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Dietrich Bonhoeffer – Da estupidez

“Nunca se há de convencer o estúpido pela razão – é inútil e perigoso. Para saber lidar com a
estupidez, é preciso antes procurar entender sua natureza“. Texto de Dietrich Bonhoeffer, pastor e
teólogo alemão conhecido por sua oposição ao nazismo, publicado originalmente no livro
Widerstand und Ergebung. Briefe und Aufzeichnungen aus der Haft. Seus laços com a
conspiração de 20 de julho de 1944 para derrubar o regime nazista levaram à sua execução em
1945. Seus escritos teológicos são considerados clássicos em todo o mundo cristão.

A estupidez é mais perigosa que a maldade. Contra o mal se pode protestar; o mal pode ser
exposto, revelado; pode também ser evitado, se necessário, até pela força; o mal sempre carrega
o germe da autodecomposição, deixando pelo menos um desconforto naquele que o pratica.
Diversamente, não há como se defender da estupidez. Nada pode ser feito aqui com protestos ou
com violência; razões não a convencem; simplesmente não se dá crédito a fatos que contradigam
o próprio preconceito – em tais casos, o estúpido se torna ainda mais resistente – e se esses fatos
são incontestáveis, podem com facilidade ser postos de lado como casos isolados e sem sentido.

O estúpido, ao contrário da pessoa má, sente-se completamente satisfeito consigo mesmo; sim,
ele até se torna perigoso, enfurecendo-se facilmente quando é refutado. Portanto, a relação com o
estúpido exige muito mais cautela do que com a pessoa má. Nunca se há de convencer o
estúpido pela razão – é inútil e perigoso. Para saber lidar com a estupidez, é preciso antes
procurar entender sua natureza. Não se trata essencialmente de um defeito intelectual, mas algo
que atinge a humanidade do sujeito. Tanto é assim que existem pessoas de inteligência
extraordinariamente ágil que são estúpidas e pessoas intelectualmente pesadas que podem ser
tudo, menos estúpidas.

Para nossa surpresa, chegamos à seguinte conclusão: parece que a estupidez não é
propriamente um defeito congênito, mas um processo em que as pessoas se tornam estúpidas
sob certas circunstâncias, ou deixam-se fazer estúpidas de forma recíproca. Também observamos
que a estupidez aparece mais em pessoas ou grupos propensos ou condenados a viver em
comum do que em pessoas mais fechadas, reservadas e solitárias. Assim, parece que a estupidez
é um problema mais sociológico do que psicológico. É uma forma especial de influência das
circunstâncias históricas sobre o homem, isto é, uma consequência psicológica de certas
circunstâncias externas. Em uma análise mais detalhada, verifica-se que toda forte expansão
externa do poder, seja política ou religiosa, golpeia um grande número de pessoas com estupidez.
Sim, parece que é uma lei psicológica e sociológica. O poder de alguém precisa da estupidez de
outrem.

O processo não é que, de repente, algumas faculdades – como a intelectual – definhem ou


fracassem, mas sim que a independência interna da pessoa vai sendo roubada pela impressão
esmagadora do desenvolvimento do poder, até que – mais ou menos inconscientemente – essa
pessoa renuncia a encontrar seu próprio comportamento em relação às situações que a vida lhe
apresenta.

O fato de o estúpido ser muitas vezes teimoso não significa que ele seja independente.
Conversando com ele, você quase pode sentir que seu discurso nem sequer tem a ver com ele
mesmo, com aquilo que o constitui. Trata-se de frases de efeito, slogans e chavões que se
apoderaram dele. Ele está enfeitiçado, cego, abusado e maltratado em sua própria natureza.
Tornando-se assim um instrumento sem vontade própria, o estúpido será capaz de todo o mal e,
ao mesmo tempo, incapaz de reconhecer-se mau ou de reconhecer maldade em seus atos. Aqui
está o perigo de um abuso diabólico. Como resultado, as pessoas serão destruídas para sempre.

Disso decorre que somente um ato de liberação – e não um ato de instrução – poderá superar a
estupidez. Na grande maioria dos casos, para superar a estupidez, a pessoa terá de aceitar que
uma genuína libertação interior só se tornará possível após a libertação externa; até então, sem
essa condição, teremos que desistir de todas as tentativas de convencer os estúpidos. A
propósito, nesse estado de coisas, fica bem claro que em tais circunstâncias é vão tentar saber o
que “o povo” realmente pensa, mesmo porque, ao mesmo tempo – nessas dadas circunstâncias –
qualquer resposta seria supérflua para o pensador e realizador responsável.

A Palavra da Bíblia que diz que o temor de Deus é o começo da sabedoria (Salmos 111: 10); diz
que a liberação interior dos humanos, para uma vida responsável diante de Deus, é a única
verdadeira superação da estupidez.

De resto, esses pensamentos sobre a estupidez são reconfortantes, pois não permitem tratar a
maioria das pessoas como estúpidas a todo custo. Realmente, isso dependerá da tendência dos
Poderes Instituídos, vale dizer, se querem tornar seu povo estúpido ou se buscam a
independência interior e sabedoria de seus governados.

Fonte: Unisinos
Tradução de Petronella Maria Boonen

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