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AS FACES DO DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO DE JOVENS NA

ABORDAGEM JUNGUIANA CONTEMPORÂNEA FRENTE À TECNOLOGIA

Jung faleceu em 1961 e não pôde vivenciar o impacto da tecnologia nas


vidas humanas. Em 1957, ele cita: “Vivemos em um único mundo e as distâncias
não são mais medidas, como outrora, por semanas e meses, e sim por poucas
horas”. Apropriando-se da fala dele, é possível introduzir um fator relevante: a
conexão in real time.
O que Jung diria sobre as redes sociais, sobre o fato de como é utilizada
pelos jovens e quais consequências no desenvolvimento da personalidade?
Pode-se vislumbrar o que pensaria a respeito, quando menciona que

a transformação espiritual da humanidade ocorre de maneira


vagarosa e imperceptível […], e não é acelerada ou retardada
por nenhum tipo de processo racional de reflexão, e muito
menos efetivada numa mesma geração (JUNG, 2013, p. 65).

Esta menção condiz também com a geração pós-internet. A psique


permanece igual na essência e conceito, mas a maneira como é expressada, o
carimbo desta geração no mundo passa por transformações psíquicas. No corpo
ocorrem impactos da ordem fisiológica, genética, química, neurológica e todo
esse circuito é afetado pelos valores modernos. Esses processos biológicos
interferem no mecanismo da psique, seja como um exemplo mais concreto a
relação no eixo ego Self , aonde o ego não está funcionando para o Self e sim
mais colado, identificado numa persona, bastante disseminado nas redes
sociais.
O processamento cerebral sofre alterações com a avalanche de
informações disponíveis, acelerando uma urgência reativa e responsiva e muito
provavelmente desacelerando a capacidade e a agilidade de reflexão. Será
então que a psique com estas influências, segundo os conceitos clássicos
junguianos, será capaz de reter, identificar, processar e dialogar, com as várias
vozes que pipocam nas mentes, para que tenha tempo para analisar e assentar
as ideias, como nas quatro fases do processo alquímico. No processo de
individuação é fundamental passar peles contínuos ciclos experienciais de
“nigredo”, “albedo”, “citrinina” e “rubedo”.

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Para que o ego escute o chamado da alma, que as vontades do Self
possam se mostrar à luz da consciência, precisa aceitar o processo alquímico
para poder viver as fases, para que haja uma transformação, que em seguida
virá novamente, num processo contínuo e necessário para a própria renovação
da energia psíquica.
Ao invés de apenas colar numa imagem e aflorar conteúdos dos
complexos; essa unilateralidade constante vai esmorecendo a energia psíquica
e torna a vida cheia de sombras e expectativas fantasiosas, que se tornam reais
para o jovem por se tratar de sua verdade, algo que ele acredita. O ego realmente
acredita naquilo que vê projetado fora dele.
Com o advento do smartphone, a acessibilidade digital aumentou
exponencialmente, mas o bom uso dele é inversamente proporcional, devido ao
excesso de utilização. Segundo pesquisas das Universidades de Stanford nos
Estados Unidos, há evidências de que existe correlação entre o uso das redes
sociais e a sensação de bem-estar, bem como a desconexão com a vida real por
meio do uso cada vez mais assíduo dessas mídias, que são locais propícios para
reverberar novos valores, como minimização dos sofrimentos e maximização da
felicidade.
Segundo o próprio Jung, não podemos estabelecer uma análise do ser
humano sem levar em consideração seu ambiente cultural e social, apenas
deduzir a partir de depoimentos. Nesse contexto, na medida em que as mídias
sociais estão aproximando o acesso às culturas e provocando interferência no
desenvolvimento da personalidade, o debate neste terceiro capítulo será no
sentido de perscrutar e ponderar sobre possíveis desdobramentos
comportamentais expressados na atualidade cotidiana dos jovens. Em segundo,
levantar qual o grau de interferência na dinâmica familiar e como as relações
familiares são conduzidas, o que também corrobora para transformação da
personalidade e a consciência transcender, num mundo onde ninguém mais fica
muito tempo off-line.
As famílias brasileiras na década de 90 foram mapeadas e percebeu-se
que um dos fatores da dinâmica familiar na fase com filhos adolescentes, o
diálogo, se tornou um fator preponderante nas relações entre pais e filhos. A
pesquisa aponta dados até 2004, podemos então praticamente afirmar que
existe diálogo entre pais e filhos, que esse diálogo é sobre as emoções e não

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como antigamente sobre deveres, obrigações, punições, responsabilidades,
esclarecimentos o que impacta a maneira como se relacionam e se comportam
em sociedade.
Lembrando que esses pais vivem nesta mesma cultura, aonde as
exigências modernas de ser bem-sucedido no trabalho principalmente e no amor
são muitas (o que quer que seja o entendimento de ser bem-sucedido) e também
real time se adaptando às atualizações de aplicativos, memes, influencers,
jogos, hashtag.
Se hoje em dia a mudança externa dos acontecimentos é a única certeza
constante, o mesmo não reverbera em tamanha velocidade na esfera emocional
consciente do indivíduo e do jovem principalmente por estar na fase de formar
seu repertório de conhecimento, não só acadêmico, mas operacional da vida.
Uma condição psíquica inebriada parece ser o estado em que o jovem se acha
algumas vezes, como que parcialmente fundido com as leituras virtuais que
empurram para reforçar suas escolhas de acordo com opinião de sua persona.
Como esta geração está na fase adolescente, que se estende até os 24
anos, é comum uma tendência dos pais adolescerem junto, segundo pesquisa
de Cerveny. Os pais revivem a adolescência; experimentada seja no seu rigor
ou exagero, glórias e infortúnios; geralmente estão acima dos 40 anos,
preocupam-se com o aspecto físico e a hierarquia na família fica
temporariamente dissolvida entre pais e filhos.
As fantasias, vividas e não vividas, dos pais se fundem com a realidade que
os filhos estão conhecendo. Esses mesmos pais tinham três obrigações bem
definidas: estudar, trabalhar e a realização afetiva através do casamento.
A autoridade dos pais passa a ser dividida com os filhos, resta saber até
que ponto o aprofundamento desses diálogos se constituíram, com qual
relevância de valores voltados não somente para o individualismo bem-sucedido
são conversados.
O aumento do diálogo entre pais e filhos e com uma valorização da opinião
dos filhos, proporciona o aparecimento de ingredientes importantes como
sucesso, felicidade, bem-estar, verdade, diversidade. Qualidade de vida são os
valores modernos almejados pela família. O prato principal na mesa de
discussão da família tem ainda um tempero adicional, as mídias sociais.
Discussões excitadas no WhatsApp, felicidade no Instagram, hashtag e posts

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polêmicos são acompanhados viciosamente o que potencializa a ansiedade,
depressão, para citar os distúrbios mentais mais falados atualmente e que
afetam o comportamento, a expressividade do comportamento do jovem. Talvez
uma nova forma da sombra se expressar, romper, já que com o diálogo vigoroso
com os pais, as discussões, proibições, castigos são mais amenos, uma ruptura
é postergada. Para quê sair do ninho se tenho tudo às maõs. A passagem para
a fase adulta em que os filhos estudam e trabalham, mas moram ainda com os
pais, mas não ajudam a passear com o cachorro, tirar o lixo, regar as plantas,
lavar a roupa, mas trazem o namorado(a) para dormir em casa e conversam
sobre aquecimento global, emprego, política, bebidas e drogas, pandemias,
economia.
Portanto, toda essa mistura contribui para ampliar as fantasias da vida
adolescente dos pais e acabam se entrelaçando com a fase adolescente dos
filhos que ganham um poder maior do que eles supostamente estão preparados
para receber. Seja também por terem que começar a praticar a boa educação
que tiveram, os valores que foram ensinados sendo postos à prova.
Portanto, os papéis já não são tão bem definidos como fora antes, mas a
busca do ideal da família continua a ser amor e sucesso financeiro (dinheiro). A
função biológica estruturante da instituição familiar é garantir a proteção e o
cuidado das novas gerações e sua função social de padrões e normas de cultura,
segundo a pesquisa de Cerveny. Muitos jovens da iGen pretendem se casar,
mas não sabem como vão se sustentar, mas eles vieram para imprimir sua
marca, apenas não se sabe qual será e porquê tem que ter uma marca, não ter
uma marca também pode ser uma das características disruptivas desta geração.
A ilusão de que a vida pode ser editada, partes deletadas ou fases
bloqueadas, só funcionam nas mídias sociais e não para a psique. Os danos
psíquicos de um não enfrentamento da realidade, de entrar em contato com a
perda, o sujo, o sofrimento, o erro produz uma geração fragilizada para suportar
os obstáculos e pandemias. O aumento da produção de realidades fantasiosas
pela psique é uma realidade e talvez possa ser uma forma de proteção de tudo
o que o mundo produz, enquanto o ego não estiver minimamente fortalecido.
Como o processamento das emoções se configura na consciência, que
tipo de desenvolvimento emocional consciente está se formando nos jovens?
Não é fácil para esta geração distinguir e fazer, talvez na maioria das vezes, as

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melhores escolhas, pois, apesar de ter todo tipo de pesquisa disponível estar na
ponta dos dedos, a premissa é a busca de satisfação, o novo imperativo
categórico em que o mais importante é não ter aborrecimentos, com o ideal do
séc. XXVI do seja você mesmo, o importante é sua felicidade, em detrimento da
perseverança nas escolhas, nos questionamentos, desconstruções que
produzem dor, fazer o que não se está com vontade virou sinônimo de
infelicidade, afronta à pessoa, a frustração posta de lado como má, selvagem. O
custo é doloroso e o esforço repetitivo do pensar, sentir, agir, seguir, refletir e
por isso muitas vezes é posto de lado, reprimido, suprimido para que as broncas,
bebedeiras, bagunças percam peso, pois o importante é seja você mesmo para
aprazer e confortar o ego e que tudo vai dar certo no final, mas esquecem de
dizer que o hábito de se esforçar é primordial para tudo na vida.
A verdade, seja ela qual for, agora é negociada porque os papeis não são
mais rigidamente definidos. Dialogar é então um componente essencial na
estrutura familiar. Na estrutura da sociedade é falsamente utilizado e
erroneamente interpretado, vide as ilhas de opiniões com milhões que
compartilham ideias iguais, que se formam nas mídias sociais. Será então que a
diminuição de experiências associativas, por não se tornarem memórias,
lembranças vai somente retardar o desenvolvimento da consciência e deixá-los
despreparados para a vida adulta, mas que em determinado momento esses
jovens irão aflorar para algo mais do que eles mesmos e mesmo na ausência de
lembranças ricamente vivenciadas pelas gerações anteriores nesta fase da vida,
saberão como compor seu repertório e que os conduzam para assumir as
responsabilidades, direitos, deveres e obrigações e a coragem de não seguir a
massa, produzidas pelo modo de vida contemporâneo.
O ego se relaciona com o exterior e vai se firmando sem ter uma base
sólida, porque como não vivencia mais estórias e brincadeiras e sim assisti e
compartilha estórias e brincadeiras. Ou seja, o ego que acessa as memórias
para estruturar as informações para a consciência, mas fica a saber como serão
as memórias formadas virtualmente. Mesmo porque já é constatado que
utilização exacerbada das mídias sociais causa dependência comportamental,
isolamento social e distanciamento da realidade, e por conta destes fatores,
compromete o processamento psíquico e afeta a maneira como o jovem interage
com o mundo segundo pesquisa de Kuss. Porque muito conteúdo que chega à

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consciência, se não elaborado, é descartado, sendo suprimido e represado no
inconsciente, formando a sombra e retardando o amadurecimento.
Como não existe mais uma realidade concreta somente, os jovens vivem
o digital como realidade, porque para eles o virtual está abarcado nesta nova
realidade de vida; então, sem perceberem, criam falsas indagações a respeito
deles próprios e da sua capacidade de discernimento das emoções.

By Mary Jane Shalders


Psicoterapeuta Junguiana. Formada em Administração de Empresas na PUC/SP

(1998). Curso de extensão em Marketing Promocional pela ESPM (2005). Curso

de Gestão Estratégica pela FIA (2004). Mestre em Ciência da Religião pela PUC/SP

(2017) tese sobre Inteligência Espiritual, a relação entre lucro e espiritualidade no

ambiente corporativo. Pós-graduação lato sensu em Psicologia Junguiana no IJEP

(2019). Participa atualmente de grupo de pesquisa sobre comportamento

pós pandemia no ambiente corporativo no LABÔ/PUC. Em preparação para o

doutorado em Psicologia Clínica na PUC/SP.

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