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Atividade de Língua Portuguesa

O texto a seguir foi publicado em uma revista semanal de grande circulação.


A autora é a escritora, tradutora e professora aposentada Lya Luft. Nascida em Santa Cruz do Sul (RS), em uma família de origem germânica,
tem uma obra que inclui livros de poemas, contos, crônicas e romances.
Neste artigo de opinião, Lya Luft propõe uma reflexão sobre as origens do preconceito e suas consequências para a vida em sociedade. O
título do texto sugere uma associação entre medo e preconceito.

Medo e preconceito

O tema é espinhoso. Todos somos por ele atingidos de uma forma ou de outra, como autores ou como objetos dele. O preconceito nasce do
medo, sua raiz cultural, psíquica, antropológica está nos tempos mais primitivos - por isso é uma postura primitiva -, em que todo diferente era
um provável inimigo. Precisávamos atacar antes que ele nos destruísse. Assim, se de um lado aniquilava, de outro esse medo nos protegia - a
perpetuação da espécie era o impulso primeiro.
Hoje, quando de trogloditas passamos a ditos civilizados, o medo se revela no preconceito e continua atacando, mas não para nossa
sobrevivência natural; para expressar nossa inferioridade assustada, vestida de arrogância. Que mata sob muitas formas, em guerras
frequentes, por questões de raça, crença e outras, e na agressão a pessoas vitimadas pela calúnia, injustiça, isolamento e desonra. Às vezes,
por um gesto fatal.
Que medo é esse que nos mostra tão destrutivos? Talvez a ideia de que "ele é diferente, pode me ameaçar", estimulada pela "inata maldade do
nosso lado de sombra (ele existe, sim).
Nossa agressividade de animais predadores se oculta sob uma camada de civilização, mas está à espreita - e explode num insulto, na
perseguição a um adversário que enxovalhamos porque não podemos vencê-lo com honra, ou numa bala nada perdida. Nessa guerra ou
guerrilha usamos muitas armas: uma delas, poderosa e sutil, é a palavra.
Paradoxais são as palavras, que podem ser carícias ou punhais. Minha profissão lida com elas, que desde sempre me encantam e me
assombram houve um tempo, recente, em que não podíamos usar a palavra "negro" Tinha de ser "afrodescendente", ou cometíamos um crime.
Ora, ao mesmo tempo havia uma banda Raça Negra, congressos de Negritude...e afinal descobrimos que, em lugar de evitar a palavra,
podíamos honrá-la.
Lembremos que termos usados para agredir também podem ser expressões de afeto. "Meu nego", "minha neguinha", podem chamar uma
pessoa amada, ainda que loura. "Gordo", tanto usado para bullying, frequentemente é o apelido carinhoso de um amigo, que assim vai assinar
bilhetes a pessoas queridas. Ao mesmo tempo, palavras como "judeu, turco, alemão" carregam, mais do que ignorância, um odioso preconceito.
De momento está em evidência a agressão racial em campos esportivos: "negro", "macaco" e outros termos, usados como chibata para
massacrar alguém, revelam nosso lado pior, que em outras circunstâncias gostaríamos de disfarçar - a grosseria, e a nossa própria
inferioridade. Nesses casos, como em agressões devidas à orientação sexual, a atitude é crime, e precisamos da lei.

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No país da impunidade, necessitamos de punição imediata, severa e radical. Me perdoem os seguidores da ideia de que até na escola devemos
eliminar punições, a teoria do "sem limites". Não vale a desculpa habitual de "não foi com má intenção, foi no calor da hora, não deem
importância". Temos de nos importar, sim, e de cuidar da nossa turma, grupo, comunidade, equipe ou país. Algumas doenças precisam de
remédios fortes: preconceito é uma delas.
"Isso não tem jeito mesmo", me dizem também. Acho que tem. É possível conviver de forma honrada com o diferente: minha família, de
imigrantes alemães aqui chegados há quase 200 anos, hoje inclui italianos, negros, libaneses, portugueses. Não nos ocorreria amar ou
respeitar a uns menos do que a outros: somos todos da velha raça humana. Isso ocorre em incontáveis famílias, grupos, povos. Porque são
especiais? Não. Simplesmente entenderam que as diferenças podem enriquecer.
Num país que sofre de tamanhas carências em coisas essenciais, não devíamos ter energia e tempo para perseguir o outro, causando-lhe
sofrimento e vexame, por suas ideias, pela cor de sua pele, formato dos olhos, deuses que venera ou pessoa que ama.
Nossa energia precisa se devotar a mudanças importantes que o povo reclama. Nestes tempos de perseguição, calúnia, impunidade e
desculpas tolas, só o rigor da lei pode nos impedir de recair rapidamente na velha selvageria. Mudar é preciso.

Lya Luft. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/tema-livre/lya-luft-medo-e-preconceito/». Acesso em: 7 maio 2015.

Glossário
À espreita: à espera. Perpetuação: ato ou efeito de perpetuar-se, de manter-se por
Antropológico: relativo à Antropologia , ciência que estuda a longo tempo.
cultura do ser humano em todos os seus aspectos. Primitivo: que é o primeiro a existir.
Calúnia: afirmação falsa a respeito de alguém. Psíquico: relativo à esfera mental ou comportamental do
Carência: falta de algo necessário; privação; necessidade. indivíduo; psicológico.
Chibata: chicote. Severo: que se cumpre com rigor.
Enxovalhar: dirigir insultos. Troglodita: relativo aos indivíduos que habitavam as cavernas.
Inato: que pertence ao ser desde o nascimento. Venerar: idolatrar, reverenciar.

Análise do texto

1. Releia o primeiro parágrafo do texto e responda às questões.

O tema é espinhoso. Todos somos por ele atingidos de uma forma ou de outra, como autores ou como objetos dele. O preconceito nasce do
medo, sua raiz cultural, psíquica, antropológica está nos tempos mais primitivos - por isso é uma postura primitiva -, em que todo diferente
era um provável inimigo. Precisávamos atacar antes que ele nos destruísse. Assim, se de um lado aniquilava, de outro esse medo nos protegia
- a perpetuação da espécie era o impulso primeiro.

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a) Como a autora justifica a importância de tratar o tema do preconceito?
b) No trecho, a quem se refere o pronome sua, em destaque?
c) Nesse trecho, a palavra raiz não está no sentido literal. Explique o seu significado nesse contexto.
d) Explique por que, segundo a autora, é possível afirmar que o preconceito é uma postura primitiva.

2. O título insinua que há uma relação entre o sentimento de medo e o preconceito. Quais relações a autora estabelece entre esses elementos?

3. O último parágrafo apresenta uma conclusão sobre o tema. Identifique a frase que sintetiza a principal sugestão da autora para resolver o
problema do preconceito. Explique essa sugestão.

4. Neste mesmo parágrafo, a autora chama a atenção do leitor para o risco de recairmos em atos que lembrem o que ela chama de "velha
selvageria". Considerando as ideias apresentadas no primeiro parágrafo, explique o sentido dessa expressão.

Em um artigo de opinião, o primeiro parágrafo contextualiza o tema que será tratado no texto e antecipa a posição do autor sobre esse
tema. Já o parágrafo de conclusão retoma as ideias apresentadas anteriormente e/ou aponta soluções para os problemas levantados no
texto.

Tipos de argumentos: exemplos e contra-argumentos

Releia os parágrafos a seguir.


Paradoxais são as palavras, que podem ser carícias ou punhais. Minha profissão lida com elas, que desde sempre me encantam e me
assombram: houve um tempo, recente, em que não podíamos usar a palavra "negro". Tinha de ser "afrodescendente", ou cometíamos um crime.
Ora, ao mesmo tempo havia uma banda Raça Negra, congressos de Negritude... e afinal descobrimos que, em lugar de evitar a palavra,
podíamos honrá-la.
Lembremos que termos usados para agredir também podem ser expressões de afeto. "Meu nego", "minha neguinha", podem chamar uma
pessoa amada, ainda que loura. "Gordo", tanto usado para bullying, frequentemente é o apelido carinhoso de um amigo, que assim vai assinar
bilhetes a pessoas queridas. Ao mesmo tempo, palavras como "judeu, turco, alemão" carregam, mais do que ignorância, um odioso preconceito.

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5. Segundo a autora, as palavras podem ser uma das armas utilizadas nos enfrentamentos gerados pelo preconceito. Ela afirma que as
palavras podem ser, ao mesmo tempo, "carícias ou punhais".

a) Explique o significado dessa afirmação.


b) Como a autora comprova que as palavras podem ser carícias?
c) Como ela comprova que as palavras podem ser punhais?
d) Releia a seguinte afirmação: Paradoxais são as palavras, que podem ser carícias ou punhais.

> Levando em conta as respostas dadas às questões anteriores, explique o que a autora quis dizer ao afirmar que as palavras são paradoxais.

Para convencer o leitor ou o ouvinte de uma dada opinião, é preciso apresentar motivos que sejam capazes de justificá-la. Os motivos usados
em um texto com a intenção de convencer recebem o nome de argumentos.
Um dos tipos de argumentos que podem ser usados são os exemplos, que oferecem aos leitores fatos concretos para comprovar que a
opinião defendida não é baseada apenas em impressões pessoais.

6. Releia o parágrafo a seguir.

[...] É possível conviver de forma honrada com o diferente: minha família, de imigrantes alemães aqui chegados há quase 200 anos, hoje inclui
italianos, negros, libaneses, portugueses. Não nos ocorreria amar ou respeitar a uns menos do que a outros: somos todos da velha raça
humana. Isso ocorre em incontáveis famílias, grupos, povos. Porque são especiais? Não. Simplesmente entenderam que as diferenças podem
enriquecer.

a) Identifique no parágrafo duas orações que sintetizam os argumentos apresentados para defender o ponto de vista da autora.
b) Qual a função de citar o exemplo de sua família nesse trecho do texto?
c) Nesse mesmo parágrafo, a autora apresenta outra justificativa que pode ser utilizada para confirmar seu ponto de vista. Que justificativa é
essa?

Em um artigo de opinião e em textos argumentativos em geral, o autor precisa refutar os argumentos contrários aos seus para que sua opinião
prevaleça. O argumento usado para combater outro é chamado de contra-argumento. Para elaborar contra-argumentos, é necessário saber
quais ideias contrárias às que defenderá são mais correntes entre seus leitores.

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