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O escritor turco Orhan Pamuk: 'Sou best-seller, mas meus leitores não mudam de ideia só porque eu

disse algo' — Foto: Hakan Ezilmez, Yapı Kredi Kültür Sanat Yayıncılık Archive

Cultura / Livros

Orhan Pamuk: 'A Turquia está


melhorando. Antes eu andava com três
guarda-costas e agora tenho um só'
Ao lançar o romance 'A mulher ruiva' no Brasil, Nobel de Literatura turco fala de
relação entre tradição e modernidade, 'mau gosto' do capitalismo e rumos de
seu país
Por Ruan de Sousa Gabriel — São Paulo
12/08/2023 04h30 · Atualizado há 48 minutos

Na Grécia, um filho fura os próprios olhos após descobrir que matara o pai e
se deitara com a mãe. Na Pérsia, um pai chora sem parar quando percebe ter
matado o filho em combate. Em “A mulher ruiva”, romance recém-lançado no
Brasil, o escritor turco Orhan Pamuk compara estas duas tragédias — a de
Édipo e a de Rostam (o pai) e Sohrab (o filho) — para debater um tema que
perpassa toda a sua obra: a identidade turca, dividida entre o Ocidente e o
Oriente.

· Jonathan Franzen: 'Temo que gateiros me ameacem de morte ou me


ataquem fisicamente'

· 'Beowulf': Épico inglês que inspirou Tolkien, Borges, filme e cordel


ganha nova tradução no Brasil

No romance, quem reflete sobre Édipo, Rostam e Sohran é o narrador, Cem


Çelik, filho de um farmacêutico marxista que abandona a família. Para
sustentar a si mesmo e à mãe, Cem passa a ajudar um cavador de poços,
conhecedor do Corão e de mitos orientais, e que logo se torna uma figura
paterna. É nessa época que ele conhece a mulher ruiva do título. Já adulto e
frustrado por não ter filhos, Cem passa a questionar sua relação com o pai
ausente e rememorar os ensinamentos do pai postiço, o poceiro. É quando ele
descobre a história de Rostam e Sohran e se pergunta: a Turquia teria
conseguido se modernizar sem romper com suas raízes orientais?

Vencedor do Nobel de Literatura em 2006, Pamuk é um filho da Turquia


secular, erguida no início do século XX sobre os escombros do Império
Otomano. Já enfrentou dois processos políticos: por chamar atenção para os
genocídios de armênios e curdos e por supostamente ridicularizar Mustafa
Kemal Atatürk (1881-1938), o fundador da República da Turquia, em seu último
romance, “Noites da peste”, inédito no Brasil.

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· Deborah Levy: Em trilogia autobiográfica, autora explica por que


escreve sobre coisas que preferiria não saber

Em entrevista ao GLOBO, de um balneário a poucas horas de Istambul, Pamuk


falou sobre sua relação tensa com a tradição, comentou sua fama de profeta e
lamentou a deterioração da democracia turca sob Recep Tayyip Erdogan,
presidente nacionalista e autoritário que se reelegeu em maio. O escritor,
porém, não perde o bom humor:

— A Turquia está melhorando. Antes eu andava com três guarda-costas e


agora tenho um só (risos).
Por que a história de Rostam e Sohrab chamou sua atenção?

Pela simetria com “Édipo rei”. Na Grécia, o filho mata o pai. É o triunfo do
individualismo. Na Pérsia, o pai mata o filho. É a tradição contra o novo. Há
muitas pinturas de Rostam chorando após matar o filho. Isso é típico da minha
parte do mundo: primeiro se mata, depois se chora. Primeiro, mandam a
oposição e os artistas para a cadeia, depois dizem que estão arrependidos.

· Emmanuel Carrère: 'Tenho mais talento para ser um bom escritor do


que um homem bom'

Existe complexo de Sohrab?

Existe complexo de Rostam. Ele é o assassino da história. O complexo de


Rostam é uma angústia que leva a destruir o novo, a criatividade das novas
gerações. É a tentativa de deter a primavera. Eu já queria comparar essa
história com “Édipo” e à medida que Erdogan ficava mais e mais autoritário,
achei que havia chegado a hora de escrever.

A mulher ruiva diz: “Neste país, todos temos muitos pais. A pátria, Alá, o
Exército, a Máfia”. Foi assim com você?

Tive um pai libertário e ausente, que lia o tempo todo. Meu livro “Meu nome é
vermelho”, sobre um pai que desaparece e uma mãe que tenta controlar os
filhos, é bem autobiográfico. Meu pai nunca gritou comigo ou me bateu.
Nunca tive medo que ele me desaprovasse. Vários dos meus amigos não
levaram a vida de que gostariam por medo, porque queriam ser bons
meninos para ter a aprovação do pai. Tradição é isso, é esse tipo de repressão.
Eu tenho uma filha e tento não ser muito repressivo. Quero ser um pai liberal,
de esquerda. E aceito as consequências disso. Todos os filhos dos meus
amigos de esquerda são de direita! Nunca vi filho de esquerdista que estivesse
à esquerda do próprio pai (risos)!
·
Julian Barnes: 'A cada dia, odeio mais o monoteísmo. E os
missionários'

O narrador reclama que, de tão ocidentalizados, os turcos esqueceram


seus antigos poetas e mitos, ao contrário dos iranianos...

Sim, mas o Irã é uma teocracia islâmica.

Exatamente. Conciliar a tradição e modernidade era uma opção para a


Turquia?

O único país que conseguiu fazer isso foi o Japão, tão invejado pelos
intelectuais turcos. A combinação japonesa de capitalismo com ética
tradicional resultou em uma vida cotidiana que é muito pouco igualitária ou
libertária. Embora tenham conseguido preservar a arte e a arquitetura
tradicionais.

Em seus romances, você lamenta que a modernidade capitalista tenha


destruído a arquitetura da Istambul antiga.

E é um capitalismo de péssimo gosto, sem noção de estilo. O capitalismo é


inevitável, mas não dava para ser bonito? Não sou um crítico dos arranha-céus,
mas do mau gosto.
Ilustração em um muro de Teerã do mito de Rostam e Sohrab, um dos pontos de partida do livro de Orhan Pamuk — Foto:
Reprodução/ Wikimedia

Você é um turco ocidentalizado. Como lida com a tradição?

Não dá para abraçar toda a tradição, que, em si, não é igualitária ou secular,
mas militarista e pouco democrática. Havia haréns no Império Otomano.
Devemos respeitar essa parte da nossa tradição? Escritores de uma geração
anterior à minha desprezavam tudo o que era otomano. Já eu gosto das
miniaturas, da arquitetura. Também dá para salvar a música, a comida,
alguma pintura, a poesia, as alegorias do sufismo islâmico.

Há quem diga que o secularismo turco foi tão radical que alienou os
religiosos e os jogou no colo de Erdogan.

Isso é parcialmente verdade. Os secularistas envolveram tanto o Exército na


política, dando golpes para se livrar de tipos como Erdogan e desprezando o
voto popular, que ganharam a antipatia dos eleitores e botaram o liberalismo
como um todo a perder. Mas isso não quer dizer que os turcos estejam muito
felizes com Erdogan. Veja a amizade dele com Putin, por exemplo.

Qual o estado da democracia turca sob Erdogan?

A Turquia não é mais uma democracia plena. É uma democracia eleitoral


limitada. Uma democracia plena respeita os direitos das mulheres e das
Livros
minorias e garante oportunidades iguais nas eleições. As últimas eleições só
foram limpas na contagem dos votos. Erdogan abusou de seu poder, colocou
fotos suas em todos os prédios do governo, prendeu opositores, pressionou o
Judiciário. Não há liberdade de expressão. Erdogan força os jornais a
inventarem mentiras sobre a oposição. E assim ele ganha eleições. É uma
vergonha!

· Eugênio Bucci: 'Desinformação fabricada industrialmente também é


poder'

Acredita que seu papel como escritor e intelectual público mudou com a
escalada autoritária na Turquia?

Erdogan controla tanto os jornais que ninguém mais quer lê-los. Ainda tenho
espaço nos sites da oposição e na imprensa estrangeira. Há alguns anos,
Erdogan me chamou de terrorista, mas voltou atrás. Já fui processado duas
vezes. Se continuar falando, talvez venha mais um processo e mais comoção
internacional, que não serve para mudar a opinião de quase ninguém. Sou um
best-seller na Turquia, mas meus leitores não mudam de ideia só porque eu
disse alguma coisa. Falei tantas vezes para não votarem em Erdogan e mesmo
assim ele ganhou (risos)!
Você se sente seguro? Desde o primeiro processo, você anda com guarda-
costas.

A Turquia está melhorando. Antes eu andava com três guarda-costas e agora


tenho um só (risos).

Em 2021, você lançou o romance “Noites da peste”, ainda inédito no


Brasil...

Quando lancei “Neve”, disseram que eu havia profetizado o 11 de Setembro


(Osama bin Laden aparece no livro). Durante divulgação de “Noites da peste”
na Europa, falaram que eu havia previsto a pandemia e perguntaram qual
seria a minha próxima profecia. Brinquei que ia escrever um romance sobre
um terremoto em Istambul. E em fevereiro, um terremotos atingiu a Turquia (e
deixou mais de 50 mil mortos). Fiquei muito deprimido. Mas não foi profecia,
foi estatística. Todos os cientistas sabiam que poderia haver um terremoto
como aquele na Turquia.

Você começou a escrever “Noites da peste” antes da Covid-19. Isso te


preparou para enfrentar a pandemia?

Quando começou a quarentena, meus amigos disseram: “Você é muito


sortudo! Ganhou publicidade de graça para o seu livro!” Não foi bem assim.
Minha tia foi uma das primeiras pessoas a morrer de Covid na Turquia. Eu não
queria que pensassem que escrevi o livro rápido só para atrair interesse das
pessoas. Mas depois editores do mundo todo começaram a me pedir para
terminar o livro logo (risos). Antes, meus amigos me falavam: “Quem vai ler um
livro sobre uma epidemia? Quem se importa com quarentena?” De certa
forma, eu passei a vida toda em quarentena, escrevendo meus romances. Não
conte para ninguém, mas tenho boas memórias do isolamento.
Capa de "A mulher ruiva", romance do Nobel de Literatura turco Orhan Pamuk — Foto: Reprodução

Serviço:
‘A mulher ruiva’

Autor: Orhan Pamuk. Tradutor: Luciano Vieira Machado. Editora: Companhia


das Letras. Páginas: 280. Preço: R$ 74,90.

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