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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

C122

Cadernos de Pesquisa do Programa de Pós-graduação


em Ensino de Física da UFRGS / Organizadores Fernanda
Ostermann, Ives Solano Araujo e Matheus Monteiro
Nascimento. – São Paulo: Pimenta Cultural, 2023.

Livro em PDF

ISBN 978-65-5939-825-6
DOI 10.31560/pimentacultural/2023.98256

1. Ensino de Física. 2. Pesquisa em Ensino. 3. Metodologia


de Pesquisa. 4. Estudo empírico e teórico. I. Ostermann,
Fernanda (organizadora). II. Araujo, Ives Solano (organizador).
III. Nascimento, Matheus Monteiro (organizador). IV. Título.

CDD: 370

Índice para catálogo sistemático:


I. Ensino.
Jéssica Oliveira • Bibliotecária • CRB-034/2023
ISBN formato impresso (brochura): 978-65-5939-826-3
Copyright © Pimenta Cultural, alguns direitos reservados.

Copyright do texto © 2023 os autores e as autoras.

Copyright da edição © 2023 Pimenta Cultural.

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Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
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Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
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Universidade Estadual do Ceará, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Antonio Henrique Coutelo de Moraes Daniele Cristine Rodrigues
Universidade Federal de Rondonópolis, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Anhanguera, Brasil
Dayse Sampaio Lopes Borges Humberto Costa
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Diego Pizarro Igor Alexandre Barcelos Graciano Borges
Instituto Federal de Brasília, Brasil Universidade de Brasília, Brasil
Dorama de Miranda Carvalho Inara Antunes Vieira Willerding
Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Edson da Silva Ivan Farias Barreto
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Elena Maria Mallmann Jaziel Vasconcelos Dorneles
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade de Coimbra, Portugal
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Federal do Paraná, Brasil
Eliane Silva Souza Jocimara Rodrigues de Sousa
Universidade do Estado da Bahia, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Elvira Rodrigues de Santana Joelson Alves Onofre
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil
Éverly Pegoraro Jónata Ferreira de Moura
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Universidade São Francisco, Brasil
Fábio Santos de Andrade Jorge Eschriqui Vieira Pinto
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
Fabrícia Lopes Pinheiro Jorge Luís de Oliveira Pinto Filho
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Felipe Henrique Monteiro Oliveira Juliana de Oliveira Vicentini
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Fernando Vieira da Cruz Julierme Sebastião Morais Souza
Universidade Estadual de Campinas, Brasil Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Gabriella Eldereti Machado Junior César Ferreira de Castro
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade de Brasília, Brasil
Germano Ehlert Pollnow Katia Bruginski Mulik
Universidade Federal de Pelotas, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Geymeesson Brito da Silva Laionel Vieira da Silva
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Giovanna Ofretorio de Oliveira Martin Franchi Leonardo Pinheiro Mozdzenski
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Handherson Leyltton Costa Damasceno Lucila Romano Tragtenberg
Universidade Federal da Bahia, Brasil Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Hebert Elias Lobo Sosa Lucimara Rett
Universidad de Los Andes, Venezuela Universidade Metodista de São Paulo, Brasil
Helciclever Barros da Silva Sales Manoel Augusto Polastreli Barbosa
Instituto Nacional de Estudos Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
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Helena Azevedo Paulo de Almeida Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Marcio Bernardino Sirino
Hendy Barbosa Santos Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Faculdade de Artes do Paraná, Brasil
Marcos Pereira dos Santos Samuel André Pompeo
Universidad Internacional Iberoamericana del Mexico, México Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
Marcos Uzel Pereira da Silva Sebastião Silva Soares
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Maria Aparecida da Silva Santandel Silmar José Spinardi Franchi
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Maria Cristina Giorgi Simone Alves de Carvalho
Centro Federal de Educação Tecnológica Universidade de São Paulo, Brasil
Celso Suckow da Fonseca, Brasil Simoni Urnau Bonfiglio
Maria Edith Maroca de Avelar Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Stela Maris Vaucher Farias
Marina Bezerra da Silva Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Instituto Federal do Piauí, Brasil Tadeu João Ribeiro Baptista
Michele Marcelo Silva Bortolai Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Universidade de São Paulo, Brasil Taiane Aparecida Ribeiro Nepomoceno
Mônica Tavares Orsini Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Taíza da Silva Gama
Nara Oliveira Salles Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Tania Micheline Miorando
Neli Maria Mengalli Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil Tarcísio Vanzin
Patricia Bieging Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade de São Paulo, Brasil Tascieli Feltrin
Patricia Flavia Mota Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Tayson Ribeiro Teles
Raul Inácio Busarello Universidade Federal do Acre, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Thiago Barbosa Soares
Raymundo Carlos Machado Ferreira Filho Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Thiago Camargo Iwamoto
Roberta Rodrigues Ponciano Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Thiago Medeiros Barros
Robson Teles Gomes Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Universidade Federal da Paraíba, Brasil Tiago Mendes de Oliveira
Rodiney Marcelo Braga dos Santos Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Brasil
Universidade Federal de Roraima, Brasil Vanessa Elisabete Raue Rodrigues
Rodrigo Amancio de Assis Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Vania Ribas Ulbricht
Rodrigo Sarruge Molina Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Wellington Furtado Ramos
Rogério Rauber Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil Wellton da Silva de Fatima
Rosane de Fatima Antunes Obregon Instituto Federal de Alagoas, Brasil
Universidade Federal do Maranhão, Brasil Yan Masetto Nicolai
Universidade Federal de São Carlos, Brasil
PARECERISTAS
E REVISORES(AS) POR PARES
Avaliadores e avaliadoras Ad-Hoc

Alessandra Figueiró Thornton Jacqueline de Castro Rimá


Universidade Luterana do Brasil, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Alexandre João Appio Lucimar Romeu Fernandes
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil Instituto Politécnico de Bragança, Brasil
Bianka de Abreu Severo Marcos de Souza Machado
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Federal da Bahia, Brasil
Carlos Eduardo Damian Leite Michele de Oliveira Sampaio
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Catarina Prestes de Carvalho Pedro Augusto Paula do Carmo
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Elisiene Borges Leal Samara Castro da Silva
Universidade Federal do Piauí, Brasil Universidade de Caxias do Sul, Brasil
Elizabete de Paula Pacheco Thais Karina Souza do Nascimento
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Instituto de Ciências das Artes, Brasil
Elton Simomukay Viviane Gil da Silva Oliveira
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil Universidade Federal do Amazonas, Brasil
Francisco Geová Goveia Silva Júnior Weyber Rodrigues de Souza
Universidade Potiguar, Brasil Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil
Indiamaris Pereira William Roslindo Paranhos
Universidade do Vale do Itajaí, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

Parecer e revisão por pares

Os textos que compõem esta


obra foram submetidos para
avaliação do Conselho Editorial
da Pimenta Cultural, bem como
revisados por pares, sendo
indicados para a publicação.
SUMÁRIO
Apresentação............................................................................................ 10

CAPÍTULO 1
Leonardo Albuquerque Heidemann
Rodrigo Weber Pereira
Eliane Angela Veit
Nem provas, nem descobertas:
que podemos produzir no laboratório didático de Física?.........................................15

CAPÍTULO 2
Estevão Antunes Jr.
Claudio J. H. Cavalcanti
Fernanda Ostermann
A BNCC e os PCN no Ensino
Fundamental II em interação dialógica:
uma análise bakhtiniana articulada a redes textuais...............................................56

CAPÍTULO 3
Alan Alves-Brito
Anderson Oliveira
Luciano Slovinscki
Kaleb Alho
Encontro de saberes:
novas interfaces de pesquisa em Ensino,
Educação e divulgação de Ciências Físicas............................................................82

CAPÍTULO 4
Neusa Teresinha Massoni
Claudio Rejane da Silva Dantas
Avaliação Externa:
uma prática na educação científica com muitas questões em aberto...................... 109
CAPÍTULO 5
Bianca Vasconcelos do Evangelho Franco
Tobias Espinosa
Leonardo Albuquerque Heidemann
Em busca de sentido:
interpretando as experiências acadêmicas
à luz das subfunções da autorregulação..............................................................141

CAPÍTULO 6
Nathan Willig Lima
Gabriela Gomes Rosa
Afonso Werner da Rosa
Eduardo Gois
Em direção a uma pedagogia cosmopolítica:
História e Filosofia no Ensino de Ciências para reviver no Antropoceno................... 163

CAPÍTULO 7
Elkin A. Vera-Rey
Ileana M. Greca
Ives Solano Araujo
Eliane Angela Veit
Campos de identificación y negociabilidad:
un marco analítico para el estudio de los procesos de
formación de identidad docente del profesor de Ciencias...................................... 189

CAPÍTULO 8
Matheus Monteiro Nascimento
Laís Gedoz
Daniel Pigozzo
Desigualdades estruturais,
práticas sociais e epistêmicas:
o modus operandi das ciências sociais
no estudo de objetos da Educação em Ciências................................................... 218

Sobre os organizadores.......................................................................242

Sobre os autores e as autoras........................................................... 243


APRESENTAÇÃO
Como área de concentração do Programa de Pós-Gradua-
ção em Física no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), o “Mestrado em Ensino de Física” existia
desde a criação desse Programa em 1968, época na qual foi fun-
dado, em nossa universidade, liderado pelo Prof. Marco Antonio
Moreira, um dos primeiros grupos brasileiros de pesquisa em Ensino
de Física. A primeira dissertação de “Mestrado em Ensino de Física”
foi concluída em 1972 e até 2004 foram apresentadas cerca de 40
dissertações nessa área. Essa primeira dissertação foi também a pri-
meira do Brasil em Ensino de Física e uma das primeiras da América
Latina, senão a primeira. Em meados dos anos noventa do século
passado, a possibilidade de pós-graduação em Física com área de
concentração em Ensino de Física foi estendida ao Doutorado. Em
2000, foram defendidas as duas primeiras teses em Ensino de Física.

Esta iniciativa de um “Doutorado em Ensino de Física”, como


área da Pós-Graduação em Física, pelo Instituto de Física, foi pio-
neira no País e no exterior. Em 2002, o Instituto de Física da UFRGS
foi novamente um protagonista na área de Ensino de Física ao pro-
por o primeiro Mestrado Profissional em Ensino de Física do País,
criando, assim, o Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física
(PPGEnFis), não mais vinculado à Pós-Graduação em Física, para
abrigar esse curso. Em 2006, como parte de uma tradição de mais de
30 anos, foi criado o Mestrado Acadêmico. Finalmente, em 2008, o
PPGEnFis passou a abrigar também o Doutorado em Ensino de Física.

Há outros programas no nosso país que oferecem Mestrado


e Doutorado em Ensino de Ciências, abertos a graduados em Física,
mas não são específicos em Física. Atualmente, a UFRGS é a única
instituição que possui cursos de Mestrado Acadêmico e Doutorado

SUMÁRIO 10
voltados exclusivamente ao Ensino de Física no País. De forma com-
plementar às fundamentais iniciativas interdisciplinares dos Pro-
gramas de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, o
PPGEnFis busca contribuir para a Educação em Ciências no País
direcionando seus esforços investigativos à educação básica, ao
ensino superior, à formação docente, bem como a espaços não for-
mais. À luz de referenciais filosóficos, históricos, sociológicos, epis-
temológicos, teóricos e metodológicos consistentes, as pesquisas
desenvolvidas centram-se em currículo, políticas públicas, ensino-
-aprendizagem, avaliação, metodologias inovadoras no Ensino de
Física e de Ciências.

Em relação ao Mestrado Profissional, formamos 111 mestres


até 2018 (ano de seu encerramento) e, como consequência, foram
disponibilizados mais de uma centena de produtos educacionais,
na forma de textos de apoio ao professor de Física, hipermídias e
vídeos, além das dissertações propriamente ditas. Nos cursos aca-
dêmicos, até o momento, formamos 50 mestres e 36 doutores. Teses
do PPGEnFis obtiveram reconhecimento da CAPES (um prêmio de
melhor tese e três menções honrosas) e duas teses premiadas pela
Sociedade Brasileira de Física (SBF). Na última avaliação realizada
pela CAPES, correspondendo ao quadriênio 2017-2020, o PPGEn-
Fis obteve o conceito 6, mantendo a avaliação da última quadrie-
nal. Em termos de orientadores, o programa atualmente conta com
onze docentes permanentes e dois colaboradores, reconhecidos na
comunidade acadêmica pela formação de pesquisadores e por sua
produção intelectual qualificada.

O presente livro foi organizado com objetivo de compartilhar


produções que vêm sendo realizadas por discentes e docentes do
programa. Este é apenas o primeiro volume de uma série que preten-
demos organizar anualmente.

O primeiro capítulo Nem provas, nem descobertas: o que


podemos produzir no laboratório didático de Física? tem como objetivo

SUMÁRIO 11
fomentar reflexões sobre as potencialidades do laboratório didático
de Física a partir de discussões da filosofia da Ciência e de aspec-
tos relacionados a habilidades e construtos psicológicos dos estu-
dantes. Em particular, apresenta tópicos importantes que devem ser
considerados por professores e pesquisadores quando delineiam,
conduzem e avaliam atividades experimentais no ensino de Física.

Na sequência, o capítulo A BNCC e os PCN no Ensino Funda-


mental II em interação dialógica: uma análise bakhtiniana articulada a
redes textuais, busca investigar padrões linguísticos nos documentos
oficiais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e dos Parâme-
tros Curriculares Nacionais (PCN) com a construção de redes tex-
tuais geradas a partir de relações gramaticais binárias articuladas
com a filosofia da linguagem de Bakhtin. Além dos resultados espe-
cíficos para os documentos em questão, o trabalho apresenta um
novo tipo de método quantitativo-interpretativo que vincula a mine-
ração de texto com a construção/análise de redes textuais em uma
perspectiva bakhtiniana.

A seguir, o capítulo Encontro de saberes: novas interfaces de


pesquisa em Ensino, Educação e divulgação de Ciências Físicas, tem
como objetivo apresentar reflexões sobre as experiências e ações
promovidas no âmbito do PPGEnFis para fomentar o encontro de
saberes entre os conhecimentos científicos e as comunidades tra-
dicionais, incluindo comunidades negras, quilombolas, indígenas,
ribeirinhas e periféricas. O trabalho pontua a necessidade de esta-
belecer, em colaboração com os movimentos sociais, um novo pro-
grama de educação e divulgação científica que permita a criação de
novas formas de subjetividade no âmbito da educação, comunicação
e divulgação científica no Brasil.

No capítulo Avaliação externa: uma prática na educação cien-


tífica com muitas questões em aberto, são discutidos o papel e a efi-
cácia das avaliações externas como meio para averiguar e garan-
tir a qualidade dos programas de ensino e o funcionamento das

SUMÁRIO 12
instituições de ensino, bem como os desafios e oportunidades que
elas apresentam para a Educação Básica. Para isso, foram analisa-
das fontes secundárias e resultados de entrevistas com profissionais
do Ensino Público municipal. Em particular, destaca-se o exercício de
escuta a coordenadores e professores de Ciências da rede Municipal
de Porto Alegre sobre os impactos da avaliação externa no espaço
escolar e o alerta sobre a estratégia de realização de provas nacionais
de larga escala como ferramenta para potencializar a transformação
de avaliações formativas em treinamentos para certificação final.

No quinto capítulo, Em busca de sentido: interpretando as


experiências acadêmicas à luz das subfunções da autorregulação, é
explorado como o conceito de autorregulação proposto por Bandura
pode ser usado para investigar os sentidos atribuídos pelos estudan-
tes às suas experiências acadêmicas. A perspectiva da Teoria Social
Cognitiva enfatiza o papel do indivíduo na condução da própria vida
para alcançar objetivos, destacando que mesmo em ambientes difí-
ceis e hostis, como alguns cursos de Física, o sujeito tem a liberdade
parcial de interpretar suas experiências e atribuir significado para sua
vida acadêmica. Apresentam-se resultados parciais de um estudo
acerca dos significados atribuídos à reprovação, os quais podem
orientar medidas de combate à evasão e incentivo à persistência dos
estudantes, além de indicar possíveis reformulações curriculares e
didáticas em sala de aula.

No capítulo seguinte, Em direção a uma pedagogia cosmopo-


lítica: História e Filosofia no Ensino de Ciências para reviver no Antro-
poceno, é destacado que estamos atualmente em uma nova era
geológica, chamada de Antropoceno, na qual as dimensões naturais
e sociais estão profundamente entrelaçadas. Além disso, diferentes
crises de confiança têm surgido e se expandido nos últimos anos,
dando origem a um novo fenômeno epistêmico-político conhecido
como pós-verdade. Neste contexto, são trazidas reflexões sobre a
importância de uma proposição cosmopolítica que promova uma
abertura para a construção de um mundo comum como ponto de

SUMÁRIO 13
partida para o estabelecimento de diálogo, superação de injustiças e
harmonização de convivência de forma coletiva.

No sétimo capítulo, Campos de identificación y negociabili-


dad: un marco analítico para el estudio de los procesos de forma-
ción de identidad docente del profesor de Ciencias, é proposto um
modelo para a abordagem do conceito de identidade docente e sua
investigação empírica. Este modelo poderá auxiliar na identificação
de possíveis caminhos para o projeto e implementação de processos
formativos, tanto na formação inicial docente quanto na continuada.
Sob suas perspectivas de aplicação, destacam-se as possibilidades
de que seja usado para abordar questões específicas dos profes-
sores em relação ao ensino de Física e ao uso e apropriação das
Tecnologias de Informação e Comunicação como ferramentas de
mediação no processo de ensino e aprendizagem.

No capítulo final, Desigualdades estruturais, práticas sociais


e epistêmicas: o modus operandi das ciências sociais no estudo de
objetos da Educação em Ciências, é argumentado que tanto o ensino
quanto a pesquisa em ensino de ciências devem fortalecer as cone-
xões com outras áreas do conhecimento, especialmente com as
ciências humanas e sociais. Ao revisitar brevemente a história da ins-
titucionalização do campo do Ensino no Brasil, evidencia-se a neces-
sidade de ampliar horizontes teórico-metodológicos para enfrentar
os desafios do mundo contemporâneo. O trabalho traz reflexões
sobre o quanto é essencial considerar elementos como desigualda-
des estruturais, negacionismo, controvérsias e intersecções políticas
e econômicas na educação e na ciência em nossas pesquisas.

Fernanda Ostermann
Ives Solano Araujo
Matheus Monteiro Nascimento

SUMÁRIO 14
1
Leonardo Albuquerque Heidemann
Rodrigo Weber Pereira
Eliane Angela Veit

NEM PROVAS,
NEM DESCOBERTAS:
QUE PODEMOS PRODUZIR NO LABORATÓRIO
DIDÁTICO DE FÍSICA?
INTRODUÇÃO
A influência da perspectiva empirista-indutivista na con-
cepção de Ciência das pessoas, incluindo na de muitos cientistas,
é imensa. Para uma parcela da sociedade, o “cientificamente com-
provado” continua fortemente atrelado à noção de algo verdadeiro,
inquestionável, infalível; e a comprovação científica é entendida
como um produto da experimentação, da atividade neutra, precisa
e rigidamente delineada em laboratório. O conhecimento científico,
nesse cenário, engloba leis universais definitivas; o trabalho cien-
tífico é cumulativo, envolvendo avanços regulares decorrentes do
acúmulo de descobertas pautadas essencialmente pela generaliza-
ção da empiria. Como consequência disso, o laboratório didático de
Ciências é assumido como um espaço de comprovação ou desco-
berta de leis científicas, um ambiente devotado à demonstração da
verdade incontestável do conhecimento.

A aproximação da área de pesquisa em ensino de Física com


a filosofia da Ciência ocorrida na metade final do século XX aconte-
ceu em resposta a esse cenário, alinhado com perspectivas ingênuas
que vinculam ciências com verdades absolutas. Talvez essa tenha
sido uma das maiores revoluções que a área de pesquisa em ensino
passou desde as suas origens. Embebidos especialmente nas ideias
de Popper e Kuhn, pesquisadores(as) intensificaram seus questiona-
mentos sobre a natureza da Ciência e suas implicações nos proces-
sos educacionais. Contrapontos à noção de método científico pas-
saram a ser frequentes, a demarcação entre Ciência e não-Ciência
foi problematizada, a influência de fatores sociais sobre o fazer cien-
tífico passou a ser melhor admitida e compreendida. Todos esses
elementos influenciaram fortemente a forma como a área entende a
sala de aula de Física.

O laboratório didático, entendido como uma faceta básica


do ensino de Ciências, não passou à margem dessa transformação.

SUMÁRIO 16
A concepção da experimentação como um momento dedicado
à prova ou descoberta das leis científicas passou a ser rejeitada
(PEREIRA; MOREIRA, 2017). O método científico, caracterizado
como um conjunto rígido de passos marcado pela neutralidade de
quem investiga, cedeu espaço para a compreensão do fazer cien-
tífico como uma atividade essencialmente humana, impregnada de
pressupostos metafísicos, localizada contextualmente, e dirigida
pela criatividade. As atividades de laboratório tradicionais, desse
modo, por serem pautadas em perspectivas empiristas-indutivistas
ingênuas, passaram a ser vigorosamente criticadas (MEDEIROS;
BEZERRA FILHO, 2000; SILVEIRA; OSTERMANN, 2002), apesar de
continuarem presentes em muitas salas de aula. Ao mesmo tempo,
o entendimento de que a experimentação é uma dimensão basilar
da Física e do seu ensino continuou permeando a área. Os objetivos
dessa experimentação, no entanto, ficaram nebulosos. Se a experi-
mentação não proporciona a prova e/ou descoberta das leis cien-
tíficas, por que devemos explorar o laboratório didático de Física?
Quais objetivos podem ser estabelecidos em uma atividade expe-
rimental? Frente a tais objetivos, quais as alternativas estruturais
para essas atividades?

As respostas a essas questões passam por reflexões sobre


as diversas potencialidades e limitações da experimentação. Arti-
gos com esse objetivo existem em abundância (e.g., ARRUDA;
LABURÚ, 1998; BORGES, 2002; ARAÚJO; ABIB, 2003; SARAIVA-
-NEVES; CABALLERO; MOREIRA, 2006, PENA; RIBEIRO FILHO,
2009). De modo geral, esses artigos costumam ter foco nas críti-
cas ao enfoque empirista-indutivista ingênuo, sugerindo reflexões
sobre o grau de abertura das atividades experimentais, defendendo
enfoques investigativos, aproximando os(as) estudantes de um fazer
científico autêntico (SASSERON, 2015; BORGES, 2002). Essa é uma
perspectiva importante e também temos estudos com essa ênfase
(HEIDEMANN, 2015; WEBER, 2021). Neste capítulo, no entanto,
fundamentados na literatura da área, nosso objetivo é distinto.

SUMÁRIO 17
Pretendemos ampliar as reflexões sobre o tema, expondo uma aná-
lise das possibilidades de exploração do laboratório didático de Física
focada também em elementos vinculados com a filosofia da Ciência,
mas abordando, além disso, aspectos relacionados com habilidades
e construtos psicológicos dos(as) estudantes. Apresentamos ainda
tópicos que precisam ser especialmente pensados por professores
e pesquisadores quando delineiam, conduzem e avaliam atividades
experimentais no ensino de Física. Especificamente, ressaltamos, na
próxima seção, como atividades experimentais podem: (i) evidenciar
o caráter representacional do conhecimento, favorecendo a aprendi-
zagem de elementos da natureza da Ciência; (ii) favorecer o desen-
volvimento de habilidades para a investigação científica, em particu-
lar para a realização de medições científicas; (iii) proporcionar situ-
ações de trabalho colaborativo, favorecendo o desenvolvimento de
habilidades argumentativas e a negociação de ações e significados;
(iv) fomentar a aprendizagem de conhecimento metacognitivo, assim
como de atitudes mais positivas em relação à Ciência e crenças de
autoeficácia mais positivas em relação a tarefas do campo da Física.
Em seguida, destacamos três elementos (Introdução ao problema;
Estrutura das ações; Acompanhamento e avaliação) que podem
dirigir docentes e pesquisadores que pretendem explorar recursos
experimentais em suas aulas. Por fim, tecemos considerações finais.

POTENCIALIDADES DA EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE FÍSICA


Não é difícil entender o porquê de a experimentação ter sido
entendida como uma faceta basilar do ensino de Física desde quando
a Física passou a ser ensinada como uma disciplina. A contrastação
empírica faz parte do trabalho científico, e não seria diferente para o
ensino das ciências. A potencialidade da experimentação no ensino
é notoriamente vinculada com a aprendizagem sobre a natureza da
Ciência. É indiscutível também que o laboratório didático pode ser
útil para a aprendizagem de habilidades de investigação científica.

SUMÁRIO 18
Menos exploradas são as potencialidades das atividades experimen-
tais para a aprendizagem de habilidades fundamentais para a inte-
ração social, como habilidades para o trabalho colaborativo e para
a argumentação, e de conhecimentos do aprendiz sobre si próprio.

TEORIZAÇÃO E EXPERIMENTAÇÃO: O CARÁTER


REPRESENTACIONAL DO CONHECIMENTO
O caráter representacional do conhecimento científico é um
dos seus traços mais notórios. Os livros didáticos, desde a educação
básica, são repletos de conceitos cujo significado envolve objetos
ou eventos idealizados, como os de gás ideal, pêndulo simples e
meio isotrópico. Por outro lado, a literatura revela que não é raro que
estudantes concluam o Ensino Médio (OLIVEIRA; VEIT; ARAUJO,
2017) ou Superior (HEIDEMANN; ARAUJO; VEIT, 2016) com dificul-
dades de compreensão sobre o processo de modelagem científica,
ou seja, sobre o processo de construção, uso e validação de mode-
los científicos. Um dos aspectos ressaltados nesses estudos é que
existem estudantes que compreendem os modelos científicos, que
são representações simplificadas da realidade (BUNGE, 1974), como
uma cópia fiel dos objetos ou eventos aos quais se referem.

O laboratório didático oferece um contexto naturalmente


profícuo para debates sobre o caráter representacional dos mode-
los científicos, propiciando oportunidades para reflexões sobre as
diferenças entre modelos e realidade (OH; OH, 2011). A importân-
cia desses modelos começa já no delineamento das investigações,
quando o estabelecimento de procedimentos de controle de variá-
veis, pautados pelas idealizações consideradas no modelo teórico
de referência do experimento, é fundamental. Por exemplo, já que a
lei de resfriamento de Newton é deduzida com base na hipótese de
que as trocas de energia na forma de calor são proporcionais à dife-
rença entre a temperatura do corpo e a do meio no qual está imerso,

SUMÁRIO 19
é preciso estabelecer procedimentos para controlar as trocas de
energia por irradiação em um experimento didático em que se busca
contrastar empiricamente essa lei. Tal procedimento, que pode
envolver o uso de recipientes refletores, por exemplo, é importante
porque as trocas de energia por irradiação são melhor representadas
como proporcionais à temperatura na quarta potência (lei de Stefan-
-Boltzmann). Uma alternativa é limitar as diferenças de temperaturas
no experimento a valores pequenos, de tal modo que as trocas de
energia por irradiação possam ser aproximadas como proporcionais
à diferença de temperatura entre o corpo e o ambiente. Os experi-
mentos, portanto, envolvem aparatos artificiais criados a partir de
modelos científicos.

O papel dos modelos científicos continua fundamental na


execução dos experimentos na medida em que dirige as decisões
sobre as grandezas mensuradas nas investigações. A possível deci-
são de medir a área do objeto investigado em um experimento para
contrastar a lei de resfriamento de Newton, por exemplo, é dirigida
pelo modelo de troca de energia que fundamenta essa lei, que con-
sidera tal troca como proporcional à área do corpo. Além disso, as
decisões sobre como analisar os dados coletados também são guia-
das pelo modelo teórico de referência da experimentação. Nesse
mesmo experimento didático exemplificado, a decisão de ajustar
uma curva exponencial aos dados de temperatura em função do
tempo é produto das predições da lei de resfriamento de Newton.
Como debatido em Silveira e Ostermann (2002), inúmeras outras
funções se ajustariam melhor aos dados do que a exponencial. No
entanto, os parâmetros dessas funções podem não ter significado
físico para quem investiga, sendo inadequadas para representar o
evento estudado. É o modelo teórico de referência da investigação,
portanto, que dá significado para a função matemática ajustada aos
dados, evidenciando que, como argumenta Popper (2008), a teoriza-
ção precede a experimentação.

SUMÁRIO 20
As conclusões possíveis em uma atividade experimental
mudam significativamente a partir da consciência do papel dos
modelos científicos no delineamento e na condução dos experi-
mentos. Já que os modelos científicos não descrevem a realidade de
forma completa, pois são representações simplificadas, diferenças
entre predições e evidências experimentais são inerentes à experi-
mentação. Como investigadores(as), determinamos um limite admis-
sível para essas diferenças, indicando o que, para nós, é um indício de
validação do modelo científico de referência. A prova dos modelos,
entendida como a confirmação definitiva deles, não faz mais sentido
nessa perspectiva, já que sabemos de antemão que tais modelos
não são idênticos à realidade. O trabalho de quem investiga, como
defende Giere (1983), não é, portanto, avaliar se os modelos cientí-
ficos são verdadeiros, e sim avaliar se é verdadeira a proposição de
que os modelos representam os objetos e eventos com suficiente
precisão, que é arbitrariamente definida.

O enfoque na modelagem científica no ensino de Física, par-


ticularmente em atividades experimentais, pode proporcionar aos
estudantes situações que evidenciam o caráter representacional do
conhecimento científico (WEBER; HEIDEMANN; VEIT, 2022), pos-
sibilitando a compreensão de que a ciência é uma atividade essen-
cialmente humana. Desse modo, os(as) estudantes podem também
ampliar suas compreensões sobre as incertezas experimentais,
entendendo que a dispersão dos dados não decorre apenas da
imprecisão dos instrumentos, como será aprofundado na próxima
seção. Todavia, como recomendado por Heidemann, Araujo e Veit
(2018), atividades com enfoque na modelagem científica devem per-
mear diversas disciplinas ao longo de um curso, pois é necessário
que os(a) estudantes se defrontem com diversas situações-proble-
mas, em diferentes áreas da física, para evoluírem em sua capaci-
dade de construção, uso e validação de modelos científicos.

SUMÁRIO 21
INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA: DELINEAMENTO, CONDUÇÃO
E CONCLUSÕES DE UMA PESQUISA EMPÍRICA
Hodson (2014) argumenta que um dos objetivos do ensino de
Ciências é promover a aprendizagem do fazer científico. O autor des-
taca que, com esse objetivo, não está se referindo à aprendizagem
de procedimentos isolados ou da natureza do trabalho científico,
ou seja, não está se referindo à aprendizagem da Ciência ou sobre
Ciência; Hodson sugere que nos debrucemos sobre a aprendizagem
da própria investigação, da construção da autonomia para fazer per-
guntas, delinear investigações, construir conclusões. Desse modo,
apenas aquelas atividades em que os próprios estudantes propõem
suas questões de pesquisa, planejam e conduzem procedimen-
tos, coletam dados e comunicam os seus resultados, demandando
a tomada de decisão em todos os processos, os envolvem de fato
com o processo de investigação como um todo. Naturalmente, não é
razoável propor atividades como essas em qualquer nível de ensino,
como voltaremos a discutir neste capítulo. No entanto, a experimen-
tação possibilita, em algum nível, que os(as) estudantes possam se
debruçar sobre elementos do processo investigativo, avançando em
direção ao objetivo proposto por Hodson.

Os processos envolvidos na investigação científica estão,


explícita ou implicitamente, no âmago da experimentação. Não se faz
experimentação sem, entre outras coisas, definir um problema, teo-
rizar sobre os objetos e/ou eventos envolvidos no problema, testar
hipóteses, planejar aparatos experimentais, instrumentos de medi-
ção e procedimentos de análise de dados, coletar dados, analisar
dados e elaborar conclusões. O laboratório didático, portanto, é um
local naturalmente propício para a aprendizagem do fazer científico,
porém isso não ocorre sem um planejamento adequado. Por exem-
plo, o nível de envolvimento dos(as) estudantes nesses processos
pode variar sensivelmente, e é o(a) professor(a) que, ciente dos obje-
tivos pretendidos com a atividade investigativa e do contexto dos(as)

SUMÁRIO 22
estudantes, pode estruturá-la demandando dos(as) estudantes a
coleta e análise de dados a partir de procedimentos e questões (mais
ou menos abertas) propostas por ele(a) (BANCHI; BELL, 2008). A
potencialidade da experimentação para o ensino de Física nasce
desse aspecto: podemos planejar as atividades com foco em pro-
cedimentos específicos, estruturando-a de modo alinhado com os
objetivos estabelecidos, e adequado ao contexto dos(as) estudantes.

Atividades investigativas, segundo Duschl e Grandy (2008),


podem ser focadas em três domínios. O primeiro deles engloba as
estruturas conceituais e processos cognitivos usados quando se
raciocina cientificamente. O segundo, as atividades epistêmicas usa-
das quando o conhecimento científico é desenvolvido e avaliado.
Por fim, os processos sociais e contextos que determinam como o
conhecimento é comunicado, representado, questionado e deba-
tido constituem o terceiro domínio. A medição científica pode envol-
ver os estudantes, em algum nível, com esses três domínios, como
será exposto em seguida.

Todos os processos demandados na experimentação reque-


rem uma série de habilidades (uma discussão sobre processos e
habilidades no ensino de Ciências pode ser consultada em Maia,
2009). O envolvimento com esses processos proporciona aos(às)
estudantes situações para que eles(as) desenvolvam competências
investigativas fundamentais para a formação cidadã. Sem esgotar o
tema, exemplificaremos aqui especificamente um desses processos:
a medição científica. Debateremos como esse processo está vincu-
lado com os outros processos da investigação científica, como pode
ser relacionado com diferentes objetivos do ensino de Ciências, e
como possibilita o desenvolvimento de habilidades experimentais e
computacionais. Todos esses aspectos são primordiais para a alfa-
betização científica (sobre as relações entre o ensino por investiga-
ção e a alfabetização científica, consulte Sasseron, 2015).

SUMÁRIO 23
A medição científica é uma operação empírica intencionada
e ilustrada, ou seja, feita com um objetivo e guiada por um corpo de
conhecimento (HEIDEMANN, 2015). Como debatido na seção ante-
rior, a decisão sobre o que medir e controlar em um experimento
científico é guiada pela questão de pesquisa da investigação e por
um modelo teórico de referência (PIGOSSO, 2022). Medir, portanto,
demanda a mobilização de estruturas conceituais que dirigem o pla-
nejamento e a análise da coleta de dados. Além disso, o ato de medir
vai muito além da leitura de um valor em um instrumento. Medições
indiretas demandam o conhecimento dos modelos teóricos auxilia-
res que sustentam o processo (HEIDEMANN; ARAUJO; VEIT, 2016).
Por exemplo, o movimento da agulha de um amperímetro analógico
(um galvanômetro D’Arsonval) é definido pelo torque gerado por um
ímã permanente sobre uma bobina, que é proporcional à corrente
elétrica que passa por ela. Desse modo, o que é medido é o des-
locamento de uma agulha, mas a compreensão da relação desse
deslocamento com a corrente elétrica só é possível a partir do enten-
dimento de um modelo científico que vincula efeitos elétricos e mag-
néticos. Em suma, a medição demanda raciocínios científicos pauta-
dos em conceitos e teorias da Ciência, proporcionando o enfoque no
primeiro domínio proposto por Duschl e Grandy (2008).

O enfoque em aspectos epistêmicos pode ser conduzido a


partir de discussões sobre as relações entre a medição científica e
o caráter representacional do conhecimento. A medição da veloci-
dade da correnteza de um rio é utilizada por Pigosso (2022) para
exemplificar essa relação. Assim como Heráclito dizia que ninguém
pode entrar duas vezes em um mesmo rio, pois quando nele se entra
novamente não se encontram as mesmas águas, se medirmos a
velocidade de um rio diversas vezes, nunca estaremos medindo a
mesma coisa; sempre ocorrerão mudanças no rio no intervalo de
tempo transcorrido entre cada medida. No entanto, atribuímos uma
velocidade de correnteza para o rio assumindo um valor médio para
as medições de tal modo que tal grandeza só faz sentido em uma

SUMÁRIO 24
representação simplificada do evento investigado, ou seja, em um
modelo científico. Quando medimos a corrente elétrica que passa
por um circuito elétrico submetido a diferentes diferenças de poten-
cial, por exemplo, atribuindo a ele uma resistência elétrica, supomos
que a única mudança realizada no circuito foi a diferença de poten-
cial, quando, de fato, ocorreram, entre cada uma das medições rea-
lizadas, variações, mesmo que muito pequenas, na temperatura dos
diversos componentes do circuito, modificando a grandeza mensu-
rada. Detalhes sobre esses aspectos assim como suas implicações
para a análise estatística de dados experimentais podem ser consul-
tados em Pigosso (2022).

Desse modo, se por um lado privilegiamos, quando possí-


vel, a coleta de um conjunto de dados para realizar uma medição,
diluindo erros aleatórios, por outro, a análise desse conjunto de
dados demanda um corpo teórico relacionado com um modelo cien-
tífico para fazer sentido. A consciência disso possibilita que os(as)
estudantes avancem no que Buffler, Lubben e Ibrahim (2009) deno-
minam de paradigma pontual da medição científica para o para-
digma de conjunto, ou seja, avancem de uma crença ingênua de que
existe um valor verdadeiro para qualquer tipo de medição, sendo tal
valor alcançado em uma medição, para uma visão mais sofisticada,
assumindo que medidas costumam envolver dispersões estatísticas,
demandando análises em termos de conjuntos de dados. Além disso,
nos possibilita adentrar no terceiro domínio proposto por Duschl e
Grandy (2008), relacionado aos processos sociais e contextuais do
conhecimento. A partir do entendimento de que a medição científica
é feita com base em conhecimentos teóricos, e de que esses conhe-
cimentos são representacionais, ou seja, idealizados e aproximados,
é possível se compreender que toda a medição científica envolve
uma incerteza. Experimentos científicos nunca são plenamente con-
trolados. Por isso, a comunicação científica demanda que os resul-
tados de medições sejam sempre interpretados como intervalos,
e não como dados exatos. Sempre que possível, não analisamos

SUMÁRIO 25
dados individualmente; a partir da análise de um conjunto de dados,
concluímos que a grandeza de interesse está dentro de um intervalo.
Ainda, mesmo quando uma única medicação é feita, seu resultado
deve ser informado com a respectiva incerteza, associada à impre-
cisão do(s) instrumento(s) de medida e da montagem experimental.
A compreensão disso é fundamental para a formação cidadã. Tome-
mos, como exemplo, as polêmicas envolvidas na eficácia das vaci-
nas na pandemia de covid-19. Não foram raros os contextos em que
indivíduos, a partir de casos de pessoas que foram vacinadas e se
contaminaram, concluíram que a vacina não funcionava. Para essas
pessoas, dados individuais (pessoas contaminadas) determinavam
a eficácia da vacina. O entendimento de que a eficácia da vacina
decorre da análise de conjuntos de dados e que essa análise sem-
pre levará a predições com certa margem de incerteza, como em
qualquer medição científica, poderia contribuir para que tais pessoas
compreendessem que as vacinas tinham eficácia mesmo quando
pessoas vacinadas foram contaminadas.

Por fim, um elemento central da medição científica que pode


estar relacionado com os objetivos do laboratório didático está asso-
ciado com habilidades para o uso de recursos tecnológicos e para
a análise de dados, cada vez mais necessárias na sociedade. No
laboratório didático, essas habilidades podem ser tanto desenvolvi-
das nos procedimentos de coleta de dados como nos relacionados
ao tratamento deles. Softwares de videoanálise, como o Tracker, por
exemplo, possibilitam a coleta rápida de dados, além de facilitar visu-
almente a vinculação dos dados coletados com o evento investigado
(veja exemplos em Heidemann, Araujo e Veit, 2012). Aplicativos de
celular, como o Phyphox, proporcionam a coleta de dados de forma
rápida e segura (exemplos são disponibilizados em Pedroso et al.,
2020 e Caroll e Lincoln, 2020). Por fim, o tratamento de dados com
softwares de planilhas eletrônicas ou especialmente desenvolvidos
para essas análises, como o SciDavis (veja em Lucchese, Santos
e Irala, 2015 e Franco, Marranghello e Rocha, 2016), proporciona

SUMÁRIO 26
agilidade no tratamento de dados, assim como atenua as chances
de erros nos cálculos necessários nas medições. A exploração inte-
grada de experimentações concretas e simulações computacionais
pode ainda favorecer a aprendizagem, assim como contribuir para a
compreensão das diferenças entre teorias e realidade (JONG; LINN;
ZACHARIA, 2013; DORNELES; ARAUJO; VEIT, 2012; HEIDEMANN;
ARAUJO; VEIT, 2012).

Em suma, a experimentação possibilita que os(as) estudan-


tes possam vivenciar experiências típicas das investigações cientí-
ficas, demandando o delineamento e execução de ações com base
em modelos científicos, a análise de dados a partir de teorizações
da Física, e a construção de conclusões baseadas em evidências. A
participação ativa em grupos para a realização desses procedimen-
tos pode favorecer o desenvolvimento de habilidades para o trabalho
colaborativo, como será debatido na próxima seção.

COLABORAÇÃO, COOPERAÇÃO E ARGUMENTAÇÃO


Watson, Michaelsen e Sharp (1991) apud Espinosa, Araujo e
Veit (2016) mostram que, em 98% dos casos, o desempenho de uma
equipe, mensurado em testes padronizados, é melhor do que o do
melhor membro dessa equipe. Resultados como esse favorecem a
difusão na sociedade de que uma importante habilidade desejada
nas pessoas é a de trabalhar colaborativamente. Não tão difundido,
no entanto, é o significado dessa expressão. Pode, em algum con-
texto, ser assumido que alguém que contribui exemplarmente com
uma equipe, seguindo as ordens de seus superiores com afinco, sem
questionamentos, está trabalhando colaborativamente. Contribuir e
cooperar são tidos, nesse contexto, como sinônimos de colaborar.
Tal imprecisão no termo pode levar pessoas no contexto educacio-
nal a tomar o trabalho em grupo como equivalente ao colaborativo
quando, de fato, não o são.

SUMÁRIO 27
Costa (2005) apud Damiani (2008) destaca que o verbo cola-
borar é derivado da palavra em latim laborare, relacionando-se com
o trabalho, produção com um determinado fim. Já o verbo cooperar
vem de operare, vinculando-se com a operação, execução voltada
ao funcionamento do sistema. Desse modo, ainda que compartilhe
do prefixo co, que designa ação conjunta, a cooperação implica a
execução de tarefas, o que não necessariamente decorre da nego-
ciação conjunta. A colaboração, por outro lado, designa a ação
coletiva, com objetivos comuns, negociada pelo grupo. Nesse sen-
tido, o trabalho colaborativo pressupõe confiança mútua, pouca ou
nenhuma hierarquização, e responsabilidade coletiva. Não se trata
meramente de uma estratégia para se alcançar um objetivo, e sim de
uma filosofia de trabalho.

Grupos colaborativos, portanto, pressupõem que todos têm


responsabilidade sobre as decisões tomadas, assim como pela qua-
lidade do que é produzido em conjunto. Por isso, nem todo traba-
lho em grupo é colaborativo. No contexto educacional, a colabora-
ção tem promovido importantes resultados, como a promoção da
socialização, a adaptação às normas estabelecidas e a superação
do egocentrismo (DAMIANI, 2008). O trabalho colaborativo favorece
também a aprendizagem de conceitos, tanto por proporcionar o
compartilhamento de significados, aos moldes das ideias de Gowin,
como por oferecer situações de interação social, como sugerido por
Vygotsky. No entanto, assim como atividades em grupo não neces-
sariamente promovem a interação social ou o compartilhamento
de significados, elas também não necessariamente se tornam ativi-
dades colaborativas.

Em atividades experimentais, promover a colaboração sig-


nifica promover diálogo entre os(as) estudantes na tomada de deci-
sões nas investigações. A simples realização de experimentos não
garante o diálogo; é fundamental se proporcionar situações em
que os(as) estudantes precisem se posicionar frente a alternativas
investigativas. Por isso, atividades desenvolvidas por meio de passos

SUMÁRIO 28
rigidamente estabelecidos em roteiros não favorecem a colaboração,
fomentando, no máximo, situações de cooperação. Além disso, ainda
que estratégias para se construir grupos possam promover melhores
resultados para o fomento de colaborações entre os(as) estudantes,
a postura do(a) professor(a) é primordial para promover o amplo
debate, sendo esse elemento até mesmo mais importante do que
a forma como os grupos são distribuídos (HUEY; NORMAN, 1994).
Uma postura docente de respeito, privilegiando o debate e sendo
receptivo às falas dos(as) estudantes, valorizando suas ações, é fun-
damental para a promoção do trabalho colaborativo.

Um dos elementos centrais da colaboração é a argumenta-


ção (OSBORNE, 2010), vital também para a alfabetização científica
(SASSERON, 2015; LIRA, 2009). Quando alguém argumenta, expõe
ideias, apresenta suas premissas, justificando suas ações e conclu-
sões. Para Toulmin (apud SÁ; KASSEBOEHMER; QUEIROZ, 2014),
autor de um dos modelos de argumentação mais utilizados na área
de ensino de Ciências, os argumentos podem ser estruturados na
forma de um caminho das premissas às conclusões. Segundo esse
autor, a estrutura de um argumento pode ser modelada em seis
elementos: dados, conhecimentos básicos, justificações, qualifica-
dores modais, condições de refutação, e conclusões. Não está no
escopo deste capítulo expor detalhes desses elementos, que podem
ser consultados em Sasseron e Carvalho (2011). O que vamos explo-
rar aqui é a forma como o enfoque na argumentação e a colabo-
ração pode ser favorecido em atividades experimentais a partir de
alguns desses elementos.

Um argumento, segundo Toulmin (2001), envolve o apoio


em dados, ou seja, em proposições que compõem as premissas.
O laboratório didático é um ambiente especialmente frutífero para
proporcionar dados a quem argumenta, já que eles podem envolver
medições, elementos do aparato experimental, e condições ambien-
tais. Esses dados são analisados a partir de modelos científicos,

SUMÁRIO 29
que formam o conhecimento básico e originam a justificação dos
argumentos. De posse do comprimento de um pêndulo de labora-
tório (dado), por exemplo, um(a) estudante, com base no modelo de
pêndulo simples (conhecimento básico), e considerando que o apa-
rato experimental utilizado é compatível com as idealizações consi-
deradas nesse modelo ( justificação), pode concluir que o período
desse pêndulo tem um determinado valor (conclusão). As atividades
experimentais são também frutíferas para promoverem discussões
sobre condições de refutação e qualificadores modais. Por exem-
plo, no caso do pêndulo, o(a) estudante poderia argumentar que o
período do pêndulo terá aproximadamente (qualificador modal) o
valor previsto, a menos que a sua hipótese de que a massa do fio
é desprezível frente à massa do corpo suspenso no pêndulo não for
adequada (condição de refutação).

A argumentação no laboratório didático, portanto, é vincu-


lada com os limites dos modelos científicos explorados. Os argu-
mentos construídos nas decisões sobre a construção dos aparatos
experimentais também o serão, já que essas decisões precisarão
ser baseadas nas idealizações dos modelos de referência das inves-
tigações. Desse modo, ao se enfocar na argumentação, promove-
mos também situações que enfatizam o caráter representacional
do conhecimento. Além disso, visto que diferentes decisões podem
ser tomadas frente aos mesmos objetivos experimentais, atividades
experimentais podem favorecer a negociação de conhecimentos,
promovendo a colaboração entre os(as) estudantes, a partir da con-
traposição de argumentos construídos por eles(as).

As habilidades para o trabalho colaborativo e de argumen-


tação são muito importantes para a interação social e, portanto,
primordiais para a formação cidadã. Na próxima seção, será deba-
tido sobre as potencialidades das atividades experimentais para
proporcionar aos(às) estudantes a aprendizagem de conhecimen-
tos sobre si próprios.

SUMÁRIO 30
METACOGNIÇÃO, ATITUDES E CRENÇAS DE AUTOEFICÁCIA
Conhecer a nós mesmos é um elemento central para que
possamos planejar nossas ações de forma coerente com as nossas
virtudes e dificuldades. Quando estudamos para um exame avalia-
tivo, por exemplo, podemos organizar uma estratégia que privilegie
métodos de estudo (construir resumos, resolver exercícios, assistir a
vídeos) com os quais sabemos que temos mais facilidade. A falta de
conhecimento sobre nós mesmos, nesse caso, é a origem de uma
costumeira frase: “Eu não sei estudar”.

É em função da importância de conhecermos nosso modo


de pensar que o conceito de metacognição tem alcançado cada
vez mais importância na literatura da área de ensino de Ciências.
Flavell, um dos pioneiros no uso do termo, usava “metacognição”
para designar o conhecimento das pessoas sobre a sua cognição
(apud ROSA; ALVES FILHO, 2013). Trata-se da tomada de consciên-
cia dos(as) estudantes sobre seus conhecimentos, influenciada por
aspectos afetivos e por suas experiências. Rosa e Alves Filho (2013)
destacam que o sentimento vinculado a experiências anteriores é
fundamental para que os(as) estudantes mobilizem os conhecimen-
tos necessários para alcançarem êxito na sua execução. Conheci-
mentos metacognitivos do tipo “não sou bom em Física” ou “gosto
de resolver exercícios de Física” são determinantes das estratégias
que os(as) estudantes empregarão para enfrentarem (ou para deci-
direm não enfrentar) situações do campo da Física. A forma como
reagem (autorreação) e se regulam (autorregulação) é um elemento
nevrálgico no sucesso acadêmico que depende do conhecimento
sobre eles mesmos. Cientes disso, Rosa e Alves Filho (2013) propõem
que um aspecto a ser considerado em uma atividade experimental
é o sentimento gerado por ela. Segundo eles, esse sentimento, que
depende, entre outras coisas, do perfil dos(as) estudantes, do tipo de
problema proposto na atividade e da estrutura da atividade, vai defi-
nir os comportamentos dos(as) discentes diante da atividade experi-
mental antes mesmo de ela ser iniciada.

SUMÁRIO 31
Dois dos psicólogos sociais mais citados do mundo, Ajzen
(1991) e Bandura (1993), a partir de perspectivas distintas, também se
preocuparam em entender a influência do conhecimento das pessoas
sobre elas mesmas nos seus comportamentos. Ajzen, com a Teoria
do Comportamento Planejado, estabelece relações entre as inten-
ções comportamentais das pessoas com os sentimentos delas frente
a esses comportamentos, ou seja, com as suas “atitudes” (HEIDE-
MANN; ARAUJO; VEIT, 2011). A intenção de “estudar Física”, portanto,
é influenciada pelo sentimento das pessoas sobre esse tipo de com-
portamento. Podemos entender então que as atitudes em relação
à Física influenciam um conjunto de comportamentos relacionados
com essa disciplina, envolvendo tanto classes de comportamentos
relacionados com questões sócio-científicas (por exemplo, defender
o investimento público em uma determinada instituição científica)
como vinculados com decisões de vida (por exemplo, seguir uma
carreira científica). Essa atitude é produto das experiências das pes-
soas com a Física, englobando tanto as experiências escolares como
as vivenciadas fora do contexto formal de educação.

Atividades experimentais podem ser um ambiente frutífero


para a promoção de atitudes positivas em relação à Física (HEIDE-
MANN, 2015). A literatura, no entanto, mostra que as atitudes em
relação à experimentação dependem da estrutura das tarefas pro-
postas. Atividades excessivamente fechadas, que dão pouco espaço
para a tomada de decisão por parte dos(as) estudantes, costumam
resultar em sentimentos negativos dos estudantes em relação à
experimentação (HOFSTEIN; LUNETTA, 2004). Por outro lado, a
abertura excessiva, quando os(as) estudantes não possuem direcio-
namentos suficientes para poderem seguir na atividade, promove
uma relutância dos(as) estudantes em assumir responsabilidades
(DEACON; HAJEK, 2011), favorecendo atitudes negativas em rela-
ção à experimentação. Além disso, o tipo de problema e o feedback
docente são essenciais para promoverem atitudes positivas dos
estudantes em relação às atividades experimentais (HEIDEMANN,
2015; SELAU et al., 2019).

SUMÁRIO 32
As crenças de autoeficácia constituem outro elemento cen-
tral para o sucesso acadêmico relacionado com a forma como as
pessoas se avaliam. Trata-se de um construto proposto por Bandura
(apud ESPINOSA; ARAUJO; VEIT, 2019), em sua Teoria Social Cog-
nitiva, que reflete o julgamento das pessoas sobre as suas capacida-
des de organizar ou realizar uma ação específica. Sua influência no
desempenho acadêmico é alvo de amplos estudos na área de educa-
ção. Vuong, Brown–Welty e Tracz (2010), por exemplo, mostram que
as crenças de autoeficácia são importantes preditoras do resultado
dos estudantes universitários, assim como da persistência estudantil.
No ensino de Física, artigos mostram que as crenças de autoeficá-
cia são influenciadas pelos métodos de ensino empregados (ESPI-
NOSA; ARAUJO; VEIT, 2019). Em particular, atividades experimentais
desenvolvidas com o método Episódios de Modelagem (HEIDE-
MANN; ARAUJO; VEIT, 2016) se mostraram proveitosas para promo-
verem crenças de autoeficácia positivas tanto para aprender física e
realizar atividades experimentais, como para trabalhar colaborativa-
mente (SELAU et al., 2019). Nesse método, as experiências positivas
dos(as) estudantes no enfrentamento dos problemas propostos, o
feedback do(a) professor(a) e a observação dos colegas foram os
elementos mais importantes para promoverem um julgamento mais
positivo por parte dos(as) estudantes sobre suas competências.

A potencialidade das atividades experimentais para promo-


verem crenças de autoeficácia mais positivas não é surpreendente.
Bandura (1997) cita fontes para a construção de autoeficácia, e diver-
sas delas podem ser proporcionadas aos(às) estudantes no labora-
tório didático. Experiências positivas, por exemplo, são experiências
pessoais de sucesso vivenciadas pelos estudantes por meio de par-
ticipação ativa, e podem ser originadas nas atividades experimentais
na medida em que é evidenciado aos(às) participantes os suces-
sos alcançados em pequenas tarefas da investigação, dividindo a
investigação em etapas curtas gradativamente superadas. Experiên-
cias vicárias, outra fonte de autoeficácia, podem ser vivenciadas a

SUMÁRIO 33
partir de trabalhos colaborativos no laboratório didático, quando as
pessoas se inspiram pelo sucesso dos(as) colegas identificados(as)
como semelhantes. Uma terceira fonte de autoeficácia é a persuasão
social, possivelmente proporcionada em atividades experimentais
pelas expressões verbais e não verbais, de professores e colegas,
de apoio, assim como pelo estabelecimento de um ambiente con-
vidativo, estabelecido por meio do emprego de métodos de ensino
que incentivam os(as) estudantes a alcançar seus objetivos. Por
fim, um ambiente acolhedor, pautado pelo respeito e pelo diálogo,
favorecem a redução de estresse, a quarta fonte de autoeficácia
sugerida por Bandura.

Em suma, atividades experimentais podem contribuir para


que os(as) estudantes construam conhecimentos sobre si pró-
prios(as) coerentes com suas reais virtudes e dificuldades. Esses
conhecimentos podem tanto fundamentar processos de autorre-
gulação que contribuem para o sucesso acadêmico, assim como
podem sustentar a construção de atitudes e crenças de autoeficácia
positivas. No que segue, passamos a debater como os resultados da
literatura apontados nesta seção podem dirigir o delineamento e a
condução de atividades experimentais no ensino de Física.

DELINEANDO E IMPLEMENTANDO
ATIVIDADES EXPERIMENTAIS:
ASPECTOS A SEREM CONSIDERADOS
Apesar da imensa quantidade de potencialidades do labora-
tório didático apontadas pela literatura, é comum que professores(as)
enfrentem significativas dificuldades para superarem o paradigma
focado na prova e/ou descoberta de leis na exploração de experi-
mentos no ensino de Física. Procurando contribuir com uma estrutura

SUMÁRIO 34
para a exploração do laboratório didático no ensino de Física pau-
tada pela literatura da área de pesquisa em ensino de Ciências, apre-
sentaremos aqui, em três tópicos, elementos a serem considerados
para o delineamento de atividades experimentais, quais sejam: (i)
Introdução ao problema; (ii) Estruturação das ações; e (iii) Acompa-
nhamento e avaliação.

INTRODUÇÃO AO PROBLEMA
A construção do sentimento dos(as) estudantes em rela-
ção a uma atividade experimental é determinante das suas ações,
sendo primordial para que alcancem seus objetivos, e começa antes
mesmo do contato com os aparatos e instrumentos experimentais.
Em função disso, a qualidade e a forma dos problemas explorados
nas atividades são de grande importância. Dois elementos ganham
destaque nesse processo: a contextualização e a problematização.

Ricardo (2010), embasado nas ideias de Chevallard (2019),


destaca que o saber científico passa por um processo de transpo-
sição didática para chegar nas salas de aula. Nesse processo, ele é,
entre outras coisas, descontextualizado, ou seja, ele é desconectado
dos problemas que lhe deram sentido. O afastamento resultante da
descontextualização implica a necessidade de uma recontextualiza-
ção nos processos de ensino, realizado com um discurso diferente
do que deu origem ao conhecimento em questão. Para entender-
mos esse processo, podemos refletir sobre a metáfora do tecido
proposta por Pinheiro (2016), adaptando as ideias de Cole. Nessa
metáfora, destaca-se a etimologia da palavra contexto, relacionada
com o termo entrelaçar. Desse modo, a relação entre um elemento
de conhecimento e o seu contexto é análoga à relação entre um fio e
o tecido ao qual ele pertence. O tecido não é apenas um conjunto de
fios; ele é um todo organizado de tal modo que os fios são entrela-
çados conforme o objetivo do tecido. O sentido do fio, portanto, está

SUMÁRIO 35
na forma como ele se relaciona com o tecido. Por isso, a contextua-
lização é um processo de construção de sentido para um elemento
de conhecimento, é uma ação para estabelecer vínculos entre uma
parcela e um todo mais geral (PINHEIRO, 2016).

Embora a contextualização e a problematização sejam


aspectos relacionados no ensino de Física, não são sinônimos. A
problematização estrutura as situações-problema que serão enfren-
tadas. Elas não se definem apenas pelas situações em si, mas tam-
bém pela forma como elas são contextualizadas, ou seja, a legiti-
midade dessas situações como verdadeiros problemas para os(as)
estudantes depende da forma como elas são entrelaçadas a ele-
mentos mais amplos que dão sentido para os conceitos que preci-
sarão ser mobilizados. É claro que esse sentido é fundamental para
que sentimentos positivos sejam construídos pelos(as) estudantes.
A contextualização e a problematização são, portanto, elementos
determinantes dos sentimentos construídos pelos(as) estudantes
em atividades experimentais.

O primeiro passo, portanto, para o delineamento de uma boa


atividade experimental é o delineamento da contextualização e da
problematização da atividade. Como exemplo, citamos a atividade
relatada em Weber, Heidemann e Veit (2020; 2021). Em essência, a
atividade envolve a investigação da atenuação da luz, em laboratório,
quando ela atravessa diferentes meios. Em uma abordagem descon-
textualizada, os(as) estudantes poderiam, nessa atividade, ser ques-
tionados diretamente sobre como ocorre a atenuação da luz em uma
série de aparatos pré-definidos. Na alternativa proposta no artigo,
parte-se de elementos sobre o impacto da poluição dos oceanos,
notabilizando uma série de questões ambientais, o que culmina na
exposição do seguinte problema: Como a poluição pode influenciar
a fotossíntese das algas por meio de alterações na atenuação da luz
solar? Fica claro, portanto, que o problema de laboratório, focado em
experimentos para se medir a atenuação da luz em diversos meios,

SUMÁRIO 36
está entrelaçado com um todo maior, ou seja, é contextualizado a
partir de elementos que vão além da situação experimental.

Para resolver o problema relacionado com a poluição dos


oceanos, os estudantes precisam mobilizar conhecimentos sobre
ótica e teoria eletromagnética, bem como conceber procedimentos
de montagem e de coleta de dados que auxiliem a responder à ques-
tão originalmente formulada. É importante que esses conhecimentos
previstos para se enfrentar o problema apresentado estejam alinha-
dos com os objetivos da atividade. Veja que, nessa atividade, tem-
-se o objetivo de promover a aprendizagem de habilidades investi-
gativas relacionadas com o processo de modelagem científica. Por
exemplo, deseja-se que os(as) estudantes expandam o modelo de
propagação da luz no vácuo incorporando novos referentes ao sis-
tema, aumentando assim seu domínio de validade e grau de preci-
são. Nesse processo de alinhamento do problema com os objetivos
traçados é necessário se antecipar, em um processo de reflexão, as
ações que os estudantes vão precisar realizar para enfrentar a situ-
ação-problema proposta de tal modo que tais ações promovam a
aprendizagem desejada. Nesse sentido, não se tem a pretensão de
que os estudantes construam experimentos ou concebam modelos
por conta própria. O(a) professor(a) deve ter em mente alternativas
teóricas e experimentais viáveis para a solução do problema e apre-
sentá-las aos estudantes a título de sugestão.

Delinear um bom problema pode ser uma tarefa desafia-


dora para professores(as). Acostumados(as) a proporem problemas
fechados e descontextualizados, a perspectiva de ter de criar proble-
mas contextualizados pode causar grande desconforto. Um caminho
menos desafiador e confortável nesses casos é transformar as ativi-
dades experimentais que o(a) professor(a) já vinha desenvolvendo
com seus estudantes, contextualizando-os e problematizando-os.
Existem muitas alternativas de contextualização. Kato e Kawasaki
(2011), analisando a literatura, identificam cinco categorias gerais: (i)
contextualização pelo estabelecimento de vínculos com o cotidiano

SUMÁRIO 37
dos alunos; (ii) contextualização relacionando com outras disciplinas
escolares, aproximando da ideia de interdisciplinaridade; (iii) con-
textualização em discussões relativas ao processo de produção da
Ciência; (iv) contextualização com outras formas de conhecimento,
como conhecimento popular e saberes tradicionais; e (v) contextua-
lização histórica, relacionando aspectos da história da ciência e suas
relações com a sociedade.

Tomemos aqui como exemplo uma atividade sobre a lei de


Arquimedes (HEIDEMANN, 2015). Uma atividade frequentemente
desenvolvida em laboratórios de Física envolve a medição da inten-
sidade da força de empuxo exercida por um líquido sobre um objeto.
Solicita-se que os(as) estudantes, com um dinamômetro, meçam
a diferença entre o peso e o peso aparente de um objeto quando
imerso em um líquido, inferindo o empuxo exercido por esse líquido
no objeto. Tal atividade pode ser contextualizada e problematizada
a partir de uma análise histórica. Martins (2000) argumenta que
o método para descobrir a falsificação da coroa do rei Hieron de
Siracusa a partir da comparação de medidas do volume de água
derramado pela coroa com o derramado por igual massa de ouro e
de prata, supostamente realizado por Arquimedes, não é adequado.
Após a contextualização com essa história, potencialmente insti-
gante para os(as) estudantes, pode-se questioná-los sobre as limi-
tações do suposto método de Arquimedes, solicitando que eles(as)
avaliem as incertezas das medições realizadas, analisando se tais
incertezas possibilitam a conclusão de que a coroa é ou não falsi-
ficada. Desse modo, os estudantes precisarão fazer medições de
empuxo, proporcionando a aprendizagem tanto de conhecimentos
de hidrostática como de habilidades experimentais, a partir de um
problema contextualizado, com potencial para dar sentido aos con-
ceitos e procedimentos demandados.

Um elemento importante para a boa contextualização e pro-


blematização é que os(as) estudantes compreendam a introdução da
situação-problema. Eventualmente isso demandará conhecimentos

SUMÁRIO 38
prévios cuja apresentação em uma aula experimental seria ino-
portuna. Uma estratégia útil nesses casos é o uso da metodologia
Ensino sob Medida (Just-in-Time Teaching). Trata-se de uma meto-
dologia ativa de ensino para estruturar o contato dos(as) estudantes
antes das aulas síncronas (OLIVEIRA; VEIT; ARAUJO, 2015). Sinteti-
camente, a metodologia tem por objetivo melhorar a aprendizagem
de ciências na sala de aula por meio do fomento de atividades em
grupo que envolvem a comunicação oral e escrita entre os(as) estu-
dantes, dando responsabilidades aos(às) alunos(as) pela sua pró-
pria aprendizagem. Isso ocorre por meio de tarefas preparatórias que
os(as) estudantes precisam realizar antes da aula. Tais tarefas, que
podem ser a leitura de um capítulo de livro-texto, referência da inter-
net ou material de autoria do(a) professor(a), têm por objetivo ins-
truir os(as) estudantes sobre conceitos básicos, mas essenciais para
compreender o conteúdo a ser ministrado em aula. Após o estudo do
material no prazo estipulado, os(as) estudantes respondem eletroni-
camente a algumas questões conceituais que servem de feedback
ao(à) professor(a) que, a partir das respostas dos(as) estudantes,
ajusta e organiza sua aula focando nas principais dificuldades. A
discussão das respostas, apresentadas de forma intercalada com os
conteúdos em uma exposição dialogada, ou durante as atividades
realizadas pelos(as) próprios(as) alunos(as), fomenta a participação
mais intensa dos estudantes.

A potencialidade dessa metodologia pode ser ilustrada com


o seguinte exemplo. Suponha uma atividade experimental em que
se busque promover a aprendizagem do modelo de pêndulo sim-
ples com enfoque no processo de modelagem científica. Um ques-
tionamento possível, que pode ser respondido a partir da análise
de dados experimentais, é: em que condições podemos considerar
que o corpo suspenso em um pêndulo real é pequeno de modo que
possamos utilizar o modelo de pêndulo simples para representá-
-lo? (detalhes sobre esse questionamento podem ser consultados
em Heidemann, 2015). Um(a) estudante que não tenha conheci-
mento sobre o modelo de pêndulo simples não compreenderá esse

SUMÁRIO 39
questionamento, pois não sabe que tal modelo pressupõe a ideali-
zação de que o corpo suspenso é pontual. O problema, para esse(a)
estudante, portanto, não terá sentido, demandando uma contextua-
lização a partir de debates sobre o modelo de pêndulo simples, que
podem ser conduzidos a partir de uma tarefa prévia desenvolvida
com a metodologia Ensino sob Medida.

ESTRUTURAÇÃO DAS AÇÕES


A construção do sentimento dos(as) estudantes sobre as ati-
vidades experimentais depende fortemente da contextualização e
da problematização explorada. No entanto, outro aspecto é bastante
importante nesse processo: a abertura dos problemas. Atividades
fechadas, executadas a partir de uma sequência de passos rigida-
mente estabelecida, sem oportunizar a tomada de decisão por parte
dos(as) estudantes, favorecem a construção de sentimentos nega-
tivos em relação à experimentação (ANDRÉS; PESA; MOREIRA,
2006; DEACON; HAJEK, 2011). As motivações das pessoas são diri-
gidas pela necessidade de autonomia, ou seja, pela necessidade de
escolher o que irão fazer, com algum controle das suas ações (DECI;
RYAN, 2012). Desse modo, algum nível de abertura nas atividades
experimentais, entendido como a concessão de liberdade intelectual
aos participantes para tomarem decisões em suas ações, é primor-
dial para que construam sentimentos positivos em relação à experi-
mentação e à Física, promovendo atitudes positivas e conhecimento
metacognitivos que favoreçam a sucesso nos objetivos propostos.

Problemas abertos costumam provocar grandes dificuldades


aos(às) estudantes. Por se tratarem de problemas sobre um objeto
ou evento real, não possuem soluções pré-estabelecidas, sendo as
características do que está sendo investigado apenas parcialmente
conhecidas. Demanda, portanto, a tomada de decisão sobre as ide-
alizações pertinentes, a realização de estimativas e aproximações,
assim como o monitoramento dos procedimentos metodológicos

SUMÁRIO 40
realizados permanentemente. Exigem ainda o julgamento dos resul-
tados alcançados, assim como a defesa de conclusões a partir de
argumentos (consulte mais detalhes sobre problemas abertos em
Oliveira, Veit e Araujo, 2017). Todos esses procedimentos envolvem
uma maturidade dos(as) estudantes que pode não ter sido alcan-
çada no contexto de ensino em questão.

Naturalmente, portanto, a abertura dos problemas expe-


rimentais não pode ser total em qualquer contexto educacional.
Determinar um grau de abertura adequado é talvez uma das tarefas
mais difíceis da docência. O que devemos deixar a cargo dos estu-
dantes? Eles terão maturidade para tomar as decisões demandadas?
Se não conseguirem, como devo mediar o processo educativo? As
respostas a essas perguntas são fortemente dependentes de con-
texto, envolvendo elementos relacionados com o nível de ensino,
características da escola, da comunidade em que ela está inserida,
entre outras coisas. Procurando contribuir para dirigir quem delineia
uma atividade experimental, Carvalho (2018) sintetiza em um quadro,
reproduzido no Quadro 1, os graus de liberdade intelectual requerido
em diferentes tipos de atividades experimentais.

Quadro 1 – Graus de liberdade de professor (P), alunos (A) e da Classe frente


aos elementos típicos de atividades experimentais

Grau 1 Grau 2 Grau 3 Grau 4 Grau 5


Problema P P P P A
Hipóteses P P/A P/A A A
Plano de trabalho P P/A A/P A A
Obtenção de dados A A A A A
Conclusões P A/P/Classe A/P/Classe A/P/Classe A/P/Classe

Fonte: adaptado de Carvalho (2018).

SUMÁRIO 41
Não está no escopo deste artigo debater cada grau de liber-
dade, que podem ser consultados em Carvalho (2018). Destacamos,
no entanto, que a liberdade intelectual dos estudantes pode variar
significativamente, indo de casos muito fechados, em que apenas
a obtenção de dados fica a cargo dos(as) estudantes (Grau 1), até
casos muito abertos, em que os(as) estudantes definem inclusive
o problema que enfrentarão (Grau 5), o que acontece, raras vezes,
em feiras de ciências. Não estamos sugerindo que professores(as),
quando planejam uma experimentação, tenham que necessaria-
mente categorizar suas atividades, indicando o grau em que elas se
encontram. Variações são possíveis e desejáveis.

Nosso objetivo aqui é apenas destacar alternativas, enfati-


zando que não se espera que os estudantes tenham absoluta liber-
dade. Uma possibilidade é, ao contrário de atribuir a responsabilidade
de algum procedimento aos(às) estudantes, apresentar alternativas
a eles(as). Por exemplo, na atividade exemplificada anteriormente,
implementada em uma disciplina de graduação do curso de Física
da UFRGS, foram feitas as seguintes sugestões de investigação
(WEBER; HEIDEMANN; VEIT, 2020):

Investigação A Investigação B Investigação C


Os detectores de fumaça foto- Um laser é, idealmente, uma fonte A zona fótica dos oceanos é de im-
elétricos são dispositivos essenci- monocromática, isto é, uma fon- portância ecológica fundamen-
ais na contenção de incêndios. O te de luz que emite luz em apenas tal: nessa região encontra-se a
princípio de funcionamento deste um comprimento de onda. Avalie a maior parte da vida marinha e ne-
equipamento é baseado na atenu- atenuação da energia luminosa de la ocorre a fotossíntese pelas algas,
ação da luz provocada pela fumaça, um laser em um meio sólido como responsáveis por mais de 50% da
que deixa de ser detectada por um o vidro ou acrílico. produção de oxigênio global. Avalie
sensor, disparando o alarme. Avalie a atenuação da energia luminosa
a atenuação da energia luminosa da luz no meio marinho.
pela fumaça.

SUMÁRIO 42
Em atividades mais abertas, que demandam a tomada
de decisão por parte dos(as) estudantes, é interessante se prever
uma possível solução para os problemas propostos, ou seja, uma
solução que o(a) docente considere adequada e suficiente frente
ao problema proposto. Além disso, é importante definir como as
etapas dessa solução estão relacionadas com os objetivos da ati-
vidade. Por exemplo, na atividade exemplificada, esperava-se que
os(as) estudantes fossem capazes de determinar quantitativamente
a atenuação da luz em meios dissipativos. Como objetivo específico
de aprendizagem da atividade, tinha-se a intenção de promover a
compreensão de que modelos podem ser expandidos, aumentando
seu grau de precisão. Por isso, mesmo propondo um problema mais
aberto, em que vários caminhos poderiam ser tomados, a atividade
foi delineada prevendo-se que uma etapa necessária em todos esses
caminhos era a expansão do modelo teórico de propagação da luz
no vácuo. O problema da atividade, portanto, estabelecido com a
pergunta “Como a poluição pode influenciar a fotossíntese das algas
por meio de alterações na atenuação da luz solar?”, demandava uma
etapa intermediária intimamente vinculada com o objetivo específico
de promover a compreensão do processo de expansão de modelos,
o que ocorria a partir de questões derivadas da pergunta mais geral,
como as seguintes: Como se dá a atenuação da energia luminosa ao
atravessar os meios materiais? Como a poluição dos oceanos pode
influenciar a fotossíntese das algas por meio de alterações na atenu-
ação da luz solar? A construção de respostas para essas perguntas
demandava a incorporação de efeitos de absorção e espalhamento
da luz pela matéria no modelo teórico de propagação da luz no vácuo,
o que podia ser feito usando o modelo de Beer-Lambert – uma lei
que a maioria dos estudantes tomou conhecimento por meio de uma
atividade com a metodologia Ensino sob Medida.

SUMÁRIO 43
ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO
Após a realização da preparação e da apresentação da ativi-
dade experimental (contextualizada, problematizada e adequada ao
contexto de realização), é necessário o estabelecimento de estraté-
gias para se alcançar os objetivos da investigação, ou seja, é impor-
tante delinear procedimentos de acompanhamento e avaliação das
ações dos(das) estudantes. Por exemplo, meramente dividir os(as)
estudantes em grupos menores não garantirá que eles(as) realizarão
as tarefas de forma colaborativa, ou que desenvolverão processos
argumentativos. Espinosa, Araujo e Veit (2016) destacam que equi-
pes se diferenciam de grupos pelo comprometimento dos indivíduos
com o bom rendimento do grupo e pela confiança dos membros
nos seus(suas) colegas. Destacam ainda que a construção dessas
características demanda tempo de interação, uma tarefa desafiadora
que se torna um objetivo comum (em uma atividade experimental,
um bom problema experimental) e feedback tanto do trabalho indivi-
dual quanto de equipe.

Uma estratégia para favorecer o trabalho colaborativo envolve


o uso de instrumentos para a construção dos grupos de estudantes.
Espinosa, Araujo e Veit (2016) sugerem a aplicação de um questioná-
rio prévio com perguntas do tipo “tem algo sobre você que é, prova-
velmente, um diferencial perante os demais colegas? (pode ser algo
como um hobby, alguma habilidade ou interesse)” ou “você tem mais
afinidade com qual área da Física? (Física teórica, Física experimen-
tal, ensino de Física, etc.)”. Essas perguntas podem variar em diferen-
tes contextos. As respostas a essas questões possibilitam que o(a)
professor(a) estabeleça grupos pautados por diversidade, proporcio-
nando que os membros se apoiem quando enfrentam dificuldades e
explorem as virtudes de cada um.

SUMÁRIO 44
O trabalho colaborativo pode ser favorecido, ainda, por pro-
blemas com enfoque na modelagem científica (SELAU et al., 2019;
ESPINOSA; ARAUJO; VEIT, 2020). Para responderam a questiona-
mentos sobre as diferenças entre as predições construídas a partir
de modelos científicos e evidências experimentais, os(as) estudantes
precisam construir argumentos pautados em dados e teorizações,
destacando as condições de refutação dos argumentos que estão
vinculadas com as idealizações e aproximações dos modelos cientí-
ficos de referência das investigações. Por exemplo, ao se questionar
sobre a validade do modelo de pêndulo simples para representar o
movimento de um pêndulo real, os(as) estudantes precisam argu-
mentar sobre a validade de se considerar, entre outras coisas, que o
corpo suspenso no pêndulo real tem dimensões desprezíveis frente
ao comprimento do fio de sustentação, fazendo isso com base em
julgamentos dos dados experimentais. A contraposição de diferentes
argumentos e estratégias para se avaliar a adequação de modelos
para representar objetos e/ou eventos reais pode proporcionar situ-
ações de negociação entre os membros dos grupos, favorecendo o
trabalho colaborativo.

Uma estratégia de avaliação focada no fomento ao trabalho


colaborativo é a avaliação entre os colegas. Espinosa, Araujo e Veit
(2016) sugerem, por exemplo, que o(a) professor(a) peça aos(às)
estudantes que atribuam em um questionário pontuações aos cole-
gas, expondo elementos que podem contribuir para o enriqueci-
mento do grupo. Esse questionário pode ter ainda questões em que
os(as) estudantes avaliem seus(suas) colegas considerando a prepa-
ração deles(as) para a atividade, a contribuição para as discussões e
tarefas, e o respeito em relação às ideias dos(as) colegas. O enfoque
na modelagem pode favorecer também o uso integrado de recur-
sos computacionais e experimentais, já que tal uso proporciona a
contrastação de modelos científicos com a realidade (HEIDEMANN;
ARAUJO; VEIT, 2012). Essas atividades podem proporcionar tam-

SUMÁRIO 45
bém fontes de autoeficácia em relação ao trabalho colaborativo e
à experimentação (SELAU et al., 2019). O estímulo à argumentação
que pode ser provocado pelo formato dessas atividades proporciona
experiências de persuasão social que contribuem para o aumento
da autoeficácia para o trabalho colaborativo dos participantes. Além
disso, desenvolvidas com métodos ativos (ESPINOSA; ARAUJO;
VEIT, 2020), podem proporcionar experiências pessoais positivas
e vicárias, assim como feedbacks do(a) professor(a) que originam
persuasão social para que os(as) estudantes se sintam competentes
para realizarem as tarefas.

O acompanhamento dos objetivos estabelecidos é outro


aspecto importante em uma atividade experimental. Na medida em
que tal acompanhamento evidencia aos(às) estudantes que eles(as)
estão evoluindo em suas aprendizagens, proporcionará experiên-
cias positivas que favorecem crenças de autoeficácia mais positivas.
Sendo as atividades experimentais de uma natureza mais aberta,
gerando feedbacks mais lentos e contínuos, pode-se oferecer aos(às)
estudantes experiências distintas das tipicamente desenvolvidas em
aulas tradicionais, quando a conclusão sobre a competência para
realizar as tarefas costuma ser praticamente imediata (por exem-
plo, na resolução de um exercício), favorecendo, impulsivamente, o
sentimento de incapacidade, o que poderia ser superado com mais
tempo de dedicação à tarefa.

A análise dos objetivos pode ser realizada por meio de pro-


tocolos de avaliação (rubrics). Esses instrumentos, quando dispo-
nibilizados aos estudantes antes mesmo da atividade experimen-
tal, possibilitam o compartilhamento prévio dos objetivos traçados,
favorecendo que os(as) estudantes se regulem para alcançá-los. Um
trecho de um protocolo de avaliação de uma atividade experimental
disponibilizada em Heidemann (2015) é exposto no Quadro 2.

SUMÁRIO 46
Quadro 2 – Protocolo de avaliação de relatórios

Aspecto Critério de Avaliação de Relatório Avaliação do


Professor
Referencial Teórico Ressalta as implicações das simplificações da realidade consideradas
durante a aplicação das leis e/ou princípios de uma teoria geral à
situação física investigada.
Apresentação e Explicita corretamente as incertezas de medida relacionadas com as
análise dos dados imprecisões dos instrumentos de medida utilizados.
experimentais
Procedimento Explicita procedimentos tomados para se controlar variáveis, ou
Experimental seja, procedimentos realizados para que os fatores desprezados
pelo modelo teórico adotado influenciem minimamente os dados
experimentais.

No protocolo original existem mais aspectos de avaliação, sendo que cada um deles contém mais de
um critério de avaliação. Por exemplo, para o aspecto “Procedimento Experimental”, além do critério
no quadro, há também: “Explicita as grandezas que foram medidas”, “Explicita os instrumentos de
medida utilizados”, “Explicita o arranjo experimental utilizado” e “Explicita o evento físico investigado”.
Aqui trouxemos apenas três aspectos com um critério de cada para fins de exemplificação.
Fonte: adaptado de Heidemann (2015).

Com o conhecimento de itens como esses, os(as) estudan-


tes podem se autoavaliar, autorreagindo a fim de alcançar os obje-
tivos ainda não atingidos até aquele momento. Podem, portanto,
realizar procedimentos de autorregulação, desenvolvendo conheci-
mentos metacognitivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procuramos neste capítulo apontar uma série de potencia-
lidades do laboratório didático para a aprendizagem de física, sem
a pretensão de esgotar o tema, amplamente debatido na literatura

SUMÁRIO 47
(HODSON, 1992; PINHO-ALVES, 2000; BORGES, 2002; ARAÚJO;
ABIB, 2003; GASPAR, 2004). Concluímos reforçando a importân-
cia das atividades experimentais no contexto do ensino de Física.
Dentre outros motivos, atividades experimentais podem contribuir
para que os estudantes compreendam a natureza representacional
do conhecimento científico por meio do processo de contrastação
empírica de modelos didático-científicos. Ainda, quando se desloca
o enfoque da aula experimental da obtenção passiva e acrítica de
dados para o processo de investigação empírica em si, favorecemos
o aprendizado não apenas de ciências, mas sobre ciências, agre-
gando com isso conhecimentos relacionados à natureza da cons-
trução do conhecimento científico. Nesse sentido, argumentamos
que a ênfase no processo de medição pode suscitar discussões não
apenas em aspectos epistêmicos da ciência, mas também favorecer
o desenvolvimento de estruturas conceituais e processos cognitivos
necessários para o raciocínio científico.

Outra potencialidade das atividades experimentais é o desen-


volvimento de relações sociais colaborativas entre os estudantes. O
trabalho em equipe demanda simultaneamente a confiança e o diá-
logo entre seus membros, que devem argumentar e se posicionar
sobre o evento investigado, favorecendo a alfabetização científica. O
desenvolvimento de conhecimentos sobre a própria aprendizagem
(metacognição) é outra potencialidade das atividades experimentais,
podendo contribuir para melhorar a qualidade da autorregulação
dos(as) estudantes. Entretanto, para que esse processo seja posi-
tivo, o nível de abertura da atividade deve ser adequado às carac-
terísticas dos(as) estudantes. Atividades demasiadamente fechadas
suscitam atitudes negativas sobre o trabalho experimental e são
reportadas como desinteressantes pelos(as) estudantes. Por outro
lado, atividades excessivamente abertas, que implicam dificuldades
insuperáveis na perspectiva dos(as) estudantes, também desper-
tam atitudes negativas.

SUMÁRIO 48
Uma das maiores dificuldades para a implementação de boas
práticas experimentais é a tradição de aulas centradas no paradigma
da descoberta e(ou) prova de leis científicas. Contribuem de forma
determinante para a superação desse paradigma atividades bem
contextualizadas e problematizadas. A contextualização é essencial
para dar sentido aos conhecimentos e situações; já a problematiza-
ção tem o papel de estruturar a situação-problema a ser enfrentada,
articulando-a com o contexto de forma significativa. Esses fatores
são reportados como determinantes no sentimento dos estudantes
sobre as atividades experimentais. Para superar eventuais déficits
conceituais, ou mesmo introduzir elementos de conhecimentos sim-
ples, porém indispensáveis para a condução das aulas, o(a) profes-
sor(a) pode utilizar de metodologias ativas como Just-in-Time Tea-
ching. O estabelecimento de estratégias para acompanhar o desen-
volvimento das atividades pelos estudantes também é essencial
para verificar se os objetivos das atividades estão sendo alcançados.
Para isso, é fundamental que os(as) estudantes saibam os critérios a
partir dos quais estão sendo avaliados, o que permite inclusive ao(à)
professor(a) fornecer feedbacks individuais ou em grupo aos(às)
estudantes. Por fim, um aspecto que contribui para que os objetivos
das aulas experimentais sejam alcançados é a organização dos(as)
estudantes em equipes diversas, porém com interesses comuns, que
tenham qualidades complementares, capazes de se apoiarem mutu-
amente em seus pontos fortes.

Reiteramos nossa crença no potencial das atividades experi-


mentais para o ensino de Física. Por meio das ideias expostas nesse
capítulo, esperamos auxiliar professores(as) que desejam aprimorar
suas práticas no laboratório didático.

SUMÁRIO 49
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SUMÁRIO 55
2
Estevão Antunes Jr.
Claudio J. H. Cavalcanti
Fernanda Ostermann

A BNCC E OS PCN
NO ENSINO FUNDAMENTAL II
EM INTERAÇÃO DIALÓGICA:
UMA ANÁLISE BAKHTINIANA ARTICULADA
A REDES TEXTUAIS
INTRODUÇÃO
O trabalho que apresentaremos neste capítulo é parte de uma
pesquisa que consta na tese de doutorado de Antunes Jr. (2022), que
envolve, entre outros aspectos, a análise curricular da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017) das Ciências da Natu-
reza (CN) para os anos finais do Ensino Fundamental e a relação
deste documento com os antigos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) (BRASIL, 1998). Antunes Jr., Cavalcanti e Ostermann (2021),
fizeram uma interpretação das vozes do currículo Ciência Tecnolo-
gia e Sociedade (CTS) nesses documentos e apresentaram sobre
a revocalização das vozes dos PCN na nova BNCC para a etapa de
escolarização em pauta. O que estamos propondo apresentar neste
capítulo é uma aprimoração significativa no que diz respeito à meto-
dologia e à técnica utilizada para a análise e uma reinterpretação
dos resultados a partir disso. Por isso, cabe revisitar o que Antunes
Jr., Cavalcanti e Ostermann (2021) discorreram sobre a educação em
ciências para os anos finais do Ensino Fundamental.

A história da educação científica no Brasil sempre privilegiou


assuntos que estivessem mais direcionados à Biologia, inicialmente
pautados na agricultura e higiene, em detrimento de outras dimen-
sões importantes das ciências. Ainda que tenhamos tido ênfase
maior na Física e na Química durante os anos de Guerra Fria, essas
disciplinas nunca direcionaram as Ciências da Natureza para a edu-
cação colegial (Ensino Fundamental). Isso, inclusive, é reforçado na
literatura, em que podemos encontrar muito mais pesquisas com
ênfase no Ensino Fundamental e alinhados com as Ciências Biológi-
cas do que com a Física e/ou com a Química (ANTUNES JR., 2022).

Ainda, se analisarmos, mesmo superficialmente, os docu-


mentos que direcionaram a educação brasileira a partir da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) de 1996 (BRASIL,
1996), como os PCN, perceberemos um enfoque maior em demandas

SUMÁRIO 57
vindas das Ciências Biológicas para o Ensino Fundamental II. É
importante dizer que não temos a pretensão de dizer que esses
assuntos não são importantes, pelo contrário, mas devemos enten-
der se essa hegemonia ainda persiste na BNCC e quais motivos pos-
sivelmente levaram a isso.

Outros aspectos importantes que foram investigados


pelos autores tocam as ideias sobre ciência e sobre currículo que
se vende/vendia nesses documentos. É de se esperar que, tendo
sido concebida 20 anos mais tarde, a BNCC teria levado em conta
aspectos explorados e pesquisados nos meios acadêmicos e nas
publicações especializadas em Ensino e/ou Educação em Ciências
ao longo desses anos. Mas será que levou? A ciência ainda é vista
como um suporte para a tecnologia e a partir de um viés utilitarista?
E quanto à ideia de currículo que aborde conteúdos científicos por
um prisma mais crítico?

De fato, o trabalho que citamos anteriormente mostra, a par-


tir da análise realizada, que a BNCC se apresenta com uma visão de
mundo similar à veiculada nos PCN quanto à ideia de currículo a ser
proposto, quanto à visão de CTS reverberada e quanto à hegemonia
dos conteúdos voltados à Biologia. Entretanto, a análise proposta por
Antunes Jr., Cavalcanti e Ostermann (2021) não utilizava a relação
gramatical binária e as categorizações de vértices a partir do peso,
da força e do betweenness. Essa nova análise pode nos mostrar mais
claramente os termos mais centrais de cada enunciado e as relações
mais importantes entre os dois enunciados, que são os textos sobre
Ciências da Natureza para os anos finais do Ensino Fundamental
contidos nos antigos PCN da nova BNCC.

Assim, o objetivo desse trabalho, como já foi mencionado


anteriormente, é apresentar uma nova forma de elucidar padrões
linguísticos a partir de redes obtidas utilizando a relação gramatical
binária articulada com a filosofia da linguagem do círculo de Bakh-
tin. Para isso, utilizaremos o mesmo escopo que foi apresentado por

SUMÁRIO 58
Antunes Jr., Cavalcanti e Ostermann (2021), mas analisaremos os
resultados a partir dessa nova técnica de mineração de texto.

A ANÁLISE DE REDES TEXTUAIS


ARTICULADA À ANÁLISE BAKHTINIANA
As redes textuais obtidas na nossa análise estão pautadas na
mineração de texto, em que o texto serve como variável de entrada
e, a partir dele, obtemos tabelas de coocorrências e redes de pala-
vras. O primeiro passo para obtermos as redes que estamos pro-
pondo é formar os bigramas e as tabelas de coocorrência a partir
do Processamento de Linguagem Natural. Nessa etapa, o texto é
separado em partes – identificando parágrafos, sentenças (frases,
orações) por sinais de pontuação. Nas sentenças há separação de
cada termo. Para essa etapa utilizamos o pacote UDPipe (WIJFFELS,
2022), do ambiente de programação R. Assim, os bigramas não são
construídos apenas por uma palavra seguida da próxima ou apenas
pela proximidade entre as palavras, mas também, e principalmente, a
partir de uma dependência gramatical entre as palavras, o que cha-
mamos de dependency parsing (análise de dependência). Associado
a isso, o próprio pacote pode ser ajustado para fazer o que se chama
lematização, a fim de eliminar plural, gênero, etc.

Essa dependência gramatical e a formação dos bigramas


é o que vai construir a rede. Essa rede construída é direcional, no
sentido term1 → term2, ou seja, os significados essenciais do texto
são produzidos nesse sentido, do termo pai para o termo depen-
dente. Os termos dos bigramas são representados por vértices, as
relações de coocorrência entre eles são representadas por arestas.
Os vértices podem ser classificados a partir de três variáveis impor-
tantes no método que estamos utilizando, que são o peso, a força e
o betweenness dos vértices.

SUMÁRIO 59
1. O peso é a variável que indica a densidade de ocorrência
de cada bigrama, ou seja, o número de coocorrências do bigrama
sobre o número total de extratos de texto.
cooc
peso =
total de estratos de texto

A variável indica o número de coocorrências de cada


bigrama. Essa variável pode ajudar a formar as nuvens de bigramas
que apresentaremos a seguir.

2. A força de vértice (do inglês node strength) identifica a


centralidade do vértice frente ao texto. Essa medida indica o quão
fortemente conectado na rede cada termo de cada bigrama está,
ou seja, o quão articulado ele está aos enunciados e ao discurso
como um todo. Quanto mais vezes um dado termo faz parte de um
bigrama, maior o número de conexões na rede e maior é a força
de vértice. Assim, a força de vértice pode expressar a intensidade
das relações entre os termos, que é importante para a articulação
com a análise bakhtiniana, uma vez que podemos investigar signifi-
cados veiculados pelos locutores que produziram esses enunciados
e a interação entre esses enunciados (interanimação de vozes). Os
valores altos de força de vértice indicam termos que são estrutural-
mente fundamentais nos enunciados. Sendo o enunciado a unidade
de análise básica na teoria de Bakhtin, é coerente que a importância
de termos seja quantificada por alguma medida de centralidade, não
pela frequência simples de ocorrência isolada de cada termo.

3. O betweenness (ou intermediação) do vértice v ∈ V é dada


por (KOLACZYK; CSÁRDI, 2020, p. 48)

σ(v)
B(v) = Σ
s≠t≠v∈V σ(s, t)'

onde σ(v) é o número total de caminhos mais curtos entre os nós s


e t que passam pelo nó v e σ(s,t) é o número total de caminhos mais
curtos entre s e t (não apenas aqueles que passam por v). Isso quer

SUMÁRIO 60
dizer que o betweenness do vértice é alto quando pelo vértice v pas-
sam muitas geodésicas que unem s e t.

Com base nesses três conceitos e na dependência gramati-


cal podemos formar as redes de palavras e classificar os vértices de
acordo com a sua importância para o enunciado, além de articular
relações com a teoria do enunciado concreto do círculo bakhtiniano.
É por meio da interpretação das diversas conexões locais e não
locais entre termos na rede que a interpretação do discurso é feita.

É importante dizer que, a partir da mineração textual e da


construção/análise de redes, podemos observar padrões interessan-
tes no que diz respeito às vozes veiculadas e revocalizadas, além
de permitir a visualização de relações sutis entre termos e de esti-
mar a importância e o papel de cada termo em decorrência dessas
relações. Tais características expressam aspectos importantes cuja
gênese se dá nas interações dos enunciados presentes no docu-
mento com enunciados de outros textos.

Na filosofia da linguagem de Bakhtin, a voz pode ser enten-


dida como a visão de mundo adotada pelo enunciador ao proferir
o enunciado ou a perspectiva por meio da qual o ouvinte compre-
ende e se posiciona em relação a esse enunciado (interanimação de
vozes). Bakhtin (2016) afirma que um enunciado é repleto de vozes
que podem ser veiculadas por ele e que um enunciado concreto
(verbal e extraverbal) carrega pelo menos duas vozes: a voz do locu-
tor e do ouvinte. Relacionadas a essas estão a voz responsiva e a voz
diretiva (real ou presumida). A unicidade do enunciado se estabelece
pelo contexto concreto e único em que é produzido e “mesmo que
seja escrito e finalizado, responde a algo e orienta-se para uma res-
posta” (VOLOSHINOV, 2018, p. 184).

Nessa perspectiva, a metalinguística bakhtiniana também


considera que uma voz pode ser reanimada a partir da adaptação
a um novo contexto enunciativo e atrelada à consciência ideoló-
gica dos novos sujeitos enunciadores. Isso é que se chama palavra
internamente persuasiva (BAKHTIN, 2002), ou o que chamaremos

SUMÁRIO 61
de revocalização (MAYBIN, 2008) e “é metade nossa e metade de
outrem” (BAKHTIN, 2002, p. 145), além de ser uma palavra reani-
mada a partir da adaptação a um novo contexto enunciativo e atre-
lada à consciência ideológica dos novos sujeitos enunciadores. É um
processo em que o novo enunciador incorpora conscientemente a
voz original, alinha-se a ela ou a polemiza, constituindo a já citada
interanimação de vozes.

Convém ressaltar que, ainda que se fale em circulação de


significados na rede, tais significados não estão presentes na rede
aguardando que sejam desvelados. É na análise que eles são pro-
duzidos. Assumir que a rede contenha significados que devem ser
desvelados nos aproximaria, por exemplo, da Análise de Conteúdo.
Segundo Bakhtin (2016), textos são produzidos em um contexto de
comunicação cultural, por meio da interação dialógica com discur-
sos produzidos em contextos e momentos históricos que podem ser
bem mais amplos do que o local e momento no qual o texto foi pro-
duzido (contexto imediato).

A seguir apresentaremos o resultado da nossa proposta de


articulação entre a teoria de redes e a análise bakhtiniana aplicada
ao nosso objeto de análise, que consiste nas partes referentes às
Ciências da Natureza contidas na BNCC e nos PCN para os anos
finais do Ensino Fundamental.

EXEMPLO APLICADO ÀS CIÊNCIAS


DA NATUREZA NO FUNDAMENTAL II:
DOS PCN À BNCC
Para explicar como esses conceitos bakhtinianos se inserem
no contexto da análise de redes, apresentaremos, inicialmente, a

SUMÁRIO 62
análise da BNCC das Ciências da Natureza para os anos finais do
Ensino Fundamental.

Na figura 1 está demonstrada a maior componente da rede


textual obtida de forma que bigramas com número de ocorrências
(frequência) menor do que 2 foram filtrados, mantendo apenas
aqueles que contivessem palavras-chave relacionadas aos três eixos
temáticos Matéria e Energia, Vida e Evolução e Terra e Universo.

Figura 1 - Rede textual obtida a partir da BNCC para o Ensino Fundamental II

Fonte: Antunes Jr., 2022.


SUMÁRIO 63
O mapa da Figura 1 nos permite visualizar relações sutis entre
termos, além de estimar a importância e o papel de cada termo em
decorrência dessas relações. Tais características expressam aspec-
tos importantes cuja gênese se dá nas interações dos enunciados
presentes no documento com enunciados de outros textos.

A fim de sistematizar a análise dos vértices, propomos


uma classificação levando em consideração a força e o between-
ness do vértice (ANTUNES JR., 2022). A classificação está especifi-
cada no quadro a seguir:

Quadro 1 - Classificação dos vértices de acordo com a força e o betweenness

Classificação do vértice Descrição


Hub Global + Força e betweenness nível 5 – termos mais importantes e centrais da rede
Hub Global – (1) força nível 5 e betweenness nível 4; (2) força nível 4 e betweenness nível
5 – termo com importância global, mas importância menor do que termos
classificados como Hub Global +
Hub (1) força nível 4 e betweennes nível 3; (2) força nível 3 e betweenness nível 4 –
pode ser classificado como Hub, mas com característica intermediária entre o Hub
Local (ver abaixo) e o Hub Global –
Ponte (1) betweenness nível 5 e força níveis 1, 2 ou 3; (2) betweenness nível 4 e força níveis
1 ou 2; (3) betweenness nível 3 e força nível 1 – termo que usualmente conecta dois
clusters locais de termos, ou seja, aparecem em distintos contextos discursivos.
Hub Local (1) força nível 5 e betweenness níveis 1, 2 ou 3; (2) força nível 4 e betweenness
níveis 1 ou 2; (3) força nível 3 e betweenness nível 1 – termo com fortes conexões
locais com outros termos.
Sem Classificação (SC) Quaisquer combinações de níveis distintas das descritas acima – nesse caso, o
papel do vértice na rede não tem uma característica mais proeminente do que
outras e não se enquadra em nenhum dos casos citados até aqui. Porém, esse tipo
de vértice não pode ser classificado como periférico ou semiperiférico
Semiperiférico (1) força nível 1 e betweenness nível 2; (2) força nível 2 e betweenness nível 1
Periférico Força e betweenness nível 1

Fonte: elaborada pelos autores, 2023.

SUMÁRIO 64
Analisando a Figura 1 e associando com as classificações
apresentadas no quadro 1, podemos verificar que o único termo clas-
sificado como Hub Global + é vida, que aparece, por exemplo, na
sequência vida → humano ← ser → vivo, sendo que o bigrama ser
→ vivo dessa sequência tem ligação intensa na rede (o sétimo mais
frequente). Também aparecem em evidência as sequências vida ←
qualidade → ar e vida → manutenção → saúde individual → cole-
tiva. É evidente a centralidade de tópicos vinculados às Ciências
Biológicas, alguns voltados à saúde e questões ambientais. Não há
nenhum problema nisso, mas tópicos de outras áreas acabam sendo
menos priorizados e aparecem isolados na rede, como é o caso do
termo energia, mesmo sendo um Hub Global –. O termo universo,
por sua vez, aparece como periférico. Portanto, energia é um tópico
estanque, apesar de importante, sem ligações diretas muito inten-
sas com demais tópicos.

Há ainda sinais de que as relações entre Ciência e Tecnologia


são abordadas de forma reducionista em certas passagens do texto.
A sequência criar → solução → tecnológico ← científico ← conhe-
cimento dá indícios de que os enunciados veiculam vozes alinhadas
à ideia de criar soluções tecnológicas para problemas diversos com
base no conhecimento científico. De fato, há vários enunciados em
que a ideia de criar soluções tecnológicas para problemas diversos
está presente sem uma reflexão de que isso não necessariamente
melhore a vida da população em geral. Sabe-se que as relações
entre ciência e tecnologia nem sempre vão na direção de solucio-
nar problemas e automaticamente melhorar a qualidade de vida da
população, noção que estaria reverberando vozes mais alinhadas ao
modelo linear de desenvolvimento científico, que é problematizado e
criticado já no início do século por Auler e Delizoicov (2001). No início
do texto do documento há uma menção à ideia de que nem sempre
a ciência e a tecnologia se articulam de forma a gerar resultados
positivos para o mundo e para as pessoas:

SUMÁRIO 65
No entanto, o mesmo desenvolvimento científico e tecno-
lógico que resulta em novos ou melhores produtos e ser-
viços também pode promover desequilíbrios na natureza
e na sociedade (BRASIL, 2017, p. 319).

Mais adiante, há também a seguinte afirmação:


Impossível pensar em uma educação científica con-
temporânea sem reconhecer os múltiplos papéis da
tecnologia no desenvolvimento da sociedade humana.
A investigação de materiais para usos tecnológicos, a
aplicação de instrumentos óticos na saúde e na obser-
vação do céu, a produção de material sintético e seus
usos, as aplicações das fontes de energia e suas apli-
cações e, até mesmo, o uso da radiação eletromagné-
tica para diagnóstico e tratamento médico, entre outras
situações, são exemplos de como ciência e tecnologia,
por um lado, viabilizam a melhoria da qualidade de vida
humana, mas, por outro, ampliam as desigualdades
sociais e a degradação do ambiente. Dessa forma, é
importante salientar os múltiplos papéis desempenha-
dos pela relação ciência-tecnologia-sociedade na vida
moderna e na vida do planeta Terra como elementos
centrais no posicionamento e na tomada de decisões
frente aos desafios éticos, culturais, políticos e socio-
ambientais (BRASIL, 2017, p. 327-328).

Porém, esses enunciados acabam atuando como alertas de


que a relação entre ciência, tecnologia e sociedade devem ser pauta
para reflexão mais profunda, mas sem desenvolver ou orientar como
essa discussão pode ser desenvolvida ou implementada em situa-
ções de sala de aula. Ao mesmo tempo, em diversos pontos do docu-
mento há trechos com indicações sobre criar soluções tecnológicas
para problemas diversos com base no conhecimento científico, voz
que se alinha à ideia do modelo linear. O resultado dessa estratégia
discursiva é que a rede captura essa postura aparentemente dúbia,
de um lado colocando alertas vazios, do outro aliando-se mais for-
temente à ideia do modelo linear. Além disso, a sequência e criar →
solução → problema → cotidiano, além de resolver → problema

SUMÁRIO 66
→ cotidiano veicula uma voz alinhada a uma ideia de ciência
utilitarista, comumente chamada de ciência do cotidiano, há que cui-
dar para não recair nesse modismo, criticado na literatura. Segundo
Santos e Mortimer (2000), a ciência do cotidiano se diferencia muito
da perspectiva CTS, pois
[...] se limita a nomear cientificamente as diferentes espé-
cies de animais e vegetais, os produtos químicos de uso
diário e os processos físicos envolvidos no funcionamento
dos aparelhos eletro-eletrônicos. Um ensino que contem-
ple apenas aspectos dessa natureza seria, a nosso ver,
puramente enciclopédico, favorecendo uma cultura de
almanaque (SANTOS; MORTIMER, 2000, p. 117).

Ainda que abordar aspectos do cotidiano seja defensá-


vel no contexto escolar, esse tipo de abordagem não pode ser
um fim, apenas uma parte do caminho. Tal resultado corrobora a
ideia levantada na leitura prévia do documento, de que a BNCC
apenas aparentemente se alinha às premissas fundamentais da
perspectiva CTS, perspectiva essa de viés crítico. A herança dos
anos 90, deixada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRA-
SIL, 1998) pode ser percebida na ideia reducionista de tecnolo-
gia como ciência aplicada (concepção utilitarista), tão combatida
pelos movimentos CTS.

Podemos, portanto, a partir de nossa análise, concluir que


a BNCC revocaliza uma visão curricular para as Ciências da Natu-
reza que ainda privilegia as Ciências Biológicas para os anos finais
do Ensino Fundamental. Além disso, veicula vozes que parecem se
aliar à concepção de uma interação não crítica entre ciência, tecno-
logia e sociedade, na qual a ciência gera desenvolvimento tecnoló-
gico, o que traria, como consequência, o bem-estar social, além de
evidenciar um alinhamento a abordagens mais utilitaristas no estilo
ciência do cotidiano.

A seguir, podemos analisar uma sub-rede da rede global


selecionando enunciados que contenham termos que iniciam com

SUMÁRIO 67
tecno e outros relacionados. Foram mantidos, além desses ter-
mos, aqueles que contenham desequilíbrio ou degradação, para
capturar as poucas partes mais críticas do texto e investigar como
se articulam na rede. O resultado desse procedimento pode ser
visualizado na Figura 2.

Percebe-se, como esperado (por construção), que os termos


dominantes são tecnologia (Hub Global +) e tecnológico (Hub
Global –). As sequências de termos obtidas dos poucos enuncia-
dos mais críticos ao modelo linear são representadas fundamental-
mente pelas sequências promover → desequilíbrio → natureza ←
ciência → tecnologia e ampliar → desigualdade → degradação →
ambiente, que são periféricas na rede, pois aparecem apenas uma
vez no texto como se fosse uma espécie de alerta (melhor seria se
investissem em uma discussão sobre esses aspectos).

É evidente, porém, que as sequências iniciadas com criar


→ solução → tecnológico são bastante mais estáveis (fortemente
conectadas à rede), juntos às sequências desenvolvimento → cien-
tífico → tecnológico e criar → solução → tecnológico ← científico
← conhecimento → ciências-da-natureza ← problema ← resol-
ver. Assim, ainda que haja no texto duas passagens relativamente
vagas alertando sobre a complexidade das relações CTS, o discurso
mais estável está centrado em relações em que tecnologia resolve
problemas cotidianos. Sem explicitar uma problematização sobre
essa relação, o discurso pode estar privilegiando vozes que se ali-
nham ao modelo linear.

SUMÁRIO 68
Figura 2 - Rede textual obtida a partir da BNCC, considerando enunciados com
menção ao termo tecnologia e derivados, além de termos relacionados

Fonte: Antunes Jr., 2022.

Agora, façamos uma análise, nos mesmos moldes, mas refe-


rente aos PCN para a área de Ciências da Natureza dos anos finais
do Ensino Fundamental.

SUMÁRIO 69
Percebemos que, mesmo com citação direta ao movimento CTS
e toda a articulação argumentativa do documento em torno desse eixo, a
formação da sequência desenvolvimento → científico → tecnológico
parece valorizar essa característica no ensino de Ciências, perspectiva
que pode reforçar vozes que se alinham à ideia do modelo linear, ainda
que sutil e implicitamente (AULER; DELIZOICOV, 2001). A perspectiva
CTS aparece explicitamente na sequência ciência → tecnologia →
sociedade. Ao longo do documento pode ser constatado que essa rela-
ção é tratada de forma um pouco mais aprofundada do que na BNCC,
ainda que também deixe espaço para abordagens mais ingênuas e que
repliquem concepções próximas ao modelo linear.

Há dois termos classificados como Hub Global +, ciência e


natural, e três como Hub Global –, ser, humano e ciclo, que contex-
tualiza os eixos nos respectivos do Ensino Fundamental na época,
final da década de 90, além da menção ao ciclo da água na sequên-
cia ciclo → água. A centralidade dos conteúdos em torno das Ciên-
cias Biológicas é também possível de notar na rede. Esse aspecto
não surpreende, dado que todos os elaboradores para as Ciências da
Natureza estão vinculados à Biologia. Há forte conexão entre os ter-
mos nos bigramas ser → vivo e ser → humano, indicando que são
bastante presentes ao longo do documento. Há ainda os bigramas
(qualidade, diversidade, condição) → vida, vida → ambiente e
corpo → humano, que aparecem claramente. Muito perifericamente
aparecem bigramas corpo → celeste e movimento → corpo, menos
vinculados às Ciências Biológicas.

Tal como foi feito para a BNCC, podemos construir uma rede
a partir dos PCN levando em conta enunciados que contenham ter-
mos relacionados à ciência, tecnologia e suas relações, mostrada
na Figura 3. Assim como na rede anterior, a intenção é preservar

SUMÁRIO 70
as poucas passagens do texto em que eram destacadas posições
mais reflexivas e críticas sobre as relações entre ciência, tecnologia e
sociedade, ou seja, aquelas que pelo menos não se alinham às con-
cepções inspiradas pelo modelo linear.

Assim como no caso da rede da BNCC, o termo tecnologia


é o único Hub Global +. Obviamente isso ocorre pela própria cons-
trução da rede, obtida de enunciados que contenham esse termo
e outros relacionados. O termo ciência também tem importância
significativa nessa rede, sendo Hub Global –. O termo sociedade
completa a tríade CTS, mas como Hub Local, ou seja, aparece muito
no texto em conjunção com os termos ciência e tecnologia. Isso
indica que a tríade CTS é central (tal como mostra a rede), mas o
termo sociedade não tem importância global como os dois demais.
De fato, ainda que o documento apresente Tecnologia e Sociedade
como um dos eixos temáticos em todo o Ensino Fundamental, os
impactos sociais – principalmente os negativos – da Ciência e Tec-
nologia aparecem no texto apenas perifericamente, o que também
pode ser percebido na rede. Por exemplo, nesse documento há um
enunciado que afirma o seguinte:
A abordagem da Ética está muito frequentemente asso-
ciada a grandes interesses econômicos e políticos. É pre-
ciso trazer tais questões críticas para a discussão em sala
de aula, evitando a visão ingênua ao idealizar a tecnologia
como sinônimo inquestionável de progresso social e con-
forto individual (BRASIL, 1998, p. 49).

SUMÁRIO 71
Figura 3 – Rede textual obtida a partir dos PCN, considerando enunciados com
menção ao termo tecnologia e derivados, além de termos relacionados

Fonte: Antunes Jr., 2022.

SUMÁRIO 72
Esse é um dos poucos enunciados dispersos ao longo do
texto completo que faz uma reflexão crítica sobre impactos sociais
da Ciência e Tecnologia (principalmente). Na rede da Figura 3 a
afirmação destacada na citação acima aparece como um conjunto
de termos periféricos que só se articula à rede por meio do termo
central tecnologia, na sequência ingênuo ← visão ← evitar →
idealizar → tecnologia → sinônimo → (progresso, inquestioná-
vel). No entanto, aparece como uma frase solta no texto, sem maio-
res aprofundamentos e outras reflexões (por isso essa sequência de
termos basicamente está articulada apenas ao termo central tec-
nologia). Há ainda outras sequências periféricas como ambiental
← impacto → social, que representam na rede enunciados locali-
zados que citam possíveis impactos ambientais e sociais da tecno-
logia. No caso do impacto ambiental há algumas poucas considera-
ções sobre a ação humana no ambiente, mediada pela tecnologia,
citando o caso de extração de minérios e produção energética. Já o
bigrama impacto → social é citado sem maiores aprofundamentos.
Assim, como no caso da BNCC, o discurso que termina por ser privi-
legiado é o mais recorrente, que aparece representado na rede pela
sequência desenvolvimento → científico → tecnológico, ligado à
sequência utilizar → conhecimento → científico → tecnológico.
Por exemplo, nos objetivos gerais para o ensino de Ciências Naturais
aparece o seguinte enunciado:
Os objetivos de Ciências Naturais no ensino fundamen-
tal são concebidos para que o aluno desenvolva compe-
tências que lhe permitam compreender o mundo e atuar
como indivíduo e como cidadão, utilizando conhecimentos
de natureza científica e tecnológica (BRASIL, 1998, p. 32).

Logo após, citando as competências a serem desenvolvidas:

SUMÁRIO 73
[...] identificar relações entre conhecimento científico,
produção de tecnologia e condições de vida, no mundo
de hoje e em sua evolução histórica, e compreender a
tecnologia como meio para suprir necessidades huma-
nas, sabendo elaborar juízo sobre riscos e benefícios das
práticas científico-tecnológicas (BRASIL, 1998, p. 33).

Estudos recentes mostram que professores de Ciências não


raramente desenvolvem algumas concepções compatíveis com o
modelo linear (ver, por exemplo, Silva (2017) e referências citadas
no trabalho). Ao longo do texto os PCN chamam a atenção para
concepções ingênuas a respeito das relações CTS de forma mais fre-
quente do que ocorre na BNCC. Porém, são apenas alertas, que sem
maiores reflexões não os tornam mais eficientes do que alertas simi-
lares na BNCC. Como é relativamente fácil professores desenvolve-
rem concepções mais ingênuas sobre relações CTS, é de se esperar
que partes dos enunciados tais como utilizando conhecimentos de
natureza científica e tecnológica ou compreender a tecnologia como
meio para suprir necessidades humanas possam ter efeito em privi-
legiar concepções mais ingênuas sobre essas relações. Mesmo que
enunciados potencialmente críticos (mas sem prover uma reflexão
consistente) como sabendo elaborar juízo sobre riscos e benefícios
das práticas científico-tecnológicas apareçam ao longo do docu-
mento. Ao não promover uma reflexão que fundamente um pensa-
mento mais crítico a respeito das relações CTS, alguns enunciados
podem privilegiar vozes que façam apologia da tecnologia e termi-
nem por se aliar a aspectos centrais do modelo linear. O enunciado a
seguir se enquadra nessa condição:
Ao longo do terceiro ciclo podem ser aprendidos os prin-
cípios operativos dos equipamentos, aparelhos, sistemas e
processos de natureza tecnológica, especialmente aque-
les presentes na vida doméstica e social dos alunos, de

SUMÁRIO 74
maneira mais ampla e mais elaborada do que se poderia
fazer nos dois primeiros ciclos. Mediante diversas inves-
tigações e enfoques, os alunos poderão identificar que
diferentes tecnologias, recentes ou antigas, permitem as
transformações de materiais e de energia necessárias a ati-
vidades humanas essenciais, como a obtenção de alimen-
tos, a manufatura (cerâmica, vestuário, construção etc.), o
transporte, a comunicação e a saúde (BRASIL, 1998, p. 78).

Por fim, podemos construir uma rede que permita analisar


ressonâncias entre os dois documentos, ou seja, como os enuncia-
dos desses documentos se articulam no sentido de veicular vozes
conjuntas. Uma forma eficaz de construir essa rede seria por meio
dos bigramas comuns de ambas. Caso esses bigramas formem uma
rede conexa, a análise da mesma pode identificar tais vozes (quais
relações entre termos que os enunciados dos documentos privile-
giam de forma conjunta).

Na Figura 4 está demonstrada a rede formada a partir dos


bigramas comuns obtidos da BNCC da área de Ciências da Natu-
reza para o Ensino Fundamental II e os PCN, considerando apenas
bigramas com número de ocorrências maior ou igual a 4. Essa rede
é a maior das componentes conectadas.

É bastante óbvio que a rede obtida é bastante coesa e conec-


tada, permitindo identificar várias associações entre termos que
evidenciam ideias comuns, que constituem vozes comuns sendo
veiculadas pelos enunciados de ambos os documentos. Por exem-
plo, nessa rede não há um termo específico que seja Hub Global
+, o termo mais central é humano, que é um Hub Global –. Isso
ocorre porque esse termo está na categoria mais alta (5) do valor
de betweenness, mas na segunda mais alta (4) de força do vértice.
Assim, o termo humano é citado em diversos contextos distintos
de ambos os documentos, porém não é o mais fortemente ligado

SUMÁRIO 75
à rede. O termo mais ligado à rede é ser, um Hub Local. Olhado
em contexto, os bigramas ser → humano e ser → vivo são os mais
fortemente conectados. Além disso, o termo vida é um forte inter-
mediador (termo Ponte), ligando contextos distintos, como mostram
os bigramas vida → terra → universo, saúde ← manutenção →
vida e outros. Isso indica que os enunciados de ambos os docu-
mentos privilegiam as Ciências Biológicas como área das Ciências
da Natureza, tal como citado na análise dos discursos individuais de
ambos os documentos.

Há também um certo alinhamento na importância dada à


relação CTS, como se pode ver na sequência ciência → tecnolo-
gia → sociedade, ainda que tais relações sejam pouco detalhadas
nos dois documentos. Ainda que nos PCN se chame mais atenção
para a problematização de noções ingênuas sobre essas relações,
em ambos os documentos há omissões que podem permitir ao
leitor um alinhamento, mesmo parcial, ao modelo linear. A presença
conjunta de associações em sequências como desenvolvimento →
científico → tecnológico e utilizar → conhecimento → científico
→ tecnológico ← solução → problema indica que há enunciados
que evocam a ideia (correta) de que a tecnologia pode ser benéfica
e solucionar problemas cotidianos, mas sem a contrapartida crítica
isso pode inadvertidamente abrir caminho para professores e alunos
da educação básica se alinharem a vozes que veiculam aspectos
centrais do modelo linear, que é bastante sedutor (SILVA, 2017).

SUMÁRIO 76
Figura 4 – Maior componente conectada da rede formada a partir dos bigramas
comuns extraídos da BNCC e dos PCN. Foram considerados apenas bigramas que
ocorreram pelo menos 4 vezes

Fonte: Antunes Jr., 2022.

Assim, podemos considerar, a partir da análise de redes e


da percepção de vozes que são reverberadas nos dois documentos,
que a BNCC se configura como uma revocalização dos PCN para as

SUMÁRIO 77
Ciências da Natureza nos anos finais do Ensino Fundamental. Esse
resultado não surpreende, e inclusive já havia sido apresentado por
Antunes Jr., Cavalcante e Ostermann (2021), mas o que essa aná-
lise pode nos mostrar mais claramente é que um método estatístico
bem estruturado aliado a bons referenciais metodológicos qualitati-
vos pode fazer surgir resultados interessantes para pesquisas envol-
vendo a área de Ensino e/ou Educação em Ciências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse capítulo teve como objetivo, mais do que reforçar o que
foi apresentado por Antunes Jr., Cavalcanti e Ostermann (2021), exibir
um novo tipo de método quantitativo interpretativo que articula a
mineração de texto e a construção/análise de redes textuais com a
análise bakhtiniana. Essa pesquisa, que faz parte dos estudos reali-
zados em uma tese de doutorado (ANTUNES JR., 2022), objetivava,
assim, mostrar que existe uma forte interação dialógica entre a BNCC
e os PCN no que diz respeito às Ciências da Natureza no Ensino Fun-
damental II utilizando a dependência gramatical e a categorização
de vértices analisadas a partir do software R (R CORE TEAM, 2015).

Percebemos que a BNCC se apresenta, em grande parte,


como como revocalizadora de vozes dos PCN em aspectos como a
centralidade de conteúdos e a visão de ciência, tecnologia e socie-
dade. Mas esse vínculo forte entre a BNCC e os PCN não é tão evi-
dente em uma leitura literal dos documentos, porque os enunciado-
res, como mencionamos anteriormente, ao revocalizarem o discurso,
usam novas formas de escrita e reinventam as vozes. É como se as
mesmas vozes estivessem contidas no novo enunciado, mas com
uma “roupagem” diferente. E é nesse sentido que o método quantita-
tivo interpretativo que apresentamos nesse capítulo se faz útil.

SUMÁRIO 78
Quanto aos resultados obtidos com esse método no escopo
escolhido, nos cabe salientar que em ambos os documentos per-
cebemos o forte alinhamento com as Ciências Biológicas em
detrimento das outras áreas das Ciências da Natureza (como Física e
Química, por exemplo). Isso pôde ser percebido quando observamos
os vértices classificados como Hub Global + nas redes construídas e
as ligações que surgem disso.

Quando voltamos o olhar para a visão de ciência, tecnologia


e sociedade vocalizada e revocalizada nos documentos, percebe-
mos que existiam fortes ligações que sugeriam que a ciência era
dada como um suporte à tecnologia, o que sugeriu que os documen-
tos se direcionam para a visão linear. Isso pôde ser percebido, prin-
cipalmente, na relação estabelecida na BNCC: criar → solução →
tecnológico ← científico ← conhecimento → ciências-da-natureza
← problema ← resolver; e nos PCN: desenvolvimento → científico
→ tecnológico ligado à sequência utilizar → conhecimento →
científico → tecnológico.

Portanto, a análise de redes apresentada nesse capítulo pode


e deve inspirar novas pesquisas na área de Ensino e/ou Educação
em Ciências, principalmente vinculadas a análises de discurso.

AGRADECIMENTOS
Fernanda Ostermann agradece a bolsa de produtividade e
o auxílio à pesquisa recebidos por parte do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Estevão Luciano
Antunes Jr. agradece à CAPES pela bolsa de Doutorado concedida.

SUMÁRIO 79
REFERÊNCIAS
ANTUNES JR., E. Análise bakhtiniana articulada a redes textuais de documentos
oficiais, planos de ensino e ementas na formação de professores de Física/
Ciências da Natureza para o Ensino Fundamental II. 2022. Tese (Doutorado em
Ensino de Física) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2022.

ANTUNES JR., E.; CAVALCANTI, C. J. H.; OSTERMANN, F. A Base Nacional Comum Curricular
como revocalizadora de vozes dos Parâmetros Curriculares Nacionais: o currículo
Ciência, Tecnologia e Sociedade na educação científica para os anos finais do Ensino
Fundamental. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 38, n. 2, p. 1339-1363, 2021.

AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológico para que? Ensaio –


Pesquisa em Educação em Ciências, v. 3, n. 1. 2001.

BAHTIN, M. M. Speech genres and other late essays. Tradução de MCGEE, V. W. AustIn:
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BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2016.

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BRASIL. LDB: Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases


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SUMÁRIO 80
R CORE TEAM. R: A language and environment for statistical computing. Vienna: R
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C-T-S (Ciência-Tecnologia-Sociedade) no contexto da educação brasileira. Ensaio –
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em formação continuada e seus planos de ensino. (2017). 289 f. Tese (Doutorado) –
Interunidades em Ensino de Ciências, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.

VOLOSHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do


método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2018.
WIJFFELS, J. Udpipe: Tokenization, Parts of Speech Tagging, Lemmatization and
Dependency Parsing with the ‘UDPipe’ ‘NLP’ toolkit. 2022. Disponível em: https://CRAN.R-
project.org/package=udpipe. Acesso em: 28 maio 2022.

SUMÁRIO 81
3Alan Alves-Brito
Anderson Oliveira
Luciano Slovinscki
Kaleb Alho

ENCONTRO DE SABERES:
NOVAS INTERFACES DE PESQUISA EM ENSINO,
EDUCAÇÃO E DIVULGAÇÃO DE CIÊNCIAS FÍSICAS
INTRODUÇÃO
De acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-
soal de Nível Superior (CAPES), vinculada ao Ministério da Educação
(MEC), a expansão e a consolidação da pós-graduação (mestrado
e doutorado) em todos os estados da Federação devem “assegu-
rar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade
suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos
públicos e privados que visam ao desenvolvimento do país” (NASCI-
MENTO; ARCANJO; FERREIRA, 2020). Do ponto de vista da desco-
lonização (QUIJANO, 2000) para a refundação ética, racial e epistê-
mica das universidades brasileiras, os programas de pós-graduação
são lugares estratégicos para a transformação social do país, sobre-
tudo quando as questões étnico-raciais e de inclusão são levadas
em consideração. Particularmente no caso do ensino, da educação
e da divulgação de ciências, como a física e a astronomia, isso é
ainda mais urgente, dado que, por vezes, essas questões são trata-
das como de menor importância nessas duas áreas de investigação.

No caso particular do nosso Programa de Pós-Graduação em


Ensino de Física (PPGEnfis) na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), considerado na última avaliação CAPES como um
dos programas de excelência1, o nosso Grupo de Pesquisa em parti-
cular, focado nas questões do ensino, da educação e da divulgação
da astronomia no âmbito do PPGEnfis, tem buscado contribuir com
discussões teóricas, metodológicas e epistemológicas inovadoras,
não apenas focadas nas questões mais fundamentais da área, mas
sobretudo criando novos nichos de investigação e discussão em que
a educação antirracista em ciências (nas intersecções de classe,
gênero e outros marcadores sociais) seja colocada no horizonte das
possibilidades de atuação na área de Ensino em Física na UFRGS

1 Classificado com conceito CAPES 6 na Quadrienal 2017-2020. Os conceitos 6 e 7 da CAPES apontam


alto padrão internacional de desempenho para programas de doutorado.

SUMÁRIO 83
e para além dela. Entendemos que esse movimento é necessário,
pois as questões de raça e do racismo2 são centrais no ensino supe-
rior, na educação básica, nos espaços formais, não formais e infor-
mais de divulgação em ciências e, mais importante, eles são cruciais
para a transformação social do país, levando em conta o fortaleci-
mento e a garantia do estabelecimento pleno da democracia.

Historicamente, as ciências físicas, notadamente a física e


a astronomia, têm contribuído para o chamado desenvolvimento
científico e tecnológico da humanidade sintetizando, em vários
momentos da história, a própria ideia de ciência com suas acep-
ções e contradições históricas, teórico-metodológicas e epistêmicas
(ANDERY et al., 2012). É consenso científico que a física e a astro-
nomia contemporânea reforçam, por um lado, as ideias perpetradas
no chamado “milagre grego”3 e, por outro, a materialização da razão
empreendida nos séculos XVII e seguintes, que nos brinda com a
ideia fixa de que somente por meio da razão poderemos não apenas
nos aperfeiçoar, mas também alcançar o progresso e o desenvolvi-
mento pleno. A física e a astronomia têm, em conjunto, se articulado
à noção de desenvolvimento forjada na Quarta Revolução Industrial
(ALVES-BRITO, 2021a).

Para além disso, é flagrante nessas descrições cosmológi-


cas (portanto, filosóficas) e hegemônicas do mundo, a hierarquiza-
ção das sociedades (e dos espaços sociais) em que estas ciências
se desenvolvem, de forma que o objetivo primeiro da razão forjada
no âmbito do Iluminismo (ANDERY et al., 2012) – ethos da física

2 O racismo é aqui definido como um perverso sistema de opressão e desumanização de corpos


negros e indígenas com base na hierarquização destas pessoas em relação às pessoas bran-
cas, com base na ideia de raça e de sua diferenciação biológica. Raça, no presente texto, tem
significado sociológico e político. É tratada como uma categoria fundamental de análise para
entender como se dão as relações sociais no Brasil, que garantem lugares de subalternização
para indígenas e pessoas negras.
3 A ideia imbricada de que a cosmologia, no sentido filosófico, tenha se originado na Grécia, e que
isso teria se passado de forma completamente única e sem precedentes na história da humanidade,
colocando os povos gregos em lugar privilegiado do exercício contínuo do pensamento e da razão.

SUMÁRIO 84
e da astronomia contemporânea – é permitir o progresso de civili-
zações tratadas como atrasadas, primitivas, em detrimento às socie-
dades mais desenvolvidas, consideradas “evoluídas” racionalmente.
Ou seja, enquanto comunidades negras e dos povos originários são
tratadas como primitivas, selvagens e/ou obsoletas, incapazes de
articular a razão e o pensamento científico, as sociedades europeias
(ou delas descendentes) são tratadas como superiores, baluartes da
razão que liberta e traz virtude individual (moral) e política (cidada-
nia) às pessoas. A desumanização de certos corpos (pessoas negras,
LGBTQIA+4, indígenas e mulheres, por exemplo) é a base do pen-
samento e da extensão do poder plasmado no Projeto Colonizador
Europeu5, sendo a escravidão seu sistema de produção econômico
e projeto de sociedade estruturada pela hierarquização racial. Nesse
sentido, o racismo é a tecnologia social do eurocentrismo, sinônimo
do colonialismo (QUIJANO, 2000).

Passados alguns séculos desde a elaboração e a efetiva-


ção do Projeto Colonizador Europeu às terras hoje denominadas
Américas, é notório o caráter ainda eminentemente coloniza-
dor que atravessa as experiências e as vivências teóricas, meto-
dológicas e epistêmicas no campo da articulação das ciências
físicas na perspectiva das ciências básicas. Infelizmente, a pes-
quisa, o ensino, a educação e a divulgação da física e da astro-
nomia no Brasil não têm sido, nesse sentido, exceções. Elas têm
sido marcadamente atreladas ao projeto hegemônico que reco-
nhece o potencial epistêmico de colonizadores brancos europeus
– e todas as suas interfaces de exclusão com base no gênero,
na raça, na classe, entre outros marcadores sociais da diferença
– em detrimento aos saberes que são construídos no chão dos
territórios negros, dos povos originários ou daquelas e daqueles

4 Sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros, Queer, Intersex, Assexuados e outros/as.
5 Fazemos aqui referência ao encontro de 12 de outubro de 1492, entre os europeus (colonizadores)
e os povos originários (colonizados), em que esses últimos já ocupavam as terras hoje denomina-
das Américas e já viviam a vida com o pensamento, produzindo conhecimentos.

SUMÁRIO 85
localizados nas periferias do poder hegemônico (ALVES-BRITO,
2020; 2021a,b; ROSA; ALVES-BRITO; PINHEIRO, 2020). O encontro
de séculos atrás entre os colonizadores e os povos originários ou
entre os colonizadores e aquelas pessoas que foram escravizadas
no continente africano e trazidas para o Brasil, não foi intercultural,
baseado na lógica de troca pacífica e profícua de saberes. Ao contrá-
rio, o cenário é marcado por extrema violência material e simbólica.

Como podemos então superar esse paradigma? Como pode-


mos construir plataformas de pesquisa, em programas de pós-gra-
duação, que sejam capazes de encarar o ensino, a educação e a
divulgação da física e da astronomia como efetivas tecnologias de
desmantelamento do racismo e de outras formas de opressão perpe-
tradas no Projeto Colonial e que estão, em última instância, atreladas
à leitura branca, masculina e cis-heteronormativa do mundo?

O nosso principal objetivo nesse texto é apresentar algumas


de nossas experiências, reflexões e ações junto ao PPGEnfis/UFRGS,
ressaltando estratégias e resultados de investigação científica que
têm buscado promover o encontro de saberes entre os conhecimen-
tos científicos plasmados no projeto moderno e contemporâneo de
ciência (particularmente da astronomia) e aqueles fomentados nas/
com/pelas comunidades tradicionais, com ênfase para as comunida-
des negras, quilombolas, indígenas, ribeirinhas e periféricas, as quais
lutam e resistem no país há muitos séculos. Novamente, entendemos,
no presente trabalho, que a pós-graduação é um lugar privilegiado
de fomento à pesquisa científica que deverá ter como preocupação
fundamental as grandes questões do país, independente da área de
atuação. E, certamente, o racismo à brasileira (MUNANGA, 2019) é
ponto nevrálgico da discussão científica, educacional e cultural para
pensarmos um outro projeto de país.

SUMÁRIO 86
CONTRIBUIÇÕES DO GRUPO DE PESQUISA
EM ENSINO, EDUCAÇÃO E DIVULGAÇÃO
DA ASTRONOMIA DA UFRGS
Embora o PPGEnfis/UFRGS e o Departamento de Astrono-
mia da UFRGS existam há décadas e, esse último, seja considerado
um dos mais proeminentes e destacados departamentos científicos
do país, vale destacar que somente recentemente, com a entrada
de um de nós (primeiro autor) na composição docente permanente
do PPGEnfis/UFRGS, é que a astronomia começou a fazer parte e
a ganhar corpo, de forma sistemática e com profissional especiali-
zado na área, nos interesses de pesquisa do PPGEnfis/UFRGS. Além
disso, vale destacar que a educação antirracista e as relações entre a
pesquisa, a extensão e a divulgação científica passam a ganhar outro
dinamismo no âmbito do PPGEnfis/UFRGS, tendo a astronomia
como ciência básica fundamental para nos ajudar a construir o que
denominamos “cosmologias racializadas” (ALVES-BRITO, 2021b).

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Uma das questões-chave de pesquisa em ensino, educação
e divulgação do nosso Grupo é a formação inicial e continuada de
professores para o ensino de astronomia. Embora a astronomia seja
considerada uma das mais relevantes áreas de interesse entre as
ciências básicas, configurando-se na CAPES como uma das áreas
mais produtivas da comunidade científica brasileira, as pesquisas em
educação e/ou ensino de astronomia não se afirmaram ainda como
campo de pesquisa consolidado no país. No trabalho de tese recente,
Luciano Slovinscki realizou um diagnóstico aprofundado sobre a
atual situação da área no país, tendo como foco principal a formação

SUMÁRIO 87
inicial e continuada de professores de física e de ciências da natureza
(SLOVINSCKI; ALVES-BRITO; MASSONI, 2021; SLOVINSCKI, 2022).
O estudo foi estruturado a partir de quatro dimensões.

Na primeira, foi realizada uma ampla revisão da literatura, uti-


lizando para isso métodos qualitativos e quantitativos de pesquisa
que são pouco usuais na área de educação/ensino de astronomia, e
mostrou que, mesmo não consolidada, a área de pesquisa em edu-
cação e/ou ensino de astronomia cresceu consideravelmente no
Brasil, principalmente se considerarmos as duas últimas décadas. Na
segunda dimensão do estudo, investigou-se como a astronomia inse-
re-se no contexto da educação formal e não formal do Brasil, e como
isso impacta a formação inicial e continuada de professores. Foram
explorados, do ponto de vista metodológico, variados documentos
oficiais da educação no país, buscando implicações presentes para
o ensino de astronomia, bem como projeções futuras para a área. A
terceira e a quarta dimensões do estudo apresentaram o diagnóstico
da formação inicial de professores da área das ciências da natureza,
com ênfase especial nas licenciaturas em física, na perspectiva do
ensino de astronomia. A partir de um recorte dos anos de 2019 e
2020, foram examinadas as matrizes curriculares das licenciaturas
em física, química, biologia e ciências naturais do Brasil quanto à
presença de disciplinas de astronomia, relacionando as informações
obtidas àquelas contidas nos dados do censo da educação superior.
Foi ainda estimado o percentual de professores formados nesses
anos que tiveram a oportunidade de cursar disciplinas de astrono-
mia, onde notou-se que essas disciplinas estão mais presentes nos
currículos formativos das licenciaturas em física e ciências naturais
do que nas de química e biologia.

O estudo desenvolvido por Slovinscki traz muitas implica-


ções para a área, já que pela primeira vez se realizou um estudo tão
detalhado da situação do ensino de astronomia no país, tendo como
foco a produção em revistas, teses e dissertações, as disparidades

SUMÁRIO 88
territoriais no oferecimento da disciplina, bem como no que diz res-
peito às interlocuções entre os avanços da área e suas acomodações
com a legislação atual. Trata-se, portanto, de pesquisa crucial
quando a disciplina de astronomia ganha peso na composição da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018) e o pró-
prio entendimento do ensino de ciências passa, mais uma vez, a ser
questionado (perspectiva disciplinar versus interdisciplinaridade).
Além disso, os resultados de Slovinscki são pertinentes, pois nos aju-
dam a ter o panorama dos saberes acadêmicos na área de astrono-
mia que estão sendo articulados na comunidade científica. Este é um
passo importante para o estabelecimento do diálogo entre diferentes
sistemas de saberes.

Além disso, temos realizado, ao longo dos anos, variados cur-


sos de formação continuada de professores tendo como foco ques-
tões teóricas, metodológicas e epistemológicas da ciência.

Destaca-se ainda a criação inovadora, no Instituto de Física


da UFRGS, da disciplina Educação, Pesquisa e Divulgação das Ciên-
cias para as Relações Étnico-Raciais e de Gênero, em 2020, cujo con-
teúdo foi oferecido antes, em 2015, como Tópicos de Física Moderna
e Contemporânea II, ambas disciplinas voltadas aos estudos das
relações étnico-raciais, de gênero e suas intersecções nas ciências
(exatas) em nível de graduação. Na graduação, vale ainda ressaltar
o módulo Astronomia nas Culturas e as Relações Étnico-Raciais e de
Gênero nas Ciências, oferecido desde 2022 para a disciplina Explo-
rando o Universo – dos Quarks aos Quasares, que atinge cerca de
350 estudantes de variados cursos de graduação da UFRGS todos
os semestres. Similarmente, parte desses conteúdos têm sido ofere-
cidos, desde 2022, em nível de pós-graduação na disciplina A Astro-
nomia nas Culturas e a Educação para as Relações Étnico-Raciais e
dos Povos Tradicionais, de forma que essas disciplinas têm alcançado
o objetivo de promover a discussão racial no ambiente das ciências
exatas, nos programas de graduação e pós-graduação da UFRGS,
articulando ensino, pesquisa e divulgação/extensão.

SUMÁRIO 89
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA E INTERCULTURAL DA ASTRONOMIA
Uma das grandes contribuições do nosso Grupo ao campo
da Educação em Ciência é, certamente, a articulação da educação
antirracista em ciências, tendo a física e a astronomia como ciências
principais. Do ponto de vista teórico e epistêmico, articulamos dois
ordenamentos principais.

O primeiro, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu-


cação das Relações Étnico-Raciais (DCNERER) (BRASIL, 2004),
estabelece os fundamentos da educação antirracista no país.
Em particular, ressaltamos as Leis 10.639/2003 (BRASIL, 2003) e
11.645/2008 (BRASIL, 2008), que alteram a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB) (BRASIL, 1996) para incluir o estudo da história e
da cultura africana, afro-brasileira e indígena em todos os estabele-
cimentos de educação do país, obrigatoriamente. Temos não apenas
discutido os princípios teóricos, metodológicos e epistêmicos des-
tas duas leis, como também temos criado, a partir dos resultados
de pesquisa, estratégias para garantir que as instituições cumpram
com seus deveres na implementação e acompanhamento das leis
(ALVES-BRITO, 2022a).

O segundo ordenamento, as Diretrizes Curriculares Nacio-


nais para a Educação Escolar Quilombola (DCNEEQ) (BRASIL,
2012a;b), traz as bases teóricas, metodológicas, epistemológicas e
políticas para garantir os direitos das populações quilombolas do
país, sendo o direito à educação diferenciada uma das principais
lutas dos povos quilombolas.

Se, por um lado, os princípios perpetrados nas Leis


10.639/2003 e 10.645/2008 devem ser estruturais e estruturantes, em
todos os cursos de graduação (licenciaturas e bacharelados) e pós-
-graduação, currículos acadêmicos e áreas do conhecimento, articu-

SUMÁRIO 90
lando o ensino, a pesquisa e a extensão, os nossos estudos apontam
que devemos fugir da ideia simplista das “temáticas” da Educação
para as Relações Étnico-Raciais (ERER) ou dos seus “apêndices” em
disciplinas esporádicas para apenas fazer constar.

Nesse sentido, o trabalho de tese de doutorado de Ander-


son Oliveira (em andamento) tem buscado estudar de forma apro-
fundada as dinâmicas envolvidas na articulação da Lei 10.639/2003
nos cursos de graduação em licenciatura em física do país bem
como no programa de mestrado profissional em ensino de física e
de astronomia. Oliveira, Alves-Brito e Massoni (2021) mostraram, por
exemplo, que ainda que os cursos de mestrados profissionais (MPs),
enquanto importantes políticas públicas de formação continuada de
professores, sejam cruciais, os MPs em física e astronomia não têm
contribuído para implementar os princípios das Leis 10.639/2003 e
11.645/2008. Somente cerca de 0,3% dos trabalhos analisados até
2019 (de um total de 1.262) tinham, como foco, a ERER. No seu tra-
balho de tese, Anderson Oliveira tem também utilizado a Teoria Crí-
tica da Raça (ROSA; MENSAH, 2016; DELGADO; STEFANCIC, 2021)
como importante referencial teórico-epistemológico que, em con-
junto com as ideias de Michael Foucault (1926-1984) sobre as bio-
políticas, têm sido usadas para interpretar os dados que estão sendo
processados e analisados.

A dissertação de mestrado de Isadora Santos da Silva, fun-


damentada na Teoria Crítica da Raça, na Descolonização (QUIJANO,
2000), nas Teorias Feministas (HOOKS, 1995) e nos Estudos de Bran-
quitude (BENTO, 2022), apresenta e discute as trajetórias acadêmi-
cas de mulheres negras buscando entender as relações entre raça e
gênero na física (SILVA, 2023).

Em 2018, também publicamos o primeiro trabalho voltado


para a discussão ERER (perspectiva africana, afro-brasileira e indí-
gena) do Caderno Brasileiro de Ensino de Física (ALVES-BRITO;

SUMÁRIO 91
BOOTZ; MASSONI, 2018), uma das revistas de maior destaque
na área. Trata-se de uma contribuição ímpar, pois além de tra-
zer os fundamentos teóricos para a área, representa um caminho
didático-pedagógico para ser discutido e ampliado por professo-
ras(es) nas salas de aula, na educação básica e no ensino superior.

Em 2020, como parte de uma chamada nacional para apre-


sentação de pesquisas aplicadas, concorrendo com mais de 600
projetos do país, estivemos entre os 15 selecionados, cujos resul-
tados – livros, artigos, materiais didáticos e pedagógicos, docu-
mentários, jogos, recomendações para diversificadas instituições –
estão sintetizados em um livro (ALVES-BRITO, 2022b) e dispostos
eletronicamente6. O nosso projeto de pesquisa-ação colaborativa
ganhador, Zumbi-Dandara dos Palmares, foi estruturado para esta-
belecer o encontro permanente de saberes entre áreas do conheci-
mento científico (humanas e sociais, linguagens, exatas, natureza)
e sujeitos (professoras(es) da educação básica, pesquisadores(as),
movimentos sociais, escolas e lideranças quilombolas, mestres e
mestras dos saberes e gestores(as)). Foram usadas metodologias
quantitativas e qualitativas de pesquisa na área, todas elas sendo
experienciadas a partir de processos de humanização (no contra-
ponto ao colonialismo que opera na lógica da desumanização),
entendendo as pessoas quilombolas como sujeitas do conheci-
mento e da ação política.

O projeto de doutoramento de Kaleb Alho, em andamento,


tem como eixo a educação em ciências intercultural com foco na
astronomia nas culturas e no contexto de formação de professores
em escolas ribeirinhas do estado do Amazonas. A pesquisa bus-
cará investigar as relações entre o céu e a terra (astronomia cul-
tural e o ensino de ciências – física e astronomia) no contexto de
escolas rurais ribeirinhas da Amazônia a fim de apresentar uma
discussão que aproxime e explore tais relações no âmbito da inter-

6 Disponível em: https://www.ufrgs.br/zumbidandara/. Acesso em: 28 jan. 2023.

SUMÁRIO 92
culturalidade (saberes e fazeres ribeirinhos). Tal aproximação deve
ocorrer a partir de um estudo aprofundado acerca da influência
do meio cultural na elaboração e construção de saberes físicos
e astronômicos e sua discussão e prática nas aulas de ciências de
escolas ribeirinhas amazônicas.

HISTÓRIA, FILOSOFIA, SOCIOLOGIA


E ANTROPOLOGIA DA CIÊNCIA
Ao longo do percurso de pesquisa e das relações que man-
temos entre esta, o ensino e a extensão, um dos nossos entendi-
mentos é que para devidamente promovermos a educação antirra-
cista em ciências por meio do princípio da indissociabilidade entre
a pesquisa, o ensino e a extensão/divulgação, será preciso revisar a
história das ciências e trazer as contra-narrativas para promoverem
tensionamentos às suas narrativas hegemônicas. Aqui nos interessa,
em particular, o combate ao epistemicídio promovido pelas ciências
(ALVES-BRITO et al., 2020; ALVES-BRITO, 2020; ROSA; ALVES-
-BRITO; PINHEIRO, 2020). Nesse sentido, utilizando metodologias
usuais da área de pesquisa em história da ciência, trouxemos para o
campo da educação em ciências a história notável de Cheikh Anta
Diop (1923-1986), um dos maiores intelectuais do século XX, princi-
palmente por suas contribuições para as ciências exatas no diálogo
com outras áreas do conhecimento (ALVES-BRITO et al., 2020), mas
que foi invisibilizado e apagado da história da ciência.

Mais recentemente, Alves-Brito e Macedo (2022) aprofun-


dam a ideia das contra-histórias, fazendo uma discussão ensaís-
tica sobre a história da ciência e da educação científica pelas pers-
pectivas ameríndia e amefricana7, conceitos fundamentais para

7 Categoria político-cultural proposta por Lélia Gonzalez (1935-1994), que leva em conta a participação
das mulheres na luta antirracista e incorpora dinâmicas culturais que reconhecem o papel dos povos
originários e dos negros africanos para a construção de uma identidade étnica na América Latina.

SUMÁRIO 93
a promoção da educação antirracista em ciências em tempos de
conscientização política sobre os efeitos nefastos do racismo nas
nossas subjetividades.

Em sua tese de doutorado, Patrese Coelho Vieira utilizou


metodologias de história da ciência e teorias feministas para estu-
dar em detalhes o papel de Cecilia Payne (1900-1979) na determi-
nação da composição estelar (VIEIRA; MASSONI; ALVES-BRITO,
2021). Payne é considerada uma das mais notáveis cientistas de
todos os tempos e, sua tese, a mais importante da história da
astronomia. No entanto, o seu trabalho é ainda pouco conhecido
nos sistemas de ensino e mesmo nos ambientes de divulgação
das ciências físicas.

E, por fim, destacamos que questões filosóficas, socioló-


gicas e antropológicas da ciência e, em particular, da astronomia
têm sido debatidas em vários trabalhos recentes (ALVES-BRITO
et al. 2020; ALVES-BRITO, 2021a; 2022b; LIMA; ALVES-BRITO;
NASCIMENTO, 2022; ALVES-BRITO; ALHO, 2022). Destaque para
uma profunda discussão teórica sobre o papel de uma antropo-
logia antirracista na efetivação da educação escolar quilombola
e na construção de uma identidade quilombola emancipatória
– conferir o terceiro ensaio analítico do livro Zumbi-Dandara dos
Palmares (ALVES-BRITO, 2022b).

DIVULGAÇÃO ANTIRRACISTA E
INTERCULTURAL DA ASTRONOMIA
No que tange à nossa contribuição em termos de projetos de
divulgação antirracista em ciências (astronomia) e em perspectiva
intercultural, destacamos primeiro a marcante contribuição de estu-
dantes de graduação do Instituto de Física da UFRGS e de outras

SUMÁRIO 94
unidades da universidade. Até aqui, as questões de pesquisas articu-
ladas no Grupo têm sido transpostas para as nossas estratégias de
ensino e divulgação em ciências, e vice-versa, num ciclo de retroali-
mentação, entendendo o papel da divulgação científica (comunicação
com as pessoas) para pensar a pesquisa e o ensino de forma crítica.
De 2019 a 2022, produzimos oito livros que têm caráter de divulgação
de ciências e, em alguns casos, dialogam com a literatura para aju-
dar a construir outros imaginários sociorraciais no país a respeito da
cultura africana, afro-brasileira e indígena, começando com as infân-
cias. O mais importante aspecto a ser destacado é que toda a produ-
ção em livros é oriunda de profundo trabalho de pesquisa e ambos
estabelecem diálogos entre os saberes acadêmicos-científicos e os
saberes tradicionais das populações excluídas do projeto moderno e
contemporâneo de ciência.

Apresentamos, na Figura 1, a capa dos oito livros. Vale des-


tacar que o primeiro livro, Astrofísica para a Educação Básica (2019),
um ensaio científico sobre a origem dos elementos químicos no Uni-
verso, mas sem perder de vista as questões históricas, filosóficas e
epistemológicas da ciência, foi finalista do Prêmio Jabuti8 2020 (top
5) na categoria Ensaio de Ciências. E, em 2022, pelo conjunto da
obra, o primeiro autor do presente artigo (AAB) foi agraciado com o
Prêmio José Reis9 de Divulgação Científica e Tecnológica do Conse-
lho Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico (CNPq) na
categoria Pesquisador e Escritor.

8 A mais destacada premiação da Literatura Brasileira.


9 O mais importante prêmio de Divulgação Científica do país.

SUMÁRIO 95
Figura 1 – Livros de pesquisa, educação, literatura e divulgação em ciências
produzidos no Grupo, de 2019 a 2022

Conferir https://www.ufrgs.br/zumbidandara/ e www.if.ufrgs.br/~aabrito para mais detalhes.


Fonte: elaborado pelos autores, 2023.

Na Figura 2 apresentamos alguns materiais didático-pe-


dagógicos que foram recentemente produzidos. Os projetos de
divulgação em ciências em curso bem como os materiais produ-
zidos têm o objetivo primeiro de aprofundar, por meio de outras
estéticas e poéticas, a categoria de pesquisa “cosmologias racia-
lizadas”. Temos trabalhado, nesse encontro de saberes, com as
cosmologias de matriz europeia, as cosmologias africanas, afro-
-brasileiras e indígenas (ALVES-BRITO; ALVES, 2022), em que um
outro viés de interculturalidade tem sido desenvolvido, em sinergia
com os processos de de(s)colonização e contracolonização (SAN-
TOS, 2015) que temos feito em astronomia nas culturas, um dos
ramos da astronomia.

SUMÁRIO 96
Figura 2 – Exemplo de materiais didáticos e pedagógicos (acervos digitais, jogos,
mapas, cartilhas) produzidos com foco no diálogo entre os saberes

Fonte: elaborado pelos autores, 2023.

SOBRE OS ENCONTRO DE SABERES


A astronomia é considerada uma ciência complexa (ALVES-
-BRITO; CORTESI, 2021). Do ponto de vista do diálogo entre as
diferentes culturas, as relações entre o céu e a terra precisam ser
melhor debatidas em sala de aula e em outros espaços de educação
e cultura científica. As nossas investigações em ERER têm nos mos-
trado como as alteridades de pessoas negras e indígenas são ainda
subalternizadas nas ciências físicas (ALVES-BRITO; ALHO, 2022;
e referências lá contidas). Nesse sentido, a nossa ideia principal

SUMÁRIO 97
de pesquisa em educação em ciências é que a astronomia nas
culturas (LIMA et al., 2013), em uma perspectiva canônica ape-
nas, não é suficiente para resolver os tensionamentos que podem
aparecer quando distintas cosmologias precisam coabitar (e dispu-
tar) os espaços sociais.

A Figura 3 sumariza os principais aspectos que temos refle-


tido quando levamos em conta o encontro de saberes (universitários,
escolares, comunitários). Ela sugere que o encontro de saberes só
será viável, e politicamente comprometido com a luta histórica das
pessoas negras e dos povos originários, a partir do momento que
considerarmos num outro patamar epistêmico a robustez das cosmo-
logias africanas, afro-brasileiras e indígenas. E, por isso, a educação
em ciências antirracista é tão necessária. Não teremos como promo-
ver o debate crítico sobre a vida e a realidade se não for por meio
de uma ciência plena, comprometida com a transformação social do
país, que passa pelo enfrentamento ao racismo. Não há como haver
descolonização do jeito de ser e de viver das universidades sem o
fortalecimento de um processo permanente de escuta sensível das
demandas das comunidades em relação às nossas atividades de
ensino, pesquisa e extensão/divulgação. Será preciso, assim, promo-
ver a diversidade epistêmica no ambiente universitário (graduação e
pós-graduação), de forma que o nosso programa de pesquisa seja
socialmente comprometido com a população brasileira.

SUMÁRIO 98
Figura 3 – Encontro de saberes: física e astronomia em perspectiva afro-indígena.
Para uma discussão detalhada de cada um dos 24 itens apresentados na figura,
sugerimos a leitura de Alves-Brito (2022c)

Fonte: Alves-Brito (2022c).

Os nossos trabalhos de ensino, pesquisa e divulgação em


ciências tendo como foco a astronomia têm sido realizados sem per-
der de vista a articulação entre os(as) pesquisadores(as), as comu-
nidades e os movimentos sociais educadores (MUNDURUKU, 2012;

SUMÁRIO 99
GOMES, 2017). Este aspecto é particularmente importante para que
os discursos sobre descolonização ou mesmo sobre raça, racismo e
gênero não se afastem em demasia das lutas históricas dos movi-
mentos sociais. Se isso acontecer, os conceitos básicos acima des-
tacados perdem, em nossa interpretação, o sentido de existência e
de compromisso com a luta ancestral. Trata-se, portanto de ter em
mente que os(as) pesquisadores(as) envolvidos(as) não podem sim-
plesmente focar na produção de artigos, teses e dissertações: elas
e eles precisam utilizar suas habilidades intelectuais para de fato
mover as estruturas racistas que atravessam as nossas existências.
Talvez essa seja a mais mobilizadora de todas as aprendizagens nos
processos de pesquisa que operamos: as comunidades que estão
em relação conosco são autônomas, formadas por sujeitos de direito,
capazes de articular o pensamento (Figura 4).

Figura 4 – Registros das interações de pesquisa/ensino/divulgação em ciências


coordenadas por nosso Grupo por meio da promoção do encontro de saberes em
diferentes contextos culturais

Fonte: elaborado pelos autores, 2023.

SUMÁRIO 100
Nota-se, assim, que a teoria sociológica de Pierre Bour-
dieu (1930-2002), a qual é acionada com frequência para explicar
as relações sociais no campo da educação em ciências no Brasil
e no mundo, sobretudo no ensino de física, não dá conta sozinha
da complexidade em torno da ambiguidade raça-classe no país10.
A noção de capital simbólico, social, cultural, político, militante e
burocrático da obra completa de Bourdieu ganha, assim, contor-
nos muito mais realistas e adequados da complexa dinâmica (anti)
racista do país quando outras perspectivas socioantropológicas
(MUNANGA, 2019) e pedagógicas (BRASIL, 2003; 2004; 2008; 2012)
são levadas em conta.

A astronomia nas culturas (LIMA et al., 2013) que, como já


dissemos, é uma das áreas de investigação da astronomia moderna,
é então retomada em seu papel histórico e epistemológico em siner-
gia com a luta antirracista e com os valores africanos e afro-brasilei-
ros (ALVES-BRITO; ALVES, 2022; ALVES-BRITO; ALHO, 2022; ver
também os livros apresentados na Figura 1).

Por fim, vale dizer que conceitos básicos como intercultu-


ralidade, educação antirracista, relações étnico-raciais e cosmolo-
gias racializadas – desenvolvidos ao longo das nossas publicações
já citadas no presente texto – são articulados como processos de
de(s)colonização e chaves de pensamento fundamentais para ten-
sionarmos o conceito hegemônico de ciência e tecnologia e, mais
importante, para nos ajudar a caracterizar as questões identitárias
nas ciências físicas. Por definição, tanto a física quanto a astronomia
estão inerentemente circunscritas na ideia de “identidade” – branca,
masculina, cis-heteronormativa, cristã e bem-nascida. As ideias de
neutralidade, objetividade, puridade e universalidade da ciência
caem por terra quando as questões étnico-raciais são levadas em

10 Referimo-nos, aqui, ao fato de que no Brasil a dinâmica do racismo garante sua própria negação
atribuindo à categoria classe a explicação mais contundente para a existência e a permanência
das desigualdades sociais do país.

SUMÁRIO 101
conta. Isso implica que outras formas de articular as metodologias
e as questões de pesquisa são necessárias. Os processos da inves-
tigação e/ou interação dos resultados de pesquisa com as popula-
ções negras e dos povos originários ou com o público historicamente
excluído, dão-se, em nosso Grupo, numa lógica de troca permanente
de saberes, sem hierarquias ou sem o estabelecimento de assime-
trias de poder nas relações dos programas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, a comunidade científica, particularmente no que
concerne o ensino, a educação e a divulgação da física e da astro-
nomia, não pode se abster das discussões centrais do país no que
tange às questões étnico-raciais (em suas intersecções), pedagógi-
cas, epistêmicas e cosmopolíticas que têm como foco, entre outras,
as pessoas negras, indígenas, quilombolas e periféricas. Precisamos,
em sinergia com os movimentos sociais, construir um outro pro-
grama de educação e divulgação em ciências em que novas sub-
jetividades da educação, da comunicação e da divulgação científica
possam ser estabelecidas no Brasil.

Temos buscado, no PPGEnfis/UFRGS, construir novas inter-


faces de pesquisa em ensino, educação e divulgação de física em
astronomia que envolvem a articulação de referenciais teóricos,
metodológicos e epistêmicos construídos a partir dos valores civi-
lizatórios e das cosmologias africanas, afro-brasileiras e indígenas,
em permanente diálogo com pessoas de diferentes origens étnicas,
raciais, sociais e culturais.

Temos tentado, como uma contribuição marcante do nosso


trabalho, criar protocolos de pesquisa e de divulgação que permitam,
sem hesitações, o combate ao racismo epistêmico e institucional e a

SUMÁRIO 102
elaboração de novas políticas públicas que possam pensar a educa-
ção básica, os museus, os planetários, os observatórios e os labora-
tórios de ciências a partir das cosmospercepções ancestrais negras
e indígenas. Entendemos que os projetos diferenciados de educa-
ção em ciências (EEQ, ERER, educação escolar indígena, ribeirinha)
tampouco podem ser alijados do sistema de conhecimento que é
operado de forma hegemônica em universidades e escolas. A apro-
ximação e as trocas interculturais devem ser não apenas estimuladas
como vivenciadas, afinal todas e todos que compõem a sociedade
brasileira deverão se esforçar no sentido de construir outras trajetó-
rias de coexistência, física e epistêmica.

O nosso maior compromisso é assegurar, em nível de pós-


-graduação, que mais projetos de pesquisa possam ser desenvolvi-
dos tendo como objetivo maior a articulação de saberes acadêmicos
com os saberes ancestrais. Nesse sentido, o nosso maior desafio
é evitar abordagens pautadas na pilhagem epistêmica. Além disso,
devemos ficar atentos aos aventureiros e aventureiras que fazem uso
da descolonização como ferramenta de colonização e invisibilização
de intelectuais negros(as) e indígenas, bem como evitar pesquisas
e posturas de pesquisadores(as) que não estão comprometidos(as)
com as lutas políticas das pessoas em diálogo.

Os nossos estudos e projetos apontam, até aqui, que as rela-


ções raciais entre brancos e não brancos precisam ser aprofundadas
e, em certo sentido, colocadas em perspectiva histórica, uma vez que
o conceito de negritude (MUNANGA, 2019) perde o sentido sem o
conceito de branquitude (BENTO, 2022). É fundamental que a comu-
nidade científica na área do ensino, da educação e da divulgação das
ciências físicas, áreas estas compostas majoritariamente por pes-
soas brancas, se racialize e se perceba no lugar dos espaços sociais
que articula privilégios o tempo todo. Será preciso investigar como
o sistema de branquitude explica em demasiado (i) a subrepresen-
tação de pessoas negras e indígenas na física e na astronomia; (ii)
a frágil autoeficácia dessas pessoas; (iii) e as relações assimétricas

SUMÁRIO 103
de poder que são operadas nas ciências físicas, lugares de regime
epistêmico simbólico potente no âmbito das ciências “globais”, que
perpetuam desigualdades materiais e simbólicas no mundo do tra-
balho científico, nas universidades, nas escolas e nos outros espaços
científico-culturais a partir da ideia sociológica e política da raça.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem às fontes de financiamento dos vários
trabalhos aqui relatados, vindos de agências públicas e privadas,
nacionais e internacionais como a CAPES, o CNPq, a União Astro-
nômica Internacional, o CEERT e os seus parceiros (Itaú Cultural/
Social, Unibanco, Fundação Carlos Chagas), além do Consulado
Britânico no Brasil.

REFERÊNCIAS
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SUMÁRIO 108
4
Neusa Teresinha Massoni
Claudio Rejane da Silva Dantas

AVALIAÇÃO EXTERNA:
UMA PRÁTICA NA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
COM MUITAS QUESTÕES EM ABERTO
INTRODUÇÃO
A avaliação externa é uma prática cada vez mais comum na
educação da maioria dos países do mundo, sendo utilizada como
meio para averiguar e garantir a qualidade dos programas de ensino
e o funcionamento das instituições de ensino. No entanto, ainda há
muitas questões em aberto sobre o papel e a eficácia das avaliações
externas no Brasil, como também em nível internacional. Neste texto,
objetivamos refletir as características e o papel das avaliações exter-
nas da Educação Básica, e avaliar os desafios e oportunidades que
elas apresentam para a educação. Para tanto, são analisadas fontes
secundárias, como relatórios e estudos presentes na literatura sobre
o tema, e resultados de entrevistas com profissionais do Ensino
Público municipal de uma capital brasileira (coordenadores peda-
gógicos e professores de ciência). As entrevistas foram realizadas no
âmbito de uma investigação que resultou em tese de doutorado na
área da Pesquisa em Ensino de Física do segundo autor, que centrou
na compreensão da avaliação da aprendizagem no ensino de Ciên-
cias e buscou dar voz a agentes escolares. No final, esperamos pro-
porcionar um panorama mais amplo e aprofundado sobre avaliações
externas educacionais e suas implicações para a área.

A AVALIAÇÃO EXTERNA
EM NÍVEL INTERNACIONAL
Avaliações externas são processos que visam avaliar o
desempenho de escolas públicas e privadas, universidades ou outras
instituições de ensino; aferir a qualidade do ensino e dos programas
oferecidos nessas instituições, bem como identificar oportunida-
des de melhorias. Podem ser realizadas por governos, agências de

SUMÁRIO 110
financiamento ou organizações e instituições independentes.
A importância de se refletir a avaliação externa deve-se às suas con-
sequências nos sistemas de ensino, escolas, no trabalho dos profes-
sores e nos estudantes e, por conseguinte, na qualidade da educa-
ção. As avaliações externas podem incluir avaliações de desempe-
nho dos estudantes, inspeções in loco, checagem de documentos e
relatórios e outras técnicas. Em muitos casos pautam-se em testes
de desempenho dos estudantes, um processo que tem sofrido críti-
cas porque é uniformizador, e acaba por condicionar o que se pede
e se espera das escolas e instituições de ensino. Um dos efeitos da
uniformização é dar pouca oportunidade a que os professores refli-
tam os sentidos do trabalho educativo, planejem e discutam coleti-
vamente novas estratégias avaliativas, com base nas especificidades
das pessoas e dos contextos locais.

Terrasêca (2016) olha para as avaliações internacionais de


larga escala (e.g., o Trends in International Mathematics and Science
Study (TIMSS) e o Progress in International Reading Literacy Study
(PIRLS), promovidos pela International Association for the Evaluation
of Educational Achievement – IEA; e o Programme for International
Students Assessment – PISA11, promovido pela Organisation for Eco-
nomic Cooperation and Development – OECD) e diz que embora
os sites dessas organizações apresentem como principais obje-
tivos oferecer aos governos informações sobre a performance de
seus sistemas de ensino, uma busca mais atenta releva metas mais
ambiciosas. Por exemplo, informar qual conhecimento é necessário

11 O PISA é uma avaliação internacional feita de forma amostral com alunos de 15 anos. O relatório
(OECD, 2018, p.1) diz que “saber ler é essencial para uma ampla gama de atividades humanas – da
capacidade de seguir as instruções de um manual àquela de compreender quem organiza, o que,
quando, onde e por que de um evento; à capacidade de se comunicar com os outros por motivos
específicos ou operacionais. O Projeto PISA reconhece que a tecnologia em contínua evolução tem
mudado as modalidades de leitura e de troca de informações das pessoas: em casa, na escola ou em
seu posto de trabalho. (...). Em resposta, os sistemas de educação estão integrando as competências
digitais (de leitura) em seus programas de educação”. Mais adiante o relatório diz: “Entre 2003 e 2018,
Brasil, Indonésia, México, Turquia e Uruguai matricularam na educação secundária muito mais estu-
dantes de 15 anos sem sacrificar a qualidade da educação oferecida (OCDE, 2018, p. 2).

SUMÁRIO 111
para formar o “cidadão do futuro” eficiente, adaptável, competitivo;
dimensionar o que é importante que ele conheça e seja capaz de
fazer; como prepará-lo para que possa fazer estudos universitários
em carreiras no campo de Science, technology, engineering, mathe-
matics (STEM); determinar os sentidos da educação e a política edu-
cativa dos países à escala mundial, a atrelando à economia. Ainda
que tais intenções não apareçam de forma clara, a autora diz que fica
evidente a ausência de uma perspectiva participativa dos cidadãos
na determinação de uma educação voltada para o exercício cons-
ciente da cidadania e para a transformação social.

Algumas pesquisas chamam a atenção para os perigos de


programas de avaliação de larga escala. Apontam que em vez de
diminuir o fosso entre os resultados obtidos pelos estudantes nas
escolas, a competição inspirada no PISA, por exemplo, aumenta
essa diferença, pois o investimento é feito nos estudantes que têm
maior probabilidade de apresentar resultados elevados, deixando de
lado os que mais precisam de atenção. Assinalam também que o
PISA tem o efeito de condicionar os rumos das políticas públicas dos
países participantes (CARAMELO; TERRASÊCA; KRUPPA, 2015).
Um exemplo, mas não o único, seria a Base Nacional Comum Curri-
cular – BNCC no Brasil (BRASIL, 2018), que altera a Lei de Diretrizes
e Bases – LDB (BRASIL, 1996), pois o novo documento centra as
finalidades da Educação Básica em duas nomenclaturas: “direitos e
objetivos de aprendizagem” e “competências e habilidades”. Na carta
de apresentação, na abertura do documento, o Ministro da Educação
diz que a BNCC “[...] influenciará a formação inicial e continuada dos
educadores, a produção de materiais didáticos, as matrizes de ava-
liações e os exames nacionais [...]” (BRASIL, 2018, p. 5). Parece haver
aqui uma redução dos sentidos da educação, que na Constituição
Brasileira (BRASIL, 1988), no Art. 205 é definida como “A educação,
direito de todos e dever do Estado e da família [...]”, para um direito de
aprendizagens; aprendizagem padronizada, resultante de um ensino
baseado em competências que visaria muito mais a adaptação ao

SUMÁRIO 112
mercado de trabalho e às avaliações de larga escala (CORRÊA,
2022; RODRIGUES; PEREIRA; MOHR, 2021).

Nesse sentido das influências de organismos internacionais


nas políticas educacionais, Rosa e Pereira (2023) em uma revisão de
literatura argumentam que é possível identificar nas últimas décadas
uma intensificação das políticas neoliberais (HARVEY, 201412) ado-
tadas por governos estaduais, no Brasil, assim como uma redução
orçamentária de gastos públicos, a adoção de uma política de priva-
tização e de diminuição do papel do Estado e uma “[...] governança
baseada na eficiência e accountability, e a necessidade de parâme-
tros de referência da qualidade baseados em conhecimentos, habili-
dades e competências [...]” (ROSA; PEREIRA, 2023, p. 384).

As políticas neoliberais têm tido o efeito, cada vez mais, de


difundir um novo tipo de gerenciamento nas instituições educacio-
nais: avaliações metódicas em larga escala, determinadas à produção
de dados quantitativos. Sob essa óptica normativa baseada na racio-
nalidade do capital, as escolas e instituições educacionais devem
ser passíveis de auditoria e avaliação, um processo que acaba por
promover a disputa entre escolas, estas entendidas como empresas
que competem entre si (LAVAL, 2019).

Para Rosa e Pereira (2023), esse cenário e racionalidade


contribuíram a que as políticas de avaliação e controle dos sis-
temas de ensino ganhassem centralidade; as avaliações exter-
nas ganharam força, não raro sob a justificação da melhoria da
qualidade da educação.

12 Harvey (2014) aponta quatro fatos que geraram ruptura na história econômica, limitando o poder
dos sindicatos e dando início ao processo de globalização: (1) a política monetária de Paul Volker
em 1979 no Banco Central dos Estados Unidos (FED); (2) a eleição de Margaret Thatcher, em 1979, na
Grã-Bretanha; (3) a eleição em 1980 de Ronald Reagan nos EUA, que apoiou as decisões de Volker;
e (4) o início da liberalização da economia da China, por Den Xiaoping, em 1978. O neoliberalismo,
como é chamada esta teoria das práticas político-econômicas, propõe que o bem-estar do indivíduo
é mais bem desenvolvido pela liberação das liberdades e capacidades empreendedoras de cada um,
fundamentada na propriedade privada, no livre mercado e na intervenção mínima do Estado.

SUMÁRIO 113
Estados Unidos e Inglaterra são exemplos de países que
passaram por grandes reformas, em que a avaliação foi utilizada
como instrumento eficaz para produzir mudanças inspiradas na
ideologia emergente (eficiência e accountability) “onde se fundem
valores e interesses contraditórios de origem liberal e conservadora”
(AFONSO, 2002, p. 32).

Sob a perspectiva das políticas educativas pautadas pela


accountability13, Portugal adotou um sistema de avaliação institucio-
nal baseado em regras da lógica quantitativa, ditadas externamente
e que a maioria dos países da União Europeia seguem (EUROPEAN
COMMISSION/EACEA/EURYDICE14, 2015). Sousa e Pacheco (2019)
analisaram o impacto e efeitos da Avaliação Externa das Escolas
(AEE) no sistema educacional de Portugal, escutando docentes. Os
entrevistados destacaram efeitos positivos da AEE, como a promo-
ção de uma cultura de avaliação centrada na lógica transnacional de
valorização dos resultados acadêmicos; desencadeamento de alte-
rações organizacionais, pedagógicas e curriculares nas escolas, bem
como a elaboração de documentos, a criação de cargos de liderança
intermédia, e a modificação dos critérios de avaliação. Apontaram
uma aceitação do modelo, com efeitos de legitimação. Porém, identi-
ficaram também posicionamentos críticos dos entrevistados à lógica
da AEE, que gera um processo de “ossificação”. Isto é, os atores
escolares tendem a agir em função do que é regulado pelo modelo,
a autoavaliação é fortemente condicionada à AEE, se afastando
de uma autoavaliação que leve em consideração as necessidades

13 Accountability é um modelo de prestação de contas, um exercício contábil de evidenciar o que


realmente se trabalha na escola, e atribui um sentido realista à avaliação externa. Este modelo
apenas tem utilidade na perspectiva dos vultuosos recursos financeiros mobilizados pelos gover-
nos nacionais.
14 É de destacar que o último relatório Eurydice (EUROPEAN COMMISSION/EACEA/EURYDICE, 2022)
coloca dois valores fundamentais aos sistemas de ensino superior da União Europeia: equidade
e inclusão dos desfavorecidos e vulneráveis, migrantes e nascidos no estrangeiro. As avaliações
devem monitorar se as instituições de ensino superior desenvolvem pelo menos uma estratégia
relacionada a políticas de equidade e inclusão.

SUMÁRIO 114
da escola e uma efetiva utilização social da avaliação. Seabra et al.
(2021) ratificam que a AEE tem sido reconhecida, em Portugal, como
um importante mecanismo de produção de mudanças nas escolas
do ensino não superior, mas que essas mudanças nem sempre atin-
gem o cerne da ação educativa – a sala de aula.

Outro estudo que enfocou a avaliação externa das escolas


enquanto instrumento de melhoria da educação e de prestação de
contas recolheu dados em Portugal e Inglaterra. Esses países, assim
como a maioria da União Europeia, diferentemente do Brasil que
centra a avaliação externa na aferição do desempenho alcançado
pelos estudantes, baseiam sua avaliação na inspeção institucional,
nos modos de funcionamento das escolas e nos resultados alcança-
dos frente os objetivos que lhe foram atribuídos. O estudo concluiu,
pela análise documental e de entrevistas com agentes escolares,
que discursivamente a avaliação das escolas surge como um pro-
cesso claro, abrangente e formativo, mas que sua concretização se
afasta dessa concepção: a inspeção é enquadrada por documentos
que estabelecem os domínios a avaliar, os critérios de avaliação e
os seus descritores, a metodologia a adotar e, ainda, a classificação
possível de obter e sua justificação (FIGUEIREDO; LEITE; FERNAN-
DES, 2017). Para os entrevistados a avaliação externa assume visão
redutora da educação, não contempla a complexidade e diversidade
dos processos de ensino-aprendizagem, sobrevaloriza os resultados
escolares dos alunos, carece de uma postura formativa; e desvaloriza
os modos de trabalho pedagógico dos professores.

Portugal e Inglaterra pertencem à União Europeia e estão


sujeitos às mesmas orientações políticas em educação. A figura 1
apresenta um quadro de referência da Inspeção-Geral da Educa-
ção e Ciência (IGEC), correspondente ao primeiro ciclo de avaliação
externa de escolas e dá uma ideia da quantidade de domínios e de
indicadores aferidos.

SUMÁRIO 115
Figura 1 – Quadro de referência IGEC – primeiro ciclo de avaliação
externa de escolas na União Europeia

Fonte: Figueiredo, Leite e Fernandes (2017, p. 11).

A avaliação externa nos países da União Europeia contem-


pla também um segundo ciclo, que tem evidentes diferenças: nesse
ciclo há uma diminuição e reorganização dos domínios e campos
de análise. Porém, Figueiredo, Leite e Fernandes (2017) dizem que
persiste nos seus quadros de referência um alinhamento com o
discurso orientador veiculado pelos documentos legais para que
a avaliação produza conhecimento útil sobre a realidade escolar
em sua globalidade.

Em relação à Avaliação Externa Escolar (AEE) em Portugal,


Albuquerque, Ferreira e Barreira (2020) mostram que houve diferen-
ças nos modelos de AEE entre o primeiro ciclo (2006-2011), que con-
tava com quatro níveis de avaliação (“Insuficiente”, “Suficiente”, “Bom”
e “Muito Bom” – apoiados na ocorrência de pontos fortes e fraco), e
o segundo ciclo (2011-2017), onde deixaram de existir vários descrito-
res e indicadores existentes no primeiro ciclo. Duas escolas (El e E1)
analisadas tiveram melhoria das classificações em várias dimensões,

SUMÁRIO 116
mas a análise revelou debilidades entre as duas AEE. Além disso, da
primeira para a segunda AEE foram mantidos, como pontos fortes,
os resultados acadêmicos, as taxas de conclusão no final do terceiro
ciclo do ensino básico e do secundário, e as médias das classifica-
ções obtidas em exames nacionais.

Amaral, Alavarse e Silva (2020) apresentam relatos de uma


experiência em Moçambique de um modelo alternativo de avaliação
externa, para que os resultados sejam utilizados por gestores e pro-
fessores e colaborem para tomadas de decisão e para desencadear
ações no processo pedagógico, com a valorização da conceituação,
das condições e das características que uma avaliação da aprendi-
zagem, externa ou interna, que deve se colocar como ponto de apoio
para o sucesso de todos os alunos.

AVALIAÇÃO EXTERNA NO BRASIL


Pode ser útil começar esta subseção olhando para a avalia-
ção praticada no interior das escolas. Em termos de avaliação das
aprendizagens, de um lado temos no Brasil uma literatura robusta e
políticas públicas avançadas que têm defendido, há décadas, uma
avaliação qualitativa, processual e formativa; de outro, prevalece
ainda uma prática avaliativa que privilegia a medição e a seleção de
estudantes, bastante centrada em provas e testes (DANTAS; MAS-
SONI; SANTOS, 2017). Este cenário guarda relação com a avaliação
externa, também é prevista e regulada por políticas públicas.

No Brasil, a LDB prevê a necessidade da União “assegurar


processo nacional de avaliação do rendimento escolar no Ensino
Fundamental, Médio e Superior, em colaboração com os sistemas de
ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da quali-
dade do ensino” (BRASIL, 1996, p. 4). Como consequência da lei, foi

SUMÁRIO 117
criado o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb),
consolidado na segunda metade dos anos 1990. O Saeb é composto
por três avaliações externas: Avaliação Nacional da Educação Básica
(Aneb), Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), conhe-
cida como Prova Brasil, e Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA).
A Provinha Brasil é outro tipo de avaliação externa aplicada para alu-
nos do segundo ano do Ensino Fundamental de escolas públicas
brasileiras, visando investigar as habilidades das crianças em Língua
Portuguesa e Matemática.

Em 1998 foi criado o Enem (Exame Nacional do Ensino


Médio) com o objetivo de avaliar o desempenho dos estudantes do
ensino médio e planejar políticas públicas educacionais. O Enem é
realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), e, em 2009, passou a ser utili-
zado como um critério de seleção para o acesso ao ensino superior
no Brasil. Muitas instituições de ensino utilizam as notas obtidas no
exame como um dos principais critérios de seleção para o ingresso
em seus cursos de graduação.

Uma crítica relevante ao Enem, enquanto avaliação externa,


é que o exame ganha o estatuto de finalidade da aprendizagem no
Ensino Médio. Isto contribui para dissonâncias, demanda reflexão,
e a pandemia da covid-19 descortinou a necessidade de busca de
coerência entre necessidades, recursos e conhecimento.

De qualquer modo, esses programas são justificados,


assim como o foram inúmeras avaliações externas internacionais,
como sendo fundamentais para fornecer informações dos pro-
cessos educacionais nas esferas públicas, tanto municipal como
estadual, para conduzir políticas públicas de desempenho dos alu-
nos (MACHADO, 2012).

Para Rosa e Pereira (2023), um dos reflexos mais visíveis das ava-
liações externas, enquanto instrumento de regulação, implementação,

SUMÁRIO 118
gestão e monitoramento das políticas públicas, com foco na melho-
ria da qualidade da educação, foi a criação de sistemas próprios de
avaliação da Educação Básica nos Estados.

Como exemplo, São Paulo criou, em 1996, o Sistema de Ava-


liação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp); o
Rio Grande do Sul, em 2005, criou o Saers, inicialmente como uma
avaliação piloto de forma amostral, com aplicação para o 3º e 6º Ano
do Ensino Fundamental e o 1º ano do Ensino Médio, e a partir de 2007
foi aplicada anualmente. O Rio de Janeiro criou em 2000 o Programa
Nova Escola (PrNE), tendo a avaliação externa como parte da estra-
tégia e cujo primeiro ciclo ocorreu em 2000-2003. Minas Gerais tem
o Sistema Estadual de Avaliação da Educação (SEAE). O Ceará por
meio da Secretaria da Educação (SEDUC) criou, em 1992, o Sistema
Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará – SPAECE,
que avalia as competências e habilidades dos alunos do Ensino Fun-
damental e do Ensino Médio, em Língua Portuguesa e Matemática.
Existem vários tipos de sistemas de avaliação externa nos estados,
mas todos eles têm alguns elementos em comum: incluem a realiza-
ção de exames padronizados, a coleta de dados sobre o desempe-
nho dos alunos e das escolas, e a utilização de critérios específicos
para avaliar o rendimento dos alunos e das escolas.

Os sistemas estaduais de avaliação junto com o Censo Esco-


lar divulgam anualmente a meta a ser alcançada por escola. Tal pro-
cedimento pode restringir o conceito de “qualidade educacional” aos
resultados observáveis e mensuráveis através de testes padroniza-
dos. Em outras palavras, a escola fica refém do fluxo e dos critérios
de desempenho dos alunos para alcançar a meta estipulada. Essa
lógica que faz com que as avaliações externas desconsiderem outros
fatores de grande relevância, como a infraestrutura e condições de
trabalho dos professores, o meio socioeconômico onde a escola está
inserida, as condições familiares e o capital cultural dos estudantes, a
ausência de formação continuada de docentes e gestores, a falta de

SUMÁRIO 119
recursos financeiros, a merenda escolar inexistente ou precária etc.
Muitos destes fatores extrapolam os muros da escola.

Um estudo das implicações da avaliação externa nas práticas


de avaliação no processo ensino-aprendizagem entrevistou dez pro-
fessores de duas escolas no Rio de Janeiro. Os resultados revelaram
que, embora uma das escolas tenha alcançado as metas estabeleci-
das pela rede estadual e recebeu bonificação salarial para seus pro-
fessores, há um engessamento das práticas avaliativas, com super-
valorização de testes objetivos que reproduzem e até preparam os
estudantes para as avaliações externas. Os resultados da pesquisa
ratificam que há predominância de práticas avaliativas quantitativas
sobre as qualitativas, e de um modelo essencialmente classificatório
na avaliação escolar (ALVERNAZ; SOUZA; HENRIQUE, 2021), que é
uma prática desalinhada às orientações para a avaliação das apren-
dizagens trazidas pelas políticas públicas das últimas décadas no
Brasil, já apontado em Dantas, Massoni e Santos, 2017.

A percepção de um supervisor escolar entrevistado expressa


como as avaliações externas no Brasil estão enviesadas por indi-
cadores financeiros, deixando de fora muitos outros aspectos cru-
ciais à escola, professores, comunidade e estudantes. Aponta tam-
bém uma inversão de parâmetros, pois a distribuição de recursos
parece privilegiar escolas mais bem avaliadas em detrimento
das que mais precisam:
As avaliações avaliam uma parte do ensino, mas não
indicam as condições para o professor trabalhar. Servem
somente como medida para gerar orçamento da escola,
tudo é para o lado do setor financeiro. Essas provas estão
atreladas às condições escolares com a quantidade de
aprovação. A bolsa escola estava ligada a isso, fazia parte
do orçamento, e era boa porque obrigava o aluno a ir
para escola se não a família perdia o dinheiro. Mas essas
provas deviam indicar ou buscar mostrar a realidade
das escolas e buscar recursos para a melhoria, melho-
rar a condição de trabalho, dar motivação para o aluno,

SUMÁRIO 120
bolsas, até a qualidade da merenda, fazendo a escola ser
um lugar bem prazeroso – e não dar a recompensa de
acordo com a nota da escola, isso é ruim para todos [...]
(CORREA; SANTOS, 2018, p. 2).

A avaliação externa também pode ter impacto na gestão


escolar. Uma investigação junto a escolas da rede pública do Rio de
Janeiro deu voz a avaliados e avaliadores e a uma representante da
UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciên-
cia e a Cultura); buscou identificar possíveis mudanças geradas pela
avaliação externa estadual (no âmbito do Programa Nova Escola,
de 2000, que continha cinco itens: prestação de contas, gestão da
matrícula, integração com a comunidade, desempenho dos alunos
e fluxo escolar) nos modos de pensar e praticar a gestão nas esco-
las. Para os pesquisadores, uma característica peculiar e bastante
discutida do programa era o fato de conceder gratificações aos pro-
fissionais das escolas proporcionais ao desempenho delas. A análise
das respostas indicou a percepção de que “o processo avaliativo não
induziu mudanças significativas nas escolas, embora tenha conferido
maior visibilidade aos seus problemas e estimulado maior reflexão,
interna e externa, sobre as questões educativas” (ORLANDO FILHO;
MARTINS SÁ, 2016, p. 288), nem determinou mudanças substantivas
na interface entre a escola e a comunidade. O poder transformador
da avaliação externa foi reduzido por um contexto complexo de con-
dições de trabalho precárias, deficiência na formação de docentes e
gestores, falta de recursos diversos e reduzido estímulo da adminis-
tração educativa estadual. A investigação esclarece que apesar do
programa estadual de avaliação externa do Rio de Janeiro, à época,
não incluir nos seus objetivos declarados a comparação entre as
escolas da rede e a organização de rankings de excelência, a reali-
dade tais comparações e rankings foram realizados.

Esse aspecto é um enorme desafio e objeto de críticas ao


sistema de avaliações externas em nosso país, dado que cada escola
tem sua própria realidade que a construção de rankings de excelência

SUMÁRIO 121
desconhece. Outro ponto que é reiterado nas avaliações externas
é o conceito de “qualidade na educação”. A qualidade do ensino no
Brasil é, em boa medida, interpretada à luz dos resultados de ava-
liações externas de larga escala. São elas que geram o IDEB (Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica), indicador criado pelo
Ministério da Educação para avaliar a qualidade da educação básica,
sendo calculado a partir da média das notas dos estudantes em pro-
vas realizadas pelo Inep e a taxa de aprovação e de conclusão dos
estudantes. A principal crítica ao IDEB é que, sendo uma nota que
considera apenas o desempenho em provas padronizadas (Enem,
SAEB) e o fluxo escolar, omite muitos outros fatores que incidem
diretamente na qualidade (DANTAS, 2017), como formação dos pro-
fessores, infraestrutura das escolas e participação da comunidade.

Moreira e Martins (2021, p. 1273) dizem que o controle de


qualidade da escola na Educação Básica “[...] se trata de efeitos de
uma concepção meritocrática na educação, moldada pela regula-
ção do tempo e espaço escolar, com base em um currículo padro-
nizado, cujo desempenho é monitorado pela avaliação padronizada
externa à escola”. Processo que pode ser tomado como um reflexo
das políticas neoliberais nos setores públicos: busca-se identificar a
dimensão da qualidade como meta de desempenho dos estudantes
em testes de larga escala, de Língua Portuguesa e Matemática, em
detrimento das demais disciplinas do currículo ensinado na escola.
[...] a garantia de padrão de qualidade (BRASIL, 1988,
1996) se confirma em política educacional quando o MEC
e o INEP esperam que os estudantes do 5° ano do ensino
fundamental alcancem médias numéricas menores que
os de 9° ano e estes alcancem médias menores que as
atingidas pelos estudantes de 3ª ou 4ª série do ensino
médio. Desse modo, o resultado torna-se um indicativo
da qualidade da educação básica no Brasil, para a elabo-
ração, monitoramento e aprimoramento de políticas edu-
cacionais [...] (MOREIRA; MARTINS, 2021, p. 1267).

SUMÁRIO 122
O que ocorre é que em algumas instituições escolares o dis-
curso de qualidade representa apenas uma pontuação capturada dos
relatórios oficiais, sem as devidas reflexões sobre o trabalho pedagó-
gico. Isto confronta com o entendimento de que “é de natureza da
avaliação promover aprimoramentos institucionais, subsidiando-os
com os dados da realidade que capturam e que disponibilizam para
que os atores se engajem ativamente no processo de qualificação
em curso” (SORDI, 2012, p. 164). Revela uma fragilidade e ausência
de uma cultura de avaliação enquanto parte do trabalho pedagógico.
Como consequência, os resultados da avaliação externa não perten-
cessem à escola. O padrão vigente não consegue envolver os pro-
fessores que “poderiam compor um modelo de avaliação externa da
aprendizagem associado à formação dos professores em avaliação
educacional, destacando as teorias em torno da validade e da avalia-
ção democrática” (AMARAL; ALAVARSE; SILVA, 2020).

Dantas (2017) aponta que em sua revisão de literatura sur-


gem considerações de que as avaliações externas possuem uma
intenção oculta de transferência de responsabilidade para os profes-
sores e impacta diretamente suas práticas.

Todas estas questões, e outras mais não abordadas aqui


mostram que a avaliação externa é pouco compreendida na
escola, não resulta em melhorias do trabalho na escola, nos siste-
mas de ensino e nas práticas educativas, funciona mais para ran-
quear escolas e não cumpre seu papel constitucional de garantir a
qualidade da educação.

SUMÁRIO 123
ESCUTA A COORDENADORES
E PROFESSORES DE CIÊNCIAS
DA REDE MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE
Nesta seção trazemos alguns resultados de uma escuta sobre
concepções e prática acerca das avaliações externas de dez coorde-
nadores pedagógicos e dez professores de ciências de escolas da
rede municipal de Porto Alegre, RS. A escuta foi realizada entre os
meses de setembro a dezembro de 2015. Reiteramos que o estudo
faz parte de uma pesquisa maior, de Tese de Doutorado em Ensino
de Física, que objetivou de forma mais ampla investigar: procedi-
mentos de avaliação da aprendizagem praticados na escola, onde se
registraram certas negociações, acordos coletivos dos professores
(e.g., PPPs, atas de planejamento etc.); relações entre a avaliação
praticada na escola e o que estabelecem as orientações oficiais; ava-
liações externas e implicações do resultado destas na escola e no
trabalho dos professores, em especial de Ciências; formação e atu-
ação profissional dos professores de Ciências; avaliação na prática
dos professores de Ciências.

Para fins deste texto centramos especialmente nos resulta-


dos referentes às concepções de coordenadores e dos professores
de Ciências pesquisados sobre a avaliação externa e sua influên-
cia no espaço escolar.

Metodologicamente, priorizamos um processo de “escuta”


atenta a esses profissionais da educação no cotidiano escolar. Assu-
mimos o pressuposto de que a “escuta” poderia constituir uma fonte
importante de evidências para trazer respostas sobre o que fazem os
professores de Ciências em termos de avaliação, e indícios de suas
próprias opiniões, e dos Coordenadores, sobre se as orientações
oficiais e as ações escolares convergem. Também como percebem/
percebiam o papel das avaliações externas, norteados pela seguinte

SUMÁRIO 124
questão de pesquisa: qual a concepção dos coordenadores e da
escola sobre a avaliação externa e seu impacto na prática escolar?

Os resultados sustentaram a seguinte categoria temática:


nas escolas onde os alunos devem submeter-se a uma prova nacio-
nal, a avaliação formativa pode tornar-se puro treinamento para a
avaliação certificativa final. A pesquisa foi conduzida sob a lente teó-
rica sobre avaliação defendida pelo autor Philippe Perrenoud. Para
ele as avaliações externas contribuem com o modelo de avaliação
que investe na seleção e classificação dos estudantes, reforçando a
construção de hierarquias de excelência nas escolas.

As entrevistas com Coordenadores e Professores e Ciên-


cias visaram, assim, explorar se as escolas realizavam avaliações
externas, como elas se mobilizavam para se preparar para essas
avaliações, quais eram as implicações dos resultados do IDEB no
trabalho escolar e se existia alguma pressão de fora da escola para
aumentar esse índice.

Obtivemos que todos os entrevistados revelaram que sua


escola realizava a Prova Brasil e a ANA. Nenhum disse participar de
exame internacional como o PISA.

Com relação à preparação para as avaliações externas e os


impactos que elas exercem no cotidiano escolar disseram:
[...] a gente trabalha bastante os descritores da Prova
Brasil. As notas, os resultados lá também, mas eu nunca
me apeguei nos resultados não. No IDEB, o que mais
me chamou a atenção realmente quando comecei
a ver a Prova Brasil são os descritores realmente
que são ótimos né. Dá um norte mesmo e nos qualifi-
cou (Coordenadora E).

[...] a gente procura trazer esses documentos [fala dos


descritores] para os professores analisar[em] e para
utilizarem no planejamento. Este ano como teve essa
orientação e como tem Prova Brasil [...] a gente fez

SUMÁRIO 125
um trabalho de simulado, no nono ano e quinto ano
para também dar uma analisada de como é que eles
estão (Coordenadora B).

Os professores de Português trabalharam em cima dos


descritores. Trabalharam. Levaram as provas e simula-
dos, trabalharam em sala de aula [...] os nossos estu-
dantes conseguiram se sair melhor um pouco, apren-
der, entender todas aquelas questões que estavam sendo
propostas nas suas disciplinas (Coordenadora G).

Existe essa mobilização [...] trabalha-se um pouco com


os descritores né. Os professores principalmente da
área, Matemática e Português, trabalham bastante a
questão dos descritores com atividades diferencia-
das (Coordenadora D).

Eu vou ser bem sincera contigo, a gente não prepara


porque a gente não acredita né, assim, que essa prova
tenha todo esse peso que ela tem, [...] que ela vá tra-
zer algum retorno tão significativo para a escola. O que a
gente faz? Bom, a gente tem que fazer, não é de escolha,
não é de iniciativa da gente, a gente tem que partici-
par. Então, bom, a gente já trabalha normalmente habili-
dades, competências né. [...] (Coordenadora E).

É um desafio para nós. Na nossa realidade é um grande


desafio. Querendo ou não a gente se preocupa com isso,
que afinal é uma avaliação externa né. A gente faz o pos-
sível para que a gente não direcione demais a prática
do dia a dia para isso né, mas trabalhamos os conteúdos
direcionados ao longo do ano (Coordenador I, informação
verbal, grifo dos autores).

As falas das Coordenadoras/Coordenador revelam uma


preocupação para com a realização da Prova Brasil e a preparação
ocorre através do trabalho com os descritores disponíveis para as
disciplinas de Português e Matemática. A Coordenadora E, diferente
dos demais, revela que a escola não se centra no preparo dos estu-
dantes para essa avaliação, pois não acreditam que seu resultado
possa trazer retorno para a escola.

SUMÁRIO 126
Com relação à concepção acerca dos valores dos IDEB:
[...] Não é só a nota do aluno, a taxa de reprovação, de
evasão, tudo isso gera aquele índice lá. Então como a
nossa escola é uma escola assim que reprova muito
pouco, reprova pouquíssimo [...] (Coordenadora D).

[...] a avaliação do IDEB [...] o que influencia nessa nota


são vários fatores: o Censo Escolar, a aprovação, a
evasão escolar, isso influencia na média né, não é só a
proficiência dos alunos (Coordenadora B).

[...] a gente acha que este ano vai diminuir, mas não é em
função do rendimento, vai ser em função de alunos infre-
quentes. Porque infrequência também baixa o índice
de IDEB. E a gente está percebendo que este ano, como
uma coisa recorrente em todas as escolas, os alunos
estão infrequentes [...] (Coordenadora D).

[...] entra questão de frequência, o aluno é infrequente


[...] e ela [a Prova Brasil] é pontual [...] eu fico pensando
assim: como eles teriam que acompanhar o estudante
desde o início do ano? Ou considerar o trabalho da
escola? Teria que ser pensado alguma coisa, mas a prova
é pontual né, são levados em conta vários outros fato-
res (Coordenadora G).

[...] eu acho que ele não representa o todo da escola e


da comunidade né porque, por exemplo, nós temos um
bom índice de evasão (Coordenador I, informação verbal,
grifos dos autores).

As Coordenadoras/Coordenador destacaram que a projeção


do valor do IDEB não está restrita aos resultados dos desempenhos
cognitivos dos estudantes que dela participam. Revelaram que para
construção desse índice levam-se em consideração dados forneci-
dos pelo Censo Escolar: aprovações e reprovações da escola. As
Coordenadoras D e G enfatizam que a infrequência é um problema
que atinge todas as escolas.

SUMÁRIO 127
A escuta revelou infrequência dos estudantes é um problema
apontado por todos os entrevistados, pois implica diretamente na
redução do valor do IDEB. A Coordenadora G e o Coordenador I
acreditam que o valor do IDEB não representa a real situação da
escola, e defendem que seria necessário pensar outra estratégia que
considerasse o trabalho escolar.

Buscamos saber também sobre a discussão oficial da possí-


vel inserção da disciplina de Ciências na Prova Brasil. Todos os entre-
vistados enfatizaram que não participaram da aplicação experimen-
tal dessa prova realizada em 2013, mas defenderam que a entrada
da disciplina de Ciências poderia complementar a Prova Brasil. Uma
fala emblemática é a da Coordenadora B com relação a esse debate:
[...] teve algumas escolas da rede que foram piloto na
avaliação. A nossa não chegou a fazer a de ciências. [...]
muito do que são, por exemplo, descritores em Por-
tuguês e Matemática perpassa pelos conteúdos de
Ciências. Também são habilidades e competências que
o Professor de Ciências acaba trabalhando. Então não é
especificamente conteúdo de Ciências que está sendo
avaliado, mas muito do que tem como objetivo vai ser
trabalhado também pelos professores (Coordenadora B,
informação verbal, grifos dos autores).

Esta Coordenadora destaca a possibilidade da integração


entre as disciplinas e defende que os descritores das disciplinas
de Português e Matemática podem ser úteis também para apoiar o
trabalho da disciplina de Ciências. Interpretamos que as Coordena-
doras e o Coordenador reconhecem que a entrada da disciplina de
Ciências na realização da Prova Brasil poderá complementar essa
avaliação. A coordenadora B salienta que competências e habilida-
des já trabalhadas nas disciplinas de Português e Matemática tam-
bém perpassam a disciplina de Ciências.

Em relação às pressões externas sofridas pelas escolas para


aumentar seus indicadores, ou melhor, valores do IDEB, todas as

SUMÁRIO 128
Coordenadoras e o Coordenador revelam a existência de pressão
principalmente da mantenedora.
Da parte da Secretaria existe uma cobrança para a
gente aumentar. Para a gente não rodar aluno porque
isso baixa a nota (Coordenadora B).

Mais vem é mais pressão dos órgãos, principalmente


a SMED que está sempre pressionando [...] a questão da
infrequência a SMED está sempre ali... oh… cobrando da
gente (Coordenadora D).

Bom aí é que tá. A gente recebe sim muita pressão da


mantenedora para se preparar para essa Prova Brasil. É
bem iss. (Coordenadora E).

[...] o município de Porto Alegre acompanha muito as


escolas. Eles têm reuniões com os Supervisores, com os
Diretores, com os Orientadores mensalmente. Então todo
mês tem reunião. [...] tem reunião com Bibliotecas. Então,
assim, eles fazem acompanhamento com as escolas e
com esses acompanhamentos eles também querem o
retorno, né (Coordenadora F).

[...] a intenção é que subam esses índices. A nossa escola


não está com índice muito bom, mas existe, digamos
assim, a fala é sempre ‘isso não é o mais importante’, mas
a gente sabe que é [...] digamos assim, essa pressão
existe, mas ela não é uma coisa assim, sabe... imposta.
Ela é assim ‘ôh gente tem que fazer, vamos fazer’. Não é
aquela coisa assim imposta, mas tem a pressão sim, a
gente sente a pressão né! (Coordenadora G).

Existe. Não é uma pressão, aquela coisa de todo dia né


e tal, mas existe. Tanto é que nesse ano nós não avi-
samos os alunos, para que eles viessem porque a
gente quer, a gente quer gerar o índice né. Então, foi
assim, nós sabíamos o dia, enfim, o horário dos profes-
sores, mas os alunos não foram avisados para que a
maioria estivesse em sala de aula para poder fazer a
prova (Coordenadora H).

SUMÁRIO 129
[...] a gente recebe sim cobrança da mantenedora. A
gente recebeu neste ano, inclusive nas reuniões peda-
gógicas, a presença da assessoria da SMED trazendo
os índices, os resultados que a escola já teve, trazendo os
índices né para trabalhar dentro do que é avaliado. Ciên-
cias eu soube que vai entrar (Coordenadora E, informação
verbal, grifos dos autores).

Como pôde ser percebido nas falas, existe uma preocupação


com o controle da infrequência dos estudantes nos dias de aplicação
das provas externas. A Coordenadora H revela que resolveram não
comunicar o dia de realização da Prova Brasil realizada nesse ano
(em 2015). Justifica dizendo que se os alunos soubessem que iriam
realizar essa prova não iriam para a aula; e essa ausência provocaria
uma redução do índice. Acreditamos que a atitude dessa Coordena-
dora esteve associada à necessidade de uma participação maciça
dos estudantes para realizar a Prova Brasil, que é acima de 80%.

A Coordenadora A expressou a opinião de que a obrigação


da realização da Prova Brasil está associada a uma política de inte-
resse econômico. Vejamos um trecho da fala.
[...] do meu ponto de vista a identidade da rede é uma
identidade econômica [...] ah, o que se tem que fazer para
ganhar verba federal? ou verba do BIRD? (Banco Inter-
nacional para Reconstrução e Desenvolvimento)? Bom,
tem que fazer a Prova Brasil, então se faz, sabe. A gente
acaba correndo atrás de uma política econômica,
mas mantendo as escolas minimamente funcionando
(Coordenadora A, informação verbal, grifos dos autores).

Todos os entrevistados apontaram que sofrem/sofriam pres-


sões da Secretaria Municipal da Educação (SMED) para aumentar
o IDEB. Destacaram também que existe uma política de capacita-
ção oferecida pela Secretaria para apoiar as escolas em seu planeja-
mento estratégico voltado para a preparação às avaliações externas.
A obrigação de realização da Prova Brasil foi considerada pela Coor-
denadora A como uma política de caráter meramente econômico.

SUMÁRIO 130
Como já informamos, na etapa final do estudo prospectivo
aplicamos um questionário que foi respondido por pelo menos um(a)
professor(a) de Ciências de cada uma das dez escolas visitadas. Tive-
mos também, nesse momento, oportunidade de ter uma conversa
informal com esse(as) educadores(as). Participaram da pesquisa
oito rofessoras e dois professores de Ciências (um profissional de
cada escola). Ressaltamos que eram professores(as) que atuavam
no último ano do Ensino Fundamental (9º ano-ciclo), ano em que era
iniciado o trabalho de tópicos da Física.

Sobre o perfil, quatro desses professores estavam na faixa


de 26 a 33 anos de idade, três entre 34 e 41 anos, um entre 42 e 49,
um entre 50 e 57 e um tinha mais de 60 anos. Procuramos investi-
gar a postura desses professores de Ciências com relação a: quais
avaliações externas a escola participava; se essas avaliações influen-
ciavam o planejamento de suas aulas; se existiam orientações para
treinar os estudantes (preparando-os para as avaliações externas) e
quais as implicações dos resultados dessas avaliações para o repla-
nejamento das suas práticas didáticas.

Apresentamos uma lista de avaliações externas para que


os(as) professores(as) assinalassem aquelas em que a escola par-
ticipava e/ou preparava os estudantes para realizações futuras (por
exemplo, para o Enem). O resultado é mostrado na Figura 2.

A Professora I não preencheu essa questão. Duas profes-


soras (escolas C e F) marcaram que somente conheciam a Provi-
nha Brasil. Dois professores (escolas J e A) apontaram somente ter
conhecimento da Prova Brasil e os outros cinco professores marca-
ram conhecer as duas provas (escolas B, D, E, G, H). As informações
sobre as avaliações externas confirmam a participação das escolas
do Município de Porto Alegre na Prova Brasil e na Provinha Brasil.

SUMÁRIO 131
Figura 2 – Conhecimento dos professores(as) de ciências sobre as Avaliações
Externas de que participam as escolas

Fonte: Elaborado pelos autores, 2023.

As respostas dos professores convergiram com os resultados


revelados pelas Coordenações Pedagógicas nas entrevistas; denota-
ram que as escolas investigadas no estudo não participam das outras
avaliações externas, nem mesmo da avaliação estadual SAERS15.

Apesar de sabermos que a Prova Brasil, que é realizada com


estudantes do 6º ano e 9º ano, privilegia as disciplinas de Português
e Matemática, perguntamos aos professores de ciências se dentro
de suas disciplinas essa avaliação, de alguma forma, impactava sua
prática. Somente quatro professores de Ciências destacaram que
as avaliações externas tinham implicações diretas em seu trabalho.
Vejamos extratos de suas falas.
Nas reuniões de planejamento coletivo e individuali-
zado as avaliações foram estudadas e debatidas pro-
curando adequar o planejamento das aulas com a

15 O Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul – SAERS surge através do de-
creto nº 45.300, de 30 de outubro de 2007, procura avaliar objetiva e sistematicamente a qualidade
da Educação Básica oferecida nas escolas gaúchas. As escolas participantes são da Rede Públi-
ca estadual, urbanas e rurais (independente do número de alunos) e escolas municipais e
particulares que optarem por participar (RIO GRANDE DO SUL, 2016, grifo nosso).

SUMÁRIO 132
finalidade de melhorar os índices do IDEB etc. Procuro
seguir as orientações para que todas as disciplinas parti-
cipem da melhoria da qualidade de ensino (Professor B).

Procuramos organizar uma semana de provas com


duas matérias em cada dia, com questões também
de múltipla escolha aos moldes dessas avaliações
externas (Professora D).

Embora essas avaliações refiram-se apenas à Mate-


mática e Português, em minhas avaliações, procuro
fazer questões de múltiplas escolhas e que envolvam
raciocínio lógico. Assim, trabalho com questões de ves-
tibulares adaptadas (Professora H).

Muito pouco. Eventualmente recebemos orientações da


mantenedora para desenvolver avaliações parecidas, mas
só isso (Professor J, informação verbal, grifos dos autores).

Menos da metade dos(as) professores(as) de Ciências escu-


tados afirmaram que procuram ajustar seu trabalho docente para
atender às expectativas da Prova Brasil e, assim, contribuir a melhoria
do IDEB da escola (e.g., elaborando questões de múltiplas escolhas,
e trabalhando o raciocínio lógico no modelo da avaliação externa).

Questionamos os docentes sobre se havia orientações de


dentro, ou de fora, da escola para adaptarem seu planejamento à
preparação dos estudantes para realizarem essas avaliações exter-
nas. Apresentamos alguns recortes de suas respostas.
Existem orientações de dentro da escola para que desen-
volvamos as competências e habilidades (Professora A).

Não existe uma pressão, mas sim uma orientação e


um estudo coletivo sobre as avaliações externas. O
professor tem a liberdade de selecionar os conteúdos e
estratégias na perspectiva de valorizar mais os aspectos
formativos sem desprezar os aspectos somativos (classi-
ficatório) (Professor B).

SUMÁRIO 133
Tivemos formações da SMED com os resultados dos
outros anos e com sugestões para voltar o planeja-
mento para isso (Professora E).

Sim. Eventualmente recebemos orientações da mantene-


dora para desenvolver avaliações parecidas (Professor
J, informação verbal, grifos dos autores).

Destacamos a resposta da Professora A que alega que exis-


tem orientações no interior da escola para o desenvolvimento das
competências e habilidades. Quatro dos professores escutados
disseram que existem orientações e formações, de dentro ou de
fora da escola, que orientam a que prepararem os alunos à realiza-
ção da Prova Brasil.

Com relação aos impactos dos resultados dessas avaliações


para o trabalho do professor e para a imagem da escola respondem:
Os resultados das avaliações externas foram mostrados
em reuniões com o coletivo de professores. Esses resul-
tados foram utilizados nas reuniões de planejamento,
mas sem nenhuma pressão de utilizá-los nas práticas
em sala de aula. Utilizo alguns descritores adaptados
ao ensino de ciência (Professor B).

Retornam com as formações nas reuniões para que


se faça uma reflexão dos resultados, mas não os
utilizo (Professora E).

Não utilizo. Essas provas avaliam apenas Português e


Matemática. Embora eu trabalhe a escrita tendo em
vista que é um aspecto indissociável de qualquer
outra disciplina (Professora G).

Chega um relatório para a escola com o desempenho dos


alunos. Os resultados são discutidos entre os professores,
na maior parte das vezes informalmente. Alguns tipos de
questões me parecem muito bem formuladas. Eventu-
almente uso algumas como modelo (Professor J, infor-
mação verbal, grifos dos autores).

SUMÁRIO 134
Os(as) professores(as) pesquisados evidenciaram que os
resultados das avaliações externas são discutidos nas reuniões. O
Professor F destacou que se referenciava nos modelos das ques-
tões dessas provas. O Professor B apontou que considerava os
descritores das disciplinas e a Professora G corroborou dizendo
que “trabalhar a escrita dos estudantes” é de responsabilidade de
todos os professores.

De maneira geral os professores de Ciências disseram que


se engajavam em alguma medida na preparação dos alunos para
a Prova Brasil, desenvolvendo em suas disciplinas ações direciona-
das (e.g., descritores adaptados ao ensino de Ciências; incentivo à
escrita; aplicação de questões parecidas às dos exames nacionais).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Identificamos que a Prova Brasil e a Provinha Brasil são as
duas formas de avaliações externas mais conhecidas e aplicadas
nas dez escolas investigadas, da rede pública de uma Capital bra-
sileira. Os(as) Coordenadores(as) e Professoras e o Professor escu-
tados não divergiram em relação às pesquisas da literatura quando
às características das avaliações externas, que centram, em nosso
país, exclusivamente no desempenho dos estudantes; dizem que
esses exames pouco impactam na atividade docente, ainda que
admitam existirem orientações e pressões para preparar os alunos e,
assim, melhorar o IDEB.

Nesse sentido, os rankings de escolas baseados em avalia-


ções externas (tipicamente o IDEB) podem ser problemáticos por
vários motivos. Primeiro, eles podem ser enviesados por fatores que
não refletem a qualidade da educação realmente oferecida pela
escola. Por exemplo, uma escola com uma clientela socioeconômica

SUMÁRIO 135
mais alta pode ter mais recursos e, portanto, obter melhores resul-
tados em avaliações externas, mesmo que não esteja fornecendo
uma educação realmente superior. Segundo, os rankings podem
desencorajar a inovação e a criatividade, pois as escolas em geral
se sentem pressionadas a se concentrar na obtenção de bons resul-
tados em avaliações externas em vez de se preocupar em criar um
ambiente de aprendizado realmente estimulante, e voltado aos inte-
resses e contexto local.

Adicionalmente, os rankings podem ser usados de maneira


incorreta para julgar a qualidade de uma escola. Por exemplo, os
resultados de uma avaliação externa podem ser usados como o
único critério para determinar se uma escola é boa ou não, igno-
rando outros fatores relevantes, como o ambiente de aprendizado,
o envolvimento dos pais na educação de seus filhos, a formação
dos professores, a cultura de cada região, as condições de trabalho,
a satisfação dos estudantes. Em particular, na educação científica
poderiam avaliar a existência de planejamento e de formação conti-
nuada dos professores de Ciências/Física, a inovação didática, a pre-
sença de equipamentos e infraestrutura de informática, de laborató-
rios e seu adequado uso, a articulação do ensino de Ciências/Física
à educação para as relações étnico-raciais, a atualização curricular
e o debate de temas atuais da Física Moderna na Educação Básica,
a escolha e uso de novos materiais (e.g., ludicidade, jogos, simula-
ções etc.), a articulação com outras áreas do conhecimento como
Arte, Matemática, Química, Filosofia da Ciência, entre tantos outros
aspectos profundamente discutidos na literatura contemporânea.

Pode-se concluir que há muitas questões em aberto, embora


Bravo et al. (2022), em uma revisão de literatura que abrangeu o
período 1997-2018, apontam que houve um aumento substancial de
produções que tratam da avaliação externa em larga escala, a partir
de meados dos anos 2000, também sobre diferentes dimensões da
avaliação educacional, o que pode indicar um caráter de consolida-
ção desse campo do conhecimento.

SUMÁRIO 136
AGRADECIMENTOS
Claudio Rejane da Silva Dantas agradece a bolsa de dou-
torado e o apoio recebido da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – Capes.

REFERÊNCIAS
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SUMÁRIO 140
5
Bianca Vasconcelos do Evangelho Franco
Tobias Espinosa
Leonardo Albuquerque Heidemann

EM BUSCA DE SENTIDO:
INTERPRETANDO AS EXPERIÊNCIAS ACADÊMICAS
À LUZ DAS SUBFUNÇÕES DA AUTORREGULAÇÃO
INTRODUÇÃO
Uma característica marcante da agência humana é que pes-
soas, mesmo submetidas a experiências muito semelhantes, podem
reagir de modo muito distinto. Demonstrando essa complexidade
do comportamento em um evento extremo, Viktor Frankl (1991), no
seu clássico livro intitulado “Em busca de sentido”, relata que, diante
das mais severas crueldades a que eram submetidos em um campo
de concentração, alguns prisioneiros delatavam seus companhei-
ros aos guardas, enquanto outros, a despeito de tudo, caminhavam
para as câmaras de gás cantando hinos de louvor. O sentido da vida,
segundo o autor, está no âmago das decisões dessas pessoas; a
busca por uma razão de ser era central nas suas experiências. Nessa
perspectiva, nossos valores, crenças e conhecimentos, que foram
construídos por meio das nossas histórias de vida e que, portanto,
são profundamente dependentes do nosso meio social, são per-
manentemente repensados e reorganizados de modo a atribuirmos
sentido ao que vivemos no presente. Dado que cada pessoa viveu
situações distintas em suas vidas, o sentido das experiências huma-
nas é subjetivo. É na interação entre as pessoas e as suas experi-
ências que os sentidos são construídos; portanto, situações muito
semelhantes podem ser interpretadas de maneiras muito distintas.

A forma como os estudantes interpretam as experiências


acadêmicas é influenciada por suas crenças, valores e expectati-
vas (BANDURA; JOURDEN, 1991; PRANKE; FRISON, 2017; HEIDE-
MANN; ESPINOSA, 2020). Como consequência disso, temos outro
claro exemplo da complexidade humana, que ocorre quando ana-
lisamos as reações dos estudantes a uma experiência significativa
na vida acadêmica de muitos graduandos: a reprovação. Influencia-
dos por suas experiências prévias, alguns estudantes interpretam
a reprovação como um fracasso, ficando desmotivados, enquanto
outros, apesar da frustração, a encaram como uma oportunidade de

SUMÁRIO 142
aprendizado e crescimento, encontrando um sentido positivo nela.
O primeiro sentido pode levá-los à decisão de evadir, enquanto o
segundo pode motivá-los a persistir nos estudos (MORAES, 2020).

A aprendizagem também depende do sentido atribuído aos


conceitos e às situações (VERGNAUD, 1996). Desse modo, a apren-
dizagem precisa ser sistematizada pelo próprio estudante (VEIGA
SIMÃO; FRISON; NONTICURI, 2015), pois a própria aprendizagem
só tem valor na medida em que os conceitos passam a ter sentido, e
esses sentidos são construídos a partir das experiências vivenciadas
no âmbito acadêmico e social da universidade.

Cabe destacar que compreendemos o “sentido” como algo


que está além do significado, abrangendo aspectos subjetivos, cul-
turais e emocionais; trata-se da parte conotativa dos conceitos e
das experiências (ABBAGNANO, 2007). Desse modo, o sentido está
relacionado com a forma como os indivíduos reagem e refletem
sobre suas ações e comportamentos, o que depende do contexto
em que estão inseridos e de seus padrões pessoais. O significado
de um conceito científico, por exemplo, é compartilhado por uma
comunidade, mas o sentido que ele tem para cada pessoa engloba,
entre outras coisas, o valor atribuído ao conceito, julgamentos sobre
a pertinência da mobilização dele para enfrentar situações, assim
como avaliações da pertinência dessas situações nas vidas das
pessoas, o que demanda uma análise das próprias expectativas de
vida delas. Reforçando esses aspectos, Bandura (2008), assim como
Polydoro e Azzi (2008) argumentam que as capacidades de autorre-
ação e autorreflexão dos indivíduos são essenciais para a atribuição
e apreensão de sentido, além de fazerem parte de um mecanismo
interno e consciente denominado de autorregulação. Apesar de sua
importância, não encontramos na literatura a utilização do conceito
de autorregulação para investigar o sentido atribuído por estudantes
às suas experiências acadêmicas.

SUMÁRIO 143
Segundo Bandura (2008), a autorregulação consiste na capa-
cidade do indivíduo de regular seu próprio comportamento. Ela opera
por intermédio de três subfunções (ou subprocessos), por meio dos
quais os indivíduos podem: monitorar (automonitoramento), avaliar
(autojulgamento) e reagir/refletir (autorreação) sobre suas ações,
visando alcançar seus objetivos.

Assim, para atribuir sentido às suas experiências, os indiví-


duos mobilizam suas capacidades autorregulatórias de autoavalia-
ção, autorreação e autorreflexão. Nesse contexto, podemos dizer
que, ao atribuir sentido às experiências, os indivíduos passam por
um processo autorregulatório. Entendemos que as subfunções da
autorregulação, como dimensões analíticas, podem propiciar clareza
na investigação de sentidos subjetivos no âmbito acadêmico.

No presente capítulo, buscamos demonstrar o emprego (e


as potencialidades) das subfunções da autorregulação na investiga-
ção dos sentidos construídos pelos estudantes em suas experiências
acadêmicas. Para tanto, abordamos na próxima seção a Teoria Social
Cognitiva e a definição de autorregulação proposta por Bandura. Na
sequência, apresentamos alguns exemplos dos resultados de um
estudo sobre os sentidos que os estudantes atribuem às suas expe-
riências de reprovação, refletindo sobre como os sentidos dados às
experiências institucionais são importantes para a proposição de
agendas de combate à evasão/fomento à persistência, assim como
para mudanças curriculares e nos métodos de ensino, visando pro-
mover, dentre outras coisas, maior engajamento e motivação nos
estudantes em cursos de graduação. Tais resultados são produto
do primeiro estudo empírico do exame de qualificação da primeira
autora. Por fim, expomos considerações e implicações dessa pro-
posta para a pesquisa em Ensino de Física.

SUMÁRIO 144
A AUTORREGULAÇÃO NA
TEORIA SOCIAL COGNITIVA
No campo da Psicologia, há diversas abordagens teóricas
que tentam explicar o comportamento humano. Algumas dessas
teorias procuram entender o comportamento por meio de determi-
nantes que atuam de forma unidirecional, isto é, o comportamento
resulta de fatores pessoais e ambientais/contextuais, que não atuam
de forma independente. Outras, denominadas como bidirecionais,
consideram que o comportamento não é um processo causal, mas
reconhecem que os fatores pessoais e ambientais/contextuais são
interdependentes. Já Bandura, na Teoria Social Cognitiva (TSC), pro-
põe a existência de uma reciprocidade triádica sintetizada na Figura 1.

Figura 1 – Interrelações entre os fatores da reciprocidade triádica

Fonte: Adaptado de Pajares e Olaz (2008).

Nessa perspectiva, o funcionamento humano é resultado da


interação entre comportamentos (ações realizadas pelos indivíduos),
aspectos pessoais (crenças, conhecimentos, expectativas dos indi-
víduos) e fatores ambientais/contextuais (acontecimentos que são
externos à pessoa, isto é, que ocorrem ao redor dela) que atuam
como determinantes recíprocos e interconectados.

Além da reciprocidade triádica, a TSC tem como elemento


central a perspectiva da agência humana para o desenvolvimento,
adaptação e mudança. De acordo com Bandura (2001; 2008), os indi-
víduos se tornam agentes à medida em que ativamente codificam

SUMÁRIO 145
suas experiências adquiridas por meio da observação ou modela-
gem social e as utilizam para produzir novos comportamentos.

O funcionamento da agência humana pode ser explicado a


partir de quatro características fundamentais: (i) intencionalidade
(intenções, planos e estratégias de ações formadas pelo indivíduo
com intuito de obter êxito em seus objetivos); (ii) antecipação ou
pensamento antecipatório (previsão de resultados e consequências
de ações, que possibilitam ao indivíduo direcionamento e motivação
em seus comportamentos atuais); (iii) autorreatividade (ligada aos
padrões pessoais dos indivíduos, que são utilizados para escolher e
executar planos de ação adequados para o alcance de seus objeti-
vos por meio de monitoramento e autorregulação das suas ações);
e (iv) autorreflexão (reflexões do indivíduo sobre seus pensamentos,
motivações, crenças e ações visando modificar, se necessário, seus
comportamentos para obter sucesso em suas metas). Portanto, na
TSC, o agente se comporta de modo ativo e intencional, autodesen-
volvendo-se, monitorando-se, adaptando-se e refletindo sobre suas
ações e objetivos, de modo a contribuir para sua própria motivação e
autorregulação de suas ações rumo às suas metas.

Para Bandura (2008), os seres humanos são capazes de


simbolizar experiências, antecipar resultados, além de serem pla-
nejadores, prognosticadores e autorreguladores de seu próprio fun-
cionamento. Os agentes, por meio de sua capacidade antecipatória
(isto é, previsão de resultados futuros) podem agir proativamente
gerando discrepâncias ao estabelecerem metas desafiadoras para
si. Ou seja, os indivíduos estabelecem objetivos a serem conquista-
dos para si mesmos e passam a valorizar o que não possuem, mas
desejam possuir. Essas discrepâncias fazem com que os agentes se
coloquem em ação, regulando seus comportamentos para alcan-
çar o objetivo almejado, e podem ser reduzidas a partir das autor-
reações dos indivíduos ao refletirem sobre suas ações e esforços
para atingirem seus objetivos. Assim, de acordo com os estudos
desse autor, a autorregulação consiste em um sistema de produção

SUMÁRIO 146
de discrepâncias (proativo) juntamente com um sistema de redução
dessas discrepâncias (reativo).

O autor define autorregulação como a capacidade que o


agente tem de regular seu próprio comportamento, consistindo em
um mecanismo interno consciente que governa o comportamento,
os pensamentos e os sentimentos pessoais, tomando como refe-
rência metas e padrões pessoais de conduta, sendo composto por
ações, sentimentos e pensamentos autogerados para atingir um
objetivo (BANDURA, 2008; POLYDORO; AZZI, 2008). É importante
destacarmos que a autorregulação não é uma habilidade inerente ao
ser humano (ZIMMERMAN, 2000). As habilidades autorregulatórias
são transmitidas socialmente por meio de modelagem e instruções
e podem ser adquiridas e aprimoradas levando em consideração a
qualidade e quantidade de processos autorregulatórios mobilizados,
ou seja, quanto mais o agente modifica o que aprendeu, aplica essas
aprendizagens em novas situações distintas e reflete sobre os resul-
tados obtidos a partir de suas ações, mais aprimorados serão seus
processos autorregulatórios.

Alguns autores, como Zimmerman (2000) e Rosário (2004),


alinhados à Teoria Social Cognitiva e à definição de autorregulação
propostos por Bandura, desenvolveram modelos autorregulatórios
voltados para o campo educacional, denominados de autorregulação
da aprendizagem. De acordo com Zimmerman (1986), a definição de
autorregulação da aprendizagem está relacionada com a participa-
ção metacognitiva, motivacional e comportamental dos estudantes
em seu processo de aprendizagem, isto é, envolve o gerenciamento
de ações, pensamentos, emoções, bem como a adoção de compor-
tamentos autorregulatórios de planejamento, execução e avaliação.
Além disso, a autorregulação da aprendizagem coloca os estudan-
tes de modo ativo no centro do processo de aprendizagem, impac-
tando seu desempenho acadêmico. Assim, a partir de tais modelos,
podemos investigar as percepções dos estudantes sobre a adoção
de comportamentos autorregulatórios de planejamento, execução

SUMÁRIO 147
e avaliação, bem como promover estratégias autorregulatórias que
contribuam para o sucesso acadêmico.

A autorregulação também oferece condições de monitora-


mento, avaliação e controle do próprio comportamento, rumo aos
objetivos pessoais, operando por meio de processos cognitivos sub-
sidiários que incluem automonitoramento, julgamentos autoavaliati-
vos e autorreações. Esses três processos são denominados de sub-
funções ou subprocessos da autorregulação (ver Figura 2) e ajudam
a entender o comportamento autorregulatório, seja ele positivo, ou
seja, que leva o indivíduo a alcançar seus objetivos, ou negativo, que
o afasta de concretizar suas metas.

Figura 2 – Subfunções da Autorregulação

Fonte: adaptado de Bandura (2008) e de Polydoro e Azzi (2008).

A auto-observação é a primeira subfunção da autorregu-


lação. Para que possam regular seu comportamento e suas ações
visando alcançar seus objetivos, os indivíduos, inicialmente, neces-
sitam observar como estão procedendo e em quais condições cog-
nitivas e ambientais está ocorrendo o comportamento. A partir das

SUMÁRIO 148
dimensões de desempenho (que serão utilizadas como referências
pelos indivíduos) e da qualidade do monitoramento (precisão, fee-
dback constante e temporalidade), os agentes podem monitorar e
identificar seus próprios comportamentos. Cabe destacar que tal
processo não se resume ao registro e observação de forma automá-
tica e mecânica. Como o comportamento varia em diversas dimen-
sões (e.g., produtividade do indivíduo; qualidade; originalidade), os
indivíduos tendem a ter atenção seletiva, ou seja, focam em alguns
aspectos de seus comportamentos que lhes tenha maior significado
e sentido, enquanto ignoram variações em dimensões que julgam
irrelevantes. Essa subfunção é importante, pois, quando os indiví-
duos têm clareza sobre o modo como o comportamento foi reali-
zado, há o favorecimento do desempenho e o fornecimento de infor-
mações que serão utilizadas como referências nos processos de jul-
gamento. Além disso, de acordo com Polydoro e Azzi (2008, p. 154), a
auto-observação “serve a duas importantes funções no processo de
autorregulação: prover a informação necessária para o estabeleci-
mento de padrões de desempenho realísticos e avaliar as mudanças
em curso do comportamento”.

Assim, munidos das informações obtidas por meio da auto-


-observação, os indivíduos avaliam seus comportamentos e ações,
considerando para tal: (i) seus padrões pessoais; (ii) suas referências
de desempenho; (iii) o valor da atividade, se ela é ou não signifi-
cativa para eles; e (iv) os fatores determinantes de seu desempe-
nho, ou seja, as causas que serão atribuídas a esse desempenho.
Os padrões pessoais dos indivíduos se originam da apropriação,
processamento e personalização de comportamentos, informa-
ções e padrões observados nas trocas sociais e comportamentais.
Ou seja, ao interagir com outras pessoas e com aspectos ambien-
tais, cada indivíduo observa, seleciona, modifica e extrai diferentes
referências que serão utilizadas em seus processos de julgamento.
Essas referências podem derivar de: i. fontes de modelação, isto é,
desde pequenos aprendemos observando nossos pais, professores,

SUMÁRIO 149
amigos, pessoas que estão mais avançadas que nós, que apresen-
tam status social mais elevado ou que são competentes em uma área
de nosso interesse; e ii. fontes de reforçamento, isto é, autorrecom-
pensas e incentivos positivos visando a adesão de atividades valori-
zadas, assim como autocrítica e incentivos negativos (punições) que
serão aplicados a comportamentos julgados como indevidos.

Além disso, os indivíduos avaliam seus comportamentos


levando em consideração o que eles esperavam de si mesmos, ou
seja, tomam como referências de desempenho comportamentos
anteriores para julgar os comportamentos atuais (autocomparação),
assim como essas comparações podem envolver normas padro-
nizadas, comparações com outras pessoas (comparação social) e
com as realizações de determinados grupos (comparação coletiva).
Bandura (2008) também destaca que é a autocomparação que for-
necerá as medidas de adequação, haja vista que as ações e reali-
zações anteriores influenciarão as avaliações atuais, especialmente
por seus efeitos no estabelecimento dos padrões pessoais, pois
“após se alcançar um determinado nível de desempenho, ele não
representa mais um desafio, partindo-se para novos níveis de satis-
fação pessoal, muitas vezes com a busca de melhoras progressivas”
(BANDURA, 2008, p. 52).

Os indivíduos também avaliam o valor das atividades. A par-


tir dos padrões pessoais de cada indivíduo, as ações e atividades
são julgadas como apropriadas, insatisfatórias ou neutras. Em geral,
ações que atendem às expectativas dos padrões pessoais dos indi-
víduos, isto é, ações que são consideradas favoráveis e que geram
recompensas e incentivos positivos tendem a ter maior valor, sendo
consideradas apropriadas, enquanto ações que são consideradas
inadequadas possuem pouco valor.

Outro fator que compõe a subfunção de autoavaliação é a


atribuição causal, ou seja, os fatores considerados pelos indivíduos
como determinantes de desempenho e de seus comportamentos.

SUMÁRIO 150
De acordo com Bandura (2008), os indivíduos se orgulham de suas
ações e conquistas quando compreendem que seu sucesso foi
resultado de suas próprias habilidades e esforços (causas pesso-
ais). Em contrapartida, não se sentem tão orgulhosos ou motivados
quando associam seu desempenho a causas que não dependem
deles (causas externas).

Por fim, após monitorar e avaliar suas ações, o indivíduo autor-


reage e reflete sobre seus comportamentos, podendo, por exemplo,
se orgulhar de suas realizações (autorreação avaliativa positiva) ou,
por meio de consequências autoadministradas (recompensas ou
punições – autorreações tangíveis), mudar o curso de suas ações
visando obter êxito em suas metas. De acordo com Bandura (2008,
p. 52), “as reações pessoais também variam, dependendo de como
as pessoas percebem os determinantes de seu comportamento”, ou
seja, a atribuição causal impacta as reações dos indivíduos, de modo
que julgamentos favoráveis resultam em reações avaliativas positi-
vas, enquanto avaliações desfavoráveis geram reações negativas; e
ações que são insignificantes ou sem sentido para o indivíduo não
geram reações (autorreações inexistentes). O autor também des-
taca que a maior parte do comportamento é regulada por meio de
reações autoavaliativas, isso porque os indivíduos tendem a realizar
ações que gerem satisfação e apoio social, e evitam comportamen-
tos que levem a desaprovação ou insatisfação.

O processo de autorregulação é cíclico e retroalimentado


pela subfunção de autorreação. Ademais, para que haja mudanças
autodiretivas que favoreçam a obtenção de metas pessoais, as três
subfunções autorregulatórias devem ser ativadas, desenvolvidas,
aprimoradas e mobilizadas.

Além disso, a capacidade dos indivíduos de avaliar, reagir


e refletir sobre seu próprio comportamento e suas ações são pri-
mordiais para a atribuição e apreensão de sentido de suas expe-
riências (BANDURA; AZZI; POLYDORO, 2008). Assim, podemos

SUMÁRIO 151
inferir que, ao atribuir sentido às suas experiências, os indivíduos
estão passando por um processo autorregulatório. Ou seja, os sen-
tidos atribuídos pelos estudantes às suas experiências universitárias
estão relacionados aos fatores cognitivos mobilizados por eles, isto
é, seus subprocessos autorregulatórios de: (i) autoavaliação/auto-
julgamento; (ii) atribuição causal (equivalente aos determinantes de
desempenho); e (iii) autorreação.

Compreendendo o sentido como resultante da mobilização


de subprocessos/subfunções autorregulatórias, a primeira autora
deste capítulo, no primeiro estudo de sua tese de doutorado, anali-
sou quais os principais sentidos atribuídos pelos estudantes de cur-
sos de física (licenciatura e bacharelado) de universidades brasileiras
às suas experiências de reprovação. Na próxima seção serão apre-
sentados alguns resultados obtidos para ilustrar as potencialidades
da análise de sentido através dos subprocessos autorregulatórios.

OS SENTIDOS DA
EXPERIÊNCIA DE REPROVAÇÃO
Com intuito de compreender e analisar possíveis fatores
que influenciam na decisão dos estudantes de evadir ou persistir,
foi investigado: (i) quais os principais sentidos (resultantes da mobi-
lização de subfunções autorregulatórias) atribuídos pelos estudan-
tes às suas experiências de reprovação; e (ii) como a autorregulação
da aprendizagem e o sentido atribuído à reprovação influenciam na
intenção de persistência dos estudantes. Foram avaliadas as respos-
tas de 140 estudantes de cursos de Física ou com ênfase em Física
que responderam a um questionário on-line. Desses, apenas 65 já
haviam sido reprovados. No presente capítulo, limitamo-nos a discu-
tir alguns exemplos qualitativos dos resultados obtidos em relação
ao sentido atribuído pelos estudantes às suas reprovações.

SUMÁRIO 152
Para investigar esses sentidos, utilizamos quatro questões
abertas que faziam parte de um questionário com 24 questões. A pri-
meira delas perguntava: “De forma geral, como você se sentiu quando
foi reprovado? Comente detalhadamente sua resposta”. Ela visava
compreender como o mecanismo de autorregulação, em especial o
subprocesso de autoavaliação, foi mobilizado durante a experiência
de reprovação. Para investigar a atribuição causal realizada pelos
estudantes acerca de suas reprovações, eles responderam “Des-
creva, em detalhes, qual(is) a(s) causa(s) que você atribui à sua repro-
vação”. A terceira questão propunha a seguinte indagação: “De que
forma a reprovação influenciou em suas ações/decisões/comporta-
mentos/experiências no curso? Comente”. Ela tinha como propósito
investigar como os estudantes autorreagiram diante da experiência
de reprovação. Por fim, propusemos uma questão de distribuição
de pontos. Elencamos alguns fatores que podem ser considerados
como possíveis causas das experiências de reprovação (e.g., esco-
larização pregressa deficitária; metodologia de ensino utilizada pelo
professor inadequada; dificuldade para conciliar estudos com a vida
profissional) com intuito de identificar quais deles mais se destacam
na percepção dos estudantes.

Como mencionado anteriormente, compreendemos que o


sentido é resultante da mobilização de subprocessos/subfunções
autorregulatórios de autoavaliação, atribuição causal/determinantes
de desempenho e autorreação. Assim, construímos categorias com
base nas respostas dos indivíduos para cada uma dessas subfunções.

A partir da análise dos dados coletados sobre como os estu-


dantes se sentiram/se avaliaram ao serem reprovados (autoavalia-
ção), elaboramos sete categorias, dentre as quais podemos desta-
car, por exemplo: (i) incapacidade acadêmica (24,6% das respostas),
referente a julgamentos de inaptidão/incapacidade de obter êxito na
disciplina; (ii) incapacidade de pertencimento (10,7% das respostas),
relacionada à avaliação de incapacidade de pertencer ou ter perfil
adequado para participar do curso ou ser membro da instituição;

SUMÁRIO 153
e (iii) injustiça (9,2% das respostas), associado a métodos e sistema
de ensino injustos. Analisando as categorias relacionadas às auto-
avaliações, podemos identificar que todas apresentaram caráter
negativo, o que indica que a experiência de reprovação, inicialmente,
é considerada como algo negativo. Assim, se nos limitássemos a
compreender o sentido atribuído às reprovações analisando apenas
a subfunção de autoavaliação, não seria possível constatar algum
sentido positivo. Todos os estudantes atribuiriam sentidos semelhan-
tes à sua experiência, o que iria de encontro ao que observamos na
literatura (MORAES, 2020; FRANKL, 1991), isto é, interpretações e
atribuições de sentido distintas mesmo em situações semelhantes.
Isso reforça a importância de uma análise multidimensional do sen-
tido das experiências acadêmicas.

Os indivíduos como agentes, além de avaliarem seu com-


portamento, também reagem e refletem sobre suas ações. Por isso,
foi analisado: (i) quais fatores foram determinantes, na perspectiva
dos estudantes, dos seus desempenhos (i.e., quais são os elementos
causais das suas experiências); e (ii) o modo como eles reagiram à
essa experiência (i.e., que estratégias, ações/comportamentos, emo-
ções e pensamentos foram ou não modificados, pelos estudantes,
com o intuito de obterem êxito em seus objetivos).

Com relação à atribuição causal, tomamos como base cate-


gorias já propostas por Vincent Tinto, nosso referencial teórico sobre
evasão (TINTO, 2012), assim como nos embasamos na reciprocidade
triádica de Bandura, resultando em quatro categorias: (i) individual
(30,7%), referente a causas pessoais (e.g., fatores psicológicos e
emocionais); (ii) externa (27,7%), relacionada a fatores externos ao
indivíduo (e.g., dificuldade de conciliar trabalho e estudo); (iii) com-
portamental (23,1%), concernente a causas que envolvem o compor-
tamento dos estudantes em suas rotinas de estudos (e.g., falta de
uma rotina de estudos adequada); e (iv) institucional (18,5%), relativa
a elementos formais e/ou estruturais da universidade e do curso de
graduação (e.g., avaliação e métodos de ensino).

SUMÁRIO 154
Embora os indivíduos, ao avaliarem seus comportamentos e
ações, considerem quais foram os determinantes de seu desempe-
nho, isto é, atribuam causas para suas experiências, se focássemos
apenas nessa subfunção, não seria possível identificarmos os princi-
pais sentidos, apenas levantaríamos hipóteses sobre quais elemen-
tos são mais recorrentes e merecem maior atenção ao protagoniza-
rem as experiências dos estudantes.

Logo, para investigarmos os sentidos das experiências, torna-


-se importante não somente compreendermos como os estudantes
se autoavaliam e quais as causas que atribuem a essas experiências,
mas também identificarmos como eles reagem, modificando ou adap-
tando seus comportamentos a partir das autoavaliações realizadas.

Para a categorização da subfunção autorreação, identifica-


mos cinco categorias, tendo como base o modelo de Zimmerman
(2000). As categorias propostas envolveram reações comportamen-
tais (i.e., ações com implicações práticas, e.g., adoção de estratégias
didáticas; desconexão com o ambiente acadêmico e/ou futura pro-
fissão) positivas (35,4%) ou negativas (13,8%), e reações emocionais
(i.e., não envolvem, necessariamente, a realização de uma ação, e.g.,
motivação para tentar novamente; vontade de desistir) positivas
(24,6%) ou negativas (18,5%), além de construirmos uma catego-
ria para as autorreações não identificadas (7,7%, e.g., pessoas que
não souberam ou não quiseram opinar). Novamente, cabe destacar
que, se considerássemos somente a subfunção de autorreação para
identificarmos o sentido atribuído às experiências, não seria possível,
pois as autorreações, embora retroalimentem o processo de autor-
regulação, variam dependendo da percepção do indivíduo sobre os
determinantes de seu desempenho e de acordo com as autoava-
liações realizadas pelo indivíduo. Ou seja, os indivíduos constante-
mente estão avaliando seus comportamentos e ações, e reagindo a
tais avaliações/julgamentos.

SUMÁRIO 155
Como o sentido é produto dessas três subfunções (autoa-
valiação, atribuição causal e autorreação), agrupamos as categorias
encontradas em cada subfunção por meio da análise de similitude.
Esse tipo de análise segue um delineamento qualitativo, possibili-
tando ao pesquisador identificar a coocorrência entre palavras e
o modo como essas palavras se conectam entre si. Para analisar-
mos essa coocorrência e interconectividade entre as palavras, é
gerado no software figuras nas quais a espessura das linhas nos
possibilita identificar indícios sobre a frequência de correlação
entre as palavras, isto é, quanto maior a quantidade de vezes em
que as palavras apareceram juntas, mais espessa será a linha que as
conecta, enquanto linhas mais finas indicarão pequenas correlações
(CAMARGO; JUSTO, 2013). Para realizarmos a análise de similitude,
utilizamos o software Iramuteq16. Incluímos no software as categorias
propostas para cada uma das subfunções (autoavaliação, atribui-
ção causal e autorreação), o que nos possibilitou identificar alguns
dos principais sentidos atribuídos pelos estudantes às suas experi-
ências de reprovação.

O primeiro principal sentido observado foi denominado de


“Dificuldade a ser superada”. Ele engloba um total de nove estu-
dantes (13,8%) que, ao serem reprovados, se autoavaliaram como
incapazes academicamente ou incapazes de pertencer ao curso,
porém tiveram reações positivas que lhes possibilitaram superar
essa avaliação inicial.

Outro principal sentido identificado denominamos de “Con-


formidade com a injustiça do sistema educacional”. Os quatro estu-
dantes (6,1%) que compõem esse sentido se autoavaliaram como
injustiçados e ficaram conformados de que não poderiam fazer
nada para mudar essa situação, o que corroborou para a ocorrência
de reações negativas.

16 Software gratuito e de código aberto que possibilita a realização de análises de similaridade em cor-
pus textuais, entre outras funcionalidades. Disponível em: http://sourceforge.net/projects/iramuteq/.

SUMÁRIO 156
Ao focarmos nas experiências de reprovação, que, de modo
geral, são consideradas socialmente como “algo negativo, prejudi-
cial”, foi possível identificarmos a influência dessa percepção social
nos padrões pessoais que os estudantes utilizaram para se autoa-
valiarem ao vivenciarem essa experiência. Todas as categorias apre-
sentaram um sentido negativo relacionado à incapacidade, fracasso
em comparação com seus desempenhos no Ensino Básico, despre-
paro, entre outros. Com relação às causas atribuídas à reprovação,
identificamos desde elementos individuais, até fatores institucionais,
o que nos possibilita dispendermos esforços em ações e agendas
propositivas que busquem minimizar o impacto desses fatores no
desempenho dos estudantes. E, por fim, o sentido atribuído à repro-
vação ficou completo ao analisarmos a subfunção de autorreação,
por meio da qual foi possível identificarmos que, ao reagir de modo
positivo, os estudantes tendem a ressignificar essa experiência, pas-
sando a atribuir e apreender sentidos positivos dessas vivências.
Em contrapartida, estudantes que reagem de modo negativo, isto é,
se desmotivam ou se desconectam do curso e/ou instituição, ten-
dem a atribuir e apreender sentidos ainda mais negativos às experi-
ências de reprovação.

Portanto, o emprego e as potencialidades das subfunções da


autorregulação na investigação dos sentidos atribuídos pelos estu-
dantes às suas experiências acadêmicas ficam evidentes ao ana-
lisarmos o agrupamento das categorias das subfunções. Por meio
de tal análise foi possível identificarmos os principais sentidos que
os estudantes atribuíram às suas experiências de reprovação de um
modo mais completo, investigando como foi realizada a autoavalia-
ção (i.e., como ele(a) se sentiu ao saber que havia sido reprovado(a)),
quais fatores/causas foram determinantes de seu desempenho (i.e.,
quais elementos ele(a) atribui como causa dessa reprovação), e
quais foram suas reações (i.e., de que modo os estudantes reagi-
ram ao vivenciarem a experiência de reprovação; que ações e estra-
tégias foram, ou não, adotadas visando modificar essa situação).

SUMÁRIO 157
Ou seja, por meio das subfunções, investigamos e analisamos todo o
processo de reprovação, desde o modo como ela é percebida, até as
estratégias, ações, comportamentos, emoções que estão envolvidas
nesse processo e que foram cruciais para mudanças autodiretivas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de a maior parte dos estudos sobre autorregula-
ção, no campo educacional, se centrar em identificar e promover o
desenvolvimento da habilidade autorregulatória dos estudantes para
alcançarem seus objetivos acadêmicos (e.g., FRISON et al., 2015;
SALGADO; POLYDORO; ROSÁRIO, 2018), o modelo proposto por
Bandura também se revela útil para analisarmos os sentidos das
experiências acadêmicas vivenciadas pelos alunos, como demons-
tramos neste capítulo. Mais especificamente, defendemos que é
possível avaliar os sentidos das experiências acadêmicas a partir
das subfunções da autorregulação, isto é, por meio da autoavaliação,
atribuição causal/determinantes de desempenho e autorreação.

Para exemplificar nossa proposta, apresentamos resultados


parciais de uma pesquisa realizada com 65 estudantes de graduação
em Física que vivenciaram a experiência acadêmica de reprovação.
Os resultados, obtidos através da análise das respostas dos partici-
pantes a um questionário, demonstraram que os estudantes atribuem
diferentes sentidos às suas reprovações. Algumas das categorias
encontradas para a subfunção de autoavaliação incluem a percep-
ção de incapacidade acadêmica, de incapacidade de pertencimento
e de injustiça. Para a subfunção de atribuição causal, as categorias
incluem fatores individuais, externos, comportamentais e institucio-
nais. Já as categorias encontradas para a subfunção de autorreação
incluem reações comportamentais (positivas ou negativas), reações

SUMÁRIO 158
emocionais (positivas ou negativas) e autorreações não identificadas
(quando os indivíduos não souberam ou não quiseram opinar).

Ao analisarmos as três dimensões em conjunto, destaca-


mos dois grupos principais de estudantes: aqueles que, apesar de
se autoavaliarem negativamente, reagiram de maneira positiva para
superar suas dificuldades, ressignificando a experiência de reprova-
ção e passando a atribuir e apreender um sentido positivo dessa
experiência; e aqueles que se sentiram injustiçados e ficaram confor-
mados com a situação, reagindo de maneira negativa e atribuindo e
apreendendo um sentido ainda mais negativo dessa vivência. Além
disso, ao analisarmos essa experiência à luz das subfunções da
autorregulação, foi possível analisarmos a experiência de reprovação
como um contínuo, desde o modo como o estudante se sentiu e se
avaliou ao receber a informação que havia sido reprovado, passando
pelas causas que ele apontou como determinantes para que essa
reprovação ocorresse, até o modo como ele reagiu à essa situação,
adotando medidas autodiretivas positivas (e.g., adoção de estratégias
didáticas; buscando motivação para tentar novamente) ou negativas
(e.g., desconectando-se do âmbito acadêmico; demonstrando von-
tade de desistir do curso).

A identificação desses perfis de sentido possibilita que a


instituição planeje ações que auxiliem os estudantes a atribuírem
sentidos mais positivos à experiência de reprovação, tão comum
em cursos de Física. Ações como a necessidade de suporte, inves-
timento em monitorias e orientações acadêmicas (e.g., mentorias),
bem como a identificação das necessidades dos estudantes para
orientação de ações e feedbacks frequentes ao longo do processo
de adaptação, já são reconhecidas na literatura de combate à evasão
e fomento à persistência (FRANCO et al., 2022), e podem ser adap-
tadas para contemplar orientações para ressignificação das reprova-
ções. Além disso, investigações com outras experiências acadêmi-
cas também podem ser conduzidas à luz das subfunções da autor-
regulação, como a análise das experiências sociais e acadêmicas

SUMÁRIO 159
vivenciadas por mentores(as) e mentorandos(as) e seu impacto na
motivação dos estudantes de persistirem ou evadirem do curso, bem
como seu impacto no desenvolvimento e aprimoramento da habili-
dade autorregulatória.

Mais do que permitir o delineamento de ações institucionais,


a perspectiva da autorregulação da Teoria Social Cognitiva destaca
o papel do indivíduo na condução da própria vida para atingir seus
objetivos. Mesmo em ambientes difíceis e hostis, como alguns cur-
sos de Física, o sujeito ainda tem a liberdade, mesmo que parcial, de
interpretar suas experiências e dar significado para a sua vida acadê-
mica. Como afirma Viktor Frankl (1991, p. 40): “a liberdade espiritual
do ser humano, a qual não se lhe pode tirar, permite-lhe, até o último
suspiro, configurar sua vida de modo que tenha sentido”.

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SUMÁRIO 162
6
Nathan Willig Lima
Gabriela Gomes Rosa
Afonso Werner da Rosa
Eduardo Gois

EM DIREÇÃO A UMA
PEDAGOGIA COSMOPOLÍTICA:
HISTÓRIA E FILOSOFIA NO ENSINO
DE CIÊNCIAS PARA REVIVER NO ANTROPOCENO
INTRODUÇÃO
No dia 8 de janeiro de 2023, a praça dos três poderes, em
Brasília, foi invadida, e os prédios do Planalto, Congresso e Supremo
Tribunal Federal foram depredados. Os autores dessas ações
seguem o curso dos atos realizados desde o fim do ano de 2022,
contestando os resultados das eleições para presidente da república
do Brasil, o qual se alinha com um movimento mais amplo de ataque
à democracia. Esses episódios são mais um preocupante exemplo
da crise da confiança nas instituições modernas, que se agudiza
na contemporaneidade.

Em 2016, o dicionário Oxford escolheu a expressão “pós-


-verdade” como palavra do ano (MCINTYRE, 2018) ressaltando a
tendência recente de, no debate público, haver uma equipolência
entre fatos e narrativas fictícias que apelam à emoção. Em 2019, nós
problematizamos essa definição e apresentamos algumas reflexões
preliminares sobre a importância de a educação em ciências se pre-
ocupar com esse tema (LIMA et al., 2019). De 2019 para cá, o cenário
piorou muito: os cientistas brasileiros e as universidades foram alvo
de uma forte campanha de depreciação simbólica e material, e o
próprio sistema eleitoral brasileiro também foi constantemente ata-
cado por notícias falsas e sensacionalistas. Com o advento da pan-
demia de covid-19, entretanto, o negacionismo científico e político
chegou a patamares inimagináveis17. Estudos indicam que o Brasil,
juntamente com os Estados Unidos, teve um dos piores desempe-
nhos do mundo no enfrentamento à doença (JASANOFF, 2021).

A pós-verdade, assim, não pode ser entendida como uma


questão puramente epistemológica. A pós-verdade é um fenômeno,

17 Sobre as inter-relações políticas e epistêmicas no enfrentamento da covid-19, o leitor pode consul-


tar Moura, Nascimento e Lima (2021), e, sobre a questão da confiança na ciência e na educação
científica, Lima e Nascimento (2022).

SUMÁRIO 164
sobretudo, político – ou mais precisamente – epistêmico-político
(LATOUR, 2020a; LIMA; NASCIMENTO, 2021). Partindo das discus-
sões sobre teoria do currículo (SILVA, 2010), podemos entender a
educação como um fenômeno ontológico-político, uma vez que, por
meio do currículo, concebemos qual é “o ser ideal” que gostaríamos
de formar ao final do processo. Esse “ser ideal” (portanto uma ques-
tão ontológica) é concebido para um sistema específico, uma certa
organização social (portanto, uma questão política).

As situações recentes por que temos passado, a dizer, a crise


nas instituições modernas (epistêmicas e políticas), a pós-verdade, a
pandemia de covid-19, o avanço das mutações climáticas, o alarga-
mento das desigualdades sociais, as persistentes formas de discrimi-
nação e preconceito, que se materializam na forma de uma necropo-
lítica (MBEMBE, 2018), e que são uma marca da sociedade brasileira
(GONZALEZ, 1982), demandam que coloquemos sempre a questão:
que educação queremos, e – mais especificamente – qual educação
em ciências, ou ensino de Física queremos? Quais os compromissos
epistêmico-políticos de nossas práticas pedagógicas? E o que pre-
cisamos fazer para ter uma educação em ciências que seja capaz de
dar conta dos desafios e dilemas do século XXI?

Esses questionamentos, obviamente, são extremamente


complexos e profundos. Virtualmente, existem infinitas respostas
que nos apontarão diferentes caminhos para construir uma educa-
ção que seja capaz de superar o cenário em que nos encontramos.
Nesse sentido, nosso objetivo nesse capítulo jamais seria apresentar
uma solução ou resposta para isso. Pelo contrário, o posicionamento
defendido por nós é que a resposta só pode ser obtida de forma
coletiva. Os diferentes coletivos, os diferentes atores, precisam par-
ticipar de um processo intenso e concreto de construção coletiva do
mundo. Isso significa que nós podemos trazer as nossas reflexões
e percepções a partir de nossas trajetórias, a partir de nosso lugar
no mundo (BAKHTIN, 1990), sem querer com isso almejar o encer-
ramento do diálogo. Assim, nossa resposta é uma não-resposta,

SUMÁRIO 165
é um convite. É um convite não somente para a troca de ideias, mas
para a construção efetiva de um mundo melhor.

Cientistas e intelectuais de diferentes áreas têm denominado


o período por que passamos de Antropoceno (LATOUR, 2020b), para
se referir a um novo período geológico, em que a ação humana é tão
intensa que modifica a própria estrutura do planeta. Hibridizamos de
tal forma os percursos sociais com os naturais, que, hoje, agentes
da natureza (vírus, atmosfera, água dos rios) impactam nossas deci-
sões políticas, e a própria humanidade virou uma “força da natureza”
(CHAKRABARTY, 2009). Os desafios que temos para superar são
enormes. Krenak (2019) tem ressaltado a importância de sonharmos
novos mundos, de conseguirmos nos afastar dos nossos modos
usuais de existência, para sermos capazes de chegar em um mundo
justo, habitável, vivível por todos e todas.

Nesse processo, entretanto, precisamos conjugar as dife-


rentes sociedades, e as diferentes naturezas associadas a essas
sociedades. Os antropólogos têm há muito tempo descrito o fato de
que não somos diferentes sociedades compartilhando uma mesma
Natureza, somos diferentes coletivos com diferentes sociedades e
naturezas (DESCOLA, 2016). O combate aos desafios mencionados
passa pela organização desses diferentes coletivos natureza-socie-
dade, o que alguns autores chamam de cosmopolítica (LATOUR,
2004; STENGERS, 2018). Assim, se a educação almeja a construção
de um ser para uma certa organização social, a educação do Antro-
poceno deveria viabilizar ou preparar as pessoas para o processo
cosmopolítico. Isso não significa dar as respostas dos problemas
para as pessoas (pois essas respostas ainda não existem), mas con-
tribuir para que elas possam coletivamente construir as soluções.

Mas o que significa construir soluções? Como participar


desse processo? O que é necessário saber para participar desse
processo? Quais são os valores subjacentes a essas práticas, ou
seja, o que reside em sua dimensão axiológica? Essas são questões

SUMÁRIO 166
fundamentais que precisam ser discutidas. No presente capítulo,
nosso objetivo é apresentar um programa de pesquisa para forma-
ção de uma pedagogia cosmopolítica, o qual está como pano de
fundo (de forma explícita ou não) nas diferentes pesquisas do Grupo
de Pesquisa em História, Filosofia e Ensino de Física da UFRGS. Para
tanto, vamos apresentar e problematizar as principais questões de
pesquisa que estão no horizonte de nossas discussões.

O nosso grupo foi fundado em 2022 e reúne docentes de


diferentes instituições brasileiras e internacionais, além dos discen-
tes orientados no contexto do mestrado e doutorado em Ensino de
Física e iniciação científica. As pesquisas têm se voltado a discus-
sões e reflexões teóricas sobre a área de educação em ciências, bem
como para estudos de episódios históricos da Física e suas implica-
ções para o contexto didático, principalmente (até o momento) ao
que se refere ao ensino de conceitos da Teoria Quântica.

Na segunda seção, apresentaremos uma discussão breve


sobre cosmopolítica, subsidiando o leitor com referências, caso
queira se aprofundar no quadro teórico. Na terceira seção, discutimos
o conceito de “formação para cidadania”, presente nas pesquisas da
área de Educação em Ciências, e explicitamos algumas perguntas
de pesquisa importantes para o nosso programa de pesquisa, a fim
de pensar sobre a viabilidade de uma cidadania cosmopolítica. Con-
forme será discutido, a cosmopolítica contemporânea exigirá não
somente um engajamento político, mas uma concepção ampla de
ciência e sobre ciência – o que já vem sendo defendido na literatura
há três décadas (HODSON, 1994). Nesse sentido, para formação da
cidadania cosmopolítica não podemos nos abster de ensinar concei-
tos científicos e, portanto, a preocupação com ensino e aprendiza-
gem de conceitos (que é depreciada por algumas vertentes críticas
da educação em ciências) continua importante em nosso programa
de pesquisa. Nas seções da sequência, dividimos a reflexão sobre
a educação no contexto formal, refletindo sobre a potencialidade
do uso de história e filosofia no ensino de ciências e, sobre como a

SUMÁRIO 167
cosmpolítica se dá por meio da cultura de uma forma mais ampla, se
tornando essa um contexto importante de pesquisa. Apresentamos,
nessas seções, algumas questões de pesquisa que norteiam, hoje,
nossas discussões. Por fim, apresentamos nossas reflexões finais.

COSMOPOLÍTICA E A VIRADA
ONTOLÓGICA DA ANTROPOLOGIA
O termo política deriva da palavra grega polis, a cidade.
Assim, de uma forma geral, “político” é um termo usado para desig-
nar os processos e atividades que se dão na organização e constru-
ção dos espaços coletivos, comuns, em detrimento da organização
dos espaços privados.

A partir da obra Política de Aristóteles (2019), entretanto, o


termo é mais especificamente utilizado para designar uma forma
específica de poder – aquela que é permitida por consenso, ou seja,
por meio do Estado. Assim, em diversos autores, o conceito de polí-
tica se refere ao estudo da organização do Estado, e do seu exercício
do monopólio da violência (BOBBIO; MATTEUCI; PASQUINO, 1998).

Outros autores, entretanto, designam o campo político como


aquele em que se estabelecem as relações amigo-inimigo (FREUND,
1965; SCHMITT, 2008). Isto é, chamamos de político a esfera de atu-
ação humana em que percebemos a formação de grupos de alia-
dos, os quais, em sua atuação, rivalizam com grupos concorrentes.
A guerra seria, nesse contexto, o exemplo mais violento da atuação
política. De uma forma ou de outra, percebe-se que o campo político,
nessas designações, remete a relação dos humanos entre eles: “O
poder político pertence à categoria do poder do homem sobre outro
homem, não à do poder do homem sobre a natureza.” (BOBBIO;
MATTEUCI; PASQUINO, 1998, p. 955). Assim, a natureza permanece

SUMÁRIO 168
fora do campo político, ou seja, nem ela participa da política, nem
seria afetada por ela.

A Antropologia, entretanto, tem recentemente desafiado essa


definição. Os modos de existência e os cosmos de diferentes coleti-
vos afetam diretamente as formas de organização social, bem como
as alterações nas associações humanas podem afetar aquilo que
existe ou não no cosmos. Os estudos antropológicos que partem
desse reconhecimento têm sido genericamente classificados em um
movimento denominado virada ontológica da antropologia (HOL-
BRAAD; PEDERSEN; CASTRO, 2014; KOHN, 2015). Tal movimento
passa, primeiramente, por assumir que não existe uma natureza
transcendental que possa servir de juiz para os diferentes coletivos
(STENGERS, 2018). Não existe apenas uma única natureza e diver-
sas sociedades, mas vários coletivos natureza-sociedade (LATOUR,
2013). Esse posicionamento metafísico demanda um abandono dos
discursos universais sobre a realidade e o conhecimento, bem como
a superação das dicotomias natural-social típica do pensamento
modernista (LATOUR, 2017a).

Quando dois coletivos se encontram e rivalizam de alguma


forma, não temos em jogo apenas o embate entre culturas, ou
modos sociais de organização, mas entre os seus respectivos cos-
mos. Por isso, esse processo deve ser entendido em termos de uma
cosmopolítica: o cosmos passa afetar o processo de disputa entre
os grupos, e o resultado da disputa decide o que continua exis-
tindo ou não no cosmos.

Essa descrição é importante não somente na descrição


do encontro dos Europeus com os povos originários do Brasil, por
exemplo, mas – de fato – é um constructo teórico fundamental para
entendermos os processos no Antropoceno. No mundo, temos dife-
rentes coletivos que afetam diferentemente a construção da Terra.
O coletivo modernista, por exemplo, é o principal responsável pelo
desenvolvimento das mutações climáticas como a entendemos hoje.

SUMÁRIO 169
Ao mesmo tempo que reconhecemos a pluralidade de cole-
tivos e defendemos as diferentes formas de existência, por outro
lado, percebemos que o desafio das mutações climáticas exige uma
resposta orquestrada, comum, de toda Terra. Não é possível que
apenas o nosso grupo reconheça o aquecimento global e passe a
agir para o mitigar. Se os demais grupos continuam com suas práti-
cas que são causadoras do aquecimento, todos nós sofreremos os
resultados (mesmo aqueles que tentaram o evitar). Algo semelhante
acontece na pandemia: não é suficiente que um grupo se vacine e
tome os devidos cuidados. Quando se vai ao supermercado, todos
devem estar vacinados e tomando os devidos cuidados, para reduzir
ao máximo a possibilidade de contaminação. Essa impossibilidade
de controle sobre os efeitos das práticas e a necessidade de organi-
zações mais amplas entra no campo do que chamamos hoje de uma
“sociedade de risco” (PIETROCOLA et al., 2021).

Portanto, a cosmopolítica contemporânea pode ser encarada


de duas formas (BLASER, 2018). Para Latour (LATOUR, 2020a) pre-
cisamos avançar na construção do mundo comum, reconhecendo
consensos sobre as mutações climáticas, vacinas e outros temas
relevantes. Por outro lado, Stengers (2018) discute como que a ace-
leração dessa uniformização do mundo (globalização) foi responsá-
vel justamente pelo avanço das mutações climáticas e, para ela, a
cosmopolítica deveria frear o processo de uniformização do mundo
e apostar na pluralidade e na diversidade de modos de existência.

Seja no sentido de buscar um consenso global ou de frear os


consensos, a proposição cosmopolítica tem implicações metodoló-
gicas profundas. O pesquisador, ainda que tenha seus constructos
teóricos e valores pessoais, deve – em sua descrição do mundo –
buscar privilegiar as vozes dos atores, sem tentar encaixar os acon-
tecimentos em suas “caixinhas” pré-formadas sobre a realidade. O
campo da cosmopolítica, assim, não forma uma teoria, mas uma
“não-teoria” (LATOUR, 2005) no sentido de que renuncia às meta-
narrativas e à projeção compulsória de conceitos a priori.

SUMÁRIO 170
Eduardo Viveiros de Castro (2018) discute essa mudança
metodológica em termos de uma perspectiva centrífuga, em que se
parte do acontecimento concreto real e da voz dos participantes para
construir os constructos da própria narrativa. Ou seja, o arcabouço
teórico não se constrói a priori, mas se ergue a partir da voz dos par-
ticipantes18. Há uma inversão epistemológica: o estudo se constrói
a partir dos conceitos do estudado e não do pesquisador. Segundo
Castro (2018) esse é um passo fundamental para avançarmos em
uma descolonização radical, função fundamental da Antropologia.

Na próxima seção, pretendemos discutir, em linhas gerais,


algumas implicações da proposição cosmopolítica para a educa-
ção. Para tanto, partiremos da discussão existente na área que toma
como finalidade da educação a formação para cidadania. A partir
disso pretendemos problematizar o conceito de cidadania a partir
da cosmopolítica e discutir possibilidades para o campo educacional
que viabilizem a formação de uma “cidadania cosmopolítica”.

EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA


A Constituição de 1988 estabelece como um dos objetivos da
educação o preparo para o exercício da cidadania. Essa proposição é
reiterada em demais documentos que regulamentam a educação no
país – tais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
os antigos Parâmetros Curriculares Nacionais, e, atualmente, a Base
Nacional Comum Curricular. Da mesma forma, as pesquisas na área
de ensino e educação em ciências frequentemente fazem alusão à
formação para cidadania como um dos objetivos do processo peda-
gógico (BONDEZAN; KAWAMURA, 2018; KREUGER; RAMOS, 2017).

18 Isso não deve ser confundido com uma concepção de observação não mediada. Pelo contrário, a
perspectiva centrífuga abre ainda mais as possibilidades de mediação.

SUMÁRIO 171
Tal prática discursiva, entretanto, suscita um problema: o
conceito de cidadania é polissêmico, e suas acepções apresentam
diferentes compromissos políticos e epistêmicos (PINHÃO; MAR-
TINS, 2014). Nesse sentido, o uso da palavra cidadania em um dis-
curso pedagógico, sem a devida especificação da acepção adotada
pode suscitar uma maior confusão sobre os objetivos concretos
da Educação e até mesmo implicar a defesa de perspectivas con-
traditórias e opostas à construção de uma sociedade justa (VILA-
NOVA; MARTINS, 2017).

Nesse sentido, é importante reconhecer os possíveis mode-


los de cidadania e seus compromissos políticos. Pietrocola e Souza
(2019), partindo de Westheimer e Kahne (2004), apresentam três
categorias de cidadania, e Pinhão e Martins (2014), partindo de
Habermas (1995), discutem três modelos de democracia, os quais
podemos, em linhas gerais, relacionar com a primeira proposta.

O primeiro modelo diz respeito ao cidadão individualmente


responsável, que pode ser associado ao Estado democrático libe-
ral. Conforme Pinhão e Martins (2014) apontam, democracia liberal
é atrelada a ideia de que direitos universais seriam suficientes para
promover a igualdade social – apagando as desigualdades estrutu-
rais e legitimando a meritocracia. Nesse contexto, o Estado estabe-
leceria e garantiria direitos iguais a todos os indivíduos, e caberia
aos cidadãos que exercessem seus deveres. Dessa forma, o cida-
dão individualmente responsável é aquele que, tendo conhecimento
científico, exerce seus deveres tomando suas escolhas individuais de
forma consciente. Embora suas ações sejam de extrema importân-
cia, isoladamente não serão responsáveis por uma mudança signi-
ficativa no mundo e na sociedade (WESTHEIMER; KAHNE, 2004).

O segundo é cidadão participativo, que pode ser atrelado


a modelos de estados democráticos que incluem mais participação
social nas tomadas de decisão – tais como os modelos republicano
e procedimentalista. Embora sejam diferentes, pois, de acordo com

SUMÁRIO 172
Pinhão e Martins (2014), o modelo democrático republicano pres-
supõe valores cívicos universais que orientariam a ação dos sujei-
tos – desconsiderando as assimetrias da sociedade e submetendo
a política a aspectos puramente éticos – enquanto que o modelo
democrático procedimentalista busca, ao mesmo tempo, garantir
direitos individuais e situar os indivíduos como parte de circunstân-
cias culturais específicas, em ambos modelos, a tomada de decisão
é descentralizada. Nesse contexto, o cidadão participativo, tendo
conhecimento da ciência, busca por soluções para os problemas
da comunidade em que está inserido (seja a nível local ou global)
(WESTHEIMER; KAHNE, 2004).

Por fim, um terceiro modelo é o de cidadão orientado para


a justiça social, que em alguns aspectos pode ser associado a
democracia participativa de Boaventura de Souza Santos. Conforme
Pinhão e Martins (2014), a democracia participativa parte da pre-
missa de que toda a generalização do conceito de cidadão deixa
parte da sociedade de fora. Segundo essa perspectiva, a democracia
deve incluir uma ecologia de saberes – em que as diferentes formas
de conhecer devem ser valorizadas e levadas em conta na tomada
de decisões coletivas. O cidadão orientado para a justiça social tem
como objetivo a superação das opressões sociais, é capaz de anali-
sar e discutir questões sobre estruturas sociais, políticas e econômi-
cas, buscando estratégias coletivas – que pressupõe a participação
plena a igualitária dos diferentes grupos sociais – para mudanças na
sociedade em que vive (ADAMS; BELL; GRIFFIN, 2007).

Um primeiro ponto a ser pensado em qualquer prática peda-


gógica, conforme discutido na literatura, é com qual modelo de
democracia e cidadania o processo educacional está comprometido.
Um segundo ponto que gostaríamos de problematizar, entretanto, é
sobre a relação desses modelos com a proposição cosmopolítica.

SUMÁRIO 173
Uma vez que essas propostas partem de uma concepção clássica de
política e, portanto, de sociedade, elas não transgredem as fronteiras
entre o natural e o social, não pressupõem diferentes naturezas, e
nem discutem o papel dos não-humanos no processo de organização
dos coletivos. Assim, em que medida uma nova categoria de cidada-
nia não pode ser necessária: a cidadania cosmopolítica? A definição
desse modelo de cidadania, suas implicações ontopolíticas e epistê-
micas, bem como sua tradução para prática pedagógica são os pri-
meiros pilares do programa de pesquisa que estamos construindo.

De uma forma sintética (e provisória) o cidadão cosmopo-


lítico é um agente de transformação e construção do mundo. Em
associação com o coletivo de humanos e não-humanos, ele age, se
engaja e se posiciona axiologicamente. Considerando que os pro-
blemas contemporâneos são híbridos, no sentido em que discuti-
mos, o cidadão cosmopolítico precisa também saber ciências e
sobre ciências (HODSON, 1994), ou seja, ele precisa ser capaz de se
mover por entre as redes sociocientíficas que se formam, podendo
se posicionar sobre elas e participar de seus desenvolvimentos.
Nesse sentido, elencamos duas dimensões importantes do exercício
da cidadania cosmopolítica (a serem explorados em estudos futu-
ros): (i) o engajamento na construção do mundo; e (ii) o domínio da
ciência e sobre ciência.

O desafio didático, portanto, passa por promover essas duas


dimensões. Na próxima seção, apresentaremos dois campos de atu-
ação que consideramos importantes para o desenvolvimento de tal
cidadania. O primeiro, pensado para o contexto da educação formal,
se refere ao uso de história e filosofia da ciência como caminho para
promoção da cidadania cosmopolítica. O segundo, referindo-se ao
contexto não-formal, envolve a discussão sobre como as diferentes
manifestações culturais podem influenciar no exercício da cidadania.

SUMÁRIO 174
O USO DE HISTÓRIA E FILOSOFIA DA
CIÊNCIA NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS
Os cientistas sempre escreveram história da ciência como
uma forma de manutenção de suas perspectivas e contribuições
(VIDEIRA, 2007). Após a segunda guerra mundial, entretanto, a his-
toriografia da ciência passa por um processo de intensa renovação
com a abordagem social e cultural da história da ciência (BLOOR,
1991; KUHN, 1996; LIGHTMAN, 2016).

No campo do ensino de Física, David Kaiser (2014) descreve


uma tendência ao instrumentalismo tecnicista no ensino de Física a
partir do período pós-segunda guerra mundial. Para o autor, o Ensino
de Física voltou-se quase exclusivamente à resolução de problemas
matemáticos, deixando de lado questões referentes aos fundamen-
tos da Física e a natureza do conhecimento científico. Disso decorre
o fenômeno denominado pelo autor de “Shut up and Calculate”
(Cale-se e calcule). Outras pesquisas ressaltam essa tendência no
ensino de ciências em geral como uma característica marcante da
pedagogia do período de guerra fria (NARDI, 2005).

No contexto brasileiro, a partir da década de 1990, tem-se


uma intensificação no desenvolvimento de novos olhares para o
Ensino de Ciências que levam em conta as questões históricas e
filosóficas que permeiam o conhecimento científico, em especial a
partir do trabalho de Michael Matthews (1995). Matthews desenvolve
um extenso trabalho investigando a estrutura curricular das esco-
las e buscando reformulá-la para que passe a incluir questões de
História e Filosofia da Ciência (HFC), inclusive, discutindo as poten-
cialidades desta frente às teorias de aprendizagem da psicologia
(LIMA, 2022). Para o autor, há uma necessidade de se ensinar uma
ciência mais plural, em uma abordagem “contextualista” que leva em
conta questões éticas, sociais, históricas, filosóficas e tecnológicas.

SUMÁRIO 175
Para tanto, é necessária a inserção de HFC no Ensino de Ciências,
tanto em suas bases curriculares quanto nos materiais didáticos e
cursos de formação de professores.

A partir disto, deram-se início diversas investigações sobre


o uso de HFC no Ensino de Ciências em âmbito nacional, inclusive,
aderindo a Sociologia da Ciência. Ao olharmos para literatura encon-
tramos investigações voltadas a defesa de que o ensino de ciências
deve voltar-se para questões como a forma com que as teorias cien-
tíficas são construídas e validadas, o cotidiano de um cientista e a
relação entre a ciência desenvolvida em determinada época e o con-
texto histórico (MARTINS, 2006); a necessidade de introdução de
questões histórico-epistemológicas que rompam com visões ingê-
nuas de Natureza da Ciência nos cursos de formação de professores
de Física (MOREIRA, MASSONI, OSTERMANN, 2007); aos meios
pelos quais podemos evitar obstáculos epistemológicos na transpo-
sição da HFC para o Ensino de Ciências (FORATO, 2012).

Recentemente, diversos autores têm ressaltado a importân-


cia de refletirmos sobre os compromissos pedagógicos, epistemo-
lógicos e políticos das diferentes abordagens da história da ciência
no ensino, aliando uma discussão sobre essa área com os estudos
curriculares (MOURA; GUERRA; CAMEL, 2020).

Para discutir essas questões, nosso grupo organizou o I


Encontro de História e Filosofia no Ensino de Física na Região Sul do
Brasil19. A partir desse evento, foi organizado um número especial
da Revista Brasileira de Ensino de Ciências e Matemáticas, trazendo
algumas das reflexões e discussões realizadas no evento20.

19 O leitor interessado pode consultar os anais do evento: https://www.upf.br/encontrohistoria


efilosofianoensinodafisica
20 O número especial pode ser consultado em: http://seer.upf.br/index.php/rbecm/issue/view/753

SUMÁRIO 176
Nesse contexto, Moura (2021) destaca que uma virada polí-
tica na abordagem da história da ciência implica um melhor enten-
dimento na relação entre natureza e sociedade, dos diferentes méto-
dos da ciência (pluralidade interna), e das formas com que a ciência
invisibiliza certas contribuições frente ao contexto social e histórico.
Guerra (2021) defende o uso história e filosofia da ciência como
forma de promoção da justiça social, contribuindo para uma edu-
cação científica politizada. Conforme ressaltamos na seção anterior,
uma pedagogia cosmopolítica passa, também, por viabilizar a for-
mação de cidadãos que saibam os conceitos da ciência, para pode-
rem se posicionar sobre os temas urgentes da contemporaneidade.
Assim, um aspecto importante do uso de história da ciência é para
potencializar o aprendizado de conceitos científicos (KARAM; LIMA,
2022). Em especial, Karam (2021) apresenta um conjunto de orien-
tações metodológicas para escolha de fontes primárias e seu uso
no contexto didático a fim de fomentar o aprendizado dos concei-
tos científicos. Nesse mesmo sentido, Lima e Rosa (2022) discutem
as potencialidades e os cuidados metodológicos necessários para o
uso de história da ciência no sentido de fomentar aprendizado.

Ademais, formando o segundo pilar de nosso programa de


pesquisa, propusemos que a inserção de História, Filosofia e Socio-
logia da Ciência pode vir a contribuir para um mundo mais justo a
partir do entendimento das relações entre natureza e sociedade no
mundo contemporâneo (LIMA, 2021). Para tanto, realizamos uma
classificação das tendências historiográficas e filosóficas em três
grandes grupos e as apresentamos como perspectivas comple-
mentares (e não como concorrentes): (1) tendências que enfatizam
fatores epistêmicos: evidenciam uma perspectiva interna da ciência,
do cotidiano de um cientista e do desenvolvimento de conceitos e
teorias, sem se ater às questões sociais da ciência, somente a produ-
ção do conhecimento em si; (2) tendências estruturalistas: enfatizam
fatores sociológicos sob uma ótica estruturalista, isto é, partem de
uma estrutura teórica prévia para analisar os elementos históricos;

SUMÁRIO 177
e (3) tendências pós-estruturalistas: não apresentam uma estrutura
fixa para a ciência ou para seu desenvolvimento, as quais tendem a
questionar as delimitações impostas entre natureza e sociedade.

Um ponto fundamental para avançarmos, entretanto, na


construção de uma pedagogia cosmopolítica, alinhada com a forma-
ção de uma cidadania cosmopolítica, é a concepção de como usar a
história e filosofia da ciência para fundamentar tais práticas pedagó-
gicas. Um primeiro passo foi dado com o artigo Superando Narciso:
histórias das ciências para adiar o fim do mundo (LIMA; GUERRA,
2022), em que propomos o conceito de uma pedagogia anti-narcí-
sica. Os fundamentos, pressupostos, e alguns cuidados metodoló-
gicos são discutidos nesse trabalho. É necessário, nesse momento,
avançar para a construção concreta dessas práticas e de sua avalia-
ção rigorosa no contexto de pesquisas empíricas em diálogo com os
marcos filosóficos apresentados.

A CULTURA EM UMA
PEDAGOGIA COSMOPOLÍTICA
Se, por um lado, a história e filosofia da ciência têm o poten-
cial de contribuir para uma cidadania cosmopolítica, por outro, o que
aprendemos de ciência, sobre ciência, e sobre valores, não está resu-
mido à sala de aula. Aprendemos sobre essas questões o tempo
todo, em nossa família, com nossos amigos, nas redes sociais, nos
livros, na televisão, nas músicas, no cinema. Em todos esses locais
(concretos ou virtuais) e por meio dessas relações formamos nossa
opinião sobre a ciência e sobre as questões sociocientíficas.

Em especial, Latour (2017b) narra a ciência como um sis-


tema circulatório que permeia toda a sociedade, sendo composto
por quatro elos: a mobilização do mundo (as práticas de laboratório);

SUMÁRIO 178
a autonomização (processo de parceria e citação científica); as
alianças (parcerias com instituições públicas e privadas); e a opi-
nião pública (posicionamento da sociedade como um todo sobre
a ciência). A ciência se dá na intersecção de todos esses fluxos,
e cada um interfere no outro, como em um sistema circulatório
de um organismo vivo.

A sociedade de uma forma mais ampla se intersecciona com


a ciência por meio da opinião pública. O cidadão que não é cientista
não participa da ciência por meio da mobilização do mundo, nem da
autonomização. Eventualmente, pode participar por meio da aliança.
Mas todo cidadão, sempre, participa da ciência por meio da opinião
pública. Isto é, a nossa concepção e nossos discursos sobre a ciên-
cia tensionam os debates e as alianças, que, por sua vez, afetam a
mobilização do mundo e a autonomização.

Por isso, a construção do mundo comum, a formação de uma


cidadania cosmopolítica, que permita a construção de um coletivo
mais justo e habitável por todos, passa por pensarmos sobre o pro-
cesso de formação da opinião pública e isso implica analisarmos as
diferentes formas de manifestação da cultura.

Nesse sentido, cultura não é pensada como uma dimensão


somente humana, uma vez que os não-humanos também participam
dessa dimensão. Entretanto, no campo da cultura, existe sempre a
atribuição de sentido aos elementos que a compõem – o que enseja
uma noção de cultura semiótica (GEERTZ, 1973). Nesse contexto, é
fundamental perguntarmos como que o cinema, a música, as artes
e as redes sociais influenciam a cosmopolítica e viabilizam, ou não,
a construção de um mundo comum. Esse é o terceiro eixo de nosso
programa de pesquisa.

No campo da educação, um importante teórico da área


do currículo, Henri Giroux já tem se dedicado a discutir a influên-
cia do cinema na formação de diversas concepções (SILVA, 2010).

SUMÁRIO 179
Em especial, Giroux (1999) discute os aspectos ideológicos passados
com os filmes da Disney.

Nesse sentido a preocupação com a Cultura no campo edu-


cacional não é uma novidade. Nosso interesse, entretanto, nesse
programa de pesquisa é entender como as manifestações culturais
contemporâneas têm impactado a cosmopolítica e, nesse sentido,
como as pessoas têm aprendido ciências e sobre ciências.

Um próximo desafio é articular um quadro teórico, consis-


tente com a concepção cosmopolítica, capaz de analisar manifes-
tações culturais bem como viabilizar a reflexão sobre o tensiona-
mento da opinião pública. A partir disso, estabelecer um percurso
metodológico que seja capaz de viabilizar a interpretação desses
elementos culturais e, posteriormente, a reflexão sobre como reten-
sionar o debate público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme discutimos nesse capítulo, vivemos em um novo
período geológico, o Antropoceno, em que as dimensões naturais
e sociais aparecem profundamente hibridizadas. Nesse contexto,
ademais, diferentes crises de confiança se multiplicam e se alargam
nos últimos anos, formando um novo fenômeno epistêmico-polí-
tico, a pós-verdade.

Reconhecendo que a educação é uma prática ontológica-


-política, a questão central que buscamos propor nesse capítulo
foi a seguinte: quais as características da educação científica são
necessárias para dar conta de uma formação que prepare o posi-
cionamento e ação no Antropoceno? Para tanto, após apresentar o
conceito de cosmopolítica e virada ontológica da Antropologia, parti-
mos da discussão sobre formação para cidadania, muito presente na

SUMÁRIO 180
literatura da área de educação em ciências, para defender a neces-
sidade de uma pedagogia cosmopolítica, capaz de formar para uma
cidadania cosmopolítica.

Essa cidadania cosmopolítica, um constructo teórico a ser


desenvolvido, parte do pressuposto de que os problemas contem-
porâneos se dão em uma esfera complexa e heterogênea, em que
humanos e não-humanos se associam e disputam a construção do
mundo comum – o que define a noção de cosmopolítica. Assim, o
cidadão cosmopolítico é, primeiramente, alguém engajado na cons-
trução desse mundo, que reflete sobre os valores e pressupostos de
sua prática e que está disposto a construir de forma coletiva as solu-
ções dos problemas reais.

Essa postura, embora descrita de forma simples, pressupõe


um compromisso epistêmico-político substancialmente diferente
daquele defendido em outras vertentes do pensamento contempo-
râneo, em que a defesa de um modelo de mundo, de natureza e de
solução é estabelecido a priori, seja pelos especialistas da área téc-
nica ou pelos intelectuais.

A ação cosmopolítica, por outro lado, como reforça Isabelle


Stengers (2018), reiteradamente, pressupõe o abandono das meta-
narrativas modernistas, a abdicação das certezas, e as dúvidas
sobre os consensos mais óbvios. Isso implica, para a autora, a pos-
sibilidade de frear o processo de globalização e uniformização do
mundo. Latour, por outro lado, defende uma postura semelhante (a
de abdicar metodologicamente do desejo de encaixar a realidade em
nossas categorias pré-definidas) mas não para pausar a construção
do mundo comum, mas justamente para viabilizar um novo mundo
comum, que seja justo e habitável por todos.

De uma forma ou de outra, a cidadania cosmopolítica implica


a urgência de sonhar um outro mundo, que se afasta das injustiças
e crises que vivenciamos no presente. Esse outro mundo, entretanto,
não está posto a priori. Está para ser construído por todos(as) nós.

SUMÁRIO 181
Essa proposta, ademais, passa por um segundo reconheci-
mento. A maioria dos problemas urgentes, que estão diante de nós,
são atravessados por uma dimensão científica (ainda que não pos-
sam ser reduzidos a ela), característica do Antropoceno, e, portanto,
o exercício da cidadania cosmopolítica demanda um conhecimento
amplo sobre ciência e de ciência. Por isso, temos defendido a impor-
tância de resgatar, em nosso programa de pesquisa, o olhar sobre o
ensino e o aprendizado de conceitos científicos. Pois esses actantes
e suas performances circulam pelas redes e grupos que tensionam
a construção do mundo comum. Viabilizar um ensino de ciências
em que se aprende os conceitos de ciências implica viabilizar uma
compreensão mais ampla sobre o cenário atual e o aprofundamento
da capacidade de ação no mundo.

Tendo isso em vista, nosso programa de pesquisa ainda


divide dois campos diferentes de análise: o contexto formal e o não-
-formal de educação. Com relação ao primeiro, nossas investigações
têm se centrado no uso de história e filosofia da ciência como um
caminho profícuo de formação para cosmopolítica. Embora ensaios
teóricos e algumas pesquisas históricas preliminares já tenham sido
desenvolvidas, existe um longo caminho a ser trilhado. Mais do que
isso, a complexidade do cenário exige, igualmente, uma articulação
complexa e, portanto, um programa de pesquisa em pedagogia cos-
mopolítica também demandará a associação com diferentes grupos
de pesquisa, em diferentes contextos, com diferentes preocupações.

O segundo contexto implica a reflexão sobre como a opi-


nião pública tem sido tensionada pelas diversas formas de manifes-
tação cultural no que se refere à concepção e percepção sobre a
ciência e as comunidades científicas. O que o cinema, a música, as
artes plásticas, as redes sociais, a televisão, têm falado sobre ciên-
cia? E como isso tem impactado a construção do mundo comum?
Em um primeiro momento, responder essas perguntas é funda-
mental para entendermos o nosso contexto atual. Em um segundo
momento, entretanto, será necessário usar esse aprendizado para

SUMÁRIO 182
pensar em como nós mesmos podemos contribuir para o debate
público, para o aumento da confiança na ciência, e para a construção
do mundo comum, nesses mesmos campos de atuação.

Esse capítulo, assim, é uma breve apresentação das preo-


cupações e reflexões que atravessam as discussões e pesquisas do
Grupo de História, Filosofia e Ensino de Física da UFRGS. Os diferen-
tes trabalhos de doutorado, mestrado, iniciação científica e extensão
que temos realizado se conectam (de forma mais próxima ou dis-
tante) com essas ideias. Elas formam, portanto, nossa cosmovisão
em um sentido mais amplo. É a partir desse pano de fundo que as
investigações e ações têm se desenvolvido.

Como mencionado, entretanto, a proposição cosmopolítica


implica, em última instância, em uma abertura para a construção
do mundo comum, e – portanto – esse programa de pesquisa é,
inicialmente, um convite para o diálogo, ele não se encerra em si
mesmo, nem se encerra nas ações dos membros do grupo de pes-
quisa. Esperamos que as ideias aqui apresentadas contribuam para
a reflexão, para a conversa, e, sobretudo, para a busca concreta pela
construção de um outro mundo.

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SUMÁRIO 188
7
Elkin A. Vera-Rey
Ileana M. Greca
Ives Solano Araujo
Eliane Angela Veit

CAMPOS DE IDENTIFICACIÓN
Y NEGOCIABILIDAD:
UN MARCO ANALÍTICO PARA EL ESTUDIO
DE LOS PROCESOS DE FORMACIÓN
DE IDENTIDAD DOCENTE DEL PROFESOR DE CIENCIAS
INTRODUCCIÓN
La identidad como noción teórica y fenomenológica se ha
convertido en un importante tema de interés para diferentes disci-
plinas (filosofía, antropología, psicología y educación, entre otras);
por lo tanto, se han desarrollado diversos enfoques para su estudio
haciendo, a su vez, que la definición de identidad se complejiza y
se vuelva polisémica. Como alertan Beauchamp y Thomas (2009)
el principal obstáculo para la comprensión de la identidad es inten-
tar resolver su propia definición, ya que las líneas que separan los
problemas de estudio suelen ser bastante tenues y su delimitación
conceptual en la mayoría de los casos se sobreponen.

En el área de la enseñanza de las ciencias el estudio de la


identidad ha estado ligado a diversos campos de investigación, entre
estos, los procesos de formación de profesores. Al respecto, se ha
creado un constructo teórico y empírico con un amplio potencial
para examinar los procesos de formación de identidad de los profe-
sores de ciencias, a partir del análisis de dimensiones tales como la
raza (CHINN, 2006; MOORE, 2016), el género (BIANCHINI; CAVA-
ZOS; HELMS, 2000; MARTINS; JUNIOR, 2020), las historias persona-
les (EICK; REED, 2002; RIVERA MAULUCCI, 2013) y las experiencias
previas respecto a la enseñanza y aprendizaje de las ciencias (GRET-
TON; BRIDGES; FRASER, 2017; VARELAS, HOUSE; WENZEL, 2005).
Avraamidou (2014; 2016) destaca que, a pesar de los diferentes enfo-
ques en que la identidad del docente de ciencias ha sido estudiada
y conceptualizada, es posible identificar tres elementos comunes. El
primero, asume que la identidad docente se construye y constituye
socialmente; el segundo, define que la identidad del profesor es diná-
mica y fluida, por lo tanto, se forma y reforma constantemente; por
último, la identidad docente es compleja y multifacética y se com-
pone de varias subidentidades interrelacionadas. Adicionalmente, la
autora presenta a manera de síntesis cuatro ejes que viabilizan el

SUMÁRIO 190
estudio de la identidad del profesor de ciencias, y a nuestro modo de
ver, aportan rutas de aproximación conceptual y metodológica en la
construcción de posibles preguntas de investigación:
• La identidad ofrece una lente poderosa y multidi-
mensional para estudiar el aprendizaje y el desar-
rollo de los docentes.

• El constructo de la identidad docente destaca el papel


del contexto para el aprendizaje y desarrollo docente.

• El constructo de la identidad docente tiene el poten-


cial de arrojar luces sobre las historias personales de
los docentes en relación con la ciencia.

• El constructo de identidad docente nos permite


examinar el impacto de los marcadores socia-
les en el aprendizaje y desarrollo docente (edad,
género, emociones y condición étnica) (AVRAA-
MIDOU, 2014, p. 164, traducción nuestra).

Teniendo en cuenta la pertinencia del estudio de la identidad


del profesor de ciencias, consideramos relevante profundizar en esta
área de investigación y proponer un modelo que permita abordar la
noción de identidad docente y explorar su utilidad de manera empí-
rica. Con este fin, trazamos como objetivos para el presente artículo:
• Estructurar el marco analítico del modelo que deno-
minamos “campos de identificación y negociabilidad”
para el estudio de la identidad del docente de ciencias.

• Implementar el modelo de campos de identificación y


negociabilidad presentando como ejemplo la recons-
trucción de la narrativa autobiográfica de la red ego-
céntrica de Juliana21, una profesora de Física con más
de cinco años de experiencia profesional.

Cómo presentaremos más adelante, con el modelo de cam-


pos de identificación y negociabilidad pretendemos aportar un marco

21 Este, como todos los demás nombres utilizados en los resultados, son seudónimos.

SUMÁRIO 191
analítico para identificar y/o ejemplificar acontecimientos, tensiones
y/o sinergias que emergen del estudio de los procesos de forma-
ción de identidad del profesor de ciencias. Tomando como base el
modelo propuesto por Wenger (2001) denominado “ecología social
de la identidad” (p. 232) adaptamos sus componentes y adicionamos
el concepto de “escenario de intervención” (GARCÍA; GUERRERO,
2012) para estructurar e implementar nuestra propuesta.

En términos metodológicos, adoptamos los principios de la


etnografía para internet (HINE, 2004; 2015; 2017) para realizar un tra-
bajo de campo de tipo longitudinal de más de dos años en un entorno
virtual. Mediante la figura de participante observador (GUBER, 2011)
cultivar una CoP virtual de profesores de Física, que adoptó el nom-
bre de FisCoP: Física en Dispersión22. Para el presente estudio se
realizaron entrevistas semiestructuradas por videochat a ocho profe-
sores miembros de FísiCoP explorando el escenario de intervención
“Yo” profesor de ciencias, pero dados los alcances de la publicación
solo presentaremos uno de ellos. Como instrumento de recolección
de datos usamos una tarjeta semiestandarizada de red egocéntrica
(DIAZ-BONE, 2007; HEIN et al., 2013), con el fin de complementar la
visualización de la red personal del entrevistado y contextualizar la
narrativa de sus historias personales de vida, de esta manera dar res-
puesta a tres preguntas acerca del “Yo” profesor de ciencias. Como
técnica de análisis de las entrevistas optamos por un enfoque holís-
tico del contenido (LIEBLICH; TUVAL-MASHIACH; ZILBER, 1998),
obteniendo como resultado dos campos de identificación y negocia-
bilidad (1. Principios y objetivos mayores; y 2. Líder inspirador).

En la secuencia presentaremos algunos apuntes del modelo


de ecología social de la identidad los cuales sirvieron de inspiración
para estructurar nuestro modelo. En la tercera sección, realizaremos la
composición del modelo de campos de identificación y negociabilidad

22 Esta investigación hace parte de un trabajo de tesis doctoral enfocado en el cultivo de una CoP
Virtual de profesores de Física, iniciado en la segunda mitad del 2018 (VERA-REY, 2021).

SUMÁRIO 192
describiendo cada uno de sus elementos constitutivos y el referente
metodológico. En la cuarta sección presentaremos los resultados
empíricos detallando el proceso de mediación tecnológica para la rea-
lización de las entrevistas semiestructuradas por videochat. En esta
misma sección presentaremos a manera de ejemplo de aplicación
reconstrucción de la red egocéntrica mediante la narrativa autobio-
gráfica de uno de los ocho profesores participantes del estudio y las
respuestas a las tres preguntas acerca del “Yo” profesor de ciencias.
Para terminar, presentaremos a manera de conclusión algunos alcan-
ces y limitaciones del modelo propuesto para el estudio de la identidad
del profesor de ciencias, destacando el potencial de los campos como
insumos para el diseño de posibles temáticas a ser abordadas en los
espacios de formación de maestros de ciencias.

APUNTES DEL MODELO DE ECOLOGÍA


SOCIAL DE LA IDENTIDAD
El modelo de ecología social de la identidad tiene su raíz en la
Teoría Social del Aprendizaje propuesta por Wenger (2001). Esta teo-
ría presenta cuatro componentes: el significado, la práctica, la comu-
nidad y la identidad. Parafraseando al autor, mediante el significado
experimentamos de manera individual y colectiva nuestras vidas y
el mundo como algo significativo. Mediante la práctica generamos
recursos históricos y sociales que configuran marcos y perspectivas
compartidas que dan sustento al compromiso mutuo en la acción. La
comunidad es un tipo de configuración social donde la realización de
una empresa conjunta se considera como algo valioso y la participa-
ción se reconoce como una competencia. Por último, la identidad se
concibe como los cambios que produce el aprendizaje en quiénes
somos y la forma cómo se crean historias personales a partir del deve-
nir por las diversas comunidades en las que participamos a lo largo

SUMÁRIO 193
de nuestras vidas. De acuerdo con Wenger (2001), mediante estos
cuatro componentes es posible caracterizar el aprendizaje como un
fenómeno social, fundamentado en la acción humana de aprender
en comunidad; a su vez, destaca la importancia de comprender la
participación social como un proceso de aprender y conocer. Dichos
componentes se encuentran interconectados y se definen mutua-
mente, creando “puentes” que articulan los procesos de aprendizaje
social, a través de los cuales las prácticas evolucionan y facilitan la
inclusión de los participantes en estas, promoviendo el desarrollo y
transformación de las identidades individuales y colectivas.

Enfocándonos en la noción de identidad, Wenger (2001)


afirma que esta se configura como una experiencia negociada
mediante la cual definimos quienes somos por medio de las formas
como experimentamos y cosificamos nuestro “Yo”, producto de la afi-
liación y participación en comunidades. Así, como señal de afiliación,
construimos nuestra identidad y definimos quienes somos o quienes
no somos en función de aquellos elementos que nos son familiares
o desconocidos, negociando los diversos nexos de afiliación (mul-
tiafiliación) a las comunidades en las cuales participamos cotidia-
namente (p. ej., familia, estudio, trabajo, y tiempo libre, etc.), creando
una identidad única que traza nuestras trayectorias de aprendiza-
jes. Finalmente, como presenta el autor, definimos quienes somos
mediante la negociación continua de formas locales de ser y per-
tenecer a una comunidad, la cual a su vez se conecta con instancia
globales mucho más amplias, cuyas prácticas y discursos aportan
significados y categorías que se viven como identidades (individu-
ales y colectivas) de compromiso con unos objetivos mayores.

El modelo de ecología social de la identidad de Wenger (2001)


integra tres dimensiones: (1) modos de afiliación; (2) identificación; y
(3) negociabilidad.

Respecto a los modos de afiliación, según Wenger (2001) la


afiliación a una comunidad se constituye en fuente de identidad no

SUMÁRIO 194
solo en la medida que permite la creación de etiquetas u otro tipo
de indicadores cosificados de afiliación, sino también, porque aporta
a la formación y despliegue de un régimen de competencias que es
negociado localmente. Este régimen contribuye a la comunidad a
definir qué aprender y por qué aprenderlo. También, contribuye a
establecer lo que significa ser un participante competente por medio
de su propia práctica, creando una interacción bidireccional entre la
experiencia y la competencia, que resulta fundamental para la evo-
lución de las prácticas. El autor identifica tres posibles modos de afi-
liación a comunidades, el compromiso, la imaginación y la alineación;
configurando una gama de procesos que se combinan mutuamente
mediante trabajos y concesiones para dar forma a nuestras identida-
des. En palabras del autor:
1) compromiso: intervenir de una manera activa en proce-
sos mutuos de negociación de significado;

2) imaginación: crear imágenes del mundo y ver conexio-


nes en el tiempo y en el espacio haciendo extrapolacio-
nes a partir de nuestra propia experiencia;

3) alineación: coordinar nuestra energía y nuestras acti-


vidades con el fin de encajar dentro de unas estructuras
más amplias y contribuir a empresas de mayor enverga-
dura (WENGER, 2001, p. 215-216).

La identificación y la negociabilidad deben ser abordadas


simultáneamente, ya que, como presenta Wenger (2001), la for-
mación de identidad pasa por un proceso dual que implica identi-
ficación y negociabilidad. El autor define la identificación como la
mitad de un proceso que ofrece experiencias y recursos para cons-
truir identidades a partir del compromiso del “Yo”. Y la negociabili-
dad como el complemento a dicho proceso aportando control sobre

SUMÁRIO 195
los significados con los que nos hemos comprometido. Asimismo,
la naturaleza dual de la identidad permite definir qué significados
son importantes para nosotros y negociar su importancia dentro de
una estructura social, abriendo la posibilidad para que estos sean
construidos por los implicados y aplicables a nuevas circunstancias
de vida, aportando el material suficiente para definir nuestras identi-
dades. En otras palabras, construimos nuestras identidades a partir
de la tensión existente entre identificación y la negociabilidad a partir
de las diversas formas de afiliación a las comunidades en las cuales
participamos y nuestra capacidad de negociar los significados rele-
vantes para cada contexto específico.

Finalmente, Wenger (2001) afirma que la formación de identi-


dad a partir de los modos de afiliación se encuentra mediada por dos
procesos: participación y cosificación. Mediante la participación en
comunidad sabemos cuándo una práctica nos es familiar, haciendo
que nos sentimos competentes para realizarla; también, nos permite
comprometernos con los demás, ya que tenemos la certeza de que
las otras personas también están comprometidas con el desarrollo
de la práctica común. Por otra parte, la cosificación crea indicadores
de afiliación a la comunidad (p. ej., símbolos, objetos, rituales, códi-
gos, lenguajes, etc.) generando señales de identidad y un desplie-
gue de competencias que nos permiten participar de las prácticas
y hacer uso de los recursos, los cuales se traducen en categorías y
representaciones sociales del “Yo”. Como presenta el autor, la identi-
dad se puede interpretar como una superposición de capas de even-
tos de participación y cosificación, los cuales, al juntarse por medio
de la negociación social de significado, permite no sólo dar forma
a lo que hacemos, sino también conformar quiénes somos y cómo
interpretamos lo que hacemos.

SUMÁRIO 196
FUNDAMENTOS CONCEPTUALES
DEL MODELO CAMPOS DE
IDENTIFICACIÓN Y NEGOCIABILIDAD

A. COMPOSICIÓN DEL MODELO DE CAMPOS


DE IDENTIFICACIÓN Y NEGOCIABILIDAD
Tomando como base los fundamentos de la ecología social
de la identidad presentados en el apartado anterior, dimos forma al
modelo de campos de identificación y negociabilidad cuyo esquema
se presenta en la Figura 1.

Considerando que la formación de identidad pasa por un


proceso dual entre la identificación y la negociabilidad, ubicamos
dichos procesos mediante dos flechas en doble dirección que recu-
bren tres bloques asociados a las dimensiones de análisis (Figura 1).
El primer bloque de izquierda a derecha corresponde a los escenarios
de intervención (líneas punteadas de azul), el segundo a los modos
de afiliación (líneas punteadas de verde) y el tercero a los procesos
de negociación (líneas punteadas de rojo). Definimos el modelo de
la siguiente manera:

Los campos identificación y la negociabilidad son aconteci-


mientos, tensiones y/o sinergias que emergen del escenario de inter-
vención y marcan trazos en la construcción de trayectorias de identi-
dad de los profesores. Mediante el análisis cualitativo permite apor-
tar posibles discusiones o caminos de aproximación entre sujetos e
instituciones, estableciendo conexiones entre las formas de afiliación
a una comunidad, las propiedades de los significados atribuidos y
los posibles contextos y objetos de negociación que dan forma a las
economías de significados.

SUMÁRIO 197
Figura 1 – Modelo de campos de identificación y negociabilidad
de la identidad docente

Fonte: Elaboración de los autores, 2023.

Ampliando la descripción del primer bloque (Figura 1), García


y Guerrero (2012) definen el escenario de intervención como el “espa-
cio vital” de interacción humana, el cual es conformado por entornos
sociales diferenciados, interconectados y complementarios, cuyas
interconexiones se dan a través de vínculos y relaciones. A su vez,
los autores destacan la importancia de conocer los escenarios en los
cuales el sujeto se posiciona. Por una parte, resulta fundamental para
el sujeto como actor social situarse en dichos escenarios e identificar
el rol que desempeña; por la otra, permite cualificar sus relaciones
y vínculos con otros escenarios y explorar las redes existentes que
puedan ofrecer apoyo cualificado. En nuestro caso, definimos dos
escenarios de intervención: los sujetos y las instituciones.

En el escenario de intervención sujetos situamos los siguien-


tes perfiles: (i) Investigador/Profesor en Formación Inicial (PFI); y (ii)
Profesor en servicio (PFC), que incluye a profesores en Inicio de Car-
rera Docente y Profesores con más de 5 años de experiencia pro-
fesional. Y, en el escenario de intervención instituciones ubicamos

SUMÁRIO 198
a: (i) Universidad y (ii) Escuela. Al proponer los escenarios de inter-
vención sujetos e instituciones buscamos generar conexiones entre
el componente individual y el colectivo de los docentes situando
el “Yo” y el “Nosotros” en sus contextos de negociación de signifi-
cados en la práctica profesional, es decir, en la Universidad y en la
Escuela. Esto nos permite conjugar identidades relacionales y posi-
cionales (HOLLAND et al., 1998) articulando las formas cómo los
docentes identifican su condición como educadores en relación con
otros docentes y demás miembros de las comunidades educativas.
Además, nos ayuda a determinar las diferentes formas mediante las
cuales los docentes negocian la posición social en la cual se encuen-
tran en el mundo, y dimensionar la identidad profesional del docente
como un sistema integrado y complejo inserto en las diversas estruc-
turas socioculturales del entorno educativo.

Por otra parte, al considerar como sujetos Profesor en Forma-


ción Inicial (PFI), Profesores en servicio (PFC), y Docente/Investigador
pretendemos abarcar las diferentes etapas formativas del docente
a lo largo de su ciclo de vida profesional. Tal como afirman Bolívar
(1998) y Mendoza (2008) el desarrollo de la identidad profesional del
profesor se construye a lo largo de su “ciclo de vida” profesional, y
este abarca desde las experiencias escolares de la niñez, la univer-
sidad, el ingreso y continuidad en la enseñanza, hasta su jubilación,
por tanto, sus etapas formativas se encuentren en correspondencia
con su ciclo de vida profesional.

El segundo bloque (modos de afiliación) conecta de manera


vertical los modos de afiliación con los dos escenarios de interven-
ción y de forma horizontal los conjugan con los procesos de iden-
tificación y negociabilidad. De esta manera, pretendemos abrir la
posibilidad a la reconstrucción reflexiva de las experiencias de vida y
trayectorias profesionales del docente; identificar sus formas de afi-
liación a las comunidades en las que participa y la propiedad de los
significados que comparte. Las respectivas combinaciones con los

SUMÁRIO 199
modos de afiliación (compromiso, imaginación y alineación) las resu-
mimos de la siguiente manera:

Por medio del compromiso pretendemos motivar un “viaje”


al pasado para explorar la capacidad del docente de: (i) comprome-
terse (o no) con las prácticas habituales o innovadoras de enseñanza
y aprendizaje de las ciencias); (ii) conservar las relaciones de mutua-
lidad con las personas y comunidades con las cuales interactúa; y (iii)
producir y adoptar los significados que dan sustento a sus prácticas.

Por medio de la imaginación pretendemos poner al docente


en los “zapatos del otro” y: (i) situarlo en contextos diferentes a los
habituales, con el fin de explorar posibles conexiones con estructu-
ras o categorías más amplias; (ii) facilitar la proyección del “Yo” y del
“Nosotros” a través del tiempo y el espacio, abriendo la posibilidad de
recrear mundos posibles en los cuales el docente es el protagonista;
y (iii) extender la propiedad de los significados que comparte permiti-
éndole hacer suposiciones y/o formular conjeturas para intervenir en
la producción de significados como si fuera un participante directo.

Por medio de la alineación pretendemos retornar al presente


para explorar la capacidad del docente de: (i) visualizar y seleccionar
posibles objetivos y acciones a emprender a corto, mediano o largo
plazo; (ii) coordinar acciones entre las partes implicadas; y (iii) poten-
ciar la confrontación continua de perspectivas, promoviendo procesos
de negociación de significados.

Para finalizar, el tercer bloque (procesos de negociación)


delimita los contextos de negociación en función de las diversas for-
mas de afiliación a las comunidades y define valores relativos en la
propiedad de los significados pertenecientes a contextos locales/
globales. De esta manera, conectar los procesos de producción y
adopción social de significados, dando cabida a las economías que
emergen y son reguladas por las comunidades. A su vez, con este blo-
que pretendemos situar los acontecimientos, tensiones y/o sinergias

SUMÁRIO 200
que emergen de los escenarios de intervención, destacando la natu-
raleza dual de la identidad individual y colectiva y las diferentes for-
mas como los saberes docentes se manifiestan para dar sustento y
construir sus trayectorias e identidad profesional.

Un último aspecto que fundamenta nuestra propuesta cor-


responde al carácter narrativo del saber profesional del docente. Al
respecto, Tardif (2004) destaca que el saber profesional del docente
tiene un amplio carácter narrativo, el cual se manifiesta a través de
las metáforas e imágenes que usa para referirse a sus estudiantes, a
los principios de autoridad y al ejercicio de su práctica profesional.
Como presenta el autor, el saber profesional del docente es temporal
y heterogéneo, ya que se utiliza y desarrolla en diversas fases a lo
largo de su carrera profesional, sin consolidar un repertorio de cono-
cimientos unificados, es decir, su conocimiento se integra a un pro-
ceso de vida profesional de largo plazo, el cual incluye dimensiones
identitarias y de socialización profesional. Lo anterior, permite justi-
ficar en gran medida nuestra intención de implementar la narrativa
autobiográfica como técnica de análisis cualitativo para la recons-
trucción de las historias de vida de los profesores de ciencias y sus
procesos de formación de identidad profesional.

B. METODOLOGÍA: TARJETA RED


EGOCÉNTRICA SEMIESTANDARIZADA
Retomando lo descrito en la introducción, utilizamos como
instrumento de recolección de datos una tarjeta semiestandarizada
de red egocéntrica (Figura 2a). Según Hein et al. (2013) la reconstruc-
ción de la red egocéntrica permite complementar la visualización de
la red personal del entrevistado y contextualizar la narrativa de sus
historias personales de vida.

SUMÁRIO 201
Como se presenta en la Figura 2a, la tarjeta de red egocén-
trica semiestandarizada se compone de tres círculos concéntricos
cuyo punto central se ubica el “Yo”. Cada círculo corresponde a un
nivel de proximidad con respecto al “Yo”, generando tres atributos
para las personas y/o grupos que conforman la red social del entre-
vistado (muy cercano, cercano, poco cercano, pero importante). De
igual manera, la red se divide en tres dimensiones (familia, tiempo
libre y trabajo/universidad) abarcando diferentes contextos que
aportan experiencias de vida e historias compartidas con los miem-
bros de la red personal, las cuales se ven reflejadas a través del relato
autobiográfico. La Figura 2b presenta a manera de ejemplo la red
construida por Juliana.

Finalmente, implementamos como técnica de análisis de las


entrevistas un enfoque holístico del contenido basados en los fun-
damentos de Lieblich et al. (1998), de esta manera asumimos cada
respuesta de los entrevistados como un todo, es decir, sin fragmentar
mediante códigos para luego agrupar en categorías predefinidas. Así,
enfocamos nuestro análisis en el “qué” de las historias buscando pro-
fundizar e interpretar su contenido, destacando eventos, tensiones y
correspondencias entre los protagonistas y sus alters. La interpreta-
ción y reconstrucción de las historias se fundamenta en la trascrip-
ción en totalidad de las intervenciones, tanto del entrevistado como
del entrevistador, respetando la secuencia cronológica, que incluye
elementos verbales tales como: la vacilación, los falsos comienzos,
las pausas, los entrelazados, las autocorrecciones y las expresiones
no léxicas (PACKER, 2018).

SUMÁRIO 202
Figura 2a – Tarjeta de red egocéntrica semiestandarizada

Figura 2b - Tarjeta red egocéntrica creada por Juliana

B
Fuente: Elaboración de los autores a partir de HEIN et al. (2013).

SUMÁRIO 203
RESULTADOS EMPÍRICOS

A. MEDIACIÓN TECNOLÓGICA PARA LA ENTREVISTA Y


RECONSTRUCCIÓN DE LA NARRATIVA DE LA RED EGOCÉNTRICA
Las entrevistas se realizaron por videochat usando la pla-
taforma de JitsiMeet23. Fueron de carácter individual, en promedio
tuvieron una duración de 1h15min y las realizó uno de los autores del
presente artículo, quien a su vez era miembro de FisiCoP en calidad
de gestor y participante observador. Para la reconstrucción de la red
egocéntrica (Figura 2b) usamos la herramienta Jamboard24 de Goo-
gle, la cual funciona como una pizarra digital colaborativa. De esta
forma, el entrevistado iba ubicando en tiempo real, a las personas o
grupos de su red, escribiendo sus iniciales o nombres. A cada entre-
vistado se le indicó que podía tomar el tiempo que considerara nece-
sario para armar su red, y una vez sintiera que ya estaba terminada
iniciaríamos la narrativa, describiendo a cada una de las personas o
grupos ubicados en la tarjeta y el rol que desempeñan en la compo-
sición de su red personal. De igual manera, se le informó al entrevis-
tado que podía decidir por cuál de las tres dimensiones quería iniciar
su narrativa. Una vez realizada la descripción de la red personal se
procedió a la entrevista, realizando las preguntas propuestas para el
escenario de intervención “Yo” profesor de ciencias (Tabla1).

23 Disponible en: https://meet.jit.si/


24 Disponible en: https://support.google.com/jamboard/answer/7424836?hl=es

SUMÁRIO 204
Tabla 1 – Preguntas de la entrevista

Modo de afiliación Escenario de intervención


(Sujeto “Yo” profesor de ciencias)
Compromiso ¿Quién soy?
Imaginación ¿Cómo me gustaría ser?
Alineación ¿Cómo lo puedo lograr?

Fuente: elaboracíon de los autores, 2023.

A continuación, presentamos la entrevista realizada a Juliana,


una colega de la comunidad FisiCoP quien es profesora de Física/
Matemáticas, vinculada desde 2010 al sector público en Bogotá,
cuenta con estudios de maestría en Enseñanza de las Ciencias y al
momento de la entrevista se encontraba cursando doctorado en la
misma área. Juliana trabaja en un colegio femenino a nivel de Educa-
ción Media, que, dada la coincidencia, está ubicado en el mismo bar-
rio donde vivió el entrevistador por más de 15 años, así, algunas de
sus descripciones le eran familiares y contribuyeron para la recons-
trucción de su narrativa y algunas interpretaciones para el análisis.

B. EL “YO” DE UNA PROFESORA DE CIENCIAS CON


MÁS DE 5 AÑOS DE EXPERIENCIA PROFESIONAL
Juliana tiene 37 años, es colombiana y vive en Bogotá. Inició
la reconstrucción de su red personal por la dimensión familia, ubi-
cando en el círculo muy cercano a su esposo. Se conocieron en la
universidad cuando cursaban el pregrado y llevan más de 14 años
de relación. Su esposo también es profesor de Física de un colegio
público de Bogotá. En el nivel cercano ubicó a sus padres. Juliana
considera de gran importancia mantener el compromiso con sus
padres de ser una “buena hija”, por tanto, acostumbra a visitarlos y
brindarles atención permanente, conversar con ellos y les ayuda a

SUMÁRIO 205
resolver algunos problemas de la vida cotidiana (mantenimiento de
la casa, reparaciones y pago de cuentas e impuestos, etc.). En el nivel
poco cercano, pero importante están sus hermanos, aunque mani-
fiesta que con ellos casi no se ve, ya que no existe un lazo afectivo
muy fuerte, tal vez como ella lo expresa, producto de la diferencia de
edades que se tienen. Juliana sabe que en el momento que los nece-
site ellos van a estar ahí para apoyarla y ellos también saben que ella
estará dispuesta a ayudarlos en lo que esté a su alcance.

En la dimensión trabajo/universidad ubicó en el nivel de muy


cercano a sus compañeros del área de matemáticas del colegio
donde trabaja, tal como relata, en los casi 8 años de convivencia, así
no quiera, ellos son los más cercanos y se convirtieron en una familia
que no puede evadir. Ha aprendido a conocerlos y saber cuáles son
sus “mañas”25, también, a identificar y valorar sus fortalezas para el
trabajo en equipo. Por ejemplo, en las reuniones de área que realizan
cada semana, algunos de sus compañeros la han sorprendido con
cosas buenas y otras no tan buenas que generan acaloradas discu-
siones, pero tal como Juliana expresa, hacen parte de la vida del cole-
gio. En general, sabe lidiar con sus relaciones laborales, haciendo
que estas sean lo más llevaderas posible. En el mismo nivel de muy
cercano, Juliana ubicó a sus alumnas. Siente que con ellas ha apren-
dido bastantes cosas que le han ayudado a crecer como maestra,
despertando una responsabilidad de género que implica enseñarles
no solo Física y Matemáticas, sino temas de la vida y de la mujer.

Los anteriores argumentos de Juliana nos permiten determi-


nar un primer campo de identificación y negociabilidad que deno-
minamos “principios y objetivos mayores”. Cómo presenta su red
egocéntrica (Figura 2b), su compromiso con la docencia hace que
coloque en el mismo nivel de proximidad tanto a sus compañeros de

25 Según el diccionario de la RAE, una maña es un tipo de destreza o habilidad, pero también puede
ser asociado como un vicio, una mala costumbre o un resabio. Tomado de: https://dle.rae.es/
ma%C3%B1a

SUMÁRIO 206
trabajo como a sus alumnas, fortaleciendo una responsabilidad de
género que se alinea con unos principios y objetivos mayores que
trasciende a la enseñanza de la Física. De esta manera, podemos
argumentar que en el campo principios y objetivos mayores inter-
vienen diversos y continuos procesos de negociación acerca de las
formas locales de ser y pertenecer a una comunidad educativa, en el
caso de Juliana una institución femenina de carácter público de una
zona popular de Bogotá. A su vez, dichas características del contexto
educativo se conectan con instancia globales mucho más amplias,
por ejemplo “el cuidado, respeto y equidad para la mujer” o “el papel
de las mujeres en la ciencia”, cuyas prácticas y discursos aportan sig-
nificados y categorías con los cuales Juliana se identifica, motiván-
dola a mantener y valorizar el conjunto de relaciones interpersonales
que ha construido con sus colegas de área y con sus “chicas” como
llama a sus alumnas, creando compromisos de mutualidad.

Continuando con la narrativa de la dimensión trabajo/univer-


sidad, en el nivel cercano ubicó a los profesores del colegio de las
otras áreas y a los colegas de FisiCoP; y en el poco cercano, pero
importante, ubicó a los excompañeros de trabajo y de la maestría en
Enseñanza de las Ciencias Exactas y Naturales que culminó en 2013.
Respecto a la ubicación dada por Juliana a FisiCoP (nivel cercano de
la dimensión trabajo/universidad), tal como expresó, siente que es un
espacio que le permite asumir el compromiso de avanzar en la rea-
lización de proyectos que hacen parte de su formación profesional;
destacando también, que su participación le ayuda a liberar algunas
tensiones que le generan sus actividades en el colegio.

En la dimensión tiempo libre, Juliana considera que al igual


que a medio mundo, la pandemia pausó las actividades de tiempo
libre que acostumbraba a realizar, afirmando que, si la entrevista
hubiera sido realizada en otro momento de su vida, la dimensión
tiempo libre le resultaría muy fácil de narrar y estaría llena de perso-
nas, ya que ha participado de diferentes grupos artísticos de danza
y música, como las batucadas. Por lo tanto, considera que no tiene

SUMÁRIO 207
una persona cercana en su red para incluirla en la dimensión tiempo
libre. Además de la pandemia, considera que con el ingreso en 2018
al doctorado en Enseñanza de las Ciencias tuvo que sacrificar gran
parte de las actividades que realizaba en su tiempo libre, lo cual la
ha llevado en continuas ocasiones a repensar la idea de continuar
o por el contrario desistir de este. Finalmente, y en medio de esta
reflexión ubicó en el nivel muy cercano al último grupo artístico en
el que participó, en el nivel cercano a los excompañeros de los gru-
pos artísticos y en el poco cercano, pero importante a excompañeros
de trabajo y estudio.

Una vez terminada la narrativa de su red personal (Figura 2b),


se le realizaron a Juliana las preguntas de la Tabla 1, iniciando por
¿Quién soy? A la cual respondió:
Esas preguntas me parecen muy difíciles jaja…
como que… ay no sé…

¿Quién soy? Soy… soy una profe de Física que le gusta


bailar y la música y con ganas de aprender más y ser
mejor profesora, creo que es como, como lo que yo soy.

Para Juliana ser profesora define lo que ella es y construye su


identidad como docente a partir de su experiencia y trayectoria pro-
fesional de más de cinco años de servicio, dando forma a su “Yo” pro-
fesor de ciencias. Su compromiso con la docencia le permite negociar
momentos de tensión y frustración que surgen continuamente en las
reuniones con sus colegas de área, al punto de considerarlos como
las personas más cercanas de su entorno laboral; tal como afirma
“una segunda familia” que ha aprendido a conocer e identificar valo-
res y fortalezas que aportan a su desarrollo personal y profesional.

La anterior respuesta nos permite ampliar con otro ejemplo


el campo de principios y objetivos mayores. Su gusto por la danza y
la música le ha permitido realizar diversos procesos de identifica-
ción y negociabilidad respecto a los tipos de danzas, ritmos, géneros
e instrumentos musical, transformando sus habilidades e intereses

SUMÁRIO 208
artísticos en insumos que motivan su compromiso y sus acciones en
los grupos en los cuales participa o ha participado, dando sustento
a su red personal. Tal como expresó, su compromiso con los diver-
sos grupos le ha permitido participar en eventos culturales a nivel
nacional e internacional representando a Colombia; creando víncu-
los con diversas personas y organizaciones, que al igual que con sus
hermanos, puede que no sean muy fuertes, pero siempre van a estar
ahí y siempre van a tener un nivel de importancia en su vida. A la
pregunta ¿Cómo me gustaría ser? Respondió:
¿Cómo me gustaría ser?... me gustaría que mi trabajo o
mi labor sea reconocida, reconocida o… que tenga un
impacto en mis estudiantes así sea a futuro que finalmente
siempre pasa ¿no? Pues no con todo el mundo, pero si
hay chicas que quizás en el momento en el colegio no
eran tan cercanas y después uno se entera que hay… que
hay una admiración, que hay un respeto, que hay hasta
lealtad si se puede decir ¿no sé? bueno y no solamente
con las chicas sino con los ex estudiantes de otros lados.

En esencia, compartimos el mismo sentimiento de Juliana,


también nos gustaría que nuestra labor docente tuviera el grado de
reconocimiento social y político que merece. Nos queda celebrar
pequeñas victorias que surgen cuando un profesor, muchas veces
sin saberlo, es motivo de admiración, respeto y “hasta lealtad” como
ella lo indica, por parte de las personas que, en algún momento de
la vida, son o han sido nuestros estudiantes. Lo anterior, nos permite
determinar un segundo campo de identificación y negociabilidad que
denominamos “líder inspirador”. En general, un líder inspirador es una
persona que puede llegar a motivar o influir a otras personas para
asumir compromisos con los cuales se identifican y comparten, con-
figurando a su vez, rasgos de identidad individual y/o colectiva que
se alinean con prácticas específicas que dan cuenta del compromiso
adquirido. Por lo tanto, un líder inspirador puede contribuir para que
otras personas se comprometan a realizar tareas de mayor comple-
jidad o asumir nuevas responsabilidades dentro de una comunidad.

SUMÁRIO 209
En el campo líder inspirador convergen diversos procesos de iden-
tificación y negociación que contribuyen a dar “rienda suelta” a
nuestra imaginación para crear imágenes y/o representaciones de
la labor del docente de ciencias y del “Yo” profesor de ciencias, las
cuales abren la posibilidad, tanto para el docente, los estudiantes y
demás colegas, de proyectar sus experiencias y expectativas a otros
contextos (dentro y/o fuera del contexto escolar), generando cone-
xiones entre el tiempo y el espacio. De esta manera, el campo líder
inspirador se constituye en un recurso para visualizar y proyectar el
potencial (a veces oculto) que tenemos los docentes de influir en
la vida de nuestros estudiantes y ser un punto de referencia para
ellos, ampliando nuestras posibilidades de motivarlos de manera
directa o indirecta a asumir posibles compromisos con los cuales se
identifican y comparten.

A la pregunta ¿Cómo lo puedo lograr? Respondió:


Yo creo que no sintiéndose uno satisfecho, o sea la insa-
tisfacción o las ganas de crecer son el camino para…
para poder lograr los objetivos, como moverse de ese
lado en el que uno está como… como estable. Como
arriesgándose a explorar nuevas formas…Y también
comprendiendo que estas nuevas generaciones son
diferentes, así como nosotros somos diferentes de nues-
tros padres, de los profesores que tuvimos, estos chicos
de ahora también son diferentes tienen sus potenciali-
dades por otro lado, entonces hay que… hay que estu-
diar a estos chicos jajajaja.

La asociación entre lo que Juliana es como profesora y lo que


le gustaría ser genera como resultado su profunda reflexión acerca
de la necesidad de arriesgarse en la búsqueda de posibles acciones
futuras con la intención de “moverse” de ese lado estable en el que
ella al parecer se encuentra. A su vez, la idea de salir del lado estable
le permite entrar en un proceso de negociación acerca del signifi-
cado de “ser un estudiante del siglo XXI”, identificando sus poten-
cialidades y reconociendo las diferencias generacionales como un

SUMÁRIO 210
aspecto positivo del cual el docente puede sacar gran partido, por
ejemplo, conocer un poco las características de estas nuevas gene-
raciones aportaría a implementar posibles prácticas en el salón de
clase. Por otra parte, se podría decir que la insatisfacción o las ganas
de crecer le ayudarían a Juliana a alinear sus acciones en el aula
con unos principios y objetivos mayores con los cuales se identifica
y difunde, ya que estos integran diversos valores que impulsan su
gusto por las artes, la Enseñanza de la Física y la docencia. Conside-
ramos al igual que Juliana, que no todo tiempo pasado siempre fue
mejor, simplemente es otro tiempo con intereses distintos y nuevos
desafíos para los docentes.

A MODO DE CONCLUSIÓN,
ALGUNAS LIMITANTES DEL
MODELO Y PERSPECTIVAS
Considerando los dos objetivos propuestos para el presente
trabajo, el primero estructurar el marco analítico del modelo que
denominamos “campos de identificación y negociabilidad” para el
estudio de la identidad del docente de ciencias; el segundo, imple-
mentar el modelo presentando como ejemplo la reconstrucción de
la narrativa autobiográfica de la red egocéntrica de Juliana, presenta-
mos a modo de conclusión los siguientes aspectos.

Aunque el término “campos de identificación y negociabili-


dad” es usado por Wenger (2001, p. 281) el uso que él le da es total-
mente distinto al dado por nosotros, y consideramos que al introducir
el concepto de escenarios de intervención conseguimos operativizar
el modelo de “ecología social de la identidad” y estructurar nuestro
modelo como un aporte original. A su vez, al introducir el estudio por
escenarios de intervención abrimos la posibilidad para que la noción

SUMÁRIO 211
de identidad docente sea estudiada de manera empírica según las
problemáticas, objetivos y preguntas de investigación específicas
que definan los investigadores. Como expresan García y Guerrero
(2012), la configuración de los elementos básicos de cada escenario
es una tarea que debe realizar el investigador una vez tenga defini-
dos sus objetivos y problemas de investigación, “dicha configuración
de los escenarios hará parte del proceso de establecimiento de los
marcos conceptuales” (p. 38). Es decir, el modelo que hemos pro-
puesto es lo suficientemente flexible para ser adaptado según las
necesidades y objetivos de pesquisa que se tengan.

Con relación al ejemplo de aplicación presentado, conside-


ramos que al realizar una intervención en el escenario sujeto “yo”
profesor de ciencias y analizar los procesos de identificación y nego-
ciabilidad de Juliana a partir de la reconstrucción de la narrativa
autobiográfica de su red egocéntrica en conexión con los modos de
afiliación (compromiso ¿quién soy?; imaginación ¿cómo me gustaría
ser? Y alineación ¿cómo lo puedo lograr? fue posible determinar dos
campos de identificación y negociabilidad: (i) principios y objetivos
mayores; y (ii) líder inspirador.

El campo principios y objetivos mayores lo podemos definir


como los fundamentos que motivan el compromiso, la imaginación
y la alineación para emprender acciones individuales y colectivas (p.
ej., la lucha por el calentamiento global, las comunidades de Software
libre y el Conocimiento Abierto, la Educación Popular, Mujeres en la
Ciencia y la Cultura, entre otros). Este campo se puede profundizar
mediante la búsqueda de experiencias pedagógicas extracurricula-
res que nazcan de intereses genuinos del profesor y lo motiven a
usar su imaginación, asumir nuevos compromisos y alinear sus obje-
tivos de crecimiento profesional con objetivos locales y/o globales
de mediano y/o largo alcance. En este caso, el tiempo de dedicación
a estos proyectos se convierta en un objeto con un alto valor para
ser negociado a nivel personal y colectivo, configurando una eco-
nomía de significados que regula tanto el desarrollo y continuidad

SUMÁRIO 212
de las prácticas, como su debacle haciendo que este tipo de inicia-
tivas se conviertan en carga adicional para el docente y terminan
siendo abandonados.

El campo líder inspirador lo podemos definir como la per-


sona capaz de motivar o influir en otras para asumir compromisos y
objetivos con los cuales se identifican y comparten. Consideramos
que explorar este campo focalizando la figura del profesor de cien-
cias como un líder que inspira a sus estudiantes, colegas y en gene-
ral a la sociedad, conlleva a rescatar la labor social del docente y
superar algunas crisis de identidad profesional (DUBAR, 2002) que
desmoralizan y ocasionan malestar en los profesionales, afectando
gravemente la imagen de sí mismo y la imagen que tienen de su
profesión. Como estrategia de implementación de campo se podría
pensar en explorar otras formas y/o medios como los docentes de
ciencias interactúan con sus alumnos. Por ejemplo, en la actuali-
dad existen los “influenciadores digitales” los cuales según Karhawi
(2017) son personas que han ganado el suficiente prestigio, distin-
ción y legitimidad de “ser influentes” y tener la capacidad de moti-
var en alguna medida a un grupo de personas. Por tanto, se podría
extrapolar el concepto de “influenciador” y usar las TIC y las redes
sociales como canales de divulgación y alfabetización científica, con
el fin de diversificar las formas de interacción con los estudiantes y
con la sociedad en su conjunto, rescatando el componente “artístico”
de la práctica profesional, que tal como expresa Contreras (2012) es
un componente esencial para superar las concepciones de raciona-
lidad técnica de la docencia.

Por otro lado, identificamos dos limitantes del modelo pro-


puesto. El primero, el alto grado de subjetividad de sus hallazgos;
el segundo, se requiere de un tiempo considerable de inmersión y
observación del grupo para definir con claridad el escenario de inter-

SUMÁRIO 213
vención y los participantes del estudio. Con relación el alto grado de
subjetividad del modelo podemos afirmar que los hallazgos depen-
den del tipo de interpretación que realicen los investigadores, es
decir no se pueden generalizar, ni tampoco definir un único instru-
mento de recolección de datos o técnica de análisis. Con relación al
tiempo de inmersión, como presentamos, el investigador que realizó
las entrevistas era un miembro activo (participante observador) de la
CoP virtual FisiCoP y su papel de gestor le atribuyó cierta legitimidad
para formular este tipo de preguntas a los entrevistados acerca del
“Yo”. Esta condición sirvió para motivar a los colegas participantes a
narrar de manera natural y espontánea aspectos personales que en
otras circunstancias resultarían fáciles de narrar para un “descono-
cido”. Adicional, el trabajo de campo realizado de un poco más dos
años (2018-2020) y la continua sistematización de notas en el diario
del investigador, permitieron identificar aspectos del contexto online
y offline de los participantes e hilar algunas situaciones, anécdotas
y tensiones relevantes para la composición e interpretación de la
narrativa autobiográfica, que con la sola entrevista no hubieran sido
posibles identificar.

Finalmente, esperamos que el modelo de campos de identifi-


cación y negociabilidad propuesto se constituyan en un recurso para
operativizar la noción de identidad docente; con el fin de, aportar de
manera empírica al estudio de la identidad del profesor de ciencias
y apreciar posibles caminos de aproximación para el diseño e imple-
mentación de procesos formativos, tanto en formación inicial como
continuada. Dentro de las perspectivas de aplicación del modelo,
pretendemos explorar otros escenarios de intervención abordando
problemáticas puntuales de los docentes respecto a la enseñanza
de la Física y el uso y apropiación de las TIC como herramientas de
mediación para la enseñanza y aprendizaje.

SUMÁRIO 214
AGRADECIMIENTOS
Elkin A. Vera-Rey agradece la beca de doctorado otorgada
desde el 2017 al 2021 por la Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil, y a la beca CAPES-PRINT
(Programa Institucional de Internacionalización) para realizar una
pasantía de investigación desde octubre de 2019 hasta marzo de
2020 en la Universidad de Burgos (España) bajo la orientación de la
profesora Dra. Ileana M. Greca. Ives Solano Araujo agradece la beca
de productividad recibida por parte del Conselho Nacional de Desen-
volvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil.

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Grande do Sul, Porto Alegre. Disponible en: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/231370.
Acceso en: 23 de ago. de 2023.

WENGER, E. Comunidades de práctica: aprendizaje, significado e identidad. Barcelona:


Paidós Ibérica, 2001.

SUMÁRIO 217
8
Matheus Monteiro Nascimento
Laís Gedoz
Daniel Pigozzo

DESIGUALDADES ESTRUTURAIS,
PRÁTICAS SOCIAIS E EPISTÊMICAS:
O MODUS OPERANDI DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
NO ESTUDO DE OBJETOS DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS
INTRODUÇÃO
A pesquisa em Ensino de Física no Brasil passou por trans-
formações importantes ao longo dos últimos cinquenta anos. A aná-
lise dos objetos de pesquisa, dos referenciais teóricos e dos métodos
empregados nos permite organizar este período em três fases dis-
tintas. Uma primeira fase (~1960-1990) marcada por investigações
focadas no ensino de conceitos, produção de material didático e for-
mação de professores da educação básica. Como não havia ainda
uma produção de conhecimento organizada nem a formação espe-
cializada de recursos humanos, muitos dos trabalhos desenvolvidos
acabavam sendo realizados com base na forma de se fazer pesquisa
dentro da própria Física. A visão de ciência compartilhada na época,
em geral, era a do método científico clássico, entendido como uma
sequência linear e rígida de passos que se inicia com uma “observa-
ção neutra” e culmina em uma descoberta científica.

Os anos foram passando e a pesquisa em Ensino foi se espe-


cializando e diferenciando. A interlocução com outras áreas come-
çou a se fortalecer, especialmente com a Psicologia. A segunda fase
(~1990-2000) da pesquisa, agora já em Ensino de Ciências, foi bas-
tante marcada pelos estudos sobre mudança conceitual (POSNER et
al., 1982). Assim, as investigações desta época se concentraram no
mapeamento das ideias alternativas dos estudantes sobre os concei-
tos abordados nas aulas de ciências. A visão de ciência presente nos
estudos da área se afastou do senso comum e passou a contemplar
noções compartilhadas por autores da Filosofia da Ciência, especial-
mente Karl Popper, Thomas Kuhn, Imre Lakatos e Gaston Bachelard.
Há também neste período o início das investigações sobre história da
ciência e a natureza do conhecimento científico (MATTHEWS, 1992).

Já a terceira fase da pesquisa em Ensino, agora já conside-


rada em Educação em Ciências (~2000-momento atual), se carac-
teriza pela emergência da perspectiva sociocultural (LEMKE, 2001).

SUMÁRIO 219
Nessa perspectiva, não somente a ciência, mas também o ensino
das ciências e a pesquisa em Educação em Ciências são entendidas
como atividades sociais humanas conduzidas dentro de contextos
institucionais e culturais específicos. Há, nesse sentido, uma apro-
ximação com a área da Sociologia, tanto nas questões educacio-
nais (BOURDIEU, 2007 [1979]) como nas relacionadas com a prática
científica (LATOUR, WOOLGAR, 1986). Assim, a terceira fase da pes-
quisa em Educação em Ciências, ainda em curso, evidencia um diá-
logo bastante sólido com referências do campo das ciências huma-
nas e sociais para além dos canônicos da Psicologia e da Filosofia
da Ciência. Com isso, notamos o início do investimento em estu-
dos sobre desigualdades educacionais/sociais; questões de gênero,
classe e raça na ciência e no ensino das ciências; estudos na inter-
face ciência, tecnologia, sociedade, ambiente; perspectiva decolonial
na ciência e no ensino das ciências.

Essa evolução da área de pesquisa em Ensino no Brasil,


apresentada aqui de forma bastante sintética, é percebida, em certa
medida, também no contexto internacional. Revisões sistemáticas
da literatura nos principais periódicos da área evidenciam a dife-
renciação das linhas de pesquisa e a prevalência do enfoque na
temática do ensino e da aprendizagem (LIN et al., 2019). Contudo,
os episódios recentes ligados à pandemia da covid-19 acenderam
um alerta sobre o papel da Educação em Ciências nos tempos atu-
ais. Seja em termos do aumento da desigualdade social (AHMED
et al., 2022), que impacta de forma mais severa grupos minoritá-
rios (ALSOP, BENCZE, 2020) e territórios do Sul Global (REZENDE,
OSTERMANN, GUERRA, 2021; RAVEENDRAN, BAZZUL, 2021), ou
do avanço de movimentos que colocam em dúvida a validade dos
conhecimentos e instituições científicas (MOURA, NASCIMENTO,
LIMA, 2022), a pandemia evidenciou a necessidade da pesquisa e
da educação científica se fortalecerem para o enfrentamento dos
desafios do mundo contemporâneo.

SUMÁRIO 220
Nesse sentido, o objetivo do presente capítulo é apresentar
trabalhos que vêm sendo desenvolvidos nas duas linhas de pesquisa
do Laboratório de Estudos em Sociologia da Educação e da Ciên-
cia (LESEC) da UFRGS. Todas as ações desenvolvidas no âmbito
do LESEC têm como pano de fundo a busca constante – através
da Educação em Ciências – por uma sociedade mais justa, menos
desigual, ecologicamente viável e capaz de lidar com controvérsias
dentro e fora da Ciência. O primeiro trabalho, concentrado na linha
Desigualdades estruturais na Educação e na Ciência, aborda a ques-
tão da formação da identidade científica de estudantes mulheres de
um curso de Física. Queremos entender as razões que fazem com
que as mulheres, apesar de aspirarem seguir uma carreira científica,
não considerarem que a ciência seja um espaço para elas (ARCHER,
MOOTE, MACLEOD, 2020). O segundo trabalho, concentrado na
linha Relações entre a Ciência e outros campos sociais, se volta para
as redes sociais a fim de estudar as práticas discursivas mobiliza-
das em períodos de controvérsias científicas, políticas, epistêmicas
e sociais. Os dois trabalhos aqui apresentados se apoiam no modus
operandi de se fazer pesquisa dentro das ciências sociais. Entende-
mos que somente com o diálogo com outras áreas é que seremos
capazes de compreender na sua completude os objetos próprios da
Educação em Ciências.

IMPACTO DAS DESIGUALDADES


ESTRUTURAIS NA FORMAÇÃO DA
IDENTIDADE CIENTÍFICA DE ESTUDANTES
MULHERES DE UM CURSO DE FÍSICA
Uma das principais críticas dos estudos feministas à ciên-
cia versa sobre a sua estrutura e de que forma ela historicamente

SUMÁRIO 221
favoreceu o sucesso masculino. Na área da Física, essa questão é
ainda mais acentuada, pois ela é uma das áreas com maior presença
masculina e o campo mais atrasado nas discussões de gênero (HAR-
DING, 1986). O projeto Impacto das desigualdades estruturais na for-
mação da identidade científica de estudantes mulheres de um curso
de Física surge para compreendermos algumas das experiências e
dificuldades que as mulheres enfrentam nos cursos de bacharelado
em Física. Se reconhece que nestes espaços a maioria dos profes-
sores e estudantes são homens. Assim, considerando que a área da
Física é extremamente masculinizada, e que essa estrutura se repro-
duz ao longo do tempo, cabe questionar o que as mulheres precisam
fazer, ou não, para conseguir se adaptar nessa área. Para entender
essas questões, o grupo adota uma perspectiva teórica fundamen-
tada na intersecção entre a epistemologia da Teoria Feminista do
Ponto de Vista através das obras desenvolvidas pela filósofa Sandra
Harding, os estudos sobre identidade através da obra de Holland et
al. (1998) e o conceito de identidade científica na Física de Zahra
Hazari e colaboradores. A seguir, apresentamos a importância dos
estudos sobre gênero e identidade científica na Física e as princi-
pais ideias das perspectivas teóricas que fundamentam as pesquisas
nesta linha de pesquisa.

Nos últimos anos, as discussões sobre a participação das


mulheres na ciência têm crescido cada vez mais no campo da Edu-
cação em Ciências (HEERDT et al., 2018). No entanto, ainda há mui-
tas lacunas a serem entendidas em relação às experiências dos gru-
pos minoritários na ciência. Em relação à atuação das mulheres nas
áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (CTEM) no
Brasil, o número de doutoras nas áreas de Engenharias e Ciências
Exatas e da Terra é duas vezes menor que o número de homens.
Em áreas como das Ciências da Computação e Matemática, 75%
dos trabalhos são de autoria de homens (ELSEVIER, 2017). Enquanto
nessas áreas observam-se poucas mulheres, em outras observam-se
poucos homens. Segundo Felício (2010), as mulheres tendem a se

SUMÁRIO 222
concentrar em determinadas áreas, chamadas de “guetos femininos”,
que são: Linguística, Enfermagem, Psicologia, Economia doméstica,
Nutrição e Serviço social. Na academia brasileira de ciências, elas
são minoria em todas as áreas. A área com a maior proporção de
mulheres é a de Biologia com 25% (FERRARI et al., 2018). Compre-
ender por que existem os guetos femininos, desenvolver pesquisas e
ações que busquem incentivar as mulheres a se inserirem em áreas
nas quais elas são minoria, e a permanecerem nelas, se torna funda-
mental para que se obtenha uma maior diversidade dentro da ciên-
cia e nas diferentes áreas profissionais. Segundo Cordeiro (2017),
a ciência e a sociedade tendem a se beneficiar da pluralidade de
olhares, abordagens e pressupostos teóricos de uma comunidade
científica mais heterogênea.

A pouca presença das mulheres nas áreas de CTEM não


é um fenômeno atual e essa configuração não surgiu por acaso.
Durante a Revolução Científica dos séculos XVII e XVIII, as institui-
ções científicas foram estruturadas de forma a excluir as mulheres do
meio científico, especialmente as mulheres da classe trabalhadora.
Enquanto os homens atuavam como cientistas, o papel atribuído às
mulheres era cuidar da casa e dos filhos (SCHIEBINGER, 2001). Aos
poucos, as mulheres foram conseguindo se inserir no campo cientí-
fico, sendo primeiro as mulheres brancas da burguesia. Ao longo de
vários séculos, diversos mecanismos propiciaram que essas exclu-
sões se perpetuassem até os tempos atuais. Desde a instituciona-
lização do campo científico, os cargos de prestígio foram ocupados
principalmente por homens brancos, favorecendo o sucesso des-
ses indivíduos. Devido a isso, não surpreende que a ciência escolar
também esteja organizada, tanto institucionalmente como social-
mente, para favorecer o sucesso masculino na ciência (HAZARI; TAI;
SADLER, 2007). Aumentar a participação das mulheres na ciência
não é algo simples. Não basta apenas investir em ações que melho-
rem o desempenho das meninas nas disciplinas de ciências, física e
matemática. O problema é muito mais complexo que isso, visto que

SUMÁRIO 223
um bom desempenho em uma determinada disciplina não garante
um senso de competência para atuar em profissões relacionadas a
esta disciplina (HAZARI et al., 2020). Segundo o estudo longitudinal
feito por Archer, Moote e Macleod (2020), no qual quinze estudantes
foram acompanhados ao longo de seis anos, embora as mulheres
tivessem um ótimo aproveitamento nas aulas de física, elas não se
sentiam competentes para seguir na área. Para as(os) autoras(es),
devido aos estereótipos bastante presentes de que o cientista é um
homem muito inteligente, que resolve problemas sem esforço, as
meninas acabam internalizando que elas não possuem as caracte-
rísticas necessárias para serem cientistas.

Apesar dos avanços nos últimos anos, através do trabalho


desenvolvido por Heerdt et al., (2018) podemos perceber que ainda
existem poucos estudos no Brasil sobre questões de gênero na Edu-
cação em Ciências. As autoras analisaram 70 revistas da área de
Educação e Ensino de Ciências no período de 2008-2018 e encon-
traram 34 artigos sobre questões de gênero. Um dentre os temas
de pesquisa que apareceram com maior frequência foram trabalhos
sobre a participação das mulheres na ciência. Geralmente esses
trabalhos focam em compreender os obstáculos enfrentados pelas
cientistas com carreiras já consolidadas, sendo identificado uma
lacuna de trabalhos na área da Física que abordem as experiências
durante a graduação e pós-graduação.

No caso dos estudos internacionais sobre questões de gênero


na Educação em Ciências o cenário é bastante diferente. As pesquisas
nessa área são realizadas há décadas e possuem uma grande varie-
dade de abordagens teóricas (WULFF et al., 2018). Segundo Wulff et
al. (2018), algumas pesquisas utilizam uma perspectiva mais ampla,
voltada para a sociologia, focando no nível estrutural, nos papéis e
práticas sociais e discutindo como eles são produzidos culturalmente.
Já outras utilizam uma perspectiva voltada para a psicologia social,
focando nas variáveis individuais como interesse, motivação, senso
de pertencimento dentre outras. Além desses dois grupos, também

SUMÁRIO 224
existe um terceiro conjunto de perspectivas teóricas que investe no
conceito de identidade científica. Esse tipo de teoria foca tanto nos
aspectos socioculturais como individuais. O conceito de identidade
científica pode ser entendido como a forma pela qual uma pessoa
percebe a ciência como um conjunto de experiências, habilidades,
conhecimentos e crenças dignas (ou indignas) de seu envolvimento
(CARLONE; JOHNSON, 2007). Segundo Brotman e Moore (2008),
as pesquisas sobre identidade no campo de estudos de gênero e
ciência começaram a surgir nas últimas décadas, tornando-se um
dos temas emergentes da área no cenário internacional. Estes tipos
de estudos surgem para suprir uma importante lacuna da área que
é a consideração das questões de gênero, raciais, de classe, dentre
outros constructos sociais, nas pesquisas em Educação em Ciências.
A ideia principal é de que essas características individuais influen-
ciam na forma como os sujeitos irão se identificar com a ciência.

Uma das autoras utilizadas pelo grupo para compreender


as questões de gênero é a filósofa Sandra Harding. Suas obras nos
auxiliam a compreender como as questões de gênero estão presen-
tes na estrutura da ciência e da sociedade. Harding (1986) define
gênero como uma categoria analítica que influencia a forma de pen-
sar e agir das pessoas. A partir dessa definição é possível identificar
como nossos sistemas de crenças e instituições são moldados por
significados de gênero. Para Harding (1986) o gênero é entendido
simultaneamente como um processo, pois é produzido nas intera-
ções sociais, e como um discurso, pois corresponde a um conjunto
de figuras de pensamento ou ideias que geralmente são comparti-
lhadas em uma sociedade.

Segundo Harding (1986), a vida social genereficada é produ-


zida a partir de três processos que são denominados de Simbolismo
de gênero, Estrutura de gênero e Gênero individual. Esses três proces-
sos são distintos para diferentes culturas em diferentes períodos his-
tóricos e é muito difícil entender uma situação sem levar em conta os
três processos, pois eles estão relacionados entre si. Os Simbolismos

SUMÁRIO 225
de gênero são metáforas dualistas de gênero e dicotomias que as
pessoas atribuem a fenômenos, coisas ou pessoas por meio da
linguagem (e.g. homens são objetivos, mulheres são subjetivas,
homens entendem a Física melhor do que as mulheres). A Estru-
tura de gênero é como os indivíduos organizam suas atividades e
interações sociais com base nos Simbolismos de gênero (e.g. exis-
tem mais homens do que mulheres atuando na área da Física). Já
o Gênero individual é uma forma de identificação e comportamento
individual que é socialmente construído e está correlacionado com a
“realidade” (HARDING, 1986, p. 18) ou com a percepção das diferen-
ças sexuais. Além disso, é o modo como os seres humanos se iden-
tificam como tal, e isso pode ser percebido através do modo como
um indivíduo se posiciona em diferentes contextos (DUE, 2012) (e.g.
eu não sou boa em Física porque eu sou mulher). A autora destaca
que a divisão de trabalho por gênero na nossa sociedade influen-
cia a divisão de trabalho dentro da ciência, preservando também as
hierarquias sociais. Essa divisão de trabalho por gênero e os Sim-
bolismos de gênero relacionados à ciência, segundo Harding (1986),
são igualmente responsáveis pela baixa representatividade feminina
e pelo fato de que as meninas geralmente não se interessam em
desenvolver habilidades científicas.

Outra abordagem utilizada pelo grupo de pesquisa é pro-


posta pelos autores Dorothy Holland, William Lachicotte Jr., Debra
Skinner e Carole Cain (1998) no livro Identity and agency in cultural
worlds. Os autores e autoras propõem uma abordagem que busca
compreender o processo entre identidade e agência, de forma que
respeite os indivíduos como seres culturais e sociais. Dois conceitos
importantes dessa abordagem são o de identidade e o de mundos
figurados. Holland et al. (1998) definem identidade como sendo as
concepções que um indivíduo tem sobre si mesmo, que são contadas
aos outros e para si mesmo e, a partir disso, procura agir conforme
o que diz ser. Essas compreensões sobre si mesmo são desenvolvi-
das através dos recursos culturais aos quais o indivíduo tem acesso.

SUMÁRIO 226
A identidade combina figurativamente o mundo pessoal do indivíduo
com as relações sociais e o espaço coletivo das formas culturais.

Os mundos figurados, acontecem no tempo histórico e no


processo social. Não são algo do “imaginário” no seu sentido literal,
mas sim, são “uma realidade social que vive dentro de disposições
mediadas por relações de poder” (HOLLAND et al., 1998, p. 60, tra-
dução nossa). Esses mundos são produzidos socialmente, tomam
forma dentro de si mesmos e dão forma a coprodução de discursos,
artefatos, performances e atividades. Esses mundos possuem per-
sonagens que realizam suas tarefas e que possuem estilos de intera-
ção. Cada mundo figurado possui suas próprias “regras” para avaliar
o valor social e seu próprio conjunto de qualidades que são impor-
tantes e valorizadas. Também existem um certo conjunto de elemen-
tos que são esperados e valorizados nas identidades dos indivíduos
que estão num determinado mundo figurado. Como por exemplo, no
mundo figurado da Física as mesmas características que são valori-
zadas na ciência como objetividade, racionalidade, competitividade,
são as mesmas que a sociedade atribui de forma estereotipada aos
homens. Tais características masculinas acabam sendo considera-
das importantes para um indivíduo ser reconhecido(a) como um(a)
cientista (HARDING, 1986).

Também utilizamos como aporte teórico o modelo sobre iden-


tidade científica na Física de Zahra Hazari e colaboradores (HAZARI
et al., 2010). O modelo oferece uma maneira de conectar estrutu-
ras sociais e institucionais, ambientes de aprendizagem e práticas
disciplinares (CARLONE; JOHNSON, 2007). Segundo Sabouri et al.
(2022), a identidade científica é constituída principalmente quando
as(os) estudantes negociam suas autopercepções com os seguin-
tes domínios: interesse, reconhecimento, desempenho, competência
e senso de pertencimento. O conceito de interesse é definido como o
desejo de entender e aprender os conteúdos de Física. Competência
é a crença na capacidade de compreender os conteúdos de Física.
Desempenho é a crença na capacidade que possui para resolver as

SUMÁRIO 227
tarefas exigidas na Física. Reconhecimento diz respeito a ser reco-
nhecido por pares, ou outras pessoas, como sendo um físico ou física.
Por fim, o senso de pertencimento é entendido como sendo a percep-
ção de se encaixar, ou se sentir excluído, da comunidade da Física.

Portanto, através da articulação dos conceitos propostos


pelos autores e autoras discutidos anteriormente foi possível obter
um quadro teórico para fundamentar as pesquisas desenvolvidas
neste projeto. Nos apoiamos nessas perspectivas teóricas que emer-
gem do campo das ciências sociais para compreender um problema
caro à área da Educação em Ciências. Atualmente, estão sendo
desenvolvidos estudos para compreender se, e como, as mulheres
adaptam suas identidades científicas de modo que consigam ser
reconhecidas no curso de Física. Em outras palavras, buscamos
entender de que maneira as desigualdades estruturais impactam a
formação da identidade científica de mulheres que decidem cursar o
bacharelado em Física. Os resultados obtidos neste projeto podem
servir de fundamentação para ações políticas de nível mesossocial,
buscando mitigar os efeitos das desigualdades que impactam na
decisão de persistir ou de evadir os cursos de Física.

ANÁLISE DE PRÁTICAS
DISCURSIVAS NAS REDES SOCIAIS:
O USO DA ETNOGRAFIA VIRTUAL NO ESTUDO DAS
RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA, POLÍTICA E SOCIEDADE
As conexões humanas que estão sendo estabelecidas e
propiciadas atualmente pela internet fazem parte de um processo
já irreversível. É difícil imaginar alguma dimensão da vida cotidiana
contemporânea que não seja híbrida ou integralmente online: recur-
sos educacionais, conteúdos audiovisuais para entretenimento e

SUMÁRIO 228
diversão, comprovantes de vacinação, registro de pontos para jorna-
das de trabalho, cópias autenticadas de documentos de identificação,
dispositivos inteligentes para o controle de residências etc. Por isso,
do mesmo modo como devemos nos atentar às diferentes formas
de interação entre pessoas e máquinas que nunca foram experien-
ciadas anteriormente, também é preciso dar uma atenção especial
à internet como um campo e um tema para pesquisas acadêmicas.

Para dar essa devida atenção, a antropologia digital – o


campo dos estudos antropológicos relacionados à internet – ofe-
rece subsídios teórico-metodológicos ímpares (GEISMAR; KNOX,
2021; HORST; MILLER, 2012). Apesar de não representar uma teo-
ria que unifica todas as visões de mundo antropológicas que estu-
dam o ciberespaço, a antropologia digital se constitui como um viés
teórico-metodológico especialmente importante por trabalhar com
premissas como, por exemplo, a ideia de que a internet é tanto cul-
tura quanto artefato cultural. Isto é, a internet é tanto um conjunto
de formas de existir, de socializar experiências, de ver o mundo, de
se comportar e de se expressar compartilhadas entre um grupo de
indivíduos quanto um agrupamento de produtos materiais dos atos
e trabalhos, manuais e intelectuais, desses indivíduos. Para incor-
porá-la às pesquisas voltadas às relações entre ciência, política e
sociedade centrando a dimensão humana e as diferente formas de
comunicação e conexão é preciso realmente habitar o ciberespaço,
sustentando nele uma presença constante que permita um engaja-
mento intenso com os aspectos cotidianos de seus outros habitantes
e, evidentemente, construindo um registro bem aprofundado desse
engajamento. Isso é o que defende Christine Hine (2000, 2015), uma
das principais vozes dos estudos antropológicos relacionados à inter-
net cujas contribuições se focam principalmente nas características
de um tipo diferenciado de trabalho etnográfico: a etnografia virtual.

Apesar de existirem muitos sinônimos e termos semelhan-


tes, o que é realmente importante em qualquer forma de trabalho
etnográfico relacionado à internet é que há objetivos relativamente

SUMÁRIO 229
específicos a serem cumpridos e, dependendo das referências esco-
lhidas, conjuntos bem robustos de conceitos teoricamente funda-
mentados que podem ser usados. Através deles é possível construir
correlações entre as práticas da etnografia e outras teorias para que
se possa chegar a conclusões bem articuladas. Portanto, a etnogra-
fia virtual não deve ser entendida como um simples método. Seu
maior trunfo é oferecer uma densa descrição das ações, dos com-
portamentos e dos discursos concretizados no ciberespaço; uma
descrição que não é necessariamente definida pelos detalhes meto-
dológicos e pelas estratégias específicas de imersão, observação e
participação em determinadas redes sociais, plataformas, comuni-
dades ou aplicativos.

Já mencionamos os objetivos que nos orientam a habitar e


engajar com o cotidiano virtual, nunca esquecendo de registrar os
detalhes do processo, mas além disso é preciso entender as estru-
turas que sustentam os espaços em que as experiências que serão
vividas e estudadas ocorrem. Isso significa buscar entender as con-
dições materiais necessárias para a manutenção das redes sociais,
sites, aplicativos, plataformas ou quaisquer outros espaços onde
uma etnografia virtual pode ser realizada. Acompanhar um grupo
de indivíduos em uma comunidade do Facebook, por exemplo, pode
exigir uma compreensão de como a empresa Meta, proprietária do
Facebook, funciona e qual é o histórico e o objetivo da ferramenta de
criação de grupos fornecidas por ela para então conseguir analisar
melhor, por exemplo, quais postagens costumam receber mais enga-
jamento dos indivíduos no grupo e porquê.

Para alcançar esse entendimento, surge a necessidade de


se deslocar pelos diversos cantos do ciberespaço. Isto é, uma pes-
quisa que apresenta uma descrição etnográfica virtual precisa evitar
de reduzir ou ficar presa a uma única rede social, plataforma, site,
aplicativo, ou qualquer outro tipo de espaço – físico ou virtual. Há
tantas redes dentro do ciberespaço – que, inclusive, se estendem
para fora dele – que, por vezes, pode parecer adequado delimitar

SUMÁRIO 230
severamente onde e quando será experienciado aquilo que se busca
descrever com a etnografia virtual. Entretanto, a internet é, tanto para
a etnografia virtual quanto para a antropologia digital como um todo,
um espaço em que o momento presente é experienciado ao lado de
conteúdos e informações não só de outras redes sociais, sites, apli-
cativos ou plataformas, mas também de registros de momentos já
passados. Portanto, ao estudar antropologicamente o ciberespaço,
outro objetivo importante é se manter atento a outros contextos tem-
porais que a internet nos permite investigar com praticamente todos
os mesmos recursos de visualização e interação que os registros
mais recentes ou instantâneos. Em uma descrição etnográfica virtual
de quais comunidades ou grupos sociais interagem mais com uma
determinada hashtag no Twitter, por exemplo, pode ser extrema-
mente difícil concluir qualquer coisa significativa sem acompanhar
o desenrolar da hashtag por horas ou, até mesmo, dias sem poder
comparar os tweets mais antigos com os mais recentes ou sem fazer
referência à origem do termo associado à hashtag que pode ter sur-
gido em algum outro canto do ciberespaço, como um site de notícias
ou uma rede social completamente diferente como o Instagram.

Os deslocamentos espaço-temporais necessários para uma


descrição etnográfica virtual servem também para rastrear as cone-
xões virtuais que atualmente se encontram estabilizadas, as redes
que mais permitem (hiper)ligações entre si e, especialmente, para
mapear o que é considerado “real” ou “externo” e o que é conside-
rado “virtual” ou “interno”. Quanto melhor entendermos a dicotomia
entre o digital e o analógico – ou o on-line e o off-line – perpetuadas
por diferentes grupos sociais ou comunidades, melhor será nosso
entendimento sobre as contradições materiais pré-existentes que
sustentam o ciberespaço e sobre o porquê de certos comportamen-
tos só serem performados na internet, sobre como vários assuntos
parecerem monopolizar o debate público por dias exclusivamente de
forma virtual ou, ainda, sobre como diversas comunidades e grupos
sociais apresentam níveis de engajamento on-line tão diferentes de
suas organizações e atividades em contextos off-line.

SUMÁRIO 231
Outro objetivo essencial é a conscientização sobre os limi-
tes descritivos da etnografia virtual. Isso não significa que é preciso
reconhecer uma suposta insignificância ou incompetência da etno-
grafia virtual, muito pelo contrário. Significa, na verdade, uma nega-
ção das hierarquizações entre abordagens teórico-metodológicas,
buscando valorizar aquilo que só a descrição etnográfica pode fazer,
mas evitando omissões ou negligências éticas em suas conclusões.
A totalidade do ciberespaço é algo extremamente difícil de experien-
ciar e de se fazer entender e, no contexto da etnografia virtual e da
antropologia digital, não é adequado investir em generalizações e
em posições discursivas que apresentam pouco poder explicativo.

Consequentemente, algo que também se torna necessário


é uma certa abertura para um holismo teórico-metodológico que
aceite e comporte todas as formas possíveis de participação, obser-
vação e interação com comunidades, culturas, artefatos culturais,
grupos e indivíduos. Reforça-se, assim, a intensidade da interação,
comunicação e imersão no campo de estudo e com o cotidiano
on-line. Todos esses objetivos e necessidades para a concretização
de uma etnografia virtual acabam em um último quesito: a adapta-
ção da pesquisa às mudanças repentinas do (e no) campo de traba-
lho. Em outras palavras, é essencial que seja construída uma pes-
quisa capaz de lidar com a espontaneidade dos fenômenos e indiví-
duos estudados e incorporá-la tanto ao desenvolvimento do trabalho
quanto à descrição final.

O desenvolvimento desses objetivos e de outros elementos


dos estudos antropológicos relacionados à internet não ocorreu – e
segue não ocorrendo – sem revisionismo e criticidade. Para man-
ter uma vigilância semântica e superar desafios contemporâneos é
totalmente adequado integrar eixos analíticos às práticas etnográ-
ficas que sejam capazes de representar essas revisões e críticas
(MÁXIMO et al., 2012; RIFIOTIS, 2013, 2016; SEGATA, 2014). A forma
como a etnografia virtual exige o reconhecimento da parcialidade
e efemeridade de suas descrições pode não ser capaz de eviden-

SUMÁRIO 232
ciar que não existe um sujeito externo – um pesquisador, no caso
– com uma posição privilegiada para usar, se apropriar e represen-
tar uma cultura ou comunidade, e, portanto, é preciso se atentar à
metáfora do olhar, aceitando que o trabalho de campo etnográfico é
uma vivência única em uma realidade específica, mas é também a
transcrição de uma experiência, uma representação textual do ato de
olhar para um outro ser. Todo pesquisador que realiza estudos antro-
pológicos relacionados à internet precisa estar atento ao seu olhar,
avaliando e reavaliando ativamente seu trabalho para não construir
falsas dicotomias entre elementos técnicos e elementos humanos ou
a pré-existência de comunidades e culturas.

Esse processo de avaliação e reavaliação nos leva direta-


mente ao repovoamento do social. Ao evitar uma diferenciação acrí-
tica entre “agentes humanos” e “elementos técnicos” e, consequen-
temente, ao evitar enclausurá-los em categorias analíticas fechadas,
acabamos transformando o ciberespaço em um local habitado e ver-
dadeiramente experimentável. Em outros termos, repovoar o ciberes-
paço é evitar tratá-lo como um vazio tecnológico ou uma caixa-preta
virtual em que elementos técnicos e agentes humanos existem com-
pletamente apartados.

A partir da metáfora do olhar e do repovoamento do social,


torna-se evidente que qualquer produto de um trabalho antropoló-
gico relacionado à internet é tanto um fato concretizado em uma
realidade dada como objetiva quanto um produto de uma narrativa
etnográfica. Portanto, deve-se novamente se submeter a um trabalho
de avaliação e reavaliação constantes, mas agora focando na distin-
ção que é feita entre o que é considerado “observado” e “observador”,
ou “contexto sociocultural” e “referencial espaço-temporal”, cuidando
se ela está sendo feita de uma forma simétrica e se estão sendo
evidenciadas as redes estabelecidas entre os agentes humanos e
não humanos que estão no horizonte etnográfico do pesquisador,
especialmente ao incorporar a espontaneidade dos fenômenos e
indivíduos estudados à descrição etnográfica final.

SUMÁRIO 233
Desde seus primórdios, antes mesmo dos atuais pontos de
revisionismo e criticidade como os que acabamos de comentar, a
etnografia virtual vem trabalhando com assuntos que apresentam
muitas intersecções com os temas de interesse tanto dos estudos
sociais das ciências quanto da abordagem Ciência-Tecnologia-So-
ciedade (CTS); campos do conhecimento que já há muito tempo
compartilham fronteiras com a Educação em Ciências. Entretanto,
intersecções não ocorrem só no âmbito dos temas e objetos de
estudo, mas até mesmo em um compartilhamento de visões de
mundo e trajetórias analíticas. Além de uma evidente influência das
obras de autores como Donna Haraway (2009), diversos domínios
etnográficos (ESCOBAR, 2016) foram investigados virtualmente
através de análises das práticas discursivas propostas por diferentes
escolas de pensamento e com variados níveis de profundidade.

Quando a questão é a exploração de comportamentos entre


indivíduos de uma comunidade, análises do discurso são referenciais
extremamente apropriados porque, no ciberespaço, a maioria dos
registros e artefatos culturais aos quais temos acesso, seja através
de observações, interações ou participações, são produtos materiais
de atos comunicacionais. Hoje em dia, há muitas redes sociais, entre
as quais se destacam especialmente o TikTok e o YouTube, que se
popularizam fortemente através de conteúdos que, por serem essen-
cialmente e quase exclusivamente audiovisuais, poderiam ser obje-
tos de análises prioritariamente semióticas, porém, mesmo nessas
instâncias, o texto sobre tela está muito presente e ainda mantém
um protagonismo considerável. Mantém-se, assim, a necessidade
de uma análise mais específica do discurso que está sendo escrito
e compartilhado. Ao olhar antropologicamente para um objeto de
estudo, especialmente quando se trata de práticas discursivas, sem-
pre o fazemos – intencionalmente ou não – com um viés, ou seja,
a partir de um referencial, de uma visão de mundo e, ao reconhe-
cer isso, torna-se plenamente adequado trazer essa forma de olhar
para o fronte e provar o seu potencial como parte da fundamentação

SUMÁRIO 234
teórico-metodológica da descrição etnográfica. Hine, por exemplo,
referencia o socioconstrutivismo e a análise crítica do discurso de
autores como Jonathan Potter (1996) e Norman Flairclough (1995).
Entretanto, há uma tendência em especial que queremos destacar,
uma tendência que tem muito em comum com movimentos recentes
na Educação em Ciências: os estudos voltados ao ciberespaço que
se apropriam da filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin (BAKH-
TIN, 2016; VOLÓCHINOV, 2018).

Quando a questão é mais especificamente o reconheci-


mento da natureza dialógica e dialética do ciberespaço e a possibi-
lidade de estudar diferentes contextos socioculturais, até mesmo as
culturas das comunidades mais marginalizadas em termos de raça,
gênero, sexualidade e classe, a filosofia da linguagem de Bakhtin tem
demonstrado ser uma visão de mundo especialmente adequada aos
trabalhos antropológicos voltados à internet, aparecendo tanto em
artigos quanto em teses de doutorado e capítulos de livro (COUTO
JR., 2013; SNIUKAITE, 2007; WALSTROM, 2000). Isso acontece
porque há, nas análises do discurso feitas a partir de tal filosofia,
a oportunidade de tecer comentários sobre o contexto extraverbal
para entender o “onde” e o “quando” das práticas discursivas, de evi-
denciar os gêneros discursivos de diferentes enunciados buscando
compreender porque alguns textos se assemelham mais entre si do
que outros e, ainda, de explorar a orientação social de uma determi-
nada troca de palavras para tentar delimitar o seu público-alvo e a
intencionalidade do discurso percebida por diferentes sujeitos.

Todas as qualidades da análise de práticas discursivas fun-


damentada na filosofia de Bakhtin potencializam a descrição etno-
gráfica de uma forma única. Porém, apesar de já ter aparecido em
uma diversidade razoável de trabalhos acadêmicos como aponta-
mos há pouco, ela ainda não apresenta a notoriedade que merece
no campo dos estudos antropológicos relacionados à internet. Por
isso, se for adequado finalizarmos reafirmando a necessidade de
nos atentarmos de uma forma especial à internet não só como um

SUMÁRIO 235
espaço que dá forma para novas relações entre seres humanos e
máquinas, mas também como um campo de estudo para pesquisas
acadêmicas, precisamos então concluir com a defesa da etnografia
virtual baseada no pensamento bakhtiniano como uma das possi-
bilidades emergentes mais importantes na qual precisamos investir
para o futuro dos estudos sociais das ciências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente capítulo, que faz parte de um livro que reúne
trabalhos produzidos no Programa de Pós-graduação em Ensino de
Física da UFRGS, nos preocupamos em apresentar dois projetos que
analisam objetos distintos da área da Educação em Ciências, mas
que possuem como característica comum o diálogo com as ciên-
cias sociais. Entendemos que tanto o ensino como a pesquisa em
ensino de ciências nos tempos atuais precisam fortalecer as apro-
ximações com outras áreas do conhecimento, em especial com as
ciências humanas, sociais e sociais aplicadas. O breve resgate his-
tórico de institucionalização da área que fizemos explicita a neces-
sidade de uma ampliação de horizontes em termos de perspecti-
vas teórico-metodológicas para contemplar os desafios do mundo
contemporâneo. Não é possível desconsiderar das pesquisas que
desenvolvemos elementos como desigualdades estruturais, nega-
cionismos, controvérsias e intersecções políticas e econômicas na
educação e na ciência.

Descrevemos um projeto que tem como centralidade dis-


cutir os impactos das desigualdades estruturais na formação da
identidade científica de estudantes mulheres de um curso de Física.
Mostramos que a articulação de autoras como Harding, Holland e
Hazari nos permite a construção de um quadro teórico capaz de sus-
tentar a investigação proposta, ampliando nosso olhar para todas

SUMÁRIO 236
as idiossincrasias que orbitam a construção das identidades, nesse
caso específico, das identidades científicas.

Nas últimas décadas, cada vez mais temos notado o avanço


do papel das redes sociais em setores da sociedade como a edu-
cação, ciência e a política. Nesse sentido, apresentamos de que
maneira as ciências sociais nos auxiliam na análise de práticas dis-
cursivas nas redes sociais. Destacamos a centralidade que assume
a etnografia virtual no estudo das relações entre ciência, política e
sociedade. Avançamos apontando a necessidade de uma articula-
ção com referenciais de análise discursiva. Indicamos que a metalin-
guística do Círculo de Bakhtin é capaz de potencializar as descrições
etnográficas de forma bastante singular.

Além destes projetos descritos como exemplos de um pro-


grama de pesquisa maior, no Laboratório de Estudos em Sociolo-
gia da Educação e da Ciência (LESEC) da UFRGS há um conjunto
de pesquisas sendo desenvolvidas e que se concentram nas linhas
sobre desigualdades estruturais e sobre relações entre ciência e
sociedade. Finalizamos reforçando o compromisso de que todas
essas investigações busquem contribuir com a luta por uma socie-
dade mais justa socialmente, ecologicamente viável e capaz de lidar
com controvérsias dentro e fora da Ciência.

AGRADECIMENTOS
Matheus Monteiro Nascimento agradece o apoio da Fun-
dação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul
(FAPERGS) a partir do Edital ARD/ARC 10/2021. Laís Gedoz e Daniel
Pigozzo agradecem o apoio financeiro concedido pela Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para o
desenvolvimento destas pesquisas.

SUMÁRIO 237
REFERÊNCIAS
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SUMÁRIO 241
SOBRE OS ORGANIZADORES
Fernanda Ostermann
Licenciada em Física, mestra e doutora em Física, na área de ensino de Física, pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, ocupa o cargo de Professora Titular e é docente permanente do Programa de
Pós-graduação em Ensino de Física da UFRGS. É bolsista de produtividade em pesquisa 1B do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus interesses de pesquisa centram-se nas perspectivas críticas e
pós-críticas na educação básica e na formação de professores.

Ives Solano Araujo


Licenciado e bacharel em Física pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Mestre em Física e Doutor em
Ciências (área de concentração ensino de Física) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Estágio
Pós-doutoral na Universidade de Harvard (EUA). Atualmente, é Professor Titular do Dept. de Física da UFRGS, Docente
Permanente do PPGEnFis. Principais interesses de pesquisa: Inovações Didáticas; Modelagem Científica; Teoria
Antropológica do Didático; e Comunidades de Prática.

Matheus Monteiro Nascimento


Licenciado em Física pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Mestre e Doutor em Ensino de Física pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente é docente do departamento de Física e do PPGEnFis
da UFRGS. Tem interesse em pesquisas sobre o impacto de desigualdades estruturais na Educação e na Ciência e
sobre a relação entre a Ciência e outros campos sociais.

SUMÁRIO 242
SOBRE OS AUTORES E AS AUTORAS
Afonso Werner da Rosa
Possui graduação em Física Licenciatura pela Universidade de Passo Fundo (UPF), mestrado em Educação pela
Universidade de Passo Fundo e atualmente é doutorando em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Tem interesse nas seguintes áreas: História e Filosofia da Ciência, Epistemologia, Educação
e Ensino de Ciências.

Alan Alves-Brito
Graduado em Física (UEFS), mestre e doutor em Ciências (Astronomia, USP) com estágios de pós-doutorado no Chile
(PUC) e na Austrália (Swinburne University e Australian National University). Professor Adjunto IV (UFRGS). No Ensino,
interessa-se por questões fundamentais de física e astronomia, história e filosofia das ciências, formação de profes-
sores, educação para as relações étnico-raciais, educação escolar quilombola/indígena e divulgação das ciências
físicas em perspectivas contra-hegemônicas. Pesquisador 1D do CNPq.

Anderson Oliveira
Licenciado em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Mestre em Ensino de Física pela
Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Atualmente, é Professor de Física na rede pública estadual do Rio
Grande do Sul e Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física do Instituto de Física da Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e está interessado na pesquisa em Ensino de Física e a Educação das
Relações Étnico-Raciais.

Bianca Vasconcelos do Evangelho Franco


Licenciada em Física pela Universidade Federal do Pampa – Campus Bagé (UNIPAMPA, 2018), obtendo na mesma
Universidade o diploma de Mestre em Ensino (UNIPAMPA, 2020). Atualmente é estudante de doutorado no PPGEnFis
da UFRGS. Tem interesse em pesquisas sobre autorregulação e evasão universitária.

Claudio J. H. Cavalcanti
Possui graduação em Bacharelado em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1989), mestrado
em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1993) e doutorado em Física pela mesma universidade
(2001). Desde junho de 2006 é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em regime de dedicação
exclusiva, onde vem atuando também como docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Física. Tem experiência na área de Física, atuando principalmente nos seguintes temas: inserção de tópicos de Física

SUMÁRIO 243
Moderna e Contemporânea no ensino médio, avaliações em larga escala, métodos mistos de pesquisa, análise
multivariada, Grafos, Teoria Ator-Rede, Filosofia da Linguagem do Círculo de Bakhtin e outros temas relevantes na
Educação em Ciências.

Claudio Rejane da Silva Dantas


Doutor pelo PPGEnFis da UFRGS (2017), docente da Universidade Regional do Cariri (URCA), em Juazeiro do Norte,
Ceará. Tem interesse em pesquisas sobre formação de professores para o ensino de Ciências/Física na Educação
Básica, e uso de novas metodologias e inovação didática na educação científica.

Daniel Pigozzo
Estudante de doutorado no PPGEnFis da UFRGS. Interessado em tópicos e abordagens relacionadas aos science stud-
ies no contexto do ciberespaço ou, mais especificamente, no contato dialógico entre antropologia digital, etnografia
virtual e a pesquisa em educação em ciências.

Eduardo Gois
Graduado em Física pela Universidade de Passo Fundo (UPF), mestre em Educação (UPF), atualmente é doutorando
em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Tem interesse em pesquisas sobre
História, Filosofia e Ensino/Educação em Ciências.

Eliane Angela Veit


Licenciada em Física, mestre e doutora em Física na área de Física Teórica, pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Realizou estágio pós-doutoral em TRIUMF – University of British Columbia, Canadá. Atualmente, ocupa
o cargo de Professora Titular no Departamento de Física e é docente permanente do Programa de Pós-graduação em
Ensino de Física da UFRGS. Seus interesses de pesquisa se centram na modelagem didático científica e em comuni-
dades de prática na formação de professores.

Elkin A. Vera-Rey
Licenciado em Física (2010) e mestre em Educação (2015) pela Universidad Distrital “Francisco José de Caldas” de
Bogotá (Colômbia), e doutor (2021) em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente,
ocupa o cargo de profissional especializado no projeto do Observatório de TIC na Educação da Universidad Distrital
(OBTICUD) e seus interesses de pesquisa estão focados no cultivo de comunidades de prática virtuais como espaços
não formais para a formação de professores de Física.

Estevão Antunes Jr.


Doutor em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2022), mestre em Ensino de Física (2018)
e licenciado em Física (2015) pela mesma instituição. Estuda, principalmente, a formação de professores no contexto

SUMÁRIO 244
da formação inicial e/ou continuada, teorias curriculares e análise curricular com foco na BNCC, principalmente das
Ciências da Natureza / Física para os anos finais do Ensino Fundamental. Atua como professor de Física na educação
básica no contexto dos anos finais do Ensino Fundamental e do Novo Ensino Médio.

Gabriela Gomes Rosa


Licenciada em Física e mestra em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atual-
mente é doutoranda do PPGEnFis da mesma instituição. Possui interesse em pesquisas sobre História e Filosofia da
Ciência e Ensino de Física Quântica.

Ileana M. Greca
Catedrática de Didáticas Específicas na Universidade de Burgos (Espanha), tendo feito doutorado na área de ensino
de Física (2000), na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Seus principais interesses de investigação são a
melhoria do ensino das ciências, usando referenciais da epistemologia, da psicologia cognitiva e da didática e a
introdução de tópicos de ciência contemporânea para estudantes do ensino médio e superior.

Kaleb Alho
Doutorando em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Mestre em Educação em Ciências
pela Universidade Federal de Itajubá, atualmente desenvolve pesquisa no campo da Astronomia cultural, intercultur-
alidade e do ensino de Física sob a perspectiva sociocultural.

Laís Gedoz
Estudante de doutorado no PPGEnFis da UFRGS. Tem interesse em pesquisas sobre o impacto de desigualdades
estruturais na Educação e na Ciência, especialmente sobre questões de gênero no Ensino de Física e na Edu-
cação em Ciências.

Leonardo Albuquerque Heidemann


Docente do departamento de Física e do PPGEnFis da UFRGS. Tem interesse em pesquisas sobre o ensino com
enfoque no processo de modelagem científica, tecnologias de informação e comunicação no ensino de Ciências e
evasão universitária.

Luciano Slovinscki
Licenciado em Física pela Universidade Federal Fluminense (2012), Mestre (2017) e Doutor (2022) em Ensino de
Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Concentra sua pesquisa na área de Educação e/ou Ensino de
Astronomia, com foco na Formação Inicial e/ou Continuada de Professores.

SUMÁRIO 245
Nathan Willig Lima
Bacharel em Física e mestre em Engenharia de Materiais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, doutor em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É professor do Instituto de Física e
docente permanente do PPGEnFis da UFRGS. É bolsista de produtividade do CNPq nível 2. Tem interesse em história,
filosofia e ensino de Física.

Neusa Teresinha Massoni


Licenciada em Física; Mestre e Doutora na área de Concentração Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Docente do Departamento de Física e do PPGEnFis da UFRGS. Tem interesse em pesquisas sobre os
impactos do uso da História e Epistemologia da Ciência na educação científica, e em pesquisas da área de Ensino de
Física que articulem as relações Universidade-Escola Básica.

Rodrigo Weber Pereira


Mestre em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Bacharel e Licenciado em Física
pela mesma instituição. Atualmente é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física da UFRGS. Tem
experiência na área de Ensino de Física, atuando principalmente nos seguintes temas: Modelagem Científica, sob a
perspectiva da Modelagem Didático-Científica (MDC+) e Formação de Professores de Física sob a perspectiva da
Teoria Antropológica do Didático (TAD).

Tobias Espinosa
Licenciado em Física pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Mestre e Doutor em Ensino de Física pela Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Realizou estágio de doutorado sanduíche na Universidade de Harvard.
Atualmente é professor do Departamento de Física da UFRGS e docente permanente do Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Física da UFRGS. Tem interesse em pesquisas sobre inovações didáticas, métodos ativos de ensino e
evasão universitária.

SUMÁRIO 246

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