DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA SEMINÁRIO AVANÇADO II A
Aluna: Maria Clara dos Santos Dieguez MARIA CLARA
Docente: Vi Grunvald d
Transfeminismo óticas e perspectivas
O transfeminismo, enquanto perspectiva dinâmica de pensamento-ação,
é produzido pelo protagonismo de pessoas trans, que pautam suas lutas, saberes e experiências na problematização e proposição de outras formas de conhecimento. Discute a fundo uma das matrizes normativas centrais de nossa sociedade: a designação compulsória em termos de sexo/gênero baseada na genitália de cada pessoa que nasce, produzindo e reiterando a norma cisgênera como elemento central na organização das designações e experiências dos corpos.
O transfeminismo é uma corrente do feminismo voltada especialmente
às questões da transgeneridade. O transfeminismo nasce da aplicação de conceitos e pautas relacionadas à transgeneridade ao discurso feminista, e do discurso feminista sobre os conceitos da transgeneridade. De acordo com Preciado, o projeto transfeminista significa resgatar o movimento feminista de suas próprias armadilhas, mover este feminismo, deslocá-lo para uma autocrítica. Os corpos que compõem o transfeminismo não são “as mulheres", mas sim os “usuários críticos das tecnologias de produção das subjetividades políticas”, uma “revolução somatopolítica”.
A preocupação do autor nesse texto é quebrar o paradigma da diferença
sexual e reformular o entendimento sobre feminilidade, masculinidade, heterossexualidade e homossexualidade, e para isso ele sustenta que as sociedades contemporâneas operam através de dispositivos de produção de verdade, ou tecnologias sociais, que asseguram a dominação e a distribuição assimétrica do poder, estabelecendo hierarquias, privilégios e abjeções ao longo da história, mas acima de tudo a partir da modernidade. De acordo com Paul Preciado o gênero é algo que fazemos e não algo que somos, sendo uma relação entre todos e não somente uma essência. O gênero não é uma máquina que você tem sobre posse, é então uma máquina viva que você incorpora e a usa sem possuir. Também não é questão de propriedade individual, o gênero é importante para nós com um conjunto de relações sociais, políticas e econômicas, e somente dentro desse conjunto ele pode ter uma renegociação. m
Sendo assim, tendo o gênero como uma imposição social, as pessoas
não-binárias acabam com a heteronormatividade, com o mecanismo neocolonial de controle e marcação dos corpos que atuam na violência. As opressões sofridas pela população LGBT+ se interseccionam, visando que podem variar com a região e as circunstâncias socioeconômicas e culturais, por isso os LGBT+ têm que estar sempre colocando em pauta as suas lutas diárias e reivindicando seu espaço. O transfeminismo emerge dessa relação com o movimento feminista, tomando-o como fundamental para o entendimento do que seriam as reivindicações trans. O debate feminista em defesa dos direitos da mulher no âmbito sexual, social, político, econômico amplia as perspectivas dos discursos para além, possibilitando a crítica das opressões de gênero, questão fundamental na luta de pessoas trans.
Paul problematiza o conceito de gênero, argumentando que não se trata
de uma marcação cultural num corpo e sexo predeterminados, mas uma produção discursiva sobre o sexo. Assim, recusa a ideia de que o gênero é da cultura e o sexo da natureza, argumentando que gênero é resultado de um jogo discursivo/cultural. Mais do que isso, que gênero produz uma certa ideia de natureza sexuada, além de visibilizar as experiências trans e criticar o binarismo de gênero e sexual, o transfeminismo deve ser uma luta integradora e transformadora que envolve também raça e classe, entre outras questões, e nos faz ver e viver as intersecções nos corpos e sexualidade.
Muitas críticas trans que partem de perspectivas como as das
formulações de Paul B. Preciado, buscaram uma importante ênfase na desnaturalização das relações patriarcais de gênero, que são frequentemente tomadas como naturais ou inevitáveis, mesmo por algumas feministas. Partindo das perspectivas de identidades trans que recebem acusações de serem “muito artificiais”, teóricos transfeministas têm buscado denunciar os modos como todas as relações de gênero são produzidas e reforçadas artificialmente, inclusive nossas próprias compreensões sobre o corpo e a diferença sexual. Outras pessoas trans cujas experiências escapam do binarismo de gênero também se beneficiaram muito dessas críticas, e têm desafiado o movimento feminista em relação aos seus próprios pressupostos. Buscando novos modos de viver e se relacionar fora das rígidas regras binárias instituídas nas relações patriarcais de gênero, pessoas trans não-binárias se veriam liberadas por um compromisso feminista que busca mudar radicalmente as relações de gênero como as conhecemos. Sem abordar de modo radical essas instituições, não poderemos mudá-las, e as principais ferramentas críticas para essa abordagem partem dos estudos e práticas feministas.
Além disso, é imprescindível retomarmos a questão central que o
transfeminismo nos sugere: o ativismo político como perspectiva inerente à produção de conhecimento. A consideração da ocupação de lugares de visibilidade para pessoas trans é fundamental para a produção de conhecimentos que abarquem óticas mais plurais, e não apenas a reprodução das dos mesmos modelos já institucionalizados. Assim, a pauta do direito à autoatribuição das identidades de gênero deve estar no campo ético da pesquisa, traçando caminhos alternativos para as disputas políticas no campo de gênero e sexualidade. Trata-se de um terreno fértil para a elaboração de outras formas de se pensar a psicologia para além das mensurações, objetivações e generalizações científicas, no diálogo crítico e potente com movimentos sociais como o transfeminismo, que lutam pela emancipação de pessoas trans e, com isso, desestabilizam práticas científicas e políticas de assujeitamento, segregação e silenciamento desses sujeitos.
Assim, o transfeminismo surge como movimento para desessencializar e
desnaturalizar os gêneros e para abarcar múltiplas possibilidades de autodefinição em diálogo com corpos dissidentes da cis-heteronormatividade, reconhecendo que muitas performances e experiências não escritas dentro do termo ‘mulheridades’ possam a ser parte do feminismo, como as que se reconhecem dentro das travestilidades. Nesse sentido, também cabe dizer que a luta pela qual os corpos trans reivindicam, é similar em alguns aspectos com a luta das mulheres negras já reivindicavam, através da busca de um conceito mais amplo dentro do feminismo, onde não se abarcava apenas os corpos brancos e se buscava a interseccionalidade das múltiplas opressões e seus efeitos. Porém, agora visto sobre a perspectiva transfeminista temos um aspecto mais amplo de dissidência da norma, em que se reinvindica também um conceito que abarque os corpos que não performam a cis-heteronormatividade, e as opressões dos mesmos.
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