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Há dois tipos de modificações naturais que podemos fazer a este problema de
contagem. No primeiro tipo restringimos as funções a considerar: o caso geral
(tratado acima), o caso em que as funções são injectivas e o caso das funções
sobrejectivas. Três casos, portanto. O segundo tipo de modificação prende-se com
situações em que é interessante considerar duas funções diferentes como sendo a
“mesma”. Estas situações variam conforme se “vêem” os conjuntos X e Y consti-
tuı́dos por elementos distinguı́veis ou indistinguı́veis entre si. Ao todo, há quatro
possibilidades e, portanto, quatro modos diferentes de “encarar” funções de um
conjunto para outro. Temos estado a usar aspas pois estamos, indulgentemente, a
(ab)usar a terminologia usual sem dizer exactamente o que pretendemos, i.e., temos
estado a usar a terminologia usual em novos contextos ainda não completamente
esclarecidos. Vamos esclarecer estas novas situações através de alguns exemplos.
Podemos interpretar esta função como uma maneira de pôr quatro bolas, nume-
radas de 1 a 4, em três caixas, rotuladas de a, b e c :
1 3 2 4
a b c
63
2 3 4 1
a b c
A justeza da identificação das funções f e g fica patente se retirarmos os números
das bolas (as bolas são indistinguı́veis, não são?). Em ambos os casos fica-se com
a mesmı́ssima situação:
a b c
Outra hipótese consiste em considerar os elementos de Y indistinguı́veis, ao invés
dos de X (i.e., as caixas são indistinguı́veis, não as bolas). Neste caso, qualquer
função que coloque as bolas 1 e 3 na mesma caixa, a bola 2 noutra e a 4 na restante,
é considerada a mesma função que f . Nesta nova situação, a função g já não é
“igual” a f , pois g não coloca as bolas 1 e 3 na mesma caixa. A função
h
1 a
2 b
3 c
4
2 4 1 3
a b c
Se apagarmos os nomes das caixas, ficamos com:
2 4 1 3
caixas!
Finalmente, consideramos a situação em que tanto os elementos de X como os
elementos de Y são indistinguı́veis. Neste caso, qualquer função que coloque duas
bolas numa caixa, outra noutra e a restante na restante é considerada “igual” a f .
Neste contexto, tanto g, como h, são iguais a f . Qualquer uma destas três funções
determina a arrumação:
64
f qualquer f injectiva f sobrejectiva A Tabela dos
! " Doze Caminhos
elem. de X dist. n n
n
1. m 2. m 3. m!
elem. de Y dist. m
# $ # $ # $
elem. de X indist. n+m−1 m n−1
4. 5. 6.
elem. de Y dist. n n m−1
m ! " ! "
elem. de X dist. % m n
7. 8. #n ≤ m# 9.
elem. de Y indist. k m
k=0
elem. de X indist.
10. pm (n + m) 11. #n ≤ m# 12. pm (n)
elem. de Y indist.
3. Por f ser sobrejectiva, toda a caixa tem que ter pelo menos uma bola (pode ter
mais que uma, pois não se está a exigir que f seja injectiva). Uma tal arrumação
&n'
equivale a separar as n bolas em m partes — há m maneiras de o fazer —
e, seguidamente, em pôr cada uma das partes numa caixa — para o que há m!
maneiras possı́veis.
| % % % | %%
% % % % % ||
corresponde a pôr todas as bolas na primeira caixa. Esta ideia dos separadores
para as bolas permite efectuar facilmente a nossa contagem. O número de maneiras
de escolher m − 1 lugares (o sı́tio dos separadores) numa fila de comprimento
n + m − 1 (o comprimento da fila constituı́da pelas bolas e pelos separadores) é,
( )
como sabemos, n+m−1
m−1 . O resultado sai pela lei da simetria.
65
5. Neste caso temos apenas uma bola por caixa (pois a função é injectiva). Sendo
as bolas indistinguı́veis, basta escolher as n caixas (de entre m) que vão ter as
bolas.
6. Este caso difere do caso 4 por ter que haver pelo menos uma bola em cada caixa.
Em termos de separadores, isto equivale a excluir que hajam separadores conse-
cutivos e, também, a excluir que as filas comecem ou terminem com separadores.
Como podemos contar este número de situações? Uma abordagem directa é de-
sesperante. Observe-se, no entanto, que uma distribuição deste tipo equivale a pôr
primeiramente uma bola em cada caixa (há apenas uma forma de efectuar esta
tarefa, pois as bolas são indistinguı́veis) e, de seguida, distribuir as restantes n− m
( ) ( n−1 )
bolas (indistinguı́veis) pelas m caixas — ao todo, (n−m)+m−1 n−m = n−m possibi-
Um ovo de Colombo!!? lidades de distribuição, de acordo com o caso 4. O raciocı́nio acima pressupõe que
não hajam mais caixas do que bolas (senão n − m vinha negativo). No caso de
haver mais caixas que bolas, é claro que não há nenhuma maneira de distribuir
pelo menos uma bola por caixa. Por outras palavras, se m > n, então a resposta é
0. A expressão que aparece na tabela ainda está correcta neste caso, desde que se
De agora em diante, ressalve que um coeficiente binomial é zero se a sua entrada inferior for negativa.
adoptamos esta
convenção. 7. Visto que as caixas são indistinguı́veis, pretende-se contar o número de ma-
neiras de particionar as n bolas em m ou menos aglomerados. Ou seja: ou num
só aglomerado, ou em dois aglomerados, ou em três aglomerados, . . . , ou em m
aglomerados. A resposta é, pois:
! " ! " ! " ! "
˘n¯ n n n n
Note que = 0 (se + + + ... + .
0
1 2 3 m
n != 0).
8. Há, quando muito, uma bola por caixa e pouco importa qual bola, pois todas
as bolas vão para uma caixa e estas são indistinguı́veis. (No caso 11 acontece
exactamente o mesmo.) Esta situação apenas é possı́vel, e de uma única maneira,
se houver pelo menos tantas caixas como bolas. Logo, a resposta é zero, se m < n,
e é um, se m ≥ n. Este é, talvez, o momento apropriado para introduzir uma
notação muito conveniente: a notação de Iverson. Dada uma propriedade R,
denotamos por #R# (e lê-se norma de R) o valor 1, se R é verdade, e o valor 0,
se R é falsa. Assim, #n ≤ m# é 1, se n ≤ m, e é 0, no caso contrário.
66
Por um corolário da secção anterior:
%m
pk (n) = pm (n + m). Analogamente ao caso 7,
k=0 note que p0 (n) = 0 (se
n != 0).
11. Este caso dá origem às mesmas situações do caso 8.
12. Esta contagem justifica-se pela primeira parte da discussão do caso 10.
Uma função crescente (em sentido lato) f : [n] → [m] não fica determinada mera-
mente pela sua imagem, já que a função não tem que ser injectiva. No entanto, é
fácil convencermo-nos que fica determinada pela quantidade de elementos de [n]
que pode atingir (via f ) cada elemento de [m]. Eis um exemplo que pode ser
elucidativo: pense-se no caso em que n = 4 e m = 5 e em que três valores têm
imagem 2 e um valor tem imagem 5 (claro que, então, nenhum valor tem imagem
1, nem 3, nem 4). Neste caso, a função é dada por: f (1) = 2, f (2) = 2, f (3) = 2
e f (4) = 5. Portanto, o problema consiste em contar o número de maneiras de
distribuir n “bolas” (os elementos de [n]) por m “caixas” (os elementos de [m]),
em que apenas interessa o número de “bolas” por “caixa”. No exemplo anterior, as
primeira, terceira e quarta caixas (os números 1, 3 e 4) não têm bolas, a segunda
67
caixa (o número 2) tem três bolas (os números 1, 2 e 3) e a quinta caixa (o
número 5) tem uma bola (o número 4). Bom, este problema foi resolvido na
entrada número quatro da tabela dos doze caminhos.
Exercı́cios
3. Considere a seguinte situação: uma caixa contém n bolas diferentes, r das quais
são retiradas uma a uma. Qual o número de diferentes extracções se . . .
(a) . . . procedermos com reposição (i.e., sempre que se retira uma bola ela
é imediatamente reposta na caixa) e considerarmos a ordem pela qual as
bolas são retiradas.
(b) . . . procedermos sem reposição e considerando a ordem pela qual as bolas
são retiradas.
(c) . . . procedermos sem reposição e sem considerar a ordem pela qual as bolas
são retiradas.
(d) . . . procedermos com reposição e sem considerar a ordem pela qual as
bolas são retiradas.
68
1.5. O princı́pio da inclusão/exclusão
1.5.1. Material básico
#(X ∪ Y ) = #X + #Y − #(X ∩ Y )
Qual será a fórmula para #(X ∪ Y ∪ Z)? Claro que, quando somamos as cardi-
nalidades #X, #Y , e #Z, estamos a contar mais do que uma vez os elementos de
X ∩ Y , de Y ∩ Z e de X ∩ Z. Podemos ser tentados a supor que a fórmula correcta
é: #(X ∪ Y ∪ Z) = #X + #Y + #Z − #(X ∩ Y ) − #(Y ∩ Z) − #(X ∩ Z). Isto
só é verdade se X ∩ Y ∩ Z = ∅, i.e., se não houverem elementos comuns aos três
conjuntos originais. Mas, quando isto não acontece, um elemento de X ∩ Y ∩ Z é
contado uma vez em cada parcela #X, #Y e #Z e, por sua vez, descontado uma
vez em cada uma das parcelas #(X ∩ Y ), #(Y ∩ Z) e #(X ∩ Z). Em suma, não
é contado pelo segundo membro da fórmula acima. Por conseguinte, a fórmula
correcta tem que ser:
#(X ∪ Y ∪ Z) = #X + #Y + #Z − #(X ∩ Y )
− #(Y ∩ Z) − #(X ∩ Z) + #(X ∩ Y ∩ Z).
69
O (−1)n−1 fica menos, se + · · · + (−1)n−1 #(X1 ∩ X2 ∪ . . . ∩ Xn ).
n é par, e fica mais, se n
é ı́mpar. Pode demonstrar-se esta igualdade por indução em n. A ideia é reduzir o caso
n + 1 ao caso n, tal como se fez quando se deduziu a fórmula da cardinalidade da
união de três conjuntos a partir da fórmula para dois conjuntos. Há, porém, uma
demonstração alternativa mais perspicaz.
Há, porém, uma sobrecontagem neste raciocı́nio. Imaginemos que começamos por
escolher as quatro cartas 2♠, 4♦, D♣, 2♥ e que, em seguida, pegamos em 7♦ e R♦.
Ficamos com a mão 2♠, 4♦, D♣, 2♥, 7♦, R♦. Esta mesma mão também pode
ser obtida de duas outras maneiras de acordo com as especificações decorrentes
do raciocı́nio: vem, também, de se escolherem as cartas 2♠, 7♦, D♣, 2♥ seguidas
de 4♦, R♦ e, ainda, de se escolherem as cartas 2♠, R♦, D♣, 2♥ seguidas de 4♦,
7♦. Quer dizer, a mão 2♠, 4♦, D♣, 2♥, 7♦, R♦ é contada três vezes. Se todas as
mãos fossem contadas exactamente três vezes seria fácil remediar a sobrecontagem
- ( ).
(como já fizémos em outras ocasiões): a resposta correcta seria 31 134 · 48
2 .
70
O problema é, no entanto, mais complicado. Por exemplo, a mão 2♠, 3♠, 4♦, R♣,
2♥, 7♥ é contada quatro vezes. Se bem que seja possı́vel consertar a sobrecontagem
através de algumas manobras ad-hoc, a fórmula da inclusão/exclusão e (como
referimos) a manobra da passagem ao complementar fornecem-nos um método
uniforme de resolver este problema (este método funciona também para mãos com
um qualquer número de cartas — funciona, em particular, para as mãos de bridge,
que têm treze cartas).
Então, o conjunto de todas as mãos de seis cartas em que não aparecem todos os
naipes simultaneamente é ♠ ∪ ♦ ∪ ♣ ∪ ♥. Pela fórmula da inclusão/exclusão, a
cardinalidade deste conjunto é:
1, 2, 3, 1, 3, 2, 2, 1, 3, 2, 3, 1, 3, 1, 2 e 3, 2, 1,
71
Para cada 1 ≤ k ≤ n, seja Pk o conjunto de todas as permutações de n que deixam
fixa a k-ésima posição (a k-ésima pessoa atira o seu chapéu ao ar e recupera-o).
O número que pretendemos computar é
n¡ = n! − #(P1 ∪ . . . ∪ Pn ).
Ora, #Pk = (n − 1)!, pois a k-ésima pessoa fica com o seu chapéu e os restantes
n − 1 chapéus podem permutar arbitrariamente pelas restantes n − 1 pessoas. De
igual modo, #(Pk ∩ Pi ) = (n − 2)! quando k .= i. Em geral,
se os ı́ndices dos pês forem diferentes dois a dois (o número r destes ı́ndices é
inferior ou igual a n). Logo,
# $ # $
n n−1 n
#(P1 ∪ . . . ∪ Pn ) = n(n − 1)! − (n − 2)! + · · · + (−1) (n − n)!
2 n
n! n! n! n!
= − + − · · · + (−1)n−1
1! 2! 3! n!
# $
1 1 1 1
= n! − + − · · · + (−1)n−1
1! 2! 3! n!
e, portanto,
# $
1 1 1 n−1 1
n¡ = n! − n! − + − · · · + (−1)
1! 2! 3! n!
# $ n
1 1 1 1 % (−1)k
= n! 1 − + − + · · · + (−1)n = n! .
1! 2! 3! n! k!
k=0
72
Exemplo 3. Na secção anterior, obtivémos o número de funções sobrejectivas
entre dois conjuntos finitos à custa dos números de Stirling de 2a espécie. Agora,
vamos calcular este número de uma forma diferente.
Para cada 1 ≤ i ≤ m, seja Fi o conjunto de todas as funções de [n] para [m] \ {i}.
Previsivelmente, vamos contar o número de elementos da união F1 ∪ F2 ∪ . . . ∪ Fm
(i.e., o número de funções de [n] para [m] que não são sobrejectivas). Vê?
//
Esta secção contém material mais avançado sobre variantes do princı́pio da in-
clusão/exclusão. Alguns cálculos são mais técnicos e engenhosos, e o leitor menos
à vontade com manipulações de somatórios poderá querer esperar pela primeira
parte do próximo capı́tulo antes de estudar detalhadamente as demonstrações que
se seguem. Para formular perspicuamente uma generalização do princı́pio da in-
clusão/exclusão, começamos por introduzir alguma notação conveniente.
0n
Denotamos por Nk o conjunto dos elementos da união i=1 Xi que estão exacta-
mente em k dos conjuntos X1 , X2 , . . . , Xn , e denotamos por N≥k o conjunto dos
73
elementos que estão em pelo menos k dos conjuntos X1 , X2 , . . . , Xn . Observe-se
que Nk = N≥k − N≥k+1 . O princı́pio da inclusão/exclusão pode formular-se da
seguinte forma:
n
%
N≥1 = S1 − S2 + S3 − S4 + . . . = (−1)k−1 Sk .
k=1
74
n +# $ # $, %n # $
%
k−r k−1 k k−(r+1) k − 1
= (−1) Sk − = (−1) Sk
r−1 r r
k=r k=r
onde, no último passo, utilizámos a lei de Pascal.
e esta útima expressão não é mais do que (−1)r−i (1 − 1)i−r . Ora, isto dá 0, se
i > r, e dá 1, se i = r. Assim, substituindo este resultado no somatório original,
ficamos com
n # $ i # $
% i % i−r
Si (−1)i−r = Sr
i=r
r k−r
k=r
como se queria concluir.
75
N ≤ a0 − a1 + a2 , N ≥ a0 − a1 + a2 − a3 , et cœtera. Mais precisamente, se
1 t
2
%
t+1 k
(−1) N− (−1) ak ≥ 0
k=0
para todo 0 ≤ t ≤ n.
76
começámos a trabalhar simplifica-se para
n # $# $
% j−1 j−r−1
N≥j
j=t+1
r−1 t−r
que é, obviamente, uma soma não negativa.
Exercı́cios
x1 + x2 + x3 + x4 = 30
6. Quantas maneiras há de distribuir seis bolas idênticas por quatro caixas se a
primeira caixa só puder conter uma bola, a segunda duas bolas, a terceira três
bolas e a quarta quatro bolas?
7. Quantas são as sequências formadas por três a’s, três b’s e três c’s em que não
aparecem três letras iguais consecutivas?
77
8. Uma pessoa tem sete amigos e durante uma semana convida para jantar um
conjunto diferente de três amigos. De quantas maneiras se pode isto fazer de modo
a que todos os amigos vão jantar pelo menos uma vez?
78
1.6. Enumerabilidade
O Hotel Maravilha, situado em Infinitópolis, tem um número infinito de quartos,
um por cada número natural. O Sr. Fulano chega, um dia ao fim da tarde, à
recepção e pede um quarto. “Tenho muita pena, mas o hotel está cheio,” responde
a recepcionista. “Porém, como não é muito tarde e os hóspedes ainda não estão
a dormir, talvez se consiga arranjar uma solução. Aguarde um momento, por
favor!” Passado alguns minutos, a recepcionista volta com um largo sorriso e diz:
“Conseguimos arranjar-lhe um quarto: o número 0. Sabe, tivemos que mudar o
hóspede do quarto 0 para o quarto 1, o hóspede do quarto 1 para o quarto 2, e
assim sucessivamente. Felizmente, todos concordaram.” E lá foi o Sr. Fulano,
todo satisfeito, para o quarto número 0. Meia hora depois, chega ofegante à
recepção o Sr. Sicrano e dispara: “Tenho um grupo de turistas lá fora e ainda
não consegui arranjar um hotel para pernoitar. A senhora é a minha última
esperança.” A recepcionista lamenta-se que o hotel está cheio mas, perante a
insistência e o desespero do Sr. Sicrano, acaba por perguntar-lhe: “E quantas
pessoas são?” “Olhe, é um daqueles grupos infinitos, que ficam muito baratos.
Uma pessoa por cada número natural,” diz embaraçado. A recepcionista manifesta
o seu descontentamento, atira-lhe que é uma irresponsabilidade andar com um
grupo tão grande sem ter feito reservas atempadamente e, depois de acalmar, diz-
-lhe que talvez seja possı́vel arranjar quartos para o grupo mas que, para isso,
vai ter que incomodar os hóspedes do hotel. “E não sei se o devo fazer, pois já
os incomodei uma vez esta noite. Deixe-me falar com o gerente.” Depois de um
telefonema rápido ao gerente, que autoriza que se faça uma tentativa de vagar os
quartos, a recepcionista diz ao Sr. Sicrano: “Olhe, o seu grupo fica nos quartos
ı́mpares. Conseguimos mudar todos os hóspedes para os quartos pares!”
Definição. Um conjunto não vazio diz-se enumerável se for possı́vel listá-lo por
meio de uma sequência infinita: x0 , x1 , x2 , x3 , x4 , . . . De um modo mais formal,
diz-se que um conjunto não vazio X é enumerável se for imagem sobrejectiva do
conjunto dos números naturais. Por conveniência, diz-se que o conjunto vazio ∅ é
enumerável.
79
2. Todo o conjunto finito {a1 , a2 , . . . , an } é enumerável, pois (caso não seja vazio)
podemos repetir um dos seus elementos um número infinito de vezes:
a1 , a2 , . . . , an , an , an , an , . . .
x0 , x1 , x2 , . . . e y0 , y1 , y2 , . . . ,
x0 , y0 , x1 , y1 , x2 , y2 , . . .
!, 0, 1, 00, 01, 10, 11, 000, 001, 010, 011, 100, 101, 110, 111,
0000, 0001, 0010, 0011, 0100, 0101, 0110, 0111, 1000, 1001, . . .
Este exemplo é um caso particular de uma situação mais geral. Dado um conjunto
A, finito e não vazio, denota-se por A∗ o conjunto de todas as sequências finitas de
elementos de A. Neste contexto, diz-se que A é um alfabeto, os seus elementos
dizem-se as letras (ou os “sı́mbolos”) e os elementos de A∗ dizem-se as palavras
desse alfabeto. Por exemplo, se o alfabeto é {0, 1}, então o conjunto {0, 1}∗ das
suas palavras é o conjunto de todas as sequências binárias finitas. O que queremos
observar é que o conjunto das palavras de um alfabeto (finito) é enumerável. A
estratégia para obter a enumeração é a mesma do caso das sequências binárias.
Começa-se pela palavra de comprimento zero e prossegue-se, sucessivamente, com
as palavras de comprimento um, comprimento dois, comprimento três, et cœtera.
Dentro de cada comprimento, usamos a ordem lexicográfica baseada numa or-
denação prévia dos elementos de A. Por exemplo, se A = {a, b, c, d}, ficamos com
a enumeração:
!, a, b, c, d, aa, ab, ac, ad, ba, bb, bc, bd, ca, cb, cc, cd, da, db, dc, dd,
aaa, aab, aac, aad, aba, abb, abc, abd, aca, acb, acc, acd, ada,
80
adb, adc, add, baa, bab, bac, bad, bba, bbb, bbc, bbd, bca, . . .
x00 , x01 , x10 , x02 , x11 , x20 , x03 , x12 , x21 , x30 , x04 , x13 , x22 , x31 , x40 , x05 , x14 , . . .
81
Proposição. Um conjunto infinito é numerável se, e somente se, é enumerável.
Dado este estudo preliminar de conjuntos infinitos, uma questão intrigante que
se coloca é saber se todo o conjunto infinito tem cardinalidade ℵ0 (ou, equivalen-
temente, se é enumerável). Há pouco mais de cem anos, o matemático alemão
George Cantor (1845-1918) respondeu negativamente a esta questão.
82
entrada si desta enumeração é uma sequência binária infinita, i.e.,
onde cada sij é 0 ou 1. Então, pelo lema anterior, existe uma sequência binária
infinita que difere de toda a linha da “matriz” quadrada infinita de zeros e uns
s00 s01 s02 s03 ···
s10 s11 s12 s13 ···
s20 s21 s22 s23 ···
s30 s31 s32 s33 ···
.. .. .. .. ..
. . . . .
Dito de outro modo, existe uma sequência binária infinita que não ocorre na lista
s0 , s1 , s2 , . . . , o que (obviamente!) contradiz a suposição de que s0 , s1 , s2 , . . . enu-
mera todas as sequências binárias infinitas.
Vamos terminar esta secção (e este capı́tulo) com dois exemplos muito importantes
em matemática.
83
dos números reais que se podem escrever na forma
∞
% δk
10k
k=1
onde cada δk , ou é 0, ou é 1, é enumerável. Como este conjunto X está em
correspondência biunı́voca com o conjunto de todas as sequências binárias infinitas,
concluı́mos que este último conjunto é enumerável. Mas isto contradiz o Teorema
de Cantor!
Exercı́cios
84