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A saúde mental dos

adolescentes está em crise

Por Carolina Delboni
10/04/2023 | 07h50

A saúde mental dos adolescentes está em crise e ela só vai sair


deste buraco se afeto, gentileza e escuta forem as principais vias
na construção da relação entre eles e os adultos
Corre ao cinema ou às plataformas de streaming para assistir ao
filme O Filho. Uma história inspirada em muitas histórias reais e
que termina com uma dedicatória: "a Gabriel". Gabriel era um
menino com depressão crônica, filho de pais separados, que
abandonou a convivência em sociedade porque era dolorido
demais viver.
Isso: dor da vida. Para alguns, viver é mais dolorido que morrer.
Num determinado ponto do filme, Nicholas, como é chamado o
personagem que vive o adolescente, é internado no hospital e os
médicos psiquiatras insistem aos pais para mantê-lo ali, pois ele
precisa de tratamento psiquiátrico e químico.
Eu não vou contar como o filme se desenrola, obviamente, mas
sugiro que assistam e prestem atenção aos inúmeros diálogos
que o pai tem com o filho. À escuta, à disposição em estar
presente, ao carinho, ao afeto, à segurança do abraço.
Independente do desenrolar da história, se faz presente uma
relação respeitosa e amorosa entre pai e filho num momento em
que este menino adolescente deprime de tanta dor em viver. Mas
onde eu quero chegar? Continua comigo.
Ir mal em uma prova, não ser aceito num grupo de colegas, se
achar feio em uma determinada roupa ou achar que não passará
em uma boa faculdade são situações que, em um primeiro
momento, parecem comuns na vida de um adolescente.
Os exemplos corriqueiros que citei acima apareceram em relatos
colhidos em Fairfax, nos Estados Unidos, em 2014, e foram
contados no The Washington Post pela colunista Petula Dvorak
recentemente. Apesar da aparente distância espacial e temporal
com nossa realidade, as situações descritas apontam para uma
atualidade em que adolescentes ainda enfrentam barreiras e falta
de apoio para dar conta dos problemas de saúde mental. Falta
suporte. Falta apoio. Falta escuta.
Em certos contextos - como o que vivemos atualmente e muito
bem definiu o doutor em História Social, Dante Gallian quando
diz que existe uma epidemia de transtornos mentais na
sociedade e precisamos entender qual a vacina para isso - elas
podem ganhar contornos assustadores.
No Brasil, um dos estudos mais usados para tratar desse assunto
é a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), feita pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A sua
edição mais recente é de 2019 e mostra que cerca de um terço
dos estudantes de 13 a 17 anos sentiam-se tristes na maioria das
vezes ou sempre. E 21,4% sentiam que a vida não valia a pena
ser vivida.

Em 2019, 21% dos adolescentes entrevistado na pesquisa PenSe disseram que a vida
não valia ser vivida  
Veja: "a vida não valia a pena ser vivida". Como pode este
pensamento sair da cabeça de jovens num dos exatos momentos
em que a vida mais pulsa? O que leva adolescentes, aqueles que
a gente julga ser "o futuro", a desistir da vida? A perder o brilho
nos olhos. Não é possível que este fato não te incomode.
O estudo contempla dados de 2019. Estamos falando de antes
da pandemia e é inegável que após dois anos de isolamento
social tivemos pioras significativas no brilho dos olhos de nossos
jovens e eu te pergunto: como permitimos que a luz se apague
justamente numa das fases mais explosivas e empolgantes da
vida? Como?
A pandemia do coronavírus levou esse grupo a novos casos de
ansiedade e depressão, segundo apontou uma pesquisa da
Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o que só agravou a
fase já conturbada da vida que é a adolescência.
"A gente vem observando um aumento de manifestações de
sofrimento. Há muita decepção e uma sensação de desespero
junto disso", aponta Leila Salomão, professora do Instituto de
Psicologia da USP.
Na busca por alternativas a esse cenário, faz-se necessária a
importância de uma rede de apoio aos adolescentes. Dos pais
aos amigos, educadores e colegas, vários são os pares que
podem ficar atentos à saúde mental desse grupo.
Mas aqui vai um alerta: os pais nem sempre são os mais
preparados e procurados pelos filhos e muito disso está
diretamente relacionado a um descompasso que existe entre os
adultos e os adolescentes. E sabe por quê?

Porque o adulto tende a desvalorizar a dor do adolescente.


Tende a minimizar o sofrimento do adolescente. Tende a
menosprezar o sentimento que vive dentro do adolescente.
Eu já trouxe esse assunto aqui e talvez ele seja dos mais
urgentes na atualidade. É preciso aprender a escutar a dor do
outro com mais empatia e gentileza. É preciso descer do salto
da autoridade parental para se relacionar com o filho
adolescente de maneira mais próxima e humana.
"O adulto precisa estar presente e compreender. O entorno
precisa estar preparado para estabelecer um diálogo e
compreensão sem muita invasão. Os filhos precisam sentir que
podem contar com os pais", recomenda Leila Salomão.
Veja: "os filhos precisam sentir que podem contar com os pais".
Seu filho conta com você? Seu filho te conta o que passa dentro
da cabecinha dele? Ele fala das angústias, dos medos e receios?
Eu sei que você vai me dizer que adolescentes não falam, são
monossilábicos, e eu vou discordar. Eles podem falar pouco ou
menos do que os adultos gostariam, mas eles falam. E mais
ainda, eles escutam. Capacidade essa quase em extinção na
vida humana dos seres crescidos.
Nós, adultos, perdemos nossa capacidade de escutar o outro. A
gente ouve com o sentido, mas não escuta com o sentimento. E
dessa forma, a relação de confiança entre pais e filhos tão
recomendada é comprometida quando os primeiros não têm
plena noção do que está se passando com os segundos -
inclusive fisicamente.
Isso porque a fase da adolescência traz por si só um sofrimento
natural explicado por diversos fatores, entre eles as alterações
hormonais e também pelo fato de a região do cérebro que "regula
as emoções" ainda não estar completamente desenvolvida, o que
pode acontecer até os 25 anos de idade.
Além disso, é o momento que o adolescente se depara com mais
emoções sem ter experiência de vida suficiente para lidar com
elas. Mas nem sempre os adultos têm noção de tudo isso. "De
vez em quando ele vai falhar, é natural dentro desse processo,
mas a gente tem pouca paciência com eles. Eles se sentem
injustiçados e isso separa mais as gerações", diz a professora
Sabine Pompéia, do departamento de Psicobiologia da Unifesp.
Lembra da caixinha de experiências que eu falei alguns textos
atrás? É dela que estamos falando aqui. E o segredo desta
relação está no equilíbrio entre a compreensão e a cobrança para
que a gente possa empoderar o adolescente estimulando que ele
gerencie suas próprias emoções.
"O ponto é: aceitar que ele seja assim, mas tentar corrigir. Tem
que pegar no pé, mas estar aberto para acolher quando dá
errado. Se não tem esse diálogo com os adultos, o adolescente
se isola muito e ele fica em um risco muito maior [de se expor à
depressão]", completa Sabine.
Nesse caminho, os pais podem cair na armadilha do "você está
exagerando" quando o filho está lutando contra problemas de
saúde mental. Mas como fazer diferente? Como conseguir ajudar
o adolescente a fortalecer seu controle emocional nessa fase
tão complicada da vida?
"Parte de como podemos ajudar os mais jovens é normalizando o
estresse", indicou a psicóloga Lisa Damour em entrevista ao The
Washington Post. Ela também lembra da importância de se
mostrar aberto e caloroso mesmo nos momentos mais simples -
aqueles que muitas vezes parece "banal" - da vida do
adolescente.
Ou seja, não ser um pai ou mãe "limpador de para-brisa". O que
estou querendo dizer? Em uma forte chuva, o limpador de para-
brisa vai freneticamente de um lado para o outro para manter a
visão do motorista mais clara possível, certo? Na relação entre
pais e filhos, as coisas não devem funcionar exatamente assim.
Quando o adolescente se atrapalha na entrega de uma tarefa,
por exemplo, ou se depara com algum outro problema, nem
sempre é papel dos pais tomar as rédeas e resolver a situação
sozinhos. Adolescentes devem ser estimulados a tirar proveito
das experiências de erro. Nesses casos, funciona mais os pais se
mostrarem abertos a escutar e reduzir a intensidade de
pensamentos negativos do que sair secando chuva.
Também é preciso dar esperanças - no plural mesmo. O estresse
acentuado pelo qual um adolescente passa é natural. Mas,
quando ele passa do ponto - dando sinais comportamentais como
apatia ou muita agitação - e chega a níveis de depressão e
ansiedade, é importante que o adolescente saiba que aquilo não
é permanente e que os sintomas de uma depressão não vão
defini-lo.
Pergunte sobre pensamentos de automutilação. Nos últimos
anos, a prática tem chamado atenção de pais e especialistas. No
filme, O filho, o pai do adolescente Nicholas enlouquece quando
vê que o menino continua a se cortar. Ele não entende o que
pode estar acontecendo e pergunta insistentemente ao filho por
quê ele faz aquilo.
Nicholas diz que é para tirar a dor que carrega dentro do peito. É
para desfocar do sentimento que ele não consegue suportar e
para isso, ele precisa produzir alguma outra dor. E é esta a
resposta em 99% dos casos de mutilação de adolescentes.
O que fazer? A recomendação é ouvir, escutar e deixar claro que
o adolescente tem apoio. A gente precisa começar a dar apoio
aos adolescentes. A gente precisa começar a cuidar dos
machucados que eles fazem.
Por que é que a gente corre e acode uma criança quando ela cai
e não faz o mesmo com o adolescente? Adolescentes se
machucam e também precisam de carinho, de band-aid dentro do
peito. E como é que a gente faz isso? Mostrando que se importa.
O psiquiatra americano Jerome Motto percebeu que quando
médicos enviavam mensagens de check-in atenciosos a seus
pacientes, eles sentiam-se mais valorizados e, o que poderia ser
um ato pequeno ou até burocrático, passou a ser uma ferramenta
importante capaz de reduzir significativamente o risco de
suicídio de uma pessoa - isto inclui um adolescente.
Onde estou querendo chegar? Ao início deste texto: em 2019,
21% dos nossos adolescentes disseram que a vida não valia a
pena. Vivemos um colapso, uma crise de saúde mental na
adolescência e as melhores ferramentas ainda são a escuta, o
afeto e gentileza para com o outro.
A gente vive a negligência absoluta à saúde mental desta
geração e ela já nos deu sinais de que não dá conta de tamanha
dor, de tamanha violência. Adolescentes também precisam ser
cuidados. E tenho certeza que somos capazes.

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