Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Michelle Castelli
Copyright © 2023 Michelle Castelli
Produzido no Brasil
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos
da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência.
Para minha mãe, que me ensinou a sonhar e acreditar nos meus sonhos, não
importando a época ou a minha idade.
Não resista ao inevitável.
Hades
Índice
Página do título
Dedicatória
Epígrafe
Nota da Autora
Introdução
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Capítulo XIII
Capítulo XVI
Capítulo XV
Capítulo XVI
Capítulo XVII
Capítulo XVIII
Capítulo XIX
Capítulo XX
Capítulo XXI
Capítulo XXII
Capítulo XXIII
Capítulo XXIV
Capítulo XXV
Capítulo XXVI
Capítulo XXVII
Capítulo XXVIII
Capítulo XXIX
Capítulo XXX
Capítulo XXXI
Capítulo XXXII
Capítulo XXXIII
Capítulo XXXIV
Epílogo
Próximo livro da série
Nota da Autora
Hades
Carolina
✽✽✽
Hades
Eu soube assim que aquelas doidas das Moiras me disseram para levar
todos de um voo insignificante, que alguma merda iria acontecer.
Imaginei que seria porque deixei o reino nas mãos de Hécate, mesmo
por alguns minutos. Na verdade, alguns minutos são mais que suficiente para
aquela emo acabar com tudo. Ou pelo menos criar uma confusão infernal.
Hécate nunca foi uma boa substituta. Ela é sombria demais, até para meus
padrões, o que é muita coisa. Ela gosta de visitar cemitérios e andar com as
Fúrias. Parei de pedir sua ajuda quando notei que visitar o Tártaro lhe trazia
satisfação, quase felicidade, assim como assistir às punições. Ela é uma boa
assistente e adora levar Cérbero para passear, mas apenas isso. Jamais
poderá julgar imparcialmente as almas ou tomar conta do Submundo para
mim. Não como Perséfone.
Faz seis meses que aquela pé-no-saco se foi. E, como sempre, já
começo a sentir sua falta. Falta, não saudade, que fique bem claro. Não
tenho nenhum sentimento com relação a ela, mas não ter ninguém para me
ajudar, para conversar, fazem os gritos e lamentos do Submundo se tornarem
insuportáveis. Depois de tanto tempo juntos, eu me acostumei com a
presença dela, por mais irritante que ela ou isso seja. Pelo menos era uma
presença, que servia mais para me atazanar do que para me alegrar...
Alegrar? Eu disse alegrar?! Hunf! Nem sei que merda é essa!
É por isso que sempre quis um descendente. Mais do que prolongar a
linhagem, eu quero alguém para dividir os meus domínios. Alguém para
compartilhar meu legado e existência. Perséfone é apenas alguém. Alguém
que me dá raiva, e por vezes asco, mas não deixa de ser alguém.
Hermes, aquele moleque, teve a cara de pau de vir trazer um recado
dela, dizendo que daqui a três meses ela voltará para conversar, para
negociar um acordo.
Talvez ela se ausentar de todo tenha sido uma ideia ruim, afinal três
meses, que é o tempo que ela fica comigo, não é realmente muita coisa...
Algo se choca em mim enquanto estou andando pelo saguão do
aeroporto, onde vou entrar no avião com destino à Grécia. O avião do qual
devo levar as almas. Todas elas.
Me viro para ver que idiota conseguiu me acertar enquanto estou
usando meus óculos da invisibilidade, versão moderna de meu elmo das
trevas e dou de cara com uma mortal caída no chão.
— Por que mortais não olham por onde andam? — pergunto a mim
mesmo, com asco por tudo e por eles. Principalmente por eles. Tolos.
— Foi em você que eu esbarrei?! Desculpa, senhor! Eu estava meio
entusiasmada demais! — ela diz em língua que descende do antigo latim,
depois escuto sua risada, limpa, cristalina.
Não notei que havia falado em voz alta, na língua universal, mas pelo
jeito falei. Como sei ser impossível ela me ver, eu paro para observá-la
melhor. Sua risada me fez estagnar. Ela está no chão e ficando de quatro,
parece tatear o piso. A visão do traseiro grande e redondo espremido em uma
calça jeans justa me faz quase salivar e dobrar o pescoço para apreciar
melhor a visão.
Droga! Mortais! Tentadoras e frágeis. Não são para seu bico!
Aquiete-se!
Ordeno a parte do meu corpo que já está ficando rija diante da
posição que eu mais gosto.
Dou um suspiro irritado, me virando e andando para longe. Não
tenho tempo para isso!
— Moço! — ela diz, naquela língua. — Moço! O senhor de preto
que parece uma grande coluna! Moço! — É comigo? Ela está me
vendo??? Paro e me viro para ela. — Poderia me ajudar a encontrar meus
óculos? Ninguém mais aqui me entende e eu não sei falar "óculos" em inglês
— ela continua.
Sim! Ela me vê! Está sorrindo envergonhada, ainda no chão. E eu
não acredito que isso está acontecendo.
— Como que...? — começo, mas não termino, limpo a garganta, me
lembrando do que ela pediu — Acha mesmo que eu a ajudaria? Acha mesmo
que eu ficaria prostrado como um servo enquanto procuro seus “óculos”? —
Digo mostrando toda a minha irritação quanto a essa situação estapafúrdia.
Será que meu novo elmo não está funcionando? Meu antigo nunca
me deu problemas! Merda de modernidade!
Ela se levanta, parece desistir de achar o tal óculos.
— Falando assim, parece idiota mesmo. — Ela diz sorrindo para
mim, um sorriso enorme e bonito, sem malícia como o de Perséfone. Apenas
um sorriso sincero.
Estreito meus olhos, medindo-a de cima a baixo.
Ela é baixinha e tem curvas fartas. Os seios grandes parecem querer
escapar do decote, me fazendo apertar a mão em punhos, para não ceder ao
impulso de tocá-los... Os cabelos castanhos ondulados fazem contraste com
os olhos límpidos e de um tom indefinido. Parece misturar o azul, verde,
cinza e até mesmo o castanho. Nunca vi olhos assim.
— Como consegue me enxergar? — pergunto sem sentir, imaginando
que deve ser por causa dos olhos estranhos que ela vê o que não deve.
— Não consigo. Só um borrão. — Ela responde com sinceridade e
estreita os olhos.
Eu me aproximo e paro a centímetros do seu rosto, testando-a para
ver se ela realmente consegue me ver. Para minha surpresa, ela dá um pulo
para trás, quase em choque.
Merda! Com certeza ela me viu!
— Nossa! — ela deixa escapar assustada e depois limpa a garganta.
Claro que ela ia se assustar. Ela sente o que todos os mortais sentem
quando me veem. Horror. Temor cru e intenso...
Mas... o quê?!!
O pensamento dela é claro e limpo. Eu me vejo pelos olhos dela, que
se detém em cada ponto do meu rosto. ADMIRANDO, ao invés de temer.
"Nunca na minha vida de espectadora de filmes hollywoodianos vi
um homem tão excepcional, tão homem e eu acho que agora já posso
morrer, cair dura de vergonha. Eu chamei o lindão ali para me ajudar a
garimpar meus óculos? Eu, mais do que ninguém, sei que gente bonita é
esnobe."
Lindão?! Eu?!! Mortais não me acham lindo. Mortais me acham
aterrorizante!
"Minha Nossa Senhora das Carolinas Boquiabertas. Eu. Nunca. Vi.
Uma. Boca. Assim..."
— Quero! — Ela diz sem perceber e eu seguro uma risada.
— O quê? — eu pergunto, querendo que essa "Carolina boquiaberta"
continue falando ou pensando, pois está cada vez mais curioso isso.
— O que o quê? — Ela sacode a cabeça e olha para o chão,
totalmente envergonhada e me deixando impressionado.
Eu até poderia achar que era uma deusa, ou semideusa, mas não é
possível ler os pensamentos dos deuses e seus descendentes. E os dela são
tão claros, que parece que ela própria está falando para mim. É uma mortal.
Uma mortal que consegue me enxergar. Será ela? A tal mortal que as Moiras
me falaram?
Eu faço seus óculos aparecerem em minha mão e os ofereço a ela:
— Aqui — eu lhe digo, com o braço estendido.
— Meus óculos!!! — ela dá um grito de alegria, sorrindo lindamente
e apanhando-o de minha mão.
Porém as pontas de seus dedos roçam meu pulso, antes de se
fecharem ao redor do objeto e algo aparece em minha mente. Não é uma
visão, é mais como uma sensação. Sensação de... Paz. Como a bonança
depois da tormenta. Como a brisa suave e fresca que sopra pelos Campos
Elísios. Uma sensação estranha como um abraço... Um abraço quente e...
carinhoso???
Que porra é essa?!!!
Ela retira sua mão da minha, puxando-a como se eu a tivesse
queimado.
De olhos arregalados, eu observo minha mão, para ver se não está
realmente em chamas, mas não. Não a queimei. Estou estável. Catatônico,
mas estável.
Ela se encolhe. Não sei o que viu quando me tocou, mas nota-se que
não gostou.
— Obrigada, moço. — Ela diz e coloca os óculos de grau e então é
como se não me enxergasse mais. Olha em volta e seu olhar passa por mim,
sem se deter. — Ótimo — ela diz e suspira alto, pegando sua mala e indo
embora.
Ela me enxerga com os olhos da alma, como as Moiras disseram. Por
isso seus óculos não a permitem me ver.
É ela!
Mas e agora? Preciso levar as almas daquele voo. Também preciso ir
atrás dela.
Me decido pela mulher. Mais do que almas novas, eu a quero. Não
ela em si, mas o que pode me proporcionar. Um herdeiro! Por que estou
pensando em sexo?! Tártaro!
Eu nem posso tocar nessas humanas! Vou ter que fazê-la imortal!
Odeio isso! O preço de dar a imortalidade é muito alto, mas por um herdeiro
é aceitável. As divindades e ninfas suportam meu toque. É algo excitante,
elas dizem. Mas para as humanas, meu toque flamejante é mortal.
Sigo-a pelo saguão, vejo-a se dirigir exatamente para o mesmo avião
que tenho que derrubar.
Não acredito! Por isso as Moiras me mandaram aqui, para encontrá-
la. Mas tenho que destruir o avião. Todas as almas. Era isso. Como vou
poupar a todos? Ou a ela? Não posso fazer isso. É interromper o equilíbrio!
Traria consequências enormes. Trabalho triplo durante muitos séculos!
Sem ter ideia do que farei, entro atrás dela e retiro meus óculos
escuros, me sentando na poltrona vaga ao lado da dela.
Ela está lendo e nota exatamente o momento em que me sento. Sabe
que sou eu, mas finge não notar minha presença e se vira mais ainda para a
janela, o que me deixa irritado. Não gosto de perder tempo.
— Pretende fingir que não estou aqui a viagem inteira?
Isso faz ela me encarar, seus olhos parecem ficar cinzas e sinto que
ficou chateada.
— Por que acha que me importo tanto assim com sua presença? —
pergunta, cruzando os braços sobre os seios fartos.
— Não se importa? — ergo uma sobrancelha, desviando o olhar do
decote.
Ela ri, como se eu realmente não fizesse a mínima na vida dela. Sei
que para ela eu não faço mesmo, mas não gostei. Não gostei nenhum pouco
disso. Ela é minha destinada, ME pertence!
— Olha, moço, a única coisa que eu me importo é em chegar na
Grécia. Sua presença aqui é irrelevante. — Ela vira o rosto outra vez para a
janela e eu me aproximo de seu ouvido, aspirando seu perfume doce e suave,
que me rouba o fôlego por alguns segundos.
Depois sussurro:
— Se chegar ao seu destino é o que importa, então minha presença
aqui é a única coisa relevante.
Capítulo V
BARGANHA
Carolina
Hades
— Cara, você se acha demais! — Ela se irrita, tornando seus olhos cinzas
como chumbo. — Você acha que o mundo gira ao redor do seu umbigo!
Horrível isso! — vejo-a torcer a boca e me dar as costas outra vez.
— O meu mundo gira. — Eu respondo próximo ao seu ouvido outra
vez, imaginando-a sob meu domínio... Quer dizer, nos meus domínios...
Tártaro! Essa mortal está me fazendo pensar mais do que nunca em...
O pensamento dela me invade outra vez, a imagem dela nua em
minha frente enquanto eu a possuo por trás, mordendo sua orelha e
sussurrando em seu ouvido me atinge e eu fico estático. Não ouso me mexer.
O desejo dela por mim lhe é tão surpreendente quanto o meu por ela é para
mim.
Quem é essa mortal? O que ela tem de tão diferente das outras? Por
que eu reajo assim perto dela? É como se uma energia me puxasse em sua
direção. Isso não é normal!
O avião decola e ela continua fingindo que lê. Eu apenas a observo.
A pele muito clara, diferente de nós deuses, que somos bronzeados por
natureza. A dela é quase translúcida e parece ser tão macia...
Ela fecha o livro e se vira para mim, que continuo encarando-a.
— Desculpe por ter sido grossa. Eu... exagerei. — Ela diz, me
pegando de surpresa. Por mais que eu consiga ler os seus pensamentos, ela
sempre fala sem pensar. Ou eu estou ocupado demais surpreso com tudo
isso, que não estou conseguindo prestar atenção ao que ela pensa?
Continuo olhando-a, querendo entendê-la, querendo saber se ela é
realmente quem parece ser. Ela mantém meu olhar com os olhos cristalinos.
Queria poder tê-la como tive Perséfone ao primeiro toque. Sem me
conter, incendiado tudo e possuindo seu corpo macio. Fazendo-a implorar
por mais. Por muito mais... Até aproveitar todo seu corpo sensual, sua boca...
Sua...
Vejo os olhos mudarem de cor diante de mim, eles ficam verdes
escuros, e me demonstram tesão. Intenso e selvagem.
" Quero. Não sei bem o que, mas eu quero." — Ela pensa e depois
fica brava. A indignação torna seus olhos cinza outra vez.
"Deve ser algum pervertido! Só pode. Está esperando que eu vá
fazer algum "favorzinho" para ele no banheiro."
A imagem que ela pensou aparece em minha mente, ela ajoelhada na
minha frente, enquanto chupa com força meu...
Droga!!!
Eu me remexo no assento, fazendo a porcaria do meu corpo ficar
quieto e meu membro dentro das calças, fazendo o fogo que já quer explodir
em minha pele se acalmar. Respiro fundo, ainda a encarando.
— Não me olhe assim. Eu não gosto de homens — ela diz, como se
eu pudesse acreditar nisso.
— Ótimo! — Eu sorrio, pensando em como ela irá reagir à notícia
que darei. — Pois eu não sou um homem.
Ela me olha sem entender.
— Ahhhhhh, entendi. Desculpa se confundi. Eu sou muito lerda às
vezes, quase sempre. Tem algo em você que chama a atenção... Você é
modelo? Ou atriz? Ou quem sabe youtuber?
O alívio toma conta de sua face e vejo-a ficar à vontade, sorrindo
abertamente.
“Atriz”???
A confusão dela me irrita. O desejo fugiu do seu olhar, ela não me vê
mais como um possível amante. Agora se dirige a mim com uma "amiga".
A raiva me consome, sinto as labaredas se libertarem, assim como
uma parte de meu lado sombrio.
Noto que ela se afasta um pouco, os olhos, agora castanhos,
arregalados de medo. Eu finalmente sinto o que sempre senti vindo dos
humanos.
— Me refiro à palavra "homem", de humano. Não o que imaginou
— digo entredentes, deixando que ela veja o que há dentro de mim.
— Droga! Você é o diabo! — Ela sussurra apavorada, sem conseguir
mover um músculo sequer.
Eu sorrio outra vez com a sinceridade dela e passo a mão pelos
cabelos, para me controlar.
— Me chame de Hades. O diabo que vocês imaginam é diferente. —
digo e vejo outra vez a admiração nos seus olhos.
— Oi. — Ela ergue a mão, em um aceno catatônico, sem sequer
piscar
Sorrio ainda mais. Como se fosse algo normal para mim. Sorrir.
Ainda mais tantas vezes, ou tão facilmente! Mas não tem como não sorrir.
Não perto dela. Tão sincera e imprevisível. Tão... diferente de todos que já
fiquei próximo.
— Esta é a hora em que você se apresenta, Carolina. — digo,
contendo outro sorriso idiota.
— Como... Como...? — ela começa, mas não termina.
— Como sei seu nome? Sou um deus. Mas acho que isso você já
sabe...
Ela sacode a cabeça, afirmando. Sim. Ela já ouviu falar de mim.
— O que está fazendo nesse voo? Vamos todos morrer? — a
pergunta é feita com mais curiosidade do que medo.
Eu ergo uma sobrancelha, lhe mostrando o óbvio.
— Ai, não! Não! Não! Não! — Ela se revolta. — Quando eu começo
a achar que minha vida vai ficar realmente boa eu morro?! Sério isso,
produção?! Droga!!!— Tapa o rosto com as mãos.
Como sempre, o desespero diante da morte me aborrece. Se ela
começar a chorar, eu me levanto!
Solto um suspiro aborrecido e ela retira as mãos do rosto, me
fuzilando com o olhar.
Opa! Isso vai ser interessante!
— Não ouse suspirar assim! É tudo culpa sua! Seu... seu maligno! É
diabo, sim! — Ela me acusa e se levanta subitamente.
Sem me dar tempo de lhe dar passagem, ela simplesmente passa por
mim, quase subindo por cima do meu colo, o que me deixa totalmente sem
ação. Ela abre as pernas e passa pelas minhas próprias, fazendo as
ancas perfeitas ficarem quase na minha cara, então antes que possa sair, eu
ajo.
Minha vontade dela é enorme. Preciso tocar sua pele. Simplesmente
preciso. Seguro seu quadril com ambas as mãos, depois subo um pouco os
dedos, enfiando-os por baixo da barra de sua blusa, apenas o suficiente para
tocar com a ponta deles a pele macia.
A pele, o cheiro, a presença dela me atordoa. Minha aura a domina
trazendo-a para mim, fazendo-a notar o quanto a quero e o desejo dela me
atinge. Puro e incontrolável. Ela cai sentada no meu colo. De costas para
mim. Fazendo todo meu corpo vibrar com sua proximidade e minha pele
começar a queimar de desejo. Ela mexe os quadris, pressionando meu
membro, que já está desperto sob seu traseiro e eu resisto. Ou melhor, tento,
pois solto um gemido no seu ouvido e minhas chamas começam a se liberar
sem minha permissão.
Ela corre para longe e eu agradeço por isso. Mais um pouco e eu a
teria queimado. Mais um pouco e meu desejo poria fogo em toda essa droga!
Passo a mão pelos cabelos, tentando recuperar o juízo. Esse não sou
eu! Eu nunca me importei com mortais! Nunca as quis! Não sou como meu
irmão Zeus, que parece ter verdadeira tara por elas! Um rápido olhar e está
muito bom. São lindas, parecem ser uma delícia, mas frágeis. Acima de
tudo, frágeis. Toquei apenas em uma e não repeti o meu erro. Jamais.
E agora isso?!! Essa humana me faz ficar louco!!! Que merda é
essa?! Quero me enganar que é por causa do herdeiro, mas nem pensei nisso
enquanto a tocava! Tártaro!
Mentalizo-a e a encontro no banheiro minúsculo desta merda. Vou
até lá e a vejo molhando o rosto.
— Isso não é real! Isso não é real! Isso não é... — ela repete para si
mesma.
— Ficar repetindo isso lhe ajuda em quê, especificamente? — Eu
pergunto, já que mesmo me esforçando, não consigo entender essa mulher.
Ela dá um pulo, se virando de frente para mim.
"Só mesmo o capeta para ser lindo assim! Minha nossa!"
O pensamento dela me atinge e mesmo sem querer, mais uma vez,
perco a calma que pouco me restou.
— Já disse que não sou diabo, nem capeta, nem demônio! — eu digo
entredentes.
— Você vai matar todo mundo aqui e quer que eu te chame de
Deus?! Meio impróprio isso. — Ela me encara, demonstrando toda sua
indignação. — Não se segue uma mulher no banheiro! Ou melhor, não se
invade um banheiro em que a mulher entrou para fugir do Hades! — ela
parece debochar do meu nome, então o entendimento a atinge — Você leu
meus pensamentos!!! — ela tapa a boca com as mãos, em pavor evidente.
"Por isso ele fala a minha língua! Por isso ele... Oh, Deus! Será que
ele leu o que eu pensei sobre o banheiro? Por isso... "
A vejo arregalar os olhos e seguro outra vez uma risada. Ela me
mede de cima a baixo, percorrendo com o olhar cada parte de meu corpo.
— Confesso que sua sugestão foi tentadora, mas não me envolvo
com mortais, por mais que ele queira. — Aponto para meu membro, que
ainda está alterado pela proximidade dela. — Vim até aqui, pois quero saber
por que motivo conseguiu me ver, quando eu estava com meu elmo. Que
tipo de poderes tem? — pergunto sem rodeios.
Quero saber de uma vez se é ela realmente a mortal que procuro.
Nunca tive paciência para cortejar quem quer que seja. Todos os meus
envolvimentos foram rápidos e do tipo: Estou a fim! Você também? Ótimo!
Vamos transar!
Não parece que posso fazer isso com esta. Ela está visivelmente
interessada, mas parece apavorada e irritada com minha presença. Sem
contar que não quero só cama! Claro que não posso negar que quero isso
também. Quero aqui mesmo, nesse banheiro claustrofóbico, como ela
imaginou, ajoelhada, depois por trás... Mas não posso. Não até fazê-la
imortal. E mais do que tudo: eu quero meu herdeiro.
— Eu? Poderes? Está louco? Eu não tenho poderes! Eu só vi um
borrão e não vi elmo nenhum! — Ela se defende parecendo outra vez
irritada.
— Elmo das trevas, como eu o chamava antigamente, agora ele se
parece com um óculos escuros, quando eu os coloco nenhum mortal pode
me ver, mas você viu. Como? — Digo devagar, encarando-a, evitando que
meus pensamentos me traiam outra vez, me fazendo pensar no que NÃO
DEVO! Merda!!!
Me aproximo mais e ela parece prender a respiração. Então responde
como se lembrando:
— Eu não sei. Esbarrei em você, achando que era uma coluna ou
algo assim, aí eu te vi. De óculos escuros e aquela névoa laranja ao redor de
você.
— Névoa laranja? — Eu a interrompo. — Viu minha áurea?! Não
pode! Isso é impossível! Ninguém pode distinguir um deus! Ninguém jamais
fez isso!
Ninguém vê auras! Nem os próprios deuses conseguem distinguir um
deus! Zeus sabe muito bem disso e sempre se aproveita se disfarçando de
"maridos", para poder se deitar com quem quiser. Perséfone disse que foi
assim que engravidou dele uma vez, que ele tinha assumido minha forma. Eu
quase acreditei. Quase.
Ela ergue as duas mãos ao mesmo tempo, como que se rendendo.
— Não fiz por querer! Se você não tivesse vindo falar comigo, eu
nunca saberia que é quem diz ser. Eu achei que era uma visão por causa da
luz. — ela parece se desculpar e mais do que nunca, eu tenho vontade de
conhecer a fundo essa mulher. Bem fundo e com força.
Ela pega seus óculos e tenta recolocá-los, mas eu evito que conclua o
movimento, tomando-lhe o objeto das mãos e amassando-o em minhas
mãos.
Ela grita com raiva:
— Não! Pare! — tenta tirá-los da minha mão, mas já virou pó. — Por
que fez isso?! Está me devendo um óculos — ela avisa com raiva e estreita
os olhos lindos, me encarando como uma igual.
Nunca ninguém fez isso. Nem Perséfone.
— Ele obscurecia sua visão — me obrigo a dizer, meio atônito.
— Agora não posso enxergar além de dois palmos do meu nariz.
Obrigada — ela diz entredentes e tenta passar por mim, mas não lhe dou
passagem, continuo firmemente no meio do seu caminho. — Com licença,
senhor do inferno, quero voltar para a minha poltrona e esperar
tranquilamente o desastre que vai matar todo mundo aqui — ela me encara
com raiva mais uma vez.
Como pode isso? Ela tem tanta coragem assim de me desafiar? É
simplesmente louca? Ou burra o suficiente? Ela sabe quem eu sou! Como
então me afronta deste jeito? Não parece temer a morte. Todos temem a
morte! Todos temem o Hades! Então...?
— O que sentiu quando toquei em você? — pergunto, querendo
saber de uma vez quem é ela e por que é tão diferente.
Ela não gostou do que viu antes e quero que me diga de uma vez!
Não sei se gosto de tudo isso que está acontecendo ou se detesto. É tudo
muito diferente, muito súbito e intenso. E estranho. Estranho demais.
— O quê? — ela dá um passo para trás, fugindo de mim. — Você
não lê pensamentos? Deve saber então. — Desconversa.
Ela recua até bater com as costas na pia. Então eu me aproximo, me
colocando a centímetros do seu corpo, porém sem encostar-lhe.
— Eu estava ocupado demais sentindo o que senti, para reparar no
que você estava pensando — ergo uma mão, eu sei que devo, devo tocá-la
outra vez para me certificar do que senti. Visões, sensações assim são raras,
acontecem apenas quando as Moiras permitem. Quando elas enlaçam dois
fios de destino por alguns momentos. Acho que elas estão brincando
comigo, porém tenho a sensação, a grande sensação de que se tocar nesta
mortal mais uma vez, elas irão me mostrar se é realmente ela a mulher que
procuro.
— E o que sentiu? — ela pergunta olhando dentro dos meus olhos,
umedecendo os lábios com a ponta da língua e encarando os meus,
praticamente implorando por um beijo.
Eu prendo a respiração, tentando acalmar meu impulso de agarrá-la
de uma vez, então eu toco seu rosto, a encarando profundamente.
Outra vez eu sinto, a brisa que sopra pelos Campos Elísios. A
calmaria de uma garoa fina. A paz e tranquilidade de um cantar de pássaros.
Vejo-a claramente diante de mim, o sorriso genuíno, a alma grande, o
carinho pelos menos afortunados, a vontade de melhorar o mundo, de dar
aos outros o carinho que não teve. Eu a vejo com um bebê nos braços,
sorrindo para ele. Me vejo a abraçando, a beijando... Depois a visão se torna
quente. Eu a possuo, me enterrando dentro dela com loucura, com um desejo
tão violento que me atordoa, sinto seu perfume em mim, a textura de sua
pele...
Ela me empurra para longe, eu estou respirando com dificuldade,
minhas pernas parecem tremer e mais uma vez ela foge de mim, saindo
correndo.
— É ela!!! — Digo sem fôlego.
A encontro procurando sua poltrona, se esforçando para distinguir os
números.
— Venha, eu lhe levo — digo atrás dela, tentando ajudar, em uma
das poucas vezes em minha existência, mas ela se afasta.
— Não me toque outra vez! Seu pervertido! Eu sei que é casado com
aquela moça da primavera! Qual nome dela mesmo? Hummm... Perséfone!
Sim, é isso. Não pode ficar colocando essas visões na cabeça dos outros!
Não tem este direito! Não importa quem você é! — ela grita irada e se larga
na sua antiga poltrona, a qual havia deixado a bolsa sobre ela.
— Não coloquei nada na sua cabeça. Sequer sei o que viu. — Digo,
me sentando ao seu lado outra vez. Passo a mão pelos cabelos tentando me
acalmar, a visão mexeu muito comigo. — Quero uma barganha — anuncio.
— Como?! — Ela quase grita de surpresa e assombro.
— Eu poupo esse avião e todos seus passageiros, incluindo você
mesma, SE aceitar ficar três meses comigo, em meu reino. Os mesmos três
que Perséfone fica quando não está com sua mãe Deméter. Três meses é o
máximo que eu aguento, ou você me aguentaria — reviro os olhos. — Se
não aceitar, eu posso roubá-la como já fiz com a outra, porém não quero toda
aquela dor de cabeça outra vez.
Sou sincero. As Moiras me falaram sobre um filho do amor! Idiotice!
Essa merda não existe. Mas eu quero essa mulher, a terei e farei um filho
nela. Eu vi. Mas não posso obrigá-la a ir comigo. Talvez seja esse o tal
"amor" que elas falaram. Talvez ela tenha que aceitar e fazer o filho de
espontânea vontade, e pelo que vi, ela se preocupa com os outros, mesmo
com quem não conhece. Como eu disse antes: quanto mais eu a conheço,
menos a entendo. Três meses serão demais. Em uma semana eu já estarei
morrendo de tédio e ela de ódio. Tenho certeza.
— Me quer três meses para quê, especificamente? — ela estreita os
olhos, desconfiada da minha proposta.
— Para engravidar de um filho meu — digo logo e espero que se
sinta honrada com isso.
Ela DEVE se sentir honrada!
Mas a expressão dela é de puro horror. Acho que essa merda vai ser
mais difícil do que eu pensei a princípio.
Só o que me falta, ter que cortejá-la! Eu nem sei fazer essa droga!
Tártaro! Como vou fazer isso no Submundo? Com os gritos do Tártaro,
Cérbero tentando mastigá-la, fantasmas passeando pelos corredores... Sem
contar Hécate sombria e até mesmo as Fúrias visitando o palácio de vez em
quando? Como vou convencer uma humana a se deitar comigo no meio
desta merda toda? E ainda por "amor"? Por que pelo que entendi, vou ter que
fazê-la se "apaixonar" por mim. Como se isso fosse possível.
Tártaro!
Mas eu vi o bebê. Meu bebê nos braços dela. Então talvez eu tenha
uma chance.
A encaro com uma mísera esperança, aguardando a sua resposta.
Capítulo VII
ACORDO
Carolina
Ai.
Ok.
O que eu estava pensado mesmo? Se é que eu estava pensando
alguma coisa... Depois desta eu meio que perdi o rumo de tudo... Hummm...
Limpo a garganta.
— O deus solitário está querendo a companhia de uma mera mortal?
— mordo o lábio, não entendendo essa parte.
Ele estreita os olhos e coloca o batmóvel para funcionar, voltando
para nosso rumo inicial.
— Que parte não entendeu? A parte que eu a acho divertida e nada
entediante? Não sei daqui há alguns dias, mas por enquanto sua companhia
me agrada muito.
— Espero que não diga isso como diria de um cãozinho ou algo
assim... — eu sorrio estupidamente, olhando para o mar lindo outra vez.
— Já tenho um cãozinho, não preciso de mais um — a voz dele tem
um tom descontraído que me chama a atenção. Então me viro e vejo-o
sorrindo consigo mesmo, olhando para frente.
Meu peito dói mais uma vez e isso não é bom. Ao contrário, é
exatamente o oposto de bom.
Mordo o lábio e desvio meu olhar.
— Que bom! Adoro cachorro! — eu digo animada, pensado que pelo
menos vou ter um bichinho para me distrair quando Hades estiver ocupado
com suas coisas de Submundo.
Quando a risada dele me tira de meus pensamentos, eu o encaro
sorrindo também.
— O que foi?
Ele balança a cabeça e depois explica:
— Acho que Cérbero não é esse tipo de cachorro... — ele ainda sorri.
— É ele quem protege os portões do meu palácio. Ninguém entra sem
permissão no mundo inferior, ou sai de lá, Cérbero se encarrega disso para
mim.
— Ele é tipo um cão de guarda. É isso? Ora, ele não deve ser tão
bravo assim! Aposto que com jeitinho eu...
Hades fica sério de repente, me olhando em advertência:
— Você não chegará perto dele! Nem com jeitinho, nem sem
jeitinho, Carolina! — ele está aborrecido outra vez. — Cérbero não hesitará
em atacar você. Mortais são absolutamente proibidos de pisar no Submundo.
Nem pense em se aproximar dele! Em hipótese nenhuma!
— O que seu cãozinho faz com mortais que tentam entrar?! — eu
estupidamente pergunto, para receber um olhar torto em resposta, que me faz
entender o que ele não diz em voz alta. — Você não está falando sério! Não
pode deixar um cão assassino na sua casa!
— Pouco me importa o que ele faz com quem ousa entrar sem
permissão no meu reino, minha aeráki. Não é com confetes e festa de boas-
vindas que governo o Submundo há tantos anos...
— É com punho de ferro, não é? Sem piedade ou bondade por
ninguém — digo em voz baixa. — Foi isso que eu vi quando me tocou pela
primeira vez, vi isso dentro de você — concluo com a voz por um fio.
Isso e outras coisas...
Hades me encara intensamente.
— Por ninguém, não. Descobri que há uma exceção — ele ainda me
olha e depois volta sua atenção para a estrada.
Então cai minha ficha, só agora eu me dou conta que ele iria desistir
de seu maior desejo, de seu herdeiro, porque não queria me machucar.
Eu sorrio sem querer, me sentindo especial pela primeira vez na vida,
possivelmente.
— Hades? O que significa aquela palavra que falou? Do que me
chamou? — ele torce a boca e continua em silêncio. — Não me obrigue a
usar o Google tradutor, velhinho! Pois não sei se o senhor sabe, mas...
— Brisa — ele diz sem tirar os olhos da estrada.
— O quê? — me perdi.
— Eu a chamei de "minha
brisa" — ele me encara com um olhar quase sem jeito, para depois voltar a
sua atenção outra vez para a pista, acelerando ainda mais.
Catchau!
Meu coração parou agora. Respiro devagar para não estragar o
momento.
Minha Brisa.
— É bonito. Vou achar um apelido melhor para você também.
Velhinho parece coisa do Pernalonga. Hummm... — eu me ajeito melhor no
banco, encarando-o. — Que tal: Tocha? Não, porque ele era jovem e louco...
Hummm... Hot? Não. Não sei se merece esse apelido ainda, bom, quase sei...
Já sei! Mestre dos Magos! — ele me olha sem entender e eu desato a rir.
— Mestre dos Magos? — ele ergue apenas uma sobrancelha e eu rio
ainda mais.
— Sim, você é igualzinho! Misterioso, cheio de poderes e velho! —
rio mais um pouco e depois penso bem no desenho da Caverna do Dragão,
para ele ver quem é o Mestre dos Magos.
Ele estreita os olhos para mim.
— Está louca? Não sou parecido com isso! — ele me fuzila com o
olhar, me fazendo rir ainda mais.
— Sim, tem razão. Ele é bonzinho e fofo. Você é ranzinza. Acho que
leva mais jeito para o Vingador, então... — penso no Vingador, com sua
roupa escura e um chifre...
— Não! Nada de chifres aqui! — ele parece zangado outra vez.
Solto uma gargalhada.
— Ai, então eu desisto! Vou te chamar de Hades! — ergo minhas
mãos e ele não resiste e ri comigo. Estamos sorrindo ainda quando os olhos
dele encontram os meus e uma energia estranha parece passar dele para mim
ou vice-versa. Sua aura laranja parece expandir e me tocar.
É como se fôssemos, por este breve momento, iguais.
Depois de um tempo ele desvia o olhar, voltando sua atenção à
estrada, quebrando o encanto, mas eu senti essa coisa estranha e sei que ele
também sentiu.
Ele sai do asfalto e entra em uma pequena estradinha de terra batida,
que termina ao pé de uma enorme montanha.
Ali ele para e desce do carro.
— Fique aqui — ordena quando sai.
Eu desço atrás dele, fingindo não ter ouvido.
— Aonde vai? O que houve? — pergunto quando o vejo parado
observando a montanha.
— Eu disse para ficar no carro, minha aeráki! E feche os olhos — ele
resmunga sem se virar para mim.
— Eu já não enxergo muita coisa e você ainda quer que eu feche os
olhos? Sério isso?
Se bem que depois que cheguei aqui, minha miopia melhorou muito.
Antigamente eu veria apenas um borrão onde Hades está agora, a uma
distância de uns dez passos, mas neste momento eu o vejo muito bem. Não
com todos os detalhes, mas parece que ficar sem meus óculos está me
ajudando a recuperar minha visão. É isso ou essa luz fantástica que existe
aqui na Grécia.
Eu escuto o suspiro alto dele.
— Só as almas trazidas por Hermes podem entrar no Submundo. Não
há uma passagem, ou um portal, apenas um local de evocação que eu
autorizei a Hermes, e este fica muito longe daqui, mas eu posso abrir um
onde bem entender. E gosto deste lugar, já o usei muitas vezes. Só que para
isso preciso estar em minha essência. E isso eu não quero que veja. Agora
volte para o carro e feche esses olhos lindos, Carolina! — ele ruge o final da
frase, tirando toda a fofura do elogio.
Demoro dois segundos para acatar a ordem e ele se vira para mim,
me deixando atordoada.
Seu rosto está em total sombra, os olhos inteiramente negros, até
mesmo a parte branca!
Eu não o espero repetir. Entro outra vez e fecho a porta. Cerro meus
olhos por um instante e apenas por um instante. Primeiro, abro um, espiando
os movimentos dele, mas quando ele vira o Tocha Humana outra vez, eu
abro bem os dois e vejo tudo com olhos e boca escancarados.
Hades está totalmente tomado pelas chamas. A aura enorme e laranja
irradiando por todos os lados. Sua roupa subitamente foi substituída por uma
espécie de toga negra, que deixa à mostra seu peito forte e perfeitamente
esculpido, como também os seus braços enormes, cheios de músculos, que
agora tem alguns apetrechos de ferro, como naquelas armaduras da época
dos gladiadores.
Mas não foi só isso que mudou.
A pele dele está branca azulada, como um cadáver. Seus cabelos,
antes curtos e arrepiados, agora estão até os ombros e uma capa/manto, sei
lá, enorme e parecendo ser feita de escuridão, cai pelas suas costas, se
espalhando pelo chão, como uma neblina negra.
Na sua mão aparece uma foice enorme e cheia de pontas, com a
lâmina muito curva e perigosa.
Hades, o deus dos mortos, do Submundo (agora eu entendo a
comparação que fazem dele com A Morte ou o Diabo), levanta sua foice e
com apenas um golpe ele abre a terra ao meio. Sinto o tremor balançar o
carro e então uma caverna gigantesca aparece onde ele passou sua lâmina.
É neste momento que ele se vira para mim, me pegando em pleno
flagra o encarando.
Não desvio o olhar. Abro a porta e saio do carro, mostrando para ele
que eu vi.
Ele está irado. O rosto em escuridão, os olhos faiscando em seu
pretume total, mas impressionantemente eles brilham intensamente.
— Eu ordenei que ficasse no carro — ele dá um passo em minha
direção. — E acima de tudo: que não olhasse!
A voz dele é grossa e assustadora.
Noto que a toga dele é aberta da cintura para baixo na frente e sob
esta ele usa uma saia como as dos soldados romanos, assim como sandálias
deste mesmo estilo.
Um arrepio de pura luxúria percorre meu corpo.
A imagem toda é uma delícia: masculinidade, força, poder... Eu estou
literalmente babando.
Hades ergue as duas sobrancelhas e o olhar negro dele volta ao
normal.
— O quê...? — ele murmura. — Não irá correr apavorada? Se curvar
implorando misericórdia?
— Se apagar esse fogo todo, eu até me curvo, mas só para descobrir
se você está usando cuecas aí embaixo... — ai, Cristo! Eu disse realmente
isso em voz alta?
Vejo-o piscar várias vezes e depois eu tento desviar as vistas de
vergonha, mas a imagem dele puxa meu olhar mais uma vez.
É definitivamente uma visão irresistível.
Capítulo XII
FLECHADO?
Hades
Carolina
Mais uma vez eu espiono Hades pelo canto dos olhos. Ele está lindo e
másculo além da conta novamente. Parece irado e mais do que nunca o que
realmente é: o deus dos mortos.
Tão poderoso, tão incrível... Como pude achar, por um instante que
fosse, que ele poderia querer algo comigo? Sou uma idiota mesmo, me
atirando para cima dele, pedindo para ele fazer amor comigo (que vergonha),
contando sobre a minha experiência terrível.
Bom, pensando bem, talvez seja por isso que ele não me queira.
Talvez achasse que eu fosse virgem... E ficou desapontado. Talvez tenha
imaginado que eu fosse uma experiente fogosa, já que estava querendo
transar com ele ao ar livre, em plena luz do dia...
De qualquer forma, essa não foi e com certeza não será a última vez
em que algo aconteceu errado para que eu não pudesse ter meus "momentos
de paixão". Pelo menos desta vez ele não me queimou, o que é estranho...
Acho que na verdade ele está começando a dominar suas chamas... Ou só
não estava sentindo nada mesmo, nada do tipo que o fizesse perder o
controle... Sei lá.
Dou um grande suspiro. Acho melhor desistir dessa coisa toda,
afinal. Melhor parar por aqui e dar meia volta, mas apenas a expectativa de
tê-lo por perto é tão fabulosa, que não consigo pensar em ir embora.
Acho que perdi o pouco juízo que ainda tinha.
Olho para o outro lado enquanto Hades fecha a passagem pela
montanha e volta a ser o homem lindo e bronzeado que conheci. O cenho
dele está fechado e a ira parece transpirar por seus poros, algo o está
revoltando e eu não faço ideia do que seja.
Quando ele se senta atrás da direção, eu olho para fora, desviando
assim as vistas, tentando não pensar em nada.
O carro é então guiado em uma estrada de terra, que parece se
aprofundar pela caverna enorme e sombria.
Após alguns quilômetros de declive, que foram percorridos
inteiramente em silêncio, Hades para o carro próximo a um enorme rio onde
uma intensa neblina branca cerca sua margem. Ele desliga e salta para fora,
abrindo em seguida o porta-malas e retirando minhas bagagens de lá. Dou
um suspiro e apanho a minha bolsa, a colocando a tiracolo e saindo do
batmóvel.
Terminamos de descer o pequeno morro em direção ao rio gigante,
eu presto atenção nas pedras pelo caminho, nas variações de terreno, pois
para pessoas desastradas por natureza como eu, isso aqui é um prato cheio
para que acabe com o nariz enterrado no chão.
— Desculpe — eu ouço-o dizer com sua voz poderosa e baixa, e ergo
as vistas, atônita.
É neste momento que meu pé esquerdo se prende em uma fenda na
terra dura e perco o equilíbrio, indo rapidamente de encontro ao solo, mas
um braço de Hades interrompe minha queda iminente e eu me agarro a ele
com força.
Nossos olhos se encontram e eu perco o rumo dos meus batimentos
cardíacos diante do par castanho e intenso que me encara.
— Obrigada — eu murmuro sem notar, me ajeitando e retirando meu
pé da fenda que o prendia. — Pelo que você está se desculpando...? —
começo, porém me calo, pois um movimento chamou minha atenção, um
movimento na névoa.
Viro meu rosto e estreito melhor a visão, colocando a névoa estranha
em foco, começo então a distinguir formas... Rostos... Pessoas...
Fantasmas!!!!
O grito horrível sai da minha garganta. Pulo para trás de Hades.
A margem do rio está cheia de fantasmas! Centenas, milhares deles!
Andando de um lado para o outro, perecendo perdidos.
— Não tenha medo, não lhe farão mal — ele diz, como se estivesse
falando sobre moscas. — E eu falava sobre o que aconteceu, sobre...
Carolina! Já disse que não lhe farão nada!
Eu não me mexo. Para falar a verdade me encolho mais ainda, me
escondendo atrás de suas costas.
— Hades, eu não... — eu começo, sem saber como terminar.
— Venha — ele diz, pegando minha mão e terminando a descida, me
arrastado junto, literalmente.
Quando os fantasmas veem Hades, eles abrem passagem, como se
reconhecessem sua superioridade (ou melhor: reconhecendo sua divindade),
a multidão de almas faz reverência para ele, se curvando, ou apenas
inclinando a cabeça.
Eu tremo, apertando mais ainda sua mão, seu braço todo, para ser
sincera, pois estou quase pendurada nele.
A brancura infinita e semitransparente dos espíritos me dá calafrios,
suas expressões são as mais variadas, mas em sua maioria estão carregadas
de tristeza. Uma tristeza tão grande e intensa que meu coração dói.
Me detenho na caminhada.
— Hades? Por que eles estão aqui? — pergunto, agora que o susto já
está passando.
— Eles não têm o tributo para dar a Caronte — ele diz sem explicar
nada e eu apenas o encaro, querendo a história toda. Hades revira os olhos e
respira fundo, depois continua: — Certo, você não sabe sobre isso também...
— diz, torcendo a boca e passando a mão pelos cabelos arrepiados. —
Caronte é o barqueiro que leva as almas pelo rio Estige, no caso, esse aqui,
até as portas do meu reino, onde serão julgadas, mas para ele fazer isso é
necessário que lhe paguem um Óbolo.
— O que é isso?
— Uma moeda antiga, colocavam uma sob a língua do morto, para
pagar Caronte, mas o costume está se perdendo e por isso cada vez mais há
almas aqui, em uma quantidade que me irrita — ele termina mal-humorado.
— Quer dizer que, só por causa de um costume antigo, essas pessoas
não terão julgamento? Estão condenadas a ficar aqui para sempre?! — a
indignação na minha voz é extrema e Hades me encara muito sério.
— Não para sempre. Apenas 100 anos... Ora! Não me olhe assim!
Todos sabem que é assim que as coisas funcionam.
— Trocentos anos atrás até poderia ser, mas hoje em dia, não.
Ninguém nem sabe o que é um óvulo.
— Óbolo — ele corrige.
— Que seja — eu continuo. — Ninguém sabe mais o que é isso! É
um absurdo você ainda continuar achando que pessoas do século XXI vão
colocar uma moeda antiga junto com um defunto. Você nunca ouviu falar em
saqueadores de túmulos?
Ele apenas me encara sério, como sempre e eu lhe devolvo o olhar,
esperando sua resposta, exigindo uma saída.
— Saída? — ele ergue uma sobrancelha, como se nem tivesse
passado por sua cabeça essa hipótese.
— Sim, Seu Hades, uma saída para eles. Eles não merecem ficar
aqui.
— Confie em mim. Perto do Tártaro, isso aqui parece os Campos
Elísios.
— Mas alguns merecem os Campos Elísios — eu digo me
distanciando dele, indo em direção à multidão.
Vejo as almas, figuras semitransparentes que carregam tanto do que
eram que eu me surpreendo. Caminho devagar por entre elas, que me
devolvem o olhar, quase com medo. Vejo perfeitamente seus rostos e seus
olhos. E são eles que me dizem quem aqui deve ir para o "paraíso" de Hades
e quem deve ir para o Tártaro. Alguns tem o rosto em sombras, os olhos
vazios e quando me encaram, sinto meu ser estremecer de temor, claramente
merecedores do Tártaro. Outros são como simples vegetais, parecem mais
um viciado sob efeito de alguma droga do que qualquer outra coisa, acho
que esses deveriam ir para o tal de Campo de Asfódelos, ou purgatório. Mas
há uma quantidade enorme de pessoas que seus olhos brilham para mim,
sinto através desta luz tênue uma paz de quem fez a coisa certa, de quem está
tranquilo com sua consciência, que é impossível não ter certeza absoluta que
eles merecem o "céu".
Meu coração dói. Essas pessoas não podem ficar aqui. Encaro Hades,
que está me olhando com a boca literalmente aberta e pisco diante da
consciência de que ele ouviu, senão viu, tudo que pensei.
— Você precisa fazer algo — eu lhe suplico.
— Como consegue ver tão facilmente o âmago de cada um deles? —
ele ainda parece chocado.
— Você não? — não estou entendendo.
Ele apenas sacode a cabeça em negativa.
— Para mim e para qualquer outro, eles são todos iguais.
— Ora, que absurdo! — eu digo e olho para uma moça que tem os
olhos brilhantes. — Minha linda, como você faleceu? — pergunto com voz
baixa, mas mesmo assim ela parece se assustar, dá um pulo, na verdade e
olha para Hades, este afirma com a cabeça, "concedendo" uma resposta,
então só depois ela fala, sem mexer os lábios e sua voz é como um eco baixo
e sussurrante:
— Protegendo meu filho — a voz triste ecoa e as lágrimas enchem
meus olhos.
Encaro Hades com raiva.
Eu não vou a lugar nenhum se você não tomar nenhuma providência,
senhor dos mortos!
Digo-lhe mentalmente e cruzo os braços.
Nisso, um barco de madeira pequeno se aproxima, uma figura magra
e alta está o guiando e tem o rosto coberto por um capuz/capa esfarrapada,
que dá à visão um aspecto sinistro e deprimente. Me lembra a "morte".
Ainda bem que ele não está com uma foice no lugar do remo, senão eu acho
que já cairia dura aqui mesmo. Se bem que Hades estava com essa foice aí e
eu não caí dura, ao contrário...
Dou um sorriso para mim mesma, me lembrando da visão de tirar o
fôlego que me fez pirar na batatinha e quando dou por mim, a figura do
barco chega à margem e remove o capuz, expondo a face de um senhor
parecendo centenário, que me olha espantado com olhos arregalados e sem
disfarçar.
Capítulo XVI
CARONTE
Hades
Carolina
Já se passaram 10 dias que cheguei aqui. Ou talvez 15... Sei lá. Só sei que já
estou ficando quase louca! Quer dizer: mais louca.
Não, não por causa do Submundo em si. Eu gosto daqui. Passeio com
Cérbero pelos jardins, converso com as Fúrias (um pouco, não muito, afinal
elas são realmente um pouco maldosas).
Hécate é legal quando está sociável, foi no meu segundo dia aqui que
a encontrei. Não é sempre que damos de cara com uma mulher de três rostos.
E confesso que no início eu não sabia para qual olhar. Agora ela coloca os
longos cabelos por cima e eu já distingo o humor dela apenas sabendo qual
dos rostos está para frente. Três rostos de uma mesma mulher, em três etapas
da sua vida que a definem: jovem, madura e idosa, cada qual trazendo a
Hécate suas peculiaridades. A jovem é triste, melancólica, fechada em si
mesma. A mulher é mais sociável, conversa e me faz companhia. Porém a
senhora, que é sua terceira e mais sombria face, me dá arrepios. Ranzinza ao
extremo, parece querer punir tudo e todos em um julgamento maquiavélico.
Às vezes, à noite, escuto uma música realmente linda, parece falar
sobre saudade e da dor da separação, mesmo que ela não tenha letra, apenas
melodia, eu sei disso, é algo estranho, pois parece que não a escuto com os
ouvidos, mas com o coração, com a alma.
Na primeira noite que a ouvi eu tentei procurar o lugar de onde
vinha, ou quem tocava aquela música que parecia ser de um instrumento de
corda com notas fortes e profundas, e parecia que trazia um encantamento ao
lugar. Porém assim que abri minha porta dei de cara com Hades de pé de
braços cruzados, escorado no batente da porta do outro lado do corredor.
Lindo de morrer, com os cabelos bagunçados e usando apenas calça preta.
Lógico que ele saberia que eu iria sair procurar pelo músico ou caixa
de som que tocava aquela melodia belíssima.
Ele apenas colocou o dedo indicador em riste e fez um “não” com
ele.
Respondi estreitando os olhos e mostrando a língua, fechando a porta
atrás de mim depois que entrei novamente para o meu quarto.
Depois disso sempre espero pela canção que me toca a alma e por
vezes me fez chorar de saudade, ou ficar feliz com um sentimento de
nostalgia. Quem quer que toque o tal instrumento tem um dom fora do
comum, mas estou no Submundo, né? Não existe nada comum aqui.
Outra coisa que eu gosto muito são os fantasmas-empregados do
palácio, eles são uns amores.
Agora mesmo observo Hso, Caite e Una, que sentados ao redor da
enorme mesa de ferro, estão em silêncio, observando as cartas do baralho
antigo que encontrei há alguns dias em minhas rondas pelo palácio.
— Eu dobro a aposta! — diz Caite com um sorriso forçado,
adicionando mais algumas moedas, os tais Óbolos, à pilha no centro da
mesa.
— Eu desisto! De novo — Una baixa as cartas, rendida.
Hso fica em silêncio pensativo, observando as cartas parecendo
pensar sobre as possibilidades. Depois diz finalmente:
— Cubro sua aposta e dobro outra vez. — ele adiciona mais moedas
ao monte.
Caite parece contrariado, mas sorri, colocando as tais moedas.
— E você, Carolina, vai desistir? — Caite me encara, sorrindo ainda
e os outros dois me observam atentamente.
Eu rio. Olho outra vez para meu mísero flash e concordo.
— Vou nessa, rapazes — adiciono mais moedas, que Hades me "deu"
para a brincadeira.
Hades. Ele é o motivo de eu estar "quase" louca. De todos esses dias
eu raramente o vi, com exceção da noite da música e de algumas
pouquíssimas vezes que jantamos juntos. E mesmo nestas vezes ele sempre
esteve distante, irritado, tenso. Não me olhou nos olhos nunca mais. Acho
que se arrependeu de ter me trazido para cá.
— Dois pares — Caite anuncia sem animação, já que o seu blefe não
deu muito certo.
Hso ergue uma sobrancelha e larga suas cartas, um mísero par.
— O quê?! Como assim? Vocês fizeram tudo aquilo e tinham estas
cartas?! Eu iria ganhar! — Una se arrepende, quase chorando.
Eu abaixo minhas cartas, ganhando a mesa.
— Um mísero flash, mas melhor que o parzinho de vocês — sorrio
de orelha a orelha.
— Como pode ganhar sempre? — Caite não se conforma.
Eu dou risada e divido os Óbolos entre os três, para eles isso é útil,
mas para mim, não.
— É fácil. Você sempre mente. Una sempre desiste, mesmo se tiver
uma mão boa e Hso nunca recua. Conheço vocês, então sei como jogam!
Os três ficam em silêncio me olhando e depois olham entre si, aí
caem na risada.
É neste momento que a enorme porta dourada da imensa sala de
jantar onde estamos é escancarada com violência.
— Mas o que está havendo aqui?! — Hades queimando aparece,
encarando a todos, que ficam sérios prontamente e se curvam,
desaparecendo em segundos do local. Sorrio quando noto que levaram os
Óbolos.
— Boa tarde para você também, Hades — o saúdo sem animação
nenhuma e vou guardando as cartas, arrumando as cadeiras.
Hades apenas me observa em silêncio, como que me avaliando e já
não queima mais. Me observa tanto e tão intensamente que eu me detenho
em meus afazeres, estreito o olhar para ele e deixo minha frustração de todos
esses dias sair sem querer:
— O que foi? Lembrou que a Carolina aqui existe? — droga! Agora
ele vai achar me que importo se ele lembra ou não de mim!
Ele ainda me observa, dos pés à cabeça e eu já comecei a me sentir
estranha.
— Fui um idiota todos esses dias, Carolina — ele suspira, mantendo
meu olhar. — Estava com receio... — ele diz em voz mansa, caminhando em
minha direção, os olhos presos nos meus.
— Receio? — só consigo perguntar isso, pois o homem está muito
estranho e meu coração, que até então estava de costas com os braços
cruzados batendo o pé, parou e está aguardando atento.
Hades caminha lentamente até mim, tem um meio sorriso de quem
sabe das coisas, ou melhor: de quem sabe fazer as coisas.
— Sim, Carolina, receio dos meus sentimentos por você — ele diz
simplesmente e meu coração está em choque. — Desculpe por não ter dado
atenção a você, mas quero me redimir agora mesmo.
Ele para na minha frente e eu o observo atentamente, com o coração
aos saltos. Quantos dias esperei por este momento? Por Hades entrando pela
porta e "me vendo"? E agora ele faz isso e eu só consigo pensar é que ele
está estranho. É o mesmo Hades, lindo, moreno e gato, mas há algo
faltando...
— Como assim algo faltando, minha pequena? — ele está a um
passo de distância agora e me puxa para si, colando o corpo enorme e forte
ao meu. — Talvez que eu diga que estou apaixonado desde a primeira vez
que lhe vi? Ou que sua presença me faz bem? Ou talvez eu deva apenas
beijá-la e provar com meu corpo o que sinto por você e não consigo traduzir
em palavras.
Atestado de óbito do meu coração. Sim, morreu o miserável. Caiu
duro no chão, com coraçõezinhos nos olhos e perninhas estiradas para cima,
sorrisão e mão no peito.
Hades enlaça minha cintura, pousa a mão em meu quadril e aproxima
os lábios sensuais dos meus. Prendo a respiração, esperando o arrepio na
espinha, o tumulto que o toque dele me provoca, a atração gigante, que me
faz querer me fundir a ele. Porém, não sinto nada, nem o frio na espinha de
sempre, nem tumulto nenhum.
Engulo em seco.
Mesmo durante uma simples janta, com ele evitando me olhar, eu
sinto a aura dele me puxando, sinto ela se unindo à mim e agora nada?!
Estreito os olhos, me afastando do beijo e estreito as vistas, então eu
noto. A aura dele está "escapando" das vestes negras e ela não está laranja,
está branca.
O empurro com força.
— Quem é você?!! — grito enquanto me afasto, correndo para o
outro lado da mesa, colocando-a entre mim e o "sósia" ali. Ele me encara
com olhos arregalados de espanto.
— Como assim: quem sou eu?! Está doida, Carolina? — ele dá um
meio sorriso e agora eu vejo claramente que ele não é quem "parece" ser.
— Você não é o Hades! Hades não fala estas palavras! Hades
provavelmente diria: "Que merda é essa?!" E explodiria em chamas. Passaria
a mão nos cabelos tentando se acalmar e nunca, nunca diria que está
apaixonado por mim... — termino tapando a boca, me arrependendo de ter
dito a última parte.
O sósia morde o lábio e sua aura, que antes estava pequena e
disfarçada, agora se expande em um brilho lindo e o “Hades" moreno,
grande e másculo, dá lugar a um homem de aparência mais jovem, loiro,
cabelos penteados para trás com gel, traços perfeitos e olhos cinzentos. Veste
um impecável terno cinza com gravata celeste. Parece um CEO milionário,
quase um Christian Grey.
— Eu só queria dar uma "ajudinha" àquele teimoso do meu irmão!
Ninguém pode dizer que Zeus não estende a mão a um irmão necessitado!
Ele sorri e se aproxima.
— Não acho que me agarrando seria uma ajudinha! É safadeza, isso
sim! — digo com raiva do Zeus benevolente ali.
Então, subitamente, meu coração ressuscita e começa a chorar. Eu
sinto meus olhos se encherem de lágrimas.
— Desculpe se feri seus sentimentos, Carolina — Zeus puxa uma
cadeira para mim e eu me permito cair sentada nela, subitamente atordoada.
— Eu... estou bem — digo para mim mesma, mas não estou nada
bem, estou confusa. Estou triste, na verdade.
Zeus coloca uma taça em minhas mãos, parece ser vinho e eu bebo.
— Falei algo que a magoou? Foi isso? Eu não achei que você notaria
a diferença, ninguém nunca notou antes. Minha primeira derrota, mas você
não se sente vitoriosa. — ele serve a si mesmo de vinho.
Coloco a taça na mesa.
— Você não parece arrependido desta brincadeira sem graça! — digo
me levantando.
— E não estou — ele coloca uma mão no bolso do paletó. — Estou
arrependido de ter sido descoberto e ter causado esse sentimento em você —
ele sorri charmosamente.
— Que sentimento? Raiva? Vergonha? Raiva? Já disse: raiva? — eu
viro as costas e vou em direção à porta.
— Não. O sentimento de "decepção" — ele diz, parecendo sentido e
eu paro e me volto. Ele me observa em sua elegância e classe sem limites. —
Eu vi que não ficou com raiva por eu ter tentado enganá-la, mas sim
unicamente porque não foi o tolo do meu irmão quem lhe disse aquelas
coisas.
Meu coração tem outra crise de choro e eu mordo o lábio para não
fazer o mesmo.
Suspiro.
— Eu sei que ele nunca irá dizer nada parecido com aquilo... —
começo e Zeus aparece ao meu lado, me interrompendo.
— Apenas porque é um tolo teimoso, não porque não sente — ele diz
e eu o observo atentamente. — Há dias que Hades procura por Eros e em um
destes dias veio com uma conversa estranha, sobre mortais, sobre mulheres...
sobre conquista... Achei estranho e conversamos algumas coisas que nem me
lembro! — ele diz, enquanto me conduz para fora da sala de jantar e me leva
para a sala de estar. — Mas hoje Eros veio falar comigo e me contou o que
tanto Hades queria com ele. Você vai ficar feliz em saber.
— QUE MERDA ESTÁ FAZENDO AQUI, ZEUS?! — o urro que
faz o palácio tremer ligeiramente ecoa pelas colunas e Zeus e eu nos viramos
ao mesmo tempo para ver Hades em chamas vermelhas e olhos negros,
queimando de raiva e ódio, enquanto encara a mão de Zeus pousada em meu
braço.
Meu estômago dá uma cambalhota, meu coração suspira apaixonado
e minhas pernas tremem, tudo ao mesmo tempo, só porque ele está aqui.
Zeus me encara, como se não acreditasse, entre divertido e maroto.
Morde o lábio e diz:
— Isso vai ser interessante...
Capítulo XVIII
CAINDO NA REAL
Hades
Odeio esse sol todo que existe aqui no Olimpo. É muita luz, é muita
nuvem, é muito azul. Hunf!
Se não fosse estritamente necessário estar aqui nessa merda para
poder falar com o miserável do Eros, eu não teria vindo! Tenho mil coisas no
Submundo me esperando, não posso perder tempo nessa droga de Vila
Divina que Zeus montou, cheia de filhos e a merda toda.
Para que tanto filho? E eu não posso ter um?
Tártaro!
E também, como vou conseguir esse feito se nem olhar para Carolina
eu consigo mais? Não consigo porque cada vez que faço isso, meu peito dói.
Merda de peito! Quando os olhos dela buscam os meus, eu sinto o tempo
parar. Merda de sentimento! Quando estou junto dela, é como se tudo ficasse
mais bonito, mais feliz... merda de tudo!
Penso nela o dia todo e quando estou com ela, não quero abrir minha
boca para criar um simples diálogo, não quero que ela fale nada para eu não
ficar remoendo as palavras o próximo dia inteiro. Por isso resumi nossos
encontros a meros jantares silenciosos. Hso já está encantado por ela, assim
como todos que a conhecem!
Isso não é normal! Estou começando a achar que ela é um grande
presente de grego de Eros e Afrodite! Alguém enviado por eles para destruir
não apenas a mim, mas todo o meu reino.
Isso nada tem a ver com o que senti com relação a Perséfone. É mais
intenso, mais profundo e muito mais forte.
Eros deve ter me acertado uma dúzia de flechas desta vez, por isso
esse moleque vai me pagar quando aparecer.
Tentei conversar com Zeus, por cima, sobre esse negócio de
"conquista", afinal ele teve mais mortais do que deusas, eu acho, mas as
ideias dele são absurdas! Zeus veio com um papo louco sobre: educação,
cavalheirismo, babaquices, melação e coisas idiotas como caminhar ao luar!
O que isso vai me ajudar a me livrar deste sentimento que tenho em
relação a Carolina e gerar meu filho sem matá-la?
Zeus caiu no meu conceito! Hunf!
— Zeus disse que queria falar comigo, Hades — Eros aparece
sorrindo, vindo não vi de onde, pois eu estava ocupado demais pensando em
"sentimentos"!
Eu! Pensando em sentimentos?!!!
— Que droga você fez comigo, seu moleque miserável?!!! —
pergunto erguendo-o pela toga branca, tirando-o meio metro do chão.
Vejo o sangue sumir do rosto dele e ele arregala os olhos azuis para
mim.
— Eu? O que...? O que...? — sem paciência, o observo balbuciar,
batendo as asas douradas para tentar se equilibrar no ar.
— Eu juro, seu ganso de merda, que se não tirar o efeito da droga das
suas flechas de mim agora, EU VOU TE DEPENAR!!! — urro para ele, me
incendiando e queimando a toga do infeliz.
— Pelo amor de Reia, Hades, solte-o — Afrodite grita e eu me viro
para ela.
Ela está a dois passos de mim, os cabelos negros cacheados caindo
até abaixo da cintura, a pele pouco coberta pela túnica alva e as curvas
perfeitas fazendo o efeito que sempre fazem a qualquer homem, mortal ou
não. Me fazendo hesitar, me confundir e assim largar o moleque dela no
chão.
— Sabe que não me importo com Reia — digo para ela, enquanto
observo Eros se erguendo do chão.
Reia, minha mãe. Pouco se importou quando Cronos, meu pai,
engoliu um por um dos filhos, após saber de uma profecia que dizia que um
de seus filhos acabaria com a raça dele e tomaria seu lugar. Reia só se
apiedou de Zeus. O escondeu e anos após, ele próprio serviu uma poção a
Cronos que o fez vomitar a mim e meus outros irmãos.
Reia? Reia só protegeu Zeus. A minha vida devo a ele. À minha
"mãe" não devo nada.
E meu "pai" teve o castigo que merecia.
Dou um sorriso quando lembro disso e me viro para Afrodite, que
agora se aproxima.
— Ficou mais louco ainda, Hades? O que estava pensando? — o
rosto perfeito dela chega próximo do meu, ela está irada e Eros vai para trás
dela.
— Não me enfrente, Afrodite! — digo entredentes. — Seu moleque
andou disparando aquelas flechas de merda dele em mim outra vez e exijo
que retire essa droga agora!!! — a raiva me faz explodir em chamas outra
vez, libertando um pouco meu lado sombrio.
Vejo Afrodite engolir em seco e arregalar os olhos. Ela olha para
Eros, que balança a cabeça em um "não" mudo. Então, para minha surpresa,
os dois me encaram e começam a rir.
— Você se apaixonou? É isso? — Afrodite diz entre uma gargalhada
e outra.
— Hades, eu não tenho nada a ver com isso! Parabéns à felizarda! —
Eros ri e eu me seguro para não torrar os dois.
— Eros! — aviso com voz grossa, pois já estou em minha essência.
As risadas param subitamente e Eros se afasta alguns passos.
— Juro que não tenho nada a ver com isso, Hades — ele diz, com
terror na voz, se enfiando mais ainda atrás de Afrodite.
— Hades, meu filho não lhe fez nada. Deixe-me tocar-lhe, me deixe
ver o que está acontecendo com você — Afrodite pede, muito séria.
— Não vai me tocar merda nenhuma, Afrodite! — eu digo, mudando
minha forma, porque estou ficando apreensivo.
Como assim eles não têm nada com isso? Como assim Eros se
encolhe de medo e nega o que fez?
— Está mentindo! — acuso-o entredentes.
— Juro pelas águas do Estige que não joguei nenhuma flecha em
você, Hades. Se sente algo por alguém, nada tenho com isso — ele diz
solene e eu sinto minhas pernas tremeram de apreensão.
Minha hesitação faz com que Afrodite perca o medo e se aproxime,
segurando meu braço. E neste meio tempo, Eros corre para longe.
— Hades, me deixe ver o que está acontecendo com você. Eu posso
ajudar em assuntos do coração, você me conhece.
— É por te conhecer que não quero que me toque, Afrodite — lhe
digo, me livrando do toque dela — Você e seu filho já ferraram com minha
vida uma vez, não vou deixar que isso aconteça de novo, ainda mais com
uma MORTAL! — explodo irado.
Carolina pode se ferir mortalmente e tudo por causa destes
miseráveis irresponsáveis!
— Mortal??? Como...? — ela começa, mas diante de meu olhar, ela
se cala. — Já conversamos sobre aquilo! E nada temos a ver com qualquer
coisa que possa estar acontecendo! Por Reia, deixe de ser teimoso!
— Afrodite!!! — eu urro, perdendo o controle que me sobrou.
Depois que ela dá dois passos para trás, eu passo a mão pelos cabelos,
tentando controlar minhas chamas e respiro fundo. — Isso TEM que ser obra
de vocês! — digo e a encaro.
Vejo o que parece ser pena passar pelo olhar dela. Talvez eu esteja
parecendo desesperado a ponto de Afrodite se apiedar de mim.
Ela sorri tristemente e abana a cabeça em um "não".
— TÁRTARO!!! — urro mais uma vez e sumo dali.
Não quero ver ninguém, não quero pensar em nada e acima de tudo:
NÃO QUERO SENTIR NADA!
Passo por Zeus sem olhar para ele, que me chama, mas não me volto.
Tenho que sair daqui. Tenho que voltar para o Submundo, para o Tártaro,
mais especificamente. Preciso me enfiar no trabalho, ver algumas punições,
me encontrar outra vez! Daqui a pouco, ao invés de chamas, vou irradiar
corações! Aí eu mesmo me jogo no Flegetonte, acorrentado!
Tártaro!
Isso não está acontecendo comigo! Isso não está acontecendo!!!!
Eu não posso estar sentindo essa merda, ainda mais por uma mortal
que NÃO QUER A IMORTALIDADE! Possivelmente, a única no mundo
que não quer.
Passo a mão pelos cabelos mais uma vez, tentando NÃO PENSAR
em mais coisas que ela parece ser única no mundo.
Subo em meu antigo carro, puxado por meus dois garanhões alados
negros e atiço as rédeas de chamas, eles descem a porcaria do Olimpo em
questão de segundos. Sem sair do lugar, eu mudo para minha essência e abro
um portal para o Submundo.
Vou direto para o Tártaro. Alguns gritos e seção de torturas me farão
bem. Isso não está acontecendo comigo e em questão de minutos serei eu de
novo.
✽✽✽
Carolina
Hades
Nunca em toda a minha existência quis tanto acabar com tudo. E quando
digo tudo, quero dizer tudo.
Minhas chamas não apagam mais. Estão tão vermelhas que beber a
droga de uma maldita bebida está sendo uma tarefa impossível.
Olho para a taça de ouro que começa a derreter em minhas mãos.
— Tártaro!!! — rujo sem me conter.
Raiva. Frustração. Tantas coisas.
Sinto um incômodo desgraçado no peito, algo que dói terrivelmente,
que me faz ficar agoniado e inquieto.
Caminho pelo grande salão do meu palácio. Não tenho mais paz. Que
merda é essa? Nunca tive paz, o máximo que consegui deste sentimento
idiota foi quando. Foi quando estava com aquela ingrata!!!
Passo a mão pelos cabelos, que explodem em chamas violentas.
Fugiu! Me deixou. Depois do nosso acordo, depois de tudo o que
combinamos, a maldita foge com Hermes!
Se aquele filho de uma cadela passar na minha frente, eu acabo com
a raça dele.
— Amo? — Hso me chama, colocando apenas metade da cabeça
transparente através da porta fechada do salão.
— O quê?! — urro sem querer, sendo pego de surpresa.
— Seu irmão deseja vê-lo — ele anuncia calmamente, com a nobreza
que teima em não perder.
— Tudo que eu não quero agora é ver Zeus! — eu digo entredentes,
me sentando no meu trono forjado por Hefesto, com os mais preciosos
metais do planeta.
Não quero falar com ninguém. Não quero fazer nada. Nem dos
julgamentos tenho participado estes dias. Até mesmo as punições não
chamam mais a minha atenção. Perdi o pouco do gosto que tinha por essa
merda toda.
— Não é Zeus, senhor. É seu irmão Poseidon quem pede audiência
com você. — ele começa, mas é interrompido.
Diante de mim, Poseidon escancara as portas, atravessando Hso.
— Eu não quero audiência nenhuma! Quero falar com esse xarope e
vai ser agora! — a voz dele é descontraída, porém firme.
— Está molhando todo meu saguão! Não pode deixar essa merda de
água salgada no mar, pra variar?! — torço a boca e reviro os olhos, depois
faço um gesto com a mão para Hso se retirar.
Poseidon olha para seus pés descalços, onde uma enorme poça d'água
se acumulou. A água ainda escorre dele, mas em questão de segundos tanto
o chão quanto ele próprio ficam secos.
— Ranzinza nível hard core — ele diz, erguendo uma sobrancelha.
— Se só veio aqui falar idiotices, pode ir embora — digo me
levantando, indo outra vez tentar me amortecer com tequila.
Afinal, se Poseidon teve o trabalho que vir até o Submundo, que ele
detesta tanto quanto eu detesto Atlantis, é porque tem motivos fortes.
Ele se senta no meu trono. De lado, colocando um pé sobre ele,
largado como um vadio e acende aquele charuto de merda que faz questão de
fumar. Solta uma enorme baforada, enquanto tento entornar uma dose desta
miserável bebida no copo de cristal.
— Encontrei com sua mortal — ele diz tranquilamente, com o
charuto entre os dentes.
Sinto as chamas se libertarem. O copo na minha mão explode, o
líquido da garrafa incendeia, estou em minha essência e quero matar
Poseidon.
— Você fez O QUÊ?! — me viro, queimando metade do aposento.
Poseidon dá um pulo de meu trono, se pondo em pé, metade de seu
corpo toma forma de peixe, um grande rabo verde turquesa e a sua armadura
de batalha traspassa seu peito e ombros. Sua barba ganha tons verdes como
as algas. Enquanto isso, minha sala é invadida por água salgada vinda de
lugar nenhum, entrando em enormes ondas turquesas.
— Apague essa merda, irmão! Me deixe explicar! — ele ruge,
parecendo querer se conter ainda.
— Se você tocou nela, eu juro por Cronos que vou fazer um
ensopado de você, seu lambari de merda!!! — eu atiço ainda mais minhas
chamas e mesmo estando quase submerso, o meu fogo faz a água ao redor de
mim evaporar rapidamente, aumentando a temperatura dela.
Para minha surpresa, Poseidon solta uma gargalhada e as águas
furiosas que entravam e ameaçavam me afogar se tornam tranquilas.
— Lambari? Sério isso? — ele diz entre uma risada e outra.
A água evacua lentamente e eu não estou entendendo mais nada.
Poseidon nunca recua.
Ele muda sua figura para sua versão humana outra vez, calça jeans,
descalço e camisa xadrez. Acende outro charuto e torna a sentar no meu
trono, que agora, exatamente como o resto do saguão, está totalmente seco.
— Eu fui seu mediador, irmão ingrato — ele anuncia e ainda tem
aquele sorriso de lado estampado na cara. Eu me obrigo a mudar para minha
forma humana também.
— Mediador? — pergunto, passando a mão pelos cabelos, que ainda
queimam. Eles não pararam mais de queimar desde que minha brisa me
abandonou.
— Consegui um encontro para você. Viu? Já pode me agradecer —
ele parece vitorioso e eu cruzo os braços, erguendo uma sobrancelha. Ele
solta um grande suspiro irritado. — Sim, a notícia da mortal que está
deixando Hades doido já chegou até Atlantis. Zeus e eu andamos
conversando.
— Zeus? Ele deu com a língua nos dentes, aquele...
— Não me interrompa, Hades! — ele me censura e eu o encaro com
raiva. — O que eu dizia? Ah, sim: Zeus e eu estávamos conversando sobre
isso e como esta é a única chance de você conseguir seu herdeiro, temos o
dever de ajudar, mesmo você tendo se apaixonado por ela. — ele coça o
queixo. — O que é absolutamente normal de se explicar, depois que vi a
moça. Que merda! Quer parar com isso?! Estou tentando ajudar, seu idiota!!!
Ele se irrita, fazendo um escudo de água, quando lanço um jato de
chamas sobre ele.
— Ajudar como? — me obrigo a parar e encarar Poseidon pela
primeira vez na noite como um aliado.
— Como eu disse, arrumei um encontro para você — ele sorri tanto
que eu quase acredito que nem tudo está perdido. — Você fez merda, pra
variar, mas convenci a moça que você não quis dizer aquilo que disse.
— Ora, eu disse o que disse porque estava vivendo em um
verdadeiro... — me calo.
Poseidon solta uma gargalhada.
— Inferno? — ele completa e tem outro ataque de riso.
— Muito engraçado — eu cruzo os braços, esperando-o parar com as
idiotices.
— Ah, foi hilário. Não pode negar — ele ainda ri e nunca o bom
humor de Poseidon me deu tanta raiva.
— Poseidon! — eu o chamo em tom de advertência, pois não estou
para brincadeiras.
Ele revira os olhos, mas para de rir.
— Só ouça, então... Mas tenho que dizer: você sempre foi chato, mas
agora está insuportável.
— Obrigado — resmungo.
Ele dá um grande suspiro e olhando para dentro dos meus olhos,
continua:
— Eu disse que você iria pedir desculpas pelas merdas que falou, que
estava arrependido. E ela está te esperando hoje à noite, no luau de solstício
de verão em Creta.
Arregalo os olhos diante da notícia. Meu peito dói, dispara. Um
sentimento estranho brota dele. Quase feliz, mas com um pouco de
insegurança. O que é isso?
Esperança.
A palavra aparece em minha mente.
Me seguro na parede do palácio, tentando me entender. Esqueço de
Poseidon, esqueço de tudo por um instante.
Vou vê-la outra vez. Nem tudo está perdido. Ainda tenho uma
chance.
— Olha, olha. Não tentou me assar porque menti em nome dele.
Interessante... — a voz de Poseidon me tira de meus pensamentos, me viro e
ele está coçando o queixo, porém quando vê minha expressão, parece ficar
em choque. — Você está sorrindo, irmão? Vivi para presenciar tal coisa? Um
sorriso sincero???
Meu sorriso, que nem sabia que estava ali, morre na hora e fecho
minha cara outra vez.
— Me diga o que tenho que fazer, seu infeliz. Zeus me deu um
monte de conselhos idiotas, os quais não pretendo seguir nenhum. — passo a
mão pelos cabelos e me surpreendo por eles estarem apagados agora.
Poseidon enche a boca com fumaça e solta uma grande baforada,
seguido do enorme sorriso torto dele.
— Meu irmão, vou te dizer tão certo como agir, que em uma semana
essa mortal estará esperando uma dúzia de herdeiros! — ele pula do meu
trono e chega perto, me dando tapinhas nas costas. — Você entende que a
grande chave de tudo está nas águas, não é?
Ele começa e não sei se fiz certo em pedir para meu irmão
irresponsável e doido como conquistar uma mulher, já que a antiga esposa
dele morreu o odiando e amaldiçoando, mas estou desesperado e qualquer
ajuda é bem-vinda. O que? Eu disse desesperado? Não. Eu não quis dizer
isso. Eu quis dizer...
Ah, Tártaro! É exatamente isso que quis dizer!
Virei um idiota. Desesperado. Apaixonado. Esperançoso e muito
ferrado. Ferrado com certeza.
Tártaro!!!!!!
Que Poseidon saiba alguma coisa para me ajudar, porque preciso
recuperar Carolina! Preciso dela ao meu lado, tanto quando preciso de...
Merda! Não sei de mais nada que me faça tanta falta! Tártaro! Mil
vezes Tártaro!!!!!
Ferrado.
Mil vezes ferrado.
Mas esperançoso, se é que isso vale de alguma coisa.
Capítulo XXII
TRÉGUA
Carolina
A noite está linda, quente, sem nuvens e com uma fabulosa lua cheia no
céu. Redonda, parecendo um queijo e igualmente amarela, a claridade dela
faz com que a noite fique em uma atmosfera romântica e as ondas do mar
batem calmamente, parecendo preguiçosas sob a luz do luar.
Em contraste com isso, a música animada que me cerca me obriga a
balançar o corpo, enquanto caminho até o bar provisório feito de bambu na
beira da areia, para pegar outra bebida colorida e que tem um guarda-chuva
em cima. Já tomei não sei quantas destas e estou muito bem. Bem animada,
bem feliz, bem tonta. O sorriso sai sozinho e acho que aprendi a falar em
grego. Tô pegando o jeito, tenho certeza.
— Zais trais malais — digo ao barman e aponto para minha taça.
Ele sorri e prepara mais um.
Viu? Eu não disse que agora meu grego está afiadinho?
Sorrio de volta, barman bonito que só. Ele me entrega a bebida e eu
me encosto no balcão, olhando o movimento. As pessoas dançam ao som
dos instrumentos, sob as luzes de tochas que estão espalhadas pela praia
linda. Há até uma grande fogueira no centro.
Bebo mais um pouco disso, que me lembra licor misturado com
frutas e que está me fazendo feliz. Balanço a cabeça, os quadris e faço
biquinho, em meu máximo conhecimento dançarínico, me sentindo uma
bailarina do Faustão. Estou até de vestido branco e sem óculos! Estou fatal!
Tenho certeza de que conquistaria até o diabo se eu quisesse hoje.
Não, o diabo não!
Por que eu pensei naquele miserável?
Inferno!
Não quero nunca mais ver "aquele", deixei isso bem claro para
Poseidon. Não quero nem saber dele e por isso vim aqui hoje. Também
porque Poseidon me disse que aqui é o melhor lugar para encontrar turistas,
pessoas que vão me entender e eu espero que possa dar “uns pegas” em
algum, porque não quero mais pensar naquele infame que me chamou de
tudo que foi coisa!
Vou esquecer ele! Meta da noite: esquecer o inesquecível.
Bosta! Por que eu pensei isso?! Vou esquecer e tá acabado!
Estreito os olhos, tentando distinguir alguém e sinto um toque no
meu braço. Me viro e vejo um homem jovem, bonito, de olhos verdes.
Parece um surfista e tem dentes lindos. Hummm, ele disse algo.
— Hein? Quê? — pergunto, porque não entendi patavinas.
Ele faz o gesto de dançar e eu bebo toda minha bebida de vez e
concordo.
— Claro, claro.
Ele me leva até o centro e a música é meio latina, parece um
“despacito” em sei lá que língua e eu me solto. Ele sorri lindamente e morde
o lábio, me observando com um olhar meio pervertido.
Hummm, parece interessado em realizar minha meta da noite. Ele
segura minha mão e me rodopia, me puxando de volta e colando o corpo ao
meu, mas o cara me segura perto demais, rebolando contra mim. E é como
um jato de água fria em meus anseios sexys da noite. O perfume dele não é o
certo, ele não é o cara certo, loiro demais, sem lado sombrio demais e eu me
afasto de supetão.
— Desculpa, mas não... — murmuro e ele me segura de novo, ainda
mais perto e mais firme, sussurra algo em meu ouvido, que eu não faço ideia
do que seja e eu imagino que pelo tom, ele me chamou de alguma coisa feia
e pouco decente.
Empurro o homem com força.
Onde eu estava com a cabeça em achar que iria pegar alguém?! Eu
deveria ter ficado no meu quarto, assistindo algum filme em inglês com
legendas em grego, como fiz todas essas noites, que eu estaria melhor.
— Você é muito... peguento! — acuso ele disso, em falta de palavra
melhor.
Me viro, deixando o cara com olhar surpreso em meio a vários outros
casais que estão por aqui.
Sinto a mão dele no meu braço, me puxando de novo e me volto, ele
fala alguma coisa em grego, parece, ou inglês, ou os dois misturados. Parece
que não entendeu minha atitude, mas não sei se está insistindo ou se
desculpando.
Dou um sorriso sem jeito, sem saber o que dizer.
É aqui, neste momento, que vejo ao meu redor as chamas de todo o
luau aumentarem de intensidade. Todas ao mesmo tempo. Sinto um frio
correr por minha espinha e meu coração para de bater como se o momento
congelasse.
Ele está aqui. Meu Malvado Favorito está aqui. Eu sinto isso em cada
célula do meu corpo.
Só então eu vejo a mão morena no ombro do cara-bonito-chato-de-
galochas, que olha para a mão e se vira, dando de cara com (oh, minha nossa
Senhora das Carolinas Desprezadas, me ajude a não gritar e nem desmaiar
agora) Hades.
Lindo. Alto. Moreno e com cara de assassino de chatos.
Tô derretida. Virei uma poça de Carolina, nem meu vestido branco
sobreviveu a isso.
A voz de Hades para o homem é baixa e fria, seu rosto está em
sombras e eu estou sonhando. Claro, isso é um sonho. Como não pensei
nisso antes?
O loiro parafinado dá exatamente dois grandes passos para trás e
depois gira o corpo, literalmente correndo em direção à rua.
Mas todos aqui parecem ter parado, todos olham para o moreno alto,
forte e bonito que está totalmente vestido de preto, em uma elegância que
destoa de tudo à sua volta e ele me encara. Mas não me encara com raiva, ao
contrário, ele me observa intensamente, sem parecer notar mais nada ao
redor. Os olhos negros parecem sorrir pra mim, a aura laranja se expande,
chega até mim, como uma carícia.
Eu sequer pisco.
Meu coração está catatônico igual ao Chaves quando se assusta.
Como se diz? Ah, sim: teve um piripaque.
Vejo como que em câmera lenta Hades colocar a mão no peito e fazer
uma pequena inclinação de corpo, sem tirar os olhos dos meus e dizer com
voz profunda e baixa:
— Me daria o prazer desta dança, minha Brisa?
Morri.
Certo. Ele fez uma pergunta.
Tem que ter uma resposta.
Hummm...
Meu coração está jogando pétalas de flores e saltitando.
Olho para Hades com a mão estendida e respondo:
— Seu cara de pau!!! — digo em alto e bom som, virando as costas e
caminhando em direção à praia. Fugindo, correndo desta tentação do
Submundo, que só quer brincar com meus sentimentos. Ah, e fazer um filho,
não podermos esquecer deste detalhe.
Porcaria, por que fui pensar nisso? Ai, por que não peguei aquele
loiro? Quem sabe assim poderia esquecer a visão de Hades em sua essência,
que me tira tanto o sono à noite.
Para! Não pensa! Carolina burra!!!
Ele vem atrás de mim, segura meu braço.
— Carolina, precisamos conversar... — ele começa, mas eu o
interrompo.
— Não tenho nada pra falar com você, seu descarado! O que foi? Se
satisfez com alguma ninfa, está bêbado e agora está pronto pra fazer seu
herdeiro com a mortal insuportável? — a raiva faz as palavras saírem meio
que por conta própria e mais alto do que eu gostaria.
Hades está imóvel, parece que sem reação.
— Você não sabia que eu viria aqui hoje? — ele pergunta devagar.
— Se eu soubesse, eu não teria vindo. Nosso acordo acabou, se ainda
não notou. — me viro outra vez e parece que meu coração está puxando a
minha roupa para eu voltar, em desespero por deixar Hades para trás.
A aura dele ainda me envolve e também parece me puxar, como uma
correnteza muito forte. Eu não consigo combatê-la e paro, mas continuo de
costas para ele, me sentindo muito orgulhosa de mim mesma por isso.
Sinto ele se aproximando, sinto a aura, a energia dele me capturando
e meus olhos ficam úmidos, porque a sensação é tão boa e eu senti tanta
falta.
— Também senti sua falta, minha Brisa — ele me responde o
pensamento e sinto suas mãos nos meus ombros. Ele enfia o rosto em meus
cabelos e aspira meu cheiro. — Senti falta do seu perfume, da sua presença
no palácio. Até os malditos fantasmas estão mais melancólicos do que o
normal, depois que você nos deixou.
— Pare com suas mentiras, Hades! Eu não acredito mais nelas!
Digo e corro. Corro para longe, com toda a minha autoestima, minha
raiva, minha dor.
Mentiroso! Acha que eu acredito nisso? Depois de tudo que eu ouvi?
Hades com saudades de mim? Nunca! Só quer me enganar para fazer seu
herdeiro, isso se conseguir e não me carbonizar no processo. Para ele, o
início justifica o fim. Será que é isso? Sei lá.
Caminho, agora que a raiva já passou. A praia cheia de turistas fica
pra trás e Hades não me segue. Agradeço a Deus por isso.
Será mesmo que ele estava aqui? Será que não imaginei tudo isso?
Pensando bem... Ele jamais falaria o que eu achei que ouvi, nem de mentira,
afinal, pelo pouco que conheço de Hades, ele não é alguém que vá falar
coisas bonitas, como "senti sua falta". Nem por um herdeiro.
Então, foi uma ilusão? Tudo aquilo, o que senti, a presença, a voz...
Eu imaginei? Será que a bebida me pegou tanto assim, a ponto de fantasiar
Hades?
Então eu pirei de vez. Só pode.
Caminho mais um pouco e vejo uma ilha não muito longe. Há pedras
largas que fazem uma ponte que vai até ela e lá posso ver a claridade de
tochas brilhando em meio às árvores que consigo distinguir na meia luz, com
minha miopia.
Sabe o que é instinto aventureiro? Pois eu também não sei, nunca
tive. Mas desta vez algo coçou de curiosidade dentro de mim.
Será que eu consigo passar pelas pedras? Será que tem outro luau lá
na ilha? Não me lembro de ter visto ela de dia. Será que a maré alta
escondeu as pedras? Talvez.
Sei que não sei de nada e quando dou por mim, estou sobre as rochas
rezando pra não cair no mar.
Quando chego finalmente na ilha, vejo as ondas em questão de
segundos cobrir totalmente o caminho de pedras, fazendo-o desaparecer de
vista.
Meu queixo está caído na areia e eu já comecei a arrancar os cabelos,
pensando em como vou fazer para voltar, quando escuto um limpar de
garganta atrás de mim.
Dou um grito, sendo pega de surpresa e me virando. Levo alguns
segundos para assimilar a imagem de Hades sob a luz da lua e tochas
espalhadas pelas areias, onde há um grande tapete oriental, um sofá
quadrado que parece uma cama e uma enorme mesa repleta de comida
mediterrânea. Toda a combinação é estranha e bonita ao mesmo tempo e
meus pés ainda não sabem o que fazer.
Hades passa a mão pelos cabelos, parecendo... nervoso?
Estreito os olhos. Isso está muito confuso pro meu gosto.
Ele limpa a garganta outra vez:
— Tive uma ajuda de Poseidon, aquele mentiroso... — Ele parece se
irritar por alguns segundos, solta um grande suspiro e recomeça. — Tártaro!
A verdade é que preciso de você, Carolina.
O olhar dele é tão angustiado que eu juro que por um momento
acreditei nele.
Capítulo XXIII
MAIS QUENTE QUE O INFERNO
Hades
A tranquilidade parece acalmar algo que não sei o que é. Sinto uma
sensação estranha, como se eu não pesasse nada. Uma brisa fresca com
suave perfume parece tocar meu rosto, me trazendo pela primeira vez à
reconfortante noção de estar completo e em paz.
Ouço ao longe um som que parece ser de aplausos, secos, solos e
ritmados aplausos. O barulho inconfundível vai aumentando e me acorda.
Demoro um segundo para perceber que ainda estou na praia, com
Carolina dormindo nos meus braços.
A brisa parece soprar sobre mim outra vez. Ouço novamente as
palmas e levo mais dois segundos para distinguir Perséfone a apenas alguns
passos de distância de nós, aplaudindo a cena.
— Coisa linda, Hades — ela diz, balançando a cabeça em aprovação
e se aproximando. Olha para Carolina adormecida e continua. — Então é
verdade, você está de caso com uma mortal.
Me levanto com calma, para não acordar minha brisa, me visto em
um piscar de olhos admirados de Perséfone.
— Que merda você faz aqui, Perséfone? — pergunto sem paciência,
olhando para a barriga dela, que agora está bem saliente. — Não deveria
estar com aquele moleque atrevido que é pai do seu filho?
Ela revira os olhos e dá um suspiro cansado.
— Você sabe que Hermes era só um passatempo. Você sempre foi o
único que eu quis.
— Eu, Zeus, Adônis e tantos outros — aperto os olhos com força,
minha cabeça já começando a doer.
— Quero falar com você — ela pede com a voz baixa.
Abro os olhos e vejo-a com olhar marejado e com o lábio inferior
esticado.
— Não temos nada para falar, Perséfone. Vá embora!
— Não! — ela ergue o queixo com altivez. — Não vou embora, não
importa o que diga ou grite. Quero conversar com você e vai ter que me
escutar.
Ergo uma sobrancelha, quase rindo, sem achar graça nenhuma.
— Desde quando acha que pode me dizer o que fazer? Acaso pensa
que cederei aos seus caprichos?
— Só uma conversa, Hades. Podemos conversar aqui e sua mortal
pode ouvir, ou podemos ir para o Submundo. Você quem escolhe.
— Não vamos conversar nem aqui, nem no Submundo! Você não
entra mais em meu reino.
— Nosso reino! — ela grita indignada.
— MEU REINO! — grito mais alto com a afronta, já me pondo em
chamas e deixando meu lado sombrio sair.
Carolina geme e muda de posição em seu sono.
Tártaro! Perséfone maldita!
Invoco minha foice e caminhando pela praia, me afasto de Carolina,
abrindo um rasgo no chão, faço um gesto para Perséfone passar por ele.
Entro logo atrás e em questão de minutos estamos na entrada do Submundo,
às margens do Estige, mas não dou mais um passo ou faço menção de
chamar Caronte. Cruzo os braços e a encaro, esperando suas palavras, com a
pouca paciência que me sobrou.
— Diga de uma vez o que quer e depois vá embora — minha voz é
rouca pela minha essência e baixa pela irritação.
Ela me olha e dá dois passos para trás. Sabe do que sou capaz e
teme. Mira o chão e fala em tom tremido:
— É sobre o meu bebê — pausa. — Quero que você me ajude.
— Ajudar você com o quê? A se livrar dele como fez com todos os
outros? Não pensei que fosse tão estúpida a ponto de me pedir uma coisa
dessas.
— Quero ficar com ele — ela diz mansa. — Quero criá-lo no
Submundo e com você.
Estreito mais ainda meu olhar para ela. Essa não é a Perséfone que eu
conheço há tanto tempo, mas volto à minha forma normal, o que a deixa
visivelmente mais à vontade, a ponto de soltar um suspiro aliviado.
— Eu não contei nada a ninguém sobre o bebê ser de Hermes, nem
mesmo para ele.
— O que está aprontando, Perséfone? O que pretende? Qual
artimanha está tramando agora?
— Não há nenhuma artimanha. Eu quero uma família com você,
Hades. Um filho nosso, que vai crescer correndo pelos Campos Elísios e
aprender a julgar do nosso lado.
— Sim, vai correr muito, já que é filho de Hermes e não meu —
resmungo.
— Você disse que aceitava, que eu poderia ficar com ele no
Submundo. O que mudou agora? Foi a mortal?
— Mudou que cansei de você, Perséfone. Das mentiras, falsidade.
Cansei disso que sinto quando a vejo, da escuridão da sua alma, da podridão
dos seus sentimentos.
— Tudo isso sempre foram espelhos dos seus, meu amor. Vê em
mim exatamente tudo que existe em você, que também é esse monstro que
descreveu agora. Podre, mau, sem nada de luz dentro de si, apenas
escuridão. Ou acha que o seu lado sombrio, esse que estava quase
demonstrando há pouco, existe por qual motivo? Ou acaso pensa ser puro e
inocente como a mortal burra que dormia em seus braços, queimada por seu
descontrole? Sim, eu vi as queimaduras e Hermes me contou sobre ela, sobre
os "sentimentos" da tolinha. E você quer falar da escuridão da minha alma?
Vai matar a menina apenas para se satisfazer, assim como fez com aquela
outra.
— Eu não sabia que aquilo iria acontecer — digo entredentes. — E
Carolina não é uma mortal qualquer. Ela é minha destinada.
Digo a última frase com orgulho, sem deixar que a infeliz note como
suas palavras me atingiram.
Tenho plena consciência de que minha Brisa é inocente e boa, que
estar perto de mim é algo perigoso tanto para sua saúde como para sua alma.
Nunca iria me perdoar se ela se machucasse ou deixasse de ser como é. Por
isso aceito que não queira a imortalidade. Poderia oferecer-lhe o fruto do
Submundo sem ela perceber e torná-la imortal, ou quem sabe até essas águas
do Estige poderiam. Mesmo sendo perigosas, sei que nada fariam a ela, pois
sua alma é boa. E o rio escolhe a quem dar a imortalidade ou a morte.
Lógico que pensei em todas as possibilidades! Ora! Ela é minha
destinada, tem que ficar comigo e meu filho! Mas a visão de uma Carolina
rancorosa, triste, ou virando alguém como eu, com sua luz se apagando e a
escuridão tomando conta aos poucos dela, perturba meu pensamento e
apenas por isso não tomo providências mais extremas.
E fico seguindo os absurdos dos conselhos de Poseidon, de Zeus e
essas merdas todas! Tártaro!
A gargalhada alta de Perséfone felizmente tira minha atenção ‘dos
meus pensamentos e SENTIMENTOS. Hunf!
— Sua destinada? Uma mortal? Por favor, Hades, não seja idiota!
Quantos mortais você já matou? Quantos já torturou? Lembra do episódio de
Pompéia e toda a alegria que sentiu quando explodiu o Vesúvio só por
diversão? — ela se aproxima e passa a mão pelos meus ombros. — Lembra
do que fizemos sobre as cinzas daquela cidade? Somos iguais. Você e eu,
Hades. A mortal não lhe trará redenção. É como dizem: “Não se muda o mal
quando se anda com ele, é o mal que muda você”. Você irá destrui-la,
queimando-a ou não. Sabe que não tem escolha, que a única que sabe como
você é e o aceita desse jeito sou eu.
E dizendo isso ela me beija, sinto os lábios sobre os meus, as mãos
me puxando para ela.
O pior de tudo é que sei que ela tem razão. Somos iguais na nossa
falta de piedade, de bondade. Na raiva e asco pelo mundo e todos que nele
habitam.
Não retribuo o beijo de Perséfone, embora ela se esforce, mas
também não a afasto. Me deixo ficar, esperando que aconteça alguma coisa
no meu peito. Aquela dor desgraçada que eu odeio, aquela dor que vem toda
vez que Carolina se aproxima.
Perséfone beija meu pescoço e espero meu membro despertar, coisa
que ele não faz.
Ela é como eu! Ela não vale nada, igual a mim. Matamos, traímos e
estamos nos lixando para os outros. Não somos altruístas como Carolina.
Não somos inocentes ou bondosos. Somos verdadeiros monstros, quase
demônios, é isso que carrego dentro de mim, é o meu lado “sombrio”, coisa
que Carolina nunca viu e nunca verá. Perséfone já. Ela, além de me temer,
aceita. Nós nos merecemos.
Mas eu não a quero.
Quero a paz que minha Brisa me traz e isso é talvez a coisa mais
egoísta que eu poderia escolher, mas como Perséfone disse, sim, eu quero a
minha redenção. Nunca desejei ter sido “bom”, até conhecer essa mortal.
A deusa da primavera desiste de tentar me causar alguma reação.
— Você não pode estar apaixonado por ela! — ela diz com raiva. —
Ela é mortal, não esqueça disso, não vai durar muito tempo — sentencia.
— O que não vai durar muito tempo? Está querendo dizer alguma
coisa? — pergunto baixo e outra vez em minha essência.
— Hades, eu jamais o desafiaria. Dei-lhe a opção de voltarmos e
termos um filho, uma família, como você sempre quis. Espero a sua resposta
quando acabar com sua mortal.
— Não existe resposta nenhuma para dar.
Essas palavras tornam o rosto de Perséfone lívido, o ódio
transformando as feições bonitas.
— Ah, existe sim. E você vai me dar. Pois se você não voltar a ser
meu marido, a mortal que você ama se transformará naquilo que mais teme e
seus dias serão entre fogo e choro. Pelo poder do rio do ódio, eu a sentencio.
Quem disse isso foi Perséfone, deusa da primavera e RAINHA DO
SUBMUNDO — seus olhos brilham intensamente, ela está próxima da
margem e se abaixa pegando a água com a mão em concha e sorvendo o
líquido, tudo muito rápido, para que eu não consiga impedir.
O rio todo brilha com sua maldição e sem pensar eu a ergo do chão
pelo pescoço.
— Retire a maldição, sua cadela — minhas mãos queimam a pele do
pescoço dela, enquanto ela se debate.
Estou em minha essência e queimando intensamente, enquanto
aperto seu pescoço e a ergo um metro do chão, liberando meu lado sombrio,
as almas podres do Estige se erguendo, as sombras se intensificando ao meu
redor.
Pela fração de um segundo eu lembro do bebê que cresce dentro dela.
Fecho os olhos com força. Dane-se o bebê! Dane-se tudo! Essa miserável
não merece viver!
"Juro pelas águas do Estige que protegerei Carolina e não deixarei
nada de ruim lhe acontecer"
O rio murmura, me cobrando em ecos de minha própria voz a
promessa que fiz a Caronte.
Se eu matar essa desgraçada, a maldição não é quebrada. E mesmo
que ela queira retirar a maldição, o rio ainda a cobrará. Só tenho uma saída.
A derrubo no chão e quando ela cai, eu digo:
— Eis sua resposta: serei seu marido se jurar pelo Estige nunca mais
ousar pensar, tocar ou falar sobre Carolina.
Perséfone se esforça para respirar no chão, lívida de medo, olhando
ao redor, para as sombras que se intensificam à minha volta, para as almas
malignas que habitam o Estige e que começam a escapar dele, vindo na
direção dela.
— Jure, desgraçada!
— EU JURO, HADES! JURO PELO ESTIGE! NUNCA MAIS
PENSO, TOCO OU FALO NA SUA MORTAL — ela diz rapidamente, com
os braços sobre o rosto, para proteger-se do que pode vir a acontecer.
Respiro fundo acalmando meu âmago, deixando as sombras se
dissiparem e as almas voltarem ao fundo do Estige. Depois me viro para
deixar Perséfone ali, mas me detenho quando ouço:
— Nunca pensei que isso fosse possível, não acreditei quando me
falaram, mas é verdade: você ama a mortal.
Viro-me e ela ainda está no chão e me olha com um misto de
assombro e tristeza.
— Cale-se, maldita! Isso é um absurdo! — nego entredentes, pela
milionésima vez.
— Eu amaldiçoei a "mortal que você ama".
Sim. Se eu tiver apenas uma paixão e não amar Carolina, nada vai
acontecer a ela. A maldição não terá efeito nenhum. Ela não se transformará
igual a Minta e não sofrerá. Não preciso voltar a ser marido de Perséfone e
nem temer a maldição do Estige.
Mas o grande problema é que na verdade não é apenas paixão. A
verdade é cruel e uma só: EU AMO A MORTAL.
Capítulo XXVI
ALIADAS
Carolina
✽✽✽
— Isso é loucura! - eu grito mais alto que o barulho do vento forte, pois
parece que uma tempestade está se armando.
— Não é não, acredite em mim. Com isso ele virá correndo até você
— Reia diz calmamente.
Olho para baixo e o mar azul turquesa cinematográfico está brilhando
sob o sol poente. Estamos na praia de Navagio, na ilha de Zakynthos, em
possivelmente a praia mais bonita da Grécia e do mundo. Daqui de cima
consigo ver até o fundo do oceano e a carcaça de um grande navio na faixa
de areia branca. Sim, estou no alto de uma montanha, ou penhasco, sei lá.
— Mas e se eu morrer??? E eu ainda nem sei se quero aquele
ranzinza de novo! — olho para baixo outra vez. — Na verdade, agora tenho
certeza de que não quero. Muita certeza!
— Morrer é relativo, talvez sim, talvez não. O caso é que ele virá vê-
la e aí teremos certeza de que ele te ama.
— Não quero essa certeza, estou muito bem, obrigada, com minhas
dúvidas.
— Não acredita que a estratégia de Atena vá funcionar, é isso? —
Reia olha de canto de olho para a outra.
— Não, eu não disse isso.
— O que você não disse, Carolina? — Atena se aproxima da beirada
do rochedo.
— Oh, Atena, eu acredito que Carolina não esteja muito certa quanto
ao seu plano.
— Qual o problema do meu plano? — Atena me encara muito séria.
— Esse — eu aponto para a praia lá embaixo, muiiiiitooooo lá
embaixo.
— Certo, entendi. Você não acredita em nós. Está com medo de
morrer. Talvez devêssemos chamar as Fúrias. — Atena toca o queixo com a
mão e parece considerar de verdade a hipótese e eu me viro para encará-la.
— Ou talvez devêssemos apenas empurrá-la — Reia também parece
considerar essa ideia.
Dou um passo para trás.
— Vocês estão doidas?! — eu quase grito.
— Na verdade, estamos nos divertindo. Mortais e esse medo louco
da morte — Atena ri.
Reia a acompanha e depois me tranquiliza:
— Não se preocupe, Carolina, vamos encontrar outra saída para
você.
Solto um suspiro. Elas me trouxeram até aqui, disseram que tinham
falado com outros deuses para ajudar e que eu só tinha que pular. Só isso!
E agora eu não consigo por medo.
Me sinto mal.
— Não, eu pulo. — afirmo sem convicção nenhuma, me virando
outra vez para o abismo, que não tinha notado, estava muito perto.
Um passo em falso, apenas um e eu cairia.
— Ótimo! Se tem certeza, feche os olhos e se incline, nós fazemos o
resto.
Fecho os olhos, respiro fundo e me inclino.
Coisa nenhuma!!!
Hades não vale isso!!!
Abro os olhos e me endireito, dou um passo atrás e meu pé se apoia
em uma pedra solta. É o suficiente para eu perder o equilíbrio, fico mexendo
os braços, indo para a frente e para trás na borda, tentando não cair. Reia se
aproxima e quando penso que vai me puxar, ela simplesmente assopra.
O vento me empurra para trás lentamente e pronto.
Lá vou eu caindo para a morte, gritando.
Hades não merece isso! Por que fui dar ouvidos a essas deusas
imortais?! Esse povo não faz nem ideia do que é morrer!!!
Meeeeeerrrrrddaaaaaaaaaaaaaaa.
Então eu vejo alguém. Sim, em queda livre, alguém está aqui me
fazendo companhia.
Ele parece um anjo, mas é definitivamente o anjo mais diferente que
já vi. Não que eu tenha visto muitos anjos ao vivo ultimamente. Ele tem
asas, o cabelo é comprido, mas só na parte de cima, o resto é totalmente
raspado. Parece um imenso topete ruivo e crespo. Ah e ele tá peladão.
— Oi — digo, tentando sorrir, ainda caindo.
Então ele sorri também e a minha queda fica em câmera lenta.
— Oi, Carolina! Sou Kairós!
Faço uma avaliação mental se já ouvi esse nome antes. Kairós. Tem
alguma coisa a ver com o tempo, eu acho.
— Ah, que bom que você já ouviu falar de mim. E, sim, tem a ver
com o tempo, aquele tipo que realmente importa. O tempo contado em
segundos, minutos e horas é com Chronos, com ‘H’, não o titã, entenda a
diferença. Mas, agora, o tempo especial, oportuno, supremo, aquele que não
se mede pelos ponteiros do relógio, esse, sim, é comigo — ele pisca um olho
para mim.
— Por isso estamos praticamente parados no ar?
— Lógico! Nunca ouviu dizer que nos segundo que antecedem a
morte os mortais podem ver toda a vida deles passar pelos seus olhos? Pois
você acha que quem é que dá esse tempo todo para eles?! Euzinho, meu
amor — ele aponta para si, concordando com a cabeça em um gesto
orgulhoso e pretensioso.
— Uau! Isso é maravilhoso! Mas espera, então é sua culpa que
quando sentimos a falta de alguém parece que o tempo não passa?!
Ele presta atenção demais em uma gaivota que voava por ali, a
apanhando e a pegando no colo, como se fosse um gatinho, fazendo carinho
nas penas branquinhas.
— Eu gosto de dramas — diz, revirando os olhos. — E mais
especificamente dos apaixonados. Vocês me tiram do tédio. Me julgue — ele
balança a cabeça, comprimindo os lábios.
— Nós? — pisco várias vezes.
— Ah, sim, vocês, queridinha! E ainda mais agora que HADES
entrou para o time! Tem ideia de o quanto me agrada ver o boy sinistro
suspirando por “horas”? É o céu! — ele diz e enfatiza a palavra dando uma
pirueta no ar.
— Por que você está nu? Desculpa a pergunta, mas é que... Né?
Ele olha para a “nudez” dele e dá uma risada.
— Desculpe, é que normalmente eu não fico visível, gosto de ficar só
apreciando, sabe como é? Aí não me importo com padrões, fico do jeito que
gosto, assim mesmo, como você disse: “peladão”.
— Acho justo — concordo com ele balançando a cabeça. — Então,
obrigada pela honra de se mostrar para mim, só ainda não entendi o porquê.
— Ah, tenho um apreço especial por Atena.
— Você é um dos deuses que ela disse que viriam ajudar!
Ele sorri e balança a cabeça em falsa modéstia, fechando levemente
os olhos e fazendo biquinho com a boca em seguida.
— É por isso que está aqui, por causa de Hades? — pergunto, ainda
receosa com a presença dele.
— Oh, não, querida! Estou aqui por causa de você, que vai morrer —
ele diz, com sobrancelha arqueada e cara de quem pede desculpas,
confirmando minhas suspeitas.
— Ah... Posso continuar gritando, então? Sei lá, acho mais sincero...
— Fique à vontade, querida — ele fala, subitamente sério e solícito.
Certo, onde eu estava mesmo?
Ah sim:
— Meeeeeerrrrrrdaaaaaaaaaaaa.
Capítulo XXVIII
O REENCONTRO
Hades
Carolina
Quando olho para seus olhos, eu não penso em nada, apenas o beijo. Vê-lo
em sua essência depois de tanto tempo, depois de tanta saudade…
Sei que deveríamos conversar, sei disso, mas a praia deserta, a
situação de quase morte, tudo contribui para minha atitude.
A chuva cai de vez sobre nós, torrencial, como só no meio do
mediterrâneo pode acontecer.
Hades molhado, com os cabelos compridos, estilo guerreiro antigo, é
demais para minha sanidade e eu decido por jogá-la no lixo. Meu coração
grita e se joga para trás, rindo igual um abobado. Sim, perdi o juízo.
Não paro de beijar Hades e vou explorando o corpo dele com as
mãos, desvendando tudo e agradecendo por não estar me queimando. Beijo
seu pescoço, seu ombro, tento tirar a parte de cima da roupa estranha, mas
não consigo. Após um segundo, ela some e eu dou um pequeno grito de
alegria. Aprecio a visão e encaro Hades mais uma vez. Os olhos estão
queimando, todo ele está queimando. As chamas ao redor dele são violetas e
eu não me importo, o beijo outra vez. O calor parece não me queimar, então
eu continuo.
Sinto minhas roupas sumirem e as mãos poderosas e grandes me
tocando, me apertando as costas, braços, bunda e coxas, em uma gana
grande e urgente como a minha própria. Tudo isso, somado ao cheiro dele e
à textura da sua pele, me traz uma sensação deliciosa. Gemo alto quando
sinto a boca se fechar nos meus mamilos, estimular com a língua, para
depois morder de leve. Em seguida me toma a boca outra vez, prendendo
meu rosto, segurando meu cabelo com força pela nuca. Ele parece estar
perdendo o controle e eu também.
— Hades… — eu o chamo em tom de súplica.
Ele para e me encara no fundo dos olhos e quando fala, penso que
morri e não notei:
— Minha Brisa, senti sua falta — diz quando encosta a testa na
minha. Fecha os olhos, como se dizer isso fosse uma confissão muito difícil
e que ao mesmo tempo lhe trazia alívio.
Meu coração faleceu depois disso. Ele segura meu pescoço de leve,
me encarando agora e um segundo depois está me beijando vorazmente.
Os lábios dele são tão gostosos que tenho vontade de morder. E
mordo um pouco, para em seguida sugar outra vez. Sinto as mãos na minha
bunda e me erguendo. Eu o enlaço pelas pernas, me esfregando no membro
grande e que está muito rijo. A ereção enorme me excita ainda mais.
— Some com essas roupas de uma vez, pelo amor de Deus —
sussurro no ouvido dele em tom de urgência.
Ouço a sua risada baixa e em seguida estamos nus. Ainda estou
enroscada nele, que está de pé, debaixo da chuva, no meio de uma praia
deserta. Perfeito! Só vem, primeira vez com Hades!
Primeira de muitas, eu espero.
Então ele para, parece indeciso.
— Não estou queimando você?
— Não — respondo, acho que deve ser por causa da tempestade, sei
lá, mas também não me importo agora, pois estou sugando o pescoço dele.
— Minha Brisa? — ele pergunta, sem realmente perguntar.
— Hades, se você parar, eu te mato! — ameaço e já estou beijando-o
novamente, agarrada aos cabelos negros compridos.
Então eu o sinto entrando em mim, grande, rijo e poderoso. Eu gemo
e ouço a respiração dele mudar e ficar forte. Um beijo profundo e intenso
torna o momento ainda mais perfeito.
Ele me puxa para si, com movimentos firmes, enquanto eu ainda o
enlaço com as pernas. Entra e sai com movimentos brutos, enquanto segura
meus cabelos com força e me encara com tesão.
Sinto algo inexplicável, uma loucura, uma gana, parece que mistura
agonia e urgência. Não é somente desejo, ou é muito, mas muito desejo,
coisa que jamais senti antes.
Só sei que eu o aperto para mais junto de mim, lambo a pele do
pescoço, quero ele mais rápido, mais forte. E ele faz, morde meu ombro,
suga meus mamilos com força, enquanto me puxa para mais junto de si pela
minha bunda, em total loucura, igual a mim.
Parece que agora somos um, como duas metades que se juntam
finalmente. O encaixe perfeito. Até mesmo as sensações parecem que
estamos dividindo. Sinto emoções inexplicáveis e no movimento de nossos
corpos, o meu coração já não cabe mais em mim. Na explosão do êxtase que
me atinge, subo aos céus, em uma estrela incandescente de prazer e emoção
ao mesmo tempo que o deus que eu amo.
Quando paramos, satisfeitos, ainda abraçados, ainda enroscados, nos
beijamos com a respiração alterada, olhos abertos, em surpresa por tudo que
acabamos de sentir um com o outro.
Aqui nesta praia, debaixo de um temporal, eu me sinto a mulher mais
feliz do mundo.
— Você está bem? Não está queimada? Nada? — ele pergunta,
parecendo conter a respiração por um momento.
— Estou bem. Não estou queimada — respondo sorrindo. — Acho
que foi a chuva… — divago.
Ele olha para cima, depois para mim.
— Não acredito que tenha sido isso. Essa quantidade de água não
seria o suficiente para... Na verdade, eu não pensei muito, eu… — ele parece
perdido em pensamentos, então me olha profundamente outra vez. — Eu só
pensei na saudade que estava de você.
Eu o beijo outra vez e agarro seus cabelos. Amo vê-lo assim, em sua
essência.
Ele se afasta de repente.
— Estou em minha essência?! Tártaro!
Ele muda no mesmo instante, se tornando o moreno bronzeado que
também derrete minha calcinha, mas sinto meu coração fazer beicinho. —
Minha Brisa, eu nunca poderia ter feito isso com você em minha essência. É
muito perigoso. Meu poder é potencializado ao máximo quando estou dessa
forma, fica algo bruto…
— Ainn, para de falar assim, que senão vai ter que mudar de novo —
falo, beijando o pescoço dele, me remexendo de encontro ao seu corpo que
ainda está unido ao meu.
Hades me beija profundamente, para então sorrir com malicia. Sinto-
o crescer e enrijecer dentro de mim e os movimentos profundos e potentes
recomeçam.
Eu gemo em resposta, mas algo está estranho. Algo queima em mim
e não é de um jeito bom…
— Ahhhhhh — grito e pulo para longe dele, que arde em chamas E
ME QUEIMOU MESMO COM A CHUVA!
— O quê? — ele pergunta e eu aproveito para apreciar a visão de
Hades nu e potente queimando sob a chuva na praia paradisíaca.
Isso acabaria com a sanidade mental de muita gente, minha Nossa
Senhora das Carolinas Sortudas.
— Você me queimou — murmuro, com a pele das duas nádegas onde
ele estava com as mãos ardendo.
Ele fica atônito:
— Queimei? Agora? E antes em minha essência não?
— Não. Antes eu não senti o fogo, não esse fogo — Não continuo,
pois Hades está outra vez em sua essência e me beija com paixão.
— Vamos para o Submundo, temos muito tempo para compensar,
agora que sei que minha essência não a afeta.
A essência dele não me afeta? Talvez não do jeito que ele pense, mas
me afeta muitooooo, sim.
Ouço a risada baixa dele e sinto outro beijo. Estou com os olhos
fechados e com a cabeça apoiada em seu peito e parece que nunca fui tão
completa…
— Digo o mesmo, minha Brisa. Digo o mesmo…
Capítulo XXX
LUA DE MEL?
Carolina
O motivo para Hades não me queimar quando está em sua essência ainda
não sabemos. Se, como ele não cansa de dizer, sua essência é muito
perigosa, até mesmo para deuses, o que dirá para mortais como eu. Então
isso ainda é um mistério, do qual não estamos muito ansiosos em descobrir,
apenas em aproveitar. Estou há dez dias no Submundo. Dez dias de lua de
mel, como Hécate faz questão de dizer, revirando os olhos e parecendo que
vai vomitar arco-íris.
— Isso eu gostaria de ver — Hades diz, passando a mão pelas
minhas costas nuas.
Estamos enroscados na cama gigante dele, sobre os lençóis pretos de
seda.
Nestes dez dias conversamos muito, fizemos amor e parece que o
tempo parou.
Não gosto de pensar muito nisso, porque penso que talvez Kairós
possa estar nos vendo escondido…
Mais uma vez Hades ri.
— Ai dele se estiver fazendo isso. Vai ficar sem cabelo nenhum na
cabeça.
— Não sei se gosto de você ficar lendo meus pensamentos o tempo
todo, sabia? — me apoio no peito largo dele e ergo o corpo, olhando bem
para ele quando falo isso.
— Mas ler seus pensamentos é uma das melhores coisas dos meus
dias. A outra é… — ele pega minha mão e coloca sobre seu membro rijo.
— Ei! Calma aí, eu nem me recuperei da última. Me dê um tempo!
— Nada de tempo, minha brisa, já fiquei longe de você por tempo
demais — diz, enquanto me puxa para cima dele e me beija.
— Não começa, que eu nem tomei café da manhã ainda! — digo, me
levantando rapidamente e rindo.
Ele também se levanta, está com um sorriso malicioso nos lábios e
me alcança antes que eu possa descer completamente da cama, me
abraçando por trás.
— Eu sou o deus dos mortos, Carolina, preciso maltratar mortais e
ultimamente tenho vontade de maltratar uma só. — ele sussurra contra
minha orelha, para em seguida mordiscá-la.
— Humm... Então... Vai me maltratar? — Digo, enquanto sinto o
membro dele rijo contra minha bunda e a mão dele vai até meu pescoço.
— Vou, sim — ele morde meu ombro, enquanto me puxa de supetão
para mais perto de si.
— Não, não vai — digo, sem veemência nenhuma.
— Você gosta — ele afirma, forçando meu corpo para frente, até eu
deitar a parte de cima no colchão, enquanto minhas pernas ficam para fora.
—Não gosto nada. — minto na cara dura, enquanto ele se posiciona
atrás de mim, se abaixa e passa a língua por toda a minha parte que está
exposta, metendo-a em um dos buraquinhos, enquanto mete o dedo em outro
e vice-versa.
Eu gemo diante da tortura e quando estou quaseeee, quaseeee no
limite, ele se levanta e sem aviso me penetra com toda sua extensão, que,
sem mentira, tem facinho mais de 20 cm.
Eu grito e então sinto o tapa forte na minha bunda, enquanto ele soca
com força.
Sinto uma dor aguda no fundo do útero e mais um tapa forte na
minha bunda, que agora já está ardendo.
Me seguro no lençol escuro, gemo, mas Hades estoca com gana
demais, me segurando pelos cabelos.
— Hades, devagar! — eu peço.
Ele muda o ritmo, instantaneamente, e se antes estava colocando tudo
e mais um pouco, agora coloca só a cabecinha.
E me dá agonia! Me remexo, tento fazê-lo colocar mais um pouco,
mas ele não cede, está outra vez me torturando, entrando mal-mal e de forma
lenta.
— É assim que você gosta? De amorzinho, bem de leve? —
pergunta, segurando minha bunda para eu não mexer.
— Não, Hades, por favor.
— Então peça, minha Brisa — ele sussurra em tom firme.
Ahhhh, sacana!
Eu fico em silêncio, mas o movimento apenas na entrada do meu ser
já está me fazendo ter um treco. Então, eu peço:
— Hades, me maltrate.
Ele puxa meu corpo mais para a beirada da cama, abre minhas pernas
e vejo-o colocar uma das pernas sobre a cama e estocar com força. Eu fecho
os olhos e ofego.
Ele penetra com rapidez, entrando e saindo, puxando meus cabelos.
Eu não aguento muito tempo, sinto a necessidade de tê-lo aumentando. Eu
preciso dele, mais precisamente: preciso agarrá-lo.
— Hades, vem de frente, por favor.
Ouço a risada dele, que me vira para si, me pondo deitada. Eu o
agarro no mesmo segundo, sugando seu peito, ombro, enquanto ele se
enterra outra vez em mim, colocando o peso do corpo grande e gostoso sobre
o meu. Eu cravo minhas unhas na sua bunda, puxo-o com força mais para
dentro de mim, até explodir em um êxtase que me arrebata a alma.
Hades ri, porque eu praticamente o ataquei.
— Achei que tinha dito que não queria — ele me encara com um
sorriso dançando nos lábios tentadores e então me beija profundamente.
— Xiu — eu digo sem jeito — ainda não estou acostumada com essa
Carolina fogosa.
— Agora para o chão, que eu vou terminar de maltratar você — ele
fica sério.
Eu já sei o que ele quer, a posição preferida dele.
Desço da cama e fico de quatro no chão, joelhos e cotovelos firmes
no piso de mármore escuro.
— Empina para mim, vai — ele diz atrás de mim.
Empinar: deitar a cabeça nos braços e curvar a coluna até não
aquentar mais, para ficar com a bunda bem para cima.
Isso deveria estar na Wikipédia.
Hades, então, pega com força a minha bunda, com força mesmo, tipo
um beliscão grande e aperta. Vejo ele colocar um pé ao lado de cada joelho
meu e agachado, com as pernas flexionadas e apoiado apenas em mim, ele
me penetra. É uma penetração profunda e ele mete tudo nessa posição, que
permite isso. Segura e aperta a parte de cima da minha bunda, quase na
cintura, depois nos meus ombros, me puxando com força para junto de si.
Vejo os músculos das pernas bonitas dele enrijecerem e ele vai ficando mais
rápido, estocando com mais violência, sinto-o crescer ainda mais dentro de
mim, pois a dor fica praticamente insuportável, então eu grito e nesse exato
segundo Hades dá uma estocada profunda, soltando um gemido baixo e
gutural. Eu gemo alto, pois o instante é muito gostoso, algo que me dá muito
prazer e satisfação.
Ele suspira saciado, ainda dentro de mim, colocando seu peso sobre o
meu corpo.
Ajeito melhor a posição dos braços, para ele não me derrubar, pois
está forçando o corpo em direção ao meu ainda, parecendo querer entrar
todo dentro de mim.
— Será que posso tomar café agora? — pergunto.
— Ainda não, só mais um minuto — ele me empurra mais ainda com
o corpo, tentando enfiar tudo o que pode.
— Hades! — eu reclamo.
Ele ri e se levanta, me levanto também e ele me puxa para si.
— Você está bem? — ele pergunta, com a respiração entrecortada.
— Não. Você me maltratou — torço a boca.
— Mas foi você quem pediu — ele ri.
Sorrio também. Estou com as pernas tremendo, a bunda um pouco
ardida, os joelhos vermelhos, cabelos praticamente destruídos e
possivelmente com chupões no pescoço e seios, mas não vou mentir, foi uma
delícia, como sempre é, mas eu não digo isso em voz alta.
— Não precisa, minha Brisa, não precisa.
Hades sorri tanto, que quase não o reconheço. Lindo, lindo, lindo.
Meu coração não aguenta.
✽✽✽
Certo, começando de novo…
Estou (agora) há onze dias no Submundo.
Hoje Hades teve que comparecer a um julgamento importante. Disse
que voltaria o mais rápido possível e, incrivelmente, já estou morrendo de
saudade. Mas sei que, de alguma forma, isso é bom, pelo menos posso
pensar um pouco em como as coisas estão indo.
Tudo aconteceu tão depressa.
Tenho que agradecer a ajuda de Kairós, Atena e Reia. Eu poderia
mandar uma mensagem, mas o tal mensageiro dos deuses, Hermes, meio que
fez uma fofoca grande da última vez.
Embora tenha me ajudado também, não posso negar.
— Por que você não fala com Íris?
Ergo a cabeça e vejo que quem respondeu ao meu pensamento foi
Hécate, em seu rosto de mulher jovem. Sem desviar os olhos do livro que
segura nas mãos, continua seu caminho passando por mim, pelos corredores
do palácio de Hades.
Faço uma anotação mental: procurar a biblioteca do Submundo.
Íris? Hum, eu não conheço essa. Acho que Hso pode me ajudar
nisso. Vou procurando por ele pelos corredores, mas o lugar é muito grande
e não o encontro.
Tento invocá-lo chamando-o três vezes:
— Hso! Hso! Hso!
Nada. Ué, isso deu certo com o Beetlejuice e com todos os fantasmas
dos filmes.
Será que ele está ocupado?
— Una! Una! Una!
Puft!
Una parece na minha frente, sem saber de onde veio ou para onde
vai.
— Mas... O quê??? — ela olha em volta.
— Mil perdões, eu não sabia que iria funcionar. Desculpa te invocar
assim.
O arrependimento me bate, mas nem por isso deixou de ser legal.
— Mas se isso funcionou com você, por que não funcionou com
Hso? Ele é imune a invocação?
Ela continua me olhando sem entender nada, então eu explico:
— Eu te chamei pelo nome três vezes e você apareceu. Eu invoquei
você, igual aos filmes que eu assistia. Não achei que daria certo, mas deu. Só
que antes de te chamar, eu tentei fazer o mesmo com Hso, mas ele não
apareceu. Por que será?
Una faz uma cara estranha e seus grandes olhos expressivos se
arregalam de surpresa e depois olham para os cantos, como se estivesse se
certificando de que estamos sozinhas.
— Deve ser porque esse não é o nome dele, nem como era
conhecido. Ele só é chamado de Hso aqui — ela confidencia num sussurro.
— Sério? — pergunto, sussurrando também. — E como é o nome
real dele?
A fantasma me olha, ponderando se fala ou não, por fim parece se
decidir:
— Fofocando pelos corredores, Una? — ela abre a boca, mas a voz
que escuto é de Hso e o som vem de trás de mim.
Una arregala os grandes olhos, eu me viro ficando de frente para
Hso, que tem cara de poucos amigos. Una se curva e desaparece.
Sortuda. Queria poder desaparecer agora também.
— Er... Oi — digo, erguendo a mão e mostrando os dentes, em uma
tentativa terrível de sorrir.
Hso apenas ergue uma das sobrancelhas e um pouco o queixo,
esperando a explicação.
— Hum, não estávamos falando mal de você, só de você, entende?
Não era bem uma fofoca. Era mais uma informação, para quando eu
precisasse te invocar... Ou não, também não sei, acho que isso não é muito
legal com vocês. Tipo, vocês lá fazendo as coisas de vocês e do nada alguém
chama, e puft, vocês aparecem mesmo sem querer. É legal e tudo, mas acho
que não é certo, então não vou fazer mais. Quando eu precisar falar com
vocês, eu deixo de preguiça e procuro, prometo. Valeu falar com você, Hso!
Está lindo hoje, gostei do papo. Até mais!
Vou me afastando alguns passos para trás, enquanto falo e após isso,
eu me viro e praticamente corro pelo corredor, entrando na primeira porta
que encontro aberta.
E meu queixo vai ao chão.
Encontrei a biblioteca do Submundo.
Nunca em toda minha vida achei que poderia ter uma biblioteca mais
linda e maior que a do Fera.
Mas existe.
Estou dentro dela.
As grandes colunas de mármore negro, vão do piso, feito do mesmo
material, até o teto. Tem três andares de livros, dispostos em mezaninos com
grades de ferro e ouro. Poltronas de couro preto e detalhes em dourado,
lareiras gigantes, tudo contribui para transformar o lugar em um ambiente
acolhedor e muito elegante.
Piso nos tapetes de peles de animais exóticos e acho que esse detalhe
foi a única coisa que eu não gostei.
Vejo armaduras espalhadas pelo lugar, são de várias épocas
diferentes da humanidade, dispostas ao redor da biblioteca. E bem no centro
desta há um globo meio enterrado no piso, que deve ter mais de dois metros
de circunferência e parece ser talhado em madeira muito antiga.
Só não grito porque não consigo. Fiquei sem folego diante da beleza
e magnitude do lugar.
Olha para isso! Olha que coisa mais linda! Olha esse mundo de
livros!
Definitivamente, é o melhor lugar do palácio. Não, do universo todo!
Meu Deus, faça com que tenha pelo menos um livro em português!
— São todos escritos nas línguas antigas — Hades responde atrás de
mim, fazendo meus cabelinhos da nuca se erguerem, um frio percorrer
minha espinha e minhas pernas tremerem, ao mesmo tempo que meu
estômago se contrai, naquela “congestão de coração”.
— Ah, que pena — digo me virando, mas já estou sorrindo igual uma
idiota para ele.
Ele me observa, sorrindo também e ouço o som da porta sendo
fechada.
— Oi — digo baixinho, me aproximando ainda mais, ou sendo
puxada pela aura laranja dele, que sempre me atrai.
Coloco a mão no seu peito grande, enquanto colo meu corpo no dele,
apreciando a sensação de estar segura e em casa, não querendo estar em
nenhum outro lugar, apenas aqui, com ele.
— Oi — responde, ainda encarando meus olhos intensamente.
Vejo os cabelos dele queimando em pequenas chamas violeta, coisa
que antes era raro de ver, mas que anda bem comum de acontecer. Ele coloca
uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha e vejo seu rosto se abaixar
em direção ao meu.
Fecho os olhos e o beijo em uma mistura de paixão e carinho,
segurando seu rosto e me chegando mais a ele, quando me abraça forte.
— Você já fez amor em uma biblioteca, minha Brisa? — pergunta na
voz da sua essência, separando a boca por um momento da minha.
Eu apenas nego com a cabeça, sorrindo.
As chamas dele vão aumentando e a porta se abre em um estrondo:
— Esse palácio também é meu, lacaio imundo! Ah, aí está ele, com
sua mais recente conquista — uma mulher mais linda que a Angelina Jolie
entrou e olha para mim com nojo. — Temos uma emergência, Hades, com
um dos Titãs, então deixe sua... — ela se cala, parecendo não saber do que
me chamar.
A mulher se aproxima, está vestida com um vestido longo preto-
perfeito e no alto da cabeça tem algo, que parece ser feito de diamante, ou
um pedaço de estrela, de tanto que brilha. Mais fácil ser de diamante, já que
estamos no Submundo. Ou quem sabe ela está virando um saiyajin.
Hum, estreito os olhos e aguardo.
Hades parece se recuperar do choque e ao invés de encarar ela, ele
me encara.
— Quê? — parece confuso.
— Que, o quê?
— Hades, você é necessário, a-go-ra — a mulher se detém na última
palavra, dando destaque a cada sílaba, para realçar a urgência da coisa.
Hades olha para ela, para mim e para ela de novo.
— Carolina, eu... — ele se dirige a mim, mas se cala, parecendo
pensar muito no que falar.
— Hades... — a mulher linda chama outra vez.
— Tártaro, Perséfone! Suma daqui! — ele ruge e a mulher suspira
fundo antes de responder:
— Aguardo você no salão — e sai, com uma reverência.
Então, “BUM”, minha cabeça explode. Não literalmente, mas quase.
As palavras e imagens vêm depressa:
Mulher mais linda que Angelina Jolie:
Perséfone.
Esposa.
Ela fez uma reverência.
No alto da cabeça, o brilho era uma COROA.
Rainha.
A esposa linda de Hades, a rainha do Submundo.
Prendo a respiração.
Olho para Hades, arregalo os olhos.
Hades estava sem saber o que me dizer.
E ela me tratou como o que eu sou: uma nada.
“Sua última conquista”.
Só mais uma de muitas.
— Meu Deus — digo, puxando o ar de novo, enquanto meus olhos se
enchem de lágrimas.
— Carolina... — Hades me chama. Caminho para longe dele, sem
notar.
— Meu Deus — digo outra vez.
— Carolina, eu preciso ver os Titãs. Se é realmente uma emergência,
isso pode colocar os reinos em perigo. Volto assim que puder. — ele para,
parecendo querer dizer mais alguma coisa, porém diz somente: — Está bem?
Eu balanço a cabeça, tentando parecer bem, normal e forço um
sorriso.
— Ok — respondo num sussurro.
Ele me dá um beijo rápido nos lábios e se vai.
Eu deixo minha máscara de calma cair por terra, assim como meu
corpo, me sento no chão e choro a infelicidade de ser Carolina-sem-graça-
mais-uma-amante-de-Hades enquanto existe Perséfone-linda-e-única-rainha-
esposa-de-Hades.
Ele disse que estava separado. Reia e Atena me disseram que ele
tinha voltado, mas eu não vi Perséfone aqui, achei que então... não... Eu não
“achei”, eu esperei que ele não voltasse para ela, que não estivesse mais
casado, que eu não fosse só mais uma aventura, mais um caso, alguém que
ele está junto por esses dias, só por causa de uma profecia idiota!
Choro baixinho mais um pouco, deixando as lágrimas correrem pelo
meu rosto, levando minha burrice embora. Eu achei que ele sentisse o
mesmo que eu sinto por ele. Será que estava me enganando esse tempo todo,
vendo o que eu queria? Dificilmente me engano com as pessoas, mas eu
nunca quis tanto que alguém me amasse, como quero agora. Talvez isso
tenha me confundido.
Meu estômago se embrulha, então eu vomito no chão da biblioteca
linda.
Sinto alguém segurar meus cabelos até o vômito acabar e eu
conseguir erguer a cabeça outra vez.
— Venha, criança — Hso me segura pelos braços, me levantando de
meu estado lamentável.
Não sei se por sempre gostar de Hso, ou se foi por me chamar de
“criança”, mas eu o me deixo conduzir e despejo:
— Eu sabia que ela existia, Hso. Sabia que estava grávida de um
filho que não era dele, mas ela não parecia grávida, você viu? Onde estava o
barrigão? E também ela chegou dizendo que o palácio era dela, que eu era
nada e te chamou de lacaio imundo! E ele não fez nada!!! Ainda saiu atrás
dela! Me deixou aqui. — limpo as lágrimas. — Saber que ele tem alguém há
anos, que só está comigo para fazer um filho e depois, vida que segue... Eu...
Eu... Eu achei que ele gostava de mim, Hso. Todos esses dias eu achei que...
E eu vomitei no chão, desculpe.
Não continuo, porque estou me esforçando para não chorar muito,
agora.
Eu sempre soube de tudo isso, do acordo de 3 meses, da esposa (não
sabia que era linda assim, mas sabia que ela existia). Só que nesse meio
tempo aconteceram tantas coisas.
Eu me iludi.
Foi isso.
Me iludi achando que Hades me amava, assim como eu o amo. Que
ele sente o mesmo que eu quando estamos juntos.
Tento limpar as lágrimas teimosas, meu coração está jogado no chão,
batendo os pés como criança birrenta, sangrando e chorando. Acho que vai
morrer. A dor é gigante.
— Sim, eu sei, criança. Venha, Carolina, eu vou lhe contar uma
história — ele me conduz para uma das tantas poltronas de couro preto e pés
dourados que existe no aposento.
Eu me deixo levar, vou fungando e me afundo no assento
confortável.
— Que história?
— A minha.
Capítulo XXXI
O PRINCÍPE
Inferno.
Nada diferente do que a gente acredita ser o inferno, assim é o
Tártaro. Tem um enorme rio de lava, lava por todo lado, tem terra escura e
lodo, tem montanhas infinitas e sombrias, do lado de grandes abismos
escuros.
Os gritos constantes de agonia enchem o ar, que é quente, abafado,
tem cheiro ruim de podridão e uma infinita sensação de tormento, de tortura
e eu quero chorar e sair correndo. E apenas dei dois passos para dentro do
grande portão de pedra gigante, que parece ter dois guardiões esculpidos
nele.
Encaro Hermes:
— Eu acho que posso esperar as Fúrias no palácio de Hades.
— Não precisa ter medo, Carolina. Sei que você consegue enxergar o
melhor em tudo, aqui também.
— Aqui não existe nada de bom — eu digo, sentindo algo ruim
parecer querer me invadir e dou um passo para trás. — Só dor, maldade e
sofrimento.
Ouço um grito de uma das Fúrias e Hermes sorri outra vez,
parecendo ter esperança.
— Está vendo aí? Elas estão aqui. Posso chamá-las e você não
precisará dar mais nenhum passo. Se quiser, pode esperar no portão. Ou fora
dele.
Engulo em seco.
— Não, eu vou, elas estão perto, pelo que deu para ouvir.
— Certo, vamos logo, então. Quanto antes você falar com elas, antes
você sai daqui.
Ele vai na frente e passamos por mais alguns lugares macabros e eu
não olho mais em volta, apenas para os tênis Nike com asinhas, que caminha
na minha frente. Fico mal por ter duvidado dele antes, sei que ele ouviu tudo
que eu pensei e eu não gosto de agir como agi. Então eu começo.
— Obrigada, Hermes, por estar me ajudando. Da outra vez também
me ajudou quando eu pedi. Eu sei que nunca me faria mal e sei que se
comentou alguma coisa foi porque gosta da Perséfone. E não te julgo, ela é
realmente linda — por fora. Completo mentalmente e Hermes para na sua
caminhada.
Ele me olha com expressão de culpa e arrependimento.
— Não precisa... — eu começo, pois ele não precisa se desculpar.
Não foi nada demais se ele contou o que eu contei para ele.
— Carolina, vá embora! Volte! — ele diz em tom de urgência. — Vá,
Carolina! — Agora ele grita.
Eu dou um passo para trás, quase caindo numa ribanceira que daria
em um rio de lava.
Olho para Hermes e ele ainda está me olhando apavorado e de
repente, Hermes não está mais ali, em um segundo foi lançado longe, por um
gigante que surgiu do meio do rio de lava. Ele está acorrentado por uma das
mãos, porém a outra está com a corrente visivelmente partida.
Olho para onde Hermes foi arremessado e vejo-o se mexer um
pouco. Acho que está vivo.
Então o gigante, parecido com um enorme ogro e que tem lava
escorrendo pela pele, que está visivelmente sendo queimada por ela, me
encara. Estreita os olhos e um dos cantos de sua boca se arqueia em um meio
sorriso maligno. Vejo-o erguer o braço livre e sei que vou morrer.
O tempo parece parar, sei como isso funciona.
Em câmera lenta vejo algo escuro, como um enxame de vespas feitas
de vento, voar sobre o braço erguido, ao mesmo tempo que fogo denso,
quase lava, é jogado nele. O braço enorme cai. Almas (ou melhor: demônios,
pois são deformadas e parecem se arrastar), brotam das paredes, de qualquer
sombra que exista e puxam o gigante, seguram, arrancam seus olhos, sua
carne. A sombra feita de ar também parece querer chicoteá-lo, ferindo,
fazendo-o sangrar. Ele grita, se contorce até cair morto, aos pedaços, no rio
de lava.
Meu estômago se embrulha horrivelmente.
Me viro e vejo que quem fez tudo isso está a uns 10 metros de mim:
Hades.
Ele está com o rosto inteiramente escuro, queimando em sua essência
em um fogo azul-esverdeado. Algo ruim, sinistro está ali. O poder dele
nunca me pareceu tão grande, tão intimidador e tão assustador.
O fogo denso que ele estava lançando cessa, a terrível sombra vai se
dissipando e parece voltar para os pés dele, como se estivesse voltando para
dentro dele.
Os demônios voltam para os cantos escuros, como se estivessem ali o
tempo todo antes e como se continuassem ali, escondidos, camuflados.
Hades vira a cabeça para minha direção, o rosto ainda transtornado,
ainda em sua essência e queimando naquele fogo maligno e eu procuro ver
algo nele, qualquer coisa, que possa me lembrar do deus que eu amo.
Ele ergue o queixo, como se dissesse “eu sei que você viu, é isso o
que eu sou”. E ele confirma, agora, que é isso mesmo, pois está balançando a
cabeça, ainda me encarando.
Perséfone corre para ele, vinda não sei de onde e conversa alguma
coisa, não sei bem o quê. Mas é como se isso tudo que acabou de acontecer
não a afetasse. Claro que não afeta, Carolina, burra. Ela deve ter visto isso
milhares de vezes.
Eu não aguento mais, me viro e corro para onde acho que vim. Choro
na minha volta, mal enxergo, mas corro ainda mais, querendo sair desse
inferno.
Encontro as grandes portas de pedra e saio dali. Corro para Caronte,
vou embora, vou pedir para ele me levar. Eu não quero mais ficar neste
lugar, eu nunca vou ser igual Perséfone. Marília estava certa, amante não
tem lar, amante nunca vai se casar.
Vejo Cérbero na saída dos portões de Hades e ele vem correndo me
encontrar. Eu o abraço.
— Você é meu bebezinho lindo e eu vou morrer de saudade sua —
digo, afagando uma a uma das cabeças enormes. —Não se esqueça de mim,
que eu nunca vou esquecer de você.
Beijo cada um dos focinhos, saio e fecho o portão. Ele fica lá latindo,
me chamando, eu limpo mais uma lágrima e tento não mudar de ideia.
Chego à beira do rio de Caronte e espero. Estou nervosa. Ando de
um lado para o outro. A simples lembrança da cena do gigante ogro
morrendo daquela maneira faz meu estômago virar outra vez e dessa vez eu
vomito tudo que posso, até minha barriga doer pelo esforço.
— Menina Carolina? O que faz aqui? — Caronte está no seu barco,
algumas almas estão descendo dele e eu tento me recompor e chego perto do
barqueiro.
— Caronte, eu preciso ir embora, eu não posso mais ficar aqui. —
começo, mas as lágrimas já começam a cair.
Não sei se pelo meu choro, ou meu tom de desespero, ou porque leu
meus pensamentos, Caronte me deixa entrar no seu barco, me abraça de
maneira paternal e sem dizer uma palavra me leva para o outro lado.
Quando estamos quase chegando, ele fala:
— Quando sair, procure o templo de Poseidon, ele poderá levá-la
onde quiser.
— Eu não sei como poderei ir, eu deixei minhas coisas todas no
palácio.
— Pedirei para que Hermes as leve para você, se quiser.
Hermes.
Então me lembro da expressão do ruivo, antes de o gigante o atingir e
do que aconteceu. Será que está morto?
— Se estivesse, seria bem-feito, pelo que entendi, mas como é um
deus imortal, não teremos tal sorte, aquele filho de uma... — Caronte
murmura algo que não entendo. — Vou falar com Íris, então. Não se
preocupe, menina.
Ele me olha com carinho e quando chegamos à margem, meu
estômago que estava virado, volta a se manifestar. Coloco a cabeça para fora
do barco e vomito no rio. Três vezes só hoje. O que comi que fiquei assim?
Ou será só nervosismo?
Ouço um suspiro de surpresa vindo de Caronte, ele me olha com
olhos arregalados.
— Desculpa, eu não estou bem do estômago hoje. Acho que são os
nervos.
Ele balança a cabeça e me estende a mão para eu descer do seu
barco. Eu a seguro e quando estou colocando um pé para fora, ele fala outra
vez:
— Poderei visitar você e o bebê qualquer dia desses?
Me surpreendo com a pergunta e meu pé esbarra no remo de Caronte,
que ainda o segura. Caronte solta a minha mão e eu caio nas águas turvas do
Estige.
Estávamos na beira, mas não existe beira. É uma imensidão de águas
turvas e elas são densas, são pesadas e eu não consigo me mexer. Vejo o que
tem submerso no Rio do Ódio: sombras, as mesmas que Hades comandou no
ataque contra o gigante. Demônios horríveis.
Tento sair, mas não consigo, é como se eu estivesse presa em
gelatina. Os monstros horríveis conseguem se mexer aqui e eles se
aproximam, mas de repente é como se uma luz muito grande brilhasse atrás
de mim, isso cega-os e eles se afastam, como se tivessem medo. Tento me
virar e as águas agora parecem que se tornam líquidas, consigo me mover e
vejo que não há nenhuma luz atrás de mim e em nenhum outro lugar. A luz
vem especificamente de mim. Me surpreendo e então é como se as águas me
empurrassem para cima, e tão rápido, que parece que o rio me cuspiu para
fora, bem aos pés de Caronte.
Este ri, feliz como uma criança.
Criança? Peraí! Ele falou em bebê! Mas o quê?
Olho para ele, que ainda ri. Será que estou grávida?
Capítulo XXXIII
MÃE
Hades
Cérbero puxa a corrente com força outra vez, quase me fazendo cair ao me
pegar desprevenido.
— Pare com isso, cachorro infernal! — repreendo-o quando puxo a
corrente para ele se aquietar.
Ouço o ganido dele, ergo as vistas e vejo que ele quer tomar o rumo
dos Campos Elísios.
— Não tem nada lá para nós, cão idiota — resmungo.
Ele força outra vez a corrente para ir para aquele lugar e eu cedo
desta vez.
Sei que merda que ele quer, quer sentir a porra da brisa. Ódio desse
animal, parece eu mesmo ultimamente e essa comparação me faz ter mais
raiva de mim e daquela mortal que não ouso mais sequer pensar no nome!
Chegamos aos portões dos Campos Elísios e Cérbero para em frente
a eles, se deita sobre as patas e enfia os focinhos em meio as grades brancas
e fica ali, às vezes dá um ganido, às vezes parece chorar baixinho.
Me sento ao lado dele, de costas para o portão, não quero sentir a
brisa. Não quero me lembrar dela. Estou me esforçando TODOS OS DIAS
para esquecer. Não quero!
Meu peito dói, minha cabeça dói. Eu tento não mostrar a todos como
isso está me afetando. Tento fazer tudo que fazia, exatamente igual a antes.
Mas alguma coisa mudou, eles notam. Não me olham mais nos olhos, se
esquivam de mim. Evitam minha presença, tanto quanto eu evito a deles. Até
mesmo Perséfone, nesses meses que se passaram, nunca mais sequer tentou
se aproximar. Também não sei do que eu seria capaz se ela tentasse tal coisa.
O único que ainda se mantém por perto é Cérbero. Estamos
passeando constantemente. Ele está mais agitado, mais mortal e mais triste.
Somos iguais.
— Mas eu não sou tolo o suficiente para ficar respirando essa brisa aí
e chorando, bicho burro — digo a ele, que me olha com as três cabeças, uma
arreganha os dentes e outra puxa minha roupa até me espremer contra a
grade.
A brisa me invade a alma, a sensação de paz, de lar, de “felicidade”,
tudo vem muito forte. É como se “ela” estivesse aqui, me abraçando.
Meus olhos se enchem de lágrimas e pela primeira vez na minha
imortalidade me deixo chorar, por mais patético que essa merda seja.
Limpo meu rosto e me levanto com raiva.
— Eu sou Hades! O deus dos mortos não chora! Tártaro!!!
— Todo mundo chora, meu filho — me viro em direção à voz que
me chama de “filho” e dou de cara com Reia.
— Reia? O que faz em meus domínios? Veio visitar seu ex-marido?
— fecho a cara para minha “mãe”.
— Não. Vim visitar meu filho, que está precisando de mim.
— Então se enganou de endereço, Zeus mora no Monte Olimpo —
puxo a corrente de Cérbero e me viro para sair daqui.
— Não me refiro a Zeus, me refiro a você, menino teimoso!
— Pois está duplamente enganada, não sou teimoso, muito menos
seu filho. Perdeu a viagem. Acho melhor voltar pelo caminho de onde veio.
— Você nunca me perdoou. Em todos esses séculos, você nunca
entendeu.
— Não tenho o que entender e se procura perdão, não vai achá-lo no
Submundo, todos sabem disso — desta vez me viro para ela, erguendo o
rosto para poder encará-la nos olhos.
— Cronos sempre foi muito forte, muito intimidador, eu vivi
momentos de terror ao lado dele, de medo constante, eu sabia que um dia
poderia salvar vocês, eu só tinha que esperar.
— Sim, esperar Zeus nascer. O lindo menino de olhos azuis e cabelos
loirinhos. Os outros que se ferrassem se não teriam infância, nem porra
nenhuma! Se desconhecessem o que era amor e só vivessem com ódio
dentro de si. O que você poderia fazer, não é? Era só a mãe deles!
Ela se cala por alguns momentos, e quando eu acho que não irá falar
mais nada, ela continua:
— Sempre tentei fazer com que vocês encontrassem o amor, Hades.
Quem você acha que convenceu Afrodite e Eros a fazer você se apaixonar
por Perséfone?
— Do que está falando? Foi você que...?
— Não deu muito certo, confesso, mas eu tentei. Então, quando vi
que isso o deixava mais infeliz do que feliz, tentei de novo. Desta vez com
uma mortal.
— O que você fez? Eu encontrei a mortal sozinho!
Ela ri, me fazendo queimar mais ainda de raiva.
— Acha mesmo que foi você quem a encontrou “sozinho”? Desde o
início, Hades, desde que vi que você estava infeliz no seu casamento, tão
solitário a ponto de abrir mão dele, que procuro por uma flor rara, aquela que
brota em meio às pedras, aquela que mesmo com toda diversidade, insiste
em viver e florescer. Carolina lhe contou sobre seus pais?
Estreito os olhos para ela e respondo com cautela:
— Sim, contou. É órfã — digo apenas.
Lembro da tristeza que ela tinha ao me dizer isso.
— Muitas crianças são abandonadas pelos mortais, ainda nos dias de
hoje. Busquei os antigos oráculos para saber como seria a pessoa, mortal ou
não, que faria meu filho se apaixonar. A resposta foi interessante: alguém
que enxergasse além dos olhos, que o visse com a alma, uma mortal pura de
coração e que mesmo sem receber amor, tinha tanto dele dentro de si que o
poder dela tocaria o seu. Esse é o poder de Carolina, Hades, maior talvez do
que o seu e o meu. Ela sabe criar amor, mesmo sem nunca ter recebido
nenhum.
— Me deixe terminar, Hades — ela diz, quando faço menção de
interrompê-la. — Como deusa da maternidade, pedi ajuda para Ilítia, Hebe e
até mesmo Hera, mas não disse o motivo. Estávamos esperando por essa
criança há séculos. Então Hera mandou Íris até mim com um recado, que
uma menina cega tinha nascido e sido abandonada logo em seguida, deixada
para morrer em um beco em meio a lixos. Poderia ser ela. Pedi para Íris me
trazer a criança, Íris conta que quando chegou, a menina estava chorando
baixinho, quase roxa de frio, entre a vida e a morte, porém quando a pegou
no colo, a bebê parou de chorar e procurou por seu peito, e quando ela tentou
tirar, a menina de olhos brancos segurou seu dedo e não quis mais largar.
Sabe que Íris nunca teve filhos, ela disse que naquele momento ela se
emocionou. Um ser tão pequeno, tão miserável, abandonado para morrer no
meio do lixo, querer tão desesperadamente um pouco de carinho, alguém
que o protegesse. Então, uma de suas lágrimas caiu sobre o rostinho azulado
de frio e depois mais uma. Íris a aconchegou nos braços, a esquentou e
depois a trouxe a mim. Não imagina a nossa surpresa, quando ela chegou
com um bebê de olhos vivos e coloridos!
— É por causa de Íris que os olhos daquela mortal são coloridos?
— Sim, a deusa do arco-íris, a que une os deuses e mortais. Por isso
Carolina consegue nos distinguir, mas só vê nossos âmagos, o que há dentro
de cada um por seu dom, dela e unicamente dela. Na verdade, acho que até
mesmo quando era bebê ela já fez isso com Íris.
— Era por isso que Íris vivia me pedindo para tomar hidromel? Para
me contar?
Reia ri.
— Acho que ela queria contar, ou talvez apenas conhecê-lo melhor,
já que estava de certa forma, criando Carolina.
—Quê???!
— Ela quis ficar encarregada da segurança da menina. Primeiro ficou
no orfanato, sempre por perto, mas sem interferir. Depois virou uma dona de
pensão. A única que não gostou muito foi Hera, de perder sua dama de
companhia, mas eu disse que Íris estava trabalhando para mim, então ela não
tinha muito o que discutir.
Passo a mão pelos cabelos, que queimam sem parar agora.
— Você “criou” aquela mortal para mim? É isso?
Ela se irrita:
— Não seja arrogante, mocinho! Carolina é poderosa, é especial. Ela,
assim como você e eu, existe por um propósito maior do que você ou seus
herdeiros. Vocês estarem destinados a serem um casal é algo que você deve
agradecer todos os dias daqui para frente.
— Não seremos um casal —Afirmo. — Ela me teme. Me viu como
sou de verdade e me teme.
— Está enganado. Você é um deus que merece o amor, isso tudo que
guarda dentro de si e está deixando escapar ultimamente não é você.
— Não estou deixando nada escapar.
Ela me encara, fazendo-me calar.
— Não notou suas chamas esverdeadas? Ou quem sabe a névoa de
sombras que agora caminha com você? Quem sabe os olhos totalmente
escuros? Ou o ódio sem medida que está jogando em todos que passam pelo
seu caminho? Ouvi dizer que nunca foram tantas almas para o Tártaro.
— O Submundo está infestado de fofoqueiros metidos! Hunf! —
ergo o queixo. — O Tártaro tem muito lugar ainda e estou muito bem,
obrigado.
Não demonstro que não tinha me dado conta de que era por causa do
meu lado sombrio que estava saindo o motivo para que todos praticamente
corressem quando me viam. Na verdade, desde aquele dia em que “ela”
fugiu de mim ao me ver, após eu salvar a sua vida daquele titã desgraçado,
eu nunca mais voltei ao meu “normal”.
“Normal”, na verdade, era só um disfarce.
— Este sou eu — concluo para mim mesmo e para Reia. — É bom
que todos vejam, não tenho mais motivos para esconder. Se não gostam, que
fujam. Já estou acostumado.
— Não tente mentir para mim, mocinho. Nada do que diga muda o
fato de você estar neste estado, aqui e chorando quando cheguei. Pare de
tentar me enganar e de se enganar. Já passou tempo demais. Você deve
procurá-la…
— Nunca! — respondo com veemência. — Prefiro me jogar no
Flegetonte do que ver aquela mortal fugir aterrorizada de mim outra vez.
Confesso sem querer, mas não poder falar com ninguém sobre o
assunto está me deixando louco! E ainda mais agora que sei tudo o que
aconteceu com... aquela mortal.
— Não foi de você que ela fugiu, foi de toda a situação.
— Como sabe? De que situação se refere?!
— Por Gaia! Você está tão cego pelo seu próprio ego ferido que não
notou?! Achou que fazer de sua amante a menina que o ama, enquanto ela se
encontra com sua esposa aqui no mesmo ambiente em que ela estava com
você… deixá-la ver o Tártaro, que para os mortais é o “inferno” e se
apresentando como um verdadeiro diabo, enquanto despedaça um titã na
frente dela... ela, Carolina, doce e inocente, iria fazer o quê? Me diga,
Hades? O que pensou que sua destinada iria fazer?
— Como sabe de tudo isso?! — pergunto estupefato.
Mas a verdade é que não tinha visto as coisas desta forma.
— Hermes me contou, e me contou outras coisas também, como por
exemplo, que ajudou Perséfone a libertar o titã e tudo foi parte de um plano
com intenções pouco louváveis para com sua mortal.
— O quê?! — eu urro, me pondo em chamas, deixando tudo
explodir.
— Se acalme, Hades. Hermes se arrependeu e está disposto a ajudar
no que for preciso. O que importa agora é você encontrar Carolina, já passou
muito tempo.
— Eu não vou me encontrar com ela. Eu vou queimar aqueles dois
desgraçados! Vou torrar um por um e acorrentar dentro do…
— Vai deixar de lado sua destinada e o que ela carrega para matar?
Não sei se essa é a melhor saída, mas faça o que quiser.— ela se vira para ir
embora.
Eu levo mais alguns segundos para distinguir o que ela disse.
— Não sei se entendi bem o que disse, Reia.
Ela se volta e me encara.
— Eu disse que você tem duas opções: o amor que tanto quis, ou o
ódio que está acostumado. De um lado tem Carolina, filhos, perdão, amor,
paz… De outro, tem você matando, torturando, queimando e vivendo no
inferno feito por você mesmo, e acima de tudo: sozinho. A escolha é sua,
Hades.
E dizendo isso, ela se afasta.
Eu não me mexo e deixo-a ir. Ela não deveria estar aqui, muito
menos falando comigo desse jeito. Eu faço o que quero da minha existência!
E vou acabar agora mesmo com Perséfone e Hermes, aqueles miseráveis
malditos!
Caminho a passos duros, pondo o meu lado sombrio outra vez
totalmente para fora, as almas podres chegando perto, a névoa escura se
libertando totalmente…
Cérbero puxa a corrente outra vez, eu a seguro com força, mas ele
também é forte e puxa de solavanco mais uma vez, em direção ao portão dos
Campos Elíseos.
Eu o seguro.
— Pare com isso, animal estúpido! — reclamo.
Uma das cabeças rosna para mim, outra chora baixinho e a última
apenas tenta voltar para os portões, para a brisa.
Eu caminho com ele até lá. Devagar o deixo ir, em sua ansiedade. Ele
faz a mesma coisa que fez antes: se deita com os focinhos em meio às
grades. Eu continuo de pé, olhando lá para dentro. Vejo as folhas das árvores
balançarem, os pássaros voando, borboletas brincando uma com a outra.
Dou um passo para frente e fecho os olhos. A brisa parece invadir minha
alma, me tocar, assim como as músicas de Orfeu fazem comigo.
Talvez seja por isso que as músicas dele tem sido tão insuportáveis
para mim agora. Sei exatamente a dor que ele está sentindo e o que diz com
elas em cada estrofe. A dor, a saudade, a melancolia e a nostalgia.
Lembro outra vez da minha aeráki, da paz, das nossas conversas e
risadas, da presença dela. Mais do que punir, eu a quero junto de mim. Mais
do que ferrar com tudo, eu quero ser feliz.
Sinto, depois de muito tempo, minhas chamas se apagarem de vez, e
meu lado sombrio voltar para dentro de mim.
Olho para baixo, para Cérbero, ainda deitado na mesma posição.
Cérbero fez a escolha dele.
E eu também vou fazer a minha, vou começar indo para os Campos
de Asfódelos, tem alguém lá que eu preciso buscar. Depois vou visitar minha
mãe e achar outra vez minha destinada.
Capítulo XXXIV
FINAL
Carolina
Não sou muito de usar a coroa, já que ela pesa e tenho medo dela cair, igual
dizem "levanta quem cedo madruga, senão a coroa cai". Ou quase isso… Sei
lá, mas hoje é uma ocasião especial. Hades convidou algumas pessoas para
conhecerem os gêmeos.
Os gêmeos têm um quarto enorme e lindo ao lado do nosso. Dois
berços de ouro, envoltos naquele tecido preto que não pega fogo. Tudo é
muito lindo e digno dos príncipes do Submundo, ou de qualquer mundo.
Sinto a presença de Hades, antes que ele me abrace por trás.
— Estão dormindo, nossos anjinhos? — ele pergunta ao meu ouvido.
— Sim — digo sorrindo. — Sua mãe acabou de colocar eles no
berço.
— Sim, eu encontrei com Íris e ela no corredor, com Cérbero, achei
que ele não iria mais sair de perto de você.
— Acho que ele também gosta delas — digo e vejo-o revirar os
olhos. — Deixe de ser ciumento, Cérbero também te ama.
Ele revira mais uma vez os olhos e eu o empurro de leve. Recebo um
beijo no ombro.
— Amo, seu irmão chegou — Orfeu anuncia e eu sorrio para ele, que
está visivelmente feliz.
— Olá, Poseidon — eu comprimento Poseidon, dando um beijo de
leve na face dele. — Orfeu, poderia pedir para sua esposa vir dar uma
olhadinha nos gêmeos para mim?
— Claro, ama. Eurídice já virá.
— Orfeu, não me chame de ama, pelo amor de Deus!
— Não adianta, minha brisa, ele teima nisso — Hades se adianta para
cumprimentar Poseidon.
Orfeu, não mais Hso, sorri feliz. Coloca a mão no peito, se inclina e
sai.
O tamanho da minha surpresa quando cheguei no palácio e dei de
cara com a esposa dele aqui foi gigantesca.
Hades disse que sentiu na pele o que era ficar longe de quem se
amava e quis amenizar o sofrimento dos dois.
Perséfone foi banida para sempre do Submundo e Hermes ainda
trabalha aqui, mas fazendo mil e uma atividades, até limpar o cocô de
Cérbero. E ele faz sem reclamar. Sei que ele se arrependeu no último
momento, mas não deixo ele se aproximar mais. E Hades já mandou Cérbero
engoli-lo se ele chegar perto de mim ou dos bebês. Por isso Cérbero está
mais próximo de nós.
Eu agora ajudo Hades nos julgamentos. Acho que o Submundo está
conhecendo o que é perdão e misericórdia, talvez estivesse precisando de
uma mudança. Talvez o mundo precise apenas de um pouco mais de amor.
E falando nisso… chego mais perto dos dois irmãos, que estão
debruçados nos berços.
— Como pode os dois serem tão parecidos com você e mesmo assim
tão bonitos? — Poseidon pergunta.
— Hunf! — Hades responde. — Mas não vou rebater, porque eu
mesmo me faço essa pergunta o tempo todo.
Isso faz Poseidon soltar sua gargalhada, o que acorda os bebês, que já
estão pegando fogo.
— Eles pegam fogo?! Por Raia, irmão, você fez o trabalho bem-feito
mesmo, sabia que meus conselhos iriam funcionar. Foi a água, não foi?
Tenho certeza de que foi — Poseidon ri mais um pouco.
— Além de vir molhar todo meu palácio, ainda acorda meus filhos,
lambari? — Hades reclama, mas está todo orgulhoso e se inclina pegando
Helena.
— Lambari?! Lambari?! — Poseidon repete, fingindo estar ofendido.
Vou e pego Lucca e me aproximo de Poseidon.
— Parabéns, Carolina. Além de aguentar esse ranzinza, teve filhos
lindos. Estou sabendo que os julgamentos estão mudando e o Submundo está
um lugar mais agradável… Meu irmão tem muita sorte — ele sorri
genuinamente, tirando o inseparável charuto de dentro do bolso da calça.
— Não ouse ligar essa merda aqui dentro, Poseidon! — Hades ruge.
Poseidon dá um suspiro alto, mostra o charuto apagado e com gesto
dramático guarda-o outra vez no bolso, em seguida ergue as mãos se
rendendo.
— Tenho uma coisa para você — cochicho para ele, que ergue uma
sobrancelha.
Vou até uma caixinha de música que tem aqui no quarto das crianças
e retiro de lá o meu presente para Poseidon e lhe estendo.
— Desculpa a demora, eu queria ter entregado antes.
Ele olha chocado para a joia que lhe estendo.
— O medalhão! — diz, antes de pegar com todo cuidado do mundo.
— Sim, consegui uma barganha com as Fúrias.
— Eu… Eu nem sei como agradecer… eu… — ele se chega mais e
me abraça.
— Ei! — a voz de Hades é de advertência.
— Insuportável de chato, esse seu marido, Carolina. Um verdadeiro
xarope — Poseidon diz em voz alta, enquanto se afasta, para depois
sussurrar um "muito obrigado".
Nisso Atena entra falando em bom tom:
— Caronte já está achando que é o avô desses bebês! Falou tanto
deles durante a viagem de barco e em como ele tem o privilégio de ver os
herdeiros do Submundo, “todos os dias”, que agora fiquei com inveja. Então
estou me convidando para passar umas férias aqui… Oh, como são lindos!
— ela chega perto das crianças e após dar atenção a eles, cumprimenta todos
os outros que estão no aposento.
— Poseidon os acordou com a sua gargalhada espalhafatosa —
Hades entrega o outro, sem ninguém perguntar nada.
Atena ri baixinho.
Poseidon ergue as mãos de novo, como se rendendo, mas em seguida
o vejo mirar o medalhão, com olhar perdido.
— Poseidon, tem mais uma coisa… Minha mãe, íris, me ajudou em
uma questão e se você quiser… — eu o chamo e ele ergue uma sobrancelha
e eu termino de concluir: — Se você quiser, sabemos onde ela está e
podemos te ajudar.
Vejo o olhar dele se acender, a esperança iluminando tudo
— Ajudar o que? — Atena pergunta, enquanto chega perto de Hades
e pega Helena do colo dele.
— Ajudar o meu irmão aventureiro a encontrar a amada dele —
Hades diz simplesmente, como se não fosse um segredo.
Poseidon me olha querendo me matar.
— Ah, eu posso ajudar. Sou muito boa nisso — Atena comenta sem
modéstia, olhando para Helena em seus braços e não para mim, que estou
fazendo o gesto de "não, não" desesperadamente com a cabeça.
— É mesmo, deusa da estratégia? Você entende de romance
também? — Hades fala para ela, mas olha para mim, curioso.
— Claro! Ou Carolina não lhe contou de quem foi a ideia de fazê-la
pular para a morte naquele penhasco?
Fecho os olhos com força e escuto ao mesmo tempo Hades gritando
um "O QUÊ?!" e a gargalhada "espalhafatosa" de Poseidon.
Mas que bela família eu fui arrumar…
Família.
Minha família.
Nenhum perfeito, mas totalmente especiais para mim.
Quando eu abro os olhos outra vez, pouso o olhar em cada um deles.
Poseidon ainda olhando sonhadoramente para o medalhão, mas
quando nota que está sendo observado pisca um olho e me dá um sorriso
com covinhas.
Atena, inteligente, elegante, sorrindo para Helena, parecendo estar
alheia a tudo, pegando a menina desajeitadamente, como se ela fosse feita de
vidro.
Hades, me encarando intensamente.
— Minha Brisa? — Hades estranha minha atitude, pois meus olhos
estão marejados. — Você está bem?
— Sim, meu amor. Estou muito bem — digo sorrindo e sou
recompensada pelo seu sorriso lindo. Vejo as chamas lilases que brilham nos
seus cabelos e que aquecem meu coração, assim como sei, agora, que
aquecem o dele também.
Eu, Carolina Mattos, estou muito bem.
FIM.
Próximo livro da série
INESQUECÍVEL POSEIDON
Série deuses gregos livro II
[1] Como os antigos gregos definiriam o “inferno”.
[2] Como os antigos gregos definiriam o “paraíso”.
[3] pterugues= saiote grego, romano, espartano antigo feito de tiras de couro, algodão e reforçado
com metal. Era usado como uniforme de soldados e guerreiros.
[4] perizoma= tipo de cuecas que pareciam fraldas reforçadas de algodão (igual à do Spartacus)