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C122
Livro em PDF
ISBN 978-65-5939-825-6
DOI 10.31560/pimentacultural/2023.98256
CDD: 370
PIMENTA CULTURAL
São Paulo • SP
+55 (11) 96766 2200
livro@pimentacultural.com
www.pimentacultural.com 2 0 2 3
CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO
Doutores e Doutoras
CAPÍTULO 1
Leonardo Albuquerque Heidemann
Rodrigo Weber Pereira
Eliane Angela Veit
Nem provas, nem descobertas:
que podemos produzir no laboratório didático de Física?.........................................15
CAPÍTULO 2
Estevão Antunes Jr.
Claudio J. H. Cavalcanti
Fernanda Ostermann
A BNCC e os PCN no Ensino
Fundamental II em interação dialógica:
uma análise bakhtiniana articulada a redes textuais...............................................56
CAPÍTULO 3
Alan Alves-Brito
Anderson Oliveira
Luciano Slovinscki
Kaleb Alho
Encontro de saberes:
novas interfaces de pesquisa em Ensino,
Educação e divulgação de Ciências Físicas............................................................82
CAPÍTULO 4
Neusa Teresinha Massoni
Claudio Rejane da Silva Dantas
Avaliação Externa:
uma prática na educação científica com muitas questões em aberto...................... 109
CAPÍTULO 5
Bianca Vasconcelos do Evangelho Franco
Tobias Espinosa
Leonardo Albuquerque Heidemann
Em busca de sentido:
interpretando as experiências acadêmicas
à luz das subfunções da autorregulação..............................................................141
CAPÍTULO 6
Nathan Willig Lima
Gabriela Gomes Rosa
Afonso Werner da Rosa
Eduardo Gois
Em direção a uma pedagogia cosmopolítica:
História e Filosofia no Ensino de Ciências para reviver no Antropoceno................... 163
CAPÍTULO 7
Elkin A. Vera-Rey
Ileana M. Greca
Ives Solano Araujo
Eliane Angela Veit
Campos de identificación y negociabilidad:
un marco analítico para el estudio de los procesos de
formación de identidad docente del profesor de Ciencias...................................... 189
CAPÍTULO 8
Matheus Monteiro Nascimento
Laís Gedoz
Daniel Pigozzo
Desigualdades estruturais,
práticas sociais e epistêmicas:
o modus operandi das ciências sociais
no estudo de objetos da Educação em Ciências................................................... 218
Sobre os organizadores.......................................................................242
SUMÁRIO 10
voltados exclusivamente ao Ensino de Física no País. De forma com-
plementar às fundamentais iniciativas interdisciplinares dos Pro-
gramas de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, o
PPGEnFis busca contribuir para a Educação em Ciências no País
direcionando seus esforços investigativos à educação básica, ao
ensino superior, à formação docente, bem como a espaços não for-
mais. À luz de referenciais filosóficos, históricos, sociológicos, epis-
temológicos, teóricos e metodológicos consistentes, as pesquisas
desenvolvidas centram-se em currículo, políticas públicas, ensino-
-aprendizagem, avaliação, metodologias inovadoras no Ensino de
Física e de Ciências.
SUMÁRIO 11
fomentar reflexões sobre as potencialidades do laboratório didático
de Física a partir de discussões da filosofia da Ciência e de aspec-
tos relacionados a habilidades e construtos psicológicos dos estu-
dantes. Em particular, apresenta tópicos importantes que devem ser
considerados por professores e pesquisadores quando delineiam,
conduzem e avaliam atividades experimentais no ensino de Física.
SUMÁRIO 12
instituições de ensino, bem como os desafios e oportunidades que
elas apresentam para a Educação Básica. Para isso, foram analisa-
das fontes secundárias e resultados de entrevistas com profissionais
do Ensino Público municipal. Em particular, destaca-se o exercício de
escuta a coordenadores e professores de Ciências da rede Municipal
de Porto Alegre sobre os impactos da avaliação externa no espaço
escolar e o alerta sobre a estratégia de realização de provas nacionais
de larga escala como ferramenta para potencializar a transformação
de avaliações formativas em treinamentos para certificação final.
SUMÁRIO 13
partida para o estabelecimento de diálogo, superação de injustiças e
harmonização de convivência de forma coletiva.
Fernanda Ostermann
Ives Solano Araujo
Matheus Monteiro Nascimento
SUMÁRIO 14
1
Leonardo Albuquerque Heidemann
Rodrigo Weber Pereira
Eliane Angela Veit
NEM PROVAS,
NEM DESCOBERTAS:
QUE PODEMOS PRODUZIR NO LABORATÓRIO
DIDÁTICO DE FÍSICA?
INTRODUÇÃO
A influência da perspectiva empirista-indutivista na con-
cepção de Ciência das pessoas, incluindo na de muitos cientistas,
é imensa. Para uma parcela da sociedade, o “cientificamente com-
provado” continua fortemente atrelado à noção de algo verdadeiro,
inquestionável, infalível; e a comprovação científica é entendida
como um produto da experimentação, da atividade neutra, precisa
e rigidamente delineada em laboratório. O conhecimento científico,
nesse cenário, engloba leis universais definitivas; o trabalho cien-
tífico é cumulativo, envolvendo avanços regulares decorrentes do
acúmulo de descobertas pautadas essencialmente pela generaliza-
ção da empiria. Como consequência disso, o laboratório didático de
Ciências é assumido como um espaço de comprovação ou desco-
berta de leis científicas, um ambiente devotado à demonstração da
verdade incontestável do conhecimento.
SUMÁRIO 16
A concepção da experimentação como um momento dedicado
à prova ou descoberta das leis científicas passou a ser rejeitada
(PEREIRA; MOREIRA, 2017). O método científico, caracterizado
como um conjunto rígido de passos marcado pela neutralidade de
quem investiga, cedeu espaço para a compreensão do fazer cien-
tífico como uma atividade essencialmente humana, impregnada de
pressupostos metafísicos, localizada contextualmente, e dirigida
pela criatividade. As atividades de laboratório tradicionais, desse
modo, por serem pautadas em perspectivas empiristas-indutivistas
ingênuas, passaram a ser vigorosamente criticadas (MEDEIROS;
BEZERRA FILHO, 2000; SILVEIRA; OSTERMANN, 2002), apesar de
continuarem presentes em muitas salas de aula. Ao mesmo tempo,
o entendimento de que a experimentação é uma dimensão basilar
da Física e do seu ensino continuou permeando a área. Os objetivos
dessa experimentação, no entanto, ficaram nebulosos. Se a experi-
mentação não proporciona a prova e/ou descoberta das leis cien-
tíficas, por que devemos explorar o laboratório didático de Física?
Quais objetivos podem ser estabelecidos em uma atividade expe-
rimental? Frente a tais objetivos, quais as alternativas estruturais
para essas atividades?
SUMÁRIO 17
Pretendemos ampliar as reflexões sobre o tema, expondo uma aná-
lise das possibilidades de exploração do laboratório didático de Física
focada também em elementos vinculados com a filosofia da Ciência,
mas abordando, além disso, aspectos relacionados com habilidades
e construtos psicológicos dos(as) estudantes. Apresentamos ainda
tópicos que precisam ser especialmente pensados por professores
e pesquisadores quando delineiam, conduzem e avaliam atividades
experimentais no ensino de Física. Especificamente, ressaltamos, na
próxima seção, como atividades experimentais podem: (i) evidenciar
o caráter representacional do conhecimento, favorecendo a aprendi-
zagem de elementos da natureza da Ciência; (ii) favorecer o desen-
volvimento de habilidades para a investigação científica, em particu-
lar para a realização de medições científicas; (iii) proporcionar situ-
ações de trabalho colaborativo, favorecendo o desenvolvimento de
habilidades argumentativas e a negociação de ações e significados;
(iv) fomentar a aprendizagem de conhecimento metacognitivo, assim
como de atitudes mais positivas em relação à Ciência e crenças de
autoeficácia mais positivas em relação a tarefas do campo da Física.
Em seguida, destacamos três elementos (Introdução ao problema;
Estrutura das ações; Acompanhamento e avaliação) que podem
dirigir docentes e pesquisadores que pretendem explorar recursos
experimentais em suas aulas. Por fim, tecemos considerações finais.
SUMÁRIO 18
Menos exploradas são as potencialidades das atividades experimen-
tais para a aprendizagem de habilidades fundamentais para a inte-
ração social, como habilidades para o trabalho colaborativo e para
a argumentação, e de conhecimentos do aprendiz sobre si próprio.
SUMÁRIO 19
é preciso estabelecer procedimentos para controlar as trocas de
energia por irradiação em um experimento didático em que se busca
contrastar empiricamente essa lei. Tal procedimento, que pode
envolver o uso de recipientes refletores, por exemplo, é importante
porque as trocas de energia por irradiação são melhor representadas
como proporcionais à temperatura na quarta potência (lei de Stefan-
-Boltzmann). Uma alternativa é limitar as diferenças de temperaturas
no experimento a valores pequenos, de tal modo que as trocas de
energia por irradiação possam ser aproximadas como proporcionais
à diferença de temperatura entre o corpo e o ambiente. Os experi-
mentos, portanto, envolvem aparatos artificiais criados a partir de
modelos científicos.
SUMÁRIO 20
As conclusões possíveis em uma atividade experimental
mudam significativamente a partir da consciência do papel dos
modelos científicos no delineamento e na condução dos experi-
mentos. Já que os modelos científicos não descrevem a realidade de
forma completa, pois são representações simplificadas, diferenças
entre predições e evidências experimentais são inerentes à experi-
mentação. Como investigadores(as), determinamos um limite admis-
sível para essas diferenças, indicando o que, para nós, é um indício de
validação do modelo científico de referência. A prova dos modelos,
entendida como a confirmação definitiva deles, não faz mais sentido
nessa perspectiva, já que sabemos de antemão que tais modelos
não são idênticos à realidade. O trabalho de quem investiga, como
defende Giere (1983), não é, portanto, avaliar se os modelos cientí-
ficos são verdadeiros, e sim avaliar se é verdadeira a proposição de
que os modelos representam os objetos e eventos com suficiente
precisão, que é arbitrariamente definida.
SUMÁRIO 21
INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA: DELINEAMENTO, CONDUÇÃO
E CONCLUSÕES DE UMA PESQUISA EMPÍRICA
Hodson (2014) argumenta que um dos objetivos do ensino de
Ciências é promover a aprendizagem do fazer científico. O autor des-
taca que, com esse objetivo, não está se referindo à aprendizagem
de procedimentos isolados ou da natureza do trabalho científico,
ou seja, não está se referindo à aprendizagem da Ciência ou sobre
Ciência; Hodson sugere que nos debrucemos sobre a aprendizagem
da própria investigação, da construção da autonomia para fazer per-
guntas, delinear investigações, construir conclusões. Desse modo,
apenas aquelas atividades em que os próprios estudantes propõem
suas questões de pesquisa, planejam e conduzem procedimen-
tos, coletam dados e comunicam os seus resultados, demandando
a tomada de decisão em todos os processos, os envolvem de fato
com o processo de investigação como um todo. Naturalmente, não é
razoável propor atividades como essas em qualquer nível de ensino,
como voltaremos a discutir neste capítulo. No entanto, a experimen-
tação possibilita, em algum nível, que os(as) estudantes possam se
debruçar sobre elementos do processo investigativo, avançando em
direção ao objetivo proposto por Hodson.
SUMÁRIO 22
estudantes, pode estruturá-la demandando dos(as) estudantes a
coleta e análise de dados a partir de procedimentos e questões (mais
ou menos abertas) propostas por ele(a) (BANCHI; BELL, 2008). A
potencialidade da experimentação para o ensino de Física nasce
desse aspecto: podemos planejar as atividades com foco em pro-
cedimentos específicos, estruturando-a de modo alinhado com os
objetivos estabelecidos, e adequado ao contexto dos(as) estudantes.
SUMÁRIO 23
A medição científica é uma operação empírica intencionada
e ilustrada, ou seja, feita com um objetivo e guiada por um corpo de
conhecimento (HEIDEMANN, 2015). Como debatido na seção ante-
rior, a decisão sobre o que medir e controlar em um experimento
científico é guiada pela questão de pesquisa da investigação e por
um modelo teórico de referência (PIGOSSO, 2022). Medir, portanto,
demanda a mobilização de estruturas conceituais que dirigem o pla-
nejamento e a análise da coleta de dados. Além disso, o ato de medir
vai muito além da leitura de um valor em um instrumento. Medições
indiretas demandam o conhecimento dos modelos teóricos auxilia-
res que sustentam o processo (HEIDEMANN; ARAUJO; VEIT, 2016).
Por exemplo, o movimento da agulha de um amperímetro analógico
(um galvanômetro D’Arsonval) é definido pelo torque gerado por um
ímã permanente sobre uma bobina, que é proporcional à corrente
elétrica que passa por ela. Desse modo, o que é medido é o des-
locamento de uma agulha, mas a compreensão da relação desse
deslocamento com a corrente elétrica só é possível a partir do enten-
dimento de um modelo científico que vincula efeitos elétricos e mag-
néticos. Em suma, a medição demanda raciocínios científicos pauta-
dos em conceitos e teorias da Ciência, proporcionando o enfoque no
primeiro domínio proposto por Duschl e Grandy (2008).
SUMÁRIO 24
representação simplificada do evento investigado, ou seja, em um
modelo científico. Quando medimos a corrente elétrica que passa
por um circuito elétrico submetido a diferentes diferenças de poten-
cial, por exemplo, atribuindo a ele uma resistência elétrica, supomos
que a única mudança realizada no circuito foi a diferença de poten-
cial, quando, de fato, ocorreram, entre cada uma das medições rea-
lizadas, variações, mesmo que muito pequenas, na temperatura dos
diversos componentes do circuito, modificando a grandeza mensu-
rada. Detalhes sobre esses aspectos assim como suas implicações
para a análise estatística de dados experimentais podem ser consul-
tados em Pigosso (2022).
SUMÁRIO 25
dados individualmente; a partir da análise de um conjunto de dados,
concluímos que a grandeza de interesse está dentro de um intervalo.
Ainda, mesmo quando uma única medicação é feita, seu resultado
deve ser informado com a respectiva incerteza, associada à impre-
cisão do(s) instrumento(s) de medida e da montagem experimental.
A compreensão disso é fundamental para a formação cidadã. Tome-
mos, como exemplo, as polêmicas envolvidas na eficácia das vaci-
nas na pandemia de covid-19. Não foram raros os contextos em que
indivíduos, a partir de casos de pessoas que foram vacinadas e se
contaminaram, concluíram que a vacina não funcionava. Para essas
pessoas, dados individuais (pessoas contaminadas) determinavam
a eficácia da vacina. O entendimento de que a eficácia da vacina
decorre da análise de conjuntos de dados e que essa análise sem-
pre levará a predições com certa margem de incerteza, como em
qualquer medição científica, poderia contribuir para que tais pessoas
compreendessem que as vacinas tinham eficácia mesmo quando
pessoas vacinadas foram contaminadas.
SUMÁRIO 26
agilidade no tratamento de dados, assim como atenua as chances
de erros nos cálculos necessários nas medições. A exploração inte-
grada de experimentações concretas e simulações computacionais
pode ainda favorecer a aprendizagem, assim como contribuir para a
compreensão das diferenças entre teorias e realidade (JONG; LINN;
ZACHARIA, 2013; DORNELES; ARAUJO; VEIT, 2012; HEIDEMANN;
ARAUJO; VEIT, 2012).
SUMÁRIO 27
Costa (2005) apud Damiani (2008) destaca que o verbo cola-
borar é derivado da palavra em latim laborare, relacionando-se com
o trabalho, produção com um determinado fim. Já o verbo cooperar
vem de operare, vinculando-se com a operação, execução voltada
ao funcionamento do sistema. Desse modo, ainda que compartilhe
do prefixo co, que designa ação conjunta, a cooperação implica a
execução de tarefas, o que não necessariamente decorre da nego-
ciação conjunta. A colaboração, por outro lado, designa a ação
coletiva, com objetivos comuns, negociada pelo grupo. Nesse sen-
tido, o trabalho colaborativo pressupõe confiança mútua, pouca ou
nenhuma hierarquização, e responsabilidade coletiva. Não se trata
meramente de uma estratégia para se alcançar um objetivo, e sim de
uma filosofia de trabalho.
SUMÁRIO 28
rigidamente estabelecidos em roteiros não favorecem a colaboração,
fomentando, no máximo, situações de cooperação. Além disso, ainda
que estratégias para se construir grupos possam promover melhores
resultados para o fomento de colaborações entre os(as) estudantes,
a postura do(a) professor(a) é primordial para promover o amplo
debate, sendo esse elemento até mesmo mais importante do que
a forma como os grupos são distribuídos (HUEY; NORMAN, 1994).
Uma postura docente de respeito, privilegiando o debate e sendo
receptivo às falas dos(as) estudantes, valorizando suas ações, é fun-
damental para a promoção do trabalho colaborativo.
SUMÁRIO 29
que formam o conhecimento básico e originam a justificação dos
argumentos. De posse do comprimento de um pêndulo de labora-
tório (dado), por exemplo, um(a) estudante, com base no modelo de
pêndulo simples (conhecimento básico), e considerando que o apa-
rato experimental utilizado é compatível com as idealizações consi-
deradas nesse modelo ( justificação), pode concluir que o período
desse pêndulo tem um determinado valor (conclusão). As atividades
experimentais são também frutíferas para promoverem discussões
sobre condições de refutação e qualificadores modais. Por exem-
plo, no caso do pêndulo, o(a) estudante poderia argumentar que o
período do pêndulo terá aproximadamente (qualificador modal) o
valor previsto, a menos que a sua hipótese de que a massa do fio
é desprezível frente à massa do corpo suspenso no pêndulo não for
adequada (condição de refutação).
SUMÁRIO 30
METACOGNIÇÃO, ATITUDES E CRENÇAS DE AUTOEFICÁCIA
Conhecer a nós mesmos é um elemento central para que
possamos planejar nossas ações de forma coerente com as nossas
virtudes e dificuldades. Quando estudamos para um exame avalia-
tivo, por exemplo, podemos organizar uma estratégia que privilegie
métodos de estudo (construir resumos, resolver exercícios, assistir a
vídeos) com os quais sabemos que temos mais facilidade. A falta de
conhecimento sobre nós mesmos, nesse caso, é a origem de uma
costumeira frase: “Eu não sei estudar”.
SUMÁRIO 31
Dois dos psicólogos sociais mais citados do mundo, Ajzen
(1991) e Bandura (1993), a partir de perspectivas distintas, também se
preocuparam em entender a influência do conhecimento das pessoas
sobre elas mesmas nos seus comportamentos. Ajzen, com a Teoria
do Comportamento Planejado, estabelece relações entre as inten-
ções comportamentais das pessoas com os sentimentos delas frente
a esses comportamentos, ou seja, com as suas “atitudes” (HEIDE-
MANN; ARAUJO; VEIT, 2011). A intenção de “estudar Física”, portanto,
é influenciada pelo sentimento das pessoas sobre esse tipo de com-
portamento. Podemos entender então que as atitudes em relação
à Física influenciam um conjunto de comportamentos relacionados
com essa disciplina, envolvendo tanto classes de comportamentos
relacionados com questões sócio-científicas (por exemplo, defender
o investimento público em uma determinada instituição científica)
como vinculados com decisões de vida (por exemplo, seguir uma
carreira científica). Essa atitude é produto das experiências das pes-
soas com a Física, englobando tanto as experiências escolares como
as vivenciadas fora do contexto formal de educação.
SUMÁRIO 32
As crenças de autoeficácia constituem outro elemento cen-
tral para o sucesso acadêmico relacionado com a forma como as
pessoas se avaliam. Trata-se de um construto proposto por Bandura
(apud ESPINOSA; ARAUJO; VEIT, 2019), em sua Teoria Social Cog-
nitiva, que reflete o julgamento das pessoas sobre as suas capacida-
des de organizar ou realizar uma ação específica. Sua influência no
desempenho acadêmico é alvo de amplos estudos na área de educa-
ção. Vuong, Brown–Welty e Tracz (2010), por exemplo, mostram que
as crenças de autoeficácia são importantes preditoras do resultado
dos estudantes universitários, assim como da persistência estudantil.
No ensino de Física, artigos mostram que as crenças de autoeficá-
cia são influenciadas pelos métodos de ensino empregados (ESPI-
NOSA; ARAUJO; VEIT, 2019). Em particular, atividades experimentais
desenvolvidas com o método Episódios de Modelagem (HEIDE-
MANN; ARAUJO; VEIT, 2016) se mostraram proveitosas para promo-
verem crenças de autoeficácia positivas tanto para aprender física e
realizar atividades experimentais, como para trabalhar colaborativa-
mente (SELAU et al., 2019). Nesse método, as experiências positivas
dos(as) estudantes no enfrentamento dos problemas propostos, o
feedback do(a) professor(a) e a observação dos colegas foram os
elementos mais importantes para promoverem um julgamento mais
positivo por parte dos(as) estudantes sobre suas competências.
SUMÁRIO 33
partir de trabalhos colaborativos no laboratório didático, quando as
pessoas se inspiram pelo sucesso dos(as) colegas identificados(as)
como semelhantes. Uma terceira fonte de autoeficácia é a persuasão
social, possivelmente proporcionada em atividades experimentais
pelas expressões verbais e não verbais, de professores e colegas,
de apoio, assim como pelo estabelecimento de um ambiente con-
vidativo, estabelecido por meio do emprego de métodos de ensino
que incentivam os(as) estudantes a alcançar seus objetivos. Por
fim, um ambiente acolhedor, pautado pelo respeito e pelo diálogo,
favorecem a redução de estresse, a quarta fonte de autoeficácia
sugerida por Bandura.
DELINEANDO E IMPLEMENTANDO
ATIVIDADES EXPERIMENTAIS:
ASPECTOS A SEREM CONSIDERADOS
Apesar da imensa quantidade de potencialidades do labora-
tório didático apontadas pela literatura, é comum que professores(as)
enfrentem significativas dificuldades para superarem o paradigma
focado na prova e/ou descoberta de leis na exploração de experi-
mentos no ensino de Física. Procurando contribuir com uma estrutura
SUMÁRIO 34
para a exploração do laboratório didático no ensino de Física pau-
tada pela literatura da área de pesquisa em ensino de Ciências, apre-
sentaremos aqui, em três tópicos, elementos a serem considerados
para o delineamento de atividades experimentais, quais sejam: (i)
Introdução ao problema; (ii) Estruturação das ações; e (iii) Acompa-
nhamento e avaliação.
INTRODUÇÃO AO PROBLEMA
A construção do sentimento dos(as) estudantes em rela-
ção a uma atividade experimental é determinante das suas ações,
sendo primordial para que alcancem seus objetivos, e começa antes
mesmo do contato com os aparatos e instrumentos experimentais.
Em função disso, a qualidade e a forma dos problemas explorados
nas atividades são de grande importância. Dois elementos ganham
destaque nesse processo: a contextualização e a problematização.
SUMÁRIO 35
na forma como ele se relaciona com o tecido. Por isso, a contextua-
lização é um processo de construção de sentido para um elemento
de conhecimento, é uma ação para estabelecer vínculos entre uma
parcela e um todo mais geral (PINHEIRO, 2016).
SUMÁRIO 36
está entrelaçado com um todo maior, ou seja, é contextualizado a
partir de elementos que vão além da situação experimental.
SUMÁRIO 37
dos alunos; (ii) contextualização relacionando com outras disciplinas
escolares, aproximando da ideia de interdisciplinaridade; (iii) con-
textualização em discussões relativas ao processo de produção da
Ciência; (iv) contextualização com outras formas de conhecimento,
como conhecimento popular e saberes tradicionais; e (v) contextua-
lização histórica, relacionando aspectos da história da ciência e suas
relações com a sociedade.
SUMÁRIO 38
prévios cuja apresentação em uma aula experimental seria ino-
portuna. Uma estratégia útil nesses casos é o uso da metodologia
Ensino sob Medida (Just-in-Time Teaching). Trata-se de uma meto-
dologia ativa de ensino para estruturar o contato dos(as) estudantes
antes das aulas síncronas (OLIVEIRA; VEIT; ARAUJO, 2015). Sinteti-
camente, a metodologia tem por objetivo melhorar a aprendizagem
de ciências na sala de aula por meio do fomento de atividades em
grupo que envolvem a comunicação oral e escrita entre os(as) estu-
dantes, dando responsabilidades aos(às) alunos(as) pela sua pró-
pria aprendizagem. Isso ocorre por meio de tarefas preparatórias que
os(as) estudantes precisam realizar antes da aula. Tais tarefas, que
podem ser a leitura de um capítulo de livro-texto, referência da inter-
net ou material de autoria do(a) professor(a), têm por objetivo ins-
truir os(as) estudantes sobre conceitos básicos, mas essenciais para
compreender o conteúdo a ser ministrado em aula. Após o estudo do
material no prazo estipulado, os(as) estudantes respondem eletroni-
camente a algumas questões conceituais que servem de feedback
ao(à) professor(a) que, a partir das respostas dos(as) estudantes,
ajusta e organiza sua aula focando nas principais dificuldades. A
discussão das respostas, apresentadas de forma intercalada com os
conteúdos em uma exposição dialogada, ou durante as atividades
realizadas pelos(as) próprios(as) alunos(as), fomenta a participação
mais intensa dos estudantes.
SUMÁRIO 39
questionamento, pois não sabe que tal modelo pressupõe a ideali-
zação de que o corpo suspenso é pontual. O problema, para esse(a)
estudante, portanto, não terá sentido, demandando uma contextua-
lização a partir de debates sobre o modelo de pêndulo simples, que
podem ser conduzidos a partir de uma tarefa prévia desenvolvida
com a metodologia Ensino sob Medida.
SUMÁRIO 40
realizados permanentemente. Exigem ainda o julgamento dos resul-
tados alcançados, assim como a defesa de conclusões a partir de
argumentos (consulte mais detalhes sobre problemas abertos em
Oliveira, Veit e Araujo, 2017). Todos esses procedimentos envolvem
uma maturidade dos(as) estudantes que pode não ter sido alcan-
çada no contexto de ensino em questão.
SUMÁRIO 41
Não está no escopo deste artigo debater cada grau de liber-
dade, que podem ser consultados em Carvalho (2018). Destacamos,
no entanto, que a liberdade intelectual dos estudantes pode variar
significativamente, indo de casos muito fechados, em que apenas
a obtenção de dados fica a cargo dos(as) estudantes (Grau 1), até
casos muito abertos, em que os(as) estudantes definem inclusive
o problema que enfrentarão (Grau 5), o que acontece, raras vezes,
em feiras de ciências. Não estamos sugerindo que professores(as),
quando planejam uma experimentação, tenham que necessaria-
mente categorizar suas atividades, indicando o grau em que elas se
encontram. Variações são possíveis e desejáveis.
SUMÁRIO 42
Em atividades mais abertas, que demandam a tomada
de decisão por parte dos(as) estudantes, é interessante se prever
uma possível solução para os problemas propostos, ou seja, uma
solução que o(a) docente considere adequada e suficiente frente
ao problema proposto. Além disso, é importante definir como as
etapas dessa solução estão relacionadas com os objetivos da ati-
vidade. Por exemplo, na atividade exemplificada, esperava-se que
os(as) estudantes fossem capazes de determinar quantitativamente
a atenuação da luz em meios dissipativos. Como objetivo específico
de aprendizagem da atividade, tinha-se a intenção de promover a
compreensão de que modelos podem ser expandidos, aumentando
seu grau de precisão. Por isso, mesmo propondo um problema mais
aberto, em que vários caminhos poderiam ser tomados, a atividade
foi delineada prevendo-se que uma etapa necessária em todos esses
caminhos era a expansão do modelo teórico de propagação da luz
no vácuo. O problema da atividade, portanto, estabelecido com a
pergunta “Como a poluição pode influenciar a fotossíntese das algas
por meio de alterações na atenuação da luz solar?”, demandava uma
etapa intermediária intimamente vinculada com o objetivo específico
de promover a compreensão do processo de expansão de modelos,
o que ocorria a partir de questões derivadas da pergunta mais geral,
como as seguintes: Como se dá a atenuação da energia luminosa ao
atravessar os meios materiais? Como a poluição dos oceanos pode
influenciar a fotossíntese das algas por meio de alterações na atenu-
ação da luz solar? A construção de respostas para essas perguntas
demandava a incorporação de efeitos de absorção e espalhamento
da luz pela matéria no modelo teórico de propagação da luz no vácuo,
o que podia ser feito usando o modelo de Beer-Lambert – uma lei
que a maioria dos estudantes tomou conhecimento por meio de uma
atividade com a metodologia Ensino sob Medida.
SUMÁRIO 43
ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO
Após a realização da preparação e da apresentação da ativi-
dade experimental (contextualizada, problematizada e adequada ao
contexto de realização), é necessário o estabelecimento de estraté-
gias para se alcançar os objetivos da investigação, ou seja, é impor-
tante delinear procedimentos de acompanhamento e avaliação das
ações dos(das) estudantes. Por exemplo, meramente dividir os(as)
estudantes em grupos menores não garantirá que eles(as) realizarão
as tarefas de forma colaborativa, ou que desenvolverão processos
argumentativos. Espinosa, Araujo e Veit (2016) destacam que equi-
pes se diferenciam de grupos pelo comprometimento dos indivíduos
com o bom rendimento do grupo e pela confiança dos membros
nos seus(suas) colegas. Destacam ainda que a construção dessas
características demanda tempo de interação, uma tarefa desafiadora
que se torna um objetivo comum (em uma atividade experimental,
um bom problema experimental) e feedback tanto do trabalho indivi-
dual quanto de equipe.
SUMÁRIO 44
O trabalho colaborativo pode ser favorecido, ainda, por pro-
blemas com enfoque na modelagem científica (SELAU et al., 2019;
ESPINOSA; ARAUJO; VEIT, 2020). Para responderam a questiona-
mentos sobre as diferenças entre as predições construídas a partir
de modelos científicos e evidências experimentais, os(as) estudantes
precisam construir argumentos pautados em dados e teorizações,
destacando as condições de refutação dos argumentos que estão
vinculadas com as idealizações e aproximações dos modelos cientí-
ficos de referência das investigações. Por exemplo, ao se questionar
sobre a validade do modelo de pêndulo simples para representar o
movimento de um pêndulo real, os(as) estudantes precisam argu-
mentar sobre a validade de se considerar, entre outras coisas, que o
corpo suspenso no pêndulo real tem dimensões desprezíveis frente
ao comprimento do fio de sustentação, fazendo isso com base em
julgamentos dos dados experimentais. A contraposição de diferentes
argumentos e estratégias para se avaliar a adequação de modelos
para representar objetos e/ou eventos reais pode proporcionar situ-
ações de negociação entre os membros dos grupos, favorecendo o
trabalho colaborativo.
SUMÁRIO 45
bém fontes de autoeficácia em relação ao trabalho colaborativo e
à experimentação (SELAU et al., 2019). O estímulo à argumentação
que pode ser provocado pelo formato dessas atividades proporciona
experiências de persuasão social que contribuem para o aumento
da autoeficácia para o trabalho colaborativo dos participantes. Além
disso, desenvolvidas com métodos ativos (ESPINOSA; ARAUJO;
VEIT, 2020), podem proporcionar experiências pessoais positivas
e vicárias, assim como feedbacks do(a) professor(a) que originam
persuasão social para que os(as) estudantes se sintam competentes
para realizarem as tarefas.
SUMÁRIO 46
Quadro 2 – Protocolo de avaliação de relatórios
No protocolo original existem mais aspectos de avaliação, sendo que cada um deles contém mais de
um critério de avaliação. Por exemplo, para o aspecto “Procedimento Experimental”, além do critério
no quadro, há também: “Explicita as grandezas que foram medidas”, “Explicita os instrumentos de
medida utilizados”, “Explicita o arranjo experimental utilizado” e “Explicita o evento físico investigado”.
Aqui trouxemos apenas três aspectos com um critério de cada para fins de exemplificação.
Fonte: adaptado de Heidemann (2015).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procuramos neste capítulo apontar uma série de potencia-
lidades do laboratório didático para a aprendizagem de física, sem
a pretensão de esgotar o tema, amplamente debatido na literatura
SUMÁRIO 47
(HODSON, 1992; PINHO-ALVES, 2000; BORGES, 2002; ARAÚJO;
ABIB, 2003; GASPAR, 2004). Concluímos reforçando a importân-
cia das atividades experimentais no contexto do ensino de Física.
Dentre outros motivos, atividades experimentais podem contribuir
para que os estudantes compreendam a natureza representacional
do conhecimento científico por meio do processo de contrastação
empírica de modelos didático-científicos. Ainda, quando se desloca
o enfoque da aula experimental da obtenção passiva e acrítica de
dados para o processo de investigação empírica em si, favorecemos
o aprendizado não apenas de ciências, mas sobre ciências, agre-
gando com isso conhecimentos relacionados à natureza da cons-
trução do conhecimento científico. Nesse sentido, argumentamos
que a ênfase no processo de medição pode suscitar discussões não
apenas em aspectos epistêmicos da ciência, mas também favorecer
o desenvolvimento de estruturas conceituais e processos cognitivos
necessários para o raciocínio científico.
SUMÁRIO 48
Uma das maiores dificuldades para a implementação de boas
práticas experimentais é a tradição de aulas centradas no paradigma
da descoberta e(ou) prova de leis científicas. Contribuem de forma
determinante para a superação desse paradigma atividades bem
contextualizadas e problematizadas. A contextualização é essencial
para dar sentido aos conhecimentos e situações; já a problematiza-
ção tem o papel de estruturar a situação-problema a ser enfrentada,
articulando-a com o contexto de forma significativa. Esses fatores
são reportados como determinantes no sentimento dos estudantes
sobre as atividades experimentais. Para superar eventuais déficits
conceituais, ou mesmo introduzir elementos de conhecimentos sim-
ples, porém indispensáveis para a condução das aulas, o(a) profes-
sor(a) pode utilizar de metodologias ativas como Just-in-Time Tea-
ching. O estabelecimento de estratégias para acompanhar o desen-
volvimento das atividades pelos estudantes também é essencial
para verificar se os objetivos das atividades estão sendo alcançados.
Para isso, é fundamental que os(as) estudantes saibam os critérios a
partir dos quais estão sendo avaliados, o que permite inclusive ao(à)
professor(a) fornecer feedbacks individuais ou em grupo aos(às)
estudantes. Por fim, um aspecto que contribui para que os objetivos
das aulas experimentais sejam alcançados é a organização dos(as)
estudantes em equipes diversas, porém com interesses comuns, que
tenham qualidades complementares, capazes de se apoiarem mutu-
amente em seus pontos fortes.
SUMÁRIO 49
REFERÊNCIAS
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decision processes, v. 50, n. 2, p. 179–211, 1991.
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SUMÁRIO 54
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presença do ciclo argumentativo, os indicadores de alfabetização científica e o padrão
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de Ensino de Física, v. 42, p. e20200229, 2020.
SUMÁRIO 55
2
Estevão Antunes Jr.
Claudio J. H. Cavalcanti
Fernanda Ostermann
A BNCC E OS PCN
NO ENSINO FUNDAMENTAL II
EM INTERAÇÃO DIALÓGICA:
UMA ANÁLISE BAKHTINIANA ARTICULADA
A REDES TEXTUAIS
INTRODUÇÃO
O trabalho que apresentaremos neste capítulo é parte de uma
pesquisa que consta na tese de doutorado de Antunes Jr. (2022), que
envolve, entre outros aspectos, a análise curricular da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017) das Ciências da Natu-
reza (CN) para os anos finais do Ensino Fundamental e a relação
deste documento com os antigos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) (BRASIL, 1998). Antunes Jr., Cavalcanti e Ostermann (2021),
fizeram uma interpretação das vozes do currículo Ciência Tecnolo-
gia e Sociedade (CTS) nesses documentos e apresentaram sobre
a revocalização das vozes dos PCN na nova BNCC para a etapa de
escolarização em pauta. O que estamos propondo apresentar neste
capítulo é uma aprimoração significativa no que diz respeito à meto-
dologia e à técnica utilizada para a análise e uma reinterpretação
dos resultados a partir disso. Por isso, cabe revisitar o que Antunes
Jr., Cavalcanti e Ostermann (2021) discorreram sobre a educação em
ciências para os anos finais do Ensino Fundamental.
SUMÁRIO 57
vindas das Ciências Biológicas para o Ensino Fundamental II. É
importante dizer que não temos a pretensão de dizer que esses
assuntos não são importantes, pelo contrário, mas devemos enten-
der se essa hegemonia ainda persiste na BNCC e quais motivos pos-
sivelmente levaram a isso.
SUMÁRIO 58
Antunes Jr., Cavalcanti e Ostermann (2021), mas analisaremos os
resultados a partir dessa nova técnica de mineração de texto.
SUMÁRIO 59
1. O peso é a variável que indica a densidade de ocorrência
de cada bigrama, ou seja, o número de coocorrências do bigrama
sobre o número total de extratos de texto.
cooc
peso =
total de estratos de texto
σ(v)
B(v) = Σ
s≠t≠v∈V σ(s, t)'
SUMÁRIO 60
dizer que o betweenness do vértice é alto quando pelo vértice v pas-
sam muitas geodésicas que unem s e t.
SUMÁRIO 61
de revocalização (MAYBIN, 2008) e “é metade nossa e metade de
outrem” (BAKHTIN, 2002, p. 145), além de ser uma palavra reani-
mada a partir da adaptação a um novo contexto enunciativo e atre-
lada à consciência ideológica dos novos sujeitos enunciadores. É um
processo em que o novo enunciador incorpora conscientemente a
voz original, alinha-se a ela ou a polemiza, constituindo a já citada
interanimação de vozes.
SUMÁRIO 62
análise da BNCC das Ciências da Natureza para os anos finais do
Ensino Fundamental.
SUMÁRIO 64
Analisando a Figura 1 e associando com as classificações
apresentadas no quadro 1, podemos verificar que o único termo clas-
sificado como Hub Global + é vida, que aparece, por exemplo, na
sequência vida → humano ← ser → vivo, sendo que o bigrama ser
→ vivo dessa sequência tem ligação intensa na rede (o sétimo mais
frequente). Também aparecem em evidência as sequências vida ←
qualidade → ar e vida → manutenção → saúde individual → cole-
tiva. É evidente a centralidade de tópicos vinculados às Ciências
Biológicas, alguns voltados à saúde e questões ambientais. Não há
nenhum problema nisso, mas tópicos de outras áreas acabam sendo
menos priorizados e aparecem isolados na rede, como é o caso do
termo energia, mesmo sendo um Hub Global –. O termo universo,
por sua vez, aparece como periférico. Portanto, energia é um tópico
estanque, apesar de importante, sem ligações diretas muito inten-
sas com demais tópicos.
SUMÁRIO 65
No entanto, o mesmo desenvolvimento científico e tecno-
lógico que resulta em novos ou melhores produtos e ser-
viços também pode promover desequilíbrios na natureza
e na sociedade (BRASIL, 2017, p. 319).
SUMÁRIO 66
→ cotidiano veicula uma voz alinhada a uma ideia de ciência
utilitarista, comumente chamada de ciência do cotidiano, há que cui-
dar para não recair nesse modismo, criticado na literatura. Segundo
Santos e Mortimer (2000), a ciência do cotidiano se diferencia muito
da perspectiva CTS, pois
[...] se limita a nomear cientificamente as diferentes espé-
cies de animais e vegetais, os produtos químicos de uso
diário e os processos físicos envolvidos no funcionamento
dos aparelhos eletro-eletrônicos. Um ensino que contem-
ple apenas aspectos dessa natureza seria, a nosso ver,
puramente enciclopédico, favorecendo uma cultura de
almanaque (SANTOS; MORTIMER, 2000, p. 117).
SUMÁRIO 67
tecno e outros relacionados. Foram mantidos, além desses ter-
mos, aqueles que contenham desequilíbrio ou degradação, para
capturar as poucas partes mais críticas do texto e investigar como
se articulam na rede. O resultado desse procedimento pode ser
visualizado na Figura 2.
SUMÁRIO 68
Figura 2 - Rede textual obtida a partir da BNCC, considerando enunciados com
menção ao termo tecnologia e derivados, além de termos relacionados
SUMÁRIO 69
Percebemos que, mesmo com citação direta ao movimento CTS
e toda a articulação argumentativa do documento em torno desse eixo, a
formação da sequência desenvolvimento → científico → tecnológico
parece valorizar essa característica no ensino de Ciências, perspectiva
que pode reforçar vozes que se alinham à ideia do modelo linear, ainda
que sutil e implicitamente (AULER; DELIZOICOV, 2001). A perspectiva
CTS aparece explicitamente na sequência ciência → tecnologia →
sociedade. Ao longo do documento pode ser constatado que essa rela-
ção é tratada de forma um pouco mais aprofundada do que na BNCC,
ainda que também deixe espaço para abordagens mais ingênuas e que
repliquem concepções próximas ao modelo linear.
Tal como foi feito para a BNCC, podemos construir uma rede
a partir dos PCN levando em conta enunciados que contenham ter-
mos relacionados à ciência, tecnologia e suas relações, mostrada
na Figura 3. Assim como na rede anterior, a intenção é preservar
SUMÁRIO 70
as poucas passagens do texto em que eram destacadas posições
mais reflexivas e críticas sobre as relações entre ciência, tecnologia e
sociedade, ou seja, aquelas que pelo menos não se alinham às con-
cepções inspiradas pelo modelo linear.
SUMÁRIO 71
Figura 3 – Rede textual obtida a partir dos PCN, considerando enunciados com
menção ao termo tecnologia e derivados, além de termos relacionados
SUMÁRIO 72
Esse é um dos poucos enunciados dispersos ao longo do
texto completo que faz uma reflexão crítica sobre impactos sociais
da Ciência e Tecnologia (principalmente). Na rede da Figura 3 a
afirmação destacada na citação acima aparece como um conjunto
de termos periféricos que só se articula à rede por meio do termo
central tecnologia, na sequência ingênuo ← visão ← evitar →
idealizar → tecnologia → sinônimo → (progresso, inquestioná-
vel). No entanto, aparece como uma frase solta no texto, sem maio-
res aprofundamentos e outras reflexões (por isso essa sequência de
termos basicamente está articulada apenas ao termo central tec-
nologia). Há ainda outras sequências periféricas como ambiental
← impacto → social, que representam na rede enunciados locali-
zados que citam possíveis impactos ambientais e sociais da tecno-
logia. No caso do impacto ambiental há algumas poucas considera-
ções sobre a ação humana no ambiente, mediada pela tecnologia,
citando o caso de extração de minérios e produção energética. Já o
bigrama impacto → social é citado sem maiores aprofundamentos.
Assim, como no caso da BNCC, o discurso que termina por ser privi-
legiado é o mais recorrente, que aparece representado na rede pela
sequência desenvolvimento → científico → tecnológico, ligado à
sequência utilizar → conhecimento → científico → tecnológico.
Por exemplo, nos objetivos gerais para o ensino de Ciências Naturais
aparece o seguinte enunciado:
Os objetivos de Ciências Naturais no ensino fundamen-
tal são concebidos para que o aluno desenvolva compe-
tências que lhe permitam compreender o mundo e atuar
como indivíduo e como cidadão, utilizando conhecimentos
de natureza científica e tecnológica (BRASIL, 1998, p. 32).
SUMÁRIO 73
[...] identificar relações entre conhecimento científico,
produção de tecnologia e condições de vida, no mundo
de hoje e em sua evolução histórica, e compreender a
tecnologia como meio para suprir necessidades huma-
nas, sabendo elaborar juízo sobre riscos e benefícios das
práticas científico-tecnológicas (BRASIL, 1998, p. 33).
SUMÁRIO 74
maneira mais ampla e mais elaborada do que se poderia
fazer nos dois primeiros ciclos. Mediante diversas inves-
tigações e enfoques, os alunos poderão identificar que
diferentes tecnologias, recentes ou antigas, permitem as
transformações de materiais e de energia necessárias a ati-
vidades humanas essenciais, como a obtenção de alimen-
tos, a manufatura (cerâmica, vestuário, construção etc.), o
transporte, a comunicação e a saúde (BRASIL, 1998, p. 78).
SUMÁRIO 75
à rede. O termo mais ligado à rede é ser, um Hub Local. Olhado
em contexto, os bigramas ser → humano e ser → vivo são os mais
fortemente conectados. Além disso, o termo vida é um forte inter-
mediador (termo Ponte), ligando contextos distintos, como mostram
os bigramas vida → terra → universo, saúde ← manutenção →
vida e outros. Isso indica que os enunciados de ambos os docu-
mentos privilegiam as Ciências Biológicas como área das Ciências
da Natureza, tal como citado na análise dos discursos individuais de
ambos os documentos.
SUMÁRIO 76
Figura 4 – Maior componente conectada da rede formada a partir dos bigramas
comuns extraídos da BNCC e dos PCN. Foram considerados apenas bigramas que
ocorreram pelo menos 4 vezes
SUMÁRIO 77
Ciências da Natureza nos anos finais do Ensino Fundamental. Esse
resultado não surpreende, e inclusive já havia sido apresentado por
Antunes Jr., Cavalcante e Ostermann (2021), mas o que essa aná-
lise pode nos mostrar mais claramente é que um método estatístico
bem estruturado aliado a bons referenciais metodológicos qualitati-
vos pode fazer surgir resultados interessantes para pesquisas envol-
vendo a área de Ensino e/ou Educação em Ciências.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse capítulo teve como objetivo, mais do que reforçar o que
foi apresentado por Antunes Jr., Cavalcanti e Ostermann (2021), exibir
um novo tipo de método quantitativo interpretativo que articula a
mineração de texto e a construção/análise de redes textuais com a
análise bakhtiniana. Essa pesquisa, que faz parte dos estudos reali-
zados em uma tese de doutorado (ANTUNES JR., 2022), objetivava,
assim, mostrar que existe uma forte interação dialógica entre a BNCC
e os PCN no que diz respeito às Ciências da Natureza no Ensino Fun-
damental II utilizando a dependência gramatical e a categorização
de vértices analisadas a partir do software R (R CORE TEAM, 2015).
SUMÁRIO 78
Quanto aos resultados obtidos com esse método no escopo
escolhido, nos cabe salientar que em ambos os documentos per-
cebemos o forte alinhamento com as Ciências Biológicas em
detrimento das outras áreas das Ciências da Natureza (como Física e
Química, por exemplo). Isso pôde ser percebido quando observamos
os vértices classificados como Hub Global + nas redes construídas e
as ligações que surgem disso.
AGRADECIMENTOS
Fernanda Ostermann agradece a bolsa de produtividade e
o auxílio à pesquisa recebidos por parte do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Estevão Luciano
Antunes Jr. agradece à CAPES pela bolsa de Doutorado concedida.
SUMÁRIO 79
REFERÊNCIAS
ANTUNES JR., E. Análise bakhtiniana articulada a redes textuais de documentos
oficiais, planos de ensino e ementas na formação de professores de Física/
Ciências da Natureza para o Ensino Fundamental II. 2022. Tese (Doutorado em
Ensino de Física) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2022.
ANTUNES JR., E.; CAVALCANTI, C. J. H.; OSTERMANN, F. A Base Nacional Comum Curricular
como revocalizadora de vozes dos Parâmetros Curriculares Nacionais: o currículo
Ciência, Tecnologia e Sociedade na educação científica para os anos finais do Ensino
Fundamental. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 38, n. 2, p. 1339-1363, 2021.
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SUMÁRIO 80
R CORE TEAM. R: A language and environment for statistical computing. Vienna: R
Foundation for Statistical Computing, 2015. Disponível em: <https://www.R-project.org>.
Acesso em: 27 jul. 2022.
SUMÁRIO 81
3Alan Alves-Brito
Anderson Oliveira
Luciano Slovinscki
Kaleb Alho
ENCONTRO DE SABERES:
NOVAS INTERFACES DE PESQUISA EM ENSINO,
EDUCAÇÃO E DIVULGAÇÃO DE CIÊNCIAS FÍSICAS
INTRODUÇÃO
De acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-
soal de Nível Superior (CAPES), vinculada ao Ministério da Educação
(MEC), a expansão e a consolidação da pós-graduação (mestrado
e doutorado) em todos os estados da Federação devem “assegu-
rar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade
suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos
públicos e privados que visam ao desenvolvimento do país” (NASCI-
MENTO; ARCANJO; FERREIRA, 2020). Do ponto de vista da desco-
lonização (QUIJANO, 2000) para a refundação ética, racial e epistê-
mica das universidades brasileiras, os programas de pós-graduação
são lugares estratégicos para a transformação social do país, sobre-
tudo quando as questões étnico-raciais e de inclusão são levadas
em consideração. Particularmente no caso do ensino, da educação
e da divulgação de ciências, como a física e a astronomia, isso é
ainda mais urgente, dado que, por vezes, essas questões são trata-
das como de menor importância nessas duas áreas de investigação.
SUMÁRIO 83
e para além dela. Entendemos que esse movimento é necessário,
pois as questões de raça e do racismo2 são centrais no ensino supe-
rior, na educação básica, nos espaços formais, não formais e infor-
mais de divulgação em ciências e, mais importante, eles são cruciais
para a transformação social do país, levando em conta o fortaleci-
mento e a garantia do estabelecimento pleno da democracia.
SUMÁRIO 84
e da astronomia contemporânea – é permitir o progresso de civili-
zações tratadas como atrasadas, primitivas, em detrimento às socie-
dades mais desenvolvidas, consideradas “evoluídas” racionalmente.
Ou seja, enquanto comunidades negras e dos povos originários são
tratadas como primitivas, selvagens e/ou obsoletas, incapazes de
articular a razão e o pensamento científico, as sociedades europeias
(ou delas descendentes) são tratadas como superiores, baluartes da
razão que liberta e traz virtude individual (moral) e política (cidada-
nia) às pessoas. A desumanização de certos corpos (pessoas negras,
LGBTQIA+4, indígenas e mulheres, por exemplo) é a base do pen-
samento e da extensão do poder plasmado no Projeto Colonizador
Europeu5, sendo a escravidão seu sistema de produção econômico
e projeto de sociedade estruturada pela hierarquização racial. Nesse
sentido, o racismo é a tecnologia social do eurocentrismo, sinônimo
do colonialismo (QUIJANO, 2000).
4 Sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros, Queer, Intersex, Assexuados e outros/as.
5 Fazemos aqui referência ao encontro de 12 de outubro de 1492, entre os europeus (colonizadores)
e os povos originários (colonizados), em que esses últimos já ocupavam as terras hoje denomina-
das Américas e já viviam a vida com o pensamento, produzindo conhecimentos.
SUMÁRIO 85
localizados nas periferias do poder hegemônico (ALVES-BRITO,
2020; 2021a,b; ROSA; ALVES-BRITO; PINHEIRO, 2020). O encontro
de séculos atrás entre os colonizadores e os povos originários ou
entre os colonizadores e aquelas pessoas que foram escravizadas
no continente africano e trazidas para o Brasil, não foi intercultural,
baseado na lógica de troca pacífica e profícua de saberes. Ao contrá-
rio, o cenário é marcado por extrema violência material e simbólica.
SUMÁRIO 86
CONTRIBUIÇÕES DO GRUPO DE PESQUISA
EM ENSINO, EDUCAÇÃO E DIVULGAÇÃO
DA ASTRONOMIA DA UFRGS
Embora o PPGEnfis/UFRGS e o Departamento de Astrono-
mia da UFRGS existam há décadas e, esse último, seja considerado
um dos mais proeminentes e destacados departamentos científicos
do país, vale destacar que somente recentemente, com a entrada
de um de nós (primeiro autor) na composição docente permanente
do PPGEnfis/UFRGS, é que a astronomia começou a fazer parte e
a ganhar corpo, de forma sistemática e com profissional especiali-
zado na área, nos interesses de pesquisa do PPGEnfis/UFRGS. Além
disso, vale destacar que a educação antirracista e as relações entre a
pesquisa, a extensão e a divulgação científica passam a ganhar outro
dinamismo no âmbito do PPGEnfis/UFRGS, tendo a astronomia
como ciência básica fundamental para nos ajudar a construir o que
denominamos “cosmologias racializadas” (ALVES-BRITO, 2021b).
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Uma das questões-chave de pesquisa em ensino, educação
e divulgação do nosso Grupo é a formação inicial e continuada de
professores para o ensino de astronomia. Embora a astronomia seja
considerada uma das mais relevantes áreas de interesse entre as
ciências básicas, configurando-se na CAPES como uma das áreas
mais produtivas da comunidade científica brasileira, as pesquisas em
educação e/ou ensino de astronomia não se afirmaram ainda como
campo de pesquisa consolidado no país. No trabalho de tese recente,
Luciano Slovinscki realizou um diagnóstico aprofundado sobre a
atual situação da área no país, tendo como foco principal a formação
SUMÁRIO 87
inicial e continuada de professores de física e de ciências da natureza
(SLOVINSCKI; ALVES-BRITO; MASSONI, 2021; SLOVINSCKI, 2022).
O estudo foi estruturado a partir de quatro dimensões.
SUMÁRIO 88
territoriais no oferecimento da disciplina, bem como no que diz res-
peito às interlocuções entre os avanços da área e suas acomodações
com a legislação atual. Trata-se, portanto, de pesquisa crucial
quando a disciplina de astronomia ganha peso na composição da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018) e o pró-
prio entendimento do ensino de ciências passa, mais uma vez, a ser
questionado (perspectiva disciplinar versus interdisciplinaridade).
Além disso, os resultados de Slovinscki são pertinentes, pois nos aju-
dam a ter o panorama dos saberes acadêmicos na área de astrono-
mia que estão sendo articulados na comunidade científica. Este é um
passo importante para o estabelecimento do diálogo entre diferentes
sistemas de saberes.
SUMÁRIO 89
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA E INTERCULTURAL DA ASTRONOMIA
Uma das grandes contribuições do nosso Grupo ao campo
da Educação em Ciência é, certamente, a articulação da educação
antirracista em ciências, tendo a física e a astronomia como ciências
principais. Do ponto de vista teórico e epistêmico, articulamos dois
ordenamentos principais.
SUMÁRIO 90
lando o ensino, a pesquisa e a extensão, os nossos estudos apontam
que devemos fugir da ideia simplista das “temáticas” da Educação
para as Relações Étnico-Raciais (ERER) ou dos seus “apêndices” em
disciplinas esporádicas para apenas fazer constar.
SUMÁRIO 91
BOOTZ; MASSONI, 2018), uma das revistas de maior destaque
na área. Trata-se de uma contribuição ímpar, pois além de tra-
zer os fundamentos teóricos para a área, representa um caminho
didático-pedagógico para ser discutido e ampliado por professo-
ras(es) nas salas de aula, na educação básica e no ensino superior.
SUMÁRIO 92
culturalidade (saberes e fazeres ribeirinhos). Tal aproximação deve
ocorrer a partir de um estudo aprofundado acerca da influência
do meio cultural na elaboração e construção de saberes físicos
e astronômicos e sua discussão e prática nas aulas de ciências de
escolas ribeirinhas amazônicas.
7 Categoria político-cultural proposta por Lélia Gonzalez (1935-1994), que leva em conta a participação
das mulheres na luta antirracista e incorpora dinâmicas culturais que reconhecem o papel dos povos
originários e dos negros africanos para a construção de uma identidade étnica na América Latina.
SUMÁRIO 93
a promoção da educação antirracista em ciências em tempos de
conscientização política sobre os efeitos nefastos do racismo nas
nossas subjetividades.
DIVULGAÇÃO ANTIRRACISTA E
INTERCULTURAL DA ASTRONOMIA
No que tange à nossa contribuição em termos de projetos de
divulgação antirracista em ciências (astronomia) e em perspectiva
intercultural, destacamos primeiro a marcante contribuição de estu-
dantes de graduação do Instituto de Física da UFRGS e de outras
SUMÁRIO 94
unidades da universidade. Até aqui, as questões de pesquisas articu-
ladas no Grupo têm sido transpostas para as nossas estratégias de
ensino e divulgação em ciências, e vice-versa, num ciclo de retroali-
mentação, entendendo o papel da divulgação científica (comunicação
com as pessoas) para pensar a pesquisa e o ensino de forma crítica.
De 2019 a 2022, produzimos oito livros que têm caráter de divulgação
de ciências e, em alguns casos, dialogam com a literatura para aju-
dar a construir outros imaginários sociorraciais no país a respeito da
cultura africana, afro-brasileira e indígena, começando com as infân-
cias. O mais importante aspecto a ser destacado é que toda a produ-
ção em livros é oriunda de profundo trabalho de pesquisa e ambos
estabelecem diálogos entre os saberes acadêmicos-científicos e os
saberes tradicionais das populações excluídas do projeto moderno e
contemporâneo de ciência.
SUMÁRIO 95
Figura 1 – Livros de pesquisa, educação, literatura e divulgação em ciências
produzidos no Grupo, de 2019 a 2022
SUMÁRIO 96
Figura 2 – Exemplo de materiais didáticos e pedagógicos (acervos digitais, jogos,
mapas, cartilhas) produzidos com foco no diálogo entre os saberes
SUMÁRIO 97
de pesquisa em educação em ciências é que a astronomia nas
culturas (LIMA et al., 2013), em uma perspectiva canônica ape-
nas, não é suficiente para resolver os tensionamentos que podem
aparecer quando distintas cosmologias precisam coabitar (e dispu-
tar) os espaços sociais.
SUMÁRIO 98
Figura 3 – Encontro de saberes: física e astronomia em perspectiva afro-indígena.
Para uma discussão detalhada de cada um dos 24 itens apresentados na figura,
sugerimos a leitura de Alves-Brito (2022c)
SUMÁRIO 99
GOMES, 2017). Este aspecto é particularmente importante para que
os discursos sobre descolonização ou mesmo sobre raça, racismo e
gênero não se afastem em demasia das lutas históricas dos movi-
mentos sociais. Se isso acontecer, os conceitos básicos acima des-
tacados perdem, em nossa interpretação, o sentido de existência e
de compromisso com a luta ancestral. Trata-se, portanto de ter em
mente que os(as) pesquisadores(as) envolvidos(as) não podem sim-
plesmente focar na produção de artigos, teses e dissertações: elas
e eles precisam utilizar suas habilidades intelectuais para de fato
mover as estruturas racistas que atravessam as nossas existências.
Talvez essa seja a mais mobilizadora de todas as aprendizagens nos
processos de pesquisa que operamos: as comunidades que estão
em relação conosco são autônomas, formadas por sujeitos de direito,
capazes de articular o pensamento (Figura 4).
SUMÁRIO 100
Nota-se, assim, que a teoria sociológica de Pierre Bour-
dieu (1930-2002), a qual é acionada com frequência para explicar
as relações sociais no campo da educação em ciências no Brasil
e no mundo, sobretudo no ensino de física, não dá conta sozinha
da complexidade em torno da ambiguidade raça-classe no país10.
A noção de capital simbólico, social, cultural, político, militante e
burocrático da obra completa de Bourdieu ganha, assim, contor-
nos muito mais realistas e adequados da complexa dinâmica (anti)
racista do país quando outras perspectivas socioantropológicas
(MUNANGA, 2019) e pedagógicas (BRASIL, 2003; 2004; 2008; 2012)
são levadas em conta.
10 Referimo-nos, aqui, ao fato de que no Brasil a dinâmica do racismo garante sua própria negação
atribuindo à categoria classe a explicação mais contundente para a existência e a permanência
das desigualdades sociais do país.
SUMÁRIO 101
conta. Isso implica que outras formas de articular as metodologias
e as questões de pesquisa são necessárias. Os processos da inves-
tigação e/ou interação dos resultados de pesquisa com as popula-
ções negras e dos povos originários ou com o público historicamente
excluído, dão-se, em nosso Grupo, numa lógica de troca permanente
de saberes, sem hierarquias ou sem o estabelecimento de assime-
trias de poder nas relações dos programas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, a comunidade científica, particularmente no que
concerne o ensino, a educação e a divulgação da física e da astro-
nomia, não pode se abster das discussões centrais do país no que
tange às questões étnico-raciais (em suas intersecções), pedagógi-
cas, epistêmicas e cosmopolíticas que têm como foco, entre outras,
as pessoas negras, indígenas, quilombolas e periféricas. Precisamos,
em sinergia com os movimentos sociais, construir um outro pro-
grama de educação e divulgação em ciências em que novas sub-
jetividades da educação, da comunicação e da divulgação científica
possam ser estabelecidas no Brasil.
SUMÁRIO 102
elaboração de novas políticas públicas que possam pensar a educa-
ção básica, os museus, os planetários, os observatórios e os labora-
tórios de ciências a partir das cosmospercepções ancestrais negras
e indígenas. Entendemos que os projetos diferenciados de educa-
ção em ciências (EEQ, ERER, educação escolar indígena, ribeirinha)
tampouco podem ser alijados do sistema de conhecimento que é
operado de forma hegemônica em universidades e escolas. A apro-
ximação e as trocas interculturais devem ser não apenas estimuladas
como vivenciadas, afinal todas e todos que compõem a sociedade
brasileira deverão se esforçar no sentido de construir outras trajetó-
rias de coexistência, física e epistêmica.
SUMÁRIO 103
de poder que são operadas nas ciências físicas, lugares de regime
epistêmico simbólico potente no âmbito das ciências “globais”, que
perpetuam desigualdades materiais e simbólicas no mundo do tra-
balho científico, nas universidades, nas escolas e nos outros espaços
científico-culturais a partir da ideia sociológica e política da raça.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem às fontes de financiamento dos vários
trabalhos aqui relatados, vindos de agências públicas e privadas,
nacionais e internacionais como a CAPES, o CNPq, a União Astro-
nômica Internacional, o CEERT e os seus parceiros (Itaú Cultural/
Social, Unibanco, Fundação Carlos Chagas), além do Consulado
Britânico no Brasil.
REFERÊNCIAS
ALVES-BRITO, A. Cosmologias racializadas: processos políticos e educativos anti(racistas)
no ensino de Física e Astronomia. Roteiro, v. 46, p. e26279, 2021b.
SUMÁRIO 104
ALVES-BRITO, A. Zumbi-Dandara dos Palmares: desafios estruturais e pedagógicos da
Educação Escolar Quilombola para a promoção da equidade racial no Brasil do século
21. 1 ed. São Paulo: Pragmatha, 2022b.
ALVES-BRITO, A.; BOOTZ, V.; MASSONI, N. T. Uma sequência didática para discutir as
relações étnico-raciais (Leis 10.639/03 e 11.645/08) na educação científica. Caderno
Brasileiro de Ensino de Física, v. 35, p. 917-955, 2018.
ALVES-BRITO, A.; MASSONI, N. T.; GUERRA, A.; MACEDO, J. R. Histórias (in)visíveis nas
ciências. I. Cheikh Anta Diop: um corpo negro na física. Revista ABPN, v. 12, p. 282, 2020.
ANDERY, M. A. et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 16 ed. Rio
de Janeiro: Garamond, 2012.
BENTO, C. O pacto da branquitude. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
SUMÁRIO 105
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: Ministério da Educação, 2018.
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_
versaofinal_site.pdf. Acesso em: 28 jan. 2023.
SUMÁRIO 106
LIMA, N.; ALVES-BRITO, A.; NASCIMENTO, M. M. Da Lei de Titius-Bode ao embate entre a
Matéria Escura e a Dinâmica de Newton Modificada: uma trajetória epistemológica pela
Astronomia. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 44, p. e20210382-1, 2022.
ROSA, K.; ALVES-BRITO, A.; PINHEIRO, B. C. S. Pós-verdade para quem? Fatos produzidos
por uma ciência racista. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 37, n. 3, p. 1440-1468,
2020.
SUMÁRIO 107
SLOVINSCKI, L. Um diagnóstico da pesquisa em ensino de astronomia no Brasil:
contribuições para a formação de professores da educação básica. 2022. Tese
(Doutorado em Ensino de Física) –PPGEnfis, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
2022.
SUMÁRIO 108
4
Neusa Teresinha Massoni
Claudio Rejane da Silva Dantas
AVALIAÇÃO EXTERNA:
UMA PRÁTICA NA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
COM MUITAS QUESTÕES EM ABERTO
INTRODUÇÃO
A avaliação externa é uma prática cada vez mais comum na
educação da maioria dos países do mundo, sendo utilizada como
meio para averiguar e garantir a qualidade dos programas de ensino
e o funcionamento das instituições de ensino. No entanto, ainda há
muitas questões em aberto sobre o papel e a eficácia das avaliações
externas no Brasil, como também em nível internacional. Neste texto,
objetivamos refletir as características e o papel das avaliações exter-
nas da Educação Básica, e avaliar os desafios e oportunidades que
elas apresentam para a educação. Para tanto, são analisadas fontes
secundárias, como relatórios e estudos presentes na literatura sobre
o tema, e resultados de entrevistas com profissionais do Ensino
Público municipal de uma capital brasileira (coordenadores peda-
gógicos e professores de ciência). As entrevistas foram realizadas no
âmbito de uma investigação que resultou em tese de doutorado na
área da Pesquisa em Ensino de Física do segundo autor, que centrou
na compreensão da avaliação da aprendizagem no ensino de Ciên-
cias e buscou dar voz a agentes escolares. No final, esperamos pro-
porcionar um panorama mais amplo e aprofundado sobre avaliações
externas educacionais e suas implicações para a área.
A AVALIAÇÃO EXTERNA
EM NÍVEL INTERNACIONAL
Avaliações externas são processos que visam avaliar o
desempenho de escolas públicas e privadas, universidades ou outras
instituições de ensino; aferir a qualidade do ensino e dos programas
oferecidos nessas instituições, bem como identificar oportunida-
des de melhorias. Podem ser realizadas por governos, agências de
SUMÁRIO 110
financiamento ou organizações e instituições independentes.
A importância de se refletir a avaliação externa deve-se às suas con-
sequências nos sistemas de ensino, escolas, no trabalho dos profes-
sores e nos estudantes e, por conseguinte, na qualidade da educa-
ção. As avaliações externas podem incluir avaliações de desempe-
nho dos estudantes, inspeções in loco, checagem de documentos e
relatórios e outras técnicas. Em muitos casos pautam-se em testes
de desempenho dos estudantes, um processo que tem sofrido críti-
cas porque é uniformizador, e acaba por condicionar o que se pede
e se espera das escolas e instituições de ensino. Um dos efeitos da
uniformização é dar pouca oportunidade a que os professores refli-
tam os sentidos do trabalho educativo, planejem e discutam coleti-
vamente novas estratégias avaliativas, com base nas especificidades
das pessoas e dos contextos locais.
11 O PISA é uma avaliação internacional feita de forma amostral com alunos de 15 anos. O relatório
(OECD, 2018, p.1) diz que “saber ler é essencial para uma ampla gama de atividades humanas – da
capacidade de seguir as instruções de um manual àquela de compreender quem organiza, o que,
quando, onde e por que de um evento; à capacidade de se comunicar com os outros por motivos
específicos ou operacionais. O Projeto PISA reconhece que a tecnologia em contínua evolução tem
mudado as modalidades de leitura e de troca de informações das pessoas: em casa, na escola ou em
seu posto de trabalho. (...). Em resposta, os sistemas de educação estão integrando as competências
digitais (de leitura) em seus programas de educação”. Mais adiante o relatório diz: “Entre 2003 e 2018,
Brasil, Indonésia, México, Turquia e Uruguai matricularam na educação secundária muito mais estu-
dantes de 15 anos sem sacrificar a qualidade da educação oferecida (OCDE, 2018, p. 2).
SUMÁRIO 111
para formar o “cidadão do futuro” eficiente, adaptável, competitivo;
dimensionar o que é importante que ele conheça e seja capaz de
fazer; como prepará-lo para que possa fazer estudos universitários
em carreiras no campo de Science, technology, engineering, mathe-
matics (STEM); determinar os sentidos da educação e a política edu-
cativa dos países à escala mundial, a atrelando à economia. Ainda
que tais intenções não apareçam de forma clara, a autora diz que fica
evidente a ausência de uma perspectiva participativa dos cidadãos
na determinação de uma educação voltada para o exercício cons-
ciente da cidadania e para a transformação social.
SUMÁRIO 112
mercado de trabalho e às avaliações de larga escala (CORRÊA,
2022; RODRIGUES; PEREIRA; MOHR, 2021).
12 Harvey (2014) aponta quatro fatos que geraram ruptura na história econômica, limitando o poder
dos sindicatos e dando início ao processo de globalização: (1) a política monetária de Paul Volker
em 1979 no Banco Central dos Estados Unidos (FED); (2) a eleição de Margaret Thatcher, em 1979, na
Grã-Bretanha; (3) a eleição em 1980 de Ronald Reagan nos EUA, que apoiou as decisões de Volker;
e (4) o início da liberalização da economia da China, por Den Xiaoping, em 1978. O neoliberalismo,
como é chamada esta teoria das práticas político-econômicas, propõe que o bem-estar do indivíduo
é mais bem desenvolvido pela liberação das liberdades e capacidades empreendedoras de cada um,
fundamentada na propriedade privada, no livre mercado e na intervenção mínima do Estado.
SUMÁRIO 113
Estados Unidos e Inglaterra são exemplos de países que
passaram por grandes reformas, em que a avaliação foi utilizada
como instrumento eficaz para produzir mudanças inspiradas na
ideologia emergente (eficiência e accountability) “onde se fundem
valores e interesses contraditórios de origem liberal e conservadora”
(AFONSO, 2002, p. 32).
SUMÁRIO 114
da escola e uma efetiva utilização social da avaliação. Seabra et al.
(2021) ratificam que a AEE tem sido reconhecida, em Portugal, como
um importante mecanismo de produção de mudanças nas escolas
do ensino não superior, mas que essas mudanças nem sempre atin-
gem o cerne da ação educativa – a sala de aula.
SUMÁRIO 115
Figura 1 – Quadro de referência IGEC – primeiro ciclo de avaliação
externa de escolas na União Europeia
SUMÁRIO 116
mas a análise revelou debilidades entre as duas AEE. Além disso, da
primeira para a segunda AEE foram mantidos, como pontos fortes,
os resultados acadêmicos, as taxas de conclusão no final do terceiro
ciclo do ensino básico e do secundário, e as médias das classifica-
ções obtidas em exames nacionais.
SUMÁRIO 117
criado o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb),
consolidado na segunda metade dos anos 1990. O Saeb é composto
por três avaliações externas: Avaliação Nacional da Educação Básica
(Aneb), Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), conhe-
cida como Prova Brasil, e Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA).
A Provinha Brasil é outro tipo de avaliação externa aplicada para alu-
nos do segundo ano do Ensino Fundamental de escolas públicas
brasileiras, visando investigar as habilidades das crianças em Língua
Portuguesa e Matemática.
Para Rosa e Pereira (2023), um dos reflexos mais visíveis das ava-
liações externas, enquanto instrumento de regulação, implementação,
SUMÁRIO 118
gestão e monitoramento das políticas públicas, com foco na melho-
ria da qualidade da educação, foi a criação de sistemas próprios de
avaliação da Educação Básica nos Estados.
SUMÁRIO 119
recursos financeiros, a merenda escolar inexistente ou precária etc.
Muitos destes fatores extrapolam os muros da escola.
SUMÁRIO 120
bolsas, até a qualidade da merenda, fazendo a escola ser
um lugar bem prazeroso – e não dar a recompensa de
acordo com a nota da escola, isso é ruim para todos [...]
(CORREA; SANTOS, 2018, p. 2).
SUMÁRIO 121
desconhece. Outro ponto que é reiterado nas avaliações externas
é o conceito de “qualidade na educação”. A qualidade do ensino no
Brasil é, em boa medida, interpretada à luz dos resultados de ava-
liações externas de larga escala. São elas que geram o IDEB (Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica), indicador criado pelo
Ministério da Educação para avaliar a qualidade da educação básica,
sendo calculado a partir da média das notas dos estudantes em pro-
vas realizadas pelo Inep e a taxa de aprovação e de conclusão dos
estudantes. A principal crítica ao IDEB é que, sendo uma nota que
considera apenas o desempenho em provas padronizadas (Enem,
SAEB) e o fluxo escolar, omite muitos outros fatores que incidem
diretamente na qualidade (DANTAS, 2017), como formação dos pro-
fessores, infraestrutura das escolas e participação da comunidade.
SUMÁRIO 122
O que ocorre é que em algumas instituições escolares o dis-
curso de qualidade representa apenas uma pontuação capturada dos
relatórios oficiais, sem as devidas reflexões sobre o trabalho pedagó-
gico. Isto confronta com o entendimento de que “é de natureza da
avaliação promover aprimoramentos institucionais, subsidiando-os
com os dados da realidade que capturam e que disponibilizam para
que os atores se engajem ativamente no processo de qualificação
em curso” (SORDI, 2012, p. 164). Revela uma fragilidade e ausência
de uma cultura de avaliação enquanto parte do trabalho pedagógico.
Como consequência, os resultados da avaliação externa não perten-
cessem à escola. O padrão vigente não consegue envolver os pro-
fessores que “poderiam compor um modelo de avaliação externa da
aprendizagem associado à formação dos professores em avaliação
educacional, destacando as teorias em torno da validade e da avalia-
ção democrática” (AMARAL; ALAVARSE; SILVA, 2020).
SUMÁRIO 123
ESCUTA A COORDENADORES
E PROFESSORES DE CIÊNCIAS
DA REDE MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE
Nesta seção trazemos alguns resultados de uma escuta sobre
concepções e prática acerca das avaliações externas de dez coorde-
nadores pedagógicos e dez professores de ciências de escolas da
rede municipal de Porto Alegre, RS. A escuta foi realizada entre os
meses de setembro a dezembro de 2015. Reiteramos que o estudo
faz parte de uma pesquisa maior, de Tese de Doutorado em Ensino
de Física, que objetivou de forma mais ampla investigar: procedi-
mentos de avaliação da aprendizagem praticados na escola, onde se
registraram certas negociações, acordos coletivos dos professores
(e.g., PPPs, atas de planejamento etc.); relações entre a avaliação
praticada na escola e o que estabelecem as orientações oficiais; ava-
liações externas e implicações do resultado destas na escola e no
trabalho dos professores, em especial de Ciências; formação e atu-
ação profissional dos professores de Ciências; avaliação na prática
dos professores de Ciências.
SUMÁRIO 124
questão de pesquisa: qual a concepção dos coordenadores e da
escola sobre a avaliação externa e seu impacto na prática escolar?
SUMÁRIO 125
um trabalho de simulado, no nono ano e quinto ano
para também dar uma analisada de como é que eles
estão (Coordenadora B).
SUMÁRIO 126
Com relação à concepção acerca dos valores dos IDEB:
[...] Não é só a nota do aluno, a taxa de reprovação, de
evasão, tudo isso gera aquele índice lá. Então como a
nossa escola é uma escola assim que reprova muito
pouco, reprova pouquíssimo [...] (Coordenadora D).
[...] a gente acha que este ano vai diminuir, mas não é em
função do rendimento, vai ser em função de alunos infre-
quentes. Porque infrequência também baixa o índice
de IDEB. E a gente está percebendo que este ano, como
uma coisa recorrente em todas as escolas, os alunos
estão infrequentes [...] (Coordenadora D).
SUMÁRIO 127
A escuta revelou infrequência dos estudantes é um problema
apontado por todos os entrevistados, pois implica diretamente na
redução do valor do IDEB. A Coordenadora G e o Coordenador I
acreditam que o valor do IDEB não representa a real situação da
escola, e defendem que seria necessário pensar outra estratégia que
considerasse o trabalho escolar.
SUMÁRIO 128
Coordenadoras e o Coordenador revelam a existência de pressão
principalmente da mantenedora.
Da parte da Secretaria existe uma cobrança para a
gente aumentar. Para a gente não rodar aluno porque
isso baixa a nota (Coordenadora B).
SUMÁRIO 129
[...] a gente recebe sim cobrança da mantenedora. A
gente recebeu neste ano, inclusive nas reuniões peda-
gógicas, a presença da assessoria da SMED trazendo
os índices, os resultados que a escola já teve, trazendo os
índices né para trabalhar dentro do que é avaliado. Ciên-
cias eu soube que vai entrar (Coordenadora E, informação
verbal, grifos dos autores).
SUMÁRIO 130
Como já informamos, na etapa final do estudo prospectivo
aplicamos um questionário que foi respondido por pelo menos um(a)
professor(a) de Ciências de cada uma das dez escolas visitadas. Tive-
mos também, nesse momento, oportunidade de ter uma conversa
informal com esse(as) educadores(as). Participaram da pesquisa
oito rofessoras e dois professores de Ciências (um profissional de
cada escola). Ressaltamos que eram professores(as) que atuavam
no último ano do Ensino Fundamental (9º ano-ciclo), ano em que era
iniciado o trabalho de tópicos da Física.
SUMÁRIO 131
Figura 2 – Conhecimento dos professores(as) de ciências sobre as Avaliações
Externas de que participam as escolas
15 O Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul – SAERS surge através do de-
creto nº 45.300, de 30 de outubro de 2007, procura avaliar objetiva e sistematicamente a qualidade
da Educação Básica oferecida nas escolas gaúchas. As escolas participantes são da Rede Públi-
ca estadual, urbanas e rurais (independente do número de alunos) e escolas municipais e
particulares que optarem por participar (RIO GRANDE DO SUL, 2016, grifo nosso).
SUMÁRIO 132
finalidade de melhorar os índices do IDEB etc. Procuro
seguir as orientações para que todas as disciplinas parti-
cipem da melhoria da qualidade de ensino (Professor B).
SUMÁRIO 133
Tivemos formações da SMED com os resultados dos
outros anos e com sugestões para voltar o planeja-
mento para isso (Professora E).
SUMÁRIO 134
Os(as) professores(as) pesquisados evidenciaram que os
resultados das avaliações externas são discutidos nas reuniões. O
Professor F destacou que se referenciava nos modelos das ques-
tões dessas provas. O Professor B apontou que considerava os
descritores das disciplinas e a Professora G corroborou dizendo
que “trabalhar a escrita dos estudantes” é de responsabilidade de
todos os professores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Identificamos que a Prova Brasil e a Provinha Brasil são as
duas formas de avaliações externas mais conhecidas e aplicadas
nas dez escolas investigadas, da rede pública de uma Capital bra-
sileira. Os(as) Coordenadores(as) e Professoras e o Professor escu-
tados não divergiram em relação às pesquisas da literatura quando
às características das avaliações externas, que centram, em nosso
país, exclusivamente no desempenho dos estudantes; dizem que
esses exames pouco impactam na atividade docente, ainda que
admitam existirem orientações e pressões para preparar os alunos e,
assim, melhorar o IDEB.
SUMÁRIO 135
mais alta pode ter mais recursos e, portanto, obter melhores resul-
tados em avaliações externas, mesmo que não esteja fornecendo
uma educação realmente superior. Segundo, os rankings podem
desencorajar a inovação e a criatividade, pois as escolas em geral
se sentem pressionadas a se concentrar na obtenção de bons resul-
tados em avaliações externas em vez de se preocupar em criar um
ambiente de aprendizado realmente estimulante, e voltado aos inte-
resses e contexto local.
SUMÁRIO 136
AGRADECIMENTOS
Claudio Rejane da Silva Dantas agradece a bolsa de dou-
torado e o apoio recebido da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – Capes.
REFERÊNCIAS
AFONSO, A. J. Políticas educativas e avaliação das escolas: por uma prática avaliativa
menos regulatória. In: COSTA, J. A.; MENDES NETO, A.; VENTURA, A. (org.). Avaliação de
Organizações Educativas. Aveiro: Universidade de Aveiro, 2002, p. 31-37. Disponível em:
http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/55454. Acesso em: dez. 2022.
SUMÁRIO 137
BRAVO, M. H. A. et al. Avaliação Educacional no Brasil: artigos acadêmicos de 1997 a 2018.
Estud. Aval. Educ., São Paulo, v. 33, e08681, 2022.
CORREA, C. S.; SANTOS, L. M. O olhar dos professores sobre as avaliações externas e seus
impactos nas práticas pedagógicas. Revista Educação Pública, v. 18, n. 21, 2018.
SUMÁRIO 138
HARVEY, D. O neoliberalismo: história e implicações. 5. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014.
LAVAL, C. A. Escola não é uma Empresa. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2019.
MACHADO, C. Avaliação externa e gestão escolar: reflexões sobre usos dos resultados.
Revista @mbienteeducação, v. 5, n. 1, p. 70-82, 2012.
MIRANDA, N.; PEREIRA; S. O que a Pandemia nos Pode Ensinar acerca da Avaliação
Externa das Aprendizagens? Revista Internacional de Educación para la Justicia
Social, v. 9, n. 3e, p. 259-280, 2020.
ORLANDO FILHO, O.; MARTINS SÁ, V. I. Avaliação externa da gestão escolar do Programa
Nova Escola do Estado do Rio de Janeiro: um estudo reflexivo sobre o seu primeiro ciclo de
realização (2000-2003), passados quinze anos de sua implementação. Ensaio: Avaliação
e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v.24, n. 91, p. 275-307, 2016.
SUMÁRIO 139
SORDI, M. R. L. de. A avaliação da qualidade da escola pública: a titularidade dos atores
no processo e as consequências do descarte de seus saberes. In: FREITAS, L. C. de. et al.
Avaliação e políticas públicas educacionais: ensaios contrarregulatórios em debate.
Campinas: Edições Leitura Crítica, 2012, p. 157-169.
TERRASÊCA, M. Autoavaliação, Avaliação Externa… afinal para que serve a avaliação das
escolas? Cad. Cedes, Campinas, v. 36, n. 99, p. 155-174, 2016.
SUMÁRIO 140
5
Bianca Vasconcelos do Evangelho Franco
Tobias Espinosa
Leonardo Albuquerque Heidemann
EM BUSCA DE SENTIDO:
INTERPRETANDO AS EXPERIÊNCIAS ACADÊMICAS
À LUZ DAS SUBFUNÇÕES DA AUTORREGULAÇÃO
INTRODUÇÃO
Uma característica marcante da agência humana é que pes-
soas, mesmo submetidas a experiências muito semelhantes, podem
reagir de modo muito distinto. Demonstrando essa complexidade
do comportamento em um evento extremo, Viktor Frankl (1991), no
seu clássico livro intitulado “Em busca de sentido”, relata que, diante
das mais severas crueldades a que eram submetidos em um campo
de concentração, alguns prisioneiros delatavam seus companhei-
ros aos guardas, enquanto outros, a despeito de tudo, caminhavam
para as câmaras de gás cantando hinos de louvor. O sentido da vida,
segundo o autor, está no âmago das decisões dessas pessoas; a
busca por uma razão de ser era central nas suas experiências. Nessa
perspectiva, nossos valores, crenças e conhecimentos, que foram
construídos por meio das nossas histórias de vida e que, portanto,
são profundamente dependentes do nosso meio social, são per-
manentemente repensados e reorganizados de modo a atribuirmos
sentido ao que vivemos no presente. Dado que cada pessoa viveu
situações distintas em suas vidas, o sentido das experiências huma-
nas é subjetivo. É na interação entre as pessoas e as suas experi-
ências que os sentidos são construídos; portanto, situações muito
semelhantes podem ser interpretadas de maneiras muito distintas.
SUMÁRIO 142
aprendizado e crescimento, encontrando um sentido positivo nela.
O primeiro sentido pode levá-los à decisão de evadir, enquanto o
segundo pode motivá-los a persistir nos estudos (MORAES, 2020).
SUMÁRIO 143
Segundo Bandura (2008), a autorregulação consiste na capa-
cidade do indivíduo de regular seu próprio comportamento. Ela opera
por intermédio de três subfunções (ou subprocessos), por meio dos
quais os indivíduos podem: monitorar (automonitoramento), avaliar
(autojulgamento) e reagir/refletir (autorreação) sobre suas ações,
visando alcançar seus objetivos.
SUMÁRIO 144
A AUTORREGULAÇÃO NA
TEORIA SOCIAL COGNITIVA
No campo da Psicologia, há diversas abordagens teóricas
que tentam explicar o comportamento humano. Algumas dessas
teorias procuram entender o comportamento por meio de determi-
nantes que atuam de forma unidirecional, isto é, o comportamento
resulta de fatores pessoais e ambientais/contextuais, que não atuam
de forma independente. Outras, denominadas como bidirecionais,
consideram que o comportamento não é um processo causal, mas
reconhecem que os fatores pessoais e ambientais/contextuais são
interdependentes. Já Bandura, na Teoria Social Cognitiva (TSC), pro-
põe a existência de uma reciprocidade triádica sintetizada na Figura 1.
SUMÁRIO 145
suas experiências adquiridas por meio da observação ou modela-
gem social e as utilizam para produzir novos comportamentos.
SUMÁRIO 146
de discrepâncias (proativo) juntamente com um sistema de redução
dessas discrepâncias (reativo).
SUMÁRIO 147
e avaliação, bem como promover estratégias autorregulatórias que
contribuam para o sucesso acadêmico.
SUMÁRIO 148
dimensões de desempenho (que serão utilizadas como referências
pelos indivíduos) e da qualidade do monitoramento (precisão, fee-
dback constante e temporalidade), os agentes podem monitorar e
identificar seus próprios comportamentos. Cabe destacar que tal
processo não se resume ao registro e observação de forma automá-
tica e mecânica. Como o comportamento varia em diversas dimen-
sões (e.g., produtividade do indivíduo; qualidade; originalidade), os
indivíduos tendem a ter atenção seletiva, ou seja, focam em alguns
aspectos de seus comportamentos que lhes tenha maior significado
e sentido, enquanto ignoram variações em dimensões que julgam
irrelevantes. Essa subfunção é importante, pois, quando os indiví-
duos têm clareza sobre o modo como o comportamento foi reali-
zado, há o favorecimento do desempenho e o fornecimento de infor-
mações que serão utilizadas como referências nos processos de jul-
gamento. Além disso, de acordo com Polydoro e Azzi (2008, p. 154), a
auto-observação “serve a duas importantes funções no processo de
autorregulação: prover a informação necessária para o estabeleci-
mento de padrões de desempenho realísticos e avaliar as mudanças
em curso do comportamento”.
SUMÁRIO 149
amigos, pessoas que estão mais avançadas que nós, que apresen-
tam status social mais elevado ou que são competentes em uma área
de nosso interesse; e ii. fontes de reforçamento, isto é, autorrecom-
pensas e incentivos positivos visando a adesão de atividades valori-
zadas, assim como autocrítica e incentivos negativos (punições) que
serão aplicados a comportamentos julgados como indevidos.
SUMÁRIO 150
De acordo com Bandura (2008), os indivíduos se orgulham de suas
ações e conquistas quando compreendem que seu sucesso foi
resultado de suas próprias habilidades e esforços (causas pesso-
ais). Em contrapartida, não se sentem tão orgulhosos ou motivados
quando associam seu desempenho a causas que não dependem
deles (causas externas).
SUMÁRIO 151
inferir que, ao atribuir sentido às suas experiências, os indivíduos
estão passando por um processo autorregulatório. Ou seja, os sen-
tidos atribuídos pelos estudantes às suas experiências universitárias
estão relacionados aos fatores cognitivos mobilizados por eles, isto
é, seus subprocessos autorregulatórios de: (i) autoavaliação/auto-
julgamento; (ii) atribuição causal (equivalente aos determinantes de
desempenho); e (iii) autorreação.
OS SENTIDOS DA
EXPERIÊNCIA DE REPROVAÇÃO
Com intuito de compreender e analisar possíveis fatores
que influenciam na decisão dos estudantes de evadir ou persistir,
foi investigado: (i) quais os principais sentidos (resultantes da mobi-
lização de subfunções autorregulatórias) atribuídos pelos estudan-
tes às suas experiências de reprovação; e (ii) como a autorregulação
da aprendizagem e o sentido atribuído à reprovação influenciam na
intenção de persistência dos estudantes. Foram avaliadas as respos-
tas de 140 estudantes de cursos de Física ou com ênfase em Física
que responderam a um questionário on-line. Desses, apenas 65 já
haviam sido reprovados. No presente capítulo, limitamo-nos a discu-
tir alguns exemplos qualitativos dos resultados obtidos em relação
ao sentido atribuído pelos estudantes às suas reprovações.
SUMÁRIO 152
Para investigar esses sentidos, utilizamos quatro questões
abertas que faziam parte de um questionário com 24 questões. A pri-
meira delas perguntava: “De forma geral, como você se sentiu quando
foi reprovado? Comente detalhadamente sua resposta”. Ela visava
compreender como o mecanismo de autorregulação, em especial o
subprocesso de autoavaliação, foi mobilizado durante a experiência
de reprovação. Para investigar a atribuição causal realizada pelos
estudantes acerca de suas reprovações, eles responderam “Des-
creva, em detalhes, qual(is) a(s) causa(s) que você atribui à sua repro-
vação”. A terceira questão propunha a seguinte indagação: “De que
forma a reprovação influenciou em suas ações/decisões/comporta-
mentos/experiências no curso? Comente”. Ela tinha como propósito
investigar como os estudantes autorreagiram diante da experiência
de reprovação. Por fim, propusemos uma questão de distribuição
de pontos. Elencamos alguns fatores que podem ser considerados
como possíveis causas das experiências de reprovação (e.g., esco-
larização pregressa deficitária; metodologia de ensino utilizada pelo
professor inadequada; dificuldade para conciliar estudos com a vida
profissional) com intuito de identificar quais deles mais se destacam
na percepção dos estudantes.
SUMÁRIO 153
e (iii) injustiça (9,2% das respostas), associado a métodos e sistema
de ensino injustos. Analisando as categorias relacionadas às auto-
avaliações, podemos identificar que todas apresentaram caráter
negativo, o que indica que a experiência de reprovação, inicialmente,
é considerada como algo negativo. Assim, se nos limitássemos a
compreender o sentido atribuído às reprovações analisando apenas
a subfunção de autoavaliação, não seria possível constatar algum
sentido positivo. Todos os estudantes atribuiriam sentidos semelhan-
tes à sua experiência, o que iria de encontro ao que observamos na
literatura (MORAES, 2020; FRANKL, 1991), isto é, interpretações e
atribuições de sentido distintas mesmo em situações semelhantes.
Isso reforça a importância de uma análise multidimensional do sen-
tido das experiências acadêmicas.
SUMÁRIO 154
Embora os indivíduos, ao avaliarem seus comportamentos e
ações, considerem quais foram os determinantes de seu desempe-
nho, isto é, atribuam causas para suas experiências, se focássemos
apenas nessa subfunção, não seria possível identificarmos os princi-
pais sentidos, apenas levantaríamos hipóteses sobre quais elemen-
tos são mais recorrentes e merecem maior atenção ao protagoniza-
rem as experiências dos estudantes.
SUMÁRIO 155
Como o sentido é produto dessas três subfunções (autoa-
valiação, atribuição causal e autorreação), agrupamos as categorias
encontradas em cada subfunção por meio da análise de similitude.
Esse tipo de análise segue um delineamento qualitativo, possibili-
tando ao pesquisador identificar a coocorrência entre palavras e
o modo como essas palavras se conectam entre si. Para analisar-
mos essa coocorrência e interconectividade entre as palavras, é
gerado no software figuras nas quais a espessura das linhas nos
possibilita identificar indícios sobre a frequência de correlação
entre as palavras, isto é, quanto maior a quantidade de vezes em
que as palavras apareceram juntas, mais espessa será a linha que as
conecta, enquanto linhas mais finas indicarão pequenas correlações
(CAMARGO; JUSTO, 2013). Para realizarmos a análise de similitude,
utilizamos o software Iramuteq16. Incluímos no software as categorias
propostas para cada uma das subfunções (autoavaliação, atribui-
ção causal e autorreação), o que nos possibilitou identificar alguns
dos principais sentidos atribuídos pelos estudantes às suas experi-
ências de reprovação.
16 Software gratuito e de código aberto que possibilita a realização de análises de similaridade em cor-
pus textuais, entre outras funcionalidades. Disponível em: http://sourceforge.net/projects/iramuteq/.
SUMÁRIO 156
Ao focarmos nas experiências de reprovação, que, de modo
geral, são consideradas socialmente como “algo negativo, prejudi-
cial”, foi possível identificarmos a influência dessa percepção social
nos padrões pessoais que os estudantes utilizaram para se autoa-
valiarem ao vivenciarem essa experiência. Todas as categorias apre-
sentaram um sentido negativo relacionado à incapacidade, fracasso
em comparação com seus desempenhos no Ensino Básico, despre-
paro, entre outros. Com relação às causas atribuídas à reprovação,
identificamos desde elementos individuais, até fatores institucionais,
o que nos possibilita dispendermos esforços em ações e agendas
propositivas que busquem minimizar o impacto desses fatores no
desempenho dos estudantes. E, por fim, o sentido atribuído à repro-
vação ficou completo ao analisarmos a subfunção de autorreação,
por meio da qual foi possível identificarmos que, ao reagir de modo
positivo, os estudantes tendem a ressignificar essa experiência, pas-
sando a atribuir e apreender sentidos positivos dessas vivências.
Em contrapartida, estudantes que reagem de modo negativo, isto é,
se desmotivam ou se desconectam do curso e/ou instituição, ten-
dem a atribuir e apreender sentidos ainda mais negativos às experi-
ências de reprovação.
SUMÁRIO 157
Ou seja, por meio das subfunções, investigamos e analisamos todo o
processo de reprovação, desde o modo como ela é percebida, até as
estratégias, ações, comportamentos, emoções que estão envolvidas
nesse processo e que foram cruciais para mudanças autodiretivas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de a maior parte dos estudos sobre autorregula-
ção, no campo educacional, se centrar em identificar e promover o
desenvolvimento da habilidade autorregulatória dos estudantes para
alcançarem seus objetivos acadêmicos (e.g., FRISON et al., 2015;
SALGADO; POLYDORO; ROSÁRIO, 2018), o modelo proposto por
Bandura também se revela útil para analisarmos os sentidos das
experiências acadêmicas vivenciadas pelos alunos, como demons-
tramos neste capítulo. Mais especificamente, defendemos que é
possível avaliar os sentidos das experiências acadêmicas a partir
das subfunções da autorregulação, isto é, por meio da autoavaliação,
atribuição causal/determinantes de desempenho e autorreação.
SUMÁRIO 158
emocionais (positivas ou negativas) e autorreações não identificadas
(quando os indivíduos não souberam ou não quiseram opinar).
SUMÁRIO 159
vivenciadas por mentores(as) e mentorandos(as) e seu impacto na
motivação dos estudantes de persistirem ou evadirem do curso, bem
como seu impacto no desenvolvimento e aprimoramento da habili-
dade autorregulatória.
REFERÊNCIAS
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Porto Alegre: Artmed, 2008.
SUMÁRIO 160
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SUMÁRIO 161
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Estudios e Investigación en Psicología y Educación, v. Extr., n. 1, p. 1-6, 2015.
SUMÁRIO 162
6
Nathan Willig Lima
Gabriela Gomes Rosa
Afonso Werner da Rosa
Eduardo Gois
EM DIREÇÃO A UMA
PEDAGOGIA COSMOPOLÍTICA:
HISTÓRIA E FILOSOFIA NO ENSINO
DE CIÊNCIAS PARA REVIVER NO ANTROPOCENO
INTRODUÇÃO
No dia 8 de janeiro de 2023, a praça dos três poderes, em
Brasília, foi invadida, e os prédios do Planalto, Congresso e Supremo
Tribunal Federal foram depredados. Os autores dessas ações
seguem o curso dos atos realizados desde o fim do ano de 2022,
contestando os resultados das eleições para presidente da república
do Brasil, o qual se alinha com um movimento mais amplo de ataque
à democracia. Esses episódios são mais um preocupante exemplo
da crise da confiança nas instituições modernas, que se agudiza
na contemporaneidade.
SUMÁRIO 164
sobretudo, político – ou mais precisamente – epistêmico-político
(LATOUR, 2020a; LIMA; NASCIMENTO, 2021). Partindo das discus-
sões sobre teoria do currículo (SILVA, 2010), podemos entender a
educação como um fenômeno ontológico-político, uma vez que, por
meio do currículo, concebemos qual é “o ser ideal” que gostaríamos
de formar ao final do processo. Esse “ser ideal” (portanto uma ques-
tão ontológica) é concebido para um sistema específico, uma certa
organização social (portanto, uma questão política).
SUMÁRIO 165
é um convite. É um convite não somente para a troca de ideias, mas
para a construção efetiva de um mundo melhor.
SUMÁRIO 166
fundamentais que precisam ser discutidas. No presente capítulo,
nosso objetivo é apresentar um programa de pesquisa para forma-
ção de uma pedagogia cosmopolítica, o qual está como pano de
fundo (de forma explícita ou não) nas diferentes pesquisas do Grupo
de Pesquisa em História, Filosofia e Ensino de Física da UFRGS. Para
tanto, vamos apresentar e problematizar as principais questões de
pesquisa que estão no horizonte de nossas discussões.
SUMÁRIO 167
cosmpolítica se dá por meio da cultura de uma forma mais ampla, se
tornando essa um contexto importante de pesquisa. Apresentamos,
nessas seções, algumas questões de pesquisa que norteiam, hoje,
nossas discussões. Por fim, apresentamos nossas reflexões finais.
COSMOPOLÍTICA E A VIRADA
ONTOLÓGICA DA ANTROPOLOGIA
O termo política deriva da palavra grega polis, a cidade.
Assim, de uma forma geral, “político” é um termo usado para desig-
nar os processos e atividades que se dão na organização e constru-
ção dos espaços coletivos, comuns, em detrimento da organização
dos espaços privados.
SUMÁRIO 168
fora do campo político, ou seja, nem ela participa da política, nem
seria afetada por ela.
SUMÁRIO 169
Ao mesmo tempo que reconhecemos a pluralidade de cole-
tivos e defendemos as diferentes formas de existência, por outro
lado, percebemos que o desafio das mutações climáticas exige uma
resposta orquestrada, comum, de toda Terra. Não é possível que
apenas o nosso grupo reconheça o aquecimento global e passe a
agir para o mitigar. Se os demais grupos continuam com suas práti-
cas que são causadoras do aquecimento, todos nós sofreremos os
resultados (mesmo aqueles que tentaram o evitar). Algo semelhante
acontece na pandemia: não é suficiente que um grupo se vacine e
tome os devidos cuidados. Quando se vai ao supermercado, todos
devem estar vacinados e tomando os devidos cuidados, para reduzir
ao máximo a possibilidade de contaminação. Essa impossibilidade
de controle sobre os efeitos das práticas e a necessidade de organi-
zações mais amplas entra no campo do que chamamos hoje de uma
“sociedade de risco” (PIETROCOLA et al., 2021).
SUMÁRIO 170
Eduardo Viveiros de Castro (2018) discute essa mudança
metodológica em termos de uma perspectiva centrífuga, em que se
parte do acontecimento concreto real e da voz dos participantes para
construir os constructos da própria narrativa. Ou seja, o arcabouço
teórico não se constrói a priori, mas se ergue a partir da voz dos par-
ticipantes18. Há uma inversão epistemológica: o estudo se constrói
a partir dos conceitos do estudado e não do pesquisador. Segundo
Castro (2018) esse é um passo fundamental para avançarmos em
uma descolonização radical, função fundamental da Antropologia.
18 Isso não deve ser confundido com uma concepção de observação não mediada. Pelo contrário, a
perspectiva centrífuga abre ainda mais as possibilidades de mediação.
SUMÁRIO 171
Tal prática discursiva, entretanto, suscita um problema: o
conceito de cidadania é polissêmico, e suas acepções apresentam
diferentes compromissos políticos e epistêmicos (PINHÃO; MAR-
TINS, 2014). Nesse sentido, o uso da palavra cidadania em um dis-
curso pedagógico, sem a devida especificação da acepção adotada
pode suscitar uma maior confusão sobre os objetivos concretos
da Educação e até mesmo implicar a defesa de perspectivas con-
traditórias e opostas à construção de uma sociedade justa (VILA-
NOVA; MARTINS, 2017).
SUMÁRIO 172
Pinhão e Martins (2014), o modelo democrático republicano pres-
supõe valores cívicos universais que orientariam a ação dos sujei-
tos – desconsiderando as assimetrias da sociedade e submetendo
a política a aspectos puramente éticos – enquanto que o modelo
democrático procedimentalista busca, ao mesmo tempo, garantir
direitos individuais e situar os indivíduos como parte de circunstân-
cias culturais específicas, em ambos modelos, a tomada de decisão
é descentralizada. Nesse contexto, o cidadão participativo, tendo
conhecimento da ciência, busca por soluções para os problemas
da comunidade em que está inserido (seja a nível local ou global)
(WESTHEIMER; KAHNE, 2004).
SUMÁRIO 173
Uma vez que essas propostas partem de uma concepção clássica de
política e, portanto, de sociedade, elas não transgredem as fronteiras
entre o natural e o social, não pressupõem diferentes naturezas, e
nem discutem o papel dos não-humanos no processo de organização
dos coletivos. Assim, em que medida uma nova categoria de cidada-
nia não pode ser necessária: a cidadania cosmopolítica? A definição
desse modelo de cidadania, suas implicações ontopolíticas e epistê-
micas, bem como sua tradução para prática pedagógica são os pri-
meiros pilares do programa de pesquisa que estamos construindo.
SUMÁRIO 174
O USO DE HISTÓRIA E FILOSOFIA DA
CIÊNCIA NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS
Os cientistas sempre escreveram história da ciência como
uma forma de manutenção de suas perspectivas e contribuições
(VIDEIRA, 2007). Após a segunda guerra mundial, entretanto, a his-
toriografia da ciência passa por um processo de intensa renovação
com a abordagem social e cultural da história da ciência (BLOOR,
1991; KUHN, 1996; LIGHTMAN, 2016).
SUMÁRIO 175
Para tanto, é necessária a inserção de HFC no Ensino de Ciências,
tanto em suas bases curriculares quanto nos materiais didáticos e
cursos de formação de professores.
SUMÁRIO 176
Nesse contexto, Moura (2021) destaca que uma virada polí-
tica na abordagem da história da ciência implica um melhor enten-
dimento na relação entre natureza e sociedade, dos diferentes méto-
dos da ciência (pluralidade interna), e das formas com que a ciência
invisibiliza certas contribuições frente ao contexto social e histórico.
Guerra (2021) defende o uso história e filosofia da ciência como
forma de promoção da justiça social, contribuindo para uma edu-
cação científica politizada. Conforme ressaltamos na seção anterior,
uma pedagogia cosmopolítica passa, também, por viabilizar a for-
mação de cidadãos que saibam os conceitos da ciência, para pode-
rem se posicionar sobre os temas urgentes da contemporaneidade.
Assim, um aspecto importante do uso de história da ciência é para
potencializar o aprendizado de conceitos científicos (KARAM; LIMA,
2022). Em especial, Karam (2021) apresenta um conjunto de orien-
tações metodológicas para escolha de fontes primárias e seu uso
no contexto didático a fim de fomentar o aprendizado dos concei-
tos científicos. Nesse mesmo sentido, Lima e Rosa (2022) discutem
as potencialidades e os cuidados metodológicos necessários para o
uso de história da ciência no sentido de fomentar aprendizado.
SUMÁRIO 177
e (3) tendências pós-estruturalistas: não apresentam uma estrutura
fixa para a ciência ou para seu desenvolvimento, as quais tendem a
questionar as delimitações impostas entre natureza e sociedade.
A CULTURA EM UMA
PEDAGOGIA COSMOPOLÍTICA
Se, por um lado, a história e filosofia da ciência têm o poten-
cial de contribuir para uma cidadania cosmopolítica, por outro, o que
aprendemos de ciência, sobre ciência, e sobre valores, não está resu-
mido à sala de aula. Aprendemos sobre essas questões o tempo
todo, em nossa família, com nossos amigos, nas redes sociais, nos
livros, na televisão, nas músicas, no cinema. Em todos esses locais
(concretos ou virtuais) e por meio dessas relações formamos nossa
opinião sobre a ciência e sobre as questões sociocientíficas.
SUMÁRIO 178
a autonomização (processo de parceria e citação científica); as
alianças (parcerias com instituições públicas e privadas); e a opi-
nião pública (posicionamento da sociedade como um todo sobre
a ciência). A ciência se dá na intersecção de todos esses fluxos,
e cada um interfere no outro, como em um sistema circulatório
de um organismo vivo.
SUMÁRIO 179
Em especial, Giroux (1999) discute os aspectos ideológicos passados
com os filmes da Disney.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme discutimos nesse capítulo, vivemos em um novo
período geológico, o Antropoceno, em que as dimensões naturais
e sociais aparecem profundamente hibridizadas. Nesse contexto,
ademais, diferentes crises de confiança se multiplicam e se alargam
nos últimos anos, formando um novo fenômeno epistêmico-polí-
tico, a pós-verdade.
SUMÁRIO 180
literatura da área de educação em ciências, para defender a neces-
sidade de uma pedagogia cosmopolítica, capaz de formar para uma
cidadania cosmopolítica.
SUMÁRIO 181
Essa proposta, ademais, passa por um segundo reconheci-
mento. A maioria dos problemas urgentes, que estão diante de nós,
são atravessados por uma dimensão científica (ainda que não pos-
sam ser reduzidos a ela), característica do Antropoceno, e, portanto,
o exercício da cidadania cosmopolítica demanda um conhecimento
amplo sobre ciência e de ciência. Por isso, temos defendido a impor-
tância de resgatar, em nosso programa de pesquisa, o olhar sobre o
ensino e o aprendizado de conceitos científicos. Pois esses actantes
e suas performances circulam pelas redes e grupos que tensionam
a construção do mundo comum. Viabilizar um ensino de ciências
em que se aprende os conceitos de ciências implica viabilizar uma
compreensão mais ampla sobre o cenário atual e o aprofundamento
da capacidade de ação no mundo.
SUMÁRIO 182
pensar em como nós mesmos podemos contribuir para o debate
público, para o aumento da confiança na ciência, e para a construção
do mundo comum, nesses mesmos campos de atuação.
REFERÊNCIAS
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Routledge/Taylor & Francis Group, 2007.
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SUMÁRIO 183
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SUMÁRIO 188
7
Elkin A. Vera-Rey
Ileana M. Greca
Ives Solano Araujo
Eliane Angela Veit
CAMPOS DE IDENTIFICACIÓN
Y NEGOCIABILIDAD:
UN MARCO ANALÍTICO PARA EL ESTUDIO
DE LOS PROCESOS DE FORMACIÓN
DE IDENTIDAD DOCENTE DEL PROFESOR DE CIENCIAS
INTRODUCCIÓN
La identidad como noción teórica y fenomenológica se ha
convertido en un importante tema de interés para diferentes disci-
plinas (filosofía, antropología, psicología y educación, entre otras);
por lo tanto, se han desarrollado diversos enfoques para su estudio
haciendo, a su vez, que la definición de identidad se complejiza y
se vuelva polisémica. Como alertan Beauchamp y Thomas (2009)
el principal obstáculo para la comprensión de la identidad es inten-
tar resolver su propia definición, ya que las líneas que separan los
problemas de estudio suelen ser bastante tenues y su delimitación
conceptual en la mayoría de los casos se sobreponen.
SUMÁRIO 190
estudio de la identidad del profesor de ciencias, y a nuestro modo de
ver, aportan rutas de aproximación conceptual y metodológica en la
construcción de posibles preguntas de investigación:
• La identidad ofrece una lente poderosa y multidi-
mensional para estudiar el aprendizaje y el desar-
rollo de los docentes.
21 Este, como todos los demás nombres utilizados en los resultados, son seudónimos.
SUMÁRIO 191
analítico para identificar y/o ejemplificar acontecimientos, tensiones
y/o sinergias que emergen del estudio de los procesos de forma-
ción de identidad del profesor de ciencias. Tomando como base el
modelo propuesto por Wenger (2001) denominado “ecología social
de la identidad” (p. 232) adaptamos sus componentes y adicionamos
el concepto de “escenario de intervención” (GARCÍA; GUERRERO,
2012) para estructurar e implementar nuestra propuesta.
22 Esta investigación hace parte de un trabajo de tesis doctoral enfocado en el cultivo de una CoP
Virtual de profesores de Física, iniciado en la segunda mitad del 2018 (VERA-REY, 2021).
SUMÁRIO 192
describiendo cada uno de sus elementos constitutivos y el referente
metodológico. En la cuarta sección presentaremos los resultados
empíricos detallando el proceso de mediación tecnológica para la rea-
lización de las entrevistas semiestructuradas por videochat. En esta
misma sección presentaremos a manera de ejemplo de aplicación
reconstrucción de la red egocéntrica mediante la narrativa autobio-
gráfica de uno de los ocho profesores participantes del estudio y las
respuestas a las tres preguntas acerca del “Yo” profesor de ciencias.
Para terminar, presentaremos a manera de conclusión algunos alcan-
ces y limitaciones del modelo propuesto para el estudio de la identidad
del profesor de ciencias, destacando el potencial de los campos como
insumos para el diseño de posibles temáticas a ser abordadas en los
espacios de formación de maestros de ciencias.
SUMÁRIO 193
de nuestras vidas. De acuerdo con Wenger (2001), mediante estos
cuatro componentes es posible caracterizar el aprendizaje como un
fenómeno social, fundamentado en la acción humana de aprender
en comunidad; a su vez, destaca la importancia de comprender la
participación social como un proceso de aprender y conocer. Dichos
componentes se encuentran interconectados y se definen mutua-
mente, creando “puentes” que articulan los procesos de aprendizaje
social, a través de los cuales las prácticas evolucionan y facilitan la
inclusión de los participantes en estas, promoviendo el desarrollo y
transformación de las identidades individuales y colectivas.
SUMÁRIO 194
solo en la medida que permite la creación de etiquetas u otro tipo
de indicadores cosificados de afiliación, sino también, porque aporta
a la formación y despliegue de un régimen de competencias que es
negociado localmente. Este régimen contribuye a la comunidad a
definir qué aprender y por qué aprenderlo. También, contribuye a
establecer lo que significa ser un participante competente por medio
de su propia práctica, creando una interacción bidireccional entre la
experiencia y la competencia, que resulta fundamental para la evo-
lución de las prácticas. El autor identifica tres posibles modos de afi-
liación a comunidades, el compromiso, la imaginación y la alineación;
configurando una gama de procesos que se combinan mutuamente
mediante trabajos y concesiones para dar forma a nuestras identida-
des. En palabras del autor:
1) compromiso: intervenir de una manera activa en proce-
sos mutuos de negociación de significado;
SUMÁRIO 195
los significados con los que nos hemos comprometido. Asimismo,
la naturaleza dual de la identidad permite definir qué significados
son importantes para nosotros y negociar su importancia dentro de
una estructura social, abriendo la posibilidad para que estos sean
construidos por los implicados y aplicables a nuevas circunstancias
de vida, aportando el material suficiente para definir nuestras identi-
dades. En otras palabras, construimos nuestras identidades a partir
de la tensión existente entre identificación y la negociabilidad a partir
de las diversas formas de afiliación a las comunidades en las cuales
participamos y nuestra capacidad de negociar los significados rele-
vantes para cada contexto específico.
SUMÁRIO 196
FUNDAMENTOS CONCEPTUALES
DEL MODELO CAMPOS DE
IDENTIFICACIÓN Y NEGOCIABILIDAD
SUMÁRIO 197
Figura 1 – Modelo de campos de identificación y negociabilidad
de la identidad docente
SUMÁRIO 198
a: (i) Universidad y (ii) Escuela. Al proponer los escenarios de inter-
vención sujetos e instituciones buscamos generar conexiones entre
el componente individual y el colectivo de los docentes situando
el “Yo” y el “Nosotros” en sus contextos de negociación de signifi-
cados en la práctica profesional, es decir, en la Universidad y en la
Escuela. Esto nos permite conjugar identidades relacionales y posi-
cionales (HOLLAND et al., 1998) articulando las formas cómo los
docentes identifican su condición como educadores en relación con
otros docentes y demás miembros de las comunidades educativas.
Además, nos ayuda a determinar las diferentes formas mediante las
cuales los docentes negocian la posición social en la cual se encuen-
tran en el mundo, y dimensionar la identidad profesional del docente
como un sistema integrado y complejo inserto en las diversas estruc-
turas socioculturales del entorno educativo.
SUMÁRIO 199
modos de afiliación (compromiso, imaginación y alineación) las resu-
mimos de la siguiente manera:
SUMÁRIO 200
que emergen de los escenarios de intervención, destacando la natu-
raleza dual de la identidad individual y colectiva y las diferentes for-
mas como los saberes docentes se manifiestan para dar sustento y
construir sus trayectorias e identidad profesional.
SUMÁRIO 201
Como se presenta en la Figura 2a, la tarjeta de red egocén-
trica semiestandarizada se compone de tres círculos concéntricos
cuyo punto central se ubica el “Yo”. Cada círculo corresponde a un
nivel de proximidad con respecto al “Yo”, generando tres atributos
para las personas y/o grupos que conforman la red social del entre-
vistado (muy cercano, cercano, poco cercano, pero importante). De
igual manera, la red se divide en tres dimensiones (familia, tiempo
libre y trabajo/universidad) abarcando diferentes contextos que
aportan experiencias de vida e historias compartidas con los miem-
bros de la red personal, las cuales se ven reflejadas a través del relato
autobiográfico. La Figura 2b presenta a manera de ejemplo la red
construida por Juliana.
SUMÁRIO 202
Figura 2a – Tarjeta de red egocéntrica semiestandarizada
B
Fuente: Elaboración de los autores a partir de HEIN et al. (2013).
SUMÁRIO 203
RESULTADOS EMPÍRICOS
SUMÁRIO 204
Tabla 1 – Preguntas de la entrevista
SUMÁRIO 205
resolver algunos problemas de la vida cotidiana (mantenimiento de
la casa, reparaciones y pago de cuentas e impuestos, etc.). En el nivel
poco cercano, pero importante están sus hermanos, aunque mani-
fiesta que con ellos casi no se ve, ya que no existe un lazo afectivo
muy fuerte, tal vez como ella lo expresa, producto de la diferencia de
edades que se tienen. Juliana sabe que en el momento que los nece-
site ellos van a estar ahí para apoyarla y ellos también saben que ella
estará dispuesta a ayudarlos en lo que esté a su alcance.
25 Según el diccionario de la RAE, una maña es un tipo de destreza o habilidad, pero también puede
ser asociado como un vicio, una mala costumbre o un resabio. Tomado de: https://dle.rae.es/
ma%C3%B1a
SUMÁRIO 206
trabajo como a sus alumnas, fortaleciendo una responsabilidad de
género que se alinea con unos principios y objetivos mayores que
trasciende a la enseñanza de la Física. De esta manera, podemos
argumentar que en el campo principios y objetivos mayores inter-
vienen diversos y continuos procesos de negociación acerca de las
formas locales de ser y pertenecer a una comunidad educativa, en el
caso de Juliana una institución femenina de carácter público de una
zona popular de Bogotá. A su vez, dichas características del contexto
educativo se conectan con instancia globales mucho más amplias,
por ejemplo “el cuidado, respeto y equidad para la mujer” o “el papel
de las mujeres en la ciencia”, cuyas prácticas y discursos aportan sig-
nificados y categorías con los cuales Juliana se identifica, motiván-
dola a mantener y valorizar el conjunto de relaciones interpersonales
que ha construido con sus colegas de área y con sus “chicas” como
llama a sus alumnas, creando compromisos de mutualidad.
SUMÁRIO 207
una persona cercana en su red para incluirla en la dimensión tiempo
libre. Además de la pandemia, considera que con el ingreso en 2018
al doctorado en Enseñanza de las Ciencias tuvo que sacrificar gran
parte de las actividades que realizaba en su tiempo libre, lo cual la
ha llevado en continuas ocasiones a repensar la idea de continuar
o por el contrario desistir de este. Finalmente, y en medio de esta
reflexión ubicó en el nivel muy cercano al último grupo artístico en
el que participó, en el nivel cercano a los excompañeros de los gru-
pos artísticos y en el poco cercano, pero importante a excompañeros
de trabajo y estudio.
SUMÁRIO 208
artísticos en insumos que motivan su compromiso y sus acciones en
los grupos en los cuales participa o ha participado, dando sustento
a su red personal. Tal como expresó, su compromiso con los diver-
sos grupos le ha permitido participar en eventos culturales a nivel
nacional e internacional representando a Colombia; creando víncu-
los con diversas personas y organizaciones, que al igual que con sus
hermanos, puede que no sean muy fuertes, pero siempre van a estar
ahí y siempre van a tener un nivel de importancia en su vida. A la
pregunta ¿Cómo me gustaría ser? Respondió:
¿Cómo me gustaría ser?... me gustaría que mi trabajo o
mi labor sea reconocida, reconocida o… que tenga un
impacto en mis estudiantes así sea a futuro que finalmente
siempre pasa ¿no? Pues no con todo el mundo, pero si
hay chicas que quizás en el momento en el colegio no
eran tan cercanas y después uno se entera que hay… que
hay una admiración, que hay un respeto, que hay hasta
lealtad si se puede decir ¿no sé? bueno y no solamente
con las chicas sino con los ex estudiantes de otros lados.
SUMÁRIO 209
En el campo líder inspirador convergen diversos procesos de iden-
tificación y negociación que contribuyen a dar “rienda suelta” a
nuestra imaginación para crear imágenes y/o representaciones de
la labor del docente de ciencias y del “Yo” profesor de ciencias, las
cuales abren la posibilidad, tanto para el docente, los estudiantes y
demás colegas, de proyectar sus experiencias y expectativas a otros
contextos (dentro y/o fuera del contexto escolar), generando cone-
xiones entre el tiempo y el espacio. De esta manera, el campo líder
inspirador se constituye en un recurso para visualizar y proyectar el
potencial (a veces oculto) que tenemos los docentes de influir en
la vida de nuestros estudiantes y ser un punto de referencia para
ellos, ampliando nuestras posibilidades de motivarlos de manera
directa o indirecta a asumir posibles compromisos con los cuales se
identifican y comparten.
SUMÁRIO 210
aspecto positivo del cual el docente puede sacar gran partido, por
ejemplo, conocer un poco las características de estas nuevas gene-
raciones aportaría a implementar posibles prácticas en el salón de
clase. Por otra parte, se podría decir que la insatisfacción o las ganas
de crecer le ayudarían a Juliana a alinear sus acciones en el aula
con unos principios y objetivos mayores con los cuales se identifica
y difunde, ya que estos integran diversos valores que impulsan su
gusto por las artes, la Enseñanza de la Física y la docencia. Conside-
ramos al igual que Juliana, que no todo tiempo pasado siempre fue
mejor, simplemente es otro tiempo con intereses distintos y nuevos
desafíos para los docentes.
A MODO DE CONCLUSIÓN,
ALGUNAS LIMITANTES DEL
MODELO Y PERSPECTIVAS
Considerando los dos objetivos propuestos para el presente
trabajo, el primero estructurar el marco analítico del modelo que
denominamos “campos de identificación y negociabilidad” para el
estudio de la identidad del docente de ciencias; el segundo, imple-
mentar el modelo presentando como ejemplo la reconstrucción de
la narrativa autobiográfica de la red egocéntrica de Juliana, presenta-
mos a modo de conclusión los siguientes aspectos.
SUMÁRIO 211
de identidad docente sea estudiada de manera empírica según las
problemáticas, objetivos y preguntas de investigación específicas
que definan los investigadores. Como expresan García y Guerrero
(2012), la configuración de los elementos básicos de cada escenario
es una tarea que debe realizar el investigador una vez tenga defini-
dos sus objetivos y problemas de investigación, “dicha configuración
de los escenarios hará parte del proceso de establecimiento de los
marcos conceptuales” (p. 38). Es decir, el modelo que hemos pro-
puesto es lo suficientemente flexible para ser adaptado según las
necesidades y objetivos de pesquisa que se tengan.
SUMÁRIO 212
de las prácticas, como su debacle haciendo que este tipo de inicia-
tivas se conviertan en carga adicional para el docente y terminan
siendo abandonados.
SUMÁRIO 213
vención y los participantes del estudio. Con relación el alto grado de
subjetividad del modelo podemos afirmar que los hallazgos depen-
den del tipo de interpretación que realicen los investigadores, es
decir no se pueden generalizar, ni tampoco definir un único instru-
mento de recolección de datos o técnica de análisis. Con relación al
tiempo de inmersión, como presentamos, el investigador que realizó
las entrevistas era un miembro activo (participante observador) de la
CoP virtual FisiCoP y su papel de gestor le atribuyó cierta legitimidad
para formular este tipo de preguntas a los entrevistados acerca del
“Yo”. Esta condición sirvió para motivar a los colegas participantes a
narrar de manera natural y espontánea aspectos personales que en
otras circunstancias resultarían fáciles de narrar para un “descono-
cido”. Adicional, el trabajo de campo realizado de un poco más dos
años (2018-2020) y la continua sistematización de notas en el diario
del investigador, permitieron identificar aspectos del contexto online
y offline de los participantes e hilar algunas situaciones, anécdotas
y tensiones relevantes para la composición e interpretación de la
narrativa autobiográfica, que con la sola entrevista no hubieran sido
posibles identificar.
SUMÁRIO 214
AGRADECIMIENTOS
Elkin A. Vera-Rey agradece la beca de doctorado otorgada
desde el 2017 al 2021 por la Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil, y a la beca CAPES-PRINT
(Programa Institucional de Internacionalización) para realizar una
pasantía de investigación desde octubre de 2019 hasta marzo de
2020 en la Universidad de Burgos (España) bajo la orientación de la
profesora Dra. Ileana M. Greca. Ives Solano Araujo agradece la beca
de productividad recibida por parte del Conselho Nacional de Desen-
volvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil.
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SUMÁRIO 217
8
Matheus Monteiro Nascimento
Laís Gedoz
Daniel Pigozzo
DESIGUALDADES ESTRUTURAIS,
PRÁTICAS SOCIAIS E EPISTÊMICAS:
O MODUS OPERANDI DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
NO ESTUDO DE OBJETOS DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS
INTRODUÇÃO
A pesquisa em Ensino de Física no Brasil passou por trans-
formações importantes ao longo dos últimos cinquenta anos. A aná-
lise dos objetos de pesquisa, dos referenciais teóricos e dos métodos
empregados nos permite organizar este período em três fases dis-
tintas. Uma primeira fase (~1960-1990) marcada por investigações
focadas no ensino de conceitos, produção de material didático e for-
mação de professores da educação básica. Como não havia ainda
uma produção de conhecimento organizada nem a formação espe-
cializada de recursos humanos, muitos dos trabalhos desenvolvidos
acabavam sendo realizados com base na forma de se fazer pesquisa
dentro da própria Física. A visão de ciência compartilhada na época,
em geral, era a do método científico clássico, entendido como uma
sequência linear e rígida de passos que se inicia com uma “observa-
ção neutra” e culmina em uma descoberta científica.
SUMÁRIO 219
Nessa perspectiva, não somente a ciência, mas também o ensino
das ciências e a pesquisa em Educação em Ciências são entendidas
como atividades sociais humanas conduzidas dentro de contextos
institucionais e culturais específicos. Há, nesse sentido, uma apro-
ximação com a área da Sociologia, tanto nas questões educacio-
nais (BOURDIEU, 2007 [1979]) como nas relacionadas com a prática
científica (LATOUR, WOOLGAR, 1986). Assim, a terceira fase da pes-
quisa em Educação em Ciências, ainda em curso, evidencia um diá-
logo bastante sólido com referências do campo das ciências huma-
nas e sociais para além dos canônicos da Psicologia e da Filosofia
da Ciência. Com isso, notamos o início do investimento em estu-
dos sobre desigualdades educacionais/sociais; questões de gênero,
classe e raça na ciência e no ensino das ciências; estudos na inter-
face ciência, tecnologia, sociedade, ambiente; perspectiva decolonial
na ciência e no ensino das ciências.
SUMÁRIO 220
Nesse sentido, o objetivo do presente capítulo é apresentar
trabalhos que vêm sendo desenvolvidos nas duas linhas de pesquisa
do Laboratório de Estudos em Sociologia da Educação e da Ciên-
cia (LESEC) da UFRGS. Todas as ações desenvolvidas no âmbito
do LESEC têm como pano de fundo a busca constante – através
da Educação em Ciências – por uma sociedade mais justa, menos
desigual, ecologicamente viável e capaz de lidar com controvérsias
dentro e fora da Ciência. O primeiro trabalho, concentrado na linha
Desigualdades estruturais na Educação e na Ciência, aborda a ques-
tão da formação da identidade científica de estudantes mulheres de
um curso de Física. Queremos entender as razões que fazem com
que as mulheres, apesar de aspirarem seguir uma carreira científica,
não considerarem que a ciência seja um espaço para elas (ARCHER,
MOOTE, MACLEOD, 2020). O segundo trabalho, concentrado na
linha Relações entre a Ciência e outros campos sociais, se volta para
as redes sociais a fim de estudar as práticas discursivas mobiliza-
das em períodos de controvérsias científicas, políticas, epistêmicas
e sociais. Os dois trabalhos aqui apresentados se apoiam no modus
operandi de se fazer pesquisa dentro das ciências sociais. Entende-
mos que somente com o diálogo com outras áreas é que seremos
capazes de compreender na sua completude os objetos próprios da
Educação em Ciências.
SUMÁRIO 221
favoreceu o sucesso masculino. Na área da Física, essa questão é
ainda mais acentuada, pois ela é uma das áreas com maior presença
masculina e o campo mais atrasado nas discussões de gênero (HAR-
DING, 1986). O projeto Impacto das desigualdades estruturais na for-
mação da identidade científica de estudantes mulheres de um curso
de Física surge para compreendermos algumas das experiências e
dificuldades que as mulheres enfrentam nos cursos de bacharelado
em Física. Se reconhece que nestes espaços a maioria dos profes-
sores e estudantes são homens. Assim, considerando que a área da
Física é extremamente masculinizada, e que essa estrutura se repro-
duz ao longo do tempo, cabe questionar o que as mulheres precisam
fazer, ou não, para conseguir se adaptar nessa área. Para entender
essas questões, o grupo adota uma perspectiva teórica fundamen-
tada na intersecção entre a epistemologia da Teoria Feminista do
Ponto de Vista através das obras desenvolvidas pela filósofa Sandra
Harding, os estudos sobre identidade através da obra de Holland et
al. (1998) e o conceito de identidade científica na Física de Zahra
Hazari e colaboradores. A seguir, apresentamos a importância dos
estudos sobre gênero e identidade científica na Física e as princi-
pais ideias das perspectivas teóricas que fundamentam as pesquisas
nesta linha de pesquisa.
SUMÁRIO 222
concentrar em determinadas áreas, chamadas de “guetos femininos”,
que são: Linguística, Enfermagem, Psicologia, Economia doméstica,
Nutrição e Serviço social. Na academia brasileira de ciências, elas
são minoria em todas as áreas. A área com a maior proporção de
mulheres é a de Biologia com 25% (FERRARI et al., 2018). Compre-
ender por que existem os guetos femininos, desenvolver pesquisas e
ações que busquem incentivar as mulheres a se inserirem em áreas
nas quais elas são minoria, e a permanecerem nelas, se torna funda-
mental para que se obtenha uma maior diversidade dentro da ciên-
cia e nas diferentes áreas profissionais. Segundo Cordeiro (2017),
a ciência e a sociedade tendem a se beneficiar da pluralidade de
olhares, abordagens e pressupostos teóricos de uma comunidade
científica mais heterogênea.
SUMÁRIO 223
um bom desempenho em uma determinada disciplina não garante
um senso de competência para atuar em profissões relacionadas a
esta disciplina (HAZARI et al., 2020). Segundo o estudo longitudinal
feito por Archer, Moote e Macleod (2020), no qual quinze estudantes
foram acompanhados ao longo de seis anos, embora as mulheres
tivessem um ótimo aproveitamento nas aulas de física, elas não se
sentiam competentes para seguir na área. Para as(os) autoras(es),
devido aos estereótipos bastante presentes de que o cientista é um
homem muito inteligente, que resolve problemas sem esforço, as
meninas acabam internalizando que elas não possuem as caracte-
rísticas necessárias para serem cientistas.
SUMÁRIO 224
existe um terceiro conjunto de perspectivas teóricas que investe no
conceito de identidade científica. Esse tipo de teoria foca tanto nos
aspectos socioculturais como individuais. O conceito de identidade
científica pode ser entendido como a forma pela qual uma pessoa
percebe a ciência como um conjunto de experiências, habilidades,
conhecimentos e crenças dignas (ou indignas) de seu envolvimento
(CARLONE; JOHNSON, 2007). Segundo Brotman e Moore (2008),
as pesquisas sobre identidade no campo de estudos de gênero e
ciência começaram a surgir nas últimas décadas, tornando-se um
dos temas emergentes da área no cenário internacional. Estes tipos
de estudos surgem para suprir uma importante lacuna da área que
é a consideração das questões de gênero, raciais, de classe, dentre
outros constructos sociais, nas pesquisas em Educação em Ciências.
A ideia principal é de que essas características individuais influen-
ciam na forma como os sujeitos irão se identificar com a ciência.
SUMÁRIO 225
de gênero são metáforas dualistas de gênero e dicotomias que as
pessoas atribuem a fenômenos, coisas ou pessoas por meio da
linguagem (e.g. homens são objetivos, mulheres são subjetivas,
homens entendem a Física melhor do que as mulheres). A Estru-
tura de gênero é como os indivíduos organizam suas atividades e
interações sociais com base nos Simbolismos de gênero (e.g. exis-
tem mais homens do que mulheres atuando na área da Física). Já
o Gênero individual é uma forma de identificação e comportamento
individual que é socialmente construído e está correlacionado com a
“realidade” (HARDING, 1986, p. 18) ou com a percepção das diferen-
ças sexuais. Além disso, é o modo como os seres humanos se iden-
tificam como tal, e isso pode ser percebido através do modo como
um indivíduo se posiciona em diferentes contextos (DUE, 2012) (e.g.
eu não sou boa em Física porque eu sou mulher). A autora destaca
que a divisão de trabalho por gênero na nossa sociedade influen-
cia a divisão de trabalho dentro da ciência, preservando também as
hierarquias sociais. Essa divisão de trabalho por gênero e os Sim-
bolismos de gênero relacionados à ciência, segundo Harding (1986),
são igualmente responsáveis pela baixa representatividade feminina
e pelo fato de que as meninas geralmente não se interessam em
desenvolver habilidades científicas.
SUMÁRIO 226
A identidade combina figurativamente o mundo pessoal do indivíduo
com as relações sociais e o espaço coletivo das formas culturais.
SUMÁRIO 227
tarefas exigidas na Física. Reconhecimento diz respeito a ser reco-
nhecido por pares, ou outras pessoas, como sendo um físico ou física.
Por fim, o senso de pertencimento é entendido como sendo a percep-
ção de se encaixar, ou se sentir excluído, da comunidade da Física.
ANÁLISE DE PRÁTICAS
DISCURSIVAS NAS REDES SOCIAIS:
O USO DA ETNOGRAFIA VIRTUAL NO ESTUDO DAS
RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA, POLÍTICA E SOCIEDADE
As conexões humanas que estão sendo estabelecidas e
propiciadas atualmente pela internet fazem parte de um processo
já irreversível. É difícil imaginar alguma dimensão da vida cotidiana
contemporânea que não seja híbrida ou integralmente online: recur-
sos educacionais, conteúdos audiovisuais para entretenimento e
SUMÁRIO 228
diversão, comprovantes de vacinação, registro de pontos para jorna-
das de trabalho, cópias autenticadas de documentos de identificação,
dispositivos inteligentes para o controle de residências etc. Por isso,
do mesmo modo como devemos nos atentar às diferentes formas
de interação entre pessoas e máquinas que nunca foram experien-
ciadas anteriormente, também é preciso dar uma atenção especial
à internet como um campo e um tema para pesquisas acadêmicas.
SUMÁRIO 229
específicos a serem cumpridos e, dependendo das referências esco-
lhidas, conjuntos bem robustos de conceitos teoricamente funda-
mentados que podem ser usados. Através deles é possível construir
correlações entre as práticas da etnografia e outras teorias para que
se possa chegar a conclusões bem articuladas. Portanto, a etnogra-
fia virtual não deve ser entendida como um simples método. Seu
maior trunfo é oferecer uma densa descrição das ações, dos com-
portamentos e dos discursos concretizados no ciberespaço; uma
descrição que não é necessariamente definida pelos detalhes meto-
dológicos e pelas estratégias específicas de imersão, observação e
participação em determinadas redes sociais, plataformas, comuni-
dades ou aplicativos.
SUMÁRIO 230
severamente onde e quando será experienciado aquilo que se busca
descrever com a etnografia virtual. Entretanto, a internet é, tanto para
a etnografia virtual quanto para a antropologia digital como um todo,
um espaço em que o momento presente é experienciado ao lado de
conteúdos e informações não só de outras redes sociais, sites, apli-
cativos ou plataformas, mas também de registros de momentos já
passados. Portanto, ao estudar antropologicamente o ciberespaço,
outro objetivo importante é se manter atento a outros contextos tem-
porais que a internet nos permite investigar com praticamente todos
os mesmos recursos de visualização e interação que os registros
mais recentes ou instantâneos. Em uma descrição etnográfica virtual
de quais comunidades ou grupos sociais interagem mais com uma
determinada hashtag no Twitter, por exemplo, pode ser extrema-
mente difícil concluir qualquer coisa significativa sem acompanhar
o desenrolar da hashtag por horas ou, até mesmo, dias sem poder
comparar os tweets mais antigos com os mais recentes ou sem fazer
referência à origem do termo associado à hashtag que pode ter sur-
gido em algum outro canto do ciberespaço, como um site de notícias
ou uma rede social completamente diferente como o Instagram.
SUMÁRIO 231
Outro objetivo essencial é a conscientização sobre os limi-
tes descritivos da etnografia virtual. Isso não significa que é preciso
reconhecer uma suposta insignificância ou incompetência da etno-
grafia virtual, muito pelo contrário. Significa, na verdade, uma nega-
ção das hierarquizações entre abordagens teórico-metodológicas,
buscando valorizar aquilo que só a descrição etnográfica pode fazer,
mas evitando omissões ou negligências éticas em suas conclusões.
A totalidade do ciberespaço é algo extremamente difícil de experien-
ciar e de se fazer entender e, no contexto da etnografia virtual e da
antropologia digital, não é adequado investir em generalizações e
em posições discursivas que apresentam pouco poder explicativo.
SUMÁRIO 232
ciar que não existe um sujeito externo – um pesquisador, no caso
– com uma posição privilegiada para usar, se apropriar e represen-
tar uma cultura ou comunidade, e, portanto, é preciso se atentar à
metáfora do olhar, aceitando que o trabalho de campo etnográfico é
uma vivência única em uma realidade específica, mas é também a
transcrição de uma experiência, uma representação textual do ato de
olhar para um outro ser. Todo pesquisador que realiza estudos antro-
pológicos relacionados à internet precisa estar atento ao seu olhar,
avaliando e reavaliando ativamente seu trabalho para não construir
falsas dicotomias entre elementos técnicos e elementos humanos ou
a pré-existência de comunidades e culturas.
SUMÁRIO 233
Desde seus primórdios, antes mesmo dos atuais pontos de
revisionismo e criticidade como os que acabamos de comentar, a
etnografia virtual vem trabalhando com assuntos que apresentam
muitas intersecções com os temas de interesse tanto dos estudos
sociais das ciências quanto da abordagem Ciência-Tecnologia-So-
ciedade (CTS); campos do conhecimento que já há muito tempo
compartilham fronteiras com a Educação em Ciências. Entretanto,
intersecções não ocorrem só no âmbito dos temas e objetos de
estudo, mas até mesmo em um compartilhamento de visões de
mundo e trajetórias analíticas. Além de uma evidente influência das
obras de autores como Donna Haraway (2009), diversos domínios
etnográficos (ESCOBAR, 2016) foram investigados virtualmente
através de análises das práticas discursivas propostas por diferentes
escolas de pensamento e com variados níveis de profundidade.
SUMÁRIO 234
teórico-metodológica da descrição etnográfica. Hine, por exemplo,
referencia o socioconstrutivismo e a análise crítica do discurso de
autores como Jonathan Potter (1996) e Norman Flairclough (1995).
Entretanto, há uma tendência em especial que queremos destacar,
uma tendência que tem muito em comum com movimentos recentes
na Educação em Ciências: os estudos voltados ao ciberespaço que
se apropriam da filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin (BAKH-
TIN, 2016; VOLÓCHINOV, 2018).
SUMÁRIO 235
espaço que dá forma para novas relações entre seres humanos e
máquinas, mas também como um campo de estudo para pesquisas
acadêmicas, precisamos então concluir com a defesa da etnografia
virtual baseada no pensamento bakhtiniano como uma das possi-
bilidades emergentes mais importantes na qual precisamos investir
para o futuro dos estudos sociais das ciências.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente capítulo, que faz parte de um livro que reúne
trabalhos produzidos no Programa de Pós-graduação em Ensino de
Física da UFRGS, nos preocupamos em apresentar dois projetos que
analisam objetos distintos da área da Educação em Ciências, mas
que possuem como característica comum o diálogo com as ciên-
cias sociais. Entendemos que tanto o ensino como a pesquisa em
ensino de ciências nos tempos atuais precisam fortalecer as apro-
ximações com outras áreas do conhecimento, em especial com as
ciências humanas, sociais e sociais aplicadas. O breve resgate his-
tórico de institucionalização da área que fizemos explicita a neces-
sidade de uma ampliação de horizontes em termos de perspecti-
vas teórico-metodológicas para contemplar os desafios do mundo
contemporâneo. Não é possível desconsiderar das pesquisas que
desenvolvemos elementos como desigualdades estruturais, nega-
cionismos, controvérsias e intersecções políticas e econômicas na
educação e na ciência.
SUMÁRIO 236
as idiossincrasias que orbitam a construção das identidades, nesse
caso específico, das identidades científicas.
AGRADECIMENTOS
Matheus Monteiro Nascimento agradece o apoio da Fun-
dação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul
(FAPERGS) a partir do Edital ARD/ARC 10/2021. Laís Gedoz e Daniel
Pigozzo agradecem o apoio financeiro concedido pela Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para o
desenvolvimento destas pesquisas.
SUMÁRIO 237
REFERÊNCIAS
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unprecedented inequality in the wake of COVID-19. Oxford: Oxfam GB, 2022.
ALSOP, S.; BENCZE, L. Reimagining science and technology education in the Covid-19
portal. JASTE: journal for activist science & technology education, Toronto, v. 11, n. 2, p.
i-vii, 2020.
ARCHER, L.; MOOTE, J.; MACLEOD, E. Learning that physics is ‘not for me’: Pedagogic work
and the cultivation of habitus among advanced level physics students. Journal of the
Learning Sciences, v. 29, n. 3, p. 347–384, 2020.
BOURDIEU, P. Distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2007 [1979].
BROTMAN, J. S.; MOORE, F. M. Girls and science: A review of four themes in the science
education literature. Journal of Research in Science Teaching, v. 45, n. 9, p. 971–1002, 2008.
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interaction in small-group discussions. Cultural Studies of Science Education, v. 9, n.
2, p. 441-459, 2012.
SUMÁRIO 238
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SEGATA, J.; RIFIOTIS, T. (ed.). Políticas etnográficas no campo da cibercultura. Brasília:
ABA Publicações, 2016.
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HAZARI, Z. et al. The context dependence of physics identity: Examining the role of
performance/competence, recognition, interest, and sense of belonging for lower and
upper female physics undergraduates. Journal of Research in Science Teaching, v. 57,
n. 10, p. 1583-1607, 2020.
HAZARI, Z.; TAI, R. H.; SADLER, P. M. Gender differences in introductory university physics
performance: The influence of high school physics preparation and affective factors.
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SUMÁRIO 239
HINE, C. Ethnography for the internet: Embedded, embodied and everyday. Londres:
Bloomsbury Academic, 2015.
HORST, H. A.; MILLER, D. (ed.). Digital anthropology. Nova Iorque: Berg, 2012.
LATOUR, B.; WOOLGAR, S. Laboratory Life: the construction of scientific facts. Princeton:
Princeton University Press, 1986.
LIN, T. J. et al. Research trends in science education from 2013 to 2017: A systematic
content analysis of publications in selected journals. International Journal of Science
Education, v. 41, n. 3, p. 367-387, 2019.
RAVEENDRAN, A., BAZZUL, J. Socialized medicine has always been political: COVID-19,
science and biopower in India. Cultural Studies of Science Education, v. 6, n.4, p. 995-
1013, 2021.
SUMÁRIO 240
REZENDE, F.; OSTERMANN, F.; GUERRA, A. South epistemologies to invent post-pandemic
science education. Cultural Studies of Science Education, Dordrecht, v. 16, p. 981-993, 2021.
SABOURI, P. et al. Considerations for Inclusive and Equitable Design: The Case of STEP UP
Counternarratives in HS Physics. The Physics Teacher, v. 60, n. 9, p. 740-743, dez. 2022.
SUMÁRIO 241
SOBRE OS ORGANIZADORES
Fernanda Ostermann
Licenciada em Física, mestra e doutora em Física, na área de ensino de Física, pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, ocupa o cargo de Professora Titular e é docente permanente do Programa de
Pós-graduação em Ensino de Física da UFRGS. É bolsista de produtividade em pesquisa 1B do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus interesses de pesquisa centram-se nas perspectivas críticas e
pós-críticas na educação básica e na formação de professores.
SUMÁRIO 242
SOBRE OS AUTORES E AS AUTORAS
Afonso Werner da Rosa
Possui graduação em Física Licenciatura pela Universidade de Passo Fundo (UPF), mestrado em Educação pela
Universidade de Passo Fundo e atualmente é doutorando em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Tem interesse nas seguintes áreas: História e Filosofia da Ciência, Epistemologia, Educação
e Ensino de Ciências.
Alan Alves-Brito
Graduado em Física (UEFS), mestre e doutor em Ciências (Astronomia, USP) com estágios de pós-doutorado no Chile
(PUC) e na Austrália (Swinburne University e Australian National University). Professor Adjunto IV (UFRGS). No Ensino,
interessa-se por questões fundamentais de física e astronomia, história e filosofia das ciências, formação de profes-
sores, educação para as relações étnico-raciais, educação escolar quilombola/indígena e divulgação das ciências
físicas em perspectivas contra-hegemônicas. Pesquisador 1D do CNPq.
Anderson Oliveira
Licenciado em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Mestre em Ensino de Física pela
Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Atualmente, é Professor de Física na rede pública estadual do Rio
Grande do Sul e Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física do Instituto de Física da Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e está interessado na pesquisa em Ensino de Física e a Educação das
Relações Étnico-Raciais.
Claudio J. H. Cavalcanti
Possui graduação em Bacharelado em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1989), mestrado
em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1993) e doutorado em Física pela mesma universidade
(2001). Desde junho de 2006 é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em regime de dedicação
exclusiva, onde vem atuando também como docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Física. Tem experiência na área de Física, atuando principalmente nos seguintes temas: inserção de tópicos de Física
SUMÁRIO 243
Moderna e Contemporânea no ensino médio, avaliações em larga escala, métodos mistos de pesquisa, análise
multivariada, Grafos, Teoria Ator-Rede, Filosofia da Linguagem do Círculo de Bakhtin e outros temas relevantes na
Educação em Ciências.
Daniel Pigozzo
Estudante de doutorado no PPGEnFis da UFRGS. Interessado em tópicos e abordagens relacionadas aos science stud-
ies no contexto do ciberespaço ou, mais especificamente, no contato dialógico entre antropologia digital, etnografia
virtual e a pesquisa em educação em ciências.
Eduardo Gois
Graduado em Física pela Universidade de Passo Fundo (UPF), mestre em Educação (UPF), atualmente é doutorando
em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Tem interesse em pesquisas sobre
História, Filosofia e Ensino/Educação em Ciências.
Elkin A. Vera-Rey
Licenciado em Física (2010) e mestre em Educação (2015) pela Universidad Distrital “Francisco José de Caldas” de
Bogotá (Colômbia), e doutor (2021) em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente,
ocupa o cargo de profissional especializado no projeto do Observatório de TIC na Educação da Universidad Distrital
(OBTICUD) e seus interesses de pesquisa estão focados no cultivo de comunidades de prática virtuais como espaços
não formais para a formação de professores de Física.
SUMÁRIO 244
da formação inicial e/ou continuada, teorias curriculares e análise curricular com foco na BNCC, principalmente das
Ciências da Natureza / Física para os anos finais do Ensino Fundamental. Atua como professor de Física na educação
básica no contexto dos anos finais do Ensino Fundamental e do Novo Ensino Médio.
Ileana M. Greca
Catedrática de Didáticas Específicas na Universidade de Burgos (Espanha), tendo feito doutorado na área de ensino
de Física (2000), na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Seus principais interesses de investigação são a
melhoria do ensino das ciências, usando referenciais da epistemologia, da psicologia cognitiva e da didática e a
introdução de tópicos de ciência contemporânea para estudantes do ensino médio e superior.
Kaleb Alho
Doutorando em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Mestre em Educação em Ciências
pela Universidade Federal de Itajubá, atualmente desenvolve pesquisa no campo da Astronomia cultural, intercultur-
alidade e do ensino de Física sob a perspectiva sociocultural.
Laís Gedoz
Estudante de doutorado no PPGEnFis da UFRGS. Tem interesse em pesquisas sobre o impacto de desigualdades
estruturais na Educação e na Ciência, especialmente sobre questões de gênero no Ensino de Física e na Edu-
cação em Ciências.
Luciano Slovinscki
Licenciado em Física pela Universidade Federal Fluminense (2012), Mestre (2017) e Doutor (2022) em Ensino de
Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Concentra sua pesquisa na área de Educação e/ou Ensino de
Astronomia, com foco na Formação Inicial e/ou Continuada de Professores.
SUMÁRIO 245
Nathan Willig Lima
Bacharel em Física e mestre em Engenharia de Materiais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, doutor em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É professor do Instituto de Física e
docente permanente do PPGEnFis da UFRGS. É bolsista de produtividade do CNPq nível 2. Tem interesse em história,
filosofia e ensino de Física.
Tobias Espinosa
Licenciado em Física pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Mestre e Doutor em Ensino de Física pela Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Realizou estágio de doutorado sanduíche na Universidade de Harvard.
Atualmente é professor do Departamento de Física da UFRGS e docente permanente do Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Física da UFRGS. Tem interesse em pesquisas sobre inovações didáticas, métodos ativos de ensino e
evasão universitária.
SUMÁRIO 246