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Kistemaker
As
Parábolas
de
JESUS
Tradução:
Eunice Pereira de Souza
Produzido em Português com
autorização do
próprio Autor
Diretoria Executiva:
Diretor-Presidentc: Addy Félix de Carvalho
Diretor-Editor: Valter Graciano Martins
Diretor-Comercial: Edezildo Barros Corrêa
Revisão:
Valter Graciano Martins
Rosivaldo Cabral dos Santos
Gecy Soares de Macêdo
Arte:
Jader de Almeida
Composição:
Zenaide Rissato dos Santos
Dezembro de 1992
Valter Graciano Martins
Editor
Prefácio
.L/ivros sobre parábolas, escritos a partir de uma perspectiva evangé
lica, são poucos e, a maior parte das vezes, desatualizados: muitos dos que
foram publicados deixaram de ser reeditados. Ao escrever este livro, procu
rei ir ao encontro da necessidade do pastor que deseja consultar um livro
evangélico que contenha todas as parábolas de Jesus e a maior parte do que
é dito sobre elas nos Evangelhos Sinóticos.
Este livro procura atingir o nível adequado de pastores teologicamente
treinados. Tendo os pormenores técnicos sido restringidos a notas de roda
pé, o texto, em si, pode ser de grande ajuda a qualquer um que pretenda
estudar seriamente a Bíblia. O livro apresenta uma bibliografia selecionada.
Muitas pessoas colaboraram para tornar este livro uma realidade.
Quero expressar meus agradecimentos ao Seminário Teológico Reformado
por me ter liberado do trabalho aos sábados; ao diretor e bibliotecário da
Livraria Tyndale, em Cambridge, Inglaterra; a meus alunos assistentes, Dana
W. Casey, Edward Y. Hopkins e James Theodore Lester; à minha secretária,
Mrs. Kathleen Sapp; à minha esposa, Jean, que datilografou o manuscrito;
e aos revisores, Mrs. Mary L. Hulton e P. Ronald Carr.
Possa este livro ajudar os pastores a preparar seus sermões a respeito
das parábolas de Jesus.
Simom J. Kistemaker
1980
s
LU
índice
1
m
/ °
Abrewaíuras ..................................................................................... 13
Introdução........................................................................................... 15
1. O sal da te r r a .................................................................................. 29
Mt 5.13 Lc 14.34,35>
2. Os dois fundamentos .................................................................. 31
Mt 7.24-27 Lc 6.4749
4. Meninos na praça .........................................................................35
Mt 11.16-19 Lc 7.31-35
4 .0 semeador . ........................................ ^
Mt 13.3-8 Mc 4.3-8 Lc 8.5-8
5. A semente ........................................................................ 53
Mt 4.26-29 -
6. O joio ................................................................................. 57
Mt 13.24-30
7. O grão de mostarda .....................................................
Mt 13.31,32 Mc 4.30-32 Lc 13.18,19
8. O ferm en to ....................................................................
Mt 13.33 Lc 13.20,21
9. O tesouro escondido........................................................ 73
Mt 13.44
10. A p é r o la .......................................................................... 73
Mt 13.45,46
11. A r e d e ............................................................................. 79
Mt 13.47-50
12.0 credor incompassivo.................................................. 85
Mt 18.21-35
13. Os trabalhadores na v in h a ...................... 93
Mt 20.1-16
14. Os dois filhos ................................................................. 105
Mt 21.28-32
15. Os lavradores m aus....................................................... 109
Mt 21.33-46 Mc 12.1-12 Lc 20.9-19
16. As b o d a s.......................................................................... 121
Mt 22.1-14
17. A figueira ........................................ ............................. 129
Mt 24.32-35 Mc 13.28-31 Lc 21.29-33
18. O servo vigilante ........................................................... 135
Mc 13.32-37 Lc 12.35-38
19.0 la d r ã o .......................................................................... 141
Mt 24.4244 Lc 12.39,40
20. O servo fiel e prudente.................................................. 145
Mt 24.45-51 Lc 12.4146
21. As dez virgens................................................................. 151
Mt 25.1-13
22. Os talentos .................................................................... 159
Mt 25.14-30
Livros da Bíblia
Gn Jr Lc
Êx Lm Jo
Lv Ez At
Nm Dn Rm
Dt Os 1,2 Co
Js J1 Gl
Jz Am Ef
Rt Ob Fp
1,2 Sm Jn Cl
1,2 Rs Mq 1,2 Ts
1,2 Cr Na 1,2 Tm
Ed Hc Tt
Ne Sf Fm
Et Ag Hb
Jó Zc Tg
SI Ml 1,2 Pe
Pv 1,2,3, Jo
Ec Mt Jd
Ct Mc Ap
Is
Introdução
C o m muita freqüência, os jornais trazem, junto aos editoriais, com
destaque, uma caricatura. Com poucas linhas, o artista traça o esboço
humorístico de um fato político, social ou econômico, atual. Através do
desenho ele transmite uma mensagem contundente e direta, cuja eloqüência
um redator dificilmente poderia alcançar.
Contando parábolas, Jesus desenhava quadros verbais que retratavam
o mundo ao seu redor. Ensinando através das parábolas, ele descrevia aquilo
que acontecia na vida real. Isto é, ele usava uma história tirada do cotidiano,
para, através de um fato já aceito e conhecido, ensinar uma nova lição. Essa
lição, na maior parte das vezes, vinha no final da história e provocava um
impacto que precisava de tempo para ser entendido e assimilado. Quando
ouvimos uma parábola, acenamos com a cabeça, concordando, porque a
história é como a vida real e fácil de ser entendida. No entanto, mesmo que
se ouça a aplicação da parábola, ela nem sempre é compreendida. Vemos a
história se desenrolar diante de nossos olhos, mas nem sempre percebemos
seu significado.1 A verdade permanece escondida até que nossos olhos se
abram e possamos vê-la mais claramente. Então, a nova lição da parábola se
torna significativa. Como Jesus disse a seus discípulos: “A vós outros vos é
dado o mistério do reino de Deus, mas aos de fora tudo se ensina por meio
de parábolas” (Mc 4.11).
Formas
A palavra parábola, no Novo Testamento, tem uma conotação ampla
que inclui formas de parábolas que são, geralmente, divididas em três
categorias2. Há as autênticas parábolas, histórias em forma de parábolas e
ilustrações.
1. R. Schippers, “The Mashal-character of the Parable of the Pearl”, em Studia Evangélica, ed.
F. L. Cross (Berlin: Akademie-Verlag, 1964), 2:237.
2. F. Haucck, TDNT, V:752.
1. PARÁBOLAS AUTÊNTICAS. Essas usam como ilustração um
fato comum do dia-a-dia, e são facilmente compreendidas por qualquer um
que as ouça. Qualquer pessoa entende a verdade transmitida; não há motivo
para objeção ou crítica. Todos já viram uma semente germinar (Mc 4.26-29);
o fermento levedando a massa (Mt 13.33); crianças brincando numa praça
(Mt 11.16-19; Lc 7.31,32); uma ovelha desgarrada do rebanho (Mt 18.12-14);
uma mulher que perde uma moeda em sua própria casa (Lc 15.8-10). Essas
e muitas outras parábolas começam retratando verdades evidentes a respeito
da natureza do homem. São contadas, usualmente, no presente.
2. HISTÓRIAS EM FORMA DE PARÁBOLAS. Diferindo das pa
rábolas autênticas, a história em forma de parábola não se relaciona com
uma verdade óbvia ou com um costume geralmente aceito. A verdadeira
parábola é contada como um falo, com o verbo no presente. A história em
forma de parábola, por outro lado, se refere a um acontecimento em
particular, que teve lugar no passado — geralmente a experiência de uma
pessoa. É, por exemplo, a experiência de um fazendeiro que semeou trigo e,
mais tarde, percebeu que seu inimigo semeara o joio no mesmo pedaço de
chão (Mt 13.24-30). É a história de um homem rico, cujo administrador
defraudou os seus bens (Lc 16.1-9); ou, é o relato a respeito de um juiz que
julgou a causa de uma viúva atendendo a seus inúmeros pedidos (Lc 18.1-8).
O interesse dessas histórias não está na narrativa, porque o que é significativo
nelas não é o fato, mas a verdade transmitida.
3. ILUSTRAÇÕES. As histórias ilustrativas registradas no Evangelho
de Lucas são, geralmente, classificadas como histórias que servem de mo
delo, de exemplo. Incluem a parábola do bom samaritano (Lc 10.30-37); a
parábola do rico insensato (Lc 12.16-21); a parábola do rico e Lázaro (Lc
16.19-31); e a parábola do fariseu e o publicano (Lc 18.9-14). Essas ilustra
ções diferem das histórias em forma de parábolas pelo seu propósito. En
quanto a história em forma de parábola é uma analogia, as ilustrações
contêm exemplos a serem imitados ou evitados. Elas focalizam, diretamente,
o caráter e a conduta de um indivíduo; a história em forma de parábola faz
isso apenas indiretamente.
Nem sempre é simples classificar uma parábola. Algumas delas apre
sentam características dos dois grupos —da autêntica parábola e da história
em forma de parábola — e podem ser classificadas de um modo ou de outro.
Os Evangelhos registram, também, numerosas afirmações em forma de
parábola. E, muitas vezes, difícil determinar quando uma declaração de
Jesus constitui uma autêntica parábola, ou quando é uma declaração em
forma de parábola. O ensinamento de Jesus a respeito do fermento (Lc
13.20,21) é classificado como uma verdadeira parábola, mas sua mensagem
sobre o sal (Lc 14.34,35) é considerada uma afirmação em forma de parábo
la. No entanto, algumas declarações de Jesus são apresentadas como pará
bolas. Por exemplo: “Propôs-lhe também uma parábola: Pode porventura
um cego guiar a outro cego? Não cairão ambos no barranco?” (Lc 6.39).
No que uma parábola difere de uma alegoria? O Peregrino de John
Bunyan é uma representação alegórica do caminhar de um cristão pela vida.
Os nomes e as circunstâncias encontrados no livro representam a realidade.
Cada fato, cada característica ou afirmação são simbólicos e devem ser
interpretados ponto a ponto em seu significado real para que possam ser
corretamente entendidos. Uma parábola, por sua vez, é fiel à vida e ensina,
geralmente, apenas uma verdade básica. Em suas parábolas, Jesus usou
muitas metáforas, como, por exemplo, um rei, servos e virgens, mas estas
nunca se afastaram da realidade. Não estão nunca relacionadas com um
mundo de fantasia ou ficção. São histórias e exemplos tirados do mundo em
que Jesus vivia e transmitem uma verdade espiritual, através da comparação.
Os pormenores da história são o sustentáculo da mensagem que a parábola
transmite. Não devem ser analisadas ponto a ponto e interpretadas como
uma alegoria, pois perderiam o seu significado.
Composição
Embora, de um modo geral, seja verdade que uma parábola ensina
somente uma lição básica, esta regra nem sempre é definitiva. Algumas das
parábolas de Jesus têm composição complexa. A composição da parábola
do semeador apresenta quatro partes e cada parte pede uma interpretação.
Do mesmo modo, a parábola sobre as bodas não é uma história única, pois
tem acrescentada uma parte a respeito de um convidado que não está usando
roupas apropriadas para a ocasião. Também, a conclusão da parábola sobre
os lavradores maus se desvia do cenário da vinha para o de construtores e
seus negócios. Por causa dessa complexidade, é sensato o exegeta não
prender-se a um ponto único na interpretação da composição das parábolas.
Ao ler as parábolas de Jesus, nós nos perguntamos por que são
deixados de lado vários detalhes que deveriam fazer parte da história. Por
exemplo, na história do amigo que bate à porta de seu vizinho, no meio da
noite, para pedir três pães, a mulher do vizinho não é mencionada. Na
parábola do filho pródigo, o pai é uma figura marcante, mas nem uma palavra
é dita a respeito da mãe. A parábola das dez virgens apresenta o noivo, mas
ignora completamente a noiva. Esses pormenores, entretanto, não são rele
vantes na composição geral das parábolas, especialmente se compreender
mos o artifício literário das tríades, muitas vezes usado nas parábolas de
Jesus. Na parábola do amigo que vem bater à porta no meio da noite, há três
XVll
personagens: o viajante, o amigo e o vizinho. A parábola do filho pródigo
também fala de três pessoas: o pai, o filho mais jovem e o irmão mais velho.
Na história das dez virgens, encontramos três elementos: as cinco virgens
prudentes, as cinco virgens tolas e o noivo.
Além disso, nas parábolas de Jesus não é o começo da história o que
é importante, porém o seu final. A importância recai sobre a última pessoa
mencionada, o último feito ou a última declaração. O “efeito final” da
parábola é deliberadamente elaborado em sua composição3. Foi o samari-
tano que procurou aliviar a dor do homem ferido, não o sacerdote ou o levita.
Embora os dois servos que apresentaram cinco e dois talentos adicionais a
seu senhor tenham recebido louvor e elogios, foi o fato de ter enterrado seu
único talento na terra que trouxe ao terceiro servo escárnio e condenação.
Na parábola sobre o proprietário de terras que durante o dia contratou
homens para trabalhar em sua vinha e, às seis horas, ouviu reclamações de
alguns dos trabalhadores, o mais importante é a resposta do dono: “Amigo,
não te faço injustiça... são maus os teus olhos porque eu sou bom?” (Mt
20.13,15).
A arte de elaborar e contar parábolas, demonstrada por Jesus, não
encontra paralelo na literatura. Mas bem semelhantes às parábolas de Jesus
são aquelas dos antigos rabinos dos dois primeiros séculos da era cristã.
Essas parábolas eram apresentadas, comumente, com uma pergunta: “Uma
parábola: A que se assemelha?” Nessas parábolas, também, o artifício
literário da tríade e a ênfase final eram usados. Por exemplo:
Uma parábola: A que se assemelha? A um homem que estava viajando
pela estrada, quando encontrou um lobo. Conseguiu escapar dele e seguiu
adiante, relatando aos outros seu encontro com o lobo. Então, ele encontrou
um leão e escapou dele; e seguiu adiante, contando a todos o encontro com
o leão. A seguir, ele encontrou uma cobra e escapou dela. Após esse
acontecimento, ele se esqueceu dos dois anteriores e prosseguiu contando
o caso da cobra. Assim também é Israel: as últimas dificuldades o fazem
esquecer as primeiras.4
Entretanto, a semelhança entre as parábolas de Jesus e as dos rabinos
está apenas na forma. As parábolas dos rabinos, normalmente, são apresen
tadas para explicar ou elucidar a Lei, versículos das Escrituras, ou uma
doutrina. Elas não são usadas para ensinar novas verdades, como acontece
com as parábolas de Jesus. Através das parábolas, Jesus explicava os grandes
temas de seu ensinamento; o reino dos céus; o amor, a graça e a misericórdia
3. A. M. Hunter, The Parables Then and Now (London: Westminster Press, 1971), p. 12.
4 .1. Epstein, ed., “Seder Zeraim Berakoth 13a”, in The Babylonian Talmud (London: Soncino
Press, 1948); p.73.
de Deus; o governo e a volta do Filho de Deus; o modo de ser e o destino do
homem..5 Enquanto que as parábolas dos rabinos não ensinam senão a
aplicação da Lei, as de Jesus são parte da revelação de Deus ao homem. Em
suas parábolas, Jesus revela novas verdades, pois ele foi comissionado por
Deus para tornar conhecida a vontade e a Palavra de Deus. As parábolas de
Jesus, portanto, são a revelação de Deus; as dos rabinos, não.
Propósito
As parábolas mostram que Jesus estava perfeitamente familiarizado
com a vida humana em seus múltiplos aspectos e significados. Ele tinha
conhecimento de como cultivar a terra, lançar a semente, extirpar as ervas
daninhas e colher os frutos. Ele se sentia em casa, em uma vinha; sabia a
época da colheita dos frutos da videira e da figueira, e estava a par do quanto
se pagava por um dia de trabalho. Ele não apenas estava familiarizado com
a rotina do fazendeiro, do pescador, do construtor e do mercador, mas se
encontrava igualmente à vontade entre os chefes de Estado, os ministros das
finanças de uma corte real, os juizes das cortes de justiça, os fariseus e os
coletores de impostos. Ele compreendeu a pobreza de Lázaro, embora fosse
convidado para jantar com os ricos. Suas parábolas retratam a vida de
homens, mulheres e crianças; o pobre e o rico; os que são marginalizados e
os que são exaltados. Pelo seu conhecimento da amplitude da vida humana,
ele era capaz de ministrar a todas as camadas sociais. Ele falava a linguagem
do povo e seus ensinamentos eram adequados ao nível daqueles que o
ouviam. Jesus usava parábolas para tornar sua linguagem acessível ao povo,
para ensinar às multidões a Palavra de Deus, para chamar seus ouvintes ao
arrependimento e à fé, para desafiar os que criam a transformar palavras em
atos e para exortar seus seguidores a permanecerem atentos.
Jesus usou as parábolas para comunicar a mensagem de salvação de
um modo claro e simples. Seus ouvintes podiam, prontamente, entender a
história do filho pródigo, dos dois devedores, da grande ceia e do fariseu e
o publicano. Através das parábolas, eles identificavam Jesus com o Cristo
que ensina com autoridade a mensagem redentora do amor de Deus.
Dos relatos do Evangelho, todavia, tomamos conhecimento que a
interpretação das parábolas era feita em particular, no círculo dos discípu
los. Jesus lhes disse: “A vós outros é dado o mistério do reino de Deus, mas
aos de fora tudo se ensina por meio de parábolas, para que
5. Hauck, TDNT, V:758. J. Jeremias, na oitava edição de seu Die Gleichnisse Jesu (Gõttingen:
Vandenhoeck & Ruprecht, 1970), p. 8, faz notar que as parábolas de Jesus podem ter
contribuído para o desenvolvimento do gênero literário das parábolas dos rabinos.
vendo, vejam, e não percebam; e ouvindo, ouçam,
e não entendam, para que não venham a
converter-se e haja perdão para eles.”
(Mc 4.11,12).
Isso significa que Jesus, que foi enviado por Deus para proclamar a
redenção dos homens caídos e pecadores, esconde essa mensagem através
de parábolas incompreensíveis? As parábolas são, então, um tipo de enigma
compreendido apenas pelos iniciados?
As palavras de Marcos 4.11,12 devem ser entendidas no contexto mais
amplo, no qual o escritor as colocou.6 No capítulo anterior, Marcos relata
que Jesus encontrara descrença, blasfêmia e oposição direta. Ele foi acusado
de estar possuído por Belzebu e de expelir demônios, pelo príncipe dos
demônios (Mc 3.22). O contraste que Jesus apresenta, conseqüentemente,
é entre aqueles que acreditavam e os que não acreditavam, entre seguidores
e oponentes, entre os que aceitavam e os que rejeitavam a revelação de Deus.
Os que fazem a vontade de Deus recebem a mensagem das parábolas,
porque pertencem à família de Jesus (Mc 3.35). Os que tentam destruir Jesus
(Mc 3.6) não conhecem a salvação, por causa da dureza de seus corações. E
uma questão de fé e descrença. Os que acreditam ouvem as parábolas e as
recebem com fé e entendimento, mesmo que a completa compreensão
venha, apenas, gradualmente. Os incrédulos rejeitam as parábolas porque
elas são estranhas à sua maneira de pensar. Recusam-se a perceber e
entender a verdade de Deus. Assim, por causa de seus olhos cegòs e seus
ouvidos surdos, privam a si mesmos da salvação proclamada por Jesus, e
trazem sobre si mesmos o julgamento de Deus.
Não nos surpreende que os discípulos de Jesus não tenham entendido
completamente a parábola do semeador (Mc 4.13). Os seguidores mais
próximos estavam perplexos com os ensinamentos da parábola porque não
tinham visto ainda a importância da pessoa e do ministério de Jesus, em
6. J. Jeremias. The Parables of Jesus (New York: Scribner, 1063), pp. 13-18, sustenta que essas
palavras de Jesus foram deslocadas e pertencem a outro escrito; devem ser interpretadas
sem relação com o contexto de Marcos 4. De acordo com Jeremias, o escritor inseriu
passagem proveniente de outra tradição, por causa do sentido comum da palavra parábola,
que ele afirma significar, originalmente, enigma. Jeremias abribui, assim, dois sentidos à
palavra parábola, em Marcos 4. O primeiro significando parábola autêntica, e o segundo,
enigma. As regras da exegese, no entanto, não apoiam a interpretação de Jeremias, pois, a
menos que o evangelista revele um significado diferente para uma palavra do texto, essa deve
conservar o mesmo sentido através de toda a passagem.
7. W. Lane, The Gospel According to Mark (Grande Rapids: Eerdmans, 1974), p. 158; W.
Hendriksen, Gospel of Mark (Grand Rapids: Baker Book House, 1975), p. 145; H. N.
Ridderbos, The Corning of the Kingdom (Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1962),
p. 124.
relação à verdade de Deus revelada na parábola. Somente pela fé foram
capazes de ver aquela verdade da qual as parábolas davam testemunho.8
Jesus explicou de modo mais pormenorizado a parábola do semeador e a do
trigo e do joio (em outras, ele, de quando em quando, acrescentava esclare
cimentos às conclusões). Aos discípulos foi dado ver a relação entre os
acontecimentos que Jesus descrevia na parábola do semeador e o reino dos
céus, iniciado na pessoa de Jesus, o Messias.9
Interpretação
Na igreja primitiva, os Pais da igreja começaram a procurar nas
Escrituras do Velho Testamento vários significados ocultos relacionados
com a vinda de Jesus. Como conseqüência natural dessa tendência, os Pais
começaram a encontrar significados ocultos nas parábolas de Jesus. Influen
ciados, talvez, pela apologética judaica, substituíram a simplicidade das
Escrituras pela especulação sutil. O resultado foram as interpretações ale
góricas das parábolas. Por isso, desde o tempo dos Pais da igreja, até meados
do século XIX, muitos exegetas interpretaram as parábolas alegoricamente.
Orígenes, por exemplo, acreditava que a parábola das dez virgens
estava cheia de símbolos ocultos. As virgens, disse Orígenes, são todos
aqueles que receberam a Palavra de Deus. As prudentes acreditam e levam
uma vida de justiça; as tolas acreditam, mas falham no agir. As cinco
lâmpadas das prudentes representam os cinco sentidos, que são todos
preparados para o seu uso apropriado. As cinco lâmpadas das tolas deixa
ram de fornecer luz e se encaminharam para a noite do mundo. O óleo é o
ensinamento da Palavra e os vendedores de óleo são os mestres. O preço
que eles cobram pelo óleo é a perseverança. A meia-noite é a hora do
descuido imprudente. O grande clamor ouvido vem dos anjos que despertam
todos os homens. O noivo é Cristo que vem para encontrar a noiva, a igreja.
Assim Orígenes interpretou a parábola.
Entre os comentaristas do século XIX, era comum identificar os
pormenores da parábola. Na parábola das dez virgens, a lâmpada acesa
representava as boas obras; e o óleo, a fé daquele que crê. Outros viram o
óleo como uma representação simbólica do Espírito Santo.
Ainda assim, nem todos os intérpretes das parábolas tomaram o
caminho da alegoria. Por ocasião da Reforma, Martinho Lutero tentou
mudar a maneira de interpretar as Escrituras. Ele preferiu um método de
exegese bíblica que levava em consideração a localização histórica e a
8. C.E.B. Cranfield, “St. Mark 4.1-34", Scot JT 4(1951): 407.
9. Lane, Mark, p.160.
estrutura gramatical da parábola. João Calvino foi ainda mais direto. Ele
evitou totalmente as interpretações alegóricas das parábolas e procurou
estabelecer o ponto principal de seu ensinamento. Quando ele constatava o
significado de uma parábola, não se preocupava com os seus pormenores.
Em sua opinião, os detalhes não tinham nada a ver com aquilo que Jesus
pretendia ensinar através da parábola.
Durante a segunda metade do século XIX, C.E. van Koetsveld, um
estudioso alemão, deu novo impulso ao modo de abordar o assunto, iniciado
pelos Reformadores. Ele mostrou que as extravagantes interpretações ale
góricas das parábolas, feitas por numerosos comentaristas, obscureciam
mais que esclareciam o ensino de Jesus.10 Para interpretar uma parábola
apropriadamente, o exegeta precisa apreender seu significado básico e
distinguir o que é, ou não, essencial. Van Koetsveld foi seguido, em sua
maneira de abordar as parábolas, pelo teólogo alemão A. Jülicher, que
observou que, embora o termo parábola seja usado freqüentemente pelos
evangelistas, a palavra alegoria jamais é encontrada nos relatos dos Evange
lhos/1
No final do século passado, as amarras que atavam a exegese das
parábolas foram cortadas e uma nova era de pesquisa teve início.12Enquanto
Jülicher via Jesus como um professor de princípios morais, C. H. Dodd o
considerou como uma pessoa histórica, dinâmica, que, com seus ensinamen
tos, provocou um período de crise. Disse Dodd: “A tarefa de um intérprete
de parábolas é descobrir, se puder, a aplicação da parábola na situação
pretendida pelos Evangelhos”. 3Jesus ensinava que o reino de Deus, o Filho
do Homem, o Juízo e as bem-aventuranças passavam a fazer parte da história
daquela época. Para Jesus, de acordo com Dodd, o reino significava o
governo de Deus exemplificado em seu próprio ministério. Portanto, as
parábolas ensinadas por Jesus devem ser entendidas como diretamente
relacionadas com a efetiva situação do governo de Deus na terra.
J. Jeremias continuou o trabalho de Dodd. Ele, também, desejou
descobrir os ensinamentos das parábolas que remetem de volta ao próprio
Jesus. Jeremias se dispôs a traçar o desenvolvimento histórico das parábolas,
o que acreditava ocorrer em dois estágios. O primeiro diz respeito à situação
real do ministério de Jesus, e o segundo é uma reflexão sobre o modo como
as parábolas eram postas em prática pela igreja cristã primitiva. A tarefa a
10. C.E. van Koetsveld, De Gelykenissen van den Zaligmaker (Schoonhoven, 1869), vols. 1,2.
11. A. Jülicher, Die Gleichnisreden Jesu (Tübingen: Buchgesellschaft, 1963), vols. 1,2.
12. Consulte os interessantes estudos de M. Black, “The Parables as Alegoiy”, BJRL 42 (1960):
273-87; R. E. Brown, “Parable and Allegoiy Reconsidered”, NTS 5 (1962): 36-45.
13. C.H. Dodd, The Parables of the Kingdon (London, Nesbit and Co., 1935), p. 26.
que Jeremias se propôs era a de recuperar a forma original das parábolas
para ouvi-las na própria voz de Jesus.1 Com o seu profundo conhecimento
da terra, da cultura, dos costumes, do povo e da língua de Israel, Jeremias
foi capaz de reunir um rico cabedal de informações que fazem de sua obra
um dos livros de maior prestígio a respeito das parábolas.
Apesar disso, uma questão se apresenta: pode a forma original ser
separada do contexto histórico sem sucumbir a um acúmulo de adivinha
ções? Por outro lado, o texto das parábolas pode ser tomado e aceito como
uma representação real do ensino de Jesus. Isto é, o texto bíblico que o
evangelista nos entregou reflete o contexto histórico no qual as parábolas
foram, originalmente, narradas. Dependemos do texto que recebemos e
agimos acertadamente quando deixamos as parábolas e seu assentamento
histórico intactos. Isso pede confiança — que os evangelistas, ao registrarem
as parábolas, tenham compreendido a intenção de Jesus ao ensiná-las nas
circunstâncias por eles descritas.15 Na ocasião em que as parábolas foram
registradas, testemunhas e ministros da Palavra transmitiram a tradição oral
das palavras e feitos de Jesus (Lc 1.1,2). Por causa do elo com as testemu
nhas, podemos confiar que o contexto no qual as parábolas estão inseridas
se refere ao tempo, lugares e circunstâncias nas quais Jesus, originalmente,
as ensinou.
Mais recentemente, representantes de nova corrente da hermenêutica
têm, de maneira crescente, deslocado as parábolas de seu assentamento
histórico para uma ênfase literária claramente baseada numa estrutura
existencial.16 Quer dizer, esses estudiosos tratam as parábolas como litera
tura existencial, as removem de suas amarras históricas e substituem sua
significação original por uma mensagem contemporânea. Negam que o
sentido da parábola tem sua origem na vida e ministério de Jesus; não estão
interessados em suas fontes1o e bases, mas, antes, em sua forma literária e sua
interpretação existencial. Para eles, a estrutura literária da parábola é
importante porque leva o homem moderno a um momento de decisão: tem
que aceitar ou rejeitar o desafio colocado diante dele.
14. Jeremias, Parables, pp. 113,114.
15. A. M. Brouwer, De Gelykenissen (Leiden: Brill, 1946), p. 247; G.V. Jones, The Art and
Truth of the Parables (London: S.P. C.K., 1964), p. 38.
16. M. A. Tolbert, Perspectives on the Parables (Philadelphia: Fortress Press, 1979), p.20.
17. D. O. Via, Jr., em “A response to Crossan, Funk, and Peterson”, Semeia 1 (1974): 222,
afirma: “Não tenho absolutamente interesse, nem mesmo na Pessoa do Jesus histórico”.
18. J. D. Crossan, em “The Good Samaritan” Towards a Generic Definition of Parable", Semeia
2 (1974): 101, parece indicar que é mais importante para uma proposição ser interessante
que ser verdadeira.
Aceitamos prontamente a idéia de que as parábolas chamam o homem
à ação; na aplicação da parábola do bom samaritano, ao intérprete da lei
que o questionou, Jesus disse: “Vai, e procede tu de igual modo” (Lc 10.37).
Entretanto, o existencialista, em sua interpretação da parábola, enfatiza o
modo imperativo e menospreza o modo indicativo no qual a parábola foi
contada. Ele separa as palavras de Jesus de sua disposição cultural e, assim,
as despoja do poder e autoridade que Jesus lhes deu.
Além do mais, ao tratar as parábolas como estruturas literárias sepa
radas de seu assentamento original, o existencialista precisa estabelecer para
elas uma nova base. Assim, clc coloca as parábolas num contexto contem
porâneo. Mas, esse mélodo dificilmente pode ser chamado de exegético, pois
insufla no texto bíblico uma filosofia existencial. Isso é eisegese, não exegese.
Infelizmente, o cristão comum, que procura orientação para o entendimento
das parábolas com os representantes da nova escola hermenêutica, precisa,
primeiro, buscar conhecer a filosofia existencial, a teologia neo-liberal e o
jargão literário do estruturalismo, para que possa se beneficiar com seus
pontos de vista.
Princípios
Interpretar parábolas não exige um treinamento completo em teologia
e filosofia, mas implica que o exegeta se atenha a alguns princípios básicos
de interpretação. Esses princípios, em resumo, estão relacionados com a
história, a gramática e a teologia do texto bíblico. Sempre que possível, o
intérprete deve fazer um estudo da conjuntura histórica da parábola, incluin
do uma análise pormenorizada das circunstâncias religiosas, sociais, políti
cas e geográficas reveladas na parábola. A disposição da parábola do bom
samaritano, por exemplo, exige certa familiaridade com a instrução do clero
daqueles dias. O intérprete da lei, procurando Jesus e perguntando-lhe o
que fazer para herdar a vida eterna, deu início à conversação que levou à
história do bom samaritano.
Em relação à parábola do bom samaritano, o exegeta deveria se
familiarizar com a origem, a classe social e a religião dos samaritanos, com
as funções, ofício e residência do sacerdote levita; com a topografia da área
entre Jerusalém e Jericó; e com o conceito judaico de boa vizinhança.
Observando o contexto histórico da parábola, o intérprete apreende a razão
por que Jesus contou essa história e compreende a lição que Jesus procurou
transmitir através da parábola.19
19. L. Berkhof, Principies of Biblical Interpretation (Grand Rapids: Baker Book House, 1952),
p. 100.
A seguir, o exegeta deve atentar para a estrutura literária e gramatical
da parábola. Os modos e tempos de verbos empregados pelo evangelista em
relação à parábola são muito significativos e lançam luz sobre o principal
ensinamento da história. As palavras estudadas em seu contexto bíblico,
assim como em escritos extracanônicos são parte essencial do processo de
interpretação de uma parábola. Assim, o estudo da palavra próximo no
contexto do comando “Ama o teu próximo como a ti mesmo”, como foi dado
no Velho e Novo Testamentos, resulta num exercício gratificante. O intér
prete precisa, também, levar em consideração a introdução e a conclusão de
uma parábola, pois podem conter um artifício literário como uma questão
de retórica, uma exortação ou uma ordem. A parábola do bom samaritano
é concluída com o comando direto: “Vai, e procede tu de igual modo” (Lc
10.37). O intérprete da lei, que tinha perguntado a Jesus a respeito do que
fazer para herdar a vida eterna, não teve como deixar de se envolver no
cumprimento da ordem de amar a seu próximo como a si mesmo. As
introduções, e especialmente as conclusões, contêm as diretrizes que ajudam
o intérprete a encontrar os pontos principais das parábolas.
Ainda, o ponto principal de uma parábola deve ser comparado teolo
gicamente com os ensinamentos de Jesus e com o resto das Escrituras.20
Quando o ensino básico de uma parábola foi completamente explorado e
está corretamente entendido, a unidade das Escrituras se manifestará e o
sentido apropriado da passagem poderá ser visto em toda a sua simplicidade
e limpidez.
Por último, o intérprete da parábola deve traduzir seu significado em
termos apropriados às necessidades de hoje. Sua tarefa é aplicar o ensina
mento central da parábola à situação de vida da pessoa que está ouvindo sua
interpretação. Na parábola do bom samaritano, a ordem para amar o
próximo se torna cheia de significado quando a pessoa que foi roubada e
ferida na estrada de Jericó não é mais uma figura de um passado distante.
Ao contrário, o próximo que clama pelo nosso amor é o sem-teto, carente e
oprimido. Ele vem ao nosso encontro na estrada de Jericó das páginas diárias
dos jornais e do noticiário colorido da televisão.
Classificação
As parábolas de Jesus podem ser agrupadas e classificadas de várias
formas. As do semeador, da semente germinando secretamente, do trigo e
do joio, da figueira estéril, e a da figueira brotando são, todas, parábolas
naturais. Várias parábolas de Jesus dizem respeito ao trabalho e ao salário.
Algumas delas são a respeito dos trabalhadores da vinha, do arrendatário e
20. A. B. Mickelsen, Interpreting the Bible (Grand Rapids: Eerdmans 1963), p. 229.
do administrador infiel. O tema de outras são as bodas e festas ou ocasiões
solenes. Essas incluem a parábola das crianças brincando na praça, a das
dez virgens, a da grande ceia e a do banquete das bodas. Outras, ainda, têm
como motivo geral o achado e o perdido. Essas incluem as parábolas da
ovelha perdida, da moeda perdida e a do filho perdido.
Nem sempre, no entanto, é fácil classificar uma parábola. A parábola
da rede é uma parábola natural, ou deve ser agrupada com as que falam de
trabalho e salário? Onde colocar a parábola do bom samaritano? Fica claro
que a classificação das parábolas pode ser, de certo modo, arbitrária, e, em
alguns casos, forçada.
Os Evangelhos Sinóticos apresentam parábolas com correspondentes
em dois ou mesmo três dos Evangelhos, e também parábolas específicas de
um único evangelista. Enquanto Marcos tem apenas uma parábola peculiar
a seu Evangelho (a da semente crescendo secretamente), Mateus e Lucas
têm várias. Em minha apresentação das parábolas, segui a seqüência dos
Evangelhos, discutindo primeiro as de Mateus, com a exclusiva de Marcos
estudada entre a parábola do semeador e a do trigo e o joio, e, então, as
apresentadas no Evangelho de Lucas. Nas parábolas que têm corresponden
te, a seqüência quase uniforme de Mateus, Marcos e Lucas foi adotada.
Escolhi esse procedimento a fim de ajudar o leitor que queira consultar um
estudo dos paralelos sinóticos, por exemplo, Synopsis of the Four Golspels
de K. Aland.21 Nesse estudo sobre as parábolas, referências a palavras gregas
e hebraicas são freqüentes. Quando elas aparecem são transliteradas e
traduzidas. A Bíblia Inglesa usada é a Nova Versão Internacional (com
permissão da Comissão Executiva). Para ajudar o leitor, o texto é transcrito
integralmente no princípio de cada parábola. As parábolas que têm corres
pondentes nos três Evangelhos Sinóticos são apresentadas na seqüência de
Mateus, Marcos e Lucas. Um total de quarenta parábolas e declarações em
forma de parábolas são estudadas neste livro. Todas as principais parábolas
estão arroladas, assim como a maior parte das declarações em forma de
parábola. Naturalmente, uma seleção foi necessária com relação a essas
declarações, por isso a parábola do sal está incluída e a da candeia foi
omitida. Apenas as declarações em forma de parábola que se encontram nos
Evangelho Sinóticos foram estudadas, não aquelas encontradas no Evange
lho de João.
A literatura a respeito das parábolas é volumosa — uma interminável
corrente de livros e artigos. Dificilmente uma parábola terá sido negligen
ciada pelos recentes estudiosos. Novas concepções provindas dos estudos
21. K. Aland, Synopsis of the Four Gospels (Stuttgart: Württembergische Bibelanstalt, 1976).
sobre a cultura e a lei judaicas têm sido valiosas no avanço para uma melhor
compreensão dos ensinamentos de Jesus. O objetivo deste livro é presentear
o pastor e o verdadeiro estudioso da Bíblia com um acervo abrangente e
contemporâneo dos escritos sobre as parábolas, sem se prender a pormeno
res. As notas de rodapé e a bibliografia selecionada auxiliam o estudioso de
teologia que desejar prosseguir mais intensamente no estudo das parábolas
de Jesus. Através do material bibliográfico e do índice, ele terá acesso à
literatura disponível sobre as parábolas de Jesus.
1
O Sal
Mateus 5.13 Marcos 9.50 Lucas 1434,35
13“Vós sois o sal 50 “Bom é o sal; mas ^ “O sal é certa
da terra; ora, se o sal se o sal vier a tornar-se mente bom; caso,
vier a ser insípido, insípido, como lhe res porém, se torne in
como lhe restaurar o taurar o sabor? Tende sípido, como res
sabor? Para nada sal em vós mesmos, e tau rar-lh e o
mais presta senão paz uns com os ou sabor?” 35 “Nem
para, lançado fora, tros.” presta para a ter
ser pisado pelos ho ra, nem mesmo
mens.” para o monturo;
lançam -no fora.
Quem tem ouvi
dos para ouvir,
ouça.”
Através da história, o sal tem sido usado para preservar e dar gosto
aos alimentos. É uma das necessidades básicas da vida. Seu uso é universal
e seu provimento é aparentemente inesgotável. Mas além de suas qualidades
úteis, o sal tem, também, propriedades destrutivas. Ele pode transformar o
solo fértil em terra árida e devastada.1 A área ao redor do Mar Morto é um
exemplo.
Nos tempos atuais, achamos inconcebível que o sal possa deixar de ser
salgado. O cloreto de sódio (nome químico do sal de cozinha) é um composto
estável. Ele não possui qualquer impureza. No antigo Israel, entretanto, o
1. Dt 29.22,23; Jz 9.45; Jó 39.6; SI 107.34; Jr 17.6; Sf 2.9.
sal era obtido pela evaporação da água do Mar Morto. A água continha
várias outras substâncias, além do sal. A evaporação produz cristais de sal e
cloreto de potássio e de magnésio. Porque os cristais de sal são os primeiros
a se formarem durante o processo de evaporação, eles podem ser recolhidos
e fornecem, assim, sal relativamente puro. Se o sal resultante da evaporação
não for, no entanto, preservado, e se, com o tempo, os cristais se tornarem
úmidos e liqüefeitos, o que restar será insípido e inútil.2
O que se pode fazer com o sal insípido? Não serve para nada. Os
fazendeiros não querem esse produto químico em suas terras, pois, no estado
bruto, prejudica as plantas. Jogar esse resíduo na pilha de estrume também
não resolve, pois, comumente, o esterco é espalhado na terra, como fertili
zante. A única coisa que se pode fazer com o sal insípido é lançá-lo fora onde
será pisado.3 Se o sal perder sua propriedade básica e deixar de ser salgado4,
não se poderá mais recuperá-la.
No Sermão da Montanha, Jesus se dirigiu à multidão e a seus discípu
los, dizendo-lhes: “Vós sois o sal da terra.” Como o sal tem a característica
de impedir a deterioração, assim também os cristãos devem exercer uma
influência moral na sociedade em que vivem. Por suas_palavras e atos devem
restringir a corrupção espiritual e moral. Como o sal é invisível (no pão, por
exemplo) e, ainda assim, um agente poderoso, também os cristãs nem sempre
são vistos, mas individual e coletivamente permeiam a sociedade e consti
tuem uma força refreadora num mundo perverso e depravado.
“Tende sal em vós mesmos, e paz uns com os outros”, diz Jesus (Mc
9.50^. Ele exorta seus seguidores a usar dotes espirituais para promover a
paz, primeiro em casa, e depois com os outros. Porque os cristãos não têm
sido capazes de viver em paz entre si mesmos, têm perdido sua eficiência no
mundo.
Muitas pessoas podem jamais ter lido a Bíblia, todavia constantemente
observam aqueles que já a leram. Na Igreja Cristã primitiva, o eloqüente
Crisóstomo, certa vez, disse que se os cristãos vivessem a vida que se espera
deles, os incrédulos desapareceriam.
2. Jeremias, Parables, p. 169; J. H. Marshall, The Gospel of Luke (Grand Rapids: Eerdmans,
1978), p. 596; Hauck, TDNT, 1.229.
3. E. P. Deatrick, em “Salt, Soil, Savior”, BA 25 (1962): 47, citando Lamsa, menciona que no
moderno Israel “o sal insípido é espalhado em terraços cobertos com terra. Por causa do sal,
a terra endurece. Os terraços são, então, usados como áreas de lazer e de brincadeiras de
crianças.
4. O verbo em Mateus 5.13 e Lucas 13.34 para “tornar-te insípido” é mõrainein, que tem o
sentido original de “fazer tolice”, na voz ativa, e “fazer-se de tolo”, na voz passiva. W. Bauer,
W. F. Arndt, F. W. Gingrich e F. Danker, A Greek-English Lexicon of the New Testament
(Chicago: University of Chicago Press, 1978), p. 531.
5. W. Nauck, “Salt as a Metaphor”, St Th 6 (1953); 176.
2
Os Dois Fundamentos
Mateus 7.24-27 Lucas 6.47-49
24 “Todo aquele, pois, que 47 “Todo aquele que vem
ouve estas minhas palavras e as a mim e ouve as minhas pa
pratica, será comparado a um lavras e as pratica, eu vos
homem prudente, que edificou mostrarei a quem é seme
a sua casa sobre a rocha; 25 e lhante. 48 É semelhante a
caiu a chuva, transbordaram os um homem que, edificando
rios, sopraram os ventos e de uma casa, cavou, abriu pro
ram com ímpeto contra aquela funda vala e lançou o alicer
casa, que não caiu, porque fora ce sobre a rocha; e, vindo a
edificada sobre a rocha. 26 E enchente, arrojou-se o rio
todo aquele que ouve estas mi contra aquela casa, e não a
nhas palavras e não as pratica, pôde abalar, por ter sido
será comparado a um homem bem construída. 49 Mas o
insensato, que edificou a sua que ouve e não pratica é
casa sobre
u
a areia;
- 2 7
e caiu a semelhante a um homem
chuva, transbordaram os rios, que edificou uma casa so
sopraram os ventos e deram bre a terra sem alicerces, e
com ímpeto contra a casa, e ela arrojando-se o rio contra
desabou, sendo grande a sua ela, logo desabou; e aconte
ruína.” ceu que foi grande a ruína
daquela casa.”
J esus se referiu, muitas vezes, a tempestades repentinas que transfor
mavam o leito seco de um riacho em correntes violentas. São cenas comuns
em Israel, onde o tempo muda de repente e altera, às vezes, drasticamente
a paisagem.
As construções rurais dos dias de Jesus eram, geralmente, feitas com
barro endurecido. Os ladrões conseguiam cavar buracos através das paredes
de tais casas (Mt 6.19). Quatro homens fizeram uma abertura no teto da casa
onde Jesus estava ensinando, para por ela fazer baixar o leito onde estava
seu amigo paralítico (Mc 2.3,4). Para quem construía era uma questão de
economia construir longe de possíveis cursos de água, mesmo que essas valas
permanecessem secas por vários anos.1
O construtor prudente escolhe um local sobre a rocha. Assim, ele não
temerá que uma chuva torrencial, provocando o súbito transbordamento de
um riacho, arraste a casa, nem receará as rajadas de vento que se abaterão
sobre ela. O alicerce da casa construída sobre a rocha resistirá.
O construtor insensato constrói sua casa como se estivesse erguendo
uma tenda. Não lhe ocorre que a casa deve ter uma estrutura mais perma
nente. Ele edifica sua casa sobre a areia, possivelmente por causa do acesso
mais fácil a um riacho próximo. Enquanto o tempo está bom e o céu
permanece azul os ocupantes da casa nada têm a temer. Quando, quase sem
que se possa prever, o tempo muda, as nuvens se acumulam, a chuva cai, os
riachos transbordam e o vento sopra, a casa vem abaixo com grande estron
do.
Os dois evangelistas, Mateus e Lucas, mostram algumas diferenças na
narrativa da parábola. Podemos explicar essas variações atentando para os
diferentes leitores a quem elas se destinavam. Mateus escreveu para o leitor
judeu, que vivia em Israel, enquanto Lucas levava o evangelho aos helenos,
que viviam na Ásia Menor e no Mediterrâneo. Para um judeu acostumado
com as técnicas de construção que prevaleciam no antigo Israel, a parábola
a respeito dos dois construtores se explicava por si mesma. Lucas, contudo,
não escrevia para um povo que vivia na Galiléia, ou na Judéia. Ele se dirigia
a gregos ou helenos. Por isso, Lucas substituiu por procedimentos de cons
trução usuais entre eles, aqueles comuns em Israel2. O construtor cava,
abrindo profunda vala, e assenta o alicerce da casa sobre a rocha, descreve
Lucas. Além da diferença na maneira de construir, Lucas tinha que levar em
consideração as mudanças geográficas e climáticas. Enquanto Mateus es
creveu sobre a chuva caindo, o riacho transbordando e o vento soprando
1. E. F. F. Bishop, em “Jesus of Palestine” (London; Lutterworth Press, 1955), p. 86, faz
referência a casas de barro, entre Gaza e Asquelon, que tinham sido construídas bem longe
de um curso de água, para evitar que uma súbita mudança de sua direção as atingisse. Mas,
durante um inverno no deserto de Neguebe, um leito seco se encheu subitamente, mudou
seu curso, e inundou completamente um acampamento beduíno, causando a morte de
pessoas e de gado.
2. Jeremias, Parables, p. 27. As casas gregas eram, muitas vezes, construídas com porões
( = alicerces), o que não era comum na Palestina.
forte, Lucas se referiu à enchente que veio e à força da correnteza se
arrojando contra a casa. Mateus fala de se construir sobre a areia; Lucas, de
se construir sobre a terra. Esses pormenores diferentes não alteram o
significado da parábola. O construtor é prudente quando constrói a casa
sobre base sólida.
Uma pessoa que ouve as palavras de Jesus e as pratica é como o
construtor prudente. É tolo aquele que, ouvindo palavras de Jesus, não as
obedece. Tal pessoa pode ser comparada ao construtor que constrói sua casa
sobre a areia, ou sobre a terra, sem alicerce.
Essa parábola faz eco às palavras do profeta Ezequiel. Ele descreve
uma parede frágil que é construída, a chuva torrencial, o granizo batendo
com força e a violência do vento que explode. Assim, a parede cai (Ez
13.10-16).
Ao concluir o Sermão da Montanha (Mt 5-7), ou o sermão da planície
(Lc 6), Jesus queria que seus ouvintes não apenas ouvissem, mas, também,
praticassem o que ele lhes havia dito. É insuficiente apenas ouvir as palavras
de Jesus. Aquele que crê deve aceitar a palavra de Jesus e construir sua fé
apenas nele. Jesus é o fundamento sobre o qual o homem prudente constrói.
Nas palavras de Paulo: “Segundo a graça de Deus que me foi dada, lancei o
fundamento como prudente construtor; e outro edifica sobre ele. Porém,
cada um veja como edifica. Porque ninguém pode lançar outro fundamento,
além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Co 3.10,11).
O prudente ouve atentamente e direciona sua vida de acordo com as
palavras de Jesus. Aquele que ouve as palavras de Jesus e não as pratica se
arruinará completamente. Não gasta tempo cavando e assentando seu ali
cerce. Sua casa fica pronta logo e é temporariamente adequada às suas
necessidades, mas quando a adversidade chega como um furacão, a casa que
não tem Jesus como fundamento tomba, e sua ruína é completa.
Essa parábola chama a atenção, indiretamente, para o julgamento de
Deus, que todos, quer prudentes ou insensatos, terão que enfrentar. O
prudente que construiu sua fé, baseado em Jesus, está apto a resistir às
tempestades da vida. Ele permanece seguro, supera e triunfa. Nas Bem-
aventuranças, Jesus chama o pobre, o manso e o perseguido de bem-aven
turados. Na parábola, os que construíram sobre a Rocha demonstram
firmeza em tudo que fazem. Eles ouvem a palavra de Deus e a praticam. Por
isso, nunca serão destruídos. Acreditam em Jesus e obedecem à sua palavra.
3
Meninos na Praça
Mateus 11.16-19 Lucas 731-35
16 “Mas, a quem hei de com 31 “A que, pois, compa
parar esta geração? E seme rarei os homens da presen
lhante a meninos que, sentados te geração, e a que são eles
nas praças, gritam aos compa semelhantes? 3 São seme
nheiros:
1V ‘Nós vos tocamos flauta e lhantes a meninos que, sen
tados na praça, gritam uns
não dançastes; entoamos la para os outros:
mentações, e não pranteastes.’ ‘Nós vos tocamos flauta, e
18 Pois veio João, que não co não dançastes; entoamos
mia nem bebia, e dizem: ‘Tem lamentações, e não choras-
demônio’. 19 Veio o Filho do tes.’
homem, que come e bebe, e Pois veio João Batista,
dizem: ‘Eis aí um glutão e be não comendo pão nem be
bedor de vinho, amigo de pu bendo vinho, e dizeis: Tem
blicanos e pecadores’. Mas a demônio’. Veio o Filho
sabedoria é justificada por suas do homem, comendo e be
obras”. bendo, e dizeis: ‘Eis aí um
glutão e bebedor de vinho,
amigo de publicanos e pe
cadores’. Mas a sabedo
ria é justificada por todos os
seus filhos.”
Jesus contou uma parábola interessante sobre crianças brincando
numa praça. Ele extraiu a cena diretamente do cotidiano: uma visão conhe
cida de crianças inventando suas brincadeiras e representando-as. O “faz de
conta” podia, muito bem, ter acontecido assim: vários meninos e meninas
estavam brincando na praça, provavelmente vazia. Algumas crianças que
riam brincar de casamento. Além da noiva e do noivo, precisavam de um
tocador de flauta, pois um grupo deveria dançar na festa. Embora o noivo e
a noiva estivessem prontos, e uma das crianças providenciasse a música de
flauta, o resto das crianças se recusou a dançar. Não estavam interessados
em brincar de casamento.
Em outro exemplo, algumas crianças queriam representar um funeral.
Uma delas tinha que sc fingir de morta, enquanto outras cantavam um canto
fúnebre. O resto tinha que chorar — mas se recusaram. Não queriam
participar daquela brincadeira fúnebre. As crianças que tinham inventado
as brincadeiras sentaram-se e disseram aos outros:
Nós vos tocamos flauta,
e não dançastes;
entoamos lamentações,
e não chorastes.
Aplicação
De acordo com o evangelho de Mateus, as crianças sentadas na praça
gritam aos seus companheiros. No Evangelho de Lucas, as crianças estão
gritando umas para as outras. Na apresentação de Mateus, um grupo de
crianças é criativo e sugere duas brincadeiras diferentes a um outro grupo.1
O relato de Lucas dá a impressão de que um grupo queria representar uma
brincadeira alegre e o outro, uma triste. Nenhum dos grupos queria aceitar
a sugestão do outro. É provável, ainda, que apenas a reprovação de um dos
grupos tenha sido registrada,2 e que o uso de “uns para os outros” não deva
ser indevidamente enfatizado.
Mas, como se aplica a parábola? Basicamente, há dois modos de se
aplicar a cena que Jesus descreveu. Primeiro, as crianças que sugeriram as
brincadeiras de casamento e funeral representam Jesus e João Batista,
respectivamente. As crianças que se recusaram a brincar são os judeus. João
veio a eles de forma tão pungente quanto um canto fúnebre, mas eles não
estavam dispostos a ouvi-lo. Para se livrarem de João, diziam que estava
endemoninhado. Jesus, entretanto, veio e trouxe alegria e felicidade, contu
1. Jeremias, em Parables, p. 161, segue a sugestão de Bishop, em Jesus of Palestine, p. 104.
Jeremias escreve: “O fato de algumas crianças estarem sentadas talvez implique que
estivessem satisfeitas em apenas se queixar e se lamentar, deixando para outros tarefas mais
cansativas”. Há, no entanto, grande perigo em se ir tão longe na interpretação do texto.
2. Marshall, Luke, p. 300.
do os judeus zombaram dele porque entrava nas casas dos marginalizados
moral e socialmente, e comia e bebia com eles.
A segunda interpretação é o oposto da primeira. As crianças que
sugeriram a brincadeira alegre do casamento e a triste do funeral são os
judeus que queriam que João fosse alegre e que Jesus se lamentasse. Quando
nenhum dos dois viveu conforme a expectativa deles, então se queixaram.
Disseram a João: “Nós vos tocamos flauta, e não •Jdançastes.” E, disseram a
Jesus: “Entoamos lamentações, e não chorastes.”
Das duas, a segunda explicação é a mais plausível. Primeiro, ela
estabelece uma ligação definida entre “os homens da presente geração” (Lc
7.31) e as crianças que faziam recriminações. Os judeus estavam desconten
tes tanto com João Batista como com Jesus, assim como as crianças com os
seus companheiros. Segundo, ela coloca as queixas das crianças, aplicadas
a João e a Jesus, numa ordem cronológica.4 João veio como um asceta que
vivia de gafanhotos e mel silvestre — não era de seu agrado comer pão e
beber vinho —, e os judeus o acusaram de ser possuído pelo demônio. Jesus,
ao contrário, comia pão e bebia vinho, e eles o chamaram de glutão e
beberrão, amigo dos publicanos e “pecadores”. Deus enviou seus mensagei
ros nas pessoas de João e Jesus, mas seus contemporâneos nada fizeram
senão achar faltas neles.
Paralelos
As brincadeiras que as crianças queriam brincar e suas conseqüentes
reclamações estão em consonância com o Livro de Eclesiastes, que poetica
mente observa que há tempo para tudo. Há “tempo de chorar, e tempo de
rir; tempo de prantear, e tempo de saltar de alegria” (Ec 3.4), diz o Pregador.
Os insultos que os judeus lançaram sobre Jesus, entretanto, não eram,
de modo algum, inofensivos. Eles o acusaram de ser glutão e beberrão. Essa
era a descrição de um filho desobediente, que, de acordo com a lei de Moisés,
devia ser apedrejado até à morte (Dt 21.20,21). O relacionamento de Jesus
com os marginalizados social e moralmente, que eram olhados como após
tatas pelos líderes religiosos, foi considerado reprovável. Por causa desse
convívio, os judeus achavam que o próprio Jesus devia ser considerado
apóstata.5
3. F. Mussner, em “Der nicht erkannte Kairos (Mt 11.16-19 = Lc 7.31-35)”. Bid 40 (1959)600;
descreve todas as crianças sentadas e gritando.
4. A. Plummer, The Gospel of Luke (ICC) (New York: C. Scribner & Sons, 1902), p. 163.
5. Mt 9.11; Lc 5.30; 15.1,2; 19.7.
A literatura dos rabinos apresenta um paralelo extraordinário. Embo
ra seja difícil afirmar quando foi escrito e qual sua origem, na forma oral, o
texto é interessante:
Jeremias falou diretamente ao Santo, louvado seja Ele: Tu
enviaste Elias, de cabelos encaracolados, para agir em benefí
cio deles, c cies riram dele, dizendo: “Olha como ele ondula
seus cabelos!”, c zombavam dele, chamando-o de “aquele dos
cabelos crespos”. E, quando Tu fizeste com que Eliseu se
levantasse para agir em benefício deles, disseram-lhe, ironica
mente: “Sobe, calvo; sobe, calvo!”6
Conclusão
O ponto culminante dessa parábola diverge nas descrições dos dois
Evangelhos. Os relatos de Mateus e Lucas variam na frase conclusiva. “Mas
a sabedoria é justificada por suas obras” (Mt 11.19), e “Mas a sabedoria é
justificada por todos os seus filhos” (Lc 7.35). Já foi sugerido que a diferença
pode ser devida a uma expressão do aramaico, que foi mal traduzida.7
Qualquer que seja a causa, no entanto, não varia o sentido que as palavras
transmitem. A sabedoria significa a sabedoria de Deus; ela pode ser mesmo
um circunlóquio para o próprio Deus. De acordo com Mateus, as obras
divinas de Jesus (Mt 11.5) são provas da sabedoria de Deus. No evangelho
de Lucas, os filhos de Deus são testemunhas da veracidade de sua sabedoria.
Por exemplo, publicanos e mulheres sem moral, rejeitados como marginais
pelos religiosos daqueles dias, viram revelada em João Batista e em Jesus a
sabedoria de Deus. Ambos, João e Jesus, proclamaram a mensagem de
redenção — João, com toda a austeridade, no Jordão (Lc 3.12,13); e Jesus,
ao redor da mesa, em suas casas (Lc 5.30).
6. Piska 26, em W. G. Braude, Pesikta Rabbati, 2 vols. (New Haven: Yale University Press,
1968,69), 1: 526-27. Ver também, SB II; 161.
7. Jeremias, Parables, p. 162. n2 44.
4
O SEMEADOR
Mateus 13.1-9 Marcos 4.1-9 Lucas 8.4-8
-i
Naquele mesmo 1Voltou Jesus a ensi 4A fluindo uma
dia, saindo Jesus de nar à beira-mar. E reu grande multidão, e vin
casa, assentou-se à niu-se a ele, numerosa do ter com ele gente de
beira-mar; 2 e gran multidão, de modo que todas as cidades, disse
des m ultidões se entrou num barco, onde Jesus por parábolas: 5
reuniram perto dele, se assentou, afastando- Eis que o semeador
de modo que entrou se da praia. E todo o saiu a semear. E, ao se
num barco e se as povo estava à beira-mar, mear, uma parte caiu à
sentou; e toda a mul na praia. 2Assim lhes en beira do caminho; foi
tidão estava em pé sinava muitas coisas por pisada e as aves do céu
na praia.3 E de mui parábolas, no decorrer a comeram. 6 Outra
tas coisas lhes falou do seu doutrinamento. caiu sobre a pedra; e,
por parábolas, e di Ouvi: Eis que saiu o se tendo crescido, secou,
zia: Eis que o semea-
, saiu a semear. 4 meador a semear. 4E, ao por falta de umidade.
dor semear, uma parte caiu Outra caiu no meio
E, ao semear, uma à beira do caminho, e dos espinhos; e estes,
parte caiu à beira do vieram as aves e a come ao crescerem com ela,
caminho, e, vindo as ram. 5Outra caiu em a sufocaram. Outra,
o
aves, a comeram. 5 solo rochoso, onde a ter afinal, caiu em boa ter
Outra parte caiu em ra era pouca, e logo nas ra; cresceu e produziu
solo rochoso onde a ceu, visto não ser a cem por um. Dizendo
terra era pouca, e profunda a terra. 6Sain- isto, clamou: Quem
logo nasceu, visto do, porém, o sol a quei tem ouvidos para ou
não ser profunda a mou; e porque não tinha vir, ouça.
terra. 6 Saindo, po- raiz, secou-se. 7Outra
rém, o sol a quei parte caiu entre os espi
mou; e porque não nhos; e os espinhos cres
tinha raiz, secou-se. ceram e a sufocaram,o e
Outra caiu entre os não deu fruto. Outras,
espinhos, e os espi enfim, caíram em boa ter
nhos cresceram e a ra, e deram fruto que vin
sufocaram. Outra,
o
gou c cresceu, produzindo
enfim, caiu em boa a trinta, a sessenta e a cem
terra, e deu fruto: a por um. 9E acrescentou:
cem, a sessenta e a Quem tem ouvidos para
trin ta por um. ouvir, ouça.
9Quem tem ouvidos
(para ouvir), ouça.
Composição
Em nossas sociedades industrializadas, a agricultura tem-se preocu
pado sempre com a produção de alimentos. Cultivar a terra não é simples
mente um meio de vida; ao contrário, tornou-se um modo de ganhar a vida.
A moderna tecnologia tem sido amplamente aplicada a métodos de cultivo,
de tal modo que o agricultor se tornou um técnico em diversas áreas — um
especialista na aplicação de fertilizantes, herbicidas e inseticidas — e um
homem de negócios que conhece o custo da produção, o valor de seu produto
e a situação do mercado.
Quando Jesus ensinou a parábola do semeador a seus ouvintes na
Galiléia, eles podiam, literalmente, ver o agricultor lançando a semente nos
campos próximos, durante o mês de outubro. O evangelista não nos diz
quando Jesus contou a parábola, mas pode muito bem ter sido na ocasião
em que o semeador saiu para semear. As multidões (de acordo com Mateus,
grandes multidões) tinham vindo até à praia, à margem noroeste do Lago da
Galiléia. Talvez chegassem a milhares. Para se dirigir a tamanha multidão,
Jesus usou um púlpito flutuante, sentando-se num barco, muito provavel
mente afastado da praia.1 Desse modo, a superfície da água refletia sua voz
que, num dia calmo, podia alcançar seus ouvintes à distância. Aquele
ambiente natural funcionava mais eficientemente que os atuais sistemas
usados para a comunicação com o público.
Jesus não precisava explicar as atividades do lavrador. Eles, talvez, o
estivessem vendo, à distância, no trabalho, semeando grãos de trigo e cevada.
Provavelmente haviam passado ao lado de seu campo, no caminho para a
1. W. Neil, “Expounding The Parables”, Exp T 78 (1965): 74.
praia. Na sociedade agrícola daqueles dias, muitos dos que ali estavam eram
donos de terra, ou já haviam trabalhado no seu cultivo.
Cultivar a terra era relativamente fácil nos dias dc Jesus. Embora a
parábola não nos conte nada a respeito de métodos de cultivo, aprendemos
no Velho Testamento (Is 28.24,25; Jr 4.3 e Os 10.11,12) c nos escritos dos
rabinos que, no final de um longo e quente verão, o fazendeiro ia para o
campo semear trigo e cevada sobre o solo endurecido. Ele arava a terra para
cobrir a semente e esperava que a chuva de inverno viesse fazer germinar os
grãos.2
Na parábola de Jesus, o lavrador partiu para o campo levando seu
suprimento de grãos numa bolsa que trazia a tiracolo. Com passos ritmados,
lançava as sementes em faixas, pelo campo. Não se preocupava com os
poucos grãos que caíam à beira do caminho, nem com aqueles que eram
lançados em terra pouco profunda, onde as rochas despontavam. Também
não se preocupava com o trigo caído entre os espinheiros que cresceriam na
primavera, abafando as sementes. Para o lavrador, tudo aquilo fazia parte
de seu dia de trabalho.
A descrição é corriqueira e precisa. O lavrador não podia impedir que
os grãos caíssem em solo duro. Cedo ou tarde viriam as aves e os comeriam.
Alguns pássaros comeriam até mesmo as sementes lançadas no campo.
Acontecia comumente. Também, pouco ele podia fazer a respeito das
rochas. Assim era a terra. Ele havia tentado acabar com os espinheiros
arrancando suas raízes, mas estes teimavam em renascer.
A expectativa do lavrador estava no tempo da ceifa, quando iria colher.
Um lucro médio, naqueles dias, podia ser menos que dez por um.3 Se tivesse
um retorno de trinta por um, ou uma colheita mais favorável que rendesse
sessenta por um, seria um acontecimento excepcional. Muito raramente,
talvez, ele conseguiria colher a cem por um (Gn 26.12). Resumindo, o
semeador não estava interessado nos grãos que perdia enquanto semeava.
Sua esperança estava no futuro, na colheita, que ele esperava com ansiedade.
Nenhum dos ouvintes de Jesus discordou dele. Mas, o clímax da
história deve ter surpreendido seus ouvintes: em vez de uma colheita normal
2. J. Jeremias, “Palàstinakundliches zum Gleichnis vom Sãemann”, NTS 13 (1967): 48-53. Ver
também Parables, p. 12.
3. Jeremias. “Palàstinakundliches”, p. 53; ver, também, K. D. White, “The Parable of the Sower:,
JTS 15 (1964): 300-7; P. B. Payne, “The Order of Sowing and Ploughing” NTS 25 (12978):
123-29. Os ensinos do Velho Testamento (Amós 9.13; Jeremias 31.27; Ezequiel 36.29,30) e,
os ensinos dos escritos dos rabinos e das pseudo epígrafes parecem ser o de que a terra
produzirá fruto em abundância, na era Messiânica. N. A. Dahl, “The Parables of Growth”,
StTh 5 (1951): 153; SB, IV: 880-90.
com um lucro de dez vezes, Jesus falou de um retorno de cem por um. O
ponto principal da história é, portanto, uma colheita abundante.
Propósito
A parábola do semeador é uma das poucas encontradas nos três
Evangelhos Sinóticos. Quando incorporaram a história de Jesus a respeito
do lavrador semeando e colhendo, cada um dos escritores dirigiu-se a seus
próprios leitores. Mateus, Marcos c Lucas, obviamente, colocaram a pará
bola no contexto de seus respectivos Evangelhos para mostrar o ponto
central do ensino de Jesus.
No Evangelho de Mateus, o capítulo 13 é precedido por um relato a
respeito do ministério de Jesus no âmbito de cura (capítulos 8 e 9). Con
cluindo essa parte, Mateus registra que Jesus ensinava nas sinagogas, pre
gava as boas-novas do reino, e curava todos os tipos de doenças e
enfermidades (9.35). Então, ele olhou para as multidões, e porque não
tinham quem as orientasse espiritualmente, teve compaixão delas. Ele as
comparou a ovelhas sem pastor. “E então se dirigiu a seus discípulos: A seara
na verdade é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao
Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara” (9.37,38). No
capítulo 10, Mateus registra como Jesus enviou os doze apóstolos, comissio
nados para buscar as ovelhas perdidas de Israel. Mas Jesus advertiu os
discípulos sobre rejeição, perseguição e morte. Eles encontrariam oposição,
hostilidade constante e correriam risco de vida. Mateus volta ao mesmo
assunto nos dois capítulos seguintes. As multidões tinham seguido João
Batista, mas o povo dizia que ele tinha demônio. Sobre Jesus, diziam que era
glutão e beberrão, amigo de publicanos e “pecadores” (11.19). Em Corazim,
Betsaida, e Cafarnaum o povo se recusou a se arrepender e a crer em suas
palavras. Parecia que Jesus tinha semeado em terra pouco profunda, e que
as sementes por ele lançadas não tinham germinado. Ainda assim, apesar
das dúvidas de João Batista (11.3), da descrença dos galileus (11.21,23) e da
hostilidade dos líderes religiosos (12.2,24,38), o reino de Deus se instalou e
prosperou. As pessoas que fazem a vontade de Deus são parte e parcela do
reino. São o irmão, a irmã e a mãe de Jesus (12.50).
Neste ponto, Mateus apresenta a parábola do semeador. A estrutura
da redação do relato evangélico revela a mão habilidosa de um arquiteto
literário.4 O evangelista preparou a cena para a parábola do semeador. O
objetivo é alertar seus leitores para a inesperada colheita arrecadada no
reino de Deus.
4. H. N. Ridderbos, Studies ín Scripture and Its Authority (St. Catharines: Paideia Press, 1978),
p. 50.
De outro lado, Marcos parece enfatizar o ministério no âmbito do
ensino, de Jesus ao longo das praias do Lago da Galiléia. Ele começa a
passagem, dizendo: “Voltou Jesus a ensinar à beira-mar” (4.1). Enquanto
Mateus omite a referência ao fato de Jesus ter-se assentado num bote, “à
beira-mar”, Marcos se refere ao lago por, pelo menos, três vezes, no versículo
introdutório. Marcos informa a seus leitores que, uma vez mais, Jesus se
encontrou com uma grande multidão, junto ao mar (vejam-se 2.13 e 3.7). Ele
intercala três parábolas de seu evangelho (o semeador, a semente germinan
do e o grão de mostarda) nesse ponto de sua narrativa para indicar o lugar
onde foram ensinadas, a quem Jesus se dirigia, e o propósito delas.
O escritor do terceiro Evangelho expõe uma versão abreviada da
parábola do semeador e a coloca em um contexto sobre a aceitação e a
rejeição. As palavras e os feitos de Jesus foram prontamente aceitos pelas
pessoas comuns, pelos coletores de impostos, mulheres de má fama e outros
(7.29,37; 8.1-3), mas encontraram firme oposição da parte dos fariseus e dos
intérpretes da lei (7.30,39). A versão de Lucas da parábola difere pouco das
de Mateus e Marcos, embora seja muito mais curta e mostre alguma dife
rença de vocabulário. “Essas mudanças mostram que Lucas ou a tradição
oral se sentiram à vontade para modificar pormenores na narração da
história, coisa que os modernos pregadores costumam fazer quando tornam
a contar as parábolas.”5
Mateus 13.18-23 Marcos 4.13-20 Lucas 8.11-15
18“Atendei vós, 13“Então lhes pergun 11“Este é o senti
pois, à parábola do tou: Não entendeis esta do da parábola: A
semeador. 19A todos parábola, e como com- semente é a palavra
os que ouvem a pala preendereis todas as pa de Deus. 1 A que
vra do reino, e não a rábolas? 140 semeador caiu à beira do cami
compreendem, vem semeia a palavra. 15São nho são os que a ou
o maligno e arrebata estes os da beira do ca viram; vem a seguir o
o que lhes foi semea minho, onde a palavra é diabo e arrebata-
do no coração. Este semeada; e, enquanto a lhes do coração a pa-
é o que foi semeado ouvem, logo vem Satanás lavra, p ara não
à beira do caminho. e tira a palavra semeada suceder que, crendo,
20O que foi semeado neles. ^Semelhante sejam salvos. 13A
em solo rochoso, mente são estes os se que caiu sobre a pe
esse é o que ouve a m eados em solo dra são os que, ou
palavra e a recebe rochoso, os quais, ouvin- vindo a palavra, a
5 .1. H. Marshall, “Tradition and Theology in Luke”, Tyn H Buli 20 (1969); 63.
logo, com alegria; do a palavra, logo a rece recebem com alegria;
21mas não tem raiz bem com alegria. 17Mas estes não têm raiz,
em si mesmo, sendo eles não têm raiz em si crêem apenas por al
antes de pouca dura mesmos, sendo antes de gum tempo, e na hora
ção; em lhe chegan pouca duração; cm lhes da provação se des
do a angústia ou a chegando a angústia ou a viam. 14A que caiu en
perseguição por perseguição por causa da tre espinhos são os que
causa da palavra, palavra, logo sc escandali ouviram e, no decorrer
logo se escandaliza. zam. 18Os outros, semea dos dias, foram sufo
O que foi semeado dos entre os espinhos, são cados com os cuida
entre os espinhos é o os que ouvem a palavra, dos, riquezas e
que ouve a palavra, 19mas os cuidados do mun deleites da vida; os
porém os cuidados do, a fascinação da riqueza seus frutos não che
do mundo e a fasci e as demais ambições, con gam a am adurecer.
nação das riquezas correndo, sufocam a pala 5A que caiu na boa
sufocam a palavra, e vra, ficando ela infrutífera. terra são os que, tendo
fica infrutífera. 20Os que foram semeados ouvido de bom e reto
Mas o que foi se em boa terra são aqueles coração, retêm a pala
meado em boa terra que ouvem a palavra e a vra; estes frutificam
é o que ouve a pala recebem, frutificando a com perseverança.”
vra e a compreende: trinta, a sessenta e a cem,
este frutifica, e pro por um.”
duz a cem, a sessenta
e a trinta por um.”
A parábola do semeador é uma das poucas que Jesus explicou a seus
discípulos e a outros que estavam junto dele. À primeira vista, a parábola
parece não necessitar de explicação, mas, na realidade, precisa ser aplicada
para que possa ser entendida espiritualmente. A pergunta inicial dos discí
pulos: “Por que lhes falas por parábolas?” recebe uma resposta que não é
prontamente entendida. Jesus diz: “Porque a vós outros é dado conhecer os
mistérios do reino dos céus, mas àqueles não lhes é isto concedido. Pois ao
que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que
tem lhe será tirado. Por isso lhes falo por parábolas; porque, vendo, não
vêem; e, ouvindo, não ouvem nem entendem.” (Mt 13.11-13).
Notamos que os discípulos perguntam por que Jesus fala ao povo por
parábolas, e que ele responde por que lhes fala por parábolas. Marcos dá
ainda mais ênfase à distinção entre nós e eles, registrando: “Aos de fora se
ensina por meio de parábolas” (4.11).
O que, precisamente, queria Jesus dizer ao se referir aos “mistérios do
reino”? Se Jesus é o Grande Mestre ( = Rabi), esperamos que ele ensine
verdades espirituais numa linguagem simples. Seria difícil crer que Jesus,
adotando uma determinada maneira de falar, pretendesse ocultar o seu
ensino das multidões, e, ainda assim, falar dos mistérios do reino.
Os documentos de Cunrã se referem ao papel do Mestre da Justiça,
comissionado para revelar os mistérios divinos. Além disso, o Mestre deveria
instruir seus discípulos sobre a revelação por ele recebida de Deus.6 Jesus
trouxe revelação divina ao ensinar a seus discípulos os segredos do reino dos
céus. Os outros, aqueles que não faziam parte do círculo mais restrito dos
discípulos de Jesus (quer dizer, os de fora), não tinham a compreensão do
reino como o tinham os seguidores mais próximos de Jesus.7
Jesus, indiretamente, se refere à exigência do novo nascimento espiri
tual para a entrada no reino de Deus (Jo 3.3-5). Em outras palavras, a
capacidade e o privilégio de discernir os segredos do reino foram dados aos
discípulos. Aos de fora, esse privilégio não foi concedido.8
As multidões a quem Jesus se dirigia são referidas como “eles”. Isso,
em si mesmo, não surpreende em vista dos ais proferidos por Jesus às cidades
impenitentes de Corazim, Betsaida e Cafarnaum (Mt 11.20-24). Jesus rece
bia oposição constante dos anciãos, escribas, fariseus e de toda a hierarquia
religiosa. Mateus parece ter empregado um termo simples para os judeus
que cercavam Jesus — são, apenas, “eles”.9
Entretanto, os segredos do reino não devem permanecer escondidos
para sempre. Marcos acrescenta as seguintes palavras à explicação de Jesus
sobre a parábola do semeador: “Pois nada está oculto, senão para ser
manifesto; e nada se faz escondido, senão para ser revelado” (4.22).10 A
verdade que Jesus proclama por meio das parábolas é entregue àqueles que
vêem e compreendem.
6. F. F. Bruce, Second Thoughts on the Dead Sea Scrolls (London: Paternoster Press, 1956), p.
101.
7. B. Van Elderen, “The Purpose of the Parables According to Matthew 13.10-17”, em New
Dimensions in Evangelical New Testament Studies, ed. R. N. Longenecker e M. C. Tenney
(Grande Rapids: Zondervan, 1974), p. 185.
8. W. Hendriksen, The Gospel of Mattew (Grand Rapids: Baker Book House, 1973), p. 553. J.
R. Kirkland rejeita essa explicação e afirma que pessoas esclarecidas e eruditas vêem a
verdade escondida nas parábolas, mas os menos inteligentes e menos perspicazes, não. Veja
seu “The Earliest Understanding of Jesus’ Use of Parables: Mark IV 10-12 in Context”, Novt
19 (1977): 13. A proposição de Kirkland desaparece diante da oração de Jesus: “Graças te
dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas cousas aos sábios e entendidos,
e as revelaste aos pequeninos.” (Mt 11.25).
9. J. D. Kingsbury, The Parables of Jesus in Matthew 13 (Richmond: John Knox Press 1969), p.
13.
10. Kirkland, “Earliest Understanding”, pp. 16-20.
Mateus, em contraste, diz que aquele que tem receberá em abundân
cia, e o que não tem, até o que tem lhe será tirado (13.12). Escrevendo para
os judeus, Mateus deixa implícita a idéia de que os judeus, a quem não fora
dada a percepção espiritual, e que rejeitam as palavras de Jesus, devem
abandonar o entendimento que têm dos ensinos do Velho Testamento, a
respeito do reino de Deus. Pois, sem uma compreensão espiritual desses
ensinamentos, os oráculos do Velho Testamento perdem o seu significado.
Assim, mesmo que eles (os judeus) vejam, não vêem; ainda que ouçam, não
ouvem e não entendem (Mt 13.13).
Todos os evangelistas citam as palavras de Isaías 6.9,10 —
De sorte que neles se cumpre a profecia de Isaías:
“Ouvireis com os ouvidos, e de nenhum modo entendereis;
vereis com os olhos, e de nenhum modo percebereis. Porque
o coração deste povo está endurecido, de mau grado ouviram
com os seus ouvidos, e fecharam os seus olhos; para não
suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos,
entendam com o coração, se convertam e sejam por mim
curados.” (Mt 13.14,15)
Os três evangelistas Sinóticos parecem empregar a citação de Isaías
para expressar a razão pela qual aqueles que tinham endurecido seus
coraçõesperderão, até mesmo, sua herança espiritual.11 Outros comenta
ristas interpretam o uso de Isaías 6.9,10 como lição ou advertência quanto
aos resultados de um coração empedernido.12
Dos três evangelistas Sinóticos, Marcos apresenta o relato completo
da interpretação da parábola feita por Jesus.13 Ele inclui uma recriminação
de Jesus: “Não entendeis esta parábola?” (4.13). Por implicação, Marcos
indica que a parábola do semeador é única. Talvez o fato desta parábola ter
sido uma das poucas que foram explicadas por Jesus, lhe dê um significado
especial. Mas, as palavras de recriminação também indicam que os discípu
los, cujos corações eram esclarecidos, deveriam ter entendido o sentido
básico da parábola.
O relato de Mateus é mais preciso em sua composição. Foi Mateus
quem deu o título dessa parábola à igreja: parábola do semeador. E é o
11. Hendriksen, Mark, p. 154.
12. Marshall, Luke, p. 323.
13. B. Gerhardsson, em “The Parable of the Sower and Its Interpretation”, NTS 14 (1967-68):
192, conclui que a parábola e sua interpretação caminham juntas como a mão e a luva. “Se
a parábola — na forma como a conhecemos — veio de Jesus, também sua interpretação”.
Veja C. F. D. Moule, “Mark 4.1-20. Yet once more”, Neotestamentica et Semitica (1969):
95-113.
Evangelho de Mateus que estabelece um tom pedagógico, com uniformida
de de estilo e frases simétricas de efeito.
Mas, antes de iniciarmos a interpretação da parábola propriamente
dita, devemos observar que a imagem usada por Jesus é retratada, também,
em 2 Esdras 9.30-33:
Disseste: “Ouvi, Israel: atentai para as minhas palavras, raça
de Jacó. Esta é a minha lei, que eu semeei entre vós, para que
dê fruto e vos traga glória para sempre”. Mas, nossos pais que
receberam tua lei não a guardaram; não observaram os teus
mandamentos. Não que o fruto da lei tenha perecido; isto é
impossível, pois tu és a lei. Os que a receberam pereceram,
porque deixaram de guardar a boa semente, que neles foi
semeada.14
Nos dias de Jesus o verbo “semear” podia ser empregado metaforica
mente, com o sentido de “ensinar”. Podemos presumir que esta era a
maneira de falar nas sinagogas locais. A formulação e a interpretação de
Jesus da parábola do semeador combinam muito bem com o padrão de
linguagem da época.
O que nos surpreende na interpretação da parábola é a ausência de
certos fatores. O primeiro deles é a figura do semeador. Apesar de ser
mencionada apenas como meio de introdução da parábola, sua presença na
interpretação, embora presumida, não é explicada. Em vez disso, a ênfase
cai sobre a semente que é lançada. Lucas chama a semente de “a palavra de
Deus”; Marcos a chama simplesmente de “palavra”. E Mateus, em vista da
citação de Isaías, diz, por implicação: “A todos os que ouvem a palavra do
reino, e não a compreendem, vem o maligno e arrebata o que lhes foi
semeado no coração. Este é o que foi semeado à beira do caminho” (13.19).
Embora pudéssemos esperar alguma referência à chuva, que obviamente
aumentaria a colheita, nada é dito (veja, por exemplo, Dt 11.14,17).15 Ne
nhuma menção é feita ao trabalho árduo de arar o campo, embora seja claro
que foi parte do processo. A provisão de chuva por parte de Deus e o esforço
do homem no trabalho do campo não têm nenhuma significação na constru
ção e interpretação da parábola.
A ênfase da parábola são os altos e baixos por que passa o lavrador em
seu trabalho de cultivar a terra.16 Ele pode perder parte do que plantou,
neste exemplo por três vezes, mas na colheita final tem uma safra abundante.
14. New English Bible, The Apocrypha (Oxford, Cambridge: Oxford and Cambridge Univers-
tity Press. 1970).
15. Gerhardsson, “Parable of the Sower”, p. 187.
16. C. H. Dodd, The Parables of the Kingdom (London: Nesbit and Co., 1935), p. 182.
Aplicação
Quando mencionou pormenores, tais como a beira do caminho, os
lugares rochosos e os espinhosos, Jesus, evidentemente, pretendia aplicar a
lição da semente e do solo às pessoas que ouviam a mensagem do reino
(Mateus), a Palavra de Deus (Lucas). Mateus usa O presente do particípio
grego, referindo-se aos que são chamados a ouvir e receber a Palavra de
Deus. A passagem explica também como a Palavra de Deus é ouvida por
quatro diferentes tipos de ouvintes.17
Mateus, bem como Lucas, apresentam a palavra coração. “Vem o
maligno e arrebata o que lhes foi semeado no coração” (13.19). A Palavra
de Deus alcança o coração daquele que a ouve, mas antes que a Palavra
possa produzir qualquer efeito, o maligno (Mateus), Satanás (Marcos), ou
o diabo (Lucas) vem e a arrebata. Na parábola, os pássaros descem à beira
do caminho e devoram os grãos. Diz Marcos: “São estes os da beira do
caminho, onde a palavra é semeada; e, enquanto a ouvem, logo vem Satanás
e tira a palavra semeada neles” (4.15). Poderíamos dizer: “entra-lhes por um
ouvido e sai pelo outro”. Algumas pessoas ouvem polidamente o evangelho,
e só. O evangelho não tem valor para elas, pois seus corações são endurecidos
como os caminhos pisados, à beira das plantações. Ignoram completamente
o resumo da lei de Deus: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu
coração...” (Mt 22.37).
De início, parece que uma semente lançada em solo rochoso brota
muito facilmente. As rochas, aquecidas no verão, desprendem, pouco a
pouco, nos meses de inverno, o calor armazenado. Há chuva suficiente e o
calor e a umidade fazem germinar, prontamente, o grão. Os brotos verdes
despontam rapidamente, e enquanto o resto do campo está ainda árido e
infrutífero, apresentam um espetáculo impressionante. O olho treinado do
lavrador vê a diferença. Ele sabe que a aparência das hastes verdes no solo
rochoso é enganosa. Quando cessarem as chuvas e o sol da primavera chegar
esquentando a terra, as plantas murcharão. Elas não têm, no solo, raízes
profundas capazes de suprir a planta de água. Elas definharão e morrerão.
Na interpretação desse segmento da parábola, tanto Mateus como
Marcos destacam o aspecto do imediatismo. “Semelhantemente são estes os
semeados em solo rochoso, os quais, ouvindo a palavra, logo a recebem com
alegria. Mas eles não têm raiz em si mesmos, sendo antes de pouca duração;
em lhes chegando a angústia ou a perseguição por causa da palavra, logo se
escandalizam” (Mc 4.16,17). O imediatismo é ressaltado na rápida germina
ção do grão lançado em terreno rochoso.
17. Gerhardsson, “Parable of the Sower”, p. 175.
Enquanto Mateus e Marcos atribuem a apostasia às dificuldades e à
perseguição, Lucas fala em “hora da provação” (Lc 8.13). Os evangelistas se
referem ao sofrimento que faz com que as pessoas mudem de opinião sobre
a religião. Quando chega a hora de tomar posição e pagar o preço, mudam
de interesse e se desligam da fé que uma vez abraçaram com alegria. Uma
palavra define essas pessoas: superficialidade. O sol, geralmente considerado
fonte de felicidade e alegria, é retratado aqui em termos de angústia e
perseguição.18 A razão desse aparente rigor é a falta de umidade. O justo,
por outro lado, floresce como uma árvore plantada junto a corrente de águas
(SI 1.3). Ao leviano falta convicção, coragem, estabilidade e perseverança.
Ele é influenciado por qualquer vento de doutrina que sopre em seu cami
nho. Porque não tem profundidade, sua vida espiritual tem significação
passageira.
A semente lançada entre os espinhos parece ter maior probabilidade
de crescer e de se desenvolver do que aquela que foi lançada em solo pouco
profundo. Primeiro, após um período de germinação, as plantas começam a
brotar. De fato, por ocasião da primavera parecem viçosas e não se diferen
ciam das outras. Mas, quando o calor do sol se torna mais forte e aquece a
terra, as raízes dos espinheiros e dos cardos renascem. Depois de descansa
rem durante o inverno, estão prontas para uma nova estação, e em questão
de semanas os espinhos e os cardos já ultrapassaram o trigo em altura. Elas
o privam da umidade e dos nutrientes da terra e, literalmente, o sufocam até
à morte.
O solo em que a semente foi lançada não é duro como o chão pisado
da beira do caminho, nem raso e rochoso. Ele é, antes, um solo bom — fértil
e úmido. O único problema é que aquele chão tem outros residentes perma
nentes, outras raízes. A semente lançada em terra fértil e úmida terá, muito
breve, que disputá-la com raízes que crescem e se desenvolvem abaixo do
solo, e com verdejantes cardos e espinhos à superfície. Resumindo, dois tipos
de plantas estarão lutando por um lugar ao sol e vencerá aquela que assentou
suas raízes antes e mais profundamente.
“Os outros, os semeados entre os espinhos, são os que ouvem a palavra,
mas os cuidados do mundo, a fascinação da riqueza e as demais ambições,
concorrendo, sufocam a palavra, ficando ela infrutífera” (Mc 4.18,19). O
homem que leva uma vida dupla — religião aos domingos e vida sem religião
durante a semana — logo descobrirá que “os cuidados do mundo, a fascina
ção da riqueza e as demais ambições” vencerão, e sua fé se tornará sem valor.
A mensagem do evangelho não pode florescer e dar fruto; ao contrário, ela
é sufocada pelos cuidados do mundo. Esse homem tem levado uma vida
18. Jülicher, Gleichnisreden, 2: 528.
49
dupla, desde o início. Encontrou segurança na riqueza e no que possui.
Relegou, propositadamente, sua fé a um lugar secundário. Ele é o homem
que colhe espinhos e cardos e, eventualmente, apenas espinhos e cardos.
Mesmo o que tem lhe é tirado.
Estas três representações do campo não devem desencorajar o lavra
dor. Do mesmo modo, as três descrições das pessoas cuja fé se tornou
infrutífera não devem desanimar o crente verdadeiro. A semente que foi
lançada em boa terra produziu colheita abundante. As pessoas que respon
dem com fé ao evangelho são inumeráveis, multidões incalculáveis. “Mas o
que foi semeado em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende; este
frutifica, e produz a cem, a sessenta e a trinta por um” (Mt 13.23).19 Marcos
apresenta uma ordem ascendente de a trinta, a sessenta e a cem por um.”
Lucas, na parábola propriamente dita, apenas cita que “produziu a cem por
um”, mas na interpretação, diz: “A que caiu na boa terra são os que, tendo
ouvido de bom e reto coração, retêm a palavra; estes frutificam com perse
verança” (8.15). Onde Lucas usa “retêm”, Marcos usa “recebem” e Mateus,
“compreende”.
Quem é, então, aquele que possui um coração reto e bom? Mateus
responde: “o que ouve a palavra e a compreende”. Mateus, naturalmente,
tem em mente a citação de Isaías. O homem reto de coração faz a vontade
de Deus e, ouvindo o chamado de Deus — “a quem enviarei?” —, responde
confiante: “Envia-me a mim, ó Senhor”. Ele é aquele que ouve e pratica a
Palavra. Ele compreende porque seu coração é receptivo à verdade de Deus.
Todo o seu ser — vontade, mente e emoção - é tocado pela Palavra. Há
um crescimento espiritual, e aquele que crê frutifica; ele faz a vontade de
Deus.20
O que a parábola ensina? Alguns estudiosos têm chamado a parábola
do semeador de parábola das parábolas. Isso não significa que tenha maior
destaque nos Evangelhos Sinóticos, mas, antes, que ela contém quatro
parábolas em uma. Embora todas as quatro sejam apenas aspectos de uma
19. The Gospel of Thomas, trans. B. M. Metzger, Citação 9, afirma o seguinte: “Jesus disse:
Eis que o semeador saiu para semear, encheu sua mão e semeou (a semente). Algumas
(sementes) caíram no caminho. Os pássaros vieram e as apanharam. Outras caíram sobre
as rochas e não lançaram raízes para a terra nem espigas para o céu. E outras caíram entre
espinhos. Eles abafaram as sementes e os vermes as comeram. E outras caíram em boa
terra, e lançaram bom fruto para o céu. Produziram sessenta por um e cento e vinte por
um.” E óbvio que o escritor do Evangelho de Tomé fundiu a parábola do semeador num
molde gnóstico. A razão porque o escrito conclui a parábola com “cento e vinte por um”
pode muito bem ter sido pelo fato de que ele acreditava ser o número 12 o número da
perfeição. Veja H. Montefiore e H. E. W. Tumer, Thomas and the Evangelists (London:
SCM Press, 1962), p. 48.
20. Kingsbury, Parables of Jesus, p. 62.
verdade particular: a Palavra de Deus é proclamada e ocasiona uma divisão
entre os que a ouvem; o povo de Deus recebe a Palavra, a compreende, e
obedientemente a cumpre; outros deixam de ouvir pela dureza de seus
corações, por serem basicamente superficiais, ou por interesse em riquezas
e posses. Essas pessoas não frutificam e, espiritualmente falando, até aquilo
que têm lhes será tirado. A parábola, portanto, atinge aqueles que realmente
fazem parte da igreja e os que estão “à margem”. Este é o tom principal da
parábola. Todos os seus pormenores fazem convergir, para esse ponto, o
foco da atenção. A proclamação fiel do evangelho nunca deixará de produzir
fruto, “trinta, sessenta ou mesmo cem vezes o que foi semeado”.
5
A Semente Germinan
do Secretamente
Marcos 4.26-29
26“Disse ainda: O reino de Deus
é assim como se um homem lan-
çasse a semente à terra, depois
dormisse e se levantasse, de noite
e de dia, e a semente germinasse e
crescesse, não sabendo ele como.
A terra por si mesma frutifica,
primeiro a erva, depois a espiga, e,
por fim, o grão cheio na espiga. 29E
quando o fruto já está maduro,
logo se lhe mete a foice, porque é
chegada a ceifa.”
O Evangelho de Marcos não é conhecido por suas dissertações; ao
contrário, em sua narrativa o autor retrata Jesus como um homem de ação.
Mesmo assim, o evangelista apresenta material didático, como a preleção
sobre os sinais do final dos tempos (capítulo 4). Marcos não está interessado
em aumentar o número de parábolas. Ele parece ter feito uma seleção do
material que tinha à disposição.1 Escolheu as parábolas do semeador, da
1. Veja-se, por exemplo, Marcos 4.2,10,13 e 33, onde o plural ‘parábolas’ é usado consistente-
mente.
semente germinando secretamente e do grão de mostarda. Essas parábolas
obviamente detalham o plantio da semente, a germinação e o amadureci
mento, a ceifa e a colheita.2 Marcos usa as parábolas para ilustrar a natureza
do reino de Deus como foi ensinada por Jesus.
Composição
Por falta de alguns pormenores, a história da semente germinando
secretamente é, em si mesma, de algum modo, simplista. Nada é dito a
respeito da preparação do solo, da chuva caindo, da extração da erva
daninha, ou da fertilização. A vida do lavrador parece semelhante à da
semente plantada: dormir à noite e despertar pela manhã. Ao chegar o
tempò da colheita, o fruto maduro é ceifado.
A parábola deixa de lado os detalhes por mais significativos que
possam ser e coloca ênfase na semeadura, na germinação e na ceifa. Não
devemos pensar que o fazendeiro passe seu dia ociosamente. Naturalmente
que não; ele tem trabalho pesado para ser feito. Lavrar a terra, fertilizá-la e
limpá-la das ervas daninhas toma muito de seu tempo. Além das tarefas
diárias, ele tem que cuidar das compras e das vendas, planejar e preparar a
colheita. Tudo isso está subentendido e dado como certo na parábola.
Observamos, também, que Deus providenciará a chuva necessária.3 Ele
controla os elementos da natureza.
Este é exatamente o ponto. Desde o momento em que lança a semente,
o lavrador deve confiar a Deus a germinação, o crescimento, a polinização
e a maturação. Ele pode descrever o processo da germinação do trigo, mas
não pode explicá-lo. Depois que a semente foi semeada, ela absorve a
umidade do solo, incha e brota. Após uma semana ou duas, as primeiras
hastes aparecem na superfície; gradualmente as plantas começam a lançar
rebentos, ganham altura e desenvolvem as espigas. Então, quando a planta
morre, sua cor muda do verde para o dourado; o grão amadurece e é chegada
a hora da ceifa. O fazendeiro não pode explicar esse crescimento e desen
volvimento.4 Ele é apenas um trabalhador que no tempo certo semeia e
colhe. Deus guarda o segredo da vida. Deus mantém o controla.
2. Lane, Mark, p. 149.Ridderbos, em Corning of the Kingdom, p. 142, é de opinião que Marcos
escolheu essas três parábolas para ensinar “o significado positivo da demora do julgamento.”
3. Quando Marcos escreve que a terra “por si mesma” produz o grão ele não quer dizer que o
solo produz a colheita sem a provisão de Deus, mas que a ajuda do fazendeiro não é necessária
no processo de germinação do grão. W. Michaelis, Die Gleichnisse Jesu (Hamburg: Furche-
Verlag, 1956), p. 38. Além disso, a ênfase na produção do grão não deve ser colocada sobre
o solo, nem na própria semente. R. Stuhlmann “Beobachtungen zu Markus IV. 26- 29", NTS
19 (1972-73): 156.
4. Jülicher, Gleichnisreden, 2: 540.
Interpretação
A parábola da semente germinando secretamente só é encontrada no
Evangelho de Marcos. Mateus e Lucas não se referem a ela, e não temos
maiores informações do que as encontradas nesses versículos de Marcos
4.26-29,5 A parábola é introduzida pela sentença: “O reino de Deus é assim.”
Há várias interpretações dessa parábola. Alguns comentaristas expli
cam o relato alegoricamente: Cristo semeou e na ocasião certa virá para a
ceifa; o resto da parábola se refere ao trabalho invisível do Espírito Santo na
igreja e na alma. Outros têm destacado um dos seguintes fatores: a semente,
o período de amadurecimento, a ceifa; ou o contraste entre semear e ceifar.
Certamente, todas essas interpretações — mesmo as alegóricas (quando
qualificadas) — apresentam pontos positivos.
João Calvino olhou além do Originador dessa parábola e viu os minis
tros da Palavra semeando a semente. Eles não devem desanimar, diz Calvino,
quando não vêem resultados imediatos. Jesus ensina que devem ser pacien
tes e os faz recordar o processo de germinação, como acontece na natureza.
Não devem se agastar ou se inquietar, mas depois de terem proclamado a
Palavra, devem se ocupar das tarefas do dia — dormir à noite, levantar pela
manhã e fazer tudo o que há para ser feito. Como a semente chega à
maturação no tempo próprio, assim o fruto do trabalho do pregador, even
tualmente, aparecerá. Os ministros do evangelho devem ter coragem e
continuar sua obra decidida e confiantemente.
Deus está atuando no processo da germinação da semente, em seu
crescimento, desenvolvimento e maturação. “O fruto é o resultado da se
mente; o fim está implícito no começo. O infinitamente grande já está ativo
no infinitamente pequeno.”9 É bom relembrar a afirmativa jubilosa de Paulo
5. Há paralelos na literatura apostólica, inclusive I Clemente 23.4: “Ó insensatos: Comparai-vos
a uma árvore. Tomai uma videira, por exemplo: ela primeiro espalha suas folhas, então o
botão e a flor, e somente após, primeiro a uva verde e então a madura.” Apostolic Fathers,
vol.2 ed. R. M. Grant e H. H. Graham (Camden. N. J.: Thomas Nelson & Sons, 1965), p. 48.
Ver também, II Clemente 11.3, e o Evangelho de Tomé, Citação 21.
6. H. B. Swete, The Gospel According to St. Mark (London: Macmillan & Co., 1909), p. 85.
7. Para uma classificação abrangente dessas interpretações, veja C. E. B. Cranfield: “Message
of Hope, Mark 4.21-32”, Interp 9 (1955): 158-162.
8. J. Calvin, Harmony of the Evangelists (Grand Rapids: W. B. Eerdmans, 1949), 2:128. Embora
Calvino dê atenção ao período de crescimento, dá ênfase igual àquele que semeia o grão. O
criticismo de Cranfield tem algum valor: Calvino considerou a parábola endereçada aos
discípulos de Jesus. No entanto, a aplicação, no comentário de Calvino, parece muito mais
abrangente do que o mero círculo dos doze discípulos. Ver Cranfield: “Message of Hope”,
p. 159.
9. Jeremias, Parables, p. 152.
“de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao dia
de Cristo Jesus” (Fp 1.6).
Na parábola, o lavrador é apenas um auxiliar da obra divina. Ele lança
a semente, e dia após dia faz o trabalho necessário — dá andamentos à sua
tarefa. Tem confiança que a época da colheita chegará. Sabe, pela experiên
cia, quantos dias se passarão desde a semeadura até à ceifa. 0 E quando a
colheita está madura ele não espera mais. O dia da ceifa chegou. Do mesmo
modo, os ministros da Palavra têm a tarefa divina de proclamar as boas-novas
de salvação em Cristo Jesus. Eles, também, devem permanecer de lado,
enquanto Deus efetua a obra secreta de crescimento e desenvolvimento. No
tempo de Deus, o ministro verá os resultados quando chegar a hora de ceifar.
A parábola da semente germinando secretamente é, realmente, uma
parábola de seqüência: a colheita segue a semeadura, no tempo devido. A
manifestação do reino de Deus sucede o ministério fiel da Palavra de Deus.
Um leva ao outro, e nada acontece sem o secreto poder operante de Deus.
“A lição é: a vitória está assegurada; a colheita se aproxima e chegará, com
certeza, no momento apropriado decidido no plano eterno de Deus. O reino
de Deus será revelado em todo o seu resplendor.”11
As últimas palavras da parábola são, de certo modo, reminiscência de
Joel 3.13: “Lançai a foice, porque está madura a seara.” Sem dúvida, a
passagem se refere definitivamente ao dia do julgamento quando o Senhor,
de acordo com Apocalipse 14.12-16, envia o seu anjo para ceifar a terra.
Nesse ínterim, aqueles que foram enviados para proclamar a Palavra têm
que aprender a ter a paciência do lavrador. “Sede, pois, irmãos, pacientes,
até à vinda do Senhor. Eis que o lavrador aguarda com paciência o precioso
fruto da terra...” (Tg 5.7). Falta de paciência é uma característica humana.
Ela aparece até mesmo na descrição de João, das almas daqueles que foram
mortos por causa da Palavra de Deus. Eles clamam em alta voz: “Até quando,
ó Soberano Senhor...?” e a resposta que recebem é que devem esperar ainda
por algum tempo (Ap 6.9-11). Deus está no comando e determina quando é
chegado o tempo da colheita. Ninguém, nem mesmo Jesus, sabe o dia e a
hora (Mt 24.36).
10. Os fazendeiros do centro-oeste americano têm um ditado que diz que o milho “deve estar
à altura dos joelhos pelo quatro de julho.”
11. Hendriksen, Mark, p. 170.
6
O Joio e o Trigo
Mateus 13.24-30
24“Outra parábola lhes propôs,
dizendo: O reino dos céus é seme
lhante a um homem que semeou
boa semente no seu campo; 25mas,
enquanto os homens dormiam,
veio o inimigo dele, semeou o joio
no meio do trigo, e retirou-se. 6E,
quando a erva cresceu e produziu
fruto, apareceu também o joio.
27Então, vindo os servos do dono
da casa, lhe disseram: Senhor, não
semeaste boa semente no teu cam
po? Donde vem, pois, o joio?
8Ele, porém, lhes respondeu: Um
inimigo fez isso. Mas os servos lhe
perguntaram: Queres que vamos e
arranquemos o joio? 2 Não! repli
cou ele, para que, ao separar o
joio, não arranqueis também com
ele o trigo. 30Deixai-os crescer jun
tos até à colheita, e, no tempo da
colheita, direi aos ceifeiros: Ajun-
tai primeiro o joio, atai-o em feixes
para ser queimado; mas o trigo,
recolhei-o no meu celeiro.”
A parábola sobre o trigo e o joio é peculiar ao Evangelho de Mateus,
assim como a parábola da semente germinando secretamente é encontrada
apenas em Marcos. A palavra/oio não é uma tradução adequada da palavra
original grega zizania, que significa “uma erva daninha que nasce nas plan
tações de grãos, parecida com o trigo”.1 Não podemos determinar se a
palavra se refere, ou não, a uma variedade venenosa dessa erva. De qualquer
modo, a planta se parece com o trigo e cresce exclusivamente em campos
cultivados.2 Na verdade, a planta é uma degeneração do trigo. A cizânia pode
ser comparada à aveia silvestre, que cresce livremente nos trigais da América
do Norte, e que são difíceis de se erradicar.
O Campo do Fazendeiro
Depois da parábola do semeador e de sua interpretação, Mateus relata
que Jesus contou à multidão uma outra parábola, a história de um fazendeiro
abastado. Ele tinha servos e também ajudantes, no tempo da colheita.
Como fazendeiro eficiente, esse dono de terras tinha usado boa semen
te em seu campo. É óbvio que ele não tinha interesse nenhum em semear
erva daninha, que iria lhe causar grande problema. A boa semente não está
misturada ao joio. O fazendeiro tinha semeado boa semente em seu campo
(quando e como isso foi feito não é importante para a história).
Assim que ele acabou de semear o trigo do inverno, veio seu inimigo.
Ele chegou escondido pelas trevas, enquanto todos dormiam, e semeou joio
por sobre o trigo. Com certeza não fez isso pelo campo todo. Aqui e ali, ele
espalhou a semente. Ninguém poderia saber, até à chegada da primavera,
que o joio estava crescendo entre o trigo.3 O joio tem a aparência exata do
trigo. Mas, quando as plantas começam a espigar, qualquer um pode distin
guir o trigo do joio — “pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7.20).
Nessa hora, no entanto, é impossível tentar resolver o problema.
Qualquer um andando pelo trigal para remover o joio vai pisar o trigo. Além
disso, as raízes do trigo e do joio estão tão emaranhadas que quem puxar o
joio vai arrancar também o trigo.
Os empregados do fazendeiro o alertaram sobre o problema e até
mesmo mostraram vontade de fazer algo a respeito. Queriam saber de onde
1. W. Bauer et al. Lexicon, p. 339.
2 .1. Lõw, Die Flora der Juden (Hildersheim: 1967), 1:725. SB, 1:667.
3. Meu sogro comprou uma fazenda no Canadá, no final de 1930. Logo viu que os campos
estavam cobertos com um tipo de erva chamada “margarida”. Do proprietário anterior, ele
ficou sabendo a causa: alguns anos antes, um vizinho rancoroso havia montado a cavalo, um
dia, e espalhado pelo campo sementes de “margarida”. O resultado é visto até hoje.
tinha vindo o joio. O fazendeiro apenas lhes explicou que um inimigo tinha
feito aquilo e deveriam deixar tudo como estava até à chegada da ceifa.
Então, os ceifeiros receberiam instruções para colher o joio e atá-lo em
feixes, e para recolher o trigo no celeiro. O fazendeiro usará os feixes de joio
— semente e palha — como combustível. Assim transformará em lucro uma
desvantagem: terá aquecimento para o inverno.
Embora, no final, o fazendeiro consiga resolver de algum modo aquela
situação, ele sabe que o joio absorveu umidade e nutrientes que se destina
vam ao trigo. Sua produção de grão será substancialmente menor que a
esperada. Apesar de toda a sua experiência de cultivo, ele foi incapaz de ver
a diferença entre o trigo e o joio antes que as plantas começassem a espigar
e o tempo da colheita estivesse próximo.4 Só meses após o mal ter sido feito,
o fazendeiro se deu conta de que seu inimigo o atacara insidiosamente. Ele
tem, então, que enfrentar as conseqüências da trama perpetrada por seu
inimigo.
Interpretação
Mateus 1336-43
36“Então, despedindo as multi
dões, foi Jesus para casa. E che
gando-se a ele os seus discípulos,
disseram: Explica-nos a parábola
do joio no campo. 37E ele respon
deu: O que semeia a boa semente
é o Filho do homem: o campo é
o mundo; a boa semente são os
filhos do reino; o joio são os filhos
do maligno; 39o inimigo que o se
meou é o diabo; a ceifa é a consu
mação do século, e os ceifeiros são
anjos. 40Pois, assim como o joio é
colhido e lançado ao fogo, assim
será na consumação do século. 41
Mandará o Filho do homem os
seus anjos que ajuntarão do seu
reino todos os escândalos e os que
praticam a iniqüidade, 42e os lan
çarão na fornalha acesa; ali haverá
choro e ranger de dentes. 43Então,
4. Jülieher, em Gleichnisreden, 2: 548, afirma que o joio amadurece antes do trigo.
os justos resplandecerão como o
sol, no reino de seu Pai. Quem tem
ouvidos (para ouvir), ouça.”
De acordo com Mateus, os discípulos de Jesus lhe pediram uma
explicação
cação sobre a parábola do joio.5 A explicação é dada em poucas
palavras. Pode ser lida assim:
1. “O que semeia a boa semente ó o Filho do homem;
2. o campo é o mundo;
3. a boa semente são os filhos do reino;
4. o joio são os filhos do maligno;
5. o inimigo que o semeou é o diabo;
6. a ceifa é a consumação do século, e
7. os ceifeiros são anjos.”
Embora a interpretação da parábola sej a dada por Jesus, a composição
da explicação parte de Mateus. Mateus toma o ensino de Jesus e ordena suas
palavras numa lista de sete conceitos.6 (O arranjo de nomes e dados é uma
característica de Mateus, como fica evidente desde o primeiro capítulo de
seu Evangelho.)
Na interpretação, nenhuma menção é feita ao fato de que o inimigo
veio quando todos dormiam. Também é omitida a referência ao crescimento
e à maturação do trigo e do joio, e nada é dito sobre o ajuntamento do trigo
no celeiro e dos feixes de joio lançados ao fogo. Em sua interpretação, Jesus
omite a referência aos servos. Ele talvez tenha feito isso para focalizar a
atenção no ponto mais significativo da parábola: o conflito entre o bem e o
mal, entre Deus e Satanás. E, nesse conflito, Satanás perde a batalha. Do
mesmo modo, a conversa dos servos com o fazendeiro parece não ter
importância para a interpretação da parábola. É deixada de lado; apenas
uma referência a ela é feita no resumo onde o fato do joio ser arrancado e
lançado ao fogo se torna importante (Mt 13.40). Na verdade, a conclusão da
interpretação é uma visão das coisas que acontecerão no final dos tempos,
Jesus, realmente, está dizendo: “com as Escrituras do Velho Testamento,
vou lhes dizer o que vai acontecer”.
5. Compare-se Mateus 15.15, onde a mesma questão da explicação da parábola é levantada.
Consulte-se M. de Goedt, “L’Eplication de la Parable de L’Ivraie (Mt XIII, 36-43)”, RB 66
(1959): 35. Veja-se J. Jeremias, “Das Gleichnis vom Unkraut unter dem Wiezen, ”em
Neotesstamentica et Patristica (Leiden: BrilI, 1962), p. 59.
6. R. Schippers, Gelijkenissen van Jezus (Kampen: J. H. Kok, 1962), p. 71.
41“Mandará o Filho do homem
os seus anjos que ajuntarão do seu
reino todos os escândalos e os que
praticam a iniqüidade, 42e os lan
çarão na fornalha acesa; ali haverá
choro e ranger de dentes. 43Então
os justos resplandecerão como o
sol, no reino de seu Pai. Quem tem
ouvidos (para ouvir), ouça.”
Da maneira usual, o ensinamento de Jesus reflete direta e indiretamen
te as Escrituras do Velho Testamento?7 Jesus parece se referir à profecia de
Sofonias: “De fato consumirei todas as coisas sobre a face da terra, ... os
homens e os animais” (1.2,3), quando fala de extirpar de seu reino tudo
aquilo que traga escândalo e todo aquele que pratique a iniqüidade. A frase
“os lançarão na fornalha acesa” lembra Daniel 3.6: “... lançado na fornalha
de fogo ardente.” O próprio conceito se assemelha a Malaquias 4.1: “Pois
eis que vem o dia, e arde como fornalha; todos os soberbos, e todos os que
cometem perversidade, serão como o restolho...” A passagem: “Então os
justos resplandecerão como o sol”, lembra Daniel 12.3: “Os que forem
sábios, pois, resplandecerão, como o fulgor do firmamento; e os que a muitos
conduzirem à justiça, como as estrelas sempre e eternamente.” E para
completar, devemos ler, também, Malaquias 4.2: “Mas para vós outros que
temeis o meu nome nascerá o sol da justiça...”
Sem dúvida, na interpretação de Jesus, ressoa o eco das palavras e
sentimentos dos profetas. A parábola do joio é, realmente, aquela na qual
Jesus ensina o julgamento que está para vir; pode ser chamada de a parábola
da ceifa.
Os servos estavam dispostos a arrancar o joio, embora pudessem, no
processo, arrancar também o trigo — o sistema de raízes do joio é bem mais
desenvolvido que o do trigo. Mas o fazendeiro diz: vamos esperar até à ceifa,
quando, então, os ceifeiros separarão o trigo do joio.
O fazendeiro conhece o seu negócio. Se permitir que os empregados
arranquem o joio, perderá sua safra de trigo, pois o trigo não pode ser
7. Jeremias, em Parables, pp. 84,85, afirma que “é impossível deixar de concluir que a
interpretação sobre o joio vem do próprio Mateus.” De acordo com Kingsbury, em Parables
of Jesus, p. 109, Jesus é o Senhor exaltado, que exorta os cristãos na igreja de Mateus a serem
obedientes à vontade de Deus. No entanto, como observa R. H. Gundry: “A resposta à
questão de origem é o ensino de Jesus.” The use of the Old Testament in St. Matthew’s
Gospel (Leiden: Brill, 1967), p. 213. Resumindo, não temos que chegar à mente imaginativa
de Mateus. Antes, a origem desse ensinamento está em Jesus mesmo.
separado do joio. Se perder sua colheita, dará ao seu inimigo a satisfação
que ele pretendia.
Em vez disso, o dono de terras dccide esperar que toda a plantação
amadureça. Fará a separação na ocasião da ceifa. Tanto o joio quanto o trigo
estarão maduros para a colheita.
O joio são os filhos do maligno, e a boa semente são os filhos do reino.
Como os dois — o mal e o bem — amadurecem não é explicado, e será
sensato não tentarmos ir além da parábola, em busca de explicação.8
Enquanto os dois crescem e amadurecem, o fazendeiro não pode fazer
nada para remediar a situação. Essa incapacidade não provém da ignorân
cia. Pelo contrário, o lavrador, plenamente ciente do problema, espera o
tempo certo. Ele sabe o que deve ser feito. Ele sabe de onde veio o joio e
como foi semeado em seu campo — à noite, enquanto todos dormiam.
Jesus, ao interpretar a parábola, disse que o fazendeiro que semeia boa
semente é o Filho do homem. O Filho do homem é o próprio Jesus, que
tomando a forma humana, se fez semelhante ao homem (Fp 2.7,8). Ele veio
semear a boa semente, os filhos do reino, a nova humanidade em Cristo. O
campo onde a semente é lançada é o mundo. É onde tem lugar o drama entre
o bem e o mal. O inimigo que semeia o joio é o diabo, e o joio são os filhos
do maligno.
É interessante notar que o campo, o mundo, pertence ao fazendeiro
— a Jesus. Nesse campo cresce o trigo e o joio. Não importa onde o homem
viva na terra. Onde quer que viva estará em propriedade que pertence a
Jesus.9 Ele é o trigo ou o joio, um ou outro. Ele é filho do reino ou filho do
maligno. Tanto o trigo quanto o joio estarão maduros quando o dono das
terras enviar os ceifeiros para o campo.
Quando chegar o final dos tempos, os ceifeiros, que são anjos de Deus,
separarão o bom do mau, o trigo do joio, os filhos do reino dos filhos do
maligno. No conflito entre Deus e Satanás — tudo que causa escândalo e
todo aquele que pratica a iniqüidade — é arrancado e lançado ao fogo
ardente. Os filhos do reino, por outro lado, resplandecerão como o sol, no
reino de seu Pai. Eles são os justos. São abençoados. Permanecerão para
sempre.
A Semeadura e o Crescimento
Vinte e cinco alunos acompanham seu professor a Washington D.C.,
para ver a Casa Branca. Quando voltam à sala de aula, o professor pede que
cada um deles faça uma descrição da visita. Vinte e cinco redações refletem
vinte e cinco aspectos da residência presidencial. Uma criança, talvez,
escreva: “A Casa Branca parece...”, seguindo-se uma descrição daquilo que
lhe pareceu mais interessante. Outra criança, todavia, pode usar a mesma
introdução, mas na redação retratar uma perspectiva da Casa Branca,
inteiramente diferente.
Jesus tornou familiar a seus seguidores várias das características do
reino de Deus. Por meio de parábolas, ele procurou descrever as facetas do
poder soberano de Deus. Assim, ele introduz suas parábolas com a frase: “O
reino dos céus é semelhante...”
A parábola do grão de mostarda, em contraste com a do trigo e do joio,
é muito curta. Em poucas palavras, Jesus descreve o surpreendente tamanho
da mostardeira (“árvore”, em Mateus e Lucas; “hortaliça”, em Marcos) que
se desenvolve da menor das sementes. Obviamente, Jesus realça a diferença
entre o pequenino grão e a grande árvore. Ele não diz nada sobre a qualidade
da mostarda. Ele poderia ter mencionado seu uso na comida e nos remédios,
sua cor e seu gosto, mas esse não era o propósito da parábola.
Jesus usa um exemplo da vida diária. Na nossa sociedade moderna de
comida enlatada, engarrafada e empacotada, muitos não conhecem uma
horta. Mas nos dias de Jesus quase todo mundo tinha sua própria plantação.
Mesmo os religiosos pagavam o dízimo das especiarias colhidas — hortelã,
1. A. B. Bruce, The Parabolic Teaching of Christ (New York: A. C. Armstrong, 1908), p. 91.
2. Michaelis, Gleichnisse, p. 55. No Evangelho de Tomé, as parábolas do grão de mostarda e
do fermento estão separadas. Elas têm o mesmo estilo (com ligeiras variações) dos relatos
canônicos. Vejam-se Citações 20 e 96.
endro e cominho (Mt 23.23). Em cada quintal havia uma mostardeira. A
planta podia, muitas vezes, ter crescido no campo ao lado do canteiro de
hortaliças, porque exige muito espaço. Em Mateus, o jardineiro plantou a
semente em um campo; em Lucas, numa horta; e em Marcos, na terra.
O horticultor tomou apenas uma das sementes de mostarda. Seus
dedos pareciam grandes demais para segurar uma semente tão pequena. Ele
plantou a semente em seu campo porque sabia que aquela coisinha minús
cula tinha a capacidade de se transformar numa planta do tamanho de uma
árvore.3 Ele precisava de apenas uma planta, e ele sabia do contraste entre
a semente e a planta.4 De fato, o tamanho insignificante da semente de
mostarda se tornou proverbial, no primeiro século. Jesus, uma vez disse: “Se
tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para
acolá, e ele passará” (Mt 17.20).5 Tanto Mateus como Marcos dizem expli
citamente que o grão de mostarda é a “menor de todas as sementes”. O
contraste, no entanto, se torna mais marcante, porque a afirmativa é posta
em comparação com a descrição da planta adulta: “crescida, é maior do que
as hortaliças, e se faz árvore”. Aquele minúsculo grão, depositado no solo,
se transforma numa árvore. Um milagre!
7. J. W. Wevers, Ezekiel (Greenwood, S. C.: Attic Press, 1969), p. 139. C. L. Feinberg, em The
Prophecy of Ezekiel (Chicago: Mood Press, 1969), p. 97, diz que os versículos finais de
Ezequiel 17 “sem dúvida, apresentam uma profecia messiânica”. Veja, também, D. M. G.
Stalker, Ezekiel (London: S. C. M. Press, 1968), p. 154; J. B. Taylor, Ezekiel (Downers Grove,
III: Inter Varsity Press, 1969), p. 146; e, J. Mánek, Und Brachte Frucht (Stuttgart: Calwer,
1977), p. 28.
8. Os estudiosos hesitam em se referir à planta da mostarda como uma árvore. Veja R. W. Funk:
“The Looking-Glass Tree is for the Birds”, Interp 27 (1973): 5. No entanto, ela alcança uma
altura de mais ou menos três metros. A linguagem popular descrevia o fenômeno do
crescimento da mostarda, naqueles dias, como “uma árvore”.
9. Os rabinos costumavam chamar os gentios de “aves do céu”. Veja Hunter, Parables, p. 45, e
Kingsbury, Parables of Jesus, p. 82. Também, H. K. McArthur, “The Parable of the Mustard
Seed”, CBQ 33 (1971): 208; O. Kuss, “Zum Sinngehalt des Doppelgleichnisses vom Senfkom
und Sauerteig”, Bib 40 (1959): 653.
8
O Fermento
Mateus 1333 Lucas 13.20,21
“Disse-lhes outra parábo- “Disse mais: a que
la: O reino dos céus é seme- compararei o reino de
lhante ao fermento que uma Deus? 21É muito semelhan-
mulher tomou e escondeu em te ao fermento que uma
três medidas de farinha, até fi- mulher tomou e escondeu
car tudo levedado.” em três medidas de farinha,
até ficar levedado.”
O método visual era um dos recursos pedagógicos mais usados por
Jesus. Sempre que ensinou às multidões a respeito do reino de Deus, ele
usou exemplos tirados diretamente do cotidiano. Quando menino, em Na
zaré, viu sua mãe fazendo pão. Primeiro, ela dispunha as vasilhas e panelas;
então, pegava farinha, água e fermento, e adicionava uma pitada de sal. Ela
misturava os ingredientes e deixava a massa descansar. Seu trabalho, até ali,
estava feito; o fermento agiria e faria a massa crescer. Quando o processo
da fermentação estivesse completo, ela dividiria e assaria os pães.
Jesus contou a história de uma mulher fazendo pão — cena comum do
dia-a-dia. A mulher apanhou uma pequena quantidade de fermento, mistu
rou-o a uma grande quantidade de farinha, e assou pão suficiente para uma
refeição de cem pessoas. Tanto Mateus quanto Lucas indicam que a mulher
usou três satas de farinha. Uma iate eqüivale a, mais ou menos, 13,13 litros.
Assim, a mulher tomou cerca de 39 litros de farinha — mais de 20 quilos —,
pretendendo fazer uma grande quantidade de pão. É demais, naturalmente,
para o consumo diário de uma família pequena.1 Mas Sara, mulher de
Abraão, assou o mesmo tanto, quando três homens vieram visitá-los em
Manre (Gn 18.6). E, em pelo menos outras duas referências, o total de três
medidas (seah, ou um EFA) 6 mencionado em relação à farinha usada para
o pão (Jz 6.19 e 1 Sm 1.24).
Há quem argumente que as traduções modernas confundem o sentido
básico do versículo traduzindo a palavra grega zume como fermento e não
como levedo. A não ser entre o povo judeu, o uso do levedo não é muito
conhecido, e por isso o conceito de fermento está na introdução: “O reino
dos céus é semelhante ao fermento que uma mulher tomou e escondeu em
três medidas de farinha, até ficar tudo levedado” (Mt 13.33). O fermento,
como o conhecemos hoje, é limpo, fresco, saudável e até saboroso. E feito
da cultura de uma solução de sal e açúcar à qual se adiciona amido. O levedo,
no entanto, era conseguido com uma porção de massa guardada da semana
anterior, à qual eram adicionados sucos para facilitar o processo de fermen
tação. Se o levedo fosse contaminado por uma cultura de bactérias nocivas,
essa contaminação passaria para o pão até que o processo fosse interrompi
do, quando comessem pão não levedado durante uma semana, como faziam
por ocasião da Páscoa.
Jesus não teve a intenção de considerar nocivo o levedo. Ele usou o
exemplo do levedo por causa de seu poder oculto. O fermento e o levedo
fazem a massa crescer, permeando-a inteiramente. Depois de misturados à
farinha, o fermento ou o levedo não podem mais ser encontrados. Ficam
escondidos e invisíveis.
Esta parábola tão curta tem sido interpretada de várias maneiras.
Jerônimo, por exemplo, identificou a mulher com a igreja.3 As três medidas
de farinha têm sido explicadas como sendo os três ramos da raça humana
(descendentes de Sem, Cão e Jafé); os gregos, judeus e samaritanos; ou o
coração, a alma e a mente.4 Essas interpretações são especulativas, imagi
nativas e de pouco valor.
1. Jeremias, em Parables, p. 147, afirma sumariamente: “Nenhuma dona-de-casa amassaria tão
grande quantidade de pão.”
2. Para uma descrição mais minuciosa, veja-se C. L. Mitton, “Leaven”, Expt T 84 (1973), 339-43.
3. R. C. H. Lenski, Inteipretation of St. Matthew’s Gospel (Columbus: Lutheran Book
Concem, 1943), pp. 530-32).
4. F. Godet, Commentaiy on St. Luke’s Gospel (Grand Rapids: Kregel, reprint of 1870 ed.), 2:
122. R. W. Funk, em “Beyond Criticism in Quest of Literacy: The Parable of the Leaven”,
Interp 25 (1971) entende o número três escatologicamente e escreve: “Três medidas de
farinha apontam para o poder sacramental do Reino para a ocasião festiva de uma epifania”,
p. 163. Devemos acentuar, no entanto, o poder e não o significado da farinha ou do número
três.
A parábola destaca o fato de o fermento, uma vez adicionado à farinha,
permear toda a porção de massa, até que cada partícula seja atingida. O
fermento fica invisível, mas todos podem ver o seu efeito. É assim que o reino
de Deus demonstra seu poder e sua presença no mundo de hoje.
Na parábola do grão de mostarda, Jesus tornou conhecida a expansão
aparente do reino. Na parábola do fermento, ele focaliza a atenção no poder
interior do reino e em sua influência sobre tudo.
A parábola do grão de mostarda ilustra o programa evangelístico
global da igreja em obediência à comissão de Cristo e seus seguidores para
que fizessem discípulos em todas as nações. A parábola do fermento torna
claro que essa obediência a Cristo traz como conseqüência a cristianização
de cada setor e de cada segmento da vida. O seguidor de Cristo deixa sua
luz brilhar diante dos homens, para que vejam suas boas obras e glorifxquem
seu Pai que está nos céus (Mt 5.16). Ele alivia o sofrimento dos pobres e dos
aflitos; luta pela causa da justiça, em favor dos oprimidos; exige honestidade
dos que foram eleitos ou escolhidos para governar as nações; ergue o
estandarte da moralidade e da decência; defende a santidade da vida;
respeita as leis da natureza; exige integridade nos negócios, no comércio, na
indústria, no trabalho e nas profissões (médicas, jurídicas, religiosas); e na
área da educação, explica significativamente que em Cristo “todos os tesou
ros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos” (Cl 2.3). O seguidor de
Cristo torna o ensinamento das Escrituras de especial relevância em todos
os lugares. “Está claro para todo aquele que tiver olhos para ver, que o
“fermento” do poder de Cristo, nos corações e nas vidas dos homens e em
todas as esferas humanas, tem exercido, de milhares de maneiras, uma
influência completa. E essa influência ainda continua.”5 Quem tem ouvidos
para ouvir, ouça.
O que, precisamente, queria Jesus dizer com a expressão “reino dos
céus”? E um sinônimo de igreja? O povo de Deus, individual e coletivamente,
confessa o nome de Jesus Cristo como seu Salvador. Juntos constituem a
igreja. Nessa igreja recebem dons e poderes que se tornam capazes de
guardar cuidadosamente a lei de Deus, proclamar universalmente o evange
lho da salvação e promover efetivamente o governo de Deus.6 A igreja, então,
é constituída de cristãos que praticam os ensinamentos de Cristo em todas
as esferas da vida. Assim procedendo, promovem o reino de Deus, no qual
o governo de Cristo é aceito. Resumindo, cada área da vida influenciada pelo
ensinamento de Cristo (o fermento) pertence ao reino.
5. Hendriksen, Matthew, p. 568.
6. Para um estudo mais abrangente, veja-se Ridderbos, Corning of the Kingdom, especialmente
as páginas 342-56.
9
O Tesouro Escondido
Mateus 13.44
^ “O reino dos céus é semelhan-
te a um tesouro oculto no campo,
o qual certo homem, tendo-o acha
do, escondeu. E, transbordante de
alegria, vai, vende tudo o que tem,
e compra aquele campo.”
10
Pérola
Mateus 13.45,46
45“0 reino dos céus é também
semelhante a um que negocia e
procura boas pérolas; 46e, tendo
achado uma pérola de grande va
lor, vendeu tudo o que possuía, e a
comprou.”
E m sua série de sete parábolas, Mateus elabora cuidadosamente as
duas primeiras — o semeador, o trigo e o joio — registrando a interpretação
de cada uma delas. As outras cinco são um tanto curtas na forma, e diretas
no tocante ao assunto. Apenas duas sentenças constituem cada uma das
parábolas — do tesouro oculto e da pérola; a primeira sentença de cada uma
delas é a conhecida frase introdutória: “O reino dos céus é semelhante a...”
O ponto principal da parábola se encontra, naturalmente, na segunda frase.
Encontramos essas duas parábolas apenas no Evangelho de Mateus.
Não sabemos se Jesus contou-as em seqüência ou se Mateus reuniu- as pelo
assunto ao organizar seu material. Permanece o fato de que as duas estão
relacionadas.
Estritamente falando, as frases que apresentam as duas parábolas não
são inteiramente condizentes. Numa, o reino dos céus é semelhante a um
tesouro; e na outra, a um mercador. Não devemos, no entanto, abordar as
duas parábolas com a mente analítica ocidental. Devemos, antes, procurar
seu sentido básico buscando entendê-las como foram entendidas pelos
discípulos, que primeiro as ouviram.
Composição
Jesus contou a história de um homem que achou um tesouro escondido
num campo. Rapidamente, tornou a enterrá-lo e voltou alegre para casa, a
fim de vender tudo o que possuía, para comprar o campo.
As crianças, muitas vezes, fantasiam que em algum lugar, em alguma
casa velha, ou celeiro, vão descobrir um tesouro que ninguém viu. Na nossa
sociedade sofisticada, consideramos isso irreal; pensamos que tais coisas não
acontecessem mais. Entretanto, de tempos em tempos, descobertas são
feitas: um pastor encontrou, perto do Mar Morto, rolos de pergaminho de
dois mil anos de existência; um mergulhador localizou, afundado na costa
da Flórida, um navio espanhol do século 17, cheio de ouro e prata; e um
fazendeiro, arando o seu campo, em Suffolk, Inglaterra, achou um cofre que
guardava belos pratos de prata, do tempo dos romanos.2
Um tesouro tinha sido enterrado em um campo. Quem o enterrara e
por quanto tempo permanecera ali, são perguntas que não temos como
responder. Sabemos que, na antiga Palestina, um país freqüentemente em
guerra, as pessoas achavam mais seguro guardar seu tesouro, ou parte dele,
no campo do que em suas casas. Em casa, os ladrões podiam roubá-lo; no
1. Alguns estudiosos citam o Evangelho de Tomé, onde as duas parábolas estão separadas
(Hidden Treasures, Citação 109; and Pearl, Citação 76). Isso é verdade, também, em relação
às parábolas do grão de mostarda e do fermento. A evidência disponível, no entanto, não é
conclusiva. O assunto é discutido por O. Glombitza, “Der Perlenkaufmann”, NTS 7 (1960-
61): 153-61. Ver também J. C. Fenton: “Expounding the Parables: IV. The Parables of the
Treasure and the Pearl (Mt 13.44-46)”, Expt 77 (1966): 178-80; J. Dupont: “Les Paraboles
du Trésor et de la Perle”, NTS 14 (1967-68): 408-18.
2. E. A. Armstrong, The Gospel Parables (New York: Sheed and Ward, 1967), p. 154.
campo ficaria em maior segurança. Mas, se o proprietário morresse na
guerra, levaria para o túmulo o seu segredo, e ninguém, jamais, poderia saber
onde enterrara o tesouro.
O homem que encontrou tal tesouro podia ser um empregado ou
mesmo um arrendatário daquele campo. Talvez estivesse arando, cavando
buracos, ou plantando uma árvore. De qualquer modo, ele bateu em alguma
coisa dura debaixo da terra, cujo som não parecia o de uma pedra. Ele cavou
e encontrou um tesouro. Não nos é contado de que tesouro se tratava, mas
o homem ficou maravilhado. Nunca tinha visto um tesouro tão valioso. Tudo
aquilo poderia ser seu, se comprasse o campo.
Em segundos, arquitetou um plano. Rapidamente, pôs o tesouro de
volta no lugar, cobriu-o com terra e foi para casa. Sabia que o atual proprie
tário do terreno não tinha enterrado o tesouro ali. Assim, se o dono lhe
vendesse o terreno, ele teria a posse do tesouro, que, então, seria seu de
direito.3 Ele precisava de dinheiro e pôs à venda tudo o que tinha. Algumas
pessoas talvez tenham meneado a cabeça, reprovando aquela atitude tão
impetuosa. Mas o homem sabia o que estava fazendo. Com o dinheiro,
poderia comprar o campo e teria para si o tesouro.
Em poucas palavras, Mateus relata a parábola da pérola, contada por
Jesus. Um mercador está à procura de pérolas e encontra uma de excepcio
nal valor. Vai, vende tudo que possui, e compra aquela pérola única.
A história é muito parecida com a do homem que encontrou o tesouro.
A mesma dedicação é encontrada em ambas as parábolas. Cada um dos
homens quer ter o objeto de seu desejo mesmo que isso lhe custe o que
ajuntou em toda a sua vida. Os dois, literalmente, vendem tudo o que têm
para conseguir o tesouro e a pérola.
No tempo do Velho Testamento, as pérolas, aparentemente, não eram
conhecidas, mas já no primeiro século da era cristã, tinham-se tornado
símbolo de status entre os ricos.4 Jesus disse a seus ouvintes: “Nem lanceis
ante os porcos as vossas pérolas” (Mt 7.6), e Paulo queria que as mulheres
de seu tempo se vestissem modestamente: “não com cabeleira frisada e com
ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso” (1 Tm 2.9). No Apocalipse, uma
voz dos céus, diz: “Choram e pranteiam os mercadores da terra, porque já
ninguém compra a sua mercadoria, mercadoria de ouro, de prata, de pedras
preciosas, de pérolas” (Ap 18.11,12).
3. Não devemos pôr em dúvida a moral daquele homem, pois não sabemos como eram as leis
de propriedade, nos dias de Jesus. A parábola não dá ênfase à conduta ética do homem que
encontrou o tesouro. Para um estudo mais detalhado, veja-se J. D. M. Derrett, Law in the
New Testament (London: Longman and Todd, 1970), pp. 1-16.
4. B. T. D. Smith, The Parables of the Synoptic Gospels (Cambridge: S. P. C. K., 1937), p. 145.
Nos dias de Jesus e dos apóstolos, as pérolas eram muito procuradas.
Os mercadores tinham que ir ao Mar Vermelho, ao Golfo Pérsico, e até
mesmo à índia para encontrá-las. As pérolas inferiores vinham do Mar
Vermelho; as melhores vinham do Golfo Pérsico e das costas do Ceilão (hoje
Sirilanka) e da índia.5 Um mercador tinha que viajar muito para conseguir
as melhores e maiores pérolas.
O homem, cuja história Jesus contou, está à procura das mais finas
pérolas. Não sabemos para onde viajou, mas um dia encontrou uma de
grande valor. Para ele, era uma oportunidade única na vida. Não sossegou
enquanto não a teve. Pensou muito, fez todos os cálculos, avaliou seus bens,
e decidiu vender tudo o que tinha para comprar aquela pérola única,
perfeita.
Devemos notar que o mercador não foi deliberadamente de um apa
nhador de pérolas para outro, em busca de uma excepcional. Enquanto as
procurava, no decorrer normal de seu trabalho, ele se deparou com a melhor
de todas as pérolas que já havia visto. Como o homem que descobriu o
tesouro, o mercador, de repente, viu a pérola. Era uma questão de agora —
ou nunca: vender tudo e comprar! Típico negociante oriental, mantém o
rosto impassível durante o negócio. Quando a pérola for sua, haverá tempo
para celebrar.
“Nada vale, nada vale, diz o comprador, mas,
indo-se, então se gaba.” (Pv 20.14)
Aplicação
Os amigos e conhecidos dos dois homens das parábolas devem ter
sacudido suas cabeças em desaprovação, quando os viram vender tudo que
possuíam. Devem ter ficado surpresos, quando logo a seguir tiveram conhe
cimento do lucro obtido. E tiveram que mostrar respeito; os homens sabiam
o que estavam fazendo.
Os dois, no entanto, não especularam. Não havia nenhum risco na
compra do campo, ou na aquisição da pérola; o que fora comprado valia o
preço. O que fizeram foi o mais sensato. Por acaso, encontram aqueles bens,
e seria tolice ignorá-los. Diante da oportunidade, tudo que tiveram que fazer
foi adquirir o tesouro e a pérola.
Ao comprar o campo e a pérola, os dois homens não fizeram sacrifício
algum, mesmo vendendo tudo o que possuíam. “Há uma diferença básica
5. Smith, Parables, p. 146. Veja Schippers, Gelijkenissen, p. 103; Jeremias, Parables, p. 199;
Hauck, TDNT, IV: 472.
entre o valor de uma compra e um sacrifício. A compra é a aquisição de um
objeto de valor equivalente. O sacrifício, de outro lado, é uma dádiva que
não espera recompensa.”6 Tanto o homem que encontrou o tesouro quanto
o mercador de pérolas pagaram o preço justo pelo que compraram. Viram
a oportunidade e se mostraram dispostos a pagar o preço devido. Deram
tudo o que tinham em troca do único bem desejado.
O que, então, as parábolas ensinam? Pais da Igreja, como Irineu e
Agostinho, identificam o tesouro e a pérola com Cristo. Pensaram acertada-
mente. O recém-convertido diz exatamente a mesma coisa: “Achei o Cristo.”
O novo cristão, de repente, encontrou Cristo. Alegre, ele volta para casa,
abandona o seu modo de vida, e se devota completamente a seu Senhor.
Alguns vendem tudo o que têm para buscar instrução teológica, a fim de se
ordenarem ministros ou missionários do Evangelho de Cristo.
✓ 7
E Cristo quem oferece o tesouro e a pérola aos viajantes da vida.
Alguns deles estão buscando; outros estão andando a esmo. Subitamente,
encontram Jesus e acham nele um tesouro inestimável. Sua resposta a Jesus
é de entrega total. Alegremente vendem tudo o que têm, para ter Jesus. A
salvação, naturalmente, é plena e de graça, e não pode ser comprada. É uma
dádiva. Significa que Jesus exige o coração do homem. Como nas palavras
do antigo hino:
Tudo, ó Cristo, a ti entrego,
Por ti tudo deixarei;
Resoluto, mas submisso,
Sempre a ti eu seguirei.
Tudo entregarei! Tudo entregarei!
Tudo, sim, Jesus bendito, por ti deixarei!
1. No Evangelho de Tomé, Citação 8, encontramos uma parábola semelhante, uma cuja ênfase
difere radicalmente: “E ele disse: O homem é como um pescador que lançou sua rede ao
mar; ele a recolheu quando estava cheia de pequenos peixes. Entre eles o pescador achou
um peixe grande. O pescador sensato lançou de volta ao mar todos os pequenos peixes (e)
escolheu o grande, sem dificuldade. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.”
2. Mánek, Frucht, p. 50. Ver, também, Jeremias, Parables, p. 226.
A parábola do joio é mais descritiva. Ela menciona o fazendeiro, seus
servos, e os ceifeiros, mas na parábola da rede apenas os pescadores e suas
tarefas são mencionados. O joio é semeado no campo depois que o fazen
deiro já tinha plantado o trigo, ao passo que os peixes próprios para serem
consumidos, e os impróprios, estão sempre juntos no Mar da Galiléia. A
parábola do joio descreve as condições do campo, no presente, e a ceifa
como um acontecimento futuro. A parábola da rede, por outro lado, retrata
a separação dos peixes, no presente.3
A Pesca
A maior parte dos discípulos de Jesus era de pescadores por profissão;
tinham deixado suas redes e seus barcos para seguir Jesus e se tornarem
pescadores de homens. Quando Jesus lhes contou a parábola da rede,
compreenderam cada nuança da história. Jesus se referiu exatamente ao
modo de vida que levavam antes.
A margem norte do Mar da Galiléia é um dos melhores lugares de
pesca, em Israel. As plantas arrastadas pela correnteza do rio Jordão são
depositadas na enseada, ao norte. Essas plantas atraem e alimentam cardu
mes vastos e variados. Vinte e cinco espécies nativas, pelo menos, já foram
identificadas naquele lado.4
Embora houvesse várias maneiras de pescar, nos dias de Jesus, um dos
mais eficientes era o uso do arrastão. Esse tipo de rede tinha dois metros de
largura e perto de cem metros de comprimento. Tinha cortiça na parte
superior para mantê-la à tona e pesos na parte inferior, para mantê-la ao
fundo. Às vezes, os pescadores fixavam uma das extremidades da rede na
praia, enquanto um barco puxava a outra ponta pelo lago, fazendo uma curva
e trazendo a rede de volta à praia. Outras vezes, saíam dois barcos da praia,
formando um semicírculo com a rede; juntos, os homens a puxavam para
apanhar os peixes e juntá-los nos barcos. O uso do arrastão exigia a força de
seis homens ou mais. Enquanto uns remavam, outros lançavam ou puxavam
a rede e outros ainda batiam na água para guiar os peixes para a rede.5
Pescadores experimentados procuravam localizar um bom cardume
antes de começar a pescar. Mas, uma vez lançada a rede, os homens puxavam
3. Michaelis, Gleichnisse, pp. 68-69. Consulte, também, B. Gerhardsson, “The Seven Parables
in Mattew XIII”, NTS 19 (1972-1973): 18-19.
4. G. Cansdale, Animais of Bible Lands (Grand Rapids: Zondervan, 1970), p. 216. Consulte,
também, Dalman, Arbeit und Sitte, 4: 351, que faz referência a vinte e quatro espécies.
5. Há uma interessante descrição a respeito em W. O. E. Oesterley, The Gospel Parables in the
Light of Their Jewish Background, (New York: Macmillan Co., 1936), pp. 85-86.
todos os peixes apanhados por ela. Obviamente, os peixes estavam mistura
dos, pois não podiam selecioná-los, enquanto pescavam.6
A rede apanhava os peixes próprios e impróprios para o consumo —
os bons e os maus. Peixes de todos os tipos e tamanhos se debatiam ao serem
puxados para a praia. Muitas espécies eram consideradas impuras, de
acordo com as normas de alimentação dos judeus. Peixes sem barbatanas e
sem escamas não podiam ser comidos (Lc 11.10), e tinham que ser lançados
de volta à água. Os peixes pequenos, também, eram abandonados. Somente
os peixes em condição de serem negociados eram apanhados e colocados
em recipientes adequados. A classificação dos peixes, enfim, determinava o
valor da pesca; até à hora da escolha, era impossível avaliar o lucro obtido.
Explicação
Jesus usa a parábola da rede para descrever o dia do juízo. Ele se dirige
a seus discípulos que sabiam como apanhar e selecionar os peixes. Ele fala
a linguagem deles e consegue, assim, comunicar efetivamente uma verdade
espiritual. Jesus faz, ainda, uma breve interpretação da parábola. “Assim
será na consumação do século: Sairão os anjos e separarão os maus dentre
os justos, e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de
dentes” (Mt 13.49,50). As palavras são quase idênticas àquelas usadas por
Jesus em sua interpretação da parábola do trigo e do joio. “Pois, assim como
o joio é colhido e lançado ao fogo, assim será na consumação do século.
Mandará o Filho do homem os seus anjos que ajuntarão do seu reino todos
os escândalos e os que praticam a iniqüidade, e os lançarão na fornalha
acesa; ali haverá choro e ranger de dentes” (Mt 13.40-42).
Argumentar que a interpretação da parábola da rede não se ajusta aos
termos da própria parábola, porque os peixes impróprios para serem comi
dos são jogados de volta à água, e não em uma fornalha acesa, é ilógico. Do
mesmo modo, alguém poderia afirmar que a interpretação da parábola do
trigo e do joio é inadequada, pois o joio não range os dentes. Jesus usa
linguagem simbólica e transfere a mensagem da parábola para o destino
espiritual do homem: céu ou inferno. Na parábola do trigo e do joio, o destino
do homem é o céu, onde os justos resplandecerão como o sol, ou o inferno,
onde há choro e ranger de dentes.
A interpretação dada omite todos os pormenores descritivos a respeito
dos pescadores lançando a rede e trazendo para a praia o produto da pesca;
apenas a separação dos peixes bons, daqueles sem valor, é explicada. Por
6. Dodd, Parables, p. 188.
tanto, não é prudente usar a própria interpretação para os detalhes da
parábola.7 Os pormenores fazem parte do quadro total do produto da
colheita. A rede traz todos os peixes apanhados, e os pescadores, simples
mente, não podem escolher enquanto pescam. Do mesmo modo, os segui
dores de Jesus, escolhidos para serem pescadores de homens, não têm como
selecionar quando e a quem proclamar o evangelho. Usando as palavras de
outra parábola, os servos de Cristo saem pelas ruas e reúnem todos os que
encontram, tanto bons como maus (Mt 22.10). O apelo do evangelho é
dirigido a todos, sem discriminação.
Na parábola da rede, os pescadores lançam a rede, juntam o que
conseguiram apanhar, e separam os peixes.8 Na interpretação são os anjos
que vêm e separam os ímpios dos justos. Assim, podemos deduzir que os
pescadores, também, pertencem à multidão da qual os anjos recolherão os
ímpios. Os ímpios serão retirados da multidão dos justos.
O termo ímpio é abrangente: ele se refere, também, àquelas pessoas
que na aparência fazem parte da igreja, mas no íntimo não têm qualquer
ligação com a verdadeira igreja. Com a boca confessam o Credo Apostólico,
mas em seus corações não possuem a fé genuína em Jesus Cristo.
Essas pessoas são como aquelas descritas na parábola do semeador:
têm seus corações endurecidos (o solo à beira do caminho); são cristãos
apenas superficialmente (o solo rochoso); amam os bens e os prazeres do
mundo (o solo cheio de espinheiros). Estão na igreja, mas não pertencem a
ela. No dia do juízo final, os anjos de Deus virão e os separarão do povo de
Deus, e os lançarão no fogo ardente reservado para eles.
O que a parábola ensina? Diz aos seguidores de Jesus: vão à sua tarefa
diária de testemunhar aos outros, onde quer que estejam; tragam-nos para
a igreja; façam com que se lembrem sempre da necessidade da fé e do
arrependimento; que eles estejam atentos para o dia do juízo, quando, então,
a separação entre o ímpio e o justo acontecerá.
Mateus, apropriadamente, fecha a série de sete parábolas (sete é o
número da perfeição) com a parábola da rede. Essa última parábola lembra,
uma vez mais, o dia dos dias, quando se dará o juízo final.
7. Por exemplo, Lenski, em Matthew’s Gospel, p. 547, diz que “a rede é o Evangelho”.
8. Em um curto e interessante estudo, J. Mánek, “Fishers of Men”, NovT 2 (1958): 138^41,
mostra que há inimizade entre o mar e Deus (Ap 21.1). “Porque o mar é lugar de revolta
contra Deus, ele não pode participar do mundo novo, no futuro. Ele passará juntamente
com outros poderes demoníacos, como está demonstrado na visão do novo céu e da nova
terra, em Ap. XXI.l”, p. 139. Os pescadores de homens, portanto, os resgatarão de um
ambiente hostil a Deus.
9. Veja W. F. Albright e C. S. Mann, Matthew (New York: Doubleday, 1971), p. cxliv.
O escritor da Epístola aos Hebreus resume sucintamente: “E, assim,
como aos homens está ordenado morrerem uma só vez e, depois disto, o
juízo, assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vez para sempre para
tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o
aguardam para a salvação” (Hb 9.27,28).
12
O Credor
Incompassivo
Mateus 18.21-35
71
“Então Pedro, aproximando-
se, lhe perguntou: Senhor, até
quantas vezes meu irmão pecará
contra mim, que eu lhe perdoe?
Até sete vezes? 22Respondeu-lhe
Jesus: Não te digo que até sete
vezes, mas até setenta vezes sete.”
“Por isso o reino dos céus é
semelhante a um rei, que resolveu
ajustar contas com os seus servos.
2 E passando a fazê-lo, trouxeram-
lhe um que lhe devia dez mil talen-
tos. Não tendo ele, porém, com
2 c *■
92
13
Os Trabalhadores da
Vinha
Mateus 20.1-16
1
“Porque o reino dos céus é se
melhante a um dono de casa que
saiu de madrugada para assalariar
trabalhadores para a sua vinha. 2E,
tendo ajustado com os trabalhado
res a um denário por dia, mandou-
os para a vinha. 3Saindo pela
terceira hora viu, na praça, outros
que estavam desocupados, 4e dis
se-lhes: Ide vós também para a vi
nha, e vos darei o que for justo.
Eles foram. 5Tendo saído outra
vez perto da hora sexta e da nona,
procedeu da mesma forma; 6e,
saindo por volta da hora undéci-
ma, encontrou outros que estavam
desocupados, e perguntou-lhes:
Por que estivestes aqui desocupa
dos o dia todo? Responderam-
lhe: Porque ninguém nos
contratou. Então lhes disse ele: Ide
O
também vós para a vinha. Ao cair
da tarde, disse o senhor da vinha
ao seu administrador: Chama os
trabalhadores e paga-lhes o salá
rio, começando pelos últimos,
indo até aos primeiros. 9Vindo os
da hora undécima, recebeu cada
um deles um denário. 10Ao chega
rem os primeiros, pensaram que
receberiam mais; porém, também
estes receberam um denário cada
um. 11 Mas, tendo-o recebido,
murmuravam contra o dono da
casa, 1?dizendo: Estes últimos tra
balharam apenas uma hora; contu
do, os igualastes a nós que
suportamos a fadiga e o calor do
dia. 13Mas o proprietário, respon
dendo, disse a um deles: Amigo,
não te faço injustiça; não combi-
naste comigo um denário? 14Toma
o que é teu, e vai-te; pois quero dar
a este último, tanto quanto a ti.
15Porventura não me é lícito fazer
o que quero do que é meu? Ou são
maus os teus olhos porque eu sou
bom? 16Assim, os últimos serão
primeiros, e os primeiros serão úl
timos (porque muitos são chama
dos, mas poucos escolhidos).”
bairros pobres de Londres e que deu a eles “sopa, sabão e salvação”, foi
condenado pelos presunçosos membros da igreja de sua época.
Esta parábola nunca será aceita por aqueles que querem impor à
salvação regras e estipulações feitas pelos homens. No reino dos céus, como
as Escrituras ensinam, não existe a burocracia humana. A graça de Deus é
plena e livre para todo aquele que venha a ele pela fc. E todos os que são
vasos de sua graça proclamam com o salmista:
Rendei graças ao SENHOR, porque ele é bom,
e sua misericórdia dura para sempre (SI 107.1).
17. Jeremias, TDNT, 1:792. A pedra rejeitada se referia a Abraão, Davi ou ao Messias, de
acordo com os rabinos. Os construtores eram descritos como os mestres da Lei. SB 1:875-76.
18. M. Black, em “The Christological Use of the Old Testament in the New Testament” NTS
18 (1971-72):13, chama a atenção para a interpretação messiânica da pedra e, conseqüente
mente, fala da pedra e do filho rejeitados.
19. Gn 22.2; Mt 3.17; Mc 1.11; Lc 3.22; 2 Pe 1.17.
“Por isso foi que também Jesus, para santificar o povo, pelo seu próprio
sangue, sofreu fora da porta.” (Hb 13.12)
Se a parábola terminasse com a morte do filho e com a ida do
proprietário à vinha, o sacrifício da vida do filho teria sido desnecessário. O
proprietário poderia ter ido até à vinha imediatamente após seus servos
terem sido maltratados. A exaltação do filho não teria sido retratada, então,
pela parábola da vinha. Mas, através da figura da rejeição, Jesus liga o Salmo
118 à parábola e a citação do Salmo revela que à pedra rejeitada é destinado
o lugar mais importante entre todas as outras pedras da construção. O
Senhor exaltou a pedra principal.
Jesus, deliberadamente, entrelaçou a figura da vinha e a da pedra,
dizendo: “Portanto vos digo que o reino de Deus vos será tirado e será
entregue a um povo que lhe produza os respectivos frutos. Todo o que cair
sobre esta pedra ficará em pedaços; e aquele sobre quem ela cair ficará
reduzido a pó” (Mt 21.43,44).20 O reino de Deus se torna a vinha onde outro
povo produzirá frutos. Ao mesmo tempo, a pedra reduz a pedaços e esmaga
oponentes do Filho. A “vinha” e a “pedra angular” são metáforas pronta
mente entendidas pelos ouvintes teologicamente treinados, os líderes reli
giosos. Da profecia de Isaías eles sabiam que “a vinha do SENHOR dos
Exércitos é a casa de Israel, e os homens de Judá são a planta dileta do
SENHOR.” (Is 5.7) Da mesma profecia conheciam, ainda, que “o SENHOR
dos Exércitos... será pedra de tropeço e rocha de ofensa às duas casas de
Israel. Muitos dentre eles tropeçarão... cairão, serão quebrantados...”. (Is
8.13-15)21
Opropósito da parábola e a citação do salmo não escaparam aos líderes
religiosos. Todos os três evangelistas relatam que “compreenderam que
contra eles proferia esta parábola”. Eles, de fato, seriam esmagados pelo
Filho que tinham rejeitado, mas a quem Deus tinha exaltado.
Aplicação
A parábola se aplicava, de maneira óbvia, aos principais sacerdotes,
aos fariseus, escribas e anciãos do povo. Eles eram descritos como maus
lavradores e como construtores preconceituosos. Eles se rebelaram contra
20. A evidência textual parece se tomar mais forte pela inclusão de Mt 21.44 que pela sua
omissão. E possível, naturalmente, olhar o versículo como sendo uma interpolação de Lc
20.18. Não obstante, “a antigüidade da leitura e sua importância na tradição do texto” devem
ser vistas como fatores decisivos para sua conservação. Metzger, em A Textual Commentary,
p. 58, não obstante, sugere que o versículo pode ser um acréscimo ao texto.
21. Outras referências à pedra são encontradas em: Is 28.16; Dn 2.34,44,45; At 4.11; Rm 9.33;
Ef 2.20; e 1 Pe 2.6.
o dono da vinha, mataram seu filho e rejeitaram a pedra principal, angular.
Escolheram a inimizade contra Deus e seu Filho. Foram esmagadoramente
derrotados e tiveram morte inesperada.
Qual é o propósito da parábola? Jesus ensina que, aparentemente, a
paciência infinita de Deus se estende a todos os que se opõem a ele, mas
que, quando essa paciência se esgota, na rejeição de seu Filho, o castigo
imediato de Deus se segue com toda a certeza.
A passagem proclama uma mensagem de certeza c confiança àqueles
que fielmente seguem a Jesus. Mesmo que a igreja possa experimentar
tempos de adversidade, Jesus Cristo é o Rei eterno cuja vitória é certa. Nas
palavras de uma confissão do século 16.
Esta igreja existe desde o princípio do mundo e permanecerá
até ao fim. Isso emana do fato de que Cristo é o Rei eterno, do
que se conclui que ele não pode deixar de ter súditos. E esta
santa igreja é protegida por Deus do furor do mundo todo.
Nunca será destruída mesmo que, às vezes, possa afigurar-se
pequenina e possa mesmo parecer que se apaga.22
17. J. Morison, A Practical Commentary on the Gospel According to St. Matthew (Boston:
Bartlett & Co., 1884), p. 407.
17
A Figueira
Mateus 2432-35 Marcos 13.28-31 Lucas 21.29-33
90
"“Aprendei, “Aprendei, pois, a 29“A inda lhes
pois, a parábola da parábola da figueira: propôs uma pará
figueira: quando já quando já os seus ra bola, dizendo:
os seus ramos se re mos se renovam e as Vede a figueira e
novam e as folhas folhas brotam, sabeis todas
•5A as árvores.
brotam, sabeis que que está próximo o ve Quando come
está próximo o ve rão. 29Assim também çam a brotar, ven
rão. 33Assim tam vós: quando virdes do-o, sabeis por
bém vós: quando acontecer estas coisas, vós mesmos que o
virdes todas estas sabei que está próxi- verão está próxi
coisas, sabei que mo, as portas. Em mo. 31Assim tam
está próximo, às por- verdade vos digo que bém , quando
tas. MEm verdade não passará esta gera virdes acontecer
vos digo que não ção sem que tudo isto estas coisas, sabei
passará esta geração aconteça. 31Passará o que está próximo
sem que tudo isso céu e a terra, porém as o reino de Deus.
aconteça. -3CPassará minhas palavras não Em verdade vos
o céu e a terra, po passarão.” digo que não pas
rém as minhas pala sará esta geração,
vras não passarão.” sem que tudo isto
aconteça. Passa
rá o céu e a terra,
porém as minhas
palavras não pas
sarão.”
O s evangelhos revelam que Jesus era um arguto observador da
natureza. Seu ensino, constantemente, faz alusão ao meio ambiente que
cercava a ele e a seus ouvintes. As parábolas não são exceção, pois, muitas
vezes, se referiam à vida do fazendeiro, do pescador e dos pastores. Os
ouvintes de Jesus viviam mais próximos da natureza do que fazemos nós
agora, e não tinham dificuldade para entender o significado de sua mensa
gem. Nos tempos bíblicos, a figueira era muito comum em Israel, especial
mente nas proximidades de Jerusalém, onde Betfagé ( = “casa dos figos”) se
localizava. Em Israel, um dito popular sempre lembrado e que se referia ao
reinado calmo de Salomão, afirmava que um homem está em segurança
“debaixo de sua videira, e debaixo de sua figueira” (1 Rs 4.25 e Mq 4.4).
Durante o verão, a figueira com suas largas folhas verdes oferece boa
sombra. Mas, diferentemente de outras árvores, tais como a oliveira, o cedro
e a palmeira, ela perde suas folhas com a aproximação do inverno. Mesmo
quando outras árvores, que também costumam perder as folhas, começam
a mostrar sinais de vida, logo no início da primavera — a amendoeira, por
exemplo —, a figueira continua a apontar para o céu seus ramos nus, até que
chegue o verão. Então, a seiva começa a correr, os rebentos intumescem, e,
em alguns dias, as tenras folhas novas aparecem. A natureza proclama que
o perigo da noite gelada e mortal já passou e o verão está próximo.
Jesus talvez tenha ensinado a parábola da figueira florescente durante
a primeira semana de abril, exatamente quando as árvores começam a dar
os primeiros sinais de vida. “Quando já os seus ramos se renovam e as folhas
brotam, sabeis que está próximo o verão.”1 Esta era a linguagem que seus
ouvintes entendiam.
A questão, no entanto, era se o povo seria capaz de interpretar este
sinal teológica e espiritualmente. As pessoas tinham vindo a Jesus, repetida
mente, pedindo por um sinal, mas Jesus não tinha o hábito de apresentar
sinais. Certa vez, ele dissera aos fariseus que nenhum outro sinal seria dado
senão aquele do profeta Jonas (Mt 12.39), e uma outra vez ele os censurou
por serem capazes de interpretar o aspecto do céu; porém não serem capazes
de discernir os sinais dos tempos (Mt 16.2,3). Saberiam seus discípulos
reconhecer o sinal da figueira ao florescer? “Assim também vós: quando
virdes todas estas coisas, sabeis que está próximo, às portas.”2
1. Lüw, Die Flora der Juden, 1.240, destaca que a palavra verão (grego = theros) em hebraico
pode ter ocasionado um jogo de palavras: gayis ( = verão; fruto do verão) e ges ( = fim da
vida; tempo do castigo final). Veja-se, também, J. Dupont, “La parable du figuier qui
bourgeonnne (Mc XIII, 28,29 et. par.)”, RB 75 (1968): 542, que se refere à profecia de Amós
8.1,2, na qual o cesto de frutos de verão tem significado escatológico.
2. Dupont, “Parble fu figuier”, p. 532. As palavras “assim também” dão a impressão de que os
discípulos são comparados a um outro grupo. O “vós” do versículo precedente (Mt 24.32;
Mc 13.28; Lc 21.30) deve ser entendido no sentido geral de “todos sabem que o verão está
próximo.”
O ponto focalizado na ilustração é óbvio: quando as árvores começam
a mostrar as tenras folhas, todos sabem que o verão está próximo. Lucas
acrescentou: “todas as árvores”.3 Ele generalizou, quando escreveu: “Vede
a figueira e todas as árvores. Quando começam a brotar, vcndo-o, sabeis por
vós mesmos que o verão está próximo.” Lucas dá menos ênfase à figueira
que às pessoas que olham as árvores: elas podem ver a evidência por si
mesmas.
Qual é, pois, a comparação? Os evangelistas diferem na narrativa.
Mateus inclui tudo. Escreve: “Assim também vós: quando virdes todas estas
coisas, sabeis que está próximo, às portas”. Marcos varia ligeiramente,
dizendo: “... quando virdes acontecer estas coisas”, que é igual à versão de
Lucas. Mas Lucas tem um final diferente: “... sabei que está próximo o reino
de Deus.” Ele omite a frase, “próximo, às portas”.4
A expressão “quando virdes” ocorre no começo do sermão escatoló-
gico de Jesus: “Quando, pois, virdes o abominável da desolação situado onde
não deve estar...” (Mt 24.15; Mc 13.14; Lc 21.20). Inegavelmente, as palavras
“estas coisas” ou “todas estas coisas” devem referir-se às predições delinea
das anteriormente, no discurso. Os discípulos de Jesus perguntaram: “Dize-
nos quando sucederão estas coisas” (Mc 13.4). O sermão todo a respeito do
final dos tempos (Mc 13.5-23 e paralelos), especialmente a parte sobre o
cerco de Jerusalém e o aparecimento de falsos profetas, está resumido na
expressão: “estas coisas”, ou “todas estas coisas”.5 A expressão se refere,
também, ao “abominável da desolação” que foi profetizado que viria ao
templo de Jerusalém. “Quando, porém, virdes Jerusalém sitiada de exérci
tos, sabei que está próxima a sua devastação” (Lc 21.20).
Jesus aplica esta verdade diretamente a seus contemporâneos. “Em
verdade vos digo”, diz ele a seus discípulos, “que não passará esta geração
sem que tudo isto aconteça” (Mc 13.30). Uma vez mais ele generaliza,
usando a expressão “tudo isto”. Com certeza, os discípulos seriam capazes
de constatar como estavam próximas a profanação e a destruição do templo,
tanto quanto saberiam como estava próxima a chegada do verão, olhando
3. Um outro exemplo da generalização é encontrado em Lc 11.42, porque dais o dízimo da
hortelã, da arruda e de todas as hortaliças...” O paralelo é encontrado em Mt 23.23,
porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho...”.
4. As palavras de Mateus e Marcos, “próximo, às portas”, indicam a chegada iminente do
Senhor que está vindo como Juiz e Redentor. “Sede vós também pacientes, e fortalecei os
vossos corações, pois a vinda do Senhor está próxima. Eis que o juiz está às portas.” (Tg
5.8,9) Notem-se as palavras do Apocalipse: “Eis que estou à porta, e bato” (3.20). Mãnek,
Frucht, p. 34.
5. Lane, Mark, p. 448; C. B. Cousar, “Eschatology and Mark’s Theologia Crucis, A Criticai
Analysius of Mark 13", Interp 24 (1970): 325; G.R. Beasley — Murray, A Commentaty on
MarkThirteen (London, New York: Macmillan, 1957), p. 97.
para a figueira. Mas, o texto diz, “não passará esta geração sem que tudo isto
aconteça”. E todas estas coisas preditas no sermão sobre o final dos tempos
vão muito além do tempo dos contemporâneos de Jesus.6 Porém, os rolos
de Cunrã têm lançado significativa luz na compreensão da frase “esta
geração”. A expressão significa uma duração que não se limita a um período
de vida, e não deve ser entendida literalmente.7 Ela se refere a pessoas que
persistem e permanecem fiéis até ao fim. Inclui, portanto, os discípulos que
ouviram as palavras dos próprios lábios de Jesus, aqueles que testemunha
ram a queda de Jerusalém, e os crentes que, através dos séculos, com
perseverança, têm esperado o cumprimento das profecias que dizem respei
to ao final dos tempos.
A imagem da figueira florescente é comumente associada a um perío
do de bênçãos (J1 2.22) e raramente está relacionada com destruição e
calamidade. A parábola, como tal, não deve ser vista basicamente ligada às
calamidades profetizadas no sermão.8 A ênfase deve permanecer, antes, na
redenção que se torna evidente na vinda do reino de Deus. Embora Mateus
e Marcos falem de calamidades, como a fome e terremotos, como sendo “o
princípio das dores” (Mt 24.8; Mc 13.8), Lucas as omite. Ele apresenta as
palavras de Jesus emolduradas de prazeirosa expectativa. “Ora, ao começa
rem estas coisas a suceder, exultai e erguei as vossas cabeças; porque a vossa
redenção se aproxima” (Lc 21.28). Lucas usa praticamente a mesma lingua
gem na aplicação da parábola da figueira florescente: “Assim também,
quando virdes acontecer estas coisas, sabei que está próximo o reino de
Deus” (Lc 21.31). Naturalmente, os termos “redenção” e “reino de Deus”,
neste contexto, se referem à futura consumação da salvação.9Eles se referem
à derradeira vinda do reino de Deus, quando o povo de Deus será libertado
da aflição. Então, também, “a própria criação será redimida do cativeiro da
corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8.21).
A parábola conclui, dizendo: “Passará o céu e a terra, porém as minhas
palavras não passarão.” O que passa se torna parte do passado e não significa
mais nada para o presente.10 O sentido da parábola é o de que as palavras
de Jesus não perdem seu impacto quando uma predição, em particular, se
6. As interpretações variam quanto ao significado da expressão “esta geração”: a) O povo judeu
dos dias de Jesus. Beasley — Murray, Commentaiy p. 100; b) O povo judeu como uma raça.
Hendriksen, Matthew, p. 868; c) A humanidade em geral (Jerônimo); d) Os fiéis na igreja.
A. L. Moore, The Parousia in the New Testament, (Leiden; Brill, 1966), pp. 131-32.
7. E. E. Ellis, The Gospel of Luke (The Century Bible) (London: Nelson, 1966), pp. 246-47. A
expressão é usada em 1 QpHab 2.7; 7.2.
8. Mánek, Frucht, p. 34.
9. Marshall, Luke, pp. 777,779.
10. Ridderbos, Corning of the Kingdom, p. 502.
cumpre no tempo. São tão válidas hoje, como o eram quando foram primeiro
proferidas.
Qual é a mensagem da parábola? Até ao dia do retorno de Cristo,
quando o reino de Deus virá em toda a sua plenitude, nenhuma geração
estará livre de calamidade. Mas, nenhum cristão deve desanimar-se ou
entregar-se ao desalento. Ele deve observar os sinais dos tempos com muito
cuidado, do mesmo modo como observa uma figueira que floresce e saberá
que os acontecimentos que o cercam são anunciadores de uma nova era. A
parábola, assim, exorta o crente a perseverar atento. As adversidades que
ele enfrenta não devem abater o seu ânimo e enfraquecer a sua confiança.
Elas devem, antes, confirmar a sua expectativa da aproximação do fim
glorioso do qual essas adversidades são os prenúncios. Mesmo que os
crentes, através dos tempos, tenham sofrido aflições e enfretado infortúnios,
o cristão, hoje, mais que nunca, é encorajado pelas palavras de Paulo: “E
digo isto a vós outros que conheceis o tempo, que já é hora de vos desper-
tardes do sono, porque a nossa salvação está agora mais perto do que quando
no princípio cremos. Vai alta a noite e vem chegando o dia. Deixemos, pois,
as obras das trevas, e revistamo-nos das armas da luz” (Rm 13.11,12).
18
O Servo Vigilante
Marcos 1332-37 Lucas 1235-38
“Mas a respeito daquele “Cingidos estejam os
'IC
12. No grego, é usado o particípio perfeito do verbo perizonnumi junto com o imperativo do
verbo eimi. Esse uso do perfeito significa conseqüência. Isto é, a ordem é que estejam sempre
vestidos para o serviço: estar prontos sempre!
13. Dodd, Jeremias, e outros colocam esta parábola na categoria das “parábolas da crise”. A
categoria inclui parábolas tais como a dos servos vigilantes, a do ladrão à noite, a do servo
fie! e do infiel, e a das dez virgens. Embora a observação seja correta, as assim chamadas
parábolas da crise não podem ser limitadas â morte de Jesus. Elas focalizam, também, a
segunda vinda. Morris, Luke, p. 216; I. H. Marshall, Eschatology and the Parables (London:
Tyndale Press, 1973), pp. 34,35.
14. Jeremias, Parables, p. 54 n918, chama Lucas 12.37b de secundário, pré-Lucas. Ele destaca
a palavra amen (que Lucas usa apenas seis vezes) assim como a redundância semítica de
pareltlion. Juntamente com outros estudiosos, ele considera esse versículo um detalhe
alegórico, o que pode ser verdade. Não obstante, não existe razão para que sejam questio
nadas a historicidade e a autenticidade do que foi dito.
15. Jo 13.1-7; também Lc 22.27.
Uma vez mais, os servos que haviam esperado seu senhor voltar são
elogiados. Os servos cumpriram o que deles era esperado: aguardar a volta
de seu senhor. Assim também, a todos os crentes, não apenas aos discípulos
de Jesus, é recomendado que permaneçam prontos, atentos e aguardando a
volta do seu Senhor. Se estiverem vestidos e prontos para o serviço, com suas
lâmpadas acesas e fulgurantes na noite escura, o Senhor, quando vier, não
negará sua recompensa.
19
O Ladrão
Mateus 24.42-44 Lucas 1239,40
42“Portanto, vigiai, porque •50
“Sabei, porém, isto:
,
2. Alguns estudiosos afirmam que a expressão “Filho do homem” não pode ser original, mas
que deve ter sido introduzida pela igreja cristã primitiva. Jeremias, Parables, pp. 50,51;
Mànek, Frucht, p. 66; G. Schneider, Parusiegleichnisse im Lukas-Evangelium (Stuttgart:
1975), p. 22. Entretanto, “a predição da vinda do Filho do homem é uma parte consistente
do ensino de Jesus...” Marshall, Luke, p. 534. Veja-se R. Maddox, “The Function of the Son
of Man”, NTS 15 (1968-9); 51.
3. Jeremias, Parables, p. 50, é de opinião que os discípulos não precisavam ser advertidos. A
parábola, então, se aplica à igreja primitiva, para advertir o povo quanto ao julgamento que
está para vir. Marshall, em Eschatology, p. 35, questiona seriamente esta opinião.
20
O Servo Fiel e Prudente
Mateus 24.45-51 Lucas 12.41-46
45“Quem é, pois, o servo fiel 41“Então Pedro pergun
e prudente a quem o senhor tou: Senhor, proferes esta
confiou os seus conservos para parábola para nós ou tam
dar-lhes sustento a seu tempo? bém para todos? 42Disse o
46Bem-aventurado aquele ser Senhor: Quem é, pois, o
vo a quem seu senhor, quando mordomo fiel e prudente, a
vier, achar fazendo assim. quem o senhor confiará os
47Em verdade vos digo que lhe seus conservos para dar-
confiará todos os seus bens. lhes o sustento a seu tem
48Mas se aquele servo, sendo po? 43Bem-aventurado
mau, disser consigo mesmo: aquele servo a quem seu se
Meu senhor demora-se, 49e nhor, quando vier, achar fa
passar a espancar os seus com zendo assim. ^Verdadeira
panheiros, e a comer e beber mente vos digo que lhe con
com ébrios, 50virá o senhor da fiará todos os seus bens.
quele servo em dia em que não 45Mas se aquele servo dis
o espera, e em hora que não ser consigo mesmo: Meu
sabe, 51e castigá-lo-á, lançan senhor tarda em vir, e pas
do-lhe a sorte com os hipócri sar a espancar os criados e
tas; ali haverá choro e ranger as criadas, a comer, a beber
de dentes.” e a embriagar-se, 46virá o
senhor daquele servo em
dia que não o espera, e em
hora que não sabe, e casti-
gá-lo-á, lançando-lhe a sor
te com os infiéis.”
A parábola do servo fiel está entre aquelas nas quais Jesus ensina a
necessidade da vigilância. Além de enfatizar a vigilância, Jesus, também,
reforça a característica da fidelidade. Em resumo, a parábola se refere a um
servo que recebe a responsabilidade de administrar a casa, na ausência de
seu senhor. Se ele provar ser fiel e prudente, o senhor o recompensará
generosamente ao regressar. Mas, se for preguiçoso, indigno e descuidado,
o senhor voltará quando não estiver sendo esperado e lhe infligirá severa
punição.
O Servo Fiel
Mateus e Lucas, ambos, mostram que Jesus se dirigia a seus discípulos
(Mt 24.1; Lc 12.22). Quando Jesus estava ensinando seus discípulos, foi
interrompido por Pedro que perguntou se a parábola se referia a eles ou a
todos.1 Isto é, o ensino de Jesus se aplicava especificamente a seus discípu
los? Ou era para ser aplicado também aos outros? Foi Pedro, o porta-voz
dos doze, quem fez a pergunta. Ele estava sempre pronto a indagar (Mt
15.15). Perguntou Pedro: “Senhor, proferes esta parábola2 para nós ou
também para todos?” Jesus respondeu a Pedro contando uma outra pará
bola: a história a respeito de um servo fiel.
O senhor de um determinado número de servos tinha que deixar sua
casa por algum tempo. Fez os planos necessários para sua viagem e chamou
um dos servos que, na sua opinião, seria capaz de administrar o dia-a-dia da
casa.3 Confiou-lhe a responsabilidade de cuidar dos outros conservos, de
alimentá-los no devido tempo, e de provar sua fidelidade e prudência,
durante a ausência de seu senhor. Se encontrar tudo em ordem quando
1. Jeremias, Parables, p. 99, considera Lc 12.41 como uma “situação criada”, embora seu “uso
lingüístico mostre que se achava na fonte de Lucas”. No entanto, por causa da referência
aos discípulos (Lc 12.22) como os que ouviam diretamente a Jesus, não é possível rejeitar o
caráter histórico da pergunta de Pedro (Lc 12.41).
2. A expressão “esta parábola” nâo deve ser tomada literalmente como se referindo apenas à
parábola do ladrão. Tomada mais amplamente, ela inclui a parábola do porteiro. Esse uso
abrangente da palavra parábola é encontrado também em Lc 15.3 que inclui as histórias da
ovelha perdida, da moeda perdida e do filho pródigo.
3. O termo oikonomos pode significar: a) um escravo de confiança a quem se dá autoridade
na casa de seu senhor (Lc 12.42); b) um oficial público coletor de rendas (Rm 16.23); c) um
administrador (Lc 16.1), SB, 11:219.
voltar, o senhor tem a intenção de promover o servo passando-o a adminis
trador de todos os seus bens.
O servo demonstra duas características indispensáveis: fidelidade e
prudência. Ele é digno de confiança porque quando diz sim, é sim, e quando
diz não, é não. Seus conservos sabem que ele não falta à sua palavra. Podem
confiar nele. Ele, também, é perspicaz, pois sabe antecipar os problemas, e
está sempre preparado para enfrentá-los e resolvê-los, efetivamente. Com
aparente facilidade, tem sempre o controle da situação.
Quando o senhor volta de sua viagem, inspeciona tudo e encontra tudo
em ordem. Fica contente com as referências elogiosas feitas a seu servo.
Como recompensa à sua fidelidade, o senhor promove o servo à posição de
administrador de todos os seus bens. Ele sabe, agora, que o servo passou no
teste, administrando sua casa com eficiência. Como prêmio, coloca-o na
segunda posição de comando.
O Servo Infiel
Quando um senhor coloca alguém como responsável por sua casa, ele
escolhe um servo em quem confia e de quem espera boa conduta. Quer
deixar sua casa em mãos seguras. Mas, nem sempre a natureza humana é
confiável, e o senhor pode cometer um grande erro quando faz sua escolha
por determinado servo, em quem pensa poder confiar. Em outras palavras,
o senhor nunca pode ter a certeza absoluta de que o servo corresponderá às
suas expectativas.
O servo pode aparentar confiabilidade, antes de ser escolhido, mas,
quando seu mestre parte, ele revela seu verdadeiro caráter. É ardiloso, cruel
e descontrolado. Com base em outras viagens feitas pelo seu senhor, o servo
calcula que ele vai demorar bastante. Na ausência do dono, o servo maltrata
os outros servos, seus companheiros. Ele se sente seguro ao fazê-lo, pensan
do que o dia da volta de seu senhor está distante. Passa o tempo na
companhia de bêbados, com os quais se entrega a excessos de comida e
bebida.4
Seu senhor se apressa a voltar para casa, e aparece súbita e inespera
damente. O que fará o senhor com o servo que foi irresponsável e infiel?
Ouve as histórias sobre seu comportamento, suas farras e sua indolência.
Nada lhe escapa. Ele toma conhecimento de tudo. O senhor agora é o juiz e
o executor da lei. Ele deve pronunciar o veredito e declarar culpado o
ofensor. Então, administrará a punição apropriada.
4. Na parábola do servo fiel e do infiel ecoa a história de Aicão. Veja-se R. H. Charles,
Apocrypha and Pseudepigrapha (Oxford: Clarendon Press, 1977), 2: 715.
Jesus disse: “E castigá-lo-á, lançando-lhe a sorte com os hipócritas; ali
haverá choro e ranger de dentes” (Mt 24.51). Há uma versão em inglês que
diz: “Cortá-lo-á em pedaços.” Este texto é de difícil interpretação, pois se a
frase for tomada literalmente, como poderá ser lançado com os hipócritas?
É possível que o texto apresente uma expressão idiomática, que deva ser
entendida metaforicamente,5 como, por exemplo, a expressão “esfolar vivo”.
Os escritos de Cunrã lançam nova luz sobre o texto.6 A expressão “cortá-lo-á
em pedaços” é uma tradução mais literal de “cortá-lo fora”, tirá-lo do meio
de seu povo. Desse modo, está em harmonia com o ensinamento do Salmo
37, que afirma que o justo herdará a terra, mas o ímpio será exterminado.7
O servo que falhou diante de seu senhor recebe o oposto da recompensa
recebida pelo servo responsável e fiel. Ele é separado, lançado fora e
extirpado de seu povo.
Interpretação
O relato da parábola é idêntico nos Evangelhos de Mateus e Lucas,
exceto na escolha das palavras da narrativa. Por exemplo, o servo fiel e
prudente no Evangelho de Mateus é um mordomo fiel e prudente no
Evangelho de Lucas; embora Lucas se refira a ele como “servo” no restante
da parábola. Mateus escreve que o servo mau passa a espancar os seus
companheiros, mas Lucas diz que ele passa a espancar os criados e as
criadas. Este servo terá seu lugar com os hipócritas, de acordo com Mateus,
e um lugar com os infiéis, segundo Lucas.8
Algumas outras pequenas diferenças podem, ainda, ser apontadas,
mas que importância têm? Naturalmente, o apóstolo Mateus, guiado pelo
Espírito Santo, se recordou de tudo que Jesus lhe havia dito (J o 14.26). Lucas
confiou nas informações que lhe foram dadas pelas testemunhas oculares e
pelos ministros da Palavra (Lc 1.2) ,9 Os dois escritores foram inspirados pelo
5. Bauer, et al, Lexicon, p. 200, admite o significado de “punir com a maior severidade”.
6. O. Betz, em “The Dichotomized Servant and the End of Judas Iscariot”, RQ 5 (1964): 46, se
refere a 1QS2:16,17: “Deus ‘separará’ o hipócrita pela maldade, de modo que será extirpado
do meio de todos os filhos da Luz; ... ele terá a parte que lhe cabe no meio daqueles
excomungados para sempre.” O verbo dichotomein e a frase tithenai meros tinos são hapax
legomena, no Novo Testamento, são, portanto, passíveis de várias interpretações. Consulte
Jeremias, Parables, p. 57 ns 30, 31.
7. Salmos 37.9a, 22b, 34b, 38b.
8. O uso de amen, característico de Jesus, em Mateus 24.47, é alethos, em Lc 12.44.
9. Os dois evangelistas podem ter tido acesso a uma fonte comum, quando escreveram seus
Evangelhos. É possível, também, que Lucas tenha consultado o Evangelho de Mateus,
quando escreveu o seu. W. C. Allen, The Gospel According to St. Matthew (ICC) (Edin-
burgh: T&T Clark, 1922), p. 262.
Espírito Santo, quando escreveram seus Evangelhos, embora cada um reflita
seu próprio estilo e propósito. Como judeu, Mateus procurou trazer o
evangelho aos judeus seus contemporâneos. Lucas, helenista, escreveu seu
Evangelho para aqueles que, naqueles dias, falavam grego.
Ao usar o termo mordomo, no começo de sua parábola, Lucas quer
chamar a atenção para o chefe dos servos que é o responsável pela casa de
seu senhor,10 com seus criados e criadas. Ao usar a palavra servo, em todo
o restante da parábola, Lucas mostra, claramente, que vê os responsáveis
pela administração de modo muito semelhante ao de Mateus. O uso de
palavras diferentes, portanto, pode ser atribuído ao estilo característico de
cada escritor. Isso é especialmente verdade com respeito ao uso da palavra
hipócritas que ocorre mais freqüentemente no Evangelho de Mateus.11
Lucas, por outro lado, usa o termo infiéis, que no contexto não difere em
sentido da palavra usada por Mateus, pois um hipócrita é, de fato, um infiel}2
A parábola pretende chamar a atenção para a responsabilidade que
recebem os seguidores de Jesus. Alguns desses seguidores recebem privilé
gios maiores que outros, mas são investidos de responsabilidades, também
maiores. Porque cada um tem o seu próprio dever no serviço do Senhor;
ninguém está excluído ou isento. A parábola, na seqüência de Mateus, serve
de introdução à parábola das dez virgens e à dos talentos. Para Jesus todos
são responsáveis.
Jesus é representado pelo senhor da casa. Ele parte, com a promessa
de seu retorno. Na ausência de Jesus, seus seguidores recebem privilégios e
responsabilidades. Se o crente for fiel e prudente no desempenho de seus
deveres, Jesus o recompensará abundantemente, em sua volta. Mas, se for
infiel e agir irresponsavelmente, a volta de Jesus será para ele um aconteci
mento inesperado, do qual resultará sua completa separação do povo de
Deus e conseqüente punição.
Enquanto Mateus conclui a parábola com a expressão conhecida: “ali
haverá choro e ranger de dentes” (Mt 24.51),14 Lucas termina a seqüência
10. Michel, TDNT, V:150.
11. A palavra é usada treze vezes no Evangelho de Mateus (6:2,5,16; 7.5; 15.7; 22.18;
23.13,15,23,25,27,29; e 24.51), uma vez em Marcos (7.6), e três vezes no Evangelho de Lucas
(6.42; 12.56; e 13.15).
12. Plummer, Luke, p. 333.
13. Michaelis, Gleichnisse, p. 74 e Jeremias, Parables, p. 56, por causa da pergunta de Pedro
(Lc 12.41), aplicam a parábola de Lucas aos apóstolos. Mas, esta interpretação significaria
que a parábola tem pouco ou nenhum significado em relação aos cristãos.
14. A expressão é registrada seis vezes por Mateus e uma vez por Lucas (Mt 8.12; 13.42,50;
22.13; 24.51; 25.30; e Lc 13.28).
das três parábolas sobre a vigilância (o porteiro, o ladrão e o servo fiel e
prudente) com palavras conclusivas de Jesus, registradas apenas por Lucas:
“Aquele servo, porem, que conheceu a vontade de seu senhor
e não se aprontou, nem fez segundo a sua vontade, será punido
com muitos açoites. Aquele, porém, que não soube a vontade
do seu senhor e fez coisas dignas de reprovação, levará poucos
açoites. Mas àquele a quem muito foi dado, muito será exigido;
e àquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão” (Lc
12.47,48).
21
As Dez Virgens
Mateus 25.1-13
^‘Então o reino dos céus será
semelhante a dez virgens que, to
mando as suas lâmpadas, saíram a
encontrar-se com o noivo. 2Cinco
dentre elas eram néscias, e cinco
prudentes. 3As néscias, ao toma
rem as suas lâmpadas, não levaram
azeite consigo; no entanto, as pru
dentes, além das lâmpadas, leva
ram azeite nas vasilhas. 5E,
tardando o noivo, foram todas to
madas de sono, e adormeceram.
Mas, à meia-noite, ouviu-se um
grito: Eis o noivo! saí ao seu encon
tro. 7Então se levantaram todos
aquelas virgens e prepararam as
suas lâmpadas. ®E as néscias disse
ram às prudentes: Dai-nos do vos
so azeite, porque as nossas
lâmpadas estão-se apagando.
Mas as prudentes responderam:
Não! para que não nos falte a nós
e as vós outras; ide antes aos que o
vendem, e comprai-o. 10E, saindo
elas para comprar, chegou o noivo,
e as que estavam apercebidas en-
traram com ele para as bodas; e
fechou-se a porta. 11Mais tarde,
chegaram as virgens néscias, cla
mando: Senhor, senhor, abre-nos a
porta! Mas ele respondeu: Em
1 “7
Dois Servos
Depois de um longo tempo, o senhor voltou e chamou seus servos para
o acerto de contas.7 O dia do ajuste chegara. Os livros foram abertos e cada
servo prestou contas do dinheiro que lhe havia sido confiado.
O primeiro servo apresentou não apenas os cinco talentos recebidos,
mas, também, os outros cinco que havia conseguido. Devolveu a seu senhor
o capital e o lucro, totalizando dez talentos. Ele entregou a seu amo uma
grande quantia de dinheiro, que provava, sem dúvida, que tinha sido digno
4. J. D. M. Derrett, “The Parable of the Talents and Two Logia”, ZNW 56 (1965): 184-95,
publicado em Law in the New Testament, pp. 17-31. Veja-se especialmente a p. 18.
5. SB, 1:970. Dos ensinos dos rabinos fica evidente que tanto o capital como o lucro pertenciam
ao senhor dos servos. Entretanto, se o servo fosse hebreu, podia acumular o lucro para si
mesmo.
6. De acordo com os rabinos, “o dinheiro só pode ser guardado (colocando-o) na terra”, Baba
Mezia 42a, Nezikin I, The Babylonian Talmud, 250-51.
7. Mateus 18.23.
da confiança que nele fora depositada. Sem chamar atenção para si mesmo,
com simplicidade, fez seu senhor notar os cinco talentos adicionais.8
A resposta do senhor foi equivalente k fidelidade do servo. Foi gene
roso ao exaltá-lo e recompensá-lo. Primeiro, exclamou: “Muito bem”, elo
giando o excelente desempenho do servo. A seguir, chamou-o de servo “bom
e fiel”. E, em terceiro, o colocou como responsável por muitas coisas. Ainda,
em quarto lugar, convidou-o a se assentar à sua mesa e a celebrar com ele o
resultado obtido.9 Sentar-se à mesa com o senhor implica, obviamente, em
igualdade.
O segundo servo apresentou-se diante do seu senhor com os dois
talentos, bem como com os dois a mais que ganhara no investimento que
fizera com o dinheiro. Também este servo não procurou chamar a atenção
para si mesmo, mas para os talentos que conseguira. O senhor não foi menos
generoso com o segundo servo do que fora com o primeiro. Da mesma
maneira, as recompensas foram equivalentes à fidelidade demonstrada. O
senhor provou ser muito generoso.
Um Servo
Quando o terceiro servo se apresentou para prestar contas, a cena
mudou. Em vez de devolver o dinheiro que lhe fora confiado, como tinham
feito os dois primeiros, o servo começou a fazer um pequeno discurso. Não
louvou o senhor pela generosidade demonstrada. Antes, descreveu seu
senhor como um homem rigoroso, que ceifava onde não havia semeado, e
que recolhia onde não havia espalhado a semente. Porque teve medo de
arriscar, tinha cavado um buraco na terra e enterrado ali o dinheiro. Parecia
dizer a seu senhor: “Porque o senhor teve tão pouca confiança em mim,
entregando-me apenas um talento? O que eu poderia realmente fazer com
ele, levando-se em conta que, se tivesse algum lucro, eu pouco veria dele?
Por desforra decidi nada fazer com o dinheiro.”10
Seu discurso foi caracterizado pela contradição. Ele falhou não enten
dendo a bondade do senhor, mas vendo-o segundo sua própria natureza
invejosa e egoísta. Ele se sentiu diminuído, embora afirmasse que temera
fazer qualquer investimento com o dinheiro. Ele não usou o talento de modo
8. A luz de Lv 26.1-13 e Dt 28.1-14, os judeus sabiam que Deus concede recompensa à obediência
fiel. Por causa dessas bênçãos, o judeu obediente estaria, econômica e politicamente, sempre
em posição elevada.
9. A expressão “entra no gozo” do senhor é equivalente a “entra no reino” ou “entra na vida”.
J. Schneider, TDNT, 11:677. A felicidade ou a alegria fazem pensar em festa, Jeremias,
Parables, p. 60, ne 42; e pode significar um banquete, Smith, Parables, p. 166; G. Dalman,
The Words of Jesus (Edinburgh: T. & T. Clark, 1902), p. 117.
10. Derrett, Law in the New Testament, p. 26.
lucrativo, mas parecia esperar palavras elogiosas por apenas tê-lo guardado
em segurança. 1 Queria que entendessem que não perdera nada do dinheiro
de seu senhor. Explicitamente, disse que o talento pertencia ao seu senhor.
Ele o conservara em segurança.
Por que o servo não guardou o dinheiro no banco, onde renderia juros?
Provavelmente não confiava nos banqueiros inescrupulosos que podiam
alterar ou invalidar o combinado.12 Talvez, o servo estivesse motivado por
um desejo de vingança contra o senhor e, por isso, tivesse decidido não
depositar o dinheiro num banco. Embora o investimento envolvesse algum
risco, ele sabia que o senhor, ao voltar, poderia recuperar o talento, com
lucro.13Ao enterrar o talento privaria o senhor dos juros acumulados. Assim,
quando seu senhor voltasse, o servo poderia devolver-lhe o único talento.
O Senhor
Quando o senhor entregou a soma de oito talentos aos seus três servos,
ele mesmo se tornou dependente da honestidade e da lealdade dos servos.
Se eles perdessem o dinheiro em transações comerciais, seria um homem
arruinado. Compreensivelmente, pareceu bastante satisfeito quando o pri
meiro e o segundo servos mostraram haver dobrado a quantia confiada a
eles. Ele os louvou pela diligência e os recompensou generosamente.
A chegada do terceiro servo com o único talento deixou claro ao
senhor que ele havia julgado mal o caráter de seu servo, que tinha se
equivocado ao depositar confiança nele, e que em vez de recompensá-lo
tinha que puní-lo.
A resposta do senhor à fraca desculpa do servo para sua indolência foi
o oposto da sua resposta aos outros dois servos. Primeiro, palavras de louvor
não podiam ser pronunciadas. Segundo, o senhor chamou o servo de mau e
negligente. Terceiro, criticou-o pela preguiça e falta de lealdade. E quarto,
mandou que retirassem o servo de sua presença, para sempre.
O servo foi julgado por suas próprias palavras. Sabia que seu senhor
esperava que seus servos se esforçassem ao máximo. De fato, o senhor era
um homem que queria colher onde não havia semeado e que agarrava a
oportunidade quando esta se apresentava. Por estas atitudes, se tornou um
homem duro aos olhos do servo indolente.
11. Michelis, Gleichnisse, p. 110.
12. Daniel-Rops, em Palesline, p. 253, cita que os rabinos tentavam estabelecer regras para o
procedimento nos negócios, mas que, nem sempre, essas eram observadas. Embora o
empréstimo com juros fosse proibido pela lei de Moisés, os rabinos conseguiram burlá-la
fazendo uma distinção entre empréstimo com juros e usura. A usura era condenada.
13. Bauer, et al., Lexicon, p. 443.
“Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez”, disse o senhor.
Mesmo tendo afirmado explicitamente que o talento pertencia ao senhor, o
que o servo preguiçoso disse pôs fim à relação senhor-servo.14 A sociedade
com os outros dois servos continuou, enquanto o terceiro sabia que não era
mais um dos sócios. Agora era olhado como um devedor que tinha que pagar
juros sobre o dinheiro que tivera nas mãos. Se tivesse entregue o dinheiro
aos banqueiros, o senhor o teria exigido com juros. O senhor, então, voltan
do-se para o servo, procurou recuperar o que, de direito, lhe pertencia, isto
é, os lucros esperados. “Ao que não tem, até o que tem lhe será tirado.”
Assim, todas as propriedades do servo lhe foram tomadas. O servo era inútil
para o seu senhor. Foi lançado fora, nas trevas (de acordo com as palavras
familiares de Jesus),16 onde “haverá choro e ranger de dentes”.
O Significado
A parábola dos talentos se insere no conjunto de ensinamentos de
Jesus a respeito de sua volta. As damas de honra esperavam o noivo; os servos
que receberam dinheiro de seu amo, trabalharam. A parábola ensina que,
durante a ausência de Jesus, espera-se que seus seguidores trabalhem
diligentemente com os dons a eles confiados, pois serão considerados res
ponsáveis por eles, na ocasião de sua volta. Por causa de pronunciamentos
tais como “entra no gozo do teu senhor” e “o servo inútil lançai-o para fora,
nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes”, Jesus deixa entender que
estas não são apenas as palavras do senhor. São suas próprias palavras
referindo-se ao dia do juízo.
Quando os discípulos primeiro ouviram a parábola, podem ter pensa
do que ela se aplicasse não a eles, mas aos seus contemporâneos. Aos judeus
tinha sido confiada a verdadeira Palavra de Deus, como Paulo afirmou, anos
mais tarde. 17 Eles podiam ver o paralelo do relacionamento do senhor com
seus servos e de Deus com Israel. Deus dera ao povo judeu a sua Palavra e
esperava que eles tornassem sua revelação conhecida em todos os lugares.
Mas, nos dias de Jesus, um judeu piedoso podia observar a Lei de Deus em
seus pormenores e, ainda assim, negligenciar ao repartir as riquezas da
revelação de Deus. Os discípulos de Jesus talvez tenham visto os fariseus
defensores da lei e os mestres da lei personificados no servo que enterrou o
14. Derrett, Law in the New Testament, p. 28.
15. Mt 25.29, exceto por pequenas variações, é idêntico a Mt 13.12 (e os paralelos, Mc 4.25; Lc
8.18). Também a conclusão da parábola do servo investido de autoridade tem enunciado
semelhante, Lc 12.48. Veja-se, também, Lc 19.26.
16. Mt 8.12; 13.42,50; 22.13; 24.51; 25.30; e Lc 13.28.
17. Rm 3.2. Em sua Epístola Pastoral a Timóteo, Paulo o exorta a guardar o que lhe fora
confiado. 1 Tm 6.20; 2 Tm 1.14.
18 líderes religiosos de Israel
único talento que seu mestre lhe havia dado. Aos
•
Conclusão
O servo a quem foi confiado um único talento guardou o depósito em
segurança, em um lugar escondido. Temeu investi-lo, pois sabia que seu
senhor exigiria seu talento, ao voltar. O receio, portanto, sobrepujou o amor,
a confiança e a fé.19 O medo é o oposto da confiança.
rasteiro e te hospedamos? ou nu e
te vestimos? 39E quando te vimos
enfermo ou preso e te fomos visi
tar? 40O Rei, respondendo, lhes
dirá: Em verdade vos afirmo que
sempre que o fizestes a um destes
meus pequeninos irmãos, a mim o
fizestes. 1Então o Rei dirá tam
bém aos que estiverem à sua es
querda: Apartai-vos de mim,
malditos, para o fogo eterno, pre
parado para o diabo e seus anjos.
2Porque tive fome e não me des
tes de comer; tive sede e não me
destes de beber; 43sendo forastei
ro, não me hospedastes; estando
nu, não me vestistes; achando-me
enfermo e preso, não fostes ver
me. ^ E eles lhe perguntarão: Se
nhor, quando foi que te vimos com
fome, com sede, forasteiro, nu, en
fermo ou preso, e não te assisti
mos? 45Então lhes responderá:
Em verdade vos digo que sempre
que o deixastes de fazer a um des
tes mais pequeninos, a mim o dei
xastes de fazer. 46E irão estes para
o castigo eterno, porém os justos
para a vida eterna.”
Estritamente falando, a passagem a respeito do juízo final é muito mais
uma profecia que uma parábola. Apenas a parte que fala das ovelhas e dos
cabritos pode ser considerada uma parábola. E essa breve comparação serve
perfeitamente ao propósito de Jesus, quando ensina a seus discípulos a
doutrina do último julgamento.1 Rapidamente, Jesus se refere a uma cena
bucólica comum em seus dias. O pastor reúne ovelhas e cabritos em um
1. Examinando a teologia de Mateus, G. Gray. em “The Judgment of the Gentiles in Matthes’s
Theology”, Scripture, Tradition and Interpretation, Festschrift honoring E. F. Harrison
(Grand Rapids: Eerdmans, 1978), 199-215, conclui que “ó julgamento dos gentios não pode
decididamente ser o julgamento final de todos os homens”, p. 213. J. R. Michels, “Apostolic
Hardships and Righteous Gentiles: A study of Matthew 25.31-46", JBL 84 (1965); 27-38; R.
C. Oudersluys, "The Parable of the Sheep and Goats (Matthew 25.31-46): Eschatology and
Mission, Then and Now", RefR 26 (1973): 151-61. Permanece o fato, no entanto, que a
parábola como um todo diz respeito ao último julgamento, e o último julgamento inclui todos
os homens e é final.
rebanho. Em áreas onde a grama é escassa por causa da seca, os cabritos
preferem comer as folhas e os rebentos mais do que pastar.2 Eles ficam no
mesmo rebanho com as ovelhas, mas nem os cabritos nem as ovelhas se
misturam. Ao entardecer, as ovelhas atendem ao chamado do pastor, mas
os cabritos, muitas vezes, o ignoram. Quando cai a noite, as ovelhas preferem
ficar ao ar livre, ao contrário dos cabritos, que não suportam o frio e precisam
se abrigar.3
O pastor põe as ovelhas à direita e os cabritos à esquerda. Ele não
separa os machos das fêmeas, e, sim, as ovelhas dos cabritos. Simbolicamen
te, coloca as ovelhas à sua direita e os cabritos de seu lado esquerdo. As
ovelhas valem mais que os cabritos,4 e sua lã branca, que não se confunde
com a pele malhada dos cabritos, se destaca como símbolo de justiça. O
bode, há muito tempo, vem sendo associado com o mal. O Velho Testamento
retrata o bode como o portador do pecado, que é enviado para o deserto
(Lv 16.20-22). Mesmo nós, em nossa própria linguagem, usamos a passagem
registrada em Levítico. Além disso, o lado direito significa sempre o que é
bom, porém o esquerdo pode se referir a algo sinistro, sombrio, mau e vil.
Todas as nações do mundo são comparadas a ovelhas e cabritos que
são separados pelo pastor, no fim do dia. As nações serão reunidas diante
do Filho do Homem sentado em seu trono na glória celestial. Ao comando
divino, os anjos se adiantarão e reunirão os eleitos dos quatro ventos e os
apresentarão diante do trono do juízo (Mt 13.41,42; 24.31; 2 Ts 1.7,8; Ap
14.17-20). Todos os povos estarão diante do Juiz. Tanto os bons, quanto os
maus, os ímpios como os justos. Ninguém será excluído. O Juiz separará uns
dos outros, como o pastor divide seu rebanho de ovelhas e cabritos depois
de tê-los apascentado durante o dia.
O Lado Direito
O tema da separação e do juízo se desenvolve através de todo o
Evangelho de Mateus. O trigo é ajuntado no celeiro, mas a palha é queimada
em fogo que não se extingue (Mt 3.12); o joio é separado do trigo e atado
em feixes para ser queimado, enquanto o trigo é recolhido no celeiro (Mt
13.30). No final dos tempos, os anjos separarão os justos dos maus, e os
ímpios serão lançados na fornalha acesa (Mt 13.49,50). As cinco virgens
néscias encontram a porta fechada e ouvem a voz do noivo dizer: “Não vos
2. Cansdale, Animais of Bible Lands, p. 44.
3. Armstrong, Parables, p. 191; Jeremias, Parables, p. 206.
4. Dalman, Arbeit und Sitte, VI:217.
5. Jeremias, Parables, p. 206; Mánek, Frucht, p. 76.
conheço” (Mt 25.12). O servo negligente, que enterrou seu único talento, é
lançado fora, na escuridão (Mt 25.30). Na parábola das ovelhas e dos
cabritos, o princípio da separação e do julgamento é claramente aplicado.
O Filho do homem, como Jesus se refere a si mesmo, vem em sua glória
e se assenta em seu trono celestial, cercado por seus anjos. Passagens das
Escrituras, no Velho Testamento, reiteram esta verdade que, sem dúvida,
aponta para o último julgamento, como um julgamento universal.6 Na pará
bola das ovelhas e dos cabritos, Jesus aceita todos aqueles trazidos diante
dele, que foram eleitos desde a eternidade. São aqueles que ouvem o Rei
dizer: “Vinde, benditos de meu Pai! entrai na posse do reino que vos está
preparado desde a fundação do mundo.” Eles são salvos, portanto, porque
Deus, o Pai, os tinha abençoado e lhes diz que tomem posse do reino que já
antes lhes havia sido preparado.7 A salvação dos justos não tem raízes em
suas boas obras, senão na vontade de Deus, o Pai. As boas obras, que os
justos praticam, não são a raiz, mas. sim, ofruto da graça.8 As boas obras não
são anuladas pela graça eletiva de Deus; são esperadas de seus filhos benditos
como uma efusão natural de obediência e amor.
De modo interessante, sem explicação, o evangelista muda da imagem
do Filho do homem para a do Rei. Por que Mateus usa estes dois títulos?
Certamente, a identificação de Jesus, como o Filho do homem, com a raça
humana, é evidente por si mesma. Mas, a transição do Filho do homem para
o Rei se torna significativa à luz da profecia de Daniel, onde a pessoa do
Filho do homem vem com as nuvens do céu. “Foi-lhe dado o domínio, a glória
e o reino, para que os povos, nações e homens de todas as línguas o servissem;
o seu domínio é domínio eterno, que não passará, e o seu reino jamais será
destruído” (Dn 7.13,14). O Filho do homem, incontestavelmente, é Rei, e no
dia do juízo fala como juiz soberano.9
As obras dos justos são atos de amor e misericórdia não intencionais
realizados para o próprio Cristo. Por seis vezes Jesus, ao falar com os justos,
usa o pronome da primeira pessoa singular — eu —, contrapondo-a a vós
que se refere a outros.
6. Zc 14.5; Mt 16.27; 19.28; 2 Ts 1.7; Jd 14,15; Ap 3.21; 20.11,12. No trecho chamado “Parábolas”,
no Livro de Enoque 62.5, o ímpio “vê o Filho do homem sentado no trono de sua glória”.
Ele, que é o Messias, executa todos os pecadores pela paiavra de sua boca. Charles,
Apocrypha and Pseudepigrapha, 2:228.
7. O tempo do verbo em “benditos” ( = eulogemenol) e em “preparados” (=hetoimasmenen)
indica ação que, praticada no passado, tem significado permanente para o presente e o futuro.
8. Hendriksen, Matthew, p. 888.
9. Plummer, S t Matthew, p. 350; Mánek, Frucht, p. 75; Manson, Sayings, p. 249.
(Eu) tive fome e me destes de comer;
(Eu) tive sede e me destes de beber;
(Eu) era forasteiro e me hospedastes;
(Eu) estava nu e me vestistcs;
(Eu estava) enfermo e me visitastcs;
(Eu estava) preso e fostes ver-me.10
Em todos os seus atos, os justos têm demonstrado responsabilidade
humana e genuíno interesse. Provaram ser cidadãos dignos do reino dos
céus. No dia do juízo, receberão o privilégio de tomar posse do reino. Em
suas atividades diárias mostraram fidelidade e diligência. No dia do julga
mento, receberão sua recompensa. Nas pequenas coisas da vida, os justos
demonstraram seu amor e lealdade. No último dia, serão honrados pelo
próprio Deus.
As pessoas que permanecem à direita de Jesus, o Rei, ouvem-no dizer
que o alimentaram quando estava faminto, e lhe deram de beber quando
tinha sede; e foram os únicos que o convidaram a entrar, o vestiram,
cuidaram dele, e o visitaram. Eles se preocuparam com as pessoas com as
quais Cristo se identificou. Mas, quem são estas pessoas que se tornaram
recipientes do amor e da bondade dos justos? Esta é a questão que, sur
preendidos, propõem a Jesus: “Senhor, quando foi que te vimos com fome?”
E a resposta do Rei é: “Em verdade vos afirmo que sempre que o fizestes a
um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”. Mas, quem são esses
irmãos de Cristo?11
No Novo Testamento, o próprio Cristo se identifica e é identificado
com seus seguidores.12 A mais marcante ilustração do laço que há entre
Cristo e seus seguidores é o encontro de Paulo com Jesus, na estrada de
Damasco. “Por que me persegues?” — perguntou Jesus. Paulo, de fato,
10. No Testaments of the Twelve Patriarchs, Joseph 1.5,6, encontramos tênue eco dessa
passagem, embora reconhecidamente o pensamento divirja em muito do de Mateus.
“Eu fui vendido como escravo, e o Senhor me livrou;
Fui levado cativo, e sua forte mão me socorreu.
Fui cercado pela fome, e o Senhor mesmo me alimentou.
Estava só, e Deus me confortou;
Estava enfermo, e o Senhor me visitou;
Estava na prisão, e meu Deus foi benigno para comigo.”
Charles, Apocrypha, 2:346.
11. Para um exame amplo, veja-se G. E. Ladd, “The Parable of the Sheep and the Goats in
Recent Interpretation”, New Dimensions in New Testament Study, ed. R. N. Longenecker
e M. C. Tenney (Grand Rapids: Zondervan, 1974), pp. 191-99.
12. Mt 10.40,42; Mc 13.13; Jo 15.5,18,20; 17.10,23,26; At 9.4; 22.7; 26.14; 1 Co 12.27; G12.20; 6.17;
Hb 2.17.
estava perseguindo seus seguidores. Jesus é um com os seus seguidores,
• 1^ •
pois cada cristão que crê 6 irmão ou irmã de Cristo. Por isso, perseguindo
os crentes, Paulo perseguia a Jesus.14
No Evangelho de Mateus, a expressão “meus pequeninos” se refere
aos discípulos de Jesus. Quando os doze discípulos são enviados dois a dois,
Jesus diz: “E quem der a beber ainda que seja um copo de água fria, a um
destes pequeninos, por ser este meu discípulo, em verdade vos digo que de
modo algum perderá o seu galardão” (Mt 10.42).15 Quando ele chama uma
criança e a coloca no círculo dos discípulos, exorta os doze a também se
tornarem crianças. Os pequeninos que acreditam em Jesus pertencem a ele
(Mt 18.5,6,10). Do mesmo modo, em Mateus 25.40, Jesus diz: “Em verdade
vos afirmo que sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos,
a mim o fizestes.” Qualquer auxílio prestado a algum dos seguidores de
Cristo é, portanto, prestado ao próprio Cristo. Os cristãos são altamente
exaltados, pois servirão de referência aos atos de bondade que forem
praticados ou omitidos. Eles e Cristo são um!
O seguidor de Jesus é comissionado a ser uma testemunha viva dele.
E um representante do Rei, e a ele é dada autoridade para testificar do
Senhor. Um mensageiro pertence sempre àquele que o enviou. O que é
enviado deve representar sempre aquele que o enviou.
Os que recebem os mensageiros do Rei e os tratam bem, providencian
do alimento quando têm fome, bebida quando têm sede, roupas que os
agasalhem quando têm frio, e que os confortem quando estão doentes ou na
prisão, estão fazendo isso, de fato, ao próprio Rei. Negar a esses mensageiros
amor e misericórdia é o mesmo que fechar as portas àquele a quem repre
sentam (Mt 10.40).
O Lado Esquerdo
Dois textos são básicos na passagem sobre o último julgamento: Mt
25.40,45. “Em verdade vos afirmo que sempre que o fizestes a um destes
meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”; e, “Em verdade vos digo que
13. J. C. Ingelaire, “La ‘parabole’ du jugement dernier (Matthieu 25/31-46), ”Revue d’Histoire
et de Philosophie Religieuses 50 (1970): 52.
14. H. E. W. Turner, “The Parable of the Sheep and the Goats (Matthew 25.31-46)”, ExpT
(1966); 245, interpreta At 9.4, dizendo: “Com certeza, é um misticismo, mas um misticismo
de auto-identificação mais que de unificação”. Veja-se, também, C. L. Mitton, “Present
Justification and Final Judgment — A Discussion of the Parable of the Sheep and the
Goats.” ExpT 68 (1956): 46- 50.
15. J. A. T. Robinson, “The ‘Parable’ of the Sheep and the Goats”, NTS 2 (1956): 225-37,
também publicado em Twelve New Testament Studies (Naperville: A. R. Allenson, 1962),
pp. 76-93, chama a atenção para esta passagem, mas por razões lingüísticas.
sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o
deixastes de fazer.” São versículos paralelos com praticamente as mesmas
palavras. A omissão de “meus... irmãos” no v.45 pode ser devida ao estilo.
O primeiro dos textos é afirmativo c endereçado aos judeus; o segundo é
dirigido aos ímpios, em termos negativos.
Os ímpios não cometeram nenhum crime. Não mataram ninguém; não
cometeram adultério; não roubaram. Seus pecados não são de comissão, e,
sim, de omissão. O que deixaram de fazer é enumerado no dia do juízo. A
lista completa das necessidades atendidas pelos justos é repetida, mas,
agora, as flagrantes omissões são destacadas.
(Eu) tive fome, e não me destes de comer;
(Eu) tive sede, e não me destes de beber;
Sendo forasteiro, não me hospedastes;
Estando nu, não me vestistes;
Achando-me enfermo e preso, não fostes ver-me.
No julgamento, como descrito na passagem, nenhuma pergunta será
feita a respeito da fé ou do arrependimento em Cristo. Apenas perguntas
sobre conduta serão propostas.1 A lista de feitos pode ser cumprida por
qualquer um; não há necessidade de treino na fé cristã para se estar qualifi
cado.
Quando os seguidores de Cristo, em necessidade, procuraram aqueles
que permanecerão à esquerda do Rei, foram rejeitados. Aqui se coloca,
realmente, a questão do ser a favor ou contra Cristo. Não há posição neutra
em relação a Jesus: o homem precisa escolher. Como Jesus, sucintamente,
colocou: “Quem não é por mim, é contra mim; e quem comigo não ajunta,
espalha” (Mt 12.30). Se um homem recusa os apelos do evangelho e rejeita
o seguidor de Jesus, ele rejeita o Cristo e escolhe ficar do lado do inimigo.17
Estão incluídas aí as pessoas que nunca conheceram a Jesus? Eles
serão julgados como todos os outros que no dia do juízo permanecerão
diante do Filho do homem. O apóstolo Paulo referiu-se a esta questão,
quando escreveu sobre o julgamento justo de Deus: “Assim, pois, todos os
que pecaram sem lei, também sem lei perecerão” (Rm 2.12). Apenas aqueles
que obedecem à lei de Deus são declarados justos.18
16. Plummer, St. Matthew, p. 350.
17. Manson, Sayins, p. 251.
18. “Há, portanto, uma correspondência exata entre o caráter de seus pecados como ‘sem lei’
e a destruição final vinda sobre eles, também, ‘sem lei”’, J. Murray, The Epistle to the
Romans (Grand Rapids: Eerdmans, 1959), 1:70.
Por se recusarem a socorrer os seguidores de Cristo, os ímpios se
colocam fora da esfera das bênçãos de Deus. Estão sob maldição. Ouvem as
terríveis palavras: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, pre
parado para o diabo e seus anjos.” São condenados e enviados para junto de
Satanás e de seu séquito.19 Os ímpios são separados de Cristo para sempre;
e são enviados para um lugar onde passarão a eternidade com Satanás e os
seus. É o lugar que as Escrituras descrevem como o inferno.
No tribunal, aqueles que estiverem à esquerda do juiz se surpreende
rão e questionarão o veredito: “Senhor, quando foi que te vimos com fome,
com sede, forasteiro, nu, enfermo ou preso, e não te assistimos?” A resposta
a esta pergunta é que se recusaram a ver o Cristo quando seus seguidores
chegaram até eles. Fecharam seus olhos e endureceram seus corações,
quando os seguidores de Jesus estavam precisando de ajuda para suas
necessidades mais básicas. “Sempre que o deixastes de fazer a um destes
mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer.” Jesus aponta para seus
seguidores, seus irmãos. São aqueles que crêem nele e constituem a igreja.
Quando são rejeitados, Cristo é rejeitado. Eles representam Jesus.
Diante do trono do julgamento, todas as nações estão reunidas: as
nações do mundo estão diante de Jesus. Embora cada pessoa seja julgada
individualmente, as nações também estarão diante do juiz, coletivamente. O
homem é considerado responsável por sua atitude e resposta para com Jesus,
sua Palavra e seu Reino, e recebe seu veredito como indivíduo. Mas ele faz
parte de sua comunidade e é um cidadão de sua nação. Juntamente com seus
compatriotas carrega a responsabilidade coletiva pelas ações postas em
prática e realizadas “contra o SENHOR e contra o seu Ungido...” (SI 2.2).
Durante o seu ministério terreno, Jesus denunciou as cidades de Corazim,
Betsaida e Cafarnaum, porque não se arrependeram apesar dos milagres
que ele ali realizara (Mt 11.20-24). No dia do juízo, haverá menos rigor para
Tiro, Sidom e Sodoma, que para as cidades do norte da Galiléia que não
responderam à mensagem de Jesus. Elas receberão julgamento coletivo.
Implicações
A parábola das ovelhas e dos cabritos é uma introdução à descrição
do último juízo. Como o pastor separa suas ovelhas dos cabritos, assim
também Jesus separa os justos dos ímpios no dia do juízo. Naquele dia, todas
19. O tempo verbal nos participios “malditos” (=kateramenoi) e “preparados” (= hetoimas-
menon) como os de Mt 25.34, indica que, praticada no passado, tem validade no presente
e no futuro.
20. Por exemplo: Is 33.14; 66.24; Mt 5.22; 13.42,50; 18.8,9; Lc 16.19-31; Jd 7; Ap 19.20;
20.10,14,15; 21.8.
as nações do mundo permanecem diante do Filho do homem e são julgadas
com base na aceitação ou rejeição mostradas a ele, quando seus mensageiros
proclamaram o seu chamado.21 O que se deduz deste quadro é que o
julgamento só pode acontecer quando a ordem da Grande Comissão tiver
sido plenamente cumprida. “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as
nações...” (Mt 28.19). Quando este comando tiver sido cumprido, o fim está
próximo. Os seguidores de Jesus devem proclamar fielmente a mensagem
do reino a todas as nações, pois quando esta tarefa estiver cumprida, o fim
virá (Mt 24.14).
Os mensageiros do evangelho de Jesus experimentam fadiga e sofrem
fome, sede, frio, doença, solidão e prisão. Paulo relata suas experiências e
fala das vezes em que passou fome e sede; esteve nu e com frio; nas vezes
em que esteve em perigo entre patrícios e entre gentios; e como esteve,
muitas vezes, nas prisões; como foi açoitado e enfrentou o perigo de morte
(2 Co 11.23-27).22 As pessoas que o ouviam e que cuidaram dele por ocasião
de seus julgamentos e de suas íribulações, demonstraram genuíno amor.
Esses atos, como Paulo diz aos Filipenses que lhe haviam ofertado dádivas,
eram “aroma suave, como um sacrifício aceitável e aprazível a Deus” (Fp
4.18). Mas, quando Paulo foi abandonado por todos, enquanto estava sendo
j ulgado, o Senhor estava ao seu lado, dando-lhe força. Àqueles que o haviam
desamparado, Paulo escreveu: “Que isto não lhes seja posto em conta” (2
Tm 4.16). Ele deixou o julgamento para o Senhor. Embora representante de
Jesus, não usou da autoridade daquele que o enviara. Jesus é o juiz, e ele
dará o veredito no dia do juízo. Paulo pode apenas orar para que o ato de
deserção não fosse imputado àqueles que deveriam tê-lo apoiado.
A auto-identificação de Jesus com seus irmãos não inclui todos os
pobres e necessitados do mundo. Ver na passagem sobre o juízo final uma
base para o amor cristão pelos pobres, considerados indiscriminadamente,
porque o pobre representa Cristo, é acrescentar algo ao texto. Ver o Cristo
na figura rejeitada do homem na estrada de Jericó, ou de Lázaro à soleira
da casa do rico, é aceitar uma exegese falha. A parábola das ovelhas e dos
cabritos e seu subseqüente quadro do dia do juízo final acentua a palavra
irmão (Mt 25.40). Para Mateus o termo irmão não se aplica a todos, mas
21. L. Cope, “Matthew XXV.31-46. ‘The Sheep and the Goats’ reinterpreted”, NovT 11 (1969):
43.
22. J. Mànek, “Mit wem identifiziert sich Jesus? Eine exegetische Rekontruktion ad Matt.
25.31-46, "Christ and Spirit in lhe New Testament, ed. B. Lindars e S. S. Smalley (Cam
bridge: University Press, 1973), p. 19.
23. Alguns comentaristas vêem o Cristo oculto nos confrontado, nos povos necessitados e
desafortunados do mundo. Por exemplo, Hunter, Parables, p. 118; Armstrong, Parables, p.
193.
apenas àqueles que aceitam Jesus como seu Senhor e Salvador.24 Em seu
Evangelho, Mateus fornece um significado para a palavra irmãoP Para ele
a palavra significa um discípulo, um seguidor de Jesus. Portanto, a frase
“meus pequeninos irmãos”, em Mt 25.40, se refere às pessoas que acreditam
em Jesus. São membros de seu corpo, a igreja.
Naturalmente, as palavras de Jesus: “Os pobres sempre os tendes
convosco, mas a mim nem sempre me tendes” (Mt 26.11; Mc 14.7; Jo 12.8),
não significam que, em sua ausência, Jesus seja representado pelos pobres.
Suas palavras são uma exortação para que os pobres sejam cuidados, como
Deus ordenou aos israelitas: “Pois nunca deixará de haver pobres na terra;
por isso eu te ordeno: Livremente abrirás a tua mão para o teu irmão, para
o necessitado, para o pobre na terra” (Dt 15.11). Paulo era cuidadoso a
respeito desta mesma injunção, que recebera novamente ao se engajar na
missão aos gentios. Após ter recebido a destra de comunhão de Tiago, Pedro
e João, ele disse: “Recomendando-nos somente que nos lembrássemos dos
pobres...” (G12.10).
Ninguém pode, jamais, ignorar os pobres, porque a ordem de Deus:
“amarás o teu próximo como a ti mesmo”, é suficientemente clara. O
cumprimento da lei é o amor, e aquele que cumpre esta lei régia está agindo
bem (Tg 2.8). Assim, os cristãos têm a obrigação divina de mostrar amor
genuíno e sincero interesse pelos necessitados e rejeitados, não importando
a raça, origem, idade, sexo, ou religião. Qualquer um se qualifica como o
próximo e reclama amor, porém nem todos são chamados de irmão ou irmã
de Cristo. Apenas aqueles que crêem em Cristo e fazem a vontade de Deus
são irmãos e irmãs de Cristo (Mt 12.48).
Na parábola e na apresentação da cena do juízo, as seguintes pessoas
aparecem individual e coletivamente: (1) o Filho do homem, (2 todas as
nações, (3) um pastor, (4) o Rei, (5) o Pai do Rei, (6) os justos, (7) os irmãos
do Rei, (8) os ímpios. É óbvio que Deus é o Pai do Rei; embora Deus não
seja o Juiz. O Rei é o Juiz que é comparado a um pastor que separa as ovelhas
dos bodes. Além disso, o rei é também conhecido como o Filho do homem,
que é como Jesus se denomina. Os irmãos do Rei, também, estão presentes
no julgamento. Quem são eles? Jesus diz a seus discípulos que: “quando na
regeneração, o Filho do homem se assentar no trono da sua glória, também
vos assentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel” (Mt
19.28). O privilégio de julgar com Cristo não se limita aos doze discípulos.
Os santos julgarão o mundo, escreve Paulo à congregação de Corinto (1 Co
24. Mãnek, “Exegetische Rekonstruktion”, p. 22; Mánek, Frucht, p. 79.
25. U t 5.47; 12.48; 18.15; 23.8; 28.10.
6.2).26 O Juiz não está sozinho, porém fala pelos seus irmãos. Ele não julga
seus irmãos; porém todas as nações se apresentam diante de seu trono e são
separadas em dois grupos: os que estarão à direita do Juiz, porque ajudaram
os irmãos; e aqueles à esquerda, porque se recusaram a ajudar.
Nesta parábola, Jesus apresenta apenas um aspecto do quadro do
último julgamento. Outras passagens das Escrituras nos revelam cenas
adicionais do que acontecerá naquele dia.27 A parábola das ovelhas e dos
cabritos descreve uma divisão entre os que foram colocados à direita e
aqueles que foram colocados à esquerda. A descrição da cena do julgamento
acaba com uma referência ao destino permanente que terão. “E irão estes
para o castigo eterno, porém os justos para a vida eterna” (Mt 25.46). A
conclusão indica que o veredito, para ambas as partes, é final e irrevogável.
Os justos gozarão para sempre a plenitude da vida, e os ímpios receberão a
maldição da punição eterna.
As Circunstâncias
Talvez tenha acontecido num sábado, quando Jesus pregara durante
o culto da manhã, na sinagoga local. Porque era considerado um privilégio
convidar um pregador visitante para o jantar,1 Simão, o fariseu, convidou
Jesus para ir à sua casa a fim de participar, com ele e com outros convidados,
da refeição do meio-dia do Sabá.
O anfitrião, porém, foi negligente, esquecendo-se das regras comuns
de cortesia, não beijando Jesus, nem lavando seus pés ou ungindo com óleo
perfumado sua cabeça.2 Chegou-se Jesus à mesa e, como os outros convida
dos, tirou as sandálias.3 À maneira típica da época, os convidados se recli-
navam em divãs ao redor da mesa, apoiando-se sobre o braço esquerdo e
mantendo livre a mão direita para se servir da comida e da bebida, e seus
pés ficavam estendidos, afastados da mesa. Se não fosse inverno a refeição
acontecia no pátio, porque os judeus gostavam de comer ao ar livre.4
Durante a refeição, chegou uma mulher, que morava naquela cidade e que
era conhecida pela sua moral duvidosa. Ela caminhou rapidamente para
perto de Jesus, pretendendo lhe oferecer um vaso de alabastro, cheio de
ungüento perfumado.
Porque conhecia Jesus, ela queria presenteá-lo com aquele perfume
tão caro. Queria expressar-lhe sua gratidão por tê-la ajudado, provavelmen
te ensinando-lhe a mensagem de salvação. Mas ela não conseguiu controlar
a emoção, e, antes que percebesse, suas lágrimas corriam e caíam sobre os
pés de Jesus. Ela não tinha uma toalha para enxugar seus pés. Então, soltou
seus cabelos para com eles secá-los. Beijou seus pés, tomou o frasco de
perfume e derramou-o sobre eles.
Do ponto de vista de Simão, aquele era um incidente muito embara
çoso. Se a mulher tivesse comprado o perfume tão caro com o dinheiro ganho
na prostituição, o presente seria impuro. De acordo com Dt 23.18, Deus
abominava tais ganhos, que, portanto, não podiam ser trazidos à sua casa.
Presentes de pessoas sem moral eram considerados sujos e inaceitáveis por
qualquer pessoa respeitável. Além disso, a mulher desatara seu cabelo,
estando na companhia de homens; agindo assim, mostrara que espécie de
mulher era. Era contra os bons costumes que uma mulher soltasse seus
cabelos em público.5
O fariseu se admirava que Jesus permitisse que tudo isso acontecesse.
Ele começou a olhar Jesus com olhos diferentes. Se Jesus fosse um
1. Jeremias, Parables, p. 126.
2. O costume de ungir alguém com óleo vem da antigüidade. SI 23.5; 45.7; 104.15; Ez 23.41; Am
6.6. Daniel-Rops, Palestine, p. 208.
3. Um servo apanhava as sandálias dos hóspedes e as guardava até ao final da refeição. A. C.
Bouquet, Everyday Life in New Testament Times (New York: Scribner, 1954), p. 71.
4. Daniel Rops, Palesline, p. 207.
5. Derrett, Law in the New Testament, p. 268.
profeta,6 ele refletia, saberia que esta mulher era uma pecadora, e que seu
presente era maculado pelo pecado. Nenhum profeta que se desse ao
respeito permitiria que uma mulher de má reputação o tocasse, infamando-
o. Porque a mulher não apenas tocou seus pés — fez mais, continuou
beijando-os até que, finalmente, se retirou. Jesus não compreendia?
A Parábola
Jesus pregava o evangelho da salvação e conclamava o povo ao arre
pendimento e à fé em Deus. Talvez, mais cedo, naquele dia, a mulher tivesse
ouvido a mensagem de Jesus, e, agora, respondesse positivamente à sua
palavra. Vencida pela culpa, mesmo sabendo que Deus a perdoaria, procu
rou Jesus. Foi incapaz de reter a torrente de lágrimas que explodiu, expres
sando tristeza pelos pecados cometidos e alegria pela graça recebida.
Mas Simão, o fariseu, não pôde ver que essa mulher pecadora experi
mentava a alegria da regeneração. Não se lhe ocorreu que ela poderia ter
sido perdoada e que se sentisse plena de felicidade. “Jesus jamais deveria
permitir que a mulher o tocasse”, disse Simão a si mesmo.
Jesus sabia o que Simão pensava, e de modo gentil, mas corrigindo-o,
disse-lhe que apreciara o gesto da mulher, pois ela fizera o que seu hospe
deiro deveria ter feito por seu hóspede. Mas, antes de Jesus dizer ao fariseu
o que tinha visto na mulher, propôs-lhe uma questão, em forma de parábola.
Começou a parábola dizendo a Simão que tinha algo a lhe falar. Simão estava
pronto a ouvir.
Jesus contou a pequena história de um agiota que tinha dois devedores.
Um lhe devia quinhentos denários e o outro, cinqüenta. Um denário, naque
les dias, era quanto valia o salário diário de um trabalhador rural. Nenhum
dos dois devedores, na história de Jesus, tinha fundos para pagar ao agiota.
Aconteceu, então, o inesperado. O credor cancelou a dívida de ambos. “Qual
deles, portanto, o amará mais?” — Jesus perguntou a Simão. Simão, meio
relutante, respondeu: “Suponho que aquele a quem mais perdoou.” De
repente, percebeu que a parábola o envolvia também. Ele sabia que Jesus
não tinha terminado a história. A aplicação, inevitavelmente, se seguiria para
explicar a presença da mulher, a atitude de Jesus em relação a ela, e o papel
de Simão como anfitrião.
“Vês esta mulher?” — perguntou Jesus. Naturalmente que Simão via
a mulher, mas Jesus queria que ele a visse em uma dimensão espiritual. Os
6. Alguns manuscritos apresentam o artigo definido antes de “profeta”. A expressão “o profeta”
se referiria, então, ao grande Profeta que Deus providenciaria (Dt 18.15).
7. Marshall, Luke, p. 309. Calvin, Institutes of the Christian Religion, III. 4.33 (Grand Rapids:
Eerdmans, 1944), p. 722.
olhos de Simão estavam cegos, pois, enquanto a olhava apenas como peca
dora, deixava de vê-la como alguém de quem os pecados haviam sido
perdoados. Sua auto-justificação bloqueava sua visão. Em sua opinião, a
mulher era apenas uma pecadora. Jesus, no entanto, não o repreendeu, nem
o censurou, mas, de maneira magistral, ofereceu-lhe uma perspectiva espi
ritual do acontecido.
“Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; não me saudaste
com um beijo, nem me ungiste a cabeça com óleo.” Mas, disse Jesus, “esta
mulher, com suas lágrimas, lavou meus pés, e por não ter uma toalha,
enxugou-os com seus cabelos. Ela demonstrou seu respeito mais profundo
por mim, beijando meus pés. Além disso, tomou um vaso de bálsamo
perfumado e ungiu-os”.
Jesus via a mulher como uma pecadora que tinha sido perdoada. Ele
não especificou seus pecados. Apenas se referiu a eles dizendo que eram
muitos. E porque seus muitos pecados lhe tinham sido perdoados, ela muito
amou.8 Ela queria expressar sua gratidão a Deus e se voltara para Jesus, que
fora enviado por Deus. Ele se tornara o vaso que recebia a gratidão da
mulher.9
A Mulher
A mulher não falou nada, durante o tempo em que esteve na casa de
Simão. Mas, seu gesto falou mais alto que palavras. Ela desmanchou-se em
lágrimas por causa de seus pecados. Como o devedor que ouviu de seu
credor que não lhe devia mais nada, assim a mulher experimentou a graça
misericordiosa de Deus. Por causa dessa graça, ela queria expressar sua
gratidão oferecendo a Jesus uma dádiva preciosa. Isto é, mostrando seu
amor a Jesus, ela provou que seus pecados já tinham sido perdoados. Não
foi por ela ter demonstrado seu amor que obteve o perdão dos pecados, 10
pois, sendo assim, ela teria merecido o perdão. Com esta parábola, Jesus
ensinou que o débito dos dois homens foi cancelado sem qualquer esforço
da parte deles. Do mesmo modo, a mulher, aliviada do fardo do pecado,
podia mostrar sua gratidão beijando e ungindo os pés de Jesus.
8. Jeremias, Parables, p. 127, destaca que o hebraico, o aramaico e o siríaco são línguas que não
têm palavras correspondentes para “obrigado” e “agradecimento”. O conceito se expressa
por meio de palavras tais como “amor” ou “bênção”.
9. H. Drexler, “Die grosze Sünderin Lucas 7.36-50", ZNW 59 (1968): 166.
10. Católicos romanos interpretam que o texto (Lc 7.47) diz que o amor merece perdão. A
versão NAB traduz o texto: “Eu vos digo porque seus muitos pecados são perdoados — por
causa de seu grande amor.”
“Mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama.” Queria Jesus dizer
que Simão, o fariseu, amava pouco porque os pecados, que lhe tinham sido
perdoados, eram poucos? Dificilmente.
Simão não mostrou amor ou gratidão a Jesus, além do convite para que
fosse jantar em sua casa. Ele não tinha sentido qualquer necessidade de ser
perdoado. Apesar de tudo, a comparação permanece. Jesus não elaborou o
assunto, mas, por implicação, pediu a Simão que reconhecesse e confessasse
seus pecados para, assim, experimentar a alegria que acompanha o poder
purificador da graça de Deus.
Jesus perguntou a Simão se ele tinha visto a mulher. Pelo contraste
exemplificado na parábola, Jesus, então, insinuou que Simão deveria olhar
para sua própria vida espiritual.
Depois de ter-se dirigido a Simão, Jesus voltou-se para a mulher e
disse: “Perdoados são os teus pecados.” Deus tinha perdoado seus pecados.
Jesus confirmou, então, a certeza da mulher de que ela recebera o perdão
dos seus pecados, dizendo-lhe que tinha sido redimida: “A tua fé te salvou;
vai-te em paz.” Ela já tinha professado sua certeza com seus atos de amor e
gratidão. Pela fé, ela expressara a Jesus sua gratidão. Seu amor era, portanto,
a conseqüência e não a causa de sua salvação.11 Com a paz de Deus em seu
coração, a mulher pôde enfrentar o mundo de novo, como um ser humano
regenerado. Com as palavras “vai-te em paz”, Jesus a abençoou na despedi
da.
24. Agostinho, Quaestiones Evangeliorum, II, 19. Dodd, Parables, pp. 11,12. Consulte-se
Mãnek, Frucht, pp. 88,89 para uma avaliação útil de modernas interpretações. Veja-se
Gerhardsson, Good Samaritan, pp. 1-31, para um estudo elaborado de possível derivados
verbais; J. Daniélou, “Le Bon Samaritain”, Mélanges Bibliques rédiges en l’honneur de A.
Roberl (Paris, 1956), pp. 454-93; H. Binder, “Das Geheimnis vom barmherzigen Samariter”,
TZ 15 (1959): 176-94.
25. Morris, Luke (Grand Rapids: Eerdmans, 1974), p. 191. W. Monselewski, Der barmhersrige
Samariter. Eine auslegungsgeschichtliche Untersuchung zu Lukas 10.25-37 (Tübingen:
Mohr-Siebeck, 1967), p. 16.
26
O Amigo Importuno
Lucas 11.5-8
5“Disse-lhes ainda Jesus: Qual
dentre vós, tendo um amigo e este
for procurá-lo à meia-noite e lhe
disser: Amigo, empresta-me três
pães, 6pois um meu amigo, chegan
do de viagem procurou-me, e eu
nada tenho que lhe oferecer. 7E o
outro lhe responda lá de dentro,
dizendo: Não me importunes: a
porta já está fechada e os meus
filhos comigo também já estão dei
tados. Não posso levantar-me para
tos dar; 8digo-vos que, se não se
levantar para dar-lhos, por ser seu
amigo, todavia o fará por causa da
importunação, e lhe dará tudo o de
que tiver necessidade.”
L ucas registra o Pai Nosso de forma mais breve que a encontrada no
Evangelho de Mateus. Ele continua a oração não com uma exortação aos
homens para que se amem uns aos outros, mas com uma parábola na qual
Jesus ensina àquele que pede, que seja persistente. O ensino da parábola
sobre o amigo importuno é reproduzido sucintamente na exortação do
apóstolo: “Orai sem cessar” (1 Ts 5.17). Apenas Lucas menciona a parábola
do amigo que vem à meia-noite. Em poucas e expressivas palavras, ele
descreve o quadro de um homem que não tinha pão — provavelmente usara
o último pedaço no jantar —e, então, recebe um amigo que chega de viagem,
à meia-noite.1 A cidade era pequena e não era possível obter pão, àquela
hora, a menos que procurasse um vizinho de boa vontade que lhe empres
tasse alguns.
O viajante chegou à meia-noite, talvez para evitar o calor do dia.2
Cansado e com fome, procurou a hospitalidade do amigo. Mas, pelo incon
veniente da hora, pôs seu hospedeiro numa situação embaraçosa: ou se
recusava a hospedá-lo, porque não tinha pão, ou ia procurar o vizinho para
pedir alguns pães. Que situação! Se se recusasse a alimentar seu amigo
viajante, faltaria às normas do bom receber; e se fosse procurar seu vizinho,
provavelmente o incomodaria.
A história contada por Jesus talvez se baseasse em um fato real e podia
ser classificada entre aquelas que se iniciam sempre com a pergunta: “Sabe
o que aconteceu...?” Fez sorrir discretamente todos aqueles que a ouviam
porque era tão igual à própria vida. Todos queriam saber como a história ia
acabar.
As casas em Israel, especialmente nas áreas rurais, eram pequenas,
consistindo de apenas um cômodo usado como sala de jantar e dormitório.
A casa tinha uma porta que permanecia aberta durante todo o dia. Mas, ao
anoitecer, quando o sol se punha, o chefe da família fechava a porta e fazia
correr uma tranca de maneira que se prendia nas laterais da porta, manten
do-a fechada para evitar os intrusos.4 Esteiras eram espalhadas e usadas
como camas, nas quais a família toda dormia. Em tais circunstâncias, era
muito difícil levantar no escuro e procurar algo.
O hospedeiro, desejando cumprir as normas de hospitalidade, cami
nhou até à casa de seu vizinho e despertou-o, pedindo-lhe: “Amigo, einpres-
ta-me três pães, pois um meu amigo, chegando de viagem, procurou-me, e
1. Traduções de Lc 11.5 diferem na maneira de considerar a palavra amigo. A versão NIV
traduz: “Suponhamos que um de vós tenha um amigo e vá procurá-lo à meia-noite...” Mas
a versão NEB diz o seguinte: “Suponhamos que um de vós tenha um amigo que vem
procurá-lo no meio da noite...” O amigo é o vizinho que empresta o pão, ou o viajante
faminto? Quem é amigo de quem?
2. As viagens à noite eram comuns, nos dias de Jesus; as pessoas prudentes viajavam à noite,
como fez José com Maria e o menino Jesus (veja-se Mt 2.9,14).
3. A cozinha ficava, comumente, do lado de fora, ou sob um telheiro. Veja-se Daniel-Rops,
Palestine, p. 220.
4. Dalman, Arbeit und Sitte VII:70-72, 178-79; Armstrong, Parables, p. 80; e Jeremias,
Parables, p. 157.
eu nada tenho que lhe oferecer.” Ele chamou o vizinho de “amigo”, prova
velmente para desencorajar qualquer resposta zangada, embora não fosse
próprio de um amigo acordar o outro no meio da noite. A questão é saber
quem merece o nome de “amigo”. Aquele que foi prestativo com seu vizinho
ou o que veio acordá-lo pensando em seu hóspede?
Um pão, naqueles dias, não era maior que uma pedra que se pudesse
segurar com uma das mãos. Assim, Mateus, no contexto paralelo registra:
“Ou qual dentre vós é o homem que, se porventura o filho lhe pedir pão, lhe
dará pedra?” (Mt 7.9). Três desses pães eram refeição suficiente para uma
pessoa. A longa explicação do que pedia emprestado era uma tentativa de
descrever ao vizinho a situação embaraçosa em que se achava e revela a
esperança de que o amigo o compreendesse. Naturalmente, o hospedeiro
estava perfeitamente ciente do problema que seu pedido causaria. Mesmo
assim, ele pediu, sabendo que era a única maneira de conseguir pão para
oferecer a seu amigo cansado e faminto.
Emprestar pão a um vizinho, cujo suprimento se esgotara, era costume
comum em Israel. Pela manhã, quando o pão fresco fosse assado, o que fora
emprestado era devolvido. O problema não era a quantidade emprestada;
era a hora.
A voz do vizinho estava longe de agradar. Numa reação bem humana,
de alguém cujo sono foi perturbado, ele respondeu: “Não me importunes: a
porta já está fechada e os meus filhos comigo também já estão deitados. Não
posso levantar-me para tos dar.” Ele mostrou má vontade, não falta de
condições para atender o pedido. Ele teria que se levantar, acordar os filhos
ao acender a lâmpada, achar o pão, e retirar a tranca para abrir a porta. Seria
muito mais fácil se o vizinho desaparecesse na escuridão.
Mas o vizinho não lhe deu descanso nem o deixou dormir. Não podia
voltar para casa, onde seu amigo estava esperando, com as mãos vazias.
Continuou pedindo até que seu vizinho se levantou, acendeu a lâmpada,
removeu a tranca, abriu a porta e lhe entregou os pães. O vizinho não fez isto
por causa da amizade, mas por causa da insistência daquele que estava
pedindo.
A palavra insistência é a palavra-chave na conclusão da parábola .5 Ela
retrata a atitude de um homem que se vê obrigado a mostrar hospitalidade
5. Em todo o Novo Testamento, a palavra anaideia ocorre apenas aqui. Pode ser traduzida
como “falta de vergonha” para descrever a impertinência do homem que acordou o vizinho.
Jeremias, Parables, p. 158, e Marshall, Luke, p. 465, admitem que a falta de vergonha pode
ser atribuída, também, ao vizinho que se recusou a atender o pedido do amigo. A palavra
exprime, então, o sentido de “manter a aparência”. O vizinho, portanto, atendeu o pedido,
porque não queria trazer vergonha para sua casa, com sua recusa.
a um amigo que o procurou à meia-noite. No contexto de sua cultura, ele sai
de seus hábitos para providenciar alimento para suprir as necessidades de
seu amigo. Está disposto a sacrificar a amizade com seu vizinho, a fim de se
mostrar um bom hospedeiro. Ele insiste. Sabe que seu pedido receberá
resposta apesar das circunstâncias adversas.
Nesta parábola, Jesus aplica claramente a regra judaica dos contras
tes.6É uma norma que destaca o maior ensinando o menor. Nesse exemplo,
chamando atenção para a insistência do hospedeiro, que tem certeza de que
o amigo lhe emprestará os pães, Jesus ensina que podemos procurar Deus
em oração, sabendo que ele vai nos atender. “Digo-vos que, se não se
levantar... por ser seu amigo... o fará por causa da importunação, e lhe dará
tudo o de que tiver necessidade. Por isso vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á;
buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á” (Lc 11.8,9). Se o vizinho acorda à
meia-noite e se levanta para emprestar os pães a seu amigo, muito mais fatá
Deus, o Pai, respondendo à oração de seu filho, que o procura em necessi
dade!
O que a parábola ensina? Não ensina que, como o vizinho despertado
do sono, Deus não gosta de ser importunado. Antes, ela transmite a idéia de
que, como o hospedeiro continuou a pedir, sabendo que seu vizinho lhe
abriria a porta e lhe daria pão, assim o cristão deve continuar diligentemente
em oração. Pela fé, ele sabe que Deus atenderá seus pedidos, e lhe dará
muito mais do que necessita. Deus atende às orações em resposta à fé
manifestada pelo crente. Por isso, o cristão termina suas orações repetindo
a palavra amém. Nas palavras de um catecismo do século dezesseis, a
respeito do Pai Nosso:
Amém significa,
Assim será, com toda a certeza!
É muito mais certo
Que Deus ouça minha oração,
Do que eu estar realmente desejando
Aquilo pelo qual estou orando.
6. Esta tegra, chamada Kal Wa-homer (do menos importante para o mais importante), era uma
das sete regras de hermenêutica compiladas pelo Rabino Hillel (60 A.C. a 20 D.C.) H. L.
Strack, Introduction to the Talmud and Midrash (New York: Meridian Books, 1969), pp.
93-94.
7. Catecismo de Heidelbergae, questão 129.
27
O Rico Insensato
Lucas 12.13-21
10
“Nesse ponto, um homem que
estava no meio da multidão lhe fa
lou: Mestre, ordena a meu irmão
que reparta comigo a herança.
14Mas Jesus lhe respondeu: Ho
mem, quem me constituiu juiz ou
partidor entre vós? 15Então lhes
recomendou: Tende cuidado e
guardai-vos de toda e qualquer
avareza; porque a vida de um ho
mem não consiste na abundância
dos bens que ele possui. 16E lhes
proferiu ainda uma parábola, di
zendo: O campo de um homem
rico produziu com abundância.
I VE arrazoava consigo
• mesmo, di
a -
í4N ã o julgueis, para que não sejais julgados”, disse Jesus no Sermão
da Montanha. Ele estava plenamente consciente do significado do que dizia,
cercado por uma multidão. Alguém lhe pediu que fosse juiz numa disputa
de família. Dois irmãos vinham discutindo a respeito de uma herança. O pai
tinha morrido, e o irmão mais velho, na opinião do mais novo, não tinha
cumprido o que estava especificado no testamento. Talvez a herança não
tivesse sido dividida por motivos religiosos.1 Mas, o irmão mais novo fazia
objeção ao curso da ação e fez um apelo a Jesus. Dirigiu-se a ele como
“mestre”, que quer dizer “rabino”.2
Jesus, no entanto, negou-se a se envolver na disputa e a servir de juiz
e árbitro. Recusou-se a se tornar um outro Moisés, que tomou partido em
uma contenda e, como resultado, teve que deixar o país.3 Não se prestou a
ser usado por alguém movido pelos próprios interesses.
O irmão que pediu a Jesus para intervir parece ter ido, sozinho, até
Jesus. Não temos indícios de que o irmão mais velho tenha concordado em
ter uma terceira pessoa avaliando a situação. Nada é revelado, também, a
respeito dos pormenores da reclamação. O que fica evidente é que a pessoa
que se dirigiu a Jesus queria usá-lo como advogado, juiz e árbitro. Resumin
do, queria empregá- lo como se emprega um servo. Deixou de ver Jesus como
um mestre. Porque os rabinos conheciam a Lei, e serviam duplamente como
mestres e advogados, o irmão, simplesmente, não conseguiu ver a diferença.
Por isso, depois de ter-se dirigido diretamente ao homem, Jesus passou
a ensinar à multidão uma lição espiritual, fazendo-lhes uma recomendação
geral, e contando-lhes uma parábola: “Tende cuidado e guardai-vos de toda
1. Sl 133.1. Josephus assinala que os essênios desistiam do direito à propriedade privada
morando juntos, como fazem os irmão de uma família. Wars 2:122.
2. Os judeus apelariam aos rabinos e fariam referência às Escrituras: Nm 27.1-7: 36.2-10; Dt
21.15-17.
3. Êx 2.14; At 7.27,35. O Evangelho de Tomé, Citação 72, apenas descreve Jesus como um
repartidor: “Um homem disse a ele: Fala com meus irmãos para que dividam comigo os bens
de meu pai. Ele disse: Homem, quem me pôs como repartidor? Ele se voltou a seus discípulos
e lhes disse: Não sou um repartidor, sou?”
e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância
dos bens que ele possui.” Como mestre, Jesus advertiu o povo contra o perigo
espiritual da avareza. A avareza é idolatria.4 É o culto à criatura em lugar
do Criador. Jesus foi direto à raiz do problema apresentado pelo homem.
Descobriu a origem do erro que o levou a pedir a Jesus que fosse seu
advogado. Pessoas avarentas não herdam o reino de Deus.5
As palavras de Jesus são elaboradas na primeira Epístola de Paulo a
Timóteo: “Porque nada temos trazido para o mundo nem coisa alguma
podemos levar dele; tendo sustento e com que nos vestir, estejamos conten
tes” (1 Tm 6.7,8). Comida, roupa e um abrigo resumem as necessidades da
vida. Qualquer coisa a mais é abundância e deve ser repartida com os pobres.
A Parábola
A parábola do rico insensato deixa evidente que a vida, no verdadeiro
sentido da palavra, não depende de riquezas materiais. Há alguns anos atrás,
estavam muito em modo definições de felicidade: “Ser feliz é...” Mas entre
todas as definições, nenhuma mencionava riqueza. A riqueza não traz
felicidade. Antes, é, muitas vezes, causa de ruína e destruição.
Na parábola de Jesus, um fazendeiro muito rico teve um verão excep
cional, porque na ocasião da ceifa tivera uma colheita abundante. O fazen
deiro arrazoava consigo mesmo o que fazer com a colheita e onde guardá-la.
Ele resolveu: “Farei isto: Destruirei os meus celeiros, reconstruí-los-ei maio
res e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens.” Falando
consigo mesmo e usando os pronomes eu e meu repetidamente, ele revela
seu extremo egoísmo.6Deus tinha prometido encher plenamente os celeiros
do homem se este o honrasse com os primeiros frutos de tudo que produzis
se.7 Esse fazendeiro não levava em consideração a promessa de Deus. De
fato, mostrou seu desrespeito derrubando seus celeiros e construindo outros
maiores. Queria ter o controle completo da situação. Não se sentia seguro
dependendo de Deus. Mais que isso, jamais passou pela sua cabeça a idéia
de ajudar os pobres. Ao contrário, pensou em si mesmo, em seu próprio
prazer e segurança. Manifestou extrema desconsideração para com o resu
4. Cl 3.5.
5.1 Co 6.9,10. J. D. M. Derrett, “The Rich Fool: A Parable of Jesus conceming Inheritance”.
Studies in the New Testament (Leiden: Brill, 1978), 2:103.
6. Compare-se a parábola à história de Nabal que, com palavras e atos, mostrou-se escravo de
seus bens. 1 Sm 25.11.
7. Pv 3.10 e Dt 28.8.
8. Derrett, “The Rich Fool”, p. 112.
mo básico da lei de Deus: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração,
de toda a tua alma, de todo o teu entendimento; e amarás o teu próximo
como a ti mesmo.” Deus e o próximo não existiam para ele. Pensava apenas
nele mesmo.
“Então direi à minha alma: Tens em depósito muitos bens para muitos
anos: descansa, come e bebe, e regala-te.” O homem rico mostrava apenas
auto-indulgência,9 o enriquecimento de sua própria vida não era ao menos
considerado. A auto-indulgência é feita de egoísmo. O círculo de sua vida
tinha se reduzido a um ponto. Ela não se caracterizava pelos pecados de
comissão, mas, sim, pelos pecados de omissão. Deixou de agradecer a Deus
as riquezas recebidas e foi negligente no cuidado ao próximo necessitado.
Sem Deus e sem o próximo, sua existência estava centrada nele mesmo. Só,
sem relação com Deus, queria garantir seu futuro. Tiago, em sua Epístola,
se dirige àquelas pessoas que dizem: “Hoje ou amanhã iremos para a cidade
tal, e lá passaremos um ano e negociaremos e teremos lucros.” Replica
Tiago: “Vós não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida? Sois
apenas como neblina que aparece por instante e logo se dissipa” (Tg4.13,14).
Deus interveio chamando-o de louco,10 e dizendo-lhe que morreria
naquela noite .11 Perderia a vida e todas as suas riquezas. Deus o chamou
para prestar contas de seus bens. Queria fazer um balanço de suas posses
terrenas e espirituais.
O fazendeiro rico tinha empilhado sua colheita em celeiros e acumu
lado riqueza suficiente para vários anos. Mas porque não repartira seus bens
com o próximo, nem havia ajustado contas com Deus, seu saldo no banco
espiritual estava a zero. Quando Deus chamtau o homem, a conta estava
encerrada e não podia ser alterada 12
“Esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem
será?” A questão é retórica e implica que as riquezas do homem, na verdade,
pertencem a Deus. Ele as dá e tira no tempo devido.
13. SI 24.1.
14. O contexto geral aponta, obviamente, para o ensinamento do Sermão da Montanha.
Portanto, a parábola pode ser vista como uma elaboração da instrução de Jesus para que
não armazenemos tesouros na terra, e, sim, nos céus (Mt 6.19,20).
28
A Figueira Estéril
Lucas 13.6-9
6“Então Jesus proferiu a se
guinte parábola: Certo homem ti
nha uma figueira plantada na sua
vinha e, vindo procurar fruto nela,
não achou. 7Pelo que disse ao viti-
cultor: Há três anos venho procu
rar fruto nesta figueira, e não acho;
pode cortá-la; para que está ela
ainda ocupando inutilmente a ter
ra? 8Ele, porém, respondeu: Se
nhor, deixa-a ainda este ano, até
que eu escave ao redor dela e lhe
ponha estrume. 9Se vier a dar fru
to, bem está, se não, mandarás cor
tá-la.”
7. J. Murray, The Epistle to the Romans (Grand Rapids: Eerdmans, 1965), 2:47.
210
29
Os Primeiros Lugares
Lucas 14.7-14
“Reparando como os convida
dos escolhiam os primeiros luga
res, propôs-lhes uma parábola:
8Ouando por alguém fores convi
dado para um casamento, não pro
cures o primeiro lugar; para não
suceder que, havendo um convida
do mais digno do que tu, 9vindo
aquele que te convidou e também
a ele, te diga: Dá o lugar a este.
Então irás, envergonhado, ocupar
o último lugar. Pelo contrário,
quando fores convidado, vai tomar
o último lugar; para que, quando
vier o que te convidou, te diga:
Amigo, senta-te mais para cima.
Ser-te-á isto uma honra11 diante de
todos os mais convivas. Pois todo
0 que se exalta será humilhado; e o
que se humilha será exaltado.
1 Disse também ao que o havia
convidado: quando deres um jan
tar ou uma ceia, não convides os
teus amigos, nem teus irmãos, nem
teus parentes, nem teus vizinhos
ricos; para não suceder que eles,
por sua vez, te convidem e sejas
recompensado. 13Antes, ao dares
um banquete, convida os pobres,
os aleijados, os coxos e os cegos;
14e serás bem-aventurado, pelo
fato de não terem eles com que
recompensar-te; a tua recompen
sa, porém, tu a receberás na res
surreição dos justos.”
A pós o culto na sinagoga, aos sábados, os judeus costumavam ter uma
lauta refeição, para a qual, muitas vezes, havia vários convidados.1 Um dos
principais dos fariseus convidara Jesus para um desses almoços, com o
propósito de armar-lhe uma cilada. Lá, bem na frente de Jesus, estava um
homem hidrópico. Jesus curaria o homem, no Sábado, ou esperaria até à
noite, quando o sábado terminasse?
Jesus curou o homem e mandou-o para casa, porque os fariseus se
recusaram a responder à sua pergunta, se era ou não lícito curar no sábado.
Ainda lhes propôs outra questão, apelando para o seu senso de compaixão
e misericórdia: “Qual de vós, se o filho ou o boi cair num poço, não o tirará
logo, mesmo em dia de sábado?” Também a essa pergunta, que se referia a
coisas da casa, os fariseus não souberam o que responder.
Naquele ambiente hostil, onde alguns hóspedes tinham egoisticamente
tomado os melhores assentos junto à mesa, Jesus ensinou a parábola dos
convidados orgulhosos — uma lição de humildade. Ele usou a cena de uma
festa de casamento para a qual certo número de pessoas havia sido convida
dos. Num banquete de casamento, os divãs eram dispostos na forma de uma
ferradura alongada ao redor de uma mesa retangular. À cabeceira da mesa
se colocava a pessoa de maior destaque, com o segundo e o terceiro lugares
à esquerda e à direita desta pessoa.2 Cada divã acomodava três pessoas,
cabendo à do meio a honra maior. O divã à esquerda da cabeceira da mesa
era o segundo em prioridade, e, depois, o divã da direita. Conseqüentemen
te, os hóspedes judeus se orientavam pela etiqueta social da época para
encontrar o lugar certo à mesa. No entanto, se a escolha de lugares ficasse a
critério dos convidados, muitos demonstravam seu egoísmo, preconceito e
1. SB, 11:202.
2. A. Edersheim, The Life and Times of Jesus the Messiah (Grand Rapids, Eerdmans, 1953)
2:207. Veja-se, também, Morris, Luke, p. 231. Plummer, St Luke, p. 356; SB, IV: 2.618.
orgulho. Foi exatamente isso que aconteceu, naquele dia, na casa do fariseu
que tinha convidado Jesus. Os fariseus e os doutores da lei tinham criado
um clima de soberba e arrogância desprovido de amor e humildade. Nessas
circunstâncias, Jesus ensinou uma lição de auto-depreciação.
A parábola é encontrada apenas no Evangelho de Lucas, embora o
sentimento que ela expressa ocorra em outros lugares dos Evangelhos e
Epístolas.3Naturalmente, nos lembramos de quando Jesus lavou os pés dos
discípulos, no cenáculo, na noite em que foi traído.
O Exemplo
Os fariseus e os doutores da lei estavam acostumados com os Provér
bios de Salomão. Conheciam muito bem o trecho que diz: “Não te glories na
presença do rei, nem te ponhas no meio dos grandes; porque melhor é que
te digam: Sobe para aqui; do que seres humilhado diante do príncipe” (Pv
25.6,7). Jesus se referiu habilmente a esta passagem quando descreveu um
salão cheio de convidados para as bodas, assentados à mesa. Um convidado
mais importante chegou quando todos os assentos escolhidos junto da mesa
estavam já ocupados.4 O anfitrião não podia permitir que esse hóspede tão
ilustre tomasse um lugar inferior. Isso seria uma quebra imperdoável da
etiqueta. Em tal caso, o hospedeiro tinha apenas uma escolha: pedir à pessoa
que ocupava o lugar de honra, ao qual não tinha direito, que ocupasse um
lugar inferior, e, então convidar o visitante ilustre para ocupar o lugar de
destaque. O convidado, humilhado, aprenderia uma lição difícil de esquecer.
Ao chegar, não seria mais prudente ocupar o lugar de menor destaque,
à mesa? Se o anfitrião julgasse que o lugar ocupado era modesto demais,
convidaria o hóspede, dizendo: “Amigo, senta-te mais para cima.” Conse
qüentemente, o convidado seria honrado na presença de todos os outros. Do
lugar mais humilde até ao mais honrado. As palavras de Jesus: “Pois todo o
que se exalta será humilhado; e o que se humilha será exaltado”, eram muito
familiares naquela época. Um contemporâneo de Jesus, o Rabino Hillel,
citava um provérbio judaico semelhante: “Minha própria submissão é minha
exaltação; minha própria exaltação é minha submissão.”5
Jesus não pretendia ensinar aos fariseus e teólogos apenas algumas
regras de boas maneiras à mesa. Ensinou uma lição de humildade e amor
dirigindo-se aos convidados que ali estavam, bem como àquele que o convi
3. Por exemplo: Mt 18.4; 23.12; Rm 12.16; 1 Pe 5.6.
4. Os doutores da lei eram notórios por ocuparem lugares de honra nos banquetes. Veja Mt
23.6 e seus paralelos: Mc 12.39; Lc 20.46.
5. Midrash Rabbah Leviticus, 1,5 (London: 1961), p. 9.
dara. Jesus disse ao hospedeiro que este não devia convidar com interesse
de ser recompensado: “Porque, se amardes os que vos amam, que recom
pensa tendes?” (Mt 5.46). Se o anfitrião convida seus parentes, amigos e
conhecidos para comerem com ele, com a intenção de que eles, depois,
também o convidem, estará pensando no quanto receberá de volta. Mas, se
convida pessoas que são financeira e socialmente impossibilitadas de retri
buir o convite, sua recompensa será paga pelo próprio Deus, por ocasião da
ressurreição.
Quem promoveria um banquete e convidaria a mais baixa classe da
sociedade: os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos? Financeiramente, os
pobres dependem dos ricos, e aqueles que são aleijados, coxos e cegos,
muitas vezes, precisam da ajuda dos que são fisicamente capazes. Essas
pessoas não têm meios nem força para retribuir os favores.
Quando o convite é extensivo às pessoas que não têm acesso aos
prazeres da mesa, gozados pelos ricos, a bênção se torna merecida. Natural
mente, Jesus não estava dizendo que 0 anfitrião deveria convidar apenas os
oprimidos. Ele ensina que os nossos atos devem ser praticados sem que
esperemos reciprocidade. Devem ser executados com espírito de humildade
e amor desinteressados. Tais atos recebem a aprovação divina, pois: “Sem
pre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”
(Mt 25.40). Este ensino universal não se limita ao oferecimento de banque
tes, mas inclui também todas as dádivas que não podem ser retribuídas por
aqueles que as recebem.
30
A Grande Ceia
Lucas 14.15-24
15“Ora, ouvindo tais palavras,
um dos que estavam com ele à
mesa, disse-lhe: Bem-aventurado
aquele que comer pão no reino de
Deus. 1 Ele, porém, respondeu:
Certo homem deu uma grande
ceia e convidou a muitos. 1 À hora
da ceia enviou o seu servo para
avisar aos convidados: Vinde,18por-
que tudo já está preparado. Não
obstante, todos à uma começaram
a escusar-se. Disse o primeiro:
Comprei um campo, e preciso ir
vê-lo; rogo-te que me tenhas por
escusado. 19Outro disse: Comprei
cinco juntas de bois e vou experi
mentá-las; rogo-te que me tenhas
por escusado. 20E outro disse: Ca-
sei-me, e por isso não posso ir.
21Voltando o servo, tudo contou
ao seu senhor. Então, irado, o
dono da casa disse ao seu servo:
Sai depressa para as ruas e becos
da cidade e traze para aqui os po-
bres, os aleijados, os cegos e os
coxos. 22Depois lhe disse o servo:
Senhor, feito está como mandaste,
e ainda há lugar. 23Respondeu-lhe
o senhor: Sai pelos caminhos e ata
lhos e obriga a todos a entrar, para
cjue fique cheia a minha casa.
Porque vos declaro que nenhum
daqueles homens que foram convi
dados provará a minha ceia.”
A o ensinar na casa de um dos principais dos fariseus, Jesus provocou
o comentário de um dos convidados que estavam com ele à mesa. Ele disse:
“Bem-aventurado aquele que comer pão no reino de Deus.” Falando assim,
deixava implícito que, a qualquer custo, ele estaria presente nas festas
celestiais. Mas, quando o convite para a celebração desta festa nos céus
chegasse, estaria ele disposto a aceitá-lo? Jesus quis testar a sinceridade do
homem e contou a parábola sobre uma grande ceia.
A História
Uma pessoa abastada, numa certa cidade, preparou cuidadosamente
uma grande ceia. Ele tinha falado a respeito com numerosos amigos que
receberam bem sua idéia de oferecer um banquete. Disseram-lhe que,
quando tudo estivesse pronto, o que tinha a fazer era falar, e eles iriam.
No dia da ceia, o homem mandou seu servo avisar os convidados que
já estava preparada a festa.1 Ele chegou à casa do primeiro convidado, e
disse: “Vinde, porque tudo já está preparado.” Infelizmente, o convidado
tinha um compromisso e, com tristeza, teve que recusar o convite. Disse ao
servo: “Comprei um campo, e preciso ir vê-lo.” Realmente, queria dizer:
“Sinto muito, mas não posso comparecer ao banquete. Os negócios vêm
antes do prazer. Rogo-te que me tenhas por escusado.” Mandou lembranças
ao anfitrião, e esperou que este o compreendesse.
O servo procurou o segundo convidado, e chamou-o para a ceia, pois
o anfitrião estava à espera: “Vinde, porque tudo já está preparado.” O
homem pareceu perplexo, ao ouvir o convite. Estava tratando de negócios.
Tinha acabado de pagar uma quantia razoável por cinco juntas de bois e se
preparava para experimentá-las. Não podia sair, pois os homens que condu
ziam os bois dependiam dele. Era o único que podia tomar decisões. Era o
1. Aprática de enviar servos para chamar os convidados era muito comum nos tempos antigos.
Ester 6.14 e SB, 1:880.
chefe, ali. Sair de sua fazenda naquele momento, para tomar parte em um
banquete, seria muita irresponsabilidade. Ele expressou profundo pesar e
pediu ao servo que levasse suas saudações ao anfitrião. Tinha certeza de que
o outro entenderia sua situação embaraçosa.
O servo continuou, e bateu à porta do terceiro convidado. A esta altura
já estava preparado para receber resposta negativa ao convile de seu senhor.
Quando fez ao convidado, o chamado para o banquete, ficou sabendo que
este se casara durante aquela semana, e estaria ocupado com suas próprias
festas. Realmente, ele nem precisava se justificar. Ninguém estranharia o
fato de o noivo querer ficar ao lado de sua noiva.
Depois de ter falado com todos os convidados, o servo voltou ao
anfitrião e transmitiu-lhe todas as desculpas e lembranças enviadas. Com-
preensivelmente, o dono da casa não se sentiu satisfeito. Ficou muito zanga
do. Não podia perder toda a comida preparada. Não tinha outra escolha
senão encher sua casa com outros convidados. Assim, ordenou ao servo que
fosse às ruas e becos da cidade e trouxesse para a ceia os mendigos, aleijados,
cegos e coxos, que encontrasse. O servo cumpriu as ordens do seu amo, mas,
quando os convidados já estavam assentados, ainda sobrava lugar. O senhor
o enviou, para que buscasse todos os marginalizados pela sociedade, que
encontrasse pelos caminhos e atalhos da cidade. O anfitrião queria que todos
os lugares do banquete fossem ocupados, de modo que se algum daqueles
que convidara antes chegasse atrasado, não poderia entrar, pois não haveria
mais lugar.
Interpretação
Um dos convidados presentes à casa do fariseu ilustre tinha dito:
“Bem-aventurado aquele que comer pão no reino de Deus.” Ele visualizava
o céu como o lugar onde não há mais morte, luto, lágrimas, ou dor (Ap 21.4),
onde os cegos vêem e os coxos andam. Que bênção se assentar em lugar
reservado, à mesa de Deus, como um filho seu, e participar com gozo da festa
e da comunhão celestiais.
Jesus ensinou a parábola da grande ceia para mostrar que mesmo
tendo intenção de honrar nossas obrigações em relação a Deus, quando os
cuidados e interesses da vida terrena fazem seus reclamos, nós os pomos em
primeiro lugar, e oferecemos nossas desculpas a Deus. Prometemos a Deus
amá-lo com todo o nosso coração, toda a nossa mente e toda a nossa alma.
Porém, a promessa prontamente se esvazia quando os interesses desta vida
exigem nossa atenção. Então, apresentamos nossas desculpas a Deus e
dizemos que ele deve compreender o acúmulo de nossas responsabilidades,
nossos compromissos, e que as oportunidades não se apresentam com muita
freqüência. Nossas obrigações, relacionamentos e conveniências contra
riam, freqüentemente, a promessa de amar a Deus e de servi-lo. Satisfazemos
nossos próprios interesses e esperamos que Deus nos dê uma segunda
oportunidade.
As desculpas apresentadas pelos convidados simplesmente não se
sustentariam. Elas fazem referência a negócios e assuntos de família que
poderiam facilmente ficar em segundo plano em relação ao convite anterior
mente aceito. O campo ainda estaria lá no dia seguinte, para ser vistoriado.
Os bois poderiam descansar por uma noite e os recém-casados poderiam
concordar numa separação ocasional.
A seqüência de desculpas atinge um limite. Na fala de Jesus, após o
almoço, percebemos uma nota de humor. Primeiro, o exemplo do homem
que tinha comprado um campo é despropositado — quem compra um
campo vai vê-lo antes de comprá-lo, não depois. Do mesmo modo, a segunda
desculpa não convence — as cinco juntas de bois podiam ser postas para
trabalhar no dia seguinte.3 Além disso, se o fazendeiro não tivesse experi
mentado as juntas de bois antes de comprá-las, teria feito uma grande tolice.
O terceiro exemplo foi o ponto culminante das ilustrações. O marido recém-
casado, incapaz de deixar a esposa por uma noite, fornece excelente material
para inúmeras brincadeiras.4
Ao enumerar essas desculpas, o objetivo de Jesus era mostrar sua
inconsistência e fragilidade. Ninguém poderia levá-las a sério. Elas simples
mente não resistiriam. Nos dias de Jesus todo mundo sabia da importância
de um convite para um banquete. Recusar-se a atender o segundo convite
constituía um insulto ao dono da casa — em tal grau que, entre as tribos
árabes, eqüivalia a uma declaração de guerra .5 O convite devia ser conside
rado uma ordem.
2. Schippers, Gelijkenissen, p. 45.
3. O fazendeiro que comprou cinco juntas de bois devia possuir muita terra. Provavelmente,
mais de 45 hectares (111 acres). Jeremias, Parables, p. 177.
4. H. Palmer, “Just Married, Cannot Come”, NovT 18 (1976):241-57. Veja especialmente a
página 248. O Evangelho de Tomé, Citação 64, tem uma série maior de desculpas. A
primeira: “Alguns comerciantes me devem dinheiro; virão me procurar esta noite; preciso
dar algumas ordens a eles. Peço para ser dispensado do jantar.” O segundo convidado disse:
“Comprei uma casa, estarei ocupado durante todo o dia.” O terceiro disse: “Meu amigo vai
se casar e eu vou ser responsável pela festa. Peço desculpas por não ir ao banquete.” O quarto
se desculpou, dizendo: “Comprei uma vila; tenho que receber o aluguel; não poderei ir. Peço
que me tenhas por escusado.”
5. Plummer, St. Luke, p. 360.
Os que ouviam Jesus, na casa do fariseu, compreenderam que a
parábola era endereçada a eles. O hospedeiro e seus hóspedes estavam
sendo convidados novamente para o banquete de Deus, ao qual já tinham
aceito comparecer. Eles viriam ou Deus deveria procurar outros, porque os
hóspedes convidados se recusavam a ir? Jesus disse aos fariseus e aos
doutores da lei que o banquete de Deus não é um acontecimento a ser
celebrado no final dos tempos. A festa já está pronta e Deus espera, então,
a resposta que têm para dar .6Respondendo ao homem que tinha comenta
do: “Bem-aventurado aquele que comer pão no reino de Deus”, Jesus falou:
“Sim. Vinde, porque a festa já está preparada. Os convidados devem vir
agora. Depois será tarde demais.” As instituições religiosas dos dias de Jesus
não estavam preparadas para aceitar a vinda do reino, apesar dos sinais e
maravilhas realizados por Jesus, diante de todos.
Pela parábola, Jesus deixou entrever que não haverá falta de cidadãos
no reino de Deus. Se os líderes religiosos de Israel rejeitassem o convite de
Deus para a entrada no reino, ele o estenderia aos marginalizados pela
sociedade, isto é, aos coletores de impostos, indecisos e gentios.7
A mensagem de salvação não foi aceita pelos líderes religiosos dos dias
de Jesus. Ela muitas vezes foi alvo de escárnio e desprezo. O povo comum a
aceitou com ardor. Marginais, ignorantes, samaritanos e gentios atenderam
prontamente ao chamado de Jesus.
Colocação
A parábola da grande ceia foi contada por Jesus após um almoço de
sábado, que se seguiu ao culto da manhã. A parábola sobre o banquete das
bodas foi contada por Jesus nos últimos dias de seu ministério terreno (Mt
22.1-14). As duas têm um tema comum, mas sua disposição é inteiramente
diferente. Em Lucas, a parábola é dirigida aos fariseus e doutores da lei. Em
Mateus, a parábola do banquete nupcial se volta contra os líderes religiosos.8
O relato de Mateus se refere à dura realidade de um rei que, provocado até
à ira, reaje com pronto castigo. No Evangelho de Lucas, o quadro apresen
tado é o de um anfitrião que, se sentindo deliberadamente menosprezado,
extravasa seus sentimentos convidando a escória da sociedade.
9. E. Schürer, A History of the Jewish People in the Time of Jesus Christ, Division II, vol. I
(Edinburgh: T&T Clark, 1885), p. 324.
10. Palmer, “Just Married”, p. 255.
11. Morris. Luke, p. 234. P. H. Ballard, “Reasons for Refusing the Great Supper”, JTS 23 (1972):
345.
Aplicação
O hospedeiro é, às vezes, visto como vítima das circunstâncias. Seria
compreensível que um dos convidados declinasse o convite, mas o anfitrião
fica sabendo que todos se recusaram a ir .12 Talvez seja mais lógico ver
menosprezo deliberado no fato de que todos os convidados — c não temos
que nos ater a apenas três exemplos — se recusaram a ir. Ainda que não
tenham combinado ente si, o efeito foi o mesmo. Os convidados refletiam a
atitude da hierarquia religiosa.
Jesus envolveu a si mesmo na conclusão, quando disse: “Porque vos
declaro que nenhum daqueles homens que foram convidados provará a
minha ceia.” Quem fala já não é mais o hospedeiro dirigindo-se ao servo.
Jesus é a figura central, é ele quem fala “minha” ceia, e diz que nenhum dos
convidados insolentes provará da sua comida.13 Jesus é o anfitrião que,
através de seus servos, envia convites chamando o povo para a festa no reino
de Deus. Quando o convite é enviado por Jesus, com seus servos falando ao
povo, não deve ser entendido como um chamado que pode ser aceito ou
rejeitado, de acordo com a própria vontade. O chamado é equivalente a uma
ordem que deve ser cumprida.14 O povo de Deus, que é parte e parcela da
igreja, recebe o chamado para o serviço obediente. Já responderam ao
convite inicial. Agora, soa o chamado para o serviço. Será que o povo de
Deus vai responder à ordem de amar a Deus de todo o coração e ao próximo
generosamente?15O homem que come do pão do banquete no reino de Deus
é chamado de bem-aventurado, porque obedece às leis do reino e cumpre
as ordens do Rei.
A lição da parábola é clara. Jesus está enviando seus servos com a
mensagem da vinda do reino de Deus. Os que ouvem a mensagem são
convidados a fazer parte desse reino. Não devem apresentar desculpas e se
demorar porque Jesus não reservará um lugar para eles.16 Ele preencherá
12. Jeremias, Parables, p. 179, afirma que “podemos pensar que o hospedeiro era um coletor
de impostos que, tendo-se tornado rico, tenha enviado convites com a esperança de ser
aceito nos mais altos círculos.” Ele se baseia na convicção de que Jesus tenha usado uma
história corrente, naqueles dias, de um rico publicano, Bar Ma’Jan, registrada no Talmud
Palestino (J. Sanh. 6-23c par. J. Hagh 2.77d). É discutível, no entanto, se a parábola copia
a história. Linnemann, Parables, pp. 160-62; F. Hahn, “Das Gleichnis von der Einladung
Zum Festmahl, Verhorum Ventas", p 67; Derrett, Law in the New Testament, p. 143.
13. Derrett, Lawin the New Testament, p. 141, afirma que um hospedeiro enviaria porções da
comida a amigos que não pudessem comparecer ao banquete. Distribuindo a comida aos
pobres, o anfitrião recusou até mesmo “um sinal de reconhecimento e reciprocidade”.
14. Michaelis, Gleichnisse, p. 158.
15. O. Glombitza, “Das Grosse Abendmahl Luk XIV 12-24, NovT 5 (1962):15.
16. Palmer, “Just Married”, p. 253.
os lugares de seu reino com outros, que virão daqui e dali. Ele quer que sua
casa fique repleta. Ele diz: “Obriga a todos a entrar.”
A parábola tem sentido obviamente missionário. Jesus reúne seu
próprio povo das ruas e becos da cidade, e das estradas e atalhos dos campos.
Ele não se envergonha de chamar de seus irmãos os pobres, os aleijados, os
cegos e os coxos (Hb 2.11). Estes são feitos santos e pertencem à família de
Deus. Numa época em que muitos que pertencem à igreja oferecem fracas
desculpas para não participarem da obra contínua do reino de Deus, os
servos fiéis de Deus devem sair às ruas e becos da vida, com o convite para
que todos aceitem a Jesus Cristo, o Salvador do mundo. Enquanto esses que
se recusam a tomar conhecimento do chamado de Jesus são preteridos e
perdem sua cidadania do reino, estranhos ao reino são convencidos a
responder, pela fé, ao chamado de Cristo.
O convidado precisa ter fé para aceitar o convite. Quando o servo
chega com o recado do hospedeiro: “Vinde, porque tudo já está preparado”,
o convidado vê apenas um homem .17 Quando um ministro da Palavra de
Deus proclama a mensagem de salvação, muitos que ouvem a Palavra vêem
apenas um homem. É preciso fé para que se possa ver e ouvir, através do
pregador, Jesus Cristo, o Salvador, que oferece, de graça, salvação plenária.
O carcereiro de Filipos procurou Paulo e Barnabé, e lhe foi dito: “Crê no
Senhor Jesus, e serás salvo, tu e tua casa” (At 16.31).
4. P. G. Jarvis, “Expouding the Parables. V. The Tower-builder and the King going to War
(Luke 14.25-33), ExpT 77 (1966): 197.
32
A Ovelha Perdida
Mateus 18.12-14 Lucas 15.4-7
12
“Que vos parece? Se um 4“Qual, dentre vós, é o
homem tiver cem ovelhas, e homem que, possuindo cem
uma delas se extraviar, não dei ovelhas, e perdendo uma
xará ele nos montes as noventa delas, não deixa no deserto
e nove, indo procurar a que se as noventa e nove e vai em
extraviou? 13E, se porventura a busca da que se perdeu, até
encontra, em verdade vos digo encontrá-la? 5Achando-a,
que maior prazer sentirá por põe-na sobre os ombros,
causa desta, do que pelas no cheio de júbilo. 6E, indo
venta e nove, que não se extra para casa, reúne os amigos
viaram. 14Assim, pois, não é da e vizinhos, dizendo-lhes:
vontade de vosso Pai celeste Alegrai-vos comigo, por
que pereça um só destes pe que já achei a minha ovelha
queninos.” perdida. 7Digo-vos que as
sim haverá maior júbilo no
céu por um pecador que se
arrepende, do que por no
venta e nove justos que não
necessitam de arrependi
mento.”
E n tre as parábolas contadas por Jesus, a da ovelha perdida é a que
tem tido maior apelo entre as crianças. Elas conseguem visualizar a ovelha
perdida, o amor e a preocupação do pastor, e sua alegria e felicidade quando
a reencontra. Muitas canções e hinos têm sido escritos sobre o tema.
Tanto Mateus quanto Lucas registraram a parábola da ovelha perdida.
Em resumo, os dois relatos se mostram idênticos, embora haja variação nos
pormenores. É bem possível que Jesus tenha contado a parábola duas vezes,
em ocasiões diferentes.1 Além disso, histórias sobre pastores e ovelhas
tinham particular interesse e significado para a sociedade pastoril daqueles
dias.
Em Mateus, bem como em Lucas, Jesus começa a parábola com uma
pergunta de retórica que, em Lucas, envolve os ouvintes (“Qual, dentre
vós”): que, possuindo cem ovelhas... não deixa no deserto as noventa e
nove...?” Alguém que possuísse cem ovelhas não era um homem de muitos
recursos. Ele mesmo tomava conta do rebanho, conhecia-as pelo nome e as
contava pelo menos uma vez por dia.2
Quando o pastor se distraiu por momentos, uma das ovelhas se afastou,
abocanhando algo aqui e ali, até que estava completamente desgarrada do
resto do rebanho. O pastor deixou o resto do rebanho nos montes (Mateus)
ou no deserto (Lucas).3Embora a parábola diga apenas que o pastor deixou
as noventa e nove ovelhas, não menciona que as deixou desprotegidas.4Além
do mais, o objetivo da parábola não são as noventa e nove, e, sim, aquela que
se perdeu. As ovelhas são animais gregários; vivem juntas em grupo. Quando
uma ovelha se separa do rebanho, fica desnorteada.5 Deita no chão, imóvel,
esperando pelo pastor. Quando ele, afinal, a encontra, coloca-a sobre os
ombros, para caminhar de volta, mais depressa, até onde deixou o rebanho .6
Logo o pastor, a ovelha e o rebanho estão todos juntos outra vez.
Este poderia ter sido o final da história, mas não foi. A história cresce
em emoção no seu clímax com a alegria que toma conta do pastor. Jesus diz:
“... em verdade vos digo que maior prazer sentirá por causa desta, do que
pelas noventa e nove, que não se extraviaram” (Mt 18.13). Para ser verda
1. Marshall, Luke, p. 600’; Plummer, SL Luke, p. 368. Para um estudo mais detalhado,
consulte-se J. Jeremias, “Tradition und Redaktion in Lukas 15", ZNW 62 (1971): 172-89.
2. E. F. F. Bishop, “The Parable of the Lost or Wandering Sheep”, ATR 44 (1962): 50.
3. M. Black. An Aramaic Approach to the Gospels and Acts, 3rd ed. (Oxford; Clarendon Press,
1967), p. 133, sugere que a palavra montes pode ter recebido a influência do aramaico tura,
“que no siríaco da Palestina tinha dois sentidos: ‘montanha’ e ‘campo’, o ‘campo aberto’ em
contraste com os lugares habitados.”
4. “Devemos imaginá-las em algum lugar cercado” Smith, Parables, p. 188 ns 2.
5. Armstrong, Parables, p. 185.
6. Jeremias, Parables, p. 134, e Brouwer, Gelykenissen, pp. 225-26, descreve o pastor com uma
ovelha ao redor do pescoço, segurando suas patas dianteiras e traseiras com cada uma das
mãos. Veja-se também SB, 11:209.
deira a felicidade precisa ser compartilhada. O pastor vai para casa, chama
seus amigos e vizinhos e os convida a se alegrarem com ele, porque, diz o
pastor: “... já achei a minha ovelha perdida” (Lc 15.6). A tensão que o pastor
sentira enquanto procurava a ovelha extraviada tinha desaparecido, dando
lugar à alegria.7 Ele comemora com seus amigos e vizinhos.
Aplicação
7 .0 Evangelho de Tomé, Citação 107, mostra uma tendência gnóstica na parábola, acentuando
o amor do pastor pela ovelha, por causa de seu tamanho: “Disse Jesus: o reino é como um
pastor que possuía cem ovelhas. Uma delas se extraviou; era a maior delas. Ele deixou as
noventa e nove e procurou aquela até encontrá-la. Após o esforço, disse à ovelha: ”Eu te
quero mais que às noventa e nove."
8. Morison, SL Matthew, p. 317.
9. Jeremias, Parables, p. 39, traduz Mt 18.14 da seguinte maneira: “não é da vontade de Deus
que nenhum destes mais pequeninos se perca.” Ele aplica a expressão “mais pequeninos”
aos apóstatas que deveriam receber o cuidado pastoral por parte da comunidade cristã (p.40).
O Evangelho de Lucas relata que Jesus foi cercado por publicanos e
“pecadores”, que tinham vindo para ouvi-lo.10 Os fariseus e os escribas se
escandalizaram com isso e murmuravam: “Este recebe pecadores e come
com eles” (Lc 15.2). Cercado por aqueles que ainda eram crianças no
espírito, Jesus contou a parábola da ovelha perdida, e concluiu, dizendo:
“Digo-vos que assim haverá maior júbilo no céu por um pecador que se
arrepende, do que por noventa e nove justos que não necessitam de arre
pendimento.” Jesus comparou os publicanos e as pessoas sem moral a uma
ovelha que se extraviou. Perdida, ela não respondeu mais ao chamado do
pastor. Não queria se mexer. Quando o pastor a encontrou, teve que erguê-la
e colocá-la em seus ombros para levá-la de volta ao rebanho.
Os coletores de impostos eram judeus empregados pelo governo
romano. O povo os considerava traidores e os afastava da sociedade. Per
tenciam à mesma classe dos marginalizados moralmente. Um judeu não
devia ter qualquer contato com tais pessoas, e muito menos comer com elas.
Havia barreiras entre os judeus e os “pecadores”, mas estas não impediram
que Jesus ensinasse aos marginalizados a mensagem da salvação. Ele lançou
uma ponte sobre esse abismo e trouxe o pecador de volta para Deus.
Deus se alegra mais por um desses proscritos que se arrependem que
por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.11 Ele está
genuinamente interessado na salvação do pecador. Como um pastor, ele vai
à procura do homem que é incapaz de fazer qualquer coisa por si mesmo.
Deus vai em busca do homem, não o homem em busca de Deus. Neste ponto,
o Cristianismo difere das outras religiões do mundo.12 Deus encontra o
homem que está perdido em pecado. Quando o pecador é encontrado, há
júbilo no céu. Naturalmente, há alegria por aquele que faz a vontade de Deus,
mas, quando um pecador volta para Deus, em arrependimento e fé, é
chegado o tempo da celebração. Um filho de Deus, que estava perdido, foi
achado.
10. K. H. Rengstorf, TDNT, 1:327-28, apresenta uma dupla interpretação da palavra pecador,
como era entendida pela hierarquia judaica, (a) O pecador é “um homem que vive em
oposição, consciente ou intencionalmente, à vontade divina (Torá), diferentemente do justo
que faz da submissão a esta vontade sua alegria de viver.” E (b) é o homem “que não se
sujeita aos rituais farisaicos”.
11. As regras religiosas daquele século e do século seguinte falam mais sobre a alegria de Deus
na destruição do ímpio que sobre sua salvação. SB, 11:209.
12. Wallace, Parables, p. 52.
33
A Dracma Perdida
Lucas 15.8-10
“Ou qual é a mulher que, tendo
o
5. A. F. Walls, “In the Presence of the Angels (Luke XV.10), NovT 3 (1959): 316; SB, 11:212.
34
O Filho Pródigo
Lucas 15.11-32
11
“Continuou: Certo homem ti ♦
nha dois filhos; 12o mais moço de
les disse ao pai: Pai, dá-me a parte
dos bens que me cabe. E ele lhes
repartiu os haveres. 13Passados
não muitos dias, o filho mais moço,
ajuntando tudo o que era seu, par
tiu para uma terra distante, e lá
dissipou todos os seus bens, viven
do dissolutamente. 14Depois de ter
consumido tudo, sobreveio àquele
país uma grande fome, e ele come
çou a passar necessidade. 15Então
ele foi e se agregou a um dos cida
dãos daquela terra, e este o man
dou para os seus campos a guardar
porcos. 16Ali desejava ele fartar-se
das alfarrobas que os porcos co
miam; mas ninguém lhe dava nada.
17Então, caindo em si, disse:
Quantos trabalhadores de meu pai
têm pão com fartura, e eu aqui
1O
morro de fome! Levantar-me-ei
e irei ter com meu pai e lhe direi:
Pai, pequei contra o céu e diante
de ti; 1 já não sou digno de ser
chamado teu filho; trata-me70como
um dos teus trabalhadores. E, le
vantando-se, foi para seu pai. Vi
nha ele ainda longe, quando seu
pai o avistou e, compadecido dele,
correndo, o abraçou e beijou. 21EL
o Filho lhe disse: Pai, pequei contra
o céu e diante de ti; já não sou
digno de ser chamado teu filho.
220 pai, porém, disse aos seus ser
vos: Trazei depressa a melhor rou
pa; vesti-o, ponde-lhe um anel no
dedo e sandálias nos pés; 23trazei
também e matai o novilho cevado.
Comamos e regozijem o-nos,
24porque este meu filho estava
morto e reviveu, estava perdido e
foi achado. E começaram a regozi
jar-se. 25Ora, o filho mais veího
estivera no campo; e, quando vol
tava, ao aproximar-se da casa, ou
viu a m úsica e as danças.
26Chamou um dos criados e per-
guntou-lhe que era aquilo. 27E ele
informou: Veio teu irmão, e teu pai
mandou matar o novilho cevado,
porque o recuperou com saúde.
Ele se indignou e não queria en
trar; saindo, porém, o pai procura
va conciliá-lo. Mas ele
respondeu a seu pai: Há tantos
anos que te sirvo sem jamais trans
gredir uma ordem tua, e nunca me
deste um cabrito sequer para ale
grar-me com os meus amigos:
vindo, porém, esse teu filho, que
desperdiçou os teus bens com me
retrizes, tu mandaste matar para
ele o novilho cevado. 31Então lhe
respondeu o pai: Meu filho, tu
sempre estás comigo; tudo o que é
meu é teu. 32Entretanto, era preci
so que nos regozijássemos e nos
alegrássemos, porque esse teu ir
mão estava morto e reviveu, estava
perdido e foi achado.”
As Circunstâncias
Jesus estava ensinando aos publicanos e àqueles considerados margi
nais, por causa de sua conduta moral. Ensinava-lhes verdades espirituais que
diziam respeito ao reino de Deus, quando os líderes religiosos daqueles dias
manifestaram seu desagrado, murmurando contra Jesus: “Este recebe pe
cadores e come com eles.” Aos olhos dos escribas e fariseus, os publicanos,
porque tinham-se vendido ao governo romano, e as prostitutas, pelo seu
pecado moral, estavam banidos da comunidade religiosa de Israel, e esta
vam, espiritualmente, mortos. Embora procurassem ganhar convertidos, os
doutores da Lei e os fariseus não tinham interesse em receber tais conver
tidos para um relacionamento mais expressivo com Deus (Mt 23.15). Não
podiam nem queriam entender que Deus deseja o arrependimento que,
quando demonstrado, causa imenso júbilo nos céus.
Jesus contou a parábola do filho pródigo. Talvez fosse melhor falar de
dois filhos e seu pai. Nestes três personagens, Jesus caracterizava seus
ouvintes. Cada um dos que o ouviam tinha que se mirar no espelho da
parábola e pensar: “Este sou eu.” O filho pródigo retratava aqueles que, por
sua moral e pela sua classe social, eram marginalizados. Seu irmão era o
judeu que se auto-justificava, e o pai era o reflexo de Deus.1 Jesus se dirigiu
diretamente aos que o ouviam. Chamou o pecador ao arrependimento e
exortou o justo a aceitar o pecador e a se alegrar com sua salvação. A
parábola descreve claramente o amor de Deus por seus filhos, tanto pelo
rebelde quanto pelo obediente. Os contemporâneos de Jesus tinham plena
consciência da paternidade de Deus.2Das profecias de Jeremias eles sabiam
que Israel tinha sido o filho que se desviara. Efraim disse:
1. Jeremias, Parables, p. 128, afirma que a parábola não é uma alegoria, “mas uma história
tirada da vida.” Veja-se, também, Linnemann, Parables, p. 74, e Mánek, Ffuch^ P- 103.
Hunter, Parables, p. 59, discorda porque “o pai e seus dois filhos... são uma representação
diretamente significativa.”
2. G. Quell, TDNT, V:972-74; e G. Schrenk, TDNT, V:978.
“Converte-me, e serei convertido, porque tu és o SENHOR
meu Deus. Na verdade, depois que me converti, arrependi-me;
depois que fui instruído, bati no peito; fiquei envergonhado,
confuso, porque levei o opróbio da minha mocidade” (Jr
31.18,19).
3. Uma parábola remotamente semelhante à do filho pródigo vem do Rabino Meir: “Isto é
semelhante ao filho de um rei que tomou o caminho do mal. O rei enviou um tutor para lhe
fazer apelos, dizendo: ‘Arrepende-te, meu filho.’ O filho, no entanto, o mandou de volta a
seu pai com a mensagem: ‘Como posso ter a desfaçatez de voltar? Estou envergonhado
diante de ti.’ Então seu pai lhe mandou dizer: ‘Meu filho, como pode um filho, jamais, se
envergonhar de voltar para seu pai? E não é para teu pai que estarás retornando.”’ The
Midrash, Deuteronomy (London: n.p., 1961), p. 53. Consulte-se, também, em F. W. Danker,
Jesus and lhe New Age (St. Louis, Clayton Pub. House, 1972), p. 170, o texto de uma carta
em papiro que contém o apelo de um filho desviado, pedindo perdão a sua mãe.
4. Sair de Israel e fazer parte da diáspora era muito comum. Tem sido ensinado que havia cerca
de oito vezes mais judeus (quatro milhões) que viviam em dispersão, do que em Israel (meio
milhão). Jeremias, Parables, p. 129.
5. Para um estudo mais detalhado, consulte-se Derrett, Law in the New Testament, p. 107.
do a propriedade, continuou administrando a fazenda. O pai, não o filho
mais velho, geria os bens da família.6
O filho mais novo recebeu sua parte e ajuntou “tudo o que era seu”.
Estava agora por conta própria e livre para ir. Pensava: “Tenho dinheiro,
vou viajar.” Poderia ir para a Babilônia, ao leste; à Ásia Menor, ao norte; à
Grécia e à Itália, ao oeste; ou ao Egito e África, ao sul. Tinha o mundo à sua
disposição. Diversos fatores influíram profundamente no futuro do filho
mais jovem. Seu idealismo juvenil, sua inexperiência e falta de discrição, sua
saída da fazenda para a cidade, o dinheiro à mão — tudo teve um papel
importante. Sua intenção de viver por sua própria conta logo se frustrou,
quando foi cercado por falsos amigos. Princípios de vida e conduta, apren
didos em casa, foram postos de lado e esquecidos. Foi descuidado e perdu
lário .7 A reprovação do irmão mais velho — “esse teu filho, que desperdiçou
os teus bens com as meretrizes” — não é mera acusação. Baseava-se em
informações que a família recebia, de tempos em tempos, de como o caçula
passava seus dias dissolutamente. A desobediência às leis da economia e da
moral não podia continuar. Ele teve que pagar um preço pela vida desregra
da. Em relativamente pouco tempo, gastou tudo. Chegou ao fim da linha.
As notícias sobre a quebra da safra eram os principais comentários
naquela terra. A inflação levou os preços para os ares, os empregos eram
raros, e a economia indicava que tempos difíceis tinham chegado. O jovem
de vida devassa estava sem dinheiro e sem sequer um amigo que o ajudasse.
Em terrível necessidade, percorreu as ruas e arredores da cidade procuran
do serviço, mas tudo que pôde achar foi a tarefa humilde de alimentar
porcos. Ele tinha chegado agora à degradação mais profunda, pois desde a
infância aprendera, como qualquer judeu, que o porco é um animal imundo
(Lv 11.7). Era agora empregado de um gentio e teve que abandonar o hábito
de guardar o Sábado. Nessa triste situação, estava alijado da religião de seus
pais espirituais.9Ele estava desesperado. Seu empregador o fazia sentir que
aqueles porcos tinham mais valor para ele que um simples empregado.
Sentia falta de amizade e consideração, mas ninguém se importava com ele.
Por causa da escassez de comida, sua alimentação diária não era suficiente
6. 0 pai deve ter seguido o costume daqueles dias, como encontramos em Eclesiástico 33.22,23:
“Em todas as tuas obras conserva a tua superioridade. Não manches a tua reputação. Deixa
seguir o curso da tua vida e, no tempo da tua morte, reparte a tua herança” (NEB).
7. W. Foerster, TDNT, 1:507.
8. Os judeus estavam estritamente proibidos de criar porcos. “Não é permitido criar porcos,
onde quer que seja”; “Amaldiçoado seja o homem que criar porcos”. Baba Kamma 82b,
Nezikin I, The Babylonian Talmud, pp. 469,70.
9. Jeremias, Parables, p. 129, comenta que o homem foi “praticamente forçado a abandonar a
prática regular de sua religião”.
para acalmar suas dores de fome. Queria até mesmo comer da comida dada
aos porcos, as vagens da alfarrobeira.10
A falta de consideração mostrada para com um pastor faminto era
mais do que o rapaz podia agüentar. Esse foi para ele o ponto máximo.
Buscara a bondade humana e não a pudera achar.
As notícias a respeito da fome o fizeram pensar em sua terra natal.
Começou a pensar em sua casa. Devia voltar? Quando essa idéia lhe passou
pela cabeça, primeiro ele a afastou. Os servos e os contratados dificilmente
esconderiam seu escárnio. Seu irmão mais velho, de modo algum, o receberia
bem se voltasse para casa, para uma propriedade a que não mais tinha
direito. Seu pai veria seu segundo filho descalço e vestido como um pastor.
Voltando, assim, para casa, ele seria a figura abjeta de um mendigo.
O filho começou a pensar em seu pai — como o tinha magoado, como
seu pai lhe havia dado a parte da herança que ele, filho pródigo, tinha
esbanjado. Começou a falar consigo mesmo: “quantos trabalhadores de meu
pai têm pão com fartura, e eu aqui morro de fome!” Ele se comparou, não
com os servos que tinham emprego estável, mas aos trabalhadores ajustados
temporariamente. Assalariados, como ele era na ocasião, viviam regiamente
na fazenda de seu pai.
Ele sabia que o amor de seu pai se estendia a todos aqueles que
pertenciam ao amplo círculo de sua família. Sabia, também, que tinha
desobedecido o mandamento: “Honra a teu pai e a tua mãe, para que se
prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR teu Deus te dá” (Ex
20.12). 1 Ele tinha pecado contra Deus.
Quando caiu em si, estava pronto para confessar seus pecados contra
Deus e contra seu pai. Ele disse a si mesmo: “Levantar-me-ei e irei ter com
meu pai e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e diante de ti.”12Sabia que tinha
transgredido o mandamento de Deus, e que, agindo assim, ofendera e
magoara seu pai. Queria se corrigir. Procuraria o pai e lhe diria: “Já não sou
digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus trabalhadores.”
10. Vagens e sementes de locusta (alfarrobeira) são usadas como forragem para o gado e para
os porcos e, às vezes, são comidas pelos pobres. Não há necessidade de dizer, como alguns
estudiosos fazem, que o jovem roubava as vagens para satisfazer sua fome. A máxima
universal: “Não atarás a boca do boi, quando debulha” (Dt 25.4), pode ser, certamente,
aplicada.
11. Derrett, Law in the New Testament, p. 111.
12. A palavra céu é um circunlóquio judaico para “Deus”. SB, 11:217.
Tudo que ousava pedir era um emprego temporário .13 Ansiava pela recon
ciliação, sem esperar reintegração. Levantou-se e foi para casa.
O Pai
Jesus apresentou a parábola, dizendo: “Certo homem tinha dois fi
lhos.” Mas, à medida que continuava, mostrou que esse homem tinha um
relacionamento extraordinário com os filhos: ele os amava de modo sábio,
com ternura e não possessivamente. Podemos imaginar um pai ainda sufi
cientemente moço para se opor rigorosamente ao pedido de divisão dos
bens, feito pelo filho mais novo. O pai poderia ter recusado o pedido porque
o filho era muito jovem para receber sua parte dos bens. Nenhum argumento,
no entanto, foi usado. O pai consentiu que o filho se tornasse independente
e, embora ferisse seu coração vê-lo partir, sabiamente guardou para si o que
sentia. 14
•
Podemos presumir que o pai tenha tentado descobrir onde vivia o filho
e o que fazia longe de casa. As notícias sobre a fome, com certeza, chegaram
até ele. Deve ter sabido das condições miseráveis em que o filho vivia, e que
determinariam a sua volta, porque constantemente olhava ao longo do
caminho por onde esperava que ele regressasse.
Podemos perguntar por que os parentes próximos do rapaz não o
procuraram sabendo de sua situação tão degradante. Havia fartura na
fazenda. Teria sido carinhoso da parte deles enviar algo ao filho para aliviar
suas necessidades. O pai poderia ter enviado ao filho uma mensagem,
convidando-o a voltar. Tudo isso teria sido prova de amor.
Mas, aqui, nos deparamos com um contraste. O pai não procurou seu
filho para trazê-lo de volta à casa. Nas outras duas parábolas, o pastor
vasculhou os montes para encontrar a ovelha perdida, e a mulher varreu o
chão à procura da moeda. Mas o pai ficou em casa. Há uma diferença entre
uma ovelha e uma moeda, de um lado, e um filho, de outro. O pastor só pode
encontrar sua ovelha se sair à procura dela pelos montes. A única maneira
de a mulher recuperar sua moeda é varrendo a casa. O pai, no entanto, tinha
mais que uma opção. A primeira, seria visitá-lo e chamá-lo de volta à casa.
A segunda, era esperar paciente e prudentemente que o filho caísse em si,
13. Numa fazenda judaica havia três tipos de servos: primeiro, o escravo, que pertencia à família
de seu senhor e que gozava de inúmeros privilégios; depois a classe inferior de criados e
criadas (veja-se Lc 12.45); e, terceiro, os trabalhadores temporários. Consulte-se Oesterley,
Parables, pp. 185,86.
14. Michaelis, Gleichnisse, p. 138, pensa que o pai estava orgulhoso porque o filho partira para
terras estrangeiras.
confessasse seus pecados e buscasse a reconciliação. Assim, estaria restabe
lecida a relação pai-filho. Então o que estava perdido seria encontrado .15
O pai tinha o controle da situação, não o filho. O pai olhava na direção
de onde esperava que seu filho viesse. Quando o viu, seu coração se compa
deceu dele. Deixando de lado a dignidade e o decoro, correu ao encontro
do filho, descalço e maltrapilho, e, abraçando-o, o beijou.16 O pai aceitou o
filho como membro da família antes que ele pudesse atirar-se a seus pés para
beijá-los, como um escravo; ou, antes, que se ajoelhasse e lhe beijasse as
mãos. Abraçando-o e beijando-o, deixou que soubesse que era considerado
filho. Assim, não foi necessário que o jovem fizesse o discurso que já havia
preparado para dizer que gostaria de ser empregado como trabalhador na
fazenda de seu pai.17 O pai o impediu, beijando-o e tratando-o como filho.
O filho confessou seu pecado: “Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não
sou digno de ser chamado teu filho.” Ele falou a verdade. Já não era mais
digfio por causa de seu passado. Tinha perdido o direito legal à sua filiação.
Mas, o pai o aceitou como filho, e isso pôs fim a qualquer idéia de trabalhar
na fazenda como contratado. Assim determinou o fazendeiro.
O longo período de espera chegara ao fim. O pai tinha seu filho de
volta. Portanto, era hora de comemorar. O pai ordenou aos servos que lhe
trouxessem as melhores roupas. Puseram-lhe um anel no dedo e sandálias
nos pés .18 O filho foi tratado com muita honra pelo pai, pois as melhores
vestes estavam sempre guardadas para hóspedes muito especiais. O anel era
símbolo de autoridade; e, assim, todos podiam ver que ele estava reintegra
do .19 Naturalmente, as sandálias lhe foram dadas para indicar que era um
homem livre. Os escravos e os pobres andavam descalços. “Trazei também
e matai o novilho cevado”, disse o pai, “Comamos e regozijemo-nos.” Como
o pastor tinha chamado os amigos e vizinhos para festejarem com ele por ter
achado a ovelha perdida, e como a mulher celebrou a recuperação da moeda
com amigas e vizinhas, também o pai ordenou que houvesse músicas e
danças. Todos os membros da família e os servos foram chamados para a
festa. Era hora de celebrar e ser feliz.
15. Schippers, Gelijkenissen, p. 170; H. Thielicke, The Waiting Father (New York: Harper,
1959), p. 28; Mánek, Frucht, p. 101.
16. No relato sobre Davi saudando Absalão no palácio real, o beijo paternal significava perdão.
2 Sm 14.33. Jeremias, Parables, p. 130: K. H. Rengstorf, Die Re-Investur des Verlorenen
Sohnes in der Gleichniserzáhlung Jesu Luk. 15.11-32 (Koln, Opladen: Westdeutscher
Verlag, 1967), p. 19.
17. Metzger, Textual Commentary, p. 164.
18. Compare-se com Gn 41.42, onde José recebe um anel de sinete, roupas de linho fino, e um
colar de ouro, de Faraó. Veja-se, também, 1 Macabeus 6.15.
19. Rengstorf, Re-Investitur, p. 29.
“Porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi
achado.” O pai se referia ao fato de que o filho, deixando de ter parte na
herança da família, e dando por acabada sua obrigação moral e material para
com o pai, tinha-se desligado, voluntariamente, de casa. Na prática, o filho
estava morto .20 Na verdade ele não tinha mais nada a reclamar sobre a
propriedade, quando o pai morresse. “Este meu filho estava morto e revi
veu”, disse o pai.
A parábola não diz como foram resolvidos os aspectos legais dos
direitos envolvidos com relação à herança.21 Esse não é o objetivo. O ponto
importante é a volta do jovem e o fato de ter sido aceito plenamente como
filho.
O Filho Mais Velho
A parábola do filho pródigo poderia se encerrar com as palavras: “E
começaram a regozijar-se.”22 Mas, então, a sentença introdutória: “Certo
homem tinha dois filhos” seria de pouca ou nenhuma significância. A história
estaria incompleta sem outras referências ao filho mais velho.
O pai não era pai apenas do filho mais novo; era pai, também, do filho
mais velho. Seu primogênito tinha sido um filho leal, com interesse pessoal
na fazenda. Naturalmente, o filho sabia que era o herdeiro. Ele estava fora,
no campo, enquanto todos celebravam a volta de seu irmão. Ele servia bem
a seu pai, e seu pai aprovava o zelo do filho. Mas, como pai, conhecia também
as manifestações de inveja, e sabia que a atitude do filho mais velho, em
relação ao caçula, estava influenciada por ela. Não nos é contado por que
razão o irmão mais velho foi o último a saber da volta do caçula.23 Pode ter
sido porque naquele dia ele tinha ido inspecionar a parte distante da casa,
e, por isso, tenha voltado mais tarde, naquela noite. Ao chegar, ouviu a
música e as danças e perguntou a um dos servos o “que era aquilo”. Em
segundos ficou sabendo que o irmão mais moço tinha voltado e que o pai
20. Rengstorf, Re-Investitur, p. 22, se refere ao costume legal, chamado Ketsatsah, que é o
desligamento de um membro da comunidade judaica, por causa de conflito de interesse.
Derrett, Law in the New Testament, p. 116, faz notar que esse costume legal não se aplica
às circunstâncias do filho pródigo, porque ele não foi penalizado nem banido da fam ília-
21. Consulte-se L. Schottroff, “Das Gleichnis vom Verlorenen Sohn”, ZTK 68 (1971); 39-41.
22. Entre outros, J. T. Sanders, em “Tradition and Redaction in Lk XVG: 11-32,” NTS 15
(1968-69): 433-38, argumenta que há duas parábolas separadas. Veja-se, também, J- J-
0 ’Rourke, “Some Notes on Luke XV, 11-32, NTS 18 (1971-72): 431-33, e Jeremias, "Tradi
tion und Redaktion in Lukas 15", NW 62 (1971): 172-89, que refuta o argumento.
23. Rengstorf, Re-Invetitur, p. 54, faz perguntas sobre a expressão “no campo”. Seria indicio
de que o filho não convivia bem com o pai e permanecesse longe de casa?
mandara matar o novilho cevado, porque recebera de volta o filho, são e
salvo.
O filho mais velho simplesmente não podia entender por que seu pai
estava tão feliz com a volta daquele filho inútil.24 Ninguém, nunca, antes,
expressara alegria e felicidade por causa do primogênito; ninguém, nunca,
fizera uma festa para aquele que ficara em casa e que servia ao pai. O filho
mais velho se recusou a entrar em casa. Não tinha nada para tratar com seu
irmão irresponsável, que, ao voltar para casa, recebia a atenção de todos.
O pai tinha tido que sair de casa para ir ao encontro de um filho; saiu
de casa, outra vez, para encontrar o outro. Ele dera as boas-vindas ao
primeiro; saiu e fez o mesmo com o segundo. Tratou os dois da mesma
maneira. No entanto, o irmão mais velho não queria tratamento igual. Ele
censurou o pai, embora o pai continuasse a argumentar com ele. Ao se
justificar, o filho via a si mesmo como um dos servos, não como filho. “Há
tantos anos que te sirvo sem jamais transgredir uma ordem tua”, disse ao pai.
Ele não entendia o que significava ser filho, e, assim, não podia ver o que
estava implícito na paternidade .25Acusou o pai de nunca lhe ter dado sequer
um cabrito para festejar com os amigos. Para seu irmão perdulário, ao
contrário, mandara matar o novilho cevado. Suas palavras eram cortantes e
amargas; se recusava a tratar o pai como “pai” e a se referir ao irmão como
“irmão”. Insolentemente, disse: “Vindo, porém, esse teu filho, que desper
diçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho
cevado.” Com estas palavras magoou o pai tanto quanto o magoara o filho
pródigo, com sua vida de dissipações. O filho mais velho se afastava do pai,
tanto quanto o fizera o irmão mais moço. Aquele voltara para casa; o pai,
agora, procurava argumentar com o outro para que fizesse o mesmo.
Tanto o mais velho quanto o mais novo eram seus filhos, e o pai se
dirigiu ao mais velho com a mesma ternura com que se dirigira ao caçula.
Disse o pai: “Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu ”.26
O pai ensinou-lhe o que significa ser filho: estar sempre na presença do pai,
como herdeiro. Mais ainda, mostrou-lhe as relações familiares de pai para
filho e de irmão para irmão. Ele estava dizendo: Porque77és meu filho, eu sou
teu pai; e porque o pródigo é meu filho, ele é teu irmão. Como uma família,
disse o pai, “era preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos, porque
24. Thielicke, The Waiting Father, p. 32.
25. Morris, Luke, p. 244.
26. A palavra grega teknon ( = criança) é muito mais afetuosa que a palavra huios ( = filho). A
Nova Bíblia Inglesa emprega o sentido de teknon na tradução, “my boy” ( = meu menino).
27. Schippers, Gelykenissen, p. 178.
esse teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado”.28 A
questão do relacionamento entre os filhos estava proposta. O filho mais
velho, que fielmente tinha servido o pai, na fazenda da família, aceitaria ficar
ao lado do pai quando este celebrava a volta do mais jovem?
A parábola termina com um refrão: “Porque esse teu irmão estava
morto e reviveu, estava perdido e foi achado.” Estas palavras repetem as
proferidas na conclusão da parte que focaliza o filho mais novo. As palavras
ligam, inseparavelmente, os irmãos um ao outro e ao pai.
Jesus não disse o que aconteceu depois. Parou ali, propositalmente.
Se tivesse mostrado a recusa do filho mais velho de entrar em casa, teria
fechado a porta. Deixando inacabada a história, indicava que a porta per
manecia aberta. O pai convidou o filho a participar das festas; o filho tinha
que se decidir. Cabia a ele a decisão.
Aplicação
A intenção de Jesus era descrever a atitude dos fariseus e mestres da
Lei em relação aos coletores de impostos e às prostitutas. Ele tinha sido
acusado de receber aqueles pecadores e de comer com eles. Tinham-lhe
dado a entender que, associando-se com os proscritos, ele mesmo seria
banido. Jesus contou essa parábola na qual o pai manda matar o novilho
cevado e diz: “Comamos e regozijemo-nos.” Queria mostrar aos escribas e
fariseus por que comia com publicanos e meretrizes.
Na pessoa do filho pródigo, os ouvintes de Jesus viram o retrato dos
marginalizados daqueles dias. Os coletores de impostos e os “pecadores”
eram judeus de nacionalidade, porém, por causa de sua ocupação, tinham
sido banidos da comunidade religiosa. Estavam espiritualmente mortos, aos
olhos dos judeus que permaneciam na lei. O filho pródigo trabalhara para
um empregador gentio; assim como o coletor de impostos. O pródigo, no
entanto, caiu em si e voltou para casa de seu pai. Poderiam os publicanos
fazer o mesmo e voltar? A pergunta que Jesus propunha aos ouvintes era:
“O que acontece quando um publicano ou um ‘pecador’ se arrepende?”
Jesus retratou o amor do pai pelo filho para deixar bastante claro que
o amor de Deus é infinito. Seus ouvintes reconheceram Deus, na pessoa do
pai. Sabiam que o pecado é sempre primeiro contra Deus e depois contra o
28. Celebrar a volta do filho pródigo “era uma obrigação que o filho mais velho não quis
reconhecer.” Plummer, S t Luke, p. 379. Jeremias, Parables, p. 131, percebe um tom de
reprovação na voz do pai, quando diz a seu filho: “Devias te alegrar e festejar, pois é o teu
irmão que voltou para casa.”
semelhante. Como Deus perdoa um pecador e depois o reintegra como
membro da sua família? A atitude do pai, na parábola, representa o perdão
amoroso de Deus oferecido ao pecador que se arrepende. Como o pai disse
aos servos: “Comamos e regozijemo-nos”, assim Deus se alegra com seus
anjos por um pecador que se arrepende. Como nas parábolas da ovelha e da
dracma perdidas, todos os amigos e vizinhos se reúnem para festejar, tam
bém na parábola do filho pródigo, o filho mais velho é convidado a festejar
e a alegrar-se.
Os fariseus e doutores da Lei não podiam deixar de entender a
pretendida identificação. Jesus tinha apontado seu dedo para eles, quando
contara a parte sobre o irmão mais velho. Jesus, entretanto, não os acusou,
de maneira alguma. Pela parábola, mostrou amor e zelo genuínos, não
apenas pelo pecador arrependido, mas, também, pelo filho obediente. Pediu
aos líderes religiosos daqueles dias para celebrarem e alegrarem-se quando
alguém social e moralmente marginalizado se arrependesse. Pediu-lhes que
aceitassem tais pessoas com amor fraternal e que os reintegrassem na
comunidade religiosa. Jesus fez a proposta. Os fariseus e os doutores da Lei
teriam que tomar a decisão.
A parábola do filho pródigo proclama as boas-novas do evangelho.
Todos aqueles que voltaram suas costas para Deus, que consideram a igreja
fora de moda e aceitam a permissiva sociedade atual, encontrarão um Pai
celestial amoroso, esperando por eles, no momento em que regressarem. Há
uma volta ao lar para eles, porque Deus é o lar. Embora o arrependimento
seja um mistério, o cristão que tem amado e obedecido a Deus deve regozi-
jar-se e alegrar-se, quando um pecador se arrepende. Para ele são dirigidas
as palavras: “Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu.”
Esta é a mensagem para o justo que tem enfrentado batalhas pelo e com o
Senhor, que tem suportado o calor do dia e tem guardado a fé.
Do ponto de vista da economia, modernos filhos pródigos têm dissi
pado milhões. Os pródigos de nossos dias esbanjam tempo e talentos como
se não tivessem valor. Não é de admirar que os justos digam: “Imaginem se
esses recursos fossem usados para difundir o evangelho e construir o reino
de Deus!” Ninguém pode discutir isso. Deus não está interessado em tempo,
energia e talentos gastos — embora não perdoe o mau uso e o desperdício.
Deus está interessado na salvação dos seres humanos. Quando um pródigo
moderno cai em si e volta para Deus, há alegria nos céus. Como o céu se
alegra, assim a igreja deve celebrar e regozijar-se quando alguém espiritual
mente morto revive, e quando o que estava perdido é achado. Proclamar o
29. Thielicke, The Waiting Father, p. 29.
246
evangelho da salvação e ver pecadores serem salvos pelo conhecimento de
Cristo deve ser uma infindável celebração de vida para todos os que crêem.
E esta uma história na qual apenas a graça de Deus é revelada? A
parábola é uma história do Cristianismo sem Cristo?30 A resposta a estas
perguntas é que a parábola deve ser vista no contexto das Escrituras. Do
princípio ao fim, a Bíblia, desde a desobediência de Adão e Eva até à
descrição das multidões cercando o trono do Cordeiro, é um comentário
fluente a respeito desta parábola. É Jesus que fala sobre o amor do Pai, que
abre o caminho para a casa do Pai, e que chama o pecador de volta à casa.
Aplicação
O Rico e Lázaro
Lucas 16.19-31
poderia alcançá-la.
Abraão se dirigiu ao rico como “filho”, aceitando o parentesco físico.
Mesmo esse parentesco não devia trazer alívio ao homem, por duas razões:
(1) a lei da retribuição, e (2) o caráter irrevogável do veredito de Deus.
Primeiro, a lei da retribuição estipulava que a vida terrena de um homem,
em palavras e atos, permanecia em relação direta com seu destino na vida
futura. O rico escolhera uma vida de coisas boas na terra; no inferno sofria
agonia. Lázaro, pelo contrário, passara a vida na miséria, mas, depois, gozava
do conforto dos céus. Segundo, o irrevogável julgamento de Deus estava
confirmado pelo abismo intransferível existente entre o céu e o inferno.
Ninguém poderia ir do céu para o inferno e vice-versa.13 Deus pronunciara
seu julgamento sem possibilidade de apelo. O destino fora selado no mo
mento da morte.
Lázaro foi para o céu, e o rico para o inferno. Entre os dois lugares,
Deus colocou um grande abismo para tornar impossível a passagem de uma
situação para outra.14
12. Fica evidente, pelas muitas referências ao fogo do inferno, nos Evangelhos, que Jesus
ensinou, em termos francos, a doutrina do inferno. Reconhecidamente, a palavra para
inferno, nestes textos, é a palavra Gehenna e não Hades. Jesus o descreveu como um lugar
de castigo, como também fizeram os apóstolos. Vejam-se, entre outras passagens: Mt
5.22,29,30; 7.19; 8.12; 10.28; 18.8,9; 22.33; 25.41; e versículos paralelos.
13. Oesterley, Parables, p. 209, vê a doutrina da condenação eterna como anticristã. Pergunta
se Lucas 16.26 é uma interpolação e afirma que a passagem “fica mais suave sem o v. 26”.
Porque ele não apresenta evidência textual, tal questionamento é inadmissível e demonstra
uma recusa a lidar com a Palavra de Deus escrita. E C. F. Evans, "Uncomfortablc Words
— V. (Luke 16.31)", ExpT 81 (1969-70):230, que escreve: “Hoje, a parábola é considerada
fundamento imperioso para a crença de que a posição e o status do indivíduo são irrevoga-
velmente fixados no momento da morte.”
14. No v. 26, o tempo perfeito do verbo grego sterizo indica estado resultante. Entretanto, o
uso de hopos implica em propósito e não resultado de alguma coisa ocorrida. Morris, Luke,
p. 254, A. T. Robertson, A Grammar of the Greek New Testament (New York: Hodder &
Stoughton, George H. Doran Company, 1919), p. 896.
O rico compreendeu que sua situação era permanente. Seu próprio
quinhão foi fixado, mas o de seus cinco irmãos, na terra, não estava. Pode
riam mudar a maneira de viver e, assim, evitar passar a eternidade no inferno.
Mais uma vez, ele chamou Abraão de “pai”, e outra vez queria usar Lázaro
como servo. Implorou a Abraão que enviasse Lázaro à casa de seus pais para
avisar seus irmãos, a fim de que não viessem para o lugar de tormento no
qual se encontrava. Estava ciente do grande abismo colocado entre o céu e
o inferno, mas pensava que alguém poderia, prontamente, ir do céu para a
terra. Pensava que Abraão tinha autoridade para enviar Lázaro. De algum
modo, compreendia que ele mesmo não poderia deixar o inferno para voltar
à terra. Tinha que ficar onde estava.15
Durante sua vida na terra, assim como durante a conversa do rico com
Abraão, Lázaro permaneceu em silêncio. Nem uma palavra saiu de seus
lábios sobre a audácia do rico de dizer a Abraão o que fazer. O rico se dirigiu
a Abraão, que lhe respondeu.
Abraão se recusou a permitir que um sinal dos céus fosse enviado aos
cinco irmãos do homem rico. Não permitiu nada que vislumbrasse o oculto.
A revelação de Deus fora dada e era suficiente para a salvação. Abraão disse
ao rico que seus parentes tinham acesso aos cinco livros de Moisés, e aos
livros dos profetas. Isto é, tinham as Escrituras do Velho Testamento.
“Ouçam-nos.”
O rico sabia que seu pai e seus irmãos não levavam a sério as Escrituras.
Seus cinco irmãos solteiros viviam ainda na casa do pai (o número cinco é
arbitrário) e viviam uma vida semelhante à que ele levara na terra. Não eram
as riquezas que eles desfrutavam que o preocupavam,16 e, sim, o seu menos
prezo para com as Escrituras. Chamou Abraão de “pai” pela terceira vez,
assegurando-lhe que seu pai e seus irmãos se arrependeriam se alguém de
entre os mortos ressuscitasse e fosse ter com eles. Não pediu mais que Lázaro
fosse enviado. Qualquer um poderia fazê-lo.
Abraão respondeu que ninguém ressuscitado de entre os mortos seria
capaz de lhes falar a respeito da revelação de Deus mais claramente do que
podiam achar nas Escrituras. Se um homem rejeita a Palavra de Deus escrita,
não se arrependerá nem será persuadido por alguém que ressuscite. O rei
Saul viu Samuel trazido pela médium de En-Dor, e, ainda assim, não se
15. Michaelis, Gleichnisse, p. 264, na 151, sugere que Lázaro poderia aparecer, em sonho ou
visão, aos irmãos do rico. Entretanto, se este fosse o caso, o próprio homem rico poderia
fazer isso com muito mais eficácia.
16. A dedução não é que um crente deva viver na pobreza para entrar nos céus. Abraão, durante
sua vida na terra, era considerado rico. O ponto em questão é a relação com Deus e com o
próximo. Mánek, Frucht, p. 108.
arrependeu (1 Sm 28.7-25). Os fariseus viram Lázaro, irmão de Maria e
Marta, sair do túmulo. Não se arrependeram, antes, procuraram matá-lo (Jo
12.10).17 O fato de o nome Lázaro, na parábola, ser o mesmo do ressuscitado
em Betânia, surpreende. Leva-nos a perguntar até que ponto pode isto ser
mera coincidência.18 No entanto, porque não sabemos a circunstância his
tórica precisa na qual a parábola foi contada, a tentativa de ligá-la ao relato
da ressurreição de Lázaro, em Betânia, embora bem intencionada, dificil
mente convence. Por outro lado, a ressurreição de Lázaro e a ressurreição
de Jesus demonstram indubitavelmente que aqueles que se recusam a aceitar
o testemunho da revelação de Deus “tão pouco se deixarão persuadir, ainda
que ressuscite alguém dentre os mortos”.
Aplicação
Não há, na parábola do rico e Lázaro, introdução nem conclusão
específicas. A parábola pode ter sido contada em qualquer ocasião do
ministério terreno de Jesus. Mas, porque Lucas a registrou em seguida à do
administrador infiel, e porque ele revela a reação dos fariseus ao ensino de
Jesus: “Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Lc 16.13), podemos deduzir
que os fariseus estavam presentes quando Jesus contou a parábola do rico e
Lázaro.19 Os fariseus eram, provavelmente, os que ouviam a parábola. O
contexto imediato mostra que, porque amavam o dinheiro, ridicularizavam
Jesus (Lc 16.14). Também porque se justificavam a si mesmos diante dos
homens, como Jesus afirmou (Lc 16.15). Deus, no entanto, conhecia seus
corações. Jesus via a contradição que havia em suas vidas e contou a história
de um homem que amava o dinheiro, vivia no luxo, e pensava que o fato de
ser descendente de Abraão lhe garantiria a salvação. O conteúdo da pará
bola está ligado ao comentário dirigido aos fariseus a respeito de vícios como
o amor ao dinheiro e a auto-justificação.20
No contexto mais amplo da série de parábolas registradas por Lucas,
várias questões se impõem: “O que o rico e Lázaro representam?” e “Por
que Jesus não contou a história de um rico coletor de impostos e um pobre
mestre da lei?” Os fariseus olhavam os publicanos como “pecadores” que
corriam o risco de perderem o direito de ser chamados filhos de Abraão e
de pertencer ao povo da aliança de Deus. Na parábola, no entanto, Jesus
17. Plummer, SL Luke, p. 397.
18. Dunkerley, “Lazarus”, p. 322.
19. Manson, Sayuings, pp. 296-301, e Hunter, Parables, p. 114, sugerem que a parábola foi
endereçada aos saduceus porque negavam a ressurreição. Esta seria, na verdade, uma
interpretação útil, se o contexto, direta ou indiretamente, se referisse a eles.
20. Derrett, Law, p. 85, se refere à história de Dives e Lázaro como a “parábola da inversão”.
Veja-se, também, Oesterley, Parables, p. 203.
retrata dois homens, um rico e o outro pobre. O rico viveu uma vida
respeitável, chamava Abraão de pai, e foi viver a eternidade no inferno. O
pobre jamais abriu a boca, na terra ou no céu, embora ocupasse lugar de
honra junto ao pai Abraão.
Os fariseus foram capazes de se reconhecer no homem rico. Reagiram
veementemente contra a afirmação de Jesus de que não poderiam servir a
Deus e às riquezas. Ridicularizando Jesus, ostensivamente revelaram que
eram aqueles que amavam o dinheiro. Eram, também, os únicos que pron
tamente chamavam Abraão de pai e pensavam que seu parentesco com o
patriarca lhes assegurava o futuro. Três vezes o rico chamou Abraão de pai.
Mas, Abraão, embora aceitando a descendência física, chamando-o de
“filho”, na primeira vez, deixou claro, nas respostas subseqüentes, que um
parentesco físico era insuficiente.21 Portanto, os fariseus não podiam contar
com o fato de serem da linhagem de Abraão para terem garantido um lugar
no céu.
Além disso, os fariseus eram os que ensinavam a lei da retribuição, em
relação à vida futura. Essa doutrina, simplesmente, não é compatível com o
ensino de Jesus.22 É estranha a ele. Mas Jesus pôs a doutrina dos fariseus na
boca de Abraão: “Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida,
e Lázaro igualmente os males; agora, porém, aqui, ele está consolado; tu, em
tormentos.” Jesus aplicou a lei da retribuição aos fariseus, que ouviram sua
própria teologia dos lábios de Abraão. Eles tinham criado um grande abismo
entre eles próprios e os proscritos morais e sociais. Esses, banidos da
sociedade, viviam em completa pobreza religiosa e econômica. Ninguém da
comunidade judaica lhes fornecia alimento espiritual; estavam condenados
a morrer de fome. Se alguém, alguma vez, questionasse a atitude dos fariseus
em relação a esses marginalizados, ouviria como resposta que eles tinham
Moisés e os profetas, que ouvissem a lei e se arrependessem. Os fariseus
ouviam suas próprias palavras distinta e diretamente de Abraão. Estavam
retratados pelo rico, no inferno, e Lázaro representava os marginalizados.
Os fariseus, mais que uma vez, haviam pedido a Jesus que lhes desse
um sinal dos céus.23 Pediam isso com o propósito de testá-lo. Provavelmente
não teriam acreditado nele, mesmo que lhes apresentasse um sinal sobrena
tural. Agora, esses mesmos fariseus ouviam o rico da parábola pedir a
Abraão um sinal dos céus. Abraão recusou. Ele disse: “Se não ouvem a
Moisés e aos profetas, tão pouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite
alguém dentre os mortos.” No pedido do rico, os fariseus ouviram o eco de
suas próprias palavras. A parábola era endereçada a eles.24
21. F. H. Capron, “Son in the Parable of the Rich Man and Lazarus”, ExpT 13 (1901): 523.
22. Schippers, Gelykenissen, p. 160.
23. Mt 12.38; 16.1; Mc 8.11; Lc 11.16; Jo 6.30.
24. Schippers, Gelykenissen, p. 161.
Conclusão
A lição ensinada por Jesus é atemporal; é a regra permanente de como
ouvir, obediente e agradecido, a Palavra de Deus. As Escrituras nos ensinam
a amar o Senhor nosso Deus de todo o nosso coração, nossa alma e nossa
mente, e ao próximo como a nós mesmos. Este amor tem que ser material
mente expresso na cuidadosa entrega de nossos dons ao Senhor e àqueles
que, próximos a nós, estão em dificuldade (SI 112.9; 2 Co 9.7). Este amor,
também, deve-se mostrar espiritualmente; primeiro, pelo crescimento na
graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (2 Pe 3.18);
e, segundo, ensinando nosso próximo a conhecer o Senhor (Jr 31.34; Hb
8 .11).
Os ricos são realmente ricos quando repartem suas bênçãos materiais
e espirituais com os necessitados. Na verdade, são terrivelmente pobres se
guardam, para si mesmos, essas bênçãos. Qualquer que ajunte egoisticamen-
te riquezas materiais, acaba sofrendo bancarrota espiritual. Do mesmo
modo, qualquer igreja que deixa de evangelizar, morre espiritualmente.
Os cristãos das sociedades abastadas não podem deixar de ver e ouvir
as necessidades dos pobres na África, Ásia e América Latina. Pelas notícias
da mídia, encontram os necessitados junto à sua porta. Esses são os que
sofrem de fome física e espiritual, que anseiam pela comida que cai da mesa
do rico.
Em lugar algum as Escrituras ensinam que é pecado ser rico. Repeti
damente, no entanto, elas advertem o povo de Deus que riquezas podem ser
cilada e tentação que “afogam os homens na ruína e perdição” (1 Tm 6.9).
Quando o homem coloca Deus e seu próximo necessitado em um plano
secundário, e trata as Escrituras com desprezo intencional, sua resposta
responsável ao chamado para o arrependimento pode não acontecer ja
mais.25
Na parábola soa uma nota de urgência para o homem que sábia e
obedientemente atenta para a Palavra de Deus. Ela o chama ao arrependi
mento e à fé; diz-lhe que ele está vivendo no período da graça; instrui-o a
deixar de lado a auto-justificação; e fá-lo lembrar que o destino do homem
é irrevogavelmente selado no momento da morte. Resumindo, a parábola
reitera as palavras do salmista: “Oxalá ouvísseis hoje a sua voz! Não endu
reçais o vosso coração” (SI 95.7,8).
25. O Glombitza, “Der reiche Mann und der arme Larzarus. Luk. X V I19-31. Zur Frage nach
der Botschaft des Texts”, NovT 12(1970): 173.
37
O Fazendeiro e o Servo
Lucas 17.7-10
7
“Qual de vós, tendo um servo
ocupado na lavoura ou em guardar
o gado, lhe dirá quando ele voltar
do campo: Vem já e põe-te à
mesa? 8E que antes não lhe diga:
Prepara-me a ceia, cinge-te e ser-
ve-me, enquanto eu como e bebo;
depois comerás tu e beberás?
9Porventura terá de agradecer ao
servo por ter este10 feito o que lhe
havia ordenado? Assim, também
vós, depois de haverdes feito quan
to vos foi ordenado, dizei: Somos
servos inúteis, porque fizemos
apenas o que devíamos fazer.”
8. Derrett, Law in the New Testament, p. 23, mostra que a cobrança de altas taxas de juros não
era incomum no mundo antigo. Como exemplo, se refere às taxas de empréstimos cobradas
por Catão, o Antigo.
9. Alguns estudiosos têm conjecturado se a palavra cidades entrou no texto por um engano da
palavra aramaica para talentos. Em aramaico, as duas expressões são bastante semelhantes:
cidades é kerakin e talentos é kakerin. E. Nestle sugere um possível erro de leitura do texto,
em um artigo publicado no Theologische Literaturzeitung, ns 22, 1985. M. Black, Aramaic
Approach, p. 2, defende a sugestão de Nestle, embora Dalman, Words of Jesus, p. 67, tenha
destacado que no paralelo de Mt 25.21,23, os servos não recebem talentos, mas são colocados
responsáveis por muitas coisas. Lucas usa a palavra cidades para expressar o conceito geral
de muitas coisas. Além disso, um rei, tomando posse de seu reino, podia investir seus servos
de autoridade sobre cidades, o que não poderia (Mt 25) ser feito por um senhor.
10. Lucas usa o artigo definido masculino com heteros ( = outro) no sentido de “diferente”.
Plummer, SL Luke, p. 441.
consciência de sua própria timidez. Temia a dureza do rei. Esperava apenas
que, devolvendo a soma intacta, o rei o deixasse partir em paz.
O rei, no entanto, não ficou nem um pouco satisfeito com a insolência
do servo. Não entendeu o medo do servo e não teve paciência com sua
desculpa inepta. Podia-se ver refletido na descrição feita pelo servo, mas se
o servo acreditasse no que ele próprio dizia a respeito do rei, deveria, ao
menos, ter depositado, no banco, o dinheiro.11
O louvor e os elogios dirigidos aos dois primeiros servos se tornaram
escárnio e condenação para o terceiro. O rei, agindo agora como juiz, disse
ao servo que, com base em suas próprias palavras, ele seria julgado. Se o
servo sabia que seu senhor era um homem exigente, deveria ter tido confian
ça na capacidade do rei de exigir dos banqueiros o seu dinheiro com os juros
devidos. Os banqueiros, com toda a certeza, deveriam ter conhecimento de
que o rei tirava o que não colocara e colhia onde não havia semeado. Mas,
embora reconhecesse que o rei saberia exigir bons lucros dos banqueiros, o
servo nem mesmo considerou a possibilidade de depositar o dinheiro no
banco. Prontamente, o rei o chamou de mau, querendo dizer que o servo era
incompetente, incapaz e inútil.12
A parábola é contada em tons fortes. O rei se dirige aos que assistiam
a cena: “Tirai-lhe a mina, e dai-a ao que tem as dez.” Eles expressaram sua
surpresa, ponderando ao rei: “Senhor, ele já tem dez.”13 A objeção à ordem
do rei se refere ao fato do primeiro servo já ter a maior soma de todos. Por
que deveria receber a mina extra? Esta ordem significa que o rico se tornará
mais rico, e o pobre mais pobre? Além disso, se o servo já tinha sido investido
de autoridade sobre dez cidades, iria se sentir recompensado recebendo a
relativamente pequena soma de uma mina? Afinal, todo o dinheiro que os
servos receberam do rei e aquele que ganharam negociando não seria
depositado no tesouro real? É fácil multiplicarmos as perguntas, mas a maior
parte delas se resolve se compreendemos o simbolismo que está implícito na
parábola.
O dinheiro confiado aos servos foi-lhes entregue como um teste. O rei
queria experimentar sua lealdade e recompensá-los adequadamente. Fez
11. Morris, Luke, p. 275.
12. G. Harder, TDNT, VI:547,554.
13. Pelo texto toma-se difícil definir se este versículo faz parte da parábola ou se foi inserido
por copistas a partir de anotações feitas à margem. No entanto, essas testemunhas (por
exemplo, D. W. 565 e algumas das versões latinas, siríacas e cópticas) que omitem o versículo,
podem tê-lo feito por causa do paralelo de Mt 25.28,29 (que não o apresenta) ou por razões
estilísticas, a fim de providenciar uma ligação mais estreita entre Lc 19.24 e 26. Com base em
evidência externa e interna, entretanto, parece melhor conservar o v.25, Metzger, Textual
Commentary, p. 169.
isso colocando um servo responsável por dez cidades e o outro com a
responsabilidade sobre cinco. Como recompensa à sua lealdade ao rei, o
primeiro servo recebeu o dinheiro do terceiro. Agindo assim, o rei deixou
claro que seu relacionamento com o terceiro servo estava definitivamente
acabado.14 Mostrou, ainda, que punha total confiança no primeiro servo,
investindo-o da responsabilidade retirada do outro. O total do dinheiro deve
ser visto, então, em termos de responsabilidade.
O rei não respondeu diretamente aos que o cercavam. 15 Usando uma
expressão um tanto proverbial,16 ele, implicitamente, disse-lhes por que deu
a mina ao servo que tinha as dez minas: “A todo o que tem dar-se-lhe-á; mas
ao que não tem, o que tem lhe será tirado.” A observação aponta para uma
prática comum no mundo dos negócios. Isto é, as pessoas prontamente
emprestam dinheiro para aqueles cujo retorno de capital mostra lucro
substancial. Confiam num negócio de sucesso porque sabem que o dinheiro
investido trará dividendos. Mas, quando os investidores sabem que a pessoa
que está tomando emprestado não consegue lucros sobre seu capital, de
pressa retiram a quantia investida e reduzem, assim, ainda mais, o capital do
emprestador.17 O dinheiro é entregue ao homem que corteja o sucesso e
tirado daquele que enfrenta a bancarrota.
Jesus terminou a parábla chamando a atenção para os embaixadores
que tinham protestado contra a escolha daquele rei. Quando se apresenta
ram diante dele, o rei ordenou que fossem executados. Não há registro de
que Arquelau, ao voltar de Roma, tenha mandado executar os cinqüenta
judeus que tinham intentado contra ele na corte de César. No entanto, é fato
conhecido que ele afastou do cargo o sumo sacerdote, por ter ajudado os
rebeldes. Ele, também, tratou o povo de modo mais cruel, depois de sua ida
a Roma.
Interpretação
Em certo sentido, a parábola das minas é uma parábola sobre o reino,
embora não seja apresentada pela frase familiar: “O reino dos céus é
semelhante...” A parábola, baseada em história verídica, foi contada na
ocasião quando o povo pensava que o reino de Deus estava prestes a vir. Da
14. Derrett, Law in the New Testament, p. 28.
15. A afirmação sobre quem fala em Lc 19.26, o rei ou Jesus, depende da interpretação dada
ao versículo anterior. Plummer, SL Luke, p. 443. Por causa da expressão “eu vos declaro”,
as palavras parecem refletir um comentário feito por Jesus, Marshall, Luke, p. 708.
16. De modo semelhante a expressão ocorre em Mt 13.12; 25.29; Mc 4.25; e Lc 8.18.
17. Derrett, Law in the New Testament, p. 30.
própria história recente, Jesus ensinou a seus contemporâneos uma lição a
respeito da vinda do reino.
A parábola pretendia ensinar ao povo que haverá um intervalo entre
sua primeira e segunda vindas. Como Arquelau partiu para Roma, mas
voltou, assim o Filho do homem partirá e, no tempo escolhido por Deus,
voltará. O rei deu a seus servos uma certa quantia de dinheiro, com a ordem
explícita de que a pusessem para render. Quando assumiu a responsabilida
de de governar sua etnarquia, chamou os servos à sua presença, para
prestarem contas de suas atividades. Do mesmo modo, Jesus, ao partir da
terra para o céu, dotou seus seguidores com dons, e espera que eles operem
esses dons do modo mais fiel e fecundo durante sua ausência. Quando chegar
o tempo de seu retorno, ele convocará seus servos diante de si, para recebe
rem palavras de louvor e recompensa, ou condenação e punição severas.18
O reino de Deus existe no presente, mas é, também, um estado de
expectativa a ser cumprido. Ele é, portanto, agora, mas, ao mesmo tempo,
ainda não. Jesus, embora eternamente rei, trará seu reino à realização plena,
somente após a sua volta. Então outorgará aos servos fiéis grandes oportu
nidades de servi-lo, e, proporcionalmente, fará punir os servos indolentes e
maus. Durante sua ausência, Jesus dará ampla oportunidade para o serviço,
bem como para a rebeldia.
Aquelas pessoas que acompanhavam Jesus em sua jornada para Jeru
salém não deviam ter pensado que o reiino traria, imediatamente, alegria e
felicidade a todos. Deviam, antes, ter pensado em termos de um intervalo
durante o qual seriam provados. Então, após o período de provação, os que
tivessem se rebelado, seriam punidos.
Ninguém, dos que ouviam Jesus, o identificaria com o cruel Arquelau
dos dias passados.20 Mas, seus ouvintes eram capazes de entender que o
intervalo da ausência de Arquelau, de certo modo, era um paralelo da
partida de Jesus e seu subseqüente retorno.
Simplesmente, a parábola não pode ser interpretada em todos os seus
detalhes, porque isso nos levaria a um absurdo total. O objetivo da parábola
é este: todos os seguidores de Jesus recebem dons e oportunidades para
servir. Ninguém pode dizer que, por não ter a habilidade de um teólogo
treinado ou a eloqüência de um orador talentoso, não pode servir ao Senhor.
Tais argumentos não prevalecem. A parábola ensina que todos os servos
18. Ridderbos, Corning of the Kingdom, p. 515, comenta que é difícil explicar ‘A parábola das
minas’ de qualquer outro modo que não como uma referência à partida de Jesus da terra
para o céu, e a vocação dos discípulos na terra”.
19. Plummer, St. Luke, p. 444.
20. Zerwick, “Thrononwàrter”, p. 667.
receberam uma mina e cada um respondeu pelo dinheiro a ele confiado. Do
mesmo modo, cada um dos seguidores de Jesus foi dotado com dons e com
oportunidades de usarem esses dons para servir. De cada um é esperado que
faça o melhor possível. Logo, o tempo concedido por Deus, em sua provi
dência, estará findo, c, então, virá o juízo.
Eis que venho sem demora, e comigo está o galardão que tenho
para retribuir a cada um segundo as suas obras (Ap 22.12).
Conclusão
A s parábolas de Jesus são únicas no contexto das Escrituras. Embora
algumas parábolas tenham sido registradas no Velho Testamento, nos Evan
gelhos o grande número de parábolas e de declarações em forma de parábola
é marcante. Alguns exemplos encontrados no Velho Testamento indicam
que o hábito de contar histórias não era desconhecido. O profeta Natã, por
exemplo, contou a Davi a história de um homem pobre cuja cordeirinha lhe
foi tomada por um homem rico. A aplicação: “Tu és o homem”, foi bastante
direta.1 Nos escritos dos rabinos, também encontramos o ensino em forma
de parábolas, mas é realmente difícil podermos atribuir mais que duas
parábolas a uma única pessoa.2 Entretanto, estima-se que um terço dos
ensinos de Jesus foi feito em forma de parábola. Contando as parábolas e as
ilustrações figurativas, alguns estudiosos chegaram a um total de sessenta
delas.3 Todas são chamadas de parábolas de Jesus.
Como, na conclusão de seu Evangelho, João escreve que nem tudo que
Jesus fez foi relatado (Jo 21.25), podemos presumir que nem todas as
parábolas contadas por ele foram registradas. Talvez algumas das histórias
atribuídas a Jesus, que encontramos em outras fontes que não o Novo
Testamento, sejam autênticas.4 Também, ensinando oralmente como os
mestres de seus dias costumavam fazer, Jesus repetia o que ensinava. Como
mestre, ele tinha toda a liberdade para contar determinada parábola mais
que uma vez, de formas diferentes, em cada caso. Quando viajou de Jericó
1.2 Sm 12.1 Outros exemplos são a parábola da mulher tecoíta (2 Sm 14.4-7): e a mensagem
de Jeoás a Amazias (2 Rs 14.9).
2. Hunter, Parables, p. 15.
3. T. W. Manson, The Teaching of Jesus (Cambridge: University Press, 1951), p. 69, conta um
total de sessenta e cinco parábolas. A. M. Hunter, Interpreting the Parables (Philadelphia:
Westminster Press, 1960), p. 11, apresenta o número como “cerca de sessenta”.
4. J. Jeremias, Unknown Sayings of Jesus (London: S. P. C. K., 1958), p. 2.
para Jerusalém, a fim de celebrar a Páscoa pela última vez, ele contou a
parábola das minas, baseando-a na circunstância histórica da ida de Arque
lau para um país distante para ser escolhido rei. Alguns dias mais tarde, Jesus
contou a seus discípulos a parábola dos talentos. As duas, sem dúvida, têm
muito em comum, embora apresentem finalidade e propósito diferentes.
Jesus não apenas contou as parábolas; contou-as muito bem. Muitas
delas se destacam por serem breves, e, mesmo sendo curtas, são brilhantes.
Jesus buscou seu material em diversas fontes. As vezes, voltava-se para o
Velho Testamento — como fez na parábola da vinha e dos lavradores maus,
tomando seu tema do “Cântico da Vinha”, registrado em Isaías 5. Em outras
ocasiões, tirava seus exemplos diretamente da época, cultura e meio ambien
te em que vivia. Parábolas como a do semeador, da figueira estéril e do juiz
iníquo, são exemplos disto. Jesus, também, se baseava em acontecimentos
que eram bem conhecidos daqueles que o ouviam: o nobre que partiu para
um país distante, para ser escolhido rei, e o homem desventurado que caiu
nas mãos de salteadores, na estrada de Jericó. Jesus é o Grande Mestre de
todas estas parábolas. Embora os evangelistas as tenham transmitido, nas
parábolas nos deparamos como os ensinamentos de Jesus. Elas são suas. Isto
é, não tiveram origem na mente de um evangelista,5 e não foram criadas pela
comunidade cristã primitiva, que necessitava de uma história particular,
para com ela ilustrar o ensino de uma doutrina.6 As parábolas são original
mente de Jesus.
Naturalmente, os evangelistas registraram as parábolas de Jesus, e, em
seu ofício de escrever os Evangelhos, mostraram sua própria individualida
de. Diferenças de expressão, nos relatos paralelos das mesmas parábolas,
revelam, claramente, o seu trabalho individual. Além disso, o próprio fato
de Jesus ter contado suas parábolas em aramaico, enquanto que os Evange
lhos as apresentam na língua grega, deixa claro que o restabelecimento das
palavras exatas de Jesus constitui um problema. A questão da origem, não
a autoridade, em relação à maneira específica de se expressar numa deter
minada parábola, nem sempre é fácil de resolver. Se uma parábola foi
registrada apenas por um evangelista, a autenticidade das palavras de Jesus
não precisa ser discutida. Mas, quando uma parábola ocorre em relatos
paralelos do Evangelho e mostra variação na maneira de narrar, a questão
5. Jeremias, Parables, pp. 84-85, afirma que “é impossível deixar de concluir que a interpretação
da parábola do joio é do próprio Mateus”. Ele chegou a esta conclusão baseando-se em
considerações lingüísticas.
6. Jülicher, Gleichnisreden, 2:385-406, considera a parábola da vinha e dos lavradores maus,
uma criação da igreja primitiva. Do mesmo modo, R. Bultmann, The History of the Synoptic
Tradition (New York: Harper and Row, 1963), p. 177.
7. Marshall, Eschatology and the Parables, p. 11.
do estilo do evangelista, em particular, se torna real. Mateus, Marcos e Lucas
exibem suas próprias características e tendências, ao registrar as parábolas
de Jesus.
Características Gerais
O Evangelho de Marcos tem apenas seis parábolas, e, por isso, não
podemos falar muito sobre suas características. Dessas seis, apenas uma é
peculiar a Marcos: a da semente germinando secretamente. As outras têm
paralelos em Mateus e Lucas. São as parábolas do semeador, do grão de
mostarda, da vinha e dos lavradores maus, da figueira e do servo vigilante.
A parábola do servo vigilante, que não está registrada no Evangelho de
Mateus, é a única das seis de Marcos que não diz respeito à natureza. De
todas as parábolas de Jesus, Marcos selecionou cinco que descrevem o
crescimento, na natureza. Esta evidência parece indicar que Marcos era uma
pessoa ligada à vida rural.
O mundo de Mateus é amplo, e abrange de reis a servos. Ele registra
parábolas que descrevem ministros das finanças, construtores, um fazendei
ro que emprega trabalhadores temporários, arrendatários, pescadores, um
joalheiro, uma mulher assando pão, um pastor, um pai e seus dois filhos, um
ladrão, crianças brincando, damas de honra e convidados para um banquete
nupcial. Estas parábolas focalizam pessoas,8 e Mateus se revela um homem
interessado nelas.
Esse interesse é ainda mais pronunciado no Evangelho de Lucas.9 Nas
parábolas que são próprias de Lucas, as pessoas, como indivíduos, têm um
lugar central: o amigo que chega à meia-noite, o filho pródigo e seu irmão e
pai, a mulher que perdeu sua moeda e o pastor que encontrou sua ovelha, o
rico e Lázaro, a viúva e o juiz, o fariseu e o publicano e o samaritano cuidando
da vítima dos ladrões. Através destas parábolas, Lucas demonstra interesse
em gente, como indivíduos, a ponto de registrar nomes (Lázaro e Abraão),
nacionalidade (samaritano) e ocupação (coletor de impostos).
Lucas parece se movimentar entre pessoas comuns, particularmente
aquelas de recursos moderados. Os dois devedores devem ao agiota um total
de três meses de salário, o salário de seis semanas cada um, e cada um dos
dez servos recebe do senhor o equivalente a três meses de salário. O
fazendeiro tinha apenas um servo, que ara seu campo e prepara seu jantar.
Do mesmo modo, o homem que prepara um banquete tem apenas um servo
que chama os convidados, e que traz para dentro de casa os pobres e os
8. M. D. Goulder, “Characteristics of the Parables in the Several Gospels”, JTS 19 (1968): 52.
9. Morris, Luke, p. 40.
coxos. Os ricos, nas parábolas apresentadas por Lucas, pertencem à classe
média alta.10 São um fazendeiro, que tem excelente colheita e precisou
construir celeiros maiores para guardá-la, o homem que se vestia de púrpura
e finos linhos e vivia no luxo, o rico cujo administrador atiladamente diminuiu
o débito dos que deviam a seu senhor, e o pai que repartiu a herança por
causa do pedido do filho caçula. As parábolas de Lucas retratam gente
comum: um samaritano e seu jumento, o mendigo lambido pelos cães, o
pastor e seu rebanho, a mulher e sua moeda, a viúva fazendo seu pedido e o
publicano batendo no peito.
Ao contrário, algumas das parábolas de Mateus retratam a grandeza,
o esplendor e a extravagância. O ministro das finanças deve ao rei uma
quantia que vai a milhões, um homem confia um total de oito talentos a três
de seus servos, um rei prepara um banquete de núpcias e envia servos para
chamar os convidados e soldados para puni-los quando se recusam a vir, e
o proprietário de uma vinha envia seus servos, em grupos, para recolher o
lucro dos arrendatários. Muitos são da mais alta classe social. Outros, como
o mercador de pérolas e o senhor que investiu seu servo de autoridade estão
entre os moderadamente ricos.
A seleção de parábolas peculiar a cada escritor dos Evangelhos traz à
luz algumas de suas características. Mateus trata de histórias de interesse
financeiro; Lucas é o homem voltado para os pobres e para o cidadão da
classe média; enquanto que Marcos, embora apresente poucas parábolas,
demonstra interesse pela natureza. Além disso, cada escritor dispõe as
parábolas mais ou menos em grupos. Em uma série (Mt 13), Mateus inclui
sete, que não são postas juntas por acaso. Essas sete revelam um padrão
definido.11 Após a parábola introdutória, a do semeador, as do trigo e o joio
e da rede formam um par. Entre essas duas, há dois conjuntos de parábolas
gêmeas: primeiro, a do grão de mostarda e a do fermento; então, a do tesouro
escondido e a da pérola. As parábolas que Mateus registra nos capítulos 24
e 25 de seu Evangelho têm perspectiva escatológica. As parábolas da figuei
ra, do ladrão, do servo fiel e prudente, das dez virgens, dos talentos e a do
grande julgamento apontam nessa direção. Lucas, também, ordenou seu
material de tal modo que, com exceção das parábolas dos dois devedores e
das minas, as que lhe são peculiares se encontram na chamada narrativa da
jornada ou grande inserção de Lucas 9.51; 19.27. A parábola das minas, que
é a última das parábolas de Lucas, foi estrategicamente colocada para servir
de ponte entre a parte referente à jornada de Jesus para Jerusalém e a do
ministério de Jesus em Jerusalém.1
10. Goulder, “Characteristics of the Parables”, p. 55.
11. B. Gerhardsson, “The Seven Parables in Matthew XIII”, NTS 19 (1972-73): 18.
12. Marshall, Luke, p. 401.
Algumas parábolas, que foram registradas por mais de um escritor do
Evangelho, refletem a situação de vida na qual foram escritas.13Por exemplo,
na interpretação da parábola do semeador, especificamente sobre a semente
lançada em solo rochoso, Mateus e Marcos escrevem: “... em lhe(s) chegan
do a angústia ou a perseguição por causa da palavra, logo se escandaliza(m)”
(Mt 13.21; Mc 4.17). Mas, em Lucas, achamos: “... na hora da provação se
desviam” (Lc 8.13). Cada um, à sua própria maneira, expressa a mesma
verdade: em tempos de dificuldade, as pessoas abandonam a fé. Semelhan
temente, a parábola dos dois fundamentos é relatada por Mateus em versão
compreensível aos judeus que viviam na Judéia ou Galiléia, e, por Lucas,
numa versão apropriada aos helenistas que viviam no estrangeiro.
Características Literárias
O estilo dos evangelistas difere, notadamente, com respeito às pará
bolas por eles registradas. Enquanto o estilo de Marcos é bastante simplista,
o de Mateus, especialmente nas parábolas mais longas, é marcado pelo uso
de contrastes. De fato, as parábolas mais longas, no Evangelho de Mateus,
se apresentam em preto e branco.14 Os construtores edificam sobre a rocha
ou na areia; o fazendeiro semeia trigo, e seu inimigo semeia o joio, no mesmo
campo; a rede apanha peixes apropriados para o consumo e os que não o
são; o rei se mostra misericordioso, mas seu ministro das finanças, não; os
trabalhadores da vinha, contratados primeiro, murmuram, os contrastados
mais tarde se regozijam; dos dois filhos apenas um obedece ao pai; o servo
em quem o senhor confia pode ser fiel ou mau; cinco virgens são prudentes
e cinco são néscias; dois servos põem seus talentos para render e um enterra
o seu; no banquete nupcial todos os convidados estão apropriadamente
trajados, só um não está. Mesmo nas parábolas mais curtas, o contraste fica
evidente. As crianças que brincam na praça são alegres ou tristes. Nas
parábolas de Mateus as pessoas são sábias ou tolas, boas ou más, fiéis ou
indolentes.
Enquanto Mateus filma em preto e branco, Lucas usa a cor. Seus
personagens são coloridos, pitorescos e bem construídos. O samaritano
personifica a compaixão; o amigo que bate à porta do vizinho no meio da
noite, e a viúva que faz periódicas visitas ao juiz retratam a arte da persis
tência. Isso não significa que Lucas evite os contrastes. Ele coloca o sacer
13. G. E. Ladd, “The Sitz im Leben of the Parables of Matthew 13: the Soils, Studia Evangélica,
ed. F. L. Cross (Berlin: 1964), 2: 204.
14. Goulder, “Characteristics of the Parables:, p. 56, quer incluir a parábola do semeador, mas
pode fazê-lo apenas baseando-se em sua interpretação nos capítulos seguintes. A parábola
em si não revela contraste.
dote c o levita em oposição ao samaritano; o rico em oposição a Lázaro; e o
fariseu em contraste com o publicano. Mas Lucas apresenta suas figuras com
mais cor e detalhes que os outros evangelistas. No Evangelho de Mateus, o
bom e o mau são convidados para o banquete das bodas. Na apresentação
que Lucas faz da parábola da grande ceia, os pobres, estropiados, cegos e
coxos são bem-vindos. Na parábola dos talentos, um dos servos enterra o
seu. Em sua descrição da parábola das minas, Lucas descreve um dos servos
enrolando sua moeda em um pedaço de pano. As pessoas que Lucas retrata
são reais: pensam, falam e agem. O mercador de pérolas não é descrito e,
de certo modo, não tem vida. O rico de Lucas, que obtém lucro numa colheita
excepcional, é um personagem que parece vivo. Ele fala consigo mesmo, faz
planos e se dispõe a agir. Mateus, geralmente, omite pormenores; apresenta
um mero esboço. É Lucas quem, por meio de sua pena ágil, acrescenta
profundidade e dimensão às parábolas.
Características Teológicas
Nas parábolas peculiares ao Evangelho de Lucas, o tema do arrepen
dimento e salvação é relevante. Lucas mostra de modo muito mais claro que
Mateus que Jesus chamou para a salvação os marginalizados, os pobres, os
perdidos e os desprezados. 5
O tema apresentado em Lucas 19.10: “Porque o Filho do homem veio
buscar e salvar o perdido”, é exemplificado em várias parábolas de Lucas.
São os dois devedores, a ovelha perdida, a moeda perdida, o filho pródigo e
o fariseu e o publicano. A parábola dos dois devedores foi contada depois
do incidente do Sábado, quando uma mulher entrou na casa de Simão, o
fariseu. Embora aos olhos do fariseu cumpridor da lei fosse considerada
desprezível, ela achou remissão de pecados e paz para o seu coração. O filho
desviado caiu em si numa pocilga imunda, voltou para casa e foi reintegrado
à família. O coletor de impostos, considerado um marginalizado social pelo
fariseu, bateu no peito, orou a Deus e foi justificado. Há alegria no céu
quando um pecador se arrepende; festa na casa do pai, quando o filho volta;
e paz no coração do proscrito, quando Deus o justifica.
E Lucas que desenvolve o tema do amor de Jesus pelos pobres e
oprimidos. Quando os convidados se recusam a participar do grande ban
quete, os pobres, estropiados, cegos e coxos são trazidos. Quando ainda
restam lugares vazios na casa, o servo recebe ordens para fazê-los entrar. O
15. A. Wikenhauser, New Testament Introductíon (New York: Herder and Herder, 1965), p.
217.
pobre, que diariamente é carregado até ao portão da casa do rico, é carre
gado por anjos até junto de Abraão, nos céus.
Lucas mostra que Jesus ama o pobre, mas adverte o rico para que se
arrependa e creia. A parábola do rico e Lázaro pretende retratar a miséria
da vida no além, do homem que na terra vivia no luxo sem se importar com
Deus e com o próximo. A parábola do rico que queria armazenar seus bens
materiais em celeiros maiores revela a pobreza nua do homem que confia
em suas riquezas e não em Deus. A parábola do administrador infiel nos
ensina a não dependermos de riquezas, mas a distribuí-las para com elas
fazer amigos e sermos bem-vindos nas moradas eternas.
O amor ao próximo é um tema muito mais definido no Evangelho de
Lucas que nos outros. Através da parábola do bom samaritano, Lucas indica
que o conceito é ilimitado e sua aplicação universal. A ordem para amar o
próximo, portanto, transcende barreiras de raça, cultura, idade, nacionali
dade e língua.
Em pelo menos três parábolas próprias de seu Evangelho, Lucas
desenvolve o tema da fidelidade. O custo do discipulado é a lealdade
inabalável no cumprimento do dever. Na parábola do fazendeiro cujo servo
ara o campo durante o dia, prepara o jantar ao voltar para casa, e nem ao
menos recebe qualquer agradecimento, porque esta é a sua tarefa diária, fica
demonstrada claramente a devoção de todo o coração com que um seguidor
de Jesus o serve. A parábla do homem que queria construir uma torre e
aquela do rei que devia ir à guerra contra outro rei ilustram o custo do
discipulado. Seguir a Jesus significa desistir, voluntariamente, de tudo; nada
deve prevalecer ao discipulado.
Essa lealdade está expressa na parábola das dez minas. Nove servos
investem o dinheiro e cada um consegue receber algumas minas a mais. Mas
um déles guarda dentro de um lenço a sua mina e recebe condenação pública
por sua inutilidade. Os outros servos são elogiados e recebem, como recom
pensa, grandes responsabilidades. O tema da fidelidade é tratado, também,
nas parábolas dos outros evangelistas. Isto é, Mateus o aborda nas parábolas
dos dois filhos, do ladrão, do servo fiel, das virgens e dos talentos. Marcos
se refere a ele na parábola do servo vigilante.
Por fim, mas não menos importante, o tema da oração é exposto em
três parábolas de Lucas. O amigo que bate à porta do vizinho, à meia-noite,
e a viúva que procura sempre pelo juiz, são relatos paralelos. As duas
parábolas ensinam a doutrina da perseverança na oração, que na comunida
de cristã primitiva era resumida no preceito apostólico: “Perseverai na
oração.”16A parábola do fariseu e do publicano menciona a oração, embora
basicamente se refira à justiça.17
Exceto pelos paralelos sinóticos do grão de mostarda e do fermento,
Lucas não tem qualquer parábola que ele apresente como uma parábola
sobre o reino. Marcos apresenta duas: a da semente germinando secreta
mente e a do grão de mostarda. É Mateus quem arrola as parábolas do reino.
Um total de dez parábolas apresentam o reino: a do trigo e do joio, a do grão
de mostarda, a do fermento, a do tesouro escondido, a da pérola, a da rede,
a do credor incompassivo, a dos trabalhadores na vinha, a das bodas e a das
dez virgens. Também a do semeador faz parte do contexto do “conhecimento
dos segredos do reino dos céus”, porque nela Jesus transmite um entendi
mento básico a respeito da vinda do reino.18
Muitas das parábolas do reino, no Evangelho de Mateus têm, uma
perspectiva escatológica. A do trigo e do joio e a da rede são semelhantes
em sua conclusão: ambas falam da separação no juízo. Do mesmo modo, a
parábola das bodas termina com a expulsão do homem que não estava
vestido adequadamente. A das dez virgens e a dos talentos retratam cinco
moças tolas deixadas do lado de fora e um servo negligente que é lançado
nas trevas exteriores. Mateus conclui suas parábolas com a do juízo final, na
qual a separação das pessoas é comparada à separação feita pelo pastor, que
coloca as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda.
À sua maneira metódica, Mateus agrupou um total de sete parábolas
no capítulo treze. Quatro delas podem ser consideradas dois pares: a do grão
de mostarda e a do fermento são similares; e a do tesouro e a da pérola têm
a mesma mensagem. No primeiro par, o poder vitorioso da mensagem de
salvação se expressa exteriormente no crescimento da mostardeira e inte
riormente no crescimento da massa levedada. No segundo par, ambas, a do
fazendeiro que vendeu tudo o que tinha para comprar o campo onde estava
escondido o tesouro e a do mercador que vendeu seus bens para comprar a
pérola valiosa, exemplificam a total submissão a Cristo e o valor infinito do
reino.
Pela escassez de parábolas, no Evangelho de Marcos, é difícil afirmar
se ele selecionou as suas com um propósito teológico. Duas delas têm motivo
escatológicos: a da figueira e a do servo vigilante. Nas outras, ele demonstra
a ação de Deus operando ou na natureza ou nas relações humanas. São as
parábolas do semeador, da semente germinando secretamente, do grão de
16. Rm 12.12; Ef 6.18; Fp 4.6; Cl 4.2; 1 Ts 5.17.
17. P. T. 0 ’Brien, “Prayer in Luke-Acts”, TB 24 (1973): 118.
18. Ridderbos, Corning of lhe Kingdom, p. 132.
mostarda e dos lavradores maus. De modo geral, podemos dizer que, em
todas as parábolas de Marcos, o poder e o governo de Deus ficam evidentes.
Destinatários e Resposta
Quem eram as pessoas que ouviam as parábolas quando Jesus as
contava em público, ou em particular? Elas podem ser classificadas em três
categorias: os discípulos, as multidões e os adversários de Jesus. A maior
parte delas foi endereçada às multidões ou aos discípulos.19 De acordo com
Mateus, as multidões ouviram a parábola dos dois fundamentos, a das
crianças na praça, a do semeador, a do trigo e o joio, a do grão de mostarda
e a do fermento. Os discípulos ouviram a do tesouro escondido e a da pérola,
a da ovelha perdida, a do credor incompassivo e a dos trabalhadores na
vinha. Além dessas, foram contadas aos discípulos, em particular, as pará
bolas escatológicas das dez virgens, dos talentos e a do julgamento final. Os
principais sacerdotes e os anciãos do povo eram os adversários de Jesus. Eles
ouviram as parábolas dos dois filhos, dos lavradores maus e do banquete
nupcial, que se aplicavam a eles.
Lucas revela que Jesus, freqüentemente, enfrentava seus oponentes,
contando-lhes parábolas, até mesmo em suas próprias casas. Em pelo menos
cinco ocasiões diferentes, Jesus ensinou os fariseus, mestres da lei. Na
primeira vez, convidado para jantar na casa de Simão, o fariseu, ele contou
a parábola sobre os dois devedores. Em outra ocasião, durante um jantar
semelhante, um fariseu proeminente e seus hóspedes ouviram a parábola de
Jesus sobre o principal lugar à mesa, e sobre a grande ceia. Na terceira vez,
um doutor da lei pediu a Jesus que lhe explicasse o significado da palavra
próximo e ouviu como explicação a história do bom samaritano. Em uma
quarta ocasião, quando os fariseus e doutores da lei murmuravam contra
Jesus porque entrava na casa dos “pecadores” e comia com eles, foram
convidados a olhar no espelho das parábolas da ovelha perdida, da moeda
perdida e do filho pródigo, para verem, na perspectiva real, seu relaciona
mento espiritual com os marginalizados. Uma vez mais, quando Jesus disse
aos fariseus: “Não podeis servir a Deus e às riquezas”, zombaram de Jesus
porque amavam o dinheiro, e, então, Jesus contou-lhes a parábola do rico e
Lázaro.
As multidões, escreve Lucas, se encantavam com as maravilhas que
Jesus operava, embora todos os seus adversários se envergonhassem (Lc
13.17). As multidões ouviram as parábolas dos dois construtores, do semea
19. Linnemann, Parables, p. 35, apesar de todas as evidências, afirma: “Podem ser encontradas
apenas algumas poucas parábolas que Jesus dirigiu explicitamente aos discípulos. A maior
parte foi contada a seus oponentes, a homens que se ofendiam com seu comportamento, ou
se indignavam com o que ele dizia.”
dor, do rico tolo, do grão de mostarda, do fermento, do construtor da torre
e do rei guerreiro e a das minas. Os discípulos eram instruídos em particular,
através de parábolas, tais como a do amigo que veio à meia-noite, a do juiz
iníquo, a do servo vigilante, a do ladrão, a do servo fiel e prudente a quem o
senhor investiu de autoridade, a do administrador infiel e a do fazendeiro e
seu servo.
Três das parábolas de Marcos foram ouvidas pelas multidões: a do
semeador, a da semente germinando secretamente e a do grão de mostarda.
Duas foram contadas, em particular, para os discípulos: a da figueira e a do
servo vigilante. Por fim, a dos lavradores maus foi dirigida aos principais
sacerdotes, doutores da lei e anciãos.
As parábolas que têm paralelos geralmente têm os mesmos ouvintes,
embora um evangelista possa ser mais específico que outro. Assim, Mateus
conta que a parábola do grão de mostarda e a do fermento foram apresen
tadas às multidões (Mt 13.34); Lucas indica que o povo se achava na
sinagoga, o que inclui muitos dos adversários de Jesus (Lc 13.10,17). A
parábola da ovelha perdida foi dirigida aos oponentes de Jesus (Lc 15.1), de
acordo com Lucas, e a seus discípulos (Mt 18.1), de acordo com Mateus.
Não é de todo impossível que Jesus tenha contado a parábola duas vezes,
para ouvintes diferentes.20 De fato, isso foi o que aconteceu quando Jesus
contou à multidão a parábola das minas, ao se aproximar de Jerusalém, para
sua última Páscoa. Alguns dias mais tarde, ele usou o mesmo motivo para
contar a seus discípulos a parábola dos talentos.
A maior parte das parábolas de Mateus tem um apelo indireto. Comu-
mente são apresentadas com a sentença: “O reino dos céus é semelhante...”
O reino é comparado a um semeador, à semente, a um tesouro, a um
mercador, à rede, a um rei ou dono de terras. Outras parábolas são muito
mais diretas, exigindo uma resposta pessoal. Jesus, por exemplo, aplica a
parábola sobre os dois fundamentos a “todo aquele, pois, que ouve estas
minhas palavras e as pratica”. A mensagem é — ouvir e, em resposta, agir,
Na parábola de Mateus sobre o credor incompassivo, é feito um apelo
individual: “Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não
perdoardes cada um a seu irmão” (Mt 18.35). O mesmo apelo direto se
expressa nas parábolas dos dois filhos, da figueira, do ladrão, do servo fiel e
prudente e das dez virgens. Nessas parábolas, a resposta induzida aparece
em forma de um chamado à prontidão constante, e de uma exortação à
20. Jeremias, Parables, p. 41, admite a possibilidade de Jesus ter repetido suas parábolas a mais
de uma assistência. Ao mesmo tempo, insinua que Mateus e Lucas se contradizem quando
apresentam as palavras de Jesus como dirigidas a uma multidão, em um exemplo, e aos
discípulos em outro. Esse juízo parece um tanto sem propósito à luz do ensinamento oral
repetitivo usado por Jesus.
vigilância e ao arrependimento. A parábola dos lavradores maus provoca
imediata resposta negativa dos principais sacerdotes e fariseus; eles procu
ravam prender Jesus.
As parábolas de Lucas, muito mais que as de Mateus, convidam a uma
resposta: a Simão, o fariseu, é feita uma pergunta sobre a parábola dos dois
devedores; ao mestre da lei, após ter ouvido a parábola do bom samaritano,
é dito: “Vai, e procede tu de igual modo.” Inúmeras parábolas são contadas
no contexto de situações que pedem respostas. São as do rico tolo, que Jesus
contou quando lhe foi pedido que dividisse uma herança; a da figueira estéril
que resultou de uma discussão a respeito do pecado dos galileus cujo sangue
Pilatos misturara com os sacrifícios que eles mesmos realizavam; as parábo
las sobre os lugares de honra à mesa, e a grande ceia, que vieram em resposta
ao convite que Jesus recebera para jantar; as da ovelha, da dracma e do filho
perdido, que eram uma resposta aos fariseus e doutores da lei que desapro
vavam o fato de Jesus comer com os marginalizados; e a das minas, dirigida
ao povo que pensava que o reino de Deus estava prestes a vir. Quando
ensinou sobre o administrador infiel, Jesus fez um apelo a seus discípulos
para que não ajuntassem tesouros materiais. Também, instou com eles para
que vissem o resultado da adoração ao dinheiro, na parábola do rico é
Lázaro. Na do juiz iníquo o apelo se refere à perseverança na oração; na do
fariseu e o publicano, à humildade diante de Deus. Em muitas parábolas de
Lucas, a mensagem básica é o arrependimento dos pecados. Isso acontece
nas da figueira estéril, da grande ceia e na tríade dos perdidos: ovelha, a
moeda e o filho pródigo.
Às vezes, as parábolas de Lucas envolvem os ouvintes através da
introdução “qual de vós”. Desse modo, os ouvintes são parte direta da
parábola e cada um é compelido a responder. A do amigo que vem à
meia-noite começa com a pergunta: “Qual dentre vós, tendo um amigo...”
As do construtor da torre e do rei guerreiro, da ovelha e da moeda perdidas
e a do fazendeiro e seu servo têm introduções semelhantes. Quer a assistên
cia consista de amigos ou adversários, a parábola que começa com uma
cláusula introdutória induz a uma resposta. Mateus usa a pergunta insinuan-
te: “Que vos parece?” como modo de apresentar as parábolas da ovelha
perdida e a dos dois filhos.
Representação
Em seu evangelho, Mateus apresenta Jesus a seus leitores, como o
Cristo, o Filho de Deus. Não é, portanto, de todo surpreendente que, em sua
seleção de parábolas, Mateus tenha coletado muitas, nas quais a repre
sentação de Jesus fique evidente. Assim, na aplicação da parábola das
crianças brincando na praça, é o Filho do homem que vem, comendo e
bebendo, e que é chamado de glutão, beberrão e amigo de publicanos e
“pecadores”. Quando explica a parábola do trigo e do joio, Jesus se identifica
como o dono de terras. “O que semeia a boa semente é o Filho do homem”
(Mt 13.37). Na dos lavradores maus, o filho do dono de terras é enviado aos
arrendatários e é morto por eles. O banquete das bodas acontece porque o
filho do rei está se casando. A parábola das ovelhas e dos bodes é apresen
tada pela descrição do Filho do homem vindo em sua glória, acompanhado
de seus anjos, julgando as nações e separando o povo.
Naquelas assim chamadas parábolas escatológicas, as referências a
Jesus são implícitas e explícitas. O porteiro tem que vigiar porque o dono da
casa pode voltar, à qualquer hora, durante a noite. A do ladrão é mais direta
em sua aplicação: “Por isso ficai também vós apercebidos; porque, à hora
em que não cuidais, o Filho do homem virá” (Mt 24.44). As parábolas das
dez virgens, dos talentos e das minas se referem à volta iminente de Jesus.
Deus é apresentado como Pai em várias das parábolas de Mateus. O
rei, na do credor incompassivo, é a personificação de Deus, o Pai. “Assim
também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada um a
seu irmão”, diz Jesus em sua aplicação (Mt 18.35). Na parábola dos dois
filhos, um obedece e o outro desobedece o pai. A implicação é que os
publicanos e as prostitutas, obedecendo a vontade de Deus, o Pai, entram
em seu reino. Ambas as parábolas, a dos lavradores maus e a das bodas,
retratam o pai enviando seu filho e o pai preparando um banquete para o
filho.
Embora a figura do pai seja apresentada por Lucas apenas na parábola
do filho pródigo, o terceiro evangelista apresenta algumas parábolas nas
quais Deus é diretamente mencionado. Assim, a vida do rico tolo é exigida
por Deus. O nome de Deus é citado várias vezes na do juiz iníquo. E o fariseu
e o publicano se dirigem a Deus, em oração.
É característico do Evangelho de Mateus representar Jesus em muitas
das parábolas — o que não acontece em Lucas. Do mesmo modo, é Mateus
quem destaca o papel de Deus Pai em várias de suas parábolas. Lucas, ao
contrário, enfatiza os relacionamentos entre pessoas, como os exemplifica
dos nas parábolas do bom samaritano, do amigo à meia-noite, do filho
pródigo e do rico e Lázaro.
Todos os escritores apresentam as parábolas de Jesus, mas cada um
emprega seu próprio talento, modo de ver e habilidade ao fazê-lo. No
entanto, a autoria das parábolas é de Jesus. Ele as criou, ele fala através delas,
e nelas se torna conhecido dos homens. Assim, as parábolas, ainda que
chegando até nós na forma apresentada pelos evangelistas, nos dão a certeza
de que, na verdade, ouvimos a voz de Jesus.
Bibliografia
Selecionada
Comentários
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Hodder and Stoughton, George H. Doran Co., 1915.
Strack, H. L., and Billerbeck, P. Kommentar zum Neuen Testament aus
Talmud und Midrasch, 5 vols. München: Beck, 1922-28.
As Parábolas de Jesus
é o primeiro livro do gênero, bem como o primeiro
do Autor-Simon Kistemaker-, que esta Editora
produz e oferece ao público evangélico brasileiro -
extensivamente ao leitor de língua portuguesa de
outros países. Aliás, até onde vão os nossos dados
informativos, este Autor ainda não é lido via língua
portuguesa, não obstante ser amplamente
conhecido e respeitado como lídimo teólogo e
expositor do Novo Testamento,
já em muitas línguas. Além de outras obras de sua
autoria particular, o Autor também forma
parceria com William Hendriksen na série
Comentário do Novo Testamento,
que ora é publicado por esta Editora.
De sua Autoria é
Hebreus, Pedro e Judas,
Tiago e Epístolas de João e Atos dos Apóstolos
(este último já se acha em preparação,
em dois volumes, e em breve virá a lume).