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O problema e os jovens

A escalada de desequilíbrio mental, emocional e psicológico nos jovens é visível, pela


sociedade em geral e pelos números. Não só nas gerações jovens, mas transversal a todas as
idades. Sobe o número de internamentos, acompanhamentos, e de atos de colocar fim à vida.
Aquando do início da pandemia perguntavam-me, em entrevista, se considerava que os jovens
ficariam afetados e se tenderiam a ter mais problemas do foro mental. Na altura, ainda na
ilusão de que seriam “apenas “ três meses de isolamento social, respondi o que responderia
agora, passados três anos: os jovens, como os adultos, tenderão a manifestar os
desajustamentos que já possam existir neles, e nas famílias deles.

Muitas das vezes, porque pode não ser sempre, quando um jovem vem à consulta,
apresentando sintomas de desajustamento psicológico, tais como ansiedade, depressão,
ideação suicida, etc, na verdade ele manifesta “para fora” algo que possa estar a acontecer na
vida familiar ou em relação à dinâmica familiar, ou a um dos intervenientes próximos. A
“doença” fala-nos daquilo que não é falado, não é dito, nestes casos.

Aquilo que não é conversado ou não dito, como conflitos não resolvidos, dificuldades de
comunicação na família, preocupações com o dinheiro ou outras, insatisfação com a vida,
depressões, permanece como falsa paz, todos vêm mas não se resolve. Os filhos destas
famílias, pela sua sensibilidade, e impossibilidade de manifestar o que sentem (até porque não
será consciente) acabam por adoecer psicologicamente. O que sentem no seu coração é que
“está tudo errado” nas suas vidas, mais do que seria expectável na fase da adolescência.

A par deste sentimento, é fácil o enamoramento com os vícios, nomeadamente dos jogos e das
tecnologias. Tal como outro vicio, a mente apenas procura aquela informação: a do consumo.
Neste caso, permite criar conexões, fantasias, dinâmicas. O cérebro está ativado. Sem pensar
em mais nada. Entra em dimensões fantásticas, desafio atrás de desafio, interminável. Para
quem não acha muita graça à vida, naturalmente viver num jogo é muito mais aliciante. Mas
não é. Porque o prazer é efémero. Tal como num vicio, deixa de haver prazer a determinado
momento e passa apenas a haver vazio mascarado de que se está a fazer alguma coisa. O vazio
permanece, e vai para a escola, para os grupos de amigos, para todo o lado. Uma companhia
traiçoeira para aquele jovem, cheio de potencial e talentos.

Enquanto isso, há toda uma sociedade a viver como num jogo … apressada, intensa em
desafios, em fazer, fazer muitas coisas. Rara é a pessoa que hoje vive, o presente. Vivemos
numa era primordial em tecnologias, que poderiam ser usadas para facilitar ter mais tempo,
mas fizemos o oposto, aproveitamos as tecnologias para nos ocuparmos ainda mais. O tempo
é o uso emocional que se faz dele. Quanto tempo se usa para verdadeiramente conversar,
olhar. Observar ? E o problema está nos jovens? Não. Os jovens estão a sofrer um problema,
gerado pela sociedade que os criou. Que os educa. Que os alimenta.

Um dia, ao perguntar a uma mãe “como tem estado?” os olhos abriram-se-lhe, rasgou-se um
silêncio, e numa frase entre cortada sai algo como “não estava à espera dessa pergunta. Achei
que vinha só falar (queixas, leia-se) da minha filha”. Sinto realmente compaixão. Talvez porque
aquela mãe (como tantas mães) esteja tão focada nos problemas que a filha jovem apresenta
que não consegue ver o bem, o todo. Talvez porque há muito tempo, ou nunca, alguém tenha
feito aquela questão.

Pois bem, não tenho as soluções mágicas, para ninguém, mas se puder dar um conselho direi:
amanhã, e a cada dia, olhe no espelho e questione-se – como estás?- não tenha medo da
resposta, porque ela fará parte da solução. O pior são sempre os olhos que não querem ver.
Outra coisa, não espere que sejam os outros a questionar-lhe, porque os outros são os que
também não estão acostumados a ver.

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