pais falam
dela, parece que os anos a tornaram uma mulher excepcional. Sei
que boa mãe ela é, com certeza. Fico curiosa em saber como nosso
casamento sempre foi e se ela também é uma boa esposa. É
provável que sim.
— Hm, conte-me mais sobre a sua vida de casada. Vocês se
casaram na igreja? — resolvo mudar de assunto para não ficar
pensando tanto na Luna. Essa situação ainda é estranha demais
para eu ter que lidar com isso agora. Quem sabe, com o passar dos
dias, me acostume um pouco mais. Vai ser difícil, mas espero
conseguir.
— Fizemos tudo como manda o figurino — ela responde,
sorridente, com um olhar nostálgico. Vanessa parece estar se
lembrando de seu casamento. — Você foi minha madrinha.
— É bom mesmo que eu tenha sido.
— Você e Luna, na verdade.
Reviro os olhos momentaneamente. É claro que ela tinha que
estar presente até mesmo nisso. Se bem que faz sentido, afinal foi o
casamento do irmão dela também. Todos à minha volta falam sobre
como eu e ela não desgrudamos uma da outra. É surreal imaginar
que já amei Luna um dia.
Vanessa e eu continuamos conversando sobre tudo, e quero
saber sobre as pessoas que convivem comigo. Ela conta sobre o
casamento de minha irmã e Rodrigo, e isso não me surpreende,
afinal Belinda sempre fez questão de dizer, todos os dias, que ele
era o homem de sua vida e que eles iriam se casar.
Fico sabendo que tenho dois sobrinhos: Serena, de onze
anos, e Harry, de sete. Estou ansiosa para conhecê-los. Imagino
que devam ser duas das tantas crianças presentes em fotos
espalhadas por essa casa. Uma coisa é fato: Luna e eu amamos
fotografias. Vanessa também me conta sobre minha irmã mais nova:
Sofia havia acabado de concluir mais um semestre da faculdade.
Ela está cursando Direito, pretende se tornar advogada. Um sonho
de infância. Fico feliz que irá realizá-lo. Também fico sabendo que
ela estava namorando, mas terminou há algumas semanas. E ela
também é hétero. Só eu tenho bom gosto nessa família.
— Preciso muito te fazer uma pergunta e tenho certeza de
que você sabe.
— O quê? — Ela me olha, curiosa.
Estou sem jeito para fazer essa pergunta, mas prefiro que
Vanessa me envergonhe a ter que perguntar isso diretamente a
Luna.
— Com quem foi minha primeira vez?
Vanessa me olha como se a resposta fosse óbvia, e eu
petrifico no lugar. É claro que eu imaginei essa possibilidade, mas
tinha esperanças de que não fosse verdade.
— Essa pergunta é óbvia. Você está casada com ela, tem um
filho com ela.
Não. Eu me recuso a acreditar que até isso eu tenha
compartilhado com Luna.
— Eu não consigo... Eu só... Ugh!
Não consigo acreditar, muito menos aceitar, que minha
primeira vez tenha sido com Luna. Isso é algum castigo, não é
possível. Eu lembro que naquela época sentia certa atração por
uma garota do terceiro ano, Jennifer.
Por que logo ela?
Será que Luna foi carinhosa e teve paciência?
Imagino que sim, pois eu jamais teria me casado com ela.
Céus! Eu me casei com ela.
Temos um filho juntas.
Não acredito que construí uma vida com a psicopata idiota.
— É estranho a ponto de ser engraçado te ver tão espantada
com essa informação. Era meio óbvio. Por um lado, eu não vou
mais ser obrigada a te ouvir falar sobre a primeira vez perfeita de
vocês duas. Você precisa mesmo sempre detalhar tudo?
— O quê?
— Não me olhe com essa cara, Camille. Os tempos
mudaram, e tudo está diferente agora.
— Eu não consigo aceitar. É difícil acreditar.
Levo as mãos até meus cabelos, segurando os fios entre os
dedos.
— Pois acredite, é a mais pura verdade. Você é
completamente louca por aquela mulher.
— Não fale isso nem de brincadeira. Louca eu estava
mesmo, me casei com Luna Jacobs.
— E sempre teve orgulho disso. — Eu a encaro com cara de
poucos amigos, mas isso nem a abala. — Você a ama, Camille. Não
estamos mais no colegial.
— Se alguém me dissesse que hoje estaria casada com ela,
eu mesma prenderia a pessoa em um hospital psiquiátrico.
Vanessa acaba rindo e eu também não seguro a risada. Já
que estou no inferno, é melhor colocar uma roupa refrescante
mesmo e pegar um bronzeado.
— Muita gente ficou surpresa quando vocês se envolveram.
Foi um choque.
— Eu imagino que tenha sido mesmo. — Solto um longo e
pesado suspiro. Muita informação para armazenar em minha mente
defeituosa. — Só não consigo imaginar como todo aquele ódio virou
amor. Luna e eu sempre nos detestamos.
— Vocês se detestavam?
Vanessa inclina a cabeça para trás e solta uma sonora
gargalhada. Confusa, eu a encaro.
— Sim! Todos sabiam que nos odiávamos.
— Lil, você me diverte muito — ela diz quando para de rir, e
limpando os cantos dos olhos, estala a língua e nega com a cabeça.
Estou mais confusa ainda. — Vocês nunca se odiaram.
— Mas como...
— Você, Camille. Somente você odiava Luna. Ela nunca te
odiou, muito pelo contrário.
Como assim a Jacobs nunca me odiou? E as piadinhas?
Provocações? O número de vezes que aquela criatura satânica me
prendeu no teatro da nossa antiga escola? As vezes que me fez
chorar de tanta raiva? Como ela podia não me odiar? Tudo aquilo
deixava claro para mim que ela nunca me suportou.
— Óbvio que nos odiávamos, Vanessa. Você sempre
presenciou as coisas que ela fazia comigo. Luna Jacobs me odiava
tanto quanto eu a odiava.
— Camille — ela chama meu nome e segura meus ombros.
— Luna nunca odiou você, mas sabia do seu ódio por ela. Era por
isso que sempre arrumava alguma forma de implicar com você. Ela
só gostava de provocar.
— Eu sempre a odiei, porque nunca tive paz. Luna sempre
encontrava um jeito de acabar com o meu dia. Todas aquelas
brincadeiras idiotas, sem contar as cantadas extremamente
ridículas. Eu queria matá-la.
Vanessa revira os olhos e solta meus ombros. Ela dá um tapa
em minha testa e eu a encaro, incrédula. Afinal, qual é o problema
dela?
— Você costumava ser mais esperta, Lil. Luna não podia te
deixar em paz.
— Eu sei disso. Essa era a razão para eu odiá-la tanto.
— Ela sempre foi apaixonada por você. Acho que todo
mundo notava isso.
— O quê?
Eu quero gritar. Juro que minha vontade é de soltar um grito
de espanto digno daqueles filmes de horror bem pesados, mas meu
tom de voz sai baixo, de forma incrédula.
Era impossível. Luna Jacobs não podia ser apaixonada por
mim.
— Você teve essa mesma reação quando soube pela
primeira vez.
— Isso é impossível, Vanessa. — Levanto-me do sofá,
começo a andar de um lado para o outro e nego com a cabeça
diversas vezes, confusa e em negação. — Como alguém pode se
dizer apaixonada por outra e fazer tudo o que ela me fez? Que tipo
de paixão doentia é essa que te faz ser idiota com a pessoa que
ama?
Indignação é pouco para definir o que eu sinto, estou muito
irritada agora. Como ela poderia ser apaixonada por mim, se me
tratava como qualquer uma? Teria sido mais fácil simplesmente me
convidar para sair. Não que eu fosse aceitar, claro, mas qualquer
coisa era válida. Menos a saída que ela encontrou.
— Simples: ela queria sua atenção. — Eu abro minha boca
para responder àquilo, mas Vanessa me impede. — Luna era só
uma adolescente e nunca tinha se apaixonado. Você nunca a tratou
bem, e ela achou que essa era a melhor forma de estar perto de
você.
Suspiro, mordendo o lábio inferior, e pensativa, encaro um
ponto qualquer na parede. Dessa vez, as coisas parecem fazer um
pouco mais de sentido, embora eu ainda ache que tudo isso foi uma
burrada extrema. Se ela queria minha atenção e,
consequentemente, me conquistar, o plano deu totalmente errado.
Eu a odiava.
Pensei que Luna me achasse feia, ou talvez apenas tivesse
ficado irritada, porque eu não era como as outras pessoas. Nunca
me derreti por aquela idiota. Eu pensei que tudo não passava do
seu ego ferido.
Quero dizer... por que outra razão ela iria implicar tanto
comigo? Nem estudávamos juntas, não fazia sentido.
— Eu não consigo acreditar. Sempre achei que Luna não
gostasse de mim também.
Confesso: ainda estou surpresa. Tudo isso é mais surreal
para mim do que ter acordado casada com ela. Eu jamais imaginaria
que Luna nutria sentimentos por mim naquela época. Ela tinha uma
maldita legião de garotos e garotas aos seus pés, todos loucos para
receber o mínimo possível de atenção dela. Por que Luna se
interessaria logo por mim? Era simplesmente inacreditável.
— Você realmente nunca percebeu os olhares indiscretos
dela? — Vanessa questiona, parecendo incrédula, e eu nego com a
cabeça, pois nunca reparava nela, para ser sincera. Lembro-me
apenas de uma vez que a peguei com os olhos na minha bunda.
Fiquei irritada, na época, e briguei com ela. Luna era uma
depravada. — Os olhos dela nunca desgrudavam de você. Estou
surpresa que nunca tenha percebido.
— Eu realmente nunca percebi.
Sinto-me tola por nunca ter notado aquilo. Mas por que eu
notaria também? Isso só me deixaria com mais ódio daquela idiota.
— Eu não sei, mas ela nunca foi discreta.
Afundo-me no sofá. Existem tantas coisas que não sei,
milhares que ainda preciso descobrir. Estou até com medo de
perguntar sobre mais coisas.
— Ela foi minha primeira em tudo, certo?
— Tecnicamente, sim.
— Como assim “tecnicamente”? Eu tive outras pessoas?
Isso me deixa surpresa. Eu lembro que não tinha dado meu
primeiro beijo ainda, mesmo que as oportunidades tivessem surgido.
Nunca me preocupei com isso.
— Não. Luna foi sua primeira na maioria das coisas, menos
no seu primeiro beijo.
— Meu primeiro beijo não foi com ela?
Não posso conter o tom de felicidade em minha voz. Pelo
menos isso eu não compartilhei com Luna, e esse fato me deixa
tranquila. Vanessa entorta a boca, mas nem me importo. Estou feliz
que meu primeiro beijo não tenha sido com a idiota.
— Você realmente perdeu sua memória.
— Por que está assim?
— Camille, você odeia se lembrar do seu primeiro beijo.
Quero dizer, odiava. Porque agora você não lembra, mas essa
lembrança nunca te trazia felicidade.
Eu não acredito.
— O que aconteceu para eu odiar essa história? Eu fui
forçada?
— No dia em que você deu o seu primeiro beijo, estávamos
em uma festa. Luna estava lá também. Tudo ocorria bem, até que
alguém decidiu que seria legal brincar de desafio — ela começa a
contar sobre aquele dia, e estou muito curiosa para saber. — O jogo
começou bem e divertido. Isso, é claro, até você ser desafiada a
beijar Luna.
— Eu neguei e depois aceitei quando foi com outra pessoa?
— Você não só negou como disse que apenas beijaria se
fosse a Jennifer. Lembra-se da sua paixão incubada no colegial por
aquela garota?
— É claro que me lembro.
Não teria como esquecer a garota mais linda de todas.
— Então, o seu desafio mudou, e você teve que beijá-la ao
invés de Luna.
— E eu a beijei...
Encolho meus ombros ao concluir aquilo, e Vanessa
concorda com a cabeça.
— Isso destruiu o coração da Luna. Ela sabia que aquele era
o seu primeiro beijo. Tudo bem que você não fazia ideia dos
sentimentos dela naquela época, mas consegue se colocar no lugar
dela? Como se sentiria se visse a pessoa que você gosta preferir
beijar outra na sua frente, apenas para que você não fosse a
primeira?
— Meu Deus.
Dessa vez, estou decepcionada comigo mesma. Consigo
imaginar como Luna se sentiu, e isso me deixa péssima. Não é
porque eu nunca gostei dela que a machucaria de propósito. Nunca
fui má pessoa. Se eu soubesse dos sentimentos dela, tenho certeza
de que não faria isso, principalmente na frente dela. Ninguém
merece passar por isso.
— Eu disse que você não gosta dessa história.
— Luna não merecia isso. Como pude ser tão cruel?
Será que Luna não é nada do que eu pensava que era? Será
que, na verdade, eu sou a idiota da história? Muitas perguntas
surgem em minha mente, mas não sei como respondê-las. Posso
apenas afirmar que nem sequer conheço a mim mesma. Tornei-me
alguém que repudio nesse momento. Espero que a conversa com
Luna não seja tão pesada.

Eu queria muito que Vanessa ficasse comigo ali pelo resto da


noite, mas precisava me acostumar com o fato de sermos adultas
agora. Ela tinha suas responsabilidades. Fui lembrada disso quando
ela se despediu de mim, alegando que precisava voltar para casa,
pois Noah não era confiável na cozinha, e Anthony chegaria com
fome. Despedi-me dela com o coração apertado, mas ela prometeu
que voltaria a me visitar.
Estou sozinha outra vez naquela enorme sala, assistindo à
televisão. Para ser sincera, eu nem estou prestando atenção no que
se passa na tela. Toda a conversa que tive com Vanessa ainda está
na minha cabeça, fico remoendo aquela história do meu primeiro
beijo ainda. Luna deve ter se sentindo péssima com a minha atitude.
Minutos mais tarde, a porta da frente é aberta, e finalmente a
casa é preenchida com o som de vozes. Demora poucos segundos
para que eu veja não somente Luna, como Louis pendurado em
suas costas. Os dois parecem se divertir, enquanto cantam uma
canção. Eu estava certa: ela é uma boa mãe e eles realmente se
dão bem.
Fico curiosa para saber como eu os recebia quando minha
memória não estava ruim. Será que os lembrava de retirarem seus
sapatos, antes de entrarem, ou corria até eles porque tinha passado
muito tempo sozinha e estava com saudade?
É uma das tantas curiosidades que tenho.
— Mommy!
Louis exclama ao me notar sentada no sofá. Sorrio para o
pequeno, e Luna o tira de suas costas, mas diz algo em seu ouvido.
Ele concorda com a cabeça e depois corre em minha direção. Seu
abraço é reconfortante demais.
— Oi, Lou — o cumprimento, com os braços em volta de seu
corpo, e ele se afasta um pouco, segurando meu rosto em suas
mãos pequenas para me encher de beijos. Isso me faz gargalhar, e
meu coração acelera dentro do peito. É impossível não amar essa
criança.
— Eu senti muita saudade — ele confessa assim que nos
soltamos, e eu sorrio para ele, bagunçando seus cabelos curtos.
Parece que foram cortados recentemente.
— Eu também senti muita saudade — sou sincera. Essa casa
fica triste e sem graça sem a presença dele.
Louis sorri com a língua entre os dentes. É adorável ver suas
bochechas cheias ficarem evidentes. Esse garoto é realmente meu
filho.
— Carinha, vá lavar suas mãos — Luna diz, atraindo sua
atenção. — Vou preparar alguns sanduíches. Você quer queijo-
quente?
— Sim!
Ele comemora, com os braços erguidos, e Luna sorri,
começando a tirar seus tênis no canto da sala. Ela retira do ombro
uma mochila azul e estende para Louis.
— Tire seu uniforme e lembre-se de colocá-lo no cesto de
roupas sujas — ela ordena, e Louis apenas concorda, antes de
começar a subir as escadas. Eu continuo olhando para ela, sem
saber o que fazer. — Você comeu alguma coisa?
— Não. Eu estava prestes a procurar por alguma coisa.
— Frango com tomate e molho especial? — sua pergunta me
deixa confusa, e ela parece notar isso. Luna abre um pequeno
sorriso, ficando de pé corretamente após colocar seus tênis no lugar
certo. — Esse costumava ser o seu sanduíche favorito.
Ela nem espera pela minha resposta e sai dali, indo em
direção à cozinha. Suspiro, consciente de que sua frieza é culpa
minha. Talvez eu tenha pegado pesado demais na noite passada.
Mas o que posso fazer? Não me lembro de gostar dela.
Será que vamos viver assim, sem nos comunicarmos direito?

Nosso lanche não ocorre da maneira que eu esperava.


Pensei que o clima seria pesado, mas a presença de Louis faz toda
a diferença. Luna e eu até interagimos. Ela não parece mais tão
chateada comigo. Quando terminamos de comer, o pequeno me
arrasta para assistir à televisão, enquanto Jacobs fica encarregada
de limpar toda a bagunça.
Agora estou sentada no sofá, acariciando seus cabelos, com
ele deitado em meu colo.
Não parece tão estranho quanto eu pensei que seria. Não me
lembro de tê-lo carregado comigo, mas sinto esse instinto maternal
com ele. É natural. Quem sabe, com o passar dos dias, eu me
acostume com o fato de ter um filho?
— Mommy? — ele me chama, e eu olho para baixo. Louis
ergue a cabeça, ajeitando-se melhor no sofá. Seu olhar demonstra
algo estranho, o qual não consigo identificar.
— Fiz o carinho errado? — Ele rapidamente nega com a
cabeça. — O que aconteceu?
— É que... queria perguntar uma coisa à senhora.
— Pode perguntar qualquer coisa.
Louis suspira e se senta corretamente no sofá. Estou atenta a
seus movimentos, ele parece mesmo prestes a dizer algo sério.
— Mommy, a mamãe e a senhora brigaram noite passada?
Seus olhos brilham, tristes, e meu coração aperta. Eu sabia
que ele poderia ter escutado alguma coisa, e isso faz com que eu
me odeie. Louis não deve presenciar essas coisas.
— Lou...
— Foi porque eu me sentei daquela forma no sofá? Eu sei
que a senhora não gosta, mas não foi culpa da mamãe. Prometo
que nunca mais faço isso — ele se exaspera, falando sem parar e
gesticulando ao mesmo tempo. Isso me parte o coração, ele pensa
que a culpa foi dele.
— Louis...
— Eu prometo que vou fazer tudo o que a senhora pedir,
mas, por favor, não briga com a mamãe. Ela triste me deixa muito
triste — Louis termina de falar e agarra minha cintura com força,
parecendo desesperado.
Sinto meu coração muito apertado no peito. Quero me livrar
dessa angústia.
— Pequeno, a culpa não foi sua — tento tranquilizá-lo,
aliviando sua culpa. Seus ombros tremem, e isso chama minha
atenção. — Você está chorando?
Ele nega com a cabeça, mas funga baixinho. Odeio vê-lo
assim.
— Promete que vocês não vão ficar discutindo mais? Eu juro
que vou ser o melhor filho possível. — Louis se afasta de mim. Seus
olhos estão avermelhados, assim como suas bochechas. — Não
gosto de ver a mamãe chorar. Meu coração dói muito. — Ele coloca
a mão direita sobre o lado esquerdo do peito, como se quisesse
mostrar onde dói.
Não posso evitar que uma lágrima escape de mim, seguida
de outra. É impossível evitar. Vê-lo assim, visivelmente machucado
com a situação, está me machucando também. Um soluço escapa
de mim e agora não tenho mais como evitar: estou chorando. Isso
parece ativar algum instinto protetor em Louis, pois não demora
muito para que ele esteja em meu colo, puxando minha cabeça para
si, enquanto suas pequenas mãos fazem carinho em meus cabelos.
É como se ele quisesse dizer que estava ali para mim. Essa criança
tem apenas seis anos mesmo?
Não sei explicar, mas saber que Luna chorou noite passada
conseguiu me deixar incrivelmente para baixo. Senti como se
machucá-la me machucasse muito mais. Nós duas temos algum
tipo de ligação estranha. Além disso, ver como isso afetou Louis
diretamente só serviu para fazer com que eu me sentisse ainda pior.
— Mommy, eu também não gosto de vê-la chorando — sua
voz sai chorosa em meio aos meus cabelos, e eu fungo algumas
vezes. — Não gosto de ver nenhuma das duas tristes. Mamãe
sempre diz que eu devo te dar colo sempre que a senhora estiver
triste e ela não estiver aqui, porque meu dever é cuidar de vocês
duas.
É impossível não chorar ainda mais, mas dessa vez também
de felicidade. Eu consigo visualizar Luna dizendo isso para ele, de
forma tão carinhosa e protetora. É incrível como a vida pode nos
surpreender. Sempre imaginei que ela seria uma péssima mãe e
teria um monte de mini delinquentes.
— Você é um homenzinho. — Seguro seu rosto em minhas
mãos, olhando-o nos olhos. Sinto como se estivesse segurando
minha vida, não posso evitar a explosão de sentimentos em meu
peito. — Meu filho... eu amo você — sussurro para ele.
Louis abre um enorme sorriso e abraça-me pelo pescoço com
força.
— Eu amo você, mommy — ele responde, e é tudo o que eu
preciso ouvir.
Nada como me sentir amada pelo meu filho.
Meu homenzinho.
O meu carinha.
Capítulo 5 - Diários
O dia amanhece cinza, completamente coberto de nuvens
escuras. O fato de lá fora estar frio e nublado parece apenas um
reflexo do que está acontecendo dentro de casa.
Faz exatos três dias desde que Luna e eu trocamos mais do
que apenas algumas palavras. Ela está me ignorando, acho que
isso é claro, só não entendo o motivo exato. Todos estão sofrendo,
não só ela. Sei que deve estar sendo difícil, mas não adianta nada
me ignorar, afinal como poderei me lembrar das coisas se nós duas
não conversarmos?
Eu gostaria muito que todos à minha volta tentassem, ao
menos, compreender minha atual situação. Ninguém parece ter
noção de como tudo isso está sendo para mim. Um dia, eu
simplesmente acordei e descobri que estava casada com uma
pessoa que eu abominava e que tivemos um filho juntas. E, como se
já não fosse horrível o suficiente, todos dizem que eu a amava
bastante.
Como lidar com tudo isso? É impossível.
Será que ninguém percebe que estou com medo? Pareço ser
uma telespectadora da minha própria vida. É sufocante, na verdade.
Parece que estou afundando em mim mesma e ninguém pode me
salvar desse abismo sem fim.
Minha mãe me ligou hoje cedo e conversamos por quase
duas horas. Tive que aguentá-la falando sobre Luna. Sim, ela falou
o tempo todo daquela idiota. Dona Guadalupe realmente parece ser
a fã número um daquela mulher. Sinto que perdi minha mãe ao
menos um pouco. Louis e Luna saíram, lembro-me de ouvir os dois
comentarem algo sobre uma partida de basquete com Noah e Toni.
Pelo menos os dois se dão bem.
Nos últimos dias, desde o fatídico dia em que acordei
desmemoriada, minha única alegria tem sido estar cercada pelo
meu filho. Chamá-lo assim tornou-se algo tão natural e nada
assustador, apesar da rapidez com que me acostumei com esse
termo e o significado dele. Um filho. Lindo, inteligente, obediente e
muito divertido. Não é possível conviver com aquele pequeno sem
ficar encantada. Ele é cativante.
Devo minha sanidade a essa criança. Se eu ainda não surtei,
é graças a ele.
Luna não interage conosco, mas eu sinto seu olhar sobre
mim sempre que estou com ele. São os únicos momentos que a
tenho visto sorrir de forma genuína. Ela parece apreciar a atenção
que dou a Louis. Não é sacrifício nenhum, para ser sincera, é a
coisa mais fácil do mundo apenas ser mãe dele. Confesso, é um
pouco estranho quando ele se refere a mim dessa forma, mas
apenas por causa da minha mente presa à adolescência. O meu
sentimento por essa criança é imenso.
Mais uma vez, observo o enorme mural em uma das paredes
do corredor, no andar de cima. Eu tenho feito esse mesmo ritual de
vir até aqui, depois de acordar, e ver as fotos durante os dias que
sucedem a minha trágica amnésia. Um sorriso involuntário surge em
meu rosto, é impossível controlar. São fotos realmente boas, de
momentos memoráveis... Bom, para quem tem as lembranças
armazenadas, sim, pois para mim são apenas fotos que parecem
mentiras.
Há muitas fotos de Louis, uma quantidade infinita, que deixa
tudo mais parecido com uma cápsula do tempo. Uma delas, em
especial, tornou-se minha favorita: a que o pequeno bebê está
encolhido nas costas de um cachorro enorme. Existem outras duas
que são muito adoráveis.
Dezesseis anos causam mesmo mudanças significativas, não
é?

O dia foi animado. Eu diria que foi o mais agradável desde


que perdi a memória. Luna mudou bastante, isso é nítido, e não
posso ser hipócrita a ponto de fingir que não notei isso. Porém, algo
que não mudou foi a minha antipatia por ela. Vocês não imaginam
como foi ter sido atormentada por essa mulher durante anos. E,
então, um dia, acordo dezesseis anos à frente e descubro que,
nesse meio tempo, eu me apaixonei, me casei e construí uma vida
ao lado da pessoa mais detestável do mundo. Não podemos nos
esquecer do filho que tivemos juntas.
Isso é tão surreal que, mesmo repassando isso todos os dias
na minha mente, ainda assim parece inacreditável. Não consigo, de
forma alguma, imaginar um mundo em que eu tenha amado Luna
Jacobs. Isso não existe. Como foi acontecer?
Como tanto ódio pode ter virado amor?
— Camille?
— Meu Deus! Você me assustou.
Levo minhas mãos ao peito, olhando para a porta do quarto.
Luna está ali, com apenas seu tronco para dentro, com os cabelos
presos e o rosto limpo de qualquer maquiagem. Suas olheiras
parecem mais visíveis, ela precisa mesmo de uma boa noite de
sono.
— Desculpe-me, não foi minha intenção. — Ela faz menção
de entrar totalmente no quarto, e como reflexo, apenas puxo os
cobertores mais para cima, cobrindo minhas pernas. — Você
aprendeu a ligar a lareira? Eu deixei o controle aqui.
— Não exatamente — confesso. Era a mais pura verdade, eu
não me dou bem com essa nova tecnologia. São muitos objetos
com diversas funções. — Fiquei sem jeito de pedir a você.
— Não precisa ficar com medo de falar comigo. Não sou de
fazer grosserias.
Não era assim antigamente. Eu apenas penso, é claro. Tenho
que aprender a ser menos rude com ela. Luna está sendo
agradável, e não é educado ficar fazendo grosserias. Inclusive,
acredito que sua última frase tenha sido uma indireta para mim. Mas
eu não tenho culpa se não a suporto e não tenho paciência com ela
em alguns momentos.
— Obrigada.
— Tudo bem. Hm, tenha uma boa noite, Camille. Vou apenas
tomar um banho e trocar de roupa.
Apenas aceno com a cabeça, observando-a entrar no closet
e sair segundos depois, com uma muda de roupas. Ela entra no
banheiro, e tudo no quarto fica em silêncio. Deveria ser confortável,
mas com a presença dela tudo parece um pouco pesado. Fico sem
saber exatamente o que fazer. Demora apenas alguns minutos para
o ambiente ficar aquecido, e isso me deixa feliz. Dormirei bem.
— Luna?
— Oi?
Ela fecha a porta do banheiro e me olha. Seu perfume toma
conta do quarto todo. Luna é cheirosa, não tem como ser indiferente
a isso.
— Quando eu era mais nova, lembro que tinha o costume de
anotar tudo. Você sabe me dizer se ainda tenho esse hábito?
O rosto dela se ilumina. Parece que minha pergunta a faz se
lembrar de algo importante.
— Sim. Você manteve seus diários. — Ela se aproxima de
mim, se abaixa e pega algo em uma das enormes gavetas
embutidas da cama: uma caixa de papelão enorme e retangular. —
Você tem três dessas. Elas ficam aqui dentro.
— Sério? Eu ainda escrevia, conforme as semanas?
— Sim. Todo primeiro dia da semana, você se sentava no
meu escritório para escrever sobre os acontecimentos.
— Lembro-me bem disso. — Um sorriso enfeita meus lábios,
e Luna coloca a caixa sobre meu colo. Está escrito: “Não esquecer”.
Que irônico, não? — Esses são os mais recentes?
— Sim. Os anos estão anotados nas capas dos diários. —
Pego um dos cadernos de capa dura. A sigla “C.C.J.” está
estampada na capa e, logo abaixo, o ano: 2016. — Vou te dar
privacidade. Tenha uma boa noite, Camille.
— Luna, espera! — peço, antes que ela saia do quarto,
coloco o caderno de volta na caixa e a encaro. — Onde estão os
mais antigos?
— Guardados no porão. Posso pegar as caixas para você
amanhã, caso queira. — Concordo com a cabeça; ela sorri de lado e
acena para mim. — Sua irmã, Belinda, volta amanhã de viagem.
Talvez você queira vê-la. Durma bem — diz e finalmente sai do
quarto, deixando-me sozinha com a minha adorada solidão.
Solto um longo suspiro. Felizmente, verei Belinda amanhã.
Espero descobrir mais coisas sobre os últimos anos. Volto a olhar
para a caixa sobre minhas coxas e sorrio. Fico feliz por ter mantido
o hábito de escrever em diários. Assim, quem sabe, poderei
entender melhor as coisas. Pego outra vez o caderno referente a
2016 e procuro primeiro a minha última anotação.
Uau, minha letra continua uma merda. Penso, antes de
começar a ler.
Meu Deus... O que mais eu vou encontrar nos outros diários?
Capítulo 6 - Família
O dia seguinte amanheceu melhor, apesar da minha insônia
durante a madrugada. Fiquei repassando mentalmente a anotação
que li, durante horas, tentando desesperadamente me lembrar de
algo. Infelizmente ou felizmente, não consegui ter uma mísera
lembrança. Nenhum resquício do passado recente, nada. Estou
começando a pensar que as coisas devem ficar assim mesmo.
Duas batidas à porta chamam minha atenção. Não preciso
tentar adivinhar quem é, pois só pode ser mesmo uma pessoa.
Respiro fundo e me recomponho antes de respondê-la.
— Pode entrar.
— Bom dia, minha cópia.
Meus olhos quase saltaram das órbitas ao ouvir aquela voz.
Eu imaginei que fosse Luna, mas nada poderia ser melhor do que
isso. Salto da cama rapidamente e vou em direção à minha irmã,
puxando-a para dentro do quarto e envolvendo-a em um forte
abraço. Belinda gargalha em meu ouvido e me aperta em seus
braços também.
— Meu Deus! Você está... — Finalmente a solto um pouco,
não muito, apenas o suficiente para que eu possa vê-la. Somos
idênticas, então ela está com os mesmos traços que os meus. Mas
seus cabelos, antes tão enormes, agora estão batendo um pouco
acima de seus ombros. — Igualzinha a mim.
— Claro, mas eu estou bem mais bonita.
Ela balança os cabelos curtos e faz uma cara de convencida.
Eu reviro os olhos e dessa vez a solto totalmente, afastando-me.
— É bom ver você. O mundo parece estar de ponta a cabeça.
— Fiquei sabendo. Estou horrorizada. Precisamos conversar.
Concordo rapidamente. Belinda está com uma expressão
desolada. Mesmo que tenha feito brincadeiras, eu sei que ela
provavelmente está sentindo a minha angústia. Nossa conexão
sempre foi forte.
— Tome um banho e depois desça, seus sobrinhos querem
ver você — ela diz.
— Não vou demorar — prometo, e ela acena com a cabeça.
Estou prestes a me virar e ir para o banheiro, mas sem poder me
conter, vou até Belinda e abraço-a outra vez. — Eu realmente senti
saudade.
— Eu também, irmã. Muita saudade.

O banho realmente não foi demorado. Desço as escadas e


logo posso ouvir vozes vindo da sala. Meu coração dispara quando
me dou conta de que vou conhecer os filhos da minha irmã. Sempre
imaginei como seria no futuro, quando todas nós estivéssemos com
nossas vidas, casas e filhos. Uma pena eu não me lembrar de ter
passado por todas essas etapas da vida.
Chegando lá, noto todos sentados no grande sofá da sala.
— Tia! — A menina de cabelos lisos e longos, que acredito
ser a minha sobrinha, Serena, salta do sofá assim que nota minha
presença. Ela vem rapidamente em minha direção, e eu me
surpreendo com o quanto ela se parece comigo e Belinda.
Praticamente os mesmos traços, além dos cabelos e dos belos
olhos castanho-claros. Simplesmente linda.
— Serena... — Ela agarra minha cintura bem apertado, e eu
retribuo seu abraço com força. É tão aconchegante. — Você está
enorme.
Serena gargalha ao se afastar de mim, e eu me curvo para
beijar sua bochecha. Ela é bastante cheirosa. Meus sentidos estão
ficando aflorados, e sei que vou chorar em breve, mas tento me
controlar. Não posso simplesmente cair no choro na frente das
crianças, tenho certeza de que ninguém lhes explicou o que
aconteceu.
— Ela puxou a minha altura. — Olho para a frente e me
deparo com Rodrigo indo em minha direção. Ele sempre foi alto e
parece mais, por ser muito magro, mas agora, além de estar com o
corpo definido e os cabelos grandes, ele parece ainda maior. — Olá,
Camille.
Quando ele me abraça, eu desapareço em seus braços
grossos. Fico pensando em como minha irmã aguenta um homem
desse tamanho. Isso soou bem mais errado do que eu esperava,
aliás.
— Sempre se gabando. — Minha irmã surge ao lado dele e
empurra-o com seu ombro. Olho para baixo e deparo-me com um
garotinho aparentemente tímido. Sorrio para ele. — Diz “oi” à sua
tia, Harry.
Ele hesita durante alguns segundos, mas se aproxima de
mim e abraça meu quadril.
— Oi, tia Mille.
— Oi, príncipe lindo.
— Já viram a tia de vocês, agora podemos ir ao campo?
— Sim, mãe! — Louis responde ao descer as escadas. Eu
nem tinha notado sua ausência, estava concentrada, admirando
meus sobrinhos. São lindos. É inacreditável imaginar que sou tia. —
Tchau, mommy.
— Tchau, filho. — Pego-o em meu colo e beijo todo o seu
rosto. Louis ri, parecendo adorar o carinho exagerado. Coloco-o no
chão outra vez e olho para o restante presente na sala, nos
observando. Minha irmã tem um enorme sorriso em seus lábios. —
Tchau, crianças. — Abaixo-me para beijar a bochecha de Harry e,
em seguida, vou até Serena. — Venha para cá no próximo final de
semana, okay?
— Sério?! — Concordo com a cabeça, e ela ergue as mãos e
comemora. Sorrio e abraço-a. — Tchau, tia.
— Vai começar a roubar minha filha outra vez.
— Deixe de ser ciumento, Rodrigo. E vocês estão esperando
o quê? Um convite formal para nos deixarem sozinhas?
— É isso, gente. Se minha cunhada mandou, vamos
obedecer — Luna finalmente se pronuncia, levantando-se do sofá.
Ergo uma sobrancelha. Curioso isso de ela obedecer a minha
irmã. Não tenho muito tempo para pensar nisso, pois todos logo se
despedem e deixam-nos a sós. Com a casa finalmente em silêncio,
posso, enfim, sentir todas as emoções que esse encontro com meus
sobrinhos e minha irmã despertou em mim. Parece que o peso do
mundo foi colocado em minhas costas.
— Somos só nós duas agora, irmãzinha. — Belinda abre um
pequeno sorriso e faz um sinal com a cabeça em direção ao sofá,
antes de se sentar nele, e eu a acompanho. — Explique-me sobre
essa história de amnésia. Você realmente não se lembra de nada?
— Não. — Solto um longo suspiro, engulo em seco e sinto
minha garganta arder. Sei que estou a poucos minutos de cair em
prantos. — Minha última lembrança é de dezesseis anos atrás.
— Isso é surreal.
— Sim! Imagine como foi para mim simplesmente ir dormir
odiando uma pessoa e acordar casada com ela. Essas coisas só
deveriam acontecer em filmes e livros.
— Eu nem sei o que falar, para ser sincera. Não consigo
imaginar quão difíceis as coisas devem estar.
— É realmente muito difícil. Todos à minha volta mudaram,
estão com suas novas vidas. Você… eu sempre te imaginei casada,
mas nada se compara à realidade. E eu tenho sobrinhos. Meu Deus!
Queria me lembrar do momento em que eles nasceram.
— Você e nossos pais choraram bastante — Belinda
confidencia, e eu acabo rindo. Não estou surpresa. — Quando
descobri estar grávida de Serena, foi um choque. Ela não foi
planejada. Rodrigo e eu ainda estávamos nos adaptando à vida de
casados, e, então... uma gravidez surpresa.
— Eu acredito que você tenha vindo me contar.
— Obviamente. Você sempre foi a primeira a saber de tudo
sobre mim. Em seguida, contei a Sofia, e ficamos nós três surtando
juntas.
— Estou imaginando a cena. Deve ter sido divertido.
— Primeiro foi um choque, mas depois veio a euforia. Nossos
pais se emocionaram assim que Rodrigo e eu contamos. Eles
sempre gostaram de família grande, e a expansão do clã Cruz era
sempre bem-vinda.
— Eu sei bem. Então... conte-me sobre a sua gravidez e tudo
mais.
Belinda começou a me contar sobre tudo pelo que ela e meu
cunhado passaram. A sensação de carregar uma vida dentro de si,
a dor do parto e a felicidade gigantesca de olhar para o rosto do seu
bebê pela primeira vez. Ouvir aquilo aflorou meus sentimentos de tal
forma que não pude me conter: comecei a chorar. Queria tanto me
lembrar da gestação de Louis. Isso me destrói.
— Parte meu coração te ver assim.
— Eu só... Eu...
Belinda se aproxima de mim para me consolar, e não
conseguindo mais conter o choro, deixo que ele saia com força e
escondo meu rosto em seu ombro. Minha irmã afaga minhas costas,
com um carinho reconfortante e fraternal. Tudo o que realmente
preciso no momento.
Ela chora comigo, sente a minha dor, da forma que sempre
foi.
Finalmente, choro de forma livre e sem precisar me conter. É
reconfortante, lava a minha alma. E ter passado por isso com minha
irmã comigo tornou tudo melhor ainda. Não há como evitar, sempre
terei uma conexão forte e surreal com ela. Talvez seja a ligação de
gêmeas, como meu pai diz. Ela me deu o colo que eu estava
precisando. Não era preciso ter dito nada, apenas seu carinho e sua
presença são o suficiente. Como sempre foram. Sou muito grata por
ter uma boa relação tanto com ela quanto com minha irmã mais
nova. Acredito que esse carinho não tenha mudado em nada com o
passar dos anos.
— Obviamente, você foi minha madrinha de honra — Belinda
comenta, enquanto me mostra as fotos de seu casamento. Ela
trouxe seu álbum para isso. O sorriso não some de meu rosto. É
nítida a felicidade tanto da minha irmã quanto do meu cunhado. Eles
foram mesmo feitos um para o outro. — Rodrigo chorou no instante
em que me viu entrar na igreja. Eu precisei ser muito forte para não
desabar junto. Foram horas de preparação, que eu não queria
deixar terem sido em vão.
— Meu Deus! Vocês estavam lindos demais. Olha o seu
tamanho perto dele, sempre baixinha demais.
— Engraçadinha. Você só diz isso porque sua esposa é
praticamente da mesma altura que você — ela resmunga, e eu fico
séria. — Mas sempre gostei da nossa diferença de tamanho.
Rodrigo faz com que eu me sinta protegida.
O sorriso bobo de sempre está ali, presente. Belinda sempre
ficava com um enorme sorriso no rosto toda vez que falava de
Rodrigo. Eu sabia que ele era especial, nunca a tinha visto tão
apaixonada por um garoto até vê-la com meu cunhado. É bom saber
que ao menos ela está se saindo bem em seu casamento. Belinda
fez uma boa escolha, eu não.
— É muito estranho ver essas fotos e não me lembrar —
comento ao observar uma foto em que estou de braços dados com
Belinda e Rodrigo. Nós três estamos sorrindo largamente, e ao
fundo parece ser a festa de casamento deles. Nossas roupas
também são outras, mais leves, diferente das que usávamos na
cerimônia.
— Não sei como você está conseguindo lidar tão bem com
isso. Eu estaria surtando a cada cinco minutos.
— Acredite, tenho vontade de fazer isso, mas minha mente
parece tão embaralhada que eu apenas sinto tudo calada.
— Guardar as coisas é pior. Por falar nisso, como você e
Luna estão?
Respiro profundamente. Esse é um assunto delicado e
incômodo, para ser sincera. Demoro alguns segundos para
responder, e Belinda não me pressiona, ela espera meu tempo. Sei
que minha irmã compreende meu desconforto.
— Nada bem, como era de se esperar.
— Você a está tratando como antigamente, né? — Meu
silêncio responde tudo por mim. Sinto o olhar pesado de Belinda
sobre mim, mas nem a encaro de volta. — Camille...
— Sem essa conversa de que tudo mudou. Eu percebi isso,
mas não tenho culpa se todas as minhas lembranças são de odiá-la.
— Eu imagino que tudo deve estar sendo um choque para
você, até por ter sido algo recente. Mas olhe a vida que vocês
construíram juntas, o filho incrível que vocês tiveram. E o principal, o
amor dela por você. Inicie uma conversa, pare de tratá-la mal.
— Eu não consigo.
— Então, peça o divórcio. — Levanto a cabeça, encarando-a,
surpresa com seu conselho. Belinda se mantém impassível e
encara-me com extrema seriedade. — Se você acha que não vai
conseguir fazer dar certo, peça a separação. Não dá para as duas
viverem assim. Ou você a deixa ir ou tenta encarar a realidade da
forma que ela é.
— Mas... — Engulo em seco. O simples pensamento de me
divorciar dela me traz um pouco de paz, mas também algo parecido
com angústia. — Temos um filho muito jovem, não sei se ele iria
compreender.
— Então, faça as coisas do modo certo.
— Eu não consigo amá-la. Não faço ideia de como aconteceu
a primeira vez e, sinceramente, prefiro não ter consciência disso.
Luna me magoou muito no passado.
— Você a magoou também, Camille. Nem tudo é sobre você.
Luna se retratou, durante muito tempo, por tudo o que aconteceu
antes. Que tal retribuir um pouco?
Fico calada. Não tenho resposta, de qualquer forma. Minha
irmã sempre teve o dom de me fazer pensar demais com suas
reflexões. Eu acredito que seja válido tentar recuperar algumas
coisas, mas como fazer isso? Não sinto nada por Luna, além de
antipatia. Ela realmente desperta o meu pior.
O que eu devo fazer? Pelo amor de Deus. Estou me sentindo
sem saída.
Talvez o divórcio realmente seja uma boa saída para nós
duas.

— Vanessa me mandou uma mensagem. Disse que


encontrou o pessoal no parque e deixou Toni com as crianças.
Olho para Belinda, que acaba de entrar na cozinha. Senti
fome e resolvi matar a saudade de preparar alguma coisa. Sempre
fui uma grande fã de cozinhar, e essa cozinha enorme me enche de
ideias. Depois irei pesquisar algumas receitas, preciso voltar à boa
prática.
— Ela está vindo para cá?
— Sim.
Estou concentrada em mexer a massa dos biscoitos, porém,
com o canto do olho, vejo minha sorrateira irmã tentar roubar um
pouco do chocolate que irei usar para fazer as gotas.
— Ouch, Camille! — ela exclamou, assustada, após levar um
tapa meu em sua mão enxerida.
— Você não perde essa mania de tentar roubar a comida,
né?
— E você sempre me proibindo. Queria ver se fosse um
desejo de grávida.
Quase deixo o pote cair de minhas mãos. Belinda está
encostada de costas em uma das bancadas, com os braços
cruzados e os olhos fixos nas bolinhas de chocolate.
— Você está grávida?!
— Não, mas eu poderia estar.
— Que susto. Por um segundo, pensei que iria ganhar mais
um sobrinho.
Solto um longo suspiro. Posso dizer que estou um pouco
triste por ela não estar esperando um bebê. Seria legal acompanhar
alguma gravidez. Eu amo crianças e grávidas, mimaria bastante
minha irmã para compensar a falta de lembranças sobre suas
gravidezes anteriores.
— Bem que o Rodrigo quer, mas ele mal sabe que eu ainda
tomo meus remédios.
— Isso é maldade.
— Maldade? É fácil para você falar, só tem um filho, que mais
parece um anjo. Queria ver se você cedesse aos apelos de Luna. O
desejo dela é ter, ao menos, quatro filhos.
— Ela é louca. Eu amo crianças, mas quatro é um número
exagerado.
— Exatamente. Se eu fosse ceder toda vez que seu querido
cunhado deseja ter um filho, provavelmente teríamos um time Cruz
de futebol. — Acabo rindo de sua fala. Lembro bem que de nós três
— Belinda, Sofia e eu — minha irmã gêmea sempre foi a que mais
teve pavor de ter muitos filhos. — Vou ao banheiro, já volto.
— Tudo bem.
Termino de montar os biscoitos. Dois grandes tabuleiros de
biscoitos com gotas de chocolate. Minha boca enche d’água só de
imaginar quão saborosos eles são. Mexer no fogão não é difícil,
obviamente, apesar de ter muitos botões extras. Parece que Luna e
eu somos amantes da tecnologia mesmo. Após colocar os tabuleiros
no forno, ajusto um pouco mais a temperatura para que não
queimem.
Belinda ainda está no banheiro, então me sento à mesa para
esperá-la e, repassando nossas conversas, recrio os
acontecimentos em minha cabeça. Imagino como deve ter sido o
casamento da minha irmã e o nascimento de seus filhos, a
felicidade da nossa família e a minha. Tenho certeza de que senti
orgulho por vê-la se tornando uma mulher. Tento imaginar como
deve ter sido quando foi a minha vez.
O som da campainha me impede de continuar criando
memórias, e levanto-me com um sorriso no rosto.
— Oi, meu amor... — Estou com um enorme sorriso em meu
rosto, mas fico séria ao receber um homem alto ao invés da minha
melhor amiga. Confusa e receosa, encosto um pouco mais a porta,
e ele sorri. — Uh, está procurando alguém?
— Sim, amor. Eu conferi se sua esposa não iria voltar antes
da hora, mas ela parece bem entretida.
Sabe aqueles desenhos animados que mostram o coração
dos personagens saltando do peito, quando eles levam um grande
susto? Isso aconteceria comigo agora mesmo, se fosse fisicamente
possível.
— Eu trouxe flores, mi latina. — Com um galante sorriso, ele
me estende um buquê de rosas vermelhas, o qual, só então, eu noto
estar em suas mãos.
Estou chocada, para se dizer o mínimo. Não consigo
acreditar que arranjei um amante. Que tipo de pessoa me tornei nos
últimos dezesseis anos? Se eu traio Luna, por que escrevi tantas
vezes que a amo nas últimas semanas? Que tipo de amor doentio
era esse?
— Quem é você? Eu vou chamar a polícia.
O cara para de sorrir, parecendo surpreso com minha
ameaça, e encolhe os braços, puxando o buquê contra seu peito.
— Eu sou o Robert, Camille. Isso é algum tipo de piada?
— O que…
— Posso entrar, amor?
— Claro que não! Suma daqui! — Fecho a porta com força.
Meu coração está disparado em meu peito. Não consigo assimilar
que o meu caráter era nulo. Eu traio a mulher com a qual me casei e
tenho um filho. Estou com nojo de mim mesma. — Meu Deus...
O meu horror não passa, na verdade aumenta no instante em
que ouço a porta ser aberta. Com os olhos arregalados, viro-me e
deparo-me com aquele homem outra vez. Ele me encarava como se
eu fosse louca, e eu quero socá-lo. Onde está Belinda?
— Camille? O que está acontecendo, amor? Você adora
flores.
— Mentira! Eu odeio flores.
Tropeçando em meus próprios pés, afasto-me dele e olho em
volta, mas não há nenhum sinal de minha irmã. Será que Belinda
ainda está viva?
— Amor, o que aconteceu? — Seu enorme braço puxa-me
pela cintura contra seu corpo musculoso. Eu arregalo os olhos, e ele
sorri. — Beije-me, estou com saudade.
Quando ergo a mão para lhe dar um tapa no rosto e me
afastar, ouço o som de risadas. Gargalhadas altas e
ensurdecedoras. Ainda assustada, olho em volta e vejo não
somente minha irmã idiota, mas Vanessa junto a ela. As duas estão
gargalhando, quase agachadas no chão de tanto rir. O tal cara
finalmente me solta, mas eu continuo paralisada.
— Que porra vocês duas estão fazendo? — grito,
completamente irritada e ainda confusa.
— Você viu a cara dela? Parecia que os olhos iriam saltar
para fora!
— Eu pensei que ela iria morrer. Nunca foi tão difícil não rir.
— Suas... — Pressiono meus lábios e olho para o idiota
parado em frente a mim. Ele está com um sorriso em seus lábios, e
isso me irrita ainda mais. Pego as malditas flores de suas mãos e
jogo-as no chão, fazendo soltar diversas pétalas. — Vão se foder!
— Camille! Foi só uma brincadeira. — Ouço Vanessa me
chamar em meio a risadas, mas eu a ignoro e continuo a subir até
meu quarto.
— Você é muito fiel à minha cunhada.
— Belinda, vai se foder! E você também, Vanessa! — é meu
último grito, antes de simplesmente bater a porta do meu quarto.
Não acredito que essas duas tiveram coragem de fazer isso
comigo. Eu nem consigo dizer quão apavorada, irritada e enojada
fiquei ao imaginar que pudesse ser infiel. Posso não a amar agora,
mas um dia isso aconteceu por alguma razão. Só não consigo
imaginar o quão irracional eu fui para me deixar apaixonar por essa
mulher.
— Você precisa confessar, foi engraçado.
Reviro os olhos para a fala repetitiva de minha irmã. Vanessa
e ela conseguiram me tirar do quarto, após longos minutos trancada,
ignorando as duas. Eu ainda estou irritada com a brincadeira idiota,
mas não vale mesmo a pena ficar assim. Elas nunca vão perder
essa mania de fazer implicâncias.
— Essa Camille rabugenta parece a mesma Camille de
antigamente.
— É, deve ser porque eu só me lembro de ser essa Camille,
não é, Vanessa?
— Ops!
Ela finge estar culpada e ergue as mãos, em sinal de
rendição. Eu reviro meus olhos. Não tem jeito, Vanessa não leva
mesmo as coisas a sério. Sempre foi dessa forma, e mesmo agora,
que somos adultas e temos nossas famílias, o seu jeito permanece
o mesmo. Isso quer dizer que nunca irá mudar, certo?
— Mas agora vamos falar de assunto sério, antes que nossos
amores voltem. — Eu abro minha boca para rebater isso, mas
minha irmã cobre meus lábios com suas mãos. — São seus amores
também.
— É tudo tão confuso. Tudo parece um sonho louco, que não
teve final por alguma razão.
— Você começou suas consultas com a psicóloga?
— Vou começar amanhã — respondo a Vanessa, e ela acena
com a cabeça. Solto um longo suspiro, antes de me inclinar para a
frente e pegar um dos biscoitos. Ficaram realmente bons. — Espero
que as consultas me ajudem a lembrar algumas coisas.
— Luna e você são amantes de recordações, principalmente
ela. Notou como tem milhares de fotos espalhadas por essa casa?
— É verdade — Belinda concorda com Vanessa. É mesmo
verdade, temos muitas fotos pela casa. — Sem contar os vídeos
que vocês sempre gravaram.
— Vocês já assistiram?! — Meus olhos quase saltam para
fora, e não posso evitar gritar. Estou horrorizada com a simples
hipótese delas duas terem visto aqueles vídeos pornográficos.
— Uh, sim! Eu acho que todo mundo viu muitos deles. Por
que você está com essa cara?
— Oh, Belinda... ela acha que estamos falando daqueles
vídeos.
Minha irmã olha, confusa, para Vanessa, mas logo sua
expressão facial suaviza e ela parece entender do que se trata.
Belinda abre um sorriso malicioso, o qual faz minhas bochechas
esquentarem.
— Infelizmente, nunca assistimos àqueles vídeos, mas
sempre tivemos curiosidade. Você fala tão bem do sexo com a
Luna, deve ter algum segredo.
— Eu... Parem com isso.
— Você tinha que se lembrar das suas safadezas e dos
comentários indecentes. Perdi as contas de quantas vezes ouvi
sobre a língua maravilhosa que sua esposa tem.
— Oh, meu Deus! Cale a boca, Vanessa!
— Olha só quem voltou a ser tímida, não é mesmo? Quando
ficava falando da sua vida sexual para nós duas, o rosto nem ardia.
Para a minha sorte, ou nem tanto assim, ouvimos vozes do
lado de fora, e logo em seguida, a porta da frente é aberta. Em
questão de segundos, o silêncio constrangedor, causado por
aquelas duas, é preenchido por gargalhadas e sons de passos.
Finalmente posso respirar, aliviada, por não precisar ouvir aqueles
absurdos, mas as duas ainda me encaram, com sorrisos maliciosos.
Não consigo acreditar nessa Camille de quem elas falam.
Não posso ter me tornado uma pessoa tão sem pudores assim, a
ponto de falar abertamente sobre minha vida sexual, de forma tão
explícita.
— Crianças, nada de bagunça na casa da tia Mille, vocês
sabem como ela odeia sujeira — Noah brinca ao chegar à sala.
Eu o olho com raiva, mas ele apenas ignora e direciona-se à
Vanessa. Não acredito que existe uma versão masculina e tão
debochada de minha melhor amiga idiota. Eu mereço mesmo.
— Mommy, vamos brincar de dançando na chuva? — Louis
chega todo animado até mim, mas eu fico confusa com seu pedido.
Não faço ideia de qual brincadeira seja essa e, por instinto, busco
com os olhos por Luna. Sei que ela irá me ajudar.
— Você não acha que já brincou muito hoje, carinha? —
Respiro, aliviada, quando ela o pega pela cintura e o ergue, até tê-lo
em seu colo. Louis gargalha, agarrando-se ao pescoço dela. —
Quem quer jogar videogame?
Todos gritam, sem exceções, até mesmo os adultos, e isso
me faz sorrir. Mesmo não me lembrando de momentos antigos com
todos eles, é perceptível que somos unidos. E sempre desejei
mesmo ter uma família grande e unida.
Eu acho que posso me acostumar com tudo isso.
Capítulo 7 – O maldito verão
A noite passada foi a melhor de todas. Não apenas por
finalmente ter “conhecido” meus sobrinhos e passado um ótimo
momento com todos, mas também porque meu filho dormiu ao meu
lado. Pude passar uma noite inteira abraçada a ele, o tempo todo, e
nada poderia ser melhor que isso, tenho certeza. É incrível como o
meu amor se intensifica mais a cada dia. Mesmo tendo se passado
poucos dias desde a minha amnésia, consigo entender o sentimento
imenso e incondicional sobre o qual todos os pais falam. Bem, a
maioria. É algo que não se pode medir. Você ama aquele pedaço de
gente que foi e sempre será parte de você, quer cuidar e proteger
de tudo. Pensa que no futuro, quando vocês entrarem em conflito,
eles não entenderão que sua preocupação é apenas um cuidado
excessivo.
O ciclo da vida é que os pais criem seus filhos e, quando for a
hora, os deixem. Não é para acontecer o contrário. Pensar em Louis
me causa algo muito bom, e eu quero cuidar desse garoto com tudo
dentro de mim. Sou capaz de dar a minha vida pelo meu filho, tenho
certeza disso. O simples pensamento de perdê-lo quase me sufoca.
Farei o impossível por ele. Quero compensar os anos esquecidos e
ter novos momentos inesquecíveis. Acompanharei todos os
momentos de sua vida.
— Mommy!
A porta é aberta repentinamente, e por ela um alegre Louis
passa. Sento-me para olhá-lo e, com um enorme sorriso em meu
rosto, abro os braços para que ele possa me abraçar. Noite passada
foi um pouco demais. Sinto seus cabelos úmidos tocarem minha
pele, e o cheiro de perfume misturado com sabonete me indica que
tomou banho.
— Oi, meu amor. — Beijo o topo de sua cabeça e fecho os
olhos, inalando seu perfume. — Dormiu bem?
— Sim! — ele exclama, solta minha cintura e fica de pé ao
lado da cama. Meus olhos analisam-no rapidamente: ele está
vestido com o uniforme de seu colégio. — Só faltou a mamãe com a
gente.
— Louis! — Luna entra de repente, e eu solto um suspiro
aliviado. Ainda não conversamos com ele sobre os últimos
acontecimentos, e eu não saberia como explicar a ele nossa
situação agora. Olho para ela e vejo sua expressão irritada. — Eu
não te disse para não correr na escada? E por que você acordou
sua mãe?
— Hey! Não precisa brigar com ele — interrompo aquele
início de repreensão, e Luna me olha como se pudesse me
pulverizar com os olhos. — É só uma criança agindo como criança.
Além do mais, eu já estava acordada, só não tinha me levantado
ainda.
Luna continua me encarando durante alguns segundos.
Pensei que ela gritaria comigo, mas apenas respira fundo.
— Louis, desça agora e termine o seu café da manhã.
Depois, iremos conversar sobre sua desobediência.
— Desculpe, mamães — ele murmura, antes de obedecer à
ordem de Luna. Com a cabeça baixa, meu filho sai do quarto, e isso
aperta meu coração. Sinto vontade de pegá-lo no colo e niná-lo,
mas a presença dela aqui me deixa sem jeito. Parece até mesmo
que ela brigou comigo também.
— Sério, Camille? Eu sei que você ainda não se acostumou
com isso, mas nunca mais me repreenda na frente dele. Ele é uma
criança, sim, porém precisa saber os limites, e você o acobertando
lhe dá liberdade para desobedecer outras vezes — sua voz
extremamente séria me faz sentir como uma criança mimada
levando esporro. — Não queremos criar um garoto rebelde que não
respeita ninguém, certo?
— Sim. Desculpe-me...
Luna passa as mãos em seu rosto coberto de maquiagem,
mas não borra nada. Em uma olhada rápida por todo seu corpo,
vejo que ela está vestida de maneira informal, porém, ainda assim,
elegante. Calça jeans justa, tênis discreto, uma camisa lisa da cor
branca de mangas longas, dobradas até os cotovelos, e os cabelos
perfeitamente arrumados. Em nada se parecia com a Luna de quem
me lembro do passado.
— Está tudo bem. Leva mesmo um tempo para se acostumar.
Levante-se para tomar um banho e se arrumar, ou iremos nos
atrasar.
— Aonde nós vamos? — questiono ao me arrastar pela
cama, calço meus chinelos, assim que fico de pé, e prendo meus
cabelos. Eles devem estar iguais a um ninho de pássaros.
— Você tem consulta com a psicóloga, lembra? Temos que
deixar Louis na escola também, e mais tarde irei levá-la ao seu
trabalho.
Uma enorme animação cresce dentro de mim. Finalmente,
irei saber mais da minha rotina. E só de saber que não sou apenas
uma sustentada, me deixa muito feliz.
Bem-vinda à sua vida, Camille.
Despedir-me de Louis não foi fácil. Talvez eu esteja muito
apegada a ele, mesmo tendo poucos dias desde que recomecei a
amá-lo, mas acho que o instinto materno sempre permanecerá
dentro de mim, independentemente de qualquer coisa. Eu o observo
adentrar a escola, e ele acena para o carro, antes de se virar e
correr em direção a um pequeno grupo de meninos e meninas. Fico
feliz ao vê-lo com seus amigos. O caminho do colégio do meu filho
até o prédio em que fica o consultório da doutora Robertson é todo
feito em silêncio. Bem, quase totalmente, pois o rádio é o único som
ouvido. Luna não parece muito a fim de conversar, e eu não faço
ideia de como puxar algum tipo de assunto.
Eu sei que temos que trabalhar na nossa comunicação, mas
é complicado. Notei que sua personalidade mudou para uma mulher
amadurecida e responsável. Além de ser ótima mãe, Luna parece
ser uma boa amiga, e arrisco dizer que deve ter sido uma boa
companheira durante esses anos. É ruim não me lembrar disso, pois
não consigo imaginar um mundo onde nós tenhamos compartilhado
uma vida.
Consegue se pôr em meu lugar? Imagine se envolver com
alguém que sempre foi uma inimiga para você e, um dia, acordar
sem se lembrar de como tudo aconteceu, que vocês estão casadas
e têm um filho. É assustador, não é? Quero e não quero me lembrar.
Tenho medo de descobrir que realmente a amei com todo o meu
coração, mas também tenho a curiosidade de saber como
chegamos até aqui e o que Luna Jacobs fez para me conquistar.
Acredito que seja uma história inacreditável e um pouco engraçada.
Duas pessoas que não se gostam e, de repente, se veem
apaixonadas e iniciam um relacionamento. Quão surreal é tudo
isso? Parece até mesmo um roteiro de filme. Uma bela e clichê
comédia romântica e dramática. Poderíamos ganhar rios de dinheiro
com nossa história.
— Chegamos. Faltam apenas alguns minutos para o horário
de sua consulta.
— Você a conhece? — questiono-a, quando o carro
finalmente para em uma vaga, e olho para ela, enquanto tiro meu
cinto de segurança. Luna está fazendo a mesma coisa e olha em
minha direção, antes de responder.
— Sim, eu a conheci quando marquei sua consulta.
Precisava me certificar de que seria uma boa psicóloga para você, e
eu gostei dela. Foi indicação da Rosa. — Ela dá de ombros e eu
aceno com a cabeça.
Bem, se foi indicação da minha mãe, então ela deve ser boa
no que faz.
Saímos do carro em silêncio e dessa mesma forma entramos
no prédio. Lado a lado, mas sem o mínimo de contato físico.
Parecemos estranhas que são conhecidas.
— Bom dia, em que posso ajudá-las? — uma simpática e
sorridente atendente fala, assim que nos aproximamos do balcão.
Ela reveza o olhar entre seu computador e nossos rostos,
parecendo enérgica.
— Bom dia. Minha esposa tem uma consulta com a doutora
Robertson.
Fico paralisada ao ouvi-la me chamar daquela forma. Tudo
bem, eu não sou idiota, sei que estamos casadas, mas é muito
estranho ouvi-la me chamar dessa forma, soando assim, tão natural
e íntimo. Quando irei me acostumar com coisas desse tipo?
— É no terceiro andar, número 302. Ela está aguardando.
— Obrigada. — Luna sorri para a atendente, que retribui o
gesto de forma exagerada. Ela tem mesmo que sorrir dessa forma
para todas as pessoas que vêm até aqui? — Vamos.
Sigo-a até o elevador. Luna aperta o botão do terceiro andar
e as portas se fecham. Solto o fôlego que, só então, notei estar
segurando. Sinto-me nervosa, nunca me consultei com uma
psicóloga antes e não tenho ideia de como agir com ela.
Principalmente agora, que iremos conversar sobre coisas as quais
não me lembro. Será que isso me ajudará com minhas lembranças?
Seria bom, de certa forma.
Quando chegamos em frente à porta de número 302, é
possível ler a enorme placa de identificação: Dra. Annie Robertson.
Luna bate duas vezes à porta e se afasta, esperando que alguém
nos atenda — o que não demora muito a acontecer, pois logo a
porta é aberta, revelando uma loira baixinha, com um sorriso grande
em seus lábios. Ela tem os cabelos amarrados, pouca maquiagem e
exala um ótimo aroma. É bonita e parece simpática.
— Você deve ser a tão falada Camille, certo?
— Uh, acho que sim…
Confusa, eu respondo, com a língua coçando para perguntar
quem andou falando tanto sobre mim, mas não é necessário ser um
Sherlock Holmes para saber quem foi a pessoa. Era esperado que
Luna falasse mesmo sobre mim, afinal eu seria consultada.
A Dra. Robertson dá passagem para que eu entre em sua
sala, e assim o faço. Minha primeira impressão do ambiente é de
que o ar é muito gélido, e os móveis de cores claras e alegres fazem
com que eu me sinta confortável. Isso é bom. Olhando brevemente
ao redor, não me parece tão assustador um consultório de
psicologia. Parece bem comum, na verdade.
— Falaremos depois, Luna. Irei roubar sua esposa durante
alguns instantes. — Ouço-a brincar e faço uma careta, é automático.
Tenho certeza de que, enquanto não me lembrar de nada, esse
termo continuará sendo esquisito e desconfortável em relação a
Luna Jacobs. — Sente-se, Camille. Fique à vontade.
— Obrigada — eu lhe agradeço, sentando-me em uma das
duas cadeiras em frente à sua mesa.
Dra. Robertson toma seu lugar na grande cadeira, ajeitando-
se de maneira confortável e informal. Em seguida, curvando-se para
a frente, ela apoia seus cotovelos sobre a mesa e me encara. Estou
confusa, sem saber exatamente o que devo dizer agora. Como
funcionam as consultas? Estava acostumada com minha mãe
sempre se comunicando por mim.
— Camille Cruz-Jacobs...
Não tenho como evitar fazer careta outra vez. Doutora
Robertson olha para mim e solta uma risadinha, inclinando-se para
trás e pegando um pequeno caderno. Ela nega com a cabeça,
enquanto folheia as páginas.
— Não se acostumou com seu novo nome ainda?
— Nem um pouco. É tudo tão surreal. Parece que estou
presa dentro de um pesadelo em loop infinito.
— Eu acredito que sim. Já tive alguns pacientes que sofreram
com as consequências da amnésia, mas é a primeira vez que me
deparo com um caso como o seu.
— Eu nem sabia que era possível algo assim acontecer.
Parece que viajei no tempo, é assim que me sinto.
— Vai demorar mesmo para você se acostumar. Os seus
exames ficaram prontos?
— Não. Luna disse que iria me avisar quando ficassem. O
médico quer conversar conosco quando formos até lá.
— Parece nervosa.
— E eu estou, muito. Não quero ficar para sempre sem
memória.
— Como foi sua semana?
— Bem assustadora — confesso, e ela acena com a cabeça
e anota algo em seu caderno. Solto um longo suspiro, tentando
relaxar o bastante para ficar confortável a ponto de não me sentir
sufocada dentro daquela sala. — Foi como saltar de um avião sem
paraquedas. Essa é a sensação que estou sentindo depois de tudo
o que aconteceu, parece que eu vou cair sem parar até o chão.
— É como viver presa no corpo de outra pessoa?
— Sim! É exatamente isso. Eu não conheço essa Camille,
não faço ideia de como as coisas aconteceram. É complicado,
sabe? Eu ainda sinto que posso acordar a qualquer momento e me
dar conta de que tudo não passou de um maldito sonho.
— E se fosse um sonho, você gostaria de acordar?
— Sem dúvidas. Eu só queria a minha vida de volta.

O restante da consulta foi bem tranquilo. Para ser sincera, ela


me fez sentir como se eu estivesse tendo uma conversa normal com
outra pessoa qualquer, e não como se fosse uma análise sobre
mim. Se as outras vezes forem assim, não me sentirei estranha na
presença da doutora. Inclusive, eu a adorei. Lembrarei de agradecer
à minha mãe pela indicação.
— Como foi a consulta? — Luna questiona assim que
entramos em seu carro.
Coloco meu cinto e me ajeito no confortável banco. Não a
olho, apenas mantenho meus olhos fixos no pátio do
estacionamento à nossa frente. Ela liga o carro, começando a sair
dali gradativamente.
— Foi boa. Ela não me pressionou a nada, foi como
conversar com alguém que só gosta de ouvir.
— Então, irá continuar as consultas com ela? — Faço um
som de concordância. — Tudo bem, podemos marcar todas as
segundas, então. É um dos seus dias livres.
— Eu tenho muitos? — estou curiosa para saber mais sobre
minha rotina, e finalmente parece o momento certo de questioná-la
sobre algumas coisas.
— Segunda, quarta e quinta. Isso sem contar o final de
semana, é claro.
— O que costumo fazer nas terças e sextas?
— Você dá aulas.
— Eu sou professora?
— Sim.
— De qual matéria?
Olho para Luna, que está concentrada na rua e não me olha
de volta. Estou animada para conhecer a minha vida e um pouco
mais sobre essa Camille desconhecida. Confesso que minhas
ambições eram outras, mas devo gostar do que faço. Bem, pelo
menos eu prefiro acreditar que sim.
— Não é bem uma matéria...
Eu franzo o cenho, confusa e curiosa. O que ela não está me
contando?
— Você sempre foi apaixonada por dança…
— Sou professora de dança?
Ela concorda com a cabeça, e um sorriso surge em meu
rosto ao saber daquilo. Sempre gostei bastante de dançar, e foi uma
das minhas paixões na adolescência. Estou feliz por ter mantido
esse amor a ponto de viver disso.
— Isso é incrível — eu digo.
— Você adora seu estúdio.
Meus olhos quase saltam das órbitas ao ouvir aquilo.
— Eu sou dona de um estúdio?
Luna solta uma gargalhada e concorda. Devo estar
parecendo uma criança em uma manhã de Natal, mas eu não
poderia me importar menos. Estou feliz de verdade. Parece que
minha vida atual não é ruim.
— Caralho! Isso é realmente incrível.
— Se eu soubesse que saber sobre o seu estúdio te deixaria
feliz assim, teria contado antes.
Não respondo nada. Nem sei como responder a isso, para
ser sincera. Luna continua com os olhos fixos na estrada, e eu olho
para a frente também. Um silêncio se instala no carro.
— Temos que melhorar nossa comunicação — ela diz.
Solto um pigarro, sentindo-me desconfortável. É impressão
minha ou parece que o mundo está diminuindo?
— Hm, eu acho que sim...
Luna solta um longo suspiro e não diz nada, permanecendo
quieta durante o restante do caminho. Fico pensando em como
poderemos fazer isso funcionar. Eu não tenho intenção de mantê-la
em minha vida. Bem, talvez manter o contato por causa do filho que
temos, mas somente isso. Estou considerando aceitar o conselho de
Belinda e me divorciar dela. Acredito que será o melhor para nós
duas.
Ela liga o som, e as músicas que tocam preenchem o silêncio
de antes. Isso me deixa mais tranquila, e posso finalmente relaxar. É
estranho estar perto dela dessa forma, sabendo agora que estamos
casadas e temos um filho. Parece uma piada de mau gosto. Nunca,
em toda a minha bendita vida, eu imaginaria que um dia sentiria
algo por Luna Jacobs. Tudo o que tinha em relação a ela era meu
ódio. A vida pode mesmo ser surpreendente, né?
— Chegamos — ela avisa e me faz despertar de meus
pensamentos.
Inclino-me um pouco para a frente e analiso a fachada do
meu estúdio. Falar isso é maravilhoso, parece mesmo um sonho.
Não acredito que sou dona desse lugar. Uma enorme placa destaca
as siglas: ECCJ.
— ECCJ?
— Estúdio Camille Cruz-Jacobs.
— Oh...
Eu estaria mentindo se dissesse que estou surpresa. Pelo
pouco que vi sobre essa minha versão desconhecida, eu realmente
gosto do meu sobrenome e de seu complemento. Perdi as contas
de quantas coisas em nossa casa estão com “Cruz-Jacobs” em
destaque. Parece até mesmo que gostávamos de lembrar que
éramos casadas.
Será mesmo que nosso casamento era esse conto de fadas
que parece ter sido?
Ao sair do carro, minha primeira impressão, ao olhar aquele
lugar, é de fascínio. É simplesmente melhor do que eu poderia ter
imaginado algum dia. Sempre quis viver da dança, e fico muito feliz
em saber que estou fazendo isso de alguma forma. Pergunto-me se
cheguei a participar de algo importante em teatros. Espero que sim.
— Vamos entrar?
Concordo com a cabeça. Meu coração dispara em meu peito,
a sensação é ótima. Não tenho como descrever quão feliz estou por
saber que esse lugar me pertence. Eu sou a dona de tudo isso. É
maravilhoso, não?
— Tome as chaves, acredito que você queira muito
reencontrar seu estúdio.
Ela me estende um molho de chaves em que a letra do meu
nome é o chaveiro, e sorrio para isso, pegando-o de sua mão. Sinto-
me nervosa e ansiosa, pois era um dos meus sonhos quando mais
nova. Ser dona de algo que me fizesse feliz, onde eu trabalharia
sorrindo todos os dias. E mesmo sem me lembrar dos momentos
que passei naquele lugar, algo dentro de mim tem certeza de que
sempre fui feliz.
Ao abrir o espaço, fico surpresa com a beleza do ambiente. É
possível enxergar bem ali dentro, graças às enormes janelas
presentes no local. Simplesmente incrível: é essa a minha definição.
Percorro os olhos por todos os lados, não podendo evitar o enorme
sorriso. Uma enorme placa com o nome do estúdio está bem
explícita ali mesmo, na entrada, e nem mesmo a adição do
sobrenome de Luna me incomoda. Sinto-me orgulhosa por saber
que tudo ali dentro é meu.
— Parece mentira.
Luna solta uma risadinha e se faz presente ao meu lado.
— Você ficou dessa mesma forma quando viu o estúdio
pronto pela primeira vez, e alguns anos depois, após a reforma,
também. Esse é um dos seus lugares favoritos.
— Era um dos meus grandes sonhos. Ter algo só meu que
me fizesse feliz. — Uma tristeza cresce aos poucos em meu peito,
por não me lembrar das coisas que conquistei nesses dezesseis
anos perdidos em algum lugar da minha memória. Sinto vontade de
chorar, mas me seguro. — Queria lembrar de ter conseguido tudo
isso — acabo pensando alto, engolindo minha saliva.
Luna, ao meu lado, respira fundo e solta uma longa lufada de
ar, parecendo sentir um enorme peso por minhas palavras. Eu
realmente imagino que ela sinta as coisas da mesma forma que eu,
pois somente ela lembra de tudo o que aconteceu. Não sei se é tão
horrível quanto é para mim, mas agora consigo me colocar um
pouco mais no lugar dela.
Eu acho que estou começando a ter um pouco de empatia
por ela.
— Quer conhecer tudo?
— Sim! — exclamo, animada, e isso a faz rir. Eu acabo rindo
também, afinal estou muito feliz no momento, tudo parece com mais
vida.
Ela me guia através do local e conta um pouco de cada coisa,
o que aconteceu e como tudo foi planejado meticulosamente por
mim, com a ajuda dela.
Os dias que se passaram me mostraram que na vida eu
compartilhei muitas coisas com Luna, além de uma casa, um
casamento e um filho. Parece que éramos mesmo grandes
parceiras juntas. Gostaria de saber um pouco mais sobre nosso
envolvimento, e acredito que, se continuarmos conseguindo nos dar
bem, poderei questioná-la sobre tudo e, quem sabe assim,
recuperar parte de minha memória. Espero, de verdade, que eu
consiga me lembrar das coisas.
Capítulo 8 - Desejos
O sorriso enorme em meu rosto não poderia ser maior. Talvez
apenas não seja tão grande quanto o sentimento guardado em meu
peito nesse momento. Sinto como se nunca tivesse deixado de
amá-la, e vê-la sorrir a todo instante só intensifica isso. Olhar para
ela é como ver a cópia fiel de minha irmã com um toque de Rodrigo.
A mistura perfeita dos dois.
É final de semana, e Serena veio passá-lo comigo. Nada
poderia me deixar mais feliz. Estou amando conhecê-la, digo,
reconhecê-la. Sinto como se nunca tivesse me esquecido dela. O
sentimento é enorme.
Será que, além da ligação de mãe, existe algo como a
ligação de tia? Sinto como se estivéssemos ligadas de alguma
forma. É surreal.
― Então, a senhora não se lembra da tia Luna? — ela
questiona lentamente, analisando cada expressão em meu rosto.
Estamos sozinhas em casa, e eu estou contando sobre minha
amnésia e tudo que vem acontecendo nos últimos dias. Luna levou
Louis para dar um passeio, então ainda teríamos algumas horas
para aproveitarmos apenas nós duas.
― Lembrar dela eu me lembro, apenas não me lembro do
momento em que me apaixonei por ela.
― Deve ser difícil. Vocês são um daqueles casais de meta
que vemos no Twitter.
― Onde? — questiono, sem entender.
Serena solta uma risadinha, curvando-se para a frente para
que possa pegar seu aparelho celular no bolso de trás do seu short
jeans, e ergo as sobrancelhas, curiosa. Ainda estou me adaptando
às coisas novas da internet. Tem algumas que aprendi, mas faltam
outras.
― Twitter, tia. É uma rede social. As pessoas usam-na para
diversas coisas, além de só conhecer pessoas novas e acompanhar
a vida de famosos. Tem muita informação aqui. Depois que comecei
a usar o Twitter, nunca mais li sites de notícia ou assisti ao jornal.
― Hm, isso parece interessante. Eu tenho no meu celular?
― Sim, tia. A senhora é viciada em tweetar. — Ela solta uma
risadinha divertida, e eu acabo a acompanhando, mesmo que não
me lembre disso. É o tipo de coisa que eu faria muito, parece algo
divertido de se fazer.
― Eu tenho muitos seguidores, igual tenho no Instagram?
― Sim. Tia Luna e a senhora são muito adoradas nas redes
sociais, por serem um casal bonito e cheio de amor. E claro, tem as
fotos e os vídeos do Louis, que deixam todos babando pelo meu
primo.
― É compreensível ― digo, distraída, olhando algumas
coisas em meu Twitter. Não é difícil aprender a mexer nisso.
Clico em meu perfil e, ao deslizar o dedo para cima, deparo-
me com uma foto de Luna e Louis. Os dois estão abraçados, com
ele em seu colo, olhando para ela. Dá para ver o brilho no olhar
deles, mesmo sendo apenas uma imagem. Na legenda, as simples
palavras: “Minha vida toda.”
― As pessoas realmente gostaram dessa — comento,
espantada, após olhar os números de interações naquela foto.
― Sim, eles amam os Cruz-Jacobs.
Tento não me incomodar com essa junção de sobrenomes.
Minha sobrinha parece idolatrar Luna comigo, e não quero magoá-
la, de forma alguma, com algum comentário idiota. Para ser sincera,
às vezes, parece que todos que conhecemos simplesmente amam
nos ver juntas. É curioso tudo isso. O que fazíamos de tão bom para
deixá-los dessa forma? Sinceramente, eu não sei, mas estou
curiosa para descobrir, confesso.
― Louis é muito fotogênico. — Estou olhando algumas fotos
postadas por mim, separadas na aba de mídias. Tem diversas de
meu filho. Em sua maioria, ele está com Luna, fazendo alguma
coisa, e ao que tudo indica, eu realmente apreciava fotografá-los
juntos. Um sorriso surge em meu rosto ao ver uma foto em especial:
nós três dormindo juntos no sofá aqui de casa. Não faço ideia de
quem tirou essa. Na legenda, tem apenas um rostinho com
corações nos olhos. E mais uma vez, muitas interações. ― Eles
realmente gostam de nós três.
― Sim, vocês três são como um supercasal lésbico.
― Isso é curioso...
― Levará algum tempo para a senhora se acostumar. Não é
fácil lidar com a fama — Serena brinca, fazendo-me gargalhar de
verdade.
Consigo ver por que todos estavam dizendo que éramos bem
grudadas. Ela nem parece ter a idade que tem. Sinto orgulho da
filha que minha irmã está criando, cada detalhe me faz ter certeza
de que ela será uma mulher excelente quando crescer mais. Tenho
certeza de que minha sobrinha nos dará muito orgulho.

No horário do almoço, estou terminando de preparar a


comida quando a porta da frente é aberta. Passos apressados
tomam conta do ambiente. Tiro minha atenção das panelas e olho
em direção ao arco que separa a cozinha da sala por um corredor.
Louis surge por ali, com seus cabelos cada vez maiores, voando,
conforme ele saltita em minha direção. Sorrio e afasto-me do fogão
para abraçá-lo.
― Como foi o jogo? — questiono, após beijar sua testa úmida
de suor, e faço uma pequena careta, mas acabo rindo.
Ele se afasta de mim, indo em direção à geladeira. Luna e ele
saíram para ir ao parque aqui perto de casa. Meu filho teve um
encontro com seus amigos para que pudessem jogar uma partida de
futebol.
― Meu time ganhou. Eu fiz cinco gols!
― Oh! É mesmo? Que artilheiro o meu filho! Estou orgulhosa.
Ele abre um enorme sorriso, após dar um gole generoso em
sua garrafinha de água com desenhos do Capitão América
estampados.
― Hoje ele jogou como um verdadeiro camisa dez — Luna
também chega à cozinha, comentando com visível orgulho, e olho
de relance para ela. Seus cabelos estão um pouco bagunçados,
provavelmente por ter vibrado durante a partida que meu filho
jogava. Ela usa roupas leves: short de tecido fino e camiseta com
alguns desenhos aleatórios estampados. Todas as suas curvas são
chamativas. Engulo em seco e desvio o olhar. ― Oi, pequena.
― Tia Luna! — Uma animada Serena vai em sua direção,
abraçando-a com força.
Olho para aquela cena, apreciando o enorme sorriso que as
duas têm em seus rostos. Não tem como evitar ficar com o coração
aquecido. Talvez eu esteja fascinada com a forma como Luna
interage com as crianças da família. Quem diria, não é mesmo?
― O almoço está pronto. Lavem as mãos e venham me
ajudar com a mesa.
Eles concordam em sincronia e saem da cozinha, rumo ao
banheiro para que possam higienizar as mãos. Olhando essa cena
de uma perspectiva diferente, parece até mesmo que somos uma
grande família. Não pensei que seria tão fácil me adaptar a essa
vida adulta de esposa e mãe, mas sinto que, aos poucos, vou me
acostumando. Claro que ser casada com a Jacobs é um fato que
nunca irei aceitar, porém as outras coisas diminuem esse impacto.
Sei que a gente tem muita coisa para conversar, acertar os pontos e
decidir nosso futuro. Só preciso me preparar mentalmente para isso.
O almoço é divertido. Bem mais comunicativo do que o
normal, mas ainda assim, agradável. É bom ter mais uma pessoa
conosco, isso me faz ter uma leve sensação de que talvez a antiga
Camille pudesse ter sugerido a Luna que tivéssemos mais um filho.
É um pensamento momentâneo que me assusta, mas de certa
forma me acalma. Nunca fui do tipo que esperava me casar e ter
muitos filhos. Para ser sincera, toda essa coisa de romance sempre
me pareceu idiotice, mas ela conseguiu mudar esse fato em mim.
Mesmo sem me lembrar de nada, sinto, bem lá no fundo, que tem
muito de Luna Jacobs dentro de mim. E isso é bem assustador.
Você consegue acompanhar os meus conflitos ou estou
divagando muito? Tem dias que nem eu mesma consigo
acompanhar minha mente. Fico pensando se a doutora Robertson
tem essa capacidade. Será que eu a deixo confusa em nossas
consultas?
― Podíamos fazer uma competição de Just Dance, como
sempre fazemos… — Serena sugere quando chegamos à sala.
Terminamos o almoço e todos ajudaram a arrumar as coisas.
Sempre é bom ter pessoas prestativas para arrumar a bagunça com
você.
Sento-me no sofá e olho para os três que se encaram. Não
faço ideia do que estão falando, mas se for divertido, eu topo fazer.
― Quero fazer dupla com a mommy — Louis se pronuncia
rapidamente, vindo até mim e abraçando-me pela cintura. Sorrio
para meu pequeno, bagunçando seus cabelos escuros.
― Você é muito esperto — Luna resmunga.
― Verdade. Ele sempre escolhe a tia Camille, porque sabe
que ela é ótima no Just Dance.
― Que jogo é esse?
― Vou te mostrar — Luna responde e vai em direção ao
móvel da televisão. Ela coloca um aparelho retangular, que parece
uma câmera, sobre o móvel e liga as outras coisas, e eu fico
encarando com curiosidade. Sei que o jogo envolve o videogame e
dança, já gostei. ― Não tem mistério. Você só precisa olhar para a
televisão e acompanhar os movimentos.
― Isso é muito fácil.
― Para você, é mesmo — Luna diz e revira os olhos. Solto
uma risadinha e quando me viro dou-me conta de olhares bem
atentos à nossa interação. Minhas bochechas esquentam, e não sei
explicar o motivo. Dou um sorriso para meu filho e para minha
sobrinha, afastando-me daquela mulher. ― Estão prontas, crianças?
― Estamos, capitã! — Serena e Louis exclamam juntos. Isso
me dá uma alegria absurda, e eu sei que o dia continuará sendo
muito bom.

O dia realmente foi bom e, sinceramente, não poderia ter sido


melhor. Nossa competição de dança foi maravilhosa, Serena sabe
se mexer e Louis também. Mas preciso confessar que fiquei
surpresa com a cintura solta de Luna. Ela realmente sabe como
mover seu belo corpo. Sei que ainda não gosto tanto dela assim,
apesar de suportá-la, mas não sou cega, eu a vejo. E meus olhos
adoram o que veem. O tempo realmente faz coisas incríveis com as
pessoas.
― Tudo bem por aqui? — questiono ao adentrar o quarto de
Louis. Serena e ele estão deitados na espaçosa cama, enquanto
assistem ao filme do Rei Leão. Minha sobrinha fará companhia a ele
até que meu filho adormeça. Eles se dão muito bem.
― Sim, mommy.
― Não durma muito tarde, filho. — Aproximo-me da cama,
colocando um joelho como apoio, e me inclino para beijar sua
bochecha. Louis fecha os olhos e agarra meu pescoço da forma que
pode. Sorrio, dou a volta na cama e faço o mesmo com Serena. ―
Depois que ele dormir, se quiser deitar comigo, você pode.
― Tia Luna não vai dormir com a senhora?
Nego com a cabeça, evitando encarar seus curiosos olhos
castanhos. Ela ainda demorará um pouco para entender minha
situação com a tia dela, e é compreensível. Todos estavam
acostumados a nos ver juntas. Fico imaginando qual será a reação
de nossos familiares se o divórcio for concretizado.
― Tudo bem. Quando o Lou dormir, eu vou para o seu
quarto.
Aceno com a cabeça, chego até a porta e olho para os dois,
abrindo um sorriso. Meu coração está feliz, assim como esteve
durante todo o dia.
― Bom filme, meus amores — e após dizer isso, fecho a
porta e vou em direção ao meu quarto.
Não ouço mais o som da televisão que antes vinha da sala.
Talvez Luna tenha ido se deitar. Esticando os braços para me
espreguiçar, eu caminho lentamente para dentro do meu ambiente
favorito nessa casa. Minha enorme cama me espera, mas antes eu
preciso de um banho relaxante. Como sei que estou sozinha,
começo a me desfazer de minhas roupas, descartando-as pelo chão
mesmo. Posso voltar para pegá-las depois.
Quando chego ao banheiro, usando apenas uma calcinha
branca de seda, olho-me através do espelho. Meu rosto
definitivamente mudou. Os traços são mais fortes, não tenho mais
as bochechas cheias como antigamente. E definitivamente estou
mais bonita. Pareço bastante a minha mãe quando mais nova,
apenas com os olhos e a boca diferentes, pois herdei esses traços
do meu pai.
Traço meu rosto com os dedos delicadamente, analisando
cada parte. Eu sou uma mulher agora, e ainda assim, mesmo
podendo confirmar isso, sentindo como tudo está diferente, parece
que sou a mesma Camille da adolescência. Será que vou demorar a
me sentir como a nova Camille?
― Eu adoro seus olhos — uma voz toma conta do banheiro
repentinamente.
Eu tomo um susto, retirando as mãos do rosto, e olho para
trás, através do espelho. Luna está ali, com o ombro esquerdo
apoiado no batente da porta e os braços cruzados, encarando-me
sem piscar. Parece hipnotizada e me deixa, momentaneamente, da
mesma forma. Engulo a saliva que se formou em minha boca. Sua
presença me deixa nervosa.
― Eles são bem expressivos, combinam bastante com você
— continua. — Parecem a areia do mar quando se encontra com o
oceano. Um marrom único e admirável.
Sem conseguir manter nosso contato visual, abaixo minha
cabeça e encaro a pia. Normalmente, eu acabaria dando-lhe alguma
resposta, mas minha voz parece simplesmente ter sumido. É esse
efeito que Luna Jacobs tem causado em mim ultimamente:
nervosismo.
― Hm… — é tudo o que digo. Sinto vontade de me estapear,
ainda mais quando a ouço rir atrás de mim. Que nervosismo idiota.
Eu a odeio, deveria xingá-la.
― Você não precisa ficar assim, sempre admirei sua beleza.
— Sua presença se torna mais intensa quando ela se aproxima de
mim. Ouço seus passos ao tocar seus pés no piso. Solto um
pequeno suspiro, e ela para ao meu lado. Temos uma pia dupla no
banheiro. ― Depois de todos esses anos, você continua sendo mais
linda ainda sem maquiagem.
― Eu estou velha, cheia de linhas expressivas.
Luna gargalha, e eu a encaro, inexpressiva.
― Você está velha? Se as idosas fossem assim, os asilos
estariam lotados de casais. Ninguém resistiria a uma velha tão bela
assim.
Por um segundo, um leve arrepio sobe pela minha espinha,
mas me recuso a deixar que meu corpo demonstre algum sinal.
Sinto uma estranha sensação de déjà-vu com essa cena. Parece
que isso aconteceu em algum momento antes. E talvez realmente
tenha acontecido, afinal eu não me lembro de nada.
― Pare com isso, idiota… — sem poder controlar, acabo
xingando-a, mas diferente das outras vezes, não sou rude. E ela
não reage da mesma forma, apenas abre um enorme sorriso e volta
a olhar para a frente.
Fico confusa, mas não a questiono e olho para a frente
também. Não sei que tipo de tensão é essa que estamos criando,
mas não estou gostando da forma que ela me faz sentir.
Distraída e tentando ignorar a presença daquela mulher ao
meu lado, tento me concentrar em qualquer outra coisa. Então,
finalmente, me dou conta de algo importante, que me faz arregalar
os olhos e ficar extremamente envergonhada.
Cubro meus seios por reflexo. Não acredito que, durante todo
esse tempo, eu estava seminua na frente dela. Céus, Camille! Que
vergonha!
― Não precisa cobri-los, eu os vi durante muitos anos da
minha vida — ela termina de escovar seus dentes e comenta. Se
fosse possível, eu estaria mais vermelha ainda nesse momento. ―
E só para constar, continuam tão maravilhosos quanto eram antes.
Minha boca se abre, em choque, principalmente porque vejo
de relance um sorriso cafajeste em seus lábios. Luna sai
tranquilamente do banheiro, como se nada tivesse acontecido, e eu
fico ali, paralisada.
Que porra acabou de acontecer aqui? E por que estou tão
nervosa?

O final de semana passou voando. Foi o melhor que eu tive


desde o maldito dia em que acordei sem memória. Foi ótimo passar
um tempo com minha sobrinha, nos divertimos bastante. Mas como
tudo o que é bom dura pouco, é claro que uma hora eu precisaria
enfrentar um dos meus maiores medos: resultados de exames
médicos. Nunca fui do tipo medrosa ou extremamente preocupada
com isso, porém nada parecia tão apavorante quanto aquilo nesse
momento. Luna se levanta bem cedo e me acorda também. Ela não
para nem um segundo sequer, parece até mesmo que está ligada
na tomada. Entre nós duas, parece que é ela quem vai explodir a
qualquer momento.
― Estou pronto, mamães — Louis surge outra vez na
cozinha, cheiroso e devidamente arrumado. Vamos deixá-lo na
escola durante o trajeto até o hospital.
Luna nada responde, apenas pega suas chaves sobre o
balcão e arruma sua jaqueta. Pego a minha e coloco-a. Sei que está
bem frio lá fora, hoje o dia amanheceu gelado. Seguro a mão de
meu filho e vamos juntos em direção à saída.
O caminho até a escola de Louis é como sempre: com ele
falando bastante. Luna, por outro lado, dessa vez está calada
demais. Ela parece diferente nessa manhã, tensa e triste. Não a
conheço muito bem, mas sei identificar quando uma pessoa não
está em um dos seus melhores dias. Eu a entendo, hoje é um dia
importante para as nossas vidas. Nossa rotina depende desses
resultados e do diagnóstico do médico.
― Preste atenção nas aulas e se cuide — Luna diz, antes
que Louis desça do carro. Ele acena com a cabeça e solta seu cinto
de segurança, enfiando-se entre os bancos para falar conosco.
― Se cuida, filho.
― Tchau, mamães — ele se despede, desce do carro e
acena uma última vez, antes de se distanciar em direção ao portão
da escola.
Esperamos até que ele esteja lá dentro, seguro, apenas para
nos certificarmos de que está tudo bem. Sempre estamos vendo nos
jornais notícias sobre crianças desaparecidas. Precaução nunca é
demais, certo?
Luna liga o carro outra vez e continua nosso caminho. De
repente, o ar, que parecia mais leve, está outra vez pesado. Ela
parece muito tensa ao meu lado. Batuca os dedos no volante,
respira fundo, por diversas vezes seguidas, e faz sons estranhos
com a boca. Sinais claros de seu nervosismo.
Eu sinto vontade de puxar assunto, mas permaneço calada.
Será que devo puxar assunto?
Bom, melhor não.
Talvez ela queira apenas permanecer quieta.
Sim, Camille, mas ela não consegue ficar quieta e em
silêncio. Fale com ela.
Não, eu não vou.
Sim, você vai.
Droga!
― Você está bem?
Ela parece se assustar com minha pergunta repentina, e
continuo olhando-a. Luna desvia a atenção da estrada e me olha,
parecendo surpresa.
― Uh, sim... eu acho. Sim, estou bem.
― Não precisa ficar tão nervosa.
― Eu sei, mas só que... droga. É difícil, entende? —
Concordo com a cabeça. Luna está olhando para a frente outra vez,
ainda parecendo tensa. ― Desculpe-me. Você também deve estar
nervosa, e eu aqui só pensando em mim...
― Calma. — Por reflexo, coloco minha mão esquerda em sua
coxa, e o jeans áspero de sua calça faz cócegas. Dou uma leve
apertada em sua perna, tentando confortá-la de alguma forma. ―
Está tudo bem.
― Não está nada bem, mas eu gostaria que ficasse.
Sua fala me atinge instantaneamente e, como reflexo, tiro
minha mão de sua perna e encolho-me um pouco. É como se suas
palavras fossem como tiros que acertam direto em meu coração.
Não consigo evitar, ela tem algo sobre mim que me assusta. Vê-la
tão afetada dessa forma mexe comigo também. Por alguma razão,
mesmo sem ter minha memória, sinto-me ligada a Jacobs. O mundo
pode ser mais bizarro?
Ver meus pais, assim que chegamos ao hospital, foi a melhor
coisa do meu dia. Tudo parecia estranho, mas me senti melhor ao
vê-los. Corro até meu pai, não me importando em parecer uma
adolescente naquele momento. Só queria o colo deles, que me
dissessem que tudo ficaria bem, mesmo que todos soubéssemos
que nada estava bem, assim como Luna disse antes.
― Você está tremendo, filha — papai sussurra, apertando
mais seus braços em volta de mim. Escondo meu rosto em seu
peito e agarro-o com força. ― Tudo bem?
― Não. — Suspiro ao me afastar dele, e papai abre um
pequeno sorriso motivador para mim, acariciando meu rosto com
seus dedos. Fecho os olhos para apreciar seu toque. É como um
calmante natural. ― Vamos?
Olho para minha mãe e abraço-a. Eles cumprimentam Luna
antes que todos nós continuemos nosso caminho para dentro do
hospital.
Minhas mãos estão suando, sinto meu coração bater em
meus ouvidos. Sei que deveria tentar manter a calma, mas acho que
isso é impossível no momento. Estou prestes a saber as minhas
chances de recuperar a memória. E se isso nunca acontecer e eu
permanecer dessa forma para sempre?

O médico nos recebe, simpático como sempre, guiando-nos


para dentro de sua sala. É frio ali dentro, e eu me abraço por puro
reflexo. Talvez isso seja por causa do nervosismo também. Sinto-me
muito mais sensível do que o normal.
Olho em volta brevemente. Não tinha reparado em nada aqui
na primeira vez que estive nesse lugar. Parece um consultório
normal, assustador como todos os outros. E esse é mais ainda.
― Como estão todos vocês com os acontecimentos?
― Tentando nos adaptar — Papai é o primeiro a responder, e
eu somente suspiro.
― Não consegui me acostumar, parece um pesadelo sem fim
— Luna responde dessa vez.
Eu a olho e aceno, em concordância, com a cabeça, voltando
meu olhar para o Doutor Charlie. Ele nos analisa com atenção. Meu
coração continua disparado e minhas mãos ainda suam.
― Realmente, é como um pesadelo sem fim. Não consigo
imaginar como Camille está se sentindo.
― É horrível — respondo à minha mãe.
― Sua rotina em casa tem sido tranquila?
― Não consegui me acostumar ainda — confesso, tendo
sobre mim a atenção de todos. ― É muito estranho me sentir
adolescente e viver como uma mulher adulta que tem um filho, por
mais que ele seja uma criança adorável. Não é difícil se apaixonar
por Louis. — Abro um grande e verdadeiro sorriso ao me lembrar de
meu pequeno. Realmente, não tem como conviver com ele e não se
apaixonar. Louis consegue cativar as pessoas com muita facilidade,
é fácil amá-lo.
― Você e sua esposa estão se dando melhor? — Sua
pergunta me faz engolir a saliva em minha boca com força. Luna se
remexe ao meu lado, parecendo tão desconfortável quanto eu. ―
Acho que esse silêncio é bastante explicativo, mas eu acredito que
tudo acabe se resolvendo.
Sinto vontade de respondê-lo e negar, dizer que não quero
nada com ela, mas opto por ficar em silêncio. Meus pais fazem
perguntas ao médico, enquanto Luna e eu permanecemos quietas,
cada uma com seus próprios pensamentos.
― Será que podemos falar sobre os meus exames agora?
Estou realmente ansiosa.
― Oh, mas é claro. — Dr. Charlie sorri para mim, antes de
pegar alguns papéis que estão sobre sua mesa. Ele os analisa
rapidamente, enquanto tudo parece quieto demais à nossa volta. ―
Preciso confessar que fiquei muito chocado com o resultado dos
seus exames.
― Como assim? ― pergunto, agarrando as bordas da
cadeira e inclinando-me para a frente. Era só o que me faltava:
descobrir agora que tenho algo sério e, por isso, ocorreu a perda de
memória.
― Estão todos normais.
― O quê?! ― todos questionamos, praticamente ao mesmo
tempo. Eu realmente não esperava ouvir isso e não sei se me sinto
aliviada ou mais assustada.
― Você não sofreu nenhum tipo de trauma físico, Camille. É
um caso realmente raro.
― Então, por que ela se esqueceu de tudo?
― Luna, tentarei ser o mais simples possível. O caso de
Camille é algo raro, nunca visto por mim. A amnésia dela não foi
causada por uma pancada ou doença. Basicamente, ela parece ter
sofrido um choque, que pode ter sido causado por muito estresse, e
o cérebro dela reiniciou.
― Como assim o cérebro da minha filha reiniciou?
― Sr. Javier, a sua filha sofreu algum tipo de choque, e a
consequência disso foi que o cérebro dela se fechou e apagou
metade de sua vida.
Minha boca se abre, em choque. Confusa e desorientada,
repito em minha mente a explicação do médico, mas, mesmo após
longos segundos, eu não consigo entender direito o que aconteceu.
O ar foge de meus pulmões e, de repente, um medo absurdo do que
pode acontecer começa a crescer em mim. Meus pais e Luna
parecem desesperados para saber mais sobre tudo.
Eu estou apenas chocada.
― E-eu vou recuperar a minha memória? ― minha pergunta
faz com que todos se calem. Estou tremendo, de cabeça baixa e
com o coração disparado. Parece que, a qualquer momento, irei
explodir. Sinto vontade de chorar ao imaginar nunca me lembrar de
momentos importantes dos anos que se passaram. Isso é
aterrorizante.
― Camille, o seu caso é bem raro...
― Eu vou recuperar a minha memória ou não? ― questiono
outra vez, erguendo minha cabeça para encará-lo.
Doutor Charlie suspira, abaixando a cabeça para ler os
papéis em suas mãos outra vez.
― Não posso te dar a certeza de que você conseguirá
recuperar sua memória, pelo menos não totalmente.
― Meu Deus...
― Não se apavore, existem chances de você conseguir
recuperá-la.
Nego com a cabeça. Nesse momento, estou desesperada,
com as mãos segurando firme meus cabelos, os cotovelos apoiados
sobre a mesa e o olhar preso ao nada. Tento buscar positividade de
alguma forma, mas só consigo imaginar o pior. Nunca me lembrarei
de nenhuma data importante.
Dezesseis anos perdidos assim, sem um motivo. Como isso
aconteceu?
― Como ela poderá tentar recuperar a memória?
― Existem alguns tratamentos que podem ajudá-la. Camille
deve continuar com as consultas psicoterápicas, fazer exames
frequentemente e viver sua rotina o mais normal possível. Fotos,
vídeos e anotações podem ajudar bastante.
― Existe a possibilidade de ela nunca se lembrar de nada?
― Luna pergunta, fazendo-me voltar a prestar atenção na conversa
outra vez.
― Existe.
― São grandes as chances de não me lembrar de nada?
― Sim.
― Quão altas?
Doutor Charlie solta um longo suspiro antes de se inclinar
sobre a mesa, com os cotovelos apoiados sobre ela, assim como
eu, e bagunça os cabelos perfeitamente alinhados com os dedos.
Parece tão nervoso quanto nós.
― Em uma situação hipotética, eu diria que as chances de
você conseguir recuperar totalmente a memória são apenas de vinte
por cento.
E a pequena chama de esperança, que estava crescendo
dentro de mim, se apaga. Foi como levar um soco no estômago com
força. Posso me lembrar de tudo ou apenas de algumas coisas. No
pior dos casos, não me lembrarei de nada.
Por que isso aconteceu justo comigo? O que fiz para merecer
isso? Não me lembrarei de nenhuma data importante. Nenhum
acontecimento. De como eu cheguei aonde estou. Do momento em
que tudo mudou.
Um choro alto ao meu lado me faz voltar à realidade por
alguns segundos. Luna está debruçada sobre a mesa, chorando
como se fosse a última vez que ela pudesse fazer aquilo. Nunca a
havia visto dessa forma, e vê-la assim faz com que eu me sinta
quebrada ao meio. É uma sensação agoniante. Parece que minha
dor não é nada comparada à dela nesse momento.
Coloco minha mão sobre sua coxa e a aperto da mesma
forma que fiz antes, quando ainda estávamos no carro. Dessa vez,
ela coloca sua mão por cima da minha e a aperta com força. Não
me importo que possa sentir dor, deixo que ela faça da forma que
quer. No momento, quero apenas acalmá-la. E isso parece tão
natural, nem ao menos me apavoro ao perceber que estou sendo
empática com Luna Jacobs.
Seu choro compulsivo me incomoda muito, e fecho os olhos
para não a ver tão quebrada dessa forma. Meu coração está
apertado, e sinto vontade de agarrá-la com força, mas permaneço
assim, de mãos dadas com ela, dando-lhe conforto. No momento, é
tudo o que posso fazer por ela e por nós duas.
Ela me ama de verdade. Eu sinto isso mais ainda agora. Vejo
Luna sofrer um inferno por minha causa, e agora, sabendo que
posso nunca me lembrar de amá-la, o sofrimento dela me mostra
ainda mais o quanto ela me ama.
Então, pela primeira vez em muitos dias, desejo me lembrar
de tudo literalmente, sem tirar nada. Desejo conseguir me lembrar
dela. Desejo conseguir me lembrar de nós.
Passado – Camille Cruz
Luna Jacobs é surreal.
Não existe alguém de quem eu goste mais no mundo do que
ela.
Isso é irônico, não é? E clichê... Eu a odiava e agora estou
perdidamente apaixonada por ela.
Desde o nosso primeiro beijo, tudo mudou. Foi como se ela
tivesse renascido para mim. Conheci partes de Luna que nunca
havia visto. Para ser sincera, talvez eu nunca tenha realmente
olhado para ela, mas agora tudo o que consigo pensar é em como
me sinto bem ao seu lado e na forma que meu coração acelera toda
vez que a vejo sorrir.
Estar apaixonada é uma coisa estranha, não é? Você não
consegue evitar os sorrisos. O nervosismo perto da pessoa parece
nunca ter fim. E quando você não está perto dela, parece que falta
um pedaço seu. Eu diria que se apaixonar por alguém é como tocar
o céu sem tirar os pés do chão. Ou melhor, estar apaixonada por
alguém... não tem explicação, você só sente.
― Um beijo pelos seus pensamentos.
E, então, quem está tomando meus pensamentos
diariamente surge atrás de mim, colocando seus braços protetores
em volta da minha cintura. Abro um enorme sorriso e fecho os
olhos, aconchegando-me nela.
― Estava pensando em você.
― Sério? Que sorte a minha. — Luna me vira de frente para
ela. Coloco meus braços em volta do seu pescoço e grudo nossos
quadris. Estamos no nosso cantinho, na nossa casa na árvore, no
sítio dos avós dela. Sempre fugimos para cá quando queremos ficar
sozinhas. ― Você é linda.
― Luna... pare com isso ― resmungo. Meu rosto começa a
esquentar e tenho certeza de que minhas bochechas estão rubras.
Ela gargalha, ignorando minha timidez. Eu reviro os olhos e tento
empurrá-la, mas seus braços me impedem.
― Eu não tenho culpa. Não consigo deixar de te elogiar.
― Você sabe que fico sem graça.
― Não deveria. Estou sendo apenas sincera.
Luna nos guia até o tapete felpudo estendido no meio da
casa. Ela se senta e eu me sento em seu colo, de frente, com as
pernas ao lado de suas coxas grossas.
― Você demorou. Eu estava preocupada.
― Tive alguns problemas com a Sky.
― Odeio essa sua moto barulhenta.
― Mas você adora andar comigo nela, principalmente por
ficar agarrada em mim. ― Ela se inclina para a frente e começa a
beijar meu pescoço de forma lenta. Fecho os olhos e solto uma
risadinha. Isso faz cócegas, mas também me deixa nervosa.
― Eu gosto mesmo. — Abro meus olhos e olho em direção à
parte de vidro que tem no teto. Luna fez isso para que pudéssemos
observar as estrelas. E a noite hoje está linda. ― Veja, amor, uma
estrela cadente. Faça um pedido.
Olho para ela, que está de olhos fechados. Ela fica assim,
durante alguns segundos, e quando me olha, parece que sou
sugada para a imensidão verde à minha frente.
― Eu fiz. Faça o seu.
― Hm... — Faço uma pose de pensativa, e minha mente cria
diversos pedidos. Nenhum deles parece ser o suficiente.
Volto a olhar para Luna e meu peito se enche de carinho.
Uma vontade absurda de beijá-la toma conta de mim, e sem me
conter, seguro sua cabeça com as duas mãos e grudo nossos
lábios. Ela sorri em meio ao beijo, mas dá continuidade ao nosso
contato. Meu corpo reage aos seus toques. Eu simplesmente amo
beijá-la.
― Pronto.
Paro de beijá-la e me afasto um pouco. Luna demora poucos
segundos para abrir seus olhos e me encarar.
― Seu desejo era me beijar? — Sorrio, negando com a
cabeça. ― O que você desejou?
― Passar o resto da minha vida com você. Esse foi o meu
desejo.
Ela volta a me beijar. E eu sei que posso passar o resto da
minha vida beijando sua boca. Ao seu lado para toda a eternidade.
Capítulo 9 – Dor compartilhada
— Como estão as coisas realmente entre vocês? ― Ouço a
pergunta de meu pai.
Desvio o olhar da cena à minha frente. Minha mãe e Luna
estão na cozinha de minha casa, em uma conversa animada e
descontraída. Elas se dão muito bem. Sempre me pergunto o que
ela fez para conquistar dona Guadalupe dessa forma. Não que seja
difícil cativar minha mãe, mas ter a aprovação total dela não é algo
nada fácil.
— O quê?
Papai abre um sorriso. Estamos sentados à mesa, um pouco
distantes de onde elas estão preparando um lanche.
— Eu perguntei como estão as coisas entre você e Luna. De
verdade.
— Hm... — Remexo-me na cadeira, sentindo-me
desconfortável com essa pergunta. — Estamos sendo... sociáveis.
— Sociáveis? ― Ele ergue uma sobrancelha, e sua voz
transmite a curiosidade que está sentindo. Não entendo o
questionamento, mas acho que papai é mais um dos que querem
ver nós duas nos dando bem outra vez. Bom, ser amigável não é
difícil.
— Uh, sim. — Olho de relance para ela. Luna está sorrindo,
enquanto minha mãe conta algo. Não faço noção do que seja, mas
parece deixá-la alegre. Um pequeno sorriso surge em meu rosto. —
Ela mudou mesmo.
— Você nem percebe...
— O quê? ― Encaro meu pai, e ele nega com a cabeça,
soltando uma risadinha. Fico confusa e sem entender sua reação.
— Nada. Mas fico feliz que as coisas estejam menos ruins. É
bom para vocês e para o meu neto. Ele realmente venera as mães
que tem, não seria nada bom presenciar as duas brigando e se
separando. — Papai olha para a frente, em direção a elas, e eu faço
o mesmo. Mamãe e Luna parecem amigas de longa data, que se
dão muito bem. Um pequeno sorriso surge em meus lábios outra
vez. É um ato involuntário. — Sabe quantas vezes eu senti vontade
de me separar da sua mãe?
— Nenhuma?
— Foram várias — ele responde de imediato, e eu abro os
olhos, surpresa. Diria até chocada. Sempre achei o casamento dos
meus pais perfeito. Como naqueles filmes de comédia romântica,
sabe? Quando os casais ficam juntos, independentemente do que
aconteça, e jamais pensam em separação. — Tantas vezes que, se
eu pudesse contar, você ficaria chocada com o número.
— Mas... vocês se amam...
— Eu não disse o contrário, filha. Amo sua mãe de uma
forma que jamais seria capaz de amar outra pessoa. Sou capaz de
tudo por ela.
— E ainda assim houve momentos em que o senhor quis
largá-la?
Estou horrorizada, para dizer o mínimo. Não consigo imaginar
um mundo onde meus pais não estejam juntos. Sei que isso parece
coisa de filho mimado, que não aceita que as coisas sejam de outra
forma, mas eu simplesmente não consigo idealizar os dois
separados. Parece muito surreal.
Meu pai solta um longo suspiro e levanta-se da cadeira. Eu o
encaro, sem reação. Ele abre um pequeno sorriso e estende sua
mão: um sinal de que é para eu me levantar também. Confusa e
curiosa, eu o obedeço, e ele nos guia por minha casa.
— Casamentos são como um contrato. E contratos são
quebrados todos os dias. Você pode amar muito uma pessoa e,
ainda assim, preferir não estar com ela. Nem sempre as coisas são
da forma que desejamos.
— Eu não entendo.
Chegamos ao quintal. O dia está com um clima agradável, e
uma leve brisa bagunça meus cabelos. Cruzo meus braços.
Estamos de pé, próximos à bela piscina. Essa conversa está me
deixando mais confusa do que tudo.
— Só porque sua mãe e eu nos amamos, não quer dizer que
não possamos cogitar a hipótese de nos separarmos. Ela mesma já
admitiu algumas vezes que pensou o mesmo que eu. O casamento
é feito de fases, e nem todas são boas. Somente amor não segura
um relacionamento, entende?
Concordo com a cabeça. Finalmente começo a entender sua
linha de raciocínio, mas ainda é apavorante pensar nos meus pais
separados.
— Eu entendi, mas não sei aonde o senhor quer chegar
exatamente...
— Uma vez você me disse que a Luna era a sua pessoa.
Olho para ele, curiosa. Meu pai está olhando para a frente.
Parece relembrar algo, e o brilho nostálgico em seus olhos me dá
essa certeza.
— Eu demorei um pouco a entender como era isso, mas
então, comecei a perceber as coisas. Você disse, também, que ela é
sua alma gêmea, que o destino de vocês sempre esteve selado. No
início, eu morria de ciúme, só que, com o passar do tempo, sentia
meu coração alegre em ver vocês duas juntas.
— Nós éramos felizes?
— Se vocês eram felizes? Parecia mais do que isso, filha.
Era como se Luna renovasse a sua alma todos os dias. E eu vi
todos os momentos bons e até mesmo os ruins. Convivi com vocês
duas durante o caminho em direção ao casamento. Sua mãe e eu
estivemos presentes da melhor forma que pudemos.
Sinto algo estranho dentro de mim com as palavras do meu
pai. É estranho não me lembrar de nada, mas eu sinto uma coisa. É
como se o sentimento estivesse escondido aqui, em algum lugar,
mas tentar encontrá-lo é como andar no escuro sem uma lanterna.
Consegue entender a agonia?
— Por que o senhor está falando essas coisas agora?
— Porque te conheço, filha. Sei que está pensando em
separação e imagino que também tenha medo de como as coisas
serão para o Louis. Só que ele é um garoto crescido e maduro para
a pouca idade que tem.
Engulo em seco. Será que Luna sabia que eu pensava sobre
divórcio? Não imaginei que fosse tão transparente.
— Mas o que eu estou tentando explicar é que os
casamentos têm seus altos e baixos. Você não se lembra agora,
mas dentro de você tem um amor imenso por aquela mulher. Ela
move barreiras por você, é capaz de tudo. Falo isso com certeza,
pois, como pai, a vi fazer coisas por você que imaginava que
apenas sua mãe ou eu faria. Então, pense bastante antes de dar
qualquer passo. É a sua decisão que importa, e tenho certeza de
que Luna irá respeitá-la, mas pense bem, você já a amou uma vez...
Dê ao menos uma chance ao seu coração de entender o motivo e
talvez sentir aquilo tudo outra vez. Camille, nunca a vi tão feliz
quanto no dia do seu casamento.
— É muita coisa. Tão pouco tempo desde que tudo
aconteceu. — Nego com a cabeça, fecho os olhos e levo as mãos
ao meu rosto. Minha mente parece um trem desgovernado. — Eu
tenho medo.
— Arrisque-se, hija. — Papai segura minhas mãos, as retira
do meu rosto e me vira de frente. Seu olhar é de compaixão e me
conforta. — Se for para acontecer, vocês duas irão se reencontrar.
Mas se, por acaso, esse tiver sido o fim definitivo, ao menos não
desista facilmente. Permita-se. Quero ver aquele brilho no seu olhar
outra vez. Gosto da Camille que exala felicidade.
— Farei o meu melhor...
— Não se vive duas vezes. Lembre-se disso.
Papai sorri para mim, antes de me puxar para um abraço
forte e apertado. Em seus braços, sinto que as coisas parecem
menos pesadas ao meu redor. É como um alívio momentâneo. Sei
que preciso me arriscar mais e parar de me esconder nos meus
medos. Só irei saber se tentar. E mesmo que seja difícil conviver
dessa forma com ela, tenho que ao menos dar uma chance. Ela
parece ter me dado tantas, chegou a hora de retribuí-las.
— Oh! Encontrei vocês. — Afasto-me de meu pai ao ouvir a
voz de minha mãe. Ela está sorrindo e caminhando em nossa
direção. Analisa meu rosto com cautela, parecendo buscar pelo
vestígio de algo. — O que aconteceu?
— Apenas uma conversa de pai e filha.
Meu pai abraça a cintura de minha mãe e lhe dá um beijo
delicado. Eu sorrio para a cena adorável. Sempre adorei vê-los em
momentos afetuosos.
— Vocês e essas conversas — desdenha, mas seu tom é
divertido. Papai e eu rimos do claro ciúme. — Será que podem vir
comer? Está tudo uma delícia e vai acabar esfriando ― ela ordena e
papai ergue as mãos, ficando rapidamente ao seu lado e
entrelaçando seus dedos aos dela.
Olho para aquele contato e sinto o coração aquecer. Sempre
desejei ter isso na minha vida. E agora, sabendo que meus pais
também tiveram seus momentos difíceis, sinto que devo mesmo dar
uma chance e conhecer essa Luna que conquistou meu coração.
Parece que chegou o momento de deixá-la entrar outra vez.

Como era de se esperar, meus pais não ficaram por muito


tempo. Eu ainda não assimilei que não sou mais a adolescente de
antes. Moro sozinha, sou casada e tenho um filho. Tenho que me
lembrar disso a todo instante.
O dia, apesar da notícia desagradável em relação à minha
memória, foi bom. É claro que a presença da minha mãe e do meu
pai ajudou bastante nisso, senti-me mais confortável. Eles foram
embora logo depois da chegada de Louis. Vanessa o trouxe, mas
ela também foi embora rápido. O jantar foi tranquilo.
Estou no quarto de meu filho, colocando-o na cama.
— Eu fiz um desenho na escola ― Louis diz, assim que sai
do banheiro, e eu o olho, sem parar de arrumar sua cama. Seu
cheiro de banho recém-tomado toma conta do quarto.
— Fez?
— Sim. — Louis pega um papel dentro de sua mochila e sobe
na cama, e eu me aproximo dele para ver seu desenho. — Somos
nós três. Mamãe, a senhora e eu.
Minha boca se abre, em choque, com o belo desenho que ele
fez. Não é muito detalhado, mas para uma criança da idade dele é
admirável, de verdade. Meu filho tem um talento natural para isso,
dá para ver. Sorrio, orgulhosa.
— Ficou incrível, Lou.
— Minha professora disse que eu serei um ótimo desenhista
quando crescer. Não desenho tão bem ainda quanto a mamãe, mas
quero ser tão bom quanto ela.
Estou sorrindo para sua fala. Ainda analiso o desenho em
minhas mãos. Luna realmente é uma boa mãe. O fato de Louis se
inspirar nela de alguma forma só prova o quão real esse fato é. Ela
realmente sempre teve um talento para desenho. Lembro-me que
tínhamos um mural na escola todo decorado com desenhos e
nomes, e os dela eram sempre destaque. Não a suportava, mas
nunca fui cega: Luna tinha talento.
— Tenho certeza de que você será um ótimo desenhista.
Podemos colocar em um quadro depois, que tal?
— Sério?
— Sim, filho.
Ele abre um enorme sorriso, puxa seu grosso edredom e
entra debaixo dele. Cubro-o corretamente e sento-me ao seu lado
para dar-lhe um beijo na testa.
— Durma bem ― digo a ele.
— Amo você, mommy.
Meu coração dispara ao ouvir aquelas três palavras serem
ditas de forma tão verdadeira. Tenho certeza de que sempre reagirei
assim. O amor de um filho deve ser o tipo de amor mais sincero que
se pode sentir na vida. E eu sou muito grata por tê-lo, apesar de não
me lembrar das coisas.
— Amo você, pequeno. Boa noite.
Desligo a luz de seu abajur, levanto-me da cama e continuo
fitando-o, enquanto saio do quarto. Sinto vontade de dormir com ele
outra vez. Não sei se eu era tão apegada a ele antes, mas agora
sinto vontade de viver grudada. Acho que toda mãe se sente dessa
forma, principalmente quando os filhos são tão novos quanto o meu,
mas não acredito que serei diferente daqui há alguns anos. Creio
que serei assim até o fim da eternidade. Ele é meu tesouro.
— Teve alguma dificuldade em fazê-lo se deitar?
Olho para o lado, na direção de sua voz. Luna está com os
cabelos presos e o rosto sem qualquer vestígio da maquiagem de
antes. Uma olhada rápida e noto que também está usando um
conjunto de pijama branco. Parece ser seda. Ela sorri de lado, para
em frente à porta do meu quarto e me encara.
— Não — respondo, apenas, vou em direção ao quarto,
passo por ela para abrir a porta e faço sinal com a cabeça, para que
ela entre também. Mesmo que não estejamos dormindo juntas,
todas as coisas dela ficam em meu quarto. E ela é bem respeitosa
na maior parte do tempo, sempre espera minha permissão para
entrar. — Ele é um bom garoto.
— Sim. Ele realmente é, mas adora ficar conversando ao
invés de dormir.
Solto uma pequena risada e pego meu pijama da noite
anterior, que está sobre os travesseiros em minha cama. Luna
passa por mim, indo em direção ao banheiro, e continuo ali no
quarto, para esperá-la fazer sua higiene pessoal.
— Você se importa se eu olhar algumas fotos nossas? Sei
que temos bastantes. O mural no corredor mostra que gostamos de
guardar lembranças.
Ela não responde de imediato. Ouço o barulho da torneira e,
então, um som de cuspe. Demora apenas breves minutos para que
Luna apareça na porta, com uma toalha branca de rosto para
enxugar a boca.
— Tudo nessa casa é seu também, Camille. Você não
precisa da minha permissão para isso. Caso não tenha reparado,
tem uma caixa de madeira dentro da gaveta que fica do seu lado na
cama.
Ergo a sobrancelha, surpresa. Realmente não tinha reparado
em caixa alguma. Para ser sincera, eu não fazia ideia de que ela
estava ali. Sei que meu lado favorito de dormir sempre foi o
esquerdo, então vou até lá verificar.
— Como eu não vi isso antes? ― pergunto retoricamente.
Uma bela caixa de madeira, com desenhos estampados nela, está
debaixo de uma montanha de documentos. Retiro-a lá de dentro. É
um pouco pesada.
— Vou me deitar. Qualquer coisa, mande-me mensagem. —
Olho em sua direção. Luna acena com a cabeça, e respondo com o
mesmo gesto. Certos momentos com ela são muito
constrangedores. Acompanho com os olhos seu caminho até a
porta, mas antes de sair totalmente, ela para, pensa, durante alguns
segundos, e vira-se para mim. Seu olhar parece transmitir muitas
coisas não ditas. — Boa noite, Camille. Durma bem ― é tudo o que
ela diz antes de se retirar, deixando-me sozinha e intrigada.
— Você também… ― sussurro baixo, mesmo sabendo que
ela não vai escutar.
Solto um longo suspiro e nego com a cabeça, voltando minha
atenção para a caixa em meu colo. Quando a abro, deparo-me com
milhares de fotos polaroid, todas empilhadas de maneira
organizada.
Abro um enorme sorriso. Eu amo polaroids.
Pego a primeira foto. Sou eu. Estou de short jeans claro e
camiseta preta, com óculos escuros e um boné branco na cabeça.
Tem uma bela vista, que parece ser a cidade de Miami atrás de
mim. Parece uma foto antiga. Olho atrás e pela data confirmo: é
uma imagem datada de sete anos atrás. Eu parecia muito alegre.
Não sei se Luna e eu já morávamos aqui ou se ainda
morávamos em Miami. Nunca a questionei. Para ser sincera, não
faço ideia do motivo de termos saído daquele lugar. Eu sempre amei
minha cidade natal. E até onde sei, ela também adorava morar lá.
Preciso me lembrar de lhe perguntar o motivo de virmos morar em
Jacksonville. Não que eu não goste daqui, é claro.
As fotos seguintes também são todas minhas, em diversos
lugares bonitos. Tem anotações dos locais e as datas atrás de todas
elas. Gostei disso.
Uma, em especial, chama minha atenção. Estou sentada na
borda de uma piscina. De perfil, mas dá para ver boa parte do meu
corpo. E, nossa... os anos realmente me fizeram bem. Lembrando-
me de como eu era na adolescência e me vendo agora, realmente,
nada como a boa puberdade na vida de alguém.
Deixo meu ego de lado no instante em que começo a ver
fotos de Louis, e um enorme sorriso se abre em meu rosto. Eu
realmente amo essa criança. Uma dele mais novo me deixa
chocada, e fico assustada de verdade. Como ele pode se parecer
tanto com Luna, se fui eu quem o gerou?
Continuo olhando suas fotos. Há uma dele no Halloween,
fantasiado de coelho. Essa é mais recente, porém nem tanto. Em
outra, ele está com Luna e Noah — os três, um ao lado do outro,
vestindo jaquetas de couro e óculos escuros. Parecem um
esquadrão de motoqueiros, e isso me faz rir. Em outra, ele está
sentado entre mim e Luna, enquanto beijamos sua bochecha. Sua
língua presa entre os dentes apenas frisa de quem ele é filho.
Na foto seguinte, Luna está deitada em um tapete e Louis
está sobre ela. Os dois parecem dormir profundamente. Usam
roupas iguais, o que me leva a constatar que eles são mesmo muito
grudados. É cada vez mais evidente.
E, então, começam as fotos que eu realmente não queria ver.
Devo continuar vendo ou não?
Estou dividida: curiosa, mas receosa. Realmente não quero
ver algo romântico entre mim e Luna.
Você sabe que não conseguirá dormir direito se não olhar
essas fotos.
Cale-se, Camille! Você precisa deixá-las e ignorá-las.
Não! Olhe todas!
Merda...
Maldita curiosidade.
A primeira não tem nada muito surpreendente. Estamos
juntas, sentadas, lado a lado, na praia e sorrimos para a câmera. Na
foto seguinte, não dá para ver o ambiente, mas estou com os braços
em volta do pescoço dela, e meu rosto está escondido nele. Ela tem
um enorme sorriso em seu rosto.
Quanto grude. Reviro meus olhos.
Na terceira foto, ela está sozinha, deitada na cama e
concentrada em um livro.
Nota mental: Luna de óculos de grau é quente.
O que foi isso, Camille Cruz?!
Estou ficando louca, só isso pode explicar.
Continuo olhando as fotos, até chegar às que eu, de fato, não
gostaria de ver: Luna e eu nos beijando, em diversas delas. Uma me
faz arregalar os olhos. Estamos deitadas na cama, usando apenas
um par de lingerie: o dela, vermelho, e o meu, branco. Meu rosto
esquenta de vergonha, e passo para a próxima. As seguintes
seguem o mesmo padrão, exceto por uma que estamos dentro de
uma banheira: eu na frente, com uma taça de champanhe na mão, e
ela atrás, com o queixo sobre meu ombro, beijando meu rosto.
Fico sem jeito outra vez, mas continuo vendo as fotos, até
quase ter uma parada cardíaca.
Não pode ser.
Não, de forma alguma isso é possível.
Recuso-me a acreditar.
Uma Luna nua e sorridente, sentada na cama, com os
cabelos bagunçados de uma forma sensual. Um dedo na boca e as
pernas um pouco afastadas. O olhar dela parece me hipnotizar.
Engulo a saliva em minha boca e fico horrorizada.
Eu a estava desejando? Senti mesmo uma atração somente
com essa foto?
Caramba...
Luna não tem pudor algum. Será que ela também tem fotos
minhas assim? Eu espero que não, porque não conseguiria encará-
la de novo.
Guardo todas as fotos dentro da caixa outra vez e a coloco
no mesmo lugar. Levanto-me da cama para trocar de roupa, mas ao
invés de só colocar o pijama, resolvo tomar um banho. Preciso me
acalmar e colocar os pensamentos em ordem. Essa mulher está
mexendo comigo.
Preciso de um remédio que me cure dessa doença chamada
Luna Jacobs.
Mas por que estou tão preocupada e mexida? Eu nem a amo.
O dia foi intenso demais, estou ficando louca.

Frequentar meu estúdio de dança tem sido terapêutico. Isso,


é claro, além das consultas com a doutora Robertson. Mas focando
no meu trabalho, eu realmente gosto de poder estar voltando a essa
rotina. Mesmo que não esteja totalmente acostumada e confortável,
ainda assim, adoro poder passar o dia lá. Hoje foi um dos dias em
que fui trabalhar. É o melhor emprego do mundo, faço o que amo e
não tenho que me estressar com nada. Tem coisa melhor?
O silêncio em casa lembra-me de que estou sozinha. Louis
passará a noite na casa de Vanessa, e Luna não havia chegado
ainda. O taxista que me trouxe para casa era muito simpático e
disse coisas que me fizeram refletir um pouco.
Parecia que suas falas eram conselhos. Fiquei intrigada com
a história dele sobre o seu primeiro amor. Ele pareceu chateado e
arrependido por não ter lutado.
Infelizmente, como ele mesmo disse, era tarde demais, e isso
me fez pensar bastante. Será que me arrependerei no futuro? Será
que é tarde demais para Luna e eu? Esses pensamentos não saem
da minha cabeça, nem mesmo durante o banho ou quando estou na
cozinha, preparando algo para comer.
Doutora Robertson conversou sobre algumas coisas comigo
durante nossa consulta, no dia anterior. Falamos sobre Luna e
nossa evolução. Bem, a minha evolução em relação à minha vida e
à amnésia. Tudo parece menos difícil a cada dia ― embora eu
ainda não esteja acostumada e odeie tudo isso.
Meu celular vibra sobre a bancada, então paro de mexer a
massa de panqueca e vou até o aparelho. Uma mensagem é
notificada na tela.

Ela apenas visualiza a mensagem e não responde mais


nada. Uma coisa curiosa assusta-me, quando reparo que estou
sorrindo, e rapidamente fico séria. As coisas têm estado meio
estranhas em relação a Luna. Sinto-me... ligada a ela de alguma
forma, e isso é apavorante.
— Preciso parar de pensar nessas coisas.
Termino de preparar minhas panquecas e sinto vontade de
comê-las, estou com desejo. Fiz o suficiente e um pouco além do
que deveria, mas devoro todas. Estavam ótimas.
Limpo tudo, volto para a sala e ligo para Vanessa, querendo
saber sobre meu filho. Ele está ocupado, brincando com Toni, mas
para e me atende. Meu coração fica apertado de saudade, quero
muito um abraço. Odeio chegar aqui e não o ter comigo. Será que
serei sempre assim?
As horas passam, e Luna não chega. Fico preocupada e
tentada a ligar, mas não o faço. Ela disse que estaria com o irmão, e
se Vanessa não reclamou de nada, quando nos falamos no telefone
mais cedo, é porque, provavelmente, não deve ser nada além de um
programa de irmãos. Eles têm mesmo esse costume de sair apenas
os dois, isso é legal. Gostaria de poder conviver um pouco mais com
minhas irmãs, mas Sofia está na faculdade e vive ocupada, e
Belinda, bem... tem uma família.
Quando não encontro nada mais de interessante na
televisão, desligo-a e resolvo subir para o quarto. Estou quase no
topo das escadas quando ouço o som de um carro sendo
estacionado na frente de casa. Não quero mostrar a ela que fiquei
esse tempo todo esperando por sua chegada, então me escondo no
corredor e espero. A porta da frente é aberta, mas Luna não está
sozinha: Noah entra com ela também.
— Louis está lá em casa?
— Sim. Toni pediu que ele fosse.
— Logo percebi. Está muito silenciosa essa casa ― ele
brinca, e os dois riem.
Eu sorrio. É verdade, a casa sempre fica muito quieta quando
meu filho não está aqui. Com cuidado, eu me esgueiro para olhar lá
para baixo. Não quero que eles me vejam, então preciso tomar
cuidado.
— Pensei que encontraria Camille na sala. Ela deve ter ido
dormir ― Luna comenta e senta-se no sofá. Noah a acompanha.
— Por falar na minha cunhada... como estão as coisas entre
vocês?
Minha curiosidade fica aguçada.
— Melhores do que antes, mas ainda difíceis ― ela fala,
como uma confissão, e suspira longamente, parecendo exausta.
— Não teve nenhum avanço no quadro dela? Nenhuma
lembrança? — ele questiona, e Luna nega com a cabeça, olhando
para baixo. Seus ombros estão encolhidos, e não demora muito
para acontecer algo que faz meu coração ficar apertado. — Oh,
pequena... ponha para fora. Vai se sentir melhor.
Noah puxa-a para seus braços, embalando-a em um forte
abraço, para tentar confortá-la. Luna está chorando de forma
audível. Seu corpo treme, e ela agarra o casaco de seu irmão.
Sinto-me cada vez mais estranha ao ver aquilo. Minha vontade é de
correr para o quarto, trancar-me lá dentro e não sair até que ela
tenha parado de chorar. É horrível vê-la assim. Nunca fui o tipo de
pessoa que consegue ficar indiferente ao sofrimento de alguém. O
choro sempre foi meu ponto fraco, e por mais que não esteja
apaixonada por aquela mulher, seu sofrimento me machuca.
— Eu juro que tento ser forte, sabe? — Luna se pronuncia,
depois de um longo tempo chorando. Noah seca suas lágrimas,
quando ela se afasta dele e, então, acaricia seu rosto com o
polegar. — De vez em quando, ela me olha como se estivéssemos
no passado, quando ela me desprezava. Isso dói tanto. — Uma
pausa e um suspiro pesado. — É horrível vê-la sendo indiferente a
mim. Eu estou acostumada com seus olhares amorosos, com o
carinho e o afeto.
— Imagino que esteja sendo difícil mesmo.
— Apesar da fase difícil em que estávamos, eu tinha aquela
certeza de que tudo ficaria bem. Ela me olhava com amor... O
mundo fazia sentido.
Fase difícil? Será que nosso casamento estava passando por
altos e baixos, da forma que meu pai disse hoje mais cedo?
— Vocês conversaram sobre o casamento de vocês?
— Ainda não.
— Precisam fazer isso logo. Você sabe...
— Eu sei.
— O que pretende fazer?
Luna olha para cima e encara o teto. Noah coloca uma das
mãos em suas costas, alisando-a com carinho, para confortá-la.
— Prometi que sempre estaria ao lado dela, nos momentos
bons e nos ruins. Não importa se, no final do dia, eu me sinta como
merda por não conseguir, ao menos um sorriso da mulher que amo
com a minha vida. — Suspira. — Vou apoiá-la e estar com ela. Só
quero vê-la bem e ajudá-la com a amnésia.
— Sabe que ela pode nunca se lembrar de nada.
— Eu sei disso. E morro de medo...
— Que ela não se lembre de você?
Luna para de olhar o teto e o encara.
— Que ela não se lembre de ter me amado um dia.
Sua frase me atinge de uma forma surreal. Sinto cada
palavra penetrar minha pele, como se fosse faca afiada, e o coração
aperta ainda mais. Por que ela me afeta tanto?
— Não fique assim. Você sabe que pode conquistá-la outra
vez. Já aconteceu antes, pode acontecer de novo.
— Não é tão fácil quanto parece. Eu gostaria muito que
fosse.
— Eu sei, mas... tente.
— Fiquei pensando em tudo isso desde que soubemos da
probabilidade de ela não se lembrar de nada. Me lembrei dos
nossos momentos juntas, do casamento, de como nossa família é
unida, da nossa felicidade. E a realidade me machuca, porque...
Noah, ela nem se lembra do nosso filho! Não faz ideia de como foi
gerá-lo, não sabe como foi feliz quando ele nasceu — sua voz falha
um pouco, e sinto que ela vai chorar outra vez. — Ele a ama tanto.
Minha maior preocupação era que, por alguma razão, ela o
rejeitasse.
— Ela jamais faria isso, mesmo sem se lembrar de nada.
— Minha Camille não faria isso. Essa Camille de agora...
bom, ela é uma desconhecida para mim. Não vejo aquele brilho. Ela
não está feliz.
— Conheço esse seu jeito de falar... Está cogitando pedir o
divórcio?
O ar parece faltar em meus pulmões. Luna para de encará-lo
e abaixa a cabeça. Estou imóvel, esperando sua resposta.
— Se for o desejo dela, então, sim... Faço tudo por aquela
mulher, você sabe disso. Desde que ficamos juntas, venho dando o
meu máximo para fazê-la feliz, e infelizmente não estou fazendo
isso agora. Então, se eu precisar abrir mão da minha felicidade pela
dela... eu o farei. Minha prioridade sempre será Camille. Não me
importo comigo mesma. Não mais.
Seu desabafo termina quando ela começa a chorar outra vez.
Noah a abraça de novo, e Luna esconde o rosto na camisa dele e
deixa toda sua emoção sair. Estou com os olhos cheios d’água, e
meu peito parece cada vez mais apertado.
Como pode alguém desistir de si mesmo por outra pessoa,
como ela está fazendo?
Ela me ama tanto a ponto de passar o resto da vida infeliz,
somente para que eu possa ser feliz. Sou sua prioridade, Luna me
põe em primeiro lugar sempre.
Finalmente, me dou conta de que estou chorando. Sinto toda
a sua dor mais uma vez. Não me importo que seja estranho para
mim, só quero vê-la bem.
Choro por sua dor, por não conseguir me lembrar dela.
Capítulo 10 - Aniversário
Como tem sido todos os dias, acordo cedo. Minha cabeça
dói, são reflexos do choro na noite passada. Depois que não
aguentei mais ver Luna chorar no colo de Noah, voltei para o meu
quarto e chorei no banho. Uma sensação de coração pesado ainda
está em mim. Estou ligada a ela, é um fato. Hoje, porém, não parece
comum. Por que sinto que me esqueci de algo?
Bom, a julgar pelas últimas semanas, esquecimento é o meu
forte.
Levanto-me da cama e fico nas pontas dos pés para me
esticar. Sinto meu corpo parecer aliviado quando os músculos
relaxam um pouco. Preciso de um banho urgente. Sem me
preocupar com a bagunça, começo a retirar minhas roupas,
deixando-as espalhadas pelo chão do quarto. Talvez a Camille
adulta seja um pouco mais organizada, mas a adolescente sempre
foi bagunceira.
— Bom dia, Camies...
— Oh, meu Deus! — exclamo, assustada, e coloco as mãos
em meu peito. Meu coração está acelerado. Eu não fazia ideia de
que ela estava aqui dentro. — Não faça essas coisas. Por favor.
— Desculpe-me. — Suspiro longamente e olho para ela, por
puro reflexo, arrependendo-me. Meus olhos quase saltam das
órbitas, e sinto meu rosto esquentar. Luna sorri de lado, não parece
nem um pouco afetada com o fato de eu estar vendo-a sem roupas.
Seu rosto também está aparentemente tranquilo, parece melhor do
que na noite passada. Isso é bom. — Nudez é algo normal, sabia?
— Pare com isso...
Ela solta uma risadinha. Essa maldita sabe que me deixa
completamente sem jeito. Não a encaro, continuo olhando para o
chão. O meu susto me fez esquecer momentaneamente de que eu
também estava sem roupas. Engulo a saliva em minha boca e cubro
minhas partes íntimas. Dessa vez, Luna ri alto. Parece ter visto
minha ação e deduzido meus pensamentos.
— Não deveria se cobrir. Tem um corpo lindo, que deve ser
mostrado.
E sem dizer mais nada, ela simplesmente sai do banheiro,
deixando para trás seu cheiro de banho recém-tomado e a minha
pessoa completamente sem palavras. Desde quando eu fico tão
sem ação perto da Jacobs?
O que os anos fizeram comigo, além de me envelhecer?

— Pode entrar.
Respondo às leves batidas à porta, termino de colocar
minhas botas e saio do closet. Luna entra em meu quarto. Está
agasalhada com um sobretudo preto e usa uma touca beanie da
mesma cor.
— Vamos?
Concordo com a cabeça, vou em sua direção e termino de
abotoar minha jaqueta de cor verde-escura. É bem quente, o dia
está frio lá fora. Passo por Luna, e seu cheiro toma conta das
minhas vias nasais. Ela é sempre tão bem-perfumada, é impossível
não notar isso. Minha consulta com a psicóloga foi adiada para
quinta-feira, pois eu tive que ir ao hospital saber sobre o meu laudo
médico na segunda — fatídico dia que me deu a certeza de que
posso nunca me lembrar de nada. Isso ainda me apavora bastante.
Essa semana foi mais exaustiva do que a última, e tenho
muita coisa para conversar com a doutora Robertson. Preciso
conversar com alguém que vai apenas me ouvir. Às vezes, tudo o
que queremos e necessitamos é falar sem que alguém se sinta na
obrigação de responder algo. Nem sempre um desabafo precisa de
resposta. Na maioria das vezes, só precisa ser ouvido.
— Vanessa comentou algo com você sobre um jantar hoje à
noite? — pergunto a ela. Estamos a caminho do consultório quando
me lembro da mensagem que minha melhor amiga mandou hoje
cedo, logo depois do café da manhã.
— Sim. Ela me mandou uma mensagem. Nós vamos?
— Uh... sim...
Confirmo, mas soa como uma pergunta retórica. Quero dizer,
por que ela me perguntou isso? Não sou eu quem decido as coisas.
Ela é uma pessoa livre, certo? Não tenho o direito de dizer se ela
pode ou não ir a algum lugar. Luna tem algumas atitudes que me
confundem muito.
— Tudo bem. Vou chegar um pouco mais tarde hoje. Estou
atolada com algumas coisas no trabalho. Tudo bem se o Noah te
buscar?
Fico curiosa para questioná-la sobre algumas coisas. Nós
nunca conversamos sobre o trabalho dela nem faço ideia de como
ela se sustenta, mas me calo e apenas concordo com a cabeça.
Sempre há momentos em que não sei como agir corretamente com
a Luna. Tudo ainda é muito confuso e estranho.
O caminho até o consultório é tranquilo. Apesar dos
momentos constrangedores e esquisitos, não é mais tão ruim ficar
sozinha na presença dela. Estou começando a acreditar que a rotina
de convivência realmente pode mudar minha opinião sobre Luna.
Chegamos rápido e, como de costume, entramos juntas no prédio.
Seu olhar esteve sobre mim algumas vezes, mas eu apenas ignorei.
Ela tem uma coisa que prefiro evitar a todo momento.
— Boa tarde. A doutora Robertson está esperando por você,
Camille.
— Boa tarde, Aurora. Muito obrigada. — Sorrio para a
simpática secretária da minha psicóloga e viro-me para Luna, que,
sorridente, acena para Aurora. Ela desvia o olhar para mim,
esperando que eu diga algo. — Até mais tarde.
— Até... Tem dinheiro para o táxi na sua bolsa. Qualquer
coisa, é só me ligar.
— Tudo bem.
— Tchau, Aurora.
— Tchau, senhora Jacobs.
Elas se despedem e Luna vai embora. Suspiro, virando-me
em direção à porta da sala da minha psicóloga, e aceno mais uma
vez para Aurora, antes de bater à porta e ser recebida pela doutora
Robertson. Seu enorme sorriso de sempre está ali, presenteando-
me com sua aura boa.
— Camille! Entre, estava esperando você.
— Oi, doutora Robertson... Obrigada.
— Já disse que você pode me chamar de Annie — ela me
repreende, mas seu tom de voz é divertido. — Sente-se. Aceita
alguma bebida? Tenho suco, água, café...
— Não. Estou bem, obrigada.
Sento-me na minha habitual cadeira, em frente a ela.
— E, então... conte-me sobre a sua semana. Como foi a
consulta com o médico?
— Terrível. — Suspiro longamente. O coração aperta todas
as vezes que me lembro da triste notícia. — Ele disse que minhas
chances de não me lembrar de nada são bem altas. Acho que só
um milagre pode me ajudar.
— Você não pode perder as esperanças, Camille. Mesmo
que suas chances de sucesso sejam poucas, ainda assim, você
pode acreditar e lutar por isso.
— Eu sei, mas é muito difícil.
— Tenho certeza que sim. Não posso dizer que sei como é,
porque eu não faço ideia de como seja essa situação, mas você
precisa sempre focar no futuro.
— Estou tentando, mesmo. Só que é tão complicado... —
Levo minhas mãos até meus cabelos e enfio os dedos entre os fios,
puxando-os levemente. A pequena fisgada que sinto em meu couro
cabeludo não é nada, se comparada à dor em meu coração. —
Como isso foi acontecer justo comigo?
— Sabe, Camille, tem coisas na vida que acontecem sem um
motivo certo. De vez em quando, algo ruim é o melhor caminho para
algo bom. Precisamos cair, se quisermos aprender a ficar de pé.
Erros sempre são educativos.
Suas palavras me fazem pensar bastante. Tudo o que
acontece na nossa vida pode não parecer que deveria acontecer,
mas, no final, tem uma razão. Pode ser complicado entender as
dificuldades, porém, sem elas, como aprenderíamos a viver?
Ter tudo com facilidade não nos ensina nada, viver em um
mar de rosas é só enganação. A vida vai muito além de só nascer,
crescer e morrer. Passamos por dificuldades e obstáculos. Temos
que enfrentar monstros diariamente, mas isso é necessário para que
possamos evoluir como seres humanos.
Afinal, só se vive uma vez, e ninguém deveria desperdiçar a
única chance.

No caminho de volta para casa, dentro do táxi, lembro-me de


todas as coisas que a doutora Robertson me falou e não consigo
parar de imaginar as possibilidades que me foram dadas. Eu tenho
tantas opções viáveis, preciso começar a organizar meus
pensamentos para não agir por impulsividade. Por mais que eu não
ame Luna agora, não me lembre de nosso casamento e de tudo o
que vivemos, um dia eu fui grata por tudo isso. Um dia, fui
apaixonada por ela.
Não sei se isso acontecerá outra vez, mas não serei imatura
de simplesmente abandoná-la e virar as costas. Estou crescida, sou
uma mulher adulta e mãe, tenho que agir e pensar como tal.
Complicado, mas necessário.
O resto do dia passou como um foguete. Ficar sozinha nessa
casa é muito deprimente e solitário. Luna ainda está no trabalho,
não a verei tão cedo, e Louis está na casa de Vanessa. Felizmente,
meu cunhado estará aqui dentro de alguns minutos, e eu poderei
reencontrar meu filho e matar a saudade que estou sentindo. Ser
mãe, mesmo que há pouco tempo, despertou em mim um lado
coruja e carente que antes era desconhecido.
A campainha soa, e eu sei que é Noah. Ele havia mandado
mensagem para mim, avisando que estava chegando. Olho-me no
espelho mais uma vez. Belinda sempre foi mais vaidosa do que eu,
e felizmente, aprendi algumas coisas com ela — por insistência da
própria, é claro. Fiz uma maquiagem leve, que combina
perfeitamente com as roupas escolhidas por mim esta noite. Minha
versão adulta tem um ótimo gosto para as coisas, vale frisar isso.
— Boa noite, cunhada favorita.
— Você só tem a mim de cunhada — rebato sua saudação, e
Noah gargalha, antes de me puxar para um abraço. Seu perfume é
forte, porém agradável. Não tanto quanto o de Luna, que é mais
suave, mas, ainda assim, parece que ter um cheiro bom é coisa de
família. — Boa noite, cunhado.
— Infelizmente, você tem outro, além de mim, mas eu sei que
sou o favorito.
Gaba-se, erguendo o queixo. Ele abaixou o volume de sua
barba e parece ter cortado os cabelos. Olhando-o de perfil, não dá
para negar que Luna e ele são irmãos. A beleza é uma coisa
hereditária também entre os Jacobs. Noah coloca a mão em minhas
costas, como apoio, enquanto andamos em direção ao seu carro.
Outra coisa que sua irmã e ele compartilham: o gosto por carros
grandes. O dele é enorme, assim como o dela.
— Luna falou com você sobre o horário que iria sair do
trabalho?
Questiono, assim que estamos dentro do carro, coloco meu
cinto de segurança e olho para ele. Noah gira a chave na ignição e,
então, retribui meu olhar.
— Disse que em poucas horas estaria conosco.
— Ah, sim.
É tudo o que digo, e o silêncio toma conta do carro. Não é
desconfortável, sempre gostei de Noah, apesar de não ter muita
intimidade com ele na época da escola. Parece que agora nos
damos super bem. É aceitável, afinal sou casada com a irmã dele, e
ele, com a minha melhor amiga.
Está tudo em família.
— Vocês estão se dando melhor? — Olho para ele, sem
entender. — Estou falando de Luna e você. Como vão as coisas?
Ainda ruins?
— Hm, não. Quero dizer, não é a melhor coisa do mundo,
mas agora é menos pior. Você sabe, nunca gostei dela. Acordar, um
dia, e descobrir que estamos casadas e temos um filho foi realmente
chocante.
— Compreensível — ele responde e fica quieto durante
alguns segundos. Eu também não falo nada, prefiro assim. Mas,
então, retoma o assunto, quando achei que iríamos continuar
calados. — Sabe, Mille, eu prometi a ela que não me meteria nisso,
afinal vocês são adultas e casadas, devem resolver as coisas entre
si, mas não me leve a mal... é só que odeio vê-la triste.
Em sua voz, eu sinto que, da mesma forma que eu sou com
as minhas irmãs, ele também é com ela. Noah está sentindo tudo o
que Luna sente, e eu sei bem quão doloroso é ver quem amamos
sofrendo.
— Estou sendo menos rude... e, bem, tentando me
acostumar com a ideia de ser casada com ela.
— Imagino que tudo ainda seja uma confusão para você, e
sei que está cansada de ouvir que as coisas mudaram e deveria
tentar conhecê-la de verdade, mas eu não posso evitar. Devia dar
uma chance não só a ela, mas a você também. Tente saber mais do
que aconteceu. Nunca vi um casal tão em sintonia quanto vocês
duas. Sempre foi um amor genuíno.
— Eu não sei o que dizer.
— Não precisa dizer nada, apenas considere. Você não
precisa ficar presa a esse casamento, mas ao menos tente
conhecê-la como pessoa. Tenho certeza de que mudará sua opinião
sobre ela. Luna é uma mulher excepcional. Sou muito orgulhoso da
pessoa que ela se tornou. Não falo isso apenas porque sou irmão
dela, eu realmente a admiro.
Não respondo nada, mas suas palavras me fazem pensar
ainda mais. Noah fala com orgulho de quem a irmã se tornou, da
pessoa incrível que ela parece ser. Faz alguns dias desde que
decidi tentar melhorar nossa relação, e sei que devo mesmo, ao
menos, conhecê-la. Não estamos mais no colegial e não somos
mais adolescentes bobas, somos casadas e temos um filho. Ao
menos uma amizade saudável devemos ter.
Quero conhecer Luna Jacobs e quem sabe, assim, entender
o motivo de ter me apaixonado por ela.
— Mommy!
O grito de meu filho é a primeira coisa que ouço, quando
entro na casa de Noah e Vanessa, e um enorme sorriso surge em
meu rosto. Só tenho tempo de me ajoelhar, antes que seu corpo
colida com o meu, e aperto-o em meus braços com força. Digo a
mim mesma, em minha mente, que nunca mais passarei tanto
tempo longe do meu pequeno. Foram horas horríveis.
— Filho! Que saudade! — Seguro seu rosto e afasto-me para
olhá-lo. Louis está com um sorriso enorme, e os cabelos, cada vez
maiores, caem sobre seus olhos claros. Encho-o de beijos, e meu
filho gargalha. O som invade meus ouvidos e funciona como um
calmante natural. Tudo melhora na presença dele. — Nunca mais
ficarei tanto tempo longe.
— Pelo amor de Deus, criatura! Foi só um dia e algumas
horas. Ele costumava passar dias comigo.
Uma Vanessa debochada surge na sala, com sua habitual
pose de senhorita que manda em tudo, só que agora ela não é mais
uma adolescente, mas uma mulher maravilhosa. Pena que tão chata
e implicante.
— Eu nunca mais deixarei isso acontecer.
Envolvo-o em meus braços outra vez, e Louis agarra meu
pescoço com força, retribuindo meu abraço apertado. É a melhor
sensação.
— Como você é dramática. — Revira os olhos para mim, que
olho para ela e, disfarçadamente, mostro o dedo do meio. Vanessa
coloca as mãos sobre o peito e finge estar ofendida. — Você voltou
mesmo a ser mal-educada. Luna precisa te adestrar outra vez.
Parece que os modos se perderam com a sua memória.
— Vanessa, cale a boca. Não tenho culpa se você é
insensível.
— Dramática.
— Olha aqui, sua...
— Okay, mulheres, acalmem-se! Temos crianças aqui —
Noah intervém quando eu fico de pé e ameaço ir em direção a
Vanessa. Ela nem se abala com a minha atitude e continua me
olhando como se eu fosse o inseto mais insignificante do mundo. —
Fale com a sua tia, Toni.
— Tia Mille.
Receoso e visivelmente tímido, ele vem até mim, e eu me
abaixo para abraçá-lo e beijar sua bochecha. Os olhos claros dele
são ainda mais bonitos quando vistos de perto. É incrível como ele
herdou características de Vanessa e Noah.
— Mommy, o Toni e eu vamos continuar brincando com o
lego, tá bom?
— Tudo bem, filho. Divirtam-se.
Meu pequeno acena para mim antes de sair dali com Toni. Os
dois sobem as escadas rapidamente, indo a algum lugar,
provavelmente o quarto do pequeno. Ainda estou sorrindo. Ver meu
filho melhorou meu humor.
— Um dia, o meu filhote vai superar a paixonite que tem por
você.
Noah comenta, em tom de divertimento, e Vanessa gargalha.
Eu encaro os dois, sem entender direito.
— Como assim?
— Toni sempre ficou sem jeito perto de você. Acreditamos
que ele tenha algum tipo de paixão platônica. Coisa de criança,
sabe?
Vanessa responde, ainda rindo e dando de ombros. Eu abro
a boca, finalmente entendendo o assunto, e acabo rindo disso. É
uma coisa engraçada. Os dois me guiam em direção à cozinha, e o
cheiro de comida anima meu estômago instantaneamente. Sinto-me
tentada a questionar quem preparou o jantar, mas provavelmente
minha melhor amiga me daria alguma resposta atravessada.
Quando entramos em assuntos variados, acompanhados de uma
garrafa de vinho tinto, nem percebo o tempo passando. Uma das
coisas ótimas que ser uma adulta me proporciona é o fato de poder
ingerir bebida alcoólica.
— Luna tem mesmo esse jeito protetor. Às vezes, ela até
exagera, mas é uma coisa da personalidade dela. Sempre foi assim.
— Eu sei. Lembro-me de uma vez que ela me acompanhou
até em casa, quando eu neguei sua carona naquela moto
barulhenta.
Ela sempre tentou me fazer subir naquele negócio, mas eu
sempre negava. Sabia que meu instinto não poderia estar errado
sobre aquilo. No dia em que finalmente aceitei sua carona, não
esqueço como meu coração ficou acelerado pela velocidade.
— Você bem que amou andar naquela “moto barulhenta”,
depois que vocês começaram a se envolver. Era quase como
mandar um recado para todo mundo.
Vanessa debocha, e dou um gole em meu vinho, encarando-
a, curiosa.
— Como assim?
— Seu território, Camille — ela responde, e Noah solta uma
risadinha e concorda com a cabeça. — Você odiava que alguém
chegasse perto da Luna com aquela moto. Digamos que a senhorita
se tornou bem ciumenta.
— Eu, ciumenta? Impossível.
Murmuro, sem muita confiança. Não faço ideia da pessoa que
me tornei com o passar dos anos. Somente me lembro de ser
totalmente desapegada, até acordar casada com uma pessoa que
sempre detestei, e descubro uma coisa nova todo dia. Muita
informação para pouco eu.
— Pode acreditar, cunhada. Você era ciumenta, sim.
Fico calada e opto por apenas beber meu vinho. Eles
continuam soltando risadinhas e piadinhas sobre a minha Camille do
passado. Isso é injusto, não tem como eu saber se o que estão
dizendo é realmente verdade. O som da campainha ressoa por toda
a casa, e não sei ao certo se estou aliviada por saber que é Luna ou
receosa do que esses dois podem falar.
— O cheiro da comida está ótimo. Estou cheia de fome — ela
diz, assim que chega até onde estamos, e mantenho a atenção em
minha taça. O cheiro dela, como de costume, toma conta do
ambiente instantaneamente. Como alguém pode passar o dia no
trabalho e, ainda assim, cheirar tão bem? — Boa noite, cunhada.
— Demorou. Eu estava quase comendo antes de você.
— Podia ter comido, vocês não precisavam me esperar.
Luna senta-se ao meu lado, então olho de relance para ela e
noto quão cansado seu rosto parece. O dia no trabalho deve ter sido
exaustivo mesmo. Como se ela sentisse meu olhar sobre ela, olha
para mim e sorri de lado. Discretamente, passaria despercebido por
qualquer um que não estivesse prestando atenção.
— Como está o projeto?
Noah questiona, de pé, acompanhado de Vanessa, e os dois
começam a arrumar a mesa para o jantar. Agradeço mentalmente,
pois estou com fome.
— Cansativo — ela responde ao irmão, ficando de pé
também, e eu a acompanho com o olhar. Luna parece mesmo
cansada. — Minha cabeça parece que vai explodir.
— Coma o jantar que depois lhe darei um remédio para dor
de cabeça. Pode se sentar, hoje eu libero você de ajudar.
— Muito obrigada. Você é um anjo quando quer.
Luna agradece a Vanessa e sai da cozinha, indo em direção
à sala de jantar, e eu termino de degustar meu vinho. O gosto
adocicado tomou conta de toda a minha boca. Sempre foi uma
sensação gostosa. Não que eu seja fã de bebidas alcoólicas, nunca
fui de sair muito quando era mais nova, porém o vinho sempre foi
uma bebida que eu apreciei.
— Venha, Camille.
Noah chama por mim, e vou em direção à sala de jantar.
Tudo está perfeitamente organizado. Olhar para tudo isso, sabendo
que minha melhor amiga preparou tudo com a ajuda de seu marido,
ainda é muito surreal. Lembrando-me apenas da Vanessa
adolescente, uma cena dessas é realmente engraçada, se
comparada ao fato de que ela mal sabia fritar um ovo. Tentei por
diversas vezes ensiná-la a cozinhar, mas nunca consegui. Sento-me
ao lado de Luna e dessa vez não a olho. Trocamos muitos olhares
por hoje.
— Crianças, venham comer!
Vanessa chama por Louis e Toni, e não demora muito para
que possamos ouvir passos apressados nas escadas e as vozes
animadas dos dois. Minha língua coça para repreender meu filho por
ter corrido em um lugar perigoso, no qual poderia se machucar, mas
me calo. Não faria isso na frente dos outros.
— Quantas vezes terei que pedir para não correr nas
escadas, carinha?
Luna não parece se importar com a presença de outras
pessoas e repreende o pequeno. Ele morde o lábio inferior e abaixa
a cabeça, sem jeito. Apesar do esporro, Louis agarra a cintura dela
e a abraça. Ela parece se derreter e abre um enorme sorriso,
depositando um beijo no cabelo dele.
— Desculpe, mamãe.
— Você também, mocinho. É perigoso correr em escadas.
Repreende Toni, que está sentado ao seu lado. O pequeno
fica com as bochechas rubras, mas acena com a cabeça, em
concordância. Luna parece ser o tipo de adulta responsável, um
pouco chata com questões de segurança. E eu pensava que ela
seria o tipo de mãe desleixada, que deixa os filhos fazerem o que
querem. Parece que me enganei, não é mesmo?
Depois que todos estavam em seus devidos lugares,
finalmente pudemos jantar. Eu não poderia estar mais agradecida
pelo passar dos anos, pois a comida de Vanessa ficou realmente
divina. E Noah não poupou elogios à minha melhor amiga, sempre
enaltecendo o fato de ela saber preparar coisas divinas na cozinha.
Fiquei ainda mais surpresa. Ela nunca foi do tipo que fazia algo
sozinha, mas o tempo muda, e muitos anos se passaram.
Tudo está diferente agora.
O caminho de volta para casa foi divertido. Foi uma noite
agradável, e todos estávamos felizes. Se eu olhasse de um ponto
de vista diferente, diria que nós três ainda somos uma família bem
unida. Mas, apesar de tudo, isso não me deixa desconfortável.
Parece reconfortante, na realidade. Eu gosto de estar me dando
bem com ela, e conviver com meu filho tem sido cada vez melhor.
Realmente, ser mãe é algo inexplicável, faz um bem surreal.
— Filho, se for tomar banho, não esqueça de não molhar os
cabelos, está tarde ― Luna diz, assim que entramos em casa. Só
agora noto quão cansada estou.
— Tudo bem, mamãe. Vou subir ― ele avisa e sobe as
escadas. Meu pequeno também parece cansado, pois quase se
arrasta pelos degraus.
Abaixo-me para retirar minhas botas. Preciso de alívio
imediato. Um banho relaxante na banheira será uma ótima escolha.
— Você quer tomar seu banho primeiro?
— Pode ir na frente. Vou usar aquela banheira maravilhosa e
provavelmente vou demorar.
Luna solta uma gargalhada, e acabo rindo por consequência.
O som é agradável, e para ser sincera, a presença dela também.
Muitas coisas realmente mudaram, e essa versão madura de Luna
Jacobs é completamente aceitável e fácil de lidar. Acho que
realmente podemos ser amigas agora.
— Tudo bem, vou tomar um banho. Preciso muito.
— Okay.
— Boa noite, Camies. Quando subir, não se esqueça de
apagar as luzes.
— Boa noite, Luna.
Ela pendura sua jaqueta no cabide, perto da porta de
entrada, e vai em direção à escada.
Termino de tirar o excesso de roupas. Dentro de casa, está
um clima aconchegante, e não é mais necessário ficar agasalhada.
O dia realmente foi bom, desde o momento em que acordei até
agora. Parece que me adaptar à nova rotina não é algo tão difícil
assim, afinal.

O resto da semana passou voando. Tive encontros com


minha irmã, Belinda, na companhia da minha sobrinha. Está sendo
maravilhoso poder estar com todos. Parece que, a cada dia, as
coisas se encaixam lentamente. No trabalho, as coisas estão
melhores ainda. Meus alunos são ótimos de lidar e todos entendem
minha situação.
Não tenho o que reclamar desses dias, apenas um fato tem
me incomodado diariamente: Luna tem estado estranha. Digo, não o
estranho comum dela, mas um jeito estranho de verdade. Na
semana anterior, ela parecia mais... alegre, e, nos últimos dias, tem
estado aérea e calada. Conversamos pouco, e não insisto muito,
pois parece ser algo invasivo. Até mesmo com Louis ela está
diferente, e sinceramente não sei o motivo disso. Achei que as
coisas estavam indo bem em relação a tudo.
Talvez, como Belinda sugeriu ontem, quando contei sobre
isso, Luna possa estar sentindo falta do nosso casamento como era
antes. Eu acredito que as coisas sejam bem difíceis para ela,
porque é a única que se lembra de tudo.
Hoje é domingo e ela está em seu escritório o dia todo,
enquanto Louis e eu brincamos no quintal. Não está frio, na verdade
está agradável o tempo todo. Louis dorme, e eu fico sozinha na
sala, assistindo à televisão. Troco mensagens com Belinda e Sofia.
Estou com saudade da minha irmã mais nova e fico triste, ao saber
que só poderemos nos ver no Natal. Por sorte, faltam poucas
semanas.
Estou distraída com meu celular, nem percebo a presença de
Luna na sala comigo. Quando finalmente noto, olho para seu rosto e
me assusto ao vê-la tão abatida.
— Você está bem?
— Não muito — responde. Eu me sento corretamente no sofá
e pego o controle da televisão, desligando-a rapidamente. Bloqueio
a tela do meu celular, lhe dedicando minha total atenção, e Luna se
aproxima lentamente de mim. Tem algo em suas mãos que ainda
não identifiquei. — Sempre fico esperando essa data chegar. É uma
das minhas favoritas. — Abre um sorriso, mas ele não chega aos
seus olhos. — Eu tinha todo um discurso preparado, sabia?
— Do que você está falando? ― confusa, eu questiono.
Luna faz um sinal com a mão para que eu espere, então me
calo. Ela se ajoelha à minha frente, com uma fotografia em sua mão,
e eu franzo o cenho. O que está acontecendo aqui, afinal?
— Você não faz ideia das coisas que eu gostaria de ter dito,
mas espero, de coração, poder dizê-las um dia e fazer todo o
sentido pra você. É claro que agora não seria possível. Depois de
tudo o que... aconteceu… ― Ela engole com tanta força que ouço o
som que sua garganta faz, e um aperto começa a crescer em meu
peito. Vê-la assim sempre me deixa triste.
— Luna?
— Parabéns, mesmo que você não lembre.
Ela coloca a foto em minha mão e ergue-se do chão, apenas
o suficiente para beijar minha testa com delicadeza. Fico confusa e
desejo questioná-la sobre isso. Eu esqueci boa parte da minha vida,
mas ainda lembro que meu aniversário é em outra data.
— Obrigada por todos esses anos ― termina de falar e
afasta-se de mim como um raio, caminhando a passos largos em
direção à porta de entrada. Ela simplesmente sai, deixando-me ali,
curiosa e com o coração apertado por vê-la tão frágil.
Olho para a foto que ela me entregou e fico ainda mais
confusa. É uma casa na árvore. Eu a viro para verificar se tem algo
escrito atrás e não me surpreendo ao ver as anotações com uma
caligrafia de dar inveja. Ela tem uma letra bonita.
Por alguma razão, estou com os olhos cheios de lágrimas
quando termino de ler aquela pequena anotação. Não sei explicar o
motivo, mas sinto que algo está faltando. Tem uma coisa que ainda
não percebi. O que eu deixei passar?
“Parabéns...”
“Obrigada por todos esses anos.”
— Oh, não...
Levo as mãos à minha boca quando finalmente me dou conta
de que hoje é o nosso provável aniversário de casamento, e, só
então, tudo começa a fazer sentido. Os momentos estranhos dela e
sua ausência... Ela estava sofrendo calada.
Capítulo 11 - Recomeço
O sol bate em meu rosto. Não está calor, apenas um pouco
quente. É início da manhã e o céu está lindo. Parada em frente ao
lago que corta esse sítio de fora a fora, observo cada detalhe ao
meu redor. É incrível como a natureza pode ser algo lindo.
— Um beijo pelos seus pensamentos. ― Seu sussurro
repentino em meu ouvido faz com que eu me arrepie dos pés à
cabeça. Os braços, protetores como sempre, abraçam minha
cintura. Ela gruda seu corpo no meu, e eu me aconchego em seu
peito, deitando a cabeça em seu ombro. Somos o verdadeiro
encaixe perfeito.
— Você não acha a natureza maravilhosa?
Luna solta uma risadinha, e fecho os olhos para apreciar
aquele som maravilhoso ressoando ao pé do meu ouvido. É a
música mais linda do mundo.
— Eu achei que eu fosse a doida que bate palmas para o sol.
— Já ouviu aquele ditado: você é o que você come? Então...
— Uh... — Ela afasta meus cabelos, deixando exposto meu
pescoço, e um beijo molhado é depositado na região. Estremeço em
seus braços. — Está cada vez mais espertinha.
— Aprendi tudo com você.
Viro-me em seus braços, passando os meus por trás de seu
pescoço. Luna é apenas alguns centímetros mais alta do que eu,
mas dá para sentir a diferença quando ficamos assim. Por isso, fico
nas pontas dos meus pés para beijá-la, e ela agarra minha cintura,
puxando-me para cima. Os seus beijos sempre são maravilhosos.
Mesmo depois de todos esses anos, eu ainda fico sem chão quando
ela me beija.
— Vamos subir? Estou com saudades do nosso lugar.
Concordo com a cabeça. Afastamo-nos, e ela entrelaça
nossos dedos. Vou andando na frente, e ao longe, é possível ver
nossa casa na árvore, em meio às folhas que a cercam. Eu amo
estar aqui, senti muita saudade. O ruim de crescer é que, quanto
mais os anos se passam, com menos tempo de fazer suas coisas
favoritas você fica.
— Parece que passamos anos sem vir aqui, e foram só
alguns meses... Luna!
— Desculpe-me!
Solto sua mão e viro-me para ela, com os olhos cheios de
ódio. Ela está com as mãos erguidas e uma falsa expressão de
culpa. Estou desacreditada que ela tenha simplesmente me dado
um tapa na bunda sem qualquer motivo.
— Eu vou matar você.
— Perdão, amor. Mas esse short fica muito lindo em você.
— Corra. Eu vou te dar apenas alguns segundos. — Luna
arregala os olhos, ao ouvir meu tom de voz, e não demora muito
para que ela saia correndo para longe de mim, em direção ao nosso
lugar. — É bom ser rápida mesmo.
— Me perdoa, Camies! ― ela pede, mas eu nego com a
cabeça, mesmo que ela não possa ver isso.
Corro atrás dela. Sei que, obviamente, não vou alcançá-la,
mas posso pegá-la e dar-lhe uma lição assim que chegarmos à casa
na árvore. Luna sobe com agilidade, e eu vou calmamente atrás
dela, ostentando um sorriso malicioso em meus lábios.
— Peguei você ― falo assim que chego ao topo da casa.
Luna está em frente a mim, sorrindo abertamente. Aproximo-me
devagar, com cautela, e quando chego mais perto, tudo acontece
muito rápido. Só me lembro de que ela se moveu com uma agilidade
impressionante, e, em segundos, estávamos as duas no colchão
posicionado no centro da casa.
— Não. Eu peguei você ― ela sussurra para mim. Com suas
coxas ao lado do meu quadril e seu tronco pressionando o meu para
baixo, somente posso erguer as mãos e segurá-la pelos cabelos.
Puxo-a contra mim e tomo seus lábios com os meus, beijando-a
com paixão.
— Você é uma idiota ― murmuro, tentando soar irritada, mas
seus lábios descendo para o meu pescoço me desarmam
totalmente.
Luna sorri sobre minha pele, continuando os beijos.
— E você me ama.
As mãos atrevidas logo acariciam minhas coxas, e ela as
aperta algumas vezes. Eu fecho os olhos toda vez que isso
acontece. É surreal o poder que essa mulher tem sobre mim. Luna
chega ao limite da minha regata, beijando o topo dos meus seios,
que aparece graças ao decote. Olho para baixo, tendo seus olhos
verdes fixos em meu rosto, e um arrepio sobe pela minha espinha.
Seu olhar é intenso.
— Nada de sexo antes do casamento.
— Só estou fazendo carinho — a voz dela está mais rouca
que o normal, e isso me faz engolir em seco. Ela usa o dedo
indicador para puxar meu decote para baixo, expondo mais meus
seios cobertos por um sutiã de renda azul bem clarinho. — Lindos.
— Luna... — resmungo e começo a sentir meu corpo reagir
àqueles toques nada inocentes. Ela me ignora, continuando a beijar
minha pele. Como se já não fosse maldade suficiente, ela resolve
usar a língua. — Pare com isso agora.
Ela me obedece instantaneamente, com um sorriso em seus
lábios. Pressiono meus olhos e a encaro, séria, mas Luna me
ignora. Deita-se por cima do meu corpo outra vez e beija-me
delicadamente, mesmo que eu não esteja retribuindo o contato.
— Estou com saudade ― resmunga, escondendo o rosto em
meu pescoço.
Sorrio para sua clara manha e levo minha mão esquerda até
sua cabeça, para acariciar seu cabelo.
— Eu também estou, amor.
Luna suspira. O ar que sai de suas narinas faz meus pelos do
braço ficarem eriçados.
— Lembre-me de nunca mais fazer uma promessa como
essa ― eu digo.
Luna rapidamente ergue a cabeça, e seu rosto tem uma
expressão bem conhecida por mim. Reviro os olhos para aquele
olhar convencido.
— Sabia! Eu tinha certeza de que você não aguentaria.
Quem é a maníaca sexual agora?
— Idiota. Você ainda é a maníaca. — Dou um tapinha em
suas costas, e Luna ri. — Mas eu sinto saudade, ok? Como não
poderia? Você me transformou em uma viciada em sexo. É tudo
culpa sua.
— Não tenho culpa de nada. Sexo é ótimo, e comigo é
melhor ainda.
— Convencida.
— Realista.
— Que seja.
— Eu tenho razão. — Ela sorri, convencida, abaixa a cabeça
e sela nossos lábios.
— Preciso te entregar uma coisa, antes que acabe deixando
você conseguir o que quer.
— Nós duas queremos.
— Shhh... Levante-se.
Luna nega com a cabeça, agarra minha cintura e coloca outra
vez o rosto na curva de meu pescoço. Solto uma lufada de ar e
tento afastá-la.
— Luna, por favor. É importante.
— Tudo bem. ― Ela finalmente me obedece e ergue seu
corpo, saindo de cima de mim, com um enorme bico nos lábios. Em
seguida, senta-se entre minhas pernas, olhando para baixo. É como
um bebê que faz birra. Minha noiva simplesmente consegue se
assemelhar a um.
— Lembra quando me pediu em casamento e eu tinha o
mesmo plano...
— Nós duas tínhamos alianças nos bolsos. — Luna joga a
cabeça para trás e ri. — Foi a coisa mais engraçada do mundo.
Eu acabo rindo também e concordo com a cabeça.
Realmente, foi muito engraçado. Luna me trouxe até aqui, há dois
anos, e pediu minha mão em casamento. O que ela não sabia era
que eu tinha o mesmo plano e a pediria naquele final de semana.
Foi a coisa mais hilária do mundo quando eu contei a ela a minha
intenção. Depois que aceitei seu pedido, ficamos horas rindo disso
tudo. É uma história que contaremos aos nossos filhos e netos.
— Se não fosse assim, não seríamos nós duas.
— Um fato.
— Lembro-me como se fosse ontem. Você, ajoelhada na
chuva, com aquele sorriso enorme que eu amo tanto. — Ela abre
um sorriso em seguida, e sorrio por consequência. — Esse aí
mesmo. Ah... eu não conseguia parar de dizer sim.
— Eu amei cada sim dito por você. Era um salto que meu
coração dava toda hora.
— Eu teria dito milhões de vezes mais aquele sim, porque
sempre vou dizer sim para você. Minha eterna sorte. ― Seguro sua
nuca e inclino-me para frente, tomando seus lábios nos meus.
— Eu amo você ― ela sussurra.
Sorrio e a beijo outra vez. Não preciso responder sempre,
porque Luna sabe, apenas olhando nos meus olhos, que todo esse
amor sempre será recíproco.
— Você me deu esse anel, que é o mesmo que seu avô deu
à sua avó quando a pediu em casamento. — Olho para o meu
anelar esquerdo, no qual o anel dourado, com uma bela pérola em
cima, está. — Lembro-me da sua preocupação quando explicou o
motivo de ter me dado esse anel. Ficou receosa que eu não
gostasse, por não ser um diamante caro. Só que de você eu
aceitaria até um anel de plástico.
Olho para o amor da minha vida. Ela está com um enorme
sorriso nos lábios e com os olhos brilhando de emoção. Luna pega
minha mão esquerda e leva até sua boca, depositando um beijo
carinhoso sobre o anel.
— Você é incrível.
— Eu me senti especial naquela época, e ainda hoje me sinto
da mesma forma. Esse anel é importante para os seus avós, para
sua família e para você. E agora é especial para mim também,
porque simboliza a nova etapa da nossa vida. Um lembrete do dia
em que aceitei juntar minha vida totalmente à sua. O objeto que
simboliza a nossa união.
— Você merece tudo.
— Você é o meu tudo. — Entrelaço nossos dedos e levo sua
mão até minha boca, beijando o dorso dela. — Quando eu comprei
sua aliança de noivado, fiquei pensando se seria o suficiente. No dia
em que me pediu em casamento, percebi que nada que eu te desse
seria tão grande quanto o que você me deu.
— Camies...
— Espere. Deixe-me terminar. — Ela concorda com a
cabeça, e eu suspiro e umedeço os lábios antes de continuar. Meu
coração parece que vai saltar do peito a qualquer instante, estou
nervosa. — Mas agora, faltando uma semana para o nosso
casamento... eu quero dar a aliança a você.
— Amor...
Pego em meu bolso a caixinha branca e abro-a lentamente,
revelando a ela o anel semelhante ao que está no meu anelar. Luna
abre a boca, em choque.
— Esse ainda não tem história, mas nós duas o faremos ter.
Quero que, no futuro, nossos filhos e netos possam repassar essas
duas alianças, de geração para geração. Para que eles saibam de
onde vem tanto amor. Quero que se case comigo agora.
— O quê? Aqui?
— Sim. Eu sei que é loucura, mas... preciso disso. Quero que
se torne minha mulher aqui, sem ninguém além de nós duas. Uma
coisa só nossa. Na semana que vem, nos casaremos em frente às
pessoas que amamos. Só que, nesse momento, eu preciso que
você se torne a minha esposa.
Uma lágrima escorre por sua bochecha, e Luna está sorrindo.
— Eu aceito.
Retiro o anel da caixinha e seguro sua mão esquerda.
— Não vamos trocar nossos votos agora. Somente preciso
que me diga que está disposta a compartilhar todos os momentos
comigo, os bons e os ruins. Quando a dificuldade crescer, prometa-
me que vai estar ao meu lado, para me sustentar e sustentar a si
própria. Que na minha carência ou nos momentos de raiva, você vai
me amar da mesma forma. E caso tudo comece a desabar,
prometa-me que vai me ajudar a reconstruir pedaço por pedaço. ―
Coloco o anel em seu anelar e deposito um beijo no lugar. Luna faz
o mesmo comigo, entrelaçando nossos dedos em seguida.
— Eu prometo, se você estiver comigo.
— Para sempre, minha eterna sorte. Eu amo você.
Luna solta nossas mãos e segura meu rosto. Puxa-me para
ela e começamos um beijo repleto de amor. Meu peito parece
explodir de carinho e afeição.
— Eu era completa antes, mas agora eu transbordo... Graças
a você.

Atordoada: é assim que estou desde o momento em que


Luna saiu daqui. Não sei para onde ela foi nem se vai demorar. Só
sei que preciso fazer alguma coisa para amenizar essa situação. Eu
sinto seu incômodo. Está na hora de fazer algo por ela.
Pego meu celular e desbloqueio a tela. Rapidamente, procuro
pelo contato da minha irmã e mando-lhe uma mensagem. Não
demora muito para que a resposta chegue.
Belinda não responde. Na verdade, ela me liga.
— VOCÊ SE LEMBROU? ― seu grito é tão alto e repentino
que eu mal tenho tempo de falar alguma coisa. Preciso afastar o
aparelho celular da minha orelha para não ficar surda.
— Não. Luna me deu os parabéns e disse algumas coisas.
Eu só liguei os pontos e cheguei à conclusão de que deveria ser.
Você acabou de me confirmar isso.
— Ah... Pensei que tinha se lembrado disso. — Suspira
longamente, causando um leve chiado na ligação. — Mas, sim, hoje
é o aniversário de casamento de vocês. Por isso, o Louis já estava
preparado para vir dormir aqui hoje. Tínhamos combinado isso
meses antes. Quero dizer, combinei com a Luna, porque ela te faria
uma surpresa.
— Ela saiu desnorteada daqui... Não sei aonde ela foi.
— Está preocupada, né? Isso é normal, Mille. Mas fique
tranquila, Luna nunca faria algo estúpido. Talvez ela apareça por
aqui.
— Sobre isso... Preciso da sua ajuda.
— O que está aprontando? Conheço esse tom de voz.
— Não estou aprontando nada. Quero melhorar as coisas
entre nós e alegrá-la um pouco.
— Olha só... que grande evolução, Camille Cruz! Estou
orgulhosa.
— Sem gracinhas, Belinda.
— Você sabe que adoro implicar contigo. Mas conte-me dos
seus planos. O que eu tenho que fazer?
— Caso ela apareça por aí, não deixe que traga o Louis e
garanta que ela não volte cedo para casa.
— Você não está planejando matá-la, está?
— Não, Belinda!
— Hmmm... Vocês vão transar?
— Eu vou desligar a maldita ligação!
— Estou brincando. Parei. Fique tranquila. Pode deixar que
eu a seguro aqui.
— Muito obrigada, sua idiota.
— Hoje é o dia da ofensa, por acaso? Estou aqui, tentando
ser prestativa, e é assim que me trata?
— Belinda... obrigada. Ok?
— Melhor assim. — Reviro os olhos. Ela consegue ser muito
irritante quando quer. — E Camille?
— Eu?
— Boa sorte. Espero que tudo ocorra bem. Vocês duas
merecem a felicidade.
Não respondo a essa última frase e apenas me despeço dela.
Fico olhando por alguns segundos para o telefone, pensando no que
exatamente eu posso fazer para melhorar as coisas. Começo a criar
possibilidades, até que uma ideia me vem à mente.

As horas seguintes foram todas em prol de preparar um


jantar. Eu tentaria amenizar a situação da minha forma e
conversaria sobre algumas coisas essenciais com ela. Luna e eu
precisamos começar a dar outros passos nessa convivência,
precisamos agir como as adultas que somos. Além de termos uma
criança em casa, não tem como voltar no tempo e mudar as coisas.
É hora de encarar a vida como ela realmente é.
Não quis exagerar na hora de arrumar a mesa do jantar, para
que isso não parecesse algo além do que realmente é. Somente fiz
de tudo para que fosse como um jantar normal. Belinda tinha me
mandado uma mensagem, avisando que Luna realmente tinha ido
até lá, mas que ela faria de tudo para que Louis permanecesse em
sua casa. Eu acho que será melhor assim, apenas nós duas, sem a
interrupção de outra pessoa.
O relógio prateado em meu pulso marca sete da noite. Fico
preocupada que Luna demore mais para o jantar, mas minhas
preocupações logo acabam quando ouço o barulho de carro na
frente de casa. Respiro fundo algumas vezes. Esse momento é
crucial. Vou até a sala de estar para recebê-la, e não demora muito
para que ela entre.
— Boa noite, Luna. ― Ela fecha a porta atrás de si e olha em
minha direção. Sua boca se abre lentamente, e os olhos descem da
minha cabeça até meus pés. Fico nervosa sob aquele olhar, mas
mantenho a pose de calma e confiante.
— Boa noite... Nós, digo... você vai sair?
Olho para minha roupa e depois volto a olhar para ela,
confusa. Não tinha colocado nenhum traje especial, apenas escolhi
um vestido mais social, porém simples.
— Uh... não. Eu preparei o jantar.
— Louis não vem para casa hoje. Eu tentei convencê-lo, mas
sua festa do pijama com Harry e Serena estava marcada há muito
tempo. Então...
— Sem problemas. Precisamos conversar sobre algumas
coisas.
Luna não responde mais nada. Ela pressiona os lábios e
acena em concordância. Eu faço um movimento com a cabeça,
convidando-a a me acompanhar, e vamos, caladas, até a sala de
jantar. Tudo que se pode ouvir pela casa é o som dos nossos
passos, os meus pés descalços e os dela com aquelas botas de
couro.
— Algum motivo especial para esse jantar? ― ela questiona,
afastando uma cadeira para sentar-se, e dou a volta na mesa, me
sentando em frente a ela. Luna coloca os cotovelos sobre a mesa e
usa-os como apoio para inclinar-se para a frente. Seus olhos estão
fixos em meu rosto.
— Hoje é nosso aniversário de casamento.
— Espera aí! — Ela ergue suas mãos, recosta-se na cadeira,
solta uma risada sarcástica e nega com a cabeça. — Você não está
fazendo isso por achar que eu quero isso ou por pena, né?
— O quê? Luna... não! Eu não fiz por pena.
— Camille, você não tem culpa do que aconteceu. Não
precisa me recompensar pela sua falta de memória.
Estou começando a perder a paciência com suas
interrupções e precipitações. Só quero falar algo legal para melhorar
nossa convivência, e ela nem me deixa falar.
— Será que você pode calar a boca e me ouvir?
Luna ergue as sobrancelhas, cruza os braços e continua
recostada na cadeira.
— Eu não fiz isso por pena nem para te recompensar pela
minha falta de memória. Só quero melhorar as coisas entre a gente.
Tenho sido rude com você desde o dia em que acordei sem
memória, descontando em você a frustração de não me lembrar de
nada e estar presa nisso aqui, sem saber como cheguei a esse
ponto contigo.
— Então, é só um jantar?
— Um jantar de recomeço. Vamos colocar assim.
— Recomeço? ― Faz círculos no ar, apontando para nós
duas.
— Sim. Recomeço... Tipo duas pessoas se reconhecendo.
No caso, eu vou conhecer você de verdade. Quero saber mais
sobre tudo isso.
— Belinda sabia de tudo isso?
— Como assim?
— Bom, ela meio que me expulsou da casa dela. Nem me
ofereceu o jantar. Sua irmã sempre nos oferece comida quando
estamos lá. — Deu de ombros. — Agora entendi por que ela parecia
tão inquieta e insistiu para que eu deixasse o Louis lá.
— Ela sabia, sim.
— Irmãs unidas em tudo, né? — brinca, causando uma
gargalhada em mim. O clima muda drasticamente, de tenso para
descontraído. — Podemos comer antes de conversarmos sobre o
que você quiser? Estou com fome de verdade.
— Ainda bem que você sugeriu isso, porque eu estava quase
comendo sem te esperar.
— Podia ter jantado, Camies... — Ela pressiona os lábios.
Luna fica sem jeito toda vez que me chama dessa forma. Eu odiava
esse apelido na minha adolescência, porque sempre pareceu
deboche dela. — Quer ajuda? ― pergunta ao notar que estou tendo
dificuldade com a rolha da garrafa de vinho, e eu concordo com a
cabeça. Luna arrasta sua cadeira para trás e levanta-se, vindo em
direção a mim, e entrego as coisas a ela.
— Não sei se fiquei mais experiente com o passar do tempo,
mas sempre fui péssima em abrir garrafas de vinho.
— Você continua tendo dificuldade com elas.
— Eu costumo beber muito?
— Na verdade, não. Você quase não bebe, apenas em
ocasiões que pedem isso. — Ela pega minha taça, enche com o
vinho, coloca a garrafa sobre a mesa e volta ao seu lugar, sem
encher a taça dela. Eu franzo o cenho. — Tudo está muito cheiroso.
— Espero que o sabor esteja tão bom quanto o cheiro.
— Você sempre foi ótima na cozinha. Eu tenho certeza de
que está maravilhoso.
Somente sorrio para seu elogio, e começamos a nos servir,
sem conversar, mas o clima está agradável. Para a noite de hoje, eu
resolvi fazer uma coisa que sempre gostei muito: carpaccio de
salmão defumado. Lembro-me que provei esse prato, pela primeira
vez, em um restaurante com meus pais. Prometi a mim mesma que
aprenderia a receita. Felizmente, nunca me esqueci de como
prepará-lo. Ao menos o dom para cozinhar continua intacto na
minha mente defeituosa.
— Não é porque eu preparei tudo, mas ficou delicioso.
Luna gargalha, limpa sua boca com o guardanapo de pano e
depois o coloca sobre a mesa.
O jantar acabou, devoramos quase tudo. Estávamos mesmo
com fome.
— Ficou mesmo. Seu dom continua intacto.
— Ainda bem, né?
— Louis e eu agradecemos. — Solto uma risadinha, pego a
garrafa e encho minha taça outra vez. Olho para ela e ofereço-lhe,
mas Luna nega com a cabeça. — Obrigada, mas não estou
bebendo.
— Parou?
— Só por algum tempo.
— Tudo bem ― digo apenas, voltando a tomar meu vinho.
Os minutos vão passando e acabamos entrando em diversos
assuntos. Luna está me contando alguns acontecimentos que
ocorreram durante esses anos. Vê-la tão alegre, falando do nosso
passado, me faz ter certeza de que fomos muito felizes.
— Vanessa sempre foi uma mulher extremamente brava, mas
no dia em que Anthony nasceu... quase chamamos um padre para
exorcizá-la.
— Eu consigo imaginar isso perfeitamente ― comento, em
meio a risadas, enquanto Luna também está rindo bastante. Ela
acabou de me contar sobre o dia em que Vanessa deu à luz o seu
primeiro filho. Posso visualizar perfeitamente um Noah desesperado
pelo hospital, com medo de entrar na sala e ser assassinado por
minha melhor amiga.
— Nunca tinha visto meu irmão chorar como uma criança, da
forma como chorou quando segurou Anthony nos braços pela
primeira vez.
— Deve ser mesmo emocionante um momento desses.
— Sim. E foi muito engraçado o medo dele, achando que
poderia quebrar o próprio filho se o segurasse errado. E nossos pais
desesperados com qualquer som estranho que o pequeno fazia.
— Os acontecimentos parecem uma comédia.
— Nossa família sempre nos proporcionou os melhores e
mais engraçados momentos. Passamos por muitas coisas juntos.
— Estou vendo que sim. Eu quero saber de tudo.
— Sempre tivemos o costume de gravar tudo. Podemos
assistir a coisas importantes como o nascimento do nosso filho e o
crescimento dele ao longo desses anos.
Um aperto surge em meu peito ao me dar conta de que talvez
nunca consiga me lembrar dessas coisas por mim mesma. Sempre
terei que buscar auxílio em gravações ou ouvir as pessoas falarem
sobre. É agoniante não me lembrar do passado.
— Queria poder me lembrar disso tudo sem precisar de ajuda
— confesso, sob um suspiro melancólico, e Luna pressiona os
lábios, parecendo entender meu sofrimento. Bebo mais um gole do
vinho. Estou sentindo meus sentidos ficarem mais aflorados. Eu
deveria parar de beber, mas quero um pouco de leveza. — Odeio
essa merda de amnésia.
— É totalmente recíproco... Eu também odeio essa merda de
amnésia.
Olho para ela, toda largada na cadeira e com o olhar fixo em
algum ponto da mesa. Dá para sentir seu sofrimento. Sei que não
sou a única sendo sufocada por tudo isso. Não existe sensação pior
do que ter vivido algo e não lembrar. Ver as pessoas sofrerem por
causa disso e não ter como ajudar, porque a única coisa que posso
fazer é continuar tentando me lembrar de algo, e me frustro quando
não consigo.
— Eu queria saber de uma coisa...
— Pergunte qualquer coisa. Eu responderei tudo.
Termino de beber o resto do vinho que havia na minha taça,
coloco-a sobre a mesa e apoio meus cotovelos nela, inclinando-me
para a frente. Sinto como se as coisas ao meu redor se movessem
sozinhas, mas sei que isso é o efeito da bebida alcoólica.
— Nossa história começou naquele verão de 2000, certo?
Ela abre um enorme sorriso quando me encara. Em seus
olhos, dá para ver um brilho de felicidade por, talvez, eu estar me
lembrando de como tudo começou.
— Sim. Foi naquele verão, sim. Mas não pense que as coisas
foram como nos filmes, sabe? Você era muito difícil.
— Sabe que sempre teve uma parcela de culpa no meu
comportamento com relação a você.
— Sim, eu sei disso. — Luna leva a mão à nuca e a alisa,
parecendo sem jeito. — Fiquei muito tempo me retratando contigo
pelas coisas que fiz. Fui muito desrespeitosa e infantil. Queria poder
voltar no tempo e mudar as coisas.
— Eu acredito em você, de verdade. Sinto sua sinceridade e
reconheço isso. Também sei que tenho sido rude e queria me
desculpar. Só que... é difícil me acostumar com tudo isso.
— Desde o dia em que você acordou sem se lembrar de
nada e aconteceram todas aquelas coisas... eu me senti como um
lixo. Parecia que nada do que havia feito durante esses anos foi o
suficiente. Ter você me tratando daquele jeito era como viver sendo
torturada. Foram poucos dias, mas estou acostumada com nossos
anos de amor. — Ela fecha os olhos durante alguns segundos,
suspira e nega com a cabeça. Não consigo desviar meu olhar dela.
É a primeira vez, desde que tudo aconteceu, que estamos sendo
sinceras e abertas uma com a outra. — Pensei bastante no divórcio.
Não temos motivos para continuarmos juntas, se não for para que
tudo fique bem. Eu passei dias pensando nisso com toda a cautela
possível.
Meus olhos quase saltam das órbitas ao ouvi-la dizer aquilo.
Eu também pensei no divórcio, mas não fazia ideia de que ela tinha
pensado o mesmo. Isso me surpreende de verdade.
— Você acha que essa pode ser uma opção?
— Sinceramente? Sim. Se não podemos conviver... melhor
cada uma seguir a própria vida. Mas, no fundo, sinto que vou
simplesmente sucumbir e enlouquecer. Você consegue entender?
— Eu acho que sim. — Engulo a saliva que estava em minha
boca. Minha garganta parece ter ficado um mês sem receber água,
de tão seca. — Não sei o que fazer. Quero saber de tudo o que
aconteceu entre nós duas. Tenho medo pelo filho que temos. É tudo
confuso.
— Eu entendo você. De verdade. Precisamos encontrar uma
forma de fazer as coisas funcionarem.
— Sim.
— Camille, eu não quero perder você, mas não vou te
prender comigo, se não for esse o seu desejo. Sempre priorizei a
sua felicidade e sempre serei assim.
— Luna... — Levanto-me da mesa e tropeço um pouco em
meus próprios pés. Estou nervosa e nem totalmente consciente,
mas vou me lembrar de tudo isso, tenho certeza. E chegou o
momento de tomar uma decisão adulta. — Nunca coloque outra
pessoa acima de você. Nem mesmo eu. Por favor, pense sempre
em você também. Não quero ser a pessoa que vai te fazer chegar
ao fundo do poço por nunca te valorizar o suficiente. Todos falaram
que você mudou muito, e eu vejo isso.
— Mas, Camies...
Coloco minhas mãos sobre sua boca. Luna está me olhando
como se eu não fizesse o menor sentido. E eu espero, de verdade,
estar sendo clara o suficiente.
— Prometa pra mim que qualquer decisão futura que tomar
será pensando em você mesma primeiro. Só me prometa isso.
— Não vou conseguir fazer isso.
— Você precisa. Por favor...
— Quão bêbada você está agora?
— De zero a dez? — Ela concorda com a cabeça. — Vinte,
provavelmente.
Tento me apoiar na cadeira em que ela está sentada, mas
quase não consigo segurá-la. Luna rapidamente se afasta da mesa
e fica de pé. Em seguida, com uma das mãos, segura minha cintura,
e com a outra, meu braço esquerdo.
— Nós vamos subir e você vai tomar um banho, tudo bem?
Depois continuaremos essa conversa.
— Luna... — Ela me guia pela casa com cuidado. Quando
chegamos perto da escada, eu paro e olho para seu rosto. —
Prometa para mim que sempre vai se colocar em primeiro lugar.
— Camille...
— Prometa.
Luna continua me olhando como se fosse negar, mas
mantenho o meu olhar firme. Realmente quero fazê-la ver que deve
sempre se colocar em primeiro lugar, em qualquer situação. Nunca
devemos colocar as pessoas acima de nós mesmos, porque,
quando tudo dá errado, você fica sozinha. Então, não deve ser uma
opção esquecer suas prioridades para dar valor às dos outros. Não
faça isso, jamais.
— Tudo bem, Camies... Eu prometo.
— Obrigada.
Ela sorri, mas não responde nada.
Continuamos nosso caminho. Somente quando estou no
meio das escadas, percebo quão tonta eu estou. Certeza de que
acordarei com uma bela ressaca de presente. Só que, incrivelmente,
não me preocupo com isso. Sinto que hoje chegamos a algum lugar
importante e demos outro passo. O que vai acontecer daqui para a
frente é incerto, mas juntas podemos chegar lá.
O destino é algo curioso. Por vezes, incerto. Mas a certeza
que temos é de que tudo acontece por uma razão. Essa situação
toda não é uma exceção. Sei que teve um motivo e que vamos
descobrir onde tudo isso levará.
— Vou te dar privacidade.
— Eu pensei que a nudez fosse algo natural. — Olho em
direção a ela. Estamos no banheiro, e Luna está prestes a sair dali e
me deixar sozinha.
— E realmente é algo natural, mas somente quando a outra
pessoa está totalmente confortável e consciente do que está
acontecendo.
Um sorriso involuntário surge em meu rosto. Ela realmente
mudou bastante. Não que eu pensasse que Luna seria o tipo de
pessoa que se aproveitaria de outra em momentos como esse, mas
vê-la tão amadurecida é algo surpreendente.
— Estou começando a entender por que a Camille que eu
não lembro foi tão apaixonada por você durante todos esses anos.
— Fico feliz em ouvir isso. Queria que se lembrasse de como
fomos felizes, mas sei que conseguiremos... Bom, chegaremos a
algum lugar.
Aceno com a cabeça, começando a retirar minhas roupas
lentamente.
— Vou te deixar sozinha. Qualquer coisa, pode me chamar.
Vou esperá-la no quarto apenas para garantir que tudo está bem. —
Ela sai do banheiro, e eu fico ali, sozinha.
Retiro todas as minhas roupas e entro no box, ligando o
registro do chuveiro para tomar um banho relaxante. Meus sentidos
estão bem desorganizados, e tudo parece cada vez mais fora do
lugar. O álcool está me dando sono, sinto que poderei dormir a
qualquer momento. Quando termino, noto que ela não está ali, mas
tem algumas roupas sobre a cama. Não demora muito e a porta do
quarto é aberta:
— Pode abrir os olhos, estou vestida.
— Trouxe água para você e um remédio para que não fique
enjoada. Fazia tempo que não bebia tanto assim, e pode ser que
seu organismo rejeite o álcool.
— Obrigada. — Pego o copo de água e o comprimido, tomo
tudo e depois subo na cama. Preciso dormir, meus olhos estão
pesados. — Eu nem me lembrava mais da sensação de estar
bêbada.
Luna não diz nada. Cubro-me totalmente, sentindo a maciez
da cama, cada vez mais sonolenta. Ela apaga todas as luzes, e eu
abro os olhos para conferir se ela ainda está presente.
— Tenha uma boa noite, Camies.
— Você também, Lu... Dorme bem.
Volto a fechar os olhos. Espero que o sono não demore muito
a chegar.
Não sei dizer quantos minutos levaram, nem se peguei no
sono instantaneamente ou se fiquei delirando durante algum tempo,
mas ouvi algumas palavras. Só não sei distinguir se foram reais ou
apenas um devaneio da minha mente bêbada. Porém, tenho quase
certeza de que, antes da porta ser fechada, eu a ouvi dizer:
— Me casar com você sempre vai ser o meu maior acerto.
Por favor, lembre-se de nós.
E depois disso, tudo simplesmente virou um mar escuro, e eu
dormi.
Capítulo 12 - Reconhecer
Despertar na manhã seguinte é doloroso. Minha cabeça
parece que vai explodir a qualquer momento, pulsando sem parar,
como um coração disparado. O quarto todo escuro é a primeira
coisa que vejo, assim que abro os olhos, e eu agradeço muito por
isso. Não sei dizer ao certo que horas são, talvez já tenha
amanhecido. As cortinas são escuras, e os raios solares mal entram
aqui quando estão fechadas. Estico a mão até a mesa de cabeceira,
para acender a luz do pequeno abajur ao meu lado. Meus olhos
captam rapidamente uma cartela de remédios e um copo d’água.
Luna.
Sorrio para seu ato. Ela se preocupa bastante comigo,
preciso me lembrar de lhe agradecer. E de pedir que me proíba de
beber tanto na próxima vez que jantarmos juntas.
Meus olhos se abrem por reflexo. Eu realmente acabei de
pensar em repetir a noite de ontem com ela?
Céus… O mundo está uma loucura.
Tomo um dos comprimidos da cartela, que eu acredito ser
para dor de cabeça, e bebo toda a água presente no copo. Estou
com muita sede, acho que bebida alcoólica causa isso nas pessoas.
Deito-me outra vez para descansar por mais alguns minutos, antes
de me levantar para tomar banho e me arrumar. Eu ainda tenho que
ir à consulta com a doutora Robertson e confesso que gostaria de
cancelar, mas sei que tenho muitas coisas para desabafar com ela.

Meu corpo todo relaxa quando entro debaixo da ducha de


água quente. Sempre é relaxante tomar um banho assim, logo
depois de acordar. Tenho o costume de me banhar, após acordar,
desde que me entendo por gente. Minha mãe sempre dizia que eu
também tinha essa mania quando era apenas um bebê, que só
ficava calma e feliz depois de tomar um banho pela manhã. Nunca
tive o costume de acordar tarde, mas existem exceções, é claro.
Enrolo-me na toalha e fecho o blindex do box. Sinto-me
renovada, uma nova mulher. Minha cabeça não parece mais um
coração disparado, e eu não sinto vontade de arrancá-la. Estou
cheirosa e pronta para um novo dia. Saio do banheiro com um
pequeno sorriso no rosto ao sentir o cheiro do sabonete tomar conta
do ambiente. Ele é muito cheiroso e deixa minha pele tão macia.
Luna usa um diferente, mas tem um cheiro tão bom quanto o meu.
Sempre toma conta de tudo quando ela sai do banho, é impossível
não notar.
Quando estou escolhendo uma peça nova de roupa, ouço
meu celular vibrando em algum lugar do quarto. É possível ouvir
porque a casa está silenciosa, e lembro-me de tê-lo deixado sobre a
cabeceira da cama na noite anterior. Pego uma calça de moletom
justa, uma camisa de mangas longas e saio do closet, trajando
somente calcinha e sutiã. Vou até meu aparelho telefônico e, antes
mesmo de pegá-lo, vejo aparecerem na tela duas mensagens
de “Mi suerte”.

Eu estava prestes a reclamar por ela ter mudado o horário da


consulta sem me avisar, mas levei um susto ao verificar as horas e
perceber que já passava do meio-dia. Parece que realmente
apaguei noite passada. Todo aquele vinho não me fez bem, devo
evitá-lo daqui para a frente.
Deixo o celular sobre a cama e visto-me rapidamente, apenas
passando as mãos em meu cabelo para ajeitá-lo. Pego o aparelho
outra vez, na intenção de responder a Luna, masl antes que eu
possa, ela me manda outra mensagem:
Queria poder discordar disso, mas não sou criança e muito
menos idiota. Independentemente de qualquer coisa, nós duas
somos casadas, e com isso, vêm as obrigações, tais como zelar
pelo bem uma da outra e cuidar dos compromissos de ambas, caso
ocorram problemas. Luna parece se sair melhor nisso do que eu. É
compreensível, dadas as circunstâncias. Fico me perguntando se a
antiga Camille também se preocupava assim com as nossas coisas
e com ela.
Tenho tanta coisa para aprender sobre mim e sobre ela.
Tantas coisas a serem descobertas. Estou nervosa e um pouco
ansiosa. É estranho isso de ter que me reconhecer, mas sinto-me
disposta a enfrentar qualquer receio, para saber do passado e
entender o presente.
Estou pronta para o que vier pela frente.

— Está se sentindo melhor? — Doutora Robertson questiona,


logo após sentar-se na cadeira à minha frente, e eu franzo um
pouco o cenho. — Luna me ligou, hoje cedo, para avisar que você
teria que mudar o horário, por não estar se sentindo bem —
esclarece, e a realização cai sobre mim. Tinha me esquecido
momentaneamente da mudança de horário. Estou muito distraída
hoje, para ser sincera.
Depois que terminei meu café da manhã, dei uma olhada
pela casa e encontrei algumas fotos que fizeram minha cabeça doer,
mas não era dor causada pela ressaca, era como se minhas
lembranças estivessem entrando em conflito. O meu cérebro queria
lembrar e, ao mesmo tempo, impedia-me de visualizar as
lembranças.
Sinto-me presa em um buraco negro.
— Oh, sim. Estou me sentindo melhor, sim... Bom, estou bem
o suficiente para conseguir vir até aqui.
— Você parece um pouco aérea — ela conclui, e não posso
fazer nada, além de suspirar. Eu não negaria sua constatação,
acredito que minha expressão esteja entregando o desconforto
dentro de mim. — Quer conversar sobre isso?
— Parece que minha mente ficou um pouco bagunçada.
— Aconteceu alguma coisa que causou isso?
— Encontrei algumas fotos minhas com a Luna, pareciam da
época que éramos bem jovens. Minha cabeça pareceu ficar
embaralhada. Não sei explicar, é como se meu cérebro tentasse
reviver as memórias esquecidas, mas algo impedisse.
Olho para a doutora, que está debruçada sobre sua mesa,
anotando algo em sua agenda.
— Parece que suas lembranças entraram em conflito. Pode
ser uma consequência da amnésia. O seu médico disse algo sobre
isso na última vez que conversou com ele?
— Ele comentou que eu poderia acabar me lembrando de
alguma coisa, mas não parecia muito esperançoso quanto a isso.
Para ser sincera, nem eu estou. — Suspiro, derrotada. É uma
sensação horrível não ter controle sobre isso.
— Imagino que deva ser difícil e até mesmo doloroso para
você toda essa situação, mas é preciso manter alguma chama de
esperança. Precisa estimular sua memória, quem sabe o que pode
acontecer...
— Tenho medo de tentar tudo e não me lembrar de nada.
Ou talvez eu tenha medo de acabar me lembrando de tudo.
A consulta com a psicóloga foi ótima. Está sendo muito bom
poder falar sobre tudo o que acontece e que me apavora com uma
pessoa que não está diretamente envolvida em tudo isso. Ela é
imparcial e sempre me dá boas formas de pensar e caminhos
interessantes a percorrer. Gosto de conseguir me abrir com ela,
principalmente por não ter um peso colocado em meus ombros
todas as vezes que desabafo.
Quando pego o Uber, sei que não quero ir direto para casa.
Não tem ninguém lá a essa hora, e eu não estou com vontade de
ficar sozinha nesse momento. Quero poder me distrair com algo ou
alguém. Minhas opções estão entre conhecer um pouco mais de
Jacksonville, ir até minha escola de dança ou visitar algum
conhecido. Eu escolho visitar alguém, então direciono o motorista
até a casa de Vanessa.
— Lil!
Uma animada e receptiva Vanessa, de braços bem abertos,
atende-me assim que toco a campainha de sua casa. Sorrio
abertamente, antes de abraçá-la com força, e fecho os olhos
quando o aperto reconfortante me envolve. Eu sempre gostei de
abraçar minha melhor amiga, por toda paz e segurança que sua
presença sempre me traz. Nós duas nos conhecemos desde muito
pequenas, entramos no colégio juntas praticamente e temos sido
carne e unha desde então. Ela sempre esteve comigo nos bons e
piores momentos. É uma das poucas pessoas que me conhece
como ninguém poderia ser capaz.
— Big... eu estava mesmo precisando desse abraço.
— Hm... Conheço esse tom de voz. — Vanessa se afasta um
pouco de mim e, com as mãos em meus ombros, analisa meu rosto
minuciosamente. Não tem como esconder alguma coisa dela, é
praticamente impossível. — Entre, vamos conversar — ela diz e
abre espaço para que eu adentre sua casa.
Estou mais familiarizada com esse lugar, mas ainda me
surpreendo todas as vezes que venho até aqui. É uma casa
realmente bonita, com luxo na medida certa e sem exageros. Uma
sofisticação de dar inveja a qualquer pessoa interessada em
decoração de bom gosto. Caminhamos em direção à sala de estar e
nos sentamos no sofá confortável.
— Acabei de sair da consulta com a psicóloga.
— E como tem sido? Aceita alguma coisa?
— Não, obrigada. Só quero conversar mesmo. E tem sido
muito legal, na verdade...
— Tem alguma coisa te incomodando?
— Eu acho difícil dizer algo que não esteja me incomodando
nessa minha rotina. Não me acostumei totalmente. Há dias que
acordo e penso que estou no passado, com a minha vida de
adolescente no colegial, com grandes sonhos e sem muitas
responsabilidades.
— Eram bons tempos, né? Apesar de todo o estresse com a
escola e tudo mais.
— Eram ótimos tempos, comparados a esses, na verdade.
Ela ri e eu a acompanho. Realmente preferia conviver outra
vez com o estresse da vida de colegial a enfrentar, às cegas, uma
vida adulta em que sou mãe e esposa, com responsabilidades
enormes e preocupações gigantescas. É muita coisa para
acompanhar.
— Não sei se isso é algo legal de ser dito, mas é bom ver
essa Camille comunicativa de volta. Quero dizer... você está
diferente, porém não é algo ruim.
Franzo o cenho, confusa.
— Como assim é bom me ver sendo comunicativa?
— Uh... — Ela ergue as costas, parecendo tensa ao meu
lado. — Digamos que as coisas mudam com o passar do tempo.
Quanto mais velhos ficamos, menos tempo temos para outras
coisas. Quando temos uma família para cuidar e tudo mais, outras
partes das nossas vidas acabam sendo deixadas de lado.
— Você está querendo me dizer que a nossa amizade tinha
mudado?
— Bom, sim — responde sem hesitar.
Surpreendo-me com sua revelação. Não fazia ideia de que,
algum dia, minha amizade com ela poderia mudar de alguma forma.
Eu não consigo imaginar um mundo em que nós duas fiquemos
afastadas por mais do que algumas horas.
— Não foi só culpa sua, e não foi só entre nós duas. Acho
que, em algum momento, todo mundo meio que se afastou,
entende? Outras coisas se tornaram prioridades nas nossas vidas
— ela esclarece.
— Não consigo imaginar isso. De verdade.
— Eu me lembro de tudo e ainda não acredito. Era como se
eu estivesse vendo tudo se acabar, mas não podia fazer nada.
Também foquei em outras coisas, sabe? Uma casa, um filho pra
cuidar, meu trabalho e tudo mais. Todos ficamos muito ocupados
com nossas questões.
— Ser adulto é ruim — eu digo.
Vanessa gargalha.
— Às vezes. Mas tem seu lado bom... Por exemplo, nós
temos filhos lindos que amamos muito.
— Isso é verdade.
— Temos nossa própria casa e... — Um sorriso estranho
surge em seus lábios. — Somos muito bem-casadas.
— Oh, Vanessa! Cale a boca — resmungo e a empurro. Meu
rosto está um pouco quente, tenho certeza de que minhas
bochechas estão vermelhas. Não sinto raiva de seu comentário e da
insinuação explícita, apenas fico sem jeito.
Ela gargalha de minha visível timidez, e isso me irrita.
— Será que temos um avanço aqui?
— Como assim?
— Você não xingou a Luna de idiota. Eu acho que isso é um
bom sinal.
Reviro os olhos.
— Estamos nos bons termos... digamos assim.
— Sério? — Ela parece realmente surpresa.
— Nós meio que entramos em um acordo de recomeço
ontem. Então, sim, é muito sério.
— Recomeço? Meu Deus! Eu não acredito. Luna deve estar
radiante.
— Ela parecia mais tranquila.
— Tenho certeza de que sim. Mas, então... vocês jantaram
ontem em comemoração. O pequeno não estava em casa...
— O que...
— Tiraram o atraso?
— Ficou louca?
— Por que o espanto? Vocês ficaram por meses sem sexo.
— Meu rosto parece estar em chamas, de tão quente. — Droga...
— O que foi?
— Por um momento, me esqueci da sua perda de memória.
Isso é muito confuso pra mim.
— Imagina para mim — murmuro. Meu rosto ainda está
queimando de vergonha. Ficamos em silêncio durante alguns
segundos. Sua frase ecoa pela minha mente e, então, uma parte me
vem em destaque, despertando minha curiosidade. — Big?
— Fala.
— Luna e eu ficamos... você sabe... muito tempo...
— Sem sexo? Sim. Em um dos poucos finais de semanas
que passamos todos juntos, em família, ela acabou comentando que
não fazia sexo por um longo período. E olha, pra vocês duas não
estarem fazendo cosplay de coelhos, era notável que algo estava
errado.
— Sabe, eu li, em um dos meus diários, algo sobre não
estarmos bem. Você sabe o que estava acontecendo? Era sobre o
sexo? Eu não queria mais?
— Lil, você devia fazer essas perguntas à sua esposa. É algo
entre vocês, e somente ela saberá te responder com precisão. Além
do mais, não devo me meter nessas questões. Vocês precisam
conversar.
— Eu sei que sim.
— Não tenha medo de falar com ela. Luna é uma pessoa
excelente, vai responder a todas as suas perguntas.
Aceno com a cabeça, em concordância. Eu sabia que ela
responderia a tudo o que eu perguntasse, mas estou cheia de
perguntas na cabeça agora. O que, de fato, acontecia entre nós
duas, nos últimos meses, para ficarmos estranhas?
— Me responde apenas uma coisa: meu casamento com
Luna estava muito ruim?
Olho diretamente nos olhos de Vanessa. Ela encolhe os
ombros e suspira longamente, parecendo indecisa sobre quais
palavras usar. Posso dizer isso com certeza, conheço-a o suficiente
para reconhecer sua linguagem corporal.
— Sim, estava muito ruim. Com proporções realmente
preocupantes.

O assunto com Vanessa mudou drasticamente quando ela


notou a forma que fiquei com sua revelação.
A tarde foi agradável, apesar disso; conversamos sobre
muitas coisas. Fiquei triste em saber que tinha me afastado de
muitas pessoas que sempre foram importantes para mim. Queria
entender o que estava acontecendo comigo. Eu entendi que a vida
adulta te traz e te tira coisas, mas nunca pensei que seria o tipo de
pessoa que acaba se tornando ausente.
Ouço o forno apitar, avisando-me que tinha acabado o tempo
programado. Estava precisando distrair minha mente quando voltei
para casa, então resolvi cozinhar biscoitos com gotas de chocolate.
Minha avó me ensinou uma receita antiga de família, e, desde
então, nunca me esqueci. Eu ainda me lembro direitinho. E tenho
certeza de que Luna e Louis vão adorar prová-los. Acredito que eu
provavelmente já os tenha feito em algum momento.
— Meu Deus! — exclamo, assustada, ao virar-me e deparar-
me com aquele ser humano inclinado sobre a ilha da cozinha,
pegando alguns biscoitos no tabuleiro. — Jacobs!
Ela arregala os olhos quando se dá conta de que a peguei no
flagra. Parecendo uma criança que foi pega fazendo besteira,
afasta-se rapidamente. Ela olha para baixo, e só então, me dou
conta de que não está sozinha. Meu pequeno filho está ao seu lado.
Ótimo. Tenho uma dupla de ladrões dentro de casa.
— Toma, carinha. Corra para se salvar. Corra!
— Ah! Eu vou pegar vocês dois!
Jogo o pano de prato, que estava em minhas mãos, para trás
e começo a ir em direção a eles. Luna e Louis saem da cozinha
correndo rapidamente. Um sorriso acaba surgindo em meu rosto.
Ter uma família é divertido, para ser bem sincera. Estou gostando
cada vez mais disso.
Só para esclarecer algo: eu os peguei. Bom, na verdade, fui
pega. Não foi uma luta justa, dois contra uma. Quando agarrei o
pequeno no andar de cima, Luna surgiu de algum lugar e imobilizou-
me. Fui atacada ferozmente com cócegas, mas consegui revidar em
alguns momentos.
Depois de nossa diversão, meu filho foi tomar banho e tirar a
roupa da escola. Ela fez o mesmo que ele, e eu desci para terminar
de preparar o lanche. Agora, estamos os três jogados na sala,
assistindo a desenhos, após termos comido todos os biscoitos.
— Como foi o dia na escola, filho? — pergunto a Louis, que
está deitado no sofá, com as pernas sobre as de Luna e a cabeça
em meu colo.
Eu acaricio seus cabelos. Os fios escuros parecem cada vez
maiores. Eles crescem muito rápido, mas ele parece gostar disso.
Quando lhe sugeri que cortasse as pontas, sua carinha de tristeza
apertou meu coração. Talvez eu não consiga negar as coisas para
ele.
— Muito legal, mas estou animado para as férias.
Eu sabia que ele entraria de férias em breve. Confesso que
também estou ansiosa, porque terei uma companhia durante os dias
em que fico em casa. Essa casa parece maior do que realmente é
quando estou sozinha, odeio isso.
— Só mais essa semana, carinha.
Nós poderíamos deixá-lo ficar em casa nos poucos dias que
faltam, mas quando conversei com Luna e lhe sugeri isso, ela me
disse que o pequeno adora ir à escola e não gosta de faltar. São
momentos raros, nos quais permitimos que ele fique em casa. Além
do mais, os últimos dias de aula são sempre importantes para tirar
algumas dúvidas. Digo isso por experiência própria.
— Podemos ir ao cinema domingo? — Louis questiona, e
não demora muito para que tanto ele quanto Luna estejam me
encarando. Fico um pouco confusa, até me dar conta de que eles
estão me convidando também e esperando algum tipo de
concordância da minha parte. Ou talvez permissão. Ser mãe é uma
coisa curiosa.
— Eu... acho que sim. Faz tempo que não vou ao cinema.
Quero dizer...
— Faz realmente algum tempo — Luna emenda minha fala.
Eu não saberia dizer com precisão se minha fala tinha fundamento
ou não, mas, ao que parece, eu realmente não ia ao cinema com
frequência. Quero dizer, nós não parecíamos frequentá-lo. — Vou
procurar na internet quais filmes estão em cartaz e comprar nossos
ingressos.
— Oba! — Louis comemora, e eu sorrio, bagunçando
levemente seus cabelos.
Voltamos nossa atenção para a televisão. Para ser sincera, já
não estou mais focando tanto no que se passa na tela. Um sorriso
genuíno enfeita meus lábios. Pensei que essa rotina seria
complicada e até mesmo triste, mas consegui me adaptar com
maestria. Ter uma família é realmente bom.
Meu filho começa a ficar sonolento logo após o jantar, e Luna
sobe com ele. Não demora muito para ela descer e me auxiliar na
limpeza da cozinha. Sorrio para ela, em agradecimento, e
trabalhamos juntas, em silêncio durante alguns minutos. Sua
presença já não me incomoda tanto, mas ainda não sei ao certo
como iniciar uma conversa. Isso deve ser estranho para ela.
Convivemos juntas por tantos anos, e agora eu me sinto uma
desconhecida ao seu lado. Isso é difícil para mim também,
confesso.
— Como foi a consulta hoje?
Surpreendo-me com sua pergunta. Estamos terminando as
louças. Eu as lavo, as passo para ela secá-las e olho de relance
para seu rosto. Luna tem um pequeno e amigável sorriso na face.
Isso, de certa forma, me faz relaxar.
— Muito boa. Eu realmente precisava falar algumas coisas
para ela e tirar daqui de dentro.
— Sentindo-se sufocada ainda?
Nego com a cabeça.
— Apenas confusa... É estranho. Algumas vezes, quando eu
acordo, lembro de como minha vida deu uma volta completa e ficou
de pernas para o ar.
— É, as coisas ficaram mesmo confusas.
— Sim.
Damos uma pequena pausa na conversa e ficamos em
silêncio. Só é possível ouvir o som da água caindo e da bucha
sendo esfregada no prato. Não é mais desconfortável ficar perto
dela sem dizer nada.
— Passei o dia com a Vanessa. Colocamos a conversa em
dia.
— Ela deve ter amado isso.
— Com certeza. Eu amei também. Foi muito bom, precisava
disso.
Terminamos de lavar toda a louça e, com tudo perfeitamente
no lugar e limpo, voltamos para a sala. Não sei ao certo o que fazer
agora, mas espero que continuemos conversando. Eu ainda tenho
que conhecê-la um pouco mais.
— Está cansada? Quer subir?
— Na verdade... — Sento-me no sofá, e ela me encara,
esperando que eu termine de falar o que pretendia. Estou nervosa.
— Quero conversar um pouco mais.
Seu rosto parece se iluminar quando digo isso. De certa
forma, vê-la assim por uma coisa tão pequena deixa meu coração
feliz. Eu realmente não estava gostando daquele jeito cabisbaixo
dela. Luna parece mesmo ter um efeito sobre mim.
— Sobre o que quer falar?
— Faz algum tempo que tudo aconteceu, mas eu não me
lembro de ter perguntado ou ouvido você falar sobre o seu emprego.
— Uh... Você quer saber no que eu trabalho?
— Sim.
— Lembra-se de como eu sempre vivia com câmeras
fotográficas na escola?
— Como eu poderia esquecer? Perdi as contas de quantas
vezes senti vontade de te matar, quando a via com aquelas malditas
lentes viradas para mim. — Reviro os olhos, mas tem um sorriso
brincalhão em meus lábios.
Luna solta uma risadinha sem graça, levando uma mão até a
nuca.
— Eu gostava de fotografar você. Também de te irritar,
confesso...
— Sabia que seu intuito era me tirar do sério.
— Era divertido.
— Não era, não. — Finjo seriedade, e ela ergue as mãos,
como se pedisse desculpas por aquilo. — Então, você se
profissionalizou?
— Sim. Eu abri meu próprio estúdio há alguns anos. Fica no
centro da cidade.
— Era de se esperar, na verdade. Estou me sentindo lerda
por não ter cogitado essa possibilidade. É só olhar em volta, tem
fotos em todos os cantos dessa casa.
— Para a falar a verdade, quem quis essas fotos todas foi
você. Não que eu não as quisesse espalhadas por aqui também,
mas acho que minha paixão por fotografia acabou refletindo em
você.
— Então, eu sou uma boa fotógrafa também?
— Você sabe tirar fotos...
— Hm, por esse tom de voz, tenho certeza de que eu sou
uma droga.
Luna solta uma breve gargalhada.
— Você não é de todo ruim, apenas não tem muito jeito com
a análise de ambiente. Sabe? Encontrar a luz perfeita e o ângulo
certo, coisas básicas assim.
— Estaria disposta a me ensinar? — Minha pergunta parece
surpreendê-la de verdade. Posso deduzir isso pela expressão de
choque em seu rosto. — O quê? Tantos anos morando com você e
nunca lhe pedi isso?
— Ah... sim, você pediu. Tivemos algumas aulas, mas, depois
da última tentativa, pensei que nunca mais teria essa chance.
Franzo o cenho.
— Como assim?
— Bom, as coisas pareciam estranhas nos últimos meses. —
Ela se move, desconfortável. — Digo, entre nós duas
principalmente. Não sei dizer ao certo o que aconteceu, mas parecia
que a nossa compatibilidade estava limitada.
— Vanessa falou algo parecido hoje cedo. Comentou sobre
todos estarem afastados e nós duas não estarmos... — Calo-me
antes de completar essa frase. Não falaria sobre aquilo com ela,
óbvio. Meu rosto esquenta apenas por me lembrar dos comentários
idiotas da minha melhor amiga. — Nosso casamento estava
acabando?
Luna suspira alto e fecha os olhos durante alguns segundos.
Parece uma eternidade para mim. Meu peito está comprimido e meu
coração parece diminuir de tamanho. No fundo, eu sentia que
alguma coisa estava fora de lugar, mas não tinha ideia de que tudo
parecia ruim assim. Quando acordei naquele fatídico dia, os
comentários dela não me deixaram alguma brecha sobre uma
possível crise.
— Você tinha mudado bastante, Camille. E não foi só comigo.
Nossos amigos, familiares, seus alunos... o nosso filho. Todos
comentavam comigo sobre as suas mudanças.
— Eu não entendo.
— Começamos a ter brigas constantes. Por tudo,
absolutamente tudo. Era cada vez mais desgastante. Como se não
tivéssemos mais diálogos, apenas brigas. E, então, você não queria
aceitar mais os convites de ninguém, só queria ficar em casa,
isolada. Quando estava no trabalho, focava em dançar, mal se
comunicava com as pessoas. Tentei perguntar diversas vezes se
tinha algo sério acontecendo, mas, como você pode esperar, isso só
resultava em mais brigas desnecessárias.
— Nossa, isso é... chocante.
— Foram meses difíceis, Camies. Sendo sincera, comecei a
cogitar e aceitar que acabaríamos nos divorciando em algum
momento.
— Sério?
— Muito.
— Mas, eu... você... no início, parecia tão apaixonada por
mim e disposta a me fazer ficar. Por que não aproveitou essa
chance para finalmente se livrar de mim e seguir com a sua vida,
sem nossos estresses? Eu te tratei tão mal.
— Porque amo você. De uma forma que ninguém nunca será
capaz de entender um dia. Porque sempre fui apaixonada por cada
detalhe seu, e meu coração só fica calmo quando eu estou contigo.
— Ela abaixa a cabeça. Meu coração está disparado no peito, e
minha mente parece um mar agitado. São muitas coisas se
passando, lembranças em conflito constante. — Eu fiquei porque,
por pior que fosse, senti que isso que aconteceu era a nossa
segunda chance de fazer tudo dar certo. Não sei explicar, eu só...
queria você de volta.
— Desculpe-me pelas vezes em que tratei você mal. Eu só
estava sendo uma criança mimada e assustada. Não foi fácil
acordar sem me lembrar de nada — desculpo-me com toda a
sinceridade que há dentro de mim, e acho que ela sente isso.
Nesse momento, estou arrependida por ter sido tão rude e
infantil. Tudo poderia ter sido tratado de uma forma melhor, mas
acho que, por outro lado, é compreensível a minha reação. Você
consegue imaginar acordar, um dia, e descobrir que esqueceu
metade da sua vida, tem um filho e é casada com uma pessoa que
você jurava odiar no passado?
— Preciso te perguntar uma coisa, mas somente responda
aquilo que seu coração mandar. Ou a razão. Não sinta medo de ser
sincera — ela diz.
— Pode perguntar. — Engulo a saliva em minha boca, e
parece descer rasgando tudo.
— Está disposta a me reconhecer e, quem sabe, recomeçar
tudo? Porque eu não quero desistir de você sem lutar. Vou até onde
eu puder.
— Luna...
Tudo parece paralisado à minha volta. Somente a vejo, com
seus malditos olhos verdes e esse rosto angelical. Por alguma
razão, sinto aquele nervosismo que faz nosso estômago revirar sem
parar. Sabe quando você está na presença de alguém de quem
realmente gosta e parece que vai cuspir algum órgão para fora, de
tão nervosa?
— Só diz que está disposta, e eu prometo: serei melhor do
que nunca.
Aproximo-me dela e pego suas mãos. Luna parece muito
nervosa, suas palmas estão geladas. Olho bem em seus olhos.
— Quem precisa estar disposta a me reconhecer é você...
Está disposta?
Ela não me responde de imediato, abre um enorme sorriso e
me puxa contra si, envolvendo-me em um abraço apertado.
Por alguns segundos, penso que ela vá me beijar, mas
conhecendo-a um pouco melhor, sei que não gosta de ultrapassar
os limites de ninguém. É muito respeitadora, e admiro isso nela
cada vez mais.
— Estou disposta a tudo se você estiver comigo, Camies.
Capítulo 13 - Conexão
— Harry, não fique correndo pela cozinha.
— Desculpe, mamãe.
O pequeno abre um sorriso largo e sai de fininho, sendo
seguido por um Louis igualmente sorridente. Os dois estão se
divertindo.
Apesar de eu também me preocupar com meu filho, para que
não acabe se machucando com essa correria, estou amando vê-lo
se divertindo. É importante para ele ter contato com as crianças da
nossa família e até mesmo com outras, de fora. Estou fazendo
questão de recuperar a afinidade que tínhamos antes das coisas
acontecerem e todos se afastarem, quero resgatar nossos laços
familiares. Minha missão é nos aproximarmos outra vez, para que,
assim, a felicidade volte, aos poucos, a reinar. Não que estejamos
infelizes, mas a alegria sempre é bem-vinda.
— Estou dando outra chance à Luna — disparo, assim que
ficamos a sós outra vez. Preciso contar a alguém sobre minha atual
situação com a Luna, e no momento, não existe ninguém melhor
que irmã para me ouvir. Acho importante deixá-la saber da minha
decisão, tomada em conjunto com a outra parte, duas noites atrás.
— O quê?! — Belinda para o que está fazendo e me olha,
chocada, parecendo realmente surpresa com minha revelação.
Não posso culpá-la, porque até mesmo eu ainda estou me
acostumando com a ideia de me dar bem com Luna. Apesar de já
não soar como algo bizarro ou incômodo, conviver bem com ela
ainda é um passo importante, que não tive total segurança para dar.
Mas sendo sincera, a hipótese de nós duas nos acertamos outra vez
me traz uma sensação de paz.
Não posso evitar. Ela tem uma conexão comigo que, mesmo
estando desmemoriada, a sinto aqui dentro. Tem algum fio invisível
que me puxa em sua direção, e por mais que eu tente me afastar,
sempre sinto uma pequena saudade. É inexplicável e confuso. De
uma forma completa, é como nadar contra a correnteza: por mais
que você tente se afastar, sempre vai acabar voltando ao mesmo
local.
— É isso mesmo que você acabou de ouvir. Cheguei à
conclusão de que não vale a pena apagar totalmente essa parte da
minha vida. Nós duas ficamos tanto tempo juntas, e as coisas
mudaram tanto... Eu só pensei que... tentar de novo pode ser uma
opção.
— Você não faz ideia do tamanho da minha felicidade ao
ouvir isso. É sério.
Belinda se aproxima de mim, e o sorriso fraternal em seu
rosto me deixa ainda mais relaxada com a minha decisão. É
perceptível a felicidade dela por mim, no brilho do seu olhar. Sua
aceitação desse meu passo é de muita importância. Sempre fomos
muito ligadas e nunca, em hipótese alguma, cogitamos deixar uma
ou a outra se meter em furadas.
— Sempre estive por perto de vocês duas. Passei por todas
as fases desse relacionamento com você. Meu apoio sempre foi e
continua sendo o mais verdadeiro possível, porque sei o quanto
vocês fazem bem uma à outra.
— Eu... sinto isso, sabe? A presença dela me traz paz. Não
sei explicar. Talvez seja o sentimento esquecido por mim que
mantenha essa chama acesa, mas é uma coisa boa, me faz bem.
— Estou vendo isso. Finalmente posso ver você leve outra
vez, depois de tanto tempo. — Ela aperta seus braços em volta de
mim, e eu fecho os olhos, suspirando de felicidade pelo afeto
presente naquele abraço.
— Estive pensando tanto que... Você acha possível que tudo
isso tenha acontecido para que nos acertássemos outra vez? Eu
acho tão surreal essa coisa que ela desperta em mim. — Ergo os
olhos para encará-la, e minha irmã observa-me com atenção,
esperando que eu continue. — Não sei explicar direito, mas parece
até mesmo que o universo precisa nos unir de uma forma ou de
outra.
Belinda solta uma risada inesperada, que me causa confusão
e curiosidade, e joga a cabeça para trás, rindo a plenos pulmões.
— Antes que pense, não estou rindo pelo que você disse.
Isso é felicidade, muita alegria mesmo, por ver você assim. — Dou
um pequeno sorriso de lado. — Me lembrei de uns anos atrás, bem
no início do relacionamento de vocês, quando as duas decidiram dar
um tempo.
— Sério? Eu não fazia ideia disso.
— Você ainda tem muita coisa para aprender sobre o seu
passado, irmãzinha. — Soltamo-nos, e ela se recosta na bancada
atrás de si, cruzando os braços e olhando-me com nostalgia. — O
afastamento não foi causado por brigas, antes que comece a pensar
nisso. Na verdade, foi uma decisão quase mútua.
— Por quê?
— Vocês precisavam se conhecer melhor e amadurecer. Sem
contar que estavam sem tempo para se verem. Então, juntava o
estresse das duas com os estudos à carência que sentiam. Era um
momento delicado. Nervos à flor da pele, qualquer coisa as afetava
com facilidade. Vocês duas tinham uma dependência uma da outra
que chegava a ser absurda.
— Isso não era bom?
— Não. Muita gente acha que essa dependência é só
saudade ou muito amor. Só que somos seres livres. Apesar de
estarmos em um relacionamento, isso não significa que você
precise da pessoa para viver, e Luna e você se acostumaram a
conviver dessa forma. Era como se uma só fizesse algo se a outra
estivesse junto. E quando as duas tiveram que se afastar,
obviamente foi um baque. Suas agendas não batiam e ocorriam
brigas por causa disso.
— Brigávamos muito nessa época?
— Sim. Eram muitos desentendimentos. Nada muito absurdo,
mas sempre tinha aquela mágoa por não poderem se ver sempre,
como antes. Então, vocês discutiam bastante, porque estavam sob
constante estresse.
— Nossa... muita informação.
Minha mente está uma bagunça, ouvindo as coisas que
minha irmã gêmea está contando. Pensei que meu relacionamento
com Luna fosse um mar de rosas, que só havia ficado ruim nos
últimos meses, mas, pelo visto, nada realmente é o que parece.
— Luna recebeu uma oportunidade em um dos melhores
cursos de Fotografia do mundo. Em Londres.
— Ela aceitou?
— Sim. Por muita insistência e apoio seu. Você sabia que o
sonho dela sempre foi viver do seu maior amor, que é a fotografia. E
ela sempre soube do seu sonho de estudar na Columbia.
— Mas... com essa proposta feita a ela, então ficaríamos
longe de verdade.
Sinto um pequeno aperto esquisito no peito, mesmo sem me
lembrar dessa época. Meu subconsciente parece querer me lembrar
de que, de certa forma, os sentimentos e as lembranças vividas,
naquela época, ainda estão aqui dentro, em algum lugar.
— Foi nesse momento que vocês decidiram dar um tempo.
Sinceramente, não é qualquer um que tem a capacidade de cultivar
um relacionamento à distância. Se no mesmo país vocês se viam
pouco, imagina em países diferentes.
— Então, a decisão foi certa para as duas, né?
— Muito. Vocês cresceram bastante quando cortaram essa
corda que as prendia uma à outra. E sabe, era muito curioso,
porque, mesmo tão longe, vocês continuavam ligadas. Me lembro
de uma vez que Luna adoeceu bastante, e os pais dela ficaram tão
preocupados que foram para Londres, para cuidar dela. E mesmo
quando ninguém sabia, você era a única que sentia que alguma
coisa estava errada.
Solto uma risadinha.
— Eu sempre fui muito sensitiva com as pessoas que amo.
— Verdade. Lembro que você me ligou para dizer que estava
preocupada e perguntar se deveria ligar para Luna, porque vocês
duas mantinham um contato limitado, com poucas ligações e
mensagens.
— Tudo para diminuir a dependência que sentíamos.
— Exato. Só que, meses depois de ter ido, ela não aguentava
mais a saudade. Curiosamente, uma oportunidade em Nova Iorque
surgiu e ela rapidamente aceitou. Não avisou a ninguém, mas como
era de se esperar...
— Eu já sabia — interrompo-a para completar sua frase, e
minha irmã acena com a cabeça, em concordância.
— Ela foi assistir a uma apresentação sua na faculdade.
Estava na última cadeira. Sei de tudo, porque você me contou.
Quando você recebeu fotos de lírios, sabia que eram dela. O seu
coração sentiu a presença da Luna.
— Tão clichê...
— Vocês sempre foram. Chegava a dar agonia. Era
engraçado, porque, antes de tudo, você sempre falava de Rodrigo e
eu, mas ficou pior que nós dois nesse quesito.
— É pagando pela língua que se fala, né?
— Achei foi pouco.
— Idiota. — Reviro os olhos. — E depois que ela voltou? As
coisas melhoraram?
— Muito — uma terceira voz nos surpreende, ao soar pela
cozinha. Olho, por reflexo, sobre meu ombro, apenas para ver uma
sorridente Luna, trazendo consigo sacolas de mercado com
algumas coisas que havia pedido para ela trazer. — Aprendemos a
lidar com a incompatibilidade de agendas, e quando começamos a
dividir um apartamento, foi melhor ainda.
— Isso foi bom, certo?
— Melhor do que bom. — Deixa as sacolas perto da pia e
aproxima-se mais de mim. Não me encolho ou fico acanhada em
sua presença, como aconteceria há algumas semanas. — Tudo
sempre me trouxe de volta para você, porque ao seu lado é meu
lugar. Você é meu lar — ela diz, com extrema emoção e afeto em
sua voz, e segura com delicadeza meu queixo. Minha respiração
fica presa na garganta.
Fecho os olhos, por puro instinto, e, apesar do meu receio
pelo que viria a seguir, não sinto pavor ou repulsa. Só que, diferente
do que eu pensava, ela deposita um longo beijo em minha testa.
— Casais clichês — a voz de minha irmã é ouvida, e só
então, me lembro da presença dela.
Minhas bochechas coram e, por instinto, acabo escondendo o
rosto no pescoço de Luna. Ela rapidamente passa os braços em
volta de mim, como se colocasse um arco protetor à minha volta.
— Você ama casais clichês.
— Eu amo esse casal clichê em específico.
Não respondo nada, e Luna apenas suspira, apertando os
braços em volta de mim. Palavras não são necessárias nesse
momento, porque ações contam mais, e a segurança de seu abraço
é tudo o que eu preciso.
Realmente, os anos fazem muita diferença na vida de
alguém, e o amadurecimento muda a forma como vemos tudo ao
nosso redor. Nesse momento em que estou em processo de um
novo amadurecimento, conviver bem com ela outra vez é a única
coisa que realmente desejo. Para estarmos em sintonia novamente,
sei que é necessário deixá-la entrar, e não estou colocando
empecilho algum nisso. Para ser sincera, eu realmente quero me
dar bem com ela.
Quem sabe o que pode acontecer daqui para a frente?
Passar o dia em família sempre foi algo especial para mim,
mas, nos últimos dias, desde que acordei sem memória, esses
momentos têm ganhado, cada vez mais, um significado maior. Acho
que isso é consequência das descobertas, de ter tido noção de que
a antiga Camille estava se afastando de todos que amo. Me fez ter
vontade de recuperar as relações com todos à minha volta, porque
nossa maior riqueza acaba sendo isso: o amor, as pessoas. Nada
pode substituir isso. Estar aqui, com minha irmã e a família dela,
unidos com a minha, vendo nossos filhos se divertindo, nada,
absolutamente nada substitui isso. Quero sempre momentos assim.
— Que sorriso é esse, tia?
A voz de minha sobrinha me traz de volta à realidade. Por
alguns segundos, eu estive fora de mim mesma, sendo preenchida
pela felicidade em tê-los comigo.
Olho em sua direção e acaricio seu belo rosto. Ela está cada
vez mais bonita e parecida com minha irmã. Rodrigo e Belinda terão
trabalho com essa garota.
— Estou feliz.
— Por causa da tia Luna?
Solto uma risada. Ela gosta muito de ver nós duas juntas.
— Não, sua engraçadinha. — Minha resposta a entristece
momentaneamente, e arrependo-me de ter me expressado mal. —
Quero dizer, ela também tem sua parcela nessa felicidade, mas digo
por estarmos todos juntos hoje, tendo um dia agradável e alegre.
Gosto disso.
— É, eu também gosto muito. Fazia tempo que não vínhamos
aqui.
— Desculpe-me por isso, eu...
— Está tudo bem, tia. — Serena segura minhas mãos com a
sua e me olha, oferecendo-me um enorme sorriso sincero, que me
aquece o coração. — O que importa é que a senhora está se
sentindo melhor e ainda nos ama.
— É claro que amo. Todos vocês. — Sorrio e puxo-a para
um abraço.
— Ama até a tia Luna?
Minha boca se abre, em choque com a sua pergunta, mas
antes que eu possa responder, o som de algo quebrando chama
minha atenção. Rapidamente, solto minha sobrinha e olho em volta
da sala, buscando com o olhar o motivo daquele barulho. Então,
quando encontro, uma certa ira se apossa de mim.
— Luna Jacobs! Eu não acredito que você estava, de novo,
brincando com esse taco de beisebol dentro de casa.
Ela me olha, horrorizada, sabendo quão irritada estou após
vê-la com aquele negócio na mão, enquanto um de nossos jarros
está aos pedaços no chão. Sua pele parece ficar mais pálida do que
o normal, e sua boca se abre seguidas vezes, como se buscasse
alguma desculpa.
— Foi bom te conhecer, cunhadinha. — Minha irmã passa
perto dela, rindo da expressão de horror em seu rosto.
Continuo a encará-la, quero mesmo que ela saiba quão brava
estou agora. Eu avisei diversas vezes que esse taco acabaria
quebrando algo dentro de casa, mas aparentemente o aviso entrou
por um ouvido e saiu pelo outro.
— Crianças, vamos lá fora ver a neve caindo? Deixem as
duas conversarem. — Rodrigo se levanta do sofá e, rapidamente,
começa a andar em direção à porta de correr que leva ao nosso
quintal.
— Mas não está nevando, papai — um inocente Harry diz,
confuso, enquanto meu cunhado praticamente o arrasta pela manga
do casaco.
— Garotinho, fique quieto e saia rápido, se quiser ver a neve
de novo nessa vida.
Em questão de segundos, todos somem dali, deixando nós
duas sozinhas. Luna engole em seco com tanta força, que, mesmo
estando à certa distância dela, posso ouvir o som que faz.
— Vou limpar tudo.
— É bom mesmo.
Cruzo meus braços e caminho em sua direção. Ela dá um
passo para trás e, por reflexo, coloca o taco de beisebol em sua
frente. Isso quase me faz gargalhar. Uma mulher desse tamanho
com medo de mim. Fico bem perto dela e inclino-me para a frente.
Nossa pequena diferença de altura me faz ter que erguer a cabeça
para encará-la diretamente nos olhos.
— Se algum desses cacos de vidro machucar alguma das
crianças, você vai se ver comigo.
— Po-pode deixar. Vou limpa-par direito. — E dito isso, ela
sai tão rapidamente da minha frente, que quase escorrega no chão
de madeira recém-polido.
Uma gargalhada sobe lentamente pela minha garganta, até
que não aguento mais e começo a rir. Ter uma esposa idiota pode
ser divertido, né?

O episódio do jarro quebrado foi esquecido rapidamente,


depois que ela se desculpou comigo e eu a perdoei. Juntamo-nos
ao restante presente e começamos a fazer diversas brincadeiras.
Depois do jantar, minha irmã e meu cunhado foram embora com
meus sobrinhos. Eu queria ficar mais tempo com eles, mas sabia
que não seria possível, afinal todos temos nossas casas e
compromissos, não somos mais simples adolescentes sem grandes
responsabilidades.
— Finalmente, tudo organizado — digo, assim que Luna,
Louis e eu terminamos de arrumar toda a nossa casa. É bom que
eles me ajudem na arrumação, organização familiar é importante.
Sempre foi assim quando eu morava com meus pais, apesar de
minhas irmãs sempre enrolarem na hora de fazer alguma tarefa.
Não que eu fosse diferente também. Acho que nenhum jovem gosta
realmente de fazer tarefas, né?
— Está com sono, carinha? — Luna questiona ao sonolento
Louis. Nem era necessário perguntar, bastava olhar para seu rosto
que você encontraria sua resposta. O pobrezinho mal mantinha os
olhos abertos.
— Tome um banho e escove os dentes. — Abaixo-me em
frente a ele e dou-lhe um abraço forte, seguido de um beijo na testa.
— Durma bem.
— Boa noite, mamães.
Luna e ele fazem um rápido toque de mãos, antes de ela
pegá-lo no colo e beijar seu rosto diversas vezes, fazendo-o
gargalhar. Ela o solta depois de alguns minutos, e o pequeno acena
para nós duas com uma mão, enquanto coça o olho esquerdo com a
outra.
— Ele está exausto — comento, assim que ficamos a sós.
— Sim, ele ama quando o Harry vem aqui. Precisa ver
quando todas as crianças estão reunidas. É uma loucura só.
— Eu imagino. Hm... — Solto um pigarro, indecisa sobre qual
assunto tocar para prosseguir a conversa. — Está com sono?
— Não. Você deve estar, né? Pode subir para se deitar, se
quiser, não vou me importar.
— Na verdade, não estou.
— Não? — questiona, parecendo surpresa. Eu nego com a
cabeça, e um belo sorriso surge em seu rosto. — Quer assistir a
algum filme?
— Pode ser.
Vamos juntas até a sala. Mesmo que eu não esteja olhando
para seu rosto, sinto o sorriso enorme que ela está dando. Qualquer
mínima interação comigo a deixa realmente feliz, e isso, de certa
forma, me alegra.
— Pensando melhor, o doutor disse que seria bom estimular
a sua memória. Você aceita ver alguns dos nossos filmes?
— Quais?
Tento transparecer calma, mas um aterrorizante pensamento
momentâneo, de que ela possa estar citando aqueles vídeos
pervertidos, me faz quase ter um colapso.
— Pode ser os que você quiser. Temos momentos variados
da nossa vida, do nosso filho...
— Quero os dele, os do Louis. Eu os escolho.
Meu leve desespero não passa despercebido por ela, mas
Luna não diz nada, apenas concorda com a cabeça e levanta-se
para buscar a caixa de vídeos.
— Você, com certeza, vai amar esses. São os primeiros que
gravamos dele — ela diz, antes de inserir o DVD no aparelho.
Estou animada para saber do que se trata o vídeo. Confesso
que tenho focado mais minha atenção em fotos e nos diários do que
neles. Fiquei um pouco traumatizada após encontrar aqueles
indecentes.
— Está ligada? Tiger[4], confira aqui. Será que eu quebrei?
Por que não consigo enxergar nada?
— Tire a tampa da lente, cabeçuda.
— Ah, sim. Prontinho. Oi, gente. — Uma animada Vanessa
acena para a câmera e, em seguida, vira-se e foca Luna, que
parece fascinada, encarando algo através de um enorme vidro. —
Estão vendo esse olhar? É a expressão de quem acaba de ser mãe
pela primeira vez.
Luna coloca uma mão sobre a boca, e então, a imagem fica
mais próxima. Assim, é possível ver que de seus olhos escorrem
lágrimas grossas, as quais refletem com as luzes. Eu acabo sorrindo
ao vê-la daquela forma ao encarar o pequeno Louis. Meu coração
reage àquela imagem com enorme afeição, sinto-o como se
estivesse aquecido.
— Ele é tão pequeno. E lindo...
— Ele é lindo mesmo. — Vanessa se movimenta, ficando ao
lado de Luna agora. Em segundos, a câmera é virada em direção a
um pequeno berço, e em meio a tantos bebês, um se destaca. —
Olá, pequeno Cruz-Jacobs.
Sem ao menos perceber, estou inclinada para a frente. Meu
coração está acelerado, e meus olhos, marejados. Perdi as contas
de quantas imagens dele recém-nascido eu vi até agora, mas
sempre reajo da mesma forma, como se fosse a primeira vez. Deve
ser porque não me lembro de seu nascimento. Essa é uma das
minhas maiores tristezas. Gostaria de saber como foi minha
gestação e a sensação de ter dado à luz o meu pequeno filho. Deve
ter sido maravilhoso, e eu não me lembrar disso é um castigo.
— Você ficou exausta após o parto. Levaram nosso filho para
a maternidade, porque você simplesmente apagou em seguida.
— Mas eu o segurei antes? — Olho para Luna, que acena
com a cabeça. Ela tem um sorriso nos lábios, e seus olhos brilham
de uma forma adorável.
— Você adormeceu com ele em seus braços. Então, depois
eu o ninei, até que a enfermeira veio e sugeriu levá-lo, para que ele
descansasse. Era tão pequeno, foi assustador segurá-lo nas
primeiras vezes.
— Eu imagino. Lembro-me de quando Sofia nasceu e eu
morria de medo de machucá-la. Gostaria tanto de me lembrar do
meu filho nessa fase. Isso me machuca muito.
— Sinto muito. Se eu pudesse, trocaria de lugar com você.
— Está tudo bem. Vou aprender a lidar com isso. — Respiro
fundo e abro um pequeno sorriso para tranquilizá-la. — Obrigada,
de verdade. Você tem sido incrível comigo, e eu só posso
agradecer.
— Camies... — Ela se aproxima um pouco de mim, com
cautela. Parece medir seus atos. — Estar do seu lado e te dar apoio
é o meu dever como sua esposa. Sempre com você, na alegria e na
tristeza.
Meu coração dá um pequeno salto com aquela frase e com a
forma que seus olhos brilham para mim. Tento disfarçar, balançando
a cabeça, e volto a olhar para a televisão. Luna não se afasta de
mim, e isso não me incomoda, para ser sincera.
Continuamos a assistir aos milhares de vídeos, e estou feliz.
Claro, até um diferente ser iniciado:
— Luna... esse não é do nosso filho.
— Ah... eu nem notei que tinha trazido outro. Quer que eu
tire?
— Somos nós duas? Estamos no estúdio? — questiono,
confusa, tentando entender o que se passa na tela. Vejo-me em pé,
e parece ser ela ao fundo, ajustando alguma coisa em seus pés.
— Sim para as duas perguntas. Esse é um vídeo de dança
nosso.
— Você dança? — Olho para ela, curiosa.
— Minha esposa é uma excelente professora de dança.
Estranho seria se eu não dançasse.
— Não acredito que você dance. Lembro-me de que no
colegial você odiava participar de qualquer uma das apresentações
de dança.
Luna solta uma gargalhada, levando uma das mãos até sua
nuca. Parece sem jeito.
— Confesso que, realmente, nunca fui fã de dançar, mas
aprendi, com o passar dos anos, a entender seu amor pela dança.
Acabei me encantando de certa forma.
— Isso é maravilhoso. Dançar faz bem à alma.
— É, hoje eu sei disso. Já fui sua parceira de dança em
algumas das suas aulas, sabia?
— Sério? O que você sabe dançar?
— Tudo.
— Tudo? Duvido. Bachata[5]?
— Principalmente bachata.
— Vamos dançar bachata nesse vídeo?
— Não, mas temos alguns. Você quer que eu te mostre como
eu sei?
— O quê? Agora? Aqui?
— Claro — responde, parecendo muito animada, fica de pé e
abre os braços. — Só estamos nós duas aqui.
— Você é louca.
— Nunca disse o contrário. — Luna para na minha frente e
estende sua mão para mim. Ergo minha sobrancelha de forma
curiosa. — Vem, dança comigo.
— O quê?
— Não quer saber se eu sei dançar? Então, dance comigo.
Ou está com medo de ver quão boa eu sou?
— Tantas coisas mudaram, menos o seu ego enorme, não é
mesmo? — Mesmo sem tanta certeza se devo ou não aceitar seu
convite, acabo aceitando sua mão e ficando de pé, em frente a ela.
— Se pisar no meu pé...
— Fique tranquila, isso não vai acontecer. Sei uma música
perfeita. Foi a primeira que dançamos juntas quando você começou
a me ensinar bachata.
Luna vai em direção à televisão e pega o controle para
colocar no YouTube. Ela procura rapidamente por uma música, que
eu obviamente não conheço por ser nova demais para a minha
memória. Quando a música começa, ela volta para perto de mim,
olhando-me de uma forma que me deixa nervosa.
Engulo em seco quando ela segura minha mão direita com
sua esquerda e a outra é apoiada em minhas costas, perto de
minhas costelas. Luna me puxa contra si lentamente, grudando
nossos corpos, e começamos a nos mover no ritmo da música.
Coloco meus braços em seu pescoço quando ela põe uma de suas
pernas no meio da minha.
Evito manter contato visual, meu olhar foca o movimento de
nossos quadris. O tecido fino da blusa me permite sentir o calor de
sua mão na base de minhas costas.
Afastamo-nos um pouco, para fazer alguns passos, e isso me
alivia de certa forma. Parecemos sincronizadas, como se
tivéssemos ensaiado uma coreografia. Então, eu cometo o erro de
olhar em seus olhos. Aquele verde tão intenso, fixo em meu rosto,
com um brilho beirando o predatório. Luna não muda sua
expressão, mantém uma seriedade de arrepiar.
Malditos olhos verdes.
Voltamos a ficar próximas, ainda mantendo nossos olhares
fixos um no outro. Luna pressiona os dedos em minha lombar,
algumas vezes, e, de repente, me gira, colando seu corpo em
minhas costas. Sinto-a rebolar contra minha bunda, e isso altera
minha pulsação de uma forma absurda. Os pelos do meu corpo
ficam arrepiados instantaneamente.
Luna segura minha mão direita com firmeza, antes de levá-la
até minha barriga, fazendo-me alisar meu próprio corpo. Sua
respiração bate no lóbulo da minha orelha, e acabo fechando os
olhos. Ela me gira outra vez, colando nossos corpos de novo.
Coloca a perna entre as minhas, puxando-me contra si, e nossos
olhares voltam a se fixar. Seu quadril é bem solto e acompanha o
meu no ritmo certo.
Finalmente, me dou conta do clima sexual em que estamos
quando percebo que estou roçando em sua coxa com certa rudeza.
Ela se inclina lentamente, com os olhos fixos em minha boca, e isso
me desperta de forma instantânea.
— Ok, você sabe dançar — digo, um pouco ofegante.
Luna me encara, com os lábios semiabertos e os olhos em
um tom verde muito escuro e selvagem. Ela balança a cabeça e
finalmente desvia o olhar.
— Eu disse que sabia dançar.
— Não vou mais duvidar de você. Nunca. É sério. —
Pigarreio, olhando em volta, sem saber o que fazer. Essa dança me
deixou alterada. — Eu vou, hm... tomar um banho e dormir. Ah, boa
noite... dorme bem.
— Boa noite, amor. Bons sonhos.
Estou tão atordoada que nem rebato como ela acabou de me
chamar. Saio rapidamente da sala e subo as escadas, sentindo
minhas pernas bambas. Que conexão é essa que temos?
Capítulo 14 – Primeiro beijo
O final de semana foi incrível. No domingo, Luna, Louis e eu
fomos ao cinema, onde passamos quase o dia todo. Assistimos a
dois filmes: um de comédia e outro de animação, e foi simplesmente
maravilhoso passar aquele tempo com eles. Começo a entender
melhor como tudo parece leve entre mim e ela e o motivo pelo qual
fui muito apaixonada por essa mulher durante muito tempo.
Luna é excepcional. De forma literal. Boa esposa, ótima mãe
e um ser humano que te faz bem com facilidade. Nunca poderia
imaginar essa pessoa no passado. Ela era totalmente insuportável,
irresponsável e imatura. Os anos realmente mudaram-na.
Um breve resumo desses dias: desde que entramos em um
comum acordo de boa convivência, o clima parece leve. Luna e eu
resolvemos conversar com nosso filho sobre a minha amnésia. Ele
ficou confuso no início, mas é uma criança esperta demais e
entendeu. Disse estar disposto a me ajudar com as lembranças e
ficou feliz por eu ainda o amar. Como poderia ser diferente? Ele é
uma criança maravilhosa. Sinto-me mais leve depois da conversa
que tivemos com o pequeno, precisava dar esse passo também.
Quem sabe, assim, não consigo recuperar minhas lembranças?
O meu médico e minha terapeuta concordaram que pode
ajudar. E por citá-los, infelizmente a minha memória continua da
mesma forma, mas a terapia com a doutora Robertson tem me
ajudado bastante. Estou me sentindo mais leve.
— Está pronta? Ah... Nossa...
Viro-me rapidamente ao ouvir sua voz, e um sorriso surge em
meus lábios ao vê-la parecer sem reação. Gosto de saber que ainda
causo isso nela, mesmo após todos os anos de convívio. Posso não
me lembrar, mas isso faz bem à minha autoestima.
— Gostou?
— Impossível não gostar de alguma coisa em você. Ficou
maravilhosa. Eu... Nossa... — Luna faz alguns gestos com a mão e
fecha os olhos, suspirando. Ela me olha mais uma vez, antes de se
virar e sair, quase correndo, para longe de mim. Solto uma pequena
gargalhada, satisfeita por sua reação.
— Acertei — murmuro para mim mesma, voltando a me olhar
no espelho outra vez. A roupa apertada destaca todas as minhas
curvas de uma maneira sensual, fazendo com que eu me sinta um
verdadeiro mulherão.
Hoje é dia de bachata.

Como tem se tornado costume, foi ela quem me trouxe ao


trabalho. Também comunicamos juntas aos meus alunos e pessoas
que trabalham comigo sobre a minha situação. Sou grata por tê-la
ao meu lado nesses momentos. Luna tem se mostrado uma pessoa
muito importante, como um pilar na minha vida, e nunca saberei
retribuir tudo o que ela está fazendo por mim.
Meus sentimentos em relação a ela estão confusos no
momento, mas uma coisa é certa: já não a odeio. Isso é fato, eu
nem teria como. Estou começando a ver a tal pessoa excepcional
que todos ao meu redor disseram que Luna se tornou. Nosso
convívio é outro e tem melhorado todos os dias. Espero que
continuemos assim.
— Camille — Jake, o recepcionista novo, chama assim que
chego ao meu estúdio. Olho para ele e vou em sua direção, com
Luna em meu encalço. — Bom dia, senhoras.
— Bom dia.
— Bom dia, Jake. Aconteceu algo? — questiono,
debruçando-me sobre o balcão, e ele acena com a cabeça, em
concordância, antes de me dizer o que aconteceu.
— Diego ligou mais cedo, informando que não poderia vir.
Aconteceu alguma coisa na escola da filha dele.
— Algo sério?
— Não sei, mas ele pareceu bem calmo.
— Hm, hoje é um dos dias em que eu realmente precisava
dele — murmuro, pensando em qual alternativa eu tenho para dar
sequência às aulas de hoje. Claro, posso apenas guiar meus
alunos, mas gosto de mostrar na prática todos os movimentos.
— Posso ser sua companhia, se quiser — Luna diz ao meu
lado, e rapidamente a olho. Correndo meus olhos por seu corpo,
analiso a opção. Suas roupas não parecem ser incômodas: salto
alto, calça jeans justa, mas que estica bem. A única coisa que
poderia incomodá-la seria sua camisa social.
— Certeza?
— Claro. Somos uma dupla e tanto, você não acha? — Ergue
uma sobrancelha, sugestiva, provavelmente citando a última vez
que dançamos juntas.
Engulo em seco e paro de encará-la, ou acabarei ficando
vermelha de vergonha. Ouço sua risadinha. Ela sabe o que tem
causado em mim e se aproveita disso. Maldita mulher.
Chegamos à sala em que acontecerá a aula de hoje, e minha
primeira impressão é de que teremos bastante plateia. Estou
nervosa, confesso. Uma coisa é dançar com o Diego, um parceiro
que não me afeta em nada, e outra, completamente diferente, é
dançar com essa mulher que está me causando sensações
estranhas.
Espero que dê tudo certo.
— Bom dia, pessoal — cumprimento todos, abrindo um
sorriso simpático e sendo retribuída pelas pessoas ali dentro. —
Hoje, infelizmente, o Diego não poderá comparecer, mas
seguiremos a aula, conforme o planejado. — Olho para Luna e a
seguro pelo pulso, trazendo-a para mais perto de mim. — Então,
hoje, quem vai dançar comigo será a Luna, que, como todos vocês
sabem, é minha esposa.
Tento permanecer indiferente, mas a reação fervorosa dos
alunos, com palmas e assobios, me faz ficar sem jeito, com o rosto
queimando de vergonha. Luna entrelaça seus dedos nos meus, sem
que eu, ao menos, perceba, e aperta minha mão na sua, como se
pudesse me confortar.
Incrivelmente, esse ato me deixa mais tranquila.
Aparentemente, nenhum dos meus alunos parece
incomodado com o fato de eu ser casada com uma mulher, nem
mesmo os homens presentes. Fico feliz com isso. É raro um
ambiente tranquilo e leve assim, quando se trata de casais
homoafetivos. Eu diria que eles parecem até felizes, vendo-nos
juntas.
— Eu tenho uma sugestão de música. Se você quiser, é
claro… — Luna diz, enquanto abre dois botões de sua camisa. Por
alguns segundos, meus olhos se perdem em seu decote, mas
rapidamente olho para outro lugar. Preciso aprender a controlar
essa libido.
— Sinta-se à vontade — digo a ela e afasto-me para
conversar brevemente com meus alunos, explicando alguns
detalhes e dando dicas.
Preciso ser sincera e dizer que não estou preocupada com a
coreografia. Uma coisa eu aprendi: com ela, as coisas fluem muito
facilmente.
Luna está ajustando o som, e, em poucos segundos, começa
uma batida que não me é desconhecida. Então, lembro-me de que é
a música que estávamos dançando juntas no vídeo a que assistimos
no outro dia. Um pequeno sorriso surge em meus lábios quando me
aproximo dela, e posiciono-me com um pé para trás, segurando
uma de suas mãos, enquanto apoio a outra em seu ombro direito.
Luna espalma uma das mãos em minha lombar e nos olhamos
antes de deixarmos a música nos guiar.
Um passo para a frente e outro para trás. Luna me vira de
costas para ela, e abro meus braços. Damos um passo juntas para
a frente, suas mãos voltam à minha cintura e ela segue colada em
mim, enquanto nos movemos. Todos os olhares estão em nós duas,
e tento não ficar nervosa com isso.
Luna usa uma perna como apoio para me curvar para trás, e
quando me ergo, sou conectada ao seu olhar. Tenho a impressão de
ouvir suspiros e sussurros ao nosso redor. Devemos estar dando um
show a todas essas pessoas.
Ela me gira algumas vezes, nossos quadris colidem e os
olhares ficam conectados quase a todo momento. É incrível a
facilidade que temos para dançarmos juntas. Aliso seu rosto quando
faço movimentos de ondulação, com meu quadril contra ela.
Quando Luna alisa as partes do meu corpo que estão ao
alcance de suas mãos, sinto arrepios por ele. Ela se move com
extrema habilidade, deixando-me guiá-la em cada passo.
Sei que a música está chegando ao fim e não sei se fico triste
ou feliz por isso. Quando acaba, estamos nos encarando
firmemente e somos saudadas por diversas palmas.
— Beija! Beija! Beija! — alguém puxa um coro, pedindo
beijos.
Luna sorri e inclina-se em minha direção, deixando-me
extremamente nervosa, mas assim como da última vez, ela apenas
deposita um beijo em minha testa e abraça-me com força.
Seria estranho dizer que eu realmente queria que ela me
beijasse na boca? Caramba! Eu nem lembro como foi beijar na boca
pela primeira vez. Será que eu sei beijar direito?
O restante da aula manteve o mesmo clima quente e sensual.
Parece que a presença de Luna deu mais confiança às mulheres
presentes, por ela ser muito simpática e atenciosa. Nós duas juntas
recebemos muitos elogios sobre sermos as professoras perfeitas.
Foi divertido, um dos melhores dias desde que voltei a trabalhar. Um
dia realmente inesquecível. Estamos suadas e cansadas. Preciso de
um banho, descansar meus músculos. Nunca me esforcei tanto para
fazer movimentos perfeitos.
— Ana me mandou mensagem — Luna diz, assim que
entramos em seu carro, e olho para ela, confusa e curiosa para
saber quem é essa mulher. — Ela é uma das professoras do
carinha.
— Ah sim... Espera, ela tem seu número? — questiono,
realmente curiosa, e Luna acena com a cabeça, enquanto mantém
seus olhos focados no retrovisor para sairmos do estacionamento.
— Sim, ela também tem o seu. Na verdade, todos os
professores da escola dele têm nossos números. É para o caso de
alguma emergência.
— Aconteceu alguma coisa com o meu filho?
— Não, meu bem — ela diz, para me acalmar, e solta uma
risada. Suspiro, aliviada, enquanto meu coração está acelerado
dentro do peito. Se algo acontecer com meu filho, nem sei o que
faço. — Ele vai ser liberado cedo, porque as aulas estão próximas
de acabar. Você quer ir ou prefere que eu te deixe em casa?
— Vamos buscá-lo!
Luna abre um enorme sorriso e permanece assim. Para ser
sincera, ela permaneceu sorridente o dia inteiro. Não sei dizer ao
certo o motivo, mas tenho uma ideia. Foi um dia tranquilo e nos
divertimos bastante, isso deve tê-la deixado feliz. Alegra-me ter
causado isso nela. Parece que estamos mesmo em sintonia.
Chegamos em frente ao colégio de Louis e descemos juntas.
Caminhando lado a lado, não há quem não olhe para nós duas.
Visualmente falando, somos um casal muito bonito, é compreensível
que ganhemos olhares. Além do mais, devemos ser conhecidas por
muitos pais.
Sorrio para alguns que me cumprimentam, no caminho, até
finalmente avistarmos nosso filho vindo em nossa direção. Ele tem
um enorme sorriso no rosto e parece muito feliz em nos ver.
— Mamães!
Ele abraça Luna primeiro e, depois, a mim, que me abaixo
para beijar seu rosto e seguro sua mão.
— Como foi o dia de aula, filho?
— Incrível. Tia Ana deixou que fizéssemos desenhos o tempo
todo.
— Você os trouxe?
— Sim. Mamãe, a senhora precisa ver o desenho do Capitão
América que eu fiz. Ficou incrível! — diz a Luna, que se abaixa para
pegá-lo no colo e o enche de beijos. Impossível não sorrir com essa
cena. Ela realmente é uma ótima mãe.
— Perde a memória, mas o jeito de trouxa pelos dois
continua a mesma coisa — uma voz surge do nada, fazendo eu me
assustar e dar um pequeno salto. Desvio o olhar de Luna e Louis e
foco a pessoa que me assustou.
— Quer me matar do coração?
— Talvez — ela brinca, e eu reviro os olhos.
Mal tenho tempo de pensar e logo estou em seus braços,
sendo esmagada por aqueles peitos enormes.
— Também senti sua falta, Big.
— Eu sei — ela se gaba e me solta. Reviro os olhos mais
uma vez, observando-a se direcionar à Luna dessa vez. — Pequeno
tigre, há quanto tempo não nos vemos. Saudade dessa bunda
branca.
Luna gargalha antes de abraçar Vanessa.
— Você tem mesmo uma paixão pela minha bunda.
— Nunca escondi, mas não é maior que a paixão pela da
Camille, porque, meu Deus, olha o tamanho desse patrimônio
mexicano.
— Para! — peço, sem graça, e tiro suas mãos de mim, que
tentam me rodar para exibir minha bunda.
— Fica se fazendo de tímida, mas daqui a pouco vai ficar se
gabando por ser uma gostosa.
— Quem é gostosa? Você é mesmo — Noah aparece de
repente, trazendo consigo um animado Toni em suas costas. Isso
me faz lembrar do meu filho. Procuro por ele e o encontro ao lado
de Luna, de mãos dadas com ela. — Camilita, é sempre um prazer
encontrá-la para embelezar meu dia.
— Você me chama de gostosa e depois flerta com outra na
minha frente? — Vanessa finge estar brava e olha com uma falsa
expressão de choque para o marido. Noah se aproxima de minha
melhor amiga e passa um braço por seus ombros.
— Só flerto com você — diz e sela os lábios aos dela.
Sorrio para a cena. Eles são um casal maravilhoso demais.
— Eca — diz Toni, escondendo seu rosto no pescoço do pai
para não ver aquela cena, e eu acabo rindo da reação dele.
— Isso mesmo, garotinho, mantenha esse pensamento até
completar dezoito anos — Noah diz ao pequeno Toni, antes de se
abaixar para colocá-lo no chão. — Oi, minha princesa. E bate aqui,
garotão — cumprimenta Luna e Louis. Os três fazem um toque de
mãos ensaiado.
— Fale com as suas tias, garoto, ou vão achar que não te
demos educação.
— Eu acredito que Noah o educou, sim, mas você? —
debocho de Vanessa, que apenas me olha com desdém.
Toni se aproxima de mim, e suas bochechas vermelhas me
fazem sorrir. Ele é um doce.
— Oi, lindo.
— Oi, tia Mille. — Beijo seu rosto, e ele retribui o gesto
rapidamente, parecendo muito nervoso com a minha presença. —
Tia Luna.
— Oi, mocinho bonito. Continua apaixonado pela minha
esposa, é? Estou de olho em você, sem vergonha — brinca com o
pequeno, que, cada vez mais tímido, acaba escolhendo se esconder
atrás de sua mãe, para fugir dos olhares e das mãos de Luna.
— Estava pensando em fazer um churrasco lá em casa no
final de semana. A previsão diz que o tempo vai estar bom.
— Eu topo. É só nos ligar para avisar — Luna concorda com
Noah, e os dois se abraçam.
— Levem cerveja — Vanessa diz, antes de vir até mim e me
abraçar.
Concordamos e, enfim, nos despedimos dos dois. Eu de um
lado, segurando uma mão de Louis, e ela do outro, segurando a
canhota dele. Parecemos mesmo uma família feliz. Afinal, é isso
que somos, certo?

Mal chegamos a casa, e nosso filho correu para tomar um


banho. Luna tinha informado a ele sobre o jogo de videogame que
comprou, e Louis rapidamente quis estar limpo e livre de qualquer
tarefa secundária que não fosse passar o resto do dia jogando com
a mãe. É fofo como os dois amam passar o tempo juntos.
— Tudo bem?
— Ah... sim, sim. Por quê?
Luna nem parece perceber o tamanho do sorriso que está em
seu rosto. Parece um daqueles sorrisos tão grandes que chegam a
assustar alguém. Sinto vontade de rir de sua expressão.
— Você não para de sorrir nem um segundo sequer. — Acho
que ela entendeu errado o que eu disse, pois assim que termino de
falar, o sorriso some de seu rosto, e Luna desvia o olhar. — Não foi
uma crítica. Eu só estou curiosa para saber o motivo de tanta
felicidade.
— Hm, nada demais. — Ela alisa a nuca e depois esconde o
rosto com a mão. Uma coisa que percebi é que Luna não sabe
mentir, e quando acontece, ela sempre esconde o rosto de alguma
forma.
— Pode me contar, se quiser.
— É que... promete que não vai mudar a forma que me tratou
hoje?
— Como assim?
— Tenho medo de falar qualquer coisa, e você voltar a ser
fria e grossa como antes.
— Perdoe-me por isso. Eu garanto que vou fazer de tudo
para continuar te tratando bem.
— Isso me deixa feliz. Só não tanto quanto ter você me
tratando como sua esposa outra vez. É bobo, mas... sei lá. Eu senti
tanta falta disso — ela confessa e não me encara. Tenho certeza de
que está sem jeito, e isso me faz ter muita vontade de enchê-la de
beijos, mas me contenho.
— Você é a minha esposa. Mesmo que eu não me lembre de
nada, sei que um dia te amei muito. Não vejo mais problemas em
me referir a você como tal, porque se a antiga Camille tinha orgulho
de ser casada com você, eu também vou ter.
Luna parece desacreditada ao ouvir minhas palavras. Mas
sabe aquele olhar que diz tudo o que se passa dentro da pessoa?
Ela está me dando um assim, e eu sinto a felicidade estampada por
todo o seu corpo. Nada se compara a causar tamanha alegria em
alguém que faz de tudo por você, que zela pelo seu bem. E quero
cuidar dela também, porque todo mundo merece uma chance. Não
faço ideia se vou amá-la outra vez, mas estou me acostumando com
a ideia de ser casada com Luna Jacobs.
Deitada em minha cama, fico repassando o dia que tive.
Horas agradáveis com a Luna, e depois, me juntei a ela e ao nosso
filho para jogarmos juntos. Momentos assim me fazem pensar se
eram constantes as vezes que tínhamos dias dessa forma. Como
meu casamento com ela realmente era? Uma coisa é ouvir sobre;
outra, completamente diferente, é ter vivido. Isso me faz pensar...
— Cadê? — falo comigo mesma, ao me levantar da cama e
procurar, entre meus diários, um datado naquele verão, em que
acredito que tenha começado. — Encontrei.
Começo a folhear e ler algumas coisas sobre o que
aconteceu, buscando, até, finalmente, encontrar o que eu queria.

— Não pode fingir para sempre que eu não existo.


— Minha nossa! Pare de fazer isso! — imploro, levando as
duas mãos ao meu peito e recostando-me na parede da pequena
estufa, que meu pai resolveu construir depois que a idiota sugeriu.
Olho para ela, encontrando uma Luna visivelmente abatida e
aparentemente receosa, e suspiro. Não imaginei que ela estaria
aqui hoje.
— Pare de fugir de mim. Por favor... Eu sei que foi uma
surpresa tudo aquilo que disse no outro dia, mas...
— Não faça isso — imploro de novo, mas minha voz não
passa de um sussurro. Luna suspira alto, e eu fecho os olhos. Não
quero encará-la e ter a certeza de que ela realmente mexe comigo
de alguma forma. Essas semanas, tendo que lidar diariamente com
a presença dela, fizeram-me mudar a visão de quem essa garota
realmente é. Isso me assusta.
— Uma chance, Camies... Só isso que eu peço.
Sinto sua presença mais próxima de mim e abro os olhos,
arrependendo-me na mesma hora, pois aqueles olhos parecem me
sugar a alma.
Luna chega mais perto, porém ainda mantém uma pequena
distância, como se estivesse resolvendo se aproximar ou não.
— Por favor.
— Luna, eu...
— Se você disser não, vou entender e prometo te deixar em
paz para sempre. Sei que não mereço o que estou pedindo, mas se
houver uma chance, mesmo que mínima, um por cento apenas, de
você aceitar... por favor, me dê o sim que eu espero.
Abaixo a cabeça, porque não consigo encará-la durante
muito tempo. Estou confusa e assustada, muito assustada, porque
realmente quero dizer que sim.
Dou um pequeno sorriso antes de dizer:
— Eu odeio você, Luna Jacobs.
— E eu sou completamente apaixonada por você.
Ela se aproxima totalmente dessa vez. Não me dou conta do
momento exato em que começou a chover, mas nossas roupas
estão começando a ficar ensopadas.
— Posso?
Sempre fui do tipo de pessoa que prefere ações a palavras.
Foi por isso que apenas segurei seu rosto em minhas mãos e a
trouxe para mim, grudando nossos lábios. Isso pareceu surpreendê-
la, pois ela demorou segundos para ter alguma reação.
Quando suas mãos agarram minha cintura e colam
totalmente nossos corpos, falta ar em meus pulmões e um arrepio
gostoso surge na minha nuca. Luna sorri em meio ao beijo, que é
lento e delicado, um beijo que parece um tipo de exploração.
Nossas bocas se conhecendo e nossos corações entrando em
algum tipo de sincronia. Uma energia surreal.
Sempre achei que um beijo na pessoa especial pode causar
sensações extremas em alguém. Minha pessoa é a Luna. Parece
até brincadeira.
— Não faça eu me arrepender disso — peço, quando nosso
beijo finalmente acaba.
Pelo meu rosto, escorre a água da chuva, bagunçando meus
cabelos. Luna o acaricia e sorri. Um sorriso tão bonito que faz meu
coração disparar. O que está acontecendo comigo?
— Sempre vou dar o meu melhor a você, para valer a pena.
Eu sou sua, Camille Cruz.
Eu sou sua: essas três palavras fazem um sentimento de
posse brotar em meu peito. Eu a abraço com força, sem me
importar por estarmos na chuva ou que talvez alguém apareça. É
assim que eu quero permanecer de agora em diante: nos braços
dela.

— Nós devíamos viver como cão e gato — falo comigo


mesma e busco outros diários mais antigos. — Eu devo ter escrito
sobre meu primeiro beijo. Hm... encontrei.
E então, receosa, começo a ler:
Sabe aquelas cenas de filmes animados em que um
personagem, com raiva, atira raios pelos olhos? Essa seria a
definição da idiota parada em minha frente. Não posso trocar
palavras com Jennifer que sinto aquele olhar raivoso, como se ela
tivesse algum direito de sentir raiva de mim. Eu acho que Luna é
possessiva com quem acha que, um dia, será dela. É a única
explicação plausível. Iludida. Nós duas juntas somos algo que nunca
irá acontecer.
— Camille Cruz, esse momento é seu.
Sinto meu sangue gelar nas veias. Quando aceitei essa
brincadeira idiota, foi apenas porque a Jacobs quase implorou para
que eu não participasse. Mas não, porque quem manda na minha
vida sou eu.
— Desafio você a beijar a Luna.
Encaro Nayara, sem acreditar nas palavras que saíram de sua
boca. Todos ao nosso redor parecem vibrar com aquele desafio, até
mesmo Belinda e Vanessa, duas cobras que eu crio na vida.
— Nay — Luna diz, tão chocada quanto eu ao encarar sua
melhor amiga, que a ignora e me encara com um enorme sorriso.
Meu coração disparado me faz hiperventilar. Não achei que
essa brincadeira imbecil pudesse me levar a caminhos tão perigosos.
— Não vou beijá-la. Não quero mais brincar.
— Ah, vai sim, Lil. São as regras, ninguém te obrigou a
participar.
Olho para Vanessa como se pudesse matá-la apenas com o
olhar. Ela tem um sorriso de deboche no rosto, assim como a idiota
da minha irmã ao seu lado, que está nos braços de Rodrigo. Queria
ver se a desafiassem a beijar outra pessoa que não fosse o seu
namorado.
— Ela eu não beijo.
— Vai ter que beijar.
— Beija! Beija! Beija!
— Só um beijo não vai te matar, Cruz.
Um coro de incentivos começa.
Fecho os olhos, tentando encontrar uma forma de fugir dessa
saia justa, e quando os abro, uma ideia surge em minha cabeça e um
enorme sorriso cresce em meus lábios. Olho para Luna, diretamente
em seus olhos, e digo com o maior prazer:
— Eu posso até beijar, mas não ela.
Luna Jacobs parece ter levado um soco no estômago assim
que ouve minhas palavras, e isso muito me satisfaz. Um coro de
Uuhs ecoa, e o grupo de adolescentes grita como se fosse a final de
algum campeonato. Eles amam algo assim.
— E quem vai ser, então? — Nayara me pergunta. Tomada
pela coragem momentânea, olho para a garota ao meu lado, a qual,
há muitos meses, se tornou minha paixão do colégio.
— Jennifer. Eu só aceito beijar se for ela.
— Beija! Beija! Beija! Beija! — Começam a vibrar ao nosso
redor, e mesmo sentindo vontade de olhar para a garota idiota que
inferniza a minha vida, foco apenas a bela ao meu lado.
Jennifer se aproxima de mim, e sinto um leve nervosismo,
imaginando se saberei o que fazer. Lembro-me das palavras de
minha irmã: siga os movimentos da pessoa.
Não foi como imaginei o meu primeiro beijo, mas aconteceu.
Toda a expectativa criada para esse momento morreu no
segundo em que fui beijada. Não foi ruim, mas também não foi nada
demais. Perdi as contas de quanto tempo durou o beijo, mas sorrio
assim que termina.
Viro-me em direção à Luna, satisfeita por ela ter visto o
ocorrido, mas o sorriso morre em meu rosto, porque Luna nem lá
estava.
Sinto algo ruim em mim, mas prefiro ignorar naquele
momento.

— Você era tão idiota, Camille. Como pôde fazer isso?


Irritada, fecho aquele diário e o lanço para longe. Eu fui tão
imatura. Mesmo que não sentisse o mesmo por Luna, fazer aquilo
diante dela foi horrível. Teria sido diferente se o desafio fosse beijar
primeiro a Jennifer, mas eu escolhi qualquer outra que não fosse
Luna.
— Camille? — Assusto-me ao escutar alguém me chamar.
Olho para a porta do quarto e vejo Luna me olhando, confusa. —
Estou te chamando faz algum tempo. Tudo bem?
— Sim, sim. Estava apenas lendo algumas anotações antigas.
— Encontrou algo interessante? — pergunta, enquanto
caminha em minha direção.
Olho para aquela mulher, extremamente linda e carinhosa, e é
impossível ligá-la à imagem da adolescente que foi. Depois de tudo,
do passado e até mesmo dos últimos acontecimentos, Luna continua
aqui.
— Encontrei, sim.
— O quê? — Não a respondo. Ao invés disso, arrasto-me pela
cama, chegando mais perto de onde ela está sentada, e Luna me
encara, curiosa. — Camille?
— Shh...
— Eu… — ela inicia uma nova frase, mas finalmente tomo a
atitude impulsiva de fazer o que está na minha cabeça.
Quando seguro sua nuca e selo meus lábios aos dela, Luna
parece paralisar e solta uma forte lufada de ar. Não nos movemos e
não passamos desse breve contato. Meu corpo amolece e minha
barriga se contrai. Tantas sensações, mas eu sorrio.
Estou feliz.
Encosto minha testa na dela, mantendo minha mão em sua
nuca, e Luna continua paralisada, em choque.
— O seu beijo sempre será o primeiro que desejo me lembrar.
Eu a solto devagar, olhando diretamente em seus olhos, com
um brilho lindo e emotivo. Luna parece extremamente feliz, e apesar
de eu ter agido por impulso, sinto que fiz a coisa certa.
A partir daqui, não tem mais volta.
Capítulo 15 – Esperanças
Surreal.
Essa é a melhor definição que posso dar ao que aconteceu
ontem à noite. Tudo bem, foi apenas um toque de lábios, mas
depois de todos os acontecimentos, nas últimas semanas, foi um
grande passo para mim. Além do mais, com ela nada é qualquer
coisa. Deu-me ainda mais esperança sobre nós duas.
Nosso casamento não estava bem, e sendo sincera, por mais
que estivéssemos tentando mantê-lo, sabíamos que o inevitável
viria a acontecer. Sim, provavelmente teríamos nos separado dentro
de poucos meses ou semanas. Eu sentia isso. Observava, sem
poder fazer muita coisa, como tudo estava desmoronando ao nosso
redor. Com pavor enorme, estava vendo o amor da minha vida
escorregar entre os meus dedos.
Então, quando me vi cada vez mais sem saídas e soluções,
aconteceu tudo aquilo. Ela simplesmente acordou sem se lembrar
de nada, do nosso casamento, da vida que construímos juntas, do
amor que, um dia, sentiu por mim, nem mesmo do nosso filho.
Foi apavorante quando minha ficha caiu.
No momento exato em que tive noção do que havia
acontecido, o meu primeiro pensamento foi: dessa vez, a perdi de
verdade, para sempre. Eu realmente acreditei que seria o nosso fim.
Com o passar dos dias, a minha esperança diminuía cada
vez mais. Como reverter o ocorrido, se nem mesmo os médicos
conseguiam entender a dimensão daquele acontecimento e suas
sequelas? Cada nova consulta era como se alguém quebrasse
minhas pernas, impedindo-me de continuar a correr por nós duas e
de tentar resolver tudo.
Lembro-me do dia anterior ao que ela acordou
desmemoriada. Tínhamos resolvido sair com nossos amigos, para
nos distrairmos um pouco. Deveria ter sido uma noite divertida — e
realmente estava sendo, até o momento em que aquela briga sem
sentido começou. Seus gritos e acusações continuam vivos em
minha memória.
— Você deve achar que eu sou alguma idiota, Luna.
— Camille, por favor, seja racional. Está vendo coisas onde
não existe nada, além de suas paranoias.
Suspiro, levando meus dedos até minhas têmporas para
massageá-las. Não faz muito tempo que voltamos da boate onde
estávamos, e minha esposa fez um tremendo show, digno de um
Oscar da confusão. Tivemos que voltar mais cedo, porque ela
simplesmente surtou de ciúme diante dos nossos amigos e
começou a brigar comigo sem um motivo real.
— Ser racional? Mais racional do que eu estou sendo,
idiota?! — Ela surge na cozinha, com os olhos brilhando de forma
quase assassina. Camille sempre fica assim quando está muito
brava. Nem me dou ao trabalho de continuar a encará-la, sei que
não adianta muita coisa rebater o que sai de sua boca. — Você
acha aceitável a minha esposa ficar dando condições à outra mulher
na minha frente?
Respire fundo, Luna. Não entre nesse jogo, continue
mantendo a calma.
— Camille, por Deus! Eu nem percebi que tinha alguém
dando em cima de mim. Devo ter sido somente educada.
— Educada? Você foi educada?
De repente, ela está colada em mim, pressionando meu
corpo contra o balcão em que estou recostada. Olho para baixo,
encarando seu rosto. Ainda estou com meus saltos, e nossa
diferença de tamanho é algo considerável nesse momento.
— Educação é a nova forma de analisar outras mulheres e de
deixá-las passarem a mão em você?
— Você está exagerando.
Pensei que as coisas seriam divertidas, mas estava
totalmente errada.
Tento me afastar dela e sair dali. Quero tirar essa roupa,
tomar um banho, deitar-me na cama e esquecer a noite de hoje.
Camille me impede, usando seu corpo para que eu me mantenha no
lugar. Seu rosto está vermelho, e ela solta o ar com rudeza.
— Todas as vezes que você fica até tarde no trabalho
significa que está sendo educada com alguém também? É isso?
— Não comece. Estou falando sério com você.
Finalmente, consigo me afastar dela com delicadeza, usando
a paciência que ainda me resta.
Não quero iniciar outra conversa sobre esse mesmo assunto,
pois Camille tem sido extremamente paranoica em relação a uma
suposta traição minha. Se não a conhecesse e não confiasse nela,
eu diria que foi ela quem me traiu e que sua consciência pesada a
está deixando dessa forma. Mas Camille tem estado estranha de
diversas maneiras, e mesmo que tenha tentado descobrir, ainda não
sei o motivo.
— Você nem nega mais. Eu me pergunto quando pedirá o
divórcio outra vez e aproveitará todas as outras que você trata com
educação na rua.
Reviro meus olhos e a ignoro. Com ela em meu encalço,
entro em nosso quarto e vou ao closet, para tirar minhas roupas e
colocá-las no cesto. Camille fecha a porta do quarto com força, e
faço uma careta, rezando internamente para que nosso filho não
acorde com todo o barulho e, mais uma vez, presencie nossas
brigas. Phillipe, nosso babá contratado, o deixou dormindo tão
tranquilamente, não quero que meu pequeno seja incomodado
porque sua mãe resolveu surtar.
— Chega, Camille. Já foi o suficiente, ok? Vamos acabar
falando coisas das quais nos arrependeremos depois, e eu estou
cansada.
— Admita de uma vez que ainda quer pedir o divórcio. É isso
que realmente quer. Toda aquela conversa de ter desistido e
percebido que podemos enfrentar tudo era uma mentira. Você vai
me abandonar.
— Não comece. — Minha voz é séria e o tom deixa claro que
não estou a fim de falar sobre aquilo. É algo que sempre nos
magoa. Eu termino de tirar minhas roupas e saio do closet, com ela
ainda em meu encalço, pisando firme e bufando. — Vamos tomar
um banho e dormir. Chega desse assunto.
— Vai continuar fugindo do assunto? Acha que é assim que
resolveremos as coisas?
— Eu não estou fugindo de nada. Camille, chega... pare de
ser tão... — Calo-me, antes de continuar a frase, e fecho os olhos,
sabendo que provavelmente a enfureci de novo.
— Termine essa frase. Diga o que ia dizer. — Empurra-me
pelos ombros, fazendo-me dar dois passos para trás, e eu a olho,
temerosa, sabendo que Camille está mais nervosa do que antes.
Ela tem estado tão instável, como uma bomba relógio. — Vai me
chamar de louca outra vez, não é? Sua...
Cansada de toda essa discussão, sabendo que não existe
outra forma de calá-la, puxo-a contra mim e colo nossos lábios.
Camille tenta se soltar, mas sei que deseja continuar discutindo.
Insisto no contato de nossas bocas, segurando-a com firmeza, e
não demora muito para que ela comece a ceder.
Reconheço que esse não é o jeito certo de resolver as
coisas, mas faz tempo que não temos uma oportunidade como
essa. Conversaremos quando ela finalmente se acalmar e recuperar
sua racionalidade.
— Chega de brigas, por favor! — murmuro ao me afastar
lentamente.
Camille solta uma forte lufada de ar e, quando penso que
gritará comigo, se joga em meus braços e ataca minha boca,
beijando-me com uma paixão avassaladora. Seguro-a firme e solto
gemidos. O prazer de beijá-la loucamente sempre será a melhor
sensação de todas. Uso meu quadril para guiá-la em direção a uma
das paredes próximas ao box do banheiro.
Camille agarra meus cabelos e permite que eu comece a tirar
suas roupas. Essa é a única forma de acalmá-la no momento, mas
espero que amanhã possamos conversar como adultas e resolver
nossos problemas. Não quero perdê-la, mas não posso continuar
lutando sozinha.
Será que não existe uma forma de sermos como antes?
Queria uma chance de recomeçar com ela.

— Mamãe?
Volto a mim mesma quando ouço o chamado do meu filho.
Com um sorriso no rosto, desvio o olhar do mural de fotos e olho em
sua direção. O pequeno está parado na porta do escritório, com
uma expressão de confusão tão fofa, que sinto vontade de mordê-lo.
— Entre, carinha. Por que está assim?
— Eu acho que a mommy não está normal.
Louis coça a cabeça, bagunçando os cabelos e reforçando
ainda mais a careta em seu rosto. Não resisto e abaixo-me para
ficar da sua altura e mordê-lo.
— Coisa mais fofa da minha vida.
— Ouch, mamãe — ele resmunga, tentando se soltar de mim
quando o seguro pela cintura e mordo sua bochecha. — Para, por
favor, mamãe.
Solto uma risadinha e beijo seu rosto, antes de soltá-lo.
— O que sua mommy está fazendo para te deixar assim?
— Ela está lá na cozinha, saltitando e cantando aquela
música.
Não posso evitar rir de sua careta e da forma que a imitou.
Louis sempre fica assim quando Camille começa a cantar músicas
em espanhol. Ele nunca se deu bem com o idioma e desistiu de
aprendê-lo, mesmo depois de muita insistência de minha esposa.
Camille ficou triste pelo pequeno não querer aprender sua língua
materna, mas também nunca o forçou.
— Deve ser felicidade — falo de forma displicente, mas,
então, me dou conta de que sua alegria pode ser por causa de
ontem. Meu coração parece inflar dentro do peito, tamanha a minha
emoção. Como se o mundo tivesse parado por alguns segundos,
um estalo em minha cabeça me faz pensar se... — Sua mãe está
cantando Olhos lindos?
— Sim, mamãe. A senhora sabe como ela ama essa música.
Mal espero meu filho terminar de falar e saio em direção à
cozinha. Meu coração está tão acelerado que pareço ter corrido
uma maratona. Estou completamente desacreditada do que ele me
contou, mas quando chego à cozinha, não sou capaz de expressar
minha surpresa ao ouvi-la realmente cantar aquela canção. Meus
olhos e meus ouvidos parecem não acreditar.
— Seus olhos, verdes como as árvores do jardim... Em volta
de nós nada além do nosso amor... Estou em busca de felicidade e
paz, e sei que nos seus braços vou encontrar todo o sentido... Às
vezes me pego sorrindo sozinha, então eu me pergunto o que fez
comigo... — Minha boca se abre em descrença. Não acredito que
esteja realmente acontecendo. — Dios mio, Luna. ¿Estás loca por
verte así?
— Como... como você se lembra dessa canção?
Camille suspira, recompondo-se do susto.
— Eu não sei, para ser sincera. Simplesmente acordei hoje
cedo e não consegui parar de cantarolar...
Nem espero que ela termine de falar: atravesso a cozinha e,
sem mais nem menos, a abraço com força. Sei que devo parecer
louca, mas não posso evitar a emoção que toma conta de mim.
— É claro que me abraçar é bom, mas pode me explicar o
motivo? Está tudo bem? — Camille brinca, e seu tom de voz é leve
e divertido. É muito bom vê-la assim outra vez, após as últimas
semanas. Sinto que estamos realmente tendo um recomeço.
— Você sempre cantou essa música para mim, desde o
nosso primeiro ano de namoro. É a única canção que sabe tocar no
violão, e eu só fui saber disso no dia do nosso casamento. — Meus
olhos ficam levemente cheios de água. O coração já não me
obedece mais e continua disparado. Ela me olha, parecendo
realmente surpresa. Imagine como estou. — Você a cantou para
mim depois da nossa dança. Essa música se tornou parte da nossa
história. Então, virou algo seu. Todas as vezes que ficava muito feliz,
acabava cantando-a pelos cantos.
Sinto minha garganta arranhar de leve, tamanho é o meu
esforço para não chorar. Camille me olha, fascinada com o que
acabo de dizer e realmente surpresa, e eu vejo em seu rosto como a
notícia a abalou.
— Isso quer dizer... É sério?
— Muito! Não consigo expressar o tamanho da minha
felicidade. Você acaba de se lembrar de algo do seu passado
esquecido. Isso é realmente incrível.
— Meu Deus! Eu me lembrei de algo involuntariamente. —
Camille leva as mãos à cabeça e segura seus cabelos, andando de
um lado para o outro, desnorteada, sem acreditar. Imagine como eu
estou me sentindo. — Luna, será que...?
— Eu não sei. Precisamos conversar com o seu médico, mas
acho que isso é um bom sinal. Pode ser que sua memória esteja
voltando aos poucos.
Dessa vez, é ela quem me abraça, e eu rapidamente retribuo,
amando tê-la agarrada a mim com tanto carinho. Sinto-me como no
passado, quando tudo estava bem. Estou com as esperanças
renovadas, minha alma leve, e sinto que tudo pode, finalmente,
entrar nos eixos. Depois da tempestade, vem a calmaria, certo?
Lembro-me momentaneamente de suas palavras no dia
anterior ao que ela acordou desmemoriada: “Vamos enfrentar tudo o
que vier pela frente juntas. Nunca se esqueça de que dentro de mim
é você quem habita.”
Não tinha entendido o motivo dela ter olhado em meus olhos
e dito aquilo, mas hoje penso que, talvez, de alguma forma, ela
estivesse me preparando para o que aconteceria.
Recordar-me de suas palavras, logo após se lembrar de algo
do seu passado, me faz ter mais esperanças de que tudo se acerte
e de que nosso amor reviva, porque sei que continua dentro dela, só
precisa ser encontrado outra vez.
Nada nesse mundo me faz mais feliz que amá-la e ser amada
por ela. Observar minha esposa sempre foi uma das coisas que
mais amei fazer, durante todos esses anos juntas, até mesmo antes
de tê-la comigo. Quando era mais nova, desde a primeira vez que a
vi, meu passatempo favorito tornou-se observá-la. Infernizar a vida
dela nunca foi minha real intenção, e por algum motivo, ela
despertou uma antipatia por mim, que impossibilitava qualquer
aproximação minha. Ou seja: uma garota completamente intocável
para mim, pelo menos de maneira correta. Todas as vezes que
tentei estabelecer a paz entre nós duas, acontecia alguma coisa ou
alguém conseguia atrapalhar. O tempo foi passando e vivíamos no
eterno ritmo de cão e gato.
Era muito difícil ter que disfarçar meus sentimentos por ela,
mas sendo sincera, não sei como ela nunca percebeu quão
apaixonada eu sempre fui. Mesmo que fosse muito divertido tirá-la
do sério diariamente, eu me imaginava passeando de mãos dadas
com ela e beijando aquela boca linda.
Hoje, anos depois, continuo gostando de observá-la — de
modo diferente, obviamente —, e meu amor só aumenta. É como
se, aqui dentro do meu peito, o sentimento fosse renovado a cada
parcela de tempo. Mesmo nos momentos mais difíceis, sempre
consegui encontrar algum tipo de conforto e esperança. No fundo,
sinto que tudo vai ficar bem.
— Mommy?
Ouço o chamado de meu filho e desvio o olhar de sua mãe
para olhá-lo. Eles estão sentados no chão da sala, distraídos com
diversas folhas de papel em branco e lápis de cor espalhados. Nada
pode ser mais perfeito do que passar um momento assim. Ainda
que eu esteja ocupada no computador, organizando coisas do meu
trabalho, a companhia deles me traz certa paz. Só não estou
participando da diversão porque estou realmente atarefada, com um
projeto enorme que pretendo finalizar antes do Natal. Será uma das
coisas mais lindas e especiais que já fiz. São quase dois anos de
trabalho. O curioso é poder finalizá-lo justamente agora, depois de
tudo o que aconteceu. Parece mesmo que o destino tem seus
caminhos certos.
— Oi, filho.
Camille para de rabiscar alguma coisa em sua folha e olha
para o pequeno, com um enorme sorriso em seu rosto. Eu amo esse
brilho em seu olhar todas as vezes que observa o nosso filho. O
amor deles sempre me encantou.
— Eu queria pedir um favor.
— Pode pedir, meu pequeno.
— Pode me ensinar espanhol? Eu acho que agora
conseguirei aprender.
O brilho em seus olhos parece aumentar assim que ouve as
palavras do carinha. Ouvir aquilo parece iluminá-la.
Estou surpresa com o pedido, mas nosso filho é um garoto
muito esperto, sabe como isso sempre foi importante para ela. E
depois dos últimos acontecimentos, acredito que esse pedido tenha
a ver com uma tentativa de ajudá-la com suas lembranças e de
reforçar a ligação dos dois.
Desde que contamos a ele sobre a amnésia de Camille, Louis
tem ficado mais próximo dela. Nós dois sempre fomos muito
apegados, mas a paixão por ela também é enorme. Estou feliz por
ele entender como Camille precisa de nós.
— Vai ser um prazer, filho.
Ela estica sua mão direita e bagunça os cabelos do pequeno.
Louis abre um enorme sorriso e volta a desenhar, feliz. Alegro-me
com essa interação dos dois. Pode parecer pouca coisa, mas, para
mim, esses momentos são gigantescos. Não existe nada no mundo
que me faça mais feliz do que estar perto da minha família. Eu sei
que juntos iremos passar por essa dificuldade que a amnésia nos
trouxe.
Vai nos fortalecer, e juntos seremos imbatíveis.
Eu estou cheia de esperança.

Passei o dia todo eufórica, depois de Luna ter me contado


sobre a música que estava cantarolando mais cedo. Pensei que a
tivesse ouvido em algum lugar, mas é algo realmente especial do
meu passado, e isso me deixa extremamente feliz. Ultimamente,
tenho me sentido tranquila em relação à lembrança do passado.
Não me assusta mais.
Essa manhã, eu já acordei feliz. Tudo o que aconteceu, antes
de ontem, me deixou um grau acima da média de felicidade. Luna
tem mesmo muita influência sobre mim, não posso negar e cansei
de fugir disso. É como uma força sobrenatural que me puxa mais e
mais para ela todas as vezes que penso em ir para longe. Não tem
explicação para o bem que ela tem me feito sentir.
— Eu agradeceria se você prestasse atenção em mim, ok? —
uma rabugenta Vanessa resmunga. Sentada à minha frente, ela me
encara com extremo desgosto por eu ter me distraído.
Solto um pigarro e tento me lembrar do que estávamos
falando. Quando recebi sua ligação mais cedo, percebi, em seu tom
de voz, a inquietação e sua necessidade de mim, mas tantas coisas
aconteceram nesses dias, que não posso me culpar por estar aérea.
— Desculpe-me, de verdade. É só que... eu... — Suspiro,
pegando minha caneca para beber um longo gole do meu
capuccino. — Acabei me distraindo, lembrando-me de algumas
coisas. O que aconteceu? Você parece meio pálida e aflita.
— Descobri ontem que estou grávida outra vez.
— O quê? — Quase derrubo minha bebida ao ouvir o que ela
acabou de dizer.
Vanessa faz uma cara feia para mim e olha em volta.
Provavelmente, tem pessoas nos encarando depois do meu grito.
Mas como eu deveria reagir a essa notícia? Ela simplesmente me
joga essa bomba, como se não fosse nada demais.
— Pela sua reação, até parece que você é o pai dessa
criança.
— E eu não sou? Pensei que fosse a única na sua vida. Você
me traiu!
— Camille...
— Tudo bem. Não precisa me olhar como se quisesse me
matar. Bem que você queria mesmo um filho com esse rostinho
lindo aqui.
— Claro que queria. Imagina.
— Eu sei que sim.
— Mas agora, falando sério... Lil, eu não estava planejando
ter outra criança. Noah sempre foi louco para termos mais filhos,
mas minha vida no trabalho tem estado tão corrida, não consigo me
imaginar tendo outra criança agora. Só com o Toni já fica tudo uma
bagunça.
— Big... Não posso mentir e dizer que não estou feliz com
essa notícia, mas o que importa é a sua decisão. Você pretende...
tirá-lo?
Vanessa suspira, apoiando seus cotovelos sobre a mesa.
— Eu considerei essa possibilidade, sabe? Meu marido e eu
temos uma vida corrida, já temos uma criança que precisa da nossa
atenção, e outra criança pequena vai precisar dessa mesma
atenção e muito mais. — Passa as mãos no rosto, subindo-as até os
cabelos recém-pintados em um tom de castanho-escuro. Os fios
estão brilhantes e com um corte novo, que a deixa mais parecida
com a grande empresária que é. — Mas também sei que temos
estabilidade financeira e, mesmo não tendo planejado, ficaremos
felizes.
— Você é uma das mulheres que sempre me inspirou, desde
que a vi cuidando de seus irmãos, primos e de nós, que sempre
fomos suas amigas quando mais novas, conciliando as obrigações
de casa com as da escola e outras atividades. Sei que conseguirá
se sair muito bem outra vez. — Coloco as minhas mãos sobre a
mesa, seguro as dela, entrelaçando os nossos dedos, e sorrio para
a minha melhor amiga, tentando encorajá-la. — É uma das pessoas
mais incríveis que conheço. Vou apoiar você em qualquer decisão
que tomar, mas preciso confessar algo.
— O quê?
— Vou amar acompanhar a gestação desse novo sobrinho,
se você a mantiver.
— Ou sobrinha.
— Sim, ou sobrinha. Inclusive, seria ótimo ter mais uma
menina nessa família.
— Quem sabe não venham duas?
Meus olhos quase saltam para fora quando pergunto:
— São gêmeos?
— Ficou louca? — Vanessa ri e nega com a cabeça. — Deus
me livre de ter duas crianças crescendo dentro de mim.
— Então, por que dois?
— Nunca se sabe quando alguma outra mulher da nossa
família pode aparecer grávida.
Franzo o cenho para sua insinuação.
— Está me escondendo alguma coisa?
— Eu? Jamais.
Ela solta nossas mãos e pega seu copo de suco, terminando
de beber a bebida em um gole. Encaro-a com as sobrancelhas
erguidas, não acreditando muito em sua negativa. Mas caso esteja
me escondendo algo, uma hora eu descubro.

Vanessa me trouxe para casa logo depois do almoço e não


ficou, por ter recebido uma ligação de Noah. Tinham que resolver
algo sobre a reforma da casa deles.
Quando entro em casa, a primeira coisa que noto é que tudo
está organizado e tem cheiro de limpeza. Não que estivesse
bagunçada antes, mas estava desorganizada, com coisas
espalhadas pela sala, assim como nossos sapatos. Parece que as
duas crianças que eu tenho em casa conseguem se virar bem na
minha ausência.
— Você voltou. Como foi o dia? Divertiram-se? — Luna
questiona, enquanto desce as escadas.
Olho sua roupa e fico curiosa. Está usando calça de moletom
bem justa, uma camisa de mangas longas de cor clara e nos pés,
seu par de coturnos pretos. Parece estar prestes a sair.
— Sim, nos divertimos. Ela precisava de distração, e eu
queria sair um pouco. Vai sair?
— O dia está bonito para fazer algumas fotos. Nayara me
ligou, querendo me tornar sua fotógrafa particular.
— Ah, sim...
— Quer ir? Levarei o carinha. Será divertido.
— Hm, eu acho que não. — Finalmente, sento-me no sofá e
suspiro de alegria por poder me deitar em um lugar confortável e
esticar minhas costas. — Vanessa fez com que eu andasse muito.
— Conheço esse tom de voz. Está sendo manhosa por causa
da preguiça.
Prendo a risada e fecho meus olhos quando ela se aproxima.
O sofá se movimenta um pouco, e sei que ela se sentou ao meu
lado, mas continuo da mesma forma. Quando sinto as mãos de
Luna em meus tornozelos, rapidamente abro meus olhos e a
encaro.
— Posso?
— O quê?
— Massagear... — Sua voz não passa de um sussurro,
olhando diretamente em meus olhos.
Na verdade, eu não sei se ela realmente sussurrou, minha
mente tem sido meio traiçoeira ultimamente. Mas como poderia ser
diferente? Suas mãos começam a apertar meus tornozelos de forma
tão deliciosa, que meus sentidos ficam nublados. Volto a fechar os
olhos, e dessa vez um gemido prazeroso me escapa. Que
habilidosa essa mulher é com as mãos!
— Pode — respondo, mesmo que já tenha lhe dado
permissão.
Luna solta uma risadinha, mas continua me massageando
com extrema cautela e precisão. Seus movimentos certeiros me
deixam tão fora de mim que nem me dou conta do momento exato
em que simplesmente adormeci.
— Mommy... — Ouço uma voz me chamar repetidas vezes.
Pequenas mãos me tocam, e beijos são dados em todo o meu rosto.
Os meus olhos se abrem, por instinto, e dou um sorriso ao me
deparar com meu pequeno filho, parado ao meu lado. — Ela
acordou, mamãe. — Ele se afasta, quando nota meus olhos abertos,
e dá um passo para trás.
— Vem aqui, garotinho. — Tento pegá-lo, mas meu filho tem
um ótimo reflexo e acaba se esquivando. Meu movimento faz com
que eu caia do sofá, e Louis ri, enquanto sai pela casa.
— Finalmente, bela adormecida. — Olho, por cima do meu
ombro, para trás. Luna está parada de pé, encarando-me, confusa.
— Como você foi parar no chão?
— Estava testando a gravidade, não percebeu?
— Aparentemente ela venceu.
— Idiota — resmungo, mas isso parece diverti-la ainda mais.
Luna continua rindo das minhas falhas tentativas de me soltar
do cobertor grosso que me cobre. Nem sei quando o colocaram
sobre mim, mas sei que, no momento, eu o odeio por não estar me
permitindo sair. Finalmente, minutos depois, a idiota para de rir de
mim e vem me ajudar.
— Que mulher brava!
— Sua sorte é que sou contra a violência.
Luna me segura pelas duas mãos e puxa-me para cima,
fazendo meu corpo colidir contra o seu com força. Seguro um
gemido surpreso, que me escaparia, e engulo a saliva.
— Você só é contra a violência em determinados momentos,
porque existem alguns em que a ama.
Minha boca se abre, em choque. A insinuação em sua voz é
tão intensa que me arrepia. Estou prestes a dizer alguma coisa, mas
os sons de passos na escada me fazem soltá-la. Essa mulher é um
perigo, e eu preciso tomar muito cuidado.
— Dia de brincar na neve! — Louis exclama assim que surge
na sala, com as mãos levantadas, saltitando, com um enorme
sorriso que me faz sorrir apenas por vê-lo. Seguro suas mãos e
junto-me à sua animação.
— Você vai conosco, certo?
— Por favor, mommy! Por favorzinho!
Divido meu olhar entre eles dois. Não sei dizer qual olhar é
mais forte e chantageador. Tem como resistir? É praticamente
impossível.
— Tudo bem, vocês dois estão fazendo um complô contra
mim.
Os dois trocam breves olhares e pressionam os lábios. Cerro
um pouco meus olhos.
— Eu sabia!
— Somos inocentes!
— Sim! — Os dois se defendem, mas suas expressões
corporais dizem o contrário.
Não sei lidar com essas duas crianças.
— Eu vou.
Meu filho e Luna comemoram e rapidamente fazem um toque
de mãos.
— E você, Jacobs, agasalhe-se direito, porque está muito frio
lá fora — mando, depois de analisar sua roupa, pois o seu casaco
parece não esquentar muito, e como está nevando, provavelmente
deve estar bastante frio.
— Você quem manda, patroa — ela concorda e bate
continência para mim, virando-se para ir em direção à escada.
Reviro meus olhos e vou para o sofá, fazendo sinal para que
Louis me acompanhe, enquanto esperamos que ela volte. Mesmo
que eu realmente esteja cansada, não será difícil acompanhar a
minha família.
Capítulo 16 – Lugar certo
Durante o caminho, observo, empolgada, a animação do meu
filho por estar indo brincar na neve. Não demora muito a chegarmos
ao parque. Louis realmente ama quando está nevando.
Luna parece alegre ao meu lado, e sinto-me feliz por vê-la
assim. São momentos como esse que me fazem ter cada vez mais
certeza de que deixá-la entrar na minha vida, outra vez, é mesmo o
certo a ser feito. Mesmo que nossa história tenha se perdido dentro
de mim, em algum lugar, sinto algo profundo em meu ser, que
chama e implora por ela, como uma força sobrenatural, que mesmo
tentando me afastar, puxa-me para perto outra vez. Não tem como
fugir, mas eu nem estou mais fugindo, não é?
— Estaciona o carro, mamãe. Eu quero brincar.
Impossível não sorrir para seu pedido extremamente
animado. Louis está saltitando sobre o banco de trás, olhando
ansiosamente através da janela. Olho para Luna e a vejo sorrindo
também, enquanto o encara pelo espelho. Isso faz com que eu me
alegre ainda mais. Finalmente, encontramos uma vaga para
estacionar e libertar meu pequeno filho.
— Não saia correndo, ok? Espere por nós.
Louis concorda, com a cabeça, com o aviso de Luna, e
espera, impaciente, sua mãe sair do carro e abrir o porta-malas para
pegar suas coisas. Quando saio, meu corpo estremece levemente
com a brisa gelada que bate contra mim.
— Vamos fazer anjos na neve, mommy?
— O que você quiser, meu amor. — Bagunço seus cabelos e
depois seguro em seus ombros, mantendo-o perto de mim,
enquanto esperamos por Luna, que não demora muito a surgir com
uma maleta.
— Podemos ir, crianças.
— Eu quem deveria dizer isso — rebato sua provocação, e
Luna solta uma risadinha. Caminhamos até o parque, e logo é
possível notar diversas famílias com seus filhos. A vista é realmente
linda. Espero que Luna tire fotos minhas nessa paisagem, as
guardarei para sempre.
— Nayara está chegando. Farei algumas fotos dela. Depois
podemos fazer alguma coisa?
— Uma disputa de bolas de neve?
— Por favor, mamães!
Luna e eu nos encaramos. Um sorriso convencido surge em
seu rosto, e eu arqueio uma sobrancelha para ela.
— Eu topo.
— Eu também. Espero que esteja pronta para ser acertada —
provoco, fazendo-a rir e negar com a cabeça. Nosso filho está entre
nós duas, olhando-nos, sem entender direito, mas animado demais
para se importar.
— É o que veremos.
— Essa, sim, é a verdadeira família propaganda da
comunidade lésbica — uma terceira e conhecida voz faz com que
Luna e eu olhemos naquela direção.
Meu queixo quase cai ao ter meus olhos sobre aquela
mulher. Sempre a achei muito bonita quando éramos mais novas,
mas ela conseguiu alcançar um patamar ainda mais alto. Seu jeito
confiante enquanto anda e os cabelos curtos e cacheados deixam-
na com um ar de mulher fenomenal, sem palavras suficientes para
descrevê-la.
— Somos a família propaganda perfeita até mesmo para a
comunidade heterossexual — Luna responde a brincadeira antes de
abraçá-la. — Cadê o Keith?
— Foi estacionar o carro. Camille, finalmente revendo você.
— Como você está linda!
Nayara ri de minha fala, e Luna a acompanha. Balanço minha
cabeça e a abraço, inalando o gostoso cheiro de seu perfume.
— É bom rever você também — declaro.
— Você também está linda. Que corpo! — Minhas bochechas
ficam vermelhas, sorrio, sem jeito, e desvio meu olhar. — E você,
pequeno? Toca aqui. — Ela o cumprimenta, e os dois fazem um
high five.
— Três mulheres lindas reunidas. O mundo não tem suporte
para tanta beleza assim. — Um homem surge com uma criança no
colo. Ele tem um belo sorriso, e o pequeno em seu colo parece uma
cópia fiel sua com Nayara. Reconheço que é o marido dela, pois
Luna tinha me mostrado algumas fotos. Muito bom o gosto dos dois.
— K!
— Lu! — Os dois se cumprimentam e fazem um toque
estranho de mãos, gargalhando depois, ao trocarem um forte
abraço.
— E você, pulguinha? — Luna pega o pequeno no colo,
fazendo cócegas e ganhando uma risada.
Sorrio para a cena. Ela é maravilhosa com crianças.
— Camille, eu sou o Keith, marido da Nayara. — Ele se
aproxima e nos abraçamos. O fato de ele ter se apresentado me faz
deduzir que Luna provavelmente informou aos dois sobre meu atual
estado desmemoriado.
— Um prazer reconhecer você — brinco, fazendo-o
gargalhar.
Luna se aproxima de mim com o pequeno, que está com o
rosto deitado sobre o ombro dela e com uma das mãos na própria
boca.
— Esse é o James. Fala com a titia Camille, pulguinha.
— Xixia... — Ele se afasta de Luna e praticamente se joga
em minha direção. Eu rapidamente o seguro, tendo meu pescoço
agarrado pelo pequeno.
— Ele adora você — Nayara esclarece sua reação ao me ver.
Sorrio e abraço o pequeno, fechando os olhos para apreciar o
contato. Luna e Keith começam uma conversa sobre futebol,
enquanto eu incentivo meu filho a brincar com as outras crianças.
Ele não pensa duas vezes antes de sair correndo. Brinco com o
pequeno James e puxo assunto com Nayara. O dia tem tudo para
ser perfeito.
Um sorriso está em meu rosto, enquanto observo uma
concentrada Luna, com uma de suas tantas câmeras fotográficas na
mão, tirando diversas fotos de Nayara. Meu pequeno filho está se
divertindo com as outras crianças no parque, e eu me encontro
sentada na neve, com James em meu colo, entretido em morder a
própria mão.
— Que fome é essa, garotinho? — Keith, que tinha saído
para fazer algumas ligações, cuidando dos compromissos da
esposa, aproxima-se de nós outra vez. Luna me contou que Nayara
e ele são modelos internacionais, o que faz total sentido, pela
beleza dos dois. Obviamente, os filhos saíram lindos.
— Ele gosta mesmo de morder a mão. Não é, pequeno?
— São os dentes nascendo. Esqueci de trazer o mordedor
dele, por isso ele substituiu pela mãozinha.
James encara o próprio pai e tira a mão da boca, abrindo um
enorme sorriso, mostrando seus dois únicos dentinhos. Essa
imagem me faz sorrir. Eu acho crianças pequenas extremamente
adoráveis.
— Ele é bem esperto, acompanha tudo com os olhos.
— Sim, ele é mesmo. Puxou à mãe. Nessa idade, eu era um
pouco atrasado. E Nayara, bem… ela nasceu no ritmo mais
acelerado possível.
— Isso é verdade.
— Luna me contou o que aconteceu. Pensei que coisas
assim só acontecessem em filmes e livros.
— Nem me fale. Foi aterrorizante acordar, um dia, sem me
lembrar de nada.
— Todas as lembranças recentes sumiram? — Concordo
com a cabeça, e Keith faz uma careta, como se sentisse a minha
dor. — Nem consigo me imaginar nessa situação, deve ser horrível.
— É horrível. Parece ter um buraco na minha história. Às
vezes, minhas lembranças entram em conflito. No início, era pior,
mas já estou me acostumando a essa vida.
— Isso é bom… — Ficamos em silêncio durante alguns
segundos. James se inclina em direção ao Keith, e eu o passo para
seu colo. — Vocês duas estão bem?
Instintivamente, olho para Luna, e como se ela soubesse o
que eu faria, olha para mim na mesma hora e sorri. Retribuo o
sorriso. Meu rosto esquenta quando, mesmo de longe, percebo que
Nayara implicou com ela e a fez corar. Keith solta uma risadinha ao
meu lado, divertindo-se com a nossa pequena interação.
— Estamos melhorando.
— Percebi. Parecem duas adolescentes.
— Sinto-me mesmo como uma. Está tudo certo.
— Isso foi tristemente engraçado.
Sorrio para ele, mesmo que por dentro esse tipo de piada
melancólica mexa bastante comigo. O que posso fazer? Tenho que
lidar com a dor que a amnésia causa, vida que segue.
Continuamos conversando, mas sobre outros assuntos, e
noto que ele quer me distrair. Keith é um cara muito simpático, bom
marido, extremamente apaixonado pela esposa e um ótimo pai.
— Pulguinha, ataque de cócegas! — Luna surge do nada e
pega o pequeno James, rodopiando-o no ar, e ambos riem alto.
Essa cena enche meu coração de um sentimento maravilhoso.
Mesmo de longe, é possível ver os olhos dela brilharem olhando
para o pequeno. Por alguns segundos, tenho a sensação de me
lembrar do Louis quando pequeno, e ela tinha a mesma atitude.
— Ela não pode ver uma criança que fica assim, toda boba.
— Verdade — concordo com Nayara, que também chega até
nós, trazendo as coisas de Luna consigo.
Keith dá um beijo em sua esposa, e os dois conversam algo
que não ouço, pois não quero ser intrometida. Foco meu olhar na
mulher com quem me casei há anos e não lembro, mas que, cada
vez mais, ganha espaço dentro do meu coração.
— Vocês deveriam ter mais filhos.
— O quê? — Olho, assustada, para Keith, que está atrás de
Nayara, com os braços em volta dela, e os dois têm o mesmo
sorriso no rosto. Pensando ter ouvido errado, franzo o cenho,
curiosa.
— Vocês duas… — ele repete e aponta com a cabeça em
direção a Luna. — Deveriam ter mais filhos.
— Ah… Eu…
— Não coloque tanta pressão, amor — Nayara o repreende,
dando uma leve cotovelada em seu estômago, mantendo o sorriso.
— Sabemos que, no momento, você certamente não pensa nisso,
mas olhe sua esposa… Vocês sempre falaram em ter uma família
enorme.
— Eu nem me lembro de ter desejado o Louis. Não tenho
como concordar ou discordar.
— Isso é verdade, mas você acha possível vir a desejar
outros filhos?
Não respondo imediatamente à pergunta de Nayara, apenas
olho para Luna e começo a pensar. Sei que, se nós duas
conseguirmos ficar bem em nosso casamento, provavelmente
seguiremos a nossa vida, mas não faço ideia se vamos ter mais
filhos — nem sei se ela deseja isso, talvez sim.
E eu? Também não faço ideia se quero ter outros filhos.
— O jeito é esperar, para ver como as coisas serão daqui
para a frente.
— Sobre o que estão falando com a minha esposa? São um
perigo para a sociedade — Luna brinca ao voltar para perto de onde
estamos. James está sobre seus ombros, agarrado à sua touca, e
sorrio para a cena.
— Estávamos falando sobre a nossa guerra de neve, da qual
você está fugindo. Ficou frouxa agora, Cruz-Jacobs?
— Oh, você não disse isso, Keith Hamilton. Segure o
pulguinha, Nayara. Acabarei com esse homem que você chama de
marido.
Ela entrega o pequeno a Nayara, e os dois rapidamente se
afastam, enquanto brincam de empurrar um ao outro.
— Eles sempre agem como adolescentes?
— Sempre. Isso não é nada perto do que esses dois já
fizeram. Luna e Keith se gostaram desde o momento em que os
apresentei. São oito anos de amizade entre os dois, que só se
fortalece, mesmo com o nosso trabalho atrapalhando o convívio.
Fico feliz de saber que Luna tem pessoas que a amam e
cuidam muito bem dela. Vendo os dois interagindo, é perceptível
que são amigos genuínos, e isso aquece meu coração. Gosto de vê-
la feliz.

Eu me junto a Keith e Luna na guerra de bolas de neve, e


meu pequeno filho também entra na nossa disputa. Posso dizer,
com toda a certeza, que, desde que tudo aconteceu, esse foi um
dos dias em que mais me senti eu mesma, sabe? Como se eu fosse
a Camille de antes, como se tudo ali fizesse total sentido.
A felicidade impagável por estar rodeada de pessoas que
querem o meu bem não pode ser descrita.
Nós nos despedimos do casal e do pequeno James, com a
promessa de que marcaríamos um almoço em breve, para
colocarmos, ainda mais, o assunto em dia. Foi bom ter passado
esse tempo com pessoas do meu atual convívio e, ao mesmo
tempo, nem tanto. Não senti aquela pressão, sabe? Por vezes,
parece que estou andando por cordas bambas. Eu não sei como
agir, temo errar de novo e colocar tudo por água abaixo.
— Está tudo bem?
A voz de Luna faz com que eu automaticamente pare de
refletir e olhe em sua direção. Estamos perto de casa, meu filho
dormindo no banco de trás, e o silêncio me levou a pensar demais.
— Está, sim. — Sorrio de lado, soltando um longo suspiro,
ajeitando-me no banco para encontrar uma posição melhor.
— Certeza?
— Sim, não precisa se preocupar.
— Desculpe. O dia foi tão divertido que fiquei preocupada
que alguma coisa pudesse ter deixado você chateada ou irritada.
Um pequeno sorriso surge em meu rosto. Diferente de dias
atrás, o jeito cauteloso e cuidadoso dela não me irrita mais. Percebi
que Luna tem essa qualidade, e mesmo que exagere algumas
vezes, isso a completa e faz parte da pessoa que estou
descobrindo. Sinceramente? Eu gosto dessa Luna.
— O dia foi perfeito. — Levo minha até a sua, que está no
volante, e a trago para mim, entrelaçando nossos dedos, o que a
deixa muito feliz, pois seu rosto se ilumina ao encarar nossas mãos
unidas. — Gostei do tempo que passamos com Keith, Nayara e o
pequeno James. E ter você e Louis comigo sempre é maravilhoso.
— Não faz ideia de como eu gosto de ver você assim.
— Carinhosa com você? — brinco, ainda mantendo nossas
mãos unidas. Ela dá um sorriso largo e acaricia meus dedos.
— Isso também, mas digo sobre você estar leve e
despreocupada. Não tem coisa melhor do que ver você melhor a
cada dia. Eu fiquei muito preocupada que você não conseguisse se
adaptar a tudo isso.
— Eu… — Por reflexo, solto sua mão, porque estava prestes
a falar mais do que acho que deveria. Como eu disse antes, é como
se agora eu vivesse pisando em ovos, e cada passo é mais
perigoso que o anterior. O clima parece pesar um pouco, e mesmo
estando mais adaptada, eu ainda travo em alguns momentos.
— Você sabe que pode conversar comigo sobre qualquer
coisa, não sabe?
Concordo com a cabeça, notando, ao olhar para cima, que já
chegamos.
— Levarei o carinha para a cama e depois conversamos,
tudo bem para você? Camille?
— Eu acho que sim…
— Ei? Eu sempre fui sua amiga acima de tudo, desde que
você me deixou realmente entrar na sua vida. Estamos nos
reconhecendo, lembra? Deixe-me tentar te ajudar, converse comigo.
Abro um pequeno sorriso antes de concordar com a cabeça.
Luna sorri, e então, saímos do carro. Com certo esforço, ela pega o
pequeno no colo, e lado a lado, caminhamos em direção à porta.
Depois que eu a destranco, o ar aquecido dentro de casa me faz
suspirar instantaneamente. Foi bom passar o dia todo fora, mas é
melhor ainda chegar aqui e poder relaxar.
Depois que retiro minhas botas e as coloco no armário
próximo à porta, desfaço-me também do casaco e o penduro no
tripé. Vou à cozinha, para beber um copo de água, e aproveito esse
breve momento sozinha para pensar no que direi a Luna, de forma
que ela me entenda e que não mude nada entre nós. É estranho
todo esse medo de errar, sabe? Se fosse no passado, eu nem me
importaria com o que ela poderia pensar, ou se minhas palavras
iriam atingi-la. Só que hoje tudo mudou, importo-me cada vez mais
com ela e não tenho como escapar disso. Luna faz parte de mim,
mesmo que eu tente negar.
— Ele dormiu?
— Sim. Tive que acordá-lo para escovar os dentes, e ele mal
conseguia segurar a escova.
Ela solta uma risadinha e vem a mim, pegando o mesmo
copo que usei, para enchê-lo outra vez e beber água. Meus olhos
atentos acabam focalizando sua boca, e quase suspiro quando ela
passa a língua sobre os lábios devagar. Engulo em seco e desvio
meu olhar. Essa mulher é um perigo.
— Está cansada?
— Um pouco, mas acho que ainda consigo ficar acordada por
algum tempo.
— Ótimo. Vamos até a sala, é mais confortável.
Enquanto caminhamos, dou-me conta de algo que acaba me
fazendo sorrir. Desde que a beijei, Luna não mudou seu
comportamento comigo, continua respeitando os meus limites e não
me forçou a nada. Isso me deixa tão segura, não sei se ela tem
ideia disso.
— Não se sinta como se estivesse em uma das suas
consultas com a doutora Robertson. Lembre-se de que sou sua
amiga, antes de qualquer coisa. Sinta-se à vontade para falar sobre
o que achar melhor.
— Obrigada, de verdade. Eu fico muito confortável com você.
Não sei se me sentiria assim, caso fosse outra pessoa. O seu jeito,
não sei… é diferente. Você me traz uma paz que não consigo
explicar.
O sorriso dela, depois que digo tudo isso, é tão lindo que
pode iluminar uma cidade inteira. Ela sorri com os olhos também,
que estão brilhando. Você sabe que as pessoas sorriem assim
apenas quando sentem uma felicidade real e genuína? Não aquela
coisa superficial e momentânea. É como se essa felicidade tocasse
a sua alma e renovasse você de alguma forma.
— Eu sempre disse que você é minha sorte, que ter ganhado
você foi como acertar milhões de vezes seguidas na loteria. Você
me fez querer ser alguém melhor, sabe? Eu cresci muito, tornei-me
a melhor versão possível de mim e sei que isso tem muito a ver com
você. — Ela pausa e leva a mão ao local exato, onde fica o coração.
— Tem muito de você aqui dentro.
— Eu…
— Não se sinta pressionada com isso. O que quero dizer é
que como você tem se sentido em relação a mim é exatamente
como eu sempre me senti em relação a você. Fico muito feliz por
você ainda ter essa conexão comigo e por eu conseguir deixá-la
segura, mesmo depois de tudo o que aconteceu.
Ficamos em silêncio durante alguns segundos, talvez
minutos. Não é desconfortável nem apavorante. Eu me sinto
sufocada na terapia de vez em quando, mas, de alguma forma, é
diferente ficar sozinha com Luna. Sinto que posso me abrir com ela,
entende?
— Eu morro de medo de errar.
— Como assim?
— Com você, com a nossa família, com nossos amigos e
com o nosso filho. Eu só… tenho medo, sabe? Não faço ideia de
como era a Camille de que todos vocês se lembram. Só existe essa
versão com defeitos. Eu sinto pavor de fazer tudo errado outra vez.
— Nós estamos pressionando você, não é?
Aperto os lábios e desvio o meu olhar. Não quero admitir a
verdade, tenho receio de magoá-la. Desde que tudo aconteceu, todo
mundo espera tanto que eu não erre, que a cada passo que dou
para a frente parece que três são para o lado. Isso não me leva a
lugar algum, mas também não me faz errar ou acertar.
— Droga… eu acho que estamos fazendo tudo errado.
— É difícil pra mim, mas eu não quero ser egoísta, sei que é
pra vocês também.
— Eu nunca deveria ter chamado você de egoísta — Luna se
lamenta, e eu tento interrompê-la para aliviar sua culpa, mas ela não
me permite. — No início, era muito mais complicada a sua situação.
Eu só queria que tudo voltasse ao normal e acabei descontando a
minha frustração em você. Desculpe-me por isso.
— Está tudo bem. De certa forma, era verdade, eu estava
sendo um pouco egoísta mesmo. Só pensei em mim e me esqueci
das outras pessoas ao meu redor. Só que…
— Todos se esqueceram de ver o seu lado... — Luna
completa meu raciocínio, e eu apenas aceno, concordando com a
cabeça. — Prometo que não vou deixar ninguém pressionar mais
você. Vai ser tudo no seu tempo, ok? Eu não quero que você fique
mal porque todos esperam que você recupere a memória e que as
coisas se normalizem.
Sem poder me conter, acabo me arrastando para perto dela e
a abraço com bastante força. Eu apenas senti vontade, porque sinto
que agora ela pode me entender melhor. Talvez assim eu não me
sinta mais presa em uma caixa ou pisando em ovos.
— Obrigada! De verdade, eu estou tentando muito ajeitar
tudo.
— Não precisa agradecer, Camies. É o mínimo que eu devo
fazer. — Ela se afasta um pouco de mim e me olha nos olhos. —
Não sei se vamos conseguir recuperar o nosso casamento, se você
vai me amar outra vez ou se voltaremos a ser o que éramos antes,
mas eu quero que saiba que você me tem aqui, tudo bem? Fiz uma
promessa no altar que estaria sempre ao seu lado, e não importa o
que aconteça, eu pretendo cumpri-la.
— Você é incrível, Luna. Continua me surpreendendo todos
os dias.
— Isso é bom?
Concordo com a cabeça, e ela sorri outra vez, antes de me
abraçar de novo. Em seus braços, me sinto mais em paz. O futuro é
incerto, mas sei que a tendo comigo sou capaz de enfrentar
qualquer coisa. Tudo vai se acertar da forma que deve ser.
— Dorme comigo essa noite? Não quero ficar sozinha — eu
peço por impulso, mas sinto que é o certo a se fazer. Estou me
sentindo tão vulnerável que não a quero largar. Preciso da sua
presença, como uma necessidade absurda.
Luna não parece acreditar no meu pedido durante alguns
segundos, mas, então, abre o mais belo dos sorrisos, que chega até
seus olhos e me faz sorrir junto. Ela está sorrindo com todo o seu
ser.
— Sempre estarei aqui por você, minha sorte — diz isso,
ainda sorrindo, e meu coração parece ter tomado uma dose absurda
de adrenalina, pois acelera bastante. Luna se ergue e estende uma
de suas mãos para mim. — Vamos, eu farei você dormir.
Com um sorriso levemente contido, aceito sua mão, e
seguimos para o quarto que sempre foi nosso e no qual ela merece
dormir também. É seu direito como minha esposa. Eu a admiro por
ter respeitado o meu espaço sem me cobrar nada. Luna é uma
mulher excepcional, e surpreendo-me mais a cada dia.
Depois de fazermos nossa higiene, deito-me na cama do lado
esquerdo, que sempre foi o meu favorito, e ela toma seu lugar do
lado direito. Observando, esse momento me parece tão certo, pois a
cama já não está tão fria e vazia.
Eu acho que preciso dela ao meu lado para me sentir em
paz. Não importa o que aconteça futuramente.
— Obrigada por ser tão incrível — sussurro por impulso.
Tem pouca luz entrando no quarto, mas é possível ver o
movimento de seu corpo quando ela se vira para mim. Luna abre
um sorriso e tateia o colchão até alcançar o meu rosto, para
acariciá-lo com cuidado, fazendo-me fechar os olhos e apreciar o
carinho.
— Não precisa agradecer, faço isso porque é meu dever
como esposa e porque quero sempre cuidar de você. Durma bem,
estarei aqui de manhã.
Tenho vontade de pedir que ela chegue mais perto, mas não
quero ultrapassar os limites do meu coração. Estou me entregando,
eu sei disso, mas quero continuar com calma. Tudo ainda é confuso
na minha cabeça. Mesmo sentindo cada vez mais o bem que ela me
faz e certa de que a minha felicidade é ao lado dela, ainda preciso
me acostumar para não estragar tudo, como estava fazendo antes
de a amnésia acontecer.
— Boa noite, Lu.
Ela se aproxima de mim e deposita um longo beijo na minha
testa. Eu suspiro de felicidade, sentindo meu coração acelerar outra
vez. Impossível não achar lindo esse gesto. Sinto-me muito bem
todas as vezes que Luna faz isso.
— Boa noite, princesa. — Então, afasta-se um pouco de mim,
mas, mesmo assim, tenho certeza de que, depois de dias
conturbados, essa será a noite que melhor dormirei.
Minha vida está voltando ao lugar certo.
Capítulo 17 - Familiar
Mesmo antes de acordar, eu já sentia que havia alguma coisa
errada, como um vazio. Não sabia explicar ao certo, mas pude ter
minha resposta no instante em que abri meus olhos. Viro-me
apenas para poder olhar para o lado e confirmar o óbvio: eu estava
sozinha na cama. Suspiro e estou prestes a voltar a dormir, mas me
surpreendo ao notar algo sobre a mesa de cabeceira.
Um sorriso surge instantaneamente no meu rosto. Eu não
deveria estar surpresa, afinal, mas fiquei.
— Luna Jacobs... será que você não para de me
surpreender?
Sem tirar o sorriso do rosto, sento-me na cama e acendo a
luz do abajur para poder vislumbrar melhor a bandeja. Há um café
da manhã caprichado, aparentemente preparado há pouco, pois saí
fumaça do café e o cheiro dos ovos com bacon é bastante evidente.
Meu estômago logo elogia a refeição, antes mesmo que eu a
experimente.
Começo a desfrutar o meu desjejum, como se fosse a
primeira vez que eu provava aquelas coisas ali. Engraçado como
tudo parece com um toque a mais quando feito com carinho. É óbvio
que Luna preparou a bandeja com amor. Se alguém me dissesse,
há semanas, que hoje eu estaria assim por causa de um simples
café da manhã preparado por ela, provavelmente sugeriria uma
terapia a quem quer que fosse.
Contrariando totalmente a Camille do passado, aqui estou,
completamente encantada com o tratamento que estou recebendo.
E pensando bem, faz sentido eu ter me apaixonado por ela antes.
Se sempre tiver me tratado dessa maneira, faz total sentido.
Estou quase terminando a refeição, quando algo sobre o
móvel da televisão, próximo à lareira embutida, chama minha
atenção. Dou o último gole no suco de laranja e coloco o copo sobre
a bandeja, empurrando-a para o lado. Coloco-me de pé e, ao chegar
mais perto, percebo que são alguns CDs.
O que há nesses CDs? Tenho medo de que sejam coisas
impróprias, mas acho que não. Luna deixou-os aqui em cima por
alguma razão, esperando que eu os encontrasse. Eles têm siglas na
capa, e um deles me deixa mais curiosa por estar
destacado: L+L+C = AMOR.
Sento-me na beirada da cama, depois de colocar o CD no
aparelho. A tela fica preta durante alguns segundos, mas logo a
imagem do pequeno Louis, sentado entre as minhas pernas, sobre a
cama, surge. O sorriso não pôde ser contido. Eu amo ver coisas de
quando meu filho era mais novo.
— Um bom dia cheio de amor com a minha família linda.
Hoje, meu pequeno e eu viemos acordar a mamãe Camille com café
na cama.
É a voz de Luna. Ela está gravando Louis e eu sobre a cama.
Meu pequeno parece muito entretido com alguma coisa na bandeja.
Eu a olho, abro um sorriso e aceno para a câmera.
— Será que a mamãe pode largar essa câmera, por alguns
minutos, e vir tomar café conosco? O que você acha filho?
Louis, com um pedaço de bacon na boca, bate palmas
agitadamente e acena com a cabeça. Luna e eu gargalhamos. Sinto
meu coração aquecido com a nossa imagem em um momento tão
bonito, mesmo que simples.
— O que meus amores querem, meus amores têm. — Ela
rapidamente se aproxima da cama, juntando-se a nós. A câmera
fica virada para baixo durante breves segundos, enquanto ouço o
som de estalos e risadas de Louis. — Você é muito ciumento,
garoto. Essa mulher é minha também, ok?
Ela volta a gravar onde estamos outra vez, e agora Louis a
encara, emburrado. Eu gargalho, divertindo-me com a clara cena de
ciúme do pequeno, com sua mãe me beijando ou tentando me
beijar.
— Diga à mamãe que agora eu sou toda sua, filho.
— Toda nossa — Luna rebate, fazendo o pequeno se jogar
contra mim e continuar a encará-la, emburrado. Isso a diverte muito,
pois se aproxima mais uma vez para me beijar. — E principalmente
minha.
— Pare com isso agora, antes que eu bata em você —
resmungo, depois de empurrá-la para trás, abraçando Louis, em
seguida, e passando a ignorá-la. O pequeno parece gostar de ver
sua mãe emburrada e bate palminhas.
— Ok, era para ser um momento em família, mas agora sou
eu por mim mesma.
Ela faz drama, e eu reviro os olhos, antes de me inclinar e
segurar seu rosto, curvando-me em sua direção, aparentemente
ignorando os resmungos que o pequeno solta, para poder beijá-la
rapidamente.
— Eu amo você, idiota.
— Sua esposa, amor da sua vida.
— Sim, minha esposa idiota que eu amo.
Luna vira a câmera para ela mesma logo em seguida, com
um enorme sorriso no rosto e um brilho intenso no olhar. É possível
reparar o quanto suas pupilas estão dilatadas, e por alguma razão,
isso faz com que eu me arrepie. Não sou capaz de explicar como
essa mulher mexe comigo sem ao menos se esforçar.
— Filho, quando você assistir a isso no futuro, saiba que nós
duas te amamos muito, mesmo você sendo ciumento e chato
comigo quando eu tento beijar a sua mãe.
Um som alto de estalo ressoa, e a câmera cai. Ouço
resmungos meus, e então, Luna, cabisbaixa, desculpa-se antes da
gravação acabar. Impossível não rir ao terminar de assistir àquilo.
Sempre parecemos muito felizes e em sintonia. É estranho não me
lembrar desses momentos, mas, ainda assim, sentir no fundo de
algum lugar, dentro do meu peito, como se tudo nunca tivesse
realmente se apagado.
Meu celular vibra na mesa de cabeceira, e afasto-me da
televisão para poder pegá-lo. É uma mensagem de Sofia,
perguntando-me como estou. Ela está em semana de provas e não
tem tido muito tempo para conversar. Estou ansiosa para vê-la logo,
matar a saudade da garotinha, que não é mais tão pequena. Solto
uma gargalhada ao ver uma foto engraçada que mandou e tiro outra
para enviar-lhe também.
— Meu Deus! — exclamo, assustada, ao ver que quase
enviei a foto errada. Parece antiga, tenho certeza de que sou eu
nela. Meu coração acelera e fecho a conversa com minha irmã. —
Quando eu me tornei tão provocadora? — questiono-me.
Abro minha conversa com Luna para vasculhar as mídias
antigas. Não me surpreendo ao ver tantas fotos sensuais, mas
também há muitas do meu filho e outras de documentos e de coisas
que parecem ser contas. Procuro pela foto em questão e a encontro.
Está com a data de meses antes de eu acordar sem minhas
memórias.

Imagino que coisas assim devam ser normais e não fico tão
assustada quanto no início de tudo, mas, ainda assim, é impossível
não sentir vergonha. Luna parece despertar o meu lado mais
safado, e isso, de certa forma, mexe com minha autoestima. Pelas
respostas dela, parece que sempre me colocava para cima, mesmo
que com pouco.
Um pequeno sorriso surge em meu rosto, mas, ao mesmo
tempo, minhas bochechas ficam vermelhas e quentes, tamanha a
minha timidez ao imaginar o que devemos ter feito na noite citada.
Largo o telefone para me levantar da cama. Chega de ficar
vendo essas coisas, preciso procurar o que fazer. Não vou passar o
dia todo deitada, procrastinando.
Entro no closet, para pegar uma roupa, e quando estou
procurando uma calcinha, noto que em uma das prateleiras tem
uma foto minha e de Luna. Não a tinha visto antes, mas agora sorrio
ao vê-la. Parecemos bem mais novas. Pego a foto emoldurada e
percebo que tem algo escrito com letras desenhadas. Obviamente,
não deve ter sido eu quem escreveu.

Nossa, há quantos anos estamos casadas. É ruim demais


não me lembrar disso, metade da minha memória está apagada.
Tenho uma sensação de vazio horrível dentro de mim, mas, ao
mesmo tempo, sinto como se nada tivesse saído daqui realmente. É
estranho não ter como ser exata na explicação, mas é como se a
minha mente tivesse algo parecido com arquivos, e alguns deles
com defeitos.
Tenho a sensação de ter vivido tudo isso, mas não lembro.
Estou parada em frente ao enorme espelho que temos no
banheiro, observando meu corpo, apenas de calcinha e sutiã,
enquanto seco meus cabelos. Ele mudou bastante durante esses
anos, eu criei mais massa muscular, meus seios cresceram e a
barriga curvada de antigamente deu lugar a uma reta, com
pequenos gomos de músculos. Tenho certeza de que esse corpo
definido é graças à dança.
— Amém, dança.
— Amém mesmo.
Meus olhos quase saltam das órbitas ao ouvir uma segunda
voz no banheiro. Olho para trás, assustada, e me deparo com a
Luna sorrindo, recostada no batente da porta, olhando diretamente
em meus olhos.
— Você, um dia, me matará do coração, sabia?
— Jamais faria isso, pequena. — Ela ajeita sua postura e
caminha em minha direção. Os seus olhos não desgrudam dos
meus em momento algum, e estou muito presa em seu olhar para
ter qualquer outro tipo de reação que não seja encará-la. —
Consegui voltar mais cedo para lhe fazer companhia. O projeto que
estou fazendo está quase terminado, finalmente.
— Você não vai me falar sobre? — Minha voz quase não sai.
Ela está muito perto de mim e sua mão direita acaricia meu rosto,
descendo até o pescoço. Parece tão natural, não tenho vontade de
me afastar, mesmo estando nervosa.
— Saberá em breve.
— Já é a terceira vez que me fala isso. É tão secreto assim
que você não pode contar à sua esposa?
Luna parece surpresa com a forma como me refiro a mim
mesma, mas tenta demonstrar tranquilidade quanto a isso. Ela tem
uma pose de poder absurda, mas qualquer coisa que eu faça, por
menor que seja, desmonta-a por completo.
— Minha esposa saberá em breve. — Sua voz sai rouca, em
um tom baixo e arrepiante, e eu estremeço.
Luna se aproxima um pouco mais e deposita um beijo em
minha testa. Suspiro, sentindo muita vontade de beijá-la outra vez,
mas me contenho, pois ainda não me sinto à vontade para fazer tal
coisa. O que aconteceu, dias atrás, foi um impulso, causado por um
misto de emoções conflitantes entre o passado e o presente, e hoje
não tenho desculpa alguma para beijar essa mulher outra vez,
mesmo desejando muito sentir esses lábios nos meus de novo.
Solto um pigarro, ao me recompor, e saio do banheiro, quase
soltando uma exclamação de surpresa ao vê-la tirar suas roupas,
antes de entrar no closet. Desde que voltamos a dormir na mesma
cama, ela tem se demonstrado mais confortável aqui dentro.
Olho para cima da cama e fico em choque, ao me dar conta
de que estava seminua esse tempo todo. Luna fica tão natural perto
da minha nudez ou quase nudez, que eu nem percebo as coisas.
Bom, estamos casadas há anos, certo? Ela deve estar mais do que
acostumada a me ver sem roupa.
— O que vamos fazer?
— Depende... Você quer ficar em casa mesmo ou prefere
fazer alguma coisa na rua?
Ela sai do closet e caminha em direção ao banheiro,
enquanto prende seus cabelos, esbanjando sensualidade ao
caminhar somente de calcinha, como se fosse a coisa mais normal
do mundo ficar com os seios de fora. Não que seja algo
simplesmente absurdo, mas fico nervosa diante dela. Minhas
bochechas estão quentes, e tenho certeza de que ficaram
vermelhas.
— Podíamos assistir a alguns vídeos. A doutora Robertson
me mandou uma mensagem mais cedo, pedindo para eu estimular
minha memória. Vi que você deixou alguns CDs ali em cima.
— Sim. Assistiu?
Ela surge na porta do banheiro, e não olho em sua direção,
pois imagino que já deva estar completamente nua.
— Só um, e depois fui tomar banho.
— Tudo bem, podemos assistir aos outros quando eu
terminar aqui. Já volto.
— Ok — respondo baixinho, olhando de soslaio em sua
direção, bem a tempo de ter um vislumbre de seu corpo nu.
Engulo a saliva, que desce parecendo rasgar a minha
garganta. Eu não sei o que há nela, mas existe algo que me deixa
presa a ela de tal forma… é inevitável.
O resto do meu dia foi assim, assistindo aos nossos vídeos.
Luna fazia questão de comentar sobre todos os momentos,
deixando-me familiarizada. Vimos muitas coisas nossas com o
pequeno Louis, também com nossas famílias e amigos. Foi bom ter
vivenciado isso, mesmo que em forma de gravações. Vanessa ligou,
perguntando se o Noah poderia buscar o Louis no colégio, junto ao
Toni, e nós autorizamos, embora eu já estivesse cheia de saudade.
Curioso o fato de que, dias atrás, eu mal conseguia respirar o
mesmo ar que ela, quem dirá me comunicar e passar um dia inteiro
ao seu lado. Hoje, tudo que eu mais quero, mais e mais, é poder
aproveitar o máximo de sua companhia. Luna passa-me segurança
e conforto, é extremamente inteligente e madura, além de saber ser
divertida. Ela parece uma criança birrenta quando perde algo, e
simplesmente manhosa quando precisa de alguma coisa. É
engraçado repará-la tanto. Eu não a odiava? Acho que nunca a
odiei realmente, ou talvez seja só esse efeito que ela tem sobre
mim.
— Noah está trazendo o carinha. Perguntou se tem problema
Vanessa, ele e o Toni ficarem um pouco aqui, pois estão com
saudade da gente — Luna diz ao retornar da cozinha à sala, onde
tínhamos acabado de assistir a mais um filme de comédia, porque
de terror temos pavor.
— Ele não tem que pedir permissão para isso, é óbvio que
podem. Também estou com saudade. Vanessa se ocupa tanto que
mal conseguimos trocar mensagens.
— Vanessa se dedica muito à empresa. Vocês devem ter
conversado. Ela construiu tudo do zero, sem precisar da ajuda de
ninguém, nem mesmo do meu irmão. Noah tentou ajudá-la, mas
minha cunhada é independente demais.
— Sempre gostou muito de ter mérito próprio. As poucas
vezes que a vi aceitar auxílio de alguém para alguma coisa foi
realmente necessário.
— Eu a admiro bastante. Lembra você nesse quesito. O seu
estúdio de dança é somente mérito seu, visto que ninguém, além de
você mesma, fez esforço para abri-lo.
Um sentimento de orgulho cresce dentro de mim ao ouvir tais
palavras. Luna já havia comentado sobre isso, mas é tão bom
escutar novamente. Não existe nada que se compare à sensação de
você ter conquistado algo com o seu esforço, é a melhor coisa do
mundo. Mesmo não me lembrando de tudo por que passei, fico
orgulhosa pela minha caminhada. Sei que minhas ambições eram
diferentes quando mais nova, mas se estou aqui, hoje, é porque
tinha que ser assim.
O clima da casa passou de calmo para extremamente agitado
quando Toni e Louis chegaram, acompanhados de Vanessa e Noah.
Cumprimentamo-nos, e eu abracei meu filho rapidamente, bem
menos do que eu gostaria, porque ele estava muito animado para
continuar brincando com o primo.
— Quer dizer que as madames ficaram sozinhas o dia todo?
A curiosa Vanessa questiona, sentada ao meu lado no
sofá, enquanto eu encho uma taça de vinho tinto para mim e um
copo de suco recém-preparado por Luna para ela. Dou um gole em
minha bebida e a encaro, sem entender, ou não querendo entender
aquele tom sugestivo.
— Sim, assistimos aos nossos filmes e vídeos.
— Oh, assistiram aos vídeos de vocês? — Ela cruza as
pernas, fazendo o sobretudo bege e felpudo, que está cobrindo seu
corpo, subir um pouco, revelando suas pernas lisas. Ergo minha
sobrancelha, desafiando-a continuar sua fala. — Imagino o
conteúdo dos vídeos.
— Você só pensa besteiras?
— Quando se trata de vocês duas? Sim. Eu passei anos da
minha vida sendo obrigada a ouvir sobre a relação sexual
fenomenal de vocês. Inclusive, você tem a obrigação de me permitir
assistir a alguns sex tapes, pois a curiosidade mata e corrói, sabia?
Estou chocada, com as bochechas vermelhas e
extremamente envergonhada.
— Você se afogará nessa curiosidade, mas nunca saberá
como era o sexo entre nós duas.
— Eu posso persuadir a sua esposa para me mostrar alguns,
sabe disso?
— Luna jamais mostraria a você.
— Veremos.
— Trouxe alguns petiscos — Luna surge de repente,
impedindo-me de responder à minha melhor amiga, trazendo
consigo uma travessa repleta de salame e cubinhos de queijo e de
presunto. — Você precisa comer algo, enquanto está bebendo, para
não passar mal.
— Eu sei, obrigada — eu lhe agradeço a preocupação com o
meu bem-estar, e ela sorri, acariciando meu rosto, antes de voltar a
nos deixar sozinhas. Não posso evitar encará-la, enquanto sai da
sala em direção à cozinha, pois seu quadril se move de uma forma
hipnotizante, e não tenho certeza se suspirei ou acabei pensando
alto.
— Vocês acabaram de flertar sexualmente?
— O quê?
— Meu Deus! Vocês duas transaram, tiraram as teias de
aranha. Eu não acredito que...
Interrompo suas palavras animadas, cobrindo sua boca
rapidamente, depois de deixar minha taça de vinho sobre a mesinha
de centro. Ela ri de forma abafada, e eu reviro meus olhos, tirando
as mãos de sua boca.
— Pare de ser pervertida. Não flertamos, muito menos
transamos.
— Ainda...
— Vanessa!
— O quê? Estou sendo sincera, não vou me surpreender se
acontecer em breve. Vocês sempre tiveram muita tensão sexual e
muito fogo nesses rabos. Além do mais... — ela pausa para
bebericar seu suco — com uma esposa dessa, eu faria de tudo para
não sair da cama com ela.
— Você não tem vergonha de falar isso sobre a sua
cunhada? É casada com o irmão dela, pervertida.
— Exato. Justamente por isso, eu afirmo que não perderia a
chance de gozar horrores. Da mesma forma que faço com o irmão.
Ou você acha que o Toni e essa criança que está na minha barriga
foram feitos por meio de contato mental? Muito sexo é o charme
Jacobs.
— Eu não estou ouvindo isso.
— Diz isso agora, mas quando voltar a aproveitar o corpo
daquela mulher extremamente gostosa, sua opinião vai mudar.
— Você está falando da minha esposa, sabia? — Não
consigo evitar que as palavras saiam da minha boca, e logo que
paro de falar, Vanessa me encara com sua expressão divertida, que
tanto tem me irritado. — Eu não...
— Shhh, tudo bem, Lil. Eu também marcaria território se
fosse casada com a Luna.
— Mulheres lindas que eu tanto amo, será que poderiam
acabar com o momento fofoca e vir à cozinha nos fazer
companhia?
Noah surge na sala, impedindo-me de responder àquela
idiota, e ela, sonsa do jeito que é, levanta-se do sofá como se não
estivesse infernizando a minha vida, fica em frente ao próprio
marido e o beija de forma... extremamente obscena.
Faço uma careta, desvio o olhar, pego minha taça de vinho e
olho em volta da sala, apenas para verificar se nenhuma das
crianças está presenciando esse momento constrangedor.
— Viu, Camille? É assim que fazemos quando encontramos
um Jacobs.
— Uau... — Noah sussurra, boquiaberto, obviamente mexido
com o beijo que a esposa lhe deu. Vanessa mexe em seus cabelos,
de forma convencida, e se vira para sair dali. Eu fico encarando o
vão do corredor que leva à cozinha, por onde ela acabou de passar,
sem acreditar muito em tudo isso que aconteceu na minha frente.
— Como você a aguenta?
— Eu a amo. — Abre um sorriso extremamente apaixonado,
e seus olhos brilham. Apesar de Vanessa me irritar quase sempre,
fico feliz em saber que encontrou o amor ideal.
— Noah Jacobs!
O chamado, ou melhor, o grito vindo da cozinha não desperta
somente ele, mas eu também. Encaro Noah, e acabamos rindo. Nós
amamos essa doida.
Ele me estende o braço, entrelaço o meu ao dele e
caminhamos juntos para a cozinha, enquanto conversamos sobre
coisas triviais.
O dia foi mesmo bom e não poderia terminar de outra forma.
— Posso dormir com você essa noite de novo? — Luna me
pergunta ao sair do banheiro.
Todos foram embora, e o esgotado Louis mal saiu do
banho e dormiu. Vanessa, Noah e Harry ficaram até tarde conosco,
o que fez eu me sentir muito renovada. Mas agora, aqui estou eu e
meu novo dilema favorito: a mulher com quem me casei.
— Não precisa mais me fazer essa pergunta. Esse quarto
também é seu, e eu entendo isso. Além do mais, gosto dos carinhos
que você me faz até dormir.
Luna solta uma risadinha, cruza o quarto para apagar as
luzes, deixando apenas nossos abajures acesos, e, em seguida,
vem para a cama.
— Alegra-me saber que você está conseguindo conviver
melhor comigo. E apesar do quarto realmente também ser meu, é o
seu bem-estar que eu prezo, ok? Se não estiver tudo bem, sabe que
pode me dizer.
— Eu sei disso — é tudo que eu digo, virando-me de lado, de
frente para ela, a fim de ter uma visão melhor de seu rosto.
Luna demora um pouco a notar que a encaro, e sorri após
desligar seu abajur.
— O que foi?
— Nada, é só que... esse seu jeito me encanta.
Ela fica me encarando durante alguns segundos, e então, um
tempo depois, se aproxima sorrateiramente. Meu coração dispara
com a proximidade, mas, ao mesmo tempo, me sinto tranquila, pois
sei que Luna jamais ultrapassará os limites.
— Só meu jeito te encanta? — a pergunta é feita com um tom
de voz baixo, rouco e extremamente sedutor. Quase surto quando
ela acaricia meu rosto até o pescoço, ameaçando segurá-lo, mas
retorna ao rosto.
— Eu sei o que você está fazendo...
— Sabe? E o que eu estou fazendo?
— Luna...
— Boa noite, princesa — ela sussurra e se aproxima.
Meus olhos descem até sua boca, mas a dela está em
direção à minha testa, fazendo-me fechar os olhos assim que sinto o
contato. Luna sorri ao se afastar, porém seguro a sua nuca e selo
nossos lábios, pegando-a totalmente de surpresa.
— Boa noite, Luna.
Eu apago as luzes e me aconchego em seus braços. Ela
demora um pouco para reagir, mas logo sinto sua mão em meu
cabelo. Suspiro, feliz por receber seu carinho e porque, além do
beijo que demos, a sensação de paz que ela me traz é imensa.
Não sei em que momento eu dormi, mas uma coisa é certa:
nunca dormi tão bem como quando durmo com ela.

— Camille, fazer terapia não é fácil, e existem diversas


maneiras de confirmar isso. O preço que se paga para tentar ter
uma boa saúde mental é alto, não somente em relação ao valor
gasto, mas também ao quanto precisamos nos abrir para um
desconhecido. Não é se sentar ao lado de uma pessoa e
simplesmente despejar tudo. Poucos conseguem isso. Confesso
que eu mesma tenho minhas dificuldades durante as sessões.
Ouvir Annie confidenciar que também tem seus problemas
em se abrir faz com que me sinta mais tranquila. Realmente, nunca
pensei que fazer terapia fosse tão difícil, principalmente agora,
depois de tudo o que aconteceu.
Olho para a doutora Robertson, e ela me abre um belo
sorriso, transmitindo uma paz sincera.
— Às vezes, sinto uma angústia profunda, como se houvesse
algo muito errado, e eu não consigo descobrir o quê.
— Você acha que pode estar relacionado à sua amnésia?
— Acho que tudo começa a partir dela. Todos os meus
medos e traumas, qualquer coisa, tudo tem a ver com essa maldita
amnésia.
— Como está o seu casamento? Você me contou que estão
se dando bem e até mesmo se beijaram.
Meu rosto esquenta de vergonha, e desvio meu olhar,
incapaz de encará-la, ao pensar em Luna. Lembrar-me de seu rosto,
seu toque, seu cuidado, tudo me faz sentir em paz. É incrível como
ela tem mesmo algum tipo de poder sobre mim, mas isso está cada
vez menos assustador. Para ser sincera, gosto de saber as coisas
que ela me causa.
— Luna é maravilhosa e me deixa tão confortável. Estamos
indo devagar, e não sei o que vai acontecer amanhã ou depois, mas
estou muito feliz.
— Vejo essa felicidade refletindo em você cada vez mais, em
todas as nossas consultas. Está outra pessoa, Camille.
— Você acha que ela nota?
— Bom, a julgar pela forma que você relata que Luna a trata,
tenho certeza de que sim. Não a conheço de outra forma que não
seja pela sua visão, mas é notável o quanto ama cuidar de você.
— Ela cuida tão bem do Louis, sabe? Fico encantada de ver
quão boa mãe ela consegue ser. É engraçado, porque as
lembranças que tenho dela sempre me fizeram imaginar que seria
totalmente o contrário.
— E como esposa?
Puxo bastante o meu fôlego, suspirando de forma audível.
Lembranças dela cuidando tão bem de mim e sendo paciente,
momentos nossos que estão cada vez mais familiares, a forma que
ela me olha... tudo é simplesmente...
— Perfeito. Ela é perfeita como esposa.
O restante da consulta é tranquilo, deixando-me mais
confiante e menos apavorada. Dra. Robertson sabe como lidar
comigo e me confortar. Como ela diz, fazer terapia não é fácil, se
abrir com alguém é muito difícil, principalmente com um
desconhecido, mas, às vezes, conseguimos contar coisas a um
estranho que jamais diríamos a um conhecido. O medo do
julgamento de alguém que você conhece é maior do que de alguém
que não conhece.
Estou prestes a pegar meu telefone e chamar um motorista
pelo aplicativo, quando a pessoa sobre quem falei, durante a
consulta, resolve me ligar, e um pequeno sorriso surge em meu
rosto. Interessante como ela parece sentir as coisas.
— Alô?
— Camies? Já terminou a consulta?
— Sim, eu acabei de sair. Chamarei um Uber.
— Posso te levar para almoçar? Estou no meu horário agora.
Pensei em irmos a algum lugar, comer, e depois te deixo em casa.
Hoje sairei tarde do trabalho.
— Ah... sim, claro. Vou te esperar aqui em frente.
— Tudo bem, chegarei em alguns minutos. Beijos.
— Beijos.
Ao desligar o telefone, percebo que tem algo dentro de mim
incomodado com o fato de que Luna chegará tarde outra vez. Esta
semana tem sido assim. Nem ao menos conseguiu ir ao meu
estúdio para dançarmos outra vez, e os meus alunos pedem
bastante a presença dela. Por ser muito carismática, ela conquistou
a todos. A justificativa são dois ensaios enormes que ela está
produzindo e um projeto que falta pouco para ser finalizado. Ela não
me contou sobre esse projeto, mas parece ser algo grande.
De qualquer forma, meu filho tem sentido muita falta, vive
resmungando que a mãe chega tarde, quando ele já está dormindo.
Isso me incomoda, não gosto de vê-lo triste. Confesso também
sentir falta da presença dela em casa.
Luna chega rápido, avisto seu carro virar a esquina e levanto-
me, caminhando até a calçada para esperá-la. Não tenho tempo de
abrir a porta quando estaciona, pois ela mesma se estica no banco
e a abre para mim.
— Demorei?
— Na verdade, não. Foi rápida. Veio correndo?
Luna segura minha mão esquerda e a leva até sua boca,
depositando um delicado beijo nas costas dela. Sorrio para o ato,
fazendo o mesmo com a mão dela.
— Não corri, princesa, fique tranquila. Estava aqui por perto,
fui buscar algumas lentes novas. — Aponta para o banco de trás,
com algumas caixas empilhadas e perfeitamente presas com o cinto
de segurança.
— Ah sim...
— Está com vontade de algo especial?
— Camarão seria perfeito, faz dias que tenho desejado.
— Por que não disse? Eu teria comprado e feito para você.
— Você anda muito ocupada, Luna. Não a atrapalharia com
coisas superficiais.
— Gosto de agradar, você sabe disso. Realmente, tenho
estado ocupada, mas, em alguns dias, ficarei mais livre para
aproveitarmos, você, eu e o carinha.
— Hoje chegará muito tarde?
— Infelizmente, sim.
Suspiro e desvio meu olhar. Estou chateada, mas não sei
exatamente o motivo. Eu acho que me acostumei com a presença
constante dela, e agora parece que me falta algo.
— Como foi a consulta?
— Começou tensa, mas depois fomos conversando e acabei
me sentindo melhor.
— Isso é bom, princesa. Fico feliz de ver você evoluindo.
— Também estou feliz.
Ela concorda com a cabeça, sem desviar a atenção da
estrada. Ficamos em silêncio, e não é constrangedor, na verdade é
relaxante. Aproveito esse tempo para repará-la: está usando uma
jaqueta marrom, que parece aquecer bem, calça jeans apertada,
como de costume, e uma touca preta. Além disso, o seu nariz está
vermelho na ponta, provavelmente por causa do tempo frio.
— Você tem algum compromisso para o final de semana?
— Não que eu lembre.
Quase faço uma piada tosca sobre estar acostumada a não
me lembrar de nada, mas não tenho certeza de que achará graça
desse acontecimento trágico, então me calo.
— Vamos para Miami, tudo bem pra você? Meus pais querem
te ver.
— Tudo bem, eu acho.
— Fica tranquila, eles te adoram — Luna parece notar meu
nervosismo e brinca, tentando me deixar mais tranquila, porém
estou apavorada com o simples pensamento de estar com os
Jacobs. Nem me lembro de ter tido mais contato com eles quando
mais nova, os vi apenas algumas vezes no colégio.
Espero que dê tudo certo.
Capítulo 18 – Um pedaço do seu coração
Tenho evitado Luna há dias, correndo de todas as formas
possíveis, escondendo-me dentro de casa ou saindo, antes que ela
chegue, e indo à casa de alguma das minhas amigas. Eu sei que é
infantilidade e pode até ser bobeira, mas não consigo encará-la,
tudo ainda é muito confuso para mim. Desde o dia em que ela se
declarou apaixonada por mim, algo aqui dentro balançou e agora
está fora do lugar.
Como ela poderia? Nunca nos suportamos, e ela vivia sendo
uma idiota completa comigo diversas vezes, ultrapassando limites.
E, ainda assim, diz ser apaixonada por mim desde a primeira vez
que nos vimos. Inacreditável.
— Camille Cruz!
— Porra, Belinda! Quer me matar de susto?
Afasto-me rapidamente da janela depois que minha irmã me
assusta, e pela primeira vez, não poderia agradecer-lhe por ser
inconveniente. Graças a ela, agora posso finalmente parar de
encarar aquela idiota.
— Que drama, irmãzinha. O que estava olhando?
— Nada — respondo de imediato e me posiciono em frente à
janela, tentando impedi-la de matar sua curiosidade. — O que você
quer?
Belinda me olha, desconfiada, mas não se aproxima da
janela, caminhando em direção à minha cama. Suspiro, passando
as mãos em meu short. Nem tinha notado que elas estavam suadas.
Eu nem sei que nervosismo é esse que a Jacobs me causa, mas ela
me confunde bastante.
— Quando você parar de pensar na Luna, me avisa, ok?
— O quê?
— É isso mesmo. Camille, você acha que consegue me
enganar? Logo eu, sua gêmea? Esqueceu que dividimos a mesma
placenta? Eu conheço você.
— Deixe de ser maluca — resmungo e me sento ao lado
dela, que me olha, desconfiada. Antes que eu possa perguntar o
que ela quer, a maluca se levanta da cama e corre até a janela. —
Imbecil e fofoqueira.
— Eu sabia! Sabia que estava encarando a Luna. Por que
vocês ainda não se pegaram?
— Você só pode ter ficado louca de vez. Acha mesmo que eu
quero alguma coisa com a Jacobs?
— Ela é gostosa — diz com naturalidade, olhando pela
janela, e eu a encaro, desacreditada.
— Belinda?!
— O quê? Eu só disse a verdade. Não sou cega, muito
menos sonsa, como você.
— Quer saber? Fala logo o que você quer e some do meu
quarto.
— Ah, sim. Papai pediu para você levar água para a Luna.
— Leva você. Eu tenho mais o que fazer.
— Tipo ficar encarando a garota pela janela, como uma
maníaca? Leve a água pelo menos, para hidratá-la. Tenho certeza
de que ela ficou com sede, de tanto ser secada por você.
— Vai se foder.
— Vou mesmo! Por isso, não vou poder dar água a ela.
Faço uma careta de nojo, deitando-me em minha cama.
— Nossos pais saíram com a Sofi, e eu vou me encontrar
com o Rodrigo. Tenha juízo! Camille?
— O que foi, inferno?
— Depois me conta se o beijo da Luna é bom.
Meus olhos quase saltam das órbitas. Sento-me na cama,
prestes a arremessar uma das minhas almofadas nela, mas antes
que eu possa acertá-la, a imbecil sai correndo do quarto e bate a
porta, deixando-me incrédula e sozinha.
— Eu nunca vou beijar Luna Jacobs — prometo a mim
mesma, iludindo-me, pois mal sabia eu que cairia por aquela idiota e
a beijaria dias depois.
É pagando com a língua que se fala?

— Mãe! Não!
Gritos e gargalhadas me despertam na manhã. Solto um
resmungo, piscando algumas vezes, para focalizar minha visão.
Com grunhidos e mais resmungos, levanto-me da cama para
descobrir o motivo dessa zona, e logo tenho minha resposta, ao
entrar no quarto do meu filho e ver a seguinte cena: Luna de pé,
com ele preso entre suas pernas.
— O que vocês estão fazendo?
Recosto-me no batente da porta, bocejando brevemente,
antes de focar minha atenção nas duas crianças que moram
comigo. Eles rapidamente viram em minha direção ao ouvirem
minha voz, e quase solto uma gargalhada ao ver Louis com os
cabelos totalmente bagunçados e com o rosto vermelho.
— Mommy, me salva!
— Ela não vai te salvar, carinha.
Ele me olha com o olhar suplicante, e Luna bagunça ainda
mais seus cabelos e se abaixa, enchendo-o de cócegas. Louis se
debate inutilmente, tentando se soltar do aperto da mãe.
— Por favor, mommy, me salva!
Aproximo-me dos dois, rindo dos pedidos de socorro de
Louis, e Luna, não o perdoando, continua com cócegas.
— Chega, Lu, deixa ele.
Coloco minhas mãos na sua cintura e dou um leve aperto,
fazendo-a instantaneamente soltar o pequeno. Louis cai para a
frente, no chão, e rola para longe dela. Eu rio dele quando se ergue,
pois seus cabelos estão como um ninho de pássaros.
— Sorte sua que ela te salvou.
— Pare de implicar com ele.
As minhas mãos ainda estão na sua cintura de Luna, que se
vira para mim e sorri, erguendo as suas, em forma de rendição.
— Eu já arrumei as nossas malas. Olhe para ver se quer
levar algo diferente. O carinha também arrumou as coisas dele.
Tomamos café e saímos logo em seguida, ok?
— Tudo bem. Cariño, voy a darme una ducha.
— Sí, señora, mommy. — Seu espanhol carregado de
sotaque me faz rir, mas tem evoluído bastante com minha ajuda. Eu
sugeri a Luna que o colocássemos em um curso, mas ela disse que
seria bom que aprendesse comigo, pois aumentaria nossa ligação.
Estou gostando muito de dividir isso com meu filho. Desde pequena,
meus pais nunca deixaram minhas irmãs e eu nos esquecermos de
nossas raízes. Mesmo que tenhamos crescido longe de nosso país,
sempre seremos mexicanas e temos orgulho disso. Nada apaga
nossa história.
Terminamos de arrumar tudo e descemos para tomar café.
Aproveito para avisar a Belinda que estou prestes a sair. Ela parece
animada com essa viagem, e não faço ideia do motivo, ou talvez
faça. Minha irmã gêmea certamente é uma das que mais apoia Luna
e eu, e parece genuinamente feliz ao nos ver cada vez mais juntas.
Enfim, saímos de casa, rumo ao aeroporto, depois de
Luna pedir um carro pelo aplicativo, pois não viajaríamos em um dos
nossos, por motivos óbvios.
Louis é o mais animado entre nós, parece realmente amar os
Jacobs.
— Carinha, se lembrou de trazer seu switch?
— Sim, mamãe, eu nunca esqueço.
Não faço ideia do que estão conversando, mas nem presto
muita atenção, porque agora estamos dentro do avião, e eu sempre
tive pavor de voar. Louis está sentado na última poltrona, Luna, ao
seu lado, e eu, na poltrona do corredor. Minhas mãos estão suando,
só quero conseguir dormir e acordar quando estivermos em Miami.
— Quer tomar um remédio pra dormir? — Luna me
questiona, parecendo ler meus pensamentos. É claro que ela sabe
do meu pavor de aviões, conhece-me de forma absurda.
— Eu aceito, nunca fui fã de aviões.
— Eu sei. Louis também tem medo, mas o videogame portátil
o distrai sempre. — Ela aponta com a cabeça para o lado, enquanto
busca o remédio para mim dentro de sua bagagem de mão. Inclino-
me para a frente e vejo o pequeno com headphones, vidrado na tela
de um aparelho eletrônico. — Por um segundo, pensei ter
esquecido, mas aqui está. Ele te faz dormir rápido.
— Não vai se importar se eu dormir e te deixar sozinha?
— Sempre que viajamos de avião é assim, estou
acostumada. Inclusive, sinto-me melhor se você dormir, porque
assim sei que estará bem. — Ela faz sinal para uma aeromoça e
pede um copo de água. — Além do mais, tenho algumas coisas do
trabalho para resolver.
— Tem certeza?
— Aqui está a água, senhora.
— Obrigada — agradeço, pego o copo e tomo o comprimido,
antes de virar todo o líquido em minha boca. Satisfeita, entrego o
copo vazio à moça e encosto em minha poltrona.
— Absoluta, pode dormir tranquila. Logo, estaremos em
Miami.
Luna sorri para mim, e eu concordo com a cabeça, fechando
os meus olhos para esperar o sono vir. Não sei em quanto tempo
exatamente eu adormeci, mas tenho certeza de que não demorou
muito. Quando torno a abrir os olhos, acabamos de pousar.
— Parece que eu acabei de dormir — murmuro, sentindo-me
sonolenta ao me levantar da poltrona. Luna acorda Louis que, em
algum momento, dormiu sobre o colo dela. Nós três terminamos de
arrumar tudo, antes de desembarcarmos para buscar nossa
bagagem. Levamos pouca coisa, porque será apenas um final de
semana. Só espero que seja um final de semana tranquilo.
— A previsão garantiu um tempo firme, mas você conhece
bem Miami, sabe como é.
— O tempo é louco aqui... e abafado.
— Quer me dar o casaco?
— Eu o levo, obrigada. — Retiro a peça quente e o seguro
em meu braço. Louis vai à frente, agitado demais para andar ao
nosso lado. — Seus pais sabem sobre a minha amnésia?
— Sim. Justamente por isso, pediram que eu a trouxesse
aqui. Era para termos vindo antes, mas é difícil conseguir um
espaço na agenda dos dois.
— Ainda trabalham?
— Os Jacobs nunca descansam. Isso fica para depois da
morte.
— Vovô!
O grito de Louis chama a minha atenção, e não demoro a
encontrar o motivo de sua animação. Mark Jacobs está vestido
informalmente, com uma bermuda de tecido fino na cor azul e uma
camisa de botões branca. Simples, mas, como sempre, elegante.
Lembro-me de tê-lo visto poucas vezes. Usava ternos de grife, e
seus cabelos, antes escuros, estão grisalhos hoje. Luna se parece
muito com ele, sempre achei os dois semelhantes.
— Meu garotinho, que saudade!
Ele se agacha no chão, sem se importar com nada além de
poder abraçar o neto. É perceptível que eles se adoram, e isso me
agrada. Mark conversa brevemente com o pequeno e logo se
levanta, para nos dar as boas-vindas.
— Olá, papai, a sua benção — Luna diz de maneira formal,
mas com todo o afeto que eu sei que tem. Mark sorri e a puxa para
um forte abraço.
— Deus te abençoe, filha. Senti sua falta. — Os dois se
afastam, e então, a atenção dele é para mim. Sorrio, meio sem jeito,
estendendo minha mão para cumprimentá-lo. — Camille Jacobs, é
um prazer rever você.
O nome me causa uma estranheza momentânea, mas
continuo com meu pequeno sorriso. Ele nos ajuda a carregar as
nossas coisas, e seguimos em direção à luxuosa SUV prata dele.
Louis está radiante e monopoliza toda a atenção do avô, enquanto
Luna e eu ficamos lado a lado. Sinto-me melhor assim, com a
presença dela.
— Você está bem? — questiono à Luna quando já estamos
dentro do carro, indo em direção à casa dos Jacobs. Louis está na
frente com o avô, e não param de falar nem um segundo sequer.
Isso me dá a chance de conversar com Luna em particular.
— Sim, sim. Você está?
— Um pouco nervosa, confesso.
Ela sorri de lado e segura minha mão, puxando-a para seu
colo, o que me faz me sentir melhor.
— Fique tranquila, meus pais adoram você. Falo
sinceramente.
Quando, enfim, chegamos à casa dos Jacobs, minha primeira
impressão é de choque, e a segunda é de curiosidade. Como
conseguem viver, apenas os dois, em uma casa tão grande?
Descemos do carro, e logo um rapaz alto e loiro se aproxima
para nos cumprimentar e pegar nossas coisas. Luna se coloca ao
meu lado, e juntas caminhamos em direção à porta, que logo é
aberta, e por ela, a elegante e radiante Ana Jacobs aparece.
Diferente de Mark, eu vi a senhora Jacobs muito mais vezes em
minha antiga escola, pois ela costumava ser mais presente.
— Meu amor!
— Vovó!
Louis corre em direção à avó, que se abaixa para abraçá-lo
com força. Esse carinho dos pais de Luna com meu filho me deixa
muito feliz. Eu o amo tanto, que vê-lo receber carinho de pessoas
que também o amam me aquece o coração.
— Benção, mãe.
— Deus te abençoe, minha filha. — Ana sorri largamente
para Luna e abre os braços, recebendo-a em um aconchegante
abraço. Quando se afastam, a matriarca Jacobs olha em minha
direção, abrindo o mesmo sorriso fraternal. — Camille Jacobs, que
prazer revê-la!
Aparentemente, o meu sobrenome adicional realmente é
muito bom de ser pronunciado. Mas conhecendo um pouco mais
sobre os pais de Luna, sei bem que o Jacobs é motivo de muito
orgulho entre todos. E a julgar pela quantidade de coisas minhas
que levam esse nome, acredito que eu também tenha sido envolvida
por esse sentimento com o passar dos anos.
— Mommy, vamos ver o Duke, vamos! — Louis pede
desesperadamente, logo que adentramos a casa.
Mal tenho tempo de olhar em volta, porque meu filho sai me
puxando para longe de todos. Ouço Luna pedir a ele que tome
cuidado, enquanto o acompanho, sem saber quem exatamente é
esse Duke. Por fim, descubro que Duke é um enorme e brincalhão
cachorro peludo. Louis gosta muito do animal, pois corre pelo
gramado com um enorme sorriso, sendo seguido pelo carinhoso
cão. Eu observo a cena, extremamente encantada com o meu
pequeno.
— Ele é apaixonado por bichos. — Mark surge, de repente,
ao meu lado, trazendo consigo um copo que deve ser de uísque,
enquanto olha, visivelmente apaixonado, para seu neto. Ele
realmente ama o carinha.
— Estou vendo que sim. Filho, cuidado para não se
machucar.
— Eles sempre brincam assim, fique tranquila. Duke é muito
dócil e ama o rapazinho ali — Mark me tranquiliza ao perceber
minha preocupação, e sinto-me aliviada, pois não quero que meu
filho acabe se machucando. — Como estão as coisas entre vocês?
— Quem?
— Minha filha e você. A Luna me contou o que aconteceu. Eu
lamento estarmos tão longe e não termos feito uma visita antes. Os
dias estão muito corridos.
— Sem problemas, senhor...
— Você é da família, Camille. Não precisa dessa formalidade,
sempre nos tratamos informalmente. Pode me chamar de Mark, à
vontade.
— Desculpe, Mark. É muito estranho tudo isso, estou me
adaptando aos poucos. A Luna e eu estamos nos dando bem, para
ser sincera. No início, foi complicado, mas agora acredito que
estamos no caminho certo.
— Isso é ótimo. Minha filha te ama muito, sabe disso?
— Sei...
Meu estômago embrulha levemente, e não sei dizer se é
nervosismo, por causa do olhar dele sobre mim, ou por ter noção do
amor que Luna sente por mim. É confuso, na verdade, são tantas
coisas acontecendo ao mesmo tempo. Por vezes, sinto como se
estivesse familiarizada com a minha rotina, e então, do nada, tudo
fica estranho outra vez.
— Luna pediu que eu não a pressionasse, e espero não estar
fazendo isso. Eu me preocupo com ela, sabe? Minha filha acha que
o fato de ser ocupado, desde sempre, influenciou o meu sentimento
por ela, mas a amo muito, assim como amo o Noah. Meus filhos são
tudo para mim, não suportaria vê-los sofrer.
— Eu jamais faria a Luna sofrer. Gosto dela cada vez mais.
Mark sorri, terminando de beber o uísque logo em seguida.
Ele olha para Louis, outra vez, e fica em silêncio durantes alguns
segundos, antes de voltar a falar:
— Vejo, em seu olhar, o sentimento que tem por ela. Não
tente reprimi-lo, porque as coisas vão se acertar.
— Camies, quer tomar um banho e descansar? — Luna
surge de repente, como um anjo enviado para me salvar daquela
conversa desconcertante. Ela ainda está usando as mesmas
roupas, apenas tirou a camisa de mangas longas e ficou com uma
de mangas curtas.
— Sim, isso seria ótimo. Com licença, Mark.
— Fique à vontade, Camille. Você está em casa.
Somente aceno com a cabeça, acompanhando Luna até
dentro de casa outra vez. Finalmente, tenho a oportunidade de olhar
em volta e analisar o ambiente, extremamente elegante e luxuoso.
Parecem adorar coisas caras, de boa qualidade, e não parecem ter
medo de gastar.
— Meu pai ficou enchendo você de perguntas?
— Um pouco, mas não foi nada demais.
— Tem certeza? — Ela parece preocupada, e isso me faz
sorrir, porque gosto desse jeito protetor dela.
— Sim.
— Ótimo! Eu conversei com os dois para que não a
sobrecarreguem. Esse é o seu quarto, coloquei suas coisas aqui.
— Como assim o meu quarto? Não vamos ficar juntas?
— Ah... eu pensei que, sei lá, você queria ficar sozinha.
— Luna, estamos dividindo a mesma cama todos os dias,
quando estamos em casa. Por que eu faria isso aqui? Existe alguma
regra na casa dos seus pais? — Reviro os olhos e solto uma
risadinha, empurrando-a pelos ombros. Luna também ri, divertindo-
se com meu comentário. Vou até a minha mala para pegar uma
trouxa de roupas, pois preciso urgentemente de um banho e me
deitar.
— Você quer que eu traga minhas coisas para cá?
— Pensei que tivesse deixado isso claro. — Sorrio e pisco
para ela, antes de fechar a porta do banheiro. Recosto-me nela e
suspiro, lembrando-me dos acontecimentos desta manhã e do quão
familiar é conviver com Luna. Chega a ser engraçado ter essa
noção, pois nunca imaginei que poderíamos ficar assim, mas eu
gosto da sensação.

— Passamos da hora do almoço, mas meus pais insistem


para que a gente desça para comer algo. Tudo bem?
Faz alguns minutos que despertei da minha soneca, e Luna
surge no quarto outra vez.
— Estou com bastante fome. — Para confirmar a minha fala,
o meu estômago ronca no exato momento, fazendo um som
vergonhosamente alto.
— É melhor alimentar esse monstrinho antes que nos devore.
Não a respondo, finjo estar brava e me levanto da cama. Ela
ri, enquanto eu ando pelo quarto, pegando minhas roupas para
tomar um banho. Luna está pronta e diz que me aguarda lá
embaixo, na sala de jantar, onde o resto da família se encontra.
Eu não demoro a descer. Está esfriando, pois a noite se
aproxima, e por isso me agasalho. Chegando à sala de jantar, busco
por Louis com o olhar, para saber se ele está devidamente vestido,
e faço o mesmo com a Luna. Sim, estão agasalhados.
— Sente-se, Camille. Estamos esperando você — Ana diz,
sorridente, ao notar minha presença, e Luna se levanta de sua
cadeira para puxar uma para mim, ao seu lado, em frente a Louis e
Mark.
— Faz tempo que não temos a família reunida assim. — Mark
comenta, fazendo sinal para o mordomo da casa nos servir.
Sinto-me estranha nesse ambiente, por ser muito fora da
minha realidade. Mesmo que a minha vida com a Luna seja
bastante confortável, não temos esse tipo de luxo, e aparentemente
ela também não gosta de todo esse exagero.
Nossa refeição não é nada silenciosa, como era de se
esperar, pois Louis não para de falar nem um segundo sequer. Ele
está elétrico, contando aos avós sobre a escola, suas aulas de
Espanhol, entre outras coisas. Mark e Ana parecem amar muito o
pequeno, porque estão prestando atenção em tudo que ele fala, e
isso me faz sorrir. Estou cada vez mais feliz por ver o quanto meu
filho é amado.
— O que pretende ser quando crescer, garotinho? — Mark
pergunta de repente, atraindo minha atenção.
— Eu quero ser chef de cozinha e fazer biscoitos tão
gostosos quanto os que a mommy faz — Louis responde, orgulhoso,
fazendo-me abrir um grande sorriso. Sua determinação me orgulha,
ele parece realmente saber o que quer. Creio que Luna se sinta da
mesma forma, pois está com um sorriso tão grande quanto o meu.
— Não quer ser como a vovó? Uma grande advogada?
— Mamãe... — O tom de voz de Luna atrai minha atenção,
pois apesar de Ana parecer estar brincando para mim, não era o
mesmo para ela.
Minha sogra suspira e coloca as mãos sobre a mesa,
encarando a mulher ao meu lado.
— Infelizmente, eu falhei com você, mas não me culpe por
querer o melhor para o meu neto.
— Ana, por favor, não comece com isso.
— Como sempre, o papai passando a mão na cabeça da
garotinha dele. Será que sou uma péssima mãe por querer o melhor
para a minha filha? Ou espera que eu a aplauda por se aventurar
nessa coisa de fotografia e morar em uma casa de subúrbio pra
sempre? Somos Jacobs, nós vencemos, e poder significa...
— Nem termine essa palhaçada. Todas as vezes que eu
venho aqui, a senhora sempre dá um jeito de voltar a esse assunto,
como se nunca tivéssemos discutido isso antes. Eu estou muito feliz
assim, e minha família tem orgulho de mim. Será que é difícil a
senhora ter também?
— Você largou a faculdade para seguir esse seu devaneio.
Óbvio que eu não fico feliz com isso. Noah está cada vez mais bem-
sucedido com o escritório dele. Era para você ser a sócia, e não
aquele amigo idiota dele.
Luna solta os talheres sobre o prato de forma que um alto
som ressoa pelo ambiente. Todos estão quietos, observando a
calorosa discussão entre as duas. Não sei o que devo fazer, então
apenas continuo encarando, desejando que nada piore.
— Eu não sou o Noah. Se ele esqueceu os sonhos dele para
seguir os seus, não posso fazer nada. Eu a amo, mamãe, mas
quero ao menos respeito pela minha profissão.
— Fotografia é hobby, não é profissão. Que tipo de futuro
você vai dar ao seu filho? Ele quer ser chef de cozinha, pelo amor
de Deus. Somos uma linhagem de advogados, promotores e juízes
renomados.
— Eu perdi o meu apetite, não vale a pena continuar esse
assunto. Com licença.
Luna arrasta a cadeira com força para trás e se levanta,
saindo da sala de jantar com rapidez. Logo em seguida, ouço o som
da porta da frente ser batida com força. Fecho meus olhos, sabendo
que serei a pessoa que terá que acalmá-la. Tudo isso porque a mãe
dela não aceita o que a filha escolheu ser. Será possível que Ana
não vê o quanto Luna é feliz?
— Pensei ter conversado com você antes de tudo isso, Ana.
É mesmo necessário todas as vezes? Nossa filha vem cada vez
menos aqui. Estamos perdendo boa parte da vida do nosso neto,
porque você não consegue aceitar que a Luna não quer seguir os
seus passos. Supere! — Mark esbraveja. Ele estava calado até
então, mas esse assunto parece tirá-lo do sério.
— Com licença, vou atrás dela. Filho, eu volto logo, tudo
bem?
Olho para o meu pequeno, que está encolhido na cadeira,
sem saber como reagir direito. Sinto vontade de pegá-lo no colo e
tirá-lo daqui, mas sei que ao menos Mark vai cuidar bem dele. Luna
precisa de mim.
Retiro-me rapidamente dali e sigo o mesmo caminho que ela,
não demorando muito a encontrá-la, andando de um lado para o
outro no jardim.
— Ela faz de propósito, ela sempre faz de propósito. Todas
as vezes. Todas!
— Luna? — eu a chamo, com receio dela ser grossa sem
querer. Quando estamos com muita raiva, acabamos espelhando
isso nas pessoas e, assim, sem querer, descontamos em quem não
tem nada a ver.
— Minha mãe irrita-me com essa palhaçada de linhagem
Jacobs. Estupidez! Não sou meu irmão e não vou desistir do que
quero para ser o que ela espera que eu seja — dispara, sem
respirar direito, e eu me aproximo com cuidado. Quero acalmá-la,
mas sei que ela precisa desabafar.
— Percebi que esse assunto é muito delicado. Eu não sei
como ela não vê quão feliz você é com a sua profissão.
— Exatamente. Eu me odeio por me deixar afetar quando ela
começa com essas cobranças.
— Está tudo bem, você tem o direito de defender o que
deseja.
Ela solta uma lufada pesada de ar e olha para cima de olhos
fechados, parecendo buscar calma. Chego perto o suficiente, para
segurar a sua cintura, e chamo a sua atenção. Luna finalmente sorri,
perdendo todo o ar de cólera.
— Mais calma?
— Você sempre foi meu calmante natural. Posso te abraçar?
Sorrio e concordo com a cabeça. Luna rapidamente me puxa
para os seus braços, tomando-me em um confortável e
aconchegante abraço. Fecho os meus olhos, suspirando de alegria
com o contato.
— Eu adoro essa paz.
— Causo paz a você? — questiono com a voz baixa, e ela
concorda com um som nasal. Arrepio-me quando Luna cheira meus
cabelos e esfrega o rosto em meu pescoço.
— Quer sair daqui e ir a algum lugar comigo?
— Agora?
— Sim. Buscarei algumas coisas e avisarei ao meu pai e ao
carinha que voltaremos amanhã. Seremos só nós duas nesta noite.
Engulo a saliva, não respondendo nada e apenas
concordando. Ela nunca fez nada que eu não gostasse até agora, e
acredito que não fará desta vez. Sinto-me cada vez mais segura
com essa mulher.
Luna não demora muito a voltar, com uma bolsa de pano em
seu ombro e um molho de chaves na mão.
— O que está aprontando? Aonde vamos?
Ela não responde de imediato, apenas abre o portão da
garagem e entra. Eu a acompanho, pois não tenho nada a perder,
certo? Luna escolhe um dos carros e o destrava.
— Vamos ao nosso lugar.
Luna liga o som e, durante todo o caminho, canta e batuca os
seus dedos sobre o volante, fazendo-me rir e admirá-la, como faço
constantemente. Sinto-me bem quando a vejo tão alegre. A
felicidade cai muito bem em Luna.
— Já chegamos? — questiono ao notar que estamos em uma
parte mais isolada de Miami, com muitos sítios e fazendas à nossa
volta. Paramos em frente a um portão de madeira. Não vejo muito,
por causa dos muros altos, mas parece um belo lugar.
— Acabamos de chegar. Já volto, espere aqui — ela pede ao
soltar o cinto, pega o molho de chaves, desce do carro e caminha
em direção ao portão. Meu coração dispara no instante em que me
deparo com a paisagem lá dentro, não apenas por ser um lugar
visualmente bonito, mas porque penso já o conhecer.
— Eu... — Fecho os olhos ao sentir uma leve tontura, o meu
estômago revira e uma dor de cabeça começa a me incomodar.
Flashes de memória disparam um atrás do outro. Eu ouço vozes e
vejo cenas que não sei se fazem parte da realidade ou se são
brincadeiras do meu cérebro.
— Fazia tempo que não vínhamos aqui. Camille, meu amor, o
que você está sentindo? — Luna coloca as mãos no meu rosto,
preocupada, e eu abro os olhos apenas para encará-la, acalmando-
me um pouco, de forma quase instantânea. O verde cristalino me
olha fixamente, com um brilho de preocupação. — Está melhor?
— Sim. Foi esquisito. Minha cabeça ficou confusa por um
momento.
— Quer voltar?
— Não, não. Eu ficarei bem, só não saia de perto de mim, por
favor.
Ela concorda com a cabeça e me olha durante mais algum
tempo, apenas para conferir que está tudo bem. Quando sorrio,
Luna se acalma e se dá por satisfeita, virando-se para a frente, mas
segura minha mão.
Não é justo eu querer voltar por causa de um mal-estar. O
médico disse que coisas assim podem acontecer quando eu me
deparar com o passado.
Luna comenta um pouco sobre o lugar em que estamos:
— Este sítio é nosso, da Vanessa e do Noah. Os meus avós
nos deram, há alguns anos, e sempre disseram que esse lugar seria
meu e do meu irmão, quando tivéssemos uma família para
trazermos aqui.
— É muito bonito!
— Sim! Os meus pais sempre tentaram nos convencer a
reformá-lo, mas gosto de como ele é. Mesmo que a decoração seja
antiquada, tem um ar de lar. Essa simplicidade me encanta, e ao
meu irmão também.
— Coisas simples geralmente costumam ser mais belas. —
Luna solta uma risadinha, e eu fico curiosa, encarando-a, sem
entender. — O quê?
— Você disse a mesma coisa quando viemos aqui pela
primeira vez. Erámos muito novas.
— Por isso, aqui é o nosso lugar?
— Sim, temos muitas lembranças. Logo que começamos a
namorar, eu a trouxe aqui. Você ficou tão apaixonada, que sempre a
trazia para passar o final de semana ou apenas uma noite.
— Impossível não se apaixonar por esse lugar. Olhe para
tudo isso! — Abro meus braços e dou uma volta, olhando ao meu
redor. O sítio é enorme! É possível ver um lago um pouco distante.
— Venha, eu mostrarei a casa — Luna me chama para um
tour.
Ao entrar, eu não me surpreendo com a beleza do casarão
por dentro, mas, diferente da casa dos Jacobs, o luxo daqui é algo
simples. Obviamente, tem coisas caras, porém nada espalhafatoso.
E como ela disse, toda a decoração é antiga, lembra uma fazenda, o
que deixa tudo ainda mais bonito. É uma casa enorme, com quatro
suítes, uma sala de jogos, duas salas de estar, outra de televisão e
uma cozinha grande, cheia de bancadas e eletrodomésticos de boa
qualidade. Os Jacobs têm bom gosto.
— Eu poderia facilmente morar aqui. Esse cheiro de natureza
é tudo — comento ao voltarmos ao quintal, fecho os olhos e respiro
com força, sentindo o cheiro de grama e ar puro, diferente da cidade
em que moramos. Sinto o vento bater contra o meu corpo, e mesmo
sendo uma brisa mais gelada, me faz bem de certa forma.
— Você quer morar em um lugar assim? Cansou da cidade?
Podemos ver as opções se quiser — Luna dispara quase sem
pausa, fazendo-me rir de seu desespero. Eu a olho, e ela me encara
com os olhos arregalados. — O que foi?
— Eu estou feliz com a casa em que moramos. Acredito que
ela tenha muitas memórias nossas. Foi só um comentário. Talvez no
futuro.
— Isso me fez lembrar do segundo ano que estávamos
casadas e você cismou que queria morar no Alasca.
— Sério?
— Sim! Depois que assistiu aos documentários sobre as
pessoas que vivem isoladas da humanidade, isso quase se tornou
uma meta pra você.
— Eu sempre fui meio doida, mas morar no Alasca...
Realmente, ultrapassei as barreiras da loucura.
— Sempre gostei desse seu jeito espontâneo. Eu moraria em
Marte, se você quisesse.
Sorrio, sem jeito, e abaixo a minha cabeça. Luna sempre
chega devagar e me acerta com algumas frases parecidas com
essa. Não tem como me sentir indiferente. A Camille esquecida
dentro de mim foi muito apaixonada por essa mulher, e acho que a
Camille que estou conhecendo agora está se apaixonando por ela
outra vez.
— Nós vamos dormir aqui?
— Sim, mas não nesta casa.
— Como assim?
Luna abre um sorriso que me deixa curiosa e levemente
assustada.
— O nosso lugar não é somente esta casa, muito menos este
espaço enorme. Venha comigo para que eu lhe apresente a nossa
parte favorita.
Ela ajeita a bolsa com as nossas coisas em seu ombro e me
estende a mão. Eu estranhei mesmo o fato de Luna não ter
colocado nossas coisas em um dos quartos, mas esperei para saber
se ficaríamos por aqui mesmo. Eu olho para nossas mãos unidas e
sinto o meu estômago revirar um pouco. Algo parecido com paz
toma conta de mim. Sabe quando sentimos que estamos em casa?
— Luna, essa é a...?
— Sim, é a casa daquela foto. Tivemos momentos
maravilhosos aqui, e sempre foi o nosso refúgio. Bem-vinda de volta
ao nosso lugar! — ela diz, antes de me ajudar a subir a escada de
madeira.
Tenho certeza de que os meus olhos estão brilhando, pois a
paisagem à minha volta é simplesmente de tirar o fôlego. Quando
finalmente chego lá em cima, a primeira coisa que noto é a vista
privilegiada.
— Essa vista simplesmente faz perder as palavras.
— Você sempre gostou de ficar aqui, vendo a paisagem. Nos
sentávamos em um dos bancos para conversar ou apenas nos
aconchegar em silêncio.
— Nós paramos de vir aqui com frequência?
— Sim, com o passar dos anos. Nossas agendas não nos
permitem mais que façamos como antigamente. Vínhamos para cá
sempre que queríamos fugir de algo ou quando desejávamos um
tempo só nosso.
— É uma pena — lamento, mesmo que eu não me lembre.
Eu me sinto como se tivesse perdido algo pela segunda vez.
Quando você cria laço com alguma coisa, e então esse laço é
partido por algum motivo, fica a sensação de vazio dentro de você.
Mesmo eu tendo perdido a memória, continua faltando algo em mim.
Luna está ao meu lado, olhando o horizonte, perdida em seus
pensamentos.
— Eu sugeri que fizéssemos uma casa na árvore em nosso
quintal, mas você disse que não seria a mesma coisa. Eu concordei,
pois olhe essa vista... não temos isso em casa.
— Nem as lembranças daqui.
— Exatamente. — Ela me olha e abre um sorriso tão lindo.
Eu tenho uma visão estranha, como se Luna fosse mais nova. —
Quer entrar e ver lá dentro? Camille?
Demoro alguns segundos para voltar a mim mesma. Tenho
estado confusa esses dias, como se minhas lembranças esquecidas
estivessem dando pane. Luna me olha, preocupada, e eu abro um
sorriso e concordo com a cabeça. Ela sabe que estou estranha, me
conhece de uma forma que me assusta, mas respeita meu espaço,
e eu gosto muito disso.
Luna destranca a porta com uma das chaves que havia
levado e acende as luzes, dando-me a visão de boa parte da casa.
Impossível conter o sorriso ao me deparar com uma parede inteira
repleta de fotos, e na maioria delas estamos juntas. Tem uma cama
de casal no centro, com diversas almofadas coloridas sobre ela,
uma cozinha pequena e outro cômodo fechado, que deve ser o
banheiro. É simples, mas tão linda e aconchegante. Destoa
totalmente do casarão, que apesar de não ser tão luxuoso, ainda
assim é outro patamar.
— Estou apaixonada. Parece que me lembro de cada detalhe
daqui.
— Sabia que seria bom trazê-la aqui.
— Luna, eu tenho tido uns flashes de memória, como se
minhas lembranças estivessem entrando em pane.
— Você... você se lembrou de alguma coisa? Quando foi? Do
que tem se lembrado? Camille, precisamos avisar ao seu médico.
Isso é incrível, caramba. Eu...
— Calma — peço ao me aproximar dela, segurando seus
ombros e olhando diretamente nos seus olhos. Luna acena várias
vezes com a cabeça, agitada, mas se controla quando eu peço. —
Não foram lembranças totais, mas momentos, como um déjà-vu.
— Ah, eu queria tanto que você se lembrasse. Rasga-me por
dentro que isso tenha acontecido.
Fecho os meus olhos com força. O tom de sua voz é tão
quebrado que me parte. Não quero entrar nessa conversa, porque
sei que vamos nos magoar. Eu tenho consciência de que
precisamos falar sobre isso, porque preciso entender como Luna
realmente se sente em relação ao que aconteceu, mas ainda não
estou pronta, e acredito que Luna também não esteja.
— Podemos não falar sobre isso?
— O que você quiser, o que você quiser sempre. — Ela
caminha em minha direção, mas para no meio do caminho, e seu
rosto se ilumina, como se lembrasse algo. Isso desperta minha
curiosidade. — Espere! Eu tenho uma coisa. Deixe-me lembrar em
que lugar guardamos. Pronto, encontrei.
Luna retira uma caixa de ferro dourada de dentro de um baú
e vai em direção à cama. Eu me aproximo, porque estou curiosa, e
ela abre a caixa, com diversas cartas dentro.
— São cartas escritas à mão?
— Sim. Você sempre adorou escrever, mas não é isso que
quero lhe mostrar.
— O que você... São alianças?
Luna me olha e sorri, logo depois de abrir a caixinha,
revelando um par de alianças de pérolas.
— São nossas alianças de noivado. Queríamos guardá-las
em um lugar especial, então ficaram aqui. Eu quero te fazer um
pedido.
Os olhos dela estão brilhando, e os meus, arregalados e,
provavelmente, com um ar de pavor absurdo, pois seu sorriso morre
ao ver a minha expressão.
— Luna...
— Não é um pedido de casamento — ela diz rapidamente,
percebendo o meu pavor. Tenho uma leve impressão de ouvi-la
dizer “ainda não”. — Dança comigo?
Eu devo estar fazendo a expressão mais confusa do mundo,
porque ela solta uma gargalhada, e o som, que adoro, faz meu
coração disparar um pouco.
— É esse seu pedido?
— Faz parte dele. Concede-me essa dança? — Estende-me
a mão, e mesmo sem entender muito bem, a seguro.
— Vamos dançar sem música?
— Oh, espere! — Ela vai rapidamente ao lado da cama e
busca por algo, que não demoro muito para descobrir ser um
controle remoto. Luna aperta um botão que faz as luzes ficarem
mais baixas, deixando um clima romântico, e então uma canção
ressoa por toda a casa na árvore. — Venha! — chama, estendendo
a mão para mim outra vez.
Não hesito em aceitar, vou em sua direção e colo os nossos
corpos. Luna encosta a cabeça na minha e começamos a nos
mover.
Com os olhos fechados, o coração disparado, os corpos
grudados e a cabeça a mil, movo-me lentamente com ela, enquanto
Luna guia nossa dança. Estamos em um momento nosso muito
particular, como em uma bolha privada. Ninguém pode nos tocar,
nada pode nos impedir, nem mesmo a minha amnésia parece
importar.
Luna se afasta um pouco, fazendo-me abrir os olhos, e sorri
antes de fazer um movimento para que eu gire. Quando volto a
encará-la, percebo seus olhos cheios de lágrimas. Eu presto
atenção na letra da música e sinto como se mil facas dilacerassem o
meu coração. Cada palavra, cada batida da melodia, tudo me
atinge.
Ela me aperta contra si uma outra vez, e a ouço sussurrar a
música baixinho contra o meu ouvido, emocionada, o que me faz
agarrar a sua cintura, desejando confortá-la.
Se no passado alguém me dissesse que hoje eu estaria
casada com Luna Jacobs, convivendo bem com ela e gostando
disso, internaria a pessoa. Mas sabe de uma coisa? Essa
definitivamente não é uma ideia absurda. Ser a esposa de Luna me
faz bem.
— Camies?
— Oi...
Ela respira fundo antes de se afastar, e rapidamente eu sinto
falta do nosso contato. Luna tem as bochechas marcadas por
lágrimas. O meu coração se aperta, e seco as lágrimas com meus
polegares, aproveitando para acariciar o seu rosto.
— Tenho tanta coisa para falar que acabo não sabendo como
começar.
— Sou só eu, somos só nós duas. — Tento tranquilizá-la, e
ela sorri, segurando as minhas mãos para beijá-las. Esse gesto
enche meu coração de afeição.
— Você prestou atenção na letra?
— Sim.
— Eu sou uma tola por você, sempre fui, sempre serei. O
meu pedido é que você me deixe conquistá-la outra vez, por
completo. Um passo de cada vez. Quero reconquistar você. Não
vou desistir do amor da minha vida. Dê-me essa chance. Você é a
minha maior sorte, amor. Dê-me um pedaço do seu coração. —
Cada palavra que ela diz tem uma entonação forte.
Sinto quão emocional é fazer esse tipo de pedido à pessoa
com quem já se é casada. Meu coração está acelerado outra vez,
as mãos suando, e cada parte de mim parece chamar por essa
mulher. Não tenho como fugir. Quem disse que eu quero fugir?
Não a respondo, apenas a encaro. Os nossos olhares estão
carregados de intensidade, as nossas respirações se misturam.
Tudo parece em silêncio à nossa volta, como se o mundo tivesse
parado para observar essa interação.
Quando era pequena, meu pai sempre me dizia que as ações
contam mais do que as palavras, mesmo as menores. Com esse
pensamento em mente, faço a única coisa que desejo há muito
tempo: seguro seu rosto e colo os nossos lábios, deixando-a saber
que estou, sim, pronta para o próximo passo que ela quiser dar.
Luna solta uma lufada de ar, antes de me abraçar pela
cintura, apertando-me contra si, ao aprofundar nosso beijo. O chão
parece sumir sob meus pés, e eu me sinto flutuando com ela para
longe.
— Eu te dou meu coração inteiro, se prometer cuidar bem
dele.
O sorriso que Luna me dá é genuíno e lindo, mas não tenho
tempo de admirá-lo por muito tempo, porque ela me puxa contra si
mais uma vez, sendo dela, agora, a iniciativa de um beijo, que é
mais acelerado que o primeiro, porém sem perder a leveza. Luna
massageia minha boca com a sua, e beijá-la não me parece
estranho.
Ao terminar o beijo, Luna sela os nossos lábios por diversas
vezes. Eu suspiro, rendida, completamente largada em seus braços.
O efeito que ela tem sobre mim é inacreditável.
— Vou cuidar dele como a minha vida, minha eterna sorte.
O sorriso em meu rosto aumenta. Luna diz uma frase que faz
com que eu me sinta flutuar. Sua voz sai tão baixa que nem sei, eu
nem deveria ter escutado: Lembre-se de nós para sempre, meu
amor.
Passo os braços por trás de seu pescoço, porque não sou
capaz de evitar, e a beijo outra vez, sendo imediatamente
correspondida. Tenho certeza de que, agora, eu me vicio nesse
beijo. Posso não me lembrar do meu primeiro beijo, mas estou certa
de que nenhum outro supera o beijo de Luna. Esse beijo sempre
será o único de que eu quero me lembrar.
Capítulo 19 – Resposta óbvia
Luna e eu estamos sentadas em um dos bancos do lado de
fora, observando o sol se pôr lentamente. Com poucas nuvens no
céu, o clima ameno e com a companhia perfeita, a vista não poderia
ser melhor apreciada. Aconchego-me nos braços dela, suspirando
de felicidade quando sinto um beijo no topo da minha cabeça. Ela
acaricia meus braços, e, em silêncio, continuamos aproveitando
uma a presença da outra.
Quando mais nova, eu não conseguia entender o motivo de
as pessoas gostarem de ficar em silêncio na companhia de outra,
mas hoje entendo. É uma sensação ótima saber que você não
precisa fazer nada nem inventar assuntos, muito menos trocar
beijos toda hora. Eu gosto de estar assim com ela. Luna desperta
muita coisa boa em mim, cada vez mais. Dei-me conta de que é
inevitável se apaixonar por essa mulher. Tentar fugir dela é como
nadar contra a corrente: eu posso me afastar para longe, mas sou
puxada de volta.
— Eu senti falta de ficar assim com você.
Viro-me um pouco em seus braços para olhar seu rosto, de
baixo para cima. Todos os traços dela são lindos, desde a boca
carnuda aos grandes cílios. Impressiono-me como ela consegue
ficar mais bonita a cada momento que passa.
— Sentiu?
— Sim, muita. Quando éramos mais novas, podíamos vir aqui
com frequência, era muito mais fácil, pois a nossa única
responsabilidade era com a faculdade. Depois que nos tornamos
adultas, as coisas mudaram. Nós passamos por fases em que só
nos víamos na hora de dormir e mal nos beijávamos.
— Nunca imaginei como seria a minha vida adulta, não fazia
ideia de que me casaria, que teria filhos, nem qual rumo eu
escolheria como carreira. É estranho saber que nada do que eu
pensava se tornou realidade.
— Você queria passar alguns anos viajando pelo mundo.
Acabo rindo de sua frase, porque ela me conhece tão bem
que chega a me assustar. Eu ia mesmo comentar sobre isso, pois
me lembro de que realmente era o que eu desejava fazer assim que
possível.
— É engraçado como você sabe tudo sobre mim.
— Já são treze anos de convivência, meu amor — Luna fala
com naturalidade, mas, de repente, sinto seu corpo ficar rígido em
minhas costas. Não entendo ao encará-la. — Perdão.
— O que foi?
— Eu chamei você de amor e não quero apressar as coisas.
Estou me sentindo como se fosse a adolescente de quando
começamos a namorar.
Seguro em seu queixo e sorrio, antes de me erguer para
selar nossos lábios. Ela arqueja, puxando-me contra si.
— Eu entendo que para você seja muito natural me tratar
assim. Como disse, são treze anos juntas. Para mim, está tudo bem.
— Sério?
— Claro! Eu gosto quando você me chama de amor, e faz
meu estômago borbulhar de nervoso.
O sorriso que ela abre para mim é imenso. Sei que gostou
bastante do que eu disse, porque, em seguida, me beija com uma
vontade enorme. Diferente dos beijos que trocamos mais cedo, esse
é carregado de paixão, e eu diria até de luxúria, pois a forma que
Luna chupa meus lábios e me aperta contra o seu corpo está me
deixando em chamas. Quando penso em pará-la, o beijo termina, e
ela me dá outro carinhoso na testa.
Estou sem saber o que fazer, totalmente perdida, encarando
a sua boca, que está avermelhada, inchada, extremamente
chamativa e atraente. Essa mulher é o meu inferno na terra. Não
existe definição melhor.
— Vamos entrar, está esfriando.
Concordo com a cabeça e, sem qualquer tipo de controle
sobre meu corpo, eu apenas a sigo para dentro. Luna vai até uma
pequena lareira e a acende. Sento-me na cama, mas ao olhar para
a frente, vejo a parede enorme com as fotos e volto a ficar de pé,
para poder vê-las.
— São fotos do baile de formatura? — pergunto a ela, que
está vindo em minha direção.
— Sim, tiramos muitas fotos.
— Vejo que somos mesmo apaixonadas por fotos.
— Você se casou com uma fotógrafa, o que esperava?
Rio de sua fala, jogando minha cabeça para trás. Luna
segura em minha cintura, apoiando seu queixo em meu ombro.
Aconchego-me em seus braços, suspirando. Esse contato é muito
familiar.
— Fomos juntas ao baile de formatura?
— Inicialmente, não. Você ainda tinha seus receios comigo.
— Hm, mas eu fui sozinha, certo? — Olho para ela, que me
encara, confusa. — Digo, eu não fiz a burrice de ir com outra
pessoa, fiz?
— Oh, Não! Foi com suas amigas e com a sua irmã. Nenhuma
das meninas quis chegar acompanhada de namorado ou namorada.
Era a noite das mulheres. Eu fui com as minhas amigas também.
— Já estávamos envolvidas?
— Começando. Como eu disse, você tinha alguns receios
relacionados a mim. Durante a noite toda, a observei. Você estava
linda como sempre. — Luna aponta para uma foto minha, em que
estou sorrindo, usando um vestido roxo e com o cabelo preso em
um rabo de cavalo, com cachos nas pontas. — Não teve uma
pessoa que não olhasse e não admirasse você. Noah pegou muito
no meu pé, dizendo que eu parecia uma cadelinha, esperando as
ordens da dona.
— Ele é engraçado. Sabe de uma coisa ainda mais
engraçada? Sempre achei a relação de vocês muito bonita, mesmo
quando eu não suportava você.
— Noah é meu pilar. Muito da pessoa que sou hoje aprendi com
ele. Não sei o que seria da minha vida sem esse idiota.
Sorrio, feliz por ela ter uma ligação tão bonita com o irmão.
Continuamos conversando sobre as fotos, até que uma delas me
chama a atenção.
— Você me levou para casa de limusine?
— Essa é uma história engraçada. Queria te impressionar
quando você permitiu que eu a levasse em casa, então meio que
roubei a limusine de um cara que tinha alugado para a namorada e
levei você nela. O motorista não entendeu nada, nem sei se ele
acreditou nas mentiras que contei, mas provavelmente se
compadeceu comigo querendo impressionar a garota mais linda do
baile.
— Meu Deus, Luna! Eu não acredito que você tenha feito
isso.
— Fiz! A senhorita bem que gostou. Repare o tamanho do
seu sorriso, bebendo champanhe. — Ela aponta para uma foto
minha em que sorrio largamente, com uma taça de champanhe na
mão e com o outro braço erguido. Parecia mesmo estar me
divertindo, pois a alegria e a felicidade eram nítidas.
— Nós éramos felizes?
— Como assim?
Ela me encara, um pouco confusa, e eu suspiro, me
afastando da parede e caminhando até a cama para me sentar.
— Nós éramos felizes como casal?
— Sim, sempre fomos. Bem, na maior parte do tempo. Eu
não posso mentir para você e dizer que tudo era um conto de fadas,
pois seria desleal de minha parte criar um cenário fantasioso. Todos
os casais têm seus momentos bons e ruins. Nós passamos por
diversas fases, mas, no geral, sim, fomos muito felizes.
— Às vezes, tenho medo de me lembrar de tudo, sabe? Não
sei! Algo dentro de mim faz com que eu me sinta apavorada com as
lembranças, e desconheço o porquê disso. Eu quero tanto lembrar.
Antes de Luna me responder, o seu celular começa a tocar.
Inclino-me para trás, até me deitar na cama, observando-a retirar o
aparelho do bolso e atender a chamada.
— Oi, pai. Sim, estamos bem. Vamos dormir aqui, sim. Ok.
Tudo bem, não se preocupe. O carinha está se comportando? Não
faça todas as vontades dele, eu conheço o senhor e a minha mãe.
Sem dormir muito tarde. Pai, já estou bem grandinha, não acha?
Ótimo! Beijos. — Ela desliga e abre um sorriso. — Mark Jacobs
sendo o mesmo de sempre.
— Louis está bem?
— Sim. Meu pai disse que ele não desgrudou do Duke. Os
dois estão vendo filmes no sofá. Quer comer alguma coisa? Tomar
um banho?
— Preciso mesmo de um banho, pois o dia foi agitado.
O banheiro é uma surpresa. Há muitas coisas de higiene, o
que me deixa curiosa, porque aparentemente quase ninguém vem
aqui, mas imagino que ela deva ter providenciado tudo isso. Luna
sempre pensa nos mínimos detalhes. Eu fico cada vez mais
encantada.
— Não sei se a comida vai ficar boa. Você passou anos me
ensinando a cozinhar tão bem quanto você, mas acho que ninguém
consegue fazer igual — Luna diz, assim que saio do banho. Estou
usando uma roupa de dormir bem fresquinha, e o quarto está com a
temperatura perfeita, pois ela acendeu a lareira.
— O cheiro parece bom, eu tenho certeza de que está
gostoso.
Ela me olha por cima do ombro e sorri, antes de voltar a sua
atenção para as panelas. Aproximo-me para ajudá-la, sem interferir
em nada, pois quero que ela se orgulhe por ter feito tudo sozinha.
Luna pede que eu a espere, enquanto ela toma banho.
Prontifico-me a arrumar a mesa e depois volto a vasculhar as
coisas. Tem muito de nós duas em cada pedaço aqui, o que deixa
claro o significado de “nosso lugar”.
— Pronto — ela diz ao voltar do banho. O seu cheiro toma
conta de todo o ambiente.
Sorrio e a encaro. Luna está usando apenas um moletom
maior do que ela, do Real Madrid, o que me faz achar graça.
Sentamo-nos à mesa para comer e jogar conversa fora. Ela é
muito divertida, adora fazer piadas, mesmo que às vezes não sejam
tão engraçadas. Sua presença me faz muito bem, eu percebo isso a
cada dia. Quase como uma dependência, estar com ela e Louis
contribui para o meu bem-estar.
Neste momento, deitada na cama, eu a observo,
respondendo a mensagens em seu celular, enquanto caminha pela
casa, apagando as luzes. Os meus olhos estão fixos nela, porque
eu estou agoniada com a demora para se deitar comigo.
— Você é muito compulsiva com esse telefone, sabia? —
Antes mesmo que eu possa frear a minha boca, digo em voz alta o
pensamento rabugento presente em minha cabeça.
Luna paralisa antes de subir na cama, olhando para mim,
com o celular ainda em mãos. Fico sem jeito e desvio meu olhar,
não querendo mais encará-la.
— Perdão, princesa. Estava conversando com o Noah.
— Eu que peço desculpas por ser chata. Não tenho direito de
reclamar disso.
— Camille, por favor, eu acho que passamos um pouco
dessa fase. Sei que estamos indo devagar, mas pode se sentir à
vontade para falar quando quiser a minha atenção. Confesso que,
às vezes, extrapolo de verdade no celular.
— Tudo bem.
Luna ergue o cobertor e se deita ao meu lado, largando o
maldito celular sobre a mesinha, antes de se aproximar de mim.
— Pronto, sou toda sua agora.
— Hunf! — resmungo, fazendo charme e me virando de
costas para ela. Luna solta uma gargalhada, e eu sorrio, mesmo
sabendo que ela não pode ver. Sinto a sua presença mais perto e a
sua mão tocar a minha cintura.
— Está carente, amor? — ela sussurra, de repente, em meu
ouvido, fazendo-me saltar sobre a cama. O meu corpo todo se
arrepia, e eu fecho os olhos por instinto. Maldita! Sabe o que me
causa e aproveita.
— Pare de dizer besteiras, e vamos dormir.
— Eu acho fofo como você tenta mudar de assunto. Posso te
abraçar?
— Sim.
Luna não demora a colocar a mão espalmada na minha
barriga e a me puxar contra si, juntando nossos corpos. Ela me
abraça apertado, e eu sei que, neste momento, não existe outro
lugar em que eu gostaria de estar.
— Camies? Cadê meu beijo de boa noite? — outra vez, ela
sussurra em meu ouvido, e de novo meu corpo reage
instantaneamente a isso.
No escuro, sem mudar de posição, eu viro a minha cabeça e
busco a boca de Luna, que solta uma lufada de ar ao aprofundar o
beijo. Os seus lábios macios acariciam os meus de forma deliciosa.
Nem parece que perdi a memória, pois a beijo com uma
familiaridade absurda. Quando sinto necessidade de maior contato,
sou obrigada a mudar de posição, sem desgrudar nossas bocas, e
me viro na cama, em frente a ela.
Luna segura com firmeza na minha cintura, puxando meu
quadril contra o seu, e eu me agarro em seus cabelos. Era para ser
um beijo calmo, mas calmaria não parece ser o forte dessa mulher,
o que se confirma quando a sinto deslizar a mão até minha bunda.
Um gemido me escapa quando ela aperta e me puxa ainda mais
contra si, fazendo-me quase derreter em seus braços. Sei que esse
é o momento de irmos com calma.
— Espere! Nossa! Eu... Caramba!
— Desculpa pela empolgação! Eu estava com saudade de
beijar essa boca gostosa — Luna diz, enquanto passa o polegar
sobre meus lábios inchados.
Por conta da escuridão, não estamos nos vendo, mas sinto o
olhar intenso dela sobre mim. Engulo saliva, aproximando-me para
me aconchegar em seus braços. Eu deveria me afastar um pouco,
mas sinto uma necessidade absurda de estar junto a ela o tempo
todo.
— Boa noite, Tentação.
— Tentação?
O sorriso em sua voz é quase palpável, e eu reviro os olhos e
dando-lhe um tapa fraco.
— Quieta, vamos dormir.
Luna ri e, em seguida, deposita um beijo em minha testa,
abraçando-me com força. Eu estou segura, sinto isso.
— Boa noite, meu amor.
Percebo que ela nunca mais vai parar de me chamar assim e
que o meu coração sempre vai acelerar ao ouvir isso. Será que me
apaixonei outra vez?

O meu instinto sempre me fez acordar com facilidade. Mesmo


quando inconsciente, eu desperto, como se o meu subconsciente
quisesse me alertar sobre algo errado ao meu redor. E o que seria?
Eu não fazia ideia. Isso, claro, até eu ouvir a porta da casa ser
aberta e alguns passos adentrarem o local.
— Trouxe a latinha?
— Sim, mommy.
Louis está aqui, o que me deixa curiosa. Como eles estão
sussurrando, provavelmente querem me acordar de algum modo
carinhoso, e isso me faz sorrir. Espio, da melhor forma, o movimento
dos dois se aproximando cada vez mais da cama.
— Quando ela acordar, você sai correndo, ok?
Louis faz um som nasal para concordar, e eu quase abro os
olhos instantaneamente. Por que ele sairá correndo quando eu
acordar? Mal tenho tempo de refletir e logo sinto Luna virar a minha
mão sobre a cama e colocar algo gelado na palma. Preciso me
controlar muito para continuar quieta e descobrir o que eles estão
aprontando.
— Mommy tem o sono muito pesado.
Quase rio da fala do pequeno. Eu não consigo vê-lo na
posição em que estou, mas, em compensação, tenho a plena visão
de Luna.
— Tem mesmo. Quando eu contar três, ok? Um, dois, três. —
Ela termina de contar e segura a minha mão suja de chantilly, pronta
para trazê-la ao meu rosto e me lambuzar, mas sou mais rápida ao
me sentar e segurar sua nuca, levando a mão suja até o rosto dela e
sujando tudo que é possível.
Luna se debate, tentando escapar do meu aperto.
— Você é o próximo, carinha — digo ao pequeno, que já
estava praticamente na porta, correndo, como se sua vida
dependesse daquela fuga. Eu solto uma gargalhada, mas fico séria
ao encarar a idiota com quem me casei. — Que bonito, não é
mesmo? Você acha de bom tom me pegar desprevenida assim?
Minha voz sai assustadoramente calma, enquanto me levanto
da cama e vou em sua direção, que está encostada na parede. Luna
tem os olhos arregalados e me encara como se eu pudesse matá-la.
— Era uma brincadeira! Foi ideia do carinha, não é, filho?
Carinha?
Ela olha em volta, apavorada, se dando conta de que foi
abandonada e está por conta própria. Eu sorrio para ela e fico com
meu rosto a centímetros do seu.
— Ele é obediente. Você o mandou correr quando eu
acordasse, e ele correu.
— Camille, amor, eu posso explicar. Juro que posso. Calma
— começa a pedir, em desespero, tentando, em vão, me impedir de
fazer alguma coisa contra ela. Eu sinto vontade de rir ao ver como
essa mulher se dobra aos meus pés com tanta facilidade.
— Eu darei alguns segundos para que você suma da minha
frente, antes que eu a mate.
Eu mal termino de falar, e ela desvia de mim, fazendo o
mesmo caminho que Louis. De repente, me preocupo com os dois,
sabendo que a escada daqui é perigosa. Rapidamente, caminho até
uma das janelas, para ter um vislumbre das duas crianças que eu
cuido, e não demoro a ver a Luna correndo pelo gramado em
direção a Louis, que se diverte ao notar o pavor da mãe, com o
rosto todo sujo de chantilly. Estou com um enorme sorriso, pois não
poderia pedir outra coisa que não fosse esses dois na minha vida.
Paixão é uma palavra usada para definir um sentimento
enorme por algo ou alguém, então, sim, posso confirmar que estou
completamente apaixonada pela minha vida nova e por essa família.
Não desejaria estar em outro lugar, mesmo se pudesse escolher.
O final de semana foi incrível, apesar de ter começado com
os conflitos entre Ana e Luna. Elas conversaram e acabaram se
entendendo outra vez, mas algo me diz que cenas como aquela
sempre se repetem quando se encontram.
Mark me conquistou totalmente, apesar de, diversas vezes,
ter trocado o momento em família para atender ligações do trabalho
ou resolver algo em seu escritório. Foi bom estar conectada com
essa parte da minha vida, era o que faltava para eu terminar de me
familiarizar com tudo.
Chegamos à nossa casa e mal pudemos descansar, porque
acabamos recebendo visitas. Minha irmã, Rodrigo e meus sobrinhos
vieram junto de Noah, Vanessa e Toni, para passarmos um tempo
juntos. Eu estou exausta, mas amo passar esse tempo com eles.
Lembro-me de ouvir comentários sobre termos nos afastado, por
causa de outras coisas. Resgatar esse contato para mim é muito
importante.
Sempre fui muito ligada às pessoas que eu amo. Todas as
vezes que me falam sobre quão afastada eu estava das pessoas,
um pavor absurdo cresce dentro de mim. Tenho vontade de estar
cercada por todo mundo o tempo todo, se puder. Justamente por
isso, fico extremamente feliz com a visita surpresa. Penso que não
sou a única que estava com saudades de nossos momentos juntos.
— Será que tenho permissão para saber o motivo desse
sorriso bobo?
Olho para Luna ao meu lado. Nós estamos deitadas em
nossa cama, enquanto ela está lendo um livro, e eu, me perdendo
em devaneios.
— Nem percebi que estava sorrindo assim.
— Gosto de ver você sorrir desse jeito. — Ela se vira para o
outro lado, apenas para deixar na mesinha os seus óculos de leitura
e o livro que estava em sua mão, e com um sorriso no rosto, volta a
me olhar. — Faz o meu coração ficar aquecido.
— Estou me sentindo assim todo o final de semana.
— Sério?
— Muito. Eu só não sei explicar direito, mas estou me
sentindo ótima.
Luna não responde mais nada, ela simplesmente se inclina
em minha direção e cola seus lábios nos meus. Sim, é isso mesmo!
Ela me beija como quem quer muito, e eu deixo, óbvio. Retribuo o
seu beijo com toda a vontade que há de mim, porque não existe
nada melhor do que beijar essa boca macia.
— Vou continuar me esforçando, todos os dias, para você se
sentir assim. Boa noite, amor.
— Boa noite. — É tudo o que respondo, porque não sei o que
dizer, estou desnorteada pelo beijo repleto de sentimentos que
trocamos. Sempre digo que ela tem algo que me liga a ela, e repito,
porque realmente existe essa conexão assustadora.
Se você me perguntar se eu gosto disso, a resposta é sim.
Se me perguntar se eu quero mais, a resposta também é sim.
E se me perguntar se eu estou me apaixonando por ela, a
resposta é óbvia.
Capítulo 20 – Até quando resistir?
Estou suada, sinto a minha roupa grudar em meu corpo, mas
isso não me incomoda muito. Meus músculos estão incrivelmente
esticados por causa do esforço feito durante horas. Olho o meu
relógio de pulso, para conferir a hora, e noto que está quase no fim
do meu expediente.
O início do mês começou agitado, parece que todos os meus
alunos resolveram pegar pesado no último mês do ano, por alguma
razão. Talvez a maioria queira estar bem para as festas de fim de
ano. Não estou reclamando, eu amo tudo isso.
— Vamos uma última vez, antes de irmos embora? —
questiono o pessoal, que, de forma animada, me responde
positivamente.
Meu parceiro habitual de dança se aproxima de mim, para
repetirmos a mesma coreografia de agora há pouco. Depois que
concluímos a nossa atividade, como de costume, uma roda se forma
para conversarmos sobre a aula e outras coisas, e, em seguida, nos
despedimos. Acabo de sair do banheiro que tem em meu escritório
e me deparo com uma visita inesperada, parada em frente ao mural
de fotos que tem aqui. Sim, minha vida é cercada de fotos em todos
os cantos.
— Oi, amor, espero não ter assustado você.
— Pensei que sairia tarde do trabalho hoje — digo,
caminhando em sua direção para lhe dar um beijo de boas-vindas.
Luna sorri, antes de segurar minha cintura e grudar os nossos
lábios, com um longo e delicioso selinho. — Aconteceu alguma
coisa?
— Não, só consegui sair mais cedo e resolvi passar por aqui
para buscar você. Melhor do que ter que pegar algum carro de
aplicativo para ir embora, certo?
— Diego ia me deixar em casa, na verdade.
Ouço a Luna bufar baixinho e quase solto uma risada por
causa de seu claro ciúme, mas me contenho. Não quero parecer
que a estou provocando, porque realmente não estou.
— Eu sei! Encontrei com ele no caminho e lhe avisei que eu
mesma levaria minha esposa para casa.
— Você sabe que ele é casado e gay, não sabe?
— Continua sendo homem, de qualquer forma.
— Você fica fofa com ciúme — brinco, depois de pegar as
minhas coisas, e chego perto dela, para segurar o seu rosto e
apertar suas bochechas com meus dedos. Luna faz um bico
dramático, e eu não resisto, inclinando-me para beijá-la. — Vamos?
— Só se me der um beijo de verdade — Luna usa o seu tom
de pidão. Nos últimos dias, esse tem sido o jogo dela para conseguir
diversas coisas. Já tem consciência de que estou cada vez mais
caída por ela e tem se aproveitado muito disso. Não que eu esteja
reclamando, porque ela nunca me obriga a nada, eu faço porque
quero fazer.
Por isso, não resisto a dar o beijo mais gostoso de todos.
Luna suspira em minha boca, levando as duas mãos aos
meus cabelos para segurar com firmeza, arrepiando-me. Eu não
resisto, deixo minha bolsa cair aos nossos pés para poder segurar a
cintura dela com força. O beijo ganha proporções enormes de
repente. Essa é outra coisa que tem acontecido com uma frequência
absurda, não nos controlamos direito.
— Luna... eu... calma.
— Desculpa. Desculpa — ela diz rapidamente e encosta as
nossas testas. Eu abro os meus olhos para encará-la e noto o
sorriso em seus lábios. Muito sonsa essa mulher! — Não consigo
mais resistir. Desculpa.
— Não precisa se desculpar por isso. Eu também, hm, não
resisto. Mas você me entende, certo?
— Sim! Sim, claro que eu entendo meu amor. — Afastamo-
nos, e ela se abaixa, pegando a minha bolsa do chão. — Vamos? —
chama e estende o braço para que eu o segure, coisa que faço
prontamente e muito satisfeita.
No caminho, passamos por algumas pessoas, que também
estão indo embora, e cumprimentamos outras. É muito bom ver o
respeito e a admiração que elas têm por nós duas como um casal.
Isso me deixa tranquila. Eu odiaria ter que dispensar alguém por
causa de preconceito.
— Que horas o Louis volta? — questiono.
Assim que entramos no carro, eu coloco o meu cinto de
segurança e espero que ela termine de colocar o dela. O nosso filho
foi a um passeio da escola, o último antes das férias de inverno.
— No fim da tarde, amor.
Concordo com a cabeça e foco a minha atenção na nossa
frente, abismada com a facilidade que Luna tem de sair de lugares
que parecem impossíveis. Os meus olhos curiosos analisam sua
postura enquanto dirige, e eu posso dizer que é impecável. Luna se
mostra tão responsável em todos os âmbitos de sua vida, mas isso
dobra quando está no volante. Bom, pelo menos quando Louis e eu
estamos com ela.
Uma curiosidade cresce dentro de mim.
— Luna? Eu tenho carteira, certo?
— Hã? De motorista? Sim.
— Eu era uma boa motorista? — questiono, brincalhona,
porque me lembro bem do pavor que eu sentia quando pensava na
possibilidade de dirigir alguma coisa.
— Excelente motorista. No início, você ficava bastante
nervosa e bateu o carro do seu pai algumas vezes, até pegar o jeito.
— Você está brincando?
— Eu queria estar. Javier ficava uma fera toda vez que isso
acontecia. Logo na primeira vez que pegou o carro para tentar dar
uma volta, assim que pegou a sua carteira, você bateu na saída da
garagem.
Ela segura o riso, e eu estou chocada, porém nem um pouco
surpresa. Recordo bem o quanto isso me apavorava.
— Lembro que tinha pavor de dirigir, sempre dizia que nunca
tiraria a carteira de motorista.
— Isso é verdade, mas você é determinada e teimosa.
Colocou na cabeça que iria se tornar a melhor motorista do mundo e
realmente cumpriu. Eu tentava dar algumas dicas, mas como você
pode imaginar, não dava muito certo.
— Eu fui muito difícil?
— Um pouco, mas sabia ser racional. Quando começamos a
nos envolver, eu acabei conseguindo, aos poucos, ajudar você, mas
nunca interferi em muita coisa, porque sempre soube como era
importante para você conquistar as coisas sem auxílio. Sempre
procurei ajudar mais por fora, dando confiança e tal.
Estamos chegando perto de nossa casa, e surge uma ideia
em minha cabeça. Ela disse que me ajudou quando comecei a ter
confiança no volante, sendo assim, acho que não terá problema se
eu pedir ajuda a ela de novo, certo?
— Será que... você sabe... poderia me ajudar de novo? Eu
quero voltar a usar aquele carro lindo na garagem.
— Ele é mesmo o seu xodó. É óbvio que posso, meu amor.
Estava esperando você pedir. Nunca gostei de te pressionar a nada,
e eu gosto de ser sua motorista.
Sorrio para ela, colocando a minha mão sobre a sua coxa.
Um sorriso surge no rosto dela, antes de pegar a minha mão e levar
até a boca, depositando um beijo carinhoso no dorso dela. Esse ato
sempre me deixa feliz, é um gesto tão simples e carinhoso.
— Obrigada.
— Não precisa agradecer, amor. Estou sempre à sua
disposição, para qualquer coisa.
Será que essa mulher não tem defeitos?
Durante o percurso até a nossa casa, permanecemos com as
nossas mãos unidas. É inevitável eu não sorrir com isso, esses
pequenos contatos são muito confortáveis para mim. Tudo com
Luna sempre se torna grandioso, e nunca vou entender esse poder
que ela exerce sobre mim, mas não reclamo, porque eu gosto. Essa
segurança que ela me transmite é essencial para me deixar
tranquila quanto a qualquer coisa que aconteça no futuro.
— Essa casa fica tão vazia sem Louis — comento, assim que
entramos. O silêncio é simplesmente deprimente e ensurdecedor.
Meu filho é o que mais ilumina esse lar, e sem a presença dele fica
tudo tão vazio e estranho.
— É verdade, ele faz mesmo muita falta aqui.
Somente aceno com a cabeça, caminhando em direção à
escada para ir ao segundo andar. Já em nosso quarto, vou até o
closet e guardo todas as minhas coisas em seus devidos lugares.
Luna é extremamente organizada, eu notei isso nesses dias juntas,
principalmente depois que passamos a dividir o quarto novamente.
Sempre deixo as coisas organizadas para não acabar com a
arrumação dela.
— O que vamos fazer? — pergunto, ao voltar outra vez para
a sala, prendo meus cabelos em um coque no topo da cabeça e
olho em direção a Luna, que está largada sobre o sofá, mexendo no
seu celular. Porém, ao me ver, larga o aparelho e abre um sorriso
que me faz desconfiar do que virá a seguir.
— Eu tenho uma ideia.
— Que sorriso é esse?
— Não tem sorriso nenhum. Deite aqui comigo, venha.
— Estou me sentindo um rato prestes a cair na armadilha. —
Estremeço ao me sentar ao lado dela, um pouco distante, o que não
dura muito, porque Luna se aproxima rapidamente de mim e me
olha, antes de fazer qualquer coisa. — O que...
Mal tenho tempo de perguntar o que ela quer me falar
quando, na verdade, sua resposta é segurar meus cabelos,
soltando-os e puxando-me contra si. Espalmo minhas mãos nos
ombros dela por reflexo, mas logo estou segurando-os. Luna usa a
mão livre para segurar minha cintura e me puxar mais para perto,
grudando os nossos corpos.
— Filme? — pergunta, afastando um pouco as nossas bocas,
mas sem desgrudá-las totalmente. — Jogar? Uma série qualquer?
— Entre as perguntas, ela suga meu lábio inferior, beijando-me de
leve em seguida. Isso me desconcentra e me deixa extremamente
quente. — O que você quiser.
— Você é uma tentação, sabe disso — resmungo, afastando-
me um pouco para poder raciocinar longe dela, e Luna solta uma
risadinha, umedecendo os lábios, com os olhos fixos nos meus. O
que será que essa mulher quer fazer comigo? O olhar tem um brilho
que me dá medo imaginar o que se passa em sua cabeça.
— Se eu pudesse, beijaria você o tempo todo, essa boca é
deliciosa demais. Você me deu permissão para fazer isso outra vez,
não quero perder chance alguma.
Antes que eu possa ter alguma reação, ela me ataca. Tudo
bem, é exagerado dizer que ela me ataca quando eu nem ao menos
tento fugir, mas o jeito como me aperta e beija minha boca é
perfeito.
— Você pensa que eu sou a tentação, mas, na verdade, você
que é a minha tentação. Eu não resisto.
O meu erro foi ter olhado nos olhos dela. Senti como se
estivesse enxergando tudo que estou tentando fugir. Leva segundos
para que eu avance nela dessa vez, deitando-a sobre o sofá e
ficando por cima. Luna geme em minha boca, alisando minhas
costas e apertando-me quando mordo sua boca e sugo os seus
lábios. Meu corpo parece entrar em combustão. As minhas
lembranças são de uma época em que eu era virgem, nunca tinha
beijado nem pensava em fazer essas coisas, mas agora descubro
que sempre tive o dom da safadeza.
As mãos dela estão por dentro da minha blusa, os seus
toques queimam a minha pele, fazendo-me arder por dentro, como
um vulcão prestes a entrar em erupção. Luna agarra a minha cintura
com ambas as mãos, fazendo com que eu me mova sobre ela.
Movimento esse que me faz pressioná-la de uma forma gostosa em
uma parte tão específica.
Quando, enfim, caio em mim e noto o que estamos fazendo,
eu abro os olhos e coloco as mãos no sofá, ao lado de sua cabeça,
para me erguer. Ela está com o rosto corado, lábios inchados e
vermelhos, sem qualquer resquício de batom, extremamente
sensual.
— Filmes, eu quero assistir a filmes. Por favor, só coloca um
filme qualquer.
Ela não impede que eu me levante e me sente um pouco
distante, apenas suspira e coloca as mãos no rosto, levantando-se,
segundos depois, para pegar o controle da televisão e fazer o que
pedi. Estou ofegante, tentando acalmar as batidas do meu coração.
Não sei quanto tempo resistirei a essa mulher, mas sinto como se
estivesse chegando ao limite da minha sanidade.
— Posso te abraçar? — ela pergunta, depois de estarmos um
longo tempo em silêncio. O filme já começou, e estou me sentindo
mais calma agora. Olho em sua direção, e o sorriso em seu rosto
jamais me fará dizer não.
— Claro — concordo, e ela abre os braços, separando as
pernas para eu me acomodar entre elas. Luna me envolve em um
abraço confortável, e assim ficamos até o filme acabar. Dessa vez,
comportadas, para o bem da minha sanidade.

Sábado de manhã. Estou prestes a dar mais um passo


importante na minha vida. Nervosa é pouco para definir como me
sinto nesse momento.
— Tem certeza de que o Louis vai ficar bem sozinho? —
pergunto assim que Luna entra no carro, e dessa vez, se senta no
banco do carona. Sim, ela levou a sério sobre me ensinar outra vez
a dirigir.
— O carinha é comportado e está distraído, jogando, nada
vai tirar a atenção dele até voltarmos. Fique tranquila.
— Não sei.
Estou incerta sobre deixarmos uma criança sozinha. As
minhas mãos estão suando, eu aperto o volante com força, e meu
coração está acelerado, assim como a respiração. Engulo saliva,
soltando devagar o ar pela boca para me acalmar.
— Você está muito nervosa. Quer tentar mais tarde?
— Estou com medo — admito sob um fio de voz, evitando
encará-la, mas sinto o olhar dela sobre mim. Luna se aproxima e
coloca uma de suas mãos sobre a minha direita.
— Não é um bicho de sete cabeças, amor. Seu carro é
automático, muito mais fácil de lidar.
— Ainda bem que é automático, acho que eu ficaria perdida
tendo que trocar as marchas pelo câmbio.
— Estou aqui do seu lado. Confie em você como eu confio,
ok?
Eu concordo com a cabeça e presto atenção nas dicas que
ela dá. Ouvindo, não parece difícil, mas ainda estou nervosa,
embora Luna tenha muita paciência para explicar e para me deixar
tranquila. Confiro se tudo está certo, antes de sair da garagem de
casa.
— Se eu fizer algo errado, você me avisa.
— Pode deixar. Vá devagar e confira se não tem movimento
atrás do carro. — Eu olho pelo retrovisor, enquanto dou ré, e tudo
parece livre, então sigo devagar. Estou quase fora de casa quando
me distraio e faço o carro morrer, por ter ficado nervosa. — Calma,
princesa. Ligue-o de novo e continue.
Eu chego à rua, olho para um lado e depois para o outro.
Sinceramente, estou indo muito bem, pois, até agora, ela não disse
nem uma vez sequer que errei.
— Vamos à esquerda ou à direita?
— Tanto faz, meu amor. Vamos dar uma volta na outra rua e
voltamos, para que o carinha não fique tanto tempo sozinho.
Concordo com a cabeça e viro o volante para a esquerda.
Luna me avisa sobre o alerta, e eu o ligo, virando com cuidado.
Felizmente, está tudo calmo em nossa rua e posso fazer tudo no
meu tempo.
Seguimos, devagar e sempre. Eu estou bem, e ela me elogia
várias vezes, deixando-me orgulhosa e confiante.
— Se você fosse me dar uma nota, qual seria? — pergunto,
olhando-a, o que foi um erro, pois, ao ver a expressão dela, eu
percebo que fiz algo errado.
— Nunca tire a atenção da estrada. Nunca.
— Desculpe.
— Tudo bem, meu amor. Eu sei que você não se lembra das
coisas, apenas jamais tire os olhos da estrada. Lembre-se de que
dirige para você, para quem estiver no carro e para os outros que
estão na rua. Atenção é uma das coisas mais importantes.
— Não vou me distrair mais, pode deixar.
— Você está indo tão bem, diferente das primeiras vezes que
o seu pai emprestava o carro dele para eu te ensinar a dirigir. Estou
orgulhosa, apesar de já saber que você seria perfeita. A minha nota
é dez, não teria como ser diferente.
Eu gosto tanto como ela faz para que a minha autoestima
melhore. Isso é maravilhoso. Dá para saber que é muito verdadeiro,
porque a fala, os olhos, tudo nela reflete sinceridade.
— Na próxima aula, eu estarei melhor.
Estamos chegando, e estou feliz por ter conseguido me dar
bem logo de primeira, embora tenha feito algumas coisas erradas,
mas nada que não possa ser corrigido nas próximas vezes. Logo
estarei dirigindo sozinha, sem depender de ninguém. Será ótimo ter
essa independência.
— Se não quiser arriscar guardar o carro na garagem, pode
encostar ali em frente, que depois eu guardo.
— Eu acho melhor mesmo não arriscar, fui tão bem que
tenho medo de bater ao tentar estacionar.
Luna solta uma gargalhada e me guia, para não estacionar o
carro tão distante da calçada. Eu consigo fazer isso com certa
maestria e a deixo orgulhosa.
— Você aprende as coisas rápido, e eu gosto disso. Na
próxima, acredito que você já consiga estacioná-lo na garagem sem
medo.
— Nem foi difícil mesmo. Estou com a adrenalina correndo
pelo meu corpo todo.
O silêncio cai sobre nós, e acabamos trocando olhares. O
meu olhar desce para a sua boca por puro instinto, e quando eu
volto a encarar seus olhos rapidamente, eles também estão fixos em
minha boca. O meu corpo reage a esse olhar. Como sempre digo,
ela tem, de fato, algo sobre mim.
— Eu vou beijar sua boca — ela diz de repente, e minha
resposta é automática.
— Vai?
— Vou.
— Está esperando o quê?
Sem tirar os olhos dos meus, ela tira o cinto de segurança e
inclina-se em minha direção, mal me dando tempo de ter qualquer
reação que não seja beijar a sua boca, sem nem conseguir tirar o
meu próprio cinto. Luna agarra meus cabelos com uma das mãos,
enquanto a outra está em minha lombar, apertando os dedos contra
a minha pele.
Será que nunca mais vamos conseguir trocar beijos
comportados?
— Eu preciso aprender a me controlar, mas é impossível —
ela diz ao se afastar um pouco.
Eu ainda estou de olhos fechados, e o tom rouco da voz dela
me faz estremecer levemente. Quando os abro, minha primeira
reação é me sentir completamente nua sob seu olhar, e a segunda é
me assustar, ao ver quem está de pé do lado de fora do carro.
— Puta que pariu, Belinda.
— Por que está falando da sua irmã agora?
— Essa idiota está do lado de fora, filmando-nos com o
celular — eu falo e aponto em direção à minha irmã, que está rindo
e com o celular apontado para nós duas. Luna olha para ela e acaba
rindo também, acenando para a câmera. Reviro os meus olhos e
retiro o meu cinto para sair do carro.
— Será que você não tem o que fazer?
— Eu não, mas vocês duas têm muitas coisas boas para
fazer. Camille, o que os nossos pais diriam, se soubessem que
vocês deixaram o Louis sozinho em casa para se agarrarem dentro
do carro?
Belinda me encara, com as mãos na cintura e um falso olhar
sério. Eu acreditaria nela se não a conhecesse desde muito antes
de nascermos. Não a respondo, pelo contrário: a ignoro e passo
direto por ela.
— Cunhada, eu juro que tentei segurá-la para não atrapalhar
vocês, mas sua irmã é impossível de ser contida — Rodrigo, que
estava um pouco mais distante, se desculpa, assim que chego perto
dele. Sorrio para o meu cunhado, notando que ele está com sacolas
nas mãos.
— Ela não tem escrúpulos, a verdade é essa, mas tudo bem.
Vieram nos visitar?
— Sim! Trouxemos coisas para o almoço. Estávamos com
saudade — ele diz e aponta em direção à porta: os meus sobrinhos
estão de pé, esperando por nós, e Louis está olhando pela janela.
Deixamos tudo trancado por precaução, por mais que não fôssemos
demorar. Como já tínhamos sido irresponsáveis, deixando-o
sozinho, não correríamos o risco de também deixá-lo destrancado.
— Vamos entrar. Eu também estava morrendo de saudade.
Aproximo-me rapidamente dos meus sobrinhos, abraçando-
os, beijo Harry e, em seguida, Serena, que não desgruda de mim
por nada durante o caminho até dentro de casa. O dia já está
perfeito e a tendência é melhorar, apesar de minha irmã pegar no
meu pé. Eu sinto falta da presença dela e estou feliz que eles
estejam aqui. Mas não evito pensar em tudo o que aconteceu antes.
Luna e eu estamos cada vez mais íntimas, e isso me assusta.
Até quando conseguirei resistir?
Capítulo 21 – Minha pessoa
Mais uma vez, estou sentada no sofá em frente à poltrona da
minha psicóloga, que está anotando algo em sua prancheta, como
de costume. Estou me sentindo ótima, hoje acordei feliz e mais leve.
O meu filho foi passar o dia na casa da minha melhor amiga, pois
Toni implorou por isso, e eu vim à consulta sozinha. Infelizmente,
ainda não tenho confiança de dirigir, por isso tive que pedir um carro
do aplicativo. Para a minha tristeza, eu também não pude contar
com Luna, pois ela precisava chegar cedo ao trabalho. Aqui estou
eu, prestes a contar os últimos acontecimentos.
— Perdão pela demora. O meu secretário comprou essa
prancheta nova, e ela precisa de mais informações que a anterior, o
que tem me dado trabalho.
Sorrio em compreensão.
— Tudo bem, sem problemas.
— Como as coisas estão, Camille? — a Dra. Robertson
pergunta e me olha por entre os cílios, sob as lentes dos seus
óculos de grau.
A minha reação automática, ao pensar nos últimos dias, é
abrir um enorme sorriso. Não tenho conseguido controlar a
felicidade.
— Em sentido geral, estão cada vez melhores. Cada dia é
como um recomeço, sempre melhor do que o anterior.
— Esse sorriso gigantesco está cheio de coisas não
contadas. Quer falar sobre?
— Eu só me sinto bem, pois as coisas estão melhorando.
Cada dia, aprendo mais sobre a Camille de quem não me lembro e
estou mais familiarizada com a minha rotina.
— Isso é maravilhoso de saber. Fico muito feliz que as coisas
estejam melhorando — ela diz e anota algo em sua prancheta. — E
com a sua esposa? Ou devo chamá-la pelo nome?
— Ela é a minha esposa. Ainda não me acostumei totalmente
com o fato de ser casada e de não me lembrar, mas estou tranquila
quanto ao casamento. Boa parte da causa do meu sorriso é ela. Eu
me dei conta de que, se fosse outra pessoa, tudo estaria dando
errado.
A Dra. Robertson parece realmente surpresa ao me ouvir
dizer aquilo, mas guarda os seus comentários para si, enquanto faz
mais anotações. Eu entendo a surpresa, pois, nas últimas consultas,
por mais que eu tenha deixado claro a melhora da minha
convivência com a Luna, nunca me referi a ela como esposa e não
deixava que fizessem isso. Eu não tenho motivos para tentar apagar
o fato de ser casada com Luna, pois é isso o que somos. Estamos
deixando as coisas tomarem o seu rumo. Eu me encontro feliz por,
cada vez mais, só sentir coisas boas em relação a ela.
— Isso é um avanço muito significativo. Vocês se dando bem
é a melhor forma de ajudar a sua readaptação. Fico feliz por esse
avanço.
— Eu também estou muito feliz. Desde que conversamos
sobre deixá-la entrar na minha vida outra vez, as coisas têm sido
mais fáceis. Ah, passamos o final de semana em Miami, na casa
dos pais dela.
— Sério? E como foi? Você se sentiu bem?
— Foi ótimo. Apesar de um pequeno desentendimento entre
Ana e Luna, os dias foram agradáveis. Ela me levou a um lugar em
que costumávamos ir quando éramos mais novas, repleto de
lembranças. Foi como entrar em um cinema privado sobre a minha
vida com ela.
— Eu tenho notado que, cada vez mais, você fala dela com
alegria. Essa evolução é realmente importante, saiba disso.
— Eu sei. Hm, nós… — O meu rosto esquenta, e eu travo,
antes de contar aquilo.
A dra. Robertson sorri de lado e me encara, desconfiada.
— O quê?
— Nós nos beijamos, e dessa vez foram beijos de verdade.
Muitos.
— Muitos?
— Vários. Eu não consigo evitar. Toda vez que ela me prensa
contra algum lugar, ou quando estamos a sós e ela simplesmente
para perto de mim, tenho de não soltar a sua boca.
— O relacionamento de vocês está se reestruturando bem.
— Muito, muito bem. Tão bem que tenho medo de fazer
alguma coisa errada e magoá-la.
— Camille, ter medo de machucar quem gostamos é normal,
mas não devemos criar tanta paranoia em relação a isso, pois nos
magoamos em qualquer relacionamento, o que é completamente
normal. O que importa é saber lidar com a mágoa. Não adianta fazer
de tudo para ser perfeito e estragar algo sem querer. Somos seres
humanos e erramos constantemente, mas não devemos parar de
aprender e tentar mudar sempre. No final, é isso o que importa.
Ouço todas as palavras que ela me diz e as absorvo. Tenho
total consciência de que vamos acabar errando em algum momento,
pois como a doutora disse, estamos suscetíveis a erros. O que
nunca devemos fazer é deixar que a mágoa cresça, temos sempre
que resolver o que estiver errado da melhor forma.
Espero que a Luna esteja ao meu lado em todos os
momentos, apesar de saber, com certeza, que ela nunca me
abandonará. Amadureceremos juntas. Eu quero ser a melhor
pessoa possível para ela, porque não existe ninguém no mundo que
me faça desejar tanto uma vida boa quanto essa mulher. Tudo que
desejo para nós é paz, crescimento e muita compreensão.
Logo que a consulta termina, despeço-me da Dra. Robertson.
Prestes a abrir o aplicativo para pedir um carro, noto ter mensagens
recebidas, então puxo a barra de notificação e vejo que são de
Luna. Como sempre, é impossível frear o sorriso que nasce em meu
rosto.
— Está muito ocupada? — pergunto, assim que ela atende a
chamada no terceiro toque. Eu não consigo evitar fazer ligações,
sempre prefiro ligar a enviar mensagens. Gosto de ouvir a voz da
pessoa.
— Nunca para você, meu amor. Acabou a consulta agora?
— Sim. Pedirei um carro agora para ir embora. Ou talvez eu
visite a Vanessa. Não decidi ainda.
— Conseguiu chegar no horário? Eu saí com tanta pressa
que nem pude acordar você.
— Eu percebi. Acordei, assim que você se levantou, e não
consegui dormir mais depois disso. Próximo ao horário da consulta,
chamei o Uber e saí. Deu tudo certo, eu estou ficando boa em sair
sozinha por esta cidade.
— Você sempre foi muito esperta, amor. Que bom que deu
tudo certo!
— Sim.
— Eu posso pegar você se quiser.
O meu coração fica derretido com sua pergunta. Eu gosto do
quanto ela é protetora e sempre tenta facilitar tudo para mim, mas
não sou idiota de fazê-la vir de tão longe, sabendo que hoje ela
ficará até tarde no trabalho, apenas para suprir um capricho meu.
— Não precisa, eu acabei de pedir um carro. Ronald está
vindo me buscar.
— Tudo bem, princesa. Compartilhe a sua localização comigo
e, quando chegar, me avise.
— Acho que vou passar naquele mercado perto de casa e
comprar algumas coisas, estou com vontade de comer algo
recheado de queijo.
— Isso é maldade, sabia?
— Por quê?
Percebo que o carro está chegando e aceno para ele, indo
em sua direção.
— Nada se compara à sua comida.
— Você já comeu? Está na hora do almoço.
— Comi uma maçã agora há pouco, mas estou esperando
Nayara, para almoçarmos juntas. Ela avisou por mensagem que
está quase chegando.
— Eu ia brigar com você, caso ficasse só com uma maçã no
estômago o dia todo.
— Eu imaginei, conheço você. Queria almoçar contigo.
Nenhuma comida neste mundo supera a sua.
Sinto meu ego inflar com seu elogio. Eu sempre amei
cozinhar e fiz questão de aprender bem cedo, mesmo que ninguém
ordenasse. Nunca fiz a linha de que só porque sou mulher preciso
saber cozinhar. Aprendi por amor e porque não queria sobrecarregar
a minha mãe quando tinha vontade de comer alguma coisa.
— Hmm... Eu posso fazer algo especialmente para você mais
tarde. Algum pedido?
— Tudo o que você faz é ótimo, mas eu também quero algo
recheado com queijo.
Minha mente começa a planejar cardápios automaticamente.
— Vou fazer alguma coisa com recheio de queijo para você.
— Eu tenho que desligar, mas, amor...
— Hm?
— Estou cheia de saudade de você.
Ao ouvi-la, sinto o meu coração acelerado, como se uma
explosão de adrenalina tivesse acabado de acontecer dentro de
mim. Mesmo que ela não possa ver, eu sorrio, com a certeza de ela
sabe o que estou fazendo. Não penso duas vezes antes de
responder com sinceridade.
— Eu também estou cheia de saudade.
Ela se derrete toda e fica manhosa quando precisamos nos
despedir. As minhas mãos estão suadas, e o coração ainda
acelerado. Sinto que poderia enchê-la de beijos agora mesmo. Não
me lembro de ter sentido algo assim por alguém. Com a Luna, tudo
parece mais intenso. Eu gosto e tenho medo ao mesmo tempo, mas
como meu pai disse uma vez para mim, precisamos de coragem
para gostar de uma pessoa, e eu terei coragem para amá-la. Não
existe mais nada que eu queira além disso.
Quase terminando de arrumar a mesa, olho para o relógio na
parede e percebo que o jantar será mais tarde do que o habitual,
pois já são quase oito horas da noite. Pronta para pegar o meu
celular e ligar para Luna, a porta da frente é aberta, e vozes
agitadas tomam conta da casa. O sorriso é automático, eu não
aguentava mais ficar sozinha.
— Eu não acredito que estou sentindo cheiro de quesadillas!
— Sí, mami! Com muito queijo, como você gosta.
Aproximo-me de Luna para cumprimentá-la com um beijo de
boa noite, mas sou impedida com o impacto daquele pequeno ser
em minhas pernas. Sorrio para o meu filho, abaixando-me para
abraçá-lo.
— Te extrañé muchísimo, mamá. ¿Me habéis extrañado?
O espanhol de Louis tem melhorado muito, apesar do
sotaque carregado. Mas, de qualquer forma, faz meu coração
palpitar ao ouvi-lo falar na minha língua mãe. Lembro-me do orgulho
que meus pais sentiam ao ouvir as minhas irmãs e eu falarmos em
espanhol, e entendo totalmente esse sentimento. Não existe nada
mais satisfatório que ensinar suas raízes a um filho.
— Sí, cariño, te extrañé muchísimo también. Te quiero
mucho.
— Te quiero mucho, mamá.
— ¿Tienes algo de ese amor por mí también? Me siento
excluida.
Louis e eu trocamos olhares, antes de abrirmos um enorme
sorriso e agarrarmos a Luna: ele, na cintura dela, por conta de sua
altura; eu, envolvendo seu pescoço. Já disse que ela fica muito fofa
quando faz drama?
— Mamãe, a senhora tem todo o nosso amor. Para sempre
— Louis diz em inglês dessa vez. Por mais que ele esteja evoluindo,
ainda não sente segurança em manter uma conversa toda em
espanhol. Eu não vejo problema algum. Aos poucos, ele vai se
adaptar.
— Lavem as mãos e venham comer, enquanto ainda estão
quentes. Eu fiz quesadillas de frango e de carne, com muito queijo.
Os dois comemoram com um toque de mãos engraçado,
antes de se encaminharem ao pequeno lavabo no corredor para
lavarem as mãos. Eu termino de arrumar tudo, e logo eles voltam
para jantar. Sentamo-nos à mesa, e imediatamente meu filho
começa a falar sobre o dia que teve. Olho para ela e a vejo
concentrada no que o pequeno conta, mesmo sem parar de comer.
É lindo o brilho no olhar dela ao olhar para Louis, eu acho a
coisa mais fofa e adorável do mundo. Quando somos mais novos,
nunca pensamos em cenas como esta. Se eu tivesse imaginado, no
passado, a Jacobs como mãe, certamente não chegaria nem perto
de como ela é realmente. Excelente pessoa, excelente mãe,
excelente esposa. A cada dia, eu a admiro mais. Apaixonar-se por
ela é inevitável.
Louis pede que nós duas o coloquemos para dormir, e eu
obviamente nunca recusaria esse tipo de pedido, e tenho a certeza
de que Luna também não. Apertamo-nos na cama do pequeno,
fazendo carinho e contando histórias sem sentido até que ele pegue
no sono, o que não demora muito.
Uma vez, Luna comentou que, desde quando nasceu,
raramente Louis deu trabalho para dormir. Bastava colocá-lo na
cama e fazer carinho em seu queixo que tudo ficava bem.
Sabe uma coisa engraçada? Luna tem essa mesma mania:
se fizer carinho no seu queixo, ela simplesmente adormece em
segundos.
— Eu ainda não vi o nosso álbum de casamento, onde está?
Nós temos um, certo? — comento, assim que volto do banheiro e
me sento na cama. Eu estava fazendo minha higiene antes de me
deitar. Luna, que está no closet, demora alguns minutos para sair de
lá, com um álbum branco com listras coloridas em suas mãos. Não
preciso pensar muito para saber que é uma bandeira LGBT+, o que
me faz rir.
— Você se casa com uma fotógrafa viciada em fotos de tudo
e realmente cogita não ter um álbum de casamento?
— Mas não deve ter sido você que nos fotografou, seria meio
impossível.
Ela solta uma gargalhada e concorda com a cabeça,
sentando-se ao meu lado para me entregar o álbum.
— Nós discutimos durante a festa, porque eu queria muito
tirar algumas fotos, e você estava indignada com o fato de eu ficar
escolhendo as câmeras, podendo ficar ao seu lado.
— Eu parecia ser bem...
— Autoritária? Sim, você sempre foi extremamente mandona.
— Sério?
Eu abro o álbum, e na primeira página tem uma foto nossa
muito bonita: Luna está sentada em uma cadeira que mais parece
um trono de rainha; eu, em seu colo, com a cabeça deitada no seu
ombro, admirando o seu rosto.
— Muito sério, mas sempre gostei, principalmente quando
você mandava na cama.
Os meus olhos quase saltam das órbitas ao ouvir aquilo.
Luna olha para a foto de forma natural, como se não tivesse
acabado de falar uma safadeza.
— Você faz isso de propósito, não faz?
— O quê? Citar nossa vida sexual? Sim, é completamente
normal. Eu sempre gostei mesmo do fato de você dizer o que queria
e como queria. E se não estivesse bom, mandava fazer de uma
forma que ficasse.
Não a respondo, volto o meu olhar para o álbum e passo para
a próxima foto, que é composta de amigos e familiares, todos
sorridentes, erguendo seus copos que contêm algo que parece ser
espumante, e nós duas estamos bem no centro do grupo.
— Gostei dessa foto, bem natural — comento, admirada com
uma foto nossa, em que estamos um pouco mais afastadas de
todos. Luna tem as mãos em minha cintura, e eu seguro seus
ombros, com a cabeça jogada para trás, parecendo me divertir com
alguma coisa.
— Esta sempre foi uma das suas favoritas, porque realmente
foi natural. Eu estava contando-lhe piadinhas. Nem sabíamos que o
fotógrafo estava tirando fotos nesse momento.
— Ficou muito bonita.
— De fato, ficou. Eu estava muito preocupada que todas as
fotos ficassem bonitas.
— Por que será que tenho certeza de que você ficou em cima
da equipe de fotografia o tempo todo? — Olho de soslaio para a
Luna e a vejo abrir um sorriso sapeca, como se assumisse o ato.
— Não pode me culpar por querer o melhor. Era um dos
nossos dias mais felizes, precisava ser tudo perfeito.
Na foto seguinte, a primeira coisa que me chama a atenção é
o brilho intenso em nossos olhares e os sorrisos cúmplices. Nossa!
Parecemos tão felizes.
— Sempre achei esse estilo de foto uma coisa muito bonita
— comento, analisando a foto em que Luna está me erguendo pela
cintura, e eu, segurando em seus ombros. Estamos trocando
olhares e sorrisos. É uma foto realmente linda.
— Foi ideia sua tirar uma foto assim. Eu achei que ficaria
bonita, e realmente ficou, mas como não poderia? Veja que casal
perfeito — ela brinca, e eu reviro meus olhos, empurrando-a pelos
ombros.
Continuamos conversando e olhando todas as fotos. O
detalhe mais notável em mim é a felicidade estampada no meu
olhar, no meu rosto, como se eu brilhasse, exalando paixão por
aquela mulher. Sinto uma dor momentânea ao me dar conta de que
talvez nunca me lembre de tudo isso que vivemos, mas olhar para o
lado e ver o sorriso de Luna me dá forças para criar novas
lembranças com ela.
— Você sente falta da antiga Camille?
— Como assim?
— Digo, a Camille por quem você era apaixonada e morria de
amores.
— Mas você é a Camille por quem eu sou apaixonada e
morro de amores.
— Sim, eu digo sobre o passado. Sei que estamos
recomeçando, mas você não sente falta de como eram as coisas?
Comigo retribuindo os seus sentimentos de forma completa, estando
ao seu lado da maneira que eu sei que você quer.
Luna finalmente entende aonde eu quero chegar, suspira e se
ajeita sobre a cama. Nesse momento, parece um pouco
desconfortável, mas eu preciso saber mais de como ela está se
sentindo com tudo isso. Não sei se ela espera que eu volte a ser
como era antes, porque sabemos que existem chances de isso não
acontecer.
— Camille, eu vou ser bem sincera com você. Não está
sendo fácil, mas o fato de estarmos nos dando bem de novo me
tranquiliza mais. Você consegue imaginar como é passar anos com
uma pessoa, construir uma vida com ela e, então, tudo
simplesmente sumir da memória dela como se fosse mágica? Tenho
me desdobrado para não surtar e não deixar que você surte.
— Não pensei por esse lado. Eu imagino que as coisas
estejam difíceis, mas não tanto assim.
— Ei, fique tranquila, tudo está se acertando aos poucos. —
Ela segura minhas mãos e me olha diretamente nos olhos,
querendo me tranquilizar. — No início, eu sentia que poderia
explodir e surtar a qualquer minuto, mas resolvi ter calma e esperar.
Tudo tem o seu tempo, e algo dentro de mim diz que as coisas
sempre se acertam de uma forma ou de outra.
— Fico menos preocupada em saber que estamos
conseguindo acertar tudo aos poucos.
— Sim, eu também. Quando você acordou naquele dia, e fui
me dando conta das grosserias e da sua vontade de me largar,
parecia que eu estava presa em uma caixa de vidro minúscula,
observando uma onda tomar conta de tudo, sem que eu pudesse
me salvar ou salvar você.
Por reflexo, aperto nossas mãos unidas e fecho os olhos, ao
puxá-las contra o meu peito, que está apertado por me lembrar de
como fui idiota com ela, no início de tudo.
— Desculpa pelas grosserias. Eu jamais a magoaria com
intenção. Era tudo tão difícil.
— Está tudo bem agora, não precisa mais se culpar. O que
passou, passou. Nós estamos começando a nos entender de novo.
No momento, não sinto falta da antiga Camille, porque estou
adorando conhecer essa versão melhorada.
Ouvi-la dizer isso é como retirar uma tonelada dos meus
ombros. O meu maior medo, apesar de estarmos recomeçando, era
que ela sentisse falta e esperanças de ter de volta a antiga Camille.
Não quero mais magoá-la ou decepcioná-la, principalmente por ter
consciência de que eu posso nunca me lembrar de nada. Da mesma
forma que ela está conhecendo uma nova versão minha, estou
tendo o privilégio de conhecer uma Luna que é nova para mim.
Preciso confessar que quanto mais conheço a Luna, mais eu
gosto dela. É interessante como as coisas acontecem. Mesmo sem
perceber, em pouco tempo, eu já sabia que seríamos importantes
uma para a outra. Algo dentro de mim sempre soube e sempre vai
saber que ela é a minha pessoa.
Capítulo 22 – Dias melhores
Se eu puder dizer que odeio acordar de madrugada querendo
beber água e me dar conta de que me esqueci de trazer a garrafa
antes de me deitar, então eu digo, porque isso me mata. Outra coisa
que chama a minha atenção, além da falta da garrafinha, é o fato de
que estou sozinha na cama. Curiosa, pego o meu celular, para
verificar as horas, e não me espanto ao ver que são três horas da
manhã.
Cadê aquela mulher?
Levanto-me da cama e apanho um dos roupões felpudos
pendurados atrás da porta. Sempre os deixamos ali para o caso de
precisarmos sair do quarto. A casa está em silêncio, mas quando
chego à escada, noto a luz do corredor, que leva à cozinha, acesa, e
ouço alguns sons vindos de lá.
— O que faz acordada, a essa hora, dentro da geladeira?
— Meu Deus, Camille! — ela exclama e dá um salto,
retirando a metade de seu corpo lá de dentro.
Franzo o cenho e sinto vontade de rir, ao notar uma mancha
vermelha em seu queixo e outra na ponta do nariz.
— Quer me matar de susto?
Aproximo-me dela de braços cruzados, sem desviar nossos
olhares.
— Eu quero saber o que faz acordada e por que estava tão
dentro da geladeira. Quer se resfriar? — É inevitável não lhe dar um
esporro. Às vezes, a Luna realmente se comporta como uma
criança e não como uma mulher adulta que já chegou aos trinta
anos.
Descruzo os meus braços para limpar o seu rosto sujo,
aparentemente de calda de morango.
— Você precisa parar de me assustar assim, pois o meu
coração está sambando no meu peito.
Solto uma risadinha por causa de seu exagero. Essa mulher
consegue ser dramática quando quer.
— E daí? Eu posso assustar você sempre que quiser.
— Engraçadinha. Senti vontade de comer biscoito com calda
de morango e bolo.
— Percebi — ironizo e mostro os meus dedos sujos com a
calda de morango que retirei de seu rosto. Luna pressiona os lábios,
sem jeito, e desvia o olhar do meu.
— Nem me dei conta de que estava me sujando.
— Parece até que não jantou direito. Esse bolo deve estar
velho, você não devia comê-lo. Eu me esqueci de jogar fora.
— Nãooo! — Luna faz manha e agarra meus pulsos quando
faço menção de pegar o pote com o tal bolo. — Ele está delicioso.
— Se você gosta tanto, eu posso fazer outro, mas este está
velho.
— Faz agora?
Olho incrédula para ela e penso ser alguma brincadeira, mas
o brilho quase infantil em seu olhar me faz acreditar que está
falando muito sério.
— Por favor.
Quase não resisto ao seu pedido, mas acontece que estou
com sono. Apenas desci para buscar água e voltar para a cama.
— Já viu as horas? Estou cansada, mas prometo que
acordarei você com um bolo fresquinho, recheado de creme de
morango, que tal?
Fecho a geladeira e me aproximo dela, colocando as mãos
em sua cintura e abrindo um enorme sorriso. Luna faz um bico
enorme de desapontamento, e isso me faz automaticamente me
inclinar para a frente e selar os nossos lábios.
Ela suspira, rendida, e segura o meu rosto em suas mãos,
retribuindo o beijo com genuína paixão. Sinto sua língua alisar o
meu lábio inferior e, então, abro a minha boca, permitindo que ela a
invada. Uma lufada de ar escapa de mim quando meu corpo
começa a esquentar. O ritmo do beijo acelera, e sei que esse é o
momento de pará-lo.
— Quero biscoitos de chocolate também.
— Está querendo me explorar, não acha?
Ainda estamos na mesma posição de antes, mas sem
trocarmos beijos. Luna sorri, inclinando-se para selar os nossos
lábios mais uma vez, antes de responder:
— Fico devendo uma.
— Hmm, isso é interessante. As minhas costas estão doendo
um pouco, sabe? Muitos movimentos de dança.
Ela sorri, solta o meu rosto, leva as mãos até as minhas
costas e as escorrega, até chegar à minha lombar e pressionar as
pontas de seus dedos. Engulo em seco, retraindo o meu corpo por
reflexo, e quase solto um gemido de alívio por ela ter acertado o
ponto exato da minha dor.
— Farei com o maior prazer. Você quer agora? — ela diminui
o tom de voz e gira os dedos centrais no local em que estou
sentindo maior desconforto.
Quase me derreto em seus braços. O coração dispara e uma
bola de saliva se forma em minha boca. Respiro fundo ao me
afastar um pouco.
— Seria perfeito para mim.
— Ótimo. Vamos subir que eu faço, e amanhã o meu bolo
com biscoitos estará garantido.
Sinto vontade de responder que ele está garantido de
qualquer forma, mas prefiro que ela me faça a massagem mesmo.
Estou realmente sentindo algumas dores em minha lombar. Talvez
por ter errado a postura em algum momento, durante as aulas de
dança.
Antes de subirmos, pego a minha garrafa de água e faço com
que ela pegue uma para ela também. Arrumamos a pequena
bagunça que ela fez na cozinha e voltamos para o nosso quarto.
Deito-me de bruços na cama e a espero. Luna apaga as
luzes e deixa apenas a do abajur acesa, em intensidade baixa. Fica
um clima tão gostoso, que tenho certeza de que dormirei com
facilidade. Ela sobe na cama e, então, sobe em meu corpo,
ajeitando-se um pouco abaixo da minha bunda, bem no centro de
minhas coxas.
— É exatamente aí que está doendo — falo, assim que ela
pressiona com os polegares o centro da minha lombar. Luna aplica
mais pressão e gira os dedos, fazendo-me enfiar o rosto no
travesseiro para abafar qualquer som que escape de mim.
— Você precisa voltar a praticar o seu tão precioso yoga.
Essas dores vão sumir.
Retiro o meu rosto do travesseiro e solto um longo suspiro
quando ela aplica pressão outra vez.
— Eu praticava?
— Sim.
— Voltarei, então. Essa dor não me atrapalha, mas me
incomoda.
— Faça isso. — Ela espalma as mãos em minhas costas e
sobe até meus ombros, pressionando de uma forma maravilhosa.
Luna sabe o que está fazendo. — Você vai à Belinda amanhã?
— Sim, ela mandou mensagem, querendo confirmar. Você
pode me levar?
— Claro, mas que tal você ir guiando o carro, e eu a auxilio?
Os meus olhos se arregalam ao ouvir aquela sugestão. Ela
só pode estar louca, se pensa mesmo que eu vou dirigir durante
vinte minutos.
— Nunca — respondo prontamente, e ela acaba rindo,
tremendo sobre mim.
— Amor, você precisa aprender uma hora ou outra. Tem que
ganhar confiança assim, aos poucos. Que tal só uma parte? Se
você sentir que não está preparada para ir até lá, eu levo o resto do
caminho.
Fecho os olhos e quase derreto sobre o colchão quando ela
volta a pressionar a minha lombar, com seus movimentos precisos.
— Eu acho considerável, mas não garanto nada.
— Já é um começo. — O seu tom de voz sai extremamente
rouco, e quando me dou conta, ela está parcialmente deitada sobre
mim, afastando os meus cabelos para ter minha nuca livre.
Pressiono meus olhos com força ao sentir o ar quente de sua
boca bater contra a minha pele, arrepiando-me. Luna muda as mãos
para a minha cintura, apertando-a com força, antes de beijar no
ponto entre os meus ombros. Os lábios macios passeiam pela
minha nuca, e como se não bastasse, me dá uma leve mordida, que
faz o meu corpo estremecer.
— Luna… — tento alertá-la, mas a minha voz sai com o tom
de quem está deixando claro que não quer parar.
Ela não está fazendo nada demais, mas, mesmo assim,
todos os meus sentidos estão aguçados nesse momento.
Luna se afasta um pouco, e eu penso que estou livre de suas
garras perigosas, mas sinto quando ela enfia o seu braço por
debaixo de mim e me gira, como se eu não pesasse nada.
— Sua dor passou?
Ela está me olhando diretamente nos olhos, enquanto se
ajeita entre as minhas pernas. Nesse momento, me sinto como uma
virgem intocada. Eu sei que Luna não fará nada que eu não queira,
mas também sei o que ela espera que aconteça. Tenho consciência
de que, mais cedo ou mais tarde, vai acontecer.
— Você é perigosa. — Ela abre um enorme sorriso ao ouvir o
que acabo de dizer e faz menção de se abaixar para me beijar, mas
eu resolvo agir: enfio minha mão direita por dentro de seus cabelos
e os seguro com força. Luna parece surpresa com o meu ato e
paralisa, esperando minha próxima ação. — Só que eu também sou,
e você sabe disso. Minha memória pode não estar aqui, mas eu
sinto, Luna. Quer continuar brincando assim?
Ela ofega, parecendo surpresa demais para me dar uma
resposta rápida. Sorrio, me sentindo satisfeita por finalmente ter
entrado no jogo dela e ganhado uma disputa. É claro que essa
rodada é minha, basta olhar para o estado catatônico que essa
mulher, em cima de mim, se encontra.
— Por um segundo, eu tive uma sensação de déjà vu.
— Você me conhece melhor do que qualquer outra pessoa
nesse momento, inclusive melhor do que eu mesma. Quantas vezes
a antiga Camille se rendeu a você sem devolver suas provocações?
— Foram raras.
— E você ainda quer brincar comigo assim?
Nossas bocas estão quase coladas, nossas respirações se
misturando, e eu poderia dizer que até mesmo as batidas de nossos
corações estão no mesmo ritmo. Luna sorri, usando sua boca para
alisar a minha.
— Eu quero brincar com você de tantas formas — ela
sussurra e me beija, acariciando de leve minha boca com a sua. Eu
suspiro, deixando-a guiar o beijo. — Não faz ideia das coisas que se
passam na minha cabeça.
— Fale-me…
Luna sorri e chega ao meu pescoço, roçando os seus lábios
levemente. Fecho os meus olhos, apreciando o seu toque. Essa
mulher vai me matar, é fato, ela sabe muito bem quais são os meus
pontos fracos. Isso é perigoso, mas quem disse que tenho medo?
— Não vou falar, eu vou mostrar, mas sei que você ainda não
se sente pronta. Por mais que seja teimosa e queira me contrariar,
como sempre gostou de fazer.
Uma risada me escapa. Eu realmente sempre gostei de
contrariá-la, principalmente porque sabia que ela odiava que a
contrariasse. Eu a puxo para trás pelos cabelos, fazendo-a me
encarar; Luna encara minha boca, e acaricio a dela com meus
dedos da mão livre.
— Você saberá quando eu estiver pronta, e espero que faça
todas as coisas que estão se passando na sua cabeça.
Os olhos parecem ganhar um brilho mais intenso, e sem
pensar duas vezes, ela beija a minha boca. Luna não se importa em
soltar seu peso sobre meu corpo, e eu amo isso. Senti-la totalmente
assim está sendo delicioso.
Quem disse que acordar de madrugada não pode ser
interessante?
O meu coração aperta ao ler essas palavras, é como se eu
conseguisse sentir o desespero que estava sentindo. Quando
peguei um dos diários mais recentes, não pensei que a carga
emotiva de ler o que estava acontecendo me deixaria tão
sobrecarregada quanto agora.
— O que está fazendo, criatura? Estou procurando por você
faz tempo. — Ouço a voz de Belinda e automaticamente fecho o
diário que está em minhas mãos. Ainda meio zonza, viro-me em sua
direção; ela está segurando duas xícaras em suas mãos e se
aproxima de mim. Tento sorrir, mas é em vão. Pelo olhar dela, minha
irmã sabe que tem algo errado. — Por que está com essa cara de
quem acabou de descobrir uma coisa terrível?
— Eu... — Respiro fundo. — Leia isso aqui.
Belinda se senta ao meu lado no sofá da sala de sua casa.
Luna me deixou aqui mais cedo e saiu com o Rodrigo e os meus
sobrinhos para fazer alguma coisa com o carinha. Eles queriam nos
deixar sozinhas. A minha irmã e eu precisamos constantemente de
um momento só nosso. Agradeço por isso, pois ela sempre foi a
pessoa a quem mais me senti conectada.
— Mille, isso é...
— Perturbador, certo?
— Demais. Eu queria tanto saber o que estava acontecendo
com você, tentei por diversas vezes conversar, mas você fugia. Até
que chegou o momento em que paramos de nos ver com
frequência, porque me disse que não queria ter que ficar
respondendo perguntas.
— Eu fui uma imbecil completa, com todo mundo.
— Irmã, não é assim. Tinha alguma coisa acontecendo.
— Encontrei remédios escondidos nas minhas coisas, muitas
caixas vazias e cheias — interrompo-a, confidenciando uma coisa
que descobri, faz alguns dias, e não contei a ninguém, nem mesmo
à minha psicóloga. Fiquei apavorada e confusa. — Não faço ideia
do motivo de ser medicada com tantas pílulas.
Levo minhas mãos à cabeça e olho de soslaio para a minha
irmã, que parece chocada demais para ter uma reação imediata.
Então, ela respira fundo, como se engolisse um sentimento muito
ruim, e me abraça. Sim, ela simplesmente me abraça com força.
— Eu devia ter percebido. Merda, Camille. Por que você
sempre escolhe guardar tudo para si mesma, como se fosse capaz
de proteger todo mundo, fingindo que os problemas não existem?
Por que fui tão idiota a ponto de não insistir e descobrir o que tinha
de errado?
— Belinda... — Deixo que ela me abrace durante um tempo,
e me separo quando preciso continuar a falar. A minha irmã está
com lágrimas escorrendo pelo rosto, e é notável o olhar de culpa,
como se existisse algum culpado, além de mim, por tudo o que
aconteceu. Sempre fui fechada, mas aparentemente isso se aguçou
nos últimos anos. — Não é culpa sua o que aconteceu. Por favor,
não se martirize.
— Eu sou a sua irmã gêmea, fomos feitas unidas, nascemos
praticamente no mesmo momento. Como posso não me culpar por
saber que você estava se afundando em si mesma e eu desisti de
descobrir o que tinha de errado? Cansei, Camille. Abri mão, porque
você estava sendo tão... Mas eu não podia imaginar algo assim,
você sempre me pareceu tão centrada.
— Be...
— Não! Camille, não. Eu poderia ter feito alguma coisa. E se
tudo pudesse ter sido evitado? A sua memória resolveu se apagar
por causa dessas coisas? Você estava se acabando diante dos
meus olhos, e eu me recusei a enxergar.
Não me dou conta de que estou chorando até que ela me
abrace outra vez e solte tudo que parece ter guardado durante muito
tempo. O choro dela me incomoda, aperta meu peito e faz com que
eu a segure com bastante força, querendo, de alguma forma,
acalmar as nossas almas. Estamos feridas, eu sinto isso. Desde o
início, algo me parecia errado, e estou descobrindo que sempre tive
razão. Não me lembro do que aconteceu, mas sinto na pele, cada
vez mais, que as coisas estavam realmente ruins. Eu não sei se
agradeço por não me lembrar de todo o meu sofrimento ou se odeio
o fato de ter sido fraca a ponto de ter me esquecido de tudo para
não enfrentar os meus problemas. Ter encontrado todos aqueles
remédios me fez cair na realidade. Eu realmente estava me
afundando e provavelmente me afundei tanto que acabei me
afogando em mim mesma.
Belinda e eu choramos juntas como nunca. Ela, por se sentir
culpada; eu, por saber que a realidade do que estava acontecendo
era realmente dolorosa. Muitas coisas para pensar, minha cabeça
está doendo, eu me sinto sufocada, mas sei que preciso sentir.
Aprendi que não adianta querer fugir das coisas, uma hora tudo vai
te alcançar. Desejar sentir por etapas é pior do que ser atingida de
uma vez só. Podemos tentar fingir que os problemas não existem,
mas acaba se tornando uma bola de neve. Eu acredito que tenha
feito isso durante muito tempo, e assim, uma coisa foi
desencadeando outra.
Consigo, depois de muito tempo, acalmá-la e me acalmar. A
minha irmã segura o meu rosto nas mãos, olhando para mim como
se eu fosse a coisa mais preciosa do mundo. Ela sempre fazia isso
quando éramos mais novas e eu estava triste; sempre me ajudava a
me sentir melhor. Não está sendo diferente agora. Há sentimentos
que apenas outra pessoa, que te ama muito, consegue transmitir.
— Eu amo você. Espero que saiba que nada do que possa
ter acontecido é sua culpa.
— Mas...
— Shhh! Eu sei que você queria ter descoberto e me
ajudado, mas aparentemente não quis ajuda, e isso poderia acabar
causando uma briga.
Coloco as minhas mãos sobre as dela e as retiro de meu
rosto, para trazê-las até a minha boca e beijá-las. Os lábios de
Belinda tremem levemente, e eu sei que ela está prestes a chorar
mais, então continuo a falar para tentar acalmá-la.
— Irmã, eu sei que somos capazes de virar o mundo de
cabeça para baixo uma pela outra — digo —, mas nem sempre
conseguiremos resolver tudo. Olhe para mim, tudo o que está
acontecendo... Acha que seria diferente se você soubesse?
Provavelmente, eu acabaria te afundando junto comigo.
— Ninguém merece sofrer sozinha, Camille. Me sinto culpada
por saber que a pessoa a quem mais sou ligada nesse mundo
estava sofrendo coisas horríveis e não pude ajudar.
— Pare de se culpar, pois aconteceu o que tinha que
acontecer. Será que podemos focar o agora? Estou trabalhando
para ficar melhor, a minha vida finalmente parece de volta aos
trilhos, tanto no meu emprego quanto em casa.
— Com a minha cunhada — ela finalmente faz uma piadinha,
e eu acabo rindo antes de revirar os olhos.
— Sim, com a sua cunhada, a minha esposa. Nossa, ainda é
estranho saber que sou casada.
— Mas olhe pelo lado bom, você está muito bem-casada.
— Olhe aqui, você nem comece a falar sobre a Luna, porque
te conheço.
— Eu nem falei nada. Absurdo. Só ia dizer que ela é uma...
— Lanço um olhar em direção à minha irmã, para deixar claro que
estou falando sério, e ela ergue as mãos, fazendo sinal de rendição.
— Pessoa maravilhosa, era isso que eu diria.
— Sei.
O meu celular vibra, e eu o retiro do bolso de minha calça,
apenas para ver uma mensagem não lida de Vanessa.
— E uma verdadeira gostosa.
— Belinda! — Tento acertá-la com um tapa, mas a bendita é
rápida e se arrasta para trás, levantando-se do sofá, em seguida,
para fugir de mim. Ela está rindo, e eu apenas a ignoro, optando por
responder à mensagem de minha melhor amiga. — Vanessa está
vindo para cá.
— Sozinha, né? Hoje é dia só das mulheres, sem maridos,
esposas ou filhos.
— Ela disse que o Noah saiu para se encontrar com a Luna e
o Rodrigo.
— Ótimo, precisamos de um momento só nosso. Eu tenho
um vinho perfeito.
Belinda se anima e bate palmas, antes de sair da sala e
sumir entre os corredores. Provavelmente, buscará o tal vinho e
preparará alguma coisa para comermos.
Eu verifico se tem alguma mensagem de Luna, mas ela não
mandou nada. Então, apenas para me certificar de que está tudo
bem, resolvo eu mesma lhe enviar.
Não demora muito a chegar uma resposta que, na verdade,
não era dela, mas, sim, um áudio do meu cunhado Rodrigo:
— Está tudo bem, o garotinho está se divertindo muito. Deixe
de ser mãe coruja. Aproveitem a tarde de vocês, porque estamos
aproveitando a nossa.
Eu rio do áudio e respondo que está tudo bem, para eles
aproveitarem bastante e tomarem cuidado. Resolvo largar o celular
sobre o sofá e ir atrás da minha irmã. Logo a encontro na cozinha,
curvada na geladeira, em busca de coisas para comermos.
Previsível demais.
— Será que a Luna não acha estranho estarmos juntas aqui,
e ela com eles, como se fosse o meu “marido”? — questiono,
preocupada, ao me sentar em um dos bancos da ilha no centro da
cozinha. Belinda se ergue e me olha, como se eu fosse louca.
— Por que ela se sentiria assim? Ela adora fazer esses
programas com eles e as crianças. Você sabe que eles sempre
foram muito unidos. Além do mais, às vezes, ela também participa
de momentos nossos.
— Não quero que ela se sinta estranha ou colocada de
escanteio.
Belinda solta uma risadinha.
— É engraçado… você perdeu a memória, mas parece a
mesma Camille de sempre. Extremamente preocupada em deixar a
Luna confortável em relação ao relacionamento de vocês. Fique
tranquila, nada entre vocês duas é estereotipado.
— Fico mais tranquila, então.
— Deve ficar mesmo. Vocês são mulheres incríveis juntas e
não precisam de representação masculina de forma alguma no
relacionamento. Relaxe! Somente eu tive a má sorte de gostar de
homens.
— Isso é verdade! Esse desgosto só você e Sofia deram aos
nossos pais.
A minha irmã e eu acabamos rindo.
— Por falar nela, conversamos ontem. Ela me garantiu que
vem para as festas de fim de ano.
— Nossa, nem consigo imaginar vê-la adulta. Só me lembro
daquele pedaço de gente, cheia de atitude quando mais nova.
— Pois se prepare, porque esse jeito se multiplicou, e ela
está terrível.
Concordo, apoiando meus cotovelos sobre a mesa e levando
as mãos até a minha cabeça, sabendo que provavelmente morrerei
de ciúme, caso ela conte o que está fazendo na faculdade. É difícil
me acostumar totalmente a uma vida de que não me lembro da
metade, mas sei que sou capaz de me encontrar de novo, e tudo se
acertará.
Eu confio em dias melhores.
Capítulo 23 – Tudo acontece por um motivo
Eu não sei explicar o motivo, mas o meu incômodo, depois de
ter beijado Jennifer na frente de todo mundo, me fez sentir tão mal
que não aguentei continuar ali. Deveria ser diferente, não deveria?
Eu tinha que estar feliz, foi o meu primeiro beijo, com a garota que
tenho desejado há muito tempo. Mas por que parece que foi tão
errado?
— Será que eu posso saber o motivo de você ter saído
daquela forma?
Como sempre, Belinda surge do nada, entrando no meu
quarto, sem ser convidada. Reviro os meus olhos e me mantenho
jogada na cama, olhando o teto e refletindo sobre o que aconteceu
na festa e no que está acontecendo dentro da minha cabeça neste
momento.
— Não estava me sentindo bem.
— Esse mal-estar tem nome, e você sabe disso. — Os meus
olhos se fixam na minha irmã, que agora está sentada ao meu lado,
com os braços cruzados e encarando-me com sua famosa
expressão de deboche. Porém, tem algo a mais, ela parece irritada
com alguma coisa. — E nem pense em dizer que estou ficando
maluca ou algo assim. Você pode enganar o quanto quiser a si
mesma, mas não tem como enganar a mim.
— Do que está falando?
— Luna. — Solto uma bufada e me sento na cama,
preparada para me levantar e sair do quarto, se for preciso. Tudo
que menos quero, no momento, é falar sobre aquela garota idiota.
— Nem pense em sair daqui, estou falando sério.
— Belinda, por favor, eu estou cansada, quero tomar um
banho e dormir.
— Pare de dar desculpas, seja a mulher que nossa mãe criou
você para ser e converse comigo. — Respiro fundo e abaixo a
cabeça, permanecendo ali, ao lado dela. A Belinda sabe em que
ponto atingir para me convencer de algo. — Por que a Luna te
incomoda tanto? Nem é mais sobre as coisas que ela fazia com
você, porque eu vejo como ela tem te tratado bem desde que
começou a cuidar do nosso jardim.
— Eu não gosto dela.
— Não gosta ou tem medo de estar gostando? Por que age
dessa forma tão idiota, se fica assim, se sentindo culpada, depois?
— Não me sinto culpada. — Reviro os olhos e cruzo os
braços.
Belinda solta uma lufada de ar e se aproxima de mim,
segurando em meu queixo para que eu a encare.
— Quer mentir logo para mim, Camille? Poupe-me.
— O que você quer de mim? Quer que eu fale que finalmente
beijei a garota dos meus sonhos e me dei conta de que não foi nada
do que pensei? Que ver a Jacobs sair, sem nem dizer nada, está me
deixando maluca? É isso que você quer ouvir?
Ao contrário do que eu pensei que faria, Belinda abre um
sorriso de lado e acaricia o meu rosto.
— Você realmente não consegue enxergar as coisas, né?
Felizmente, a esperteza ficou toda comigo.
— Do que está falando?
Belinda se levanta da cama e se encaminha para fora do
quarto, enquanto prende os seus longos cabelos. Vira-se uma última
vez, antes de sair, apenas para dizer:
— Você descobrirá dentro de alguns dias — é tudo o que ela
diz e, em seguida, sai, deixando-me mais confusa do que tudo.
Mal sabia eu que, dias depois, realmente descobriria o que
era: Luna Jacobs chegaria se declarando para mim, pegando-me
totalmente desprevenida. No dia que a chamei para conversar e
tentar me acertar com ela, jamais imaginaria que as coisas
acabariam com Luna dizendo que estava apaixonada por mim.
— Eu queria me desculpar por aquele dia. Fui totalmente
infantil e sem noção.
Luna me fita, confusa, parando de regar as plantas para me
olhar.
— Do que está falando?
Engulo a saliva em minha boca e olho de relance para a
minha casa, apenas para me certificar de que Belinda não está nos
vigiando. Mas tenho certeza de que ela está, sim.
Aproximo-me mais da Jacobs para conversarmos melhor.
Falávamos sobre flores, e eu encontrei o momento perfeito para
acertar tudo entre nós duas. Porque, sim, ainda estou incomodada
com o dia da festa e como ela saiu.
— Sobre a festa, o beijo na Jennifer... foi idiotice.
— Ah, isso... — Ela desvia o olhar do meu e olha para baixo.
O meu coração está apertado, porque quando a Belinda disse que a
Luna poderia ter ficado magoada, eu não acreditei, mas agora vejo
que era verdade. — Está tudo bem. Você nem deve se desculpar, é
dela que você gosta, e eu sei disso. Além do mais, você é solteira,
totalmente livre para fazer o que bem entender.
— Eu não...
— Camies, não precisa se explicar, é sério. Já passou.
— Eu não queria te magoar. Se fiz, de alguma forma, me
perdoe. Não estou aguentando esse sentimento ruim dentro de mim,
e não me pergunte o motivo, porque não sei explicar.
— Você...
— Só quero que saiba que eu não a beijaria daquela forma
se soubesse que magoaria você. Nunca fui esse tipo de pessoa e
sempre abominei gente assim. Não sei por que eu...
— Eu sempre fui apaixonada por você, Camille, desde a
primeira vez que nos esbarramos no corredor da escola.
Os meus olhos quase saltaram das órbitas ao ouvir isso.
Quando Vanessa jogou piadinhas sobre os sentimentos da Jacobs
por mim, eu não levei a sério, mas aqui está ela, a própria,
declarando-se para mim.
— Lembro-me de que não conseguia parar de pensar em
como o seu rosto era bonito, e a sua voz, mesmo irritada, era
adorável. Eu simplesmente...
Um enorme sorriso surge em seus lábios. Estou horrorizada,
olhando-a com os meus olhos tão arregalados, que quase saltam de
minhas órbitas. O último mês foi muito confuso e cheio de
reviravoltas, mas nunca imaginei algo desse tipo. Nem em outra
vida. Primeiro, eu me culpo por beijar outra pessoa na frente dela, e
agora isso?
— Não. Você não...
— Sim. — Luna abre outro pequeno sorriso. O ambiente está
esquentando não de uma forma sexual, mas sufocante. O meu
coração parece uma metralhadora, de tão rápido que bate. — Você
é a minha garota dos sonhos. Nunca tive a chance de me aproximar
do jeito certo. Peço perdão por tudo, todos esses anos.
— Meu Deus...
— Se eu pudesse voltar no tempo, nunca seria tão babaca
com você. Irritaria você algumas vezes, confesso, mas apenas
porque fica linda até mesmo com raiva. Eu…
Cubro a sua boca, antes que ela continue se declarando.
Estamos muito próximas, e isso me deixa nervosa. Os olhos verdes
dela estão fixos em meu rosto, intensos como uma mata fechada.
Engulo saliva e, hesitando, dou um passo para trás, tirando as mãos
do rosto dela. Ela não desvia o olhar, esperando outra reação
minha. Porém, como a boa covarde e confusa que sou, não
respondo e apenas me viro para sair daquela estufa, deixando-a
sozinha. O mundo está se fechando ao meu redor, nada parece no
mesmo lugar.
O que acabou de acontecer?

O dia começou estranho, eu não sei dizer o motivo. Na noite


passada foi tudo tão bom, mas acordei com uma sensação
esquisita.
Olho para o lado, e é impossível não sorrir com a imagem
adormecida da Luna, com as duas mãos debaixo de seu travesseiro
e o rosto virado para mim. Aproximo-me e jogo uma perna sobre
suas costas, grudando em seu corpo. Sinto-me melhor com o seu
calor, mas preciso de mais.
Enfio a minha mão direita por entre os seus cabelos,
acariciando o couro cabeludo. Luna suspira e se espreguiça um
pouco, mas continua dormindo na mesma posição. Eu sorrio,
aumentando a intensidade dos carinhos em sua cabeça. Demora
alguns minutos, mas ela finalmente acorda, presenteando-me com
os olhos verdes e cristalinos. Ela pisca algumas vezes, para focar
sua visão, e então, abre um dos sorrisos mais lindos.
— Acordar vendo você é a primeira maravilha do universo —
sua voz sai extremamente rouca, ela se remexe e vira de barriga
para cima. Tento me aproximar de novo para beijá-la, mas suas
mãos em meu rosto me impedem.
— O que foi?
— Escovar os dentes, eu preciso. — Luna se espreguiça
novamente e se levanta da cama, fazendo o lençol escorrer pelo
seu corpo. Os meus olhos vão direto à sua bunda, pois a metade
está para fora por causa do minúsculo short de dormir que ela está
usando. — Nossa, acho que vou beber um pouco de água também,
fiquei seca depois dessa secada.
O meu rosto fica automaticamente vermelho quando fala. Eu
nem tinha me dado conta de que estava reparando demais. Desvio
o meu olhar, mas isso não a impede de rir de mim. Idiota, eu não
faço de propósito, ela que me provoca.
— Você se casou comigo, lide com os meus olhares —
resmungo, assim que ela retorna ao quarto. Luna ainda está rindo e
sobe na cama, arrastando-se pelo colchão, até estar sentada no
meu colo. Não a encaro, mas os meus olhos estão fixos em uma
parte perigosa.
— Foi a minha bunda e agora é a vez dos meus seios.
— Eu não...
— Calma, Camies, estou brincando. É tudo seu. — Ela
segura o meu rosto e me faz encará-la.
Estou muito sem graça por parecer pervertida.
— Eu sei lidar com os seus olhares, adoro todos eles.
Principalmente quando você faz naturalmente.
— Isso diverte você?
— O quê? — questiona de forma cínica e tenta me beijar,
mas puxo a minha cabeça para trás, ficando longe o bastante de
sua boca. Luna solta uma risadinha, divertindo-se.
— Ficar me provocando. Esse cinismo me deixa com raiva às
vezes.
— Eu sei, adoro mulher brava.
Encaro a sua boca, que parece chamar por mim, inclino-me
para selar os nossos lábios e tento aprofundar o beijo, mas somos
interrompidas por batidas à porta. Luna respira fundo, antes de se
levantar do meu colo, o que me faz rir, porque parece realmente
frustrada. Ela se arruma antes de ir até a porta, abrindo-a para o
nosso pequeno filho entrar.
— Estou com fome, mamães — o pequeno resmunga, de
braços cruzados, passando por Luna e vindo em minha direção,
com sua expressão emburrada. Sinto uma imensa vontade de
morder aquelas bochechas gordinhas, mas me contenho.
— Bom dia para você também, carinha.
— Bom dia, mamãe. — Ele descruza os braços e olha, sem
jeito, para Luna. — Bom dia, mommy. Estou com muita fome.
— Já estávamos saindo, meu amor. — Levanto-me da cama,
vou até o pequeno e bagunço os seus cabelos cada vez maiores.
Penso em levá-lo para cortar, mas é capaz de Luna e ele surtarem.
— O que você quer comer?
— Bolo com chocolate quente.
— Qualquer sabor de bolo? — Ele acena positivamente com
a cabeça, enquanto saímos juntos do quarto. Eu sorrio para o
pequeno e olho para Luna, mas não a encontro. — Desça e me
espere na cozinha.
— Tá bom, mommy.
O pequeno caminha, saltitante, em direção à escada,
sumindo das minhas vistas em segundos. Volto ao quarto e me
deparo com a Luna parada no meio do cômodo, com as mãos na
barriga e o corpo um pouco curvado. Essa imagem me preocupa, e
rapidamente chego perto dela, apoiando minha mão esquerda em
sua lombar.
— Está se sentindo mal?
Ela solta uma lufada de ar e ajeita a postura, antes de olhar
para mim e abrir um pequeno sorriso. Parece desconfortável com
alguma coisa.
— Passou, foi só um desconforto passageiro. Vamos comer?
— Certeza de que está bem? — questiono, preocupada.
Provavelmente para me deixar tranquila, ela sorri e se inclina para
me beijar rapidamente nos lábios.
— Sim, princesa. Vamos descer e alimentar aquele pequeno
monstrinho.
Luna une nossas mãos, e saímos dessa forma do quarto,
rumo à cozinha. Eu ainda estou me sentindo incomodada com
alguma coisa, mas espero que seja apenas paranoia minha. O
nosso café da manhã foi divertido. Hoje, ficarei em casa com o
Louis. Mesmo pedindo muito para Luna ficar em casa conosco, ela
foi trabalhar, prometendo voltar o mais cedo possível.
Louis e eu estudamos a Língua Espanhola durante algumas
horas. Ele é um garoto muito esperto, absorve o aprendizado
instantaneamente, mesmo que, algumas vezes, eu tenha que repetir
as coisas. Encho-me de orgulho toda vez que o meu filho aprende
as coisas com facilidade. Fico feliz por saber que Luna e eu tivemos
a sorte de ter um filho inteligente e disposto a aprender. Isso tem
nos aproximado bastante.
— Eu disse que não era difícil aprender, mamá.
— Realmente, parece uma coisa de outro mundo, mas é fácil
— respondo ao pequeno, sem tirar a minha atenção da televisão,
pois estamos na sala, jogando um dos seus jogos favoritos de
videogame, segundo ele mesmo. O jogo é de corrida e consiste em
fazer diversas missões por um mapa gigantesco. Louis tem uma
pasta repleta de jogos, e eu conferi que não existe nenhum que
contenha violência. Isso me deixou feliz. Odiaria saber que o
deixamos entrar em contato com conteúdos impróprios para a sua
idade.
— A mamãe odeia jogos de corrida, ela sempre perde —
Louis confidencia e solta uma gargalhada, e eu acabo rindo
também, imaginando o estresse de Luna quando perde.
Terminamos uma corrida e comemoramos juntos, com o meu
pequeno em meu colo, agarrado em meu pescoço.
— Que bagunça boa! Será que tem espaço para mim
também? — Uma terceira voz é ouvida de repente, e olhamos juntos
em direção a Luna, que acaba de tirar a touca e o casaco. Ela sorri
e abre os braços.
— Mamãe! — Louis exclama de forma animada e corre em
direção a ela, agarrando-a com força. Luna faz uma careta
momentânea, mas logo sorri outra vez e se agacha para pegar o
pequeno no colo. Eles fazem um toque de mãos, antes de ela
colocá-lo de volta ao chão.
Dessa vez, quem se levanta para cumprimentá-la sou eu. Ela
segura em minha cintura, e passo os meus braços por trás de seu
pescoço, ficando nas pontas dos pés para beijá-la.
— Consegui chegar cedo para você — ela diz e sorri. Eu
sorrio de volta e a beijo rapidamente mais uma vez, antes de soltá-
la. Sabia que, se ficássemos muito tempo daquela forma, nosso
filho, que é bastante ciumento, reclamaria.
— Que bom que conseguiu! Venha, vamos jogar. — Seguro a
sua mão e a levo até o sofá. Luna se senta entre Louis e eu e olha
para a televisão.
— Ok, não jogo isso.
— Medrosa — eu poderia ter dito isso, mas foi o pequeno.
Surpresa, abro a boca e a encaro, esperando a sua resposta.
— O que você disse?
— Que a senhora é medrosa, tem medo de perder.
— Olhe aqui, seu...
— Luna. — Seguro o seu braço e a faço me encarar. Ela
começa a ficar com o rosto vermelho, mas relaxa, assim que lanço
um olhar sério a ela.
— Tudo bem. Vamos jogar, então, carinha. Você e eu.
— Vamos! — ele responde, animado, e corre para pegar o
outro controle. Eu olho para os dois e nego com a cabeça, sabendo
que aquilo não dará muito certo.
Eu estava certa. Luna perde por diversas vezes, sempre
exigindo a revanche, e o pequeno fica provocando-a, enquanto eu
intervenho o tempo todo, para impedir uma discussão. Observando
esse momento, tenho a impressão de que ela está mais para irmã
do que para mãe dele. Engraçado!
Resolvo acabar com a sessão de jogos e os levo à cozinha,
para que me ajudem com o jantar. Preparamos tudo e comemos,
enquanto conversamos, o que faz o clima voltar ao normal.
Louis está cansado, então subimos para colocá-lo para
dormir, o que não demora muito a acontecer, pois mal o deitamos na
cama e ele pega no sono. Saímos do quarto do pequeno e vamos
para o nosso. Luna é a primeira a tomar o banho, e eu, logo em
seguida. Prestes a me deitar, sinto uma curiosidade e espero que
ela termine de se vestir e venha para a cama, para conversarmos
um pouco.
— Está com sono? — Nego com a cabeça, e ela sorri,
fechando a porta do closet antes de caminhar até a cama. — Posso
te beijar?
— Você precisa mesmo perguntar? — brinco, e ela sorri,
aproximando-se o bastante de mim para darmos um rápido beijo.
— Gosto de saber se você está disposta a me dar o que eu
quero.
— Não comece — uso um tom acusatório, e ela ergue as
mãos em sinal de rendição, puxando o cobertor para se deitar ao
meu lado. — Quero conversar sobre uma coisa.
— Podemos falar sobre o que desejar, princesa.
Respiro fundo, pois sei que precisarei de coragem para ouvir
o que ela vai me responder.
— O que estava acontecendo no nosso casamento nos
últimos meses?
— Bom... — Ela se ajeita na cama, meio desconfortável. — O
que acontece em todos os casamentos em algum momento.
— Como assim?
— Brigas, desentendimentos sem necessidade. Coisas
assim, tudo foi esfriando.
— Mas existe um motivo?
Luna dá de ombros.
— Eu não sei. Para ser sincera, fazia muito tempo que as
coisas não estavam bem. Só que, nos últimos meses, pioraram.
— Por diversas vezes, escutei as pessoas que convivem
conosco dizendo que eu tinha mudado muito.
— Isso é verdade, você começou a se excluir das coisas.
Focou tudo no trabalho, começou a ser extremamente controladora
e paranoica. Não sabia como lidar com você dessa forma.
— Eu fiquei controladora?
Pelas coisas que li em meu diário, tinha uma ideia de que
algo assim poderia ter acontecido, mas ouvir a confirmação dela
sobre a minha pessoa do passado faz com que eu me sinta
péssima, mesmo que não me lembre dessa Camille.
— Muito. Começou com coisas pequenas, apenas com nosso
filho. Nunca tinha visto você brigar tanto com ele como nos últimos
dez meses. Então, de repente, passou dele para mim, e foi aí que
as coisas se complicaram.
— Nós brigamos muito por causa disso?
— Sim, muito. No início, eram perguntas sobre onde eu
estava, por que tinha chegado tão tarde, porque estava tão
cansada, coisas assim.
— Quando passou a fase das perguntas, o que veio em
seguida?
Isso parece incomodá-la ainda mais. Vejo, refletido em seu
rosto, que se lembrar daquilo a deixava desconfortável. Sinto-me da
mesma forma por saber que ela estava desse jeito.
— Bem, você começou a fazer o que sempre me deu mais
abominação: vasculhar o meu celular, notebook, o computador do
escritório. Vivia em busca de algo suspeito, vasculhava até o meu
carro, principalmente quando eu chegava tarde.
Estou chocada para ser sincera. Não imagino uma Camille
dessa forma. Mesmo sem lembrar, eu nunca poderia duvidar dela.
Para mim, é muito chocante pensar que me tornei esse tipo de
pessoa. Eu nunca gostei desse controle, odiava quando os meus
pais olhavam as minhas coisas.
— Meu Deus...
— Passamos a brigar quase todas as noites. Não havia nada
que eu fizesse que a deixasse mais tranquila. Como se cada passo
meu a tornasse mais enraivecida.
— Eu estava louca de verdade.
— Tentei entender o que estava acontecendo, mas nunca
consegui. Você se fechava e só me atacava. — Ela pausa para
respirar fundo e fecha os olhos. — Uma das nossas piores brigas foi
quando, uma noite, eu cheguei e me deparei com nosso filho
sozinho em casa, porque você tinha enlouquecido e saído atrás de
mim, para saber onde eu estava. Por sorte, cheguei rápido e nada
aconteceu. Foi a primeira vez que realmente surtei e gritei com
você.
Isso me surpreende, porque, mesmo no passado, quando
ainda não gostava dela, eu sabia da fama de pessoa paciente que
ela carregava, e essa fama era uma das coisas que mais me irritava
nela, porque, por mais que eu tentasse tirá-la do sério, ela sempre
mantinha a calma.
— Devo tê-la tirado do sério de verdade.
— Realmente. Foi muita irresponsabilidade sair e deixar o
nosso filho sozinho para ir atrás de mim, já que não existiam
motivos para tanta desconfiança.
— Concordo. Foi muita irresponsabilidade minha.
— O nosso casamento começou a esfriar de verdade. Não
conversávamos direito, dormíamos na mesma cama apenas por
costume, porque o sexo se tornou nulo, os beijos eram raros. Tudo
ficou estranho.
— Luna, você já pensou em procurar outra pessoa? Sei que
pode parecer estranho, mas eu entenderia.
— Nunca! — ela nem hesita em me responder e, inclusive,
parece ofendida com a pergunta. — Eu jamais cometeria tal
estupidez. Se não fosse para ser fiel a você, teria pedido o divórcio.
— Você acha que eu...?
— Que você me traiu? Jamais. Posso afirmar com toda a
certeza do mundo. — Sua confiança, ao responder, deixa-me
tranquila.
— Fico feliz em saber que não fui tola de fazer isso. Sempre
abominei traições, mas estou surpresa com a pessoa que me tornei.
— Realmente, você não tinha controle sobre muita coisa.
— Eu ofendi você?
— Muitas vezes. Nas nossas brigas mais intensas, você não
filtrava nada que saísse da sua boca.
— Nossa, que espécie de esposa idiota eu me tornei!
— Em nossa última briga, pedi o divórcio. Eu realmente
imaginei não termos mais salvação.
Ouvi-la dizer isso é semelhante a levar um soco na boca do
estômago. Luna nem me olha nos olhos, como se esse assunto
ainda a afetasse muito, como se a ferisse lembrar-se do que
aconteceu. Sinto-me da mesma forma por saber de tudo o que
aconteceu.
— Por quê?
— Não estávamos mais felizes. Eram mais brigas e
momentos ruins do que momentos alegres. Eu desisti de você,
Camille. — Ela finalmente me olha, e os seus olhos estão brilhando,
como se estivesse prestes a chorar. — Desisti de nós duas. Eu
decidi quebrar a promessa de sempre estar ao seu lado, mesmo
quando tudo estivesse desmoronando, porque sentia que não
existia mais nada para desmoronar.
— O que eu disse a você naquela noite? Não me esconda
nada. Sinto que foi algo muito sério, porque, conhecendo você um
pouco, sei que não desiste fácil, a menos que tenha atingido um
limite realmente crítico.
Luna puxa bastante o fôlego, antes de começar a falar.
— Naquela noite, eu cheguei mais tarde que o normal.
Acabei ficando sem bateria e resolvi lhe avisar, pelo celular do
Noah, que sairia com Nayara, Keith e ele. Foi a pior decisão que eu
poderia ter tomado. Deveria ter ligado e não só mandado
mensagem. Eu precisava tanto de uma distração, e eles insistiram
bastante, que nem me preocupei. — Ela nega com a cabeça e mexe
as mãos de maneira nervosa. Eu notei que isso é uma das coisas
que ela mais faz quando está incomodada. — Era noite do karaokê,
e Nayara é viciada em karaokê. Fazia tanto tempo que não me
divertia, que eu nem quis saber da hora.
— Eu imagino que tenha ido para cima de você com tudo
quando chegou à nossa casa.
— Fui recebida a gritos no exato momento em que abri a
porta. Nunca tinha visto você tão nervosa, cheirando minha roupa,
esbravejando palavrões absurdos. Eu tentava falar e não me
escutava. Acusou-me de ter usado o Noah para me acobertar,
enquanto eu a traía com outras na rua. Eu tentei lhe mostrar que o
meu celular estava zerado de bateria, mas tudo que você fez foi
jogá-lo na parede. Então, começou a falar coisas que eu gostaria de
nunca ter ouvido.
— Que coisas eu lhe disse?
Eu estou surpresa com essa Camille descrita. Nunca fui do
tipo ciumenta e controladora, principalmente nesse nível. Luna fecha
os olhos com força, antes de continuar a falar.
— Os seus xingamentos não me atingiram, mas ouvi-la dizer
que eu arruinei a sua vida e os seus sonhos foi a coisa mais
dolorosa que você poderia ter dito.
— Como eu pude falar essas coisas? Por quê?
— Você não faz ideia de como me rasgou ao meio ouvir isso
da pessoa que mais amei na vida.
— Por que eu disse isso?
Luna solta um riso carregado de ironia. Os seus olhos não
estão mais brilhando em lágrimas, porque ela está chorando. Sinto
vontade de abraçá-la e apagar tudo de sua memória, da mesma
forma que aconteceu comigo. Está me corroendo por dentro saber
que a magoei desse jeito.
— Você nunca se perguntou o motivo de estar dando aulas
de dança em uma escola, ao contrário de ter se juntado a uma
grande companhia para fazer turnês pelo mundo, como sempre foi
seu maior sonho? Foi por minha causa.
— Eu não quis te abandonar, é isso?
— Abandonar? Você foi impedida de seguir o seu sonho,
porque a inútil aqui foi incapaz de te dar o filho que tanto queria. Por
minha causa, você desistiu da sua carreira, das propostas
recebidas, porque optou por ter o nosso filho ao invés de seguir o
seu sonho.
— Luna...
— Eu não pude lhe dar um filho. Você jogou isso na minha
cara, disse que nem isso eu consegui fazer, que precisou desistir de
tudo para ter uma família, e praticamente colocou a culpa do nosso
casamento estar afundando em mim, como se eu fosse a única
culpada pela nossa fase ruim — ela gagueja levemente quando o
choro ganha força.
— Desculpe...
— Eu te pedi o divórcio, porque não aguentava mais. Se
felicidade para você fosse ficar separada de mim, então eu daria o
que tanto queria.
— Como pude me tornar uma pessoa tão asquerosa?
— Eu saí de casa e fui dormir no Noah, porque não
conseguia olhar na sua cara. Passei a noite toda chorando no colo
dele e no de Vanessa. Os dois me acolheram quando eu mais
precisei, e sempre serei grata por isso. Se não fossem eles, talvez
eu tivesse cometido alguma loucura.
O meu coração se aperta ao ouvir isso, e, automaticamente,
eu a puxo para mim, tomando-a em meus braços, em um abraço
forte. Luna chora durante alguns minutos, agarrando minha cintura
com força e enterrando o rosto em meus seios. Choramos juntas,
descarregando toda aquela mágoa.
— Eu queria poder arrancar isso de dentro de você. Queria
ter consertado tudo de outra maneira, nunca te magoaria desse
jeito. Perdoe-me.
Ela nada responde, continua na mesma posição até se
acalmar.
— Quando voltei, no dia seguinte, estava disposta a pegar as
minhas coisas e contar ao nosso filho o que aconteceria, mas você
me agarrou no meio do caminho. Parecia ter chorado, também, a
noite toda. Implorou para que eu a ajudasse a consertar tudo.
— Você aceitou?
— Como poderia não aceitar? Passei anos da minha vida ao
seu lado, eu sabia que aquela não era você, e faria de tudo para te
ajudar. Você estava desesperada, procurando ajuda de alguma
forma. Resolveríamos tudo.
— Então, eu voltei a ser como antes?
— Sim. Conversamos todos os dias, como se, em um passe
de mágica, tudo tivesse voltado ao seu lugar.
— Isso durou até o dia em que brigamos, e eu acordei sem
memória.
— Exatamente. Sabe de uma coisa? — Ela se afasta de mim,
mas não o bastante, segura as minhas mãos e olha em meus olhos.
— Naquela noite, antes de dormir, eu implorei aos céus que me
dessem um motivo para acreditar que as coisas se acertariam de
verdade.
— Será que era para acontecer?
— Eu não sei, mas se essa é a forma que o destino
encontrou de ajeitar tudo entre nós duas, não vou desistir.
Sorrio, levo as minhas mãos ao rosto dela, para secar suas
lágrimas, a seguro e a puxo para mim, beijando-a devagar. Luna me
aperta tão forte em seus braços que me faz gemer de dor, mas não
reclamo e nem me afasto. Sei que ela precisa tanto disso quanto eu.
As nossas bocas se acariciam lentamente. Luna utiliza a
língua para sentir os meus lábios e, então, a enfia em minha boca,
tomando a minha com a sua e sugando-a. O beijo dura o bastante
para que eu me sinta um pouco melhor.
— Estou aqui com você e não pretendo ir a lugar nenhum.
Não sei o que vai acontecer amanhã, mas estou aqui com você.
Lembre-se disso.
— Eu sei disso. — Ela sorri e me beija mais uma vez.
Deitamos e trocamos alguns beijos, até que ela sinta muito
sono e resolva dormir. Em seus braços, sentindo a sua respiração
em minha nuca, pego no sono. Eu acordo um tempo depois, com
um aperto no peito e sentindo a cama molhada. Luna está me
apertando com força e suando bastante. Solto-me rapidamente e
acendo a luz do abajur, puxando o nosso cobertor. Quase grito de
espanto ao ver a quantidade de sangue no lençol.
— Luna? Acorde. — Eu a balanço freneticamente, tentando
acordá-la. Demora um pouco, mas finalmente consigo. Sua primeira
reação é me olhar, assustada, e então, quando abaixa o olhar para
o colchão, parece que a cor some de seu rosto. — O que
aconteceu? Eu acho que você...
Ela me interrompe, desesperada.
— Precisamos ir ao médico agora!
Capítulo 24 – Cuidar dela
Mesmo apavorada e confusa, não penso duas vezes quando
ela me pede ajuda para chegar ao banheiro. Luna parece estar
prestes a surtar, mas tenta manter a calma, talvez para que
nenhuma das duas entre em algum tipo de surto paralisante. Ela
toma um banho rápido e se arruma com a mesma rapidez. Sinto
vontade de questioná-la, porém estou com certo medo da resposta.
Se não fosse algo sério, não haveria necessidade de irmos ao
hospital. Deixa-me realmente assustada pensar que ela possa estar
doente ou algo assim.
— Luna, você está chorando?
Aproximo-me dela rapidamente quando volto ao quarto. Ela
está um pouco curvada, com as mãos na barriga, resmunga
algumas coisas, que não consigo escutar, e me olha, e sua
expressão parte o meu coração em diversos pedaços.
— Temos que acordar o carinha, não podemos deixá-lo
sozinho.
— O que está acontecendo, Luna? Conte-me, por favor.
Estou apavorada.
Ela faz força para engolir o choro e respira fundo.
— Estou da mesma forma e espero muito estar errada sobre
o que pode ser. — A sua fala me deixa ainda mais assustada, e
rapidamente vou até o quarto do meu filho para acordá-lo. O
bichinho está atordoado e no piloto automático, enquanto veste uma
roupa e se agasalha. Questiona o que está acontecendo, mas
respondo que vamos ter que sair por algumas horas. Peço um carro
no aplicativo, e felizmente não demora a chegar.
— O carro está nos esperando — chamo Luna na sala, e ela
está chorando de novo, mas se levanta para me acompanhar.
Faço questão de trancar a porta da frente e verificar se
esquecemos algo. Quando entro no carro, seguro a mão dela, que
está extremamente gelada e treme levemente. O meu coração está
apertado, sinto que começarei a surtar em breve.
Nem sei dizer quanto tempo demorou a chegarmos ao
hospital, mas foi rápido. Quando entramos, a primeira coisa que
peço é que tragam uma cadeira de rodas e levem-na para algum
atendimento urgente. Ela diz o nome de um médico conhecido dela
e, em questão de minutos, some através das portas, mas não sem
antes me lançar um olhar que nunca vai sair da minha cabeça.
O ar quase falta em meus pulmões. Finalmente, o choro sai
de mim, fazendo-me ficar curvada sobre o banco, recebendo
carinhos e afagos desesperados de meu pequeno filho. De novo, ele
pergunta o que está acontecendo, mas o que eu respondo? Nem eu
estou entendendo. Tudo isso parece um pesadelo e só espero que
acabe o mais rápido possível. Não posso perdê-la, não agora que a
estou ganhando outra vez.
Quando me acalmo, pego o meu telefone, ligo para a
Vanessa e, em seguida, para a minha irmã. Elas reagem da mesma
forma, e mesmo eu insistindo muito para que não venham, a única
resposta é que estarão aqui comigo em alguns minutos. Estou
sentada faz alguns minutos, e Louis está sentado em meu colo,
agarrado em meu pescoço, em frente a mim, apertando-me com
força com seus braços, parecendo sentir tudo que está acontecendo
de errado, principalmente por não saber o que ocorreu, de fato, com
a mãe dele.
— Lil! Meu Deus, Camille, o que aconteceu? — Ouço a voz
de Vanessa, de repente, e olho em sua direção.
Vanessa chega, afobada, seguida por um Noah aflito,
segurando Toni em seus braços, dormindo. O meu pequeno desce
do meu colo para que eu possa me levantar, e não espero muito
para me jogar nos braços da minha melhor amiga e chorar tudo
outra vez.
— Eu... Acordamos, e tinha muito sangue. A Luna estava
apavorada, mas não me contou o que há de errado. O que está
acontecendo, Vanessa? Eu não posso perdê-la, por favor. Você
sabe que não posso — disparo, sem quase respirar, e ela me aperta
em seus braços e afaga os meus cabelos, tentando me acalmar.
— Você não vai perdê-la. A Luna vai ficar bem. Confia em
mim, ok?
Ela se afasta um pouco de mim e segura o meu rosto em
suas mãos, fazendo-me encará-la, e eu concordo com a cabeça,
tentando me acalmar.
— Desculpem por ter acordado vocês, mas estou realmente
assustada e não sabia o que fazer.
— Camille, você fez o certo. Eu nunca me perdoaria se não
estivesse aqui agora. Sei que a minha irmã vai precisar de mim —
Noah diz para me tranquilizar, e eu franzo o cenho, porque ele falou
como se soubesse o que está acontecendo de verdade.
Tento questioná-lo, mas sou impedida quando Belinda
desesperada surge de repente, fazendo mil perguntas e tentando
me acalmar.
Não sei dizer quanto tempo já passou, mas estou andando de
um lado para o outro, aflita, querendo notícias. O recepcionista não
aguenta mais responder as mesmas perguntas. Noah está tão
agoniado quanto eu, agitado demais. Sinto vontade de fazer
perguntas a ele, mas não é justo enquadrá-lo no momento em que
está tão preocupado com a irmã.
— Quando a mamãe volta? — Louis pergunta ao se
aproximar de mim, com os seus olhos vermelhos e seu rosto
sonolento, aparentando cansaço. Sinto muito por privá-lo de dormir,
mas não posso deixá-lo sozinho.
— Ela estará aqui quando menos esperarmos. — Forço um
sorriso, para tranquilizá-lo, e o puxo para mim. Olho em direção à
mesma porta pela qual a Luna entrou, e um médico sai. Seguro o
meu filho pela mão e me aproximo, para saber se finalmente terei
notícias. — Onde está a minha esposa? Eu preciso vê-la.
— Senhora Cruz-Jacobs, ela está medicada e estável.
Chegou muito agitada e ficou extremamente abalada com a notícia
que recebeu.
— Que notícia? Cadê ela? Eu preciso vê-la.
— Você irá vê-la, me acompanhe. O resto da família pode
esperar aqui, eu acho que esse momento precisa ser delas — ele
diz, e todos concordam com a cabeça, mais tranquilos ao saber que
Luna está bem. Mas tem algo estranho no ar. Se ela precisou ser
medicada, que tipo de notícia lhe foi dada para deixá-la tão
abaixada?
Eu não demoro muito a chegar até o quarto em que ela está.
Quando entro e a vejo, uma tonelada sai de cima de mim. Luna
parece meio sedada, mas quando os seus olhos encontram os
meus, ela automaticamente começa a chorar. O meu coração
aperta, e não espero chegar perto para abraçá-la.
— Eu tentei, Camies. Eu tentei.
— De que está falando? — Afasto-me para segurar o seu
rosto e olhar em seus olhos. Os lábios de Luna tremulam, e ela
nega com a cabeça, não respondendo. Olho em direção ao médico,
que nos olha com certa lamentação. — Será que alguém pode me
falar o que está acontecendo? Você está doente?
— Não.
Como um estalo dado em minha cabeça, começo a ligar os
pontos aos poucos. Cada detalhe que passou despercebido, cada
frase solta e incompleta. Os meus olhos quase saltam das órbitas
ao me dar conta do que pode ser. Eu não quero acreditar.
— Você estava grávida? Luna? Doutor?
Eu olho para os dois. Luna abaixa a cabeça, e o médico olha
para ela, esperando alguma indicação para responder, mas nem
precisa. Uma mão invisível me dá um soco, e eu acabo dando
alguns passos para trás, tamanho o meu choque ao descobrir.
— Eu tentei, de todas as formas, buscar uma maneira de
reverter, mas foi um aborto espontâneo. Quando você acordou,
provavelmente o feto já nem existia mais dentro dela.
— Não. Não. Não — repito e me aproximo de Luna, puxando-
a para os meus braços. Estou sendo rasgada por dentro, e não sei
dizer se é mais pelo sofrimento dela ou pelo meu, ao saber que ela
carregava um filho nosso dentro de si, e eu não fazia a mínima
ideia. — Meu amor, sinto muito. Eu sinto tanto!
— Desculpas! Por favor, me desculpe. Eu tentei. Eu tentei.
— Não é culpa sua, nada disso. Não se culpe.
O doutor nos deixa a sós para aproveitarmos o nosso
momento. Ficamos um bom tempo assim, chorando, abraçadas, eu
tentando acalmá-la e fazê-la entender que não era culpa dela; ela,
se desculpando, como se tivesse a obrigação de manter a gravidez.
Um tempo depois, Luna recebe alta.
Eu não quero que ela tenha que enfrentar os olhares de
nossos familiares e amigos, porque sei que eles tentarão confortá-
la, então mando mensagens para todos, explicando a situação.
Noah permanece muito preocupado e desesperado. Eu garanto a
ele que lhe avisarei assim que possível, mas que, nesse momento,
Luna precisa muito de mim.
Louis acaba indo com Vanessa e Noah, e eu agradeço por
não precisar lhe explicar o que aconteceu agora. Claro, vamos
conversar sobre o acontecido, porque aprendi que não devemos
esconder nada dele. O meu filho é um garoto esperto e entende a
maioria das situações, sei que ele fará de tudo para deixar a mãe
bem, quando souber o que houve.
Quando saio do quarto para assinar os papéis de liberação e
chamar um carro, encontro o médico dela. Preciso perguntar como
poderei cuidar de Luna da melhor forma.
— Os papéis da alta estão na recepção. Você só precisa
assinar, e então, estão liberadas para ir.
— Doutor, como posso cuidar dela? É preciso algum cuidado
específico?
— Sim, eu iria dizer algumas coisas agora. Sei da sua
situação, a Luna é minha paciente faz muito tempo, a acompanhei
em todas as inseminações. Esse não foi o primeiro aborto, é
importante que saiba, mas não quer dizer que ela não esteja
abalada. Você precisa muito estar ao lado dela.
— Nem precisa pedir isso, não sairei do lado dela em
momento algum.
— Ela pode sentir cólicas abdominais, e geralmente essas
cólicas podem vir acompanhadas de sangramento. Pode ser que ela
sinta dor, e essa dor pode variar entre fraca e forte. Eu receitei
alguns analgésicos para o caso de desconforto. — Concordo com a
cabeça, guardando todas as informações que ele está passando. —
Se a dor aumentar com o passar dos dias, vocês devem me
procurar com urgência, ok? A tendência é que diminua.
— Ok.
— A Luna sabe disso, mas eu preciso que você verifique a
temperatura dela, ao menos nos primeiros cinco dias. Qualquer
temperatura acima do normal, me avise. Temperatura alta não é
bom sinal depois de um aborto, porque pode significar que ela está
com alguma infecção no útero ou em algum outro lugar. Não permita
que ela se esforce muito durante esse período de recuperação,
mesmo que ela insista. A Luna é teimosa, eu acredito que você já
saiba disso.
— Nem me fale, doutor. Às vezes, sinto que tenho duas
crianças em casa.
— Exatamente, ela precisa se cuidar para se recuperar
rápido. Pegarei uma dieta específica com a nutricionista e mandarei
para ela por mensagem.
— Tudo bem.
Ele concorda com a cabeça, termina de anotar no papel que
está na prancheta em sua mão, o retira e me entrega.
— Todas as recomendações e os remédios estão anotados
aqui. Eu sei que a senhora perdeu a memória, então vou repetir a
recomendação para evitar relações sexuais com penetrações até o
próximo mês, porque a vagina dela precisa se recuperar.
O meu rosto esquenta quando ele diz isso, e acabo tossindo
de nervoso. O médico se despede e entra no quarto, para se
despedir dela também. Luna está tão distraída que nem nota a
minha vergonha, e eu agradeço por isso. Ele precisa mesmo falar
sobre sexo dessa forma?
Terminadas as despedidas, eu assino os papéis da alta e
peço um carro no aplicativo para irmos embora.
O caminho para casa é feito em silêncio. Luna está
paralisada, olhando para algum ponto não específico, parecendo
perdida em seus pensamentos. Eu não a solto em momento algum,
sempre segurando a mão ou o braço dela.
Chegamos à nossa casa, e ainda sem dizer nada, ela se
encaminha para a escada e sobe devagar.
O meu coração está partido. Tenho vontade de questioná-la,
necessitando urgente saber o que está se passando dentro da sua
cabeça, mas tenho consciência de que o momento é muito delicado.
Será que eu sabia dessa gravidez? Mas se soubesse, ela
teria comentado em algum momento, depois que tudo aconteceu.
Minha nossa, eu não acredito que ela fez isso.
Luna queria me fazer uma surpresa ou mostrar que era capaz
de me dar um filho? Por que engravidou nesse momento tão
delicado da nossa vida? Será que foi alguma tentativa de resgatar o
que estávamos perdendo?
O dia amanhece, não dormimos muito, então resolvo subir
para fazer companhia a ela. Quando tudo se acalmar um pouco
mais, vou chamá-la para conversar.
Chego ao nosso quarto, e tudo está escuro, mas ouço um
choro bem baixinho, e isso faz meu coração apertar de novo. Fecho
a porta e chego à cama, tirando minhas roupas para me deitar ao
lado dela, usando apenas roupas íntimas. Preciso sentir o seu calor,
preciso abraçá-la o mais forte possível, e ela não me impede, na
verdade se aconchega em mim e chora até pegar no sono. Não
consigo dormir, fico velando o sono dela, mas, em certo momento, o
cansaço me vence, e eu durmo. Acordo, horas depois, com o
movimento agitado na cama. Sento-me, para ligar a luz do abajur, e
vejo que ela está tendo um pesadelo.
— Luna, acorde. Por favor, meu amor.
Com todo o cuidado do mundo, consigo acordá-la, então ela
pisca algumas vezes e ofega. Olhando em volta, se senta
rapidamente na cama e começa a alisar a barriga de forma
desesperada.
— Diga-me que tudo aquilo foi mentira e que não perdi o
nosso bebê — ela implora, em desespero, olhando-me diretamente
nos olhos. O verde intenso faz eu me arrepiar, e dessa vez, é por
causa da dor que vejo refletida em seu olhar. — Diga para mim que
é mentira.
— Infelizmente, foi verdade.
Luna se curva instantaneamente e começa a chorar
copiosamente. Eu a puxo para mim, prendendo-a em meus braços.
— Estou aqui com você.
— Eu acho que você sempre teve razão — ela murmura em
meu pescoço, e eu franzo o cenho, tentando me afastar para
encará-la, mas sou impedida pelo abraço dela. — Não sirvo para
nada, sou inútil. Eu não tenho capacidade de manter uma gravidez,
nunca poderei lhe dar um filho.
Depois de ouvir tantas idiotices, finalmente consigo me
afastar para fazê-la me olhar. O rosto dela transparece uma dor
imensa. Eu queria poder pegar essa dor para mim, tirando-a de
dentro dela.
— Eu era uma escrota, me tornei uma idiota. Não sei por qual
razão pude magoá-la tanto. Vou me arrepender todos os dias por ter
feito o que fiz, mesmo sem lembrar. Mas nunca, jamais, em hipótese
alguma, volte a dizer essas coisas. — Ela tenta desviar o olhar, mas
eu seguro o seu rosto para que os seus olhos fiquem nos meus. —
Não sei por qual motivo a Camille do passado lhe causou tanta dor,
lhe disse tantas coisas ruins, sem sentido, mas eu lhe garanto que
todos os dias me retratarei por isso.
— Nunca poderei lhe dar um filho.
— Shhh, não pense nisso. Não repita isso. Você é capaz de
qualquer coisa.
— É culpa minha tudo o que está acontecendo. Não foi o
primeiro aborto, é culpa minha.
— Luna.
— Não, Camille! — ela se exalta de repente, afastando-se de
mim e assustando-me momentaneamente; nega diversas vezes
com a cabeça e leva as mãos até o rosto. — Isso é castigo, eu
tenho certeza.
— Do que está falando?
— Do nosso primeiro filho, eu o perdi de propósito.
Paraliso no mesmo momento em que ela diz, abalada demais
para ter qualquer tipo de reação. Luna não me olha nos olhos, e eu
mesma não sei se consigo encará-la agora. Estou confusa. Por que
ela fez isso?
— Mas...
Sei que não posso cobrá-la sobre um possível aborto que foi
feito, afinal é o corpo dela, mas estou me sentindo quebrada e um
pouco traída. Tenho certeza de que eu nunca soube disso.
— Eu não cheguei a fazer nada, antes que pense. Não
procurei uma clínica, não tomei nada de errado que me fizesse
abortar, mas eu desejei tanto, tanto que ele não viesse — sua voz
está trêmula, ela volta a chorar, mas continua: — Você estava tão
obcecada para ter um filho, que eu me tornei apenas a sua barriga
de aluguel. Tivemos tantas discussões sem sentido.
Não sei dizer se estou aliviada, por saber que ela não fez
nada, ou se estou chocada por saber que já tínhamos problemas há
tempos. Tantas coisas poderiam ter sido resolvidas, o que nos
impediu de consertar tudo? Por que agimos de forma tão irracional?
— Não sei o que dizer.
— Eu fiquei tão irritada naquela época. Você me cobrava
como a minha mãe fazia, e tudo foi se acumulando, até que perdi o
controle. Mas me arrependi quando sofri o primeiro aborto, sabia
que era castigo por eu ter desejado tanto isso.
— Olhe pra mim, por favor. — Volto a me aproximar dela,
segurando as suas mãos e olhando-a nos olhos. Luna está
constrangida, ainda sofrendo e visivelmente magoada. Tivemos
tantos problemas, que me surpreende tudo começar a desabar só
agora. — Nós vamos passar por tudo isso, pelas coisas do passado
e do presente. Posso não me lembrar de nada, mas estou disposta
a fazermos de tudo para nos acertar.
— Não está com raiva de mim por saber que eu desejei
perder o nosso primeiro filho?
Um pequeno sorriso surge em meu rosto quando nego com a
cabeça. Depois de tudo que estou sabendo sobre ela e descobrindo
sobre o nosso passado conturbado, eu nunca poderia odiá-la.
Acredito que todos nós temos motivos para tomarmos decisões, e
mesmo que não sejam motivos racionais, ainda assim existem
justificativas.
— Tenho minha parcela de culpa em tudo o que estava
acontecendo. Estou disposta a acertar, mas preciso que esteja
comigo. Não sairei do seu lado.
— Eu nunca conseguiria sair do seu lado — ela responde, e
então, eu a abraço mais uma vez, prendendo-a em um forte aperto.
Tenho consciência de que precisamos urgentemente buscar
alguma ajuda profissional e de que estamos no caminho certo. Eu
sei que ela precisa de mim nesse momento. Chegou a minha vez de
cuidar dela, da mesma forma que ela sempre cuidou de mim.
Capítulo 25 – Na alegria e na tristeza
O dia seguinte não amanheceu melhor do que os anteriores.
Estamos dormindo no quarto de hóspedes, por causa do colchão
que precisou ser lavado e está secando no quintal, e pode ser que
demore pelo tempo frio.
Mas voltando ao assunto mais importante da minha vida e
que está me causando uma dor absurda: Luna. Ela está calada, tem
estado calada desde que voltamos do hospital. Passa o dia todo
assim praticamente, não se levanta da cama, somente quando
realmente é necessário. Eu tenho dado banhos nela, porque, se não
o fizer, acredito que ela não o fará também, tamanha é a sua
tristeza.
Parte-me ao meio vê-la tão cabisbaixa. Encarreguei-me de
cancelar qualquer compromisso dela. Sei que Luna precisará de um
tempo, e estou cuidando para que não demore tanto.
— Depois, posso subir para ver a mamãe? — Louis pergunta,
olhando-me, também cabisbaixo. Ele tem andado mais calado,
como se soubesse e sentisse tudo o que a mãe dele está sentindo.
Acredito que esteja mesmo, os dois têm uma ligação muito forte.
Eu sorrio para o meu pequeno, bagunçando os seus cabelos
longos, que caem um pouco sobre os olhos.
— Claro, hijo. Não precisa nem pedir. Só não a acorde, caso
ela esteja dormindo, ok?
Ele concorda com a cabeça e volta a comer, em silêncio, sem
dizer mais nada. Terminamos o nosso almoço assim, e depois de
arrumarmos tudo, subimos, os dois, para verificarmos a Luna. Entro
primeiro, apenas para me certificar de que ela esteja vestida, e está.
Deitada na cama, olhando, através da janela aberta, a neve que cai
do lado de fora. Sua imagem é tão fria quanto o tempo neste
momento.
— Mamãe? — o pequeno a chama, aproximando-se da
cama. Luna demora alguns segundos para reagir, mas então, olha
para ele e abre um pequeno sorriso, assim como seus braços. Isso
tem me deixado mais confortada, ela nunca rejeita ou ignora o
nosso filho. Louis sobe rapidamente na cama e, com cuidado, a
abraça. Ele tem sido muito cuidadoso, pois sabe que ela precisa de
cuidados.
— Estou feliz em ver que comeu tudo — comento ao olhar a
bandeja sobre a mesinha de cabeceira. O prato está vazio, ela
somente não tomou o suco todo, mas isso não importa. — Quer
mais água?
— Não precisa, princesa. Deite aqui conosco, por favor — ela
pede de forma tão manhosa, que quase me derreto, achando
adorável a sua manha.
Não penso duas vezes antes de atender o seu pedido,
subindo na cama e abraçando os dois da melhor forma que posso.
Ficamos assim, os três olhando a neve, em silêncio. Mas, pela
primeira vez, em uma semana, não está sendo melancólico ou
apavorante.
— Eu amo a senhora, mamãe — Louis diz de repente, com
um tom baixo, como algum tipo de confissão. Eu só consegui ouvir
por estar bem perto.
Ergo minha cabeça e encaro os dois. Ela pressiona bem os
olhos e o abraça forte, enterrando o rosto nos cabelos grandes dele.
Essa imagem faz meu coração sentir como se estivesse aquecido, e
me traz uma garantia de que tudo vai ficar bem. Temos uns aos
outros, vamos passar por esse momento difícil.
— Eu amo você, meu pequeno. Amo tanto que não cabe
dentro de mim.
Permaneço quieta, admirando a imagem dos dois se
abraçando tão apertado, o que me faz feliz e não me deixa
enciumada, pelo contrário: me dá esperanças. Esses momentos
entre eles foram raros nos últimos dias. Para ser sincera, não os
presenciei muito. Luna tem estado tão reclusa, não sei mais o que
fazer para tirá-la do quarto e tentar animá-la.
Passamos o dia todo praticamente assim: os três deitados,
juntinhos, como deve ser. Luna parece um pouco mais animada,
embora o seu olhar não esconda que, por dentro, tudo está
quebrado. Espero que hoje à noite eu consiga conversar melhor
com ela e saber como posso ajudá-la.

Vazia e quebrada.
Essas duas são as definições perfeitas para definir como os
meus dias têm sido. Para ser sincera, eu nem sei se comecei a me
sentir assim agora ou há mais tempo. Tudo começou a se perder em
algum momento que não faço ideia de quando foi.
Eu estava perdendo-a. Tínhamos tantos problemas
acumulados, não sabia como poderia salvar o nosso casamento.
Tentei de todas as formas que pude, mas Camille se fechava e
ficava na defensiva sempre que eu parecia chegar perto do centro
do problema. Desejei tantas noites que tudo pudesse voltar ao
normal, só não imaginava que ela acabaria perdendo a memória.
Por que isso aconteceu justo agora? Não que eu esteja
reclamando, pois estamos conseguindo reconstruir algo que
tínhamos perdido. Mas acontece que eu me lembro de tudo o que
aconteceu. Ela pode ter esquecido dentro dela, em algum lugar, mas
aqui, na minha mente, tudo continua vivo e dói. Dói como o inferno,
porque sei que a perderia se não tivesse acontecido o que
aconteceu. Dói, porque sei que talvez nunca possa alegrá-la da
mesma forma que ela me alegrou quando gerou o nosso filho.
Não consigo dar um filho à minha esposa, o que faz eu me
sentir uma merda de mulher. É o meu sonho, sempre foi, e mesmo
que no passado coisas tenham me feito duvidar disso, eu ainda
mantenho o desejo de ser mãe dentro de mim. Era o sonho dela me
ver grávida também, sempre foi.
Sinto uma vontade absurda ao me lembrar da primeira vez
que tentamos ter um filho. Camille parecia tão animada e ansiosa no
início, mas com o tempo, as coisas começaram a ficar estranhas.
Não parecia mais uma vontade, e sim uma obrigação. Fui perdendo,
aos poucos, a vontade de gerar aquela criança, e quando a
inseminação deu errada, eu fiquei, de certa forma, aliviada. Mas
então, meses depois, resolvemos tentar de novo. Deu certo, até
certo ponto. Eu desejei tantas vezes que desse errado, para que ela
pudesse parar de me cobrar como estava cobrando. Eu o perdi
antes de completar um mês, foi um aborto espontâneo, da mesma
forma que os dois seguintes também foram, contando com esse
último.
Penso que estou sendo castigada por ter desejado tanto que
o primeiro não viesse. Estou apavorada agora, não sei se tenho
forças para tentar novamente. Nem sei se sou capaz de conseguir
gerar uma criança, e não faço ideia de como as coisas com a
Camille vão ser, porque tudo está bem agora, mas, de repente, algo
pode mudar e nós voltarmos ao início de tudo.
— Podemos conversar?
Eu volto a minha atenção para ela, que está entrando no
quarto, depois de tomar o seu banho. O cheiro dela toma conta do
ambiente e me conforta. Tudo nela sempre me acalmou com
facilidade.
— O que quer conversar?
— Quero saber como está se sentindo. De verdade. — Ela
sobe na cama, aproximando-se de mim. Camille pega uma de
minhas mãos que estava sobre o meu colo, segurando-a com as
dela. — Estou respeitando o seu espaço, mas não aguento ver você
sofrendo em silêncio. Compartilhe comigo.
Eu encaro o seu rosto e vejo o brilho de afeto refletido nele. O
mesmo brilho que ela sempre carregou ao olhar para mim. Sei que a
sua mente ainda se lembra de mim, mesmo que esteja no
subconsciente, escondido.
— A cada dia, me sinto um pouco melhor, mas ainda estou
quebrada. Queria tanto que tivesse dado certo dessa vez.
— Eu sabia da sua gravidez? Digo, antes de tudo que
aconteceu comigo.
Respiro fundo antes de responder. Eu tinha tomado a decisão
sozinha quando pensei que as coisas poderiam se acertar, mas não
fazia ideia de tudo que ainda aconteceria.
— Não. Eu tomei essa atitude sozinha, era para ser uma
surpresa.
— Por quê? Hm, olhe, não me leve a mal, mas preciso
entender. Sei que não estávamos bem.
— Sim, não estávamos, mas tudo parecia, aos poucos, voltar
ao normal. Sei que tomei uma atitude precipitada, tenho total
consciência disso agora. Somos casadas, ter um filho requer muita
responsabilidade, e principalmente por sermos um casal de
mulheres. Podemos tomar todas as prevenções e decidirmos o
momento certo de ter mais uma criança.
— Isso é verdade.
— Mas queria tanto te provar e provar para mim mesma que
eu podia, sabe? Os primeiros testes, feitos há dois meses, deram
errado. Já tinha desistido quando comecei a sentir enjoos no final do
mês passado. Resolvi fazer um teste de sangue para ter certeza, e
então, veio o resultado: positivo. — Pauso quando lembranças
antigas me invadem. Lembro-me do primeiro aborto, quando Camille
chorou tanto a ponto de perder o fôlego. Ela me viu quebrada e
mudou aos poucos suas atitudes. Eu a vi sofrer comigo,
entendendo, da melhor forma, que ela sentia a minha dor. Então, ela
decidiu que teríamos uma família, mesmo que para isso fosse
preciso mudar os seus planos. — Tudo deu errado outra vez por
minha culpa. Eu devo ter algum problema.
— Luna, pare com isso. Estou implorando, pare de se culpar.
Às vezes, coisas acontecem e deixam de acontecer. Assim é a vida.
— Ela segura o meu rosto com as mãos, fazendo-me encará-la.
Uma lágrima escorre, e o seu dedo polegar rapidamente a seca. —
Talvez não fosse o melhor momento para termos outro filho. Olhe
tudo o que aconteceu. Consegue imaginar como seria, para mim, ter
mais essa responsabilidade, sem nem ter consciência sobre?
Suas palavras me fazem refletir muito sobre a atitude que
tomei. Realmente, eu não pensei direito nas consequências,
principalmente com toda essa confusão da amnésia. Eu deveria ter
esperado e conversado com ela. E se tivéssemos nos separado?
Como seria para outra criança entender o que estava acontecendo?
— Eu fui muito irresponsável ao tomar essa atitude.
— Um pouco, mas porque tomou essa decisão sozinha, sem
me deixar ciente. Não faço ideia de como funciona um casamento,
estou aprendendo algo novo todos os dias, mas acredito que tudo
deva ser compartilhado, principalmente algo tão importante.
É incrivelmente assustador como essa mulher é sensata e
inteligente. A forma que ela consegue me fazer enxergar as coisas
sempre me deixa fascinada. Eu tive uma atitude irresponsável,
porque a amo muito, tanto que sou incapaz de medir o quanto.
Como posso explicar o que Camille significa para mim? Eu
sempre a amei, e depois que ela me deu o nosso filho, passei a
amá-la ainda mais. O que sinto pode ser considerado, por alguns,
uma dependência, talvez uma obsessão, e para outros, uma doença
que precisa ser curada. Como explicar um sentimento tão
gigantesco em palavras, que nem sentindo sou capaz de entender?
Eu arranco o meu coração do peito por ela, se for preciso.
Todas as vezes que pensei em desistir dela, algo maior me
mantinha, porque eu sabia, sempre soube que estaríamos juntas no
final. Imaginar uma vida sem ela me quebra por dentro.
Eu nunca quis ser a esposa idiota dela, então, por mais que
me doesse, eu desistiria dela. Se para ser feliz ela precisasse estar
longe de mim, eu a deixaria livre. Sempre prezei o seu bem e
sempre hei de prezar. Camille é um dos meus maiores bens. Tudo o
que conquistamos juntas não seria nada se eu a perdesse. O nosso
filho e ela são o meu lar, sempre vou desejar estar com eles, não
importa onde, e vou querer o que for melhor para os dois.
— Eu deveria ter considerado todo o nosso cenário antes de
tomar aquela decisão. Mas queria tanto, quero tanto. Quero dizer,
não sei mais. — Ela suspira e acaricia o meu rosto, abrindo um
sorriso tão bonito que acabo retribuindo. É incrível a capacidade que
essa mulher tem de acalmar o meu coração.
— Não pense no futuro, vamos viver o presente e deixar as
coisas acontecerem. Eu prometi que não vou sair do seu lado,
apenas peço que não me afaste. Mesmo que as coisas fiquem ruins,
quero estar com você, como sempre esteve comigo. Não faço isso
como tentativa de pagar tudo o que já fez por mim, mas como a sua
esposa, que deve agir como tal.
— Na alegria e na tristeza — sussurro, abaixando a cabeça,
e ela se inclina e beija a minha testa. Fecho os olhos para apreciar o
contato. Beijos na testa devem ser considerados os mais puros, a
maior demonstração de respeito e cuidado que existe nesse mundo.
Amo beijos na testa.
— Eu estou com você e permanecerei aqui.
Sei que, independentemente de qualquer coisa, Camille e eu
sempre estaremos juntas na alegria e na tristeza, na saúde e na
doença, até que a morte nos separe.
Capítulo 26 – Feliz Natal
O dia amanheceu bonito, mas não pelo tempo em si: está
nevando um pouco e bastante frio. Existem outros motivos para ele
ter nascido assim. Todos parecem animados, fizeram um grupo no
aplicativo de mensagens e estão, desde cedo, combinando como
será a nossa ceia. Estarão presentes literalmente todos, até mesmo
os meus pais e os de Luna virão. Natal sempre é momento de
passar com a família, não importa se são seus parentes ou amigos
que te acolhem.
— Meu bem, conseguiu encontrar o resto dos enfeites? —
Luna entra em nosso quarto de repente. Continuo olhando através
da janela e apenas a olho por cima do meu ombro. Sorrio em sua
direção, chamando-a com as mãos. — O que está fazendo? Pensei
que quisesse terminar de arrumar tudo logo. — Ela brinca e solta
uma gargalhada; eu fecho os olhos para apreciar o som.
Está sendo maravilhoso vê-la cada vez melhor. Temos
conversado todos os dias, o que está ajudando bastante na
recuperação. Luna confidenciou que sentia muita falta de dialogar
comigo. Estou me esforçando para deixá-la o mais confortável
possível, e tem funcionado. O brilho no olhar dela confirma isso.
— Seus olhos estão lindos esta manhã — comento,
encantada. O habitual verde deu lugar a um azul bem claro e
cristalino.
Luna franze o cenho, fazendo suas bochechas ficarem ainda
mais evidentes.
— Eu pensei que eles fossem lindos todos os dias.
— São, idiota arrogante. — Reviro os olhos e tento me
afastar, mas Luna me impede, segurando em minha cintura com
força. Ela me olha, e eu sei que vai me beijar, mas não faço nada
para impedi-la. — Continua sendo idiota.
— Vou precisar te dar mais beijos, então — ela murmura,
antes de voltar a grudar as nossas bocas, e eu suspiro, derretendo-
me em seus braços.
Luna afunda os dedos em minha lombar ao sugar a minha
língua para dentro de sua boca, e eu movimento os meus lábios
lentamente. Sou viciada nesses beijos lentos e intensos, parece que
sinto tudo o que ela sente.
— Pode dar quantos beijos quiser — murmuro, perdida e
totalmente rendida em seus braços. Ela sorri e volta a me beijar na
mesma intensidade, só que menos lentamente.
— Parece que o nosso casal favorito resolveu aproveitar a
véspera de Natal de uma forma profana.
— Será que podemos gravar e colocar em algum site de
beijos pornográficos?
— Eu acho que deveríamos criar um exclusivo para elas.
— Concordo totalmente.
Quatro vozes diferentes são ouvidas de repente. Minha
primeira reação é afundar o rosto no pescoço de Luna, que
rapidamente me envolve em um abraço protetor, mesmo que esteja
rindo. Eu me afasto ao ouvir as risadas, e estou prestes a soltar
algum xingamento, mas o meu queixo quase despenca ao ver não
apenas Vanessa, Nayara e Belinda, mas a minha irmã mais nova
também.
— Sofia! — exclamo rapidamente, afastando-me de Luna
para chegar a ela. Minha irmã, de quem eu ainda mantinha uma
imagem pequena e infantil, abre um enorme sorriso para me receber
em um abraço. Nossos corpos se colidem, e eu fecho os olhos,
apreciando o carinho e o calor que o seu abraço tem. — Meu Deus,
como você está grande!
— Grande, linda e muito gostosa — ela se gaba e balança os
seus longos cabelos, que são tão compridos que batem na cintura.
Sem a largar, eu a analiso o máximo que posso. Sofia ficou
bem mais alta que Belinda e eu, herdou a altura do nosso pai, e os
seus traços são mais fortes que os nossos também.
— Senti sua falta — ela diz.
— Eu... Nossa, estou sem palavras. Você se tornou um
verdadeiro mulherão.
Finalmente nos afastamos, e eu posso, enfim, terminar de
analisá-la. Realmente, o sangue mexicano é milagroso. O corpo
dela está simplesmente impecável, sem falar de sua beleza
completa, um verdadeiro mulherão. Não sei se consigo me
acostumar a vê-la assim, ao invés do habitual, quando era apenas
uma garotinha inocente.
— Você sempre reage dessa forma quando a encontra
depois de muito tempo — Belinda se intromete e sai levando Sofia
em direção à porta.
Faço um bico, desolada, mas nenhuma das duas se importa.
Duas ingratas.
— Vamos, Vanessa, deixe as duas aproveitarem um pouco
mais — Nayara diz, levando consigo a minha melhor amiga, mas,
antes de sair, Vanessa para na porta e faz um sinal obsceno com os
dedos e a língua. Eu abro a boca, espantada, porém nem deveria
estar surpresa.
— Ficou chocada com o tamanho da sua caçula?
— Demais. Acho que a bunda dela é maior do que a minha.
— Olho para a minha esposa, mas a pervertida não me olha de
volta, o seu olhar está de encontro à minha parte traseira. — Luna!
— O quê?
— Você é sonsa.
— Só você pode encarar a minha bunda agora?
Os meus olhos quase saltam das órbitas, e rapidamente eu
abaixo a cabeça, sem graça e com o rosto corado. Ela nunca perde
a oportunidade de citar as vezes que eu seco o seu corpo.
— Já disse que é tudo seu, sinta-se à vontade — adiciona.
— Muito sonsa! — devolvo.
Ela sorri e cola o seu corpo ao meu, segurando em minha
cintura primeiramente, mas logo as suas mãos deslizam para trás.
— Luna...
— Eu gosto quando você fala o meu nome assim. — Ela sorri
de forma cafajeste e se inclina, levando a boca até o meu ouvido. —
Adoro mulher brava. — O sussurro gostoso, ao pé do meu ouvido,
me causa arrepios, e eu fecho os olhos por reflexo. É incrível como
ela consegue mexer comigo de maneira tão fácil. Demoro alguns
minutos a reagir, mas finalmente tomo uma atitude ao me afastar.
Preciso raciocinar, fica difícil com ela tão próxima a mim.
— Vamos descer e terminar de arrumar tudo, as pessoas já
estão chegando.
— Você quem manda, patroa. — Ela bate continência para
mim, e eu reviro os olhos, antes de me virar para sair do quarto.
Mantenho um sorriso no rosto, porque as idiotices dela me deixam
assim.
O que posso fazer se tenho uma esposa idiotamente
adorável?
O meu plano inicial era arrumar tudo, antes que todo mundo
chegasse, para ter um momento divertido com a minha família, mas
foi muito bem-vinda a ajuda das meninas. Afinal, continuou sendo
um momento familiar, mas com mais pessoas que o comum. Elas
são família de qualquer forma.
— Vamos subir para tomar banho?
Estou analisando a árvore de Natal quando a Luna chega à
sala, abraçando-me por trás e colocando seu queixo sobre o meu
ombro. Sorrio, colocando as minhas mãos por cima das dela, em
minha barriga, e inclino a cabeça um pouco para trás.
— Vamos. Elas foram se arrumar?
— Sim. Precisamos ir logo, porque até o carinha perdeu o
próprio banheiro.
— Mas ele tomou banho? Podemos colocá-lo em nosso
quarto.
— É uma boa ideia. Vá na frente que vou buscá-lo, antes que
as suas irmãs mudem a roupa dele.
Subimos as escadas, rindo, e cada uma vai para um lado.
Rapidamente, eu tomo o meu banho. O meu vestido está separado
no closet, com os acessórios e as sandálias. Luna fez questão de
deixar tudo nosso arrumado, para que apenas precisássemos tomar
banho e nos vestir. Ela realmente pensa em tudo. Depois do meu
banho, Louis toma o dele e se arruma no banheiro mesmo.
— Você acha que eu fico bem com essa cor? — questiono
Luna, que está pegando roupas íntimas para tomar banho, depois
que Louis terminar o dele. Ela para, por um segundo, e me olha de
cima a baixo. Seu olhar queima a minha pele.
— A minha garota favorita na minha cor favorita.
— Sua cor favorita não é a preta? — Ergo uma sobrancelha,
encarando-a, sem entender. Luna sempre foi a maior fã da cor preta
que existe neste mundo. Lembro-me de que ela parecia viver em um
eterno luto quando estudávamos na mesma escola.
— Vermelha é a minha nova cor favorita, mas somente se
você estiver usando.
O meu rosto esquenta um pouco, e desvio o meu olhar,
ouvindo a sua risada divertida. Ela simplesmente adora me deixar
sem jeito, seja com elogios ou com flertes repentinos.
— Você não perde a oportunidade, não é?
— Com você? Nunca. — Ela para atrás de mim e apoia uma
das mãos em minha cintura, inclinando-se para deixar um beijo na
minha bochecha. — Vou tomar meu banho e conferir se elas não se
mataram.
Concordo com a cabeça e a observo sair do closet. Depois
que ela sai, eu termino de me arrumar. Estou terminando a minha
maquiagem quando o reflexo da aliança em meu dedo chama a
minha atenção. Geralmente eu não a reparo, estou tão acostumada
com esse acessório que até me esqueço. É uma aliança fina, com
uma listra repleta de diamantes, muito bonita por sinal, e deve ter
sido cara.
Não me dou conta de que estou sorrindo, até ouvir outras
vozes me provocando:
— Você não foi capaz de evitar, mesmo depois de se
esquecer dela.
— Como ela poderia? A Luna é a mulher dos sonhos de
qualquer um.
Viro-me para Belinda e Sofia, e as duas me encaram, com
sorrisos em seus rostos. Mesmo que sejam provocações, sei que
elas estão felizes por mim, pois conheço esses olhares. Eu as olho
de cima a baixo, admirada com a beleza das mulheres que tanto
amo.
Eu ainda estou chocada com o tamanho da minha irmã mais
nova.
— Estou bonita?
— Essa é uma resposta óbvia — Sofia responde de imediato
e revira os olhos. O meu queixo quase cai com o seu jeito atrevido,
lembrando bastante a minha melhor amiga. O que Vanessa fez com
a minha pequena irmã?
— Eu disse que você iria se surpreender com essa cobrinha
— Belinda diz e solta uma gargalhada, divertindo-se com a minha
expressão de espanto. — Mas, sim, você está linda. Tenho certeza
de que, nesta noite, a Luna não escapa.
— Belinda...
— Vocês ainda... — Sofia começa a falar, mas se cala e olha
para o lado de fora, voltando a olhar para mim e fechando a porta do
closet atrás de si. — Vocês duas ainda não foderam?
— Sofia?! Que tipo de linguajar é esse?
Minha irmã mais nova revira os olhos outra vez, cruzando os
braços ao recostar-se nas prateleiras da esquerda.
— Desculpe, eu deveria dizer fazer amor? Ou fizeram sexo
gostosinho, ou...
— Chega! Chega! — peço desesperadamente, colocando as
mãos sobre os meus ouvidos. — Quando foi que você se tornou
isso?
— Me tornei o quê? Uma adulta que faz sexo?
— Pra mim, chega. Isso é demais! — Ergo as minhas mãos e
rapidamente saio do closet, ouvindo as risadas das minhas irmãs
atrás de mim. Não sei quanto tempo levarei para me acostumar com
a caçula sendo tão... desse jeito. Meu Deus! Ela disse que faz sexo.
Eu não acredito que alguma pessoa safada tenha tirado a pureza da
minha pequena.
— Por que você está com essa expressão? — Luna sai do
banho com seu roupão branco, enquanto desembaraça os cabelos
com a escova. Eu a olho, apavorada, e caminho em sua direção
para esconder o rosto em seu pescoço.
— Minha irmã faz sexo.
Luna solta uma risadinha, alisando as minhas costas com
uma das mãos.
— Bom, ela é casada e tem filhos. Você acha que eles foram
feitos como?
Afasto-me de Luna e a fuzilo com o olhar.
— Não estou falando da Belinda.
Ela olha para trás e depois para mim, finalmente entendendo
o motivo de todo o meu pavor. A sua expressão se retorce, e sei que
está prestes a rir, mas se contém.
— Bom, ela é uma mulher adulta agora, amor. É comum.
— Obrigada, cunhada. Eu acho que a minha amada irmã
precisa de um choque de realidade. Sexo é maravilhoso.
— Pare de falar isso, pelo amor de Deus! — exclamo, sem
nem a encarar. Todas estão rindo, divertindo-se com o meu pequeno
surto, mas não consigo achar graça nenhuma. Eu dormi com a
imagem pura da minha pequena e acordei com essa versão adulta,
sem escrúpulos. O mundo não é mais o mesmo.
Elas finalmente me dão trégua quando Luna diz que
terminará de se arrumar. Ouvimos a campainha tocar e saímos, as
três, do quarto para receber os convidados.
De pouco a pouco, todos vão chegando.
Ver os meus pais fez eu me sentir ainda mais feliz. Sinto
saudade de conviver com eles, mas estou entendendo que a vida
adulta é assim mesmo. Os pais de Luna chegaram animados. Noah
os trouxe, pois ficarão hospedados na casa dele. Ficariam aqui, mas
o quarto de hóspedes será dos meus pais. Eu prefiro assim, odiaria
que a Ana e a Luna acabassem se desentendendo.
E por falar na minha sogra.
— Camille.
— Ana — eu a cumprimento com um aceno de cabeça. Estou
com uma taça de vinho na mão, enquanto observo todos andando
pela sala, divertindo-se e contando histórias engraçadas. O Natal
sempre foi uma das minhas festas favoritas de fim de ano, e agora
não está sendo diferente.
— Será que podemos conversar um pouco, longe de todo
esse barulho?
Penso em arrumar uma desculpa para escapar dessa
conversa, mas algo me diz para acompanhá-la. Concordo com a
cabeça e indico a escada, para irmos até o meu quarto.
— Eu acredito que ninguém vai nos atrapalhar aqui. — Fecho
a porta atrás de nós e caminho até a cama, sentando-me na
beirada. — Sente-se comigo.
Ana sorri e senta-se de frente para mim.
— Como ela está? — Franzo o cenho, e Ana suspira,
nervosa, passando as mãos pelos cabelos perfeitamente
arrumados. — Luna. Conversamos esses dias, mas ela não está se
abrindo totalmente para mim. Eu acompanhei os abortos anteriores
e sei quão abalada a minha filha ficou. Quero saber a verdade: você
acha que ela está melhor?
— Sim. A cada dia, mais ela volta ao normal. — Respiro
fundo e abro um pequeno sorriso. Ana não parece muito confiante,
eu conheço a aflição no olhar de uma mãe preocupada. Sei que
mesmo com seu jeito difícil, ela ama muito a filha que tem. —
Estamos tentando continuar a nossa vida. Tivemos diversas
conversas, e eu sugeri que ela buscasse uma ajuda profissional,
para ter um acompanhamento melhor.
— De verdade? Nossa, isso é ótimo! O Mark tentou
convencê-la algumas vezes a buscar ajuda de um profissional, mas
a Luna sempre foi muito teimosa e tem essa coisa de querer segurar
o mundo todo com as mãos.
— É realmente teimosa, mas sabe ouvir quando eu converso
com ela. Tenho um jeito especial de fazê-la entender as coisas.
— Você sempre soube lidar melhor com ela do que eu, que
sou a mãe dela. — Ana desvia o olhar, encarando um ponto fixo
qualquer, perdida em pensamentos. Eu a deixo pensar um pouco,
pois sinto que ela quer contar alguma coisa ou desabafar. —
Sempre tentei ser uma boa mãe para os meus dois filhos, dando de
tudo do bom e do melhor, trabalhando dia e noite, quase sem parar,
para que nada faltasse em casa.
— Você é uma ótima mãe, Ana.
Ela solta um riso sem qualquer resquício de humor, negando
com a cabeça. Quando volta a me olhar, os seus olhos refletem uma
dor profunda.
— Tenho sido uma boa mãe para o Noah, porque ele nunca
me contrariou. Sempre foi um bom menino, obedecendo, sem
questionar, seguindo todos os passos que desejei. Mas Luna nunca
abaixou a cabeça, nem para mim nem para o pai dela, sempre
impondo as próprias opiniões.
— Ela tem gênio forte.
— Muito. Esse sempre foi um dos impasses que tivemos
durante o crescimento dela. Nunca consegui entender como pôde
largar um bom futuro para seguir um devaneio. Um hobby.
— Desculpe-me, Ana, mas estou convivendo com a sua filha
todos os dias, eu vejo como ela é feliz fazendo o que gosta. Não é
um hobby, é o trabalho dela, é a vida dela. A Luna está seguindo um
sonho de infância.
Pensei que estava exagerando, interrompendo-a, mas ao vê-
la sorrir, fico um pouco confusa. Ela está feliz ou vai me bater?
— Gosto de saber que você a defende. Sempre me perguntei
se minha filha conseguiria encontrar uma boa pessoa. Confesso que
tive muitos preconceitos quando ela nos contou que gostava de
mulheres. Tivemos uma briga horrível, foi a primeira vez que a vi
chorar tanto. Luna sempre guardou tudo para si, e vê-la tão
quebrada mexeu comigo, mas eu não fiz nada. Estava com tanta
raiva, pensando no que tinha feito de errado na criação dela, cega
por pensamentos arcaicos e atitudes que herdei do meu pai...
Ana pausa durante alguns segundos, com os olhos fechados,
aparentemente com uma luta interna.
— Comecei a aceitá-la depois que ela nos apresentou a
você. Um dos meus maiores medos sempre foi que alguém a
machucasse por gostar de mulheres. Eu me preocupava,
imaginando se ela encontraria uma pessoa boa, com visão de futuro
e capaz de aguentar tudo o que a sociedade joga em cima de
pessoas homossexuais.
— Confesso ter pensado que você não gostava de mim.
Digo, agora, quando encontrei vocês em Miami.
Ana nega com a cabeça e sorri.
— Tivemos muitas conversas, Camille. Você me encontrou
uma vez chorando, por causa dela, e iniciamos ali um tipo de
amizade à parte, além de você ser a minha nora. Comecei a
enxergar o relacionamento de vocês como um relacionamento
qualquer, sem diferenças. Eu sentia que você cuidava bem da
minha filha.
— Eu nunca seria capaz de destruir a felicidade dela.
— Sabe de uma coisa engraçada? Você sempre dizia algo
parecido com isso todas as vezes que eu falava sobre. Mas o intuito
dessa conversa é que sinto que estou me afastando demais da
minha filha, preciso recuperar a nossa relação.
— Você quer ajuda para entendê-la?
— Muita. — Respiro fundo, inclino-me para deixar a taça
vazia no chão, volto a ficar sentada e me aproximo para segurar as
suas mãos.
— Depois que tudo isso se normalizar, converse com ela,
mas esteja disposta a ouvi-la. Você, melhor do que ninguém, sabe
que a Luna precisa se expressar. Eu acredito que essa conversa
fará muito bem a vocês duas.
Ana concorda com a cabeça, puxando-me para um forte
abraço repentino. Tenho certeza de que essa conversa entre as
duas resolverá muitas questões que não estão ao meu alcance.
Espero mesmo que elas possam resolver as diferenças de uma vez
por todas.
— Luna aprontava demais quando era mais nova. Lembro-
me de uma vez que cheguei em nossa casa e a encontrei enrolada
com ataduras.
— Como assim? Por quê?
Ana começa a me contar coisas do passado de Luna, muitas
histórias divertidas. É perceptível que, apesar dos problemas, ela
ama muito a filha que tem. E mesmo que não diga em voz alta, tem
orgulho da mulher que ela se tornou.
— Disse que queria se tornar uma múmia, que estava
cansada dos seres humanos e não queria mais ser um deles.
Eu gargalho, imaginando a cena da Luna pequena, com cara
de brava, toda enrolada em ataduras, dizendo isso. Não é muito
difícil criar essa imagem.
— Oi? Está tudo bem por aqui?
E por falar nela, olhamos para trás, apenas para ver a curiosa
Luna entrar lentamente no quarto, sem entender o que está
acontecendo. Ana rapidamente se levanta da cama, indo em direção
à filha. Um sorriso nasce em meu rosto com a cena.
— Eu amo você, minha filha. Lembre-se sempre disso. —
Ana segura o rosto de Luna e beija a sua testa. A minha esposa tem
uma expressão confusa e me olha como se perguntasse o que está
acontecendo. Eu apenas faço um sinal com as mãos.
— Eu também amo a senhora, mãe — ela diz, ainda meio
confusa, mas o brilho no olhar é intenso, mesmo de longe, o que me
deixa muito feliz.
— Vou deixá-las sozinhas e ir atrás do meu marido, antes
que ele acabe com todo o vinho. — Ela se afasta de Luna e olha
para mim. — Obrigada.
— Disponha.
Ana acena mais uma vez para nós, antes de finalmente se
retirar do quarto. Eu sorrio e me ponho de pé, indo até a Luna, que
está mais confusa do que tudo. Coloco os meus braços em volta de
seu pescoço, chegando perto o suficiente de sua boca para beijá-la.
— O que eu perdi?
— Segredos entre sogra e nora. — Ela faz um bico tão
adorável, com o cenho franzido, que não resisto e a encho de
beijos. Luna não me rejeita, mas ainda está confusa e curiosa. —
Deixe de ser fofoqueira. Logo você saberá do que se trata.
— Por que não posso saber agora?
Encosto os meus lábios nos dela para sussurrar, com os
meus olhos abertos, encarando os dela:
— Porque eu não quero. — Balanço as minhas sobrancelhas
várias vezes ao me afastar. Luna revira os olhos e solta uma lufada
de ar, demonstrando toda a sua derrota. — Vamos voltar lá pra
baixo, nossa família deve estar procurando por nós.
Entrelaço os nossos dedos e a levo para fora do quarto.
Estamos quase na chegada quando ela para de repente. Viro-me,
curiosa, para questioná-la, mas antes que possa, tudo que sinto é o
meu corpo sendo empurrado contra uma das paredes e as suas
mãos em meu rosto, e logo em seguida, a sua boca toma a minha.
Fecho os olhos, apreciando o toque macio de sua boca na minha.
Os seus lábios acariciam os meus devagar, enquanto ela usa a
língua, para entrelaçar a minha, e as mãos para acariciar o meu
rosto. Estou entregue, totalmente nas mãos dela, como tenho
estado desde que voltamos aos bons termos.
— Você continua sendo a minha sorte.
O meu sorriso é tão largo, ao ouvir isso, que minhas
bochechas doem. Ela sorri da mesma forma, e o meu coração está
acelerado. Ouço as vozes das pessoas no andar de baixo, mas
nada poderia atrair tanto a minha atenção quanto a mulher que está
na minha frente. Como posso explicar todas as sensações que ela
me causa?
Retiro as mãos dela do meu rosto, para que eu possa segurar
o dela. Luna fecha as pálpebras para apreciar o carinho que faço
com os meus polegares, então fico nas pontas dos pés para beijar-
lhe a testa.
— Eu estou cada vez mais apaixonada por você — confesso.
Luna paralisa durante alguns segundos, mas a sua reação
seguinte me faz gargalhar, quando ela me abraça com tanta força
que chega a me erguer um pouco do chão. Evito que ela me pegue
no colo, porque não pode pegar peso ainda, mas ela não se
importa. Se não sou eu para tomar conta dessa mulher, nem sei.
Poderíamos ter ficado horas e horas ali, nesse momento só
nosso. Não foi a primeira vez que eu disse estar apaixonada por ela,
mas todas parecem a primeira. Gosto de poder aproveitar os
carinhos que trocamos, mas infelizmente temos muitas visitas, e
elas estão nos chamando, ou melhor, gritando os nossos nomes,
para descermos. Com sorrisos nos rostos e as mãos juntas,
voltamos para o andar de baixo, voltando a fazer companhia à
nossa família.
O resto da noite e a ceia foram perfeitos. Por mim, eles
ficariam conosco a noite toda, mas, aos poucos, cada um foi
sentindo sono e se despedindo, com a promessa de que voltariam,
no dia seguinte, para trocarmos os presentes.
Os meus pais subiram. Eu imaginei que Sofia fosse dormir
aqui, mas ela preferiu ir com a nossa irmã. Tenho uma leve
impressão de que ela está fugindo de mim, mas não sei o motivo.
Será que sou tão superprotetora e chata?
— Deita um pouco aqui comigo, mamá? — Louis pede, assim
que se deita na cama, erguendo o cobertor e me dando um espaço
em sua cama, para que eu possa me deitar ao seu lado. Luna foi
tomar banho e verificar se os meus pais estão confortáveis, e eu
fiquei encarregada de botar o nosso filho para dormir.
— Gostou de hoje?
— Muito! Foi incrível todo mundo junto. Eu amo quando os
meus primos vêm brincar comigo.
Eu sorrio para meu pequeno, beijando os seus cabelos, ao
aconchegá-lo em meus braços. Ele deita a cabeça em meu peito e
suspira.
— E amanhã tem muito mais. Se quiser, podemos chamar o
Toni e o Harry para passarem a semana aqui, que tal?
— Sim! Sim! Sim! — Ele se agita e balança a cabeça
freneticamente, e eu acabo rindo de sua animação. Louis realmente
gosta dos primos.
— Tudo bem, mas agora você precisa dormir, para ter
energia amanhã.
Ele concorda, com um som nasal, e volta a se aconchegar
em mim. Alguns minutos se passam, eu espero ter certeza de que
ele dormiu, e quando penso que sim, o movimento de sua cabeça
chama a minha atenção. Louis se afasta e olha para mim.
— Mommy? Um dia, eu vou ganhar um irmãozinho? Todo
mundo tem, até o Toni vai ganhar um irmão novo.
A sua pergunta quase me faz perder o ar, e paro durante
alguns segundos. Luna e eu ainda não conversamos com ele sobre
quais serão os nossos passos, mas contamos que ela acabou
perdendo um bebê. Louis é uma criança sentimental, é notável que
ele deseje ter um irmão, e eu entendo isso.
— Filho, as coisas são complicadas. Ter uma nova criança
traz muita responsabilidade, e a sua mãe e eu estamos
reconstruindo o que temos. Você sabe, não é?
— Sim, mommy. Mas...
— Eu entendo o seu desejo, sei que um irmão faz falta para
você, mas promete que não falará isso na frente da sua mãe?
— Não vou falar isso na frente da mamãe, mas vocês podem
pensar com carinho? Eu prometo que serei o melhor irmãozinho do
mundo. — Louis junta as mãos e me encara com os olhos de pidão.
O meu coração se aperta, e o puxo para mim, envolvendo-o em
meus braços.
— Vai dar tudo certo, carinha. Eu sei que vai ser um ótimo
irmão, porque você é um bom garoto. Boa noite, meu amor.
— Boa noite, mommy.
O assunto se encerra, e em alguns minutos, ele acaba
realmente pegando no sono. Levanto-me com cuidado, para não o
acordar, e apago as luzes antes de sair de seu quarto. O silêncio em
casa me dá a garantia de que todos foram se deitar, inclusive a
Luna. Preciso de um banho urgente.
Entro no quarto com cautela e a vejo deitada na cama, de
costas para a porta. Não sei se está dormindo, mas parece que sim.
Tomo todo o cuidado para entrar no closet e pegar um pijama, para
vestir depois do banho. Quando saio do banheiro outra vez,
visualizo Luna, aparentemente pensativa, sobre a cama.
— Acordou?
— Nunca vou poder dar um irmão para o meu filho. Sempre
fiz de tudo para que nada faltasse a ele, mas infelizmente uma das
coisas que ele mais quer sou incapaz de dar.
— Você...
Rapidamente, me aproximo da cama, espantada por ela
saber o que conversei, há pouco, com o nosso filho. Sua expressão
me quebra o coração, porque sinto, apenas olhando para ela, a dor
que está cravada em seu peito. Queria poder arrancar tudo de ruim
que ela possa estar sentindo.
— Eu acabei ouvindo, sem querer, quando fui procurar você.
Sinto-me tão incapacitada. Tão...
— Luna, pare com isso. Fique tranquila, nós conversamos
sobre isso.
Ela puxa os cobertores com certa violência e se põe de pé,
surpreendendo-me ao ficar cara a cara comigo. O seu olhar raivoso
me deixa nervosa, mas sei que tudo isso é apenas reação
automática à dor que está dentro dela.
— Ficar calma? Como eu posso ficar calma quando o meu
filho quer ter um irmão e pensa que não tivemos ainda por escolha,
e não por que eu sou inútil e incapaz de manter uma criança dentro
de mim? — Luna está exaltada e subindo o tom de voz. Eu sei que
ela está descontrolada e machucada, mas não quero que ninguém
acorde por causa dessa discussão sem cabimento.
— Ok, abaixe esse tom de voz e vamos conversar com
calma.
— Para o inferno você com essa calma. Será que não
consegue entender como me sinto? Estou quebrada, destruída, e
saber que o meu filho deseja tanto isso quanto eu faz com que me
sinta ainda pior. Eu sou inútil de verdade.
— Você não é e sabe disso. Vou pedir de novo para abaixar o
tom de voz, não precisa se exaltar. Os meus pais estão aqui, o
nosso filho está aqui, e eles não precisam ouvi-la. Não há
necessidade de um momento constrangedor.
— Você não entende, Camille. Não faz ideia de como isso
está sendo pra mim. — Ela vira de costas, com as mãos nos
cabelos, puxando alguns fios, como se isso pudesse acalmá-la.
— Meu amor...
— Não me chame assim, por favor! Eu não mereço isso. Não
mereço você, só sirvo para destruir tudo em que toco.
— Pare de falar besteira.
Ela se vira para mim outra vez, com suas narinas infladas e a
respiração acelerada. Ergo a minha postura, para mostrar-lhe que
nenhuma grosseria será capaz de impedir que conversemos
tranquilamente.
— Não é besteira, Camille, é a maldita verdade!
— Cale a boca.
— Não me mande calar a boca, escute a porra da verdade
que está na sua frente. Eu sou... — Cubro a sua boca com as
minhas mãos, para impedi-la de continuar falando tanta coisa idiota
sem motivo. Ela tenta retirá-las, mas a encaro de maneira firme.
— Cale essa maldita boca. Pare de falar tanta besteira, sua
idiota.
Luna finalmente retira minhas mãos de sua boca e me encara
com a mesma expressão que a minha.
— Não vou calar nada. É melhor que você ouça tudo.
Com a minha paciência quase se esgotando, por conta da
teimosia dela, resolvo fazer a única coisa possível capaz de fazê-la
realmente calar a boca: seguro a sua nuca com ambas as mãos e a
puxo. Ela até tenta lutar contra, mas nossos lábios entram em
contato, e isso parece acalmá-la instantaneamente. Em outra
ocasião, essa seria a pior forma de acabar com uma discussão,
mas, neste momento, é a única maneira possível.
Forço a língua contra a sua boca e a invado, tomando os
seus lábios para mim como se me pertencessem de forma literal.
Estou marcando meu território, mostrando, com atitude, que não
desejo deixá-la se rebaixar e que não desistirei, mesmo que ela
tente me obrigar a isso. Luna finalmente se rende e agarra a minha
cintura, puxando-me contra o seu corpo.
— Idiota — eu murmuro, depois de um tempo, e ela sorri e
volta a me beijar. Luna anda para trás, levando nós duas à cama.
— Sua idiota. — A voz rouca me faz arrepiar.
Ela se senta na cama e me puxa para o seu colo, colocando
as mãos em minha cintura. Faço força para que ela se deite e me
ajeito em cima dela, sorrindo ao me abaixar e grudar os nossos
corpos outra vez. Luna suspira, alisando as minhas costas até
chegar à minha bunda, que ela aperta com força, arrancando-me
um gemido baixo. Meu corpo está esquentando, a respiração dela
batendo contra a minha pele, tudo se unindo para mexer com o meu
psicológico.
— Você me deixa maluca — murmuro. — Precisamos dormir.
Ela abre os olhos na hora e me encara como se eu fosse
louca.
— Dormir agora?
Respiro fundo antes de me levantar de cima dela. Preciso me
afastar, preciso voltar a raciocinar e me controlar. Ela não pode fazer
esforço, e eu não quero machucá-la sem querer. Deito-me ao seu
lado, evitando olhar para ela.
— Deita aqui, venha.
Luna bufa e se enfia debaixo das cobertas, aproximando-se
de mim.
— Você me deixou toda molhada e vai dormir. Eu não
acredito.
Todo o meu corpo reage à sua frase, e imagens começam a
surgir. Seguro a respiração, porque sei que acabarei arfando, e
pode ser que isso faça algo despertar dentro dela. Então, com todo
o resto de controle que me resta, eu apenas me viro de costas para
ela e apago a luz do meu abajur. Luna faz o mesmo e me puxa para
ela. Temos dormido assim, juntinhas, sempre.
Estou tentando pegar no sono, mas sinto a respiração dela
bater de leve em minha nuca. Luna afasta os meus cabelos para
encostar o rosto ali. Não que seja algo fora do comum, porque ela
tem feito isso todos os dias, mas agora parece que um incêndio foi
iniciado dentro de mim, por causa desse contato. Fecho os meus
olhos com força, engolindo saliva.
O silêncio do quarto é rompido apenas pelas nossas
respirações: a dela, calma; a minha, cada vez mais agitada. Fecho
os olhos e até balanço a cabeça, para tentar acabar com os meus
pensamentos, mas tudo conspira contra mim.
Luna enfia a mão por debaixo da blusa do meu pijama e
acaricia o meu abdômen devagar. Sua palma quente quase me faz
gemer, e quando ela aperta nos pontos certos, todo o meu corpo se
arrepia.
Isso deveria ser comum, como tem sido nos últimos dias.
Luna é muito carinhosa, principalmente quando vamos dormir,
porque é o momento em que estamos a sós, e ela pode me dar toda
a atenção. Mas cada toque e aperto dela em minha pele fazem uma
pulsação dolorosa aumentar entre as minhas pernas. Alguma coisa
toma conta do meu corpo, porque nem percebo o momento exato
em que seguro a mão dela e lentamente arrasto para baixo,
ultrapassando a barreira do meu short e da calcinha de algodão que
estou usando.
O corpo dela fica tenso atrás de mim, mas não demora a
tomar uma atitude e mexer os dedos devagar, para cima e para
baixo, fazendo círculos lentos sobre o meu clitóris enrijecido.
Levo uma das mãos para trás, segurando os seus cabelos,
puxando-os, ao senti-la lamber e beijar a minha nuca, enquanto
continua me masturbando de uma maneira tão deliciosa. Por que eu
demorei tanto a deixá-la fazer isso?
— Ah... Hm… — Gemidos incoerentes me escapam, e tudo
aumenta quando ela separa as minhas pernas e desliza os dedos
até a minha entrada, recolhendo a minha lubrificação natural e
voltando ao clitóris. Tenho que enfiar o rosto no meu travesseiro
para não gemer alto.
— Caralho, tão molhada — ela murmura, arfando, ao girar os
dedos em meu clitóris. Eu ofego e me surpreendo quando, de
repente, sinto um tapa certeiro no ponto rígido e pulsante.
— AH!
Dessa vez, é impossível segurar o gemido alto, e eu só
espero que ninguém tenha escutado nada. Acontece que é uma
sensação de dor e prazer tão gostosa, que simplesmente não me
controlo. Luna usa seu joelho para separar as minhas pernas e
erguer uma delas, deixando o caminho livre para me tocar da
melhor forma.
Sinto uma sensação gostosa subir pelas minhas coxas e
parar no pé da barriga. Fecho os olhos com força e agarro os
cabelos dela, no momento que estremeço e sinto as minhas
paredes internas pulsarem freneticamente. Luna não para ao ver
que estou gozando, continua me masturbando com rapidez e me dá
outro tapa quando eu falo seu nome baixinho.
— Você gozando é uma delícia — ela murmura e retira a mão
do meio das minhas pernas. Eu estou mole e fraca, sentindo-me um
pouco sonolenta. Ouço sons de estalos no ouvido e tenho
consciência de que ela está provando o meu gosto, o que quase me
faz gemer outra vez. Que mulher é essa?
— O que acabou de acontecer? Nossa!
Luna solta uma risadinha e volta a me abraçar, colocando o
queixo em meu ombro.
— Eu acho que te dei um orgasmo delicioso.
— Muito delicioso. — Volto a levar a mão para trás e acaricio
os cabelos dela. Luna beija a minha bochecha e se aconchega em
mim. — Eu tinha razão quanto à sua habilidade com as mãos.
— Isso porque você ainda nem viu tudo que eu posso fazer
com elas.
Abro os olhos na mesma hora e viro o rosto o máximo que
posso, para encará-la. Ela sorri e se estica para me beijar.
— Mal posso esperar para ver tudo que elas podem fazer.
Ela não diz mais nada e voltamos à posição inicial. Ficamos
em silêncio, e acredito que dentro de alguns minutos vamos dormir.
Ao menos eu sei que vou.
— Feliz Natal, minha princesa.
Sorrio com o jeito carinhoso pelo qual me chama e seguro a
sua mão em minha barriga, trazendo-a para que eu possa beijá-la.
— Feliz Natal, meu amor.
Capítulo 27 – O primeiro passo
Estou na cozinha com os meus pais, e estamos preparando
um café da manhã reforçado, pois a minha irmã e a família dela
estão vindo tomar o desjejum conosco. Minha mãe ficou
encarregada de fazer as melhores panquecas que existem em todo
o mundo — somente as da minha avó ganham delas. Papai está
ajudando e, ao mesmo tempo, preparando outras coisas. Para ser
sincera, eu estou, boa parte do tempo, apenas observando os dois.
Eles são adoráveis quando cozinham juntos.
— Bom dia, família linda — uma voz rouca, de quem acaba
de acordar, toma conta da cozinha. Olho para ela e sorrio, sendo
rapidamente correspondida. Luna vai em direção à minha mãe e
segura em sua cintura, beijando-lhe o topo da cabeça.
— Bom dia, nora maravilhosa.
— Bom dia, minha sogra favorita.
— Mas você só tem uma, que eu saiba — resmungo, e as
duas acabam rindo, ignorando a minha leve revolta totalmente.
Luna se direciona, dessa vez, ao meu pai, e eles trocam um
caloroso abraço. É impossível manter a minha postura de quem está
com raiva, porque ela parece tão bem e alegre.
— Bom dia, sogro perfeito.
— Veja só quem acordou bem-humorada hoje. Bom dia, nora.
— Realmente, acordou muito animada. — Viro-me um pouco
sobre o banco e abro os braços para ela. — Bom dia, meu amor.
O sorriso dela fica maior ainda ao me ouvir. Ela se abaixa, e
trocamos um rápido beijo, finalizado com muitos selinhos.
— Bom dia, rainha da minha vida.
— E essa felicidade toda? — sussurro, impedindo-a de se
afastar de mim quando entrelaço as minhas pernas em sua cintura.
Luna sorri, sem jeito, e espia atrás dela, onde meus pais estão.
Provavelmente, para conferir se eles estão prestando atenção. —
Isso tudo é por causa do Natal? — Sorrio de forma cínica,
envolvendo o seu pescoço com os meus braços.
— Você sabe muito bem o motivo, sonsa — ela fala baixo,
preocupada com a possibilidade de meus pais a ouvirem, o que me
faz rir um pouco, mesmo estando sem jeito por me lembrar do que
fizemos de madrugada. — A madrugada foi maravilhosa!
Os meus olhos descem para a sua boca, e eu sinto como se
toda a água do meu corpo fosse drenada. Inclino-me para beijá-la,
mas algo, ou melhor, alguém, me impede.
— Fazendo safadezas na frente dos nossos pais agora,
Camille? — a minha irmã gêmea idiota diz, fazendo-me
automaticamente corar e me lembrar de que estamos realmente
exagerando. Luna dá uma risadinha nervosa e se solta de mim.
— Depois, ela dá chiliques por saber que eu faço certas
coisas. Bom dia, família — Sofia completa o comentário de nossa
irmã, passando direto por mim para ir até os nossos pais. Reviro os
meus olhos e fico de pé para cumprimentar os meus sobrinhos.
— Oi tia, bom dia — Serena é a primeira a me cumprimentar,
extremamente animada.
— Bom dia, pequena. Cadê o Harry?
— Subiu para o quarto do Louis. Esse garoto está ficando
mal-educado agora — Rodrigo diz com ar de riso, ao também
chegar à cozinha. — Bom dia, cunhada. Bom dia, sogros lindos.
Todos se cumprimentam e ajudam na arrumação da mesa
para o café da manhã. Belinda preparou um bolo de laranja em casa
e o trouxe. Isso me deixa preocupada, porque quando éramos mais
novas, ela mal sabia fritar um ovo.
Olhando para eles, animados e rindo, enquanto conversam,
não existe algo melhor que eu possa escolher, além de um
momento como este. A minha família sempre foi tudo para mim,
estou feliz por estar recuperando o contato com todos, pois sei que
a Camille de antes andava bastante afastada. Recuperar os laços
tem sido uma das coisas mais importantes para mim nos últimos
dias. Isso me ajuda muito a lidar com a minha falta de memória. Ter
pessoas que eu amo ao meu lado sempre foi gratificante, e agora
ainda mais. Observando-os espalhados pela sala de casa, enquanto
conversam, brincam e esperam para trocar os presentes... O meu
coração está em festa. É muito bom estar cercada de quem só quer
o nosso bem, não é?
— Eu quero pedir um minuto de atenção a todos vocês. Por
favor! — Vanessa se pronuncia de repente, levantando-se do sofá e
abrindo o sobretudo que está usando. Um sorriso nasce em meu
rosto, pois tenho a noção do que dirá. — Acredito que não seja
surpresa para alguns, mas será principalmente para os meus sogros
e para o meu marido, que está meio desconfiado nos últimos dias,
mas não chegou em mim para perguntar.
— Amor, você...? — Noah se levanta do chão, onde estava
sentado, brincando de UNO com as crianças. O seu rosto está
estampado de incredulidade, e os olhos claros brilham de longe. O
meu olhar é desviado para Luna ao meu lado, que está tensa,
apesar do sorriso em seu rosto.
— Sim, amor. E sim, família. O clã Hansen-Jacobs vai ganhar
um novo ou uma nova integrante, porque eu estou grávida
Todos comemoram ao mesmo tempo, ficando de pé para
cercar os mais novos pais da família. Noah segura Vanessa no ar e
a enche de beijos. Volto a olhar para Luna, que derrama lágrimas
silenciosas. Parte o meu coração vê-la desse jeito, embora eu saiba
que está feliz por eles. Aproximo-me rapidamente dela e a puxo
para os meus braços, envolvendo-a com firmeza. Ouço-a fungar em
meu pescoço, apertando a minha cintura com as mãos.
— Esse deveria ser o seu presente também. Eu tinha tanta,
tanta coisa planejada para dizer.
— Meu amor… — Enfio as mãos em seus cabelos,
acariciando o couro cabeludo com carinho. Sei que não podemos
evitar que os nossos familiares façam anúncios como esse, mas
entendo a dor que está sentindo. Luna é muito cautelosa ao planejar
qualquer coisa e sempre se abala quando algo dá errado,
principalmente nesse caso, em que ela fez de tudo para dar certo.
Infelizmente, não era o momento.
— Eu sinto tanto. Tanto. Quebra meu o coração. — Seu tom
de voz embargado me quebra o coração da mesma forma.
Fecho os olhos e respiro profundamente, apertando-a contra
mim. Olho em volta para ter certeza de que ninguém esteja nos
vendo, e realmente não estão, apesar de notar o olhar cauteloso e
preocupado de Ana sobre nós duas. Eu faço um sinal para ela e
depois volto a atenção para a mulher em meus braços, que continua
com o rosto em meu pescoço, fungando baixinho e sussurrando
coisas que não sou capaz de compreender.
— Vamos dar uma volta. Venha.
Ela não hesita em atender meu pedido, e de mãos dadas,
saímos da sala, passando pela cozinha para irmos até a porta que
nos leva ao quintal.
Luna olha para o céu, assim que chegamos ao lado de fora.
Está começando a chover, uma chuva congelada que, em breve,
formará mais neve no chão.
— Desculpe-me por tirar você de lá. É tudo tão difícil!
— Não fique se desculpando, eu a entendo totalmente, assim
como todos.
— Não quero estragar o momento feliz de ninguém.
— Você jamais faria isso. — Vou para a frente dela e seguro
o seu rosto, fazendo-a me encarar. Os olhos estão avermelhados,
assim como a ponta de seu nariz. — Entendeu? O seu irmão sabe
que está feliz, e eu tenho certeza de que ele também entende a sua
dor neste momento.
— Entendo mesmo — uma terceira voz surge de repente.
Luna olha para trás, e eu faço igual, ao soltar o seu rosto.
Deparamo-nos com o Noah chegando até nós. — Quero me
desculpar por ter ativado algum gatilho relacionado a isso. Você,
melhor do que ninguém, sabe o quanto eu a amo e a protejo de
qualquer coisa neste mundo.
— Não se desculpe, meu irmão. Eu sabia que seria assim no
começo, só preciso aprender a lidar.
— Estou aqui com você, minha princesa. Ouviu bem? — Ele
para na frente dela e segura o seu rosto, encarando-a firmemente.
— Sua dor dói em mim também, sempre fomos assim. Se eu
pudesse arrancá-la de dentro de você e pegá-la para mim, eu o
faria.
— Eu sei disso, Tico.
Noah abre um sorriso ao ser chamado pelo apelido íntimo
dos dois. Eles se chamavam de Tico e Teco quando eram mais
novos. Eu achei fofo, como o meu BigBig e Lil com a Vanessa.
— Não era para ser agora. Você já teve informações
suficientes para saber que tudo acontece no momento certo. —
Noah olha para mim durante alguns segundos, e eu imagino que ele
esteja se referindo a coisas relacionadas a mim, a ela e ao nosso
relacionamento também. — Eu mesmo não imaginava ser pai de
novo. Vanessa nunca quis outro filho. Eu estava desconfiado, mas
ela sempre foi tão cuidadosa que eu nem cogitei ser verdade.
— Ela estava apavorada quando me contou — comento,
lembrando-me do dia em que conversamos, e ela me falou da
gravidez. Ele sorri e concorda com a cabeça, então volta a olhar
para a irmã.
— Eu estou aqui com você, sempre estarei. Nunca, em
hipótese alguma, se esqueça disso.
Eles se abraçam com força, Noah a ergue do chão e a
mantém em seus braços. Ficam assim durante algum tempo, até
que ele a coloque no chão.
— Obrigada.
— Não precisa agradecer, é para isso que os irmãos servem.
— Eles fazem um toque de mão divertido, e me dou conta de que é
o mesmo que Louis e ela fazem. Deve ser algo entre eles. — Vou
deixar as duas sozinhas e garantir que ninguém atrapalhe.
Eu sorrio em agradecimento, e ele me retribui e acena, antes
de se virar e sair, entrando na sala, onde todos estão. Luna passa
as mãos em seu rosto, antes de se virar. Ela já não está mais triste,
e eu fico grata por meu cunhado ter vindo animá-la.
— Venha aqui me dar um beijo — ela me chama, e eu não
me faço de rogada, indo rapidamente em sua direção para beijá-la.
Luna segura em minha cintura, e eu passo os braços por trás de seu
pescoço, colando a minha boca à sua, dando início a um lento beijo.
Sinto as suas mãos tocarem as minhas costas, apertando o ponto
certo. Esse beijo está carregado de sentimentos, e eu consigo sentir
todos ao mesmo tempo, mesmo sem saber explicá-los.
Estamos perdidas em uma bola particular, trocando olhares e
sorrisos apaixonados. O tempo frio deixa os olhos de Luna com um
tom azul lindo demais. Eu acho incrível como eles mudam conforme
a iluminação ou a temperatura do ambiente. Confesso que estou
cada vez mais apaixonada por cada detalhe dessa mulher.
Ela mantém as mãos em minha cintura, com uma pegada
firme que me faz quase derreter em seus braços. Ela sabe como me
pegar. Eu acaricio seu rosto, retirando alguns fios teimosos de
cabelo, que insistem em cair sobre os seus olhos e quase me
impedem de apreciar o rosto da mulher mais linda que tenho o
prazer de admirar.
— Filha? Posso falar com você um instante? — Dessa vez,
quem surge onde estamos é a Ana, fazendo com que a gente se
afaste e olhe em sua direção. A minha sogra caminha até nós, com
as mãos dentro dos bolsos de seu grosso sobretudo.
— Claro que pode, mamãe.
— Eu vou deixá-las a sós. — Faço menção de sair para dar-
lhes privacidade, mas sou impedida por Luna, que segura os meus
punhos, e por Ana, que faz um sinal com as mãos para que eu
permaneça.
— Você é família, não tem motivo para sair e não ouvir o que
direi. Inclusive, acho que também pode ser bom para você o que
vou falar.
Luna entrelaça nossos dedos e me puxa um pouco mais para
perto de si.
— Pode falar, mamãe.
Ana toma uma respiração profunda, antes de relaxar a
postura, abaixando os seus ombros, como se estivesse retirando
peso de cima deles e derrubando alguma barreira dentro de si
mesma.
— Filha, eu sei que nunca fui uma mãe tão boa quanto
deveria ser e que você merece. — Luna faz menção de interrompê-
la, mas Ana a impede, cobrindo a boca da minha esposa. — Eu não
sou hipócrita, sei do que estou falando. Sempre tentei dar o meu
melhor, até mesmo ao Noah, porque nem com ele consegui ser
perfeita. Sei também que sempre peguei mais leve com seu irmão,
porque ele nunca me contrariou, e nós raramente discutimos. O que
quero que você saiba é que, apesar de não ter sido a mãe mais
carinhosa e atenciosa do mundo, meu coração sempre quebrou
quando o seu foi quebrado. Eu te coloquei no mundo, então mesmo
que eu nunca... Mesmo com esse jeito torto de demonstrar, sempre
desejei que só acontecessem coisas boas na sua vida.
Luna está tensa ao meu lado, provavelmente ouvindo coisas
nunca ditas pela própria mãe, que é muito fechada.
— Todos os anos que trabalhei, por dias e noites, quase sem
descanso, foram apenas para dar tudo de bom e de melhor a você e
ao seu irmão. Sei que coisas materiais não substituem um abraço,
uma demonstração de afeto ou de preocupação. Hoje sei disso.
Falhei ao priorizar outras coisas antes de vocês, achando ser
suficiente o que eu já dava.
Ela se aproxima de Luna e toca o rosto da filha, olhando de
maneira carinhosa. Lembro-me de ter visto esse olhar afetuoso
apenas direcionado aos netos e ao Mark.
— Agora, eu a olho e vejo uma mulher quebrada, tentando
consertar os trincados que todos esses anos causaram ao seu
coração, o que me parte ao meio, porque não posso proteger você
dessa dor. Eu nunca soube ser carinhosa, porque fui criada assim,
diferente do seu pai, que sempre foi mais aberto, mas eu amo vocês
dois com todo o meu coração. Você, Luna, sempre foi e sempre
será a minha princesinha. Posso não entender algumas das suas
escolhas, mas tenho orgulho da mulher que você se tornou. Uma
mulher forte, com uma família linda, que luta pelo que quer e não
tem medo de errar e recomeçar.
A minha esposa chora sem qualquer tipo de vergonha, assim
como a Ana. Acredito que este seja o momento mais emotivo que as
duas já tiveram. Confesso que eu mesma estou mexida, e a
conversa nem é comigo.
— Eu quero que saiba que estou aqui, de verdade, minha
filha. O meu colo está aqui para você se refugiar, se for preciso. —
Ela desvia o olhar para mim e sorri de maneira amável. — Vocês
duas. Porque, apesar de ser a minha nora, Camille, eu a considero
como uma filha. Você sempre cuidou e continua cuidando tão bem
da minha menina, não tem como ser diferente. Sou grata por ela ter
encontrado alguém tão especial. Você, filha, saiba que, a partir de
agora, farei de tudo para ser melhor. Prometo ouvi-la mais e tentar
entendê-la, sem julgamentos. Isso é uma promessa.
Ana mal termina de falar e sente a colisão do corpo de Luna
contra o seu. Ela solta a minha mão para abraçá-la. Presenciar esse
momento de mãe e filha me faz tão feliz, como se a minha alma
estivesse sendo lavada. Eu sei o quanto elas precisavam dessa
conversa, e mesmo que ainda tenha muita coisa para ser resolvida
entre as duas, esse foi o primeiro passo. Eu realmente acredito que
tudo tem alguma razão para acontecer. Todos estão se acertando de
alguma forma.
O restante da noite não poderia ser melhor. Todos ficam
ainda mais alegres quando voltamos para dentro, e Luna está
radiante, brincando e se divertindo, sem ficar nem um minuto sequer
em algum canto. Isso me deixa alegre e muito satisfeita, porque me
parte o coração vê-la reclusa.
Aos poucos, eles começam a ir embora. Os meus pais vão
dormir na casa de Belinda desta vez, restando apenas os pais de
Luna, que ficam um pouco mais, até irem para a casa de Noah,
mesmo que tenhamos insistido para que dormissem aqui. Pelo visto,
todos se juntaram para nos deixar sozinhas, pois Nayara levou o
nosso filho com ela.
— Você também teve a sensação de que eles queriam nos
deixar a sós? — pergunto, assim que Luna entra no banheiro, onde
estou de pé em frente à pia, retirando os meus acessórios. Estou
usando apenas lingerie, como ela.
— Que bom que não fui a única a ter essa sensação. — Ela
solta uma risada, e eu acabo rindo também. — Sabia que você
também tinha percebido que estavam armando algo para nós duas,
mas confesso que gostei da ideia de ficar sozinha com a minha
mulher. Vai tomar banho primeiro?
Mordo o lábio inferior, ao ouvir a sua pergunta, olho para o
meu reflexo no espelho e, depois, de rabo de olho, visualizo o box.
Abaixo a minha cabeça durante poucos segundos, e um pequeno
sorriso surge em meus lábios ao ter uma ideia. Sei que
provavelmente ficarei bastante tímida, mas não existe nada que me
impeça de sugerir isto a ela.
— Por que não tomamos juntas?
Luna olha, na mesma hora, para mim, e eu não a estou
encarando, a vejo pelo reflexo do espelho. Quase sorrio com a
reação dela, acho adorável o modo como ela reage a mim. Isso faz
com que a minha autoestima fique nas alturas.
— Eu acho perfeito — sua voz não passa de um sussurro
rouco e provocante. Sabia que ela não perderia a chance de
reverter a situação. Luna se aproxima de mim e para atrás do meu
corpo, com as mãos em meus ombros. Ela alisa os meus braços
lentamente para baixo e, depois, sobe até as minhas costas,
parando no fecho do sutiã. — Posso?
— Sim — respondo de imediato, hipnotizada pelo olhar dela
no reflexo do espelho. Luna rapidamente abre o meu sutiã,
deixando-o solto em meu corpo, e sem desviar o olhar do meu,
começa a tirar a peça lentamente. Engulo saliva, sentindo um
arrepio gostoso quando os seus dedos tocam o meu corpo.
— Sempre ficarei fascinada com a sua beleza — ela
murmura, enquanto se ajoelha aos meus pés, segurando a barra da
minha calcinha. Fecho os olhos momentaneamente e sinto uma
insegurança que não me impede de sentir confiança. Não somente
nela, mas em mim mesma. — Você é a mulher mais linda do
mundo.
Luna sobe lentamente, arrastando as mãos pelo meu corpo.
Fecho os olhos quando ela gruda em mim, acariciando a minha
barriga dessa vez. Eu sei que os seus toques são a forma silenciosa
dela de me elogiar e me dar confiança. Está funcionando, porque
sinto crescer, dentro de mim, algo parecido com poder, e a certeza
de que posso fazer o que eu quero e que não preciso me
envergonhar. Não é qualquer pessoa aqui comigo, é a minha
esposa, a mulher com quem escolhi passar o resto dos meus dias.
— Você nem deixou eu te despir.
— Novas oportunidades surgirão, princesa. Venha! — Ela
estende a mão, levando-me para o box, abre a porta e me deixa
passar, para entrar logo em seguida. Luna liga o chuveiro e mexe
nos registros para deixar a temperatura no ponto certo.
— Eu acho que você podia me fazer uma massagem, sabe?
Estou me sentindo dolorida — comento casualmente, enquanto
entro, aos poucos, debaixo da grande cortina de água. Luna solta
uma risadinha, acompanhando-me debaixo da ducha.
— Será um prazer. O que você me pede que eu não faça?
Como de costume, coloco os meus braços em cima de seus
ombros para abraçar o seu pescoço.
— Posso pedir qualquer coisa?
— Qualquer coisa — ela responde e se inclina, beijando o
meu queixo lentamente, e eu fecho os olhos para apreciar o contato.
Adoro quando a sua boca está em mim.
— Quero um beijo, então.
Luna nem diz mais nada, somente encosta a boca na minha
e me beija. Lentamente, como sempre é o início dos nossos beijos,
para, então, acelerar gradativamente. Suas mãos apertam a minha
cintura com força, puxando-me contra ela. Este contato dos nossos
corpos nus me faz gemer e estremecer ao mesmo tempo. Sei que
deveria ser rotineiro, mas para mim é mais uma coisa nova. E eu
gosto da sensação.
Ficamos nos beijando, até que, enfim, decidimos tomar
nossos banhos. Não deveríamos ter molhado os cabelos, mas foi
impossível. Luna fez questão de me ensaboar, dizendo estar
recompensando-me pelos dias que a tive de banhar. Eu,
obviamente, não perdi a chance de fazer o mesmo com ela, e assim
foi o resto do banho. Saímos juntas, trocando sorrisos e beijos,
enquanto nos enxugávamos. Voltamos ao quarto, e a primeira coisa
que ela faz é ligar e aumentar a lareira, deixando o clima mais
agradável.
— Não coloque a blusa, apenas o short. Vai ser melhor para
a massagem — ela pede, e eu concordo com a cabeça, deixando a
blusa sobre a cama, antes de me deitar de bruços. Suspiro ao sentir
o cheiro do creme que ela usa, e Luna sobe na cama e se senta
sobre as minhas coxas.
— Eu acho que você sabe como eu gosto, então só vai com
tudo.
Enfio as minhas mãos debaixo do travesseiro e deito a
cabeça de lado, com um sorriso no rosto, esperando a massagem
começar, pois sei que será incrível. Luna se movimenta sobre mim,
e quase salto de susto ao sentir a sua respiração em meu ouvido.
— Eu sei fazer tudo o que você gosta mesmo — seu sussurro
me faz fechar os olhos com força e pressionar as coxas uma contra
a outra. Maldita mulher que sabe mexer comigo. Ela realmente me
conhece e sabe que pode tocar nos meus pontos fracos sem pena.
Luna se afasta de novo e espalha o creme sobre as minhas
costas, dando início à massagem em seguida. Como eu já
esperava, ela realmente sabe como eu gosto. Não demoro muito a
me sentir relaxada e sonolenta.
— Não tenho forças nem para vestir a minha blusa —
murmuro, meio grogue, quando a massagem chega ao fim, e
permaneço imóvel na mesma posição, tendo a sensação de que
dormirei a qualquer momento. Luna solta uma risadinha, e não faço
ideia do que ela está fazendo, só ouço seus passos pelo quarto e
percebo as luzes sendo apagadas.
— Durma assim, eu prefiro — ela diz ao finalmente voltar
para a cama, deitando-se ao meu lado. — Venha, eu faço você
dormir rapidinho.
Sinto as suas mãos em minha cintura e deixo que ela me vire
na cama, puxando-me contra o seu corpo. Viro a minha cabeça um
pouco para trás e questiono baixinho:
— Vai me fazer dormir rápido, fazendo-me gozar de novo? —
A minha pergunta parece pegá-la desprevenida, pois sinto que as
suas mãos perdem a firmeza no meu corpo durante alguns
segundos, mas então, ela volta a me segurar com força, grudando o
corpo no meu rapidamente e levando a boca até a minha orelha.
— Você quer?
Minha resposta para a sua pergunta é somente um aceno de
cabeça. Mesmo estando realmente sonolenta, sei que vai ser
gostoso da mesma forma.
Luna não perde tempo dessa vez, vai direto ao ponto,
ultrapassando a barreira do meu short, sentindo-me, sem qualquer
barreira, pois não coloquei calcinha quando me vesti.
— Já está toda molhada — sussurra em meu ouvido,
enquanto rodeia a minha entrada, recolhendo a minha lubrificação
natural. Mordo o lábio e pressiono os olhos, afastando bem as
minhas pernas, para que ela consiga me tocar livremente. Luna
passa a outra mão por debaixo do meu corpo e aperta os meus
seios da melhor forma que consegue, e isso dobra o tesão que
estou sentindo.
— Você realmente sabe do que eu gosto — minha voz
grogue denuncia o meu estado catatônico. Seguro os seus cabelos
e, dessa vez, não contenho os gemidos quando ela começa a me
masturbar com tanta maestria, tocando os lugares certos que me
deixam louca. Ela gira os dedos sobre o meu clitóris, pressionando-
o algumas vezes, e deixa aqueles tapas deliciosos sobre ele, que o
fazem pulsar rapidamente. Estou enlouquecendo. Ela desliza os
dedos para baixo, recolhe mais do meu líquido, volta a subir e
continua os movimentos perfeitos.
Eu perco o controle do meu quadril quando
inconscientemente começo a rebolar em seus dedos, agarrando os
seus cabelos com ainda mais força, enlouquecendo com a forma
como ela me toca e com a sua voz rouca dizendo coisas sujas ao pé
do meu ouvido. Não sabia que eu gostava de ouvir sacanagem
nessas horas até ouvi-la me dizer.
Um alto gemido escapa de mim quando chego ao ápice,
estremecendo contra o seu corpo, gozando tão gostoso que me
sinto escorrer abundantemente. Luna dá um último tapa em minha
boceta, antes de virar o meu corpo e beijar a minha boca.
O beijo está delicioso e fica ainda melhor quando ela se
afasta um pouco e coloca os dedos molhados, com meu prazer, em
minha boca. Não recuso, os chupo e os lambo, retirando cada
resquício meu deles. Luna ofega contra mim e volta a me beijar
outra vez, segurando o meu queixo com força.
— Preciso limpar você — ela diz rapidamente, e eu imagino
que se levantará da cama, mas, ao contrário, tira as cobertas e
desce pelo meu corpo, puxando o meu short para o lado. Neste
momento, o meu corpo se retrai um pouco. Talvez seja vergonha,
mas, ao mesmo tempo, estou tão excitada ainda que faço qualquer
coisa que ela queira.
Luna finalmente encosta a sua boca na minha área mais
sensível, e quase solto fogos de artifício internos. Se com os dedos
ela é boa, com a boca é impecável.
A sua primeira lambida me faz curvar as costas sobre a
cama, então a sinto puxar mais o tecido do meu short para ter
acesso à minha entrada, que está com uma grande concentração do
que foi o meu orgasmo. As minhas mãos automaticamente vão para
os seus cabelos, a pressiono contra mim e, gemendo, digo o seu
nome alto e em bom tom.
Luna ergue uma perna minha para ter um acesso melhor, me
lambe inteira e, então, chega ao clitóris, movimentando a língua de
um jeito que eu nem imaginava ser possível alguém fazer tão rápido
quanto ela.
Mesmo que tenha acabado de gozar, sinto que terei outro
orgasmo. Os gemidos saem livremente, e eu a pressiono contra
mim, sem me importar com a força usada. Ela mexe a língua em
toda a minha boceta, chupando e lambendo cada parte, deixando-
me ainda mais louca.
— Nossa! — murmuro, quase sem voz, sentindo a boca seca.
Ela finalmente se dá por satisfeita e, com um último beijo sobre o
meu clitóris sensível, se afasta e coloca o meu short no lugar. Estou
mole e satisfeita.
— Essa boceta é gostosa demais. Senti falta de provar você.
O fogo da lareira me permite ver o seu rosto quando a
encaro. Luna está ao meu lado, olhando para o meu rosto, com um
enorme sorriso. Eu sorrio da mesma forma, puxando-a para um
beijo apaixonado.
— Vou dormir como uma verdadeira princesa, a Bela
Adormecida.
Luna gargalha da minha fala, cobrindo as duas, antes de me
puxar para os seus braços.
— Durma, minha princesa. Eu estarei aqui amanhã de
manhã, quando acordar.
Que sorte a minha, não é?
Capítulo 28 – Ponto de paz
O dia seguinte não poderia ter amanhecido melhor. Quando
olho através da janela, vejo que a neve diminuiu consideravelmente
e acredito ser possível ir à rua. Quero dar uma volta, estou cansada
de ficar em casa. A minha esposa continua dormindo, então tenho
muito cuidado ao sair da cama para fazer a higiene matinal, antes
de sair do quarto e preparar o nosso café da manhã, que será
levado à cama para ela. Minha mulher merece ser mimada.
— Não acredito que você se levantou antes de eu acordar
você — resmungo ao voltar ao quarto e me deparar com a cama
vazia e a porta do banheiro aberta. Ouço o som da descarga e,
então, da torneira da pia. Em seguida, ela sai do banheiro, com o
rosto amassado e os cabelos levemente bagunçados. Como
consegue ser linda até mesmo assim?
— Inclusive, precisamos conversar sobre o fato de você se
levantar da cama e me deixar sozinha — ela também resmunga,
ainda meio grogue, caminhando de volta à cama e jogando-se nela.
Rio do seu jeito rabugento. Antes ela nem reclamava, mas
agora, que estamos cada vez mais próximas de novo, a sua
liberdade para fazer reclamações voltou. Deixo a bandeja com o
café sobre a mesinha de canto, subindo no colchão e chegando
mais perto.
— Eu fui preparar o nosso café da manhã, ranzinza.
— Pois você acabou de ser perdoada. — Ela rapidamente
ergue a cabeça, com um enorme sorriso em seu rosto, e como se
fosse ativado, o seu estômago faz um barulho alto. — Viu? O Junior
também concorda comigo.
— Melhor alimentarmos esse monstrinho, antes que ele nos
coma — brinco e solto uma gargalhada. Em seguida, viro-me para
pegar a bandeja, a coloco entre nós duas e, quando olho para ela, a
vejo com uma expressão sem-vergonha no rosto. — O que foi?
— Ele não pode te comer, mas eu posso.
— Luna! — exclamo, horrorizada com o seu comentário, e ela
cai sobre a cama, gargalhando, divertindo-se.
— Desculpe, eu estou brincando, mas não podia perder a
piada.
— Tome aqui. Coma e pare de falar besteira. — Pego uma
torrada e passo um pouco de geleia de morango, levando até ela,
que rapidamente abre a boca para recebê-la. — Ocupe sua boca
com isso, e chega de piadas.
Ela faz o sinal de rendição, enquanto mastiga, soltando um
gemido, aprovando o sabor que está em sua boca. Fico satisfeita
por ela ter gostado da geleia que eu mesma tive o trabalho de fazer.
— Eu amo essa sua geleia. Camies?
— Hm?
Como uma torrada também, deliciando-me com essa
maravilha. Eu sou uma ótima cozinheira mesmo, tenho orgulho dos
meus dons culinários. E se eu não amasse tanto a dança, com
certeza seria uma chef de cozinha.
— Quero mais, por favor.
Olho para ela, que está fazendo cara de cachorro pidão, e
reviro os olhos.
— Vou ter que dar comida a você na boca agora?
— Sim.
— Está muito folgada.
— Você é a minha esposa, um dos seus trabalhos é me
mimar.
Mesmo tendo reclamado, eu não deixo de alimentá-la, porque
a minha intenção é mimá-la mesmo, e que ela se aproveite disso.
Luna realmente merece todo esse tratamento, pela mulher incrível
que mostra ser cada vez mais.
— Folgada.
— Linda.
— Não fale de boca cheia.
Embora eu quisesse mimá-la, ela fez questão de retribuir o
cuidado, dando-me coisas na boca e enchendo-me de beijos. Sou
apaixonada demais por esse jeito carinhoso dela. Nunca imaginei
que Luna pudesse ser assim, e entendo a Camille do passado ter se
apaixonado por ela. A cada dia, mais eu descubro quão
companheira e protetora ela é, além de ser boa mãe também.
— Podemos aproveitar o dia para sair. O que acha? Estou
cansada de ficar reclusa em casa.
— Você leu a minha mente, ia perguntar agora mesmo se
quer passear. Preciso sair um pouco dessa casa.
— Então, vamos tomar um banho e nos arrumar. Vou levar
você a um lugar especial.
— Outro cantinho nosso? — questiono, começando a tirar as
minhas roupas para tomar o meu banho. Ela me segue de perto, e
um sorriso travesso surge no meu rosto quando penso em um plano
maldoso.
— Sim, senhora.
Fecho a porta atrás de mim e a ouço mexer na maçaneta
para abri-la. Seguro a risada, terminando de tirar as minhas roupas.
— Camille?
Não respondo, entro no box para tomar o meu banho. Do
lado de fora, ela resmunga algumas coisas, e acabo rindo ao
imaginar a sua expressão contrariada, pois sei que o desejo dela é
tomar banho comigo de novo. Mas a vida não é fácil, certo? Eu não
vou facilitar tanto para ela.
Tudo bem, talvez um pouco.
— Nayara mandou alguma mensagem para você? Ela nem
respondeu a minha — pergunto-lhe, depois de verificar as
mensagens no meu celular. Para ser sincera, nenhuma outra
pessoa me respondeu, nem mesmo no grupo que fizeram. Isso é
estranho.
— Sim, mais cedo. — Olho para Luna, que está atenta ao
retrovisor, enquanto tira o carro da garagem. Estou incrédula por
saber que estou sendo ignorada. — Não fique com essa cara. Ela
apenas avisou que hoje teremos o dia só nosso e que ninguém
falará conosco.
— Eles sabem que estamos bem agora, certo?
— Sim.
— Qual a finalidade disso tudo, então?
Luna solta uma risadinha, deixando-me confusa.
— Eu tenho certeza de que as nossas amigas e as minhas
cunhadas esperam que a gente tenha feito amor.
— Que fofo, você falando que fazemos amor. — Sorrio, toda
rendida, colocando a minha mão sobre a perna dela. Luna sorri,
olha para mim, durante alguns segundos, e em seguida, retira a
mão do volante para segurar a minha, levando-a até a sua boca
para beijar o dorso dela.
— Sempre fizemos amor. Desde o início, e até quando o
fazemos com força, cheias de vontade, com muitos tapas e
xingamentos.
— Ok, não se empolgue, sua safada.
Ela ri quando dou um tapinha em seu ombro.
— Você gosta de mim assim ou esqueceu que ontem quem
veio para cima de mim foi a senhorita?
— Luna Jacobs.
— Nossa, fazia tempo que você não me chamava assim. Eu
até me arrepiei, olhe aqui os meus braços. Deu tesão.
— Puta merda, desisto de você. Fique quieta, antes que eu
saia desse carro e volte para casa.
Ela não diz mais nada, mantendo a atenção na estrada. Não
tem como me estressar com essa mulher, não sei como a minha
versão do passado conseguia. Talvez seja o fato de que estou
“convivendo” pela primeira vez.
O caminho demora um pouco, mas logo chegamos a um
lugar muito bonito.
— Só para você saber: todas as vezes que viemos aqui, essa
sempre foi a sua reação. É bonito, não é?
— Demais! Posso descer?
— Claro, meu amor — ela responde, e eu não espero outro
comentário dela para sair do carro, sentindo a brisa gelada bater
contra o meu corpo, bagunçando os fios soltos do meu cabelo.
Estou encantada com a vegetação, que, mesmo coberta por uma
camada de neve, continua linda. O lago congelado deve ser muito
bonito no verão.
— Estou apaixonada — murmuro quando sinto a presença
dela atrás de mim. Luna me envolve com uma manta grossa e
abraça o meu corpo. Impossível não sorrir e olhar para trás, selando
os nossos lábios. Ela cuida tão bem de mim, sou muito grata por
isso.
— Venha, tem um lugar onde sempre ficamos. — Ela nos
guia por uma ponte de madeira que passa sobre o lago congelado.
Eu olho tudo à minha volta, apaixonada pelo ambiente. É
simplesmente de tirar o fôlego, estou encantada. Demora um pouco,
mas chegamos a uma árvore enorme, que fica no alto de um
pequeno morro. Luna indica onde precisamos subir e cobre o chão
com o cobertor que havia trazido.
— Que vista maravilhosa! — comento, admirada, sentando-
me sobre o cobertor e apreciando a vista privilegiada que temos do
enorme lago. Luna coloca as coisas que trouxemos no chão e se
senta ao meu lado, fazendo-me erguer um lado da manta para que
ela fique aquecida comigo.
— Muito bonito aqui. Quando descobri esse lugar, durante
uma sessão de fotos, sabia que você ficaria tão apaixonada quanto
eu.
— Espero que o tempo não esfrie tanto, quero ficar o resto do
dia aqui. Nós podemos?
— Claro, meu amor. Trouxemos coisas para comer e estamos
quentinhas, podemos ficar o quanto quiser.
Luna passa uma perna por trás de mim e me puxa para o seu
peito, envolvendo-me em seus braços. Deito a minha cabeça em
seu ombro e continuo admirando tudo à nossa volta, encantada e
agradecida por estar aqui, vivendo isso com ela. Não acho que
posso pedir alguém melhor.
— Você sempre diz que eu sou a sua sorte, mas acredito que
a minha sorte é ter você comigo. Não sei se outra pessoa faria tudo
o que faz por mim, se estivesse em seu lugar, pelo menos não com
tanta dedicação.
— Não tenho como explicar o bem que você sempre me fez.
Se nunca desisti de nós, foi porque, no início de tudo, você
acreditou em mim como ninguém, apoiando-me sempre, erguendo-
me a todo o momento, para que eu nunca desistisse.
— Isso é com relação às suas escolhas de trabalho e
faculdade? — Viro-me em seus braços para conseguir encará-la. Eu
gosto de conversar olhando nos olhos da pessoa, é estranho não ter
esse contato.
— Boa parte, sim. Foi complicado quando eu decidi mudar de
curso, sabe? Minha mãe surtou. Não me lembro de outro período
em que tivemos tantas discussões quanto naquela época.
— Foi assim que terminamos a escola?
— Sim. Eu fiz meio período de Direito e não quis mais,
parecia que outra pessoa estava vivendo a minha vida. Era tão
errado, sabe? — Ela suspira, fechando os olhos momentaneamente.
Provavelmente está se lembrando desse período complicado. —
Você sempre me defendeu como pôde, mas teve um momento que
nunca vou esquecer: a minha mãe, como sempre, nunca mediu as
palavras para me desanimar a seguir outro rumo que não fosse o
seu desejado; essa foi uma das brigas mais estressantes que
tivemos, e você não aguentou presenciar sem dizer nada.
— Eu sempre defendi você dela?
Luna solta uma risadinha, inclinando-se para beijar a minha
testa rapidamente, e eu sorrio, acariciando a sua barriga por cima
do casaco que ela está usando.
— Sempre. Naquele dia, eu senti que podia contar com você
para tudo, porque disse que teria orgulho de se casar com uma
mulher como eu, futura fotógrafa de renome e esposa exemplar, e
ainda que seríamos felizes. Você pode imaginar que a minha mãe
ficou tão chocada que nem teve palavras para responder. Eu acho
que ela não imaginou que você seria capaz de enfrentá-la, porque
geralmente as pessoas têm medo de fazer isso.
— Confesso que estou feliz por saber disso. Não me
alegraria nem um pouco saber que estava presente, ouvindo
absurdos sobre você, e não a defendi. Sempre vi o relacionamento
dos meus pais como um espelho, sempre soube o quanto o meu
bisavô não suportava o meu pai, por ele defender a minha mãe das
suas reclamações. Acho que companheirismo é isso também, sabe?
Estar ao lado da pessoa e se levantar por ela. Ninguém vai abrir a
boca para dizer algo de ruim sobre você e não me escutará de volta.
— Você fica linda me defendendo, sabia? — Luna segura o
meu rosto e sela os nossos lábios várias vezes, e eu sorrio,
adorando o ato carinhoso. — Sempre gostei desse seu jeito protetor,
comigo e com o Louis, defendendo-nos de qualquer coisa. Eu sabia
que você era a mulher certa desde o início.
O tom azulado de seus olhos está parecendo mais vívido
com o brilho de admiração refletindo neles. Neste momento, tenho
uma sensação, dentro de mim, muito natural e familiar. Eu tenho
certeza de que é o meu subconsciente lembrando que, à minha
frente, está a mulher com quem decidi passar o resto da minha vida.
— O que será que a Camille adolescente pensaria da Camille
adulta, que é cada vez mais apaixonada por você e tem orgulho de
ser casada também?
— Ela, com certeza, surtaria — Luna brinca, fazendo-nos rir,
imaginando uma cena como essa. Tenho certeza de que a minha eu
adolescente ficaria maluca ao saber disso, porque não suportava
nem conviver no mesmo ambiente, imagine pensar em passar a
vida toda ao seu lado.
— Nunca pensei que me casaria e desejaria viver um
romance. Apesar de admirar o relacionamento dos meus pais, eu
jamais imaginei ser capaz de passar o resto dos meus dias ao lado
de uma pessoa.
— Eu sei disso. Foi muito difícil conquistar o seu coração.
— Hoje, só tenho uma coisa em mente.
— O quê?
Levo minha mão até a sua nuca, segurando-a com as pontas
dos dedos e o polegar, pressionando o seu queixo. Luna olha para a
minha boca automaticamente, não consegue se controlar muito
mesmo.
— Ainda bem que você insistiu em mim. Por isso, eu nunca
deixarei de estar ao seu lado. Sei que não podemos prever o que
vai acontecer, mas quando penso no futuro, hoje só o imagino ao
seu lado.
Minhas palavras parecem emocioná-la, fazendo lágrimas
brilharem em seus olhos. Luna permanece paralisada, surpresa e
emocionada demais com a minha confissão. Eu sorrio antes de me
inclinar, unindo as nossas bocas em um beijo repleto de carinho e
paixão.
Eu realmente não desejo mais ninguém.
Quando era mais nova, o meu pai disse algo sobre os
príncipes encantados. Lembro-me até hoje de suas palavras:
“Príncipes encantados não existem na vida real. Os garotos não vão
abrir a porta do carro para você, não vão comprar flores nem
respeitar os seus sentimentos. O que a maioria deles quer, hoje em
dia, é qualquer oportunidade de tirar a sua virgindade.” Lembro-me
de passar a odiar os contos de fadas desde então, apesar de nunca
ter tido interesse por homens; o meu interesse maior sempre foi por
mulheres. Não entendia, no início, e levei anos para aceitar isso. O
período de aceitação é complicado e confuso, você fica dividida
entre o certo e o errado, imaginando o que os outros vão pensar e
como vão reagir.
Por um tempo, eu tive tanto medo disso que, apesar de não
me interessar por garotos, via a minha irmã e esperava pelo meu
príncipe encantado. Além de querer provar ao meu pai que eles
existiam, sim, e que era possível encontrar uma pessoa decente. Eu
não esperava que ele estivesse tão certo: os príncipes encantados
não existem, mas as princesas encantadas, sim. Eu encontrei a
minha, que, mesmo não sendo perfeita, está ao meu lado em todos
os momentos e sabe cuidar de mim e do nosso filho. Estou me
descobrindo cada vez mais apaixonada por ela, não existe nada
melhor do que isso. Além do mais, por que eu iria querer outra
pessoa, se minha esposa é tão carinhosa e cuidadosa? Quem
precisa de príncipe encantando, tendo a Luna como companheira de
vida? Ela tem conseguido despertar o meu lado bom, e é uma
sensação tão incrível como ela me faz sentir. Gosto da pessoa que
estou me tornando ao lado dela. Eu não preciso de pessoas
perfeitas, só preciso dela, com todas as suas imperfeições. É a
única pessoa com quem quero passar o resto dos meus dias. Luna
é muito mais do que apenas minha esposa, ela é o meu ponto de
paz.

Os meus olhos estão fixos no teto, enquanto sinto as carícias


contornando a minha barriga cada vez maior. Sinto como se fosse
explodir a qualquer momento. Ela adora o seu tamanho, é
simplesmente obcecada. Olho para o seu rosto, deparando-me com
aquele olhar, o mesmo que tem sido familiar nos últimos meses e
carrega diversas emoções, mas principalmente admiração e
ansiedade.
— Você quer que seja o quê? — questiono, enfiando os meus
dedos por entre os seus cabelos, para jogá-los para trás e deixar o
seu rosto livre para mim. Luna está deitada entre as minhas pernas,
e estamos na nossa cama, descansando depois do almoço. —
Menino ou menina?
— Você sabe que o meu sonho é que seja uma menina. — E
isso é verdade. Desde que confirmamos a minha gravidez, ela
sempre repete que espera que seja uma menina. — Mas tenho
certeza de que será um menino.
— O que te faz ter tanta certeza assim? — pergunto,
sorrindo, brincalhona. Luna retribui o sorriso e inclina-se para beijar
a minha barriga com delicadeza.
— Intuição materna. É assim que se fala, não é?
— Sim, minha princesa. É intuição materna, mas será que
você pode me dar um pouco de atenção agora? Eu acho que fui
trocada pela minha barriga de grávida. — Faço um bico enorme,
dramatizando bastante, para que ela atenda o meu pedido. Luna se
ergue rapidamente, pairando sobre mim, com todo o cuidado para
não soltar o seu peso sobre a minha barriga.
— Que esposa idiota eu sou, não sou? Deixando o meu amor
de lado.
— Você não é idiota, é a melhor esposa do mundo, mas eu
estou carente de você.
— Está? — ela questiona, enquanto deposita beijos em meu
queixo, de ponta a ponta. Suspiro, abrindo um sorriso enorme, ao
finalmente estar recebendo carinhos.
— Muito.
— Eu te amo, lua — sua boca chega ao meu ouvido, e ela
sussurra baixinho. Estou prestes a respondê-la, mas, no mesmo
instante, sinto algo mexer dentro de mim e paraliso, encarando-a,
assustada. Luna se afasta, sem entender.
— Eu acho que ele mexeu.
— O quê? — Ela demora alguns segundos para raciocinar e,
ao se dar conta, pula para trás, incrédula. — Mexeu?
Os meus olhos se enchem de lágrimas de emoção. É a
primeira vez que sinto o nosso bebê se mexer dentro da barriga.
— Fala alguma coisa, eu acho que ele gosta da sua voz.
Luna rapidamente volta para o mesmo lugar, afinando a voz
para se comunicar com o nosso bebê.
— Oi, minha pequena estrelinha. Você está animada dentro
da mommy?
— Meu Deus! Sinta, amor. — Pego a sua mão rapidamente,
colocando sobre o lado esquerdo, em que os movimentos estão
acontecendo. Confesso que é incômodo e doloroso, mas a emoção
consegue superar. — Eu acho que ele gosta de você.
— Oi, meu amor. — Sua voz está embargada, repleta de
emoção. Eu sabia que ela se emocionaria, pois tem estado com os
sentimentos à flor da pele, assim como eu. Parece que tudo que eu
sinto, ela sente. — Você gosta da minha voz? Sua mamãe Camille e
eu não vemos a hora de estar contigo, sabia? — Ela olha para cima,
e as lágrimas escorrem por suas bochechas. Seus olhos estão
avermelhados por causa do choro de emoção.
Sorrio, sentindo o meu coração acelerado dentro do peito.
Não me arrependo de ter desistido da minha carreira para realizar o
nosso sonho, porque ver o meu amor feliz desse jeito faz tudo valer
a pena, e a minha meta de vida é fazê-la feliz.
Farei de tudo para sempre vê-la sorrir assim.

Estou sentada na minha cama, olhando um dos diversos


álbuns de fotos que temos em casa. A Luna saiu com o Noah e as
crianças, foram comprar coisas para o dia de amanhã, que será a
virada de ano. Vamos passar todos juntos em nossa casa dessa
vez, todos vão dormir aqui, espalhados pelos cantos. Vai ser
divertido, mas a minha mente foca apenas uma coisa, que tem me
tomado os pensamentos nos últimos dias.
— Conheço essa cara. O que está se passando na sua
cabeça? — Vanessa, que está sentada ao meu lado, olhando as
fotos, questiona, curiosa. Eu sabia que ela perceberia que existe
algo de errado.
Respiro fundo e olho mais uma vez a foto do meu pequeno,
com meses de vida, tomando banho em uma banheira, com a minha
esposa. Nessa foto, Luna está com um enorme sorriso, enquanto
esfrega a pequena barriga de Louis, que parece se divertir horrores.
— Tenho pensado em uma coisa, mas estou com muito medo
de ser precipitada e, de certa forma, egoísta — confidencio, olhando
em sua direção, e Vanessa, ainda mais curiosa, deixa de lado o
álbum, que estava em suas mãos, para me dar toda a atenção.
— Isso é sobre a Luna também?
— De certa forma, sim.
— Ok, eu espero que não seja nada relacionado a divórcio,
porque vocês duas estão bem. Não me faça ter que colocar juízo na
sua cabeça, descendo a chinelada na bunda enorme...
Mal a deixo terminar de falar e revelo a vontade que tem
crescido dentro de mim, deixando-a totalmente em choque.
— Eu quero ter outro filho. Quero engravidar de novo.
Capítulo 29 – O pedido dela
Faz alguns minutos que ela está me encarando, sem dizer
uma palavra. Eu acho que a choquei de uma maneira surreal.
Vanessa continua com os olhos fixos em mim, digerindo o que eu
havia acabado de dizer. Será que foi tão surpreendente assim?
— Não vai dizer nada?
Ela pisca algumas vezes, acordando de seu transe, e
pigarreia, ajeitando-se sobre a cama. Parece inquieta, a conheço o
suficiente para saber disso. Estou nervosa com o que virá a seguir.
— Você tem certeza do que acabou de falar?
— Sim — respondo, sem hesitar. Faz dias que eu tenho
imaginado isso, e cada vez mais cresce dentro de mim a vontade de
ser mãe outra vez. Não sei explicar o motivo, apenas não posso
controlar.
— Lil, você sabe que uma criança traz muitas
responsabilidades, certo? Tipo, muitas mesmo. Eu sei que vocês
têm o Louis, mas acontece que ele já está grande, e a
responsabilidade e a necessidade que ele exige são totalmente
diferentes do que um recém-nascido precisa.
— Eu sei disso, BigBig. Mas tem algo aqui dentro de mim
ardendo por isso.
— Você quer se lembrar da sensação de estar grávida. Eu
realmente entendo isso, mas pare e pense bem no momento que
você está vivendo com a sua esposa.
— Vanessa, eu sei bem de tudo isso. Não é simplesmente eu
decidir engravidar e ela aceitar. Preciso conversar a respeito com
ela, mas estou compartilhando com você a minha vontade. É só
uma coisa que está dentro de mim.
— Entendi, mas você tem mesmo certeza disso?
Eu suspiro longamente e olho à minha volta, vendo algumas
fotos de bebê do meu filho, sentindo um aperto em meu peito. Eu
quero essa sensação de volta, preciso disso como se fosse heroína
ou nicotina. Necessito vivenciar essas coisas para me sentir mais
viva.
— Muita.
— Vocês já conversaram sobre isso depois que tudo
aconteceu? Digo, sobre ter filhos e tudo mais. Agora que vocês
estão cada vez melhor, é normal esse assunto surgir.
— Não. A Luna não tocou mais no assunto, e eu não quero
pressioná-la. Estou dando-lhe tempo. Mas vejo como ela tem estado
com você e como fica quando o filho de Nayara está perto.
— A Luna sempre foi apaixonada por crianças. Eu disse que
ela queria ter muitos filhos.
— Sim, sei disso. Antes, eu não queria muito isso, mas agora
parece que tudo dentro de mim implora por isso.
— Acho que é comum essa vontade. Você está cada vez
mais adaptada à sua vida adulta, tem um filho que não se lembra de
ver crescer, e a situação com a Luna está cada vez melhor. As duas
sempre quiseram uma família grande. É normal que queira ter uma
criança nova, mas saiba que pode ser perigoso.
— Você diz isso por ser gatilho para ela, não é? — Vanessa
concorda rapidamente com a cabeça. — Sim, eu sei. Por esse
motivo, ainda não disse nada. Só falarei quando sentir que está na
hora, mas tenho essa vontade. Também sei que a Luna nunca me
dirá “não” sobre isso, porém não quero que ela se machuque mais
para me deixar feliz.
— É tão bom ver você cuidando e zelando pelo bem dela,
sabe? Eu tive medo de que, dessa vez, vocês se separassem
mesmo. O Noah e eu passamos por diversas fases difíceis também.
Acredito que todo casal passe em algum momento, mas o
importante é saber enfrentar as barreiras. A vida é dura por si só,
não vale a pena ficar preso a algo que não te faz mais feliz.
— Eu estou cada vez mais apaixonada por ela. Foi tão
instantâneo que só me dei conta quando não pude mais negar a
mim mesma. É um sonho vê-la grávida, sabe? Mesmo que eu tenha
muita vontade de engravidar outra vez, neste momento, espero que
futuramente seja a vez dela.
— Nossa, o meu estômago revirou só de imaginar o quanto
ela será mimada. — Faz sons de vômito, e eu acabo rindo de sua
palhaçada, empurrando-a para trás. Vanessa gargalha comigo. —
Vai ser lindo mesmo. Não vejo a hora de presenciar esse momento.
— Imagine eu...
Ouvimos um grito vindo do andar de baixo e, curiosa,
rapidamente eu me arrasto para fora da cama.
— Isso foi a Luna, não foi?
— Eu acho que sim — Vanessa responde, tão curiosa e
confusa quanto eu.
Saímos do quarto rapidamente, rumo às escadas, e não
demoro a visualizar uma cena inusitada: a Luna e o Noah com as
crianças na sala, com diversas sacolas aos pés deles. Desço,
encarando o amontoado de bolsas, sem entender exatamente o que
é.
— O que significa tudo isso?
— Trouxemos muitas coisas para enfeitar a casa — Luna
responde, animada, e Noah concorda com a cabeça.
— Vocês compraram a loja toda? Quanto custou?
— Você falando sobre gastar muito, Vanessa? — Noah
responde à esposa de forma debochada, provocando uma risada
geral, mas ao olhar para ela e ver sua expressão raivosa, ele abaixa
a cabeça. — Será que podemos ver em que lugar as coisas vão
ficar?
— Eu espero que vocês arrumem a bagunça no primeiro dia
do ano.
Luna cruza os dedos indicadores em frente à boca e os beija,
em sinal de promessa.
— Nossa casa estará um brinco de tão limpa, meu amor.
Venham crianças, vamos escolher os locais — ela chama os dois
pequenos, que se sentam no chão com o Noah, para abrir as
sacolas. Eles conversam, animados, criando vários cenários de
decoração. Estou olhando para eles e me divertindo, mas, ao
mesmo tempo, preocupada com a bagunça que ficará na casa.
— Eles não vão arrumar nada, você não sabe? — Vanessa
para ao meu lado, questionando baixinho, para que apenas eu a
ouça. Cruzo os meus braços e concordo com a cabeça.
— Eu sei, mas garanto que essa casa ficará arrumada. Tenho
os meus métodos.
Assim foi o restante do dia. Pensei que ficaria livre de ter de
ajudá-los, mas nem eu, muito menos minha melhor amiga,
conseguimos escapar da arrumação toda. Por sorte, Belinda chega
com Rodrigo, as crianças e Sofia, que também ajudam a arrumar
tudo. De fato, muito trabalho, mas vale muito a pena, pois a casa
está realmente bonita. Parece que é uma festa de Ano Novo
enorme.
— Valeu a pena passar o dia todo arrumando tudo — Luna
diz, assim que entra em nosso quarto. Estamos suadas, precisando
urgentemente de um banho. O restante se dividiu para tomar banho
nos outros dois banheiros livres da casa. Cansativo, mas divertido.
— É bom mesmo que tenha valido a pena, porque vai dar
muito trabalho para limpar toda a bagunça. — Ela solta uma
risadinha, aproximando-se de mim e colocando as mãos em minha
cintura. Minha cabeça se inclina um pouco para o lado, quase que
automaticamente, porque sei o quanto a minha esposa gosta de
grudar em mim e encaixar o queixo em meu ombro.
— Que mulher brava você é!
Fecho meus olhos quando sinto os beijos em meu rosto. As
suas mãos em minha cintura estão segurando-me com firmeza, e eu
gosto do jeito como me pega. Luna nos guia em direção ao
banheiro, ainda grudada em mim, e eu deixo.
— Vamos tomar banho juntas?
— Sim — respondo, sem hesitar, erguendo os braços para
que ela tire a blusa que estou usando. Ela não demora a terminar de
me despir. Em seguida, eu faço o mesmo com ela, e entramos no
box. Luna regula a água na temperatura que gostamos e, quando
termina, abre os braços para que eu possa abraçá-la.
— Não vamos molhar os cabelos, está muito tarde.
— Não mesmo, você pegou muita friagem enquanto
arrumava o quintal.
Luna concorda com a cabeça e suspira, apertando-me em
seus braços. Tenho que me curvar um pouco para trás, fugindo da
ducha. Ela não diz mais nada e continua mais um tempo abraçada,
até que decidimos tomar banho. Pode ser impressão ou paranoia
minha, mas algo no jeito dela me incomoda, como se tivesse
alguma coisa errada. Eu não sei explicar, mas parece que quer falar
e não sabe como. Não vou pressioná-la, na hora certa saberei o que
é.
Terminamos o banho e colocamos roupas quentes. Luna faz
questão que eu use um moletom do Real Madrid, que tem o nosso
sobrenome atrás. É simplesmente lindo, branco, com detalhes
dourados. Luna é apaixonada por esportes, eu já notei isso e
confesso que gosto.
— Poxa, eu devia ter trazido o meu moletom do Madrid
também — Noah diz, assim que voltamos à sala, olhando-nos de
cima a baixo, e eu sorrio para ele, que está usando roupas mais
leves agora. Eu acho que todos passarão a noite aqui.
— Eu, o do Barcelona — diz Vanessa, assim que chega à
sala também, acompanhada de Belinda e Sofia.
— Você é culé[6]?
— Não, ela só gosta de implicar mesmo. Vanessa não gosta
de futebol de campo, prefere o americano — Noah responde à
minha pergunta, rindo da minha expressão de choque. Seria uma
decepção a minha melhor amiga torcer para esse time do mal. —
Mas ela é uma grande admiradora do Messi.
— Eu acredito que todo mundo, no fundo, seja. Se você
gosta de futebol, não importa, aprecia os bons jogadores — Luna
diz, e todos concordam. Eu também, porque, afinal, é a verdade: o
amante de futebol sabe apreciar os talentos futebolísticos de
alguém, mesmo que não seja jogador ou jogadora do seu time do
coração.
— O meu único time no mundo é o Flamengo, e não preciso
de mais nada, apesar de ter aprendido a gostar do Madrid, de tanto
assistir aos jogos aqui — dessa vez, quem responde é o Rodrigo.
Eu não conheço muito os times do Brasil, mas sei da força que o
Flamengo tem e da sua fama de possuir a maior torcida do mundo.
É louco amar um time. Eu nunca fui de acompanhar tanto, mas
sempre vi meu pai sofrer pelo dele quando era mais nova. Uma
coisa é certa: eu sempre amei o Real Madrid. Ainda bem que tenho
isso em comum com a Luna.
— Também sou flamenguista, cunhado. Ele é, disparado, o
melhor time da América do Sul — Luna diz ao Rodrigo, e os dois
tocam as mãos, trocando sorrisinhos.
— Nós vamos ficar falando de times de futebol agora? —
Belinda, como sempre impaciente, reclama com toda a delicadeza
possível, ganhando muitas implicâncias de todos ao redor. Eu rio de
sua cara de deboche, fingindo não ligar para o que estão falando.
Nesse clima, vamos até tarde da noite. Eles realmente ficam
para dormir, então preparamos um batalhão de camas, no chão da
sala, para as minhas irmãs, os meus sobrinhos e o meu cunhado.
Vanessa e Noah dormem no quarto de hóspedes, por causa do
conforto necessário para a minha melhor amiga grávida. E por falar
em gravidez...
— Tem algo errado acontecendo? — questiono, logo que ela
volta para o quarto. Luna tinha ido ao banheiro escovar os dentes e
veio se deitar comigo em seguida, mas não consigo parar com a
sensação de que precisamos conversar.
— Como assim? — ela responde com uma pergunta,
parecendo confusa, ao caminhar em direção à cama, e eu suspiro,
ajeitando-me sobre o colchão.
— Não sei, estou com a sensação de que você está
escondendo alguma coisa.
— Eu tenho medo de você às vezes, sabia?
— Tem alguma coisa a incomodando, não é?
Luna não responde nada e não se deita na cama, como eu
espero que faça. Ela para no meio do quarto e coloca as mãos na
cintura, abaixando a cabeça em seguida. Esse ato ativa um alerta
dentro de mim. Eu sabia que tinha alguma coisa errada, mas estava
torcendo para estar equivocada.
— Não sei o que está acontecendo. Tenho dormido mal, faço
de tudo para você não acordar e perceber que estou acordada —
ela confidencia, deixando-me chocada. Luna soube disfarçar muito
bem, porque eu demorei a perceber que tinha alguma coisa errada.
— Todos os dias, acordo com uma sensação ruim e tento, de todas
as formas, me sentir bem, mas parece que nada ajuda.
— Meu amor, por que não me contou? Eu teria tentado ajudá-
la e ficaria acordada junto.
— Eu sei. — Sua voz está embargada e ela funga, erguendo
a cabeça para jogá-la para trás. Eu me levanto da cama,
necessitando estar mais perto para ampará-la. — Nunca consegui
ser o tipo de pessoa que conta o sofrimento para alguém, sabe? Eu
puxei isso da minha mãe, que é muito fechada. Foram raros os
momentos em que a vi demonstrando as coisas que a deixam fraca.
— É, eu percebi isso nela.
— Sou da mesma forma. Na verdade, eu era muito mais, só
que conviver com você me faz sair da concha aos poucos. Ainda
assim, todas as vezes que as coisas pesam muito, eu evito deixar
que saiba, porque não quero sobrecarregá-la.
— Nós somos casadas, Luna. O meu dever é estar com você
em todos os momentos, preciso que entenda isso.
— Entendo isso.
— Você entende, mas me poupa. Sei que agora é
compreensível, porque você tem evitado me sobrecarregar muito,
mas não quero que enfrente as coisas sozinha. Eu estou aqui, estou
para você e com você.
— Desculpa — ela pede, quase sem voz, ao me encarar. Não
demora a rolar as lágrimas e o choro a sair livremente.
O meu coração aperta, porque o brilho da dor em seu olhar
reflete tudo o que ela tem guardado. Por mais que estejamos
conversando, sei que a Luna me poupa de muita coisa. Mas ela não
sabe que estou disposta a tudo para aliviá-la também. Puxo-a para
mim, envolvendo-a em meus braços, querendo confortá-la.
— Você não tem que se desculpar por nada. Eu quero que
coloque na sua cabeça que me poupar só vai me magoar, porque
sei quando você está machucada, e isso me machuca também.
Estou aqui com você — falo em seu ouvido, enquanto afago as suas
costas e a seguro firmemente contra mim. Luna chora de forma tão
profunda, que os meus olhos ardem, e mesmo que eu esteja
tentando me manter firme, a emoção me vence quando choro junto.
Estar casada e ter a noção disso, sabendo que compartilho tudo
com uma pessoa, faz com que todas as coisas pareçam mais
intensas que o normal.
Quando você se compromete a passar o resto dos seus dias
ao lado de uma pessoa e promete que estará ao seu lado em todos
os momentos, isso fica guardado dentro de você. Eu sinto isso, tudo
o que ela sente reflete em mim de alguma forma. Mesmo depois de
ter me esquecido do passado, ainda é tudo vivo aqui dentro. Eu sou
toda para a Luna, da mesma forma que ela é para mim. Temos uma
conexão absurda. Realmente sinto essa coisa inexplicável, mas
sinto.
Já estava perdendo a noção do tempo em que ficamos
abraçadas, confortando-nos, quando sinto que ela finalmente está
se acalmando. Eu a mantenho em meus braços por precaução, não
quero soltá-la até que ela se sinta melhor. Luna me aperta de
repente, usando um pouco mais de força que o habitual, mas não
reclamo, porque sei o quanto ela precisa disso. Pensei que ela não
diria nada, mas quase não ouvi o seu sussurro, com uma voz tão
quebrada e frágil:
— Eu preciso de ajuda, amor. Por favor, me ajude.
Capítulo 30 - Tudo
Ela está linda.
Para ser sincera, não imaginei que essa noite sua beleza
ficaria ainda mais evidente.
Luna está impecável, usando um vestido solto de cor clara,
ressaltando o tom de sua pele e dos olhos. Os cabelos alisados,
com cachos nas pontas, e pouca maquiagem, porque lhe pedi que
não colocasse muita. Eu adoro vê-la de forma quase natural.
Os meus olhos não saem dela. Estamos do lado de fora,
todos espalhados no quintal. Tenho, em minha mão, uma taça de
vinho, e não consigo parar de observá-la. Ela está do outro lado da
piscina, conversando e rindo com o irmão e a minha irmã mais nova.
Sinto-me como uma viciada nela, é tudo o que preciso.
É ela, é aquele sorriso, aquele cabelo, aquele jeito cuidadoso.
Eu sou uma idiota cada vez mais apaixonada pelo jeito que ela se
move, pela forma que fala, pelo jeito que cuida da nossa família, por
tudo. Eu poderia fugir, mas algo me prende e me mantém aqui. Não
existe outro lugar para ir, além do lado dela. Eu sabia que nunca
mais seria a mesma depois de tomar uma dose dela.
— Você está com aquele mesmo olhar de idiota.
Só quando alguém fala comigo desvio a minha atenção, e
com as bochechas levemente vermelhas, bebo um pouco do vinho,
antes de olhar para a minha irmã mais nova.
— Que olhar?
— O mesmo que tinha quando a Luna ganhou o seu coração
pela primeira vez. Lembro-me de que na época em que começaram
a se envolver, você vivia com esse olhar, sobretudo quando o nome
dela era citado.
— Eu acho inevitável.
— Você acha? Eu tenho certeza. Luna sempre soube como
ganhar você, é por isso que ela é a minha cunhada favorita.
— Você tem outra?
— Não, mas tenho o Rodrigo, que é quase uma. Enfim,
brincadeiras à parte, fico muito feliz que vocês tenham se acertado.
— Eu também fico e estou sendo muito feliz.
Olho para ela, no mesmo instante em que o seu olhar paira
sobre mim também, e nós duas acabamos rindo. Luna acena para
mim e ergue o seu copo com suco de alguma coisa saudável, pois
ainda está mantendo a dieta receitada pelo médico. Vê-la sorrir,
depois de ontem, é gratificante, mas, ao mesmo tempo,
momentâneo. Eu sei que as coisas vão se complicar nos próximos
dias, mas temos uma à outra, e nada mais importa.
— Parece aqueles personagens de desenhos animados, que
ficam com corações nos olhos quando estão apaixonados. Senti
falta de implicar com você por ser tão cadelinha da minha cunhada.
— Sofi, você já se apaixonou? Tipo, verdadeiramente?
Ela se engasga com a bebida presente em sua taça, e eu me
divirto com a sua reação, parecendo chocada, mas a auxilio, antes
que a minha irmã fique sufocada.
— Que tipo de pergunta é essa? Você está tentando
descobrir a minha vida amorosa para ter outro ataque de ciúme?
Sorrio para ela, acariciando o seu rosto. Sofia me olha,
desconfiada, não entendendo as minhas reais intenções por trás
daquela pergunta, que não passam de curiosidade. Eu preciso
saber se ela já sentiu o que estou sentindo.
— É só uma pergunta, apenas responda.
Sofia solta um pigarro, dando um último gole em sua bebida.
— Não, Camille. Eu ainda não me apaixonei por ninguém, e
nem sei se quero. A minha vida é muito complicada para ter
responsabilidade afetiva com outra pessoa.
— Eu também pensei muito assim quando era mais nova.
Posso não me lembrar do que aconteceu durante todos esses anos,
mas hoje estou certa de que ter me apaixonado foi a melhor coisa
que me aconteceu. Olhe tudo o que conquistei ao lado daquela
mulher: casa, carreira sólida, um filho maravilhoso.
— Você quer que eu me apaixone, é isso?
— Não, eu quero que você entenda como estou me sentindo
e que não existe problema nenhum em se apaixonar também. Tive
muita sorte da minha pessoa ser a Luna, demorei tão pouco a me
apaixonar por ela de novo. É surreal, sabe?
— Camille, você está assustada. — Os meus olhos se abrem,
surpresos, quando ela diz. Sofia segura o meu ombro e olha
diretamente para o meu rosto, parecendo me ler profundamente. —
Eu sei que está. Cresci com você, a conheço e fui, de certa forma,
criada por você também.
— Será que a Luna percebeu isso?
— Provavelmente, sim. Com certeza, ela a conhece melhor
do que eu agora. Olhe, não sou a Belinda, mas acredito que ela diga
algo parecido com isso: você está com medo do sentimento que tem
por ela, que cresce mais a cada dia, e, ao mesmo tempo, se assusta
por querer tanto.
Minha boca se abre de surpresa.
— Tem certeza de que você não é a Belinda? — Sofia revira
os olhos e me empurra para trás, causando-me uma risada. —
Estou chocada, mas você falou algo que faz muito sentido mesmo.
Ainda que eu tenha medo, ela me passa uma segurança absurda.
Só que continua sendo tudo tão novo e, ao mesmo tempo, tão
natural e familiar.
— Como você está conseguindo lidar com tudo isso? Desde
a amnésia ao fato de ter um filho e se apaixonar outra vez pela
mulher que jurava odiar no passado.
— Sabe que eu não sei? — Sou sincera e acabo rindo da
minha situação, porque eu realmente não faço ideia de como
consigo lidar com tudo isso. Mas existem fatores que têm me
ajudado muito. — Confesso que tê-la comigo me ajuda bastante, e o
Louis é um ótimo filho. Sem contar que a terapia tira um peso
enorme de mim, sempre que vou a uma nova consulta. Então, acho
que unindo tudo...
— Admiro muito a sua força, mas não se acostume, porque
não vou ficar bajulando você.
— Aaaah! — Aproximo-me dela, tentando abraçá-la; Sofia
resmunga e tenta se desvencilhar de mim, mas sou insistente e
consigo prendê-la em meus braços. — Eu sei que você me ama
demais. Sou a sua melhor irmã.
— Ok, sem exageros. Eu amo você, mas dizer ser a minha
melhor irmã é absurdo demais.
O meu riso morre e rapidamente me afasto dela. Sofia
arruma suas roupas, que ficaram levemente amassadas, e joga os
cabelos para trás, penteando com os dedos os fios que ficaram
soltos. Encaro-a, desacreditada. Sempre cuidei dessa tralha,
quando éramos mais novas, e agora recebo de volta essa
ingratidão.
— Como é que é?
— Estou brincando, Camille. Minha nossa, como você é
sentimental — Sofia debocha e revira os olhos, olhando para o outro
lado, ignorando-me. Estou chocada com a audácia dessa garota,
quero muito saber em qual momento da vida ela se tornou essa
versão pocket da Vanessa.
— Mulheres lindas da minha vida, o que conversam tanto? —
minha esposa chega até nós, colocando um braço sobre os meus
ombros, puxando-me para perto. Eu me aconchego, envolvendo a
sua cintura e deitando a minha cabeça próximo ao seu pescoço.
— Ela me odeia. Em que errei com essa criatura?
— Cunhada, você é muito guerreira por aguentar esse drama
todo. Pensei que apenas o Rodrigo sofresse com a Belinda, mas
acredito que seja defeito de gêmeas.
Luna solta uma risadinha, e eu, por reflexo, cutuco a sua
cintura, um pouco abaixo das costelas, fazendo-a se encolher e
parar de rir.
— Não fale assim dela, Sofi, a sua irmã está sensível.
Sofia bufa, e dessa vez, quem acaba rindo sou eu.
— Quem aguenta essas cadelinhas de mulher? — resmunga
e sai, pisando firme, para longe de nós.
Luna ri da reação dela, envolvendo-me totalmente em seus
braços. O salto que ela está usando a deixa bem mais alta do que
eu, o que é perfeito para mim, pois adoro ficar dentro desse abraço
confortável. Sinto um beijo em minha cabeça e suspiro, totalmente
rendida a essa mulher.
— Está cansada?
— Bastante, não vou negar.
— Falta pouco para a meia-noite, depois eu coloco você para
dormir.
Inclino a minha cabeça para trás e olho para o seu rosto,
abrindo um enorme sorriso quando ela faz o mesmo gesto para
mim.
— Com muito carinho?
— Muito carinho.
— E as nossas visitas?
Ela sela nossos lábios duas vezes, antes de me responder:
— Você é a minha prioridade, e eles estão em casa de
qualquer forma. — Dessa vez, quem a beija sou eu, mas antes que
eu possa intensificar o nosso beijo, ouvimos vozes chamando por
ela. — Preciso ir. Noah, Keith e Rodrigo me chamam para jogar
poker.
— Quero um beijo antes.
Uma de suas mãos se enfia entre os cabelos da minha nuca,
que ela aperta e puxa para me manter firme, colocando a sua boca
na minha em seguida. Solto uma lufada de ar, surpresa pela pegada
e intensidade do beijo. Luna envolve a sua língua com a minha e,
depois de um longo tempo, se afasta e me dá alguns selinhos.
— Por enquanto, fico satisfeita com isso.
— Vemo-nos na hora da virada — ela se despede e manda
um beijo no ar, antes de se virar e ir em direção aos meninos, que a
esperam na área perto da churrasqueira, em uma das mesas de
madeira que existem ali. Minha boca ainda está formigando por
causa do beijo, e o meu coração, acelerado. É uma sensação muito
gostosa.
— Mommy?
Olho rapidamente para baixo, ao ouvir a voz do meu filho e
sentir as suas pequenas mãos em minha cintura. Eu sorrio para ele,
jogando os cabelos longos para trás e deixando o seu rosto mais
livre. Preciso levá-lo para cortar essa cabeleira toda.
— Oi, carinha. Cansou de brincar?
— Não, mas senti saudade. — Ele cruza os braços e faz um
bico tão fofo, que não resisto a me agachar e segurar o seu rosto,
enchendo-o de beijos e ganhando, em troca, o som de sua
gargalhada.
— Estou aqui, meu príncipe. Desculpe por ter te dado pouca
atenção hoje.
— Vou pensar.
— Ah, é? E se eu te fizer cócegas até você me perdoar? —
Eu o seguro, para que ele não corra de mim, e começo a castigá-lo
com muitas cócegas. Louis tenta, a todo custo, se soltar, enquanto
implora que eu pare. Seus cabelos longos voam para todos os
lados, batendo no meu rosto por diversas vezes. Eu acho que isso
não o incomoda, mas penso que devemos, pelo menos, apará-lo
para tirar a franja que fica sobre o olho.
— Por favor, mommy. Chega, eu perdoo a senhora, por favor!
— Um beijo, então. — Ele segura o meu rosto e beija a minha
bochecha. — Hmmm... Que beijo gostoso, carinha. Mamá ama
você, ok?
— Amo você, mamá. Vamos brincar?
— Vamos!
Ele comemora e segura a minha mão, arrastando-me com ele
em direção às crianças. Mesmo estando cansada, não nego nada
ao meu filho. Amo poder viver esses momentos e não vejo a hora de
aumentar momentos como esses. Espero que as coisas continuem
bem, para que eu e Luna possamos aumentar a família em breve.
Eu perco as horas brincando com as crianças, só me dou
conta do horário quando começam os chamados para nos
reunirmos no quintal.
Uma grande quantidade de fogos foi comprada: esses são
especiais e não fazem barulhos, apenas mostram toda a beleza que
gostamos de ver quando estouram no céu. Noah e Rodrigo ficam
encarregados de acender os fogos, e todos se juntam para observar
quando começam.
— Faltam só alguns segundos, podemos fazer um pedido
juntas?
— Claro.
Luna sai do meu lado e para em minha frente, segurando as
minhas mãos e olhando apenas em meus olhos. Os nossos
familiares iniciam a contagem regressiva, mas tudo que posso ver é
ela. Quando os fogos começam e todos gritam, em comemoração, a
minha esposa beija as minhas mãos, antes de falar:
— Eu desejo mais anos ao seu lado, desejo continuar me
apaixonando por você, todos os dias, e que a nossa vida não seja
perfeita, porque nunca foi, mas que continue sendo repleta de
cumplicidade, respeito e carinho. Só preciso de você, do nosso filho,
das pessoas que amamos e de mais nada. Lua, minha eterna sorte,
a mulher da minha vida, que eu amo mais do que qualquer coisa.
Obrigada por permanecer aqui.
A minha primeira reação é beijá-la, sentindo o meu coração
acelerado, como se mil fogos estivessem estourando dentro de mim.
Ela me abraça com força, compartilhando esse beijo com a mesma
emoção que eu. Não existe mais nada além de nós duas. Esse
momento é nosso, esse recomeço com o Ano Novo é tudo o que
precisamos. Eu sei que devia estar aqui e agora, com ela.
— Vou fazer todos os nossos dias valerem muito a pena.
Desejo que possamos resolver os nossos problemas e que
fiquemos cada vez mais fortes. Eu sei que, tendo você, não preciso
de mais nada. Obrigada por nunca ter desistido de nós, mesmo que
tenha sido difícil. Lembrar-me de nós todos os dias é a melhor coisa
da minha existência.
— Tudo ao seu lado vale a pena. Se você se esquecer de
nós outra vez, eu farei questão de lembrá-la de novo, todos os dias.
— Luna... — Seguro o seu rosto com minhas mãos e olho
diretamente em seus olhos, que brilham, com lágrimas de emoção.
— Eu amo você. — A minha declaração a pega de surpresa, e ela
abre um enorme sorriso, antes de, mais uma vez, me beijar. Eu
realmente gosto quando ela faz isso.
E neste momento de tanta emoção, declaração e entrega,
faço um desejo silencioso para que o destino tenha algo muito bom
preparado para nós duas. Desejo que Luna realize o sonho de ter
um filho, porque realmente também quero vê-la grávida. Farei o
impossível para que isso aconteça.
Capítulo 31 - Momentos
Estou ansiosa, esperando do lado de fora. Faz quase uma
hora que ela entrou naquela sala, e a minha esperança é de que
tudo tenha dado certo de primeira. Confiro a hora em meu relógio
mais uma vez, consciente de que, a qualquer momento, a porta será
aberta. Levanto-me e começo a andar de um lado para o outro. Não
tem ninguém aqui, além do secretário na entrada, e o silêncio me
tortura ainda mais, com tantos pensamentos na minha cabeça. Será
que está tudo bem? Quando irei vê-la?
— Ufa! Finalmente. — Sinto-me aliviada ao ouvir a porta ser
aberta. A Luna e a doutora saem juntas, conversando. Eu acho que
isso é um bom sinal, certo? — Oi, amor.
— Oi, princesa. — Ela sorri e aceita a mão que estendo,
unindo os nossos dedos.
— Foi um bom começo, Luna. Entrarei em contato pelo
telefone, espero que a sua resposta seja positiva.
— Pode deixar, doutora Gomes. Foi um prazer conhecê-la.
— Eu digo o mesmo. Você também, Camille.
— Também foi um prazer conhecê-la, doutora.
Ela sorri, e despedimo-nos com um aceno de cabeça, antes
de sairmos juntas. Pegamos o elevador, e o silêncio não parece tão
estranho quanto o anterior, quando chegamos para a consulta.
Estou nervosa para ouvir o que ela tem a dizer, espero que
finalmente tenhamos encontrado a pessoa certa.
— Você está nervosa. — Ela não pergunta, afirma com total
certeza.
Eu ainda acho impressionante como essa mulher me
conhece com tanta facilidade. Sorrio sem jeito, acariciando com o
meu polegar o dorso da sua mão.
— Confesso que bastante. Você quer me contar sobre a
consulta?
— Foi boa. Muito boa, na verdade. A doutora Gomes
conseguiu me deixar mais confortável dessa vez.
Controlo-me para não surtar de felicidade. Faz quase duas
semanas desde que começamos uma saga pela busca da psicóloga
perfeita, para ajudá-la com os seus conflitos internos. No Ano Novo,
Luna confessou precisar da minha ajuda, e estou mais do que
disposta a estar do lado dela nesse momento.
Tem sido o nosso segredo, saímos apenas as duas, sem
dizer nada a ninguém. Todos acham que estamos fazendo algo
pervertido pela cidade, mas eu nem rebato, prefiro que pensem
assim. É algo muito particular para ser compartilhado. Não quero
que alguém saiba o que a minha esposa está passando, só se ela
se sentir confortável para contar, mas eu acredito que também
prefira assim.
— Será que finalmente encontramos a pessoa certa? —
questiono, assim que chegamos ao carro. Ela rapidamente desativa
o alarme e abre a porta para mim, que sorrio e agradeço, antes de
entrar.
— Vou ser bem sincera: estou bastante empolgada. Eu a
achei parecida com a sua psicóloga.
— Então, ela deve ser mesmo boa.
Cogitamos a possibilidade de Luna se consultar com a
doutora Robertson, mas decidimos que seria melhor com uma
pessoa desconhecida do que lidar com alguém conhecido.
— Estou com boas expectativas.
— Fico feliz em saber disso, amor. Eu estava com um
sentimento bom quando saímos de casa hoje cedo.
— Obrigada por estar comigo. É muito importante o seu
apoio.
— Ei! Não precisa agradecer. — Inclino-me em sua direção,
segurando seu queixo para unir os nossos lábios. Luna usa a língua
para lamber os meus, causando-me arrepios quando ela mordisca o
inferior de leve, antes de voltar a me beijar com vontade. Eu amo a
intensidade de entrega dela sempre que nos beijamos. — Estou
aqui sempre para você, minha princesa.
— Por isso, eu digo que você é a minha eterna sorte.
Impossível conter o meu sorriso ao ouvi-la. Eu fico toda
rendida a essa mulher, não tem como evitar.
— Eu amo quando você diz isso. — Enquanto falo, acaricio o
seu rosto com a ponta do meu dedo indicador, traçando os detalhes
daquela face tão linda, pela qual sou completamente apaixonada.
Luna franze o nariz levemente, mordendo o lábio inferior, ao me
olhar nos olhos.
— E eu amo você — ela diz baixinho, acelerando o meu
coração.
Aproximo-me mais dela, grudando as nossas bocas, para
poder sussurrar de volta:
— Amo você também.
Existem momentos na nossa vida que sempre queremos
guardar na memória. Não importa o tempo que passe, eles sempre
repassam em nossa mente, como um filme que não tem fim.
Infelizmente, uma boa parte do filme da minha vida foi apagada,
mas eu preciso confessar que pouco me faz falta. Vivenciar coisas
novas com a minha família tem preenchido quase que totalmente
esse espaço.
Sim, eu sinto falta dos anos que perdi, mas acontece que as
coisas novas estão servindo como substitutas do passado.
É claro, existem coisas realmente importantes que eu
gostaria de me lembrar: o nascimento do meu filho, o dia do meu
casamento, entre outras que aconteceram com a minha esposa.
Mas sou tão grata por poder estar vivendo ao lado dela do jeito
certo, conhecendo mais a nossa vida e amando tudo isso, que
outras coisas acabam se tornando menos relevantes. Eu ainda
tenho esperanças de me lembrar do passado, mas caso isso nunca
aconteça, sei que já não me faz tanta falta.
— Você está chorando? — Luna questiona baixinho, ao pé do
meu ouvido. Estamos deitadas em nossa cama, eu meio de lado
sobre ela, com a cabeça em seus seios, e o nosso filho em meus
braços. Passamos o dia todo assim, desde que o buscamos na casa
de Belinda e Rodrigo. Eu estava com saudade desse momento a
três.
— Essa parte sempre mexe demais comigo — respondo à
sua pergunta, com a voz embargada. Sim, o filme tem muito a ver
com a minha emoção do momento, porque ele simplesmente
também desperta coisas dentro de mim que tenho evitado pensar
muito.
— Mamães, por que o Mufasa[7] tinha que morrer? — nosso
pequeno questiona de repente, encolhendo-se em meus braços.
Sua voz revela que ele também está chorando, e o meu coração se
inunda de amor, fazendo com que eu o abrace da melhor forma
possível.
— Era o destino dele, carinha. Foi necessário, para que o
Simba pudesse crescer e se tornar quem ele se tornou — Luna
responde, com calma e carinho na sua voz, esticando a mão para
acariciar a cabeça do pequeno. Louis funga algumas vezes, levando
a manga de seu casaco até o nariz, para limpar aquela aguinha de
nariz. É nojento.
— Mas é tão triste.
— Sim, meu amor. É triste, e coisas tristes acontecem na
vida. É assim que aprendemos a viver — dessa vez, eu respondo,
tentando tranquilizá-lo. Louis concorda com a cabeça e fica em
silêncio durante mais algum tempo, até que volta a falar.
— Vocês prometem que vão viver para sempre, até eu ficar
bem grande? Não preciso perder as duas para aprender a ser
adulto. Eu não quero. — Ele parece agoniado, ao se sentar na cama
e olhar para nós duas. Eu sorrio e o puxo para cima de nós,
abraçando-o com força, e Luna se aproxima mais, enchendo-o de
beijos também.
— Não pense nessas coisas, meu amor. Nós vamos estar
sempre com você, vendo-o crescer e se tornar um homem incrível.
— Que nem o Simba? — Ele se afasta um pouco para olhar
para mim, e eu sorrio e concordo com a cabeça.
— Que nem o Simba, carinha.
Voltamos a assistir ao filme e acabamos engatando uma
maratona de filmes da Disney, o que nos faz perder a noção de
tempo. Não me dou conta do exato momento em que o meu filho
dorme, entre nós duas, em um visível sono profundo. Luna e eu não
queremos tirá-lo de um lugar tão confortável, por isso decidimos
deixá-lo dormir conosco esta noite.
— Impressionante como ele simplesmente apaga do nada —
Luna comenta ao voltar do banheiro, depois de tomar um banho
rápido e escovar os dentes. Ela solta uma risada, prendendo os
cabelos ao subir na cama com cuidado.
— Quero conversar com você, mas não quero acordar o
Louis.
Olho para o pequeno, que está dormindo na mesma posição
que a mãe dorme diversas vezes: as mãos por debaixo do
travesseiro e os cabelos cobrindo o rosto. Luna arruma o cobertor
sobre ele, depositando um beijo na testa do carinha em seguida.
— Pode acreditar, o mundo acaba e esse garoto não acorda.
Temos sorte de que ele esteja acostumado a acordar cedo por conta
própria, pois sofremos para acordá-lo no início.
— Certeza?
— Absoluta, meu amor. O que deseja saber?
Fico meio indecisa sobre conversar, correndo o risco de
acordar o Louis, mas se ela garantiu que ele tem o sono pesado,
não serei eu a discordar.
— Eu sei que conversamos várias vezes sobre isso, mas
ainda é um pouco misterioso para mim como tudo aconteceu entre
nós. Depois daquela festa e o beijo na Jennifer, eu fiquei me
martirizando de culpa e acabei me desculpando com você, certo?
— Sim. E eu senti que era o momento de me declarar a você,
mas deveria saber que sua reação seria a de fugir, ao ouvir o que eu
disse.
— É, acho que era esperado. Nunca nos demos bem.
— Você, Camille. Somente você nunca se deu bem comigo.
Mas eu entendo, fique tranquila — ela responde, brincando, e eu
acabo sorrindo sem jeito. Sei que nunca fui muito com a cara dela,
mas sempre imaginei que era um sentimento recíproco. Como
poderia pensar diferente? Luna infernizava a minha vida todos os
dias.
— Tudo bem, eu nunca me dei bem com você. Então, como
deixei que se aproximasse de mim e me conquistasse?
— Nossa. — Ela suspira longamente, soltando uma risada. O
olhar nostálgico me dá a impressão de que a Luna mergulhou em
lembranças da época. Estou curiosa para saber um pouco mais
sobre nós. — Não foi nem um pouco fácil. Você ficou meio arisca
nos dias seguintes, mas a curiosidade te fez se aproximar. Sempre
foi muito curiosa.
— É, eu sei desse péssimo hábito.
— Mas ainda bem, porque foi graças à sua curiosidade que
nos aproximamos. A Vanessa e a Belinda eram as minhas
cúmplices, sempre dando um jeito de me inserir nos assuntos de
vocês, despertando ainda mais a Camille curiosa. Você foi se
aproximando aos poucos, e eu fui conquistando a sua simpatia de
forma natural. Quando me dei conta, tive coragem e a convidei para
um encontro.
— Eu aceitei?
— Não. Pelo menos não imediatamente. Você provavelmente
se lembra dos comentários sobre a minha fama com garotas, certo?
— Sim, todas as garotas que gostavam de garotas queriam
ficar com você, até mesmo as que nunca tinham beijado uma
garota. — Reviro os meus olhos, ao me lembrar de quantas vezes
fui obrigada a ouvir comentários e elogios relacionados à Luna. Era
extremamente irritante.
— Você também sabe que eu namorei uma das líderes de
torcida.
— Qual era o nome dela mesmo?
— Halsey. Pensei que você se lembraria. Lembro-me bem de
que vocês, de repente, passaram a viver trocando farpas.
Seu tom ativa um dos meus sentidos, ao identificar um leve
sarcasmo presente na frase, e ergo uma sobrancelha, encarando-a
de soslaio.
— Ela era irritante.
— Ela não era irritante, você implicava com ela por nada.
— Vai ficar defendendo essa garota agora? Pensei que eu
fosse a sua esposa.
Luna rapidamente faz sinal de rendição, e eu noto, pelo
movimento de pressionar os lábios, que ela está tentando segurar o
riso. Solto uma lufada de irritação e reviro os olhos outra vez. Não
sei por que razão ela teve que enfiar essa ex-namorada no meio da
nossa conversa.
— Enfim, tudo começou depois que eu a namorei. Uma das
líderes de torcida nos viu trocando beijos, digamos, inapropriados e
começou um boato sobre a minha vida sexual.
— Era nojento ter que ouvir como você pulava de cama em
cama.
— Pode acreditar, eu achava a mesma coisa. Tentei acabar
com essa mentira, mas as pessoas adoravam inventar histórias
sobre mim.
— Mas você era beijoqueira.
— Nunca fui. Você realmente acreditava nessas histórias, e
percebo que acredita até hoje. Nós conversamos sobre isso, mas
devo comentar de novo: eu nunca fui essa Luna que diziam. Na
minha vida, antes de você, só beijei três meninas, e uma delas foi a
do meu primeiro beijo.
Meus ouvidos não são capazes de acreditar no que
acabaram de ouvir.
— O quê?!
— Você reagiu de forma semelhante quando eu disse isso
pela primeira vez, mas é a realidade. Acho que os adolescentes têm
tendência a aumentar as coisas, para ter atenção. Nunca fui uma
pegadora e principalmente nunca dormi com todas aquelas garotas.
— Nunca?
— Nunca. Você não foi o meu primeiro beijo, mas foi a minha
primeira e única mulher na cama.
— Ok, isso é informação demais. Estou chocada. — Levo as
minhas mãos ao rosto, e a minha mente está embaralhada,
tentando assimilar o que ela acaba de me dizer. Nego com a cabeça
algumas vezes, acho que estou muito surpresa para ter outra
reação. — Então, fomos a primeira vez uma da outra?
— Sim, princesa. Não existe nenhuma mulher nesse mundo
que eu gostaria de ter compartilhado esse momento tão importante.
Um sorriso me escapa, e então, acabo gargalhando do nada,
com a cabeça jogada para trás, sem me lembrar de que poderia
acordar o meu filho ou algo assim. Acontece que nada pode medir o
tamanho da felicidade repentina dentro de mim.
— Desculpe, eu só... fiquei feliz por saber disso.
— Eu nunca me perdoaria se tivesse cedido na época que
namorei a Halsey. Tivemos muitas oportunidades, mas não me
pareceu certo em nenhuma delas. Algo dentro de mim sempre
soube que era para eu esperar.
— Não vou mentir que estou feliz demais em saber que
fomos a primeira uma da outra.
— Quando contei a você que tudo o que falavam de mim era
mentira, acabei conquistando um pouco da sua confiança. Foi assim
que a gente se aproximou mais.
— Faz total sentido eu ter confiado em você, mas sei que, de
alguma forma, acabaria confiando, mesmo que tudo aquilo fosse
verdade. Você era uma pessoa solteira, afinal. Não poderia julgá-la
pelo seu passado.
— Você disse a mesma coisa no passado. É incrível como
você se esqueceu de quem se tornou, mas continua com a mesma
essência. Eu acho que isso não tem como tirar de você.
— Ainda bem.
— Concordo — ela responde, e ficamos em silêncio durante
alguns segundos. Trocamos olhares e sorrisos, e o meu coração
está aquecido depois dessa conversa. — Tem mais alguma coisa
que queira saber?
— Não, eu estou satisfeita demais.
Luna está alegre com a minha resposta e, com cuidado, se
inclina sobre o nosso filho, apoiando a mão no colchão para
conseguir chegar a mim.
— Posso te beijar?
— Eu pensei que estivesse claro o seu passe livre.
Mal termino de falar, e Luna toma a minha boca com a sua,
envolvendo as nossas línguas, acariciando os meus lábios com os
dela. Suspiro, totalmente rendida, segurando sua nuca para mantê-
la bem perto.
— Eu amo o seu beijo — ela murmura, usando e abusando
do sotaque extremamente atraente, que fazia tempo que eu não
ouvia. Luna raramente puxa esse lado britânico dela.
— É uma maldade você falar assim.
— Eu sei. Você sempre gostou de me ouvir falando assim.
— Para! Vamos dormir.
Ela solta uma risadinha, deitando-se na cama e puxando
nosso filho para os braços dela. Eu apago a luz do meu abajur,
antes de também me deitar, fazendo o mesmo que ela e abraçando
o Louis da melhor forma.
— Boa noite, amor — ela deseja, outra vez usando o seu
bonito sotaque, e eu acabo sorrindo, mesmo sabendo que ninguém
pode ver.
— Boa noite, princesa.

Um dos meus momentos favoritos é tomar café da manhã


com a minha família. É sempre divertido e muito aconchegante.
Olhar para eles dois e ter o prazer de compartilhar coisas tão
simples me faz muito bem, é maravilhoso, e não sou capaz de
explicar a sensação que me causa.
— Esses quadrinhos do jornal estão cada vez melhores —
Luna comenta e gargalha, antes de bebericar o seu café na xícara
que contém uma foto minha horrível, de quando eu era mais nova.
Eu a odeio. Tentei me livrar desse negócio por diversas vezes, mas
ela a protege como se dependesse daquilo para viver. Um dia
conseguirei me livrar disso.
— Mamãe, o que quer dizer orgasmo? É felicidade?
Luna se engasga com o café, e eu tenho a mesma reação
com o meu suco, quase perdendo o fôlego com a crise de tosse que
me atingiu. Louis está encarando a mãe dele, ansioso para ter a
resposta. Eu não podia estar mais grata por essa pergunta ter sido
direcionada a ela e não a mim.
— Filho, você... — ela começa e tosse algumas vezes,
recuperando-se do susto que tomou. Eu permaneço quieta,
bebendo o meu suco calmamente, para não atrair a atenção para
mim. — Está muito cedo para você saber dessas coisas.
— Como os bebês são feitos?
Uma gargalhada me escapa, sem que eu possa evitar.
Infelizmente, isso faz os dois voltarem as suas atenções para mim.
Luna parece meio chocada, e então, abre um sorriso que eu
conheço muito bem, fazendo-me automaticamente parar de sorrir.
Ela não vai...
— Sua mommy sabe tudo sobre isso, carinha. Eu acho que
deveria perguntar a ela.
Sim, ela realmente fez. Maldita seja essa mulher.
— Como os bebês são feitos, mommy?
E agora, como eu devo contar a ele, sem ser algo explícito
demais? Lembro-me de que aprendi isso quando era mais nova, foi
a Belinda que me contou tudo sobre sexo e gravidez. Nunca me
imaginei nessa situação, pensei que essa conversa já tinha
acontecido entre nós.
— Bem, uh... Bebês são fruto do amor de um casal, sabe?
Quando duas pessoas se amam muito, elas decidem multiplicar
esse amor em forma de uma nova vida. — Sinto-me orgulhosa por
ter conseguido explicar a ele, sem propriamente dizer que acontece
por meio de sexo. Louis acena em concordância, assimilando o que
acabei de contar, e eu espero que ele esteja satisfeito. Volto a beber
o meu suco, apreciando o sabor delicioso dos morangos frescos.
— E como eles são feitos?
— É, Camille, como eles são feitos?
Se os meus olhos pudessem matá-la, neste momento, eu
estaria me tornando viúva, porque a encaro com muita raiva. Luna
nem se importa muito, olhando-me por cima daquela caneca
ridícula, enquanto finge apreciar o líquido dentro dela. Maldita seja!
— Eles são feitos de uma maneira especial e muito íntima.
— Minha nossa, amor. Você é péssima em falar sobre
relação sexual com uma criança. Pare de torturar a sua mãe,
carinha.
Fico confusa com a fala, principalmente porque os dois
trocam olhares estranhos, antes de caírem na gargalhada. Estou
sem entender essa reação. Existe alguma piada interna aqui, que eu
perdi?
— Está tudo bem, mommy. Eu sei como os bebês são feitos,
a tia Vanessa e a tia Belinda conversaram comigo.
O som da risada de Luna aumenta consideravelmente,
fazendo-me ficar ainda mais confusa e chocada. Eu realmente não
acredito no que acaba de acontecer aqui.
— Você sabia disso?
Ela para de rir aos poucos, ajeitando-se sobre a cadeira.
— Talvez, sim.
— Eu vou te matar. — Ameaço me levantar, mas o meu filho
é mais rápido e fica de pé, jogando-se sobre o colo dela como se
pudesse protegê-la. Sinto-me traída, eu tenho um complô dentro da
minha própria casa. Estou ferrada. Mas eu amo esses momentos de
qualquer forma.

Meu corpo parece muito pesado, não vejo a hora de poder


chegar à minha casa e receber a melhor massagem do mundo. Mas
isso terá que esperar, a minha esposa está ocupada no trabalho e
mandou um recado dizendo que vai se atrasar. Eu fico chateada,
confesso, mas não posso reclamar. Ela tem sido muito paciente com
o fato de eu estar apavorada em sair sozinha com o meu carro outra
vez. Tentei no final de semana, e não deu muito certo.
Preciso me ocupar, enquanto ela não vem me buscar, e a
minha melhor opção é me sentar no meu pequeno escritório, na
escola de dança, e mexer na internet. Não tem muito o que fazer
aqui, depois que as aulas acabam. Verifico as minhas redes sociais
e olho as notícias. Não há nada de muito interessante, até que um
artigo chama a minha atenção.
— Será que é verdade? — questiono a mim mesma,
enquanto abro o artigo. É uma notícia sobre estudos realizados, há
anos, que vêm mostrando resultados positivos, cada vez mais,
sobre a criação de espermatozoides femininos.
Sim, é isso mesmo que você acabou de ler. Os cientistas
mencionados na matéria afirmam que conseguiram obter bons
resultados com esses espermatozoides, criados a partir da medula
óssea feminina.
Eu não faço ideia de como esse processo é feito, mas estou
realmente curiosa. E se conseguirmos realizar isso? Imagine um
filho que será a junção de Luna e eu? Sem precisarmos de uma
terceira pessoa, apenas nós duas.
Pego o meu celular, não querendo perder tempo. Preciso
desesperadamente compartilhar essa informação com a única
pessoa que sabe do meu desejo secreto em ser mãe outra vez.
— Diga-me que é algo realmente importante e que você não
atrapalhou o boquete que eu faria no meu homem para falar
besteira. — Eu fico sem reação ao ouvir o que ela diz, assim que
atende à ligação, chocada demais para responder qualquer coisa.
— Camille? Aconteceu alguma coisa?
— Eu acho que vou ligar depois.
— Camille, aconteceu alguma coisa?
— Não exatamente, eu queria contar uma coisa que eu...
Vanessa? — Eu afasto o telefone do meu ouvido, olho para o
aparelho e nem me surpreendo tanto, ao ver que a maldita
realmente desligou a chamada na minha cara. — Preciso de uma
nova melhor amiga.
— Espero que seja só uma melhor amiga nova, e não uma
esposa nova também. — Levo um susto ao ouvir a voz de Luna, que
está com a metade do corpo para dentro da minha sala e um
enorme sorriso no rosto. Quase surto com medo de ela ver o que eu
estava lendo, então rapidamente fecho todas as abas do navegador
e desligo o computador. Levanto-me da mesa, e os meus olhos
descem até as mãos dela, deparando-me com uma caixa retangular
de cor vermelha.
— Oi, meu amor. Nem mandou mensagem avisando que
tinha chegado. Eu teria descido.
Pego a minha bolsa sobre o sofá, no canto da sala, indo até
ela depois, e Luna abre os braços para me receber em um
confortável abraço. Eu obviamente não rejeito o carinho, adoro ser
cuidada por ela.
— Queria fazer uma surpresa. Trouxe cupcakes. — Selo os
nossos lábios rapidamente, pegando a caixa das mãos dela para
verificar aqueles bolinhos deliciosos, que se tornaram os meus
favoritos desde que encontramos aquele lugar. E eu sei que ela foi
buscá-los naquela loja.
— Você é a melhor esposa do mundo.
— É esse o tipo de elogio que eu gosto de ouvir. Vamos, meu
dengo?
Concordo com a cabeça apenas, porque a minha boca está
ocupada, devorando os bolinhos. Saímos juntas da escola, depois
de conferir que tudo está nos conformes, despedimo-nos dos
seguranças, entramos no carro e seguimos em direção à casa da
minha irmã, para buscarmos o Louis.
Voltar para casa na companhia deles é sempre a melhor
parte do meu dia, mas o pensamento de ter uma nova criança não
me deixa.
O dia passou voando, e fizemos as mesmas coisas de
sempre. Não cansa, porque eu amo passar um tempo com os dois
amores da minha vida. É sempre muito gratificante ter esses
momentos com eles. Na hora de dormir, fomos, as duas, colocá-lo
na cama. Meu filho está crescendo, e sinto que nesses dois meses
que se passaram ele mudou em muitos aspectos. Isso me deixa
triste e, ao mesmo tempo, animada. Vê-lo crescer é maravilhoso.
— Minha mãe quer que a gente vá para Miami no final de
semana. O que você acha? — Eu ouço a pergunta do lado de fora
do box. Luna está cuidando da pele dela, enquanto eu tomo o meu
banho. Olho em sua direção, passando a mão no blindex para ter
uma visualização melhor.
— Eu acho uma boa ideia. Louis está com saudade deles, e
vai ser bom fazer uma coisa diferente.
— Podemos ficar lá no nosso lugarzinho, passando o final de
semana, o que acha?
— Eu acho excelente, desde que a casa na árvore fique
reservada somente para nós duas.
Um sorriso sem-vergonha surge em meu rosto. Eu não estou
olhando para ela neste momento, mas tenho certeza de que tem um
sorriso parecido com o meu em seu rosto. Luna e eu estamos cada
vez mais íntimas, mas com o nosso filho em casa fica um pouco
difícil termos um momento particular, porque ele tem dormido
conosco quase todas as noites. Não que eu esteja reclamando, mas
quero um pouco de privacidade com a minha esposa também.
— Todo mundo sabe que naquele lugar somente nós duas
podemos ficar.
— Ótimo. — Termino o meu banho, abrindo a porta em
seguida, e Luna olha para mim por reflexo, descendo o olhar por
todo o meu corpo. Diferente de antes, agora eu gosto quando ela
me olha assim. — Pode me passar a toalha, por favor?
— Claro, princesa. — Ela pega a minha toalha, que ficou
pendurada atrás da porta, trazendo-a para mim. — Gostei da
depilação nova. Estilo brasileiro, não é?
— Luna! — exclamo, envergonhada, ganhando, em troca, a
risada dela.
— Mas eu gostei.
— Você é impossível, mulher. — Enrolo-me na toalha, dando
um rápido beijo em seu rosto quando passo por ela no caminho, e
Luna sorri para mim através do espelho. — Espero você na cama.
— Não coloque roupas, então.
Eu cruzo o quarto e penduro a toalha no gancho atrás da
porta, caminhando, sem roupa alguma, até a cama. Percebo como
estou confiante em ficar sem roupas na presença dela ou sabendo
que vamos fazer alguma coisa sexual. Luna não está mais proibida
de fazer sexo com penetração, mas ainda não tivemos oportunidade
de ir mais além. Espero que eu mude isso agora.
— Lembrou de verificar as portas? — pergunto, assim que
ela finalmente volta para o quarto. O cheiro dos produtos que ela
usa toma conta do ambiente, e eu respiro fundo, absorvendo o
aroma gostoso. Luna reflete, durante alguns segundos, e então,
solta um palavrão baixo.
— Não consigo me lembrar, vou verificar.
Concordo com a cabeça, e ela sai do quarto. Pego o meu
celular para responder algumas mensagens e, em seguida, abro o
navegador. Encontrei uma clínica que realiza o tal procedimento que
chamou a minha atenção mais cedo. Eles não garantem o bom
resultado, mas dizem que as chances são boas. Preciso entrar em
contato com eles para me informar melhor.
— Tudo fechado? — pergunto, assim que ouço a porta ser
aberta de novo, bloqueando a tela do meu celular e deixando-o
sobre a cama em seguida.
— Sim. — Ela joga os cabelos para o lado esquerdo e vem
em minha direção, enquanto puxa a blusa que estava usando para
cima, ficando apenas de calcinha. O tecido preto liso fica evidente
no tom de pele dela, e me deixa maluca. Eu amo vê-la usando
lingerie dessa cor. — Cheirosa — ela murmura, depois de parar
sobre mim, levando o nariz até o meu pescoço e inalando o meu
cheiro. Fecho os olhos, ronronando contra ela, ao afastar as minhas
pernas para acomodá-la. Luna segura em minha cintura quando
encosta sua boca na minha, tomando os meus lábios para si,
envolvendo-me naquele beijo gostoso de sempre.
— Merda.
Luna para ao me ouvir, encarando-me, sem entender o que
aconteceu.
— Te machuquei?
— Não, me deu vontade de fazer xixi.
— Sério?
— Muito. Merda.
Luna solta uma risadinha e se joga para o lado, aproveitando
para tirar a calcinha e jogar em mim. Esse ato me faz ofegar, ainda
mais porque a maldita resolveu ser uma boa ideia abrir as pernas e
se expor para mim.
— Porra, Luna. Eu já volto.
— Não demore, ou vou terminar sem você.
Entro no banheiro, para me aliviar logo, e resmungo, diversas
vezes, por não sair instantaneamente. Uma das piores coisas do
mundo é fazer xixi quando está com tesão ou quando acabou de
gozar. Tem a vontade, mas não sai nada na hora que a gente
precisa. Infelizmente, acho que demorei mais do que deveria, pois
quando retorno ao quarto, tudo está escuro, e ela, debaixo das
cobertas.
Confusa, sento-me na cama, entro debaixo das cobertas e
me aproximo dela. Pelo menos, Luna não vestiu as roupas, mas
acho que o clima acabou. Estou frustrada, mas respeito a sua
vontade. Nunca forçaria nada. Às vezes, ela simplesmente perde a
vontade por alguma razão. Não acho que seja um problema,
acredito ser uma coisa normal. Pessoas sentem tesão e perdem na
mesma velocidade. Acontece.
— Dormiu?
— Você vai ficar brava se eu dormir?
— Claro que não, meu amor. Posso te abraçar? — Ela
responde com um som nasal, arrastando-se para perto de mim.
Envolvo o seu corpo com o meu braço, passando o outro por
debaixo de sua cabeça, e Luna se aconchega em mim,
esquentando o meu corpo com o seu calor. — Boa noite, amor.
— Boa noite, minha princesa — ela deseja e volta a ficar em
silêncio, e eu sei que não vai demorar muito a dormir. Não me
importo de dormir frustrada sexualmente, tê-la comigo é o mais
importante. O sexo pode ser feito em qualquer momento que
tivermos oportunidade.
Todos os momentos com ela são importantes.
Capítulo 32 – Diversas sensações
O dia está bonito. Finalmente, o clima de resquício de inverno
está acabando, e dias ensolarados têm sido mais frequentes. Ou
talvez seja apenas o clima de Miami, sempre fazendo calor. Respiro
profundamente, inclinando a minha cabeça para trás, sentindo a
brisa fresca bater contra o meu corpo e os raios solares aquecerem
a minha pele. É maravilhoso sentir a natureza.
— Pega, filho! — A voz dela rapidamente atrai a minha
atenção, fazendo-me cobrir os olhos para poder visualizar os dois.
Luna e Louis estão se divertindo com Duke, sob o olhar atento dos
Jacobs também. Viemos passar o final de semana em Miami, a
pedido deles, e não poderia ser melhor. Diferente da última vez que
viemos, agora tudo está mais tranquilo.
— Corre, Duke! Corre! — Louis exclama, correndo ao lado do
enorme cachorro, enquanto chuta uma bola de futebol. Um sorriso
surge em meu rosto ao observar aquele momento de diversão.
Estamos próximos ao pequeno lago que tem aqui na propriedade, é
um dos meus lugares favoritos. Mas nada pode superar o meu amor
pela casa na árvore.
— Camille? — Minha atenção é voltada à minha esposa outra
vez. Luna acena para mim, chamando-me. — Está tudo bem? — ela
questiona, assim que chego perto o suficiente. Concordo com a
cabeça, me aproximo dela, seguro em sua cintura e fico nas pontas
dos pés para selar os nossos lábios. Nem me importo com a
possível atenção dos meus sogros em nós duas, eles estão
acostumados a ver as nossas demonstrações de afeto.
— Estava aproveitando um pouco o sol.
— Sentiu falta?
— Muita.
— Desculpe atrapalhar vocês duas, mas o bolo está pronto e
quentinho, esperando-nos. Vamos tomar o café da tarde.
Ana vem até nós, com um belo sorriso em seu rosto. Tenho
notado que ela está mais carinhosa, principalmente com Luna. Elas
têm conversado bastante, mas a minha esposa comenta pouco
sobre. Eu entendo, é uma questão pessoal e antiga das duas.
— Obrigada, sogrinha. Estava com fome mesmo, estou cheia
de vontade de comer aquele bolo de milho — eu lhe agradeço,
retribuindo o seu sorriso fraternal.
— Venha, carinha. Vamos comer!
— Vamos, Camille Jacobs — Mark diz, brincando,
aproximando-se de mim com um braço estendido. Eu rio da
brincadeira, já me acostumei com eles me chamando dessa forma.
Isso me conforta e me faz bem saber que sou uma Jacobs.
— Cruz-Jacobs, papai — Luna diz ao passar por nós. O
pequeno está em suas costas e Duke pula, agitado, tentando pegá-
lo. Entramos juntos no casarão, rindo e brincando. Estou me
sentindo bem, como há muito não me sentia. Todos os dias parecem
uma coisa nova, e realmente é assim.
Conviver com todas essas pessoas têm me tornado uma
mulher melhor. Estou amadurecendo um pouco a cada dia, cresço
de todas as formas possíveis. Muito disso tem a ver com a minha
esposa, essa mulher excepcional que faz de tudo para me ver bem
e cuida de mim melhor do que eu mesma. Nunca saberei agradecer
o suficiente por tê-la comigo.
— O que você tanto pensa? — como se fosse capaz de ler os
meus pensamentos, a dona deles pergunta a mim, baixinho para
que apenas eu ouça, e sorrio, largando a caneca para olhar na
direção dela.
— Estou pensando no amor da minha vida.
— Hm... Coisas boas sobre mim? — Ela abre um sorriso
sapeca, cobrindo as minhas mãos com as delas.
— Quem disse que é sobre você?
— Eu estou dizendo — responde-me, sem hesitar ou perder
a pose prepotente. Não aguento a arrogância dessa mulher. Quanto
mais intimidade temos, mais ela se mostra a mesma de sempre.
Toda cheia de si e com certezas extremas, mas eu nem reclamo
muito, até gosto desse jeito egocêntrico.
— Você está muito cheia de si. — Levo a minha mão ao seu
nariz, apertando-o com pouca força. Luna faz uma careta, puxando
a cabeça para trás e escapando de mim. — Sorte sua eu gostar
tanto de você.
— Tu me amas, mi amor. — Seu sotaque rouco e arrastado
faz um arrepio tomar conta de mim. Sinto uma vontade absurda de
beijá-la, mas me controlo, porque não estamos sozinhas, e tenho
certeza de que existem olhos atentos em nós duas. Rapidamente
me afasto, ficando longe o suficiente dela, para não correr o risco de
ceder aos meus impulsos.
— Será que as duas mocinhas não gostariam de dividir
conosco esses sussurros? — Ana brinca, servindo-se de mais café.
Mark segura uma risada, e o nosso filho bufa, cruzando os braços,
do outro lado da mesa. Eu fico confusa. Ele está com raiva de que
exatamente?
— Desculpem-nos, mas sabem como é a filha de vocês.
Muito enxerida.
— Isso é verdade.
— Papai! — Luna exclama, desacreditada, parecendo muito
ofendida com o que o seu pai acaba de dizer. Dessa vez, quem
gargalha sou eu da expressão desolada no rosto dela.
— Desculpe, filha, mas é a verdade.
— Existe um complô contra mim em todos os cantos. Não
aguento mais essa injustiça.
— Que drama, Lolo! — minha sogra diz e afina o tom de voz
quando a chama pelo apelido.
— Mamãe, não. Esse apelido me faz parecer frouxa. — Olho
na mesma hora em direção a ela, abrindo a boca para respondê-la.
— Nem ouse abrir essa boca.
Faço sinal de rendição, soltando uma risadinha. Ela me
encara com raiva, mas esse olhar nunca me assustou no passado,
não será agora que vai me afetar. Obviamente, eu não posso perder
a oportunidade de retribuir toda a provocação que ela faz comigo
quase todos os dias, e é com esse pensamento que me aproximo
dela, falando baixinho em seu ouvido:
— Você pode me passar o café, Lolo?
Luna me olha de uma forma que, se o olhar pudesse matar,
com certeza eu estaria morta, mas, apesar de parecer realmente
com raiva, ela me passa a garrafa de café. Eu seguro o riso para
não a irritar mais, apesar de estar adorando cutucá-la.
É bom quando viramos o jogo, não é?

A sua respiração acelerada bate contra o meu ouvido de


forma violenta, com a mesma intensidade que as mãos dela
apertam a minha cintura e a sua boca marca a minha pele. Estou
sendo prensada contra a porta de madeira da casa na árvore, não
tenho escapatória nem sei ao certo como viemos parar aqui. Luna
pareceu guardar as provocações da tarde durante o restante do dia,
finalmente podendo extravasar quando estamos a sós.
Ela segura, com firmeza, a minha nuca, afastando-se para
poder me olhar. Eu ofego sobre o olhar repleto de más intenções,
ansiosa para ser maltratada por ela da melhor forma possível. Sem
que eu possa ter alguma reação, sinto a sua boca grudar na minha,
unindo os nossos lábios.
O beijo começa lento, intenso, gostoso... Molhado.
Luna aperta minha nuca e eu solto um gemido. Os seus
dentes mordem o meu lábio inferior, e logo em seguida, as nossas
bocas voltam a ficar unidas. Sua mão solta a minha nuca e se junta
à outra, que estava na cintura, então as duas escorregam para a
minha bunda, apertando as nádegas com força e puxando-me
contra o seu corpo.
— Me leva pro banho — o meu pedido sai quase como uma
súplica, o meu corpo implora pelo dela. Eu tenho total consciência
de que vai acontecer, e não existe nada em mim que deseje o
contrário. Quero me entregar de vez a ela, sem reservas, sem
pudor.
Precisamos de um banho primeiro.
— Tire a minha roupa — ela pede, assim que entramos no
banheiro. Pode parecer normal, contando as diversas vezes que
tivemos algo mais íntimo, mas acontece que eu a conheço bem o
suficiente para saber que o seu pedido está muito além do que
parece ser. Rapidamente começo a despi-la, e mesmo ansiosa, faço
tudo com cuidado, tirando peça por peça, cobrindo o seu corpo de
beijos carinhosos.
Sempre fazemos amor, é o que ela diz toda vez. Eu farei
amor com ela, da forma que eu sei que o meu corpo sabe. Não é
preciso ter as minhas lembranças para ter noção do que precisa ser
feito.
Entramos juntas no banho e saímos juntas dele. Não é
porque vivemos um momento de carinho e afeto, enquanto nos
limpamos, que ela deixa perder a intensidade, porque no exato
momento em que pisamos de volta ao quarto, sou levada para a
cama, sem ter como escapar.
E quem disse que eu quero escapar?
Luna analisa todo o meu corpo, enquanto se põe por cima de
mim, afastando as minhas pernas com as suas. Eu rapidamente
levo as minhas mãos até as suas costas, pressionando as pontas
dos dedos contra a pele macia dela. Eu sei que amanhã de manhã
haverá diversas marcas minhas nela, e adorarei vê-las e me lembrar
de cada momento. Ela me beija, e uma das mãos segura a minha
coxa esquerda e afasta mais a minha perna, dando livre acesso
para que eu sinta sua boceta deslizar sobre a minha. É uma
sensação deliciosa sentir o seu clitóris rígido contra o meu, sua
lubrificação se misturando à minha, os nossos corpos trocando o
mesmo calor causado pela chama que queima dentro de nós. Ela
faz tudo com calma e, ao mesmo tempo, sem lentidão. Na medida
certa.
Ela sabe me tocar, conhece os meus pontos fortes e fracos.
Sabe como me enlouquecer de uma forma que me deixe totalmente
à mercê dela. Eu gosto disso, adoro saber que ela me conhece tão
bem intimamente. Não existe coisa mais gostosa que ser compatível
na cama com a pessoa que você ama. E estou tendo certeza disso
cada vez que fazemos amor. O sexo em si envolve muito mais do
que apenas penetração, é troca de prazer mútuo, é se sentir
confortável e confiante com a parceira ou o parceiro. É saber que
vai dar e receber na mesma proporção. De quatro, de lado,
recebendo apenas um oral, não importa.
O sexo começa antes mesmo de chegar ao quarto, com uma
troca de olhar, um toque discreto, um sorriso. Um beijo. Todo mundo
sabe fazer sexo, mas nem todos sabem dar prazer. Praticar o ato
sexual é muito fácil, não tem mistério, mas deixar uma pessoa de
pernas bambas... Ah, essa é a parte mágica do sexo, que nem
todos conseguem alcançar.
Quando se ama alguém, não importa se vocês estão sendo
calmos ou selvagens, sempre será amor, a forma que acontece o
ato é irrelevante.
Desperto dos meus pensamentos quando a sinto descer os
beijos pelo meu corpo, migrando do pescoço para os meus seios, e
a sua boca faminta suga, com força, os meus mamilos, ao mesmo
tempo que as suas mãos são carinhosas ao massageá-los, para
acalmar o formigamento causado por sua língua, boca e dentes. Ela
chega ao abdômen, castigando-me com deliciosas mordidas e
apertos, com os seus dedos experientes.
Curvo-me sobre a cama, entregando-me totalmente, para o
seu deleite. Minha mente repete diversas vezes uma frase que
acabo verbalizando, para dar ênfase ao prazer que estou sentindo e
à vontade que tenho dentro de mim.
— Faça o que quiser comigo! — imploro baixinho, e a minha
voz quase não sai, tamanho é o meu prazer e a minha vontade de
senti-la profundamente. E ela faz. Segura atrás de minhas coxas e
dobra as minhas pernas, erguendo-as até perto das minhas
costelas. Fico exposta, esperando-a atacar. Luna não perde tempo:
dá uma lambida firme entre os lábios maiores, tomando os
pequenos em sua boca, para sugá-los com delicadeza. Não prendo
o gemido que me escapa e, ao mesmo tempo, agarro o lençol da
cama abaixo de mim.
Luna é implacável com suas lambidas quando resolve
percorrer toda a minha boceta, lambendo cada pedaço, sem deixar
nenhum sem atenção. Até quando envolve o meu clitóris com os
lábios, sugando-o forte e devagar, revezando, para testar a minha
sensibilidade e depois aliviá-la. Ela gosta de me levar ao limite e
depois acalma tudo, para, em seguida, quase me enlouquecer outra
vez.
O primeiro orgasmo não demora a chegar. Pelo menos para
mim, não parece demorar. Eu perco a noção de tempo quando a
sua boca está em mim. Luna distribui beijos por todo o meu corpo,
enquanto vai subindo outra vez. Sua boca, marcada pelo meu
prazer, reflete pela luz o reflexo do meu gozo. Isso me faz sorrir e
puxá-la para um beijo.
Sentir o meu gosto na sua boca é sempre delicioso.
— Já disse que você é muito gostosa? — ela murmura
quando paramos de nos beijar, e o sorriso não abandona o meu
rosto. Eu envolvo a cintura dela com as minhas pernas para grudá-
la em mim.
— Você sempre pode repetir isso.
— Gostosa, você é muito gostosa. — Ela estica o pescoço e
morde devagar o meu queixo. O olhar dela continua felino, intenso,
como se estivesse me comendo apenas me observando. — Abra —
sua ordem vem acompanhada de sua mão erguida, com os dois
dedos destacados vindo em direção à minha boca. Rapidamente, a
obedeço, separando os lábios para receber o que ela está me
dando. Fecho os olhos ao sugá-los com força, sentindo-a colocar e
retirar os dedos da minha boca.
Lentamente.
A sua respiração bate contra o meu rosto. Não a vejo por
estar de olhos fechados, mas sinto o seu olhar sobre mim. Luna se
mantém assim durante um tempo, até se dar por satisfeita e retirar
os dedos de minha boca. Neste momento, abro os olhos, apenas
para vê-la morder o lábio inferior, enquanto leva a mão para baixo.
O meu corpo reage instantaneamente àquilo, porque sei o que virá a
seguir. Estou nervosa, mesmo sabendo que não existem mais
motivos para isso. Ela percebe que tem algo errado e me olha,
como se buscasse confirmação de alguma coisa.
— Devagar — peço baixinho, um tanto envergonhada, e Luna
sorri de lado, não querendo debochar de mim ou algo assim. — Sei
que não é a minha primeira vez fisicamente, mas emocionalmente
será. Eu acho que você entende.
— Claro que sim, meu amor. — Ela se estica rapidamente
para selar os nossos lábios. — Vou fazer com carinho e muito
gostoso.
Minhas paredes internas se fecham ao ouvi-la dizer aquilo.
Eu acho incrível como o meu corpo reage instantaneamente a ela,
com tanta facilidade. Sou dela, pertenço totalmente a essa mulher,
não tem jeito. Seguro o seu rosto e a faço me encarar, olhando
profundamente em seus olhos.
— Recrie a nossa primeira vez. Faça-me sentir da mesma
forma que senti quando me entreguei a você.
O olhar dela ganha um brilho de emoção, e ela não responde
ao meu pedido, apenas afasta mais as minhas pernas, antes de
deslizar os dedos, ainda molhados, entre os meus lábios maiores.
Fecho os olhos, empurrando o meu quadril contra ela, e Luna
provoca um pouco, circulando a minha entrada, para recolher mais
da minha lubrificação.
Quando, enfim, os seus dedos começam a entrar em mim,
sinto como se eu tivesse saído do meu corpo durante alguns
segundos. Não me lembro da sensação de ser invadida assim, mas
é a coisa mais gostosa que eu poderia ter sentido em toda a minha
vida. Rapidamente, agarro os ombros dela, cravando os meus
dedos em sua pele, querendo extravasar o prazer sentido apenas
com esse ato. Luna traz a boca até o meu ouvido, fazendo-me ouvir
sua respiração, enquanto começa a mover os dedos.
Puta que pariu! É a única coisa que consigo pensar quando
ela começa a me foder de uma forma tão deliciosa. Parece que
estou flutuando, nadando nesse mar imenso que é o tesão. Ela
sussurra coisas sujas e carinhosas em meu ouvido. Eu gosto de
como ela sabe equilibrar a safadeza com o amor que sente por mim.
Da minha boca, saem apenas gemidos. Sinto-a me tocar
profundamente, e então, pressionar um ponto incrível na parte
superior do meu canal. Toda vez que ela pressiona esse lugar,
parece que as estrelas explodem dentro de mim. Minhas pernas se
movem, assim como o meu quadril, sem um ritmo certo, ambos os
membros desesperados pela minha liberação.
Dessa vez, parece que vai ser mais intenso.
Mas se eu penso estar no paraíso, nada pode me preparar
para o momento em que ela resolve juntar a sua língua maravilhosa
com aqueles dedos habilidosos. Toda vez que a Luna enfia os
dedos e treme a língua sobre o meu clitóris, parece que o meu
corpo leva um choque.
É algo como sair do calor extremo e tomar um banho gelado.
O segundo orgasmo é simplesmente delicioso e inexplicável.
Acho que apago durante alguns segundos, enquanto gozo nos
dedos dela, de forma abundante, e tremo contra o seu corpo,
implorando por mais desta sensação.
Estou exausta, mas preciso de mais.
Com esse pensamento, giro os nossos corpos sobre a cama,
tomando a boca de Luna com a minha, enquanto esfrego a minha
boceta sensível contra a dela. Luna está enlouquecida ao me sentir
rebolando entre as suas pernas. Eu quero lhe dar prazer, assim
como ela sempre me deu, e fazendo de tudo para isso.
Não me lembro da minha experiência sexual de antes, mas
sigo os meus instintos quando desço pelo seu corpo, tomando os
seios fartos em minha boca, sentindo a maciez e o gosto de sua
pele. Passo pelo abdômen, marcando-o com uma fina linha de
saliva. Quando chego ao meu destino, coloco-me sobre os meus
cotovelos e afasto as suas pernas. Sou atingida pelo aroma
delicioso que ela está exalando, simplesmente bom demais. Minha
vontade é afundar o meu rosto aqui e não tirar mais.
Eu olho para cima, deparando-me com os seus olhos fixos
em mim. Luna está segurando os seios nas mãos, enquanto usa os
dedos para beliscar os mamilos sensíveis. Ela morde o lábio inferior
e ofega diversas vezes, esperando, ansiosa, pelo exato momento
em que farei o que desejamos.
Quando o meu paladar sente, enfim, o gosto dela, não
existem palavras capazes de descrever o que sinto. É simplesmente
a melhor coisa que a minha boca provou em toda a minha
existência. As minhas mãos agarram as suas coxas para mantê-las
afastadas, enquanto a minha língua explora a sua boceta, enfiando-
se dentro dela e sentindo-a me apertar. Luna é apertada,
extremamente apertada, e eu descubro isso quando deslizo os
meus dedos indicador e médio para dentro dela, sentindo-os
envolvidos por um calor molhado e gostoso, apertados pelas suas
paredes internas, o que me deixa com ainda mais tesão.
Ser uma apreciadora da anatomia feminina sempre me fez
questionar qual devia ser o gosto de uma mulher, como seria a
textura, o cheiro, a aparência e tudo mais. Agora, tendo a prova viva
e real outra vez, posso dizer que a realidade nem se compara à
imaginação.
Mulheres são seres divinos.
Não sei se estou fazendo do jeito certo, e por diversas vezes
busco o olhar de Luna, desejando que ela entenda o meu pedido
mudo. Felizmente, como sempre, ela sabe exatamente o que eu
quero. Ela usa as mãos para me dizer em que tocar, para ser mais
rápida ou devagar, e até mesmo para dar algumas ordens. Isso
quase me mata de tesão.
Descubro que gosto de quando ela é mandona, mas eu amo
o controle de tudo.
Luna estremece. Os gemidos roucos e femininos, deliciosos
de ouvir, escapam de sua boca. Ela é inquieta com as mãos,
agarrando os meus cabelos, os seus próprios seios e os lençóis
abaixo de nós, como se pudesse aliviar aquela agonia causada pelo
orgasmo poderoso que lhe proporciono.
Estou satisfeita e orgulhosa. Parece que nada mudou e que
não me esqueci do passado. Foi natural demais, mesmo que eu
tenha tido alguns lapsos de insegurança. Ela soube me guiar da
forma certa. Sinto-me plenamente satisfeita. Não que não tenha me
sentido assim nas outras vezes, mas a sensação multiplicou.
— Se você soubesse o quanto eu senti falta da sua boca e
dos seus dedos em mim. — Ela murmura, rouca, abrindo os braços
para me receber. Como sempre, não nego o contato, deitando-me
sobre o seu corpo levemente úmido. Luna beija o topo da minha
cabeça e me aperta em seu abraço.
— Eu consigo entender o motivo da Camille do passado ser
tão louca por você na cama. — Viro a cabeça para encará-la: Luna
está com aquele mesmo sorriso arrogante no rosto, mas não posso
fazer nada dessa vez, ela tem razão em estar com ele. — Todas as
vezes que fazemos amor é como se fosse algo novo.
— É ótimo saber que ainda lhe causo a mesma sensação.
— Nunca é a mesma coisa, é sempre melhor.
— O meu ego está se sentindo muito bem.
Sorrio, arrastando-me um pouco mais para cima, até estar
perto da sua boca, e selo os nossos lábios duas vezes, antes de
sussurrar:
— Espero que ele esteja se sentindo tão bem quanto a minha
boceta.
E basta isso para recomeçarmos tudo, de uma maneira ainda
mais intensa que a anterior.
Não tem como resistir a ela.

O nosso filho voltou às aulas, e a rotina segue sendo a


mesma que eu havia aprendido. Em relação à dança, me sinto cada
vez mais confiante e tenho estudado alguns ritmos novos para
inserir em minhas aulas, o que será bom para mim e para os alunos.
Luna está evoluindo em seu tratamento. Eu sei que fazer terapia é
algo progressivo e demorado, mas os resultados dela têm sido
animadores. Minha esposa está cada vez mais confiante.
Toda a nossa vida, no geral, está boa, mas eu tenho sentido
aquele vazio, uma sensação de que falta alguma coisa. E mesmo
tentando esquecer e substituir essa vontade, o desejo de ter um
filho novo se torna cada vez maior.
— Você deve conversar com a sua esposa. A melhor forma
de um casamento continuar sendo bom é mantendo a conversa e a
sinceridade — Dra. Robertson diz, olhando-me por cima de seus
óculos, posicionados na ponta de seu nariz. Suspiro, inclinando-me
para trás na poltrona e cruzando os meus braços, pensativa sobre o
que ela havia acabado de falar.
— Mas acontece que eu não tenho certeza se esse é o
momento certo de falar.
— Vai continuar guardando apenas para si? Você mesma
disse que a Luna notou que está escondendo algo, não deixe que
ela descubra sozinha. Isso provavelmente enviará a mensagem
errada.
— Como se eu não tivesse contado por causa do problema
dela?
— Também, mas você mesma disse que ela odeia que
sintam pena. Pode ser que, na cabeça dela, o fato de você esconder
essa vontade esteja relacionado a esse sentimento de pena, por ela
não ter conseguido manter uma gravidez ainda.
— Eu acho que estou entendendo.
— Você conversou com o seu médico sobre os tratamentos
que ela pode fazer, certo?
— Sim, existem alguns muito bons.
— E conversou com ela sobre isso?
— Não, ainda.
— Converse com ela. Não existe outra forma de resolver
essa situação. Quem sabe, assim, o seu coração fica mais calmo?
Concordo com a cabeça, refletindo sobre o que acabamos de
conversar, entre outras coisas. Quando a sessão acaba, me
despeço e saio do consultório, buscando a chave do meu carro em
minha bolsa, além do meu celular. Sim, eu finalmente estou dirigindo
outra vez. O medo ainda existe, mas tenho ganhado mais confiança.
Sempre tem uma mensagem encorajadora da minha esposa
para me deixar tranquila.
Saber que a minha família está reunida, esperando em casa,
é tudo o que eu preciso para me recuperar dessa sessão de terapia
intensa que acabei de ter. Minha cabeça está em conflito sobre
conversar ou não com minha esposa. Por um lado, sei que é
necessário; por outro, tenho medo de feri-la e causar uma briga.
Estamos tão bem, não quero criar conflitos desnecessários.
Chegar à minha casa é sempre gratificante, ainda mais
quando é possível sentir o cheiro de tempero mexicano tomando
conta do ambiente. Temos nos tornado viciadas em culinária
mexicana, é uma das minhas atuais favoritas.
— Que cheiro gostoso! — murmuro, assim que chego à
cozinha, e a visão que tenho me faz abrir um enorme sorriso. Louis
está ao lado da minha esposa, em frente à pia, e os dois estão
usando chapéus de chef e avental.
— Mommy! Eu escolhi o jantar — Louis se gaba, todo cheio
de pose, e eu sorrio, aproximando-me dele para beijar o seu rosto.
— É o meu garoto mesmo. — Levanto-me para dar atenção à
minha esposa dessa vez. Ela faz um bico adorável com os lábios, e
eu rapidamente os beijo, suspirando, toda rendida. — Oi, meu amor.
— Oi, princesa. O jantar está quase pronto. Suba para tomar
o seu banho e depois venha comer.
Concordo, o meu estômago está quase implorando por
comida. Eu subo rapidamente para tomar o meu banho e trocar de
roupa. Hoje, o dia foi puxado, precisei ficar até mais tarde na escola
e acabei mudando o meu horário de consulta com a psicóloga.
Quando volto para a cozinha, a ilha, no centro dela, está toda
arrumada, com velas e tudo.
— Gostei da arrumação — comento ao caminhar até eles.
Luna toma a minha frente e puxa um dos bancos altos para que eu
me sente. Sorrio para minha esposa, não resistindo em tocá-la nos
braços com carinho. — Obrigada, amor.
— Eu não preparei esse jantar sozinha, o nosso carinha
ajudou bastante.
— Oh, é mesmo?
— Sim, mommy! — Ele balança freneticamente a cabeça,
fazendo os cabelos grandes voarem para todos os lados. A minha
barriga faz um som engraçado, causando gargalhadas a todos.
Conversando sobre o dia de cada um, fizemos a nossa refeição.
Preciso concordar que eles são uma dupla e tanto, o jantar estava
simplesmente divino.
Depois de comermos, fomos nos distrair um pouco na sala, e
a opção foi jogar videogame. Revezamo-nos em um jogo de corrida
do Mario, e o nosso filho foi quem se saiu melhor, como de costume.
Quando fica um pouco mais tarde, subimos com ele para
colocá-lo na cama. Nosso pequeno não demorou a dormir, e depois
que a minha esposa e eu deixamos beijos em sua cabeça, saímos
com cautela do quarto, deixando-o dormir como um belo anjo.
Ela não diz nem pergunta mais nada quando chegamos ao
nosso quarto. Eu escovo os meus dentes e, enquanto penteio os
cabelos, sinto o seu olhar sobre mim. Tento me fazer de
desentendida, mas ela sabe de alguma coisa. Luna sempre sabe.
— Tem alguma coisa acontecendo? — sem perder tempo e
sendo direta, ela questiona, assim que me deito na cama, ao seu
lado. Eu suspiro, nervosa, porque tenho consciência de que não sou
capaz de enganá-la e dizer que está tudo bem.
— Eu acho que sim.
— Você quer conversar sobre? — Concordo com a cabeça,
colocando uma das mãos na minha nuca e maltratando o meu lábio
inferior com os dentes. Estou muito nervosa, é nítido. — Pode me
falar o que quiser, meu amor. Estou aqui por você.
Respiro fundo, tomando toda a coragem do mundo para fazer
uma das perguntas mais difíceis que já fiz a ela.
— O que você acha de termos mais um filho?
Capítulo 33 – Uma lembrança
Faz alguns minutos que ela está apenas me encarando,
ainda processando a pergunta que eu havia feito. Desta vez, não
tenho certeza se esse silêncio quer dizer algo bom ou ruim. Luna
não transparece muita coisa em seu olhar, no momento, deixando-
me totalmente no escuro. Quando finalmente parece compreender,
suspira longamente, e quase ouço o barulho dela engolindo saliva.
— Então, é esse o motivo que tem deixado você tão inquieta.
— Sim — mesmo que a fala dela tenha sido uma afirmação e
não uma pergunta, eu a respondo, garantindo-lhe que estou sendo
sincera ao contar sobre o que está acontecendo. Luna acena com a
cabeça, demonstrando compreensão.
— Há quanto tempo você pensa nisso?
— Muito tempo. Eu nem sei dizer ao certo quando essa
vontade começou, mas, nas últimas semanas, tudo se intensificou.
— Por que não falou antes? — Sua pergunta me cala, não
sei o que responder sem parecer algo que não é. Tenho certeza de
que ela tirará conclusões precipitadas. — Foi por causa de mim,
certo?
— Foi, mas antes que pense errado, não é por pena nem
nada disso. Eu não duvido da sua capacidade, mas quis respeitar o
seu tempo. Sei o quanto está sofrendo pela perda que tivemos, não
quero pressioná-la. Lembro-me de quantas vezes disse que a
Camille do passado a pressionava, eu nunca mais quero ser aquela
pessoa.
As minhas palavras parecem pegá-la de surpresa. Eu acho
que entendo as suas reações, as inseguranças e tudo mais. Posso
mudar e mostrar as mudanças todos os dias, mas tenho consciência
de que as lembranças do nosso passado ainda estão vívidas em
sua memória.
— Eu entendo o que fez e agradeço por respeitar o meu
espaço. Você queria conversar comigo?
— Muito. Meu amor, eu nunca serei capaz de esconder
alguma coisa de você, mas ainda não estava certa de que era o
momento.
— Entendo.
— Você acha que devemos conversar sobre isso agora?
— Por que a pergunta?
— Preciso ter noção se essa conversa não vai machucá-la.
— Rapidamente, me aproximo dela, tomando as suas mãos nas
minhas e olhando diretamente em seus olhos. Quero que ela
entenda quão sincera estou sendo. — Não force nada apenas para
me agradar, por favor. Lembra quando eu pedi que pensasse em
você também? Peço-lhe que faça isso agora.
Ela demora um pouco a demonstrar reação, mas logo um
enorme sorriso se abre em seu rosto. Isso me relaxa bastante. Sinto
que vamos nos entender sem que ninguém saia magoada dessa
conversa, porque, de certa forma, eu posso acabar me
machucando, apenas por machucá-la também.
— Acho que estamos prontas para ter essa conversa, sim.
Pelo menos eu me sinto pronta, de verdade. Não estou falando da
boca para fora.
— Fico feliz em saber disso, não sabe como estava me
matando não compartilhar com você o que tenho sentido. É
estranho, me senti traindo você.
— Eu me senti da mesma forma quando não conseguia
conversar com você sobre os meus problemas. Que bom que eu
consegui me abrir, hoje me sinto melhor e sou grata pela sua força.
Você me ajudou muito.
— Penso que em todo relacionamento é importante ter
honestidade. Estou aprendendo muita coisa com você, e essa é
uma delas. O fato de eu querer aumentar a nossa família não é uma
necessidade, sou feliz com o que temos, e estou disposta a ter o
que você quiser.
— Eu entendo. Você, melhor do que ninguém, sabe o
tamanho da minha vontade de aumentar a nossa família, mas...
— Luna, não repita aquelas coisas, por favor! Eu fico
quebrada quando você fala sobre si mesma como se não fosse
capaz de nada. Sabe de uma coisa? Eu tenho pensado bastante
nisso, e acho que antes não era para ser. Pense em como as coisas
seriam: nós duas em conflitos, com uma criança pequena?
Consegue enxergar o tamanho do problema que teríamos?
— Você acha?
— Eu tenho certeza. Vemos isso acontecer a todo tempo,
pessoas criando vínculos como esse, na tentativa de consertar um
relacionamento em decadência. Olhe como nós estamos crescendo
juntas, tendo a oportunidade de planejarmos o nosso futuro. Temos
os nossos problemas, sim, mas estamos conseguindo resolver, com
cautela e respeito.
— Faz sentido — ela responde, demonstrando estar
pensativa sobre o que estamos conversando. Estou feliz, porque
sempre nos entendemos sem brigas desnecessárias. E até mesmo
quando discutimos, às vezes, paramos e mudamos o rumo, para
não virar algo pior. — Eu acho que você tem razão, não seria bom
trazer uma nova criança para o meio de tantos conflitos.
— Exatamente.
— E você acha que agora é o momento certo? Eu não quero
ter filhos, Camille. — Sua fala me choca tanto, que fico
momentaneamente sem reação. Os olhos dela refletem aquela
mesma dor: sempre que tocamos nesse assunto, ela me olha desse
jeito. Isso me sufoca, queria poder arrancar tudo de ruim de dentro
dela. Estou disposta a ajudá-la da melhor forma possível.
— Você não quer?
— No momento, amor. Desculpe-me, acho que me expressei
errado. Eu quis dizer que ainda não me sinto pronta para tentar de
novo.
— Eu sei, meu amor, eu sei. — Solto as suas mãos para
segurar o seu rosto. Ela parece tão frágil, olhando-me como se
pudesse desmoronar a qualquer momento. — Não quero que pense
que estou dizendo isso para te convencer a engravidar de novo.
Tudo vai ser no seu tempo.
— Camies, você acha que algum dia eu vou conseguir? —
sua voz sai em um tom tão sofrido e inseguro, que me faz sentir
uma vontade absurda de envolvê-la em meus braços e protegê-la
de tudo que esse mundo possa usar para feri-la. A Luna merece o
melhor, e eu espero, de verdade, que o destino seja bondoso com
nós duas quando ela resolver tentar outra vez.
— Eu tenho total certeza disso, meu amor. Nunca duvide da
sua capacidade para nada.
Ela concorda com a cabeça, fazendo um bico tão adorável,
que não resisto e a beijo. Luna suspira, separando os lábios para
encaixá-los nos meus. O nosso beijo é gostoso, cheio de amor. Eu
acho incrível como eu consigo sentir tudo o que ela me transmite
apenas com esse gesto.
Beijar alguém que você ama de verdade deve ser uma das
maiores maravilhas do mundo. Sentir em um toque de lábios que
toda a sua vida está em constante mudança, por causa daquela
pessoa, é a mesma sensação de flutuar no céu: você não tem
certeza se a queda será boa, mas não tem medo dela.
Desde o primeiro momento em que a beijei, eu tinha certeza
de que nunca mais seria a mesma. Nunca mais serei capaz de ser
somente minha, pois uma parte de mim sempre será dela, não
importa o que aconteça.
— Você quer engravidar? — ela pergunta, de repente,
quando paramos de nos beijar. Esse é o momento que fico nervosa.
Nosso filho é fruto de uma gestação minha bem-sucedida, e sei o
quanto isso gerou conflito entre nós duas no passado e não quero
que aconteça outra vez.
— Amor...
— Não sinta medo de mostrar a sua vontade. Eu estou vendo
no seu olhar, a conheço o suficiente para desvendá-lo. Você quer,
não quer?
— Muito. Eu não sei explicar, mas aqui dentro... Só consigo
pensar nisso. Quero reviver todas as sensações de que me esqueci,
como a de gerar uma vida, de receber o seu carinho. Quero tudo,
até mesmo as sensações ruins.
— Eu sempre vou apoiar você em tudo, principalmente nisso.
Entendo o seu desejo, a sua dor por não conseguir se lembrar de
como foi com o carinha, e espero que saiba que não falo para te
agradar. Vai ser incrível ver você grávida outra vez.
Não sou capaz de segurar as lágrimas de emoção ao ouvi-la.
Sentir toda a sinceridade dela, ao me apoiar, é a melhor coisa que
poderia acontecer. Eu sei que pode nem dar certo comigo também,
mas ela estará ao meu lado, e nada mais importa.
— Não estou dizendo que vou tentar engravidar agora. Eu só
quero que saiba da minha vontade, e no momento certo as coisas
vão acontecer.
— Eu estou do seu lado, vou permanecer aqui em todos os
momentos.
Quando termina de falar, ela se estica até poder me beijar.
Envolvo os meus braços por trás de seu pescoço, arrastando-me
para perto dela, sentindo-a me envolver pela cintura. Nosso beijo,
como sempre, é repleto de amor, lento e delicioso ao mesmo tempo.
Luna se deita lentamente e fica por cima de mim.
Eu sei que ainda precisamos conversar muito sobre o
assunto, mas, no momento, a única coisa que quero é me entregar
a ela mais uma vez e fazer amor até desmaiarmos de exaustão.
Seguro a câmera contra o meu rosto, cantarolando uma das
músicas que toca no rádio. Faço diversas caretas, divertindo-me,
porque o dia tem tudo para ser maravilhoso. Os meus cabelos ainda
estão molhados, então os balanço, na intenção de poder secá-los, e
olho para o lado, para observar a minha namorada atenta à estrada.
— Luna e eu fomos à praia, porque hoje é o nosso primeiro
aniversário de um ano de namoro — confidencio para a câmera.
Estou me acostumando com essa ideia de gravarmos os nossos
momentos. Luna adora, e eu estou começando a gostar. — Amor,
aonde estamos indo agora? Pare de rir de mim!
Ela gargalha da minha animação, fazendo-me dar um tapa
em seu ombro.
— É uma surpresa, princesa.
Reviro os olhos e olho para a câmera.
— Eu odeio surpresas, mas estou tão animada! — exclamo e
começo a dançar no ritmo da música. Ouço a risada da minha
namorada ao meu lado, mas não paro de me mover. Eu gosto de
diverti-la com as minhas idiotices, e estou realmente animada e feliz.
Hoje é um dia especial, tudo pode acontecer.
O vídeo acaba, e aparece uma mensagem desejando muitos
anos para nós duas, com a assinatura dela. Ah, se aquelas duas
jovens imaginassem tudo que aconteceria com elas anos depois.
Luna está ao meu lado, agarrada à lateral do meu corpo, e estamos
em nosso quarto, assistindo a alguns vídeos da nossa época de
namoro.
— Será que você está pensando o mesmo que eu? —
pergunto-lhe, atraindo a sua atenção para mim. Luna inclina a
cabeça um pouco de lado e sorri.
— Depende, você está pensando o quê?
— Que aquelas duas garotas ali nem imaginavam tudo que
aconteceria na vida delas.
O sorriso no seu rosto fica ainda maior, fazendo-me sorrir por
reflexo.
— Verdade, mas ainda bem que as coisas deram certo como
deveriam. Hoje, sou casada com a mulher mais linda do mundo.
— Ah, isso é verdade. Sorte a sua.
— Quem está sendo arrogante agora? — Luna cutuca minha
barriga, fazendo cócegas, e eu me encolho no automático, tentando
escapar do contato. — Mas tem razão, sou muito sortuda. —
Seguro seu queixo e me curvo para beijar a sua boca rapidamente.
— Nós somos — sussurro, antes de beijá-la mais uma vez e
me afastar. — Qual foi a surpresa que você me fez?
— Nós fomos para o nosso lugar, é claro. Eu tinha preparado
tudo para termos um jantar romântico perfeito e mostrar-lhe aquele
mural de fotos.
— Você o montou como uma parte da surpresa?
— Sim.
— Nós já dormíamos juntas naquela época?
— Você quer dizer dormir de apenas se deitar e dormir ou...?
— Os dois.
— Bom, nossa primeira vez aconteceu no dia que
comemoramos um ano de namoro, mas já tínhamos dormido juntas
outras vezes.
Eu tento resgatar aquele momento em minhas memórias,
mas estou frustrada por só visualizar um grande nada. É
angustiante a sensação de saber das coisas e não ter lembranças
desses momentos. Queria muito ser capaz de poder voltar àquele
dia e viver tudo de novo.
— Nós duas tivemos a nossa primeira vez?
— Claro! Apesar de ter sido doloroso, foi bom.
— Eu te machuquei?
— Machucar não é a palavra certa. Você sabe que a primeira
vez costuma doer, é totalmente normal, da mesma forma que
alguém pode sentir apenas um desconforto. Eu, por exemplo, senti
bastante dor, mas não quer dizer que tenha sido ruim. —
Provavelmente estou fazendo uma careta nada agradável, porque
ela rapidamente se senta na cama e segura as minhas mãos. —
Não faça essa carinha. Foi incrível da forma que foi. Sentir você me
tornar a sua mulher é uma das melhores lembranças que eu tenho.
— Queria me lembrar também.
O olhar dela rapidamente ganha um brilho de dor, e sem dizer
nada, me puxa para os seus braços. Não estou com vontade de
chorar, mas sinto como se o meu coração estivesse prestes a ser
rachado. É ruim demais não me lembrar do meu passado, parece
que todas as tentativas são inúteis. Tanto tempo se passou, e o que
tenho são sensações de déjà-vu.
— Se eu pudesse, trocaria de lugar com você. — Não
respondo nada, apenas me mantendo quieta nos braços dela,
recebendo os seus carinhos. — Você sabe que eu seria capaz de
tudo para não te ver sofrer assim.
— Eu sei, meu amor. — Pego as suas mãos e beijo as
pontinhas dos dedos. Luna beija o topo da minha cabeça e me
mantém ali, mimando-me e cuidando de mim, como sempre faz. Eu
tenho certeza de que as coisas não estariam sendo da mesma
forma, se fosse outra pessoa no lugar dela. Não consigo imaginar
quem nesse mundo seria capaz de me amar e me cuidar como ela.
— Quer saber uma coisa engraçada que aconteceu na nossa
primeira vez?
— O quê?
— Você nos derrubou da cama — ela diz em meio ao riso,
fazendo-me virar o rosto e encará-la, sem acreditar. — É sério.
— Como assim?
— Você estava tão ansiosa para fazer as coisas certas, que
acabou girando nós duas com muita força, e caímos no chão.
Não sou capaz de segurar a gargalhada. Estou imaginando a
cena e consigo visualizar quase que perfeitamente esse momento.
— Isso é tão a minha cara.
— Realmente, mas foi bom, porque quebrou um pouco da
tensão que estávamos sentindo.
— Luna, você consegue imaginar como a nossa vida estaria,
se nada tivesse acontecido comigo? — Minha pergunta parece
despertar a sua curiosidade instantaneamente, fazendo-a olhar para
um ponto fixo qualquer. Eu deduzo que a sua cabeça esteja criando
possibilidades desse possível cenário. Sou incapaz de fazer isso,
porque não tenho noção de como estavam as coisas antes de tudo
acontecer, mas eu acho que ela consegue ter pelo menos alguma
ideia.
— Posso ser bem sincera com você? Acho que
provavelmente estaríamos, agora, passando pelo processo de
divórcio. Não conseguíamos mais conversar. Tem noção de que, se
eu tentar me lembrar, nem sou capaz de dizer qual foi a última vez
que tivemos uma conversa parecida com essa?
— Meu coração fica apertado por imaginar como as coisas
estavam antes de tudo isso acontecer. Gostaria apenas de saber o
que se passava na minha cabeça naquela época, porque hoje eu
olho para você e morro de medo de que você não me queira mais.
— Isso não vai acontecer.
— Eu sei disso, mas sei porque as coisas estão se
acertando. Você também é um ser humano, não é idiota, muito
menos aceita qualquer coisa. Eu a conheço o suficiente para ter
consciência disso, e me preocupa muito que a gente acabe voltando
àquele ponto.
— Tudo começou a ficar bem ruim quando paramos de
conversar sobre o que nos incomodava. Tudo muda com o tempo.
Provavelmente algumas coisas a desagradavam, mas você nunca
conversava comigo. Eu sentia, sabe? Sentia que tinha algo errado,
mas todas as vezes as nossas tentativas de conversas acabavam
da mesma forma.
— Em briga desnecessária.
— Exatamente.
Suspiro longamente, e a minha cabeça está até doendo. Não
sei dizer ao certo se pela falta de lembranças ou se pelo sentimento
de que elas estão tentando me mostrar alguma coisa, porque fico
forçando para me lembrar de tudo. Eu acho que não existe o que
fazer, além de esperar que as coisas se resolvam da forma que
devem. Isso obviamente não inclui o meu relacionamento com a
Luna, porque podemos e devemos cuidar da nossa relação e nunca
deixar que tudo piore como antes.
— Podemos sempre conversar sobre os problemas, e mesmo
que cause uma briga, vamos tentar resolver de forma adulta e
sincera.
— Nós faremos. — Ela sorri para mim, e eu acaricio o seu
rosto com o meu dedo polegar da mão direita. Sua pele é tão lisa,
macia e quentinha, como ela. Já disse que a amo tocar? — Às
vezes, eu penso se isso tinha realmente que acontecer para tudo
melhorar.
— Eu acredito que sim, amor. O nosso destino é vivermos
juntas, e não acho que seja capaz de nos separar.
— Alguma coisa sempre me traz de volta a você.
Sorrio e sinto o meu coração se encher de amor e carinho por
essa mulher. Não evito me aproximar para beijá-la lentamente,
sentindo os nossos lábios se unirem, como um passo de dança
perfeito.
— Eu espero que essa coisa continue trazendo-a para mim
sempre. — Voltamos a nos beijar durante mais um tempo. Um som
do lado de fora atrai a minha atenção, e percebo que a chuva está
caindo do lado de fora. — Quer fazer uma loucura?
— Faço qualquer coisa com você, minha princesa.
— Vamos dançar na chuva?
Luna franze o cenho e olha pela janela, só então notando que
está chovendo. Ela abre um enorme sorriso, voltando a me encarar,
e os seus olhos brilham, como se fosse uma criança na manhã de
Natal.
— Eu sempre serei a sua parceira de dança — ela diz,
enquanto se põe de pé. Estou com um sentimento jovial, como se
tivesse realmente voltado ao passado. Coisas assim não são feitas
por adultos. — Vamos. — Ela estende a mão para mim, e eu a
acompanho. Não existe nenhuma outra pessoa nesse mundo que
eu deseje como parceira de dança. Luna é o meu par, e eu sei que
sempre será ela.
Quando chegamos ao quintal, ela rapidamente se encaminha
para o meio do jardim, abre os braços e olha para cima, enquanto
sente a chuva molhar o seu corpo. A minha visão fica um pouco
turva. De repente, acontece uma coisa estranha, que não tinha
acontecido até então: tenho uma lembrança do passado, de quando
éramos jovens e fizemos algo parecido. Luna me olha como na
lembrança, esperando-me para dançar.
Sinto a chuva grossa cair sobre mim, molhando-me por
completo, mas não tento fugir dela. Luna me puxa para perto da
lagoa. Ela simplesmente decidiu que seria uma boa ideia dançarmos
na chuva ou algo assim.
— Eu sempre acabo cedendo às suas loucuras.
— Porque você me ama — ela responde, toda cheia de si,
fazendo-me revirar os olhos e rir. Esse jeito arrogante dela faz eu
me apaixonar ainda mais. Sempre. — Acho que a chuva é uma
coisa nossa, sabia?
— Com certeza, você ama me arrastar para a chuva com
você. Eu só espero que a gente não pegue uma gripe.
— Se tem alguém que vai pegar alguma coisa aqui sou eu,
pegando você.
— Luna!
Não evito lhe dar um tapa no ombro, tentando me afastar. A
minha namorada idiota acha graça e me mantém presa em suas
mãos, impedindo-me de me afastar. Ela adora fazer esses
comentários safados em todos os momentos, e sempre fico sem
jeito com eles.
Mas eu gosto.
— Você sabe que amo você, certo?
Estamos uma de frente para a outra, e os meus braços, como
de costume, ficam agarrados em seu pescoço, enquanto as mãos
dela seguram a minha cintura. Eu simplesmente amo ficar assim
com ela, sinto-me protegida. Um enorme sorriso surge em meus
lábios. Estou acostumada a ouvi-la dizer que me ama, mas sempre
me causa diversas sensações.
— Eu sei muito bem disso.
Luna parece muito emocional, tem estado assim durante toda
a semana. Parece mesmo que ela adivinhou que vou pedi-la em
casamento. Sim, eu tenho esperado o momento certo para isso,
desde quando tomei coragem de comprar a aliança de noivado.
Fiquei meses juntando dinheiro e finalmente consegui comprar a
aliança perfeita. Eu acho que hoje é o dia perfeito.
— Cada momento com você parece renovar a minha vida.
— Você está tão poética hoje. Inspirou-se?
— Você me inspira todos os dias, meu amor. — Ela se inclina
para a frente e sela os nossos lábios. Suspiro, quase derretendo em
seus braços. O efeito do beijo dela em mim é sempre impactante. —
Eu estou nervosa.
— Por quê?
— Você me deixa nervosa.
— Pensei que tivéssemos passado dessa fase há muito
tempo — brinco com ela, notando que o sorriso que Luna abre não
é exatamente comum, é estranho, parece estar escondendo algo.
Os seus olhos parecem aflitos. — O que está acontecendo?
— Eu... eu estou pensando em como dizer isso.
— Amor...
Estou ficando nervosa, assim como ela está. A chuva não
cessa, e os fios de cabelo começam a escorrer por minha face,
fazendo com que eu precise retirá-los da frente dos meus olhos
várias vezes. Luna aproveita a brecha de afastamento que temos e
respira fundo, começando a se agachar no chão. Fico
automaticamente preocupada que ela possa estar passando mal,
mas os meus olhos quase saltam para fora quando noto o real
motivo de estar fazendo aquilo.
Eu não acredito que ela vai...
— Faz tanto tempo que quero fazer isso e não conseguia
encontrar coragem.
— Você...
Sim, ela realmente vai fazer o que estou pensando.
Em choque, levo as minhas mãos até a boca, desacreditada
no que está acontecendo. Meu coração está acelerado no peito.
Luna, aparentemente ainda mais nervosa, retira do bolso a pequena
caixinha de cor preta.
— Eu ensaiei tanto esse momento, mas agora, aqui, de
joelhos para você, prestes a pedir-lhe uma coisa que mudará as
nossas vidas para sempre, percebo que não adiantaram os ensaios.
Os meus olhos estão cheios de lágrimas, e são lágrimas de
emoção, carinho e todos os sentimentos bons que tenho em relação
a ela. A Luna é o amor da minha vida e agora estou vendo a mulher
dos meus sonhos prestes a me pedir em casamento. Como posso
reagir de forma diferente, se não me emocionando?
— Amor...
— Sim, você sabe o tamanho do meu amor por você. Todas
as coisas que passamos, durante todo esse tempo que estamos
juntas, nada é capaz de mudar a admiração que tenho por você ser
quem é e por quem está se tornando. É maravilhoso acompanhar o
seu crescimento como mulher e como a minha mulher. Eu adoro ser
cuidada por você, adoro compartilhar momentos importantes e criar
memórias. Quero ser pra você uma pessoa cada vez melhor. — Ela
pausa e respira fundo, antes de continuar: — Eu posso falar
diversas coisas, mas você sabe de tudo. Estou disposta a dividir a
minha vida com você ainda mais, correta e seriamente, com esse
compromisso que é para a vida toda. Eu só preciso que você me
responda: aceita se casar comigo?
— Sim! — a minha resposta é imediata, e eu me jogo em
cima dela, enchendo-a de beijos, enquanto repito diversas vezes a
confirmação que ela queria ouvir, e eu queria tanto dar. — Sim! Sim!
Sim! Mil vezes sim.
Luna me agarra com força, gargalhando, em meio ao choro
de emoção. Nós duas estamos rindo e chorando ao mesmo tempo,
trocando beijos e carinhos, declarações silenciosas e promessas
mudas de que vamos oficializar a nossa união para sempre. Não
existe momento mais mágico na minha vida do que esse.
— Você é a mulher da minha vida — ela sussurra, afastando-
se um pouco de mim, retira a aliança da caixinha e, com as mãos
trêmulas, segura a minha para colocá-la. — Eu sei que as alianças
de noivado geralmente são cravadas com diamante ou algo assim,
mas essa é especial para mim e para toda a minha família. Eu
espero que-
— Shhh! Não preciso de joias caras, pode ser de plástico,
meu amor. Minha única vontade é ser a sua mulher de uma vez por
todas, no papel e na vida. Nós duas unindo as nossas vidas, os
nossos sobrenomes. Ela é linda.
Luna abre um enorme sorriso, satisfeita, ao me ouvir. Ela
segura a minha mão esquerda e coloca a bela aliança, que tem uma
pérola muito bonita. Quando a termina de colocar, beija a aliança,
fechando os olhos, e isso enche o meu coração de amor.
— Obrigada por me aceitar.
— Nunca negaria você, meu amor.
Eu seguro o seu rosto e a puxo para um beijo. Luna não
perde tempo, intensificando o nosso contato. Suas mãos, como
sempre, estão em minha cintura; as minhas, no pescoço dela.
Perdemos a noção do tempo, envolvidas nesse momento, com a
chuva caindo sobre nós. Nem nos importamos de estarmos
molhadas e sujas, tudo o que realmente importa é a felicidade que
acabamos de compartilhar.
Vou me casar com o amor da minha vida. Não existe nada
que possa superar isso agora.
— Venha, vamos dançar um pouco, ainda está chovendo —
ela diz, quando finalmente nos afastamos, fica de pé e estende a
mão para mim. Eu aceito de bom grado e, quando me ergo em
frente a ela, lembro-me de algo que está em meu bolso e rio. Luna
me olha, sem entender.
— Sabe de uma coisa engraçada?
— O quê? — Levo a minha mão até o bolso do macacão que
estou usando e tiro a caixinha que contém uma aliança. — Camille,
isso é...?
— Sim, é uma aliança. Eu planejei pedi-la em casamento
também.
Luna abre a boca, sem acreditar, e então, explodimos em
gargalhadas. Seria cômico uma coisa dessas, se não fôssemos nós
duas.
— Você é realmente o amor da minha vida.
Existe alguma dúvida em relação a isso?

O meu coração está acelerado, acabo de me lembrar de uma


coisa sobre nós duas. Estou cheia de esperanças.
Será que vou conseguir me lembrar de tudo?
Capítulo 34 - Pronta
Tudo parece fora do lugar.
É o meu primeiro pensamento, ao acordar e perceber que
não estou no quarto que divido com a Luna. O pavor começa a
crescer dentro de mim quando me dou conta de que conheço esse
lugar. Olho em volta, fico ainda mais apavorada, ao saber o que está
acontecendo, e corro para o banheiro apenas para confirmar.
— Não pode ser. — Toco o meu rosto com as mãos, não
querendo acreditar na imagem que está refletida à minha frente.
Estou jovem outra vez, de volta ao passado. Está noite ainda, não
posso acreditar. — Não, por favor. Não! Não! — eu repito sem parar
e saio do banheiro com as mãos nos meus cabelos. Meu coração
está prestes a rasgar o meu peito, a respiração está ficando pesada,
porque estou sentindo o meu ar faltar. Não é possível que os últimos
meses tenham sido apenas uma fantasia da minha cabeça.
— Você viu que a Luna saiu da UTI?
Minha irmã entra, de repente, em meu quarto, afobada e, ao
mesmo tempo, com um enorme sorriso no rosto. Fico confusa,
assimilando o que ela havia acabado de me dizer.
— Ela o quê? — minha voz quase não sai, parece que tem
espinhos na minha garganta.
— Ela vai ficar bem. Eu disse que tudo daria certo na cirurgia.
— Como assim? De que está falando? O que aconteceu com
ela?
Belinda me olha, sem entender, segurando em meus ombros
para analisar o meu rosto. Sinto vontade de chorar. Não sei o que
aconteceu antes nem agora, estou apavorada. Quero que tudo volte
ao normal.
— Luna sofreu um acidente de moto na semana passada.
Você está bem? Parece prestes a desmaiar. Camille! — Ouço a voz
da minha irmã ficar distante e não percebo exatamente em qual
momento as minhas vistas ficaram escuras, mas tudo o que ouço,
antes de cair para a frente, é o chamado dela.
Buscando desesperadamente o meu fôlego, eu me ergo na
cama, ofegante e sentindo o meu corpo quente, como se eu tivesse
acabado de entrar em uma fogueira. Olho à minha volta,
percebendo que tudo está escuro. Acendo a luz do meu abajur e
quase choro de alívio ao olhar para o lado e visualizar a imagem da
minha esposa adormecida, totalmente alheia ao meu pavor.
Foi apenas um pesadelo, ainda bem.
Engulo saliva, volto a deitar e fico bem perto dela. Luna está,
como de costume, com as mãos debaixo de seu travesseiro e a
boca levemente separada, sendo possível ouvir a sua respiração
sair baixinha e calma. Tão linda e tão minha.
Que sensação ruim por imaginar que tinha acontecido algo
com ela e que estávamos de volta ao passado.
Olhando para ela agora, depois de ter sentido tanto medo de
não a ter comigo, sinto a intensidade do sentimento que nutro por
ela. Sempre imaginei que amar fosse difícil demais, mas acontece
que ela faz parecer tão fácil. Não demorei muito a me apaixonar e a
amar outra vez.
Se eu precisasse fazer tudo de novo por mil vezes, nas mil
vezes eu a amaria de novo. É inevitável. Lembro-me de ouvir o meu
pai dizer diversas vezes que “Se a pessoa estiver destinada a você,
independentemente de tudo, vocês vão se reencontrar, mesmo que
para isso seja necessário se reconhecerem mil vezes.” Eu tenho
certeza de que, nesta e nas próximas vidas, ela e eu continuaremos
nos encontrando. Tem essa coisa que nos mantém unidas e parece
forte demais para tentar correr. É fácil demais amá-la, é gratificante
ser dela e é uma honra dividir a nossa vida.
Luna realmente me conhece: a Camille do passado, a do
presente, a do futuro e todas as loucuras e medos que estão na
minha cabeça. Ela realmente me conhece e me ama como eu sou,
com imperfeições e perfeições. Mesmo no passado, quando não
esperava que fosse capaz de amar tanto alguém e me entregar
totalmente à pessoa, eu sempre esperei por algo assim. Hoje, sou
grata por tê-la comigo, me amando e cuidando de mim.
— Hunf... por que está me encarando assim? Deixe de ser
estranha. — Ouço o seu resmungo repentino, a voz rouca e
sonolenta. Luna respira fundo e vira a cabeça para o outro lado,
tentando me ignorar e fugir do meu olhar. Eu abro um sorriso,
jogando a minha perna sobre ela e grudando em seu corpo. Minha
esposa reclama, mas não consigo entender o que diz. Esse jeito
rabugento é porque acordou fora de hora.
— Eu amo você — sussurro e não tenho ideia se ela ouviu,
porque parece ter dormido outra vez. Não importa, sei que o meu
amor é sentido por ela todos os dias, e cada vez mais.
O beijo da Luna não foi o meu primeiro, mas foi o único que
realmente importou, da mesma forma que não foi a primeira pessoa
de quem gostei, mas sempre vai ser a única que eu amei e
continuarei amando. Mesmo que eu pudesse voltar ao passado, não
mudaria nada na nossa história, porque tudo isso nos trouxe até
aqui. E tenho muito orgulho de quem fomos e de quem somos hoje.
No dia seguinte, quem me acorda é ela, sentada sobre mim,
massageando os meus ombros. Solto um gemido prazeroso,
amando ter as mãos dela aliviando os meus músculos. Luna sabe
fazer massagem como ninguém nesse mundo.
— Bom dia, amor da minha vida. Eu amo você, sabia? —
Sem parar de apertar os meus ombros lentamente, inclina-se sobre
mim para sussurrar em meu ouvido. Um arrepio sobe pelo meu
corpo, fazendo-me fechar os olhos com força. — Gostosa.
— Acordou inspirada hoje? — minha voz está grogue e
rouca. Ainda estou sonolenta, e as mãos dela tocando no meu corpo
funcionam como faísca, acendendo a chama dentro de mim. Como
ela consegue me deixar tão mexida com tão pouco?
— Você me inspira sempre. — Sua frase tem reação
instantânea no meu corpo. Lembro-me perfeitamente da lembrança
que tive com ela, do pedido de casamento. Luna ficou tão feliz ao
me ouvir falar, toda animada por ter lembrado isso.
Estamos tão perdidas neste momento, que nem percebemos
que alguém está batendo à porta e chamando-nos. Luna resmunga
alguma coisa, fazendo-me apenas murmurar uma concordância em
resposta. Eu nem sei o que pode ser, mas tenho a minha resposta
quando sinto os movimentos na cama e olho para o lado,
deparando-me com o meu pequeno filho, agitado, saltando sobre o
colchão.
— Hoje é dia de panquecas com chocolate. Mommy, a
senhora prometeu.
Impossível não sorrir com a animação desse menino. Eu o
amo, faço quase tudo o que ele quer. Sim, quase tudo, porque não
se pode oferecer tudo a uma criança, eles são seres perigosos e
muito criativos. Acreditam que o Louis pediu uma visita à Nasa
como presente de aniversário? Eu nem imagino o preço que deve
ser para conseguir uma coisa dessas.
— Isso é verdade, meu amor. Também estou ansiosa para
isso.
Olho de Luna para nosso filho, encontrando o mesmo olhar
naqueles belos olhos verdes que os dois têm. Eu acho incrível como
eles se parecem tanto, nem parece que eu o gerei. Se não fosse a
boca idêntica à minha e os seus cabelos castanhos, eu juraria que
ela fez esse filho em mim. Da mesma forma que são extremamente
parecidos na aparência, os dois também sabem agir igualmente
para me convencer a tudo.
Como eu seria capaz de resistir?
— Vou tomar banho e descer para preparar o nosso café da
manhã. Será que vocês dois podem pegar todas as coisas
necessárias, enquanto eu me apronto?
— Claro! — Louis é o primeiro a concordar, saindo da cama e
correndo para fora do quarto. Meu coração acelera um pouco de
preocupação, ao vê-lo saltar da cama.
— Já te falei para não fazer essas coisas, carinha — Luna o
repreende, mas nem sei se ele ouve, pois é impossível não ouvir os
passos dele correndo pela escada — outra coisa que me deixa
apavorada de medo. — Parece que esse garoto não ouve o que se
fala com ele.
— Depois, conversarei com ele, também não gosto de vê-lo
correr risco de se machucar. — Levanto-me da cama, buscando os
meus chinelos com os pés para ficar de pé. Prendo os cabelos e
puxo a minha blusa para cima, na intenção de me despir. — Eu
acho melhor você vigiá-lo na cozinha, antes que quebre alguma
coisa.
— Não prefere que eu tome banho com você? — Ouço os
passos dela se aproximando de mim quando já estou no banheiro.
Um sorriso surge em meu rosto quando abaixo o meu short junto da
calcinha, olho para trás, por cima do ombro, e encontro o seu olhar
fixo em mim. Eu já disse que a amo provocar?
— Eu prefiro que você faça o que eu pedi, antes que nosso
filho se machuque.
— Pediu?
— Sim. — Entro no box, abro o chuveiro, ajusto a
temperatura da água e olho para ela, que continua parada no
mesmo lugar, analisando o meu corpo. — Ou você prefere que eu
mande?
Ela abre um sorriso e ameaça se aproximar, mas a encaro
seriamente, para demonstrar que não estou brincando. Minha
esposa ergue as mãos, em sinal de rendição, e faz menção de sair
do banheiro.
— Vou te esperar lá embaixo — é o que ela fala, antes de
finalmente me obedecer, e sorrio, satisfeita, entrando aos poucos na
água, para tomar banho.
Um bom tempo depois, eu estou pronta, com a roupa que vou
para o trabalho e preparada para fazer o café da manhã, mas a
minha visão, ao invés de trazer animação, traz estresse.
— Eu posso saber que bagunça é essa? — questiono ao
observar a minha querida e amada esposa despejando uma boa
quantidade de calda de chocolate na boca aberta de nosso filho. Ela
me olha, assustada, e ele, em seguida, com o rosto todo sujo de
chocolate. Não acredito que a Luna fez isso.
— Estamos testando a minha pontaria — ela rapidamente se
justifica, virando-se para colocar o pote de calda sobre a pia. Eu viro
a cabeça um pouco de lado, fuzilando-a com o olhar. — Amor...
— Quieta. Testando sua pontaria? A sua pontaria é péssima!
Veja o que você fez no rosto do Louis — eu falo e aponto para o
pequeno, que tem chocolate na testa e um pouco na roupa. — Sorte
a sua que está cedo e ele ainda não se arrumou para o colégio.
— Mommy...
— Você também fique quieto. Os dois estão errados. Louis,
suba para tomar outro banho e se arrumar. Aproveite e coloque o
uniforme, porque hoje é dia da foto, e você sabe. — Ele concorda
com a cabeça, passando as mãos em seus cabelos, para evitar que
entrem em contato com o doce em seu rosto. Quando o nosso filho
sai da cozinha, a minha atenção se volta para a idiota que chamo de
esposa. — Bonito, não é? Perdeu a voz?
— Desculpe, amor, eu acabei me empolgando. — Ignoro as
suas desculpas, aproximando-me do balcão da ilha para começar a
separar as coisas e preparar as panquecas. Espero que ainda tenha
calda de chocolate. Eu deveria não fazer mais nada, para ensinar-
lhes uma lição, mas não sou tão má assim. Ou será que sou?
— Preparou o café?
— Sim.
— Levou o lixo para fora? Hoje é dia.
— Sim, e coloquei as roupas sujas na lavanderia.
— Hm...
— Estou perdoada? — Ela para bem atrás de mim,
segurando a minha cintura e beijando as minhas costas. Eu a
ignoro, tentando me concentrar no que estou fazendo. — Hein, meu
amor?
— Luna, daqui a pouco o nosso filho volta. Comporte-se!
— Então, diga que estou perdoada.
A sua mão atrevida desliza em minha bunda, migrando para
a frente lentamente. Eu olho para a porta por reflexo, verificando se
o nosso filho não está vindo. Dou um tapa na mão, para que ela
pare. Luna faz um som de dor, mas não ligo.
— Você terá muito tempo para tentar buscar o seu perdão
mais tarde.
— Hm... Entenderei isso como um convite.
Jogo os meus cabelos para o lado e a olho por cima do outro
ombro, abrindo um sorriso cheio de maldade.
— Não é um convite, é uma ordem.

— Estou sendo trocado aos poucos — Diego fala de repente,


para que todos ouçam, causando risadas às pessoas que estão na
sala. Eu rio de seu drama também e prendo os meus cabelos,
enquanto caminho até o centro da sala.
— Você está em boa companhia, e eu estou em ótima
companhia. — Pisco para ele, colocando as minhas mãos sobre os
ombros de minha esposa. Luna decide me acompanhar e fica
animada quando a convido para ser a minha parceira de dança, até
cancela os seus compromissos para ficar ao meu dispor. Ser
prioridade na vida de alguém é uma sensação gostosa, não é?
Faço sinal para iniciarem a música, e não demora muito para
as batidas começarem. O meu olhar se encontra com o dela, e
começamos a nos mover devagar. Eu sinto as suas mãos firmes
cravadas em minha cintura, apertando a minha carne de maneira
deliciosa, fazendo-me suspirar. Diferente do meu habitual parceiro
de dança, minha esposa não se importa em não ser profissional, e
eu adoro isso, porque a maneira que ela me toca me deixa maluca.
As suas mãos passeiam pelo meu corpo discretamente, porém com
intensidade. O jeito como toca nos lugares certos, de modo sensual,
só ajuda a atiçar os meus desejos internos. Dançar exige muita
sensualidade, e dançar acompanhada exige bastante da sua libido.
Quando ela me gira, sinto o ar quente tocar a minha nuca,
arrepiando os pelos do meu corpo. Ela me puxa contra o seu
quadril, movendo-se de um lado para o outro, no mesmo ritmo que o
meu. Ela se afasta e me vira de frente, com os olhos fixos nos
meus.
Vejo o brilho de admiração e desejo em seu olhar. Isso me
enlouquece.
Como essa mulher consegue me afetar tanto?
Um passo para trás e outro para a frente, de lado, outra vez
de costas. Quando os nossos olhos voltam a se encontrar, sinto-me
nua sob aquele olhar intenso, e Luna sorri de lado. Ela sabe o que
me causa. Quando me puxa contra si outra vez, as pernas se
enfiam automaticamente entre as da outra, deixando-nos unidas.
Quando rebolo contra a sua coxa, sinto apertar a minha lombar com
a mão que está espalmada ali. Sorrio, porque sei provocá-la
também.
Estamos em sincronia, como tudo em nossas vidas.
Afastamo-nos outra vez, com as mãos dadas, fazendo alguns
passos. A sua boca marcada pelo batom vermelho, de cor viva,
chama a minha atenção, e sinto uma enorme vontade de beijá-la.
Porra.
Eu tenho uma esposa quente como o inferno. Perigosa como
um demônio.
Quando a música está para acabar, ela me puxa para perto, e
uma de suas mãos segura a minha perna e a ergue, deixando-a na
altura de seu quadril. Seguro em sua nuca, olhando diretamente em
seus olhos. Iria beijá-la, mas o som de palmas e gritos faz eu me
afastar rapidamente. Estou ardendo, queimando por dentro. O meu
maior desejo é deitá-la neste chão e foder sem fim. Sim, foder, de
maneira bruta e selvagem, deixá-la toda marcada e ficar com as
marcas dela também. Quero senti-la dentro de mim por dias e fazer
o mesmo com ela.
Não sei que magia é essa que ela tem sobre mim. Nunca
pensei que eu me tornaria esse tipo de pessoa extremamente
sexual. Entre nós duas, Belinda sempre foi a mais para a frente,
sempre fez questão de contar toda e qualquer experiência sexual
que tinha com outra pessoa. Quando eu ainda nem tinha dado o
meu primeiro beijo, ela já era profissional em fazer um cara ter
orgasmo.
Eu era tão inocente.
— Muito bem, pessoal. Acho que vocês estão cada vez
melhores — eu os elogio e recebo aplausos em troca, além de
muitos comentários felizes. — Se quiserem, podemos repetir, mais
lentamente dessa vez.
Internamente, torço para que a maioria responda sim, e
felizmente sou atendida. Quero me aproveitar um pouco mais dela,
da melhor maneira possível. É delicioso brincar de provocar uma
pessoa em locais proibidos.
Venha, amor. Vamos refazer tudo — Luna murmura, de
repente, ao pé do meu ouvido, puxando-me contra ela e
pressionando o seu púbis contra a minha bunda. Isso me faz ofegar.
Eu sabia que não era a única com pensamentos pecaminosos.
Olho-a por cima do ombro, recebendo um sorriso sem-vergonha.
— Você está adorando me provocar, não é?
Luna me gira de frente para ela, segura o meu rosto e, com
os dedos, pressiona a minha nuca, enquanto os seus polegares
apertam a minha mandíbula. A sua boca encosta na minha, dando-
me um longo selinho.
— Eu amo te provocar, mas você sabe disso e adora. — Não
posso rebater o que ela diz, porque a nossa atenção é voltada aos
alunos, ansiosos para repetirem a dança que fizemos antes. Tento
me concentrar e ser o mais profissional possível, as provocações eu
posso rebater depois. Inclusive, espero que ela esteja preparada
para as coisas que estou planejando para nós duas.
Luna tem essa pegada maravilhosa, que me faz esquecer de
tudo ao meu redor, e eu simplesmente não consigo evitar de me
entregar todas as vezes, como agora, por exemplo, que ela me
pressiona contra a parede, com uma das mãos agarrada ao meu
cabelo, puxando-o com firmeza, enquanto a sua boca maltrata a
minha da forma mais gostosa possível. Um gemido escapa quando
o beijo é cortado, então sinto a sua boca acariciar o meu pescoço.
O ato de provocá-la o tempo todo parece tê-la enlouquecido,
porque, no momento em que entramos em meu escritório, ela
simplesmente fecha a porta e me empurra contra a parede mais
próxima.
— Camille...
Merda.
Eu não resisto quando ela fala o meu nome dessa forma, soa
como o paraíso para mim. Tenho certeza de que, se formos
recebidos por alguém, ao entrarmos no céu, provavelmente será por
essa voz maravilhosa. E como se não bastasse essa pegada, com a
voz rouca, ela desce as mãos para a minha bunda e a aperta com
vontade, puxando-me contra si. O meu corpo virou algo parecido
com gelatina, pois sinto que posso despencar no chão a qualquer
momento. Estou tão envolvida com os nossos beijos, que demoro a
me dar conta de um barulho estranho ressoando na sala.
Que merda é essa?
— Eu juro que vou quebrar esse telefone. Não estou
brincando — resmungo quando finalmente me dou conta de que é o
telefone dela tocando sem parar. Não sei por que deixar esse
maldito som ativado. Nós poderíamos muito bem não ter nos
distraído, se não fosse por essa interrupção forçada. Luna solta uma
risadinha e se afasta de mim, indo em direção à sua bolsa para
pegar o empata foda, digo, o celular.
— Vanessa? — Minha frustração aumenta ainda mais
quando ouço o nome da minha melhor amiga. Eu não acredito que
ela consegue me irritar, mesmo quando não entra em contato
comigo. Tinha que ser alguém como ela para interromper um
momento tão bom. — Meu Deus! Acabamos perdendo a hora. Ele
está com você? Ok, nós estamos indo.
— O que aconteceu, amor? — questiono, assim que a vejo
desligar o telefone e pegar não somente a sua bolsa sobre o
pequeno sofá, mas também a minha.
— Esquecemos o nosso filho, Camille. Minha nossa, não
acredito que perdemos a hora a esse ponto.
Os meus olhos quase saltam para fora ao ouvi-la. Eu
realmente estou chocada por nos esquecermos do nosso filho, que
teve passeio do colégio hoje, e teríamos que buscá-lo um pouco
mais tarde. Só não precisava ser tão tarde a ponto de alguém ter
que ligar para nos lembrar.
— Isso é culpa sua.
— Culpa minha? Quando gemia e me puxava para outro
beijo, não parecia preocupada.
— Cala a boca, idiota.
Tento passar na frente dela, mas as suas mãos seguram
firme a minha cintura, prendendo-me no lugar e impedindo que eu
possa me afastar. Luna solta uma risadinha. Ela sabe o que me
causa. Óbvio que sabe.
— Eu não a culpo, sabe? Não tenho culpa de ser tão
irresistível assim, entendo que não possa se controlar.
O calor que sobe pelo meu corpo se instala todo em minhas
bochechas. Sim, eu fiquei mexida e sem graça, mas, ao mesmo
tempo excitada. Como ela pode mexer tanto assim comigo?
— Esse seu jeito arrogante me irrita, assim como me deixa
com tesão. Eu poderia te bater e sentar em você em seguida, só
para manter essa boca calada.
— É uma ameaça ou uma promessa para mais tarde?
Cansada de ficar rendida aos seus encantos, me afasto, sem
nem me dar ao trabalho de respondê-la. Ela não merece que eu
fique tão à mercê dela, pois se a Luna pensa que sempre
conseguirá me desarmar, ela está completamente enganada.
— Louis está na casa do seu irmão? — pergunto, assim que
ela entra em meu carro, sentando-se no banco do carona e
colocando o cinto de segurança. Hoje, quem toma o lugar habitual
dela como motorista sou eu. Estou feliz por sentir cada vez mais
confiança em dirigir.
— Sim. Vanessa não para de me mandar mensagens,
falando coisas que é melhor eu nem repetir.
— Eu tenho ideia dessas mensagens. Ela consegue ser
extremamente inconveniente quando quer.
Luna liga o som, colocando uma de nossas músicas favoritas
para tocar baixo, enquanto seguimos rumo à casa do meu cunhado
e de minha melhor amiga, para buscarmos o nosso filho. Eu ainda
estou sem acreditar que esquecemos de buscá-lo.
O tesão literalmente enlouquece o ser humano, não é?
Não me importo tanto assim, eu sempre fui louca de certa
forma.
Faz algum tempo que a minha esposa sumiu do quarto e não
voltou mais. Louis está dormindo, como o bom anjo que sempre foi,
e amanhã será outro dia de acordar cedo para estudar. Levanto-me
da cama, impaciente de ficar esperando. Eu quase acabo de ler o
meu livro, e ela não volta. Enrolo-me no robe vermelho de seda, que
estava pendurado atrás da porta, e vou em direção às escadas.
Quase todas as luzes estão apagadas, o que me deixa confusa. O
que raios essa mulher está fazendo?
— Luna? — chamo e não obtenho resposta alguma. Olho em
volta e, quando chego ao corredor, noto que a porta de seu
escritório está entreaberta. Reviro os olhos e caminho até lá. —
Quando você planeja subir?
Luna rapidamente desperta de sua concentração, ao ouvir a
minha voz, erguendo a cabeça e olhando-me por cima dos óculos
de grau que repousam na ponta de seu nariz. Ela abre um sorriso,
ficando corretamente de pé e arrumando os óculos em seu rosto.
— Eu subirei daqui a pouco, estou procurando algumas fotos
que vou precisar.
— Isso ainda é sobre aquele seu projeto secreto que eu não
posso saber?
Aproximo-me de sua mesa, que está repleta de diversas
fotos, e curiosa, chego perto o suficiente para saber do que se trata,
surpreendendo-me ao ver que são fotos minhas, de muitos ângulos
e em milhares de momentos e lugares diferentes.
— Eu quero finalizar até o seu aniversário.
— Então, é como eu pensava, é sobre mim. — Pego algumas
fotos, verifico-as e admiro como Luna é boa fotógrafa, consegue
captar coisas incríveis. Eu pareço até mais bonita nos registros dela.
— E eu não posso saber?
— Você saberá em breve, faltam apenas mais algumas
semanas para o seu aniversário. Deixe de ser tão curiosa.
— Hm... Tudo bem. — Coloco as fotografias sobre a mesa
outra vez, dando a volta no móvel para me aproximar. Eu umedeço
os meus lábios, sob o olhar atento dela em minha boca, o que me
faz sorrir. — Será que eu posso ajudar com essa busca por
fotografias novas?
— Ajudar?
Ela se recosta na mesa, colocando as mãos em minha
cintura e puxando-me para perto dela. Sorrio de maneira quase
inocente, colocando os meus braços em volta de seu pescoço. Luna
me olha de cima a baixo, e os seus olhos atrevidos se prendem,
durante longos segundos, ao decote da roupa que estou vestindo.
— Sim. Se é de fotos minhas que você precisa, então posso
ajudá-la. Eu faço todas as posições que você quiser, da forma que
quiser.
Inclino-me para o lado, buscando uma das câmeras que
também está sobre a mesa. Luna alisa a minha cintura e faz uma
expressão pensativa. Eu sei que ela está excitada, conheço esse
olhar como ninguém.
— Acho essa uma ideia excelente.
Ela parece extasiada, olhando-me sem pudor algum. O seu
olhar cheio de desejo me faz ficar ainda mais molhada. Eu amo
deixá-la assim, e estou ansiosa para saber o que será feito comigo.
Com a intenção de enlouquecê-la ainda mais, desfaço o laço do
robe que estou vestindo, deixando os meus seios e o short
minúsculo de algodão, que estou usando, superficialmente
expostos.
— Não esqueça a câmera.
Afasto-me ao máximo, e Luna permanece no mesmo lugar,
olhando-me através daqueles óculos que a deixam ainda mais
gostosa, parecendo mais velha e sensual. Umedeço os meus lábios,
não desviando o meu olhar do dela quando começo a me despir,
ficando apenas de lingerie. Ela abre um sorriso e rapidamente pega
sua câmera, caminhando energicamente na minha direção.
Não é preciso falar mais nada, sabemos que a noite será
longa.

Eu realmente não sei dizer se as datas comemorativas


deixam a minha esposa emotiva demais ou se está precisando
muito de carinho, porque quanto mais próximo o dia do meu
aniversário, mais ela gruda na minha pessoa. Não que eu esteja
reclamando, amo dar atenção e amor a ela.
— Você está feliz agora? — Luna questiona de repente,
fazendo-me desviar a atenção do livro, que está em minhas mãos, e
olhar para ela, que está deitada em meu colo. Nós duas resolvemos
nos sentar em um dos muitos bancos de madeira, no quintal, para
podermos vigiar o Louis e os nossos sobrinhos, que estão se
divertindo na piscina. — Passou bastante tempo desde que tudo
aconteceu, e eu acho que hoje você está mais habituada à nossa
vida, ao nosso filho, à nossa casa e a tudo mais. Você se sente
feliz?
Não preciso pensar muito para responder, é até meio óbvia a
resposta. Todos os dias, acordo agradecendo por viver tão bem com
a minha família. Fui abençoada com pessoas maravilhosas. Sorrio
para a minha esposa, marcando a página em que parei, antes de
fechar o livro e colocá-lo ao lado.
— Eu me sinto muito feliz todos os dias, mesmo quando a
gente não suporta olhar para a cara da outra. — Luna solta uma
risadinha com a minha fala. Essas coisas acontecem quando se é
casado, certo? Tem dias que você simplesmente não aguenta nem
ouvir a voz da pessoa e sempre tem discussões que estressam. O
casamento não é feito somente de momentos bons, e por mais que
estejamos bem, ainda existem coisas que incomodam, o que é
totalmente normal.
— Eu também me sinto muito feliz agora. Não me senti assim
por um bom tempo. Foram dias difíceis.
O meu coração aperta ao ouvi-la falar, porque tenho certeza
de que tudo estava ruim muito antes de eu perder a memória. Sei
que também tinha os meus problemas, aqueles antidepressivos no
meu armário assombram a minha mente de vez em quando. A Luna
deve ter aguentado tudo no seco, porque ela não costuma pedir
ajuda, principalmente quando é algo que a deixa fraca. Apavoro-me
em pensar quantas noites sofremos por falta de diálogo.
Se tivéssemos conversado antes, será que tudo isso teria
acontecido?
— Gosto mais de ver você assim. Sua terapeuta tem feito
mágica.
— A Dra. Gomes é excelente mesmo, sou grata demais por
ela me ajudar, mas tem muito sobre você e o nosso filho também.
Quero me sentir cada vez melhor, por mim e por vocês. Sei que não
gosta que eu faça coisas pensando em terceiros, mas é inevitável
desejar isso. Que tipo de esposa e mãe eu seria, se não quisesse
estar bem, para dar o meu melhor a vocês?
— Você é uma mãe maravilhosa e uma esposa melhor ainda.
— Curvo-me sobre ela, beijando a sua boca com todo o amor dentro
de mim. — Sou muito sortuda mesmo.
— Nós somos.
— É um fato.
Um confortável silêncio cai sobre nós. Não é desconfortável,
muito menos chato. Às vezes, tudo o que você precisa é estar ao
lado de quem ama, apenas aproveitando a companhia. Passar
momentos com a Luna tem me ensinado a valorizar cada pequeno
detalhe. Ela me ensina muito sobre tudo.
— O amor é uma coisa muito louca, não acha? Sentir que o
peito parece que vai explodir, a qualquer momento, por tanto
sentimento relacionado a alguém, desejar estar presente em cada
passo, cada fala, cada momento, ter lembranças para compartilhar
no futuro, coisas assim. É muita loucura.
— Realmente, é muita loucura mesmo, mas é bom ter
conhecimento, viver o sentimento. É mesmo muito bom.
— Às vezes, penso que sei tudo sobre o amor, mas se você
me perguntar o que eu, de verdade, sei sobre ele, a resposta é
muito simples.
— Qual?
Luna sorri e faz menção de ficar sentada, fazendo-me dar
espaço para que ela possa se movimentar. Minha esposa me olha,
parecendo reflexiva.
— Nada. Eu sei literalmente nada sobre amor, mas aprendo
todos os dias, com você, como é amar e ser amada. Sentir
intensamente esse sentimento é inexplicável. Quem pode explicar
como ele nasce? Quem pode medir a intensidade? Não existe outra
teoria para compreender o amor que não seja vivendo-o, é a única
forma de ter alguma noção sobre.
Sabe quando ela diz que sente que o coração dela pode
explodir de tanto amor, a qualquer momento? Estou me sentindo
assim, agora, e não resisto a puxá-la para um beijo, nem me
importando se existem olhos curiosos sobre nós.
— Eu amo mais você todos os dias, e me apaixono também.
Você ilumina a minha vida. Amá-la é ter certeza de que eu posso
cair sem medo, porque, se você não me alcançar a tempo, vai
cuidar de mim.
Um chamado atrai a nossa atenção, e olhamos juntas em
direção à voz, encontrando o nosso filho com os cabelos jogados
para trás, fazendo uma dança engraçada. É impossível não rir, eu
amo essa criança. A Luna tem um enorme sorriso no rosto e manda-
lhe um beijo, antes de voltar a sua atenção para mim.
— Eu cuido de você, cuido do nosso filho, a gente se cuida.
Sinto-me pronta para cuidar da nova vida que vai chegar à família.
Tudo ao meu redor parece ter sumido, e eu foco a minha
atenção apenas nos olhos verdes marejados, que brilham com
extrema emoção. O meu coração, agora, parece mesmo que vai
explodir, está muito acelerado.
— Você...?
— Sim, meu amor. Eu estou pronta para termos outro filho.
Capítulo 35 – Eu sou seu presente
Os últimos dias foram todos dedicados a buscarmos por
clínicas de fertilização. Pensei que talvez a minha esposa pudesse
não ficar tão animada quanto queria demonstrar ou que pudesse
estar fazendo isso por impulso, mas ela tem me apoiado bastante e
me ajudado em tudo. A Luna parece realmente ansiosa para me ver
grávida outra vez. Eu confesso que estou nervosa, mas tão animada
quanto.
Neste momento, demos uma pausa nas buscas pelo local
perfeito, onde faremos o nosso procedimento, porque amanhã será
o meu aniversário, e eu não quero festa, mas a minha esposa está
preparando alguma coisa. Luna não me contou ainda sobre o que é,
mas sei que envolve fotos minhas.
— Conseguiu? Ótimo. Verificou se ficou na altura certa? Tudo
precisa estar no lugar para nada dar errado. — Eu a ouço conversar
no telefone quando entro em seu escritório. Luna está de costas
para mim, curvada sobre a mesa e analisando mais fotos. Eu a
observo, completamente rendida. As suas pernas estão expostas,
graças à camisa do Real Madrid que está vestindo e apenas isso,
talvez uma calcinha por baixo. — Ligue para mim quando tudo
estiver em seu devido lugar.
— Senhora Cruz-Jacobs? — Luna rapidamente se vira ao
ouvir a minha voz, e eu abro um sorriso quando o seu olhar
encontra o meu. Ela diz alguma coisa no telefone e rapidamente
desliga, caminhando em minha direção. Estou vestindo um dos
moletons dela, que ganhou do meu cunhado Rodrigo, um belo
manto do Flamengo.
— Uau, ele ficou bem melhor em você — ela elogia, olhando-
me de cima a baixo. O seu olhar transmite o quanto gostou de me
ver usando o moletom. Luna envolve a minha cintura com um de
seus braços e segura o meu rosto com uma das mãos, beijando-me
rapidamente. — Os nossos nomes combinam demais.
— Não existe dúvida alguma sobre isso. Será que posso ter a
sua atenção um pouco? Você ficou o dia todo trancada aqui.
— Está carente, meu amor? Hm? — ela diminui o tom de voz,
alcança com a boca o meu pescoço e deposita lentos e gostosos
beijos, arrepiando a minha pele. Preciso me concentrar e lembrar
que não vim até aqui para ser seduzida por ela.
— Eu estava pensando uma coisa e não sei se você irá
concordar.
— O quê?
— Luna — repreendo-a quando sinto as suas mãos irem de
encontro à minha bunda. Ela solta uma risadinha contra o meu
pescoço e decide segurar apenas a minha cintura, afastando-se um
pouco de mim. — Por que não procuramos a mesma clínica, onde
fizemos a fertilização do Louis?
Percebo como o seu rosto fica com uma expressão estranha,
e ela parece refletir sobre alguma coisa. Fico curiosa. Luna se
afasta de mim, levando a mão até a nuca. Estou sem entender por
que razão esse nervosismo todo. Conheço o suficiente dela para
saber que quer contar alguma coisa e não sabe como.
— Hm, ela está um pouco distante, mas se você quiser,
podemos...
— Você ficou assim só porque é distante?
O sorriso amarelo que me dá responde a minha pergunta,
antes mesmo que ela possa me confirmar. Luna suspira, caminha
até o sofá no canto do escritório e me chama com um sinal de mão.
— Eu preciso que você tenha a mente aberta e entenda que
foi uma decisão que tomamos juntas. Camille, o doador do nosso
filho não foi uma pessoa anônima, é alguém que nós duas amamos
muito, inclusive o carinha.
— Como assim?
— Você sempre dizia que esperava que nosso filho puxasse
a mim, mesmo que ele fosse gerado dentro de você. Ficamos noites
e noites pensando em como encontrar alguém com características
parecidas com as minhas, então eu tive uma ideia, mas não sabia o
que você iria pensar.
A minha mente trabalha rápido, fazendo-me ter um
pensamento estranho, mas que faria sentido todo esse nervosismo
dela.
— O seu irmão foi o doador? — Ela olha para baixo e
concorda com a cabeça, nervosa. Os meus olhos captam a forma
inquieta com que os seus dedos brincam uns com os outros. — Ah!
Ok.
— Você está com raiva?
— Não, amor. Por que estaria? Eu estou um pouco confusa.
Isso funciona bem na sua cabeça?
— Lidar com o fato de ele ter sido o doador? Sim. Todos nós
conversamos. O Noah é o cara mais incrível que eu conheço, não
acho que poderia ter tomado uma decisão melhor. Ele respeita e
admira tanto você, e é apaixonado pelo sobrinho. Foi apenas uma
ajuda, sabe?
— Vanessa apoiou isso?
— Ela foi a primeira a dizer que nasceria um bebê lindo. A
sua melhor amiga é apaixonada por você, ela nunca seria contra
algo que deixaria você feliz. Louis é o nosso filho, e nada mais
importa. Somos as mães dele.
O meu coração se enche de amor ao ouvi-la. Eu a amo tanto,
eu amo tanto o nosso filho. Eu entendo e imagino que para ela deve
ter sido difícil demais conseguir conciliar tudo isso.
— Você está feliz como tudo aconteceu?
— Sim. Confesso que cheguei a pensar na possibilidade de
me arrepender, mas nunca seria capaz. O nosso filho é mesmo uma
mistura nossa.
Lembro-me do nosso pequeno, como tem traços meus e
dela, e tudo faz sentido agora. Realmente parece que o fizemos.
Nós o amamos tanto que nada mais importa.
— Eu sempre penso que não sou capaz de te amar mais,
mas você me prova todos os dias que é, sim, possível ultrapassar o
limite do sentimento.
Eu tenho certeza de que nunca encontraria uma pessoa
como essa mulher, caso ela não existisse. Minha vida jamais seria
suficientemente completa. A Luna faz por mim o que ninguém seria
capaz e poucas pessoas ao menos se esforçariam a fazer. Todo o
seu jeito me cativa, fico presa, sem ter para onde correr, mas,
sinceramente, eu nunca serei capaz de fugir.
Esse sentimento me assusta, mas também me conforta.
Cada pequena ou grande coisa que ela faz me atinge de alguma
forma. Eu não sei expressar exatamente como me sinto em relação
a ela. Com quantas pessoas você tem essa sensação de plenitude?
Sabe quando você pode tocar o céu sem sair do chão, porque a
pessoa te faz sentir assim? Você já amou tanto uma pessoa a ponto
de se deitar no chão apenas para que ela nunca caia e se
machuque? Amar uma pessoa que é a sua melhor amiga,
companheira de vida, que se encaixa em você, é simplesmente uma
das melhores coisas da vida. Todo mundo deve viver um amor
desse pelo menos uma vez na vida, mesmo que dure pouco.
Às vezes, o amor é feito para durar, mas de outra forma.
Você pode encontrar o amor da sua vida e, mesmo assim, não viver
ao lado dessa pessoa para sempre. Entenda que você não falhou,
nem ela, simplesmente era para acontecer e terminar. Presenças
não são eternas, mas o sentimento é eterno.
Viva, deixe-se viver. Ame, deixe-se ser amado. Entregue-se!
Quem sabe, um dia, você não encontra a sua pessoa, como eu
encontrei a minha?
O dia seguinte chegou, e com ele, a sensação maravilhosa
de ser mimada pelas pessoas que mais amo nesse mundo. Acordo
com milhares de beijos e abraços, e nada pode ser melhor do que
isso. É assim que eu quero estar sempre, rodeada de amor e
carinho.
— Tome o seu banho e se arrume, nós vamos sair. Desça
para tomar café conosco, estamos esperando. — Eu a escuto dizer,
ao se levantar da cama.
O nosso pequeno e ela estão arrumados e de banho tomado.
Um sorriso surge em meu rosto, estou animada para saber o que
eles estão aprontando. Rapidamente, vou tomar o meu banho e
noto que tem uma muda de roupa separada para eu vestir. Amo a
praticidade da Luna, facilita tudo para mim. Tenho muita sorte.
Depois de terminar de me arrumar, desço as escadas e logo
sou recebida com um aroma delicioso de café recém-preparado,
com ovos e bacon. O meu estômago desperta com força total.
Chego à cozinha e não evito sorrir, principalmente ao ver os meus
dois amores terminarem de arrumar a mesa.
— É assim que eu mereço ser tratada sempre. Obrigada —
agradeço aos dois, que puxam juntos a cadeira, para que eu possa
me sentar, e quando o faço, sou premiada com beijos na bochecha.
Tudo está enfeitado com balões e fitas, a mesa está farta, com as
coisas que mais gostamos e um pequeno bolo com o meu nome
escrito.
— Nós cuidamos da nossa rainha como ela merece.
— Sim, mommy.
Sorrio para o meu filho, que está ao meu lado esquerdo, e
estico a mão até os seus cabelos, enfiando os dedos por entre os
fios, acariciando o seu couro cabeludo. Ele está com o cabelo tão
grande. Tento convencê-lo a cortar, mas parece que é um crime
sugerir isso, tanto para ele quanto para Luna. Eu acho que o Louis é
a reencarnação de Sansão, só pode ser.
O café da manhã não tem como ser melhor, repleto de
brincadeiras, muitas felicitações e amor. Recebo ligações dos
nossos parentes e amigos, todos me enchendo de muito carinho.
Sinto-me extremamente sortuda por cada pessoa em minha vida
neste momento, pois acredito que sem eles as coisas estariam de
mal a pior.
— Aonde vamos? — questiono, assim que entro no carro. O
nosso filho está no banco de trás, e Luna termina de colocar o cinto
de segurança, orientando Louis a fazer o mesmo.
— O parque, aonde vamos todos os anos, reabriu, e
coincidentemente mais cedo, bem na data do seu aniversário.
— Tudo conspirando a meu favor. Será que devo jogar na
loteria?
— Eu acho válido. Já pensou você ficar milionária?
— Nós ficaríamos, amor. Tudo que é meu, também é seu.
Ela abre um enorme sorriso, satisfeita com o que eu disse.
Coloco uma das mãos sobre a sua coxa, como tenho feito todas as
vezes que estou com ela e vice-versa.
Olho para trás em alguns momentos, apenas para me
certificar de que o meu filho está bem. Durante todo o percurso,
conversamos e combinamos em quais brinquedos vamos. Tenho
certeza de que o dia será cheio de amor e surpresas, mal posso
esperar por elas. Sobre o dia de hoje, consideramos muitas
possibilidades: uma festa, uma viagem, qualquer coisa, mas, no fim,
decidimos passar o dia em família. Luna garante que nos
divertiremos, e a festa será depois, com os amigos e familiares.
Ideia perfeita, porque não há nada melhor do que estar com eles
dois.
E pensar que, em breve, serão três.
Lembrar disso me deixa nervosa. Ainda não conseguimos
escolher um doador perfeito, mas sei que faremos a melhor escolha.
Tem que ser a pessoa certa. Posso sugerir fazermos o mesmo que
fizemos com o Louis, mas não acho que a minha esposa ficará tão
confortável. Esse elo com o irmão já foi o suficiente, tudo o que é
demais acaba sendo estressante e desgastante.
— Você está me ouvindo? — Ouço a pergunta da minha
esposa. Estava tão distraída que não notei que me dizia alguma
coisa. Sorrio, sem graça, ajeitando-me sobre o banco do carona
para olhá-la. O nosso filho está adormecido no banco de trás. O dia
foi muito divertido, ele acabou se esgotando.
— Desculpe-me, o que estava dizendo?
— Foi longe esse pensamento, hein? Eu disse que vamos
passar na casa do Noah para deixar o carinha, e depois a levarei a
outro lugar.
— Como assim? Pensei que faríamos um bolo quando
chegássemos à nossa casa. — Estou confusa, não pensei que ela
havia planejado mais alguma coisa. Então, de repente, uma coisa
vem à minha mente, e lembro-me de algo que ela vem guardando
de mim há muito tempo. — Isso é sobre aquele projeto finalmente?
Luna solta uma risadinha, sem retirar o olhar da pista à nossa
frente. Ela tem mesmo achado divertido esconder esse projeto tão
secreto. Na verdade, somente eu não faço ideia do que seja, porque
todos parecem saber o que está acontecendo. Minha esposa é uma
idiota.
— Sim, meu amor. É um dos seus presentes.
— Eu nem sei do que se trata, mas estou muito ansiosa.
Não demoramos muito a chegar à casa do meu cunhado, que
nos recebe brevemente no portão, dizendo que Vanessa está
ocupada e que não sairá de casa. Os olhares que Luna e ele trocam
me deixaram atenta, e nem resmungo quando o vejo pegar o meu
filho no colo e levá-lo para longe de mim. Confesso que, mesmo que
goste de ter mais privacidade com a minha esposa, sempre é muito
difícil me afastar dessa criança. Nem consigo imaginar quando
tivermos outro bebê. Tenho certeza de que serei tão coruja quanto
sou com o Louis.
Por mais que eu tente arrancar qualquer informação dela
durante o caminho, não consigo nada, nem quando beijo o seu
pescoço e sussurro em seu ouvido. Não avanço mais que isso,
porque seria muita irresponsabilidade distraí-la mais enquanto
dirige.
— Chegamos — ela diz ao estacionar, deixando-me confusa
por notar que estamos em frente ao estúdio de fotografia dela. Olho
para o seu rosto, e ela me encara com um enorme sorriso.
— Eu fiquei confusa, mas faz sentido. Nem sei por que não
pensei nisso quando você contou que tinha a ver com fotos minhas.
— Venha, ainda temos mais coisas para fazer depois.
— Sério? — questiono ao sair do carro, e Luna chega até
mim, acenando com a cabeça e entrelaçando os nossos dedos.
Curiosa e ansiosa, a sigo. Tudo está escuro quando ela empurra as
enormes portas de vidro. Estranho o fato de não estarem trancadas,
mas não pergunto nada, por imaginar que faça parte do plano.
— Espere aqui — ela pede e se afasta um pouco de mim.
Não estou enxergando muito bem, mas isso muda quando a
ouço bater palmas duas vezes, porque as luzes se acendem
automaticamente. Minha primeira impressão é de que tudo está
diferente. Lembro-me de que, quando vim aqui, o estúdio parecia
menor.
— Tudo aqui passou por reforma, por isso foi tão demorado
— ela explica.
— Nossa, amor, ficou lindo demais. — Calo-me no mesmo
instante que me viro e tenho a visão da parede da entrada, com
uma enorme foto nossa que parece um ensaio para o nosso
casamento. — Luna.
— Gostou? — Olho brevemente para ela, que, alegre,
caminha até a parede. Estou sem saber o que dizer. Ficou
maravilhoso! — Chegue mais perto. Eu criei essa foto com milhares
de fotos suas.
— O quê? — Os meus olhos não acreditam no que estão
vendo, e os meus ouvidos não acreditam no que acabei de ouvir,
mas me aproximo rapidamente, para confirmar, e noto que
realmente a fotografia é formada por fotos minhas em diversos
lugares e momentos. — Como você fez isso? Meu Deus, amor.
— Deu muito trabalho, você não faz ideia, amor. Foram
quase três anos para terminar a reforma e esse projeto. Pensei que
nunca conseguiria terminá-lo, e até pensei em desistir algumas
vezes. Algumas coisas atrasaram e atrapalharam, foi muito
estressante. O curioso é que tudo começou a dar certo depois que
você perdeu a memória, sabia?
Sem poder me conter, avanço sobre ela, tomando os seus
lábios com os meus, em um beijo molhado. Minhas mãos agarram
os cabelos longos e cheirosos, puxando-a para bem perto de mim.
Luna não perde tempo em retribuir, segurando a minha cintura e
abrindo a boca para me dar espaço. Deslizo a língua sobre o seu
lábio inferior, sentindo-a sugar para dentro de sua boca, antes de
intensificar ainda mais o beijo.
Eu sempre digo isso, mas como seria possível não a amar
cada vez mais?
— Era essa a razão de você chegar tarde à nossa casa
vários dias? — pergunto quando quebro o beijo, sentindo vontade
de beijá-la ainda mais. Nunca terei o suficiente dela, é uma coisa
que aprendi na marra.
— Sim, mas não só por isso.
— Não? — Estou chocada e me afasto, olhando-a, incrédula.
Luna sorri, esticando-se para poder selar os nossos lábios
uma última vez, antes de me soltar.
— Eu reformei esse estúdio com a intenção de mostrar a
nossa história a qualquer um que venha aqui. Eu iria colocar uma
foto nossa, quando éramos novas, bem aqui na frente, mas amo
tanto esta que não pude evitar. Venha, você vai adorar conhecer a
nossa história também.
Não consigo formular nem uma palavra sequer, então deixo
que ela me leve. Chocada é pouco para me descrever, e fico ainda
mais quando vejo as nossas fotos nas paredes. Todas feitas da
mesma forma, com milhares de pequenas fotos minhas. Eu não faço
ideia de como ela fez isso, mas a Luna é sensacional.
Muito emocionada, ela explica em quais momentos as fotos
se passaram, contando tudo nos mínimos detalhes. Eu ouço
atentamente, sendo invadida por alguns flashes de memória. Luna
está me ajudando muito e nem sabe, há coisas que eu posso recriar
na minha cabeça perfeitamente. Parece até que nunca me esqueci
de nada.
Todos os momentos das nossas vidas juntas estão retratados
pelas paredes do estúdio dela, e o meu coração está prestes a
saltar para fora do meu peito. Ouvi-la falar de tudo, com tanto
carinho e amor, me deixa ainda mais apaixonada por ela. Eu sou
muito sortuda por tê-la comigo.
— Parece que estou vivendo tudo isso outra vez, só que de
uma forma nova. Obrigada, Luna! Esse é o melhor presente que eu
poderia ter ganhado — minha voz está embargada, denunciando
toda a minha emoção, quando chegamos à última foto, que mostra
nós três: ela, Louis e eu juntos, em um belo jardim. Luna sorri para
mim e me envolve em seus braços, depositando um beijo no topo da
minha cabeça.
— Fico muito feliz que tenha gostado. Eu acho que era para
ser assim, sabe? Tanta coisa atrasando esse projeto, tinha que ter
uma explicação para isso.
— Foi no momento certo. Entre nós duas, tudo sempre é
assim.
— Exatamente, meu amor. — Ela segura o meu queixo e
ergue o meu rosto para me beijar, lentamente. — Feliz aniversário,
princesa!
— Você é o meu presente. Espero que saiba disso.
Ela me beija outra vez, com ainda mais vontade, fazendo-me
quase derreter em seus braços. Essa mulher me desmonta.
Será que tem como ela ser um pouco menos linda? Eu sinto
como se não fosse dona da minha vida, gostaria que ela fosse
menos perfeita, para não ter tanto poder sobre mim. Tenho certeza
de que, se pudesse abrir o meu coração, teria apenas ela dentro
dele. Ela o tomou, assim como tomou todo o resto de mim. Eu
pertenço a ela, como nunca pensei que pertenceria a alguém.
— Ainda tenho mais um presente pra você.
— Será que o meu coração aguenta tanta surpresa?
— Ah, eu espero que sim.
— O que é dessa vez?
Luna não responde imediatamente, primeiro ela digita algo
em seu celular, antes de nos guiar para fora dali. Eu apenas a sigo,
curiosa e sem deixar de olhar para as fotos mais uma vez. Essa
mulher é mesmo perfeita. Ela para na porta e me olha por cima do
ombro, antes de me dar a resposta que faz todo o meu corpo se
arrepiar:
— Seu último presente sou eu.

O caminho até a nossa casa nunca pareceu tão longo. Eu


tenho noção do que vai acontecer quando chegarmos e, mesmo
assim, estou nervosa como se fosse a primeira vez. Para ser
sincera, é sempre assim: uma expectativa por saber que vamos
superar a nossa última transa. Luna conhece o meu corpo como a
sua palma da mão, e eu amo descobrir o dela cada vez mais.
Está um clima sensual e romântico, trocamos olhares e
sorrisos. Eu adoro isso, sabe? Essa tensão sexual é simplesmente
deliciosa. Gosto de como começamos a transar, antes mesmo de
estarmos a sós no nosso quarto e sem roupas. Nossas preliminares
acontecem naturalmente, com um olhar, um toque, um sorriso, um
beijo, com qualquer coisa que nos atice.
É gostoso quando a pessoa te faz chegar ao ápice sem nem
ao menos tocar em você. Digo no sentido figurado, obviamente é
praticamente impossível gozar sem ser tocado de maneira física,
mas o prazer mental é muito bom. Luna me deixa cheia de
expectativas, não acredito que exista alguém que saiba fazer tão
bem quanto ela. Não mesmo. Sinceramente? Prefiro nunca
descobrir, estou satisfeita com o que tenho em casa.
— Está com fome?
— De você? Muita — minha resposta é firme e direta, não
quero dar espaços para distrações. Estou ansiosa para tê-la e ser
dela, e Luna sabe disso, o sorriso safado em seu rosto me dá essa
certeza. Ela me provoca, sempre gosta de me maltratar. O pior é
que gosto de sofrer dessa maneira por causa dela. Quanto mais má
ela é, mais eu a desejo.
— Tem toalhas limpas e um roupão esperando você no
banheiro aqui de baixo. Não vai precisar de nada mais que isso.
— Por que não poderemos tomar banho juntas? — minha voz
é quase uma súplica, eu não aceito tomar banho sozinha, sem ela.
— Preciso me arrumar pra você. Não seja curiosa, você vai
gostar.
— Mas...
— Confie em mim — ela pede e me dá aquele sorriso cheio
de promessas. A maldita sabe como me convencer das coisas.
Como a boa cadelinha que sou, apenas concordo com a cabeça,
afastando-me, contrariada, mas ansiosa de qualquer forma.
Não evito passar um creme corporal que está
estrategicamente posicionado sobre a pia. Desconfio ser plano dela,
pois é o seu favorito. Enrolada no roupão, eu caminho, a passos
ansiosos, até o segundo andar, chego ao meu quarto e sou
surpreendida com a arrumação e com o clima quente e gostoso.
Quando ela fez isso tudo, se estávamos na rua o dia todo? Olhando
em volta, fico surpresa com a arrumação e quase me engasgo, ao
me deparar com um poste de dança posicionado no canto do
quarto, perto do closet. Minha boca se abre, eu não esperava algo
como isso. Estou ainda mais excitada, sei que a noite será longa e
prazerosa.
— Como fez tudo isso?
— Segredo — sua voz toma conta do ambiente quando ela,
enfim, sai do banheiro, e o seu perfume também toma conta do
lugar. O meu corpo esquenta com a visão de seus cabelos
bagunçados de uma forma sexy. Ela está usando um roupão
parecido com o meu e caminha sensualmente em minha direção,
sem desviar os olhos de mim. — Gostou?
— Bastante. — Tento tocá-la, mas ela se afasta, fazendo um
sinal negativo com o dedo indicador da mão esquerda. — Amor...
— Sente-se na cama e aprecie o que eu preparei pra você.
Obedeço-a rapidamente, não quero correr riscos de ser
torturada. Quero aproveitar cada pedacinho dela. Luna mantém os
olhos fixos em mim, enquanto me sento na beirada da cama, virada
para ela.
— Isso tem a ver com o fato de você frequentar as minhas
aulas, não tem?
— Você é muito esperta, meu amor. Sim, eu estava querendo
aprimorar os meus movimentos para poder presenteá-la. Espero
que goste.
Luna pega o controle universal, que controla todas as coisas
do quarto, diminui a intensidade da luz, depois liga o som e uma
música gostosa começa a tocar. Fica de costas para mim e deixa o
roupão cair no chão, ficando exposta com a lingerie preta de renda e
cinta-liga.
O meu corpo reage instantaneamente. Eu amo como a cor
preta se destaca em sua pele. Ela sabe disso.
Luna caminha até o poste, fazendo questão de rebolar
bastante a sua bunda, enquanto anda. Suspiro, hipnotizada pela
imagem. Ela segura o cano de metal, e um breve pensamento se
passa na minha cabeça, questionando se esse negócio não tem
chances de cair. Eu espero que não, seria uma pena ter esse
momento finalizado por problemas técnicos.
Os seus quadris começam a se mover no ritmo da música,
para um lado e para o outro. Ela segura o poste com as duas mãos
e dá um giro, fazendo com que os seus cabelos voem. O seu olhar
se cruza com o meu, e ela abre um sorriso antes de deslizar para
baixo, separando bem as pernas, como se quisesse que eu olhasse
para a parte que mais me enche a boca de água. É justamente o
que faço.
Luna está com o controle e sabe disso, e no momento, tudo
que eu mais quero é que continue dessa forma. Ela para em frente
ao poste, fica rebolando, enquanto passa as mãos pelo próprio
corpo, vira de costas e empina a bunda para mim, descendo com as
mãos pelo cano de metal, abaixando o seu corpo. Em seguida,
sobe, olhando-me por cima do ombro. Luna se move de maneira
sensual e hipnotizante.
Nunca pensei que ver algo assim seria tão quente e
excitante.
Sem conseguir me controlar, rapidamente abro o roupão e o
retiro de meu corpo, jogando-o para o lado. Estou com calor, preciso
de liberdade, ou enlouquecerei. Esse ato a deixa feliz, pois vejo um
resquício de sorriso de satisfação em seu rosto.
Quando a música está chegando ao fim, ela parece querer
me matar, ao se aproximar um pouco e virar de costas, rebolando
no ritmo da música, enquanto se abaixa para retirar a calcinha,
deixando somente a cinta liga.
Simplesmente surreal, não existem palavras suficientes para
descrever a perfeição dessa mulher.
— Sente aqui. — Não é um pedido, eu ordeno mesmo, já
estou satisfeita de vê-la tão longe.
Ela não se faz de rogada, caminha até mim e sobe em meu
colo, com as pernas dobradas ao lado das minhas coxas, e as
minhas mãos vão automaticamente para as dela, dedilhando a cinta
liga. Sinto a sua excitação molhar a minha pele, o que me faz
suspirar de tesão.
Outra música se inicia, mas dessa vez não me atento muito a
isso, foco coisas mais importantes, como a minha esposa se
esfregando em minhas coxas, enquanto rebola no meu colo. Minhas
mãos sobem para a sua bunda, apertando com força a carne rígida.
Não resisto e dou-lhe um tapa estalado, fazendo-a agarrar os meus
ombros com mais força e soltar um gemido gostoso.
— Bate de novo. — Não ouso desobedecer ao seu pedido,
recebendo outro gemido maravilhoso em troca. Luna joga a cabeça
para trás, separando mais as pernas, antes de voltar a rebolar em
meu colo, molhando as minhas coxas. Deslizo minha mão direita por
suas nádegas, até chegar à sua boceta por trás, encontrando-a
extremamente molhada. Isso me enlouquece.
Os nossos olhares voltam a se cruzar e não falamos nada.
Estico-me para alcançar o seu clitóris e faço movimentos lentos,
girando sobre o nervo rígido, para fazê-la sentir um pouco mais de
alívio ao ser estimulada nessa região sensível.
Volto a acariciar a sua entrada e sou surpreendida quando
ela faz um movimento preciso, fazendo com que os meus dedos
deslizem para dentro de sua boceta. O alto gemido que dá me faz
deduzir que sentiu prazer e um pouco de dor ao mesmo tempo, mas
ela não se contenta com apenas a invasão, começa a rebolar para a
frente e para trás, fazendo os meus dedos se movimentarem dentro
de si. Eu queria ver os meus dedos fodendo-a, mas me satisfaço
com sua expressão prazerosa.
Luna coloca uma das mãos em meus cabelos, agarrando os
da minha nuca, enquanto a outra mão segura firmemente o meu
ombro.
— Espera — peço quando a vejo me encarar seriamente, ao
sentir que retirei os dedos de dentro dela, mas rapidamente os trago
para a frente, deixando-os em meu colo, para que ela possa se
sentar.
Luna morde o seu lábio inferior, antes de descer, sem
qualquer tipo de misericórdia, sobre eles, fazendo-me ofegar, ao
sentir as pontas deles atingirem o limite que alcançam. Sua
lubrificação aumenta cada vez que ela senta com mais força sobre
mim.
Luna solta o meu ombro apenas para pegar a minha mão que
está livre e levá-la até o seu pescoço, fazendo-me segurá-lo. Eu
ofego de surpresa e tesão, esse simples ato quase me mata. Ela
geme quando eu o aperto, forçando os meus dedos para cima,
exigindo mais de suas reboladas sobre mim. Minha esposa parece
adorar essa posição, então a farei gozar, antes de mudarmos para
outra.
Mantendo a mão em seu pescoço, movo os meus dedos,
fazendo questão de curvá-los da forma que aprendi, deixando-a
louca. Toco o seu ponto G, que se encontra na parte de cima, e
esfrego a região meio esponjosa, ganhando altos gemidos.
— Você fode a minha boceta tão bem — ela solta, em meio a
uma respiração ofegante, rápida, que atinge o meu rosto e me faz
sorrir, por vê-la tão entregue e desesperada. Luna abre um sorriso e
começa a quicar sobre os meus dedos, fazendo um som de estalo
ressoar pelo quarto cada vez que as nossas peles se tocam. —
Gostosa.
Luna começa a gozar no mesmo instante em que aperto o
seu pescoço outra vez e pressiono aquele ponto dentro dela.
Gemendo, ela se agarra em mim, agoniada, enquanto se liberta em
meus dedos. Eu aproveito a posição em que estamos para beijar a
sua boca, dando-lhe tempo de se recuperar ao menos um pouco,
pois não teremos pausas. Quero fazer durar a noite toda.
— Estou doida para sentir o seu gosto.
Ela solta uma risadinha safada, olhando-me e abrindo um
sorriso de desafio.
— Está esperando o quê?
Na mesma hora, eu agarro os seus cabelos e trago o seu
rosto para perto do meu, levando a minha boca até o seu ouvido
para ordenar baixinho:
— Fica de quatro agora!
A minha voz parece enlouquecê-la, pois ela estremece sobre
mim, mas não se faz de rogada, saindo rapidamente do meu colo e
jogando-se sobre o colchão, não demorando a ficar na posição que
pedi. Luna joga os cabelos para o lado, antes de me olhar por cima
do ombro, provocando-me, ao mexer os quadris para um lado e
para o outro.
Sem resistir por muito tempo, ajoelho-me atrás dela, alisando
as suas coxas, chegando às suas nádegas, indo até as suas costas
e depois voltando para bater em sua bunda. Luna deita-se com o
peito colado ao colchão, deixando apenas os quadris erguidos. Os
olhos dela estão fixos em mim, e ela mantém o lábio inferior preso
entre os dentes. Parece ansiosa.
Não querendo perder tempo, separo as suas nádegas e me
abaixo para lamber a sua boceta, desde o clitóris até a sua entrada,
mas resolvo não parar, chegando à sua bunda e ganhando um
gemido alto quando a minha língua toca a sua entrada traseira, que
é tão sensível quanto a outra. Luna enlouquece com esse toque,
então me dedico a lamber e enfiar a ponta de minha língua com
cuidado, sendo premiada com as suas lamúrias e pedidos
incoerentes.
Ela quase não consegue manter os quadris erguidos quando
resolvo enfiar os meus dedos em sua boceta, enquanto me
mantenho lambendo a sua bunda gostosa.
Sinto a sua mão em minha cabeça, pressionando-me contra
ela, e não evito o sorriso de satisfação. Enfio os dedos com força,
ouvindo os sons molhados se misturarem aos gemidos. Afasto a
minha boca, apenas para morder uma de suas nádegas, e então,
volto a lambê-la. Luna começa a estremecer, e os seus gemidos se
tornam mais altos e finos, desesperados. Está prestes a explodir, e
quando goza em meus dedos, em uma quantidade abundante, não
resisto a sorver cada resquício de seu orgasmo.
Eu estou tão ofegante quanto ela, o meu pulso direito arde,
por causa do esforço, e o meu rosto está todo molhado do gozo,
mas quem disse que eu paro? Ainda quero mais, muito mais. Isso
foi apenas o começo, eu espero que ela saiba.
— Se soubesse que dançar deixaria você assim, teria feito
antes — ela comenta quando a viro na cama, soltando uma
risadinha cansada. Eu sorrio, subindo em cima dela, separando as
suas pernas com as minhas, para ficar entre elas. Luna segura a
minha bunda, pressionando-me para baixo.
— Você me deixa assim. Sempre.
— Gostou da surpresa?
— Eu amei, mas quero mais. — Beijo-a lentamente. — Muito
mais.
Luna abraça a minha cintura, dando-me mais liberdade de
rebolar contra ela, esfregando as nossas bocetas molhadas. Isso
me deixa louca.
— Aproveite bastante, eu sou seu presente, faça o que quiser
comigo.
Capítulo 36 – A escolha perfeita
Solto um longo suspiro quando finalmente chego à nossa
casa. Fiquei um pouco depois do habitual horário, porque estava
repassando algumas coreografias com os alunos. Estamos
planejando um pequeno campeonato, e eles estão se dedicando
bastante, animados. Eu gosto disso, também estou ansiosa.
Tudo parece quieto dentro de casa. Sei que nesse horário
todos já devem ter chegado, então aparentemente estão fazendo
alguma coisa muito silenciosa.
Retiro o meu sobretudo, pendurando-o no cabideiro próximo
à porta de entrada, e faço o mesmo com os meus saltos, deixando-
os em uma das prateleiras no mesmo local. Quando estou subindo
as escadas, ouço sons de vozes vindos do quarto do meu pequeno,
e um sorriso se forma em meus lábios. Ao abrir a porta, sou
presenteada com a visão dos meus dois amores grudados na cama,
enquanto assistem a desenhos. Luna é a primeira a me notar,
fazendo sinal para que eu me aproxime e os acompanhe.
— Preciso tomar um banho antes — eu digo. Embora queira
muito tomar banho e trocar de roupa, aproximo-me dos dois para
cumprimentá-los.
— Oi, mommy — Louis me cumprimenta quando me abaixo
para beijar a sua testa. Depois, me estico para selar os meus lábios
com os da minha esposa, ouvindo um resmungo do meu filho. Às
vezes, ele demonstra ciúme quando fazemos algo assim na frente
dele. É engraçado.
— Essa mulher é minha também, passou da hora de você
aceitar isso. — Como sempre, Luna provoca o pequeno, que,
indignado, rapidamente se solta do abraço dela e tenta se afastar,
mas ela não permite, segurando-o com firmeza. Louis tenta se
soltar, porém desiste quando a mãe não cede às suas tentativas.
Um bico enorme está em seu rosto, e eu quase não consigo ver os
seus olhos claros, por causa da franja enorme que os cobre. Preciso
convencê-lo a cortar esses cabelos.
— Já volto para ficar com vocês. Comportem-se — peço-
lhes, antes de sair do quarto e ir em direção ao meu. Sim, eu tenho
sempre que lembrar os dois de se comportarem, porque
aparentemente estou criando duas crianças: uma desenvolvida e a
outra em desenvolvimento. Sinceramente, não sei qual dos dois
consegue ser mais teimoso e bagunceiro.
Não demoro muito no banho e, depois de terminá-lo, saio de
toalha para ir ao closet. Como de costume, apenas coloco um short
de dormir, sem calcinha. É mais confortável assim. Também visto
uma das camisas do Real Madrid que minha esposa me deu,
embora eu ainda prefira usar as dela e vê-la usando as minhas.
Compartilhar roupas com quem a gente ama dá uma sensação
gostosa de carinho, não é?
— Ele ficou emburrado mesmo.
— Meu Deus, Luna. Quer me matar de susto? — Coloco as
mãos sobre o peito, sentindo o meu coração acelerado sobre as
minhas palmas. Ela caminha em minha direção, com um sorriso
sapeca em seu rosto.
— Desculpe, meu amor. Não foi a minha intenção. — Ela
segura minha cintura, puxando-me para si. — Posso ganhar um
beijo de verdade agora?
Não respondo a ela de imediato, rapidamente passando os
meus braços por trás de seu pescoço para beijá-la. Luna aperta a
minha carne, intensificando o beijo gostoso, cheio de afeto. Gosto
de como a sua boca se encaixa perfeitamente na minha e como a
sua língua macia a invade de um jeito perfeito.
— Louis te expulsou, não foi? — Não evito a risada quando
ela concorda com a cabeça. — Por falar nele, precisamos cortar
aquele cabelo que está muito sobre os olhos, amor. Vai prejudicá-lo.
Uma careta surge no rosto da minha esposa, que sempre fica
assim quando eu falo sobre isso. Não sei qual a dificuldade de levar
Louis para cortar os cabelos, que logo crescerão mesmo.
— Essa é uma coisa difícil.
— Não, é muito fácil. No final de semana, levarei.
— Amor...
— Sério, Luna, qual o problema de cortar o cabelo dele?
A minha esposa solta um longo suspiro, afastando-se para se
sentar na beirada da cama. Isso me deixa com a curiosidade
aguçada, pois conheço essa expressão no rosto dela.
— Não é só por gostar do cabelo que ele não gosta de cortá-
lo. Louis fez uma promessa com o melhor amigo que tinha há
alguns anos.
— Tinha? Não tem mais? Ele também deixa os cabelos dele
tão grandes assim?
Luna suspira outra vez, negando com a cabeça.
— Ele era um garoto muito especial, Louis falava sobre ele
sempre. Esteve aqui em casa diversas vezes. Tinha os cabelos
cacheados, como um anjo, tão lindos e com cachos enormes.
— Por que está falando dele no passado?
— Ele faleceu. Leucemia. — Ela engole em seco, e eu fico
paralisada, sentindo um aperto no peito ao ouvi-la. — Lutou
bravamente durante três anos, perdeu todo o cabelo. Louis raspou a
cabeça, mas Gabriel vivia lhe pedindo que deixasse o cabelo
crescer novamente, porque era apaixonado pelos cabelos do nosso
filho.
O meu coração está comprimido dentro do peito. Eu não fazia
ideia do motivo existente por trás dessa mania de deixar o cabelo
crescer e não querer cortar.
— Não fazia ideia.
— Eu devia ter contado. Quando Gabriel se foi, o Louis
sofreu muito. Ele prometeu ao amigo que sempre deixaria o cabelo
grande, como ele gostava. Então, faz muito tempo que não corta o
cabelo. Sempre o levo no cabeleireiro para aparar as pontas.
— Nossa! Eu estou me sentindo mal por sempre querer
cortar.
— Não fique assim, amor. Você não se lembra, eu devia ter
contado. — Luna se aproxima de mim e segura o meu rosto,
selando os nossos lábios diversas vezes. — Vou levá-lo para aparar
a franja, tudo bem? Está realmente grande.
— Nosso filho é um garoto tão incrível.
— O carinha é mesmo. Tenho orgulho da pessoa que ele está
se tornando, estamos criando um homem de verdade.
— Somos ótimas mães, não somos?
— Sim. O nosso filho tem sorte, e a próxima criança terá
também.
— Você tem mesmo certeza sobre termos um segundo filho?
Eu olho diretamente em seus olhos. Luna desvia o olhar, e
isso me deixa preocupada, mas ela volta a me olhar, com um
enorme sorriso no rosto.
— Não vejo a hora de ver você carregando o nosso bebê.

A nossa rotina tem seguido normal, embora, ultimamente,


bem mais agitada que o comum. Com o passar do tempo, vão
surgindo festas de aniversários, entre outras comemorações, então
quase sempre estamos na companhia de amigos e familiares, mas
jamais deixamos de ter, ao menos, um dia só nosso em família. Isso
é necessário. Apesar de adorar estar cercada de pessoas que amo,
também gosto muito de quando estamos apenas nós, em momentos
quase secretos.
Manter uma relação saudável envolve muitas coisas, por
exemplo um bom ambiente familiar. Quando se é casada há anos,
como Luna e eu somos, as coisas costumam se tornar monótonas,
por isso buscamos sempre fazer algo diferente, como no final de
semana que fomos à Disney, em Orlando. Foi maravilhoso! Dias
incríveis estão registrados em nossas memórias e nas diversas
fotos que minha amada esposa tirou.
Por falar em fotos, a nova decoração do estúdio tem feito
bastante sucesso. Luna me contou que os pedidos de projetos e
trabalhos com ela têm aumentado e que está conversando com um
novo patrocinador muito grande. Será ótimo para ela. Eu fico muito
feliz em vê-la crescendo tanto na vida particular quanto na
profissional. Toda conquista dela me deixa orgulhosa.
Posso contar uma coisa que está me alegrando muito? Ana e
ela têm conversado mais sobre as coisas. Com certeza, a terapia
que Luna tem feito está ajudando a melhorar a relação com a mãe.
Isso me deixa feliz de verdade, porque sei o quanto Luna precisa
disso, da aprovação da mãe e do carinho, que nunca recebeu como
necessitava.
Ver minha esposa feliz me deixa extremamente feliz.
Nosso relacionamento vem se fortalecendo a cada dia.
Mesmo quando algumas brigas acontecem, nunca dormimos sem
resolvermos tudo antes. O ideal para uma relação permanecer boa
é dialogar sobre todas as coisas, não importa se pequenas ou
grandes. Sempre opte por conversar com a pessoa que está com
você. Não deixe acumular, porque, uma hora ou outra, isso vai
explodir e resultar em coisas ruins. Tais como o divórcio.
Confesso que, no início de tudo isso, eu pensava que
acabaríamos tomando esse caminho, mas hoje, depois de tudo que
estamos vivendo, vejo que teria sido a pior burrice de nossas vidas.
Estamos conseguindo acertar aquilo que erramos no passado
juntas, sem esconder nada uma da outra, e isso é uma das coisas
que mais me deixa feliz em nossa relação. O companheirismo e a
sinceridade são fundamentais.
Luna tem me ajudado a crescer muito como mulher e pessoa.
Todos os dias, me ensina um novo significado sobre amar e ser
amada. A forma que cuida de mim e do nosso filho também me
ensina como ser uma mãe melhor. Estou, cada vez mais, pronta
para termos a nova criança, porque sei que terei a minha esposa ao
meu lado, para me ajudar em qualquer obstáculo que possamos
enfrentar.
— Eu encontrei a escolha perfeita para ser o nosso doador.
— Animada, Luna entra, de repente, em nosso quarto. Eu iria
mesmo atrás dela, pois passou o dia trancada no escritório, mas
agora consigo entender o motivo. Ela tem feito isso nos últimos dias,
e eu não imaginei que estivesse pesquisando um doador perfeito.
— Por isso você me deixou aqui sozinha o dia todo? Quando
disse que não trabalharia hoje, pensei que me daria atenção —
resmungo, fechando o livro em minhas mãos, sem me esquecer de
marcar a página em que parei.
Ela segura os óculos de grau, deixando-os repousados sobre
a testa, e joga para trás os cabelos, que está deixando crescer e já
estão enormes. Eu acho que esse gene veio no sangue dela, pois
todos de sua família costumam ter os cabelos enormes com rapidez.
Luna sobe na cama, com um bico adorável na ponta de seus lábios.
Como resistir? É impossível.
— Desculpe, amor, eu estava procurando um doador perfeito,
que se encaixasse nas nossas expectativas.
— Ele é sua versão masculina? — brinco, pegando os papéis
de suas mãos, e rapidamente inicio a análise da ficha, que
obviamente não tem nome ou qualquer tipo de contato, apenas as
características e algumas observações que me chamam a atenção.
— Mexicano, nascido em Acapulco, bailarino profissional, adora
cozinhar nas horas vagas. Estou lendo uma versão paralela minha?
Olho, surpresa, para ela, que tem um enorme sorriso nos
lábios.
— Veja as características. Cabelos e olhos castanhos, assim
como você.
— Estou surpresa, de verdade. Mas, meu amor, se
escolhermos esse, o nosso filho provavelmente virá com todos os
meus traços latinos.
— Justamente por isso é a escolha perfeita. Louis se parece
demais comigo, nada mais justo que a nova criança pareça com
você. Eu quero muito. — Os seus olhos refletem um brilho tão
adorável de expectativa. Eu a conheço o suficiente para saber que
esse é um desejo muito necessário. Estou disposta a realizar todos
os seus desejos. Obviamente, não sou capaz de negar nada.
— Eu nunca serei capaz de negar algo a você.
— Isso é um sim?
— Claro.
— Ah! — Ela praticamente se joga contra mim, fazendo-me
cair de qualquer forma sobre os travesseiros e soltar uma
gargalhada, por causa de sua animação. — Você é muito o amor da
minha vida. Eu tenho certeza de que essa criança será uma cópia;
logo, o bebê mais lindo do mundo.
— Nós fazemos bebês lindos.
— Com toda a certeza — ela murmura, antes de juntar os
nossos lábios.
O nosso beijo é carregado de amor e expectativas. Em breve,
focaremos o processo de inseminação, e eu mal posso esperar para
que possamos estar com o novo membro da família em nossas
mãos. Tenho certeza de que foi a melhor decisão que tomei.

Faz uma semana que comecei a tomar os remédios para o


processo de fertilização. Luna tem me tratado como se eu fosse de
cristal, até parece que já estou grávida. Senti náuseas esses dias, e
ela quase surtou. Tive que lembrar a ela os efeitos colaterais dos
meus remédios.
Apesar de, às vezes, quase enlouquecer com todo esse
cuidado excessivo, gosto da forma que ela cuida de mim. Tenho
muita sorte por ter a esposa perfeita, que é uma idiota, mas foi feita
na medida certa para mim.
O tempo está voando, e eu me sinto cada vez mais ansiosa.
Toda consulta nova que temos é um passo a menos na caminhada
de ter um novo filho. Eu me dei licença no meu trabalho, deixando
as aulas nas mãos do meu assistente de confiança. Os meus alunos
estarão bem com ele. Nesse momento, as minhas prioridades são a
minha família e a vida nova que virá. Estamos gastando parte de
nossas economias com esse processo, que valerá a pena. Estou
com aquele sentimento bom, de que vai dar tudo certo. Nada vai
nos atrapalhar dessa vez.
— Como está se sentindo?
— Belinda, essa é a quinta vez, em menos de meia hora, que
você me faz essa pergunta. — Reviro os olhos para a minha irmã,
que está sentada no sofá, ao meu lado. Ela veio passar o dia
comigo, mesmo eu dizendo não ser necessário. Todos estão
preocupados. Imagino quando for a vez de Luna passar por isso
novamente. — Será que a minha esposa está mandando
mensagens, para tantas perguntas assim?
Ela solta uma risadinha, jogando os cabelos curtos para trás.
Esse corte de cabelo a deixa tão parecida com a nossa mãe quando
era mais nova.
— Ela realmente mandou algumas. A Luna é muito protetora.
Essa criança nem existe ainda e já está sendo cuidada.
— Falei para ser menos exagerada, mas ela gosta disso. Não
brigarei sem motivo, vou deixá-la cuidar de mim como quiser.
Belinda estala a língua, fazendo um som irônico.
— Cadelinha.
— O que disse?
— Nada. Você acha que ela projeta em você a vontade de
ser cuidada quando estiver grávida?
— Como assim?
— Ah, você sempre cuidou muito dela nas tentativas que
fizeram antes, e na última vez, não foi bem assim, até porque você
nem fazia ideia de que ela estava grávida.
— Mas você sabia. — É impossível evitar o rancor em minha
voz, porque todos sabiam, menos eu. Tudo bem que era para ser
surpresa, mas ela não poderia ter me deixado de fora. — Eu não
acho, apesar de que encontrei algumas coisas no computador dela
sobre as mesmas coisas que eu pesquisei um tempo atrás.
— Sobre o quê?
— Um método que cria um espermatozoide feminino através
de células tronco. Eu lhe contei isso.
Belinda está surpresa ao me ouvir. Eu fiquei assim quando,
sem querer, encontrei essas pesquisas no computador do escritório
dela. Não estava espionando, estava tudo aberto quando fui fazer
algumas coisas do meu trabalho no computador.
— Você acha que ela está considerando tentar?
Paro para refletir e acho que é bem possível, e o pensamento
me faz abrir um enorme sorriso. Seria perfeito vê-la grávida e poder
cuidar dela também.
— Eu acho possível.
— E o que pensa disso? Vocês vão ter um filho agora, está
pronta para ter mais um?
— Pode parecer loucura, mas me sinto muito pronta. Com
ela, eu aceito tudo.
Belinda sorri e se aproxima de mim, pegando as minhas
mãos e olhando em meus olhos.
— Se essa for a sua escolha, estarei aqui, apoiando.
Eu amo o fato de ter essa conexão com ela, não apenas com
Belinda, mas com Sofia também. Sempre fomos muito unidas, agora
estamos ainda mais. Saber que tenho o apoio dela, em momentos
assim, me conforta. Sei que estou fazendo a coisa certa.
— É a escolha perfeita. Eu quero ver a minha esposa grávida
outra vez, e espero que ela também queira.
A minha irmã responderia, mas foi interrompida por uma
terceira voz, que fez o meu coração acelerar e todo o meu corpo se
arrepiar, ao ouvir as palavras que saíram de sua boca:
— Sua esposa também está pronta para tentar engravidar
outra vez.
Capítulo 37 – Gravidez dupla?
O meu coração está prestes a explodir, a rasgar o meu peito
ou a sair correndo. Desacreditada e feliz: é assim que eu me
descrevo, enquanto encaro minha esposa, ainda absorvendo as
suas palavras. Finalmente, tomo uma atitude decente e levanto-me
do sofá para ir em sua direção, e esse meu movimento parece ativar
algum instinto protetor dentro dela.
— Cuidado, amor. Não se levante tão rápido assim.
Lembra quando eu disse que ela está sendo exageradamente
preocupada comigo?
— Eu ainda não estou grávida, Luna. Meu Deus! Será que
você pode me esclarecer melhor que história é essa? Como? Onde?
Quando? — disparo perguntas, sem nem ao menos respirar, ainda
muito atordoada para pensar direito. Minha reação não pode ser
diferente, é totalmente compreensível a minha euforia, porque me
sinto feliz de uma maneira surreal.
A expressão de Luna suaviza, passando de preocupação
para tranquilidade, com aquele belo sorriso enfeitando o rosto pelo
qual tanto sou apaixonada, iluminando-o de uma forma incrível.
— Faz alguns dias que tenho aceitado o fato de tentar
engravidar outra vez. Eu queria contar, então deixei algumas coisas
para que você encontrasse e viesse conversar comigo, mas acho
que não deu certo. — Ela coloca uma das mãos na nuca, alisando-a
de uma maneira que demonstra a sua timidez.
Minha mente rapidamente começa a unir as peças: aquelas
pesquisas, que eu pensei serem particulares, eram para chamar a
minha atenção. Como pude ser tão lerda?
— Eu... Caramba.
— Cunhada, você é muito esperta, e minha irmã é muito
lenta. — Só então me lembro da presença de Belinda e olho em sua
direção, observando-a dar a volta no sofá para pegar a bolsa sobre
a mesinha de centro e colocá-la em seu ombro. — Vou deixá-las
sozinhas, porque precisam falar muita coisa. Você é muito capaz,
nunca se esqueça disso.
Belinda segura o rosto da minha esposa em suas mãos, e
elas sorriem uma para a outra, antes da minha irmã se inclinar para
a frente e beijar-lhe a testa. Em seguida, acena para mim e, então,
caminha em direção à porta de entrada, saindo e deixando nós duas
sozinhas. Sua compreensão naquele momento foi extremamente
importante, pois essa é uma conversa que precisamos ter em total
privacidade.
— Você...
— Eu preciso que entenda que ainda quero vê-la grávida,
mas saiba que também estou pronta para tentar de novo. Acha
muita coisa? Não quero te pressionar. — Ela mal termina de falar e
o meu corpo colide com o seu, em um apertado abraço. Luna solta
uma gargalhada gostosa, apertando-me em seus braços, mesmo
estando confusa com a minha reação. — Isso é um sim ou...?
A minha resposta é um beijo. Eu tento deixar claro para ela,
em cada movimento da minha boca sobre a sua, mesmo que de
forma desesperada, que estou com ela, disposta a fazer qualquer
coisa, desde que continuemos unidas. Luna me segura com força,
da maneira que sabe que gosto. As suas mãos acariciam as minhas
curvas, enquanto as nossas línguas parecem estar em uma dança
bem conhecida, que é só nossa. Um momento em que nada pode
mudar.
Beijar alguém que você ama passa uma sensação de fruta
fresca. Sabe aquele doce cítrico que faz o nosso estômago gelar de
felicidade? É como perder o ar sem perceber e, ao mesmo tempo,
encher os pulmões dele; é sentir na ponta da língua um sabor único,
que seu paladar reconhece em meio a milhares; é como voar sobre
um campo de flores que acariciam todos os poros do seu corpo,
arrepiando a sua pele e fazendo com que se sinta leve.
— Você não sabe o quanto esperei ouvir dizer que estava
pronta.
— Eu não sei se vai dar certo, mas quero muito tentar.
O brilho em seu olhar me garante a sua animação e
ansiedade em relação a esse passo. Não sei descrever com
exatidão como estou me sentindo. É uma coisa tão boa aqui dentro,
sabe? Estou muito feliz em engravidar outra vez, mas vê-la grávida
vai ser a coisa mais perfeita da minha vida.
Eu seguro as suas mãos e olho diretamente em seus olhos,
tentando lhe mostrar como estou feliz em saber que ela está
disposta a tentar mais uma vez. Uma voz linda diz baixinho no meu
ouvido para eu confiar, porque tudo vai dar certo. Penso ser apenas
a alegria em meu peito, mas me causa uma paz absurda.
— Estarei ao seu lado em todos os nossos momentos. Não
sabe como quero vê-la grávida, cuidar de você e enchê-la de mimos
o dia todo.
— Vai, amor?
— Muito. — Puxo-a para mim, selando os nossos lábios, e
Luna suspira, pressionando o seu corpo contra o meu, que
estremece quando deposito um delicado beijo em seu pescoço. —
Eu amo você.
— Amo você mais que tudo. — Uma de suas mãos cobre
parte da minha barriga, bem sobre o ventre, e a região esquenta
com o toque extremamente amoroso. — Quero vê-la carregar o
nosso filho — sua voz está carregada de emoção, e isso mexe
demais comigo. Faço o mesmo, cobrindo-lhe parte da barriga. Os
seus olhos brilham de lágrimas carregadas de afeto e amor.
— E eu também quero vê-la carregar o nosso.
Outro beijo sela o momento extremamente intenso, da
maneira mais simples possível. Pode parecer pouca coisa, mas
depois de tudo o que passamos, estar vivendo isso ao lado dela,
caminhando juntas, desejando aumentar a nossa família, é
simplesmente a melhor coisa do mundo.

Eu tenho sentido enjoos constantemente, um mal-estar que,


às vezes, parece não ter fim. Faz algumas semanas que iniciamos o
processo de inseminação. Eu estava me sentindo bem, mas nos
últimos três dias parece que estou andando em círculos. Não
comentei com a Luna sobre os sintomas, porque não quero deixá-la
preocupada ou animada com a possibilidade de ter dado certo, mas
não posso esconder por muito tempo.
Minha esposa está milhares de vezes mais protetora e
observadora do que o comum, desconfiada de alguma coisa, mas
não me pressiona para saber o que está acontecendo. Eu observo
os olhares dela sobre mim, e quando chega do trabalho, sempre faz
umas perguntas, como se esperasse algo a mais nas minhas
respostas. Assusta-me como essa mulher sabe tudo sobre mim. Eu
gostaria de lhe fazer uma surpresa, mas tenho certeza de que Luna
prefere descobrir comigo se o procedimento deu certo ou não.
— Trouxe comida chinesa para o jantar — diz ao entrar no
quarto. Eu escutei a porta da frente ser aberta e não demorei a ouvir
a sua voz, anunciando a chegada, mas fiquei com preguiça de me
levantar. Não sei por que estou me sentindo tão cansada. — Oi,
princesa. — Quando para ao meu lado, se curva sobre mim, apoia a
mão sobre o colchão e se estica para alcançar os meus lábios.
Rapidamente, seguro a sua nuca e pressiono a minha boca na dela,
e Luna sorri, ao perceber quão ansiosa eu estou para beijá-la.
— Senti sua falta, amor.
— Eu também senti a sua. Como está se sentindo?
— Melhor agora — murmuro, manhosa, fazendo-a sorrir.
Quando Luna se afasta de mim, eu sinto o cheiro de seu perfume
misturado a outro. O meu estômago revira, e tenho que respirar
fundo para não deixar que ela perceba algo. — Vai tomar banho?
— Está dizendo que estou fedendo? — ela brinca, tirando a
roupa, e eu puxo uma breve respiração, tentando controlar, mas
está cada vez mais difícil.
— Claro que não, amor. Eu só… — Sem poder evitar,
levanto-me rapidamente da cama, corro em direção ao banheiro,
passo por minha esposa confusa e finalmente chego ao vaso
sanitário, curvando-me para despejar tudo o que havia no meu
estômago. Luna não demora a se ajoelhar ao meu lado, para
segurar os meus cabelos e acariciar as minhas costas.
— Você continua tendo enjoos? — ela questiona de repente,
fazendo-me ficar rígida. — Sim, amor, eu sei que está tendo muitos,
e você sabe que não pode esconder as coisas de mim por muito
tempo.
— Amor...
— Shhh... Tudo bem, princesa. Eu me preocupo, mas espero
o momento certo de perguntar.
Concordo com a cabeça, finalmente me sentindo melhor.
Luna fecha a tampa do vaso e me ajuda a ficar de pé, guiando-me
até a pia do banheiro, para que eu escove os dentes e tire o gosto
ruim da boca. Ela não sai do meu lado nem um segundo sequer, as
suas mãos permanecem em qualquer parte do meu corpo, como se
estivesse com medo de me soltar e eu quebrar. Já disse que amo
como ela é exageradamente cuidadosa comigo? Esse é um dos
motivos que me faz ser tão apaixonada por essa mulher.
— Eu acho que precisamos fazer o exame.
Luna demora alguns segundos para entender o que estou
falando, então os seus olhos brilham intensamente. Tenho certeza
de que o seu coração está disparado dentro do peito.
— Você acha que deu certo?
A pergunta me faz levar as mãos à barriga, cobrindo a região
do ventre com carinho. Olho para baixo, abrindo um enorme sorriso
ao vê-la cobrir as minhas mãos com as suas. Os nossos olhares
voltam a se cruzar. Estamos emocionadas e ansiosas, nem é
preciso dizer para ter certeza.
— Eu tenho certeza de que sim.
Não resisto a tomar um banho com ela, que esfrega cada
parte do meu corpo e me enche de beijos. O momento é
extremamente carinhoso, sem maldade alguma. Apesar de os
nossos corpos sempre reagirem quando estamos assim, nada
acontece, além de amor e cuidado. Quando nos vestimos,
descemos para encontrar o nosso pequeno e ficamos surpresas ao
ver a mesa do jantar posta.
— Você fez tudo isso, carinha?
— Sim, mamãe — ele responde, orgulhoso, tirando uma
longa mecha do cabelo que cobre os seus olhos. Depois de
entender o motivo de não querer cortar os cabelos, eu fico mais
apaixonada, ao vê-lo, e me torno extremamente protetora sempre
que vai aparar as pontas, com medo de que cortem demais.
— Que orgulho do meu pequeno!
Eu me aproximo, puxando-o para mim e abraçando-o de
lado. Louis está orgulhoso e fica todo feliz quando Luna o elogia
também. Ela pega a comida na cozinha, e rapidamente começamos
a jantar. Entre conversas e risadas, fico sem saber se devemos
conversar com o nosso pequeno sobre o que está acontecendo,
mas acredito que, assim como eu, a minha esposa queira esperar a
confirmação. Sabemos que é uma vontade gigantesca do nosso
filho, não queremos deixá-lo com esperanças.
No outro dia, de manhã, estou me sentindo absurdamente
feliz. Noite passada foi incrível, não somente pelo jantar maravilhoso
que tivemos em família, mas também pelos méritos exclusivos da
minha esposa e suas habilidades sexuais, que sempre me fazem
sentir uma mulher extremamente sensual e desejada. Além disso,
temos uma consulta marcada para saber se vamos ter um novo filho
ou não. Estou com a expectativa nas alturas.
— Carinha, boa aula. Não se esqueça do que conversamos
sobre prestar atenção nos professores e deixar a conversa com os
amigos para o intervalo.
— Tudo bem, mamãe. Eu amo a senhora. — Ele se estica,
entre os nossos bancos, para beijar o rosto de Luna, que retribui o
carinho.
— Amo você, carinha.
Depois, a sua atenção é para mim, e eu não resisto: o abraço
pelo pescoço e encho seu rosto de beijos, fazendo-o gargalhar e,
logo em seguida, retribuir todos os beijos.
— Amo você, mommy.
— Amo você, meu bebê. Vou sentir saudade.
— Também — ele apenas responde que também sentirá
saudade e sai rapidamente do carro, quando ouve os seus primos e
amigos chamando.
Acenamos para os pequenos e esperamos que todos entrem
no colégio, para, só então, sairmos dali. Minha esposa coloca a mão
sobre a minha coxa, apertando a região e fazendo um leve carinho.
— Nervosa?
Sorrio e cubro sua mão com a minha, entrelaçando os nossos
dedos.
— Bastante, e você?
— Também, mas tenho certeza de que teremos uma resposta
positiva — ela soa bem animada, leva a minha mão até a sua boca
e deposita beijos carinhosos. — Nossos familiares vão enlouquecer.
— Vou enlouquecer junto com eles. Não vai ser a primeira
gestação, mas estou com aquele frio na barriga, como se fosse a
primeira vez.
— É totalmente compreensível, amor, mesmo que agora você
tenha lembranças de ter carregado o nosso pequeno.
— Uma pena não me lembrar de tudo — murmuro, sentindo-
me entristecida durante alguns segundos, e Luna aproveita que
paramos no sinal para se virar para mim, fazendo-me encará-la.
— Nossas novas lembranças deixarão você feliz, e ainda
acredito que conseguirá se lembrar de tudo.
— Sério?
— Muito, amor.
Eu me inclino para beijá-la, mas uma buzina acaba nos
assustando e fazendo com que levemos um susto. Luna volta a
dirigir, e não demoramos muito a chegar à clínica, onde farei o
exame de sangue que, para nós, é o mais correto para termos a
resposta. Respiro fundo quando saímos juntas do carro, e Luna
rapidamente vem para o meu lado, unindo as nossas mãos. Sinto-
me bem mais segura e tranquila com ela, ainda bem que não a
privei de estar aqui neste momento, apesar de achar que ela
adoraria ser surpreendida em qualquer lugar, de qualquer maneira.
Mas sinceramente? Nada se compara a tê-la do meu lado nesse
momento.
— Ainda bem que chegamos no horário. Não seria nada bom
nos atrasarmos logo na primeira consulta com a médica nova.
Luna solta uma risadinha, puxando a cadeira para que eu me
sente. Estamos esperando a médica, ela trará o resultado do exame
realizado mais cedo.
— Nós nem demoramos na cafeteria, amor. Ela avisou que
demoraria um pouco.
— Mesmo assim, amor. Ela é esposa da sua psicóloga,
imagine se comenta que chegamos atrasadas.
— Você é muito paranoica, minha princesa.
Nem tenho tempo de rebater, porque ouvimos a porta ser
aberta, e por ela, uma morena baixa, de sorriso muito bonito,
adentra o local. Ela está com um envelope branco nas mãos,
analisando-o, e o meu estômago revira de nervoso.
— Bom dia, doutora Gomes — minha esposa e eu falamos
ao mesmo tempo, fazendo-a sorrir, antes de sentar-se na cadeira
em nossa frente.
— Sem tantas formalidades, por favor. Podem me chamar
apenas de Alex.
Acenamos com a cabeça. Nem preciso olhar para a minha
esposa para saber que se sente tão nervosa e ansiosa quanto eu
nesse momento.
— Vocês duas são um casal muito bonito. Taylor comentou
bastante sobre vocês.
— Ela é muito simpática e uma ótima profissional — Luna
elogia a terapeuta, fazendo com que Alex abra um sorriso,
orgulhosa.
— Como estão? Nervosas?
— Muito — respondo de imediato.
— Parece que vou colocar todos os meus órgãos pra fora, de
tanto nervosismo dentro de mim — Luna fala rapidamente,
tropeçando nas palavras, o que acaba nos fazendo rir de sua
afobação.
— Quantas tentativas de inseminação vocês fizeram?
— Uma. Sabemos que a probabilidade é bem pequena, mas
a minha esposa tem sentido muita sonolência e enjoos. Camille
ficou dessa mesma forma quando engravidou da primeira vez, foi
por isso que viemos, para termos alguma resposta.
Alex concorda com a cabeça, ajeitando o óculos de grau que
tinha descido para a ponta de seu nariz. Ela relê alguma coisa no
resultado do meu exame e, então, abre um belo sorriso. Nem
precisa dizer nada, eu já sei.
— Vocês são muito sortudas. Meus parabéns, o exame deu
positivo.
Impossível me controlar. Jogo-me de qualquer forma contra
Luna, que, mesmo atordoada, me segura com firmeza, para que eu
não me machuque ou algo assim. O meu rosto fica na curva de seu
pescoço, e as lágrimas de felicidade escorrem pelos meus olhos. O
meu coração parece estar em festa dentro do peito. Coloco a mão
sobre a minha barriga e abro um enorme sorriso.
— Vamos ter um bebê novo? — Luna pensa alto, pois a sua
voz sai muito baixa, e eu apenas ouço por estar grudada nela.
Coloco-me para trás, olhando para o seu rosto. Minha esposa tem
um brilho em seu olhar tão familiar. Encarar o mar verde, repleto de
emoções, é como sentir tudo o que ela está sentindo neste
momento. Ela nem se importa com a presença da médica e encosta
a sua boca na minha. O contato não passa disso, mas me deixa em
êxtase de qualquer forma.
— Vamos ter um bebê novo, meu amor. Você será mãe, eu
serei mãe.
— Vamos ser mães outra vez — ela repete, como se
quisesse confirmar para si mesma, e eu sorrio, concordando com a
cabeça, antes de, mais uma vez, beijá-la, agora intensificando o
contato. Não deixo que o beijo se torne algo muito longo, pois ainda
precisamos de algumas informações sobre os cuidados e outras
coisas.
Mal posso esperar para contarmos ao carinha que ele será o
irmão mais velho.
A doutora Gomes nos explica alguns cuidados que devemos
tomar. Nada diferente daquilo que eu já saiba, porque, enquanto
estou em casa, de repouso, leio bastante e converso com amigos e
familiares, principalmente com a minha mãe. Nessas horas, é muito
bom ter contato com as pessoas que eu amo. Sei que, apesar de
não precisar tanto de ajuda, posso chamar qualquer um deles que
rapidamente virá.
— Pode ter certeza de que cuidarei muito bem dessa
gravidinha aqui — minha esposa diz, com toda a certeza, à médica,
pegando uma de minhas mãos para segurá-la.
— Eu tenho certeza de que sim. Alguém tem alguma dúvida?
Vou deixar os meus contatos com as duas, agora que serei a
médica de vocês e acompanharei essa gestação. Quero que saibam
que poderão me encontrar a qualquer momento.
— Obrigada, doutora — eu lhe agradeço rapidamente. Então,
uma dúvida surge em minha mente. — Eu tenho uma pergunta. Hm,
com relação a sexo, poderemos fazer normalmente?
— Meu Deus, Camille — minha esposa está chocada ao meu
lado, cobrindo o rosto com as mãos e abaixando a cabeça. A sua
reação faz a médica rir, e eu deveria estar tímida, mas por que
ficaria? Ela é ginecologista e obstetra, deve estar mais do que
acostumada com esse tipo de pergunta.
— Sim, vocês poderão fazer sexo normalmente, apenas
devem tomar alguns cuidados. Toda gravidez tem os seus riscos,
mas se seguirem as recomendações, tudo dará certo.
— Ótimo. — Não posso evitar a minha animação, então olho
para Luna e a vejo encarando-me, boquiaberta. — O quê?
Ela acaba negando com a cabeça e solta uma gargalhada,
desviando o seu olhar do meu. O que tem de errado em querer
saber se poderei fazer amor com a minha esposa? Gravidez não é
invalidez, certo?
Estamos deitadas, praticamente coladas em nossa cama,
enquanto assistimos a alguns dos nossos muitos vídeos. Diversos
momentos, e revê-los me traz a sensação de ter vivido aquilo,
lembro-me vagamente. As minhas lembranças têm estado dessa
forma, tenho tido sonhos muito esclarecedores, mas nada como ter
nitidamente na minha mente. Fico triste por não conseguir lembrar
com clareza, mas, ao mesmo tempo, animada com a possibilidade
de conseguir estimular a minha memória e reacender algumas
coisas.
— Temos fotos que você vai adorar rever — diz Luna,
soltando-me para que eu possa me levantar.
Isso me faz choramingar, rolando na cama e encarando-a,
enquanto ela se afasta em direção ao closet. Suspiro alto, tentando
chamar sua atenção, já que está revirando algumas coisas lá
dentro, provavelmente buscando os álbuns de fotos. Pego o celular
e verifico as mensagens, não sendo capaz de conter as risadas ao
ler o que estão falando no grupo.
— Amor, você viu o que a Vanessa está falando no grupo? —
Levanto-me rapidamente, calço os meus chinelos e caminho em
direção ao closet, onde a minha esposa parece presa de alguma
forma. Tenho um sorriso, que morre no exato momento em que a
vejo ajoelhada no chão, cercada de álbuns, mas não apenas disso.
— Luna?
— Como eu posso ser tão cega? — Sua voz tão quebrada
me deixa em pedaços, e o meu coração é comprimido no peito. Ela
está quebrada também.
Uma angústia se instala dentro de mim por querer vê-la bem
no mesmo momento. Minha esposa está perdida. Em suas mãos,
uma das tantas cartelas de antidepressivos, que eu havia
encontrado antes e nunca comentei nada.
— Meu amor...
— Você estava desmoronando na minha frente, assim como
o nosso casamento. Como pude não notar isso? Era nítido. — Seus
olhos encontram os meus, e vejo a dor refletida, em um brilho
melancólico, no verde pelo qual tanto sou apaixonada. Não evito me
ajoelhar à sua frente, segurando o seu rosto. — Relembrando as
coisas agora, fui muito cega e idiota.
— Meu amor, pare de se culpar. Eu deveria ter comentado
com você sobre esses remédios antes.
— Você os encontrou antes?
— Sim. — Suspiro longamente ao vê-la abaixar a cabeça. —
Não sabia o que estava acontecendo, mas depois de ter encontrado
todos esses remédios e as coisas escritas em alguns diários, tenho
certeza de que eu estava me afundando de uma forma absurda,
mas não se culpe por isso.
— Quebra-me imaginar que você precisava de ajuda, e eu
não notei. Não estive ali pra você.
— Da mesma forma que eu também não percebia antes o
quanto você precisava da minha ajuda. Foi necessário acontecer
tudo isso para voltar a reparar em você e conseguir estar aqui.
— Eu não mereço...
Cubro rapidamente a sua boca com as minhas mãos,
fazendo um som para que ela pare de falar besteiras. Se ela
soubesse o quanto a amo e sou grata por tê-la. Não quero outra
pessoa para dividir tudo na minha vida e entregar o meu coração.
— Você é o amor da minha vida. Nunca me deixou
desamparada, esteve aqui até mesmo quando não mereci você.
Não existem culpados, nós duas cometemos erros. Estávamos
guardando coisas que nos sufocavam e não sabíamos como pedir
ajuda.
— Estou me sentindo uma merda.
— Como você acha que fiquei quando soube que não estava
sendo mais a sua pessoa? Eu falhei com você mais do que você
poderia ser capaz de contar. Tenho consciência disso e estou me
redimindo todos os dias. Sou muito grata por ter você, sou muito
feliz ao seu lado e, mesmo sem me lembrar das coisas, me sinto
completa.
Ela funga, ainda muito abalada para elaborar uma resposta
rápida. Aproveito esse momento de silêncio para beijá-la, tentando
transparecer o quanto sou grata por tê-la. Luna parece desesperada
para me beijar, ansiosa por mais daquele contato.
— Eu amo você. Desculpe-me por não ter percebido antes.
— Shh! Isso ficou no passado. Saiba que eu sou muito grata
por ter você, por tudo que construímos e continuamos construindo
agora. Meu maior presente é você. Luna, você é a minha pessoa.
Um enorme sorriso se abre em seu rosto, e sem poder evitar,
a beijo mais uma vez, fazendo-a sorrir em meio ao contato de
nossas bocas unidas.
— Você é minha pessoa também, vida — ela murmura,
puxando-me para cima de seu corpo, e as suas mãos fortes tocam a
minha pele, apertando os lugares certos. Luna me conhece como
ninguém nesse mundo. Às vezes, fico preocupada que possa me
conhecer melhor que até eu mesma. Meu corpo se arrepia quando
sua boca toca o meu pescoço, e coloco as minhas pernas ao lado
de suas coxas, ficando em seu colo.
— Me ame, me tenha como ninguém nunca será capaz,
porque eu sou só sua. — Não é preciso pedir outra vez para ter a
sua boca marcando o meu corpo. Nem me importo com as
prováveis marcas que ficarão no meu pescoço, vou adorar olhar e
me lembrar do momento de cada uma delas.
Luna desliza as mãos em minha cintura e chega à minha
bunda, arrancando-me um gemido com o aperto firme. Ela segura a
barra da blusa que estou vestindo, e logo eu entendo e permito que
tire a peça de mim.
Apenas de calcinha, estou no colo da mulher que amo,
sentindo as suas mãos tocarem o meu corpo com força e cuidado,
de uma maneira que eu gosto, e ela sabe. Ninguém será capaz de
fazer da mesma forma, e sei que será impossível eu me sentir tão
desejada e amada desta maneira. Luna tem tudo de mim, ela me
tem como ninguém. Eu sou dela, fui feita para ela, caminho ao lado
dela, porque a minha vida é ela.
Estamos terminando de arrumar as coisas para o jantar
quando ouvimos um carro estacionar na porta de casa. Olho para a
minha esposa e não posso evitar um sorriso, ao pensar em como
será a reação do nosso pequeno ao saber da novidade. Como
instinto, cubro a minha barriga com as minhas mãos. Essa criança
ainda nem se formou, e já sinto um amor imenso por ela.
— Está entregue este pacote — assim que abrimos a porta,
meu cunhado Rodrigo diz, com Louis em seus ombros, que
gargalha quando Luna faz cócegas em sua barriga e o pega no colo,
com certa dificuldade, pois o nosso pequeno está cada vez maior.
Logo não caberá mais em nossos braços. Imaginar isso me deixa
entristecida, gostaria que ele permanecesse pequeno para sempre.
— Obrigada, Rodrigo. Ele se comportou?
— Ele sempre se comporta, e os meninos amam quando ele
vai passar o dia lá em casa. Serena perguntou por você.
— Eu sei, estou devendo-lhe uma festa do pijama, marcarei
para o mais breve possível. Nos últimos dias, estive ocupada, não
lhe daria a atenção devida.
— Imaginei mesmo. Bom, preciso ir, a sua irmã me entregou
uma lista de mercado enorme.
— E cadê ela? — questiono, curiosa, por não a ver nem
mesmo dentro do carro.
— Está em casa, usufruindo da hidromassagem nova que
instalou no banheiro. — Eu acho que não consigo disfarçar a minha
confusão, porque o meu cunhado abre um sorriso descontraído
antes de me responder, sem que eu precise perguntar: — Depois
que terminamos a reforma do banheiro, Belinda se apropriou de
tudo. Era o seu sonho deixá-lo daquela forma. Eu ainda nem
experimentei a banheira nova.
Luna surge ao nosso lado, rindo da expressão frustrada de
Rodrigo.
— Boa sorte, as Cruz são bem possessivas.
— É, eu sei bem.
Rodrigo se despede de nós e volta para o carro, não
demorando a sair e a sumir rua acima. Olho para a minha esposa e
ergo uma sobrancelha. Ela parece confusa, encarando-me da
mesma forma.
— Somos possessivas?
Ela rapidamente identifica algo em minha voz e arregala
levemente os olhos, abrindo um sorriso sem graça. Ela tenta
segurar minha cintura, mas dou-lhe um olhar severo, fazendo-a ficar
no mesmo lugar.
— Comida mexicana para o jantar! Isso! — A voz de Louis
me faz desviar o olhar para o meu filho, que comemora, com as
mãos erguidas, enquanto vem em nossa direção.
É impossível não sorrir e esquecer que estava intimidando
minha esposa. Olho de soslaio para Luna, que está aliviada.
— Salva pelo gongo! — murmuro, encarando-a friamente,
antes de voltar a minha atenção para o meu filho. Senti saudade
dele, posso muito bem me resolver com essa engraçadinha depois.
E eu amo deixá-la nervosa, é divertido.
O nosso jantar ocorre da melhor forma possível. Para a
sobremesa, Luna e eu resolvemos fazer uma das coisas que o
nosso filho mais ama: torta de morango com chocolate. Ele come e
repete duas vezes, por estar faminto — ou porque fizemos tudo o
que ele adora. Quando terminamos de arrumar as louças do jantar,
resolvemos que é o momento perfeito para contar que ele será o
irmão mais velho.
— Carinha, sua mãe e eu queremos contar uma coisa —
Luna diz, assim que ele se senta no sofá. Eu me sento ao lado dele;
ela, na mesinha de centro em nossa frente. Louis está curioso, olha
para mim e depois para ela, tentando saber o que está
acontecendo.
— Mommy, está tudo bem?
— Sim, meu amor. Eu quero te entregar um presente. — Ele
parece ficar tranquilo e animado ao me ouvir. Luna me entrega a
sacola que contém uma blusa, e eu rapidamente entrego ao
pequeno curioso. — É um presente muito especial, que apenas os
garotos sortudos têm.
Louis praticamente rasga o embrulho, ansioso para saber o
que ganhou, encontra a blusa e rapidamente a desdobra, franzindo
o cenho ao ler o que está estampado na parte da frente.
— Eu... — Suas palavras se perdem, ele nos encara e depois
volta a ler o que está escrito. Pedimos para a gráfica estampar a
seguinte frase: “Status atualizado: irmão mais velho.” — Vou ganhar
um irmão?
— Ou uma irmã — Luna responde, e Louis demora apenas
milésimos de segundos para soltar um grito de animação, agarrando
o pescoço da mãe e, em seguida, me puxando para si, envolvendo-
me em um abraço.
— É verdade, mamães?
— Sim, meu amor. Está feliz? — respondo-lhe, segurando o
seu rosto. Os seus olhos enchem de lágrimas, e ele acena
freneticamente com a cabeça.
Não sou capaz de evitar a emoção que toma conta de mim, e
logo estamos os três chorões abraçados, derramando lágrimas de
felicidade. Estou em casa, sinto-me amada. Essa é a minha família,
e em breve, seremos quatro. Quero a nossa casa cheia. Só espero
que minha esposa ainda se sinta da mesma forma.

Não me lembro se algum dia fui tão mimada na minha vida.


Nas últimas semanas, tenho me sentido em um verdadeiro paraíso.
Luna e Louis estão me tratando como uma princesa real, fazem tudo
o que eu quero, e, às vezes, nem preciso me dar o trabalho de dizer,
porque os dois conhecem bem o meu gosto. Jamais reclamarei
disso, porque adoro ser tratada dessa forma. É bom demais ver as
pessoas que eu amo ansiosas e alegres por causa do novo bebê
que vai chegar.
Nós descobriremos o sexo essa semana. Eu pretendia
esperar, para ser surpresa, mas o nosso pequeno está animado
demais para saber se terá um irmão ou uma irmã, então não
prolongaremos a sua ansiedade e vamos levá-lo à consulta
conosco.
Os meus dias têm sido tranquilos, mas apenas os dias,
porque as noites são um pouco complicadas. Com dificuldade para
dormir, fico agitada e remexendo-me na cama, o que faz minha
esposa acordar diversas vezes. O fato de ficar presa no quarto me
deixa ainda mais ansiosa quando estou com insônia, por isso tenho
descido para a sala e ficado um tempo relaxando, sozinha,
esperando o desconforto passar, para, só então, dormir.
Olho para o lado e sorrio com a imagem da Luna toda torta
no sofá, quase caindo para a frente, por estar cochilando. Mesmo eu
zelando pelo seu conforto, ela não desgruda de mim nunca.
Confesso que gosto demais de todo esse carinho, ainda mais agora
que tenho estado tão necessitada da atenção dela. Tenho tentado
deixá-la descansada, porque estou em casa, mas ela continua
trabalhando e recebendo diversas propostas de trabalho. Fico
orgulhosa por vê-la tão bem em sua carreira, ainda mais agora que
seus pais têm dado todo o apoio que ela sempre desejou. Ana e ela
estão cada vez mais unidas, se dando melhor, e se entender com a
própria mãe sempre foi um dos desejos da vida dela. Aos poucos,
tudo está se encaixando no lugar.
— Meu amor, vá se deitar na cama. Eu vou subir também.
Ao ouvir a minha voz, ela rapidamente desperta, ainda
confusa, limpando o canto da boca, um pouco ofegante. Acho que a
assustei sem querer. Os seus sentidos estão muito mais aguçados
ultimamente, e eu acredito que seja pelo fato de a gravidez estar me
deixando meio instável. Mas tudo está bem com o bebê, que está
crescendo como deve e não apresenta problema clínico algum até o
momento. Provavelmente, são apenas consequências de estar
gerando uma criança, mas vocês conhecem a esposa protetora que
eu tenho, certo?
— Tudo bem? Precisa de alguma coisa? Água? Desejo?
Fome? — De maneira afobada, ela pergunta e se arrasta para perto
de mim, erguendo as minhas pernas para ficar o mais próximo
possível. Eu estou deitada de lado, com as pernas sobre ela, que
está sentada no canto do sofá. Luna faz uma massagem deliciosa
nos meus pés, depois acaba dormindo.
— Eu quero subir e colocar você na cama.
Ela suspira, parecendo aliviada.
— Está melhor?
— Sim — respondo com sinceridade, virando-me para ficar
de pé, e ela não demora muito a fazer o mesmo, apoiando as mãos
em minha lombar, como se fosse o meu suporte para não cair. Eu
acho que Luna confunde gravidez com invalidez às vezes. — Quero
subir e colocar você na cama. Vamos?
Ela somente concorda com a cabeça, bocejando, antes de
me acompanhar. Sinto muita pena por tê-la tirado de nossa
confortável e espaçosa cama para deixá-la ficar no sofá, em uma
posição nada confortável. Não tenho culpa totalmente, eu tentei
fazê-la se deitar no quarto, mas não existe pessoa mais teimosa que
a minha esposa.
Luna me ajuda a subir na cama e rapidamente dá a volta,
deitando-se sob as cobertas e arrastando-se para perto de mim.
Quando me deito, de costas para ela, as suas mãos tomam conta
do novo local favorito: a minha barriga de grávida. Só dorme
fazendo carinho nela, todo dia é assim. Acredito que também serei
assim quando for a sua vez de ser a grávida. Estou ansiosa pelo
momento em que a ouvirei dizer que está pronta para iniciar o
tratamento.
— Está tudo bem? — sua voz rouca ressoa, e é nítido quão
cansada ela está. Isso me deixa angustiada, porque amanhã ela
trabalhará exausta outra vez. Seguro a sua mão, que está em minha
barriga, acariciando-a lentamente.
— Vou ficar melhor se você dormir.
Ela resmunga alguma coisa que não entendo, e em pouco
tempo, o sono a vence. Dessa vez, nem eu mesma consigo evitar e
acabo dormindo, sentindo os seus carinhos lentos em minha
barriga.
Mal posso esperar pelo momento em que teremos o nosso
pequeno ou nossa pequena em nossos braços.

É um menino.
Outro menino na nossa casa. Quando a doutora Gomes nos
diz que teremos mais um homem, o nosso filho fica extremamente
animado, imaginando vários momentos com o seu irmão. Luna e eu
estamos felizes também, embora eu achasse que dessa vez seria
uma menina, mas estou feliz de qualquer forma. Ele será muito
amado.
— Mamães! — Louis nos chama de repente, quando já
estamos no carro, voltando para casa, depois da consulta. Tudo
está bem com o nosso garoto, e em alguns meses, ele estará
conosco, enchendo-nos de alegria.
— Sim, pequeno — eu lhe respondo e olho para trás,
enquanto minha esposa foca a estrada e apenas lança um olhar,
através do retrovisor, em direção a ele. Meu filho mexe em seus
cabelos longos de forma nervosa, ansioso. Isso me desperta a
curiosidade.
— Já escolheram um nome para o meu irmãozinho?
Um pequeno sorriso surge em minha boca, então olho para
Luna e a vejo abrir o mesmo sorriso.
— Você tem alguma sugestão, carinha?
Louis alisa uma mão na outra e confirma com a cabeça.
Estou ainda mais curiosa para saber por que ele está tão nervoso.
— O que as senhoras acham de Gabriel? — ele questiona,
receoso, sem saber se daremos uma resposta positiva. O carro dá
uma leve travada, e eu desvio o olhar para a minha esposa, notando
que ela ficou surpresa, a ponto de quase frear o carro. Minha mente
rapidamente busca e encontra o motivo daquele pedido, e o meu
coração se enche de amor por saber que Louis quer homenagear o
seu melhor amigo, que hoje está no céu.
— Eu acho perfeito, meu amor.
— Sério? — Sua surpresa nítida me faz abrir um sorriso, e eu
me estico para pegar uma de suas mãos e fazer um carinho.
— Claro, meu amor. Não é, Luna? — Olho para a minha
esposa e noto que está emocionada, mas abre um enorme sorriso e
concorda com a cabeça.
— Eu acho Gabriel um nome perfeito.
Os meses que se seguem são exatamente desta forma. Eu
felizmente paro de ter insônias no meu sexto mês de gestação, o
que deixa Luna provavelmente muito aliviada, por não ficar tão
cansada, e, ao mesmo tempo, tranquila por saber que me sinto
melhor. Ela se preocupa muito comigo. Eu continuo sendo mimada e
muito cuidada pelos meus dois amores.
Neste momento ou em breve, acontecerá o que esperamos
há muito tempo. As minhas contrações estão cada vez mais
intensas e doídas, e Luna está angustiada por me ouvir gemer de
dor, mas se concentra na direção, enquanto estamos indo ao
hospital, onde darei à luz. Espero que o parto não seja tão
demorado quanto o primeiro, pois foram demoradas nove horas até
o nascimento do meu pequeno, pelo que fiquei sabendo por meio
das histórias que a minha esposa contou.
— Finalmente, conheceremos o nosso anjo Gabriel — Luna
diz, com a mão apoiada em minha coxa, fazendo carícias para me
deixar mais calma. Em sua voz, identifico um sorriso bobo, que vejo
em seu rosto quando a olho.
Sim, meu amor. Finalmente vamos conhecê-lo.
São longas horas, sete horas e meia para ser mais exata.
Minha esposa fica ao meu lado o tempo todo, dando-me carinho e
apoio, e quando ouvimos o choro do nosso filho, é como se a vida
estivesse ganhando um sentido novo. Luna chora. Eu choro. Acho
que até mesmo os enfermeiros choram com toda a nossa emoção.
Parecemos duas crianças choronas, mas como poderia ser
diferente?
O sentimento de ser mãe é inexplicável, e mesmo o
conhecendo, acaba se tornando ainda mais intenso, porque estou
vivenciando isso outra vez. Eu acho que quando temos um filho e
depois outro, esse sentimento de proteção, amor e afeto é dobrado
e continua crescendo, conforme a família vai aumentando. Segurá-
lo em meus braços e olhar o seu rostinho, tão lindo e extremamente
branco, com tantos cabelos, me faz derramar ainda mais lágrimas
de alegria.
Minha esposa segura uma câmera, registrando os momentos,
como ela gosta.
— Ele parece mesmo um anjo. Nosso pequeno anjo! —
minha voz está embargada, e Luna se aproxima, usando os
polegares para secar as minhas lágrimas. Parece que nada ao
nosso redor existe, além de nós três. Ela olha para o nosso
pequeno, tão apaixonada quanto eu, e acaricia sua bochecha com
carinho.
— É o mais novo amor da minha vida — ela murmura, por
trás da máscara que está usando, e ficamos assim, as duas
babando o nosso pequeno filho.

Finalmente recebo alta, e podemos ir para casa, levando


nosso novo amor conosco. Eu aproveito para tomar um banho e sair
cheirosa, com roupas limpas e a expressão melhor. Estava como
uma louca, com tantas olheiras e aspecto de cansada. Sinto-me
melhor agora.
Quando volto ao quarto, deparo-me com uma das cenas mais
lindas de toda a minha existência: Luna sentada na cama,
contemplando o nosso pequeno em seus braços, como se fosse a
coisa mais preciosa e incrível do mundo, o que, de fato, é mesmo.
Meu coração se enche de alegria ao vê-la assim, tão protetora e
amorosa. Gabriel ergue a sua mãozinha, de repente, e segura o
dedo dela, fazendo-a soltar uma lufada de ar e os seus lábios
tremerem.
Mesmo um pouco distante, é impossível não ver o exato
momento em que ele abre a boca, como se quisesse sorrir, fazendo
com que os seus pequenos olhos fiquem fechados, enquanto aperta
o dedo da minha esposa. Luna não consegue segurar a emoção,
fungando algumas vezes, ao mesmo tempo que mantém os olhos
fixos em nosso filho. Ela tenta não chorar sobre ele, mas está quase
perdendo a batalha.
Meu coração parece muito acelerado, observando a cena de
duas das três pessoas que amo mais que tudo nessa vida. Um
momento silencioso de extremo carinho.
— Eu vou amar e proteger você de tudo, pra sempre — ela
sussurra baixinho, como um segredo entre os dois. Gabriel vira o
pequeno rosto, parecendo entender o que a mãe lhe diz, e ergue a
outra mãozinha para segurar o dedo dela também. Luna solta uma
risadinha, inclinando-se para beijar as pequenas mãos do nosso
filho.
— Vamos?
Deixo-a ciente de minha presença, e minha esposa
rapidamente olha para mim. Seus olhos têm um brilho intenso e
parecem ter luzes internas. De alguma forma, eu penso reconhecer
aquele olhar, e algumas lembranças vêm à minha mente. Pareço
viver um déjà-vu, e tudo parece em câmera lenta quando a ouço
dizer:
— Estou pronta para iniciarmos o tratamento. Eu quero
engravidar logo.
Capítulo 38 – Finalmente completas
— Você não pode evitar olhar dessa forma pra eles, não é?
Olho para o meu lado e vejo a minha melhor amiga sentar-se,
com o pequeno Seth em seu colo. Um sorriso nasce em meus
lábios, e rapidamente o pego, aconchegando-o em meu colo.
— Está falando sobre o quê?
— Os três amores da sua vida. — Meus olhos
automaticamente vão para o outro lado do quintal, onde a minha
esposa, os nossos dois filhos e sobrinhos estão sentados sobre a
sombra de uma árvore, enquanto se divertem. — Como estão as
coisas?
— Bem. Tenho dormido pouco, por causa do Gabriel, mas
nem reclamo. Eu amo a sensação de ser mãe e saber que esse
pequeno precisa dos meus cuidados.
— É bom mesmo, é um dos amores mais lindos que existem
no mundo. Não planejei ter o Seth, mas hoje sou grata por ter
optado manter a gravidez. Não sabia que sentia tanta falta de viver
tudo isso, mesmo que as noites sejam exaustivas.
Concordo rapidamente com a sua fala. Ter uma criança tão
pequena em casa é um sacrifício. Você passa o dia cansada, e a
noite ainda mais, porque um filho sempre precisará de você. Além
do mais, tenho o Louis, que também precisa da minha atenção e
dos meus cuidados, por mais que ele seja um garoto esperto e mais
independente. Mesmo com a ajuda de minha esposa, permaneço
ligada no duzentos e vinte, pois, a todo segundo, fico em alerta para
estar ali, caso os meus filhos precisem de mim.
Ser mãe é isso, certo? Estar perto, observar e ficar atenta a
cada passo dos filhos.
Neste momento, o animado Noah se aproxima das crianças e
pega Toni e Louis em seus braços, jogando os dois em seus
ombros. Harry tenta escalar o tio, agarrando a sua cintura, enquanto
o meu cunhado gesticula, como se explicasse a ele que não
aguenta segurar os três. Isso faz a minha melhor amiga e eu rirmos.
Olhando aquela cena, surge uma dúvida em minha cabeça, que
nunca tive chance de pôr em pauta durante uma conversa com
Vanessa, e acho que este é o momento perfeito.
— Vanessa, eu quero te perguntar uma coisa. Tenho certeza
de que devemos ter conversado bastante sobre isso, mas você
sabe... eu tenho essa pequena dificuldade.
O pequeno Seth faz barulhos fofos com a boca, atraindo a
minha atenção brevemente, e eu sorrio para ele, arrumando-o
melhor em meus braços.
— Do que está falando exatamente? — ela questiona,
curiosa, e dá um gole em seu suco de abacaxi, antes de colocar o
copo sobre a mesinha ao nosso lado e recostar-se na
espreguiçadeira.
— Você acha estranho o fato do Noah ter sido o doador?
Tipo, ele ter doado o material genético que me possibilitou ser mãe?
Vanessa franze o cenho e olha brevemente para a frente, e
eu faço o mesmo, vendo que agora o meu filho está sentado nos
ombros de Noah, enquanto ele segura Harry e Tony em seus
bíceps. Meu cunhado é bem forte, e os pequenos estão se
divertindo.
— Se eu disser que no início não foi estranho, estarei
mentindo, porque foi bastante, e durante um ano, nós tivemos
muitas conversas, inclusive com vocês duas. Apesar de ter sido a
primeira a sugerir isso, ainda assim eu pensava em como seriam as
coisas.
— Tenho pensado nisso, sabe? Luna está tranquila, mas eu
fico me perguntando se, algum dia, ela se sentiu triste por saber que
precisou do irmão para me dar algo que não podia.
O simples pensamento de imaginar que a minha esposa
possa ter se sentido insuficiente, de alguma forma, para mim, me
faz sentir péssima. Sei do nosso passado conturbado e imagino o
quanto isso possa tê-la perturbado. Pergunto-me se notei alguma
mudança e se fiz algo para deixá-la melhor.
— Conhecendo a minha cunhada como conheço e sabendo
de todas as suas inseguranças, acredito que, em algum momento,
ela tenha se sentido incapaz, mas acho que no fundo sabia que
nada mudaria. Ele ter doado o material genético não tira o mérito de
nenhuma de vocês, o Louis é filho seu e dela, ninguém pode mudar
isso.
— Sim, eu sei, mas...
Vanessa me interrompe ao esticar a mão e pegar a minha,
segurando-a entre as dela e fazendo um carinho. Um sorriso surge
em meu rosto. Ela sabe me acalmar como ninguém e com
facilidade, sempre soube. Eu tinha muita incerteza sobre isso
incomodá-la ou não, mas agora vejo o quanto a minha melhor amiga
é tranquila em relação a isso tudo.
— Vocês não podiam antes, mas agora podem, e iniciarão
um tratamento, em breve, que será apenas das duas. O que
aconteceu no passado não muda nada. O meu marido ama o seu
filho como sobrinho, da mesma forma que o Louis o ama como tio.
Ele é filho de vocês, isso é um fato que não pode ser mudado.
As suas palavras me fazem refletir sobre esse elo que
sempre teremos. Eu realmente acho que não faz muita diferença ele
ter sido o doador, e ficar pensando nisso só criará uma situação
desnecessária. Todos parecem bem com esse fato, e o meu único
medo é que a minha esposa tenha se sentido inferior de alguma
forma.
Luna ama tanto o Noah... Acho que não existe qualquer
mágoa e acredito que, de certa forma, ela se sinta feliz por ter sido
ele o escolhido. Nada pode mudar o fato de que Louis é nosso filho,
meu e dela somente.
O dia transcorre da melhor maneira possível. É sempre uma
imensa felicidade poder compartilhar momentos com familiares.
Estar cercada das pessoas que eu amo torna tudo mais fácil.
Mesmo com o estresse diário de manter a casa organizada, ter
família, casamento e trabalho, no final tudo vale a pena. Eu não
mudaria nada. Embora ainda queira muito ter as minhas lembranças
de volta, elas quase não me fazem tanta falta.
Hoje, eu transbordo de amor, tenho tudo o que preciso e, em
breve, terei ainda mais. Tenho tido sonhos com a minha esposa
grávida. Luna está tão feliz e ainda mais linda. Não consigo esperar
por esse momento. Ela merece, acredito que nós duas merecemos,
depois de tudo o que aconteceu. Com quase dois anos de
recomeço, está na hora de ganharmos uma recompensa ainda
maior.
— Você é o menino mais cheiroso de todo o mundo, sabia?
— Termino de banhá-lo e o visto. O meu filho faz sons
extremamente fofos, como se entendesse o elogio, abrindo a boca e
fazendo pequenos estalos, enquanto mexe os pequenos dedos,
tentando me agarrar. Ele adora abraços, parece um filhotinho de
coala. — Vem, vamos ver o que aqueles dois estão aprontando.
Pego o meu pequeno em meus braços, e rapidamente ele
envolve os dele em meu pescoço, deitando a cabeça em meu
ombro. Um sorriso surge em meu rosto, e eu fecho os olhos
brevemente para inalar o seu cheiro de bebê, antes de sair do
quarto, que era de hóspedes e agora é dele. Acredito que teremos
que fazer uma reforma, em breve, ou nos mudar de casa. Luna e eu
conversaremos a respeito, porque logo teremos mais uma criança
em casa e precisamos ter onde acomodá-la.
— Mamãe, a senhora está roubando!
— Eu não estou. Você que não sabe defender a sua nave
espacial!
Ouço o início de uma discussão, antes mesmo de abrir a
porta do quarto do meu filho mais novo, onde ele e minha esposa
estão sentados no chão, cercados de peças de lego. Fico sem
reação ao me deparar com aquela cena: mãe e filho discutindo,
como se tivessem a mesma idade, porque um acusa o outro de
estar fazendo alguma coisa errada. Não tem como negar que eu
tenho três filhos, ao invés de apenas dois.
— Não quero mais brincar.
— Nem eu — os dois dizem, quase ao mesmo tempo, e
cruzam os braços, depois de deixarem as naves que seguravam
caírem no chão. Emburrados, eles mal se olham, e estou
desacredita de realmente estar presenciando isso. Gabriel parece
entender o que está acontecendo e levanta a cabeça, olhando em
direção à mãe e ao irmão, com uma de suas mãos na boca. Ele tem
feito muito isso, pois os dentes estão nascendo.
— Será que vocês podem parar com isso, ou terei que
colocar os dois de castigo? — Eles parecem nem me ouvir e trocam
olhares raivosos. Eu tenho mesmo três filhos. Que o senhor do céu
me ajude a ter paciência com os dois. — Luna Cruz-Jacobs e Louis
Cruz-Jacobs! — Finalmente, atraio a atenção dos dois, fazendo-os
suspirar.
— Oi, mommy.
— Oi, Camies.
Eles parecem retraídos e receosos, e eu reviro os olhos.
— Era para ser somente uma brincadeira saudável, e vocês
estragaram tudo com toda essa pirraça sem sentido. — Eles
rapidamente abrem a boca para tentar explicar, mas ergo a minha
mão livre para interrompê-los. — Não quero ouvir uma palavra,
vocês falaram demais por uma noite só. Limpem essa bagunça, sem
brigas, porque colocarei o Gabriel para dormir, e se ele se agitar por
causa de vocês, nem queiram saber o que vou fazer.
Eu olho fixamente de um para o outro, fazendo a minha
expressão mais séria, para deixar claro que não estou brincando.
Vejo os dois rapidamente concordarem com a cabeça e engolirem
saliva, antes de rapidamente se virarem para arrumar a zona feita.
Sorrio, satisfeita, e viro para sair dali, sabendo que não
ouvirei mais brigas. Eles têm muito juízo para não me desafiarem.
Gabriel está exausto pelo dia agitado, portanto não é nada
difícil fazê-lo dormir. O observo em seu confortável berço —
exageradamente grande, mas os meus sogros quiseram dar o
máximo de conforto ao neto. Não teve como negar, Ana e Mark
disseram que tinham comprado e que logo o receberíamos em casa.
Meu filho parece adorar, pois sempre dorme tão bem. Observá-lo
imerso em seu sono, com as mãos debaixo de sua cabeça,
enquanto mexe a boca às vezes, assim como a Luna, deixa o meu
coração aquecido.
Inacreditável! Eu o carrego durante nove meses e sofro a dor
do parto, para ele vir com todas as manias dela. Que tipo de justiça
é essa, universo?
— Ele está cada dia mais parecido com você — minha
esposa comenta ao se aproximar de mim, colocando os braços em
volta da minha cintura e apoiando o queixo sobre o meu ombro. Não
me assusto com a sua chegada repentina, os meus sentidos sempre
sentem a sua presença. Ou talvez seja pelo seu cheiro tão gostoso
e inconfundível, que toma conta de tudo.
— Somente na aparência, o resto ele puxou a você. Eu acho
incrível isso, sabia? Louis é da mesma forma, parece uma cópia
sua. Mesmos cabelos e olhos, mesmo nariz.
— Louis tem os seus traços e a sua boca.
— Mas as manias dele também são iguais às suas —
resmungo, fazendo-a rir, antes de depositar um beijo em meu
pescoço. Luna me vira de frente para si, gruda os nossos corpos e
usa um dedo para colocar os fios soltos da minha franja para trás de
minhas orelhas, admirando o meu rosto com um sorriso em sua
boca.
— São os nossos filhos, nada mais justo que herdarem
características minhas também. — Não respondo nada, apenas me
mantenho calada, fazendo o sorriso no rosto dela aumentar ainda
mais. — Tire esse bico daí, mamãe coruja ciumenta.
— Eles não pegaram nenhuma mania minha, amor.
— Como não? Louis também assopra copos, antes de beber
qualquer coisa, sempre esfrega os pés um no outro, quando está
com sono, e tem a mesma mania de morder a língua quando sorri.
— Ah, mas ele faz tanta coisa igual a você.
— Deixe de ser ciumenta, ele tem manias nossas, e o Gabriel
logo herdará suas manias, conforme for crescendo.
— Hm…
Luna solta uma risadinha, prendendo-me em seus braços,
enquanto nos guia em direção à porta. Ela apaga a luz, e
continuamos andando grudadas rumo ao nosso quarto. As suas
mãos firmes seguram a minha cintura, e eu solto uma lufada de ar,
surpresa ao sentir as minhas costas pressionadas contra a porta de
madeira.
— Senti vontade de fazer isso o dia todo. Você estava
deliciosa usando aquele biquíni, sabia? — sua voz rouca,
sussurrada perto da minha boca, arrepia os pelos do meu corpo. O
ar quente, que bate contra meu rosto, traz o hálito de menta dela.
Identifico imediatamente que Luna está com tesão, e todo o meu ser
reage de maneira rápida àquela informação. Incrível o poder que
essa mulher tem sobre mim.
— Eu ainda estou fora de forma, você sabe. — Minha voz
não sai muito alta, é claro que estou rendida. Com as suas mãos
firmes em minha cintura e o calor do seu corpo emanando para o
meu, é óbvio que estou sem escapatória. Luna se afasta um pouco,
para me olhar de cima a baixo. As suas mãos alisam as laterais do
meu corpo, então ela segura as alças da blusa de seda que estou
usando e as puxa de lado, até que os meus seios fiquem expostos.
O brilho de desejo em seu olhar me deixa ansiosa para ter a sua
boca neles.
— Você é perfeita. Sempre foi — ela murmura, antes de
segurar os meus seios em suas mãos, apertando-os com cuidado,
pois eles têm estado sensíveis por causa da amamentação. A minha
esposa sempre é cuidadosa, para não me deixar desconfortável. Eu
amo isso. Luna se inclina para a frente e toma o meu mamilo
esquerdo em sua boca, sugando-o com fome, da forma que eu
gosto. — Deliciosa.
Quando se delicia o bastante com o esquerdo, ela migra para
o direito, sugando-o com a mesma vontade. Os meus olhos se
fecham, e sinto as minhas pernas amolecerem. Eu acho incrível
como sempre fico à mercê dela, porque sabe me tocar da maneira
perfeita, conhece o meu corpo de uma forma que nem eu mesmo
seria capaz de conhecer. Isso diz muito sobre a nossa relação
sexual. Sempre é uma experiência nova e mais gostosa que a
anterior.
Luna se afasta de mim outra vez, e eu quase resmungo pela
falta de sua boca em meus seios, mas os meus olhos captam a sua
mão direita ir para baixo. Sem desfazer o nosso contato visual, ela
afasta as minhas pernas e, com extrema habilidade, puxa a lateral
do meu short o suficiente, para ter contato direto com a minha
boceta. Nós duas gememos com o contato, e vê-la sentir prazer por
me sentir tão molhada é sempre delicioso.
Eu sou toda dela, e ela sabe disso. Ela me devora, e eu a
amo.
Luna me acaricia com leveza e com força ao mesmo tempo,
sem machucar, apenas apreciando quão molhada estou. Os seus
dedos me alisam de cima a baixo, e então, tenho dois deles dentro
de mim, fazendo-me ofegar e agarrar-me em seus braços, em busca
de apoio. Parece que acabei de ver estrelas, sentindo-a girar os
dedos dentro de mim, tocando cada ponto certo.
Como se não fosse maldade o suficiente me provocar dessa
forma, ela retira os dedos rapidamente, levando-os à boca e
deixando-me observar como limpa qualquer resquício do meu gosto
presente ali, parecendo faminta por mais.
— Amor... — resmungo quando ela me impede de tirar o meu
short, segurando o meu pulso e afastando a minha mão dali. Luna
umedece os seus lábios e, outra vez, puxa o meu short de lado,
voltando a me tocar daquela forma gostosa de antes, levando-me à
loucura.
— Quero te comer assim. De roupa. Em pé, aqui, toda para
mim.
Não preciso responder nada. Ela sabe que me tem, da forma
que ela quiser. Como sempre digo, ela me devora, e eu adoro.
Hoje é um dia triste. Mas calma, não aconteceu nada de ruim,
quer dizer, depende do ponto de vista. Estou aqui, ajudando a minha
esposa a arrumar a mala, pois ela passará duas semanas fora.
Desde que perdi a minha memória, nunca passamos tanto tempo
longe, e estou me sentindo extremamente afetada, antes mesmo de
Luna viajar. Sei que antes, no passado, minha esposa sempre fez
viagens longas a trabalho, e mesmo que dessa vez não seja por
causa disso, não me sinto entristecida. Sentirei muita falta.
— Meu amor, não fique assim. Os dias passarão rápido —
ela repete, ao voltar para o quarto. Tinha saído para buscar o nosso
pequeno Gabriel, que havia acabado de acordar; ouvimos o choro
por meio da babá eletrônica.
Suspiro, colocando as últimas peças de roupa na mala, e
verifico se há tudo o que precisa. Olho em sua direção, vendo-a
segurar o nosso filho de lado, meio sentado sobre as suas costelas.
Essa é a nova mania: agora, todas as vezes que alguém o pega no
colo, ele rapidamente se encaminha para essa região da pessoa.
— Vou sentir a sua falta.
— Eu também, meu amor. — Ela se aproxima de mim e
segura o meu queixo, puxando-me para um beijo. Não podemos
intensificá-lo, porque Gabriel tenta desesperadamente enfiar a
pequena mão entre nós. Antes que pensem, o ciúme dele não é
comigo, é com a minha esposa. — Eu sou mulher dela também,
viu, pitico?
Pitico: essa é a forma carinhosa que ela arrumou para
chamar o nosso filho mais novo. Carinha é como ela chama o Louis,
então decidiu que precisaria de um apelido diferente para o Gabriel.
— Exatamente, ela é minha também.
Olho para ele e acabo gargalhando por ver a sua carinha de
sapeca, tentando sorrir da mesma maneira que eu, com a língua
entre os dentes, mas não consegue por não ter os dentinhos da
frente ainda. Acho que ele tem visto tanto o Louis e eu sorrirmos
dessa maneira, que quer imitar. A minha esposa tinha razão quando
disse que o nosso filho herdaria as minhas manias, conforme fosse
crescendo.
— Rodrigo mandou mensagem, disse que logo estará aqui.
— Não acredito que o meu cunhado vai tirá-la de mim.
— Pelo menos Belinda e as crianças ficarão aqui para fazer
companhia.
— Mas eu quero você — resmungo, quase me virando para
sair do quarto, quando sou surpreendida. — Luna! — Olho de
maneira raivosa para ela, que está sorrindo descaradamente,
enquanto os seus olhos estão fixos em minha bunda, que acaba de
ser atingida por um tapa.
— Impossível evitar quando você vira esse rabo para mim.
Rebateria, mas o som da campainha ressoando me impede
de fazê-lo. Minha esposa rapidamente passa o pequeno Gabriel
para mim, voltando para o quarto para buscar a mala.
— Eles chegaram — avisa.
O meu coração diminui dentro do peito, sabendo que agora
só a verei daqui a duas semanas. Rodrigo a acompanhará na
viagem, e os dois vão sozinhos para o aeroporto, porque não
queremos levar Gabriel, que ainda é muito novo, para ficar em
aglomerações desnecessárias. Nunca se sabe quando se pode
pegar uma doença no ar.
Eu desço as escadas e rapidamente chego à porta da frente,
abrindo-a para recepcionar a minha irmã e o meu cunhado, que não
está mais usando os cachinhos de sempre, agora adotou um corte
de cabelo diferente. Ele me cumprimenta, e eu dou espaço para que
entre com as malas de minha irmã e meus sobrinhos.
— Que cara é essa, irmã? Devia comemorar, teremos duas
semanas longe desses dois. Festejaremos bastante. Uma pena não
poder mandar os meus filhos junto — diz Belinda, depois de me
abraçar e beijar o meu rosto. Rodrigo ri, acompanhado por minha
esposa, que o abraça brevemente e depois se encaminha para
minha irmã, fazendo o mesmo.
— Não estou feliz, quero a minha mulher comigo o tempo
todo.
— Pelo amor de Deus! Você ainda está vivendo a fase
gostosa de viver com ela. Daqui a alguns anos, vai agradecer
quando existirem viagens assim.
— Relaxa, cunhada. Ela diz isso, mas morre de saudade de
mim. — Rodrigo, brincalhão e sorridente como sempre, se aproxima
de mim para me abraçar.
— Você é um traidor, levando a minha mulher para longe de
mim. Não é mais o meu cunhado número um. — Tento afastá-lo de
mim, mas não sou capaz de movê-lo nem um milímetro sequer,
devido à sua altura e à massa corporal, infinitamente maiores do
que as minhas.
— Ficarei longe da minha também, estamos quites.
— Eu sou a única feliz com essa viagem por aqui? — minha
irmã diz, ao reaparecer na sala; eu nem tinha notado sua saída. Ela
está com uma taça de vinho em uma das mãos e um pote com
morangos na outra. Nego com a cabeça. Essa garota não existe.
Rodrigo vai até ela para beijá-la, e minha mulher chega até mim,
impedindo-me de acompanhar a interação dos dois.
— Prometa que vai se cuidar.
— Você que deve me prometer isso, tenho mais juízo que
vocês dois juntos. — Ela abre um sorriso para a minha resposta,
segurando a minha cintura quando passo os meus braços por trás
de seu pescoço. — Amo você.
— Amo você, marrenta. Vou sentir saudade.
— Eu também. — Luna me aperta e me puxa contra o seu
corpo, juntando nossas bocas com intensidade desde o primeiro
toque. Ela pressiona a mão contra a minha lombar, deixando-me
grudada ao seu corpo. Sua boca parece dançar sobre a minha, sua
língua experiente envolve a minha e a suga algumas vezes,
fazendo-me suspirar de amor e desejo. Sempre é gostoso beijá-la
dessa forma. Não acredito que ficarei sem essa mulher por tantos
dias.
Um pigarro faz nos afastarmos, levemente ofegantes. Minha
esposa me olha e sorri, selando os nossos lábios uma última vez,
antes de me soltar. Tenho que me recompor, antes de olhar em
direção ao agitado Gabriel sobre o colo da minha irmã. Luna vai em
direção ao caçula, pegando-o e recebendo um forte abraço.
— Ele está na fase de ciumento ainda? — Belinda questiona,
e eu concordo com a cabeça, observando minha esposa conversar
baixinho com o nosso filho.
Rodrigo se aproxima de mim, abraçando-me pelos meus
ombros.
— Boa sorte. Eu tive muitas noites de bolas azuis, por causa
do ciúme do Harry com a Belinda. Foi difícil.
— Pelo menos nessa parte não temos problemas, Gabriel
dorme como um verdadeiro anjo.
— E eu nunca durmo com bolas azuis — Luna brinca,
provocando Rodrigo e ganhando uma língua em resposta. Eu acabo
rindo da brincadeira dos dois. Acho fofo como ela consegue ser
brincalhona e, ao mesmo tempo, tão responsável.
— Vocês deviam ir logo, o voo será daqui a pouco — minha
irmã lembra, apontando para o relógio dourado em seu pulso.
O meu cunhado e a minha esposa despertam e começam a
pegar as coisas. Belinda se despede de Rodrigo, e eu também o
faço, acompanhando-os até a porta. Luna me beija com extrema
paixão, deixando um gosto de saudade antecipada em minha boca.
Eu arrumo as suas roupas, que ficaram levemente amassadas, e os
fios de cabelo desalinhados em sua cabeça.
— Vai dar tudo certo, amor — ela diz, e eu concordo com a
cabeça.
— Vou sentir saudades. Não demore.
— Logo eu volto pra você.
Nós nos beijamos uma última vez, antes de Luna se afastar e
acenar para mim, entrando no carro do meu cunhado em seguida.
Minha irmã para ao meu lado, e observamos o veículo até onde nos
é possível.
— Finalmente um pouco de sossego.
— Falando dessa forma parece que nem sentirá falta dele.
Vocês estão brigados? — questiono quando entramos em casa,
fechando a porta e caminhando rumo à sala.
— Óbvio que não, mas, de vez em quando, é ótimo ter um
tempo só pra mim. Mês passado, as crianças e ele foram passar um
fim de semana na casa de praia dos meus sogros. Não pude ir, por
causa do trabalho, e foi perfeito, mesmo que eu tenha trabalhado.
Tantos anos convivendo com alguém, de vez em quando é bom ficar
longe.
— Entendo. — Gabriel se inclina em minha direção, eu o
pego, e rapidamente ele agarra o meu pescoço. — Mas eu ainda
estou na fase gostosa de querer estar perto sempre, mesmo que
tenha se passado tanto tempo desde que tudo aconteceu.
— Por falar nisso, como estão as suas lembranças?
— Tenho me lembrado mesmo das coisas mais antigas,
pouquíssimas vezes das recentes.
Minha irmã abre um sorriso entristecido, levando a mão para
o meu rosto e fazendo um carinho reconfortante. Faz tempo que não
me sinto mais profundamente afetada por causa disso, as novas
lembranças que tenho vivido têm tomado o espaço que as perdidas
deixaram.
— Pelo menos você se lembrou de coisas importantes.
Belinda se inclina para a frente, pegando a garrafa de vinho
para se servir de mais.
— Falta uma das mais importantes.
— Qual?
— Quando unifiquei minha vida com a da Luna para sempre.
O dia do meu casamento.

O primeiro dia foi tranquilo, o segundo também, e se seguiu


dessa forma até o sexto dia. Depois disso, começa a ficar
complicado. O motivo? Simples, cuidar da casa com a minha
esposa é muito mais fácil do que sozinha. Minha irmã voltou para a
casa dela. O plano era que ela passasse as duas semanas aqui,
mas se tem uma coisa que aprendemos nessa vida é que, depois
que saímos da casa da família, conviver com eles de novo, sobre o
mesmo teto, é a pior coisa do mundo. Sendo assim, aqui estou eu,
sozinha com os meus dois filhos.
Há quase dois anos que acordei sem memória e posso
confirmar, com toda a certeza, que de todos esses meses, esta é a
pior semana. Além do estresse de ter que cuidar da casa e dos
meus filhos sozinha, tem também a saudade da Luna, e ainda
faltam sete dias.
Sentir saudade de alguém é sempre pior quando você não
pode ver a pessoa no momento desejado. Lembrar-se do toque, do
calor, do cheiro dela, tudo, de alguma forma, traz lembranças, e o
seu subconsciente não dá alternativas que não sejam visualizações
de tudo o que viveu com esse alguém. Tornei-me dependente da
Luna, mas não de uma forma doentia. Gosto de compartilhar a
minha rotina com ela. Mesmo quando brigamos, sei que posso
chegar e conversar sobre qualquer coisa. Às vezes, o que preciso é
vê-la, mesmo que seja enfurnada em seu videogame, esquecida de
mim. Com ela longe, sinto-me longe do meu lar, porque minha casa
é ela.
— Você não tem dormido direito? — ela questiona, fazendo-
me voltar à realidade, em uma chamada de vídeo. Temos feito
chamadas assim desde que ela viajou.
Suspiro, arrumando Gabriel em meu colo. Nosso pequeno
está meio adoecido, a pediatra disse que é emocional, pela falta que
ele sente da outra mãe. Desde que o nosso filho nasceu, os dois
sempre estiveram grudados, então é normal que ele se sinta assim.
— Apenas o suficiente.
— Camille, prometeu que iria se cuidar.
— Eu sei, amor. Não tenho me descuidado, apenas fico
preocupada com o Gabriel durante a noite, e o Louis também tem
exigido mais da minha atenção. Esta semana ele teve alguns
trabalhos, ainda bem que Belinda estava aqui.
— Devia chamar a sua irmã de volta. Tenho certeza de que
ela não negaria.
— Prefiro dormir pouco a conviver mais uma semana com
ela. Belinda me deixa louca. Ela está pior do que quando éramos
adolescentes.
Luna solta uma gargalhada, e no mesmo instante, o meu
coração acelera. Esse som sempre me causa paz, estou morrendo
de saudade de tê-la perto. Suspiro, admirando o seu rosto através
da tela do notebook. Como uma pessoa pode ser tão bonita quanto
essa mulher, mesmo sem muita qualidade gráfica?
— O que foi, meu amor? Conheço essa carinha.
— Quero você em casa logo. — Minha atenção é desviada
quando o pequeno se revira no meu colo, abrindo os olhos
extremamente castanhos, fixando-os em meu rosto. — Olá, meu
amor. Veja quem está ali. — Coloco-o de pé para que ele possa ver
a mãe, e quando os seus olhos se fixam na tela, Gabriel se mexe,
agitado, tocando a tela do notebook, com a esperança de senti-la.
Luna fica emocionada, posso ver o brilho de saudade aumentando
em seu olhar.
— Que saudade, pitico.
Então, os dois começam a se comunicar por uma linguagem
própria, entrando em uma bolha linda de ser observada. Luna faz
perguntas ao pequeno, e ele responde como quem entende tudo, e
eu não duvido disso. Louis sempre foi muito inteligente, tenho
certeza de que Gabriel não é diferente.
Tudo o que eu espero é que esses dias passem voando e
que tenhamos a nossa mulher em casa outra vez. Estou cheia de
saudade.

Faz tempo que eu não me sinto tão ansiosa para chegar à


minha casa. Os dias se arrastam, parece que, ao invés de duas
semanas, estou fora há meses. Só poder falar com a minha esposa
através de webcam é torturante; estar longe dos meus filhos,
sabendo que Camille está cuidando deles sozinha, é muito difícil pra
mim. Quase desisto e volto antes, mas era necessário que eu
completasse tudo o que fui fazer.
— Finalmente, cunhadinha. Confesso que estou com
saudade de ouvir a minha esposa reclamando o dia todo — Rodrigo
brinca, ao entrarmos em seu carro, e eu acabo rindo em resposta,
pois conheço bem como é o humor de Belinda. Meu cunhado é
guerreiro por conseguir lidar com ela.
— Latinas são difíceis de lidar mesmo, meu amigo. Sei muito
bem.
— Nem me fale. Pelo menos sei que hoje farei sexo. Belinda
me encheu de mensagens durante o dia, foi preciso ter muita
compostura para não dar bandeira de nada.
— Bem que notei como você ficou se mexendo
desconfortavelmente do meu lado. Que horror! E eu, toda inocente,
recebendo fotos dos meus filhos, que a minha esposa mandava.
— Belinda me mandou uma foto do Harry vomitando por ter
passado mal, enquanto brincava no balanço. — Faço uma careta
para aquela informação. — Pois é, foi bem nojento. O casamento é
isso, você sabe. No começo, as mensagens são de carinho e
conteúdo sexual, então vêm os filhos, e as mensagens passam a
ser sobre contas, reclamações das crianças e ordens para preparar
o jantar.
— Nem me fale. Camille sempre foi mandona, mas ela
também ameniza, dizendo que sente a minha falta em casa.
— Vocês merecem estar assim, depois de tudo o que
aconteceu.
Continuamos conversando, enquanto ele dirige rumo à minha
casa. Meu celular apita com diversas mensagens da Camille,
perguntando se vou demorar. Não lhe respondo, prefiro chegar de
surpresa.
Quando entramos na minha rua, sinto-me uma adolescente
prestes a ver a namorada pela primeira vez. Incrível como, mesmo
depois de todos esses anos, eu continuo sentindo tudo da mesma
forma.
— Se quiser, posso levar o garotinho comigo e deixar vocês
sozinhas — ele diz e, ao sairmos do carro, me ajuda com a mala e
me dá um abraço.
— Fica tranquilo, outro dia cobro esse favor a você. Hoje, eu
quero ficar em família.
— Tudo bem, gatinha. Acho que tem alguém muito ansioso
pra te ver. — Ele mal termina de falar e sinto um impacto em minhas
pernas. O meu sorriso rapidamente se abre, ao olhar para baixo e
ver o meu filho agarrado à minha cintura. Passo a mão nos seus
longos cabelos, que estão batendo um pouco abaixo de seus
ombros.
— Que saudade, carinha! — falo e me abaixo para poder
abraçá-lo. Meu filho agarra o meu pescoço com força, enchendo o
meu rosto de beijos carinhosos, e isso me faz rir, sentindo o coração
acelerado em meu peito.
— Senti tanta saudade, mamãe — ele murmura contra o meu
pescoço. Ficamos assim durante um bom tempo, e eu demoro a
notar a minha esposa parada na porta. Camille dá um passo para o
lado, e os meus olhos focam a pequena criatura se movendo de
maneira afobada: Gabriel está em seu andador e traz com ele um
buquê lindo de rosas vermelhas. Os meus olhos se enchem de
lágrimas de emoção. Que gostoso é chegar à nossa casa e ser
recebida assim!
— Pitico. — Caminho a passos largos em sua direção, sem
esperar que chegue até mim, tiro-o do andador, e rapidamente sou
abraçada por ele. Encho o meu pequeno de beijos, sentindo o
cheiro gostoso de bebê que ele exala. — Você está enorme, meu
amor. Sentiu saudade da mamãe?
Como se estivesse me respondendo, o meu filho tenta
colocar a língua presa quando abre um sorriso e se balança todo.
Sorrio para ele, volto a minha atenção para as flores e as pego.
— São de plástico, você sabe que eu não gosto de matá-las
— Camille diz, antes mesmo que eu possa levá-las ao nariz e
cheirá-las. Sorrio, notando que ela se aproxima de mim. Está linda,
com um vestido solto, rendado nas pontas. Tão linda e tão minha.
Como sou capaz de me apaixonar toda vez que a vejo?
— Tira toda a beleza delas quando cortam. — Ela concorda
com a cabeça. — Senti a sua falta.
— Eu também. — Seu sussurro me faz engolir saliva, e
então, ela se inclina para a frente, tomando os meus lábios nos
seus. Dessa vez, nem mesmo Gabriel nos interrompe, parece saber
que é um momento de reencontro que não deve ter interrupção.
Com esse beijo, tudo ganha mais vida ao meu redor.
Ela se afasta de mim, segura o meu rosto, analisando cada
parte, e então, abre um sorriso e volta a se inclinar, mas dessa vez,
não beija a minha boca, distribui milhares de beijos por toda a minha
face. Isso me faz gargalhar, e ouço os nossos filhos acharem
divertido também. Então, Gabriel faz o mesmo, tentando segurar o
meu rosto com as pequenas mãos, e Louis agarra a minha cintura
para se juntar. Eu me sinto finalmente em casa. Lar é onde eles
estão. Casa é onde a minha Camille está.

Ganhei um jantar especial. Minha esposa fez o prato que


mais adoro e a minha sobremesa favorita. Desde o momento em
que cheguei, tenho sido mimada por todos. Eu gosto disso, faz
tempo que não sou tratada assim. Digo, quando tudo estava ruim
entre nós, as coisas esfriaram; agora, parece que todo dia ela tenta
ser melhor do que no anterior. Eu amo demais tudo o que vem
acontecendo, sou grata por estarmos cada vez melhor.
Depois de comermos, ela me conta sobre os dias que se
passaram, e eu comento sobre tudo o que aconteceu nos exames e
na clínica, além de todas as conversas com os especialistas, deixo a
minha esposa ciente de tudo. Nossos filhos dormem, deixando-nos
a sós, ali mesmo, no sofá da sala. Não contamos ao Louis ainda
que teremos outro filho, mas assim que tudo der certo, ele saberá.
Tenho certeza de que o carinha vai gostar.
— Tudo isso quer dizer… — ela diz, ao terminar de ler os
resultados dos exames. A sua testa está franzida, e eu posso sentir
o tamanho de sua ansiedade para a resposta. Abro um enorme
sorriso, e o meu coração parece que vai saltar do meu peito.
— Quer dizer que sim, eu posso. Nossas chances de
engravidar de novo são altíssimas. Eles disseram que o tratamento
está dando resultado, que se o procedimento funcionar, só tenho
que seguir as recomendações, e seremos mães de novo.
Camille paralisa no lugar, absorvendo aos poucos toda a
informação, e não demora muito a se jogar sobre mim, tomando
cuidado para não cairmos sobre os nossos filhos. Eu a seguro firme
em meus braços, tendo uma perna dela de cada lado do meu corpo,
enquanto está sentada em meu colo.
— Vamos ser mães novamente? — ela questiona,
desacreditada, e eu concordo com a cabeça, com a sua boca
grudada na minha em seguida. Então, apenas confirmo que a minha
decisão foi correta. Eu posso e vou tentar outra vez, certa de que
tudo será diferente.
Vai dar certo, eu confio.

Os meses seguintes pareceram voar. Nossa rotina voltou aos


poucos, até ser mudada de novo, por causa de todo o
procedimento. Na primeira, quase deu certo; na segunda, da mesma
forma. Fico desanimada na terceira, mas Camille está ao meu lado,
apoiando-me sempre, assim como outras pessoas que eu amo. Não
importa o quanto demore, eu terei um bebê nosso. Sei que sou
muito capaz.
— Dá para acreditar que é Natal outra vez? — Estou parada
no quintal, com uma caneca de chocolate quente em minhas mãos,
e Noah está ao meu lado. Paramos aqui para conversar e
acabamos perdendo a noção do tempo. — Está nevando. Quão
clichê isso tudo pode ser? — Solto uma risada por sua fala,
recostando-me à lateral de seu corpo. Meu irmão passa um braço
sobre os meus ombros, puxando-me contra si, e suspiro
longamente, sentindo-me muito confortável naquele abraço.
— Estou grávida.
Noah, que estava me fazendo carinho, fica rígido
instantaneamente, sem acreditar no que acaba de ouvir. Solto uma
risada ao me afastar dele e olhar para trás, vendo-o boquiaberto.
— Eu escutei certo? — ele questiona lentamente, ainda
desacreditado, e eu abro um enorme sorriso, concordando com a
cabeça. Noah retira a caneca da minha mão na mesma hora e a
deixa em qualquer lugar, antes de segurar minha cintura e me
abraçar com força. — Meu Deus! Meu Deus!
Solto uma gargalhada por sua emoção e verifico se ninguém
está nos observando. Felizmente, todos parecem entretidos dentro
de casa.
— Não conte a ninguém.
— Camille sabe?
— Ninguém sabe.
— Meu Deus, eu estou... Parabéns, pequena. Sabia que
daria certo. Tinha notado algumas mudanças em você, mas como
os médicos disseram que a medicação poderia alterar muitas
coisas, não imaginei que... Caramba! Vou ser tio de novo.
— Sim! E eu vou ser mãe de novo.
Ele abre a boca no mesmo instante que eu. Unimos as
nossas mãos e comemoramos em silêncio, para não criar alarde
algum. Meu irmão sempre foi o meu porto seguro, desde que nasci,
sempre esteve ali por mim. Mesmo nunca contrariando a minha mãe
nas decisões que ela tomava por ele, quando era comigo sempre
era defendida por ele. Noah nunca deixou que alguém fizesse algo
contra mim e sempre me encorajou em tudo na minha vida.
— O que está acontecendo? — Uma terceira voz é ouvida, e
então, nos separamos, para vermos a nossa mãe caminhar em
nossa direção, com um sorriso em seu rosto, olhando-nos com
curiosidade. — É o espírito natalino tomando conta de vocês dois?
— ela brinca, fazendo-nos gargalhar.
— Com certeza, mamãe. E vai tomar conta de todo mundo —
Noah diz, e minha mãe o olha sem entender. Sinto vontade de
chutá-lo, porque tenho certeza de que ele não conseguirá manter a
língua dentro da boca.
— Por quê?
— É hora dos presentes, mamãe, por isso — eu respondo
rapidamente, não dando mais espaço para nada, e vou até a minha
mãe, entrelaçando o meu braço ao dela, levando-a de volta para
dentro de casa.
Todos estão ao redor da árvore, esperando para começar a
troca dos presentes. Rapidamente, eu me aproximo da minha
esposa, que está entretida em uma conversa com Sofia e o novo
namorado dela. Sim, minha cunhada mais nova está namorando, e
como podem imaginar, minha esposa surtou quando soube. Porém,
parece finalmente estar aceitando o pobre rapaz. Camille consegue
ser mais ciumenta que Javier.
— Não estava intimidando o Richard outra vez, estava? —
Camille leva as mãos ao peito e faz uma expressão ofendida. Muito
cínica essa mulher.
— Só estava dizendo que eles ficariam mais confortáveis
dormindo no quarto do nosso filho do que aqui na sala.
— Isso não tem nada a ver com o fato de você não querer
deixar os dois sozinhos? — Camille nega rapidamente com a
cabeça, fazendo-me rir, antes de beijar rapidamente a sua boca. —
Imagina, você sabe que eles dormem juntos na faculdade.
— Luna, esqueça isso.
Eu rebateria, mas sou interrompida pelas palmas dos nossos
familiares. É o momento de trocarmos os presentes. Meu estômago
parece que vai fugir do meu corpo, sinto-me nervosa e ansiosa.
Olho para a minha esposa ao meu lado, então para os nossos filhos,
que estão no canto com o resto das crianças: Gabriel, em pé,
fazendo graças — desde que aprendeu a andar, dificilmente para
quieto —, e Louis, divertindo-se com Harry e Toni. Então, o meu
olhar foca o meu irmão, que olha para mim, no mesmo instante, e
faz um sinal positivo com o polegar. Não preciso de mais nada para
saber que este é o momento certo.
— Família, família! Quero um minuto de atenção de vocês,
ok?
— Sapatão não se controla nem no Natal mesmo, sempre
quer aparecer.
Quem diria isso, se não a minha amada cunhada Vanessa? É
óbvio que algo assim só poderia ter vindo dela. Todos acabam rindo,
e eu reviro os meus olhos, mostrando a minha língua a ela.
— Quero agradecer a presença de todos, mais uma vez,
aqui. Sempre é importante para mim e para a minha família termos
vocês conosco em nossa casa.
— Nós viemos pela comida de graça — dessa vez, quem fala
é Theo, sendo seguido por todos os outros, concordando
animadamente.
— Pela cerveja grátis também — Rodrigo concorda,
erguendo a long neck que está em sua mão.
— Claro, sempre é um prazer abastecer vocês — quem diz é
a minha esposa, arrancando risadas de todos ao nosso redor.
— Concordo com o meu amor, é sempre um prazer mesmo.
Como em todo Natal, temos o ritual de trocas de presentes, e este
ano, eu quero ser a primeira. Vou começar agradecendo pela família
enorme que tenho, pelos amigos fiéis, pelos meus filhos e pela
minha esposa, que está sempre ao meu lado. — Conforme falo,
olho para cada um, ganhando sorrisos de volta. — Nesses dois
últimos anos, aconteceram muitas coisas. Momentos difíceis, mas
que passamos unidos, com a força de todos nós. Eu não sei se
seria capaz de alcançar tanta coisa boa sem a minha mulher
comigo. Camille, você sabe o quanto eu a amo, o quanto amo os
nossos filhos, o quanto sou feliz pela vida que construímos.
Agradeço, todos os dias, por ter tido uma segunda chance de fazer
você feliz.
— Sempre darei todas as chances que você precisar, meu
amor — ela responde, emocionada, arrancando suspiros, assobios,
aplausos e brincadeiras dos outros. Meu coração está acelerado em
meu peito. Caminho em direção às duas caixas que contém os
presentes dela, uma pequena e outra maior, e vou em sua direção,
sentindo as minhas mãos suarem. Camille está tão ansiosa quanto
eu.
— Este é o seu primeiro presente, mas ele não é sozinho, só
faz sentido quando abrir o segundo. — Camille pega a caixa
pequena, começando a abri-la de maneira ansiosa.
— Muito obrigada, meu amor — ela agradece, antes mesmo
de ver o que é, e não demora muito a encontrar e a retirar de dentro,
com o cenho franzido, erguendo o objeto, sem entender. —
Comprou um carro novo pra mim? — ela pergunta, incrédula, e eu
apenas sorrio e nego com a cabeça.
— Essa chave é do nosso novo lar. — Camille fica
boquiaberta, com os olhos arregalados, não acreditando no que
acaba de ouvir. — Sim, meu amor, é a chave daquela casa linda
pela qual você se apaixonou.
— Luna, como? Como conseguiu? Ela estava prestes a ser
vendida e não cabia no nosso orçamento. Meu amor, você...
— Calma, eu não fiz loucuras. Os nossos pais me ajudaram,
é um presente deles também.
Camille rapidamente olha para os pais dela e, então, para os
meus, ainda boquiaberta. Eles sorriem para ela, concordando, como
se dissessem que merecíamos.
— Obrigada, vocês são inacreditáveis. Eu estou sem saber o
que dizer.
— Ainda não acabou, falta o outro.
— Eu estou com medo de saber o que é. Se na caixa
pequena continha a chave de uma casa, nesta maior deve ser uma
passagem para fora da Terra — ela brinca, fazendo com que todos
gargalhem, e eu entrego a caixa a ela, que não demora a abrir.
— Sei que o nosso plano para a casa nova era um pouco
mais distante, mas foi extremamente necessário.
Quando Camille retira o conteúdo de dentro da caixa, fico
preocupada se ela desmaiará, então me aproximo mais. A minha
esposa está com as mãos tremendo, os seus olhos começam a
lacrimejar, e não acredita no que está vendo. Emocionada da
mesma forma, me aproximo dela.
— Você está...? — Ela olha para mim, e mesmo sabendo a
resposta, aguarda, desesperada, por uma confirmação direta minha.
— Sim, meu amor. Estou grávida, precisaremos de muito
espaço. — Olho rapidamente ao meu redor, e todos estão surpresos
e curiosos. Eu abro um enorme sorriso e não controlo as lágrimas,
ao dizer: — São gêmeas. Seremos mães de gêmeas.
No instante seguinte, todos comemoram, e a minha esposa
me agarra com força, puxando-me para um beijo apaixonado.
Finalmente, nossa vida ficará completa de vez.
Capítulo 39 – O grande dia
Estou parada em frente a um enorme e confortável sofá, com
um sorriso no rosto, criando em minha mente uma visualização
dessa peça belíssima na sala de casa. Vai ficar simplesmente
perfeito. Nunca pensei que, apesar de ser estressante, também
fosse reconfortante comprar coisas para casa, principalmente sendo
um imóvel novo, recém-reformado. Toda ajuda que tivemos da
nossa família foi essencial, sem eles provavelmente demoraríamos
alguns anos para termos um lar como esse.
— Esse é o escolhido? — Ouço a voz da minha esposa ao
meu lado e rapidamente olho em sua direção. Luna está com a mão
apoiada em sua lombar. Tem sentido algumas dores, conforme a
barriga cresce, completará o quinto mês de gestação em breve, e
sua mudança física é notável. Não pensei que poderia me apaixonar
ainda mais por essa mulher, mas essas bochechas gordinhas e a
barriga cada vez mais visível me deixam ainda mais rendida. — O
sofá, amor. Escolheu esse?
— Ah, sim, sim. — Sorrio sem jeito. Não me dei conta de que
tinha ficado parada, encarando-a, enquanto divagava comigo
mesma. Meus olhos se fixam em Gabriel, que está com as
pequenas mãos nas pernas de minha esposa, mas nota o meu olhar
e rapidamente caminha até mim, com os braços erguidos. Um sinal
claro de quem diz querer colo. — Você gostou?
— Xim! — quem responde é ele, com a sua adorável língua
ainda enrolada. Nós duas rimos, e eu beijo os cabelos dele, que
estão cada vez mais enrolados. Por alguma razão, ele nasceu com
belos cachos nas pontas, é simplesmente a coisa mais linda do
mundo todo. Minha esposa leva a mão até a cabeça do nosso
pequeno, bagunçando levemente os cabelos dele.
— Eu amei. Tenho certeza de que o carinha também vai
gostar.
Louis está passando o final de semana em Miami, com os
pais de Luna. Não consigo me acostumar com o fato de ele estar
crescendo cada vez mais. É a primeira viagem que faz sozinho, e eu
não consigo ficar tranquila, até ter certeza de que tudo esteja bem e
o meu filho esteja a salvo. Luna fica preocupada na mesma
intensidade, nunca o deixamos ir sozinho para tão longe. Somos
mães muito protetoras, tenho total consciência disso. Sei que não
devo sufocar os meus filhos, mas como não me preocupar? Acho
que nunca cortarei totalmente o cordão umbilical com nenhum
deles.
— Tenho certeza de que ele vai gostar, mas não tanto quanto
você e esse garotinho aqui, não é, bebê?
Gabriel olha para mim, sabendo que estou falando dele, abre
um sorriso sapeca e coloca a ponta da língua para fora. De tanto ver
o irmão sorrindo dessa forma, acabou adotando a mesma mania.
Gosto da maneira como os meus filhos se dão bem, mesmo com a
diferença de idade, e o Louis está animado para a chegada de suas
irmãs também. O meu pequeno realmente ama ser o irmão mais
velho. Lembro-me de ouvi-lo conversar várias vezes com a barriga
de Luna, mesmo quando ela mal aparecia, dizendo que protegerá
Gabriel e as duas de tudo nesse mundo. Tenho certeza de que Luna
e eu nunca precisaremos nos preocupar com nosso filho. Ele será
um grande homem, o criamos para ser assim, e acredito que
estamos conseguindo com maestria.
— Faltam poucas coisas agora. Está animada? — Luna
questiona ao voltarmos para o carro. Coloco o cinto de segurança e
olho através do retrovisor, para sair do estacionamento com
cuidado. Não nos mudamos ainda, optamos por terminar de mobiliar
a casa nova toda antes. Será mais fácil, não quero bagunça e a
minha esposa grávida no meio. Vamos alugar a casa em que
estamos atualmente, com todos os móveis dentro. Além de mais
fácil, mais lucraremos.
— Muito. Finalmente estou vivendo esse momento. Estar
aqui agora, capaz de escolher tudo e me lembrar disso, é
simplesmente maravilhoso.
Minha esposa coloca uma mão sobre a minha coxa e a
aperta, e nem preciso olhá-la para saber que está sorrindo. Luna
fica feliz demais por me ver tão animada. É ótima a sensação de
poder mobiliar a nossa nova casa e ter consciência disso. Na atual,
é estranho, porque não tenho lembranças de quase nada, como se
eu simplesmente tivesse sido colocada ali dentro e estivesse
vivendo, porque as circunstâncias me fizeram ter que viver assim.
— Estamos vivendo a vida que queríamos há muito tempo,
sabia? Quando nos casamos, o nosso desejo sempre era ter uma
família grande e uma casa espaçosa, com um quintal enorme. Pode
ter demorado um pouco, mas estamos realizando o nosso sonho.
Seguro a mão dela em minha coxa e a trago até a minha
boca, beijando o dorso e os dedos entrelaçados aos meus. Uma
enorme felicidade está concentrada dentro de mim. Os últimos
meses têm sido simplesmente incríveis. Eu pude reviver uma
gravidez toda, e agora tenho a oportunidade de ver a minha esposa
grávida pela primeira vez. Além disso, é claro, tem o fato de termos
sido presenteadas com a casa nova. Sempre serei grata por todos
que nos permitiram viver esse momento. O dinheiro que
economizamos na compra foi todo usado na mobília e decoração da
casa nova. Posso dizer que agora estou vivendo a minha vida
perfeita. Talvez falte apenas um pequeno detalhe, para que ela
esteja realmente completa.
— Não sei como o Louis consegue dormir com o Gabriel tão
agarrado. Os dois não se desgrudam nunca, nem na hora de dormir
— falo, assim que volto ao quarto. Fui verificar as portas e apagar
as luzes, antes de me deitar, e como a boa mãe coruja que sou,
acabei indo ver os meus meninos. — O que está olhando aí? —
questiono, com o olhar fixo em minha esposa, que está sentada na
beirada da cama, com algo nas mãos, de costas para mim, muito
entretida no que quer que seja. Eu me aproximo rapidamente,
curiosa para descobrir o motivo da sua atenção.
— Estava vindo deitar e acabei encontrando nosso álbum de
casamento. Você estava simplesmente tirando o fôlego — ela diz,
ao se virar para mim, abrindo um belo sorriso apaixonado, e a minha
reação é instantânea, ao devolver o mesmo gesto.
Eu amo demais essa mulher, adoro a maneira encantada que
sempre fala de mim. Acho que se um dia Luna deixar de ser tão
apaixonada por mim, jamais serei a mesma. Eu me sento ao seu
lado, olhando as fotos que ali estão, e a minha mente rapidamente
relembra os momentos vagos que estou vendo nas imagens. Tenho
tido mais lembranças, mas na maioria das vezes, elas são em
partes, pedaços perdidos, que só se encaixam quando converso
com a minha mulher ou quando assisto aos vídeos e vejo fotos.
Hoje, consigo lidar melhor com a amnésia, mas, ainda assim, me
sinto com o coração apertado por não conseguir ser capaz de me
lembrar de tudo.
— Você estava muito mais linda do que eu. Esses olhos
tendo todo o destaque, sua maquiagem bem leve, do jeito que
gosto. Dá pra saber o motivo de eu estar corada nesta foto, com
você me olhando tão fixamente.
Coloco o dedo sobre a foto em questão. Estamos dançando
na pista, com os convidados, mas nós somos o foco, obviamente.
Os meus braços estão sobre os ombros dela, e um sorriso tímido
está em meu rosto, enquanto ela parece hipnotizada em me olhar.
Luna solta uma gargalhada, passando o dedo pela foto, antes
de voltar a me encarar.
— Eu ainda consigo fazer você corar quando a olho assim.
— Convencida.
— Realista — ela rebate, e eu reviro os olhos, empurrando-a
com o ombro. — O dia em que você se tornou a minha mulher
oficialmente no papel, quando juntamos nossos sobrenomes, foi o
momento mais feliz da minha vida. Só está empatado com outros
dois, que são os nascimentos dos nossos filhos.
Impossível não me derreter com a sua fala. Não resisto, me
inclino em sua direção e selo os meus lábios aos seus. Em seguida,
levo a mão até a sua barriga e a acaricio levemente, enquanto sinto
a sua boca na minha. Como não ser completamente apaixonada por
essa mulher? É totalmente compreensível eu não ter resistido no
passado e não ter resistido no presente outra vez.
— Em breve, teremos as nossas filhas conosco.
O enorme sorriso que ela abre faz o meu coração acelerar,
por saber quão feliz e ansiosa a minha esposa está para isso. Luna
sempre sonhou com esse momento, e depois de tanta dor e
sofrimento, finalmente estamos ganhando uma pausa da vida e
sendo abençoadas. Vê-la feliz dessa maneira me deixa muito
satisfeita e realizada, e a minha missão tem sido esta: torná-la cada
vez mais feliz, da melhor maneira que eu puder.
— Será que vai doer muito? Você sempre sente tanta dor —
ela soa agoniada e com medo de repente, surpreendendo-me. Luna
nunca demonstrou quaisquer desses sentimentos, antes,
relacionados à sua gravidez. Estou surpresa, para dizer o mínimo.
Minha esposa ainda tem o costume de guardar algumas coisas para
si.
— Você está preocupada?
— Muito. Lembro-me de como você sentiu dor no parto do
Louis, e agora, no do Gabriel, que apesar de ter sido melhor, ainda
doeu bastante.
Se eu pudesse descrever a expressão no rosto dela como
algo adorável, eu diria que, nesse momento, Luna parece muito um
filhote de cachorro, esperando ganhar colo, assustada, como uma
criança com medo de trovões.
— É normal sentir dores, você sabe.
— E se eu puder ter as duas de forma normal? Vou sentir
dores em dose dupla. Você teve por etapas.
Tenho que me segurar para não rir do que acabo de ouvir,
mas a entendo totalmente. Realmente, apesar de ser um alívio e
nem tão doloroso assim o momento de colocar o bebê para fora, as
contrações são horríveis.
— Meu amor, a dor será de uma vez só. Toda essa
preocupação é com a dor mesmo ou é relacionada à outra coisa?
Luna respira fundo, deixando o álbum de lado ao abaixar a
cabeça. Rapidamente, me aproximo dela, colocando a mão sobre a
sua lombar e a outra entre as dela, que estão em seu colo. A minha
esposa está nervosa, e eu posso confirmar isso não apenas por sua
fisionomia, mas também pela temperatura gelada de sua pele.
— Será que vai dar tudo certo?
— Luna...
— Elas estão bem, mas eu ainda vou mantê-las vivas, aqui
dentro, até o último mês? — ela me interrompe, antes mesmo que
eu a possa confortar. Vê-la dessa forma me aperta o coração, a sua
insegurança pela fragilidade causada pelos traumas anteriores,
nessa mesma situação, me faz desejar trocar de lugar com ela.
Queria que tivesse sido eu a passar por tudo aquilo, apenas para
nunca ter que vê-la com esse olhar de agonia. — Tenho sonhado
diversas vezes que uma delas não consegue sobreviver por minha
causa, eu...
— Shhh, amor... — Solto as suas mãos para fazê-la me olhar.
Os olhos verdes, que tanto amo, estão com um brilho tão
apavorado. Não consigo vê-la dessa forma, me deixa agoniada. —
Elas estão bem e permanecerão dessa forma. Eu cuidarei de vocês
três, e você das nossas filhas.
— Mas...
— Não pense nessas coisas, ok? Está tudo sob controle. —
Uma coisa rapidamente vem à minha mente, e eu me afasto para
poder buscar o meu aparelho, que estava em cima do meu
travesseiro. Em seguida, volto para perto, desbloqueando a tela do
celular para buscar o que desejo. — Ouça.
Luna parece confusa, mas não diz nada, apenas pega o
aparelho celular e o aproxima de si, para poder ouvir. Um sorriso
nasce em meu rosto quando o áudio se torna mais audível, e a
minha esposa está incrédula ao se dar conta do que se trata.
— Você não existe, é sério — minha mulher diz, emocionada,
mas dessa vez, posso sentir a felicidade exalando dela. Tinha
aproveitado nossa última consulta com a obstetra, em que fomos
capazes de ouvir os corações de nossas filhas, para poder gravar o
som em meu celular. Queria ser capaz de ouvir sempre que
quisesse. Não tinha mostrado à Luna ainda, mas tudo tem o seu
momento certo de acontecer, não é?
— Eu existo e fui feita para estar com você, ao seu lado,
enfrentando tudo o que vier pela frente. Nós seremos mães de novo
em breve, vai dar tudo certo.
— Acho incrível como você consegue me deixar segura. Só
quero que esteja ao meu lado, segurando a minha mão quando for o
momento.
— Não existe outro lugar nesse mundo para eu estar que não
seja ao seu lado.
Minha esposa abre um enorme sorriso e se inclina outra vez
em minha direção, grudando seus lábios nos meus. Sentir sua boca
na minha sempre tem o gosto e a sensação da primeira vez. Seria
muito errado dizer que eu sou grata por não me lembrar de nenhum
outro beijo que não seja o dela? Porque nunca, nem em mil anos,
gostaria de ter outra lembrança com qualquer pessoa nesse mundo
que não seja com a mulher da minha vida.
— Eu sou muito sortuda por ter a sorte ao meu lado todos os
dias.
Um sorriso todo bobo surge em meu rosto ao ouvi-la, e não
evito beijá-la mais uma vez. Trocamos mais beijos apaixonados, até
que voltamos a nossa atenção outra vez para o álbum de fotos do
nosso casamento. Luna vai comentando sobre algumas, e eu ouço
atentamente, recriando as cenas que a minha mente não consegue
lembrar sozinha. É como navegar em um mar de lembranças. Eu
adoro a paciência que ela tem com todos os detalhes, fazendo-me
sentir como se estivesse revivendo tudo.
— E essa foto aqui? — questiono, apontando para uma
fotografia que parece perdida no álbum, destoando totalmente das
outras, que são fotos do nosso casamento. Essa não foi tirada no
dia, é bem aleatória, para dizer a verdade, como se realmente
estivesse perdida. Nela, minha esposa e eu estamos deitadas em
uma cama. Ela, sobre o meu peito; eu, com os braços esticados,
provavelmente por ter batido a foto.
— Eu sei que parece perdida aqui, mas essa foto é muito
especial. Tiramos no dia anterior ao nosso casamento. Eu estava
ansiosa e precisei fugir até você. Nossos pais quiseram seguir
aquela tradição de não deixar que nos víssemos, até estarmos no
altar, mas não fui capaz de ficar longe de você.
Enquanto ouço a minha esposa contar sobre aquela
fotografia e o dia em que ela foi tirada, sua voz começa a ficar
distante aos poucos, e então, parece que a minha mente entra em
algo como o limbo. Não consigo explicar direito porque continuo
ouvindo o que ela diz, mas os meus olhos estão perdidos em outro
lugar. Um lugar muito distante dali.

— Você acabou de tirar uma foto? — Luna questiona,


remexendo-se em meus braços, e eu sorrio, ao me esticar para
colocar a câmera fotográfica ao lado da cama, logo voltando a
atenção para ela. Minha noiva está deitada sobre o meu peito, mas
agora em frente a mim, com os olhos fixos em meu rosto e o queixo
apoiado entre os meus seios. Ela está confusa e curiosa, com um
leve ar de diversão brilhando em seu olhar.
— Sim, essa é a prova de que você não consegue viver um
dia sem estar comigo. Mostrarei essa foto quando você disser,
outra vez, que passará bem um dia longe de mim.
Luna revira os olhos, fazendo-me gargalhar de sua
expressão, ao notar o sorriso arrogante em meus lábios. Ela tenta
se soltar e rolar para o lado, mas eu a prendo com mais força,
grudando o seu corpo ainda mais no meu.
Desde que fomos morar juntas no mesmo apartamento, por
causa da faculdade, raros foram os momentos em que passamos a
noite longe uma da outra. Nos últimos meses, isso não aconteceu,
porque estávamos vivendo uma lua de mel adiantada durante
semanas.
— Você é idiota, mas tem razão, não consigo viver sem você.
— Eu sei.
— Será que vamos ter azar por não termos obedecido aos
nossos pais? — Ela parece pensativa ao fazer a pergunta. Abaixo-
me para beijar a sua testa e faço um carinho em suas costas por
debaixo da blusa que está usando. Suspiro longamente, ajeitando-
me melhor sobre a cama para aconchegá-la.
— Não.
— Certeza? Eu acho que os seus pais sabem que estou aqui
com você.
— Isso eles definitivamente devem saber mesmo. Você não
foi muito silenciosa escalando a parede do meu quarto. Sabia que
me senti de volta à adolescência? Quando você fazia a mesma
coisa no meio da madrugada para dormir comigo.
— Eu pensei em mandar uma mensagem antes, mas achei
que seria mais legal fazer assim, como nos velhos tempos.
Luna levanta a cabeça e sorri, antes de se abaixar e beijar a
minha boca. O beijo se inicia lento, como sempre. Gosto de como
todos os nossos beijos são, como se a gente estivesse
reconhecendo a boca uma da outra, lentos e apaixonados. Ela tem
o costume de sugar o meu lábio superior, para, logo em seguida,
passar a língua no inferior e deslizá-la para dentro. Eu suspiro todas
as vezes, completamente rendida a essa mulher e ao gosto dela.
Luna tem sabor de hortelã. Eu sei que é por causa do creme
dental, mas se tornou tão característico dela, todos esses anos, que
me acostumei a sentir esse gosto em sua boca.
Vamos parando o beijo gostoso aos poucos. Ela suga os
meus lábios, um por um, enquanto as mãos apertam e acariciam as
laterais do meu corpo. Gosto dos seus toques leves e firmes, Luna
sabe me tocar como ninguém nesse mundo nunca seria capaz. Eu
acho incrível a sua capacidade em conhecer o meu corpo. Minha
noiva tem o dom de me enlouquecer com extrema facilidade.
Quando tento iniciar mais um beijo, batidas à porta do meu
quarto fazem com que nos afastemos. Olho em direção ao som, e
pela sombra visível por debaixo da porta, é possível ter noção de
que tem mais de uma pessoa parada ali.
— Não quero atrapalhar a lua de mel adiantada de vocês,
mas daqui a pouco os meus pais vão acordar, e eu acredito que as
duas donzelas tenham horários marcados no salão de beleza.
— Vão acabar se atrasando.
Como isso não poderia ser diferente, as vozes são de Belinda
e Rodrigo, que não estão falando tão alto, para evitar que os meus
pais ouçam. Realmente parece que estamos de volta ao passado,
quando os dois nos ajudavam a esconder as coisas.
— Odeio ter que deixá-la — minha noiva resmunga,
praticamente se jogando em meu colo, para abraçar a minha cintura
e esconder o seu rosto em meu abdômen. Eu rio de sua manha,
curvando-me para beijar sua cabeça e acariciar suas costas.
— Eu também odeio, mas precisamos ir. Dentro de algumas
horas, juntaremos os nossos sobrenomes e passaremos o resto das
nossas vidas grudadas.
Luna se levanta rapidamente, e em seu rosto, eu vejo um
enorme sorriso, enfeitando a face que tanto amo. Os olhos verdes
estão brilhando, e tenho certeza de que os meus estão da mesma
forma.
— Serei uma Cruz para sempre.
— Eu, uma Jacobs para sempre.
Parecemos adolescentes apaixonadas, como sempre fomos,
e acredito que sempre seremos. Trocamos um beijo que, no início,
era para ser coisa rápida, mas acho que nos empolgamos, porque
os nossos telefones começam a vibrar sem parar, com a chegada
de mensagens. Nós duas rimos, antes de ela se levantar da cama
para se vestir. Depois, a minha noiva caminha em direção à janela,
mesmo eu dizendo que não era necessário e que poderia sair pela
porta da frente. Luna gosta de uma aventura.
— Vejo você no altar? — ela questiona, antes de descer
totalmente
Eu abro um enorme sorriso, acenando com a cabeça, antes
de respondê-la:
— Eu serei a de branco.

Meu coração está em êxtase neste momento, com os


batimentos acelerados, e a minha visão está levemente turva. Estou
com mal-estar, mas é apenas euforia pela lembrança que acabei de
ter. Não posso conter a felicidade dentro de mim, porque, assim
como as outras, essa também foi uma lembrança muito importante.
Acho que aconteceu no momento certo, porque acabo de tomar a
decisão que deveria ter tomado há mais tempo.
— Meu amor, tudo bem? — A voz preocupada da minha
esposa me traz de volta à realidade, e olho rapidamente para ela,
que me observa com a preocupação nítida em seus olhos. Tiro o
álbum de fotografias de suas mãos e depois as pego, fixando o meu
olhar no seu.
— Eu quero me casar com você.
Parece que Luna foi pega de surpresa, e a sua expressão
passa de preocupação para felicidade e confusão em questão de
segundos.
— Essas alianças em nossos dedos já mostram que somos
casadas há anos, meu bem — ela brinca, soltando uma risada tão
gostosa, que me faz amá-la ainda mais. Já disse que amo esse
som? O meu coração fica quentinho.
— Você não entendeu. Estou dizendo que quero me casar
com você outra vez. E quantas vezes mais forem necessárias.
— Camille...
— Você aceita se casar comigo?
Luna não responde de imediato. Posso observar quando os
seus olhos começam a lacrimejar, e são lágrimas de felicidade, pois
conheço o brilho que está em seu olhar, é o mesmo que ela tem
todas as vezes que digo que a amo. Então, ela abre um sorriso, com
o qual estou acostumada, pois ele é exclusivamente meu.
— Basta olhar em meus olhos, você já tem a sua resposta.
Eu sinto os músculos do corpo dela relaxando, conforme eu
aperto os locais tensos. Os hormônios da gravidez têm afetado
bastante a minha esposa, que vive, constantemente, mudando de
humor, por isso e pelas dores sentidas. Tenho dado o meu jeito para
conseguir lidar com ela e acalmá-la. Descobri alguns métodos para
isso.
— Eu também tinha o humor instável quando estava grávida?
— pergunto, curiosa. Ouço alguns de seus ossos estalando, e a
minha mulher solta um gemido doloroso e aliviado ao mesmo
tempo. Ela está sentada entre as minhas pernas, enquanto estamos
na banheira. Resolvi fazer uma massagem aqui, porque fica mais
confortável para as duas.
— Bastante. Eu acredito que a primeira tenha afetado mais.
Às vezes, eu tinha medo de dormir e acordar com você jogando
alguma coisa em mim, ou talvez com uma faca na mão.
Ela solta uma risadinha, e eu fico paralisada, assustada com
essa informação. Sei que na gravidez do Gabriel fiquei muito
instável, mas não tanto quanto parece que fiquei na gravidez do
Louis. Minha esposa me olha por cima do ombro, com os cabelos
presos naquele coque, no alto da cabeça, e algumas mechas soltas
caindo sobre o rosto. Volto a massageá-la lentamente e a vejo
fechar os olhos, suspirando em deleite com o contato.
— Brigávamos muito?
— Tínhamos muitas discussões, mas era muito fácil reverter
uma situação crítica.
— O que você fazia para me acalmar?
Ela inclina a cabeça para a frente, usando a mão direita para
mostrar que quer uma massagem na nuca, e eu, rapidamente, lhe
obedeço.
— Comida, muito carinho, massagem e, claro, muito sexo.
— Muito sexo?
— Sim, bastante. Você gostava sempre que tinha uma
oportunidade, em qualquer lugar.
— Qualquer lugar?
— Qualquer lugar. Era mais fácil naquela época, porque o
nosso primeiro filho não tinha nascido ainda, então éramos pouco
interrompidas — ela brinca, fazendo-me rir. Eu tenho que concordar,
porque fazer sexo, quando se tem crianças em casa, se torna uma
missão quase impossível, principalmente quando se tem um bebê,
como o Gabriel, que exige atenção o tempo inteiro. Nem sei como
vão ser as coisas quando as gêmeas nascerem.
— Eu acho que estou sabendo usar essas técnicas com
você, não é?
— Muito, e eu gosto bastante da parte do sexo. É claro que
gostaria de fazer mais, mas você tem conseguido suprir as minhas
necessidades.
— É mesmo? — Paro de massagear a sua nuca para deslizar
as mãos até a sua parte da frente, alisando a barriga cada vez
maior, até chegar aos seus seios, que estão extremamente
sensíveis, e eu vejo isso pela reação dela ao sentir o meu toque. —
Eles estão enormes, tão bonitos.
— E muito sensíveis — ela sussurra, recostando-se mais em
mim, e o contato de sua bunda diretamente com minha boceta faz
com que o meu corpo tenha reações. Luna tem o dom de me deixar
maluca sem dificuldade. Sei que sempre falo isso, mas é porque fico
surpresa com todo esse poder sobre mim.

— Incomoda? — questiono, e ela nega com a cabeça. Luna


deita a cabeça sobre o meu ombro esquerdo, dando-me mais
liberdade. Os meus olhos vão aos seus belos seios, fazendo-me
salivar de vontade de tê-los em minha boca. Eu, rapidamente,
aperto os mamilos, e a minha esposa se curva, enquanto solta um
longo e alto gemido. — Doeu?
— Não. Não, não mesmo, nem um pouco. Caralho! Eu amo
ter as suas mãos neles.

Continuo massageando os seus seios, tocando na sua


barriga e nas suas coxas, porém sem tocar em sua entrada. Não é
confortável ser tocada nessa região debaixo da água, porque
incomoda demais, a ponto de machucar, se não tiver cuidado, e
tudo que eu menos quero é machucá-la.

Sinto a água cada vez mais fria e decido que está na hora de
sairmos.

— Vamos sair, está começando a esfriar.

Ela resmunga um pouco, mas não nega. Eu a ajudo a sair da


banheira e, então, pego a toalha para poder secá-la. Minha esposa
não tira os olhos de mim, e adoro ter seu olhar dessa forma, porque
faz eu me sentir amada e desejada. Para ser sincera, não existe
nada que eu não goste em relação a ela.

— Preciso muito fazer xixi.

— Tudo bem. Vou te esperar no quarto.

Dou-lhe um selinho, antes de deixá-la sozinha no banheiro.


Tenho tempo de me vestir e me deitar na cama, enquanto a minha
esposa não vem. Não me preocupo, porque Luna disse estar
sempre demorando quando usa o banheiro, pois parece que as
nossas filhas vão deslizar para fora, então ela faz tudo com a maior
calma possível.
Pego um livro que está ao meu lado, na cabeceira, e começo
a folheá-lo para encontrar a parte em que parei. Minutos depois, eu
entendo o motivo de sua demora. O cheiro de sabonete, misturado
ao creme corporal, toma conta do quarto inteiro rapidamente. Meus
olhos vão em sua direção, e tenho a visão mais linda do mundo:
minha esposa completamente nua, exibindo a bela barriga de
grávida, enquanto caminha graciosamente, secando as pontas do
cabelo, que acabaram molhando durante o banho. Ultimamente,
tenho me sentido bem mais atraída por ela, e não achava que isso
seria possível.
— Por que está me olhando assim? Não tem nada aqui que
você não tenha visto, amor — ela brinca ao passar em frente à
nossa cama, indo em direção ao closet. Olha-me por cima do ombro
e abre um sorriso sem-vergonha, fazendo questão de balançar bem
o quadril, antes de sumir da minha vista. Engulo em seco e,
rapidamente, largo o livro sobre a cama, de qualquer jeito.
Provavelmente terei que procurar a página em que parei, mas não
me importo. Tenho outra prioridade agora.
Quase tropeço em meus próprios pés, ao me deparar com a
bunda enorme erguida no ar, enquanto a minha esposa está
curvada, procurando algo em uma de suas gavetas. O corpo dela
ganhou mais curvas, e, apesar de estar complexada com a
aparência, para mim ela está cada dia mais linda e mais gostosa.
Não demoro a me aproximar, sem aguentar ficar apenas ali
observando.
— Isso é um convite?
— Meu Deus, Camille! Não faça isso — ela reclama, depois
de saltar de susto por causa da minha chegada repentina. Eu abro
um sorriso, olhando-a, enquanto ela gira sobre os calcanhares para
me encarar. Sua falsa expressão raivosa se desfaz ao fixar o olhar
no meu. — Pare de chegar assim do nada, amor.
— Você me provoca desse jeito e não espera que eu venha
atrás de você?
Sua pose se desfaz totalmente com o meu tom de voz.
Consigo desarmá-la fácil, ela não resiste muito a mim.
— Eu não fiz nada.
A sua falsa inocência me excita, esse cinismo descarado me
deixa louca. Ela fez, e sabe muito bem o que fez. Não lhe respondo
de imediato e me aproximo sem perder tempo, rapidamente
tomando a sua boca na minha. Meus movimentos não são graciosos
e lentos como sempre, pelo contrário. O beijo começa de maneira
agressiva, sem calma, afoito, com muito desejo envolvido. Luna
geme em minha boca, agarrando-me pelos ombros. Eu uso as
minhas mãos para segurar sua cintura, mas não resisto ao descer
as duas para a bunda, que aperto com vontade, ganhando mais um
gostoso gemido dela.
— Você gosta de me ver louca. Mesmo que não tivesse feito
nada, apenas a sua existência já é motivo pra eu ficar assim. —
Minha voz está rouca, com um tom sensual, da forma que sempre
fica quando estou atingindo níveis altos de tesão. Todos os meus
sentidos estão aguçados, sinto-me sensível, à flor da pele. Luna não
tem tempo de me responder, porque, em questão de segundos,
estou beijando-a outra vez, lambendo e sugando os seus lábios.
Continuo apertando a sua bunda e uso as pontas dos dedos para
tocá-la no espaço entre as nádegas, pressionando o local apertado
e quente.
— Amor... — ela ofega ao separar sua boca da minha, tenta
se afastar um pouco, mas sou implacável, agarrando-a de novo e
tomando a sua boca mais uma vez. Luna se entrega, mas volta a
tentar se afastar de novo, então eu a libero um pouco para ouvi-la.
— Espera. Será que você pode continuar me beijando assim, só que
lá embaixo?
Minha mente, completamente nublada pelo tesão, me faz
soltar um gemido extremamente grosso. Solto lufadas de ar, ao
entender o seu desejo, e não me contenho: abro um enorme sorriso
e aproximo meu rosto do dela.
— Quer a minha língua em você? — Ela rapidamente acena
em concordância, umedecendo a boca com a língua. Sinto vontade
de chupá-la, mas agora vou chupar outro lugar. — Vou te dar o que
você quer.
E logo estou de joelhos para ela, afastando as suas pernas,
enquanto Luna usa as prateleiras atrás de si como apoio. Seu cheiro
invade as minhas narinas, e um som de aprovação escapa da minha
garganta, sem que eu possa evitar. Eu simplesmente amo o fato de
ela não usar e abusar de produtos íntimos que tiram o cheiro
natural, amo o aroma de mulher que ela exala. Não existe nada
melhor que uma boceta com cheiro e gosto de boceta.
Nem preciso tocar nela para ver quão molhada está, e não
resisto: logo a minha língua está passando por toda a sua abertura,
de cima para baixo, sentindo seu gosto. Dou lambidas generosas,
não deixando parte alguma sem que a minha língua passe,
arrancando gemidos e palavras desconexas dela. Então, eu a beijo,
da mesma forma que beijei sua boca, só que, dessa vez, um beijo
muito molhado e ainda mais gostoso. Sugo os pequenos e grandes
lábios e fecho os meus lábios sobre o seu clitóris, para sugá-lo
como sei que a minha mulher gosta.
Luna usa as duas mãos para segurar minha cabeça e
rapidamente esfrega-se por toda a minha boca e rosto, de maneira
descontrolada. Louca de tesão: é assim que eu gosto de tê-la. Não
me incomoda, gosto de vê-la descontrolada dessa maneira. Ela tem
sentido mais desejo nas últimas semanas, fazendo coisas que não
fazia antes. E apesar de existirem dias em que ela não quer contato
algum, quando quer, a minha esposa me maltrata. Luna acaba
comigo, mas eu a amo.
— Que boca deliciosa! Caralho, Camille. Você sabe chupar
tão gostoso.
Perco a noção do tempo, dou tapas em suas coxas, em sua
bunda, e ordeno que ela se esfregue mais. Praticamente todo o meu
rosto está molhado com sua lubrificação, mas eu não poderia me
importar menos. Luna está louca, ansiosa para gozar, mas não a
quero fazer gozar assim, então, mesmo a contragosto, eu me
afasto. Sei que ela deve estar com raiva, mas, ainda assim, olho
para cima.
— Vire.
— Camille… — ela resmunga, e eu aproveito para dar um
tapa forte, com a palma da mão, diretamente em seu clitóris.
— Cale a boca e faça o que eu mandei. Vire e se abra bem
pra mim.
Mesmo irritada por eu ter interrompido o seu momento, ela
está muito ansiosa para continuar com a minha boca nela, então
não se faz de rogada e obedece. Luna se apoia nas prateleiras e
fica curvada, separando bem as pernas para me dar toda a
liberdade possível. Essa é uma das visões que eu mais gosto de ter.
Uso as mãos para segurar as suas nádegas com firmeza e afastá-
las, inclinando-me para lamber o ponto delicioso em que a minha
esposa adora ser tocada. Passo a língua pela região, deixando-a
ainda mais molhada, e uso a mão direita para penetrá-la na boceta
com dois dedos, lentamente, sentindo-a me apertar e ouvindo seus
gemidos cada vez mais altos.
— Não vou aguentar assim. Amor... Ah! Eu vou gozar!
Caralho eu... Camille!
Rapidamente, paro de penetrá-la para masturbá-la,
esfregando o seu clitóris do jeito que ela mais gosta, girando os
dedos, enquanto, com a mão esquerda, abro mais a sua bunda para
poder enfiar a língua no buraco extremamente apertado. Luna não
demora a gozar, e quando o faz, volto a penetrá-la com os dedos,
sentindo-a me apertar e tremer sobre suas pernas.
Não sei quanto tempo durou o seu orgasmo, tenho certeza de
que ela teve mais de um. Quando o seu corpo finalmente se acalma,
eu uso a língua para limpar cada resquício do seu gozo.
— Porra de mulher deliciosa, com esse rabo gostoso e essa
boceta mais gostosa ainda — falo, assim que me coloco de pé, não
resistindo e batendo em sua bunda, ganhando um gemido manhoso
dela.
Minha esposa rapidamente se vira para mim. Seu rosto está
avermelhado, principalmente nas bochechas e na ponta do nariz.
Essa imagem sempre me deixa apaixonada e com tesão. Luna me
puxa para si, tomando a minha boca com a sua e beijando-me com
vontade.
— Vamos para a cama, quero você sentada na minha cara —
é tudo o que ela diz.
Eu sei que a noite está apenas começando.
Desvio a atenção do livro em minhas mãos para olhar para
baixo, deparando-me com o meu pequeno deitado sobre a minha
barriga, dormindo, com a sua chupeta do Homem-Aranha na boca.
Olho para o lado, e o meu coração fica ainda mais quentinho,
observando a minha esposa e o nosso outro filhote completamente
apagados. Depois do almoço, resolvemos fazer a maratona dos
filmes da Disney, e os meus três amores acabam dormindo.
Compreensível, pois o almoço foi bem farto, e sempre bate aquele
sono da tarde, principalmente em tardes chuvosas de um domingo,
como hoje.
— Hm... Hm… — Gabriel resmunga em meu peito,
balançando a cabeça de um lado para o outro, e resolvo deixar o
livro totalmente de lado para acariciar os cabelos do meu pequeno.
Isso parece acalmá-lo, porque os resmungos param, e ele suspira
longamente. Isso me faz sorrir e beijar sua cabeça, abraçando-o em
seguida. Faltam poucos dias para nos mudarmos e alguns
pequenos detalhes nos quartos, para que tudo finalmente esteja
pronto.
Não vejo a hora de irmos para a casa nova. Sei que existem
muitas lembranças aqui, mas acho que ir para um lugar novo fará
com que as coisas sejam ainda mais leves. Talvez o fato de que
poderei me lembrar de tudo possa ajudar nessa animação toda.
Olho outra vez em direção ao Louis e a Luna, que ainda
dormem profundamente. Meu pequeno está todo encolhido entre
nós duas, com as pernas sobre as da minha esposa. Ela ressona
baixinho, com a respiração um pouco pesada. Tem sido assim
desde que engravidou. A minha mulher tem sentido muito cansaço,
e consequentemente, o seu sono está mais pesado. Com os meus
olhos, traço cada detalhe do rosto da mulher que amo: as suas
bochechas redondas, por causa da gravidez, deixam-na ainda mais
bela, a boca, sempre tão gostosa, parece ainda mais bonita assim,
entreaberta. Não há dúvidas sobre essa mulher ser o amor da
minha vida.
Se eu pudesse voltar ao passado, começaria as coisas de
forma diferente. Toda aquela antipatia instantânea que senti por ela,
apenas porque era terrivelmente atraente e se achava por causa
disso, sem contar as cantadas ridículas. Tudo sobre Luna me
irritava, e quando ela teve noção disso, parece que as coisas
pioraram. Então, conforme o tempo passava, eu a odiava cada vez
mais. Parecia que, em todos os lugares que essa garota estava, era
impossível fugir dela.
Eu nem fazia ideia de que o destino estava mexendo os
pauzinhos para que nossos caminhos sempre se encontrassem.

Levanto-me sobre a cama em um salto, ofegante e com o


coração bastante acelerado. Minha visão ainda está levemente
turva, o quarto está escuro, mas a luz da lua, que entra através da
janela aberta, deixa o ambiente mais visível. Olho para o lado,
preocupada em acordar a minha esposa, mas fico aliviada ao vê-la
dormindo serenamente. Vou me acalmando aos poucos, descendo o
olhar pelo seu corpo. Os cabelos longos, soltos pelo travesseiro, os
seios bem cheios, a barriga, que não tem como esconder, e as
coxas cada vez mais grossas. Ela tem dormido sem roupa durante
noites como esta, em que está um pouco abafado. Eu claramente a
apoio, porque amo vê-la nua.
Luna está mais linda do que nunca. Eu sempre ouvi dizer que
as mulheres costumam ficar mais bonitas quando estão grávidas, e
posso confirmar, com total certeza, que esse é o caso da minha
esposa. Mesmo quando ela está cansada, com cara de sono, por
causa de uma noite ruim, consegue ser a mulher mais linda do
mundo. Eu não acho que seja possível essa mulher ficar feia de
alguma forma.
Nem todas as gotas de água, que caem do céu todos os
anos, são capazes de medir o tamanho do amor que sinto por essa
mulher.
Você já ouviu dizer que os seres humanos nasceram com
quatro braços e quatro pernas e tiveram que ser separados para
não serem tão fortes? A história diz que, por causa disso, passamos
o resto das nossas vidas em busca da metade que nos foi tirada. Eu
acredito, porque encontrei a minha outra parte, a minha pessoa.
Quando se ama alguém como eu a amo, e tenho descoberto
amar cada dia mais, você se sente capaz de tudo. Sente na pele
tudo o que a pessoa sente, chora quando ela chora, sorri quando
ela sorri, fica bem quando ela está bem, mal quando ela está mal,
entre outras coisas. É capaz de dar a vida por essa pessoa ou até
mesmo deixar a própria felicidade de lado apenas para vê-la feliz.
Porque a felicidade dela também é a sua.
Porque vê-la sorrir lhe dá sentido para viver intensamente.
Porque é ela que o mantém no chão, não a gravidade.
Porque você tem sorrisos únicos e exclusivos para ela.
Porque sem ela você deixa de viver e passa apenas a existir.
Nunca fui muito boa com sentimentos amorosos, sempre corri
disso quando era possível. Metade da minha vida sumiu da minha
memória. Só existe uma coisa que eu mudaria em tudo isso: daria
uma chance à Luna desde o início. Faria tudo diferente. Porque é
ela. Eu sei que é ela. Se não fosse, não seria mais ninguém. Eu não
poderia ser mais grata por ela ser o meu primeiro e único amor.
Não posso evitar e levo a mão até sua barriga, acariciando-a
levemente. Meus olhos se enchem de lágrimas de alegria. Falta tão
pouco para termos nossas pequenas conosco. No dia em que
acordei desmemoriada, passei semanas querendo terminar com ela.
Nunca, nem em mil anos, imaginei que hoje estaria aqui, ainda
casada, prestes a me casar de novo com o amor da minha vida,
com mais um filho e duas prestes a nascer. Chego mais perto para
beijar aquela circunferência enorme.
— O que está fazendo, estranha? — a sonolenta Luna
questiona de repente, arrancando-me uma risadinha. Ela se mexe
na cama, e eu me afasto, subindo para poder beijá-la.
— Não resisto a você e a essa barriga enorme.
— Você... Camies, coloque a mão, rápido — ela diz, afobada,
de repente, puxando a minha mão para a sua barriga. Estou
confusa, mas logo entendo quando sinto as nossas filhas agitadas.
— Parecem peixinhos nadando dentro de mim.
— Nossa, elas acordaram agitadas.
— Com certeza, sentiram a sua presença.
Eu sorrio e a beijo. O movimento na barriga dela vai parando
conforme a gente se beija, como se elas sentissem a mãe delas
mais calma e, automaticamente, ficassem também. É engraçado
pensar como os bebês reagem, não é? Mesmo tendo passado por
isso, ainda acho fascinante e assustador.
— Quero me casar com você antes delas nascerem.
— Esse mês?
— Sim, e já tenho a data perfeita para isso.

Se, há três anos, alguém me dissesse que eu estaria, hoje,


prestes a me casar de novo com a Luna, eu provavelmente xingaria
a pessoa de louca. Porém, aqui estou, mais uma vez, prestes a
unificar a minha vida com ela. Em três anos, não só aprendi a amar
minha esposa cada dia mais, como tive outro filho, e falta menos de
um mês para termos mais duas filhas. Isso é muito louco de se
pensar. Tivemos duas semanas para planejar tudo, foi uma correria
sem tamanho. Não queríamos exageros, mas tinha que ser algo
bonito, em um lugar ainda mais bonito.
E qual o local mais perfeito para isso, senão sob o nosso
lugar? Tivemos tantas lembranças compartilhadas aqui, eu não
consegui pensar em um lugar melhor para nos casarmos outra vez.
Luna amou a ideia, e apesar de estar cansada por todo
esforço que precisou fazer, quando a vi mais cedo, ela parecia uma
adolescente, toda ansiosa.
Há três anos, eu estava odiando o amor da minha vida, sem
saber que ela era a mulher com quem passaria o resto dos meus
dias. Demorei a acreditar, não quis pensar que tinha me apaixonado
pela pessoa que odiei na adolescência durante tanto tempo. Era
impossível para mim, mas hoje, parada aqui no altar, enquanto a
espero, olhando para nossos parentes e amigos, sei que não existe
ninguém, além dela, que eu queira para sempre. Tudo pelo que
passamos serviu para reforçar esse amor que sentimos; também sei
que temos um longo caminho para percorrer. Amar é se doar e
ceder todos os dias, mas também é estar disposto a enfrentar quase
tudo o que vier pela frente. Com ela ao meu lado, não existe outro
lugar em que eu queira estar.
Luna foi destinada a mim, moldada para se encaixar em mim
e mandada a esse mundo para me encontrar quantas vezes fossem
necessárias. Hoje, entendo que o destino apenas quis nos testar,
para sabermos se realmente estávamos prontas para passar o resto
de nossas vidas juntas. Sim, tenho a total certeza de que estamos
mais do que prontas.
Quando a música escolhida por ela começa a tocar, o meu
coração parece prestes a sair do peito. Meus olhos não demoram a
vê-la, de braços dados com o pai, com o vestido solto, mas, ainda
assim, deixando bem visível a barriga. Não contenho a emoção e
agradeço por estar usando maquiagem à prova d’água, porque
nunca, em mil anos, eu visualizaria essa cena sem chorar. Ela está
simplesmente tirando o meu fôlego.
Não consigo olhar para qualquer outra coisa que não seja
para ela vindo em minha direção. Quando está perto o suficiente,
noto que a minha esposa também está chorando de emoção. Um
sorriso me escapa, e olho para Mark, que, como o ótimo pai emotivo
que é, está se acabando em lágrimas de alegria. Luna disse que na
primeira vez ele também chorou. Seu olhar cruza com o meu, e ele
adota uma pose séria, mesmo que ainda estejam escorrendo
lágrimas por suas bochechas.
— Continue cuidando bem da minha garotinha, ok?
— Até depois do para sempre eu cuidarei dela, Mark.
Ele sorri para mim, parecendo satisfeito, e então, dá um beijo
na testa de minha mulher, antes de se afastar e a deixar comigo.
Com as mãos trêmulas, seguro o seu rosto e a observo com
cautela. Não sou capaz de evitar: me aproximo e beijo sua boca,
sussurrando baixinho: “Obrigada por me escolher”, antes de me
afastar outra vez e levá-la para a frente da juíza de paz.
Não consigo prestar atenção em uma palavra dita, sou toda
para essa linda mulher ao meu lado agora. Como pode ser
diferente? Ela está iluminando todo o ambiente, como se fosse o
meu sol particular. Você já encontrou aquela pessoa que a faz
confiar no amor? Que a faz ter vontade de se jogar em um
penhasco, sem medo do que encontrará no fundo?
Se você ainda não encontrou a sua pessoa, não desista, mas
também não a procure. Ela vai encontrar o caminho até você, de
uma maneira ou de outra. Não tenha medo, não tenha, porque amar
e ser amado é uma das melhores coisas que existem nesse mundo.
O amor é incrível, é uma dádiva que nos foi concedida. Você precisa
se entregar sem amarras, sem pensar no depois, sem se lembrar do
passado, porque a sua pessoa de agora não tem culpa das outras
que a machucaram. Se você fizer isso, as coisas vão simplesmente
acontecer, como um passe de mágica, ou melhor, como um passe
de amor.
Porque o amor é como a magia: surreal, encantador, inédito.
Faz você se sentir fora da realidade, como se estivesse flutuando
dentro de si mesmo. Tudo à sua volta ganha mais cor, você se sente
vivo, como se realmente valesse a pena viver, porque você
finalmente encontrou um motivo para continuar, uma razão para ser
a sua melhor versão.
O amor é misterioso, ele surge de repente e nunca sabemos
por quem iremos senti-lo. É assustador, eu sei, mas o amor é uma
dádiva, e nem todos sabem apreciar isso. Nem todo mundo sabe
valorizar o amor e o cultivar. Permita-se amar e ser amado, mas não
por solidão. Entregue-se sem medo, sem amarras, sem pensar.
Confie e faça valer a pena.
O amor é uma das poucas coisas que faz com que nos
sintamos vivos de verdade, e eu me sinto mais viva que nunca. Se
você não acredita no que eu disse ou nunca sentiu isso nem perto,
vai entender quando encontrar a sua pessoa, assim como eu
encontrei a minha.
Estamos de frente uma para a outra agora, olho no olho, com
os mesmos sorrisos em nossos rostos. Minhas mãos estão geladas
e as dela estão úmidas. Não sei por que ainda ficamos nervosas, se
já somos casadas. Mas eu entendo, sei o que este momento
significa. Estamos no lugar em que muita coisa aconteceu, onde
tudo começou. E agora está recomeçando.
— Faz um bom tempo que, nessa mesma casa na árvore,
você pediu um pedaço do meu coração pra você. Eu não fazia ideia
de que ter dito “sim” a você, naquele dia, me fez entregar não
somente a parte que você pediu, mas ele por inteiro, porque não
existe pessoa melhor nesse mundo para me amar, respeitar, admirar
e cuidar. Eu não escolheria outra, nem mesmo se pudesse. É você,
tem sido você por muito tempo e sempre foi você.
Faço uma pausa para recuperar o fôlego. Estou quase
chorando, e a minha mulher não consegue controlar as lágrimas.
— Meu coração escolheu você, o destino nos escolheu para
vivermos esse sentimento tão intenso e verdadeiro — continuo. —
Eu a escolhi para amar, cuidar, respeitar e proteger. Você é minha
pessoa, e sei que posso confiar em você. Minha eterna sorte, eu
sou a mulher mais sortuda do mundo por estar apaixonada pela
minha melhor amiga, porque, para mim, você é tudo, meu sol depois
da chuva, minha luz na escuridão, a base que me sustenta. O amor
da minha vida, muito mais do que eu mereço.
Luna nem ao menos espera que eu termine os meus votos,
ela apenas me puxa contra si e gruda as nossas bocas. Todos à
nossa volta comemoram, e eu me perco nela, como sempre, sem
medo de não voltar. Neste beijo, me sinto segura e amada. Tudo em
mim é reflexo dela, tudo nela tem um pouco de mim também.
Somos a combinação perfeita e imperfeita. Eu complemento
as qualidades dela, e ela camufla meus defeitos. Se existe algo que
acertei nessa vida, foi o momento em que a deixei entrar, para
nunca mais sair daqui. Casar-me com ela foi o maior acerto de
todos.
— Você sempre me pergunta o motivo de eu ter
permanecido, depois de tudo o que aconteceu. Sabemos que
somente amor não impede nada, que sentimento nenhum nesse
mundo é capaz de sustentar as coisas. Com você, aprendi muitas
coisas boas, e nem tão boas assim, e acredito que você também
tenha aprendido da mesma forma. Eu obviamente amo você mais
do que tudo, então resolvi apostar todas as minhas fichas. Quando
você se casa com uma pessoa, não é apenas pelo físico dela nem
pela vida que ela pode lhe dar. Existem milhares de coisas que vêm
junto na bagagem, altos e baixos, dificuldades. É importante estar
preparada, porque é difícil, mas você sempre torna tudo mais fácil.
— Você também — não evito, sussurro, e ela abre um sorriso
para mim. Estamos, as duas, chorando, muito emocionadas com
todo esse momento.
— Você sempre está ao meu lado, fazendo-me ter vontade
de dar cem por cento de mim em tudo. Sempre me apoia, estando
comigo nas horas boas e ruins. Nunca me deixa sozinha, guiando-
me pelos caminhos quando preciso. Está ao meu lado quando
ninguém mais está. Enfrentamos muitas coisas, Camille. Não a
escolhi, fui escolhida. Nós duas fomos escolhidas por alguma força
maior que nos quer juntas. Eu acredito que tudo que acontece tem
uma razão, e eu só tenho certeza de uma coisa.
— Qual?
— Você é a minha melhor aposta. E eu sou capaz de apostar
quantas vezes for necessário, porque sei que sempre sairei
ganhando.

Nos dias que passaram, depois do nosso casamento, a


nossa vida foi corrida e muito feliz ao mesmo tempo. Tudo se
acertando. Conseguimos terminar as coisas e finalmente vamos
morar na casa nova. Luna e eu, obviamente, não tivemos uma
viagem de lua de mel, mas não quer dizer que não tenha tido nada
especial. É claro que não pudemos ter uma coisa privada, porque os
nossos filhos estavam conosco, mas ficamos dias em êxtase,
enquanto nos despedíamos da antiga casa. Sempre me lembrarei
dela, mesmo tendo perdido muitas lembranças.
— Esta será a última noite que vamos dormir nesta cama —
comento ao voltar para o quarto. Tudo que é nosso está na outra
casa, mas ainda queremos dormir esta última noite aqui. Estou indo
ao closet, quando um gemido doloroso da minha esposa faz os
meus sentidos entrarem em alerta. — Meu amor? Está tudo bem?
Luna se senta na cama rapidamente, com as duas mãos em
sua enorme barriga, e respira fundo algumas vezes, da forma que
aprendemos com a obstetra. Sento-me ao seu lado, esperando que
ela me diga o que está sentindo.
— Não quero apavorar você, mas acho que as nossas filhas
realmente vão nascer agora.
Meus olhos quase saltam das órbitas. Faz alguns dias que
minha esposa tem sentido algumas contrações, porém nenhuma
delas foi o momento certo. Não acredito que elas esperaram até a
véspera do aniversário da minha mulher para resolverem vir ao
mundo.
— Trocar de roupa. Acordar os meninos. Pegar a chave do
carro. Não correr muito — começo a falar, de maneira quase
robótica, e tento me levantar da cama, mas minha esposa me
impede, ao segurar as minhas mãos e me fazer encará-la.
— Com calma, não se apavore, porque você precisa me
acalmar.
— Eu sei, eu sei. Já volto.
Levanto-me rapidamente para buscar uma muda de roupas
para ela e, logo depois de ajudar Luna a se trocar, vou ao quarto
dos meninos para acordá-los. Estávamos preparadas, esperando
este momento, tanto que tem uma bolsa com roupas no carro dela,
porque não sabíamos o dia exato que aconteceria, e poderia ser a
qualquer momento.
Finalmente o grande dia chegou.
Capítulo 40 – Lembre-se de nós
Tenho certeza de que receberei multas de trânsito, depois do
caminho percorrido até o hospital. Não tem como ser diferente, com
a minha esposa se revirando de dor no banco do carro. Mesmo com
a adrenalina correndo em minhas veias, consigo manter a calma,
sabendo que em nada ajudará eu ficar tão nervosa. Apesar de estar
surtando por dentro, transpareço seriedade diante da situação, para
mantê-la controlada. Funciona.
— Acho melhor eu sair e chamar um enfermeiro, pra te
buscar com uma cadeira de rodas — falo, assim que estaciono em
frente ao hospital. Minha esposa não diz nada, apenas resmunga e
se contorce um pouco mais. Ela parece estar sentindo bastante dor.
— Não saia daí — falo por força do hábito, sem nem perceber, mas
o olhar que se instala nos olhos dela me faz tremer um pouco. Será
que falei besteira? Com toda a certeza, eu falei, porque sua
resposta me fez tremer:
— Suma da minha frente, Camille!
Se um ser humano pudesse rosnar de alguma forma, eu
poderia descrever a maneira que a minha esposa acaba de falar
comigo como um rosnado humano. Ela parece realmente brava,
mas consigo entendê-la muito bem. Também fiquei muito
incomodada com as contrações na gravidez do Gabriel.
No caminho até a recepção, tenho que desviar de algumas
pessoas. Estou ofegante, mas tento manter a calma, sabendo que a
minha mulher precisa de mim agora. Devo parecer uma louca.
— Eu preciso de ajuda. Minha esposa está em trabalho de
parto, tem como pedir a alguém para buscá-la? Ela está no carro
aqui na frente.
Estou levemente afobada, e a recepcionista me olha com um
ar de divertimento. É provável que ela esteja mais do que
acostumada a presenciar situações como esta no seu dia a dia.
Apesar de tudo, rapidamente pega o telefone e liga para alguém,
informando a situação.
— Um enfermeiro está a caminho, com uma cadeira para a
sua esposa. Peço que mantenha a calma, cuidaremos bem dela.
— Ok — respondo rapidamente e, sem perder tempo,
pergunto-lhe o nome ou qualquer outra coisa, indo onde minha
mulher está. A sua porta está aberta, e quando contorno o carro,
posso ver os nossos pequenos abanando-a com as mãos. Isso me
faz sorrir um pouco. — Amor, o enfermeiro está vindo buscá-la.
Consegue ficar de pé?
Ela, rapidamente, nega com a cabeça, soltando um grunhido
dolorido. Gabriel choraminga e tenta abraçá-la, mas eu o puxo para
perto de mim, grudando-o em minhas pernas. O enfermeiro não
demora a chegar, o que me deixa aliviada.
— Boa noite, senhoras!
— Cruz-Jacobs. Eu sou a Camille, ela é a Luna — falo
rapidamente, enquanto ele se aproxima para ajudá-la.
— Eu sou o Gabi! — meu filho exclama, de repente, o que faz
o clima tenso ficar um pouco mais leve. Até mesmo a minha esposa
esboça uma risada, em meio à careta de dor. O enfermeiro ajuda a
Luna a se sentar na cadeira e a leva para dentro do hospital. Sinto-
me momentaneamente aliviada, sabendo que agora ela está em
boas mãos.
— Meninos, preciso da ajuda de vocês. Tia Belinda virá
buscá-los, porque as mamães vão precisar ficar um tempo aqui,
enquanto as suas irmãs não nascem.
— Mamãe Lolo bem? — Gabriel questiona, enquanto os levo
para dentro do hospital também. Meu filho está progredindo
bastante na fala, mas ainda não consegue formular algumas frases
corretamente. É adorável vê-lo falando, porém Luna e eu sempre o
ajudamos, corrigindo suas frases para incentivar o aprendizado.
— Sim, meu amor. Sua mãe está bem, ela vai apenas
precisar de algumas horas para trazer as suas irmãs para nós. Você
quer conhecê-las?
O pequeno acena freneticamente, fazendo os cabelos
ondulados balançarem com o movimento. Confesso que tentei levar
Gabriel para cortar um pouco os cabelos, mas ele não quis, quer
ficar como o irmão. Luna e eu apenas pedimos para o cabeleireiro
aparar a frente, para não atrapalhar a visão, da mesma forma que
fazemos com Louis. Eu amo o fato de eles dois serem unidos, é
adorável. Tenho certeza de que será assim com as gêmeas
também.
Coloco os meus filhos sentados perto do balcão e faço a ficha
de minha esposa. Aproveito para ligar outra vez para Belinda, que
diz ter acabado de estacionar em frente ao hospital. Sinto-me
aliviada, porque a minha esposa precisa de mim, e eu não deixo os
meus filhos sozinhos. Quando termino de preencher tudo o que é
necessário, volto para perto dos meus pequenos e, nesse momento,
ouço a voz de minha irmã:
— Por que as crianças sempre resolvem vir ao mundo à
noite? — brinca, aproximando-se de mim e dos meninos. Ela os
cumprimenta primeiro e, em seguida, me dá um rápido abraço.
— Eles são como corujinhas. Preciso acompanhar a minha
mulher. Vocês vão ficar bem e se comportar com a tia Belinda, ok?
— Sim, mommy.
— Sim, mamá.
Os dois respondem quase na mesma hora, e eu sorrio
abertamente. Em seguida, abaixo-me na frente deles e sou
presenteada com um gostoso abraço. Fico emocionada ao pensar
na minha família. Em algumas horas, estaremos com mais duas
preciosidades entre nós. Dou algumas recomendações à minha
irmã, como se ela não soubesse muito bem cuidar de crianças.
Depois de algumas reclamações e implicâncias dela, despedimo-
nos, e eu procuro saber a qual quarto a levaram.
— Onde você estava? Não é para sair do meu lado — Luna
reclama, assim que me vê, e sorrio, apesar de saber que posso ser
morta a qualquer momento. Eu me aproximo da cama rapidamente,
pegando a sua mão para entrelaçar os nossos dedos, mesmo que
ela tenha tentado se esquivar do contato. Está rabugenta e
estressada.
— Não vou sair do seu lado nunca mais. Eu estou aqui. —
Luna ia dizer alguma coisa, mas se contorce um pouco e aperta a
minha mão. Sua força aumenta gradativamente, a ponto de ser
desconfortável. — Linda, você está me machucando, amor.
Minha esposa não responde nem diminui a força que exerce
contra a minha mão. Sem escolha, eu permaneço ali, sentindo dor
com ela, mesmo que de forma diferente. Os segundos parecem
horas, e então, finalmente, Luna afrouxa o aperto. Suspiro, aliviada.
— Eu entendo totalmente agora. Não fazia ideia de que
contrações poderiam ser tão dolorosas assim.
— Espere até começar a fazer força para elas saírem de
dentro de você. Parece que tem alguém te rasgando de dentro para
fora — falo, sem pensar, e solto uma risada. Então, quando a olho,
ela está paralisada e muito pálida. Seus olhos arregalados me
permitem ver que as suas pupilas dilataram, com aparente pavor
brilhando neles. — Não, amor. Eu não...
— Eu quero a cesariana. Não vou ter parto normal de duas
crianças! — Ela está desesperada e agitada, mexendo-se sem
parar. Eu poderia rir de sua expressão de horror, mas estou muito
preocupada por tê-la deixado agitada. Sei que neste momento é
necessário ter muita calma.
— Meu bem, pode ser que você nem sinta tanto. Garanto-lhe
que a pior parte são as contrações.
— Mentira. Sua mentirosa! Você... — sua fala irritada é
cortada quando ela começa a soluçar de repente, deixando-me
desesperada. — Idiota. Eu vou matar você. A sua sorte é que não
tem um pênis no meio das suas pernas, porque eu seria capaz de
cortá-lo com uma faca cega.
— Luna!
— Cale essa boca!
Fico aérea durante alguns segundos, porque o seu sotaque
britânico e o tom de voz raivoso falando me deixa desnorteada.
Luna solta um gemido dolorido e, então, se curva um pouco na
cama, ofegante. Eu me aproximo mais, mesmo com medo de ser
assassinada.
— Vai dar tudo certo, meu bem.
Os minutos vão passando e se tornam horas. Nossa obstetra
vem algumas vezes conferir se está tudo bem e se o parto está
próximo, além de alguns enfermeiros. Luna resmunga e solta
diversos palavrões em espanhol, puxando tanto o seu sotaque
britânico, que me distrai em alguns momentos. Minha mente
começa, então, a criar cenários, tentando imaginar como as nossas
filhas serão. Pensar na alegria que a minha esposa sentirá e
imaginar o seu rosto iluminado, ao olhar as nossas pequenas, faz
com que uma grande emoção tome conta de mim.
— Você está chorando? — Sua voz me traz de volta à
realidade, fazendo-me acordar rapidamente daqueles devaneios.
Duas lágrimas escorrem pelas minhas bochechas, e eu logo as
seco, fungando algumas vezes. Luna me olha, confusa e
preocupada ao mesmo tempo. Eu sorrio para o meu amor,
aproximando-me ainda mais.
— Eu só estou feliz. Estava imaginando algumas coisas.
Estou tão ansiosa para conhecer as nossas filhas.
Ela abre um enorme sorriso e pega uma de minhas mãos,
levando-a até a sua boca, para depositar um carinhoso beijo no
dorso dela, e depois a coloca na sua enorme barriga. Rapidamente,
faço um carinho na região, sentindo meu coração saltar dentro do
peito, prestes a escapar.
— Eu também estou. Muito, muito mesmo. Será que elas são
parecidas com a gente?
— Espero que elas tenham os seus olhos e esse nariz lindo.
E todo o resto. Quero que as duas sejam cópias suas.
Minha esposa me olha, com os olhos cheios do brilho
emotivo e apaixonado que tanto me encanta. Claro que sua
sensibilidade está cada vez maior, e eu gosto muito disso, porque
Luna fica linda quando boba e apaixonada.
— Você é incrível, sabia? Mas eu espero que elas tenham os
seus belos olhos castanhos e a sua boca também.
Inclino-me para beijá-la, mas então, outra contração se inicia,
e depois de longas horas na espera, a doutora finalmente diz que
está na hora, e levam minha esposa para outra sala, na qual
acontecerá o parto, porque as contrações estão mais frequentes e
sua dilatação está aumentando.
Rapidamente, troco as minhas roupas e coloco o que é
necessário para poder estar ao lado dela, no momento que as
nossas filhas chegarem. Claro, não pode faltar a câmera, que
sempre fez parte da nossa vida.
— Estou aqui, meu amor. Você está linda.
Luna ofega algumas vezes e me olha como se eu fosse
louca. Eu apenas sorrio e acaricio a sua testa levemente suada,
tirando alguns fios soltos que estão grudados. Ela solta um grunhido
de dor, e eu mantenho meu olhar fixo nela, ignorando a
movimentação à nossa volta.
— Estou parecendo uma doida, toda suada e descabelada.
Estou qualquer coisa, menos linda nesse momento.
— Em todos os momentos, você é linda, principalmente
agora que está prestes a dar à luz nossas filhas. Não poderia estar
mais perfeita do que neste momento.
— Amor, eu não posso chorar agora. Você quer me matar?
Abro um sorriso e acaricio seu rosto, ajeitando a câmera.
Luna iria me dizer mais alguma coisa, mas começa a se contorcer,
de repente, e solta um gemido extremamente doloroso. Vai
começar, e logo as nossas filhas estarão em nossos braços. Eu não
posso estar mais ansiosa para vê-las.
— As nossas filhas finalmente vão nascer, meu amor. Eu mal
posso esperar.
Tento conversar, para distraí-la, enquanto a médica pede que
ela faça força, e Luna solta diversos palavrões em espanhol. O
engraçado é que o seu sotaque britânico está muito acentuado,
mesmo que não esteja falando em inglês.
Viro a câmera para o nosso redor, mas não tiro os meus
olhos do rosto dela.
— Promete uma coisa pra mim, por favor! — Luna exclama,
grunhindo de dor e, em seguida, contorcendo todo o seu rosto,
demonstrando estar sentindo bastante dor. — Prometa!
— Qualquer coisa, meu amor. Qualquer coisa — respondo-
lhe rapidamente.
Luna se ergue um pouco na maca e solta um longo gemido
de dor. Seu rosto está vermelho, e tem uma veia saltada em sua
testa, que raramente vejo aparecer. Geralmente, surge quando está
nervosa, mas agora acredito que seja por causa do esforço feito.
— Prometa que vai cuidar para sempre dos nossos filhos e
nunca os deixará sozinhos. — Fico levemente confusa com seu
pedido, então ela solta outro daqueles ruídos dolorosos e se curva
mais um pouco.
— Claro que cuidarei deles, e você estará comigo. Por que
está falando assim?
Meu coração se comprime dentro do peito, ao vê-la sorrir em
meio à dor, deixando as lágrimas escorrerem pelo seu belo rosto
vermelho. Luna parece apavorada, posso ver algo refletido em seus
olhos verdes. Eu a conheço bem para saber identificar algumas
coisas.
— Prometa, Camille! Prometa! — Sua voz, em completo
desespero, faz o meu peito doer. Ela está com o rosto vermelho,
todos estão agitados à nossa volta, e o meu coração acelera
demais.
— Eu vou cuidar deles e de você também. Pare de falar
assim, como se estivesse se despedindo de mim — imploro ao me
aproximar dela, segurando uma de suas mãos para lhe passar
algum conforto. Luna curva as costas e solta um gemido
extremamente dolorido. — Força, meu amor. Você consegue.
Ela aperta os meus dedos com muita força, mas não me
importo que isso me cause dor, não deve ser nada perto do que a
minha mulher está sentindo agora. Só quero aliviá-la ao máximo
enquanto as nossas filhas não nascem de uma vez. Suas veias do
pescoço estão saltadas, e eu estou extremamente preocupada com
o seu visível sofrimento.
— Eu amo você, sempre amei. Sempre vou... Ah! Sempre
vou amar.
De seus olhos escorrem lágrimas, e rapidamente eu solto a
mão que ela está segurando para poder secá-las. Luna me olha
com os olhos verdes brilhando de pavor, e algo estranho me traz
uma sensação ruim. A forma como isso soa como uma despedida
me preocupa.
— Você consegue, meu amor. Não ouse se despedir de mim.
Está ouvindo? Vamos, força, você consegue. Força!
— Eu amo você — ela sussurra, quase sem voz, antes de
voltar a fazer força. Tudo ao meu redor parece se calar, os sons
ficam distantes, e minha visão fica levemente turva. Talvez eu esteja
chorando? Não sei dizer ao certo no momento. As palavras dela
estão me causando diversas sensações, um misto de medo e
ansiedade. Tantas coisas difíceis de enumerar e explicar.
Luna não tem o direito de se despedir de mim dessa forma,
não pode me abandonar, não agora que as nossas vidas estão
finalmente alinhadas e tudo está se acertando. Fecho os olhos
brevemente para pedir ajuda aos céus, para que todas as forças
superiores possam nos ajudar nesse momento, principalmente para
que minha esposa tenha forças o suficiente para conceber as
nossas filhas o mais rápido possível. Pisco algumas vezes, para
espantar as lágrimas, e então, volto a minha atenção para Luna. No
momento em que os nossos olhos se cruzam, acontece uma coisa
que me faz chorar como uma criança.
Exatamente como o choro da nossa primeira filha, que acaba
de vir ao mundo.
Olho em direção às enfermeiras e me emociono, ao vê-las
segurando a nossa primeira filha, que chora extremamente alto.
Meu coração parece saltar fora do peito. Volto-me para Luna, e ela
parece bem, com um sorriso cansado em seu rosto e lágrimas
escorrendo em suas bochechas.
— Ela é linda, meu amor.
Luna ergue um pouco o pescoço e tenta vê-la, mas não
consegue, porque logo começa a fazer força outra vez, agora para
que a nossa segunda filha possa vir ao mundo. Estou ao seu lado
outra vez, dando todo o suporte. Não perco um segundo de nada
com a câmera. Talvez eu tenha tremido em alguns momentos, mas
acho que ninguém vai se importar.
— Ah! — Dessa vez, a nossa segunda filha não demora
muito a ser ouvida. Luna solta um grito de alívio, parecendo
extremamente exausta. Não consigo descrever todos os
sentimentos dentro de mim nesse momento. Foco tanto a minha
esposa, que até me assusto quando colocam as meninas nos
braços dela.
— Elas são perfeitas.
Eu foco a câmera em Luna, que, emocionada, segura as
nossas filhas em seus braços. Nossas pequenas nasceram com
bastante cabelo. Choram, agitadas, até serem colocadas no colo da
minha mulher. Parece que já reconhecem o colo da mãe, não tenho
dúvidas de que elas sabem.
— Nossas filhas são lindas, Camies. As duas têm o seu nariz
— Luna fala, toda boba, ao notar a semelhança que as duas têm
comigo. Realmente, é verdade. Estou muito emocionada. Se tornar
mãe é uma mistura de felicidade com um amor inexplicável. Você vê
aquela mini pessoa lhe transmitir tantas coisas puras, que não
existem palavras para descrever. Mesmo quando eu não me
lembrava do nascimento de Louis, ainda sentia essa ligação.
Quando o Gabriel nasceu, parece que tudo aquilo aumentou, e
agora está dobrando de tamanho todo o sentimento.
Se eu pudesse usar uma palavra para descrever tudo isso,
diria que é inefável, porque esse amor não pode ser medido, não
tem como o descrever em palavras. É simplesmente intenso e
complexo demais para buscar uma explicação. Natural e belo, algo
quase sobrenatural, porque você só sente. Você não vê. Não toca.
Não sabe enumerar o grau desse sentimento, mas sente em cada
pedaço do seu corpo, como se tivesse se tornado uma parte de
você, e realmente é. Um sentimento que fez morada dentro da sua
alma.
Momentos depois, nós duas estamos de volta ao quarto.
Minha esposa está ansiosa para a primeira amamentação das
nossas pequenas, e eu me sinto como uma criança prestes a
receber o presente do Papai Noel. A realidade é que nada se
compara ao que estou sentindo.
— Obrigada por me dar tudo o que eu preciso e não sei.
Nossa família é a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Eu te
agradeço por fazer todos os meus dias valerem a pena.
— Sem você, estaria desamparada, meu amor. Você e
nossos filhos são a minha fortaleza, o meu lar. Eu que lhe agradeço
por permanecer.
Sem poder resistir, a beijo. Estou tão apaixonada, parece que
tudo o que sinto por ela está se intensificando. Pode ser a emoção
do momento que estamos vivendo, ou talvez a minha alma apenas
esteja reconhecendo ainda mais a sua gêmea. Minha esposa está
em mim, em cada parte, por dentro do meu ser. Não tem como tirar
Luna daqui.
Eu gosto da sensação de ter a sua boca na minha, o coração
acelerado e uma sensação gostosa no estômago, que nunca deixo
de sentir quando estou com ela. Uma paz ao corpo que só ela me
traz. Gosto de tudo sobre o amor da minha vida. Tê-la deixado
entrar outra vez na minha vida sempre será o meu maior acerto de
todos. Ninguém nesse mundo, ou em outros milhares que existem,
me faria feliz como a Luna.
Gosto da maneira que ela me cuida, de como me faz sorrir
com tamanha facilidade, que o sorriso logo se torna uma gargalhada
escandalosa. Eu a admiro como pessoa, como mulher, como
esposa dedicada e uma mãe ainda mais dedicada. Nesse momento,
temos quatro pequenos para tomar conta e educar para se tornarem
adultos responsáveis e pessoas de bom coração. Não tenho dúvida
de que nós vamos conseguir, pois a tenho ao meu lado, e sei que
somos capazes de tudo.
Uma vez, eu li em algum lugar que todos vão feri-lo nessa
vida, mas você precisa saber por quem vale a pena sofrer. Por ela,
eu sofro sem pensar duas vezes, passo o inferno, qualquer coisa,
porque, no final, eu a tenho ao meu lado, ajudando-me a reconstruir
cada pedacinho quebrado. Vale a pena, pois cada momento de dor
se transforma em momentos de amor.
Nossos filhos e ela são a minha prioridade, porque eles são o
ar que eu respiro, e a minha esposa é a minha pessoa. Não preciso
de mais nada.
Os dias têm sido corridos. Ninguém nunca disse que a vida
adulta seria fácil. Quando se é jovem, pode ser que você fantasie
como será esse período: uma casa enorme, carro do ano, muito
dinheiro no banco e talvez uma pessoa ao seu lado para amá-la. Eu
conquistei a casa e a minha esposa, mas a conta bancária
recheada, nem pensar, são tantas contas a pagar. Ter um novo lar
traz muitas consequências, e além disso, tenho quatro crianças para
cuidar — cinco, se for para contar com a minha querida mulher.
Posso garantir que a minha quinta criança me dá muito mais
trabalho do que as outras.
— Cheguei, família. — Eu tenho um sorriso na face ao
adentrar minha casa, mas ele vai morrendo aos poucos e dá lugar a
uma expressão de confusão, ao presenciar a cena no meio da sala
de estar. — O que está acontecendo aqui?
A cena é a seguinte: o meu pequeno Gabriel está sobre os
ombros de Vanessa, que está com o rosto todo marcado de tinta.
Minha esposa está sentada sobre o tapete, com as gêmeas,
agitadas, em seus braços, enquanto Louis tenta puxar o irmão dos
braços de minha melhor amiga. Todos estão se divertindo bastante
com a bagunça.
— Esses pentelhos se uniram contra mim, enquanto eu
estava impossibilitada de me defender. Agora, o mandante vai
pagar.
Ao dizer aquilo, Vanessa começa a subir e descer com o
pequeno Gabriel em seus braços, fazendo-o gargalhar em meio a
gritos, que são acompanhados pelos das gêmeas e de Louis, que
continua tentando, sem sucesso algum, tirar o irmão das garras da
tia. Eu rio de tudo aquilo, retirando os meus sapatos e colocando-os
na sapateira ao lado da porta, livrando-me também, logo em
seguida, da minha bolsa, pendurando-a no tripé.
— Como estão as minhas preciosidades?
Minhas pequenas se agitam no colo de Luna, inclinando-se
para a frente, para que eu possa segurá-las. Com certo esforço e
auxílio de minha esposa, eu as pego em meus braços, ganhando
beijos molhados por todo o rosto. É simplesmente indescritível
chegar à minha casa e ser recebida assim.
— Você deve estar cansada. Como foi o trabalho? — Luna
questiona, logo depois de selar os nossos lábios e pegar Destiny de
mim, para que eu não segure as duas ao mesmo tempo e me
canse. Hope deita sua pequena cabeça em meu colo e envolve o
meu pescoço com as mãos. Isso sempre me faz ficar
completamente rendida. Eu amo tanto os meus filhos. Não acho que
possa existir amor mais lindo e puro.
Depois de tanto tempo falando sobre destino, sobre ter
esperanças relacionadas ao nosso futuro juntas, não tive como
nomear as gêmeas de outra forma. Minha esposa foi a primeira a
concordar quando sugeri tais nomes. Sei que talvez possam achar
brega ou mesmo sem sentido, mas para nós duas eles traduzem um
pouco de tudo o que passamos. Cada caminho que nos trouxe até
aqui, todas as barreiras que enfrentamos, todas as vezes que quase
nos separamos e conseguimos reverter a situação para
permanecermos juntas. Sempre mantivemos esperança de que o
destino unisse os nossos caminhos.
Por essas e outras questões, resolvi fazer uma tatuagem,
minha primeira em todos esses anos. Precisava de algo para me
fortalecer quando estivesse longe dos meus tesouros. Resolvi fazer
um triângulo com cinco bases, que representa a letra delta na
cultura grega e significa mudança e fluidez ou um circuito que volta
ao princípio. Essa é a minha história com Luna. Quando quase
estávamos no fim, algo nos fez voltar ao começo para
reescrevermos tudo. As cinco bases representam a minha mulher e
os nossos filhos, porque são eles que me mantêm de pé todos os
dias, que me sustentam. Não sei o que seria de mim sem eles.
— Cansativo, realmente. Temos recebido mais inscrições de
jovens, e essas crianças têm muita energia.
Minha esposa solta uma gargalhada.
— É sério, eles exigem muito de mim. Estou ficando velha
para isso.
— Mas continua uma gostosa.
Uma terceira voz interrompe a conversa com a minha
esposa, e eu abro um sorriso, sendo envolvida pelos braços de
minha melhor amiga em seguida. Eu olho para o seu rosto todo
marcado e sinto vontade de rir.
— Você pegou no sono, e eles pintaram o seu rosto outra
vez, não foi? Isso é castigo por todas as vezes que você fez o
mesmo com os dois. Pensou que nunca haveria vingança.
— Vocês estão criando cobras — ela rebate e olha para os
meus pequenos garotos, que a observam com sorrisos travessos no
rosto. Esses três juntos são terríveis. — Eu voltarei, podem esperar.
Reviro os olhos e nego com a cabeça. Não há o que fazer
para que essa mulher cresça, da mesma forma que a minha esposa
continua uma moleca. Estou cercada de crianças, como vocês
podem ver.
— Vai ficar para o jantar? — pergunto-lhe, depois de
finalmente cumprimentar os meus pequenos. Hope ainda está em
meus braços, completamente agarrada a mim e resmungando toda
vez que a tento colocar no chão para poder subir e tomar um banho.
— Não. Estava apenas esperando você. O Noah me mandou
mensagem, dizendo que está fazendo pizzas agora à noite.
— Nunca pensei que veria aquele moleque sendo um belo
dono de casa — minha esposa brinca, aproximando-se de nós, com
Destiny ainda em seu colo.
— Sempre avisei que eu nunca seria, nem sou, a mãe de
vocês. Ou ele aprendia a fazer as coisas ou ficaria sem poder me...
— Vanessa! — Luna e eu falamos juntas, ao perceber o que
ela falaria. Minha melhor amiga faz um sinal de rendição e solta
risadas. Não aguento essa mulher. Ela não demora muito a se
despedir e ir embora, deixando-nos sozinhos.
Hope acaba pegando no sono em meu colo, e a minha
esposa comenta que ela não dormiu durante a tarde, porque estava
agitada, provavelmente com saudade de mim. Engraçado como
cada gêmea escolheu uma de nós para se apegar.
O jantar, como sempre, foi caótico. Não que isso seja uma
coisa ruim, mas ter quatro crianças, ou melhor, cinco, se contarmos
com a minha digníssima esposa, não é nada fácil. Muito falatório e
brincadeiras à mesa. Eu nunca reclamo disso, ao contrário, amo
esses momentos.
— Elas estão cada vez maiores. O tempo passa muito rápido
— cabisbaixa, Luna comenta, ao voltar para o quarto. Ela tinha
colocado nossas pequenas para dormir, assim como eu fiz com os
meninos.
Termino de passar o creme hidratante nas pernas e dou um
pequeno sorriso, aproximando-me de minha esposa. Seguro-lhe o
queixo, para selar os nossos lábios, suspirando de amor por sentir a
sua boca na minha.
— Realmente.
— O tempo voa — ela diz, me beija lentamente e, em
seguida, volta a falar, sem desgrudar a boca da minha. — Logo
estaremos apenas nós duas aqui, nesta casa enorme.
Depois de dizer isso, ela inicia um beijo gostoso e
apaixonado. Suas mãos seguram a minha cintura, e os nossos
quadris se juntam. Eu suspiro, completamente rendida em seus
braços. Meus olhos se abrem apenas para me deparar com aquela
imensidão verde de pupilas dilatadas. Sorrio, agarrando-lhe o
pescoço e puxando-a para trás. Minha mulher não se faz de rogada,
coloca-me de costas sobre a cama e deita-se por cima de mim.
Voltamos a nos beijar, enquanto as suas mãos exploram as curvas
do meu corpo, e eu aproveito para fazer o mesmo com ela.
Luna desce os beijos para o meu pescoço, usando as suas
pernas para afastar as minhas e se encaixar melhor. Um de seus
joelhos pressiona a minha intimidade, e um gemido me escapa
quando aperto os seus ombros ao mesmo tempo. Ela segura por
trás do meu joelho esquerdo e ergue a minha perna, para ganhar
ainda mais liberdade. Grudo a minha boca na dela outra vez, não
sendo nada cuidadosa, mordo e chupo os seus lábios com força.
Não temos tido muito tempo para fazer amor. Um dos nossos filhos
sempre aparece, precisando de nós, então vamos aproveitar este
momento a sós.
— Tira — eu praticamente imploro quando ela começa a me
provocar por cima do short. Sinto o tecido cada vez mais molhado,
conforme as provocações aumentam. Minha esposa não demora a
se afastar para tirar a peça de roupa desnecessária, e aproveito o
momento para tirar a sua blusa também. — Maravilhosos —
comento, com água na boca, ao ver os seus seios bem maiores, a
poucos metros do meu rosto. Não resisto, erguendo-me na cama
para colocar o lado esquerdo na boca primeiro, sugando o mamilo
com força e arrancando-lhe um gostoso gemido.
Luna se abaixa mais, para aumentar o contato, e então, eu
sinto os seus dedos começarem a alisar os meus pequenos lábios,
toda a extensão de minha boceta. Provocando-me, ela coloca
apenas a ponta de um dos seus dedos, e quando eu faço força com
o quadril para engoli-lo por inteiro, ela o retira e sorri. Maldita! Essa
mulher é perigosa.
Em resposta, eu mordo um de seus seios, não muito forte,
mas o suficiente para fazê-la gemer de dor. Luna gosta disso, pois
me olha com fome, ainda me provocando, e então, a mordo outra
vez. Outro gemido lhe escapa, mas dessa vez não tenho dúvidas de
que foi de prazer. Ela está adorando sentir essa dor que minha
mordida está causando. Safada.
— Toda molhada por minha causa — ela murmura e dá um
tapa certeiro em meu clitóris, fazendo-me tirar a boca de seus seios
para gemer alto. Nosso quarto fica distante do dos nossos filhos, por
isso não existe a possibilidade de eles nos ouvirem. Foi a primeira
coisa que procuramos saber quando estávamos reformando a casa.
— Mete. Para de provocar e me fode logo. — Eu envolvo sua
cintura com as minhas pernas e seguro o seu rosto com as mãos,
encarando-a, para que ela saiba o quanto a desejo dentro de mim.
— Me faz gozar pra você.
Ela obedece, deslizando um dedo lentamente e
movimentando-o algumas vezes, para, então, retirá-lo e voltar com
dois. Dessa vez, minha esposa não tem dó alguma de mim,
metendo os seus dedos de uma vez só, até o fundo. Eu me curvo
sobre a cama e faço um movimento para a frente com o quadril,
para senti-la ainda mais fundo. Luna começa a foder a minha boceta
da melhor maneira que sabe e da forma mais gostosa que o
momento pede.
Fazer amor é uma coisa deliciosa, mas foder com ela é
simplesmente indescritível. Quando ela mete sem pena, sem medir
forças, quando dá tapas na minha boceta e volta a enfiar os dedos
até o fundo, fazendo-me gritar e ficar extremamente agitada sobre a
cama, eu fico louca. Luna sabe me tocar de uma maneira que nem
eu mesma sou capaz. Todos esses anos nos tornaram especialistas
no corpo uma da outra. Eu amo isso.
Sem resistir, ela desce e fica de joelhos no chão, na beira da
cama, curvada para colocar a boca em mim. Agora, sim, estou indo
ao paraíso e ao inferno. Quando os seus dedos estão me fodendo,
ela dá sugadas firmes em meu clitóris, para tremer a língua
rapidamente, em seguida, e colocar devagar os dedos. Ela repete
esses movimentos durante um longo tempo, para se afastar e me
dar um forte tapa, que me faz gritar de prazer.
Minhas coxas prendem a sua cabeça, e começo a esfregar a
minha boceta por todo o seu rosto, molhando até mesmo o seu nariz
com os meus movimentos. Luna não me impede, inclusive me
auxilia, com as mãos em minha bunda, segurando-a com firmeza
para me dar mais apoio e me esfregar nela. Quando anuncio que
vou gozar, ela se afasta, para me dar outro tapa firme, dessa vez
pegando toda a minha boceta, e fecha a boca em meu clitóris,
sugando-o até que as suas bochechas fiquem côncavas, para, em
seguida, tremer a língua nele, sem tirar a boca.
O orgasmo vem de maneira deliciosa. Eu demoro alguns
minutos a me recuperar e, então, faço tudo com ela também. É
delicioso ser explorada e explorar. Eu amo cada curva do corpo
dela, amo poder tocá-la e ser tocada, poder senti-la e sentir. Eu
simplesmente amo cada momento ao seu lado.
Não existe nada, em todo o mundo, que eu possa pedir, além
dessa mulher. Tudo o que conquistamos — nossa casa, nossa
família, nossos empregos, nossa vida —, nada disso seria tão
perfeito sem ela. Nada faria sentido. Porque não existe uma Camille
sem Luna.
Capítulo 41 – Esposa idiota
Realmente, o tempo passa rápido demais, penso comigo
mesma, enquanto folheio algumas fotos de um dos muitos álbuns de
família que temos. Engraçado ver os álbuns mais antigos, sabendo
que pensávamos em ter apenas o Louis, que a nossa família estava
completa daquela forma. E então, tudo mudou com a chegada do
Gabriel, e depois com as gêmeas. Só então, pudemos entender o
significado de estarmos completas.

— Eu posso saber aonde vai vestido assim? — questiono o


meu filho quando o noto descendo as escadas, com os olhos fixos
no celular em suas mãos.

O seu cabelo enorme está preso em um firme coque no alto


da cabeça, e o cheiro de seu perfume toma conta do ambiente. É
óbvio que ele está de saída. Mesmo agora que o Louis está na
faculdade e passa três semanas dormindo no apartamento que
divide com amigos e uma semana em casa, ainda gostamos de
saber por onde ele anda. Louis escolheu uma faculdade não tão
longe daqui, apenas três horas de distância, para que pudesse
sempre vir à nossa casa nos ver. Além disso, sabia que sentiríamos
muita saudade, se ficasse mais distante. Eu ainda não me
acostumei a não o ver todos os dias aqui, e acho que nunca vou.

— Vou encontrar a Jennifer.

— Outra?

Luna me impede de perguntar quem é essa tal garota quando


volta à sala, saindo da cozinha com duas xícaras nas mãos. Eu olho
para ela e, então, para o nosso filho, confusa.

— Como assim outra? Uma mulher? E o Nick?

Louis dá um sorriso de lado, sem graça, e guarda o celular


em um dos bolsos de trás da calça jeans escura que está vestindo.
Minha esposa se senta ao meu lado no sofá, com uma xícara na
mão, e eu estou muito atenta ao assunto para pensar em outra
coisa.

— Sim, uma mulher. Mamãe, o Nick é o meu melhor amigo.

— Melhores amigos beijam na boca? É assim que os jovens


fazem hoje em dia?

— Você é a minha melhor amiga e beija a minha boca —


minha esposa engraçadinha resolve soltar uma de suas piadas, e eu
a encaro, com fúria nos olhos, fazendo o sorriso em seu rosto sumir.
— Desculpa.
— Mamães, o que vocês viram naquele dia não significa o
que acham.
O dia em questão foi uma madrugada em que a minha
esposa e eu ouvimos barulhos no quintal e fomos verificar. Imagine
a nossa surpresa ao ver o nosso filho e o melhor amigo se beijando
na piscina. Foi um momento constrangedor para Louis e Nick, mas
ainda mais para nós, por termos interrompido os dois daquela
forma. Luna se divertiu muito com a situação, e eu, por outro lado,
não achei graça alguma.
— Como posso explicar? Nós... Hm... Experimentamos uma
coisa.
— Só os beijos ou aqueles barulhos no seu quarto também
foram parte do experimento?
Louis arregala os olhos, ao ouvir o que a mãe diz, e olha em
minha direção. Chocada, desvio o meu olhar para minha esposa e,
então, de volta ao nosso filho. Levanto-me do sofá em um pulo só e
quase caio, tamanha a minha surpresa ao ouvir isso. Eu sabia dos
beijos, mas não imaginava que tivessem acontecido outras coisas.
— Como assim?
— Mãe! — envergonhado, Louis exclama, olhando para
Luna, que faz sinal de rendição, depois de deixar a xícara sobre a
mesa de centro. Ela parece ter falado demais, eu a conheço o
suficiente para saber de todas as suas reações.
— Vocês... vocês fizeram... fizeram... aquilo?
— Camille, eu não acho que falar a palavra sexo vai matá-la.
Não existe tabu com isso.
— Mãe! — Louis volta a reclamar. Eu ainda estou atordoada.
Volto a me sentar no sofá, tentando assimilar as informações que
acabo de receber. Claro que eu sabia que, um dia, aconteceria a
primeira vez do meu filho, mas não imaginava que seria tão cedo.
Ele não é mais uma criança, é bem óbvio, está entrando na fase
adulta, mas ainda é o meu garotinho.
— Meu Deus.
— Sim, mamãe, nós transamos — ele me responde, apenas
para confirmar, de vez, tudo, e então, olha em direção à minha
esposa. — E, sim, mãe, naquele dia, foi uma experiência também.
Muito dolorosa, inclusive. — Ele faz uma careta ao dizer, e Luna se
engasga ao meu lado.
— Você foi passivo?
— Luna!
— Mãe!
Meu filho e eu reclamamos ao mesmo tempo. Minha esposa
ostenta uma expressão chocada e divertida. Essa idiota está se
divertindo com a situação, e eu aqui, quase tendo um colapso
nervoso.
— Ele que disse, eu só quis confirmar. Não sei como
funcionam as coisas no mundo dos homens, mas imaginei que você
tivesse sido o ativo.
— Eu fui relativo. Mas... olha, isso não importa. Não sou gay,
ok? Nem bissexual. Não gosto de homens. Nós apenas passamos
por uma fase estranha na nossa amizade e achamos que
estávamos sentindo coisas um pelo outro. Resolvemos descobrir se
era o que achávamos, mas não era.
— Então, vocês não estão apaixonados? — eu questiono,
tentando entender o que realmente aconteceu.
— Não, mamãe. Nem ele nem eu gostamos de homens, isso
ficou muito claro. Nós só nos confundimos por um momento, foi
apenas isso.
— Vocês ao menos se preveniram?
— Sim, mamãe, nós usamos camisinha. Eu não esqueço o
que a tia Vanessa falou sobre doenças sexualmente transmissíveis.
— Menos mal.
— Eu queria muito te contar, mas não sabia como. Minha
mãe acabou ouvindo algumas coisas, na noite em que aconteceu, e
viu o Nick indo embora de manhã. Ela conversou comigo, e pedi que
não contasse, porque eu queria contar. Fiquei envergonhado e
acabei adiando a conversa.
— Com vergonha de ter transado com o seu melhor amigo ou
por ser um cara?
— Não, eu não tenho problemas com isso. E não teria, se
fosse gay, só não sabia como dizer à senhora que havia feito sexo.
— Entendi. Ele foi o seu primeiro, certo? — questiono e
finalmente me inclino para pegar a xícara de chá. Eu precisava
disso para relaxar, agora preciso dele para me acalmar, depois de
toda essa conversa.
— Sim. Foi a primeira vez dos dois, para ser sincero. Não foi
ruim, eu estaria mentindo se dissesse que foi. Só não teve aquela
coisa toda, sabe? Não fiquei tão... vocês sabem, e nem ele. Enfim,
posso ir? Eu acho que essa conversa já me envergonhou o
bastante. Preciso buscar a... a... menina...
— Jennifer?
— Isso! — Ele sorri, envergonhado, e vem em nossa direção,
beijando as nossas testas.
— Se for beber, não vá com o seu carro. E se fizer sexo, não
esqueça a camisinha. Eu sei que você comprou algumas.
Dou um tapa no ombro de minha esposa quando ela diz isso,
porque o nosso filho está realmente envergonhado. Não quero que
ele nem os outros filhos fiquem com vergonha de falar sobre sexo
conosco. É claro que contar sobre experiências sexuais para os pais
ou mães pode ser realmente constrangedor, mas falar sobre o
assunto não pode nem deve ser um problema. É muito importante
ensinar aos nossos filhos o que é certo e o que é errado.
— Por que não me disse que o carinha tinha feito sexo? —
questiono, depois de Louis ter saído, e Luna dá de ombros,
bebericando o chá.
— Prometi a ele que não contaria. Era uma conversa que ele
queria ter com você, não me cabia interferir.
— Faz sentido. — Suspiro, recostando-me no sofá. Minha
esposa se movimenta ao meu lado, deixa a xícara sobre a bandeja,
em cima da mesa de centro, e então, faz o mesmo com a minha,
para poder me puxar para os seus braços.
— Está com ciúme? Por que essa cara?
— Também tem a ver com ciúme, mas eu só... O tempo está
passando muito rápido.
Vocês lembram de quando a minha querida esposa achava
engraçado o ciúme que eu tinha — e ainda tenho — do Louis? Pois
bem, chegou a minha vez de achar graça do ciúme dela, e por
incrível que pareça, não envolve nenhuma das gêmeas, e sim, o
nosso Gabriel. Pois é, ela está quase morrendo, e o motivo é bem
simples: o primeiro beijo do nosso garotinho.
— Ela é ruiva?
— Não, mãe. Só porque o nome dela é Ariel não quer dizer
que ela seja ruiva.
— Pensei que era aquela ruiva, garota sapeca, que não para
quieta. Quem foi, então? Qual das meninas que vieram aqui no seu
aniversário?
— Mamãe… — O pequeno me olha em busca de salvação.
Luna o encurrala na parede, ao saber do fatídico beijo. Reviro os
olhos, aproximando-me do nosso filho para ajudá-lo a se livrar da
mãe coruja.
— Ariel é a do cabelo cacheado.
— É aquela que parece uma miniatura da Nayara? Que faz
balé?
— Sim, amor. Ela mesma. Será que pode deixar o nosso filho
respirar? Foi só um beijo inocente, eles são crianças.
Luna me olha como se pudesse me matar com os olhos, mas
eu não me importo, ela não me assusta. Gabriel parece agoniado
para sair dali, então eu o deixo ir, mesmo que a minha mulher
resmungue, querendo questioná-lo ainda mais.
— Não acredito que aquela garota veio aqui, comeu a nossa
comida e ainda teve a audácia de beijar o nosso filho.
— Eu não sei se você lembra, mas disse que ela faria um
casal bonito com o nosso filho.
— Eu disse isso?
— Disse, quando viu as fotos da festa, ele ao lado dela. Por
isso, os dois não se desgrudaram. Nosso pequeno está amando.
Luna abre a boca, atordoada, e se prepara para me
responder, mas o som da porta abrindo bruscamente a impede.
Curiosa, olho em direção a ela e tenho a imagem do afobado Louis
caminhando até nós, com os cabelos enormes balançando com o
movimento.
— Ganhou na loteria? — minha esposa o questiona, em tom
de brincadeira. Eu agradeço à chegada do nosso filho mais velho,
porque isso a distrai do ciúme de Gabriel.
— Melhor do que isso — ele responde, animado demais.
— O que seria melhor do que ganhar na loteria?
— Ganhar duas vezes na loteria — Luna responde em tom
de brincadeira, e nós duas rimos de sua piada idiota.
— Não. Mãe, mamães, eu vou ser pai. Vocês serão avós —
ele anuncia, parecendo mesmo ter ganhado na loteria. O sorriso em
meu rosto desaparece aos poucos, e não sei dizer exatamente o
que acontece depois, porque tudo fica escuro. Minha visão ainda
está turva quando abro os olhos.
— Mamãe? Mãe, ela acordou. Finalmente. Mamãe, está me
ouvindo?
— O que aconteceu? — questiono, ainda confusa. Meu filho
me ajuda a sentar, e noto que estou no sofá da sala. Luna se
aproxima com um copo, o qual parece conter água, e o estende
para mim.
— Você apagou quando eu contei a novidade — Louis diz, e
eu volto a me sentir indisposta. Não apago dessa vez, mas eu
gostaria muito. Meu filho está apreensivo com a minha reação.
— Você vai ser pai?
— E vai se casar também. Nosso carinha está amando. Que
felicidade! Tornando-se um verdadeiro homem.
Luna abraça o nosso filho, e eu acho engraçada a forma que
ela some em meio aos seus braços fortes, mas ainda estou
atordoada com a notícia. Há três anos, a antiga escola de Louis
promoveu um reencontro de turmas antigas, e ele acabou
reencontrando sua paixão de infância. Sim, a Rose, essa mesma.
Não demorou muito a saírem juntos. Primeiro, meu filho dizia que
era só amizade, que não tinha nada acontecendo. Ela namorava
outra pessoa, mas veio a bomba: largou o namorado, porque não
parava de pensar em Louis, e o meu filho, até então, nunca tinha
firmado compromisso com ninguém. Parecia mesmo que ele estava
esperando por ela. E agora os dois vão se casar e ter um bebê.
— O meu bebê vai ter um bebê — murmuro, ainda
desacreditada, e sou puxada para cima e envolvida pelos braços do
meu filho. Não posso evitar as lágrimas de emoção, e apesar do
ciúme, estou muito feliz em vê-lo se tornar o homem que eu sempre
quis que se tornasse.
— Queremos nos casar o mais rápido possível. Não será
nada grande, Rose quer algo simples e bem íntimo, com nossos
familiares e poucos amigos.
— Vamos ajudá-lo em tudo, filho. Não é, amor? — diz Luna.
— Mamãe?
— Ah... Sim, sim, vamos.
— Tudo bem, mamãe? — Louis segura em meus ombros e
me olha, preocupado e receoso. Eu sorrio, acariciando seu rosto, e
lágrimas escorrem pelo meu rosto outra vez. Quando ele cresceu
tanto?
— Eu só estou orgulhosa de você. Está se tornando um
homem maravilhoso, mais do que já era. Tenho certeza de que será
um bom pai.
Os meses seguintes foram muito alegres. Apesar do choque
momentâneo, ao receber a notícia, eu estava feliz, pois seria avó.
Mal posso acreditar que a minha vida está dessa forma. Quando
mais nova, nunca pensei que me casaria nem que me apaixonaria
loucamente por alguém — ainda mais pela pessoa que eu jurava
odiar. E muito menos que teria filhos! Quatro filhos, para ser mais
exata. É uma loucura como a vida funciona, não é?
Um dia, eu acordo pensando ter dezesseis anos e descubro
que me casei com a idiota da Luna e que temos um filho. No outro,
estou prestes a me tornar avó e com mais três filhos, vivendo, feliz,
ao lado daquela que amo e com quem nunca pensei que me daria
bem. Luna sempre dizia que nos casaríamos. Se eu soubesse que
isso se tornaria verdade, provavelmente pediria que me
internassem. Hoje, estou aqui, sem nem ao menos cogitar uma vida
em que não exista essa mulher do meu lado. Ela é mais do que eu
mereço, isso é óbvio. Continuo me apaixonando mais e mais, todos
os dias, pela minha idiota favorita, o meu amor de alma.
Tenho certeza de que tudo o que passamos e aprendemos foi
para nos fortalecer, e acredito fielmente que o destino nunca quis
nos separar, e sim, deixar a nossa relação mais forte. Estávamos
perdidas, em nós e uma com a outra, afundando-nos sem sequer
perceber. Precisávamos de ajuda, mas não sabíamos como pedir.
Foi preciso que todas aquelas coisas acontecessem por um bem
maior. Como costumam dizer: há males que vêm para o bem.
Eu tenho cinco bens, mais preciosos do que qualquer relíquia
neste mundo. Em breve, terei mais um, tão precioso quanto os
demais. Quem sabe, o futuro me permita ver outros tesouros serem
adicionados a esse meu triângulo infinito. Porque, assim como é
para os gregos, a minha família é a minha base, minha motivação
de esperança, que me dá forças para voltar ao início se for preciso.
— Corre, criançada! — Ouço uma voz e logo reconheço o
Noah adentrando a casa. Todos estão fugindo de alguma coisa.
Olho para o lado de fora e entendo a correria: está chovendo
bastante. Procuro pelas minhas filhas, em meio àquele povo, e não
as encontro. Estávamos no quintal, para o chá de bebê do meu
neto, mas o tempo atrapalhou nossa festa.
— Destiny e Hope, saiam dessa chuva agora! — chamo as
minhas pequenas, que estão entretidas, brincando na água da
chuva, mas ao ouvirem a minha voz, rapidamente vêm em minha
direção.
Caminho até um dos armários do deck para pegar toalhas
secas, pois elas estão ensopadas e podem se resfriar.
— Faltou chamar a mamãe também — Destiny diz, assim
que a envolvo com a toalha, fazendo o mesmo com Hope em
seguida. Peço-lhes que se sequem e depois subam para tomar
banho e trocar de roupa.
Olho em volta do quintal e não me surpreendo ao ver a
criança enorme, com quem sou casada, parada, olhando para cima,
com toda a chuva caindo sobre ela. Eu a chamo algumas vezes,
mas Luna não me ouve, então resolvo ir em sua direção.
— Não me ouviu chamar você?
Luna rapidamente se vira, ao ouvir a minha voz, com um
enorme sorriso em seu rosto.
A minha mente passa por um momento de leve confusão, e
então, vejo a minha esposa rejuvenescer em um passe de mágica.
Pisco algumas vezes, para ter certeza de que não estou delirando, e
não, realmente minha mulher está ali, uma adolescente outra vez.
— Estava esperando você. Daria a honra dessa dança?
O meu coração dispara em meu peito quando diversas
imagens aleatórias, de momentos que vivemos, passam, como um
filme, diante dos meus olhos. Lembro-me de coisas de que eu nem
fazia ideia, como se tudo o que esqueci estivesse voltando neste
exato momento. Momentos de felicidade, choro, briga, união, datas
importantes, como se eu estivesse revivendo tudo outra vez. Cada
detalhe.
Escuto a sua voz em minha mente, dizendo: Lembre-se de
nós. E aqui estou, lembrando-me de tudo, de cada pedaço perdido
da nossa história.
— Eu aceito dançar com você. — Estou quase chorando ao
dizer isso.
Minhas emoções parecem fora do normal. Não consigo falar
mais nada. Luna não responde, apenas me puxa para si e mantém
os olhos nos meus quando começamos a nos mover de um lado
para o outro. Parece um dos nossos momentos, de quando éramos
jovens e dançávamos na chuva como duas crianças.
— Você está feliz com tudo o que conquistamos juntas? —
ela pergunta, de repente, fazendo-me abrir um enorme sorriso.
Não existe outra resposta para essa pergunta, além do óbvio.
Tem como eu não ser a pessoa mais feliz do mundo?
— Felicidade é pouco para descrever como me sinto. Sou
sortuda.
— Você é minha sorte.
Puxo-a para um beijo apaixonado. Os nossos corpos
molhados estão grudados, enquanto dançamos, mesmo sem
música, e nem é preciso. Basta a presença dela para que o meu
corpo fique em ritmo de festa.
— Luna! — eu a repreendo quando sinto as suas mãos
apertarem a minha bunda. — Idiota. Tarada. Pare com isso.
— Sabe que até gosto quando você me chama assim?
— Como? Tarada?
— Não. Idiota.
— É porque você é uma grande idiota.
Ela solta uma gargalhada gostosa e, então, me beija outra
vez. E antes de separar as nossas bocas e colar as nossas testas,
ela sussurra baixinho:
— Sim, sou sua idiota. Sua esposa idiota.
Se fosse possível adicionar no dicionário uma nova definição
para amor, eu, sem sombra de dúvidas, colocaria, em letras
garrafais, o nome do amor da minha vida.
Meu eterno carma grandioso. Minha namorada. Minha
princesa. Minha preciosidade.
Minha sorte.
Minha eterna esposa idiota.
Agradecimentos
Mais uma vez gostaria de agradecer a você, sim, você leitor da
nossa querida Stupid Wife, porque foi graças a você que Lembre-se
de nós se tornou algo real. Em todos os momentos que eu escrevia,
com muito amor e alegria, mas pouquíssima experiência e mesmo
assim tive tanto apoio. Não tenho nem palavras o suficiente para
agradecer todo o carinho e suporte que tive em todos esses anos.
Se hoje isso aconteceu é graças a você.
Queria agradecer especialmente a minha maior apoiadora e
conselheira, Julianna, você sempre foi a pessoa que mais me deu
apoio e incentivou em todos esses anos que nos conhecemos,
então saiba que isso aqui tem muito para você também que me fez
acreditar muito mais em mim do que eu mesma seria capaz. Sei que
te encho a cabeça com minhas ideias malucas, mas obrigada por
me ouvir todas as vezes.
E aos demais leitores, todos tem seu espaço no meu coração, a
todas as minhas amigas também que me apoiam sempre e estão
comigo em qualquer loucura que eu queira fazer. Vocês são o meu
pilar, obrigada pelo apoio.
E como eu sempre costumava dizer: nos vemos em breve!
SODRÉ
Lembre-se de Nós, 1ª edição
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[1] Diminutivo de “Pequena”, do inglês Little. TRADUÇÃO


NOSSA.
[2] Grande Grande (do inglês). TRADUÇÃO NOSSA.
[3] “Mamãe”, em inglês. TRADUÇÃO NOSSA.
[4] Tigre, em inglês. TRADUÇÃO NOSSA.
[5] Dança que mistura bolero, tango e chá-chá-chá.
[6] Apelido dos torcedores do Barcelona.
[7] Personagem do filme “O Rei Leão”, 1994.

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