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Neologia do Português em Angola

A inovação lexical do Português na Zona Linguística Umbundu

José Cambuta
Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau
de Doutor em Lexicologia, Lexicografia e Terminologia, realizada sob a orientação
José Cambuta, A neologia do Português em Angola. A inovação lexical do Português

científica da Professora Doutora Maria Teresa Rijo da Fonseca Lino

Tese de Doutoramento em Linguística


Especialidade de Lexicologia, Lexicografia e Terminologia
na Zona Linguística Umbundu, 2018

Orientadora: Professora Doutora Maria Teresa Rijo da Fonseca Lino

Outubro, 2018
Neologia do Português em Angola
A inovação lexical do Português na Zona Linguística Umbundu

José Cambuta

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Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção
do grau de Doutor em Lexicologia, Lexicografia e Terminologia,

realizada sob a orientação científica da

Professora Doutora Maria Teresa Rijo da Fonseca Lino

O doutorando beneficiou de uma Bolsa de Estudo

da Fundação Calouste Gulbenkian

- Serviços de Bolsas de Estudo -

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Dedicatória

Aos meus queridos Pais, in memoriam

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Agradecimentos

O percurso académico que conduz a uma etapa de doutoramento que hoje se cumpriu
foi marcado por realidades variadas, momentos diversos e acontecimentos sucessivos. A meta é
sinónimo de satisfação. O fim airoso é sinónimo de trabalho. Não há labor sem forças, como
não há força sem união. Com estas palavras desejo manifestar o meu reconhecimento e gratidão
a tudo que me fez chegar até a esta fronteira, outrora ‘ininteligível’ e hoje uma evidência.

Dou graças a Deus que, com a Sua Mão poderosa e através do Seu Espírito tem vindo a
fazer-me caminhos, por mim, jamais imaginados, permitindo fazer nascer um dia, hoje, e um
acontecimento, o fim de um percurso.

A minha gratidão vai para a Profª Doutora Maria Teresa Rijo da Fonseca Lino, figura
tão admirada quanto respeitada nesta Faculdade de Ciências Sociais e Humanas pelo seu
compromisso com a ciência, academia e com a instrução das novas gerações no campo dos
estudos da Linguística, particularmente, no domínio da Lexicologia, Lexicografia e
Terminologia cuja voz e trabalho são uma das primícias nesta área, cá em Portugal, por ter
aceitado o desafio que lhe lancei de me acompanhar neste percurso do trabalho conducente ao
grau de Doutor. Não é só isto. É digna de reconhecimento, a mestria, sabedoria, pedagogia e
proximidade com que fez o seguimento da minha investigação até à redacção final da Tese.

Iço o meu agradecimento à Fundação Calouste Gulbenkian que, num momento de


dificuldades tornou-se num instrumento e num caminho que me conduziram ao final do meu
percurso de Doutoramento pelo financiamento que me fez deste Ciclo de estudos através dos
seus serviços de Apoio e de Bolsas aos estudantes dos PALOP e outros. Agradeço por mim e
por todos os que, pelo tempo, em Portugal, nos domínios da ciência e da investigação,
beneficiaram do apoio da Bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian. À Fundação, o meu singelo
reconhecimento.

Deixo a minha gratidão aos Professores Doutores da FCSH-UNL, muito


particularmente, os Professores do Centro de Linguística que me iniciaram no longo atalho da
investigação, partilhando comigo o seu saber e a sua amizade. À Paula. C. F. Pelouro pelo apoio
mais técnico à minha tese, a minha mais singela gratidão.

Cumpre-me o dever de uma tamanha e reverente gratidão ao meu Arcebispo, o Sr. D.


José de Queirós Alves, Arcebispo Metropolita da Arquidiocese do Huambo, que não calculou
esforços na aposta na minha formação e na de vários sacerdotes da Arquidiocese. Apesar das
enormes dificuldades em todas as frentes, tem sabido orientar a sua Igreja diocesana e o seu
Clero pelos caminhos mais seguros formando e preparando o futuro da Igreja em Angola para a
sociedade angolana. Por tudo isso e por mais, a minha gratidão.

Finalmente, uma palavra de gratidão à minha família, aos meus queridos Pais Justina
Katumbu e Feliciano Bapolo, a quem o Senhor se dignou já chamar deste mundo, às minhas
irmãs Amélia Tchilonga, Rosa Ndembeleke, Mariana Rita, Ana Luís, aos meus sobrinhos
Agostinho Leonardo, Justina Raquel Vicente, Isabel Nambila e Paula Feliciana, pelas suas
orações, aos meus colegas no ministério sacerdotal e na formação em Lisboa, Pe. Henrique
Simão Mutali e Pe. Adelino Prata pela amizade e proximidade, a minha mais elevada gratidão.

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Neologia do Português em Angola

A inovação lexical do Português na Zona Linguística Umbundu

José Cambuta

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Resumo

As sociedades no mundo vivem hoje o fenómeno da modernidade em que a


comunicação entre os Povos se tornou uma realidade privilegiada. A comunicação une pessoas,
encurta as distâncias, gere os negócios, transmite cultura, orienta a política e tornou o mundo
numa “aldeia global”. Por isso, o estudo das línguas naturais é, nos tempos modernos, uma
exigência e uma urgência idiossincrática do novo mundo. Uma vez que o léxico de uma língua é
uma estrutura dinâmica que acompanha também o ritmo das mutações sociais e civilizacionais,
ao que podemos chamar “Globalização Linguística”, o estudo da língua como uma entidade que
se renova para se ajustar às velozes dinâmicas deste mundo globalizado, na sua dimensão de
inovação lexical, afigura-se um tópico fundamental.

Por esta razão, este trabalho que apresentamos é uma reflexão sobre a neologia do
Português em Angola. Uma vez que Angola é um complexo de línguas e culturas, este estudo
sobre neologia circunscreveu-se à Zona Linguística Umbundu (ZLU). O objectivo deste estudo
é a reflexão sobre o fenómeno da neologia, as suas tipologias, os processos subjacentes à sua
realização e as problemáticas decorrentes de todo este conjunto funcional. Em seguida, reflectir
sobre o fenómeno da interferência quer do Português nas línguas nacionais, em especial na
Língua Umbundu, quer das Línguas nacionais e, particularmente, do Umbundu no Português
Europeu (PE). Finalmente, a observação, verificação e atestação da neologia do Português
resultante da situação de contacto do Português Europeu (PE) com a Língua Umbundu. Desta
constatação veio a reflexão sobre a didáctica da neologia. Esta reflexão terminou com uma
proposta de um modelo teórico do processo ensino/aprendizagem da neologia.

Palavras-chave: Neologia, neologismo, Língua Portuguesa, Língua Umbundu, didáctica,


Angola

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Abstract

Today, the societies in world live the modernity phenomenon where the communication
among peoples became a privileged reality. The communication joins people, shortens
distances, manages the business, passes the culture, lead politic and made the world a “global
village”. Therefore, the nature language study is, nowadays, a claim and an idiosyncratic
urgency of new world. And because the lexicon of one language is a dynamic structure which
also accompanies the rhythm of the social and civilizational changes, which we can call
“Linguistic Globalization”, the study of language while an entity which renews itself to adjust
to the rapid dynamic of this globalized world in its dimension of lexical innovation, it is, indeed,
a fundamental topic.

A cause of this, this scholar work is a reflection about the Portuguese neology in
Angola. Seeing that Angola is a language and culture mosaic, this study about neology is
circumscribed to Umbundu Linguistic Zone (ULZ). The aim of this study is the reflection about
neology phenomenon, its typologies, the underlying processes to its dynamism and the
problematic of whole of this functional conjunct. After this, we reflected about interference
phenomenon of Portuguese in angolan national languages, in special, in Umbundu Language
and particularly the interference of Umbundu in European Portuguese (EP). Finally, we
proceded the observation, verification and certification of neology of Portuguese proceeded
from context of contact of European Portuguese (EP) with Umbundu Language. From this
confirmation, came the reflection about neology didactics. This reflection finished with a
proposal of a theoretic model of teaching/learning process of neology.

Key words: Neology, neologism, Portuguese Language, Umbundu Language, didactics, Angola

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Índice

Dedicatória .................................................................................................................................... 5

Agradecimentos............................................................................................................................. 6

Resumo .......................................................................................................................................... 8

Abstract ......................................................................................................................................... 9

Índice ........................................................................................................................................... 10

Siglas, abreviaturas e acrónimos ................................................................................................. 16

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 18

1. Objecto da investigação .......................................................................................................... 19

2. Objectivos da investigação ...................................................................................................... 20

3. Metodologia do trabalho ......................................................................................................... 21

4. Plano do trabalho..................................................................................................................... 22

CAPÍTULO PRIMEIRO ............................................................................................................. 25

SITUAÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA DO UMBUNDU .............................................................. 25

1.1. Caracterização geográfica ................................................................................................ 25

1.2. Variação dialectal do Umbundu ....................................................................................... 31

1.2.1. Variação, variedade e dialecto................................................................................... 31

1.2.2. Variedades do Umbundu ........................................................................................... 32

1.3. Problemática do alfabeto e da grafia do Umbundu .......................................................... 33

1.3.1. Um despertar para as línguas nacionais: história de uma procura............................. 34

de sistematização ................................................................................................................. 34

1.3.2. Harmonização gráfica das línguas nacionais............................................................. 36

1.3.3. Processo da “harmonização da grafia das línguas nacionais” e ................................ 39

o International Phonetics Alphabet (IPA) ........................................................................... 39

1.3.3.1. Uma breve história do IPA ................................................................................. 40


1.3.2.2. Harmonização da grafia da língua ou das línguas? Uma problemática linguística
em Angola ....................................................................................................................... 42

10
1.3.2.3. Que dificuldades? ............................................................................................... 43
1.3.2.4. Os dígrafos ou sequências fónicas dígrafas complexas ...................................... 46
1.3.2.5. Problemática actual em Umbundu: o desafio linguístico dos dígrafos TCH, CH e
TY ................................................................................................................................... 50
1.3.2.6. Antroponímia e toponímia na Zona Linguística Umbundu ................................ 55
1.4. Caracterização dos Povos Ovimbundu ............................................................................. 59

1.4.1. A Língua Umbundu e a educação nos Povos Ovimbundu ........................................ 61

1.4.2. Umbundu, uma língua no centro das interferências linguísticas ............................... 63

1.4.3. O Umbundu no contexto nacional ............................................................................. 64

1.4.4. Uma situação de diglossia: o caso Português-Umbundu na Zona Linguística


Umbundu (ZLU) ................................................................................................................. 65

1.4.4.1. Multilinguismo em Angola ................................................................................ 66


1.4.4.2. Português na Zona Linguística Umbundu (ZLU) ............................................... 67
1.4.4.3. Uma situação de bilinguismo: o caso Português-Umbundu ............................... 68
CAPÍTULO SEGUNDO ............................................................................................................. 70

NEOLOGIA: FUNDAMENTOS E PROCESSOS DE UM FENÓMENO LINGUÍSTICO ...... 70

2.1. Neologia como processo de inovação lexical................................................................... 70

2.1.1. Definição de neologia................................................................................................ 72

2.1.2. Tipologia neológica ................................................................................................... 75

2.1.3. Neologia bíblica das origens ..................................................................................... 76

2.1.4. Neologismo: conceito ................................................................................................ 77

2.1.5. Fenómeno da interferência ........................................................................................ 79

2.1.6. Alguns processos neológicos .................................................................................... 85

2.1.6.1. Processos sintácticos .......................................................................................... 86


2.1.6.2. Processos morfológicos ...................................................................................... 87
2.1.6.3. Processos fonológicos ........................................................................................ 88
2.1.6.4. Processos semânticos ......................................................................................... 88
2.1.6.5. A metáfora .......................................................................................................... 92
2.1.6.6. A composição ..................................................................................................... 95
2.1.6.7. Empréstimos interlinguísticos ............................................................................ 96
2.1.6.8. Engendramento onomatopaico ........................................................................... 99
2.1.6.9. Estrangeirismos ................................................................................................ 101

11
2.1.6.9.1. Dificuldades .............................................................................................. 104
2.1.6.9.1.1. Dificuldades fonético-fonológicas...................................................... 104
2.1.6.9.1.2. Dificuldades morfossintácticas........................................................... 107
2.1.6.9.1.3. O estrangeirismo e as suas equivalências na língua de chegada ........ 110
2.1.6.9.1.5. Hibridismo .......................................................................................... 114
2.2. A lexicultura: a língua e a cultura .................................................................................. 115

CAPÍTULO TERCEIRO........................................................................................................... 119

O CORPUS TEXTUAL NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO LINGUÍSTICO:


ARGUMENTOS TEÓRICOS E PROCESSOS METODOLÓGICOS..................................... 119

3.1. Pressupostos teóricos...................................................................................................... 119

3.1.1. Conceito de Corpus em Linguística ........................................................................ 120

3.1.2. Tipologia de corpus................................................................................................. 128

3.1.3. Importância dos corpora em Linguística ................................................................ 129

3.2. Quadro metodológico ..................................................................................................... 130

3.2.1. Fontes dos corpora neste trabalho........................................................................... 130

3.2.2. Método da constituição dos corpora ....................................................................... 131

3.2.3. Critérios da sua selecção ......................................................................................... 133

3.2.4. Extensão dos corpora .............................................................................................. 136

3.2.5. Tratamento semiautomático dos corpora textuais .................................................. 137

3.2.4.1. Conversão dos textos ........................................................................................ 137


3.2.4.2. Codificação dos textos ..................................................................................... 138
3.2.4.3. Análise dos corpora ......................................................................................... 139
CAPÍTULO QUARTO ............................................................................................................. 150

O PROCESSO DE ANÁLISE DOS CORPORA ...................................................................... 150

4.1. Selecção das novas unidades lexicais recolhidas ........................................................... 152

4.1.1. Extracção e selecção das unidades lexicais neológicas ........................................... 153

4.1.2. Considerações metodológicas ................................................................................. 155

4.1.3. Tipologia de neologismos em ocorrência nos corpora ........................................... 155

4.1.4. Neologismos resultantes do fenómeno do aportuguesamento ................................. 156

4.2. Neologismos resultantes do aportuguesamento ............................................................. 158

12
4.2.1. Campo lexicossemântico sociocultural ................................................................... 159

4.2.2. Campo lexicossemântico dos utensílios domésticos ............................................... 170

4.2.3. Campo lexicossemântico das relações humanas ..................................................... 171

4.2.4. Campo lexicossemântico do vestuário .................................................................... 171

4.2.5. Campo lexicossemântico gastronómico .................................................................. 172

4.2.6. Campo lexicossemântico antroponímico................................................................. 176

4.2.7. Alguns antropónimos e o seu valor semântico ........................................................ 177

4.2.8. Alguns topónimos e o seu valor semântico ............................................................. 181

4.3. O fenómeno de adaptação .............................................................................................. 185

4.4. Neologismos derivados do fenómeno de umbundização ............................................... 199

4.5. Neologismos derivados do processo de bantuização ..................................................... 201

4.6. Outros tipos de neologismos. Estrangeirismos............................................................... 207

4.7. Problemáticas decorrentes da análise dos dados ............................................................ 208

4.8. Resultados da análise dos corpora textuais .................................................................... 209

4.8.1. O processo neológico do ‘transposicionismo’ ......................................................... 209

4.8.2. O processo linguístico da sufixação ........................................................................ 210

4.8.2.1. Sufixo –ar......................................................................................................... 210


4.8.2.2. Sufixo –eiro ...................................................................................................... 212
4.8.2.3. Sufixo -ismo ..................................................................................................... 214
4.8.2.4. Sufixo -mento ................................................................................................... 216
4.8.2.5. Sufixo -ção ....................................................................................................... 216
4.8.2.6. Outros casos de sufixação ................................................................................ 217
4.8.2.6.1. Alguns gentílicos ....................................................................................... 217
4.8.2.6.2. Outras formas ............................................................................................ 218
4.8.3. Neologismos semânticos ......................................................................................... 218

4.8.4. Neologismos fono-morfológicos ............................................................................. 220

4.8.5. Formas onomatopaicas e interjeições ...................................................................... 221

4.8.6. Acrónimos, Siglas e Abreviaturas ........................................................................... 221

4.8.7. Algumas considerações ........................................................................................... 223

13
4.8.8. Alguns fenómenos fonético-fonológicos observáveis no processo do empréstimo
interlinguístico do Umbundu para o Português ................................................................. 231

4.8.9. Alguns casos complexos ......................................................................................... 232

4.9. Algumas dificuldades decorrentes da análise das novas unidades lexicais .................... 235

CAPÍTULO QUINTO ............................................................................................................... 239

UMA PROPOSTA PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DA NEOLOGIA DO PORTUGUÊS


EM ANGOLA ........................................................................................................................... 239

5.1. Sistema educativo actual em Angola ............................................................................. 241

5.2. O ensino-aprendizagem das línguas: aspectos teóricos .................................................. 243

5.2.1. O léxico no processo da socialização do individuo ................................................. 245

5.2.2. Ensino do léxico ...................................................................................................... 246

5.2.3. O léxico no contexto escolar ................................................................................... 250

5.2.4. O léxico no panorama das relações internacionais .................................................. 251

5.3. O ensino da neologia ...................................................................................................... 253

5.3.1. Análise dos corpora textuais didácticos .................................................................. 257

5.3.2. Trabalho com os corpora informatizados ............................................................... 257

5.3.2.1. A ferramenta de base: o HYPERBASE ........................................................... 258


5.3.2.2. Ocorrências e frequências de vocábulos .......................................................... 258
5.3.2.3. O processo da hierarquização dos índices vocabulares .................................... 259
5.3.2.4. Especificidades dos corpora ............................................................................ 260
5.3.2.5. Riqueza lexical, frequências, ocorrências e hápax ........................................... 264
5.3.2.6. As concordâncias.............................................................................................. 267
5.3.2.7. Contextos de ocorrências e de coocorrências ................................................... 269
5.3.2.8. Ocorrências de novas unidades lexicais nos corpora ....................................... 271
5.3.3. Verificação da evolução lexical (vocabular) nos manuais ...................................... 272

5.3.4. Resultados da verificação e de análise dos textos ................................................... 275

5.3.5. Ensino do léxico e da neologia em Angola: a evidência dos manuais em análise .. 276

5.4. Dificuldade de elaboração de um modelo do processo ensino aprendizagem das novas


unidades lexicais do Português em Angola ........................................................................... 277

5.5. Os desafios da didactização dos neologismos ................................................................ 281

14
5.6. Um contributo para o processo ensino-aprendizagem da neologia do Português em
Angola ................................................................................................................................... 284

5.6.1. Análise dos currículos do Ensino Primário e do Primeiro Ciclo do Ensino Secundário
........................................................................................................................................... 285

5.6.2. A questão dos manuais para o ensino...................................................................... 286

5.6.2.1. Proposta do ensino do léxico e da neologia do Português em Angola: um desafio


....................................................................................................................................... 287
5.6.2.2. A proposta do método no ensino do léxico ...................................................... 287
5.6.2.3. O método “self-learning” ................................................................................. 289
5.6.2.4. O método “self-learning” e os seus submétodos .............................................. 289
5.6.2.5. 1. O “self-request” ........................................................................................ 290
5.6.2.5.2. A “aprendizagem cooperativa” ................................................................. 290
5.7. Proposta de um modelo do processo ensino-aprendizagem da neologia do Português em
Angola ................................................................................................................................... 291

5.8. A questão do método no ensino da neologia .................................................................. 295

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 300

Bibliografia ............................................................................................................................... 310

Listas de figuras e tabelas, gráficos e ilustrações ...................................................................... 331

15
Siglas, abreviaturas e acrónimos

AFI.……………………………….…………………………….. Alfabeto Fonético Internacional

Cap...……………………….………….…………………………………………………. capítulo

Cf.………………………………….……………………………………………………. conferir

DHLP ..……………………….……………………… Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa

DILP…...……………………….……………………Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa

DLPCACL…….Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa

DP ………...………………….……………….…………………………….Dicionário Priberam

Ed. ………………………………..……………….………………………………………. edição

Ex. ………………………………………….……………...……………………………. exemplo

f……………………………………….……………………..…………………… feminino/forma

GDHLP ………………………….…………...Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa

I…………..……………………………….…………………………………………….. infinitivo

Ibid. ……………….…………………….………………………………………………… ibidem

INAL..………………………………….…………………………. Instituto Nacional de Línguas

IPA ………………..…………….……………………………….International Phonetic Alphabet

ISO.………………………………….….………..…… International Standardizing Organization

m.…………………….…..……..….….………………………………………………..masculino

MPLA ……………………..……….….………… Movimento Popular de Libertação de Angola

p. …………………………….……..…….……..…..…………………………………….. página

pp...………………….……………..…….……………………………………………….. páginas

PA………….……………………………………………………………Português de/em Angola

PB ………………...………………………………………………………… Português do Brasil

PE ……………………….…………………………………………………… Português Europeu

Pl...………………………………………..…..……………………………………………. plural

PNUD…..……………………..…………Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

s. ……………………………..…...……………………………………………………… singular

UNESCO ……………….…… United Nations for Education, Science and Culture Organization

16
UNITA ……………...…………………. União Nacional para a Independência Total de Angola

V…...………………………………………………………………………………………. Verbo

17
INTRODUÇÃO

O estudo da neologia no campo da Linguística, apesar de já ter algumas décadas,


parece ainda carecer de muito trabalho. Está amiúde condicionado por uma variedade de
pressupostos teóricos e metodológicos. O estudo da neologia, em muitos países, ainda
necessita de mais investigação sobre este processo e sobre o seu dinamismo
manifestado nas línguas oficiais, nacionais ou locais desses países. Angola é uma destas
realidades: tem o Português como língua oficial, mas é notória a existência de sinais de
renovação do léxico do Português, enquanto língua da Nação.

Todavia, Angola ainda não consegue ostentar a quantidade desejável de


trabalhos, no domínio da neologia, que ajudem os linguistas angolanos e outros
linguistas interessados no estudo da neologia do Português, na sua actividade de
investigação para desenvolver estudos que tragam mais resultados que sirvam de base
para estudos posteriores. Faltam bases de dados textuais, corpora de referência,
dicionários produzidos a nível local, instâncias de validação de novas unidades lexicais,
o (s) observatório (s) linguístico (s), programas que sustentem e estimulem estes estudos
a nível interno. Este ambiente científico provavelmente justificará a exiguidade de
trabalhos não só sobre a neologia, como também do seu ensino.

Contudo, há que se reconhecer que tem havido, nos últimos anos sobretudo dos
primeiros decénios do século XXI, algum esforço, vontade e coragem da parte dos
estudantes angolanos em abordar esta temática no âmbito da área da Lexicologia,
Lexicografia e Terminologia. Os poucos estudos que existem sobre o Português de
Angola (Mingas (1998, 2000), Inverno (2004, 2006), Mudiambo (2013), Quivuna
(2014), Adriano (2014), Chicuna (2014, 2015), Costa (2015), Benvindo (2016)) e
outros, principalmente no âmbito de Mestrados ou Doutoramentos, podem ser o
exemplo desta vontade e determinação no trabalho de investigação neste domínio.
Julgamos que o estudo das novas unidades lexicais que entram na língua é de grande
importância, pois qualquer sociedade ou comunidade, para comunicar, precisa de
compreender os enunciados e os conceitos neles contidos (cf. ISO 1087-1).

18
Concomitantemente, não é de menor interesse o ensino dos processos de criação de
novas unidades lexicais.

Quanto à organização deste trabalho, o primeiro desafio que se encontrou foi


definir o tema de investigação, delinear os objectivos que justificassem a escolha do
tema, bem como os princípios teóricos, os instrumentos e/ou as ferramentas de trabalho,
a metodologia do percurso da investigação que, concomitantemente, determina ou pode
determinar os resultados de qualquer de investigação. Este momento foi crucial, pois
definiu, em grande medida, o futuro desta investigação.

1. Objecto da investigação

O trabalho de investigação que ora se apresenta está centrado no fenómeno


linguístico da neologia e no seu ensino, muito especificamente, na neologia do
Português no contexto do seu contacto com as línguas nacionais angolanas. A tipologia
da neologia em foco não é de língua de especialidade. O âmbito do nosso estudo foi o
da neologia da língua corrente. Este estudo, por exigências científico-metodológicas,
pretendeu situar-se na zona linguística dos Ovimbundu que tem a Língua Umbundu
como património linguístico-cultural comum. Esta zona linguística, a mais ampla do
país, parte do Planalto Central – Huambo, abrange as províncias do Bié, Huíla,
Benguela e Kwanza-Sul.

A Língua Portuguesa tem um vasto território de realização; não está restringida a


Portugal. Ela tornou-se, hoje, uma língua transcontinental, ostentando em muitos países
da Lusofonia, o estatuto de língua oficial ou língua nacional, a língua da unidade interna
destes países. Segundo Teresa Lino et alii (2010: 188), «a Língua Portuguesa não cessa
de evoluir, nos vários espaços lusófonos, onde coabita com outros tipos de línguas» e
este progresso linguístico do Português tem os seus desafios e consequências. Assim, a
língua, nesta situação, está exposta a variadíssimas influências que vão desde o contacto
com as línguas nacionais até à cultura dos povos. O modus vivendi dos povos é muito
variado e, por conseguinte, traz consigo uma grande força influenciadora, que leva a
língua a adaptar-se a novos costumes e hábitos, a novas tradições e aos novos
ambientes.

19
Por esta razão, decidimos abordar o tema da neologia no contexto do Português,
em situação de contacto, não somente com outras línguas nacionais, mas também com
novas culturas. Deste modo, o nosso trabalho incidiu sobre este processo linguístico na
Zona Linguística Umbundu que doravante designaremos por ZLU.

2. Objectivos da investigação

O momento actual da situação linguística das línguas do mundo e das línguas de


Angola configura-se com novos sinais que impulsionam os países a trabalhar mais nas
políticas linguísticas. Em Angola, terminou a guerra. Os novos tempos trazem desafios
não somente sociais, mas também linguísticos. Num mundo globalizado e a caminhar à
sombra da modernidade, qualquer definição da política linguística pressupõe um prévio
conhecimento da realidade linguística em questão.

Em Angola, há um outro factor que justifica este argumento: é o despertar para a


proficuidade das línguas nacionais na construção da identidade e da cidadania e do
Português, no contexto da comunicação sobretudo institucional, enquanto língua oficial
da Nação angolana. A este factor, acresce o facto de os linguistas angolanos estarem a
despertar para a realidade dos desafios protagonizados pelo contacto do Português com
as línguas nacionais. Estes reptos, ao mesmo tempo que despertam para os problemas
no interior da própria Língua Portuguesa, em virtude do processo de criação lexical
como função da sua inovação e renovação, levantam também questões relacionadas com
as próprias línguas nacionais.

Considerando estes desafios face à realização da Língua Umbundu e o lugar que


ela ocupa no conjunto das línguas afro-angolanas bantu, em contexto angolano, e da
amplitude do espaço da sua utilização e do número dos seus falantes, este trabalho de
investigação definiu desde o início os seguintes objectivos:

a) estudar a realização do Português como L2 ou L1 em alguns casos e, sobretudo, na


sua situação de contacto com a Língua Umbundu;
b) observar a presença do processo da neologia, isto é, da inovação e renovação
linguística do Português nesta zona linguística;

20
c) verificar as mútuas interferências nas duas línguas;
d) individualizar e analisar os processos neológicos resultantes do contacto e da
interferência linguística;
e) e, por fim, reflectir sobre a neologia aplicada à didáctica no contexto do Português de
Angola. Neste último ponto, o nosso objectivo é específica e estritamente contribuir
para uma reflexão que chegue a uma proposta de modelo teórico do processo
ensino/aprendizagem da neologia e que estimule a reflexão sobre a didáctica da
neologia do Português naquele contexto linguístico-cultural específico;
f) oferecer algum contributo à problemática tão debatida da neologia e da sua
pertinência no âmbito da renovação lexical das línguas naturais e muito concretamente
da Língua Portuguesa em Angola e contribuir para a reflexão dos desafios lançados
pelas línguas nacionais, levantando assim mais questões e interrogações que estimulem
os linguistas angolanos e as novas gerações angolanas a assumir o compromisso do
estudo das línguas africanas bantu e não bantu que é uma tarefa difícil, mas muito
profícua no contexto actual e conjuntural da África e de Angola em particular.

3. Metodologia do trabalho

Para a execução deste trabalho, a delineação de uma metodologia consentânea à


sua índole era pressuposto indispensável. Deste modo, como primeiro procedimento
metodológico, depois da definição do tema, foi a definição dos instrumentos e das
ferramentas de trabalho. Uma vez que o trabalho era sobre a neologia do Português na
ZLU e do seu ensino nos estabelecimentos escolares de Angola, foram constituídos dois
corpora textuais de língua corrente; o primeiro composto por textos jornalísticos, textos
literários (extractos com características de língua corrente); o segundo é composto por
textos didácticos, sendo este último utilizado para a análise da didáctica da neologia. A
utilização dos corpora exigiu o uso de ferramentas de trabalho, os softwares hipertextos
de processamento semiautomático como o HYPERBASE, o ANTCONC e o CONCAPP.

Através destes procedimentos foi possível a exequibilidade de todas as


operações necessárias para que o estudo e a análise desejados fossem viabilizados. O
trabalho com os corpora exigiu o processamento de grandes quantidades de textos que
não seria possível tratar manualmente. Entretanto, estes motores (softwares) de

21
processamento semiautomático, disponibilizando diversas possibilidades, não só
facilitaram o estudo, como também tornaram esta investigação mais rigorosa na
extracção e observação dos dados.

4. Plano do trabalho

Por disposição dos procedimentos metodológicos que tivemos presentes na


concepção e na realização do projecto de investigação, o trabalho está dividido em cinco
capítulos. Depois da introdução, o primeiro capítulo é uma viagem pela situação social e
linguística de Angola. Esta abordagem no início da investigação teve por objectivo
situar o contexto linguístico do Português em Angola e localizar, geograficamente, a
área da realização ou da utilização da Língua Umbundu como língua veicular de
comunicação nesta comunidade. Foram também situadas geográfica e humanamente, as
principais características dos Povos Ovimbundu.

Esboçaram-se as principais características da Língua Umbundu com maior


incidência sobre a sua variação dialectal. A questão da grafia/ortografia da Língua
Umbundu é uma problemática em Angola que espera resolução e tem dividido a opinião
pública, tal como acontece com as outras línguas. A proposta do Instituto das Línguas
Nacionais que ainda não está estudada, tem sido, para os que acompanham a realidade
linguística do nosso país, uma grande inquietação.
Por esta razão, uma vez que o nosso tema aborda as línguas afro-angolanas
bantu, aproveitamos para entrar no debate problemático da grafia/ortografia das nossas
línguas nacionais, em especial, do Umbundu, estritamente articulado ao fenómeno da
neologia. O nosso objectivo é contribuir para uma compreensão adequada da questão,
fundamentada em estudos científicos destas línguas e oferecer aos angolanos alguns
resultados desta investigação. Por isso, este foi um item que mereceu uma ampla
abordagem. O último ítem está ainda ligado ao primeiro: trata sucintamente da questão
da onomástica em Angola também interassociada à problemática do contacto de línguas
e da neologia.

O segundo capítulo teve como objectivo emergir no debate linguístico o tema


escolhido, o da neologia, oferecendo deste modo um quadro teórico hermenêutico do

22
estado de arte da questão. É um capítulo sobre a definição de neologia e de neologismo
e de toda a problemática dela decorrente. É ainda o segundo capítulo que aborda a
questão da interferência linguística, a variedade da tipologia neológica e os diversos
processos linguísticos que presidem ao fenómeno da neologia. Foi também tratada a
problemática das dificuldades inerentes à análise dos processos neológicos. E, por fim, a
questão da lexicultura amplamente exposta por Robert Galisson, Teresa Lino, Maria
Mateus, Alexandre Chicuna, Fernanda Bertinetti e Guilléz Cármen Díaz entre outros
linguistas.

O terceiro capítulo apresenta a proposta metodológica que foi seguida no


percurso da realização da investigação, desde a concepção/construção do corpus e da
problemática dela decorrente até à definição das fases observadas no tratamento do
corpus. Esta abordagem implicou a investigação de várias informações relativas ao
debate sobre a definição do corpus, a sua tipologia e a sua pertinência no âmbito dos
estudos linguísticos e quantitativos. A segunda parte do capítulo é uma explicação
detalhada do processo da constituição do corpus utilizado neste trabalho, da sua
selecção e dos critérios que presidiram à sua organização, sua extensão e a problemática
inerente a estes critérios; e, por fim, os passos do pré-tratamento e do tratamento
semiautomático do corpus constituído.

O quarto capítulo tem como objecto a neologia resultante da análise dos corpora
em observação neste estudo. Este capítulo é o mais amplo, porque é nele que se
concentrou todo o trabalho de observação, verificação e análise das novas unidades
lexicais previamente seleccionadas. É o capítulo que compende as metas estabelecidas
para esta investigação. Descreve o processo da selecção das novas unidades lexicais,
individualiza-as e define-as. Termina com a descrição de algumas dificuldades sobre os
neologismos, observadas no decurso da análise das novas unidades lexicais.

Embora o nosso trabalho pudesse terminar no capítulo quarto sem algum


prejuízo na sua unidade e sentido, quisemos acrescentar-lhe o quinto capítulo que
apresenta a proposta resultante do segundo objectivo deste trabalho: tentar aplicar o
estudo da neologia do Português de Angola à didáctica da língua, diferenciando assim
este trabalho duma perspectiva lexicográfica, imprimindo-lhe um rosto didáctico.

23
Por isso, ao longo deste último capítulo, procurou-se propor um modelo de
ensino-aprendizagem da neologia em regime de auto-aprendizagem e/ou de
aprendizagem colaborativa.

24
CAPÍTULO PRIMEIRO

SITUAÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA DO UMBUNDU

A língua enquanto património comum de um povo tem uma componente


sociocultural. E, por esta razão, constitui um elemento fundamental de coesão social,
política, económica e de manifestação e realização cultural de um povo. Deste modo,
está sujeita a diversos desafios e transformações ao longo dos tempos. É no âmbito da
dimensão sociolinguística das línguas, que neste primeiro capítulo, se pretende situar a
Língua Umbundu no seu habitat social, geográfico e cultural, caracterizando-a na
conjuntura das línguas nacionais bantu angolanas e na sua relação com o Português.

1.1. Caracterização geográfica

A tarefa de caracterizar geograficamente a Língua Umbundu, em si mesma,


constitui um grande desafio.
A história da Humanidade apresenta-nos o dinamismo e a predominância de
certas línguas ao longo dos séculos. Na era pré-cristã, na História dos Povos da
Humanidade, encontramos a predominância da Língua Grega, quando Atenas fez sentir
a sua influência sobre os outros povos; em seguida, o Latim, que na época da Roma
imperial foi a língua da cultura. No entanto, com a Revolução Francesa de 1789, foi a
Língua Francesa que no século XVIII se tornou a língua da cultura e de negócios
sociopolíticos. O nosso século é dominado pela Língua Inglesa.

Em todas estas línguas, a sua caracterização, enquanto línguas de influência


além-fronteiras, é sempre difícil. Temos, hoje, por exemplo, o caso da Língua Chinesa,
considerada a língua com maior número de falantes no nosso tempo tal como o indicam
os estudos mais recentes (Alves 1995; Silva 2005; Santos 2005). Contudo, a percepção
de que o Chinês é a língua mais falada do mundo, na era moderna, implica a
compreensão dos critérios para este tipo de classificação. Não obstante isso, talvez seja

25
mais fácil caracterizar o Chinês que o Inglês, pelo facto de o Chinês ser falado por
cidadãos chineses que o utilizam na comunicação quotidiana. Portanto, geograficamente
pode ser mais facilmente caracterizado, enquanto a caracterização geográfica do Inglês,
nos tempos hodiernos, pode apresentar-se difícil devido ao universo dos seus utentes.

Todavia, o objectivo fundamental desta investigação é situar, a partir de


contextos e constatações diversos, a situação do Umbundu, enquanto Língua dos Povos
Ovimbundu. Para caracterizar o âmbito geográfico da realização do Umbundu, temos, à
partida, dois desafios. O primeiro situa-se no âmbito da demarcação das fronteiras
regionais. O segundo regista-se no campo da comunidade desta língua nacional. Uma
primeira afirmação que se faz sobre o Umbundu, segundo a maioria dos linguistas, na
linha de Malcolm Guthrie, o grande expoente da Linguística bantu, é que a Língua
Umbundu pertence ao grupo linguístico Niger-Congo e na classificação de Malcolm
Guthrie (1971: 60) está alocada na categoria R. 10 [5V; 1Q] R.11.

Em 1897, Ernesto Lecomte na sua obra Método Prático da Língua Mbundu,


chamou ao Umbundu Língua de Benguella. Nesta obra, no prefácio, o autor manifesta,
em primeiro lugar, a importância do estudo do Umbundu e, em segundo lugar, a
dificuldade de delimitação geográfica da realização linguística desta língua nacional.
Diz Lecomte que « (…) o Umbundu foi o último [idioma, entenda-se] que estudei , e é
o primeiro méthodo que publico, em vista da sua máxima importância; pois todos
sabem que é língua geral do sertão de Benguella, percebida e falada, pelo menos por
alguns, até ao Alto Zambeze».
Esta visão linguístico-geográfica do Umbundu traz consigo a dificuldade da
demarcação da fronteira da língua.
Magalhães (1922), na introdução ao seu Manual de línguas indígenas de Angola,
parece confrontar-se com o mesmo problema ao sublinhar que

«Umbundu é um termo de tal maneira abstracto que só muito dificilmente


poderá ser admitido como designação de uma língua. O desafio que fez levar o
autor a tal conclusão está provavelmente na dificuldade de distinguir os termos
umbundu e ambundu. Daí que ele distinguiu, para procurar uma posição mais
equilibrada, ambundu de Loanda ou do Norte e ambundu ou umbundu de
Benguela ou do Sul» (Magalhães, 1922: VII-VIII).

26
Esta perspectiva geográfico-linguística do Umbundu compreende-se dentro do
espírito da divisão administrativa da época em que Benguela era uma circunscrição
distrital que compreendia as circunscrições de Benguela, Lobito, Huambo, Bailundo,
Ganda, Caconda, Quilengues, Luimbale (cf. Magalhães, 1922: XLV).

A dificuldade e consequente confusão de distinção entre as Línguas Umbundu e


Kimbundu, a mais polémica terá, provavelmente origem, no facto de as primeiras
descobertas linguísticas dos investigadores europeus terem sido feitas na zona Norte de
Angola, como afirma Baião (1946), no prólogo à sua obra Línguas de Angola, quando
diz que «foi o Kimbundu a primeira que teve a honra de ser estudada e escrita pelos
Missionários Portugueses que evangelizaram o reino de Angola nos séculos XV e XVI,
e, por isso, mereceu o nome genérico de Língua de Angola, quando afinal é apenas a
língua da Capital».
Parece-nos que, a partir desta altura, começa-se a ter uma maior e melhor
distinção do universo fronteiriço geolinguístico entre as línguas Umbundu e Kimbundu.
Baião já reconhece Luanda e Malange como os grandes e principais centros geográfico-
populacionais onde se usa a Língua Kimbundu.

Contudo, se por um lado começa a surgir uma consciência da geografia


linguística, alguns estudos posteriores ainda mostram contraposições a estas posições
linguísticas. A taxonomia étnico-linguística de Redinha (1962:15), em parte, ajuda a
delimitar o espaço geográfico da Língua Umbundu. O autor, baseando-se na Carta
Étnica, distribui, por áreas de localização, os vários grupos étnicos. Assim apresenta o
grupo Ovimbundu:

Bieno – Outras formas: Bienu, Bihenos, Vavihe, Vie, Ba-Vie.


Bailundo – Outras formas: Mbalundu, Mbailoundou, Ba-Lundo.
Sele – Outras formas: Musseles, Selles, Ba-Seles, Và-Séli.
Sumbe (ou Pinda) – Outras formas: Asumbi, Va-Sumbi, Mussumbes (da antiga
província dos Sumbes em volta do posto de Quicombo); Mussumbis,
Mossumbis, Pindas, Mupindas.
Mbui – Outras formas: Mbuy, Ambuíns, Amboins.
Quissanje: Outras formas: Catchissange, Vachissange.
Quibala: Outras formas: Kibala

27
Haco: Outras formas: Ako, Haku, Hacu, Acos, Muhaco.
Sende: Outras formas: Mussendes.

Esta subdivisão torna-se confusa quando inclui no grupo étnico Lunda-Tshokwe


as etnias Hanha, Ganda, Uambo, Sambo, Caconda e Chicuma, esta última também
designada por Vachiacas (cf. Redinha 1962:15-16)1, que, hoje, é claramente parte
integrante da comunidade linguística dos Ovimbundu. Deste modo, parece uma hipótese
que vem contradizer a proposta de Baião.

Entretanto, seja qual for a interpretação que se possa dar a estas propostas, a
verdade é que, delimitar a área geográfica do Umbundu é uma tarefa difícil. Numa
reedição da obra de António da Silva Maia sob o título Dicionário Complementar
Português-Kimbundu-Kikongo, na introdução do reeditor, aparece uma referência à
localização geolinguística do Kimbundu e do Kikongo. O autor sublinha que «a área
linguística natural do grupo Kimbundo cobre as regiões administrativas de Luanda,
Bengo, Malanje, Kwanza-Norte e uma parte do Kwanza-Sul, enquanto o grupo Kongo
abarca as Províncias de Cabinda, Uíge e Zaire» (Maia, 1994: V).

Relativamente à Língua Umbundu, as referências que nos podem ajudar são


assaz escassas. O estudo realizado pelo Instituto Nacional de Línguas, em 1980, tenta
caracterizar, embora com uma certa falta de exaustividade e não menos rigor científico,
as diversas regiões linguísticas do ponto de vista da geografia linguística de Angola.
Neste estudo, a Língua Umbundu aparece descrita como uma língua que tem uma vasta
cobertura e um grande povoamento, abarcando as Províncias do Bié, do Huambo e de
Benguela (INAL, 1980: 99). Para ilustrar esta proposta, apresentar-se-á, a seguir, o
mapa geolinguístico da Língua Umbundu que lhe corresponde. Este mapa apresenta
ainda uma área fronteiriça de influência da Língua Umbundu. Na verdade, esta língua,
na Angola contemporânea, tem uma área de influência vastíssima como ficou referido
anteriormente.

1
Nesta classificação, são considerados elementos étnicos umbundos de menor vulto, os Chipeios, os
Quibulas, os Galangas, os Surabis (Novo Redondo), os Andulos, os Tundas, os Capelongos, os
Quibandas, os Soques (a norte do rio Econgo), os Ecumbiras, os Mbovas, os Ngoias, os Sela, os
Cassongues e os Lembas e Gambas (cfr. Redinha, 1962:16).

28
Figura 1
Mapa geolinguístico da Zona Linguística Umbundu (ZLU)

Fonte : INSTITUTO NACIONAL DE LINGUAS DE ANGOLA (1980), Histórico sobre a criação dos
alfabetos de línguas nacionais, Lisboa : Edições 70, 98.

De facto, os principais centros geográficos da Língua Umbundu são os


suprarreferenciados. No entanto, as suas áreas de influência são muito extensas. Em
quase todas as regiões de Angola encontram-se falantes da Língua Umbundu. O
Etnologue (2009: 52) estende a influência da Língua Umbundu até à República da
Namíbia. A capacidade de expansão desta língua deve-se, provavelmente, ao fenómeno
da migração dos Povos Ovimbundu das suas zonas de origem para outras regiões do

29
país que tem possibilitado a formação de grupos de pessoas, com origem comum, que se
encontram na diáspora das suas regiões por situações de guerra ou em busca de
melhores condições de vida ou ainda por outras situações.

Embora seja difícil, numericamente, fazer uma estimativa dos falantes da Língua
Umbundu, apesar de o Etnologue apontar para os 4.000.000 de falantes, segundo a
World Almanac 1995, a experiência sociolinguística da Língua Umbundu manifesta a
sua vitalidade no território nacional. Este seu dinamismo tem sido traduzido numa
experiência científica que tem convidado os linguistas, desde o tempo colonial aos
nossos dias, a um profundo trabalho de investigação sobre esta língua Niger-Congo,
como amiúde é chamada.

Já na década de 60 do século passado, Valente (1964: 9) escrevia:


«o UMBUNDU é hoje a língua de Angola mais estudada (Kimbundu foi, mas
agora não é com certeza). Porém, é necessário levar a língua Umbundu a estudos
científicos que a levem ao crédito internacional que não tem (carta de 15-3-64)».

O prefaciador da 2ª edição do Dicionário Complementar Português-Kimbundu-


Kikongo confirma a hipótese e, baseando-se na proposta de outros autores conhecedores
desta língua Níger-Congo afirma:
«da comparação de dados fornecidos por José Redinha (Distribuição Étnica de
Angola, 1971) e por B. F. Grimes (Languages of the World, 1984), pode estimar-
se em cerca de dois milhões o número de locutores das línguas Kimbundu e
Kikongo, o que faz delas as segundas mais faladas de Angola, logo a seguir ao
Umbundo».

Esta constatação é validada pela própria experiência da comunidade dos seus


utentes. Na realidade angolana actual, a Língua Umbundu é falada nas regiões
tipicamente dos Povos Ovimbundu e nas suas zonas de influência, em várias outras
regiões de Angola.

Na verdade, os trabalhos científicos realizados no âmbito do estudo desta língua


mostram o interesse dos linguistas. Hoje, a Língua Umbundu conta com alguns manuais
de História da Língua Umbundu editados na Língua Inglesa, como, por exemplo, aquele
editado sob a autoridade científica de Fodor. Nesta obra, pode observar-se e
acompanhar a grande evolução, não somente dos estudos que se fizeram, mas sobretudo
da própria língua, desde o nível oral até ao nível da escrita. No entanto, apesar deste

30
esforço dos linguístas, principalmente europeus, ainda há poucos estudos sobre a Língua
Umbundu. Tal facto deve-se a uma certa estagnação na investigação sobre esta língua
assim como das outras línguas nacionais angolanas de origem bantu, nas últimas
décadas.
Não obstante isso, podemos dizer que, ostentando a origem bantu ou mais
especificamente, o ramo Niger-Congo, a Língua Umbundu beneficia de uma
concentração geográfica e populacional considerável e de uma importância estável por
firmar o seu estatuto nacional no mundo das transacções comerciais, económico-
financeiras, nas regiões em que é falada, que são potencialmente agrícolas e comerciais.
Todavia, apesar da estagnação de investigação, nos últimos anos, começamos a
encontrar alguma bibliografia de conteúdo científico sobre esta língua.

1.2. Variação dialectal do Umbundu

O uso do termo dialecto na linguística moderna tornou-se problemática. Muitos


linguistas resistem ao significado que lhe é atribuído. Há uma tendência crescente,
quase generalizada que considera as línguas no mesmo plano linguístico. Com a
introdução deste tópico, queremos apenas apresentar uma realidade linguística e talvez
antropológica presente na Língua Umbundu que tem mais a ver com o aspecto fonético-
fonológico, embora algumas vezes apresente um matiz lexicológico.

1.2.1. Variação, variedade e dialecto

A Língua Umbundu, como acontece com muitas outras línguas do mundo e as


línguas afro-angolanas vizinhas bantu, conhece o fenómeno linguístico da variação.
Optou-se por usar esta terminologia, conscientes da dificuldade dela decorrente (cf. por
exemplo Lopes 1997: 15-20).
A complexidade do conceito de variedade é considerada por alguns linguistas,
como sendo não muito transparente. O fenómeno de variação é definido, muitas vezes,
como o que determina as diferenças de uma dada língua natural no tempo, no espaço ou
mesmo num grupo social, tendo em consideração as categoriais temporais de passado e
presente; por outras palavras, toda a variação é diacrónica, diatópica ou social (cf.

31
Dubois et alii 1973: 507). Assim, variedade de uma língua ou variedade linguística é
muitas vezes entendida como «expressão linguística sistematicamente controlada por
variáveis situacionais» (Crystal 1980: 372; Xavier e Mateus 1990: 395). Este controlo
implica operações linguísticas de diferenciação e de distinção. É neste sentido que o
termo variedade pode compreender, os conceitos de dialecto, registo e fala, como
sublinham Xavier e Mateus.
O termo dialecto, nos tempos modernos, é rejeitado por muitos linguistas.
Coutinho (1973: 326), na década de 70, tinha feito referência à dificuldade da utilização
deste termo. A questão está relacionada com uma certa concepção linguística que
considera que o uso deste termo apresenta um aspecto depreciativo, reflectindo “uma
ideia de dependência e incultura”.

Os estudos mais recentes (cf. Segura 2013: 85-142), dum modo geral,
apresentam o conceito de variedade mais amplo e que se enquadra em qualquer língua
natural, para lhe servir de agente diferenciador, tendo em conta a função de diversos
factores, especialmente, os socioculturais e geográficos. Daí a designação
sociolinguística de variedades nacionais e variedades dialectais.

Assim, o presente ponto deste estudo enquadra-se na variedade dialectal, por


estudar as variedades que a língua Umbundu engloba no seu sistema linguístico.
Para Segura (2013: 85) uma vez que o dialecto é
«tradicionalmente, uma variedade geográfica ou diatópica de uma língua (…),
“variedade” e “dialeto” podem considerar-se sinónimos, tendo a sociolinguística,
de certa maneira, vindo a substituir o termo “dialeto” pelo de “variedade”, mais
neutro, que praticamente se impôs, uma vez que “dialeto” tem, em certos meios,
a conotação pejorativa de modalidade rústica ou inferior da língua».

Não pretendemos resolver esta problemática, queremos apenas chamar a atenção


para a dificuldade e para os limites do termo «variação dialectal».

1.2.2. Variedades do Umbundu

Quem percorrer a Zona Linguística Umbundu (ZLU) de Ombalundu a Kakonda-


Hanha, de Viye a Ngalanga-Kumbila-Kasonge, ainda que não o faça com o propósito de
estar atento à língua das comunidades destas subzonas, rapidamente vai ouvir falares

32
variados em relação ao léxico e muito fortemente em relação à fonologia (fonemas e
prosódia): o mesmo vocábulo pode ser pronunciado com entoações muito diferentes e,
por vezes, com significados diferentes, de acordo com a localização geográfica; são
casos de variação dialectal do Umbundu.

Assim, podemos localizar, na Zona Linguística Umbundu, várias subzonas


linguísticas com variação dialectal, no campo fonológico. Lewis, no Ethnologue (2009:
52), tentando localizar estas subzonas apresenta um défice considerável, quando
identifica somente quatro subzonas (Nkumbi, Ndombe, Mbalundu e Nhaneka) e
confunde esta última ao fazer a sua integração na ZLU.

De acordo com os estudos feitos e considerando a nossa própria experiência da


observação sociolinguística, enquanto membro deste povo, podemos localizar 6 (ou 8)
subzonas de variação dialectal: a subzona de Ombalundu, de Viye, de Kakonda, de
Hanha, de Ngalanga-Kumbila-Kasonge e de Sele. A variedade de Viye é conhecida pela
sua variação dialectal no léxico. As outras variedades são conhecidas, principalmente,
pela sua variação na fonologia e na prosódia. Exemplos de variação dialectal lexical:

a) Olusati (em Viye) / omusati (em Ngalanga-Kumbila-Kasonge) omwenge


(em Ombalundu);
b) Omongwa (em Ombalundu) / ovongwa (em Ngalanga-Kumbila-Kasonge)

1.3. Problemática do alfabeto e da grafia do Umbundu

Marouzeau (1931) definiu a língua como uma realidade constituída por um


«système de signes aptes à servir de moyen de communication entre les individus». Para
a dinâmica da realização própria de uma língua como sistema articulado de signos, o
alfabeto desempenha uma função fundamental, enquanto conjunto de sinais
convencionais cuja funcionalidade consiste no seu agrupamento, formando itens
silábicos e estes, por sua vez, unidades lexicais que designam um conceito com uma
existência concreta, real ou virtual. Como qualquer língua, o Umbundu é também uma
língua com alfabeto. As unidades lexicais possuem uma significação e um valor dentro
do mesmo sistema linguístico.

33
A questão do alfabeto e da grafia é, em África, uma velha luta intelectual que
vem desde o século XIX, quando os países colonizadores, para facilitar a sua actividade,
quiseram conhecer as línguas locais, para aumentar e acelerar o contacto e a interacção
social com os povos indígenas. Era necessário encontrar algum atalho de acesso às
línguas locais. Foi, certamente, com este intuito que, no caso das colónias ultramarinas
portuguesas, o governo português criou a Junta de Investigações do Ultramar, cuja
finalidade era assegurar a investigação, nas colónias, nas diversas áreas científicas,
especialmente, na Etnologia, Etnografia e na Linguística Bantu. Em Angola, em finais
do século XIX, aparecem os primeiros sinais desta preocupação através da investigação
científica das línguas.

Em relação ao Umbundu, os estudos feitos por Fodor (1983), contendo as


gravações dos estudos linguísticos da Língua Umbundu realizadas por Magiar, mostram
os primeiros passos na análise desta língua bantu, datados da segunda metade do século
XIX, na década de 80. No entanto, é sobretudo na segunda metade do século XX, a
partir da década de 60, que aparecem dicionários e gramáticas do Umbundu, já
sistematizados, cientificamente mais aprofundados, segundo o modelo da Gramática da
Língua Portuguesa.

Toda a língua é complexa, pois nunca a sua sistematização esgota a riqueza que
contém. A sua complexidade radica no facto de que, a par do estudo e do esforço de
sistematização feita pelo homem, as línguas possuem um dinamismo que assegura a sua
adaptação, renovação e realização significativa.

1.3.1. Um despertar para as línguas nacionais: história de uma procura

de sistematização

Quanto às línguas angolanas, passado o período colonial, com a independência


nacional em 1975, a constituição de um organismo que superintendesse o cuidado das
línguas locais tinha-se afigurado como uma necessidade que urgia. Das várias
iniciativas dos grandes nacionalistas angolanos destaca-se o Projecto nº
ANG/77/009/C/01/13, projecto linguístico confiado ao Instituto Nacional de Línguas,

34
dependente do Departamento de Cultura e Desportos. O organismo foi sido criado ad
hoc em 1979 para a resolução e incremento dos resultados do I Congresso do MPLA,
realizado em 1977 (Instituto Nacional de Línguas, 1980:10).

Como concretização das directrizes do Congresso, no domínio das línguas


nacionais, depois da criação do Instituto Nacional de Línguas, surgiu o resultado do
Projecto que contou com uma perita da UNESCO, a senhora M. Trifković, no âmbito do
protocolo de cooperação, no domínio das línguas, entre a então República Popular de
Angola e a UNESCO/PNUD.
Este resultado foi concretizado na obra Histórico sobre a criação dos alfabetos
em Línguas nacionais (1980), que, apesar do seu grau de incipiência e um rigor
científico-metodológico um tanto exíguo na apresentação dos resultados da
investigação, tem o mérito de levantar o problema e torná-lo público à comunidade
científica nacional e internacional. O primeiro esboço deste estudo continha seis línguas
estudadas: Kikongo, Kimbundu, Tchokwe, Umbundu, Mbunda e Kwanhama (Instituto
Nacional de Línguas, 1980:11).

Em 1985, a designação de Instituto Nacional de Línguas passou para Instituto de


Línguas Nacionais. Esta passagem marca, certamente, uma nova etapa na concepção e
no aprofundamento das investigações sobre as línguas nacionais afro-angolanas bantu e
não-bantu. A consequência da maturidade da consciência científica da investigação foi a
aprovação, em 1987, da fase experimental das seis línguas anteriormente estudadas. No
seguimento deste esforço, em 1999, o Ministério da Cultura, através da sua comissão
para as línguas, considerou 7 línguas para o estudo, figurando no quadro, como
novidade, o Nhaneka e o Ngangela e retirado o Mbunda.

No entanto, é sobretudo com o Programa de Implementação das Línguas


Nacionais no ensino que se abriu uma nova etapa, estimulante do debate linguístico-
científico de modo mais alargado e mais participado. Considere-se assaz positiva uma
tal tomada de consciência, pois o estudo das línguas não pode ser feito sem um
compromisso sério e responsável dos investigadores. Com este programa de
Implementação das línguas nacionais no ensino, dirigido pelo Ministério da Educação,
Ciência e Tecnologia, através do Departamento de Línguas Nacionais, tornou-se

35
impreterível a reflexão sobre os símbolos gráficos das nossas línguas nacionais e a sua
representação gráfica. Este é um debate que, como já o referimos, é quase bicentenário.

1.3.2. Harmonização gráfica das línguas nacionais

Os linguistas dos anos 60 e 70, investigadores europeus que, tiveram o bom


senso de tomar o protagonismo de estudar as línguas afro-angolanas bantu e khoisan,
fizeram uso da sua riqueza científica mediante a aplicação de métodos adequados à
índole do estudo das línguas. Tinham compreendido que a diversidade linguística não é
um acaso, mas uma exigência intrínseca da própria harmonia da natureza no seu
ordenamento universal. A distribuição geográfico-populacional foi sempre
acompanhada do fenómeno linguístico. Daí que, hoje, em muitos países, não se fale
apenas de uma língua nacional, pois o fenómeno da diglossia ou do multilinguismo se
tornou numa realidade presente nestes países. Angola conta com 41+1 línguas nacionais
(cf. Ethnologue 2009: 50).

Esta diversidade linguística é, em parte, consequência da distribuição


geográfico-tribal. Diversamente do que podemos constatar, por exemplo, nos países
europeus e noutros continentes, em que há uma unidade relativamente homogénea dos
povos, em termos linguísticos, a realidade africana apresenta configurações muito
diferenciadas em consequência da organização e funcionamento das estruturas
sociopolíticas assentes em clãs e tribos; os clãs e as tribos são as células da sociedade e,
como tais, representam uma grande riqueza das nações africanas que deve ser
conservada, protegida e estudada. A diversidade não significa dispersão e deve
concorrer para uma sã convivência e para uma unidade.

Neste sentido, o método aplicado pelos linguistas europeus, nossos percursores,


é consentâneo à índole da diversidade linguística em Angola. Durante vários anos de
investigação, dedicaram-se ao estudo de cada uma das línguas nacionais, procurando
dar-lhes uma unidade que possibilitasse a sua articulação, quer dentro do próprio
sistema linguístico, quer na interacção com outros sistemas das línguas vizinhas. Este
procedimento linguístico, ao mesmo tempo que reconhece e respeita as características
idiossincráticas de cada uma destas línguas, honra também o seu passado.

36
Neste estudo, a “harmonização da grafia” das línguas pode ser uma proposta
importante do ponto de vista da discussão teórica e de uma metodologia prática.

Todos os encontros que se desenvolveram até ao ano de 2014, num total de


cinco, foram orientados no sentido da suposta “harmonização da escrita” das línguas
nacionais. O V Encontro, realizado na cidade de Menongue, província de Kwandu-
Kubangu, de 8 a 10 de Setembro de 2014, intitulava-se Diversidade na fala e unidade
na escrita. Julgo que, para o escopo que se pretendia, o ponto de partida foi
inapropriado. Aliás, esta proposta foi muito mais exigente, pois implicava a existência,
em cada língua, de um linguista que, ainda que não fosse especialista numa destas
línguas, pelo menos tivesse feito sobre ela um estudo razoavelmente aprofundado.

Mateus (1988: 8), num discurso de apresentação do livro de Martins, afirma que
«a fala humana é um fenómeno apaixonante». No entanto, a esta afirmação, pode
acrescentar-se que é também uma realidade complexa. Talvez esta percepção ajude na
tipificação das nossas línguas e no respeito pela sua estrutura fonológico. Muitos
linguistas, hoje, de modo especial, os fonólogos admitem sem reservas que os fonemas
de uma língua natural são produzidos numa sequência lógica pelo sujeito emissor
(Malmberg 1974: 109-128; Tiffany - Carrell 1987: 66-94; Clark – Yallop 1990: 10-205;
Macken 1995: 671-696; Ohala 1995: 713-723; Real Academia Española 2011: 26-42).

Por esta razão, a estrutura do elemento simbólico do som, o sinal gráfico, sua
realização material, está dependente da articulação fónica deste mesmo som. Por sua
vez, a articulação sonora deste som está em estreita conexão e dependência com
algumas disposições fisiológico-biológicas do articulante do som. A estrutura
fisiológico-biológica sofre uma grande influência e dependência da posição geográfica
em que se encontra o sujeito emissor ou articulador. Este é um dos factores que
justificam a existência de variedades de uma mesma língua. A posição geográfica,
condiciona ou pode condicionar o nosso aparelho fonador e este, por sua vez,
condiciona o próprio comportamento linguístico do utente ou utilizador da língua.

Portanto, o sinal gráfico (grafema), representação material do som articulado,


esconde uma realidade muito complexa. Este assunto é tratado e desenvolvido por
Martins (1988), cujo estudo pode ser um ponto de partida para a compreensão das

37
dinâmicas da articulação dos sons (fonemas) de uma determinada língua dentro de uma
comunidade linguística.

Assim, o processo de “harmonização da grafia das línguas nacionais” não pode


ser um processo que olvide as peculiares características das línguas angolanas; em cada
uma destas línguas angolanas, como acontece com outras línguas do mundo, além das
características da língua, têm grande relevância as características fisiológicas do
aparelho fonador. Mateus et alii (2005: 45) afirmam que «na nossa vivência quotidiana,
não nos apercebemos (e ainda bem) da complexidade de operações e processos que o
corpo humano executa e gere a cada segundo da nossa existência. Falar, tal como
respirar ou ver, envolve o correcto funcionamento de um conjunto alargado de recursos
fisiológicos, cuja visibilidade nem sempre é óbvia».

O exemplo mais ilustrativo deste fenómeno é a dificuldade que um locutor de


Umbundu pode ter na articulação de fonemas do Kimbundu ou do Kwanhama ou do
Ngangela ou doutras línguas; precisa de treinar; não é apenas um simples exercício do
aparelho fonador, uma vez que envolve uma estrutura fisiológica complexa. Todas as
línguas afro-angolanas bantu manifestam esta exigência.

Talvez seja pertinente, aqui, relembrarmos Bronkart que afirma que o ensino da
língua deve seguir os trabalhos descritivos dessa mesma língua, observando dois
critérios: “a adequação e a especificidade da língua” (Bronkart 1985: 47-54). Julgamos
que, para o estudo das línguas bantu angolanas, estes critérios são fundamentais, pois
colocam cada língua, no âmbito da sua realização e das suas propriedades e
características idiossincráticas.

A preocupação da harmonização gráfica parece situar-se quase no plano da


utopia. Aliás, é bem conhecida, no nosso tempo, a problemática do acordo ortográfico
em Língua Portuguesa, cuja solução parece estar ainda mais distante do que próxima, a
não ser que a questão seja resolvida unilateralmente. Esta problemática nem sequer se
aproxima da suposta “harmonização”, apesar da sua transnacionalização.

A questão da “harmonização”, apesar de estar situada ao nível nacional é mais


complexa, pois trata-se de sistemas linguísticos que, em muitos casos, são diferentes no

38
plano fonético-fonológico. Neste campo, faz sentido a afirmação de alguns linguistas
portugueses quando dizem que «o conhecimento do funcionamento de uma língua exige
o estudo objectivo e despreconceituado das diferentes áreas linguísticas» (Mateus et alii
2005: 25). Um estudo no domínio da grafia tem que ter em conta os factores que estão
na base da produção do fonema, pressuposto de base da sua grafia.

A “harmonização da grafia das línguas nacionais” que, em última instância é


uma tentativa de homogeneização, se exequível, tem de se alicerçar largamente no
domínio da Fonética, enquanto área da Linguística «que se ocupa do estudo dos sons da
fala, da sua produção à sua percepção» (Mateus et alii 2005: 45), nas suas três áreas:
fonética articulatória, fonética acústica e fonética perceptiva, para poder localizar,
dentro dos sistemas das línguas angolanas, o lugar dos sons em cada língua, e os
factores de base que estão na sua origem desde a sua articulação (que envolve o factor
fisiológico) até à sua percepção, para ser cientificamente credível.

Por outro lado, este processo tem de ser feito com um espírito de total
compreensão de que o processo de “harmonização da grafia das línguas nacionais”, não
pode significar processo de destruição de um passado longínquo do qual somos
devedores; harmonizar é, antes de mais, um acto de procurar a unidade, é conservar de
modo criativo e inteligente o legado que vem do passado. Só assim, este processo
poderá ter um estatuto credível ao nível sociocultural.

1.3.3. Processo da “harmonização da grafia das línguas nacionais” e


o International Phonetics Alphabet (IPA)

Uma leitura sobre os fundamentos do processo de “harmonização da grafia das


línguas nacionais” pode observar que um dos argumentos de base com que se justifica
tal processo é o das exigências do IPA ou AFI (sigla em Português). O processo de
“harmonização da grafia das línguas nacionais” é feito com base no IPA.

39
1.3.3.1. Uma breve história do IPA2

Antes de tudo, convém sublinhar que não se pretende aqui fazer uma história da
escrita, embora fosse interessante, dado o espaço que se quer dedicar a este trabalho.
Contudo, dado que o IPA é uma consequência da constatação da complexidade das
línguas, uma brevíssima referência a esta temática pode ajudar a estabelecer o elo entre
esta temática e o IPA.

O estudo dos sons das línguas surgiu na Antiguidade. Os primeiros povos a


colocarem esta inquietação foram, provavelmente, os gregos e os hindus, especialmente
estes últimos que tinham um sistema linguístico mais complexo que o dos gregos. O
estudo dos sons originou a invenção da escrita e esta, por sua vez, o alfabeto.
No entanto, a escrita das línguas nem sempre foi alfabética. Por esta razão,
encontram-se ainda hoje, as escritas alfabéticas e a escritas não alfabéticas. Por isso, o
alfabeto das línguas está dividido em dois grandes tipos: alfabetos silábicos ou
consonânticos e os alfabetos fonemáticos ou voco-consonânticos. Esta tipologia
alfabética estará, certamente, na origem dos Alfabetos fonéticos e dos alfabetos
fonológicos. Para muitos linguistas, na sua constituição, os alfabetos são, na sua
maioria, fonológicos.

No entanto, a evolução da língua no tempo traz consigo a mudança dos seus


fonemas e fones. Todavia, a tendência das línguas é de conservar a escrita. Esta
mudança criou em muitas línguas uma certa confusão entre a escrita e a língua falada
pelos seus utentes. Esta incoerência que as línguas apresentam está na base da criação
dos alfabetos “técnicos”, cujo objectivo é esclarecer as incoerências, mediante a regra-
base de representar cada unidade fónica por um só símbolo, a fim de que, cada símbolo
represente uma só unidade.

Por isso, criaram-se fones para os alfabetos fonéticos e os fonemas para os


alfabetos fonológicos. Morais-Barbosa (1998: 1355) afirma claramente que «os

2
Para uma maior compreensão deste tópico sugerimos a leitura de Maria Helena Mira MATEUS et alii
(2005), Fonética e Fonologia do Português, Lisboa: Universidade Aberta, pp. 43-64; PULLUM,
Geoffrey K. – LADUSAW, William (1996), Phonetic Symbol Guide, 2 ed., Chicago-London: The
University of Chicago Press.

40
primeiros aspiram a uma universalidade dificilmente alcançável, são sempre subjectivos
na sua prática (…) e o seu valor é sempre aproximado; só os segundos, que não aspiram
a tal universalidade e são sempre função do sistema de cada língua particular, são
aceitáveis por um rigoroso critério científico»3.
Estas dificuldades na abordagem dos alfabetos deram origem à sua diversidade.
Assim, surgiram, na história dos alfabetos, diversos modelos alfabéticos, dentre eles, os
alfabetos fonéticos que «surgiram como resposta à necessidade de solucionar as
ambiguidades causadas pela utilização de sistemas ortográficos» (Mateus et alii 2005:
50). O objectivo foi registar de modo sistemático e coerente o contínuo sonoro de fala
(cf. Mateus et alii 2005).

Na sequência destas dificuldades, surgiu o IPA como resposta aos desafios


lançados pela escrita e pelo uso da língua falada. Deste modo,
«partindo da constatação de que os sistemas ortográficos são inadequados para a
representação do contínuo sonoro, dado não existir uma correspondência
biunívoca entre grafema e som, é introduzido o conceito de alfabeto fonético e
apresentado o Alfabeto Fonético Internacional (AFI)»4 (Mateus et alii 2005: 47).

A proposta do AFI (IPA) assenta num princípio básico da relação biunívoca


entre som e símbolo. Por outras palavras, um som deve ser representado por um
símbolo e cada um destes símbolos deve representar apenas um som.

Não obstante isso, sabe-se que um dos objectivos do IPA é procurar a


possibilidade de representação dos sons de todas as línguas do mundo, buscando assim,
uma correspondência talvez universal entre um mesmo símbolo e um mesmo som. Esta

3
Jorge MORAIS-BARBOSA (1998), «Alfabeto» in Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura – Verbo,
Lisboa/São Paulo: Editorial Verbo, 1352-1356.
4
Este, de todos, é o sistema de transcrição fonética mais utilizado e, ao mesmo tempo, mais expandido
nas comunidades científicas internacionais. A sua primeira edição foi publicada em 1888 pela Associação
Internacional de Fonética. Convém observar que nem este tem conseguido superar de forma completa as
dificuldades dos outros sistemas. Por isso, na sua história, este novo sistema de transcrição fonética
também já sofreu e, provavelmente, tem vindo a merecer alterações, rectificações e ajustes, apesar de se
ter o ano de 1996 como o ano da sua revisão completa, definitiva e da sua exposição para a comunidade
científica. Para leituras complementares remetemos para DELGADO-MARTINS, Maria Raquel (1978),
Linguagem Oral e Ortografia, Lisboa: INIC; FARIA, Isabel Hub et alii (Org.) (1996), Introdução à
Linguística Geral e Portuguesa, Lisboa: Editorial Caminho, Caps. II e III; SEGURA, Luísa –
SARAMAGO, José (2001), «Variedades dialectais portuguesas» in MATEUS, M. H. (Coord.), Caminhos
do Português: Exposição Comemorativa do Ano Europeu das Línguas (Catálogo), Lisboa: Biblioteca
Nacional, 221-237.

41
operação, porém, não anula a realização idiossincrática das próprias línguas5 e dos seus
sistemas linguísticos. Para ilustrar a situação, apenas dois exemplos:

O grafema /g/ do Português Europeu, no IPA é representado pelo símbolo


fonético [ɡ]. Pode ser perceptível em unidades lexicais como garfo e mago6, porém, o
mesmo grafema, corresponde a outro fonema em gelo e ginguba.

Por outro lado, pode encontrar-se um mesmo símbolo do IPA [f] para um
fonema de unidades lexicais de diferentes línguas, sem alteração do grafema ou do
dígrafo:
[f] farinha7 português
phonation francês
farm inglês

Isto significa que os símbolos do IPA, no Português Europeu, ainda não


encontram uma total correspondência para alguns fonemas. A proposta da
uniformização do símbolo em cada fonema de cada unidade lexical, numa determinada
língua natural, não significa, necessariamente, a uniformização dos grafemas ou dos
dígrafos de duas ou mais línguas naturais. Um mesmo símbolo pode representar o
mesmo som de uma sequência fónica diferente, conforme a natureza e a organização
interna das unidades lexicais destas línguas.

1.3.2.2. Harmonização da grafia da língua ou das línguas? Uma


problemática linguística em Angola

O percurso que se fez até aqui foi simplesmente no domínio da Fonética e da


Fonologia, que serviu de introdução à temática central focalizada na problemática da
proposta da “Harmonização da grafia das Línguas Nacionais Angolanas”. O problema
de base desta proposta, vista à luz dos cinco Encontros realizados para a reflexão desta
temática, é a constatação da diversidade de grafias dentro da(s) mesma(s) língua(s).

5
Heffner apresenta também esta perspectiva em HEFFNER, R-M. S., General Phonetics (1964),
Madison: The University of Wisconsin Press, 69-72.
6
Estes dois exemplos foram extraídos de Mateus et alii (2005: 51)
7
Ibid., 50.

42
Angola é um recôncavo de línguas o que faz a sua riqueza, mas existe uma
unidade nesta diversidade. Do ponto de vista da vivência cultural, a diversidade quer de
culturas ou de línguas, não pode ser vista como expressão da negatividade ou de um
repto obstativo do desenvolvimento comunitário nacional.
Assim como cada língua angolana é perceptível aos ouvidos de quem a fala seja
ele utente como L1 ou como L2, assim também, a grafia das línguas tem de estar de
acordo com os fonemas desta mesma língua. Do Português ao Espanhol, do Inglês ao
Francês, do Japonês ao Mandarim, do Latim ao Grego, do Árabe ao Tchokwe, cada uma
das línguas realiza-se dentro das possibilidades idiossincráticas do seu próprio sistema
linguístico.

1.3.2.3. Que dificuldades?

A proposta de “harmonização da grafia das línguas nacionais”, nos seus cinco


Encontros realizados até 2014, evidencia um problema relacionado com o modo de
representação gráfica de certos grafemas ou dígrafos. Isto mostra que o problema, mais
do que a existência de alfabetos, deve ser pensado em termos ortográficos ou gráficos.
Fixado o alfabeto, o que dificulta é o modo de pôr na escrita os fonemas das unidades
lexicais das nossas línguas. Contudo, este trabalho deve começar no interior dos
próprios sistemas linguísticos, para, em seguida, se poder fazer um estudo comparativo
dos sistemas linguísticos das sete línguas.

É difícil fixar o número completo das letras dos alfabetos das línguas nacionais
angolanas. Sabe-se que vários linguistas da década de 60 do século XX apresentaram
um número que oscilou entre 21 a 24 letras.
No Umbundu constam 22 letras, sendo cinco vogais (a, e, i, o, u) e duas
semivogais (w, y) e 15 consoantes (b, c, d, f, g, h, j, k, l, m, n, p, s, t, v,). Há também
quem considere, o que não nos parece muito razoável, os dígrafos como letras
alfabéticas (cf. INAL 1980: 118). Esta proposta parece carecer de fundamento
científico, pois não se pode confundir os grafemas, considerados em si mesmos e a sua
combinação para efeitos da sua funcionalidade para a formação das unidades lexicais. O
mesmo seria inserir, no alfabeto do Português Europeu (PE) as sequências fónicas
dígrafas /lh/, /nh/, que não são mais que combinações de grafemas.

43
No entanto, a grande dificuldade, na língua Umbundu, reside naquilo que se
segue nestes quadros:

Tabela 1
C
Grafemas
K

Um dos grafemas mais polémicos é o /c/, que em algumas situações linguísticas


e nalgumas línguas angolanas não tem autonomia, especialmente na Língua Umbundu.
Desta letra ou grafema e sobre o grafema /k/ queremos fazer as seguintes considerações:

a) O /c/, na literatura científica dos anos 20 a 70 e 90 – Gramáticas, Dicionários,


Contos… - (Magalhães 19208; Maia 19579; Maia 196110; Valente 196411; Martins
199012; Mittelberger 199113), a sua realização fónica nas sequências das unidades
lexicais das línguas angolanas tem uma existência muito reduzida; a sua realização mais
frequente é aquela que se encontra nas sequências fónicas dígrafas, que serão abordadas
no ponto seguinte;

b) O /k/ parece ser a nota distintiva das línguas, não somente angolanas, mas de quase
toda a África (da África que utiliza o alfabeto fonemático). A representação do grafema
/c/ do alfabeto português e de outras línguas realiza-se sempre como [k] em todas as
línguas angolanas. As hipóteses que apontam para o seu aparecimento na década de 60,
por via inglesa, tal como se pode ler nos trabalhos do V Encontro sobre as línguas
nacionais em 2014, não tem fundamento científico e é ilógico, pois nas nossas línguas,
desde os tempos de investigações científicas mais remotos, foi sempre utilizado, como
se verá mais adiante. É mais provável que tenha a ver com as línguas orientais que, na

8
António Miranda MAGALHÃES (1920), Manual de línguas indígenas de Angola. Segundo o programa
oficial para exames administrativos, Loanda: Imprensa Nacional de Angola.
9
António da Silva MAIA (1957), Lições de Gramática de Quimbundo. Português e Banto (dialecto
Omumbuim), Cucujães: Escola Tipográfica das missões.
10
António da Silva MAIA (1961), Dicionário Complementar Português-Kimbundu-Kikongo (Línguas
nativas do centro e do norte de Angola), Cucujães: Tipográfica Missões (2ª ed. Luanda: Cooperação
Portuguesa, 1994).
11
José Francisco VALENTE (1964), Gramática Umbundu. A língua do centro de Angola, Lisboa: Junta
de investigações do Ultramar.
12
João Vicente MARTINS (1990), Elementos de Gramática de Utchokwe, Lisboa: Instituto de
Investigação Científica.
13
Charles MITTELBERGER (1968; 1991), Poesia Pastoral do Cuanhama (Cunene-Angola), Lisboa:
LIAM.

44
sua maioria, o utilizam. Por isso, a transformação do /k/ em /c/ quer, na toponímia, quer
na antroponímia pode constituir um comportamento de violência à língua sem algum
fundamento científico. O que se diz do /k/ é também válido para o /w/.

Tabela 2: quadro ilustrativo da realização do grafema /k/ nalgumas línguas afro-bantu


africanas

Línguas Unidades lexicais / Significado

Umbundu Ondaka, palavra; okulya, comer; okwenda, andar, ir


Kimbundu14 Kikwama, ardente; mukini, dançarino; mukutu, corpo
Kikongo15 Kitokota, ardente; nkini, dançarino; luaxiku; começo
Tchokwe16 Kanuke, rapaz, rapariga; kabindji, escravo, escrava; kumbi, gafanhoto
Kwanhama17 Kasi, um; kali, dois; kane, três; okupula, perguntar; ediko, fogueira
Ngangela18 Kalunga, Deus; kuku, avó; mukulu, espírito do antepassado
Nhaneka Kwana, quatro; ekwi, dez; efiko, rito de iniciação feminina
Swahili19 Kitabu, livro; kitu,coisa; mfariki, seita; jikoni, cozinha; kifiko, chegada
Caboverdiano20 Péska, pesca; diskulpa, perdão; ki, que; korpu, corpo; fabrika, fábrica
Crioulo da Sinku, cinco; kuatru, quatro; Koresma, Quaresma; rikesa, riqueza
Guiné-Bissau21
Changana22 Kùkùkùkù, inchar; kukà, cozinheiro; kukula, varrer, kukuta, pescar

14
Cf. J. Almeida SANTOS (1962) (Perspectiva de) Gramática Comparada dos falares bantos
angolanos: 1. Umbundu, 2. Musele, 3. Olunaneka, 4. Kwanama, 5. Kimbundu, 6. Omumbwi, 7. Kikongo,
8. Tchokwe, Nova Lisboa: obra dactilografada por JAS.
15
Cf. Ibid.
16
Cf. João Vicente MARTINS (1990), Elementos de Gramática de Utchokwe, 38 e 45;
17
Cf. J. Almeida SANTOS (1962) (Perspectiva de) Gramática Comparada dos falares bantos angolanos.
18
Cf. José de Queirós ALVES (1997?) (Coord.), O mundo cultural dos Ganguelas. Estudos de
Antropologia Cultural do Povo Ganguela, Tomo I, Secretariado de Pastoral, Diocese de Menongue,
Porto: Editorial Perpétuo Socorro, pp. 196, 208, 210, 218.
19
Cf. D. V. PERROTT (1965), Teach yourself Swahili, London: The English Universities Press, 7;
Machozi Tshopo MBANGELE (2006), Dicionário Português-Suahíli / Suaíli-Português, Lisboa: Gráfica
Manuel Barbosa & Filhos.
20
Exemplos retirados de Mafalda MENDES et alii (2002), Dicionário Prático Português/ Caboverdiano.
Variante de Santiago, Lisboa: Verbalis.
21
Exemplos extraídos em Luigi SCANTABURLO (1981), Gramática e Dicionário da Língua Criol da
Guiné-Bissau (GCr), Bologna: Editrice Missionaria Italiana.
22
Língua do grupo Tshwa-Ronga que segundo Sitoe (1996: VII) é falada em Moçambique nas províncias
de Maputo e Gaza. Estende-se também às províncias de Inhambane, Manica e Sofala. É ainda falada na
África do Sul e no Zimbwabwe.

45
1.3.2.4. Os dígrafos ou sequências fónicas dígrafas complexas

Tabela 3: Os dígrafos -ndj-, -nh-, -ng- / -ñg- e -tch-

Kimbundu
Umbundu

kwanyama
Ngangela

Tchokwe

Kikongo
Língua

-ndj- -nj- -ndy- -ndj- -j- -ndy-


-nh- -nh- -ny- -ny- -nh- -ñ-
Dígrafo -ng-/-ñg- -ng- -ng- -ng- -ng-
-tch- -chi-/-xi-/- -ty- -tch- -xi- -
ki-

Por razões metodológicas, este estudo restringe-se à Língua Umbundu, pelo


facto de este trabalho, na sua globalidade, abordar a questão linguística do Português,
no perímetro geográfico dos Povos Ovimbundu; o segundo motivo tem a ver com o
facto de que ela é uma língua que temos estudado com um rigor razoável, já há algum
tempo, e por ser também a nossa L1 da qual temos mais domínio e conhecimentos.

1. Em relação aos dígrafos /ng/ e /ñg/, pelas conclusões do último Encontro sobre as
línguas nacionais, pode depreender-se algum consenso alcançado na questão, uma vez
que a sua existência explica-se, recorrendo à natureza idiossincrática da própria língua.
Basta referir alguns exemplos:
O som em /ñg/ é típico em Umbundu; representa o som nasal gutural, além de
evitar a confusão com outras palavras:

a) oñgañga (bebé) ≠ onganga (feiticeiro)

Os dois fonemas existem na língua, mas a sua compreensão só pode ser dada
pelo estudo fonético;

b) oñgoñgo (giba) ≠ ongongo (sofrimento)

46
2. A sequência /ndj/

Valente (1964: 23), tratando pormenorizadamente do alfabeto da Língua


Umbundu, quando se refere ao grafema /j/ afirma ser «sempre antecedido de /N/, ou na
grafia de vários autores /ND/, dando /NDJ/». Esta proposta fonético-fonológica parece
razoável e é utilizada pela maioria dos linguistas.
No entanto, oito anos depois, num trabalho conjunto com Le Guennec (1972), os
dois autores afirmam: «o j aparece em alguns dialectos bantos, como consoante simples;
em umbundu, nunca. A pronúncia corresponde a ndj, mas considerando que o j é
sempre duro, não se vê a razão para um agrupamento de três consoantes para um único
som e, por isso, se reduziu a nj».

Neste ponto, parece difícil concordarmos com estes autores, pois o som da
sequência nj não preserva a palatalização ou melhor, não conserva o som palatal
mediano entre a nasal (oclusiva23 ou alveolar24) n e a consoante fricativa vozeada j25.
O exemplo mais claro é o da forma Ndjongole (de ondjongole): Ndjongole
wamwile ofeto = o prémio vem da (boa) vontade. No lexema ondjelo, a sequência ndj
ilustra também a sua importância; esta palavra pode ser pronunciada o-ndj- e- lo ou on-
je-lo / on-ge-lo (sendo esta última, uma variante dialectal muito utilizada na zona
Ngalanga-Kumbila-Kasonge).

Se comparado com o som dos lexemas ingleses angel (anjo), Jesus (Jesus),
verificar-se-á que o Umbundu faz a operação inversa daquilo que acontece no Inglês.
Para esta última língua, na pronúncia, um grafema equivale a dois ou mais fonemas
fonéticos. A Língua Umbundu, pelo contrário, representa ou faz equivaler vários
grafemas a um único fonema, o que simplifica a complexidade fonética da língua,
sobretudo para quem a aprende, apesar da não conformidade com o estabelecido pelo
AFI (IPA). Um dos exercícios mais difíceis na aprendizagem do Inglês é descobrir, sem
dicionário com pronúncia, as várias equivalências fónicas do grafema /g/. Senão veja-

23
Maria Helena Mira MATEUS (1990), Fonética, Fonologia e Morfologia do Português, Lisboa:
Universidade Aberta, 48.
24
Lindley CINTRA (1984), Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa: Edições João Sá da
Costa, 43.
25
Lembra-se que, mesmo no Português Europeu e no Português do Brasil, a representação do j não tem
sido fácil. Veja-se, por exemplo, CUNHA – CINTRA (1984: 42); MATEUS (1990: 48-49).

47
se: edge, aigle, language, Greenberg, singular, niger; estes vocábulos não são
homogéneos na sua pronúncia, dificultando a aprendizagem de um beginner.

Diversamente, na Língua Umbundu, os linguistas fixaram este fonema, tal como


se pronuncia, o que reduz de modo substancial, o trabalho do aprendente. Pela
pronúncia pode chegar-se facilmente à escrita. Neste caso, se se pretender diminuir a
complexidade da Língua Umbundu ou de qualquer outra língua afro-angolana bantu,
esta proposta fonético-fonológica parece ser a que mais corresponde ao objectivo
pretendido.

Depois desta breve análise em relação a este dígrafo, pode concluir-se que, do
ponto de vista da escrita e da pronúncia, não pode haver ambiguidades. Quer a escrita
quer a pronúncia do dígrafo, na sua forma mais original, orientam-se pela natureza
própria do sistema da língua.

3. O fonema [ɲ]

O fonema [ɲ] (correspondente ao dígrafo /nh/ Português) existe na Língua


Umbundu; além disso, evita ambiguidades como, por exemplo, nos vocábulos:

Onhanha (bocejo) / onyanya (tem defecado)


Onha (ódio, inveja) / onya (defeca)

De facto, os exemplos dados por Valente (1964: 19) são assaz elucidativos:
Onha, aversão / [oku-] onya, defecar26
Onhañgi, boeirinha / onyangi, enganador
Nhula, visitar / [oku-] nyula, restituir a mim

Oito anos mais tarde, Le Guennec e Valente (1972: XVI) apresentam outros
exemplos relativos ao dígrafo /ñg/:
Omunga, mensageiro / [oku-] -muñga, embrulhar
Omange, fêmea / emañge, nódoa

26
As traduções são conforme o original. Não as adaptamos, apesar de precisarem, por razões
metodológicas.

48
Epingilo, pedido / eliñgilo, entrada
Ongongo, sofrimento / oñgoñgo, giba

Por isso, o autor chega a conclusão de que, «NY e NI, com o som de [ɲ] NH em
bundo, é inadmissível, visto haver os dois sons NHE e NY, ou seja o N seguido de Y-I
breve» (Valente 1964: 19). Deste modo, «o emprego do NH Português, admitido por P.
Lecomte e empregado pela maior parte dos missionários, deve manter-se em Angola»,
concluía o linguista na sua abordagem em relação ao fonema [ɲ], relativo ao dígrafo /nh/.
Se se observar o comportamento linguístico do Kwanyama, os dígrafos /ny/ e /dy/ são-
lhe específicos:

O-nyofi, a estrela27
O-nyiki, a abelha
O-ndyaba, o elefante
O-ndye, o escorpião
O-dyila, o caminho

4. A sequência [tʃ]

O fonema dental-palatal ficou representado na grafia por /tch/ provavelmente


pelas mesmas razões da sequência fónica em 2.
O fonema [tʃ] (/tch/) do Umbundu corresponde ao ki / chi / xi do Kimbundu. Este
foi, tem sido e continua a ser o som mais problemático. Não é um desafio do nosso
tempo. Os primeiros foneticistas, teorizadores da Língua Umbundu, não olvidaram esta
problemática; assim, segundo Valente (1964: 19), «a escolha da mesma grafia para o
mesmo som uniformiza a escrita e torna possível um estudo comparativo nas línguas
bantas. No entanto, há sons em bundo, iguais em outras línguas bantas, para cuja grafia
os autores não se uniformizaram ainda e são os sons NH e TCH».

Valente sublinha também o desafio de a pronúncia de /TCH/ apresentar seis


formas diferentes (1964: 21-22):

27
Os exemplos são de J. Almeida SANTOS (1962) (Perspectiva de) Gramática Comparada dos falares
bantos angolanos: 1. Umbundu, 2. Musele, 3. Olunaneka, 4. Kwanama, 5. Kimbundu, 6. Omumbwi, 7.
Kikongo, 8. Tchokwe, Nova Lisboa: obra dactilografada por JAS, 25.

49
“C – que é considerado um som importado do italiano que está mais presente nos livros
veiculados no Dondi e Bela Vista.
CH – que é apresentado como som do Português e equiparado ao som português [tʃ]

existente em “atchim”.
CI – é afecto aos que diferenciam a pronúncia portuguesa para A-O-U, com uma
intercalação do I, que venha antes de uma destas vogais, com o fim de se preservar o
som [tʃ] relativo à sequência /TCH/.
KI – é apresentada como a forma corrente em Kimbundu, que, provavelmente
influenciou o Umbundu.
QUI – em algumas gramáticas, diz-se, aparece esta grafia à portuguesa.
SH – é sobretudo na Gramática de Kiswahili de Delaunay que aparece esta forma.
TK – é localizado na grafia fonética do Norte de Angola.
TSH – aparece na Gramática intitulada Le Tshiluba du Kassayi.
Tx- Maia utiliza esta grafia na Gramática do dialecto Omumbuim, que já referimos
acima.
Tȷ- segundo Valente, este dígrafo foi uma introdução de Albino, o autor do Dicionário
Etimológico do Umbundu.
TY- este som, segundo os testemunhos, apareceu com frequência e admitido em vários
livros, inclusive no Planalto Central do Huambo.
TCH- o som tch- aparece em escritos, além de outros tantos, de Lecomte, Le Guennec,
Keiling, somente para sublinhar alguns mais antigos e mais imersos na investigação das
línguas afro-angolanas bantu”.

1.3.2.5. Problemática actual em Umbundu: o desafio linguístico dos


dígrafos TCH, CH e TY

Para o /C/ os estudiosos sublinham que, à partida é uma importação. Apesar de


ser importado do italiano, o seu uso entre os autores no Dondi, foi indistinto, não seguiu
as regras do Italiano. Forçadamente, foi utilizado de forma generalizada, enquanto o
Italiano, reserva o som de [tʃ] TCH- para antes das vogais /e / e /i/ e não faz a extensão às
outras vogais como em Português. Daí, tchavala por cavala; otcho por oco, que, de
acordo com alguns linguistas são formas localizadas e generalizadas em Dondi. Vê-se

50
claramente que houve uma imitação e uma produção dos sons mal ajustada. Pois no
Italiano o uso do /C/é distinta e objectivamente diferenciada:

Antes do /a/: casa, cana, capella, musica, vacanza, o C não tem pronúncia de [tʃ]
/tch/, mas de [k] quer ocorra na posição inicial, média ou interior ou na final;
Antes do /o/: colore, come, piccolo, cosa, capiscono;
Antes do /u/: qualcuno, cugino, documento, scuola, curiositá;
Antes das vogais /e/ e /i/ a gramática italiana e o uso dos falantes da língua
italiana consagra o fonema [tʃ] -tch-.

Em resumo, C + E, C + I, no Italiano, é palatal (dž / tʃ) e alveolar-gutural (k) em


C+a, o, u28. Há alguma hipótese que considera que, o som do C vem do Latim. É
evidente que, em termos de alfabeto, adoptou-se o alfabeto latino tal como o fizeram as
línguas românicas. Contudo, relacionar este som com o latino, parece ser assaz forçoso
por duas razões:

- em primeiro lugar, sublinhe-se que, se os primeiros foneticistas adoptassem o


som latino nas línguas afro-angolanas bantu, em especial em Umbundu, então observar-
se-ia a mesma regra do Latim face aos dígrafos CA, CE, CI, CO, CU, usando
distintamente o som do C conforme a vogal que se lhe pospõe. Ex. Dico (eu digo), dicis
(tu dizes), dicetis (vós dizeis), dicamus (nós dizemos), quercus (floresta). Estes sons
estão diferenciados na pronúncia, apesar de serem antecedidos da mesma consoante
sibilante dental C.

- em segundo lugar, se os foneticistas europeus adoptaram o som latino de C,


então não estavam em consonância com a evolução da sua língua materna (no nosso
caso, o Português), pois era mais razoável adoptarem a escrita da sua língua materna,
como bem o fizeram. Daí, encontrar-se nomes aportuguesados, como por exemplo,
banto / banta. Aliás, em Português, o grafema de C com o valor do fonema [tʃ] (-tch-)

desapareceu há séculos, apesar de ainda persistir, no Portugal contemporâneo, nalgumas


partes do Norte, a pronúncia [tʃ] /tch/ nalgumas unidades lexicais em [ʃ] /ch/ como, por

28
Cfr. M. REGULA – J. JERNEJ (1965), Grammatica Italiana descritiva. Su basi storiche e
psicologiche, Switzerland: A. Francke AG Verlag Bern, 15.

51
exemplo, no vocábulo chouriço (tchouriço). E não somente em Português. Nas outras
línguas românicas, persiste somente no Italiano.
O aportuguesamento das palavras das línguas nacionais mostra claramente o
tipo de som seguido pelos primeiros teóricos foneticistas das nossas línguas e, por
conseguinte, tira fundamento ao argumento segundo o qual o som tomado na grafia de
algumas das nossas línguas nacionais é o som latino. Pelo menos, as investigações
mostram-nos que, os foneticistas tentaram sempre captar os sons da pronúncia dos seus
interlocutores, estudaram-no e puseram-no por escrito conforme o som que ouviam e
fizeram-se auxiliar das regras fonético-fonológicas das suas línguas.

Há um outro argumento, não relacionado directamente com o grafema /C/, mas


com o /K/. Algumas das exposições feitas no V Encontro sobre as Línguas Nacionais,
dizem que a introdução do /K/ foi feita a partir de 1966, como se pode ler: «para as
línguas de origem africana, só em 1966, quando os linguistas reuniram no Instituto das
Línguas Bantu de Ûpsala, na Suécia, recomendaram a introdução das letras de origem
anglo-saxónica: w, y e o k do grego, mais o dígrafo /ny/ que é idêntico ao /nh/ português
ou -ng- francês, para substituir o -nh- usado pelos autores portugueses (…)»29.
Julgamos que esta perspectiva constitui um equívoco histórico-linguístico, pois
todas as letras/grafemas indicadas, até à década de 60, estavam mais que generalizadas
não somente nas línguas angolanas, mas em toda a África. Basta observar a literatura
africana sobre as línguas locais; quase todas elas utilizam abundantemente o k, w e y
muito antes da década de 60.

Em relação ao som /TY/ muitos linguistas consideram não ser um dígrafo e a


justificação da sua existência é semelhante ao som de /NY/, este também existe em
Umbundu. Por exemplo:
okutyama, okutyamela, aderir moralmente
okutyuka, vir
okutyula, fazer voltar

29
Texto de Jorge Kapitango ‘Mwenyo-Wongombe, no V Encontro sobre as Línguas Nacionais decorrido
em Menonge de 8-10 de Setembro de 2014, sobre o título Reflexão sobre a complexidade de alguns
signos gráficos em Linguas Bantu de Angola, p. 6.

52
Portanto, pelo que se pode inferir, o som /TY/ foi introduzido por Albino com a
finalidade de evitar o h aspirado. O seu uso, para assinalar o som oclusivo-palatal-
fricativo, não faz nenhum sentido.
O fonema [tʃ] TCH, além de ser o mais difundido entre os linguistas das línguas
afro-angolanas bantu, facto que não pode ser minimizado, pois isto tem as suas
implicações e relevância científicas, teve momentos de intermitência: aparecia,
desaparecia e voltava a aparecer. Esta insistência da sua emergência, provavelmente,
indicará a razoabilidade e a eficiência linguística do seu uso nas comunidades
linguísticas de expressão Umbundu. Somente para exemplificar, é usado em 1919 e
1937 por João de Deus; é usado por Valente em 1964; desaparecido em Valente e Le
Guennec em 1972; reaparecido e adoptado nas décadas subsequentes.

Julgamos, portanto, não constituir uma dificuldade para a escrita ou para a


aprendizagem da língua, pois esta sequência fónica ou dígrafo realiza claramente o
carácter idiossincrático do som tal como é produzido pelos falantes. Além disso, a
Língua Umbundu não é a única que a realiza; várias línguas africanas o integram no seu
repertório fonético-fonológico. Devido à sua generalização, pode ser considerada como
uma sequência idiossincrática de muitas línguas africanas. Portanto, nada obsta a sua
utilização no sistema da língua. Do ponto de vista científico e das peculiaridades do
falante nato, apresenta legitimidade e eficácia.
Podemos apresentar, só a título de exemplo, três línguas africanas que utilizam
este dígrafo: o crioulo da Guiné-Bissau, o Caboverdiano e o Chisena de Moçambique:

a) Crioulo da Guiné-Bissau30

Atchaki, achaque; tchiga/tchiganta, achegar-se; dismantchu, aborto; tchai, adultério;


fertcha, atirar; tcholona, interpretar; tchomadu, nomeado…

b) Caboverdiano (crioulo de Cabo Verde, variante Santiago)31


tchága, ferida; tchoka, fermentar; fitcha, fechar; tchábi, chave; fitchádu, fechado;
tchom, chão; tchuba, chuva; tchupa, chupar; tchoru, pranto…

30
Exemplos extraíados de Mafalda MENDES et alii (2002), Dicionário Prático Português/
Caboverdiano, op. cit.
31
Exemplos extraídos de Luigi SCANTABURLO (1981), Gramática e Dicionário da Língua Criol da
Guiné-Bissau (GCr), op. cit.

53
c) Chisena32

otcha, assar (forma infinitiva), otcheka, poder ser assado, poder assar-se, otchiwa ou
otchwa, ser assado ou grelhado, otchambo, assar do mesmo modo…

Estas sequências fónicas que foram apresentadas mais do que tornarem mais
complexo o sistema linguístico, enriquecem-no. Aliás, muitas línguas do mundo,
incluindo as europeias, trazem no seu repertório fónico as sequências consonânticas
muito mais complexas, mas ajustadas à índole própria da língua.
Exemplos:

Alemão
Schwarz, preto; Abschlag, baixa, desconto; absatzfähig, de venda fácil; abschreckend,
exemplar; Lichtdurlässig, translúcido; Lichtempfindlich, sensível à luz;
Leuchtspurgeschoß, projéctil de trajectória luminosa; holzschnitzerei, escultura em
madeira.

Inglês
Phone, telefone; phonology, fonologia, strength, força; roughness, rudeza; scotching,
acção de colocar um calço; scotchman/scotchwoman, escocês/escocesa; naphthaline,
naftalina…

Outras línguas não europeias:

- Swahili

Mshtakiwa, o réu; mshtuko, choque, pancada; shtaka, acusação; shtua, acusar…

- Changana
-mpsha, novo, jovem; -mpshìmpshà, caminhar vergado; mpfùmù, explosão; ndzhènga,
a tarde; ndzhoho, grão, semente; ndzhòndzhòmètà, afundar…

32
Língua falada em Moçambique (nas províncias de Manica, Sofala, Tete e Zambézia) e no Malawi (nas
zonas de Nsanje e Chiromo): cfr. Dionísio SIMBE (2004), Dicionário Chisena-Português, Maputo:
Rádio Moçambique.

54
Deste modo, afigura-se que a protecção da idiossincrasia de qualquer língua de
uma comunidade é um dever de todos os seus membros, e é um acto de cidadania, pois
a língua é um dos primeiros tesouros da cultura de qualquer cidadão. Os ventos da
modernidade inserem o mundo numa época em que a língua escrita veicula quase tudo.
Desde os padrões culturais até à informação tecnológica, a língua é, na modernidade,
um factor decisivo na afirmação de um povo.

Por isso, a conservação das características idiossincráticas e históricas das


línguas e o seu ajustamento, dentro dos limites e de uma perspectiva linguística,
considerando acima de tudo, as comunidades que as falam, deveria ser tarefa de todos
os seus membros. Neste sentido, Santos (1962: 5) afirmou que «o aprendizado de uma
língua é um complexo de estudos de vária ordem, desde o conhecimento de simples
palavras até à psicologia de quem a fala. A tudo isto, deram os antigos o nome de
gramática (…). A gramática será o estudo da língua, da fala e de quem fala. Deste
modo, estude-se a gramática, ensine-se gramática, sem que gramática seja qualquer
ciência independente da linguagem»33. Neste âmbito, o autor, no seu estudo
comparativo das línguas, classifica a sequência -tchi- como um prefixo de muitos
nomes em Umbundu, no singular, fazendo o plural em ovi- / i-. E usa de forma
uniformizada a grafia /tch/, /ndj/, /nd/, /mb/, /ok/, e os grafemas alfabéticos semi-
vogais /w/, /y/, embora utilize o som espanhol para o grupo consonântico /nh/- (Santos
1962: 10-11) o que nos parece assaz razoável e cientificamente correcto.

1.3.2.6. Antroponímia e toponímia na Zona Linguística Umbundu

Sobre estes tópicos, pretende-se fazer uma brevíssima incursão e exposição dos
seus problemas, pois a complexidade do assunto obriga a tratá-lo à parte, nos próximos
trabalhos. Contudo, sabe-se que, a Linguística das línguas angolanas atravessa, no
âmbito da questão da onomástica, alguns desafios, designadamente, na antroponímia e
na toponímia. Estes reptos são consequência do debate mais ou menos alargado sobre a
grafia das línguas nacionais. Conscientes da importância da problemática, cônscios da

55
responsabilidade e seriedade que esta temática exige, decedimos terminar a proposta
acabada de apresentar com uma brevíssima reflexão sobre a antroponímia e a
toponímia. Esta consciência ficou mais clara, ao longo das leituras onde obtivemos o
cruzamento de posições de muitos autores, cujas afirmações esclarecem a riqueza que
os topónimos encerram em si mesmos. A riqueza dos topónimos coexiste com a dos
antropónimos. Cada nome escreve um ser, e cada ser reclama um nome.

Em Angola, vive-se um período de ‘discernimento’ antroponímico-toponímico


em que, tal como os desafios linguísticos das línguas nacionais, a antroponímia e a
toponímia procuram sair das ambiguidades e incoerências sociolinguísticas. Contudo,
estas áreas, apesar de nos tempos modernos terem sido impulsionadas
consideravelmente, porque têm sido estudadas, continuam dependentes de outras áreas.

Na verdade, como diz Fernández (2010: 7) a respeito dos topónimos


«os estudos da toponímia aproveitaram-se sempre das contribuições alcançadas
das outras disciplinas para explicar a origem, a história e distribuição dos nomes
de lugares. Com a colaboração da geografia, da história, da antropologia, da
botânica, da economia e da linguística, entre outras disciplinas, os estudos da
toponímia fomentam-se e desenvolvem-se de modo mais completo».

Estas afirmações evidenciam como as áreas da antroponímia e toponímia


sobrevivem com os resultados das investigações das outras áreas do saber humano.

O debate sobre a problemática da antroponímia e da toponímia, em Angola, está


estreitamente ligado à questão da grafia das línguas nacionais. As várias formas em que
aparecem escritos os nomes de pessoas e de localidades são o reflexo da problemática
que arrostam as línguas nacionais angolanas. O problema está relacionado com a
questão da “harmonização da grafia das línguas nacionais”.
Aliás, como ficou afirmado acima, se a antroponomástica e a toponomástica
estiverem, de algum modo, dependentes das ciências como a geografia, a história, a
linguística e doutras ciências afins, então o problema das línguas nacionais angolanas
precisa de ser resolvido, de forma gradual, para permitir a sua conexão com os trabalhos
em curso noutras áreas, mas principalmente, na área da linguística. Os estudos
antroponomásticos e toponomásticos serão pouco fecundos e singelos, se não tiverem
em consideração as reflexões que vêm da Linguística. Esta, para a realidade angolana,
parece ter um lugar particular na resolução de muitos problemas linguísticos e na

56
dirimição dos desafios com que se confrontam as comunidades angolanas de fala. É
clarividente a proficuidade de um nome e do seu significado, seja ele locativo ou
antropológico. Sabe-se também o que ele implica do ponto de vista do seu uso no fórum
interno ou externo.

Rosselló e Verger (2010: 24) descrevem de forma clara, referindo-se à


toponomástica, a importância e o significado desta no contexto não somente da
individualidade, mas numa dimensão mais alargada, quando dizem que
« (…) para nós, os topónimos são objectos culturais que transmitem a magia da
terra com uma soleira centenária ou milenária de autênticos fósseis. A
toponomástica acaba por ser uma ciência muito mais patriótica, porque se
alimenta de um património inalienável, inseparável da terra».

Esta maneira de olhar a realidade dos topónimos é a mesma que repousa sobre
os antropónimos. Quer uns quer outros são o sustentáculo da representação cultural de
um povo e são o ser do mesmo povo (Cislaru 2008: 53-64). Os povos são sempre
identificados pelos nomes dos seus países, das suas terras, das suas cidades, vilas ou
aldeias. Pelo antropónimo chega-se a conhecer a origem da pessoa, se não de maneira
acertada, ao menos de forma aproximada. Assim como a bandeira de um país
representa, simbolicamente, este país em qualquer parte do mundo onde estiver, assim
também os nomes apontam para a localização geográfica dos povos. Eles não só
representam, simbolicamente, o que indicam, indicam culturalmente o que significam.

Esta realidade é muito mais significativa no contexto cultural africano onde os


nomes transportam no seu interior e sobre si uma carga antropológico-cultural ou
geográfico-axiológico muito forte. Cada nome, em Angola, como em muitas culturas do
mundo, tem a sua origem, história, sentido e significado próprios. É este aspecto que,
considerado, chama à tomada da consciência da imprescindibilidade de ligar a
antroponomástica e toponomástica à resolução da problemática da escrita das línguas
nacionais. A uniformização das grafias em cada sistema linguístico das línguas
angolanas, feita de modo responsável e com base em princípios e resultados científicos,
poderá facilitar a onomástica.

Quer em termos de topónimos quer de antropónimos, o aportuguesamento, tal


como se esclarece no capítulo quarto deste trabalho, é um procedimento linguístico, em

57
muitos casos, não somente ofuscador, como também demolidor da natureza identitária
da onomástica, principalmente, da antroponímia e da toponímia. Esta crise identitária
que pode ser aberta pelo processo do aportuguesamento dos antropónimos e topónimos,
em Angola, não se restringe apenas à língua, mas alarga-se à identidade nacional e
cultural dos indivíduos, de lugares e dos povos e, por esta razão, não reflecte nenhum
sentido patriótico nem a deferência pelos aspectos idiossincráticos das próprias culturas
nacionais tão ricas no seu próprio interior.

Os topónimos como Chibia, Chicuma, Chinduli, Chinguar Chinjamba,


Chitembo, Chongorói, Quilengues, Quibala, Quileva, Quinjenje, Quipeio, Quipungo
Quiundo, Londuimbali, Usoque, Dombe, etc e os antropónimos como Caluquaquela,
Chimbapo, Cachiringuichimue, Camulingue, Cabenje, Caliengue, Camucuio, Camola,
Chambasucu, Chombaca, Cassoma, Chendovava, Chimuco, Cachindombe, Chendelela,
Chicuma, Chopelonga, Chingando etc, na Língua Umbundu não só não existem, como,
se porventura existirem com esta grafia, nada significam para um nativo umbundu
consciente das suas tradições culturais incluindo a língua.
Há um outro problema. Estes onomásticos, assim escritos, do ponto de vista
semasiológico, em Português, têm uma semântica que pode ser considerada vazia (ø).
Em relação ao Umbundu, toda a semântica semasiológica é esvaziada, (como se poderá
ver no capítulo quarto), pois fica ofuscada a etimologia do onomástico e esvaziada a sua
semântica. Escritos deste modo, pergunta-se: que significados estes onomásticos
encerram para a própria identidade da noção referencial (pessoas e lugares)? Ou melhor
ainda, onde se pode descobrir a identidade da pessoa ou do local que os possuem?

A afirmação de Costa (2015: 81) insere-se nesta lógica e é profícua para se


perceber a gravidade do processo. Costa sublinha e, em justa medida, que, «tendo em
conta que os nomes em Umbundu, quer gentílicos, quer topónimos, são dados segundo
as circunstâncias envolventes, dando um significado ao respectivo nome, logo, ao
aportuguesá-los, o seu valor inicial perde-se, perdendo a sua semântica, muitas vezes,
tanto na língua de origem, como na língua de chegada, neste caso, o Português».
Portanto, estamos perante um processo que não favorece nem o Português e muito
menos a Língua Umbundu e todas as outras línguas afectadas e sujeitas a este
procedimento. E, por conseguinte, como toda a língua natural veicula a cultura e esta

58
produz a língua, pode inferir-se que se está num processo inicial do esvaziamento
deliberado das culturas angolanas: é a morte das culturas.

Portanto, quaisquer contra-argumentos tomados neste sentido são contra as


próprias tradições culturais. E um argumento contra a cultura e contra a tradição é um
argumento contra o homem. O esvaziamento das tradições culturais pelo modernismo
cultural pode levar-nos ao vazio cultural e identitário no presente e no futuro. No
entanto, é exigência de cada geração, não se preocupar apenas com o seu presente, mas
fixar o olhar no horizonte do futuro das suas comunidades. O futuro de amanhã
depende, em grande medida, do presente que se vive hoje. Esta é a lógica e o
dinamismo da vida. Não obstante isso, as tomadas de decisão que não envolvem apenas
uma geração, mas ‘infindas’ gerações é uma grande responsabilidade social de toda a
comunidade. Por conseguinte, qualquer acto social deliberativo deve moldar-se nos
parâmetros de uma reflexão que consiga olhar para um horizonte mais longínquo, com
capacidade de previsibilidade dos acontecimentos da história que se vão desenrolando,
fazendo assim a história do próprio homem e evitando equívocos e incorrecções
histórico-sociais.

1.4. Caracterização dos Povos Ovimbundu

O estudo etnolinguístico de um povo é sempre um grande desafio. Aqui, é


também válido o que se referiu em relação à língua. Este repto é muito mais abissal,
quando diz respeito à realidade africana. O primeiro problema é a bibliografia que nem
sempre é suficiente. No entanto, já no tempo colonial, muitos investigadores tomaram a
iniciativa de empreender o estudo dos Povos Ovimbundu (Hastings 1933, Hambly 1934,
Childs 1949, McCulloch 1952 e tantos outros). Estes e outros constituem, hoje, os
clássicos, a fonte primária de qualquer estudo sobre os Ovimbundu.

Segundo Henderson (1990: 22-24), de meados do século XIX até meados do


século XX, mais de um terço da totalidade populacional angolana era do grupo
etnolinguístico Umbundu. Este grupo foi sempre caracterizado pelo seu número e
homogeneidade em relação a todos os outros grupos. Estas características têm
possibilitado alguns antropólogos e sociólogos a classificá-lo como, mais do que um

59
simples grupo etnolinguístico, é um povo, pois desde sempre, o grupo apresentou
matizes de homogeneidade e características de diferenciação.

Os historiadores, embora com algumas divergências, são quase convergentes na


consideração sobre a origem dos Povos Ovimbundu que vieram das terras do Norte de
Angola, tendo descido a sul do rio Kwanza, onde se estabeleceram, espalhando-se, mais
tarde, para as zonas do Planalto Central, designadamente, Huambo, Benguela e Bié. A
dispersão mais recente ter-se-ia dado a partir destes focos planáltico-populacionais.

No entanto, quanto à sua mobilização como povo, a característica mais


conhecida e, por conseguinte, mais referida pelos investigadores está ligada à sua
actividade comercial. Os Povos Ovimbundu mantiveram sempre a actividade
económico-agrícola ligada ao comércio. Esta actividade desempenhou uma função
muito profícua na relação dos Povos Ovimbundu com os outros grupos etnolinguísticos,
inclusive os mais distanciados.

Heywood (2000) fez um importante e profundo estudo e uma grande descrição


da actividade comercial deste Povo bantu. De acordo com este estudo, de 1840
contavam-se 22 reinos africanos independentes de expressão linguística Umbundu.
Tinham em si o domínio da região planáltico-central de Angola. Desempenharam a
actividade comercial numa zona de uma extensão aproximada de 400.000 Km2. O
comércio foi desenvolvido em várias direcções. Por isso, as relações comerciais não se
confinaram aos colonos portugueses, mas também aos outros reinos, como os reinos
independentes Kimbundu, o reino independente da Lunda (actualmente província do
Shaba, localizada na zona sudeste da República Democrática do Congo), as populações
Kwanyama (estas contemplando os Nhaneka Humbi e Ovambo), na zona sul de Angola
e outros povos do Oriente zambiano, como, por exemplo os Tchokwe (Heywood, 2000:
1-3). A actividade comercial está também ligada à dimensão política.

Os Povos Ovimbundu mantiveram a sua organização política manifesta em


reinos. Destes reinos, os mais importantes e poderosos eram os reinos de Ombalundu,
de Wambu, de Viye, de Tchiyaka, de Ngalangi e o reino de Andulu. E o papel político e
social dos reis (olosoma) era de comunicar com o mundo espiritual, procurar e manter
relações com os outros povos e sobretudo vigiar a justiça social da aldeia (imbo). Estas

60
aldeias têm a marca sanguínea, isto é, em geral, a aldeia é composta pelos membros
ligados familiarmente pelos laços sanguíneos (Henderson, 1990: 22-23). A vida
familiar, a iniciação masculina e feminina, o casamento, o fim da vida, tudo é celebrado
na aldeia.

Nos nossos dias, as expressões da modernidade arrasam com a sua força todas as
culturas e ameaçam-nas com a mentalidade do monoculturalismo. Estes desafios, como
noutras partes da terra, não deixaram de abalar as estruturas da cultura e da identidade
dos Povos Ovimbundu. Contudo, a cultura nunca desaparece, enquanto existirem os
seus utentes que dinamizam as suas micro e macroestruturas. A identidade cultural dos
Povos Ovimbundu e o dinamismo de muitas das suas macroestruturas sociais continua a
persistir no dia-a-dia dos Ovimbundu.

1.4.1. A Língua Umbundu e a educação nos Povos Ovimbundu

Para o estudo da Língua Umbundu nos Povos Ovimbundu, destaca-se como


referência a obra de Childs (1949).
A primeira afirmação que se pode fazer em relação à importância do papel do
Umbundu na educação dos Povos Ovimbundu, diz respeito à pertinência de qualquer
língua para qualquer comunidade de povos. Um dos tesouros culturais de um povo é a
língua. Nas suas variadas funções de possibilitar a comunicação, as relações humanas e
sociais, a afirmação individual, colectiva e social dos membros da comunidade, a língua
veicula a vida do povo e a sua cultura. Ela é a expressão máxima da vida cultural de um
povo.
A educação de um Povo é um elemento integrante da sua cultura. Cada
sociedade dispõe do seu código normativo-cultural, que auxilia a moldar o seu membro
desde o seu nascimento até à sua velhice. Neste sentido, a cultura Umbundu, como
qualquer cultura do mundo, assegura a educação dos seus membros. Se a Língua
Portuguesa é um meio de acesso à escolarização e cultura, o Umbundu é o meio para a
vida em família e um instrumento de acesso à dinâmica da vida em sociedade. Por esta
razão, os espaços de educação quer linguística, quer cultural da criança, em ambientes
mais tradicionais, é no ondjango, embora nos nossos dias este espaço simbólico da
cultura umbundu subsista com algumas dificuldades.

61
O ondjango é um local situado na Ombala, cuja jurisdição pertence ao osoma. A
educação do infante umbundu, um cidadão novo, é começada na família e prolongada
no ondjango e estendida mais tarde à escola. O ondjango é o espaço de educação cujos
encontros são presididos por um ancião (osekulu) para os rapazes e pela “mais-velha”
para as raparigas. Estes anciãos são e devem ser conhecedores da língua, dos costumes e
das tradições que são passadas através dos contos, das adivinhas, dos provérbios e
outros ditos. Contudo, o elemento fundamental é a língua. No ondjango não se
aprendem apenas os costumes e as tradições, aprende-se também a correcção
linguística. O chamado ‘otchimbali’ é aquele que não conhece bem a sua língua, não
tem domínio dela.
Uma outra influência linguística da Língua Umbundu é aquela que pode ser
registada no ensinamento da moralidade. Neste sentido, Childs (1949: 101) apresenta a
consagrada expressão etchi tchikola (eci ci kola, na escrita do autor), o que significa,
‘isto é sagrado’. Esta é uma expressão da consagração da normatividade moral da
comunidade que um recém-nascido deve conhecer e saber, quando se ensina a boa
conduta ou se lhe repreende de alguma má conduta. A utilidade do Umbundu não se
restringe nem à família nem ao ondjango. Ela estende-se até à escola. Neste sentido, a
Língua Umbundu foi sempre uma língua de escolaridade auxiliar da Língua Portuguesa.
Pois, o facto de muitas crianças e adultos terem o Português como L2 faz com que,
muitas vezes, o educador na escola seja forçado a utilizar a Língua Umbundu para
explicar alguns elementos.
Portanto, o Umbundu é também uma língua de escolarização, se não o é na
exposição, surge como uma necessidade para o esclarecimento dos aprendentes.
Para os alunos que têm o Português como L2, a compreensão de certos
enunciados do Português passa pelo exercício da tradução para a língua nativa. É,
certamente, o aspecto que Marques (1985: 7-20) se referia, quando propunha
“o estudo de novos métodos e técnicas didácticas no ensino da Língua
Portuguesa que não olvidassem a língua materna do aluno. De facto, num
ambiente de bilinguismo, um ensino que não tenha em linha de consideração a
língua nativa do aprendente, se não conhece fracassos, tem, no entanto, poucos
frutos”.

Portanto, a Língua Umbundu desempenha um papel imprescindível no indivíduo


nascido no ambiente cultural umbundu, faz-lhe conhecer o seu mundo cultural; é a
língua de acesso à cultura do indivíduo; e, por meio dela, tem acesso ao mundo social
exterior e ao código social de conduta. Esta socialização abre-lhe o acesso à

62
escolaridade ou escolarização e a outros valores socio-antropológicos e culturais mais
alargados para lá da sua comunidade.

1.4.2. O Umbundu, uma língua no centro das interferências linguísticas

A posição geográfica que o Umbundu ocupa no território nacional angolano


favorece a sua convivência com muitas outras línguas. Outro factor importante que
concorre para isso é a grande mobilidade em que se encontram os Povos Ovimbundu. O
carácter maioritário dos seus utentes na comunidade é um dos factores da sua migração.

Como já ficou referido, a Língua Umbundu, não é somente uma língua de


influência regional. Os seus utentes, espalhados por outras regiões ou zonas linguísticas
dentro do país, fazem penetrar o Umbundu em vários ambientes étnicos.
Por conseguinte, ela não só influencia outras línguas nacionais, como também
sofre muito a interferência de outras línguas das suas cercanias com cujos povos está em
constante contacto. Neste sentido, o contacto de um povo, corresponde ao contacto das
suas línguas. Das línguas angolanas com mais interferência no Umbundu contam-se o
Kimbundu e o Ngangela e, com algum índice de presença, embora muito menor, o
Tchokwe. O Ngangela parece ter influenciado muito o Umbundu no âmbito dos ritos de
iniciação masculina ou mesmo feminina. Por exemplo, a ‘doutrina’ dos palhaços
(otchingandji/ovingandji) é em grande parte aprendida em Ngangela.

Há uma iniciação dos rapazes, cujo rito central é a circuncisão, que implica o
isolamento do candidato (otchiluwe) durante algumas semanas, geralmente, um mês.
Este é o tempo calculado para a preparação, execução e cicatrização da cisão feita no
acto da circuncisão. Mas é também o tempo estimado para a aprendizagem de toda uma
realidade e estrutura inerentes a este mundo ‘oculto’ que só os iniciados compreendem e
têm o seu segredo. Um dos aspectos muito interessante neste processo é a conservação
da tradição, inclusive linguística, que mais nos interessa. O palhaço do Centro de
Angola, segundo a tradição dos antigos, veio de Vunonge (actual Menongue). Apesar
desta migração, a tradição cultural levou consigo toda a sua estrutura, o código
linguístico que sustenta o seu mundo axiológico. Este tradicionalismo cultural permitiu
a passagem do mundo oculto do palhaço, conservando a sua língua original. Os ritos

63
culturais de iniciação, através da circuncisão na região dos Povos Ovimbundu,
conservam os códigos de identificação do grupo como, por exemplos, os vocábulos
wahenu, nahinduka, cuja tradução obedece muito ao significado dado naquele preciso
contexto.

A influência do Kimbundu aparece mais na gíria ou no calão. No entanto, a


interferência do Kimbundu, não se limita à gíria, mas está também presente na própria
Língua Portuguesa. Por isso, mais adiante, este estudo constata que uma das vias de
entrada do Kimbundu no Umbundu é o Português. Assim, as expressões e unidades
lexicais como, por exemplo, jikula meso, ndenge, zungar entraram na Língua Umbundu
veiculadas por meio do Português.

O Tchokwe é das línguas que menos influência tem na Língua Umbundu, apesar
de ser a que mais próxima do Umbundu está, em termos de grafia e de semântica
lexical. Esta exiguidade de influência ou interferência, provavelmente, terá sido
favorecida por esta sua proximidade com o Umbundu. Muitas unidades lexicais do
Tchokwe, na escrita e, mesmo no significado, amiúde apresentam semelhanças e
convergências, como se pode verificar em Barbosa 1989: 359:

ngau, pirão preparado ao princípio da manhã, pequena refeição ao princípio da


manhã, matabicho; o-ngenge, margem de um rio ou de uma estrada; o-ngombe, o
boi, a vaca;
o-ngonga, a águia; Ngombe-ngombe, um tipo de insecto. Estas e outras unidades
lexicais são comuns às duas línguas, Umbundu e Tchokwe, quer na forma, quer
no significado o que não deixa de ser interessante do ponto de vista linguístico e
até mesmo histórico.

1.4.3. O Umbundu no contexto nacional

A situação linguística nacional de Angola é caracterizada pelo facto de as


línguas nacionais conviverem umas com as outras. Cada uma delas é um elemento
cultural de base. Assim, cada língua afirma-se na região onde tem utentes que a
utilizam. No entanto, no contexto mais alargado, o Umbundu, desde os tempos antigos,

64
serviu comercialmente, como língua de contacto entre os reis e povos vizinhos. Os
Povos Ovimbundu dedicaram-se durante séculos ao comércio, inclusive comércio de
escravos (Neto, 2012: 34-139). No tempo colonial, a construção do CFB (Caminho de
Ferro de Benguela), uma das iniciativas mais importantes no país do ponto de vista
estratégico-económico, intensificou a actividade comercial do litoral de Lobito-
Benguela para o Leste (Moxico). Este factor contribuiu para os colonos portugueses
começarem uma profunda investigação em relação à Língua Umbundu.

A par destes factores está também um outro, talvez o fundamental: a


evangelização. Depois do norte de Angola que recebeu, pela primeira vez e em primeiro
lugar, os missionários europeus, as zonas do Planalto Central acolheram muito cedo o
processo de evangelização. A edição de livros religiosos e de escolaridade, como
gramáticas e dicionários e livros de leitura demonstra a vitalidade da língua.

Hoje, do ponto de vista religioso, a Língua Umbundu tem um considerável


conjunto de traduções da Bíblia, de Missais, Hinários, livros catequéticos, Leccionários,
livros de cânticos cristãos, entre outros trabalhos. O uso do canto religioso em
Umbundu, a nível nacional é bastante frequente. Este conjunto de elementos foi e
continua a ser um ambiente fértil para a autoafirmação da língua no espaço nacional.

1.4.4. Uma situação de diglossia: o caso Português-Umbundu na Zona


Linguística Umbundu (ZLU)

Neste ponto, apresentamos as consequências do encontro do Português com o


Umbundu. De modo muito particular, deseja-se realçar o comportamento de um
otchimbundu, utente da Língua Umbundu face a um ambiente que lhe proporciona o
Português, considerando a grande influência e pressão social que esta última língua
exerce sobre ele. No entanto, uma vez que estamos no campo do multilinguismo ou do
bilinguismo e, muito especialmente, no domínio da diglossia, é de interesse que se faça
alguma referência, ainda que breve, sobre estes conceitos da Sociolinguística.

65
1.4.4.1. O multilinguismo em Angola

Sobre a situação do Português em Angola há ainda poucos estudos. Contudo, é o


estudo de Liliana Inverno (2004) que nos tem chamado atenção, no seu artigo sobre a
transição do “Português Padrão” para uma variedade de Português que vem denominado
por “o Português Vernáculo de Angola” (PVA). Esta perspectiva tem convidado a um
olhar para a questão com mais atenção, para tentar perceber, em seguida, o que se
poderia observar como “ fenómeno linguístico” do Português de Angola (PA).

Angola assumiu a Língua Portuguesa desde que, com os Descobrimentos, a


presença portuguesa se tornou um facto naquela parcela da África Austral. Angola é,
hoje, um dos países integrantes do espaço da Lusofonia, contando, hoje, com cerca de
25.789. 024 de habitantes, segundo os dados do último “Censo populacional de 2014”.
Tem o Português como língua oficial, como consta no art.º 19, nº1/ 2010 da
Constituição da República de Angola.

A questão dos falantes do Português dentro do território angolano é um


problema por resolver, pois as informações disponíveis não são unânimes nos seus
dados e nas suas projecções. Por exemplo, para Inverno (2009: 1), Cuesta (1995: 15),
Filusová (2012: 24) o número de falantes do Português é de 20%, apesar de que muitos
cidadãos angolanos conhecerem a língua. Agualusa, numa entrevista, ao falar desta
problemática, divide a questão de falantes do Português em dois períodos: o período
pré-colonial e pós-colonial. E sublinha que no período pré-colonial o Português era
falado, na verdade, por poucos, era apenas a elite política e social que o dominava. No
entanto, nos nossos dias, o Português tornou-se a língua mais comum em Angola, a
segunda maior língua mais falada em Angola, depois do Umbundu (Agualusa
2004/2005: 27; Cambuta 2014: 1).

À semelhança de muitos países do mundo, Angola é um país multilingue. O


fenómeno do multilinguismo ou do bilinguismo muito debatido entre os sociolinguistas
é definido por Dittmar (1976: 170) como «the term given to the linguistic situation
where two or more languages coexist within the bounds of one society, or are kept in
constant contact by politically determined interest».

66
Qualquer que seja a linha do debate sobre este fenómeno persiste sempre a
referência à coexistência das línguas (Clyne 1997; Edwards 2004; Romaine 2004).
Quando se fala de multilinguismo ou bilinguismo, fala-se da coabitação de duas ou mais
línguas numa determinada região ou país. A realidade linguística angolana é
multilingue. Nela, o fenómeno do multilinguismo apresenta uma grande complexidade,
pois não se fala apenas da coexistência do Português com uma outra língua local, mas
também duma coabitação do Português com dezenas de línguas locais.
Segundo os últimos dados do estudo do Ethnologue (2009: 50), Angola
contabiliza 42 línguas locais, das quais, 41 vivas e uma cujos falantes não são
conhecidos. Esta realidade linguística angolana torna complexo qualquer estudo a seu
respeito.

1.4.4.2. O Português na Zona Linguística Umbundu (ZLU)

O facto de ter sido referido acima que a própria Constituição da República de


Angola consagrou o Português como língua oficial é também fundamental para se poder
perceber o seu estatuto em vários quadrantes étnico-linguísticos angolanos, incluindo o
da Zona Umbundu. Seria interessante termos os dados que mostrassem e evidenciassem
o índice de prevalência do Português em relação à Língua Umbundu nos diversos
quadrantes linguísticos de Angola. Contudo, a falta de estudos neste sentido, ainda não
o permite fazer.

Todavia, se é verdade que a Língua Portuguesa é uma língua de todos os


cidadãos angolanos, não é menos verdade que nesta Zona linguística e noutras, pode
existir quem não a conheça bem. Isto justifica-se se tiver em consideração o facto de o
Português continuar a ser aprendido na escola, havendo famílias, cujos filhos só usam o
Português na escola com os colegas e amigos, sendo o Umbundu, a língua de casa e do
convívio familiar. Esta realidade constitui também um grande repto para o Português.

67
1.4.4.3. Uma situação de bilinguismo: o caso Português-Umbundu

Todo o território angolano vive o bilinguismo. Em certas zonas do país, além do


Português, os falantes utilizam por vezes mais de uma língua local na mesma região. No
caso da Zona Linguística Umbundu (ZLU), um dos grandes desafios é o do bilinguismo
Umbundu-Português. Aqui, a experiência linguística é variada. Podemos encontrar
falantes Ovimbundu bilingues que têm o Português como L1 e falantes Ovimbundu que
têm o Umbundu como L1, que, provavelmente, devem constituir uma grande parte.
No quotidiano, estes falantes vivem um conflito que resulta da vontade de
aprender a falar uma e outra língua, mas, por vezes, condicionados pelo meio que os
rodeia, não chegam a atingir os seus objectivos como desejariam. Falta saber se esta
situação favorece ou não o processo das interferências linguísticas num e noutro sistema
linguístico.

O bilinguismo Português-Umbundu é um caso que transpõe as suas fronteiras


das situações familiares e sociais simples. Colocado no contexto da escolaridade, ele é
um grande desafio quer para os docentes quer para os discentes. A este ponto voltar-se-á
no capítulo quinto sobre a didáctica da neologia. No entanto, ainda hoje, embora, com
os ventos da modernidade e da globalização, inclusive da globalização linguística, há
uma grande tendência para a elevação do número dos que têm o Português como L1
sobretudo nas zonas urbanas e suburbanas. Esta mudança do padrão familiar da língua
tem a ver também com a mudança da própria sociedade angolana. Uma grande parte de
pessoas que vivem nas cidades ou vilas urbanizadas, já atingiu um nível de escolaridade
que lhes permite uma mudança de vida.

A transformação do nível de vida destes citadinos configura os ambientes


familiares que já se vêm a utilizar a mesma língua, a oficial. De certo modo, ainda se
vive hoje, embora de forma dissimulada, aquela consciência do passado de se identificar
a pessoa civilizada com o seu domínio da Língua Portuguesa. Estas mudanças sociais
põem, de facto, em perigo, não somente a Língua Umbundu, mas todas as línguas
nacionais.

68
Contudo, apesar destas ameaças linguísticas, vê-se um renascimento vigoroso
que parece já não assentar tanto na tradição oral dos contos, advinhas e lendas, mas
numa tradição literária de conservação da língua. No entanto, a tradição oral constitui
para a África um memorial que estará sempre presente, pois faz parte da própria
idiossincrasia cultural do Povo africano e, por conseguinte, dos Povos Ovimbundu.

Concluindo, alguns aspectos apresentados neste capítulo 2 são importantes para


compreendermos o fenómeno da neologia da Língua Portuguesa, em contacto com a
Língua Umbundu.

69
CAPÍTULO SEGUNDO

NEOLOGIA: FUNDAMENTOS E PROCESSOS

DE UM FENÓMENO LINGUÍSTICO

Apresentou-se, de forma muito sucinta, a situação sociolinguística de Angola.


Este enquadramento social e geolinguístico permite compreender o contexto em que é
utilizado o Português, língua oficial de Angola. Depois desta apresentação, entra-se na
temática da neologia, começando pelas questões de âmbito teórico e pelos pressupostos
teóricos que fundamentam a área da neologia.

2.1. Neologia como processo de inovação lexical

De acordo com Boulanger (2007: 372)


« Le mot néologie apparaît en français en 1759. Il est alors porteur d’une valeur
sémantique qui renvoie à la création de mots, d’expressions ou de sens
nouveaux. En cela, au xviiie siècle, il s’opposait à néologisme (1735) qui
possédait un sens péjoratif et désignait la création abusive, mauvaise ou inutile
de signes nouveaux. Par extension, il référait aussi à l’affectation de nouveauté
dans la manière de parler, sens qu’il a perdu depuis. Entrée plus longtemps
ignorée qu’absente des nomenclatures des dictionnaires de linguistique, champ
délaissé par des chercheurs qui préféraient diriger leurs regards vers des zones
de la lexicologie qui avaient à faire avec la morphologie ou la formation des
mots, la néologie était reléguée dans la catégorie des arts mineurs des sciences
du langage. Ailleurs, on se méfiait tout simplement de la néologie, comme ce fut
le cas dans les milieux de la traduction, où tout ce qui était nouveau en matière
de langue était suspect, en raison d’une mauvaise perception des mécanismes de
renouvellement du lexique, de la dynamique des langues et de l’utilité des
néologismes. C’était surtout l’ombre du calque – créature nuisible, néfaste et
perçue comme un envahisseur du lexique – qui occultait la zone prestigieuse de
la néologie. La néologie est un concept évanescent, difficile à saisir. On pourrait
même se demander si elle existe vraiment. En effet, le terme néologie est associé
à la naissance d’un mot ou d’un sens qu’on appelle néologisme, étiquette qui
n’accompagne l’innovation que pendant une durée limitée et variable selon les
néologismes. Le facteur temps est donc une donnée fondamentale en néologie,
comme l’indique l’élément néo-».

70
Quisemos, intencionalmente, reproduzir as palavras de Boulanger, apesar da
amplitude do texto, que nos parecem fundamentais para se compreender o dinamismo
do estudo da neologia que teve o seu início em França, que podemos considerar quase
como sua terra natal. A reflexão sobre a génese desta realidade ajuda a redesenhar o
caminho já percorrido pela investigação em neologia até aos nossos dias.

A partir destes dados, compreende-se que, no âmbito da inovação lexical, é o


fenómeno da neologia que preside e rege o processo da transformação da língua ou seja
da sua renovação ao longo dos tempos.
O conhecimento do mundo faz parte do ser-relação do homem. Em outros
termos, o ser humano é um “ser-em-relação”, porque tem em si mesmo a capacidade
gnosiológica de olhar o mundo que o rodeia e fazer uma leitura pessoal e criar alguma
relação com ele. Esta equação requer, sem dúvida, uma total adequação ao mundo que é
objecto do nosso conhecimento. É o conceito de relação que conduz o vector do
conhecimento humano.

A inovação lexical é uma exigência gnosiológica quando o homem em situação


existencial quer dar existência real às coisas, pois como diz Rosmini (1992) «existir é
ser conhecido» e ser conhecido é ser nomeado.
Assim, compreendemos a função da neologia como fenómeno da renovação do
léxico das línguas e da resolução das dificuldades decorrentes da mutabilidade das
sociedades e, principalmente, das rápidas e profundas transformações da civilização
humana com grande incidência no nosso tempo, onde o efémero, o imediato, o
momentâneo parece prevalecer, por causa da evolução das tecnologias e da própria
ciência.

Estas duas realidades, com um ritmo social galopante, exigem das línguas
mecanismos de aceleração dos fenómenos que as presidem, para poderem acompanhar
os acontecimentos e sobretudo os factos tecnológicos e científicos (Biderman 2001).
Este conjunto de factores resultantes das dinâmicas sociais e da condição do homem em
sociedade, na sua definição mais existencialista de “ser-em-relação”, justifica e
fundamenta a necessidade da criatividade lexical das línguas naturais.

71
2.1.1. Definição de neologia

O estudo da neologia vem de uma consciência linguística, como diz Desmet


(2002: 78):
«l’étude des mots et l’étude des langues ne peuvent être réduites à une approche
strictement linguistique, car les mots sont utilisés dans des situations de
communication concrètes, qui s’intègrent à leur tour à des situations socio-
historiques plus larges. Ainsi, la linguistique se voit-elle souvent dans
l’obligation de prendre en considération des optiques complémentaires».

De facto, como mostra a própria experiência dos estudos linguísticos, uma


abordagem estritamente linguística, nem sempre teria condições de dar conta de certos
aspectos da língua, como o aparecimento de novas unidades lexicais numa língua,
sobretudo, se considerada do seu ponto de vista diacrónico.

Por isso, o estudo da neologia é pertinente, porque confere aos estudos


linguísticos outras perspectivas de abordagem de temáticas que doutro modo não seriam
possíveis. Por isso, para Desmet, uma vez que a neologia está sujeita aos fenómenos
sociais e históricos, ela tem de captar a análise das palavras numa dimensão tripartida:
«linguistique, culturel et politique» (2002: 78).

Na década de 70, encontramos uma obra de referência de Louis Guilbert (1975)


a abordar a questão da neologia lexical. Em La créativité lexicale, Guilbert faz um
estudo sobre o dinamismo da renovação das línguas naturais, definindo a neologia
lexical como
«la possibilité de création de nouvelles unités lexicales, en vertu des règles de
production incluses dans le système lexical» […] «l’étude de la néologie lexicale
consiste donc aussi à rassembler un ensemble de néologismes apparus dans une
période précise de la vie de la communauté linguistique» (1975: 31).

Assim, para Guilbert, a neologia é o estudo dos neologismos ou de unidades


lexicais novas que entram na língua. A neologia e os neologismos são duas realidades
totalmente indissociáveis (Guilbert 1971; Desmet 2002: 79).
Ainda na década de 70, surge o estudo de Alain Rey sobre a neologia. No seu
artigo intitulado Néologisme: un pseudo-concept?, este autor chama a atenção para a
problemática que envolve a relação neologia-neologismo. Rey entende que o conceito

72
de neologismo não pode ser visto como uma invenção dos linguistas (Rey 1976), como
também defende Alves (2002); ele é uma consequência da interacção do ser humano
com o seu meio social, político, cultural e religioso.
A neologia aparece no contexto da civilização humana em contínua evolução e
em consequência da necessidade por da parte do homem, da conceptualização, da
definição e designação das realidades que advêm deste movimento civilizacional
dinâmico.
Guilbert (1975), para definir o que é a neologia, toma os conceitos de créativité
lexicale / néologie lexicale. Estes conceitos compreendem a possibilidade que toda a
língua tem de criar novas unidades lexicais de acordo com as virtualidades do seu
sistema lexical (cf. Desmet 2002: 81).

De acordo com Correia (1998; 2012:17) a neologia


«é tradicionalmente entendida como uma denominação que corresponde a dois
conceitos distintos: a neologia traduz a capacidade natural de renovação do
léxico de uma língua pela criação e incorporação de unidades novas, os
neologismos; a neologia é entendida, ainda, como estudo (observação, registo,
descrição e análise) dos neologismos que vão surgindo na língua».

Nesta definição encontramos duas noções: neologia, como processo


intralinguístico de uma língua natural, e neologia como ciência das novas unidades
lexicais que surgem na língua num determinado lugar e época, numa perspectiva de
observação das novas entidades ou entidades novas que entram na língua.

Do ponto de vista lexicográfico, há dicionários que apresentam uma definição


neológica num sentido ambivalente. Por um lado, entendem ‘neologia’ como «processo
de criação de palavras para designar novas realidades ou criação de novas acepções para
palavras já existentes na língua»; por outro lado, entendem ‘neologia’, não como
processo, mas resultado de um fenómeno de inovação lexical: «unidade lexical
recentemente criada ou proveniente de uma língua estrangeira e há pouco adoptada»
(DLPCACL , 2001). Neste sentido, neologia parece coincidir com neologismo.

Alves (2002) apresenta-nos uma definição mais concisa de neologia e distingue


claramente a neologia como processo de criação do neologismo. Deste modo, para esta
autora, a neologia é um «processo de criação lexical» (2002: 5).

73
Não obstante a dificuldade de definir com exactidão o conceito de ‘neologia’, a
maioria dos linguistas reconhece-a e define-a como um processo de formação de novas
unidades lexicais numa determinada língua (Dubois et alii 1973; Guilbert 1975;
Rondeau 1984; Rey 1988; Boulanger 1989; Cabré 1993; Ramos 1995; Lino 1998;
Biderman 2001; Desmet 1990, 1995, 1996, 1998, 2002; Alves 2002, 2010; Pruvost e
Sablayrolles 2003 e tantos outros).

Portanto, o estudo do fenómeno da neologia como processo linguístico


descritível e analisável, até ao estado actual teve um grande percurso. Como diz Desmet
(2002: 80)
«c’est avec Matoré, Guilbert et Boulanger et tous les travaux développés à partir
des années 70, qu’on arrive à une véritable théorisation de la néologie lexicale et
qu’on obtient par là des typologies assez complètes couvrant les productions de
néologie formelle, sémantique et par emprunt que nous connaissons
aujourd’hui».

Pode afirmar-se que, hoje, a realidade do estudo da neologia parece ser um


processo irreversível, pois não só ele se impõe, como também os vários trabalhos que se
vão desenvolvendo pela comunidade de investigadores das áreas de Lexicologia,
Lexicografia e Terminologia demonstram a vitalidade deste fenómeno linguístico.

Contudo, um acontecimento que melhor marca a neologia como campo aberto


por exigências linguísticas da sociedade humana é a fundação, em 2007, por dois
linguistas, John Humbley e Jean-François Sablayrolles, de Neologica - Revue
Internationale de néologie e que, em 2017 já vai no número 11. O primeiro volume
desta revista afirma de modo claro e sucinto os seus objectivos:
«Neologica, revue internationale de néologie, vise à combler une lacune dans le
domaine des sciences du langage qui ne s'intéressent qu'épisodiquement ou
indirectement à ce phénomène fondamental dans toutes les langues qu'est la
néologie. L'étude des néologismes est vaste et doit être conduite sous de
multiples angles d'attaque, qui fourniront autant de thèmes pour les numéros à
venir» (Neologica nº 1, 2007).

A fundação e a instituição desta iniciativa significa, na nossa opinião, a


‘imposição’ aos linguistas, pelas circunstâncias, de uma realidade cuja existência e
problemática tornaram-se tão óbvias que já não é possível qualquer atitude de
indiferença por parte dos linguistas. A Neologica representa o estado avançado de uma
investigação sobre o fenómeno da neologia, nas suas diversas dimensões e valências.
74
2.1.2. Tipologia neológica

A complexidade que envolve o conceito de neologia, considerado ora como


processo, ora como resultado deste processo, faz com que este fenómeno ou processo
linguístico se apresente em tipologias; e considerando também, sobretudo, a diversidade
da sua realização nas línguas enquanto processo linguístico, em virtude das suas
características que dificilmente se apresentam homogéneas.
Desmet (2002), a este respeito, fala da instabilidade como característica inerente
ao processo da neologia.
Falar da tipologia em neologia é tratar das suas variadas realizações enquanto
processo de inovação lexical.

Em relação à tipologia da neologia, parece-nos haver algum consenso entre os


linguistas na consideração de dois tipos na classificação da neologia. Estes dois grupos
subdividem-se em outras classificações.
Nesta perspectiva, no reconhecimento da tipologia na neologia, os linguistas
evidenciam dois tipos: a neologia formal (ou de forma) e a neologia semântica (ou de
sentido) (Dubois et alii 1971, 1973; Boulanger 1979; Rondeau 1984; Cabré 1992/1993;
Alves 2002; Desmet 2002).

Contudo, se esta classificação se apresenta mais ou menos consensual, o mesmo


não se pode dizer das suas subdivisões. Estas parecem ser as mais polémicas entre os
linguistas. Para referir apenas um exemplo, parece haver um grande repto na inclusão
do subtipo empréstimo na categoria da neologia formal. Por exemplo, enquanto
Rondeau (1984: 127) distingue neologia formal, neologia semântica e a neologia do
empréstimo, Boulanger (1979: XII-XVIII) inclui o empréstimo na categoria da neologia
formal.

75
2.1.3. Neologia bíblica das origens

A complexidade da temática da neologia tem levado os linguistas a postular


várias hipóteses com vista a encontrar um argumento plausível e justificado de como se
pode explicar este fenómeno linguístico e o seu aparecimento na história da
humanidade. Dentre as várias perspectivas em que o fenómeno é observado, não está
ausente uma reflexão que tivesse revisitado as Escrituras Sagradas.

Pruvost e Sablayrolles (2003) reflectiram sobre esta questão; para estes


linguistas, o problema reside no facto de que

«en vérité, la naissance des mots, passionnément discute en termes théologiques


(qui de Dieu ou des hommes est à l’origine des désignations ?), reflète
indirectement notre incapacité à trouver une explication simple à la création
initiale des mots, source du langage. Qu’il s’agisse des religions ou des
hypothèses génétiques des racines du langage humain formulées par Noam
Chomsky en 1959 – la langue humaine innée – ou encore des récentes
recherches conduites autour de l’isolement d’un gène (FOXP2) découvert en
2001 et jouant un rôle majeur dans le langage humain, la création première des
mots et notre aptitude à en créer restent une question sans véritable réponse»
(Pruvost e Sablayrolles 2003 : 5).

Este questionamento que, em última instância é uma problematização, é também


uma contribuição importante no âmbito da compreensão da origem das unidades
lexicais das línguas que se renovam no tempo. Não obstante isso, os autores propõem
uma neologia bíblica divina (néologie divine) e uma neologia bíblica humana (nélogie
humaine).
Examinando os dois primeiros capítulos do primeiro livro da Bíblia, consideram-
se neologia bíblica divina a designação de “céus” (cieux) “terra” (terre), “luz” (lumiére),
“trevas” (ténèbres), “dia” (jour), “noite” (nuit) e neologia bíblica humana as
designações dadas por Adão, Ich/Icha = homme/hommesse, apesar de esta última forma
não ter sido reconhecida institucionalmente (2003: 4-5).

Com esta problematização, Pruvost e Sablayrolles recuam a problemática da


neologia, que parecia uma preocupação nova, para tempos muito mais remotos.
Significa isto que o problema neológico está presente no início da existência do mundo
e do ser humano seja qual for o processo que teria tido o princípio desta existência.

76
Neste sentido, existencialmente falando, a necessidade de inovação linguística não é
somente humana, pois até na origem, houve essa necessidade. O universo exprime-se a
si mesmo. Esta propriedade exige do mundo existente uma capacidade neológica. Neste
sentido, a neologia bíblica é produto desta exigência existencial do mundo na sua
conjuntura estrutural.
Na verdade, o facto de que, até as religiões procuram o fundamento que está por
trás de um fenómeno que confere nomes aos seres ou entes, constitui também uma fonte
de reflexão, cuja resposta é sempre difícil de dar.

Concomitantemente, Adamo (2010: 35) afirma que


«el interés por el estúdio de la neología se ha manifestado en el plano
internacional en las últimas décadas, al mismo tiempo en que la lexicologia se
iba consolidando como disciplina autónoma y se iba imponiendo el complejo
processo de globalización acabado con el estabelecimento de la sociedad de la
información y del plurilinguismo».

2.1.4. Neologismo: conceito

Se a neologia é um processo de inovação lexical de uma língua natural, este


fenómeno linguístico tem algum resultado concreto na língua. Ele é um processo, pois
tem em vista alguma finalidade, a de contribuir, mediante mecanismos disponíveis
numa determinada língua, para uma revitalização ou renovação desta mesma língua. O
resultado deste processo é o neologismo. Como foi referido no ponto anterior (ponto
2.1.1), quando se fala de neologia, às vezes, alguns autores apresentam o termo
neologismo como sinónimo de neologia. Para a compreensão do seu conceito, os
linguistas parecem estar de acordo que é um composto de dois vocábulos gregos (νεό +
λόγος), tal como acontece com o vocábulo ‘neologia’.

Segundo Adamo (2010: 35-51), o termo neologismo data do século XVIII.


Contudo, o fenómeno de que é resultante é muito mais antigo. Neste sentido, a
neologização ou o processo de renovação das línguas é uma dimensão idiossincrática e
intrínseca das próprias línguas. Elas mesmas estão equipadas internamente com os
mecanismos que possibilitam este processo ou fenómeno.

77
No entanto, para Adamo «un neologismo designa una palavra o expresión nueva,
acuñada siguiendo las reglas de formación propiás del sistema léxico de una lengua, y
que no se encuentra aún registrara en los dicionários» (2003: 37).

A propósito do conceito de ‘neologismo’, Pruvost e Sablayrolles (2003: 3)


sublinham que
«une définition simple et contemporaine du mot «néologisme» peut, à travers
une étymologie transparente (néo, nouveau; logos, parole, discours), se limiter
dans une toute première approche à celle l’assimilant à un «mot nouveau» ou au
«sens nouveau» d’un mot existant déjà dans la langue».

Para Beccaria (1994; 1996: 506), o termo neologismo «indica le parole nuove
che entrano in una lingua o si formano in essa, e quindi anche i prestiti o forestierismi».
Dubois et alii (1994: 322), na sua definição do termo ‘neologismo’, introduz as
categorias semânticas de ‘significante e significado’, pondo-os numa relação de mútua
correspondência e como intervenientes a ter em consideração na conceptualização do
termo. O autor define neologismo como «une unité lexicale (nouveau signifiant ou
nouveau rapport significant-signifié) fonctionnant dans un modèle de communication
déterminé, et qui n’était pas réalisée antérieurement».

Independentemente da definição do conceito de neologismo, ele é reconhecido


pela maioria dos linguistas, como sendo o conceito que indica uma palavra nova numa
língua natural ou uma nova acepção de uma palavra já existente nesta mesma língua (cf.
por exemplo, Xavier e Mateus 1990; Desmet 2002; Alves 2002; Villalva 2008 e outros).

O neologismo, enquanto resultado do processo da neologia, é uma exigência do


tempo e das circunstâncias. Tomando as palavras de Beccaria, «le parole vengono
coniate per nuove esigenze, nuove scoperte, nuove oggetti e nuove tecnologie» (1994:
506).
Por isso, os neologismos reflectem a história humana de uma determinada
época; são a expressão de uma civilização de um determinado tempo histórico. Os
neologismos constituem assim um fruto natural do processo e do fenómeno da neologia.
Eles aparecem e são tomados para designar acontecimentos, maquinarias, objectos,
realidades do mundo político, económico, social, religioso e cultural.

78
Nos tempos modernos, com a grande revolução social em todos os domínios,
desencadeada pelo homem contemporâneo, o ‘nomear’ tornou-se um imperativo para o
próprio homem. Hoje, encontramos neologismos na língua corrente, mas eles são mais
abundantes nas línguas de especialidade, relativas a determinadas áreas do
conhecimento. Muitos neologismos científicos e técnicos vulgarizam-se na língua
corrente.

O dinamismo destas áreas do conhecimento é uma fonte de designação de


conceitos e de objectos. Este dinamismo lança aos linguistas especialistas em
Lexicologia, Lexicografia e em Terminologia o desafio de criar dicionários
terminológicos. São muitos os neologismos em vários domínios tais como a agricultura,
os desportos, o turismo, a economia, a engenharia, etc. Mas nos nossos tempos, é
sobretudo a informática, uma tecnociência aplicada, a economia, o sector do turismo e a
medicina que mais neologismos trazem para as línguas.

2.1.5. Fenómeno da interferência

A realidade que envolve a linguística moderna, tão influenciada pela abertura do


mundo e pelo aumento das relações entre os homens e mulheres do mundo, o ritmo
marcado pela modernidade resultante do fenómeno social da Globalização, tem levado
os linguistas a encontrar denominações que traduzam e expliquem os novos desafios
linguísticos impostos pelas línguas no mundo. Esta preocupação é uma exigência da
própria dinâmica das línguas no processamento da sua renovação enquanto
procedimento idiossincrático destas mesmas línguas.

No entanto, esta exigência tem capitalizado problemas e reptos para os linguistas


que têm a função de investigar os fenómenos linguísticos quer do ponto de vista da
sincronia ou da diacronia das línguas do mundo. Contudo, este estudo não tem tido
poucos obstáculos que impedem a compreensão das realidades linguísticas, apesar de
amiúde as terminologias existirem. A existência de uma terminologia linguística não
significa, imediatamente, o seu consenso em termos daquilo que significa ou que possa
significar.

79
Não é fácil definir o termo interferência. Antes da segunda metade do século
XX, este termo está ausente em muitos dicionários de Linguística. No entanto, o
linguista italiano Pei (1966: 128) no seu Glossary of linguistic terminology define a
interferência como «the negative effect of one speech habit on the learning of another;
the transfer of the speaker’s own features of sound, structure or vocabulary to the target
language». Esta definição, se por um lado reconhece o fenómeno, por outro lado
introduz a sua problematização, quando considera um efeito negativo nas línguas
naturais.

Pottier (1973) na sua obra Le Langage. Les Dictionnaires du savoir moderne,


não tem nenhuma entrada que, de modo explícito, analise o fenómeno da interferência.
Contudo, ele tem consciência da problemática relativa à autorrecriação das línguas
naturais e, por isso diz que «les innovations culturelles ont entraîné de nombreuses
créations lexicales (…). L’emprunt aux langues étrangères est une grande source
d’enrichissement du lexique» (1973 : 239-240). Contudo, não fala de interferência.

Para Dubois et alii (1973 : 264) «on dit qu’il y a interférence quand un sujet
bilingue (…) utilise dans une langue-cible A un trait phonétique, morphologique, lexical
ou syntaxique B caractéristique de la langue B.». Estes autores admitem que os
exemplos mais claros da interferência linguística são o empréstimo e o decalque, ou
seja, todo o empréstimo e todo o decalque, inicialmente, resultaram da interferência.
Todavia, distinguem a interferência destes processos.
A interferência é um fenómeno linguístico individual e involuntário e o
empréstimo e o decalque são processos que se verificam na integração de uma unidade
lexical na língua de chegada (1973: 264-265).

Em 1974, no seu Dictionnaire de la Linguistique, Mounin definiu a interferência


linguística como «les changements ou les identifications résultant dans une langue des
contacts avec une autre langue, du fait du bilinguisme ou du plurilinguisme des
locuteurs» (1981 : 181).
Um fenómeno de interferência assim entendido é verificável nas principais
componentes da gramática de uma língua natural como o nível lexical (que pode
determinar, em parte, o empréstimo e o decalque), o sintáctico (aqui há determinação
das mudanças dos princípios e das regras sintácticos) e o fonético-fonológico.

80
Jota (1981:177) apresenta uma definição muito genérica e alargada do fenómeno
da interferência. Para este linguista, a interferência está manifesta sempre que há algum
facto linguístico numa comunidade diferente da do locutor.

Muysken (2004) trata da interferência no domínio sociolinguístico do contacto


das línguas. Reconhece e admite a existência do fenómeno e divide-o em interferência
gramatical e interferência lexical. No entanto, esta divisão é um pressuposto da falta de
consenso entre os sociolinguistas no que diz respeito à dificuldade da diferenciação
entre dois conceitos: o de interference e o de code mixing (mistura de códigos) ou code
switching (alternância de códigos). Esta dificuldade tem a ver com a questão de que o
fenómeno da interferência, relativamente ao do code mixing/code switching, está muito
pouco estudado. Aliás, Muysken (2004: 149) assume esta posição quando diz que «the
phenomenon of interference is much less studied, and it is intriguing to consider why
this is».

Neste mesmo sentido, Muysken sublinha, igualmente, em relação à interferência


lexical que «lexical interference has often been noted, but is rarely systematically
studied. A few examples of Dutch interference into Turkish lexical expressions in the
migrant population in the Netherlands are given» by Drleijin, 2002 (Muysken 2004:
158). Muysken remonta o estudo da interferência a Weinreich (1953) que concebeu o
fenómeno da interferência como «sense of mutual influence between a bilingual´s two
languages – envolves morpho-syntactic structure from two languages, but lexical
material from only one of them» (2004: 147).

Assim, o conceito de “interferência” em Linguística é um fenómeno linguístico


presente em todas as línguas do mundo; é um fenómeno observável nos principais
domínios da gramática de uma língua natural; é um fenómeno presente nos empréstimos
(estrangeirismos) e nos decalques; e, por fim, é um profícuo mecanismo de
enriquecimento de qualquer língua natural.

A situação linguística de Angola é paradigmática relativamente à incidência


deste fenómeno sobre as línguas naturais. O contexto linguístico angolano, como muitas
vezes ficou sublinhado, é marcado pelo multilinguismo. O bilinguismo linguístico
angolano pode ser classificado de dois modos: por um lado, aquele bilinguismo que

81
podemos chamar “interno” ou seja, a própria situação interna de Angola evidencia a
coexistência de um conjunto diferenciado de línguas de acordo com a distribuição
cultural de cada povo; por outro lado, assiste-se ao bilinguismo resultante do encontro
do Português com as línguas locais.

A presença europeia em África, a partir do século XV, tem mostrado ao


Continente africano que o encontro dos povos não é somente uma questão de encontro
de pessoas, nem sequer é apenas um encontro de culturas. É um encontro que ultrapassa
todas as fronteiras do paradigma estritamente social e penetra num dos núcleos culturais
fundamentais de um povo, a língua. Por aqui se pode perceber que o encontro é
transformador. Desde a chegada europeia à África, a situação cultural africana alterou-
se significativamente. As línguas africanas não saíram ilesas deste contexto que
envolveu o Continente africano durante séculos. Assim, a presença europeia significou
o confronto de pessoas, de ideias e de mentalidades, mas também significou o confronto
das línguas europeias com as culturas e com as línguas locais.

Este ambiente criado proporcionou grandes desafios, quer às culturas, quer às


línguas locais. O repto consistiu em estabelecer paradigmas metodológicos que
pudessem delinear um quadro estatuário capaz de promover um diálogo multicultural e
multilingue em África. O processo era verdadeiramente desafiante. No entanto, os
encontros são feitos de diálogo. O encontro pressupõe uma atitude de diálogo entre os
intervenientes.
Por esta razão, os primeiros europeus que aportaram a África, como muitos
outros que para lá foram, tinham, certamente, uma das prioridades, o estabelecimento da
comunicação entre eles e os povos locais. A aprendizagem das línguas locais de acordo
com o som das línguas europeias era uma possibilidade mais próxima para minimizar os
grandes constrangimentos colocados pela incomunicabilidade originada pelo
desconhecimento das línguas nas duas partes.

Esta situação não foi diferente em Angola. A presença portuguesa tinha


protagonizado um conjunto de desafios em relação às línguas e às culturas. Do ponto de
vista linguístico, o desafio foi e continua a ser grande. O encontro do Português com
cada uma das línguas locais bantu angolanas ficou caracterizado pela exigência de um
procedimento metodológico e, provavelmente, epistemológico para estabelecer um

82
diálogo mediante alguns mecanismos, muitos deles decorrentes das próprias dinâmicas
idiossincráticas das línguas e outros forjados do contexto social.
Deste modo, o estudo e a aprendizagem das línguas locais por parte dos
emigrantes portugueses implicava lidar com o fenómeno linguístico do contacto das
línguas. Por outro lado, a obrigação muitas vezes imposta pelos portugueses aos
autóctones de aprender a falar o Português favoreceu o mesmo ambiente. A partir daí,
estava-se claramente diante de uma situação de bilinguismo que, por conveniência
passamos a designar por “bilinguismo híbrido” ou “hibridismo bilinguistíco”.

O percurso de maturação daquilo que se pode chamar “bilinguismo híbrido” ou


“hibridismo bilinguístico” isto é, o encontro do Português em situação, na altura, de
língua estrangeira, atingiu o seu clímax com a consagração constitucional do Português
como língua oficial de Angola.
Do ponto de vista das políticas da língua, este procedimento afigurou-se
vantajoso, por um lado, pois foi o caminho mais seguro para o alcance da coesão social
e política da nação angolana; por outro lado, porém, suscitou vários desafios que vão
desde a discussão do estatuto das línguas locais, dentro do ordenamento territorial
angolano, até aos problemas relacionados com a problemática da aquisição da língua, ou
seja, entre os problemas criados está aquele referido por Norton e Toohey (2002: 115-
123) e denominado por «identity and Language Learning». Deste modo, o que Firmino
(2002 [2005]) denominou por «a questão linguística na África pós-colonial» ainda hoje
é válido para vários contextos de países africanos como Angola.

O contacto do Português com as línguas locais angolanas desencadeou o


aparecimento de traços linguísticos de interferência, quer no Português, quer nas línguas
nacionais. Este ambiente linguístico revela o que Sapir (1921) designou por «mútua
influência» linguística, ou seja, o fenómeno da interferência privilegia a mutualidade de
influências entre as línguas manifesta na oralidade ou na escrita, em situação de co-texto
e de co-ocorrência.

Em contextos de multiculturalidade e multilinguismo, a interferência reveste-se


de um carácter de imprevisibilidade, pois como afirma Ngunga (2012: 8) «não se pode
prever o tipo de interferência enquanto não se conhecer a língua materna do sujeito
falante, pois as interferências variam de região para região, reflectindo quase

83
invariavelmente as diversas características das línguas faladas nas diferentes regiões». O
conhecimento da língua materna dá uma grande margem de possibilidades de
identificação para o Português das suas interferências naquela língua materna.

O contacto-convívio do Português com o Umbundu protagonizou um conjunto


de traços linguísticos na mútua influência das duas línguas, nos vários domínios da
articulação e economia idiossincrática da língua. Os linguistas, hoje, estão de acordo
que a interferência, uma vez resultante do processo da transferência de estruturas
fonético-fonológicas, unidades lexicais, estruturas sintácticas e morfossintácticas,
pragmáticas e semânticas, processa-se em todos os níveis linguísticos.

No entanto, do ponto de vista lexicológico, a interferência do Português nas


outras línguas nacionais, como o Umbundu, é considerada sob o ângulo do empréstimo.
Para a Lexicologia e Lexicografia, a interferência é assumida como um processo de
inclusão, na língua de chegada, de uma nova unidade lexical existente noutra língua.

Tabela 4: Quadro ilustrativo de exemplos de interferência linguística nas duas línguas,


Português-Umbundu
Português Umbundu
Jimbacas (de otchimbaka, muro, vedação) Ondjanela (a janela)
Interferências lexicais

Caçule (de Kwasula, está no limite) Kunhatu (o cunhado)


Moko (antropónimo), de omoko, a faca Osipata (a espada)
Kalyapu de Baixo (topónimo) Ombuneka (a boneca)
Kwemba (frente de combate) Ondotolo (o doutor)
Sapalo (antropónimo) Seketa (o secretário)
Ondaka (ONG) Omboyo (o comboio)

Portanto, o falante nativo da língua Umbundu, facilmente, pode localizar as


interferências nestas duas línguas. Neste caso, a interferência, à medida que é vantajosa
às línguas, pois é, para elas uma possibilidade de renovação, constitui também um
desafio para o aprendente da língua. Em contextos como o angolano, onde a realidade
das interferências é pouco estudada e onde há pouca actividade dicionarística por falta
de estudos do léxico e da neologia que possam despertar para a capacidade e

84
possibilidade de distinção do que é candidamente neológico e do que é influência doutra
língua, até o estudo e a aprendizagem da própria Língua Portuguesa tornam-se um
desafio para todos, inclusive para os investigadores.

2.1.6. Alguns processos neológicos

Muitos linguistas contemporâneos entendem que a diversidade da tipologia


neológica observada nos trabalhos de análise linguística, a partir dos corpora
linguísticos, está na base das múltiplas possibilidades de descrição e classificação dos
neologismos. Por isso, face a esta diversidade e multiplicidade, a Lexicologia, para o
estudo dos neologismos, tem vindo a utilizar o método da diferenciação de alguns níveis
que ajuda a distingui-los: o nível fonológico (Alves 2002), o nível morfológico,
sintáctico e semântico (Alves 2002; Correia e Lemos 2005; Adamo 2010).

Estes níveis de diferenciação partem dum pressuposto de que, em todas as


línguas, encontram-se uma classe de palavras gramaticais e outra de palavras lexicais
(Pruvost e Sablayrolles 2003: 10). À primeira categoria pertencem as chamadas classes
fechadas. Ou seja, é a classe de palavras que não são fecundas do ponto de vista da
criatividade lexical. Nesta classe encontram-se, por exemplo, as conjunções e os
advérbios. À segunda categoria pertencem as classes abertas, ou seja, unidades lexicais
que têm muitas possibilidades de contribuir para a renovação da língua. Quer dizer que
esta classe compreende unidades lexicais com potencialidades de serem candidatas a
contribuintes para a inovação lexical, no âmbito da criatividade lexical das línguas.

Face a esta realidade, o linguista vê-se, amiúde, na necessidade de individualizar


quer os factores, quer os fenómenos ou os processos que concorrem para a concessão
destas possibilidades que se encontram nas classes das unidades lexicais. No entanto, os
estudos específicos deparam-se com uma dificuldade neste campo, pois a complexidade
das línguas leva-as a obedecer a variadíssimos processos, critérios, fenómenos e
multiplicidade de operações.

No intuito de apresentar um quadro teórico sobre os processos neológicos, fez-se


a selecção de alguns deles. Esta escolha resulta da consciência de que, não é possível

85
apresentar um quadro geral, totalmente englobante de todos os processos intervenientes
nos processos de inovação lexical num único trabalho.

Assim, os processos que agora se apresentam são, exclusivamente, aqueles que


são recorrentes nos corpora analisados e decorrentes da sua observação; foram
individualizados, através de uma metodologia para a identificação das novas unidades
lexicais, dentro dos corpora constituídos. Os processos neológicos que são descritos
neste ponto são todos aqueles que foram identificados e localizados nos corpora que
servem de base neste trabalho.

2.1.6.1. Processos sintácticos

Um dos ramos da Lexicologia (e da Lexicografia) é o estudo do fenómeno da


neologia. Por sua vez, a neologia pressupõe outros argumentos que justifiquem a sua
existência. Alguns destes argumentos são os processos com que ela dialoga para
desempenhar as suas funções de renovadora das línguas, transmitindo-lhes vida. Os
processos sintácticos de inovação lexical localizam-se neste domínio.

A compreensão deste pressuposto exige, linguisticamente falando, a distinção


feita por Vilalva (2008: 78-84) que caracteriza as unidades lexicais distintas pelas suas
propriedades que podem ser inerentes ou de selecção. As propriedades inerentes são,
neste caso, indicadoras das estruturas de integração duma determinada nova unidade
lexical, e a segunda, marcadora da tipologia destas estruturas. O processo sintáctico na
formação das novas unidades lexicais integra as chamadas propriedades inerentes que
têm a ver com a questão da categorização das unidades lexicais pois esta «está
intimamente relacionada com a classificação sintáctica que determina a sua distribuição
frásica, o tipo de variação morfo-sintáctica em que podem participar e ainda a gama de
possibilidades da sua participação em processos de formação de palavras» (Vilalva
2008: 83).

A categorização funciona como propriedade determinadora das categorias que


permitem e têm disponibilidade de formar uma nova unidade lexical numa determinada
língua natural. Não obstante isso, a categorização sintáctica tem indicado, amiúde,

86
quatro categorias sintácticas: os adjectivos, os nomes, os verbos e os advérbios (Mateus
1990: 428-429; Mateus et alii 2003: 325-326; Vilalva 2008: 82-84). Por exemplo, em
kalupetekismo o morfema -ismo, afixo sufixal, seleciona nomes (Bechara 1992: 177) e,
na formação de uma nova unidade lexical, mediante o processo da nominalização
denominal, o significado do novo lexema depende do semantema a que o morfema
afixal se associou. Este passo determina a estrutura em que a nova unidade lexical
kalupetekismo pode ocorrer (pois enquanto nome, a sua ocorrência só pode ser como
núcleo de uma projecção nominal feita pela selecção mórfica sufixal).

2.1.6.2. Processos morfológicos

A caracterização dos processos sintácticos intervenientes no processo de


inovação lexical nas línguas naturais caminha de mãos dadas com processos
morfológicos. Trata-se de uma categorização morfológica em que as estruturas lexicais
se inserem, na sua realização nas novas unidades lexicais. Aqui, a categorização
caracteriza-se, essencialmente, por considerar os radicais e afixos - prefixos, sufixos,
infixos, interfixos, circunfixos, confixos e transfixos. Convém sublinhar que esta
classificação de afixos, apesar de ser pouco comum, aparece fixada por alguns linguistas
como Martinet (1985), Pena (1993) e Monteiro (2002).

Os processos morfológicos são processos derivacionais que procedem, para a


formação das novas unidades lexicais, através de afixos que Vilalva (2008: 84)
classifica como especificadores, os que transmitem as informações morfossintácticas,
derivacionais, os que transmitem a informação gramatical e semântica e os
modificadores, ou seja, aqueles que comunicam simplesmente a informação semântica.
Como exemplo, temos as novas unidades lexicais sanzaleiro e kapoko:

a) sanzaleir[o] sendo o morfema sufixal -o um afixo especificador;

b) sanzaleiro[s], sendo o morfema sufixal -s um afixo derivacional

87
c) Kapoko [Ka-] poko (antropónimo de étimo nominal upoko, obediência). O
morfema prefixal ka- como afixo modificador é responsável pela comunicação
da dimensão semântica.

No entanto, sublinhamos que, a fronteira entre estes dois processos é assaz


ténue, visto que entre o aspecto derivacional e o flexional existe uma distinção nem
sempre consensual, pois como Vilalva (2008: 26) afirma «só há flexão
morfologicamente realizada nos casos em que ela é solicitada pela categoria sintáctica
do radical: os nomes e os adjectivos exigem flexão em número, os verbos flexionam em
tempo-modo-aspecto e pessoa-número».

2.1.6.3. Processos fonológicos

Este tipo de processos, em geral, resulta de uma deformação gráfica da unidade


lexical comumente já existente que passa a apresentar modificações ao nível formal. Na
frase tass-bem! (GP 2) o lexema tass (pseudo-lexema) não é propriamente um vocábulo,
mas o resultado de uma irregularidade gráfica originada pela pronúncia de está-se bem!
Neste sentido, ele é um falso lexema. No entanto, ocorre em contexto no corpus.

2.1.6.4. Processos semânticos

Antes de se entrar no assunto dos processos semânticos, apresentamos muito


sucintamente, alguns aspectos sobre a problemática decorrente da Semântica, enquanto
área da Linguística. O discurso sobre os processos semânticos, no campo da neologia,
encontra-se alicerçado na problemática do significado e do sentido. Esta questão
relacionada com aquilo que Correia e Lemos (2005: 47-52) chamam «reutilização de
palavras já existentes» tem sido, ao longo dos anos, seriamente problematizada. A
discussão parte do momento em que a Semântica se tornou ‘independente’ e predisposta
a fazer uma nova reflexão sobre o dinamismo das unidades lexicais que adquirem novos
sentidos e significados.

88
A reflexão sobre os vocábulos de uma língua em termos de significação e de
sentido é uma percepção muito antiga. Contudo, a leitura e a compreensão desses
processos nem sempre foram muito fáceis para os linguistas.
Para Sablayrolles (2010: 97) o problema consiste no facto de que
«il est nécessaire de faire la distinction entre l’histoire des mots, leur évolution
de sens et les néologismes sémantiques qui s’installent d’une part, et, d’autre
part, la perception synchronique des membres de la communauté linguistique».

De facto, um dos reptos da Semântica é, por um lado, compreender os processos


que regem a mudança de sentido das unidades lexicais, por outro lado, definir a história,
a evolução do sentido e o que é, realmente, a neologia semântica.

Embora se considere comumente Michel Bréal como o pai da Semântica,


segundo (Sablayrolles 2010: 92) o estudo dos sentidos das unidades lexicais de uma
língua natural é uma reflexão muito antiga por parte de filólogos e linguistas. Bréal tem
o mérito de individualizar a problemática de forma mais sistemática para uma área que
ainda não tinha nome, com a publicação do seu artigo, na década de 1880, numa revista
de estudos clássicos que serviu de ponto de partida para uma nova ciência (Ullmann
1951: 1-4). Eis as palavras fundadoras:

«l’étude où nous invitatons le lecteur à nous suivre est d’espèce si nouvelle


que’elle n’a même pas encore reçu de nom. En effet, c’est sur le corps et sur le la
forme des mots que la plupart des linguistes ont exercé leur sagacité : les lois qui
président à la transformation des sens, au choix d’expressions nouvelles, à la
naissance et à la mort des locutions, ont été laissées dans l’ombre ou n’ont été
indiquées qu’en passant. Comme cette étude, aussi bien que la phonétique et la
morphologie, mérite d’avoir son nom, nous l’appellerons la sémantique (du
verbe σημαινειν), c’est-à-dire la science des significations)».

Estas considerações publicadas em L’Annuaire de l’Association pour


l’encouragement des études grecques en France e que estão apresentadas mais
sistematicamente em Read (1948 : 78-97) confirmam a configuração, na Linguística, de
uma problemática que, embora antiga, ainda não estava sistematizada e nem sequer
propriamente denominada.

De facto, Ullmann (1964, 7-12) evidencia claramente que o problema do sentido


das unidades lexicais é assaz antigo. Na verdade, confirmam-se testemunhos antigos
sobre a problemática. Na sua Ars Poetica, Horácio, escritor latino e romano, já

89
sublinhava que «multa renascentur quae iam cecidere, cadentque quae nunc sunt in
honore vocabula, si volent usus, quem penes arbitrium est et ius et norma loquendi»
(muitos vocábulos que já morreram, renascerão e aqueles vocábulos que agora estão em
consideração, se o uso o quiser, no qual está, totalmente, o arbítrio, o direito e a regra do
discurso). Antes dele, Homero, já tinha afirmado: «ágil no linguajar é a língua dos
homens; e discursos há muitos, de todos os géneros: grande é o alcance das palavras»
(Ilíada, XX, 248-249).

A problemática do sentido e do significado mobilizou, ao longo da história,


filólogos, linguistas, filósofos a explorar o “mundo misterioso” dos vocábulos das
línguas. Se Bréal (1897) procurava «les intellectuelles universelles qui présidaient aux
changements de sens», Sablayrolles (2010 : 92) e Darmesteter (1950 [1897]) colocaram
a questão sobre a vida das unidades lexicais : os vocábulos “nascem, vivem e morrem”
e, portanto, seguem o ritmo natural do devir universal.
Meillet (1982 [1921]) pôs a problemática da mudança do sentido no ângulo
duma perspectiva sociológica da divisão das sociedades e das classes sociais.
Ullmann (1970) procura aprofundar a questão da expressividade, ligando-a a
uma dimensão filológica-gramatical que evidencia os tropos, enquanto figuras
estilísticas, importantes para a compreensão dos movimentos de sentido e de significado
nas unidades lexicais das línguas naturais.

Aos trabalhos destes autores, podem acrescentar-se ainda as investigações mais


recentes de Bernard Pottier e Robert Martin (1993), François Rastier e Mathieu Valette
(2009), Sablyarolles (2010), evidenciando a polémica que está por trás do sentido e do
significado das unidades lexicais das línguas; concomitantemente, manifestam uma
procura incessante sobre a interpretação das dificuldades e das normas linguísticas e
extralinguísticas que regem este comportamento linguístico das unidades lexicais das
línguas naturais.

Depois deste breve enquadramento, tendo em consideração as informações


fornecidas por algumas unidades lexicais identificadas nos corpora em análise no
capítulo quarto deste trabalho, infere-se que, realmente, no conjunto de autores e teorias
sobre a questão do sentido das unidades lexicais, uma coisa deve ser observada: a

90
distinção «entre des évolutions de sens et des néologismes sémantiques proprements
dits» (Sablyarolles 2010: 93).

No entanto, alguns linguistas, como por exemplo, Correia e Lemos (2005)


consideram que o processo semântico da inovação de unidades lexicais que consiste «na
aquisição de novos significados por parte de palavras já existentes» é um dos mais
produtivos (2005: 47).
Assim, «a neologia semântica distingue-se das outras formas de neologia pelo
fato de que a substância significante utilizada como base preexiste no léxico, enquanto
morfema lexical. Esta base pode estar funcionando sincronicamente no léxico da língua,
ou pode ter existido anteriormente, ou, ainda, ser emprestada de um outro sistema
linguístico» (Correia e Lemos 2005: 47).

Por oposição à neologia fonológica, a neologia semântica pode definir-se como


o surgimento de uma significação nova para um mesmo segmento fonológico. Este
“segmento fonológico, que constitui um morfema lexical, não sofre nenhuma
modificação morfo-fonológica, nem novas combinações intra-lexemáticas de elementos,
mas passa a exercer a função de nova unidade de significação» (Barbosa 1979: 166).

Os corpora em análise apresentam, por exemplo, duas unidades lexicais manter


(forma verbal) e povo (forma nominal) que, apesar de já existentes, nos seus contextos
de ocorrência, têm um significado diferente da polissemia habitual:

- «Queria manter kianda, porque é bonita» (GP 3, 29). O neologismo


semântico manter, como se explicará mais adiante, no capítulo quarto, não tem
significado de conservar, fazer permanecer, mas significa “contrair uma união
conjugal, coabitar esponsalmente sem um vínculo jurídico institucional;
coabitar maritalmente”;

O mesmo se passa com o neologismo povo:

- «Virou povo!» (JPC), isto é, “está reduzido à massa; tornou-se pouco


importante”; baixou de estatuto social.

91
Entre os processos semânticos, encontram-se ainda os denominados de extensão
ou restrição de sentido que segundo Pruvost e Sablayrolles (2003: 112) consistem

«consistent dans l’application des mots à des réalités plus spécifiques – un


enrichissement de sens puisque la définition de mots comporte des informations
supplémentaires, des sèmes en plus – ou plus générales – en appauvrissement de
sens, avec des informations qui disparaissent, des sèmes en moins – que celles
dénommées immédiatement auparavant».

2.1.6.5. A metáfora

No âmbito dos processos semânticos de criatividade lexical, a metáfora ocupa


um lugar de grande importância. Este mecanismo linguístico é muito comum em textos
literários; cada autor é ele mesmo; o seu estilo literário é único. A articulação dos
elementos microestruturais da componente macroestrutural do discurso é um ínvido
objectivo de todo o autor.

A metáfora pode recorrer a vários mecanismos de elocução verbal disponíveis


ou possíveis na língua.
A metáfora é um procedimento estilístico já estudado na Antiguidade Clássica.
A tradição clássica da teorização retórica e literária inseriu este mecanismo no tratado
da retórica e da oratória. A metáfora, desde a Antiguidade Clássica integrou aquilo que
os latinos designaram por ornatus, definido por Lausberg (1966: 138) como
«necessidade, que todo homem (tanto sujeito falante, como ouvinte) sente, de que haja
beleza nas expressões humanas da vida e na apresentação do próprio homem em geral».

Apesar de a classificação das figuras de retórica à qual a metáfora pertence, não


ter sido linear e homogénea na história da retórica clássica, desde os grandes
teorizadores da retórica quer grega (Teofastro, Demétrio, Hermógenes), quer latina
(Cícero e Quintiliano), uma linha da divisão das figuras da retórica em tropos e não
tropos é conhecida como comum entre eles.

Nesta divisão, a metáfora fez sempre parte dos tropos que se entendem como «a
‘volta’ da seta semântica indicativa de um corpo de palavra, o qual, de um conteúdo

92
primitivo, passa para um outro conteúdo» (Lausberg 1966: 143). Por sua vez, dentro dos
tropos, a metáfora, para a retórica clássica, faz parte daquilo que os antigos teorizadores
da retórica chamaram “tropos de salto” que, outra coisa não são que o procedimento de
substituição na relação significado-vocábulo substituído, ou ainda na relação de
semelhança (metáfora), ou na relação de contrários (Lausberg 1966: 161).

Metáfora, do grego μεταφορά, passado para o Latim com a designação de


translatio, segundo Lausberg (1966: 161-162) é «a substituição de um verbum proprium
por uma palavra, cujo significado entendido proprie, está numa relação de semelhança
com o significado proprie da palavra substituída». E mais ainda, «por esse motivo, é
definida também como “comparação abreviada”, na qual o que é comparado é
identificado com a palavra que lhe é semelhante».

Normand (1976) mostrou como foi sempre profícuo o papel desempenhado pela
metáfora em vários domínios do saber humano ao longo da história humana. Esta
realidade é confirmada pelo interesse manifestado por filósofos como Nitzsche,
Schlegel, Schleicher, M. Müller, Humbolt, Whitney, Bopp, Marx, por psicólogos como
Freud, por epistemólogos como Brugmann, Osthoff, Whitney e por linguistas que
tentaram compreender este mecanismo linguístico e retórico não somente na articulação
do discurso, como também na visão do mundo. Assim, a metáfora é uma visão do
mundo a partir do mundo.

No entanto, hoje existem novas perspectivas sobre a metáfora que tem


mobilizado investigadores dentro e fora da área da Linguística. Lino et alii (2010: 189)
sublinharam que «nestes últimos anos, a metáfora tem sido objecto de investigações não
apenas em linguística (cf. Oliveira, I. 2005 e 2009), mas também em numerosos
trabalhos em ciências cognitivas, em neurolinguística e em antropologia».
Este ressurgimento do interesse pela metáfora decorre de uma consciência de
que
«a metáfora é necessária à comunicação entre línguas e culturas, participando na
preservação da diversidade das línguas e das culturas veiculadas pelas diferentes
línguas; de uma cultura para outra, existem numerosas correlações e associações
que determinam e explicam os fundamentos das estruturas metafóricas. A
metáfora de especialidade ou metáfora terminológica é, frequentemente, o
resultado de uma construção da significação carregada de valores culturais. A
nossa visão do mundo determina o modo de classificar e de ordenar aquilo que

93
conceptualizamos. A metáfora “não é apenas uma questão de linguagem, mas
também uma estrutura conceptual” (G. Lakoff et M. Johnson 1985: 247); é um
mecanismo fundamental para a compreensão das experiências humanas. O papel
da metáfora pode ser interpretado como a percepção de correlações entre vários
domínios de experiência» (Lino et alii 2010: 189-190).

A actualidade deste processo leva a que se fale de metáfora gramatical (Ravelli


1999) e de tantas outras tipologias de metáforas. Vários nomes têm sido associados a
esta temática. Em 1978, Sacks (1978) em On Metaphor, tinha recolhido vários
contributos de investigadores que tinham abordado o tema da metáfora apresentados
num Simposium organizado pela University of Chicago Extension em Fevereiro de
1978, sob o título Metaphor: The Conceptual Leap.
Entre os contributos sublinham-se os nomes como Ted COHEN (com o seu
artigo Metaphor and the Cultivation of Intimacy), Paul MAN, The Epistemology of
Metaphor, Donald DAVIDSON, What Metaphor means, Wayne C. BOOTH, Metaphor
as Rhetoric: The Problem of Evaluation, Karsten HARRIES, Metaphor and
Transcendence, David TRACY, Metaphor and Religion: The Test Case of Christian
Texts, Richard SHIFF, Art and Life: A Metaphoric Relationship, Howard GARDNER
and Ellen WINNER, The Development of Metaphoric Competence: Implications for
Humanistic Disciplines, Paul RICOEUR, The Metaphorical Process as Cognition,
Imagination, and Feeling, W. V. QUINE, A Postscript on Metaphor, Don R.
SWANSON, Toward a Psychology of Metaphor, Karsten HARRIES, The Many Uses of
Metaphor, Wayne C. BOOTH, Ten Literal “Theses”, Nelson GOODMAN, Metaphor
as Moonlighting, e Max BLACK, How Metaphors Work: A Replay to Donald
Davidson.

Neste universo de vários trabalhos de investigação, infere-se a extensa presença


da metáfora nas várias áreas do saber humano. Ela manifesta-se, claramente, numa
dimensão de interdisciplinaridade científica.

Os corpora que foram analisados, neste trabalho, não deixaram de demonstrar a


operatividade deste mecanismo linguístico de criatividade lexical para a renovação da
Língua Portuguesa na zona geográfica de contacto com as línguas afro-angolanas bantu.
As unidades lexicais encontradas em frases como “a minha mãe é hortelã” (GP 2); o
“maremorto político”; “a pilha de documentos” (PC); “Lá fora, o sol esforçava-se a

94
desafiar as nuvens” (GP 2), demonstram o dinamismo e a presença deste processo
linguístico.

2.1.6.6. A composição

Relativamente à composição, a gramática tradicional distingue dois tipos: a


composição por aglutinação e a composição por justaposição (Said Ali 1964; Cunha,
1975; Neto 1979, Cunha e Cintra 1984).
No entanto, se por um lado, estes linguistas admitem este processo de inovação
lexical, por outro lado, não se pode olvidar a grande problemática existente entre os
linguistas acerca do enquadramento na estrutura gramatical deste processo morfológico.
A questão está no facto de que, durante vários séculos, a maioria dos filólogos (João
Ribeiro 1818; Júlio Ribeiro 1911; Pereira 1943; João de Barros 1539-1540 [1971];
Jerónimo Soares Barbosa 1817; Fernão de Oliveira 1536 [1975]; Câmara Jr. 1975)
defenderam uma composição que integrava a prefixação. Na concepção tradicional
destes filólogos e gramáticos, a prefixação era parte integrante da composição
morfológica.

Na gramática moderna, a prefixação, como sistema de inovação lexical das


novas unidades lexicais, é uma “revolução gramatical” do filólogo Said Ali (Almeida
1996: 40-43). Said Ali deu à composição uma perspectiva semântica-pragmática em vez
de a restringir somente aos aspectos morfológicos. Ainda no âmbito da composição,
Said Ali admite os compostos que procedem de metáforas. Em síntese, Said Ali, no
campo da inovação lexical, especialmente, no que diz respeito aos processos de
inovação lexical, tem o mérito de ter retirado a prefixação da composição, advogando o
seu lugar nos processos derivacionais afixais.
Do mesmo modo, como ficou sublinhado por Almeida (1996: 42-43) foi valiosa
a contribuição de Said Ali que viu no processo morfológico da composição uma
possibilidade da distinção entre compostos metafóricos (de sentido metafórico) e não
metafóricos (de sentido literal).

Uma outra contribuição de Said Ali em relação à composição é a questão ainda


em discussão sobre a estrutura de um composto.

95
Hoje, relativamente à inovação lexical, muitos linguistas propõem a ideia de que
uma das propriedades da composição é a autonomia dos seus elementos constituintes,
distinguindo-se da derivação por não operar através dos afixos (Aronoff (1994: 11-16) e
Anderson (1992: 292-319).
Por esta razão, a maioria dos linguistas admite que, não se pode ver apenas a
composição no âmbito da formação das unidades lexicais. Daí, a generalizada distinção
entre composição morfológica e composição sintagmática (Vilalva (1994, 2008; Rio-
Torto, 2006; Santos, 2009). A questão está na constatação de que, num composto, quer
seja numa estrutura N + N ou em N + V há, nalgumas formações, principalmente em
compostos endocêntricos, um elemento que desempenha a função de núcleo e que
influencia toda a estrutura de formação da nova unidade lexical.

Contudo, uma observação mais atenta dos corpora em análise evidencia a


presença de compostos em unidades lexicais com origem na Língua Umbundu, cuja
classificação não é fácil, apesar de apresentarem características de compostos. É o caso
do antropónimo Sukwakwetche (que Deus te entregue – significado na língua de
origem); ao sofrer o processo de aportuguesamento, o composto fica esvaziado do seu
conteúdo, passa a ter conteúdo ø. Concomitantemente perde o seu carácter de composto
na língua de chegada para um falante que não conheça a origem etimológica do
antropónimo; gindungo-kaniania: este é o composto que mais evidencia a afirmação
que foi feita em cima de que, algumas vezes, o composto traz um elemento que tem o
comportamento de núcleo. No composto gindungo-kaniania, o nome gindungo
funciona, realmente, como núcleo, fazendo com que o modificador kaniania esteja em
estrita dependência do primeiro elemento do composto, apesar de termos um composto
de estrutura morfossintáctica N + V, se considerada na língua de origem.

2.1.6.7. Os empréstimos interlinguísticos

É um processo que opera de forma diferente dos outros processos. Pruvost e


Sablayrolles (2003: 116) reconheceram os empréstimos interlinguísticos, como uma
matriz deferente dos outros processos de formação, quando afirmam que
«la dernière matrice s’oppose à toutes les autres en ce sens que les nouveautés ne
sont pas produites par le système de la langue mais sont importées d’autres

96
systèmes linguistiques de langues étrangères vivantes ou anciennes. L’emprunt
constitue un procédé universel d’enrichissement des langues dont il n’y a pas
lieu de s’offusquer : on emprunte la dénomination en même temps qu’on
importe une nouvelle réalité concrète ou abstraite».

Esta é a propriedade e a característica dos empréstimos interlinguísticos


(diferentes dos empréstimos intralinguísticos). A sua abordagem nos sistemas das
línguas naturais não tem sido sem problemas entre os linguistas. O empréstimo
interlinguístico é, amiúde, considerado um «elemento subversor» na língua de chegada.
Sobre esta problemática,Vilalva (2008: 64) atesta esta consciência entre os linguistas ao
afirmar que «a recepção destas palavras estrangeiras nem sempre é idêntica. Não é raro
encontrar gramáticos e falantes que criticam ou rejeitam o uso de palavras não-
vernáculas, tendo até termos como estrangeirismos, decalque ou galicismo uma certa
conotação pejorativa».

Este procedimento de desaconselhamento por parte de certos linguistas é um


problema ainda não resolvido. Nos primórdios da formação da Língua Portuguesa, é
conhecida a advertência de D. Duarte quando dizia «nom ponha palavras latinas ou de
outra lynguagem; mas todo em nossa lynguagem scrypto, mais achegadamente geeral ao
bom custume de nosso falar que se poder» (Leal Conselheiro, apud Castro 2006: 167-
168).

No entanto, apesar das dificuldades e desafios que um neologismo lança aos


linguistas, a maioria destes (como por exemplo Duarte 2000; Monteiro 2002; Correia –
Lemos 2005; Vilalva 2008) assume que o processo da inovação lexical mediante o
empréstimo interlinguístico é um comportamento linguístico inevitável e incontornável;
a abertura do homem ao mundo real proporciona, inexoravelmente, o contacto das
línguas; a viagem das culturas e das civilizações, dos outros modos de ser e de agir,
levam as línguas a um movimento de aggiornamento linguístico. Estas razões podem
ser encontradas na classificação feita por Pruvost e Sablayrolles (2003: 116-117; ver
também Dubois et alii 1973: 3119-3120).

A definição de empréstimo interlinguístico dada por Dubois et alii (1973: 3119)


estabelece uma espécie de equação. Assim, os autores entendem que «há empréstimo
interlinguístico quando um sistema A utiliza e acaba por integrar uma unidade ou um

97
traço linguístico que existia antes num sistema linguístico B e que A não possuía». Esta
talvez seja a maneira mais simples de explicar e definir a noção de empréstimo.

Uma especial menção merece a posição de Winford (2010), linguista norte-


americano da Ohio State University que nas suas mais recentes abordagens sobre a
problemática do empréstimo, sublinhou:
«reseachers who study language contact generally distinguish between two
broad categories of contact-induced changes – those due to borrowing, and those
due to what has variously been called “interference”, “transfer”, “substratum
influence”, and so on. Borrowing is usually associated with situations of
language maintenance (…). On the other hand, “interference” is usually
associated with situations of second language acquisition and language shift, and
described as the influence of an L1 or other primary language on an L2. But
there is no means any clear consensus on how borrowing should be defined, or
how it can be distinguish from interference».

De facto, verifica-se uma grande dificuldade de consenso entre os linguistas na


distinção entre o borrowing (empréstimo) e a interference (interferência). Por exemplo,
para Aikhenvald (2002), na linha de Trask (2000: 44), como sublinha Winford, o
borrowing (empréstimo) é definido como «the transfer of features of any kind from one
language to another as the result of contact» e a interferência como «the non-deliberate
carrying over of linguistic from one first language into one’s second language». Muito
antes, Thomason e Kaufman (1988:37) tinham definido o empréstimo (borrowing)
como «the incorporation of foreign features into a group’s native language by speakers
of that language».
Diversamente destas definições, a definição de Heine e Kateva (2005: 6)
interpreta o empréstimo (borrowing) como «contact-induced transfer involving phonetic
substance of some kind or another».

Assim, muitos linguistas concordam com a incontornabilidade do fenómeno do


empréstimo interlinguístico. Hugo Schuchardt, em 1922, tinha afirmado que:
«importação, dádiva, ou migração de palavras são processos tão gerais e predominantes
que bem podemos dizer que cada palavra de uma língua foi, em determinada época, um
estrangeirismo nessa mesma língua, ainda quando esse facto se situe para além de
qualquer certeza histórica» (Schuchardt 1922: 327).

98
Na mesma perspectiva, Pagliaro (1983: 154) sustenta a mesma proposta quando
diz que «as línguas de cultura não são, pois, nem podem ser, línguas puras (…). Todas
as grandes civilizações são sincréticas, e resulta inevitavelmente num sincretismo
linguístico». Pagliaro e vários linguistas sustentam esta posição, acrescentando:
«nenhuma comunidade pode obrigar-se a subtrair a sua língua às influências
estrangeiras, pela razão evidente de que ela própria não poderá nunca fugir à
necessidade de relações com outras sociedades suas congéneres. Contudo, a
admissão de elementos estrangeiros num sistema pode perturbar vivamente a
consciência que os falantes dele possuem e até provocar em certo momento uma
reacção de defesa» (Pagliaro 1983: 155).

Este cuidado revela, por um lado, a complexidade do assunto e, por outro, a


necessidade e a inexorabilidade do fenómeno linguístico nas línguas naturais em
contacto, pelo que até hoje muitos linguistas continuam divididos.

2.1.6.8. Engendramento onomatopaico

A tradição linguística do português de vários gramáticos consagra o processo


onomatopaico no âmbito da criação lexical, como um processo que consiste na imitação
do real, do barulho ou de ruídos emitidos (Coutinho 1958; Cunha 1984; Cunha e Cintra
1987). Deste modo, de acordo com Coutinho (1958: 198), no âmbito da inovação
lexical e do ponto de vista da mimesis de sons, a prática mais frequente e mais comum é
a imitação de sons ou ruídos protagonizados pelas armas de fogo, sinos ou campainhas,
veículos, instrumentos musicais e vozes de animais.

Na verdade, estas formas, em Umbundu falado, têm uma existência real, isto é,
são atestáveis. E, em consequência, exercem uma grande influência sobre o Português
falado e escrito nesta zona linguística. Como exemplos, temos a mimesis do som ou
ruído produzido pela arma de fogo (como por exemplo, tá-tá-tá-tá ou tátátátátá….),
pelos sinos ou campainha (ndelém-ndelém-ndelém-ndelém ou nguelém-nguelém-
nguelém-nguelém….), pelos veículos (drim-drim-drim-drim ou tuku-tuku-tuku-tuku,
para indicar um veículo com o motor a trabalhar), pelos instrumentos musicais (kutu-
kutu-kutu-kutu, para indicar o ritmo de uma batucada numa dança de olundongo, dança
tradicional dos Povos Ovimbundu), pelas vozes de animais (mon-mon-mon-mon,
imitação do mugido do boi).

99
Os exemplos apresentados mostram que, a onomatopeia, apesar do ponto de
vista da escrita ter pouca visibilidade, é um processo neológico razoavelmente produtivo
(cf. Alves 2002: 12), principalmente, no discurso oral. Infere-se, concomitantemente
que, a produtividade deste processo está dependente da geografia cultural dos povos.
Apesar de haver unidades lexicais onomatopaicas quase universais, reconhecíveis não
somente pelos membros de uma determinada comunidade, mas até por comunidades
linguísticas diferentes, como acontece com a unidade lexical onomatopaica tic-tac que
pode ser reconhecido por um falante do Inglês, do Francês, do Espanhol, do Português,
etc, encontram-se outras que praticamente se circunscrevem a uma zona mais restrita.

A forma onomatopaica ndelém-ndelém-ndelém-ndelém, que é a imitação do som


do sino, a forma kutu-kutu-kutu-kutu, imitando o som produzido pelo batuque em acção,
numa sessão celebrativa coreográfica tradicional, são formas que ditas diante de um
falante angolano, são facilmente ou quase automaticamente identificáveis, ainda que
não seja dentro de um contexto próprio que ajude o reconhecimento da unidade lexical.
Contudo, a mesma imitação dita diante de um norte-americano, provavelmente, não terá
a mesma facilidade de identificação.

De facto, como afirmam Correia e Almeida (2012: 34) «apesar do seu carácter
aparentemente icónico, elas [as onomatopeias] são, como os demais signos da língua,
signos arbitrários, convencionais, de tal forma que, para o som produzido pelo mesmo
animal, encontraremos onomatopeias diferentes em línguas diferentes e até em
variedades diferentes da mesma língua».

A onomatopeia, em parte, circunscreve-se dentro de um sistema linguístico de


um povo que possibilita a sua comum identificação pela comunidade. Neste sentido,
nem todos os sons da onomatopeia são homogéneos nas culturas e, por conseguinte, nas
comunidades linguísticas. As onomatopeias são diferentes de cultura para cultura e de
língua para língua (Pruvost-Sablayrolles 2003: 108).

100
2.1.6.9. Estrangeirismos

A problemática da inovação lexical entre os linguistas engloba em si a polémica


questão dos estrangeirismos. A primeira questão que aqui se levanta é saber se o
estrangeirismo é um empréstimo ou se o empréstimo é um estrangeirismo. Além
daquelas que serão reportadas no item seguinte, uma das dificuldades que os linguistas
enfrentam é o estabelecimento de uma delimitação conceptual entre as duas noções.

Entretanto, para os linguistas o estrangeirismo é uma unidade lexical que entra


num sistema linguístico, como nova unidade lexical vinda de uma outra língua. A
maioria dos linguistas reconhece e identifica o estrangeirismo com um «empréstimo
vindo de fora do sistema» como sublinham Correia e Lemos 2005: 52-53 e Monteiro
2002: 197-201).
Em várias gramáticas tradicionais e históricas como de Said Ali (1964; 1971);
Cunha e Cintra (1984, 1987); Bechara (2002) em nenhuma das edições existe o tema
dos dos estrangeirismos. Todavia, linguistas como por exemplo Vilalva (2008), Alves
(2002) identificam com clareza o estrangeirismo como um empréstimo interlinguístico.

Pagliaro (1983: 156 [1922]) distingue o empréstimo do estrangeirismo. De


acordo com esta diferenciação, o empréstimo, designado por ele por importação,
designaria «os elementos estrangeiros assimilados» e o estrangeirismo «palavras
estrangeiras sentidas como tal».

A problemática decorrente da reflexão sobre os conceitos de empréstimo e


estrangeirismo levou Haugen (1969) a inserir, na distinção dos dois conceitos a noção
de importation e a de substitution. Através delas, Haugen distingue o empréstimo do
estrangeirismo. Deste modo, ele considera que,
«in the simplest case, a word is borrowed as a whole: both sound and meaning.
If this was the only possibility, not much would need to be said. Many other
possibilities of lexical borrowing occur, however, forcing us to develop a more
systematic approach. The primary distinction introduced is the one between
importation and substitution. Importation involves bringing a pattern into the
language, substitution involves replacing something from another language with
a native pattern» (1969: 32).

101
A perspectiva de Haugen tem influenciado alguns linguistas, principalmente, os
tradutores. Deste modo, os conceitos de importation e substitution têm sido tomados
para diferenciar ou distinguir o empréstimo de um estrangeirismo.

Alguns linguistas como Dubois (1973) e Câmara (1984) definem o


estrangeirismo como «empréstimo lexical não integrado na língua, revelando-se
estrangeiro nos fonemas, na flexão e até na grafia, ou palavras portuguesas empregadas
com a significação das palavras estrangeiras de forma semelhante».

Todavia, qualquer que seja a interpretação que se dê aos dois conceitos,


sublinhe-se, os investigadores consideram o estrangeirismo como uma unidade lexical
existente numa língua natural que entra numa outra com estatuto de nova unidade
lexical por causa da sua novidade no sistema linguístico da língua de chegada.

Nesta perspectiva, segundo Almeida (2001: 78)


«o estrangeirismo distingue-se do empréstimo, na medida em que o primeiro
resulta da importação ou transcrição directa de um termo ou vocábulo tal qual
ele existe na língua de origem, mantendo (até certo ponto) a sua forma gráfica e
fonética; no segundo caso, o empréstimo, dentro deste contexto seria o
estrangeirismo naturalizado, adaptado ao sistema linguístico que o recebe».

Contudo, vários linguistas identificam o estrangeirismo com o empréstimo


interlinguístico (Correia e Lemos 2005; Vilalva 2008).

A complexidade da questão aumenta quando se constata que o estrangeirismo ou


empréstimo, muitas vezes coexiste com a forma própria correspondente na língua de
chegada. Um dos exemplos mais ilustrativos deste fenómeno são os empréstimos do
Inglês, enquanto língua que, na modernidade, mais estrangeirismos empresta às línguas
do mundo.
Observe-se o quadro que segue sobre alguns dos empréstimos do Inglês ao
Português só na área da Informática:

102
Tabela 5: Alguns estrangeirismos (anglicismos)

Estrangeirismos/empréstimos do Inglês Correspondentes em Português


Browser Navegador
Data Dados
File Arquivo
Folder Pasta
Freeze Congelar
Input Entrada
Load Carregar
- up Descarregar, puxar
- down Baixar
Log Conectar
- in Entrar
- out Sair
- out/up/on Registar-se
Online Em linha
Output Saída
Path Caminho
Release Libertar
Update Actualizar
Update to Actualizar
Upgrade Actualização
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Este quadro responde à questão que, justamente, podia ser colocada de saber se
os estrangeirismos são necessários ou indispensáveis à língua. De facto, a coexistência
de duas formas na mesma língua com um mesmo significado podia protagonizar a
exigência de uma resposta negativa, pois, à primeira vista, parece desnecessário, por ter
formas correspondentes na língua de chegada. Contudo, a língua tem os seus
mecanismos, muitas vezes imprevisíveis. Por isso, justamente, se diz que o fenómeno
do estrangeirismo é incontornável e imprescindível para a renovação de uma língua
natural.

103
No entanto, é preciso compreender que, se o fenómeno do estrangeirismo resulta
do contacto de povos e culturas com as suas consequentes relações económicas e
comerciais, é um processo linguístico, cuja complexidade não exige somente
conhecimento linguístico, exige também um conhecimento extralinguístico e, quiçá,
metalinguístico. O debate linguístico sobre esta realidade deve inserir-se num campo
mais alargado, pois a problemática dos estrangeirismos envolve um conjunto de factores
pluridimensionais. Qualquer debate sobre o assunto, mesmo o da “naturalização” dos
estrangeirismos, em grande discussão nos nossos dias, deve ter presente vários aspectos,
como por exemplo, os psicológicos e socioculturais.

2.1.6.9.1. Dificuldades

O estrangeirismo é hoje um processo linguístico de inovação lexical


imprescindível e incontornável (Vilalva 2008). A globalização, fenómeno moderno do
nosso tempo, tem favorecido este processo. A ciência, a técnica, a economia, a
informática são os veículos privilegiados deste processo.

No entanto, as unidades lexicais que entram noutra língua desafiam, quer o


falante que consciente ou inconscientemente as utiliza e muito mais o linguista que
procura compreender o percurso linguístico, sociolinguístico e societal e as
circunstâncias da sua entrada na língua.
Por isso, se por um lado o estrangeirismo é um processo do enriquecimento de
uma língua que, por razões culturais ou civilizacionais não dispõe, não deixa de ser um
desafio dentro do novo sistema linguístico. Nos pontos que se seguem, tratar-se-ão
algumas dessas dificuldades.

2.1.6.9.1.1. Dificuldades fonético-fonológicas

É conhecido o desafio do estrangeirismo no âmbito da fonética e da fonologia.


Cada língua dispõe de uma lógica macroestrutural no seu sistema linguístico na
segmentação microestrutural fonético-fonológica. Esta estrutura obedece a critérios
próprios e específicos idiossincráticos da língua sem olvidar princípios universais que

104
regem e harmonizam as línguas naturais. Por exemplo, a estrutura segmental fonético-
fonológica do lexema português “muito”, supõe a segmentação “m-u-i-t-o” e não “*m-
u-i-n-t-o” embora esta última seja insinuada pela pronúncia. Estas características
fonético-fonológicas próprias da língua estão presentes em todas as línguas.

Não obstante isso, a “emigração” de qualquer lexema de uma língua natural para
outra implica reajustamentos fonético-fonológicos. Este procedimento que, à partida,
deve pressupor algum princípio ou princípios gerais de actuação é um grande desafio. A
língua de chegada (LC) integra uma nova unidade lexical no seu sistema fonético-
fonológico. Esta operação não é tão complexa para o Português em relação às outras
línguas europeias, como o Inglês, mas as línguas africanas e, mais especificamente, as
línguas bantu, apresentam ao Português um conjunto de dificuldades no âmbito
fonético-fonológico.

Uma das grandes dificuldades levantadas pelo Português, no seu contacto com o
Umbundu, assunto que será mais desenvolvido no capítulo quarto, é a ortografia das
unidades lexicais, por razões de diferença de segmentação nas formações de lexemas
decorrente, em parte, de algumas diferenças no alfabeto.

Como se poderá ver mais adiante, a grande dificuldade neste campo consiste, no
caso de Angola, sobretudo na onomástica (antroponímia e toponímia). Nestas áreas, o
empréstimo ao Português, em termos da sua articulação no que diz respeito aos seus
grafemas, fica entre a recepção da nova unidade lexical na sua integridade fonético-
fonológica e a tentativa de reajustamento fonético-fonológico. Esta é uma zona de
conflito. Em relação à antroponímia ou toponímia na ZLU são vários os exemplos que
ilustram este problema:

- O estrangeirismo-empréstimo umbundu para o Português Nhalehã (imperativo do


verbo umbundu okunhalehã, que significa estender) passou para o Português, com a
grafia de Nharea, assistindo-se à aférese do h intervocálico e à metátese do a nasalado
em posição final para o a desnasalado;
- O estrangeirismo-empréstimo antroponímico Sukwakwetche. Em muitos casos, em
virtude de ser um empréstimo para o Português, é apresentado várias vezes
graficamente por *Sucuacueche. Desde a sua representação gráfica até à sua articulação

105
fonológica, localizada na zona intermédia, existe um grande abismo, quer de forma,
quer de sentido entre a língua de origem (LO) e a língua de chegada (LC). Esta situação
é grave do ponto de vista sociolinguístico e sociocultural, pois há uma estreita ligação
entre a língua e a cultura; a língua veicula a cultura e a cultura “faz” a língua (Galisson
1991), então qualquer tentativa de viciação de uma das partes funciona como uma
‘infidelidade’ ao pacto língua-cultura.

Portanto, do ponto de vista fonético-fonológico e ortográfico, os


estrangeirismos-empréstimos do Umbundu para o Português obedecem ao critério da
adaptação.
Deste modo, se, como sublinham Correia e Lemos (2005: 55) a adaptação
consiste na substituição de segmentos inexistentes na língua de chegada (LC) e noutros
reajustamentos como a acentuação, quantidade vocálica, etc; se a adaptação consistir
também, ao menos ao nível ortográfico, «na adopção, para o empréstimo, de uma grafia
em consonância com as normas ortográficas da língua portuguesa», certamente haverá
um grande problema nas línguas bantu afro-angolanas, pois haverá riscos linguísticos;
um problema fonológico pode ter consequências em aspectos morfossintácticos e
semânticos.

Outro exemplo deste caso é o estrangeirismo-empréstimo wanditombi (unidade


lexical que designa um gerador de corrente eléctrica, muito pequeno em tamanho,
geralmente utilizado em Angola em casas familiares particulares para a iluminação) que
ocorre no corpus. A acentuação fonético-fonológica desta unidade lexical é tão especial
que se não é realizada devidamente, o vocábulo acaba imperceptível na língua de
origem (LO) e completamente esvaziada na língua de chegada (LC), porque a unidade
lexical wanditombi tem as vogais todas longas. Daí que, as suas sílabas são mais longas
e sua pronúncia mais lenta e bem marcada: wá-ndí-tóm-bí. É uma forma verbal
(presente indicativo, 2ª pessoa do plural, voz activa do verbo okutomba, cujo significado
não encontra, em Português, um equivalente preciso, podendo ser traduzido, por
aproximação por “desconsiderar, menosprezar, subestimar”). No seu contexto de
ocorrência nos corpora, esta nova unidade lexical do Português de Angola funciona
como nome masculino singular.

106
Por isso, na análise do corpus constituído para esta investigação, verificamos o
fenómeno de oscilação na realização gráfica de certos empréstimos interlinguístcos. Por
exemplo, a unidade lexical ondjango (palácio de justiça da máxima autoridade
tradicional da aldeia) tem uma ocorrência, nos corpora, de 7 vezes representada
graficamente por onjango. O mesmo lexema ocorre também com a forma jango ou
mesmo ondjango. Esta dificuldade por parte de escritores, jornalistas e redactores de
textos demonstra as dificuldades de ajustamento fonético-fonológico e gráfico de alguns
estrangeirismos-empréstimos do Umbundu ao Português.

No entanto, existe um outro fenómeno de estrangeirismo-empréstimo que,


diversamente do que acontece com a unidade lexical ondjango, ocorre 15 vezes nos
corpora, qual alta frequência, está sempre representado pela mesma forma gráfica da
língua de origem (LO). Trata-se da unidade lexical maka (do étimo umbundu omaka
que significa problema, sarilho).

2.1.6.9.1.2. Dificuldades morfossintácticas

A viagem do empréstimo de uma língua para a outra obedece também ao critério


de adaptação ao nível morfológico e, por conseguinte, ao nível sintáctico. De acordo
com Correia e Lemos (2005: 54-55), esta adaptação dá-se, na língua de chegada,
mediante a assunção de propriedades de flexão. Esta é a segunda etapa da adaptação de
um empréstimo, pois depois da sua relativa estabilidade do ponto de vista da sua
realização fónica ou gráfica, a unidade lexical procura adaptar-se à língua de chegada,
adoptando princípios específicos observados pela língua de chegada (CL) no seu
sistema linguístico.

Este ajustamento morfológico que, na maior parte das vezes está relacionado
com certos aspectos gramaticais, como por exemplo, os aspectos flexionais do género e
do número, nos nomes, adjectivos e pronomes, das pessoas gramaticais, nos verbos,
pressiona a nova unidade lexical, o empréstimo interlinguístico, a uma integração em
classes e categorias gramaticais que lhe permitam a flexão e a sua articulação no interior
de uma frase que seja correcta dentro dos princípios estabelecidos pela gramática
tradicional normativa.

107
Por esta razão, este processo linguístico é designado pelos linguistas como um
processo morfossintáctico. Ou seja, este processo evidencia que, não basta a entrada da
unidade lexical na nova língua, a língua de chegada. É fundamental que ela se posicione
bem na língua, para que a sua realização linguística em discurso seja exequível e
totalmente gramatical. Em relação à neologia na ZLU, os empréstimos do Umbundu ao
Português lançam, neste âmbito, grandes reptos. Pelo que se verifica, a integração das
novas unidades lexicais no Português é feita obedecendo,

- Em primeiro lugar, aos princípios e regras da gramática, isto é, atribuindo, por


exemplo, quanto ao género, a marca do género da língua de chegada (LC). O mesmo
procedimento acontece em relação ao número. A título de exemplo, os vocábulos o
ondjango e a maka. O plural destas unidades lexicais, enquanto empréstimos do
Umbundu ao Português é realizado mediante o acréscimo do -s, morfema do plural no
Português: os ondjangos [onjangos] e as makas. Este procedimento linguístico é
recorrente nos textos e não parece haver hesitação da parte dos redactores. Aqui, está
realizada a adaptação morfológica na sua totalidade, pois obecede ao critério da norma
de morfemas de alternância categorial, terminação -o para o masculino e -a para o
feminino, regra geral. E, finalmente, o morfema -s do plural.

- Em segundo lugar, o critério de atribuição do género de acordo com o significado do


significante na língua de origem (LO) que, apesar de as unidades lexicais terminarem
por um morfema que, regra geral, marcaria o género feminino, elas, em função do que
designam, o género é determinado pelo significado na língua de origem, diversamente
do que se passa com o Inglês no vocábulo como box em que o género ficou marcado
pela língua de chegada em função do significado do significante nesta última língua: a
box. Há exemplos como o soba, o tchimbanda [quimbanda] etc, que, apesar de terem o
morfema final que em Português é morfema flexional do género –a (regra geral), estas
unidades lexicais não são necessariamente femininas. No entanto, isto não é novidade,
pois em Português acontece o mesmo. Todavia, há outro exemplo que mostra o
contrário em que, por exemplo, a unidade lexical ombala aparece nos corpora com a
atribuição do género feminino: a ombala, apesar de não ser muito fácil determinar o
género da realidade que designa ou do seu significado.

108
No entanto, na Língua Umbundu, como acontece com vários sistemas
linguísticos do mundo, a marcação do género é fraca. Aproxima-se um pouco à
marcação do género na língua alemã em que, o que é feminino pertence ao género
feminino e o que é masculino pertence ao género masculino. Para reduzir os efeitos
desta necessidade da marcação do género, o sistema linguístico do Umbundu utiliza as
formas epicenas. E são muitos, em Umbundu, os nomes epicenos que ajudam a marcar
o género. A dificuldade consiste nas unidades lexicais que não têm a marca gráfica, que
no Português, signifique ou indique o género. Em Umbundu, a maioria dos lexemas tem
a terminação muito variada: (o) ndombe, o bagre; (o) mbambi (cabra do mato); (o)
ovongu, bicho; (o) ekongo (o caçador) ….

Por esta razão, há uma indeterminação dos redactores na atribuição do género.


Se o senhor mototaxista é o kupapata, como será designada, para o género, a senhora
mototaxista? De facto, esta dificuldade é também notória nos empréstimos do
Kimbundu. Por exemplo, no dia 16 de Novembro de 2016, a edição impressa do jornal
português A Bola, jornal de informação desportiva, fez uma reportagem sobre a vida
comercial dos luandenses. No corpo do texto do artigo vinha o lexema kinguila (s) que
os jornalistas e redactores identificaram como um nome feminino, provavelmente, por
causa do contexto pontual. No entanto, a actividade de câmbio, em Angola, embora
tenha uma participação da mulher, é uma profissão que é exercida, mais pelos homens
que pelas senhoras.

- Por outro lado, a par desta dificuldade da marcação do género, está a marcação do
número. Pois as línguas nacionais angolanas têm a marcação do número muito diferente
da do Português. Em Umbundu, a marcação do número é realizada através da
anteposição de um afixo prefixal modificador. Por isso, em muitos casos, ter-se-á o
mesmo problema que o Português e as outras línguas românicas têm em relação a
alguns empréstimos do Latim.
Nos empréstimos latinos como corpora, annuaria, o Português reconhece-lhes
o número e realiza esta exigência linguística dentro do seu próprio sistema, não
aplicando os seus princípios idiossincráticos, mas recorrendo e reconhecendo o contexto
de formação na língua de origem (LO). Daí que se tenha, em Português, expressões
como os corpora (plural neutro do nome latino neutro corpus, oris, o corpo), em vez de

109
os *corporas, os annuaria (plural neutro do nome latino neutro annuarium, ii, o
anuário), em vez de os *annuarias.

Os exemplos que mais indicam esta dificuldade, em Umbundu, podem ser


encontrados nas unidades lexicais empréstimos ao Português (extraídas dos corpora
sem a sua lematização) akongo, alumbos/alumbus, akokotos, ovongu, olongandalas, em
que temos os afixos prefixais morfemas do plural a-, ov-, olo-, respectivamente.
Estes afixos prefixais marcam o número em Umbundu: akongo (plural do nome
masculino singular ekongo, o caçador); alumbo (plural do nome masculino singular
elumbu, magia, artimanha); akokoto (nome aplicável só no plural indicando o lugar
‘sagrado’ onde são conservadas as cabeças dos olosoma depois da sua morte); ovongu
(plural do nome masculino engu, insecto da família das borboletas, utilizado na
gastronomia umbundu).
Portanto, o aumento do morfema -s que, em Português, marca o número, regra
geral, de acordo com a gramática normativa tradicional, aplicado às unidades lexicais
emprestados pelo Umbundu ao Português, acaba em redundância do plural. Todos
estes aspectos merecem a atenção e a análise dos linguistas, pois são um grande repto ao
falante e à própria língua de chegada.

2.1.6.9.1.3. O estrangeirismo e as suas equivalências na língua de


chegada

A arte da equivalência de unidades lexicais, como refere Nida (2001) não tem
sido uma tarefa fácil. É um labor que ao longo dos tempos tem vindo a chamar a
atenção dos linguistas a ponto de se terem formado várias teorias sobre a problemática
da equivalência e da tradutibilidade.

Mounin (1963) em Les problèmes théoriques de la traduction tinha reconhecido


os problemas decorrentes da equivalência e da prática tradutória. Assim, o autor
entendeu que os desafios da equivalência e da tradução, quer de unidades lexicais
isoladas quer em contextos da sua ocorrência em textos, estão situados na relação entre
a linguística, o léxico, as mundividências humanas e a multiplicidade civilizacional.

110
Para este linguista, o problema da equivalência e da tradução, a sua complexidade evoca
o saber filosófico.

Por isso, o autor sublinha que, na problemática da equivalência e da tradução, as


teorias linguísticas de linguistas como Saussure, Bloomfield, Harris, Hjelmslev, Vinay e
Darbelnet, dos filósofos como Humbolt, debatem-se com um problema centrado em
sens e forme. Em relação ao sentido (sens) Hjemslev (1953) problematiza a questão em
termos de substance d’expression e substance du contenu. E, por conseguinte, a questão
desenvolveu-se para formes du contenu e formes des expressions.

Lima (2010: 57-59) coloca os problemas da equivalência numa dimensão


tripartida. De acordo com a sua perspectiva, os desafios da equivalência de uma unidade
lexical situam-se em três níveis ou planos: o nível da contextualidade, o da
intertextualidade e o da socioculturalidade. De facto, qualquer tentativa de equivalência
de um vocábulo requer um conjunto de estratégias e uma apurada mundividência
veiculada pelo texto, pelo contexto e pela socioculturalidade, o que pode ajudar a
localização da intertextualidade situada ao nível de vocábulos e de expressões de um
determinado enunciado. Contudo, a conciliação destes aspectos linguísticos e
extralinguísticos constitui um ponto problemático.

Não obstante isso, toda a dificuldade decorrente da equivalência e da tradução de


qualquer neologismo, cuja forma é um estrangeirismo ou empréstimo está alicerçada
nesta questão. Esta dificuldade insere-se numa problemática introduzida pela afirmação
de Martinet (1960: 16 e 25) de que «a chaque langue correspond une organisation
particulière des données de l’expèrience […]. Une langue est un instrument de
communication selon lequel l’expèrience humaine s’analyse differentement dans chaque
communauté».

Muitos linguistas têm estudado a problemática decorrente da equivalência e da


tradução no domínio da Lexicologia, da Lexicografia, da Terminologia e de outras
disciplinas. Entre eles sublinhamos Vinay e Darbelnet (1958), Bower (1959), Catford
(1965), Chomsky (1965), Nida (1964), Nida and Charles (1969), Newmark (1981) e
mais recentemente, Newmark (1987), Sofer (1996), Reichmann-Sträuter (2013).

111
Do ponto de vista da Lexicologia e da Lexicografia, a questão coloca-se ao nível
dos lexemas, muito especificamente, os estrangeirismos que entram numa língua de
chegada (LC). É aqui onde se pode levantar os mesmos problemas acima formulados
sobre qual é, diante de um estrangeirismo, na língua de chegada, o tratamento que um
linguista lexicólogo ou terminólogo pode dar a um empréstimo. Ou seja, no caso
concreto da actividade do lexicólogo, lexicógrafo ou terminólogo, que procedimentos
metodológicos devem ser observados para a inserção de uma determinada unidade
lexical que ocorra nos corpora ? Em termos mais sintéticos, podemos perguntar se será
necessário encontrar um equivalente para um empréstimo interlinguístico ou se convém
aceitá-lo na sua forma e sentido de origem (Reichmann – Sträter 2013).

Portanto, a dificuldade da equivalência de um estrangeirismo radica mesmo do


facto da sua complexidade, porque se trata de uma integração de uma unidade lexical
duma língua, noutra diferente. Em consequência, a sua adaptação resulta de vários
processos e níveis linguísticos, desde os fonológicos até aos níveis pragmático-
semânticos. Para as línguas nacionais angolanas, ou mais genericamente, as línguas
bantu que convivem com as línguas oficiais, esta dificuldade é agravada por outra
questão que tem a ver com o estatuto destas línguas oficiais em relação à população
nativa.
Hoje, em Angola e noutros países lusófonos é conhecida a grande polémica que
divide os linguistas, sociólogos, antropólogos, filósofos, politólogos sobre se a Língua
Portuguesa pode ser considerada língua estrangeira. Não pretendemos entrar nesta
discussão, mas queremos simplesmente chamar a atenção que envolve um
estrangeirismo ou empréstimo interlinguístico no âmbito da sua inserção na língua de
chegada (LC).

2.1.6.9.1.4. A gramaticalidade

A abordagem da temática do empréstimo-estrangeirismo pressupõe um outro


aspecto, não menos relevante, pelo contrário, muito profícuo no âmbito do processo da
inserção das novas unidades lexicais na língua de chegada (LC). Esta compreensão
implica, por sua vez, a observação e verificação das etapas do enquadramento do
neologismo e, sobretudo, a sua realização em unidades maiores de sentido, isto é, em
unidades de combinação de lexemas. Qualquer unidade lexical que entra numa língua,

112
um dos primeiros procedimentos que toma é a sua inserção naquilo que Pruvost e
Sablayrolles (2003) chamam “séries” de palavras.

Segundo estes autores, André Martinet estabeleceu uma classificação que divide
os lexemas em palavras gramaticais e palavras lexicais em que
«d’une part, les mots grammaticaux appartenant à des “séries fermées” et,
d’autres part, les mots lexicaux appartenant aux “séries ouvertes”. Les mots
grammaticaux les mots-outils font partie des séries fermées parce qu’il est pour
ainsi dire impossible, à l’échelle d’une vie, d’inventer par exemple de nouvelles
conjonctions de coordination et encore moins d’imaginer d’autres pronoms
personnels, seule la longue histoire d’une langue autorise une évolution
marquante dans le domaine du vocabulaire grammatical. Diversement, les mots
lexicaux appartiennent à des séries ouvertes parce qu’ils doivent pouvoir être
fabriqués au fur et à mesure de besoins qui, par définition, sont constants,
illimités et imprévisibles» (2003 : 10).

A classificação de Martinet afigura-se como instrumento de distinção das classes


ou séries verdadeiramente produtivas, isto é, abertas e outras classes notoriamente
incapazes de engendrar uma nova unidade lexical. Esta questão está ligada à
problemática já explorada em cima, relacionada com os aspectos morfossintácticos. A
equivalência de um estrangeirismo confronta-se com estes aspectos morfossintácticos.

No acto da equivalência ou tradutibilidade do empréstimo-estrangeirismo, há


que ter em consideração aspectos relevantes como o género e o número na língua de
origem (LO), se os houver, e procurar o seu enquadramento na língua de chegada (LC).
Todos estes aspectos são detectáveis na ocorrência das unidades lexicais em estruturas
combinatórias, cujo sentido nelas se realiza.

Aqui, voltamos ao problema abordado no ponto 2.1.6.9.1.2. Os


condicionalismos de gramaticalidade decorrentes da equivalência de um empréstimo
afiguram-se, deste modo, um factor obstrutivo ao linguista ou ao tradutor, pois a sua
remoção depende muito da capacidade de ‘discernimento’ de quem trabalha a unidade
lexical em questão.
Lamiroy e Charolles (2005: 110-146) chamam de “grammaticalisation” este
processo observado para a equivalência de uma determinada unidade lexical dada as
funções que ela desempenha em contextos e co-textos. O esquema que propõe é,

113
realmente, importante para a melhor compreensão desta questão da gramaticalidade ou
gramaticalização. Ei-lo :

Tabela 6 : Processo de gramaticalização de um estrangeirismo


ou empréstimo interlinguístico

Esquema extraído de Béatrice LAMIROY – Michel CHAROLLES (2005) «Utilisation du corpus pour l’évaluation d’hypothèses
linguistiques : étude de autrement» in Anne CONDAMINES, La sémantique du corpus (2005: 110).

Este esquema explica os aspectos relevantes que qualquer procedimento com os


empréstimos exige. O linguista e o tradutor estão sempre confrontados com estas
questões, não de pouca dificuldade, pois o ‘discernimento’ de um neologismo pode ser
fácil ao nível fonológico e menos fácil ao nível morfológico, mais fácil ao nível
sintáctico e não fácil ao nível pragmático e assim por diante.

2.1.6.9.1.5. Hibridismo

O hibridismo como processo de formação de novas unidades lexicais é para os


investigadores linguistas angolanos, em contexto nacional, um conceito novo. Ele vem
da experiência do próprio trabalho heurístico no campo da Linguística, particularmente,
da neologia do Português em contacto com as línguas nacionais angolanas. Ele insere-se
na lógica das estratégias linguísticas de inovação lexical do Português em situação de
contacto.

Deste modo, o hibridismo pode ser definido como um processo linguístico de


inovação lexical, cuja estratégia consiste na tomada de um lexema já existente noutra
língua (um vocábulo vernáculo) dando-lhe novas propriedades na sua configuração
lexical formal, à semelhança do que se passa no Português Europeu (PE) em que há
junção de dois elementos, geralmente, um da língua grega e outro da língua latina ou

114
mesmo vernáculo do PE. No contexto do Português em contacto com as línguas afro-
angolanas bantu, este procedimento é, habitualmente, feito através de afixos
morfológicos do Português. É também visível em unidades lexicais compostas.

Vários podem ser os exemplos que elucidam este processo. Apresentamos


alguns:
a) Caçulinho (a) ˃ kwasula (caçule-) + -inho (a)
b) Makas ˃ omaka (maka-) + -s
c) Kupapatas ˃ kupapata- + -s
d) Ndombe Grande (ndombe) + (grande)
e) Savimbista ˃ Savimbi- (antropónimo) + -ista (sufixo adjectivalizador)
f) Kalyapuenses ˃ Kalyapu- (topónimo) + -ense- + -s (afixos sufixais)

Estas formas são recorrentes nos corpora analisados. Não obstante isso, a
atenção em relação a este processo linguístico afigura-se importante, porquanto ajuda a
prevenir as dificuldades de exemplos mais complexos que se apresentam com esta
marca morfossintáctica.

2.2. A lexicultura: a língua e a cultura

No campo dos neologismos terminológicos, encontram-se os neónimos e os


termos que, enquanto representantes de conceitos, são unidades lexicais de uma língua
de especialidade ou unidades lexicais especializadas das ciências e das técnicas. Quer o
conceito quer o termo têm uma ligação a uma cultura específica de uma área do saber.
Por esta razão, falamos de conceitos de terminologia médica, jurídica, informática,
robótica, farmacêutica, religiosa. Nestes conceitos, o elemento base que sublinha as
propriedades do conceito relativamente à cultura de uma sociedade é o sema (sema
cultural).

A relação língua-cultura levou à inferência de que elas são elementos que andam
combinados. Daí, o aparecimento do termo ‘lexicultura’ para designar um processo de
criação lexical ou neologização em que o fenómeno da neologia aparece dentro de um
ambiente cultural que se vive ou que se conhece. O termo lexicultura é um neologismo

115
da autoria de Robert Galisson, nos finais da década de 80 do século XX e, segundo Lino
et alii (2010: 188) «designa os elementos de cultura presentes no léxico, quer no
subsistema da língua corrente, quer nos subsistemas das línguas de especialidade». Para
Galisson (1995: 6), a lexicultura é «la culture mobilisée et actualisée dans et par les
mots de tous les discours dont le but n´est pas l´étude de la culture pour elle-même».

De facto, Galisson (1991: 118-119) quatro anos antes, já tinha considerado que

«pour accéder à la culture, quelle qu’elle soit, le meilleur truchement est le


langage, parce qu’il est à la fois véhicule, produit et producteur de toutes les
cultures. Il est véhicule ‘universel’ dans la mesure où, par l’intermédiaire des
signes, que sont les mots, il peut rendre compte, au plus près, de tout ce qui les
concerne, qu’il s’agisse de littératures, d’arts, des sciences…des mythes, des
rites…ou des comportements. Il est leur produit, parce que, pour être un produit
fidèle, il doit s’adapter, évoluer avec elles, être constamment un porteur
approprié des significations, des valeurs, des charges nouvelles qu’elles
génèrent. D’où la création continue de néologismes, qu’il y a lieu d’interpréter
dans cette perspective, comme des marques d’adaptation culturelle. Il est un
producteur de culture, puisque c’est par son entremise par l’échange, par la
communication entre individus du groupe, que les représentations, les attitudes
collectives se font (s’affinent, s’équilibrent et se modélisent)… et se défont».

A perspectiva galissoniana de considerar a língua como veículo, produto e,


concomitantemente, produtora da cultura, introduz uma nova compreensão da neologia
enquanto fenómeno e processo. Dá conta de que a relação do binómio língua-cultura
realiza-se dentro de uma circularidade em que a língua faz a cultura e a cultura cria uma
necessidade linguística. Por isso, talvez não seja excesso afirmar-se que não há cultura
sem língua e a língua supõe uma cultura, o que é cultural é também o que é ‘nomeado’ e
a nomeação supõe a existência do ‘ser cultural’. Por isso, justamente observou Galisson
que, a partir da língua, tem-se acesso à cultura mediante as palavras (De la langue à la
culture par les mots).

Contudo, Díaz (2003 : 111) explorando o conceito de lexicultura numa dimensão


didáctico-pedagógica das línguas-culturas, entende que «la langue est considérée
comme faisant partie de la culture, produit de la culture et condition de la culture». Não
obstante isso, esta concepção encontra, efectivamente, um ponto de convergência com a
visão de Galisson. É inegável a relação língua-cultura e a sua influência no âmbito da
construção do léxico das línguas.

116
Uma vez que «os fenómenos da lexicultura estão presentes nas macro e micro-
estruturas do dicionário de especialidade, instrumento indispensável aos especialistas
das diferentes áreas do conhecimento, aos tradutores e ao ensino-aprendizagem da
língua materna e das línguas estrangeiras para fins específicos» (Lino et alii 2010: 118)
resulta o reconhecimento da importância da lexicultura no campo da criação lexical ou
da renovação linguística.

O estudo da neologia não pode olvidar esta dimensão, pois ela pode
proporcionar ao lexicólogo, lexicógrafo ou terminológo, um ambiente favorável ao
estudo das novas entidades linguísticas que entram na língua, no âmbito do dinamismo
cultural de um povo, civilização ou sociedade humana.
Neste sentido, a lexicultura é uma exigência da Socioterminologia e da
Terminologia Cultural.

A cultura é o selo identitário mais forte de um povo ou de um indivíduo. E o elo


que estabelece esta relação ou conexão é a língua. Se a cultura faz a identidade de um
povo ou de um indivíduo, a expressão desta identidade é a língua. Por isso, Llamas e
Watt (2010:1) a respeito da relação língua e identidade, sublinham que «the connection
between language and identity is fundamental element of our experience of being
human. Language not only reflects who we are but in some sense it is who we are, and
its use defines us both directly and indirectly». Na verdade, a antropologia cultural e
filosófica está unida ao homem por meio da língua.

Silva (2011: 92-93), retomando a definição de Lotman sobre a cultura, entende


que a cultura é
«como a memória não hereditária de uma comunidade, como o conjunto da
informação não genética e dos meios necessários para a sua organização, a sua
preservação e a sua transmissão: a cultura não apenas um acervo de informação,
mas é também um complexo de elaboração e comunicação – ou, por outras
palavras, um complexo mecanismo de codificação, decodificação e
transcodificação – desse depósito informativo. A cultura é um gerador de
estruturalidade que, por meio de determinados sistemas de prescriçõese regras,
cria uma sociosfera, isto é, um conjunto de fenómenos e de valores que, tal como
a biosfera proporciona condições para a aparição e desenvolvimento da vida
orgânica, torna possível a vida de relação do homem, conferindo-lhe sentido em
todos os planos».

117
Deste modo, reconhece-se uma relação estreita entre cultura e língua e é reconhecida a
sua indissociabilidade na experiência social do ser humano. Quer a cultura quer a
língua, ambas estão ao serviço da organização estrutural do ambiente social humano e
do mundo.

118
CAPÍTULO TERCEIRO

O CORPUS TEXTUAL NA CONSTRUÇÃO

DO CONHECIMENTO LINGUÍSTICO: ARGUMENTOS

TEÓRICOS E PROCESSOS METODOLÓGICOS

O terceiro capítulo deste trabalho pretende apresentar os argumentos teóricos


subjacentes às teorias do conceito, pertinência e tipologias dos corpora, e os
procedimentos científico-metodológicos observados na constituição dos corpora
textuais que servem esta investigação, a partir de textos de língua corrente e literária
(extractos com características de língua corrente). O trabalho com os corpora textuais
no âmbito da Lexicologia, Lexicografia e Terminologia, obedece a um conjunto de
regras estabelecidas pelas ciências do léxico, sem as quais, a utilização de qualquer
corpus textual, talvez não tivesse o rigor que se lhe exige. E, por conseguinte,
constituiria um factor de fragilização da investigação que afetaria os resultados da
pesquisa.

Em virtude da proficuidade de um corpus para a Lexicologia, Lexicografia e


Terminologia, impõe-se a necessidade de apresentar alguns padrões subjacentes à sua
utilização. Por esta razão, os itens que se seguem foram pensados em termos de explicar
o instrumento de trabalho, os métodos utilizados para a sua exequibilidade, as
ferramentas utilizadas e o que se pretende alcançar com este acervo metodológico.

3.1. Pressupostos teóricos

Em qualquer área que se trabalhe, para que se possa fazê-lo com eficiência e
rigor, é fundamental o conhecimento ou o domínio do seu quadro teórico. A
Linguística, hoje, trabalha com corpora textuais escritos ou orais, mas preocupa-se
também e, antes de tudo, com o esclarecimento dos seus conceitos. E um dos conceitos

119
fundamentais é o conceito de corpus. Deste modo, antes de se passar à descrição dos
corpora constituídos, julga-se de interesse dizer alguma palavra sobre este conceito.

3.1.1. Conceito de Corpus em Linguística

O método do uso do corpus para os estudos linguísticos data de 1940; mas na


sua forma mais moderna que compreende os métodos computacionais utilizados como
métodos auxiliares para a prossecução do estudo, data de 1968. McEnery confirma esta
afirmação quando, no seu artigo Corpus Linguistics (2006: 448-463) apresenta a
definição de corpus e tenta delinear a história do corpus linguístico, assumindo que

«outlining a history of corpus linguistic is difficult. In its modern, computerized,


form, the corpus has only existed since the late 1940s. The basic idea of using
attested language use for the study of language clearly pre-dated this time, but
the problem was that the gathering and use of large volumes of linguistic data in
the pre-computer age was so difficult as to be almost impossible» (2006: 452).

Apesar de ser um método que veio revolucionar, em grande medida, a ciência


linguística e várias outras ciências sociais e humanas, ele é, relativamente, recente. No
entanto, o seu uso tornou-se generalizado a ponto de ser nos nossos tempos um dos
métodos que têm conhecido maior utilização e fecundidade na investigação científica e
que mais hipóteses exactas ou probabilísticas tem apresentado.

Não obstante isso, a Linguística, nas últimas décadas, tem dedicado, na área da
Lexicologia, Lexicografia e Terminologia, uma grande atenção ao estudo aprofundado
dos corpora textuais orais ou escritos no estudo das línguas naturais. Tem sido notória a
reflexão sobre este conceito e sobre a utilização do corpus textual ou linguístico. Na
verdade, como o observaram McEnery-Xiao e Tono (2006: 4) «nowadays, the corpus
methodology enjoys widespread popularity. It has opened up or foregrounded may new
areas of research».

Esta preocupação fez emergir a urgência da definição e do esclarecimento dos


conceitos de corpus (corpus oral e corpus textual escrito). Apesar da generalização do
seu uso em várias áreas do conhecimento humano, o conceito de corpus tem sido, na
comunidade dos linguistas, dos mais difíceis de delimitar. Vários linguistas e

120
especialistas de várias áreas (Leech 1992; Francis 1992; Atkins – Clear - Ostler 1992;
Aston – Burnard 1998; McEnery – Xiao – Tono 2006) têm tentado definir este conceito
e têm sublinhado a dificuldade de delimitação do conceito.

Não obstante esta dificuldade, para muitos linguistas o conceito de corpus


distingue-se do conceito de base textual e do conjunto de dados linguísticos. Segundo
Condamines (2005: 18-19), a distinção é marcada pelos objectivos. Enquanto o corpus
tem uma finalidade precisa, isto é, destina-se a um estudo objectivo, a base textual é
«thematiquement assez homogène mais construite sans objectifs clairement définis».
Com esta diferenciação, Condamines retoma a definição de corpus de Habert et alii
(1997) segundo a qual «un corpus n’est pas un ensemble de données langagières en vrac
mais des donnés (en l’occorence textuelles) qu’on décide à regrouper pour une étude
particulière» (Condamines 2005 : 18).

No entanto, apesar das dificuldades na delimitação do conceito de corpus, não


têm faltado os pontos de convergência. Assim, para vários linguistas um corpus
linguístico ou textual não é mais que um conjunto finito de dados linguísticos que serve
de base para análise de um investigador.

Pottier (1973: 74), ao mesmo tempo que assume as definições precedentes,


aumenta-lhes também alguma problematização. Ele entende que «le terme de corpus
designe, en linguistique, un ensemble fini d’énoncés que l’on va soumettre à l’analyse».

Nesta definição, Pottier verifica dois problemas. O primeiro diz respeito à


questão da representatividade e da homogeneidade do corpus a constituir. Em outras
palavras, Pottier coloca um problema metodológico-epistemológico relacionado com os
aspectos não somente linguísticos, como também os aspectos extra e metalinguísticos.
Seguindo a linha de Dubois et alii (1966), Dubois (1969) e Hartmann e Stork (1972),
Pottier conclui que o problema da representatividade evoca um outro problema da
homogeneidade, pois tendo em conta a definição de corpus, o seu conceito engloba o
cuidado pela homogeneidade dos enunciados. Este procedimento, por seu turno, exige a
eliminação a priori de desvios que possam desvirtuar a qualidade do corpus.

Isto permitirá o que ele mesmo designa por “des invariants de situation” que se
definem pela sua exigência de que, em qualquer corpus, a amostra deve ser inteligível

121
para os interlocutores da língua em questão ou da língua em que o corpus se apresenta;
deve ser igualmente, resultante ou de um único locutor-informador ou de um grupo
social específico e bem definido ou doutras localizações sociais, contanto que haja
homogeneidade. Uma outra questão é consequência do primeiro postulado que diz
respeito ao problema dos riscos que a homogeneidade pode criar.

Sobre este ponto de vista, Pottier entende que, diante da homogeneidade,


estamos, inevitavelmente, defronte dum problema dos condicionalismos. Neste sentido,
um corpus homogéneo, talvez corra o risco de, à partida, estar condicionado e, por isso,
não ser possível encontrar os resultados pretendidos pelo investigador. Ou seja os
condicionalismos postos pela homogeneidade podem estorvar a análise linguística ou
textual por parte do investigador e podem, por conseguinte, condicionar a qualidade dos
resultados da investigação.

O segundo problema é acerca daquilo que Pottier denomina “l’aspect ‘fermé’ du


corpus”. Ou seja, se um corpus é um conjunto finito de dados textuais ou linguísticos,
significa que há um limite na sua colecção. Este procedimento metodológico favorece a
finalidade da constituição deste mesmo corpus? Para Pottier, a observação é um estádio
da pesquisa que não é suficiente ou se dito com mais radicalidade, não consegue dar
conta de todos os aspectos que são exigidos ou de todos os dados requeridos ou
pretendidos pelo investigador. Só o estádio do que ele chama «constrution de modèles
hypothétiques» pode fazer a previsão de situações novas da língua.

Este ponto de vista é uma herança da gramática generativa, pois, como ele
mesmo o sublinha «le corpus, en grammaire générative, n’est donc qu’un point de
départ, rapidement modifié par l'addition d’autres énoncés, puisque, à la limite, il doit
être constitué de l’ensemble des phrases grammaticales de la langue ; il apparaît donc
essentiellement comme un procédé de vérification des diverses grammaires construites»
(Pottier 1973 : 74).

Esta problematização é assaz importante. Lança um grande desafio


metodológico-epistemológico no paradigma dos processos e regras impostos pela
metodologia assumida pelas ciências do léxico e, por conseguinte, estimula um debate
científico que, do ponto de vista do progresso da ciência linguística, em particular, da
Lexicologia, Lexicografia e Terminologia, convoca para novos horizontes
gnosiológicos. Na verdade, a homogeneidade e a limitação do corpus estão expostos aos

122
desafios da multiplicidade de processos e fenómenos linguísticos a que as línguas do
mundo estão sujeitas.

Mounin (1974) é também sensível à problemática do corpus linguístico ou


textual. Entende um corpus linguístico ou textual, situando-o entre as noções de
descrição-descritivo. Nesta linha, um corpus é compreendido como «ensemble
d’énoncés écrits ou enregistrés dont on se sert pour la description linguistique» (1974 :
89). Esta definição leva Mounin à inferência de que todo o corpus é do domínio
descritivo, pois só este método é capaz de recolher enunciados linguísticos de uma dada
comunidade, num determinado espaço de tempo ou duma época. Para Mounin, o corpus
linguístico ou textual proporciona ao linguista a possibilidade de limitar, embora de
forma arbitrária, o seu tamanho, dando-lhe uma configuração de «represéntatif de l’état
de langue en question». Esta é a vantagem. Contudo, o autor considera também que este
método tem a sua desvantagem «d’inclure des materiaux hétérogènes, variations
stylistiques ou dialectales, répétitions, frases inachévées, que le sujet parlant a
prononcées» (1974: 89).

Como se pode observar e verificar, quer Pottier (1973), quer Mounin (1974)
colocam o problema do método da constituição do corpus para qualquer estudo
linguístico ou textual de qualquer texto do ponto de vista da sua representatividade. O
corpus, para ser um suporte credível tem de ser, em termos de propriedades,
representativo. No entanto, a problematização de Pottier é bastante forte e merece maior
atenção a nosso ver, pois ainda hoje, este é um ponto nevrálgico na literatura linguística
dos linguistas contemporâneos.

Autores como McEnery-Xiao e Tono (2006: 4) definem corpus, em sintonia


com Leech 1992 e Sinclair (1996) como «a collection of peaces of language that are
selected and ordered according to explicit linguistic criteria in order to be used as a
sample of the language». Desta definição depreende-se que, um corpus é um conjunto
de textos criteriosamente selectos e destinados para um fim objectivo.

No entanto, um dos aspectos que têm sido muito referidos pelos autores (Leech
1991, 1992; Atkins-Clear e Ostler 1992; Biber 1993; Sinclair 1995; Berber – Sardinha
1998; McEnery – Wilson 2001; Hunston 2002; Otlogetswe 2004; McEnery-Xiao e
Tono 2006) e que tem constituído um grande repto à definição e à compreensão do
conceito de corpus textual ou corpus linguístico, é ainda a questão da representatividade

123
(representativeness). Esta problemática tem mobilizado linguistas e não linguistas cujo
debate continua ainda vivo.

Biber (1993: 243-257) acerca da representatividade assume que «a corpus must


be ‘representative’ in order to be approapriately used as the basis for generalizations
concerning a language as a whole». Por esta razão, resulta que «the representativeness
of a corpus depends on the extent to which it includes the range of linguistic
distributions in the population».

Portanto, a representatividade tem muito a ver com o que os linguistas chamam


“the sample” isto é, a amostra. E esta, por sua vez, depende muito da definição que se
der ao corpus constituído.

Como afirma Condamines (2005) a questão da representatividade está


directamente ligada com a da generalização dos resultados obtidos na análise feita.
Neste caso, o corpus é garante da possibilidade de uma generalização dos dados por
parte do linguista. Quer isto dizer que, se a base da análise do linguista para as suas
inferências é o corpus; então, este é o primeiro pressuposto e a base material que o
linguista dispõe para, a partir da verificação empírica, chegar a conclusões que lhe
permitam generalizações. Ou seja, qualquer hipótese que se formule, qualquer proposta
que se pretenda fazer, qualquer generalização é possibilidade fornecida pelo corpus,
pois é ele que suporta a análise e o seu método. Condamines observa ainda que a
questão da representatividade não deve ser vista nem lida de forma unívoca. A
representatividade de um corpus realiza-se de diversas maneiras em virtude do
objectivo que se tiver e se quiser atingir.

Assim, considere-se que o corpus tem sempre uma existência a priori à análise
do investigador; a constituição de um corpus é em ordem à representação de uma língua
ou do estado da língua; a constituição do corpus está orientada para o estudo, análise e
posterior descrição de um fenómeno da língua.

Estas são os diversos aspectos que o corpus pode apresentar, circunscritos aos
objectivos pretendidos pelo investigador. A segunda possibilidade tem sido muito mais
polémica. O problema tem consistido em saber se um corpus pode ser considerado
representativo de uma língua ou do estado de uma língua. A problemática evoca outras
questões, as de diacronia e sincronia. Muitos argumentos em desfavor da utilização do

124
corpus para a investigação linguística ou para qualquer outra investigação científica têm
encontrado nesta questão um caminho para a crítica.

O problema de base tem a ver também com a questão qualidade vs quantidade


do corpus. Em outras palavras, se se considerar – e é, na realidade, apesar de
Condamines (2005: 20) sustentar que a representatividade não é necessariamente uma
noção pertinente para o corpus e para a análise, pois nem todos os estudos através de
corpus são para a obtenção de dados para generalizações – que o conceito de
representatividade é fundamental para a definição do corpus textual ou linguístico,
como poderão ser tomados, pelo menos ao nível do procedimento hierárquico, os
conceitos de qualidade e quantidade? Estas são questões que encerram uma grande
problemática e, em consequência, a sua resolução não é tão pacífica no debate científico
entre os linguistas.

Lino et alii (2010: 197) distinguem, nos tipos de corpora, os corpora escritos e
os corpora orais na linha de outros linguistas. Esta distinção dá azo à emergência do
conteúdo da definição de um corpus textual escrito. Deste modo, pode dizer-se que um
corpus textual é um corpus escrito, constituído por um texto ou textos de língua
corrente ou de língua de especialidade. Um corpus textual é o que Sinclair (1991: 24-
26) chama «monitor corpus». A sua importância decorre do facto de que, é a partir deste
(s) texto (s) que o investigador-linguista desenvolve o seu trabalho, aplicando as suas
técnicas, conforme a metodologia que deseja adoptar, para alcançar o resultado que
pretende: confirmar ou infirmar alguma hipótese, ter algum parecer em relação a algum
fenómeno linguístico de uma determinada língua (Coutinho 2002, 141-142;
Condamines, 2005: 26).

No entanto, observe-se que as reflexões sobre o conceito de corpus linguístico


ou textual além da problemática que enfrenta no seio da comunidade de investigadores
linguistas e de outras áreas que, pelo menos reconhecem a sua proficuidade na
investigação científica e na aquisição de certos postulados ou na formulação de
hipóteses científicas, muitos especialistas desmarcam-se da assunção da noção de
corpus e, sobretudo enquanto método científico-epistemológico de algumas ciências
para a formulação de postulados e hipóteses. A este respeito, Atkins-Clear e Ostler
(1992) falam em «objections to corpora: an ongoing debate». Este debate, tão
evidenciado por estes investigadores, mais do que assente sobre a problemática da
noção em si, ele cruza-se ainda com outras frentes que pretendem objectar o
125
reconhecimento científico do estatuto do corpus enquanto método em uso em várias
áreas do conhecimento empírico-científico.

Segundo os autores acima referidos

«a more controversial issue than the issue of representativeness/balance is the


question of whether corpus data should be used at all in linguistic analysis,
language teaching and language learning. From the 1950s onwards, the corpus-
based approach to linguistic was severely criticized, notably by Noam Chomsky
(…). Chomsky’s criticism represented an extreme argument against using corpus
data. Such hostile attitude towards corpora has lost credibility in recent years to
the extent that the value of corpora is no longer questioned seriously» (Atkins-
Clear e Ostler 1992: 131).

O debate decorrente da problemática do conceito de corpus e sobretudo do


reconhecimento científico da sua utilidade enquanto método científico necessário tem-
se acentuado nos últimos anos. Além de Chomsky, cuja crítica é considerada por alguns
linguistas como pertinente (Atkins-Clear e Ostler 1992: 131; Aarts 2001: 5-13;
McEnery e Wilson 2001: 5-12), os últimos desenvolvimentos da questão estabeleceram
uma grande discussão que criou os chamados “cases”. Na prática, os “cases” são o
resultado das perspectivas de linguistas que criaram visões ou hipóteses diferenciadas
acerca da noção ou do estatuto do corpus para a ciência linguística. Surgiram assim dois
casos ou duas hipóteses: “strong case” e a “weak case”.

A primeira corrente é representada sobretudo por John Sinclair (1991b) e


Michael Stubbs (2001). Segundo Murison-Bowie (1996: 182) «[t] he strong case
suggests that without a corpus (or corpora) there is no meaningful work to be done». Ou
seja, para esta hipótese, assume-se a ideia de que qualquer trabalho que queira ter
credibilidade científica e utilidade social significativa deve operar pelo método do
corpus.

A segunda corrente é representada sobretudo por Henry Widdowson (2000).


Ainda segundo Murison-Bowie (1996: 182), os defensores desta hipótese, assumem a
posição segundo a qual «there are additional descriptive pedagogic perspectives
facilitated by corpus-based work which improve our knowledge of the language and our
ability to use it». Widdowson defende a sua posição apelando às limitações da
linguística aplicada. Neste sentido, é curiosa a sua afirmação: «I would argue, then, that
linguistics applied is, in effect, misapplied linguistics» (2000: 3). A objecção parece ser

126
formulada de maneira radical e bem vincada. O grande debate entre estes três linguistas
vem publicado na Revista Applied Linguistics (2000 e 2001).

Como concluem McEnery-Xiao e Tono (2006: 144) depois da apreciação das


posições e do diálogo entre Sinclair, Stubbs e Widdowson, da leitura e balanço das duas
hipóteses ou casos, eles assumem que

«between these two poles are many milder (positive or negative) reactions to
data to corpus (…). Nevertheless, the discussion in this unit clearly shows that
while some reservations remain about the use of corpus data, corpora have
generally been accepted as valuable linguistic resources (…). The usefulness of
a corpus is typically dependent on the research question researchers intend to
address using the corpus. Also, corpora do not necessarily provide explanations
for what we see. This remains the task of human analyst, drawing upon a wide
range of resources and methodologies. Nevertheless, corpora are undoubtedly
valuable resources in linguistics analysis and language teaching».

Portanto, é certo que, como afirma Widdowson (2000) em consonância com


Hymes (1972) na abordagem da problemática subjacente à temática do corpus
linguístico ou textual, há que estabelecer uma distinção entre o que é formalmente
possível (formally possible), o que é contextualmente apropriado (contextually
appropriate) e o que é realmente atestado (actually attested). Por outro lado, pode
considerar-se que as críticas dos linguistas que procedem contra o método de
investigação através do corpus não são de desprezar, apesar de nalguns casos haver
algum excesso de radicalização das posições. Considerar a distinção entre a
possibilidade, a atestação, a probabilidade, parcialidade, pontos de vistas, é, na verdade,
claramente razoável e cientificamente válida.

Do mesmo modo, afirmar a proposta segundo a qual um corpus não pode ser
representativo de uma língua, mas do estado de uma língua e que, por isso, o
investigador tem de ter alguma atenção em relação à representatividade, também é
compreensível.

No entanto, a rejeição total ou parcial da pertinência do corpus seja ele geral ou


especializado parece não condizer com a realidade científica atestada. Hoje, não
obstante a problemática que o tema do corpus levanta, permitindo a construção de
várias hipóteses e teses e contra-teses, o resultado que a linguística tem tido com o
trabalho com os corpora é inegável.

127
Justamente defende-se o corpus com variados argumentos, entre eles, os que
sublinham que a leitura e a análise da problemática do corpus têm de ser feitos sob
diversos ângulos no ambiente da sua abordagem. Há que ter em consideração que o uso
do corpus não é homogéneo. Ou seja, os resultados da análise a partir de um corpus
estão dependentes do escopo do investigador que, por sua vez, dita o método a seguir
em função do que ele pretende atingir.

Por conseguinte, a discussão sobre a pertinência do corpus deve considerar


vários factores e vários campos de actuação dos corpora e das suas especificidades em
virtude da finalidade do seu uso. A utilização do corpus em estudos linguísticos serve
vários fins e não visa apenas as generalizações, mas também a construção ou a
verificação ou ainda a confirmação/infirmação de uma hipótese, o estudo do
funcionamento linguístico particular ou aquisição de conhecimentos, a possibilidade da
descrição sistemática de uma língua ou dalgum aspecto de uma língua (Condamines
2005), o estudo da características de uma língua ou de frases de uma língua (Richards-
Platt-Platt 1985) talvez possa ajudar a resolver a controvérsia existente acerca da
questão do corpus.

3.1.2. Tipologia de corpus

O facto de a Linguística utilizar os corpora textuais e/ou orais, não pressupõe,


em si mesmo, nem garante a homogeneidade destes instrumentos ou ferramentas de
estudo linguístico. Por isso, a tipologia dos corpora é um pressuposto de base na
comunidade dos linguistas. A classificação que se poderia considerar de mais
generalizada é aquela que tipifica os corpora em orais e escritos (Rastier 2005; Jacques
2005; Benveniste 2005; Gasiglia 2005; Lino 2010). Sinclair, um dos grandes expoentes
na teorização das temáticas de corpus, classifica os corpora em «sample corpora» e
«monitor corpora» (1991: 26-27).

No entanto, a classificação que tem dado muita polémica e, provavelmente,


ainda não resolvida, é aquela que considera o corpus com uma dimensão de
representatividade e de exaustividade (Dubois et alii 1973; Condamines 2005). Haliday
no glossário que apresenta no fim da sua obra Lexicology and Corpus Linguistics (2004:
168-171) apresenta um conjunto diversificado de tipologias de corpus.

128
McEnery-Xiao e Tono (2006: 59-70) classificam e descrevem os corpora
segundo o seu uso potencial. Assim, os autores consideram um conjunto de pares de
corpora. Nesta perspectiva, os corpora podem ser gerais ou especializados, escritos ou
orais, sincrónicos ou diacrónicos, learner corpus ou monitor corpus.

Nas últimas décadas, tem sido largamente considerada a classificação dos


corpora em termos de classe das categorias de texto em corpora textuais de língua
corrente e corpora textuais de língua de especialidade (Lino et alii 2010; McEnery-Xiao
e Tono (2006: 15). Esta tipologização radica do facto de que, hoje, com a especialização
de muitas áreas do conhecimento humano, com o avanço da tecnologia informática e da
própria ciência, há uma grande necessidade de individuar a tipologia textual. Desta
forma, a Terminologia encontra nos corpora textuais um instrumento de trabalho que
lhe possibilita extrair, numa determinada área de especialidade, uma terminologia
própria.

Portanto, destas considerações conclui-se que os diversos tipos de corpora


dependem dos objectivos da investigação. Cada trabalho de investigação utiliza os
corpora como procedimento metodológico para chegar ao escopo pretendido, adequa os
seus corpora ao objectivo preconizado e à índole do método. Todavia, os corpora orais
e escritos são, na Linguística moderna, as ferramentas mais utilizadas na investigação
científica.

3.1.3. Importância dos corpora em Linguística

Os métodos computacionais são hoje um caminho da ciência. Não há nos nossos


dias um ramo do conhecimento que olvide a pertinência do seu uso. É à mercê deles que
se tornou possível o processamento dos dados textuais cuja proficuidade para o estudo
se afigura clarividente. A importância dos corpora textuais consiste no facto de que,
eles são objecto de trabalho de estudo e de análise, sem os quais, não se pode obter de
modo seguro os resultados que se pretendem. No nosso caso, os corpora textuais deste
trabalho são constituídos por textos de língua corrente. Foram estes textos que,
observados e analisados numa perspectiva sincrónica, permitiram observar o dinamismo
da Língua Portuguesa em Angola, mais especificamente, na Zona Linguística Umbundu
(ZLU).

129
Os corpora textuais constituíram o principal suporte de observação e de
verificação e uma grande ajuda na extracção de neologismos do Português com marcas
de lexicultura ou com outras características nesta zona linguística. Eles permitiram
ainda a verificação da influência a que o Português está submetido em situação de
contacto com o Umbundu, a língua local da região e vice-versa.

Portanto, para o estudo da neologia do Português em Angola, os corpora


textuais foram fundamentais, porque foram eles que nos possibilitaram ter uma visão,
embora não global, do estado da língua na época histórica em que pretendemos estudar,
isto é, neste momento sincrónico.

Os corpora textuais que seleccionámos, julgamo-los apropriados, porque


veiculam a vida dos Povos Ovimbundu e acompanham o seu movimento sociocultural,
político, económico e religioso.

3.2. Quadro metodológico

Para a realização deste trabalho, foi necessário utilizar algumas metodologias


consagradas pela Linguística enquanto ciência e, especialmente, pela Lexicologia,
Lexicografia e Terminologia. Uma vez que o nosso trabalho tem por objecto de estudo o
fenómeno da neologia do Português em Angola, na zona dos Povos Ovimbundu, foi
imperioso trabalhar com os corpora textuais. Foram eles que deram efectivamente a
possibilidade de observar este fenómeno.

3.2.1. Fontes dos corpora neste trabalho

As fontes dos corpora estão divididas em três grupos:

1) a primeira fonte foi constituida por jornais angolanos postos online ou


editados nas províncias do Huambo: jornal online Huambo digital; o jornal Ondaka da
ONG ADRA (Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente) e o jornal online
Portal de Angola); de Benguela: jornais online Chela Press; Jornal Angolano de Artes e
130
Letras – Cultura (edição da zona de Benguela) e o jornal Novo rumo). As edições dos
jornais vão desde 2009 a 2015.

2) A segunda fonte foi constituída por uma trilogia literária das obras do escritor
angolano Gociante Patissa: A última ouvinte (2009); Não tem pernas o tempo (2013)
Fátussengóla. O homem do rádio que espalhava dúvidas (2014); foram seleccionados
textos com características de língua corrente.

3) a terceira fonte foi composta por alguns textos escritos que foram recolhidos e
tratados e que evidenciam e transmitem a cultura dos Povos Ovimbundu: cantigas,
cantilenas, anedotas, contos. E, finalmente, integraram a terceira fonte a obra do
historiador angolano Moisés Malungu (2005) intitulado Os Ovimbundu de Angola:
tradição-economia e cultura organizativa.

4) corpora lexicográfico: os dicionários Umbundu-Português / Português-


Umbundu que serviram de consulta e de verificação para as novas unidades lexicais.

Por fim, no capítulo dedicado à didáctica da neologia do Português, foram


utilizados os corpora de manuais actualmente em uso em Angola no Ensino Primário e
Secundário. Os manuais estão seleccionados da 1ª à 9ª classe. Com os corpora destes
manuais pretendeu-se observar a evolução do léxico dos manuais, principalmente,
quanto à iniciação à neologia do Português nestes manuais de ensino, sobretudo em
relação à neologia resultante da Língua Portuguesa em contacto com o Umbundu ou
com outras línguas angolanas, isto é, a neologia produto do processo de
aportuguesamento ou de bantuização, criando portuguesismos.

3.2.2. Método da constituição dos corpora

Atkins-Clear e Ostler (1992) sobre a constituição dos corpora propõem, como


método, o uso de dois critérios: o critério externo e o critério interno. De acordo com os
autores, esta diferenciação não é uma anulação dum critério em relação ao outro. Eles
operam em sintonia. Os critérios internos seriam assim aqueles que consideram o
aspecto essencial e estritamente linguístico. São critérios que permitem ver os textos a

131
priori, embora seja um olhar ainda muito superficial em relação ao que se pretende
atingir. Estes critérios permitem classificar os textos, de acordo com as suas
características internas: léxico, neologia, tipologia… Os critérios externos são
essencialmente não linguísticos. Segundo esta proposta, «the initial selection of texts for
inclusion in a corpus will inevitably be based on external evidence primarily» (1992:
129).

Os critérios externos precedem os critérios internos, pois são eles que


determinam os tipos de textos para a inclusão no corpus ou nos corpora a constituir. A
aplicação destes critérios privilegia, antes de tudo, elementos extralinguísticos que
compõem os textos de inclusão no corpus, como por exemplo, a sua origem e a sua
tipologia. Depois desta operação, o corpus constituído é submetido à classificação das
suas características linguísticas. Em síntese, os critérios externos para a constituição de
um corpus estão no início da actividade da recolha dos textos para o corpus.

A constituição dos corpora utilizados neste trabalho seguiu este método na sua
dupla funcionalidade de critérios (internos e externos). Neste sentido, o objectivo
pretendido desde o início, isto é, o tratamento da neologia na Zona Linguística
Umbundu, foi determinante para a individualização do método para a constituição dos
corpora.

A primeira operação metodológica consistiu em verificar onde e como se


poderia encontrar ou localizar textos que estivessem habilitados para uma análise
fecunda que pudesse evidenciar o resultado do contacto do Português Europeu (PE)
com a Língua Umbundu. Por outro lado, a atenção primeira consistiu em procurar a
maneira de localizar textos escritos que melhor evidenciassem o fenómeno da neologia.
No entanto, uma vez que a Zona Linguística do Umbundu não se circunscreve a uma
única fronteira geográfica, houve necessidade de se agrupar textos representativos de
zonas geográficas diferentes para que a ‘amostra’ em uso tivesse a possibilidade de mais
abrangência das áreas em que o Umbundu se realiza como língua da comunidade. Foi a
utilização destes critérios externos que tornaram possíveis os critérios de selecção dos
corpora que são descritos no ponto seguinte (cfr. 3.2.3).

132
Em seguida, a aplicação dos critérios externos para a constituição dos corpora
não eram, em si mesmos, suficientes para a verificação, ao menos em termos de
probabilidades, daquilo que se pretendia, para a localização dos neologismos do
Português que resultem, ou de processos linguísticos normais de formação de novas
unidades lexicais, isto é, os mais frequentes, ou do fenómeno do contacto do Português
com a Língua Umbundu.
Para a realização desta exigência metodológica, foi aplicado o método de
critérios internos que permitiu a verificação, embora ainda muito incipiente, nos
corpora constituídos, da possibilidade ou probabilidade da existência daquilo que se
pretendia individulizar e analisar.

Na prática, neste passo, foi utilizado aquele princípio de que


«when a corpus is being set up as a sample with the intention that observation of
the sample will allow us to make generalisations about language, then the
relationship between the sample and the target population is very important. The
more highly specialized the language to be sampled in the corpus, the fewer will
be the problems in defining the texts to be sampled. For a general-language
corpus, however, there is a primary decision to be made about whether to sample
the language that people hear and read (their reception) or the language that they
speak and write (their production)» (Atkins-Clear e Ostler, 1992: 128-129).

Mais uma vez, temos aqui os critérios internos a funcionar em consonância com
os critérios externos. Este princípio, apesar de não ter tido uma aplicação directa no
processo da constituição dos corpora usados, pois o objectivo que se pretendeu não
foram generalizações sobre a língua, mas a confirmação ou a infirmação de uma
probabilidade da existência do fenómeno de neologismo na ZLU no que diz respeito à
realização do Português nesta zona linguística; ele foi de uma inspiração determinante
para o estabelecimento da relação entre os textos dos corpora e a população alvo (target
population), neste caso, a população da ZLU.

3.2.3. Critérios da sua selecção

Para a constituição e selecção dos corpora, cujo método de recolha acabámos de


descrever, tivemos em consideração vários aspectos decorrentes e consentâneos à índole
do trabalho que foi desenvolvido. Em primeiro lugar, foram sublinhados os aspectos

133
que estão relacionados com a limitação geográfica do nosso estudo. Como já ficou
referido, esta investigação circunscreve-se à Zona Linguística Umbundu (ZLU). Uma
vez localizada a zona linguística a estudar, julgou-se que a melhor maneira de se
empreender a investigação e de se obter resultados desejados seria a do procedimento da
pesquisa por meio de jornais locais editados quer a nível local ou noutros lugares, como
acontece, por exemplo, com a maioria de jornais diários e revistas semanais que têm
artigos elaborados noutras províncias e que noticiam acontecimentos aí ocorridos ou
realidades socioculturais aí vividas, mas são impressos na capital do país, ou então
jornais ou revistas online.

Optou-se pelos jornais produzidos na região, pois julgou-se que são estes que
podem captar mais facilmente a sensibilidade linguística dos utentes da língua em
questão e que talvez sejam o objecto mais seguro do estudo que se pretende fazer. Os
jornais pelo facto de tratarem e informarem questões relacionadas com a sociedade
(tecnologia, ciência, política, economia, cultura, religião) em termos de informação,
veiculam o modus vivendi de um povo e podem ser, por esta razão, um dos meios
privilegiados para o estudo do dinamismo da língua e da sua constante e progressiva
renovação. Portanto, quanto aos jornais locais, o critério foi o da consideração de que
eles estão envolvidos na dinâmica quotidiana dos utentes da língua naquela região e
acompanham a evolução e as mutações ou transformações sociológicas, civilizacionais
e culturais daquele povo.

Em segundo lugar, considerámos que a literatura é fecunda no fenómeno da


neologia. Uma das características da literatura é a ‘imaginação’ e a ‘invenção’. Esta
capacidade dos poetas de construir de inventar ou re-inventar o real traz às línguas
alguma novidade no âmbito da sua actividade de inovação lexical, no processo da
criatividade lexical.

Contudo, não é suficiente que se tome uma obra literária para a verificação. É
preciso que se tenha em atenção quem escreve, isto é, a identidade literária do autor e
para quem o faz, ou seja, é necessária uma averiguação da população alvo (target
population) do autor. No caso em que estão em questão duas línguas, é importante
verificar o domínio ou pelo menos o conhecimento que o autor tem dessas línguas.

Foi por esta razão que se escolheu o jovem escritor angolano Gociante Patissa.
Apesar de ser jovem escritor, tem-se mostrado muito interessado no estudo do

134
Umbundu, enquanto sua língua materna e do Português, sua L2. Através de obras
impressas (cujos PDF foram-nos concedidos directamente pelo autor) e do seu blog, tem
apresentado um grande interesse pela língua do seu povo. Este interesse manifesta-se
sobretudo no seu esforço de tentar escrever quase sempre textos bilingues, traduzir
cantigas, canções populares e provérbios da cultura tradicional Umbundu.

Gociante Patissa é um escritor que, apesar de não olvidar outros possíveis seus
leitores, escreve, principalmente, para os seus irmãos Ovimbundu que têm, como ele, o
Umbundu como língua materna, têm o domínio dela e nela se exprimem sempre que tal
se afigure necessário. Por isso, julgou-se que este jovem escritor estivesse envolvido
também na transmissão da cultura do seu povo aos angolanos e às pessoas de todo o
mundo que desejem conhecer a cultura do povo angolano e, mais especificamente, a
cultura dos Povos Ovimbundu.

Portanto, este foi o critério que presidiu à escolha das obras de Gociante Patissa
para serem objectos de trabalho no estudo da neologia do Português na Zona Linguística
Umbundu (ZLU). São textos redigidos por um jovem escritor, mas que têm como
público-alvo a população de Língua Umbundu; seleccionámos textos que apresentam
características de língua corrente.

Houve consciência de que somente os jornais e as obras literárias de Patissa


podiam não ser suficientes para a constituição de uma lista de neologismos que vêm da
interferência mútua das duas línguas. Todo o corpus é sempre limitado por vários
reptos. Só um corpus de referência poderia, provavelmente, dar uma grande
probabilidade de englobar todas as novas unidades lexicais do Português resultantes do
contacto com a Língua Umbundu. Recorremos também a composições musicais
populares de compositores angolanos da Cultura Umbundu.

Este procedimento deu a possibilidade de reunir novas unidades lexicais que só


pelos jornais não era possível.

Cônscios destas limitações, decidiu-se recorrer a um pequeno corpus


lexicográfico constituído por dicionários bilingues Português-Umbundu, Umbundu-
Português,

135
Em relação ao corpus da parte da didáctica aplicada ao ensino da neologia em
Angola, o critério que ficou observado para a escolha foi a convicção de que, os
primeiros anos da escolaridade são, no geral, os anos da aquisição do léxico, embora
este processo se estenda por toda a vida do aluno. Os primeiros passos da organização
do léxico começam nesta fase. As crianças, nesta etapa da sua vida, são mais curiosas
para conhecer objectos, factos, e são mais sensíveis ao armazenamento de
conhecimentos; por isso, os manuais, principalmente, os de leitura, estão elaborados (ou
deviam ser elaborados), de tal modo que, não contemplassem somente o ensino da
leitura, da gramática e da escrita às crianças, mas também o desenvolvimento do seu
vocabulário, a organização do léxico da sua língua e a aquisição de novas unidades
lexicais, incluindo neologismos que, efectivamente sejam resultantes da lexicultura. Por
isso, escolheram-se os manuais referidos no item anterior (cfr. 3.2.1).

3.2.4. Extensão dos corpora

Como foi definido no ponto anterior (3.2.1), com a aplicação do método para a
constituição dos corpora e com a aplicação dos critérios da sua selecção para o trabalho,
os instrumentos de trabalho estavam localizados.

Tinha ficado ainda a questão da quantidade de textos que se requer para que os
resultados da investigação sejam, embora não exaustivos, pelo menos aproximados. É
aqui onde entra a problemática da representatividade e da exaustividade. A proposta de
vários linguistas, como por exemplo, Galisson & Coste (1976), Leech (1991), Sinclair
(1996), Aston (1997), é que qualquer corpus seja o mais representativo possível.

No entanto, Condamines (2005) entende que se é verdade que a


representatividade de um corpus é importante, sobretudo para efeitos de generalização
dos resultados, o mesmo corpus não deixa de obedecer ao critério dos objectivos que
presidem ao estudo.

Contudo, pretende-se que este corpus seja representativo para que se possa obter
um resultado significativo. A noção de ‘representativo’ não se confunde com a noção de
quantidade, pois como diz Costa (2002) - apesar de se referir a um contexto da
terminologia e que talvez tenha a mesma ressonância no âmbito da Lexicologia ou

136
Lexicografia - a noção de representatividade não implica necessariamente a de
quantidade e neste sentido o valor do tamanho do corpus pode ser relativo.

No entanto, entende-se que para este trabalho, a representatividade é


fundamental para uma relativa exaustividade dos resultados. Foi com este intuito que se
procurou diversificar as fontes dos textos que constituem os corpora.

3.2.5. Tratamento semiautomático dos corpora textuais

O material textual recolhido, depois de organizado, precisou de um tratamento


próprio e adequado que deu a possibilidade e facilitou a observação, a selecção, a
extracção e a análise das novas unidades lexicais na investigação. Os corpora textuais
recolhidos e organizados foram introduzidos em sistemas informáticos apropriados, a
fim de que eles pudessem viabilizar a extracção e selecção de novas unidades lexicais
ou de candidatos a novas unidades lexicais. A fase seguinte foi a da identificação destas
unidades, graças ao uso de softwares-hipertextos.

3.2.4.1. Conversão dos textos

Os corpora textuais com os quais se trabalhou encontravam-se, inicialmente em


formatos digitais variados. Uns em formato de papel, outros em formato digital (PDF) e
outros ainda em estado de textos em linha ou online. Cada um dos textos exigiu um
tratamento diferente consentâneo às suas características e às propriedades do próprio
texto, a fim de se obter um texto numa versão única, formato texto simples,
tecnicamente designado por TXT (Texto Simples), legível por todos os programas que
foram utilizados para a observação dos neologismos. Ou seja, todos os textos receberam
o tratamento informático de conversão em formato TXT.

Os textos em formato de papel exigiram um procedimento próprio. O


reconhecimento automático implicou, a priori, a sua digitalização, para, em seguida,
serem guardados em modo TXT em Unicode.

137
Os textos em PDF não protegidos sofreram uma operação de tipo ‘copy paste’
que deu a possibilidade sobretudo de ‘limpar’ os textos e libertá-los de imagens, tabelas
e figuras que constituiriam obstáculos de obstrução ao processamento informático dos
corpora. Em seguida, foi necessário fazer uma correcção dos textos copiados.

A última etapa deste procedimento de conversão foi a transformação de todos os


textos em formato de texto simples (TXT) para uso posterior nos programas de
tratamento semiautomático de textos.

3.2.4.2. Codificação dos textos

A diversidade e tipologia de textos exigiram um cuidado para a sua correcta


identificação. Para esta etapa do trabalho, a preocupação incidiu em criar um ficheiro
que contivesse os textos já convertidos em formato TXT, mas distinguidos segundo a
sua pertença: textos jornalísticos, textos literários, manuais, canções populares, etc.

Para a sua organização, estes textos foram agrupados em ficheiros simples e os


ficheiros receberam uma codificação alfanumérica, apesar de ter havido a possibilidade,
no sistema dos textos convertidos, de se pôr no cabeçalho interno do texto em TXT,
referências como título do texto, local de publicação, data, estado, comentários, tipo de
texto e autoria, sem que isto interferisse no texto convertido. Todos os textos foram
enumerados numa sequência.

Esta organização permitiu o acesso rápido e eficaz aos textos, principalmente, no


momento da sua identificação no processo da extracção e da selecção e mesmo no
processo da individuação dos exemplos para cada nova unidade lexical.

A última codificação da totalidade dos corpora ficou com designação de


PORUMBUNEO (que significa Português/Umbundu - Neologia).

138
3.2.4.3. Análise dos corpora

A codificação dos textos convertidos foi uma exigência do processo da extracção


e selecção das novas unidades lexicais para a sua fácil identificação e estabelecimento
de relação com o texto a que pertence. Este processo teve duas etapas. A primeira etapa
compreendeu a fase do tratamento dos textos e da constituição dos corpora.

A segunda etapa compreendeu a fase da análise das novas unidades lexicais. Por
razões metodológicas, houve necessidade de efectuar uma nova codificação que se
tornou definitiva descrita no capítulo quarto. Por esta razão, nesta primeira etapa, no
capítulo terceiro, o registo dos textos codificados foi como segue:

Textos jornalísticos

- CP: Jornal ChelaPress (online)

- HD: Jornal online Huambo Digital (online)

-JCAL: Jornal Cultura de Letras e Artes (online)

- JPAb: Jornal Portal de Angola, notícias de correspondentes de Benguela (online)

- JPAh: Jornal Portal de Angola, notícias de correspondentes do Huambo (online)

- JO: Jornal Ondaka (PDF’s – com textos bilingues Português/Umbundu)

- DAngblog: Blog Gociante Patissa (2014-2016 - com alguns textos bilingues


Português/Umbundu)

- Angodebbs: Dicionário do Português angolano (in blog); cultura africana umbundu


(com textos bilingues Português/Umbundu): canções, provérbios, cantigas, adivinhas.

Textos literários (extractos com características de língua corrente):

- GP 1: Gociante Patissa, A última ouvinte (2009);

- GP 2: Fátussengóla. O homem do rádio que espalhava dúvidas (2014);

- GP 3: Não tem pernas o tempo (2013).

139
Seguidamente, procedeu-se às fases de análise e de observação dos corpora.

Ilustração 1: Imagem da fase de introdução dos corpora no software HYPERBASE

Ilustração 2: Gráfico das ocorrências em cada corpus

140
O gráfico das ocorrências foi utilizado para observar as assimetrias dos corpora e do
índice lexical (formas lematizadas) de cada corpus. Este procedimento foi possível
graças a uma primeira operação de observação das unidades lexicais por ordem
alfabética e por ordem hierárquica.

Ilustração 3: Observação das altas frequências em cada corpus

Uma vez que o objectivo da análise dos corpora foram as novas unidades lexicais, a
observação das frequências afigurou-se um procedimento completamente necessário.
Através deste processo foi possível individualizar as unidades lexicais, verificar a
frequência das ocorrências de cada uma delas e o seu índice de frequências.
Esta operação permitiu ainda verificar, no cômputo geral, os lexemas mais frequentes
nos corpora.

141
Ilustração 4: Tabela-imagem da distribuição das frequências nos corpora

Se por um lado, a observação das frequências ajudou a ter uma visão global do corpus
PORUMBUNEO, esta observação tornou-se mais importante com a operação
“distribuição das frequências” que permitiu a observação das frequências em cada um
dos corpora.

Este processo teve também pertinência, porquanto estas frequências já se encontram


distribuídas não somente por colunas de formas, mas também por vocábulos
lematizados, o que facilita a leitura das duas realidades de um mesmo lexema em cada
corpus.

142
Ilustração 5: Observação da riqueza lexical e dos hápax no conjunto dos corpora

Ilustração 6: Observação do índice dos hapax por corpus

Uma observação sobre os corpora pôde oferecer-nos a sua visão geral. No


entanto, com a introdução dos corpora no software, houve a possibilidade de observar e

143
verificar a riqueza lexical dos corpora. Todavia, a parte mais importante deste
procedimento foi a localização dos hapax (unidades lexicais com uma única ocorrência
no corpus). Os hapax são frequentemente neologismos, mas neste trabalho, porém, não
foi o caso. Foram poucas as vezes em que os hapax foram neologismos.
Foi também pertinente, além da observação geral dos hapax, fazer a sua
individualização em cada um dos corpora, o que permitiu verificar os corpora que
continham hapax e em que quantidade e de que modo estes hapax poderiam contribuir
para a selecção de neologismos.

Ilustração 7: Lista de unidades lexicais lematizadas utilizando o software


ANTCONC

O processo semiautomático da lematização delimita as unidades lexicais,


retirando-lhes a forma contextual em que ocorrem num determinado texto, considerando
apenas a sua forma simples, podendo assim ser possível reunir os seus contextos
realizados nos diversos corpora em observação.
A lista de unidades lexicais lematizadas permite a observação de uma unidade
lexical no conjunto das suas ocorrências, na globalidade de cada corpus ou do corpus
geral, conforme o compromisso que se tiver com este mesmo corpus. Deste modo, há a
possibilidade de proceder ao cálculo das ocorrências de uma dada unidade lexical e
determinar os seus contextos de ocorrências, o que não seria possível se se considerasse
apenas a sua forma e não o seu lema.

144
A seguir a esta multiplicidade de procedimentos semiautomáticos os passos
seguintes foram os seguintes: estabelecer as concordâncias e observar os contextos das
ocorrências ou de coocorrências das novas unidades lexicais, como apesentam as
imagens em baixo.

Ilustração 8: Concordância nos corpora da nova unidade lexical sekulu na sua


forma não lematizada

Ilustração 9: Concordâncias da nova unidade lexical ukongo lematizada

145
Ilustração 10: Contextos de ocorrências da nova unidade lexical não lematizada
ongandalas

Ilustração 11: Contextos da nova unidade lexical não lematizada onjango

146
Ilustração 12: Contextos da nova unidade lexical não lematizada kisangwa

As concordâncias ofereceram a possibilidade de verificação dos contextos de


ocorrências das várias unidades lexicais pré-seleccionadas com vista a captar e
individualizar o seu sentido. Os contextos, por sua vez, foram assaz profícuos,
porquanto mostraram como e em que medida ocorre uma determinada forma lexical. Os
contextos apresentam frequentemente as definições destas unidades lexicais.
Na elaboração de um dicionário de língua de especialidade, os termos ou os
neónimos são definidos a partir dos textos de especialidade com a ajuda do especialista
da área. No trabalho sobre as unidades lexicais da língua corrente, os contextos ajudam
também a definir as unidades lexicais.
Depois de cumpridos todos os processos que conduzem à formação de um pré-
dicionário de língua corrente, por exigência inerente ao trabalho de análise que é objecto
do capítulo quarto, houve necessidade de se proceder a vários processos de análise.
Deste modo, foi também pertinente poder visualizar, observar, verificar as ocorrências,
as frequências e as correlações de alguns neologismos seleccionados e registados na
lista de neologismos individualizados e tratados no quarto capítulo. As imagens que
seguem representam esta etapa. Para o efeito, seleccionámos as seguintes novas
unidades lexicais: kupapata, Ovimbundu, ombala e soba.

147
Ilustração 13: Observação da frequência da nova unidade lexical kupapata na sua
forma não lematizada

Ilustração 14: Observação da frequência da nova unidade lexical Ovimbundu na


sua forma não lematizada

148
Ilustração 15: Apresentação no HYPERBASE das correlações a partir do
neologismo ombala

Ilustração 16: Lista dos índices de frequência do neologismo soba em quatro textos
pré-seleccionados

149
CAPÍTULO QUARTO

O PROCESSO DE ANÁLISE DOS CORPORA

Depois da recolha e da organização dos textos, feita a sua transformação


informática em textos simples (TXT), terminada a sua codificação, seguiu-se a tarefa do
processo de análise dos textos. Este tipo de análise é o que alguns linguistas designam
por ‘observação’ (Condamines 2005; Jacques 2005).

A ‘observação’ tem a função de tornar possível a detecção, selecção e extracção


das novas unidades lexicais. A análise dos textos permitiu a extracção da informação
linguística: listas de unidades lexicais e de fraseologias, contextos de ocorrência,
formação de campos semânticos, cruzamento de informação lexical, entre outras
operações afins. Tudo isto contribuiu para a identificação de estruturas lexicais, os seus
contextos específicos de ocorrência e o conhecimento semântico e pragmático de
qualquer unidade lexical apresentado pelos textos.

Este procedimento foi possível graças à utilização de programas especializados


como o ANTCONC, o CONCAPP e o HYPERBASE. Certamente, em cada operação,
fizeram-se opções que mais se adequam à índole da tarefa em execução em cada uma
das etapas do trabalho.

Contudo, dado que nos últimos anos, o HYPERBASE tem sido o software de
tratamento de dados mais utilizado pelos linguistas, tendo em consideração a grande
diversidade de possibilidades que oferece para o trabalho, este foi, certamente, o nosso
instrumento de base para o trabalho de tratamento semiautomático dos dados. Este
software desempenha um papel fundamental no trabalho do linguista. Para além de
permitir a importação e/ou inserção de uma grande quantidade de textos, a organização
de formas e/ou de unidade lexicais e a sua devida listagem, conforme o objectivo que se
pretende, possibilita o estabelecimento de concordâncias, a extracção dos contextos das
ocorrências; facilita, ao mesmo tempo, o controlo dos dados; verifica a estrutura do
vocabulário, possibilitando a comparação interna do vocabulário e permitindo

150
individualizar as suas especificidades e referências externas. O software permite ainda a
lematização do vocabulário, a extracção de “mots-clés” ou “phrases-clés”, a construção
de árvores a partir de lexemas, o que possibilita a determinação de campos lexicais,
permite ainda, enfim, a verificação da evolução do vocabulário, as correlações e
associações.

Ilustração 17: PORUMBUNEO: Análise dos corpora com o software HYPERBASE

Para este trabalho de investigação científica, a utilização do HYPERBASE


oferece a sua ajuda em quase todas as funções acima referidas. Dada a quantidade de
textos que os corpora deste trabalho suportam, um software que tenha a capacidade de
tratar uma grande quantidade de textos ao mesmo tempo é muito importante; porquanto
isto tem a vantagem de permitir que, numa única acção, depois de se terem
transformado os textos em formato de textos simples (TXT), se realize a identificação,
selecção e extracção dos neologismos, o seu agrupamento por tipologias, a identificação
do sentido semântico no âmbito do contexto da sua ocorrência e a determinação do seu
campo lexical e semântico. Embora se tenha decidido utilizar, nalgumas etapas do
trabalho, outros motores de processamento de dados, para o tratamento semiautomático
151
dos corpora de trabalho e para a análise dos dados obtidos na selecção e extracção dos
neologismos em observação e estudo, o HYPERBASE, em razão das funcionalidades de
que dispõe, mereceu maior atenção de uso.

4.1. Selecção das novas unidades lexicais recolhidas

O processo da selecção das novas unidades lexicais provenientes de um acto da


recolha dos corpora foi possível à mercê da utilização de ferramentas apropriadas.
Nesta fase do trabalho, utilizou-se sobretudo o ANTCONC, numa altura em que era
preciso individualizar os textos já transformados em formato TXT e codificados, para
facilidade da sua identificação.
Deste modo, a codificação baseou-se na utilização de letras e números como
símbolos codificadores e, ao tempo, descodificadores representativos das denominações
próprias das fontes dos corpora: o Jornal local da Província do Huambo Ondaka foi
codificado como JO 9-14, isto é, Jornal Ondaka de 2009-2014; O Jornal online Huambo
Digital (2012-2014) foi codificado como HD; o Jornal online ChelaPress (2012-2015)
foi codificado como CP ; o Jornal online Portal de Angola – Benguela (2012-2015) foi
codificado com JPAb; o Jornal online Portal de Angola – Huíla (2012-2015) foi
codificado com JPAh; o Jornal online Cultura de Artes e Letras 2012-2015 com JCAL;
os dois blogues (2015) consultados foram codificados como Angodebbls e DAngoblog;
e a ‘Trilogia’ do jovem escritor benguelense Gociante Patissa foi, inicialmente,
codificada como GP123 e, posteriormente, codificada individualizando as obras como
GP 1 (A última ouvinte, 2010), GP 2 (Fátussengóla, o homem do rádio que espalhava
dúvidas, 2014) e GP 3 (Não tem pernas o tempo, 2013).

Num total de 9 textos TXT codificados, o trabalho da selecção das unidades


lexicais obedeceu a uma ordem de dois momentos. Isto é, foram tomadas, na primeira
operação, 5 (cinco) textos em TXT; e, o mesmo número, na segunda operação. Esta
divisão bipartida justificou-se, pelo facto de se ter tido três tipologias de textos,
jornalísticos, literários (extractos) e culturais; um tratamento separado era importante
para o trabalho de análise das unidades lexicais. O produto final contou com a exclusão
de um corpus, restando nove corpora.

152
Ilustração 18: Vocábulos e ocorrências

Tabela 7: Número total de vocábulos por corpus

Nº Código do corpus Nº de vocábulos


1 JO 9-14 9085
Total geral

2 JCAL 1838
3 HD 1113
4 JPAb 1669
5 JPAh 803
6 CP 5963
7 GP123 11542
8 GPb 836
9 DAngblog 3332 36181 (23041)

4.1.1. Extracção e selecção das unidades lexicais neológicas

O momento que se seguiu à selecção geral das unidades lexicais foi reservado ao
processo da extracção e novamente selecção das unidades lexicais, graças à primeira
selecção. Esta última etapa de selecção teve como objectivo proceder à individualização
dos possíveis neologismos ou candidatos a neologismo. Ao mesmo tempo, pretendeu
captar, por meio duma observação atenta, as características neológicas dos lexemas
neológicos, tendo em vista a sua tipologização.

153
Num primeiro momento foram seleccionadas 548 novas unidades lexicais.
Destas, foram seleccionadas, extraídas e individualizadas definitivamente para a análise
305, das quais 125 umbundismos aportuguesados, 21 estrangeirismos, 18 bantuismos
aportuguesados e 141 neologismos da língua corrente. Os umbundismos foram
agrupados em campos semânticos sendo 41 vindos do campo da cultura, 19 da
toponímia, 16 da culinária, 16 da antroponímia, 12 gentílicos, 9 das relações humanas, 7
da vida social, 2 do vestuário e 1 do âmbito doméstico, num total de 125. Os gráficos
que seguem são o resumo ilustrado desta distribuição.

154
4.1.2. Considerações metodológicas

Cabré (1993: 445) sublinha, na perspectiva de Rey (1988), que «a neologia, em


teoria, é um conceito nitidamente delimitado. Mas a caracterização de um termo como
neológico, não é tarefa fácil se não se fixam a priori alguns pontos de referência que são
sempre, em certa medida, arbitrárias». Esta consciência dos limites metodológicos na
caracterização de uma nova unidade lexical como neológica levou-nos a que, na última
etapa da selecção, extracção e análise dos neologismos de língua corrente provenientes
dos corpora constituídos tivéssemos seguido a proposta metodológica de três linguistas
que nos parecem preencher as exigências metodológicas dos neologismos que
analisámos:
- Cabré (1993: 445) corroborada por Alves (2012: 183-184) e Desmet (2001, 2002 e
2003b) distinguem quatro critérios ou parâmetros para determinar o carácter neológico
de uma unidade lexical:
a) a diacronia: uma unidade é neológica se apareceu num período
recente;
b) a lexicografia: uma unidade é neológica se não aparece nos
dicionários;
c) a instabilidade sistemática: uma unidade é neológica se apresenta
sinais de instabilidade formal (morfológicos, gráficos, fonéticos) ou
semântica;
d) a psicologia: uma unidade é neológica se é sentida pelos falantes
como nova;

- Pruvost e Sablayrolles (2003: 63) para quem o simples facto de um neologismo ter
alguma entrada no dicionário não lhe retira o seu carácter neológico;

Fundamenta a nossa opção a observação de Teresa Cabré para quem os


parâmetros de caracterização podem ser vários, mas nenhum deles, em particular, pode
preencher os requisitos exigidos pela caracterização e pelas tipologias neológicas. E, em
consequência, não se anulam uns aos outros nem se excluem (Cabré, 1993: 445).

4.1.3. Tipologia de neologismos em ocorrência nos corpora

Depois deste processo da extracção e selecção dos dados desejados, passou-se


para a tipologização das unidades lexicais neológicas que se encontravam nos corpora
observados. Fez-se uma selecção e classificação das novas unidades lexicais extraídas e
155
seleccionadas, para se compreender a sua pertença à classe dos neologismos formais ou
semânticos ou empréstimos.

4.1.4. Neologismos resultantes do fenómeno do aportuguesamento

Depois da selecção, extracção das novas unidades lexicais, passou-se para a


selecção e individualização de unidades lexicais, de acordo com a categoria a que
pertencem: categoria dos portuguesismos ou de umbundismos. Este processo e
momento permitiram individualizar o resultado dos fenómenos e processos subjacentes
ao processo do contacto do sistema linguístico do Português em relação com o
Umbundu e vice-versa. Por esta razão, foi necessário apresentar os neologismos em
Português por interferência do Umbundu, para, em seguida, serem apresentados os
neologismos do Umbundu por interferência do Português.

No entanto, reforça-se, aqui, a ideia já referida duma questão colocada por


Pruvost e Sablayrolles (2003: 36-41) sobre o que eles chamam «la temporalité
fluctuante du néologisme». De facto, quando se fez a selecção e a extracção das novas
unidades lexicais, um dos grandes problemas que se enfrentou foi conseguir um
mecanismo linguístico ou extralinguístico que pudesse ajudar-nos a calcular a ‘idade’ de
cada unidade lexical seleccionada e extraída como potencial ou candidato a neologismo
ou mesmo já unidade lexical neológica.

Pruvost e Sablayrolles reconhecem a dificuldade que existe neste processo. No


contexto da língua francesa em França, eles estimam em dez anos o período de
instalação de um neologismo. Passados os dez anos, o neologismo perde o seu carácter
de novidade e entra na categoria de integrante do léxico estabilizado. Contudo,
acrescentam um dado de que, «cependant, à la même question posée au XXIe siécle,
dans un univers marqué par l’omnipresence des médias et de la diffusion instantanée
des mots, les linguistes ont tendance à restreindre à moins de cinq ans la durée accordée
au ‘sentiment de la néologie’» (2003 : 36).

Não obstante isso, no acto da extracção e individualização das unidades lexicais,


serviu-nos de guia um critério de recolha de todos os umbundismos como neologismos.
No entanto, como alguns deles já se encontram dicionarizados, embora o seu uso não

156
esteja ainda tão generalizado, o critério utilizado serviu para distinguir os neologismos
estabilizados e os não estabilizados, dicionarizados e não dicionarizados.

Por razões metodológicas, cada neologismo foi colocado como “entrada”, numa
listagem pré-lexicográfica, seguido por uma breve definição, onde consta a informação
morfológica, semântica, etnolinguística e se urgir, alguma nota explicativa e, por fim, o
exemplo ilustrativo.
Para a identificação das unidades lexicais neológicas foram tomados como
instrumentos de trabalho, entre outros, cinco dicionários (corpus de exclusão): dois
dicionários online de Língua Portuguesa (DILP - Dicionário Infopédia da Língua
Portuguesa, DP - Dicionário Priberam), DHLP (Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa), GDHLP (Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa) e DLPCACL
(Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de
Lisboa). No entanto, três foram as fontes principais: o DHLP, o GDHLP e o
DLPCACL.
Como nem todos continham as unidades lexicais analisadas, houve necessidade
de se utilizar alguns símbolos que indicassem a informação se um certo lexema
neológico estava dicionarizado por um dos dicionários ou por todos eles ou ainda se por
nenhum deles. Cada um destes sinais ou símbolos está colocado à direita, na parte
superior do neologismo. Assim, eis os símbolos utilizados e os seus significados:

* Significa que o neologismo está somente dicionarizado pelo DLPCACL (Dicionário


de Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa);

+ Significa que o neologismo está somente dicionarizado pelo DHLP (Dicionário


Houaiss da Língua Portuguesa) e pelo GDHLP (Grande Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa);

** Significa que o neologismo está dicionarizado pelos três dicionários tomados como
fontes principais de consulta;

^ Significa que o neologismo não está dicionarizado em nenhum dos dicionários


principais utilizados para a consulta.

157
Cada lexema neológico é acompanhado, em baixo, antes doutras informações
definitórias, de algumas siglas que indiquem a informação morfossintáctica: n. m. s
(nome masculino singular); n. m. pl. (nome masculino plural); n. f. s (nome feminino
singular); n. m. e f. s. (nome masculino e feminino singular); f. v. i (forma verbal,
infinitivo).

Os corpora estão também codificados. Esta codificação encontra-se, sobretudo,


na última parte do breve verbete em cada lexema, nos exemplos citados.
JO 9-14 – Jornal Ondaka – Huambo, 2009-2014
JCAL – Jornal Cultura de Artes e Letras
HD – Jornal online Huambo Digital
JPAb – Jornal online Portal de Angola – Benguela
JPAh - Jornal online Portal de Angola – Huíla
CP – Jornal online ChelaPress
GP 1 – Gociante Patissa, A última ouvinte
GP 2 – Gociante Patissa, Fátusséngola, o homem do rádio que espalhava dúvidas
GP 3 – Gociante Patissa, Não tem pernas o tempo
GPb – Gociante Patissa, Blogue – Angola Debates e Ideias
DAngblog – Dicionário angolano in blogue

Algumas entradas têm duas ou três formas para o mesmo lexema. A questão é
somente de grafia. A primeira forma corresponde à grafia extraída dos corpora. A
segunda forma entre parêntesis corresponde à forma da entrada no (s) dicionário (s).
Havendo a terceira forma, apresentada, em geral, dentro de parêntesis rectos,
corresponde à maneira gráfica “correcta” na língua de origem.

4.2. Neologismos resultantes do aportuguesamento

A neologia, tal como já referimos anteriormente, é um processo linguístico que


utiliza variados mecanismos. De entre estes, encontramos os estritamente
intralinguísticos e o aportuguesamento.

158
Entende-se aqui aportuguesamento, o processo linguístico exigido por uma
necessidade dos falantes que aprendem o Português como L2, que estejam limitados em
nomear um conceito existente na sua língua materna e que não encontram um
equivalente conceptual na outra língua. Neste caso, o mecanismo de aportuguesamento
permite-lhes a transposição do vocábulo da língua materna para a L2, havendo ou não
uma mudança fonética ou fonológica na estrutura do termo.
Deste modo, pela concorrência dos variados processos de formação de palavras,
a língua materna adquire uma nova unidade lexical que integra no seu sistema
linguístico. Localiza-se, neste processo, o fenómeno da interferência do Português no
sistema linguístico umbundu ou no sistema de qualquer outra língua em contacto com
Português.

O trabalho de Chicuna (2014) mostra, neste âmbito, a necessidade do Português


assumir e integrar vocábulos do Kyiombe (uma das línguas de Cabinda). Neste sentido,
Chicuna (2014: 112) define o fenómeno do aportuguesamento como «o processo que
consiste em adaptar as unidades lexicais estrangeiras à forma portuguesa, ou seja, um
processo de integração de vocábulos estrangeiros na Língua Portuguesa». Para a Língua
Umbundu, os trabalhos de Costa (2015) e Benvindo (2016) podem ajudar-nos a
compreender este processamento.

4.2.1. Campo lexicossemântico sociocultural

- alumbo ^
(n. m. s)
Deriva do nome umbundu alumbu, plural de elumbu. Significa magia, artimanhas que
pretendem agir e dominar a natureza mediante ritos mais ou menos secretos para efeitos
de demonstração do poder invulgar do mágico sobre a natureza. Os alumbu são uma
prática muito presente nalguns rituais da cultura umbundu, geralmente, em grupos
culturais muito fechados, e, por isso, a entrada nestes grupos requer uma iniciação
própria. «Neste período, aprende-se algumas magias como Alumbo, uma arte de
enfeitiçar ou matar mesmo alguém» (HD, 19 de Abril de 2008).

159
- Epalanga ^
(n. f. s)
Provém do nome umbundu epalanga. Do ponto de vista cultural, no âmbito das
tradições dos Povos Ovimbundu, o ‘epalanga’ é, na prática, o secretário do Osoma; é o
assistente do Osoma em negócios de administração e tratamento dos assuntos da
comunidade da Ombala. Aparece também muito frequentemente como antropónimo:
«…para o lugar do vice-governador E. Epalanga…» (CP, 30 de abril 2010). É ainda
atestado como topónimo: «O professor que dá aulas na aldeia de Calikandula-II vive
na aldeia de Epalanga» (JO 9-14).

- olundongo ^
(n. m. s)
Esta unidade lexical deve o seu étimo do umbundu olundongo. Designa uma tipologia
coreográfica típica dos Povos Ovimbundu, utilizada em ambientes culturais e
celebrativos. Talvez uma das mais antigas tradições de dança dos Povos Ovimbundu. O
olundongo usa-se, tradicionalmente, em cerimónias de entronização, em óbitos, em
despedidas de luto das dançarinas, dos caçadores e dos soberanos e em circuncisões. A
dança consiste em os executantes vestirem-se de panos amarrados com cintos e usarem
o batuque: «A dança tradicional ``olundongo´´ e os palhaços rechearam o programa»
(JO 9-14).

O olondungo é próximo do Onhaka (dança típica tradicional do âmbito feminino, que,


em geral, se usa na despedida de luto de alguém que, em vida, também tinha a prática
deste tipo coreográfico tradicional); e próximo do Okatita (uma tipologia de dança
tradicional do âmbito masculino ou feminino, usada em momentos de diversão).

- ombala**
(n. s. f)
Unidade lexical relativamente estabilizada, pois o seu uso na oralidade e na escrita é já
muito generalizado, a ombala é o “Palácio da justiça” do Osoma (soba). É a sede
tradicional de trabalhos do Osoma, o grande chefe da aldeia. É neste lugar onde recebe
todos aqueles que querem solucionar os seus problemas na aldeia, como por exemplo,

160
problemas de justiça (na sua acepção mais cultural e mais tradicional), problemas de
âmbito mais tradicional e outros negócios referentes à dinâmica vital comunitária da
aldeia: «— Mas ele não é só meu patrão. É também regedor da Ombala» (GP1, p. 31).

- ongandalas ^
(n. p. f)
Plural do nome umbundu ongandala. É uma unidade lexical com uma grande carga
simbólico-cultural e tradicional. Trata-se de alguns preparativos para o ritual tradicional
do casamento. Na tradição umbundu, o casamento é preparado pela noiva e pelo noivo.
A noiva prepara o que diz respeito aos utensílios domésticos. A ongandala é constituída
por estes utensílios, como algumas panelas para cozinhar os alimentos, pratos, lemos,
conchas, gamelas, talheres, etc. Trata-se dum gesto sério, mas simbólico, que marca o
início de uma nova vida da noiva. No dia da passagem definitiva para a sua casa, as
duas famílias saindo da casa do marido, sem a noiva, chegam à casa da noiva; levando-a
e levando o seu embrulho já preparado, dirigem-se à casa, onde com o marido, a noiva
morará durante a sua vida esponsal. «Mais parecia um grupo de refugiados, de tão
volumosas que eram as ongandalas» (GP1, p. 52).

- onjango / jango** [ondjango]


(n. m. s)
A forma dicionarizada no DHLP (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa) é jango,
definida como «construção circular usada para reuniões. O ondjango ou simplesmente
jango vem do étimo umbundu ondjango (de ondjo yo hango = casa de conversa), que,
no geral, tradicionalmente, é uma cubata de pau-a-pique, coberta de capim, destinada à
educação social masculina e feminina dos jovens às noites. É o espaço das noites de
serão educativo e formativo nas aldeias dos Povos Ovimbundu. Segundo Malumbu
(2005: 241) o ondjango pode ser traduzido por “assembleia”. Apesar do vocábulo
parecer dar um ar moderno àquilo que as reuniões do ondjango querem significar, ele
pode traduzir a riqueza lexicológica de ondjango que é, realmente, o espaço de
congregação para um fim específico, pois como refere o mesmo autor, «a partir dos 8 a
9 anos a criança do sexo masculino começa a frequentar, juntamente com o pai, ou com
um outro familiar adulto do sexo masculino o ondjango assembleia na qual se

161
promovem diálogos e trocas de impressão sobre os factos sociais, políticos,
económicos, da aldeia e da vizinhança». E, por esta razão, «o ondjango constitui uma
escola rural institucionalmente reconhecida dentro da estrutura da família alargada. Aí,
as crianças aprendem a respeitar a hierarquia etária e social». O ondjango é, por isso,
notabilizado pela sua força e significado cultural de espaço de encontro comunitário e
de educação social, moral e cívica da comunidade: «O chefe está a ver aquele onjango
[ondjango] da sentada do soba para resolver problemas se um gajo dormir com a
ndona do outro?» (GP 1, p. 84).

Na Zona Linguística Umbundu, concretamente na província do Huambo, o vocábulo


designa ainda a denominação de um Programa de rádio (Rádio Huambo): «O debate
quinzenal denominado Jangos às Sextas-Feiras» (JO 9-14).

- Kesongo ^
(n. m. s)
Procede do étimo umbundu Kesongo que, na tradição cultural umbundu é o conselheiro
do Osoma, do chefe tradicional da aldeia ou do bairro. É o homem do conhecimento e
do saber, cuja cultura é conhecida por todos. É o sábio da aldeia, o homem das soluções
rápidas e acertadas. Malungu faz derivar este nome da forma verbal umbundu
“okusongola”, que quer dizer, conduzir, dirigir, guiar, orientar. Deste modo, o
“kesongo” «exerce as funções de conselheiro do rei e de Comandante ou general do
exército. A ele compete anunciar a chegada do rei numa aldeia ou localidade. A ele
compete também soprar a buzina do chifre de um animal sagrado para anunciar a morte
do rei» (2005: 179): «Depois deste acto, começa a marcha de volta à sanzala e os
“Kesongo” (cicerones) levam o grupo para as suas respectivas casas seguindo-se de
um coro que enlouquece os palhaços» (HD, 19.04.2008).

Vários outros antropónimos que, a seguir apresentamos, fazem uma antologia


onomástica cultural da tradição dos Povos Ovimbundu, relacionados com o círculo dos
sobados, descritos por Childs (1942), Edwards (1962) e Malumbu (2005: 179-182) e
que muitos deles tentam a neologizar-se no Português, através de vários processos
morfológicos ou simplesmente mantendo a sua forma da língua de origem.

162
- Kaley ^
No uso cultural comum dos Ovimbundu funciona como antropónimo. A sua etimologia
está relacionada com o verbo okuleya que significa falhar, não conseguir mirar. O
prefixo -ka- indica a negação. Deste modo, kaley significa aquele que não falha. No
entanto, a sua asserção mais cultural tem a ver com a realidade dos poderes tradicionais
nos círculos dos sobados. É uma função da estrutura organizacional do sobado ou do
reino. Neste sentido, kaley é o homem da ombala, responsável pelos momentos de
divertimentos nos tempos livres do casal real. É ele que anima a vida familiar da
ombala, palácio real do soba.

- Kalondwiya ^
Alguns antropólogos (cfr. Malumbu, 2005: 181) fazem derivar este lexema do nome
owuliya que quer dizer mensagem. Tomando esta asserção do vocábulo, kalondwiya
designa o homem da ombala responsável pela comunicação pública dos negócios
públicos do osoma; é porta-voz do osoma e da ombala. No entanto, as suas funções
diferem das do Kesongo e das do Ukwatchali.

- Kapitango ^
No dinamismo funcional e estrutural da administração da ombala, o Kapitango é o
guarda-protector da casa real. É o encarregado da vigilância e protecção do palácio do
rei ou do Osoma.

- Kativa ^
O Kativa é o homem da corte real, responsável pela direcção dos discursos nos
processos jurídicos de julgamentos. É a ele que cabe falar nos processos judiciais
deliberativos, apesar de não ser o sentenciador. Algumas vezes, desta forma nominal
faz-se derivar o nome do verbo umbundu okutiva que quer dizer, ser moderador da
palavra ou do discurso.

163
- Mbetatela ^
O seu étimo é o verbo umbundu okuvetatela que significa proteger judicialmente
alguém. O nome umbundu mbetatela indica a função de um funcionário da ombala que,
além de exercer a advocacia junto da família real, é também uma espécie de vice-rei e
‘ministro sem pasta’ cuja função é suprir a ausência dalgum ‘ministro’ que falte ao
trabalho. E ainda, não somente a suplência dos ministros do rei, como até as ausências
do próprio rei.

- Mwekalya ^
Segundo Edwards (1962: 12-13) o Mwekalya é o homem da corte que funcionando
como uma espécie de ministro da cultura é o porta-voz, o advogado do povo junto do
rei. No entanto, a função fundamental do mwekalya é muito mais patrimonial e cultural.
Ele é o responsável pela conservação da tradição cultural do povo, é o responsável pela
preservação dos usos e costumes dos Povos Ovimbundu dentro do quadro legislativo e
institucional da ombala.

- Mwele-ndaka ^
Uma tradução ad literam designá-lo-ia como o homem “da própria palavra ou o dono da
palavra” ou o homem da discrição. O Mwele-ndaka é o funcionário do rei ou do osoma,
seu porta-voz, o homem dos segredos da ombala ou da corte real, principalmente dos
assuntos relacionados com a beligerância. Está sempre em estreita união com o
Kesongo.

- Mwele-tchalo ^
Como o nome o indica mwele, dono + tchalo, cadeira, poltrona, sede, o Mwele-tchalo é
o responsável da sede do osoma. Tutela a cadeira do rei ou do osoma em viagens, pois a
sua importância real e por razões de segurança, não lhe permite, dentro ou fora do seu
palácio, usar qualquer cadeira. O Mwele-tchalo é o transportador e zelador da poltrona
real.

164
- Mukulu ^
Segundo Childs (1942: 20) e Edwards (1962: 42), o ritual das exéquias do osoma
terminam nos akokoto na tradição cultural dos Ovimbundu. O osoma, quando morre, o
seu corpo é mumificado e é-lhe retirada a cabeça com técnicas apropriadas, permitindo
deixá-la separada do corpo para a sua dissecação. O crânio é conservado num sarcófago
em akokoto que, a partir de então, se torna objecto de veneração para todos os que por aí
passarem. O vocábulo talvez tenha ligação com forma nominal umbundu ukulu (mais
velho) com um prefixo mu- que não é muito comum na Língua Umbundu. No círculo
dos poderes estruturais da ombala, o Mukulu é o funcionário real cuja responsabilidade
é mumificar o corpo do osoma no momento da sua morte. Por isso, é o homem,
supersticiosamente, temido pelo osoma.

- Tchisiyilo ^
A tradição cultural umbundu contempla uma cláusula que dá muita importância à saliva
do osoma. Os poderes que lhe conferem fazem com que ela não seja expelida da boca
para qualquer lugar, pois teria o risco de alguém se apropriar dela e manipulá-la
magicamente. Por isso, o Tchisiyilo (do verbo okusiya, cuspir) ou Ukwavate (da forma
nominal ovate, saliva) é funcionário da ombala que trata da recolha da saliva do osoma.

- Ukwasapi ^
O nome vem, etimologicamente, de osapi (a chave) + -u- (prefixo). Designa o homem
que detém as chaves da casa real, não somente as chaves físicas, como também as
chaves, enquanto poder simbólico que designam o detentor, preservador e protector de
todos os segredos da casa real. É uma espécie de chanceler ou procurador da corte real.
Na ausência do rei desempenha a função de juiz sentenciador nos julgamentos em
representação do rei.

- Ukwahama ^
Isto é, o homem da cama. Enquanto o Mwele-tchalo é o responsável pela sede real, o
Ukwahama é o funcionário da ombala, responsável pela cama do osoma.

165
- Ukwatchali ^
Uma tradução literal designá-lo-ia como «o módico, o generoso, o homem de mãos
largas, ou mais concretamente, o que dá de graça». Pode ser encontrado como
antropónimo, designando alguém que nasceu em condições e situações especiais dos
pais. Neste sentido, significa alguém que foi dado de graças pelo Criador, é um presente
do Criador. No contexto régio, o nome indica a função de um ministro do osoma
responsável pelos negócios sociais: a recepção das benesses dadas ao rei, o cuidado
pelos mais necessitados do reino ou da ombala, etc.

- Uyalwi ^
Vem do verbo okwalula que quer dizer achar, encontrar. Uyalwi significa o acto de
encontrar, de achar. Designa a função do homem encarregue de cobrar os impostos e
taxas no reino ou na ombala, para a caixa comum do reino. É um homem em total
sintonia com o Ukwatchali.

- Wongo ^
O vocábulo provém de owongo ou ovyongo que quer dizer a coluna ou as costelas. O
wongo ou owongo é o funcionário da ombala cujas principais funções são: receber o
novo rei e introduzi-lo na sua nova morada, levando-o às costas, tal como uma mãe traz
o filho às costas, ou no owanda (tipóia) auxiliado por alguns membros da corte; e
colocar o osoma na urna no dia da sua morte. O wongo está presente no início e no
termo da vida real do osoma.

- seculos/sekulus ^
(n. m. pl)
Aparece, algumas vezes, aportuguesado em sekulos. Plural do nome masculino sekulu.
Na tradição cultural dos Povos Ovimbundu, indica, originariamente, uma autoridade
tradicional, não equiparada ao osoma, mas mais como um chefe de família, em geral
muito reputado no bairro ou na aldeia pela sua sabedoria e probidade de costumes; é o
ancião. No uso quotidiano, passou a designar qualquer pessoa de idade, mas sempre
homem (varão), nunca uma mulher. «Velho Jaime revelou por exemplo a morte de

166
Tjambala Kasinda que foi sacrificado por manifestar atitudes que irritaram os Seculos
(autoridades tradicionais) no acto da Evamba» (HD, 19.04.2008).

- sobas **
(n. m. pl)
É um umbundismo aportuguesado do vocábulo umbundu Osoma ou Soma, cujo plural é
olosoma. É a autoridade real tradicional. É a autoridade tradicional máxima da aldeia
dentro da organização sociopolítica e sociocultural dos Povos Ovimbundu cuja sede é a
Ombala: «O governo, se quer levar jovens na tropa, tem que falar com sekulus e sobas,
nós é que sabemos onde moram» (GP1, p. 21).

- quimbanda**/quimbanda
(n. m. s)
Apesar de vários dicionários fazerem derivar este vocábulo do Kimbundu kimbanda, ele
está também presente na Língua Umbundu. Nesta, o vocábulo é tchimbanda. Não
admira a passagem do tchi- a qui-, no Português, pois este processo linguístico é muito
comum na interferência do Língua Umbundu no Português. Geralmente, a maioria dos
vocábulos da Língua Umbundu que começam ou terminam em tchi-, a forma
aportuguesada equivalente é sempre o qui-. Ex: otchimbombo, o quimbombo;
otchisangwa, a quissangua; otchipembe, o quipembe, etc. Não dicionarizado pelo
DLPCACL, é traduzido pelo DHLP por ‘chefe religioso, sacerdote, feiticeiro’. Contudo,
em Umbundu, otchimbanda não significa propriamente, chefe religioso nem feiticeiro,
mas ‘aquele que cura’. Porém, umbanda significa, realmente, feitiço. No entanto, não é
razoável derivar otchimbanda de umbanda, pois a Língua Umbundu distingue o
curandeiro, otchimbanda (geralmente, o mais velho da aldeia que cura utilizando a
medicina natural ou tradicional) e feiticeiro, onganga (este é o mágico, o homem muito
temido na aldeia, manipulador de forças e de poderes mágicos, o detentor de umbanda).
Portanto, o quimbanda é aquele que cura as doenças do corpo e, aparentemente, do
espírito. Talvez por causa desta última acepção, traduz-se, algumas vezes, por
‘sacerdote, chefe religioso’: «Esse kimbanda, que certamente não sabe ler, devia ser
levado a tribunal por asfixiar lentamente os books» (GP 3, 30).

167
- quimbo**/kimbo
(n. m. s)
É um umbundismo aportuguesado oriundo do nome umbundu imbo que significa
“aldeia, povoação, zona rural”. Apesar de o DLPCACL considerar o neologismo
quimbo ter vindo do Kimbundu ko imbo, traduzido por ‘no povoado’, quimbo parece
estar mais próximo da mesma forma na Língua Umbundu, pois nesta, o caso do ablativo
locativo é, exactamente, kimbo, que se traduz, na povoação/na aldeia ou à povoação/ à
aldeia. O DHLP apresenta a etimologia umbundu, embora o exemplo dado não seja o
mais próximo da derivação do nome. Por isso, a origem mais provável do umbundismo
‘quimbo’ é kimbo do Umbundu. «Tinha chovido a noite inteira. No kimbo, depois da
chuva, aos olhos do velho de chapéu, as gaivotas são outras crianças, com a vantagem
apenas de andarem mais perto do céu» (GP 2, p. 39).

- akokoto ^
(n. m. s)
À primeira vista, o vocábulo parece insinuar uma etimologia a partir da forma nominal
umbundu ekokoto que significa ‘plástico’. Todavia, o vocábulo akokoto está distante
deste significado. Tem uma forte carga cultural. Na tradição cultural dos Povos
Ovimbundu, designa a instituição de poder da autoridade tradicional umbundu com
forte componente ritual religiosa. É o local onde se conservam os crânios de todos os
sobas que morrem. Após a morte do Osoma, passado o tempo necessário e previsto para
completar os preparativos da sua sepultura, a sua cabeça é decepada e, em seguida,
levada para este local onde permanece conservada. É o espaço sagrado das autoridades
tradicionais dos Povos Ovimbundu onde é feita a memória dos Olosoma falecidos. «A
diferença substancial entre a ekula e os Akokoto deve-se ao facto da primeira ser
ndombe e eles ovimbundu» (JCAL, 04 de Outubro de 2012).

- ekula ndombe ^
(n. f. s)
O neologismo é formado por justaposição, embora não tenha o hífen. É formado por
dois vocábulos: ekulã (vala de drenagem) e ndombe (topónimo). Semanticamente,
significa o mesmo que akokoto. A única diferença é aquela descrita pelo exemplo dado

168
em akokoto. Indica, na tradição dos Ovimbundu da zona Ndombe, o espaço sagrado de
conservação dos crânios dos olosoma tal como acontece com os akokoto. «Só assim se
percebe porque a Ekula e os Akokoto se hermetizam e porque estão acima de toda
autoridade comunitária» (JCAL, 04 de Outubro de 2012).

- mbeta-mbeta ^
(n. m. s)
O vocábulo vem do verbo umbundu ‘okuveta’ que significa ‘bater’ em alguém ou em
algo. Provavelmente, desta etimologia terá tirado o nome mbeta-mbeta (que
aproximadamente significaria tenho vindo a bater) que indica uma atitude de bater as
portas das casas do bairro e batendo (tocando) os instrumentos musicais, como
batuques, zagaias, etc.

Na cultura tradicional dos Povos ovimbundu, o mbeta-mbeta é uma tradição que se


cumpre, por altura do Natal e do Ano Novo. Faz parte das mais belas expressões
culturais tradicionais dos Povos Ovimbundu para a saudação do Natal e do Ano Novo.
Tem lugar à meia-noite de 25 de Dezembro e à meia-noite de 01 de Janeiro. É uma
expressão ritual umbundu popular e festiva que consiste em andar de porta em porta,
cantando e dançando em celebração do nascimento do Menino Jesus ou da passagem de
ano. É organizada por grupos de crianças, de homens e de mulheres. A batida ao som de
danças e música corresponde ao gesto, partilhando os bens que se tiverem (alimentos ou
dinheiro ou outros bens) os quais serão consumidos em piquenique ao longo do dia. O
Natal, muito mais do que o Ano Novo, neste contexto, significam o renascer de um
reencontro, a reafirmação da socialização e, indirectamente, a capacitação para a vida
do ponto de vista antropológico, havendo a realçar a casa como ponto de partida da
partilha. O trecho musical interpreta um conteúdo para três momentos diferentes:

- À chegada: "se-se, se-sa", etu tweya, yululako (se-se, se-sa, nós vimos, abre a porta).

- À saída (quando a casa visitada corresponde com alguma oferta): "Twapandula tchiwa
weh, etali ulima wapwa" (Estamos bem agradecidos, hoje, o ano terminou).

- À saída (quando a casa visitada não corresponde a este acto de socialização): "Ove ku
kwete tchimwe weh nhe watungila ondjo?" (Tu que nada tens, porque construíste a
casa?) "Handjala ko, tutchipangela Onatale, handjala ko, tutchipangela ombowanu”

169
(não é por razões de fome, é só em virtude da celebração do Natal. Não é por razões de
fome, é só em virtude da celebração do Bom Ano): «Até há pouco menos de 15 anos,
ainda se via nas principais cidades do litoral de Benguela o saudável "assalto" à meia-
noite com o Mbeta-mbeta» (GPb).

- kalúndus ^
(n. m. pl.)
O vocábulo kalundu designa, geralmente, os que já partiram deste mundo. O kalundu é
aquele que está no kalundu (no cemitério). No singular, tanto pode designar o defunto
(que habita a região dos mortos), quanto pode denominar esta mesma região (o
okalundu, isto é, a região da morte) «Assim quando é percebida a presença dos
Kalúndus, é logo dado o início a uma iniciação ritual para que o espírito possa
manifestar-se e ser agraciado, deixar seu recado para depois voltar para o seu
universo» (DAngblog).

4.2.2. Campo lexicossemântico dos utensílios domésticos

- wanditombi ^
(n. m. s.)
É o nome atribuído a um tipo de gerador de energia elétrica, de pequeno tamanho, muito
utilizado em Angola para uso doméstico. O nome vem das suas características de
tamanho pequeno. Daí, designação nominal de wanditombi, do verbo umbundu
‘okutomba’ ou ‘okutombiwa’ que significa desrespeitar/desconsiderar, ser respeitado/ser
desconsiderado. Wanditombi vem, assim, significar ‘vós desrespeitais-me; vós
desconsiderais-me’. «Ao longo das estradas estão a ser edificadas pequenos "núcleos"
de comércio informal, de aglomerado humano permanente, estruturas físicas,
geradores de electricidade, também chamados de "wanditombi", que significa, "não me
respeitam" na língua umbundo» (Cruzeiro do Sul, 26 de Janeiro de 2008)

170
4.2.3. Campo lexicossemântico das relações humanas

- cota**/kota
(n. m. s)
Do umbundu kota, o mais velho. É uma designação de respeito e de proximidade e
familiaridade com que se designam as pessoas mais velhas, isto é, qualquer pessoa que
tenha idade superior à da pessoa que se lhe dirige. «…passou a chamar-se doçura por
causa de umas makas, liderada pelo cota Russo» (CP, 28 de Janeiro de 2010).

- camba**/ kamba
(n. m. s)
Do vocábulo umbundu ekamba ou kamba, traduzível por amigo. Os dicionários que o
descrevem fazem-no derivar ora do Kimbundu ora do Umbundu. Contudo, segundo o
Dicionário de Maia 1994 (ver a entrada ‘amigo’ em Kimbundu) o kamba do Kimbundu
não corresponde exacta e frequentemente a ‘amigo’. Pois o Kimbundu, para designar
‘amigo’ orienta-se pelos contextos: ex. amigo da ciência = ndongoxi; amigo de dar =
uba; amigo de lutar = mitonge (cfr. ibid.). Por esta razão, a proposta etimológica do
umbundu parece ser a mais razoável, como também defende Barbosa (1989: 156), pois
nesta língua, para a designação de ‘amigo’, em qualquer contexto que o vocábulo
ocorrer, na oralidade e na escrita, utiliza-se o vocábulo kamba/ekamba, sendo as duas
formas existentes e recorrentes na língua falada e escrita. «Que ideia mais agora, ó
kamba?!» (GP 3, p.75).

4.2.4. Campo lexicossemântico do vestuário

- Quimone**
(n. m. s)
Deve o seu étimo linguístico ao vocábulo umbundu otchimoni, que é uma peça de roupa
de uso feminino, em forma de túnica longa e larga, de mangas largas, feita da mesma
peça, geralmente, com pregas no peito, semelhante ao que os japoneses designam por
kimono. É muito provável que seja uma unidade lexical vinda do oriente em

171
circunstâncias por conhecer. «…salientavam a ligação entre o lenço e o quimone,
ambos de tecido azul- escuro de pintas brancas» (GP 1, p. 61).

- olondindi ^
(n. m. pl.)
Procede da forma nominal umbundu olondindi, sandálias artesanais feitas de borracha,
habitualmente, borrachas de pneus de carro já usados. «Para enganar o tempo, Dr.
Luhaku calçava os olondindi e saía então a caminhar» (GP 1, p. 68).

4.2.5. Campo lexicossemântico gastronómico

- cacusso**
(n. m. s)
Procede do vocábulo umbundu kakusu. Tipo de peixe de lagoa, assemelhado a pércidas.
A entrada no DLPCACL é cacuço e é apresentado como derivado do Kimbundu kikusu.
Porém, a origem mais lógica do vocábulo é kakusu. «… com destaque para o apetitoso
cacusso, àquela zona se tornou, aos olhos de muitos (abutres), local de cobiça, a
começar pelas Cachoeiras da Binga…» (CP, Sexta-feira, 30 de Abril de 2010).

- epungo ^ (g. III, cl. 5/6)


(n. m. s)
Provém do nome umbundu epungu, milho, planta cerealífera da família das gramíneas,
oriunda da América. Os seus grãos são ricos em amídio. Indica quer os grãos como a
espiga ou ainda a própria planta, o milheiro. Todavia, aqui, é tomado como neologismo
semântico, pois não designa o milho, na acepção que lhe demos, mas uma agremiação.
«Como e quando surgiu EPUNGO? (Monteiro Chissoca) M.C: o Epungo Grémio de
Milho é uma Associação de Comerciantes e Produtores de milho. Ela vem desde a
República Portuguesa que chamava-se grémio dos comerciantes e exportadores de
milho. Com a Independência de Angola, em 1975, não reconhecendo a existência das
Associações o Epungo ficou apenas na memória de muitos homens» (O 9-14).

172
- gindungo**
(n. m. s)
É um vocábulo que pode ser considerado um neologismo estabilizado, apesar de a sua
origem ser controversa. O DLPCACL tem a sua entrada na forma gindungo, enquanto o
DHLP dá-lhe entrada na forma jindungo. Quanto à sua etimologia, o primeiro faz
silêncio, o segundo fá-lo derivar do plural kimbundu jindungu, o que será mais
provável. Porém, podem ser encontradas formas que podem sugerir outra origem:
Umbundu, olundungu; Kimbundu, ndungu/jindungu; Kikongo, lundungu. É um
condimento utilizado nos alimentos. O.m.q piri-piri ou picante. Neste sentido, supondo
que, o neologismo tenha vindo do Kimbundu - o que é mais razoável - é interessante o
processo da sua formação: recorre-se ao kimbundismo plural para se buscar a
designação jindungo que nunca é empregue no plural em português. «… ginguba
torrada com bombó assado; kitaba com jindungu; doce serrado…» (JCAL, 11 de Maio
de 2015).

- gindungo-kaniania ^
(n. m. s)
É um tipo de gindungo muito pequeno, mas dum paladar assaz picante e quase
agressivo. Kaniania aparece junto de gindungo como adjectivo, a fim de caracterizar a
forma nominal. Deve o seu étimo à 3ª pessoa do singular na forma perifrástica do verbo
umbundu okunya que significa defecar. Kanyanya significaria então, ele não tem
defecado. Provavelmente, estará associado ao gindungo, para indicar o seu efeito.
Todavia, kaniania pode estar relacionado com uma circunstância ou situação difícil. Ex.
wamolã onyanya (viu-se à rasca). «Gindungo kaniania, pimenta conhecida pelo
contraste entre o tamanho e a intensidade» (G 1, p.91).

- ginguba**
(n. f. s)
Neologismo formal muito estabilizado. O.m.q amendoim. Parece haver consenso dos
dicionaristas que lhe reservam uma entrada com uma explicação de que o vocábulo
deve ter a sua origem no plural Kimbundu de ngûba (pl. jinguba); em Umbundu,
olongupa. No entanto, segundo Parreira (1990: 94) a ginguba é originária da América.

173
Isto suporia que a língua angolana tivesse alguma relação com alguma língua
americana: «enquanto com os filhos partilhava a saborosa ginguba que estalava na
frigideira de barro» (GP 1, p. 46).

- kaporroto*
(n. m. s)
Possui uma entrada no DLPCACL, grafado como caporroto e não está dicionarizado no
DHLP. Do nome umbundu okapoloto, indica uma espécie de bebida alcoólica, usada
como bebida tradicional e caseira sobretudo nas zonas Centro-Sul de Angola.
Geralmente, o caporroto é feito de milho ou batata-doce fermentados na água ou, o mais
usual, de cana-de-açúcar cujas barras são fatiadas e moídas e postas a fermentar no
interior de um tambor fechado por três, quatro ou cinco dias. No final destes dias, é
obtida a bebida, mediante o processo químico de destilação. O produto final é o
caporroto classificado de acordo com a sua percentagem de álcool em “primeira,
segunda, terceira e matchatcha (este último produto é assim chamado por possuir ínfima
percentagem de álcool): «Okutambela e okulomba em simultâneo. Óleo de palma,
garrafão de kaporroto e outro de vinho tinto, dois panos, camisa e fato completo para o
sogro, caixa de fósforos, maço de cigarros e cabaça de ocisangua. Estavam arrumadas
as ongandalas» (GP 1, p. 51).

- kapuka ^
(n. m. s)
Esta forma nominal deriva do étimo umbundu epuka. No seu sentido original significa
bichinho (de epuka, bicho + o prefixo - ka- com o valor diminutivo). É utilizado para
designar o tipo de bebida alcoólica tradicionalmente caseira. O.m.q kaporroto.
«Kaporroto (ou kapuka) aguardente confecionada em casa» (GP 2, p.111).

- lombí **
(n. m. s)
Forma nominal derivada do vocábulo umbundu olombi, que é um cozido de folhas
verdes e tenras de aboboreira ou de feijoeiro, utilizado na culinária, típico das zonas

174
Centro-Sul de Angola. Habitualmente, o lombí é usado para acompanhar o pirão ou o
funji. «Os piôs ajudavam no tempero dos ratos que, depois de bem assados, serviam de
acompanhante para o lombí» (GP 1, p. 54).

- quissangua*/ kisangwa
(n. f. s)
Unidade lexical não dicionarizada em DHLP, mas com entrada em DLPCACL, grafada
como quissângua ou quiçângua. Vem da forma nominal umbundu otchisangwa, bebida
tradicional dos Povos Ovimbundu, utilizada como bebida caseira, feita de milho ou de
batata-doce fermentados na água, moídos e postos a cozer no fogo, sobre os quais se
junta o ombundi (uma espécie de raízes silvestres doces) que lhe confere uma singular
doçura, ou acrescido de açúcar ou de sumo de cana-de-açúcar para o adocicamento: «…
pelo cachoar de um competente kitoto, para uns, kisangwa para quem entendesse ser
esse o termo apropriado» (JCAL, 11 de Maio de 2015).

- quimbombo**/ocimbombo [otchimbombo]
(n. m. s)
Dentro dos costumes tradicionais alimentares dos Povos Ovimbundu, o quimbombo é
uma kisangwa fermentada. Cumprido o processo acima descritivo para a obtenção da
kisangwa, esta é mantida fechada durante alguns dias (geralmente, a duração é de três a
7 dias) numa cabaça (ombendje) ou numa panela de barro (ombya y’otuma). No último
dia, aberto o recipiente, a kisangwa apresenta-se cheia de gás e, por conseguinte, a
ferver e, por isso, se torna espumante, o que a leva a ser definida como «cerveja de
milho», por parecer-se com o espumante da cerveja. A sua etimologia é controversa. O
DHLP fá-la derivar do Kikongo, quimbombo; porém, o DLPCACL faz derivar a
unidade lexical, directamente, do Umbundu otchimbombo. Esta última hipótese parece
ser a mais razoável, pois, primeiro, o quimbombo é, culturalmente, uma tradição
alimentar muito típica dos Povos Ovimbundu; em segundo lugar, no âmbito dos
processos fonéticos mais observados no fenómeno da interferência linguística, é comum
no processo do aportuguesamento, isto é, na formação dos umbundismos, a
transformação do prefixo umbundu -otchi-/-tchi- em -qui-. «As meninas preparavam a
comida e ocisangua [otchisangwa] e ocimbombo [otchimbombo]» (GP 1, p. 54).

175
- rama*
(n. f. s)
Trata-se da ramagem da planta rastejante da batata-doce, cujas folhas verdes servem, na
culinária das zonas angolanas do Centro-Sul, para cozido simples ou misto com peixe
seco ou fresco para acompanhar, nas refeições, o pirão ou o funji. Diz-se da planta e do
cozido. Provém do étimo umbundu, olama. «… capaz de deixar amarga a rama e o
bananal sem vida, como se das queimadas fossem alvos» (G 3, p. 116).

4.2.6. Campo lexicossemântico antroponímico

O estudo sobre a antroponímia e sobre a onomástica em geral, em Angola,


encerra uma grande problemática que já ficou enunciada no primeiro capítulo deste
trabalho. Este desafio é relativo, principalmente, ao problema da grafia dos
antropónimos culturalmente reconhecidos e enquadrados como elementos culturais com
um significado facilmente apreensível por qualquer membro da comunidade linguística
da língua em questão.

Se o contexto colonial não ajudou muito a conservação dos aspectos culturais e


tradicionais da antroponímia, pois a tendência europeia era adequar a escrita das línguas
locais à tradição linguística portuguesa, no caso das colónias africanas portuguesas, e à
tradição inglesa e francesa, no caso das colónias africanas britânicas e francesas, o
contexto actual não está a fazer melhor. Falta uma grande consciência cultural que faça
reconhecer o valor de um antropónimo no âmbito das culturas e tradições africanas.
Costa (2015:104) chama ao processo da adequação das normas da Língua Umbundu à
norma portuguesa, um «processo de deformação gráfica». De facto, sabendo que cada
língua possui características idiossincráticas que lhe são inerentes, a «deformação
gráfica» apresenta-se como um dos grandes desafios para a confiança da identidade
cultural não somente do Povo Ovimbundu, mas de todos os povos de Angola em cujas
línguas este processo está a decorrer.

Assim, o processo neológico de integração de unidades lexicais de valor


antroponímico contempla também, em vários casos, a deformação da sua grafia. Nos
últimos anos, este processo tem sido realizado de forma programática ao nível
institucional. Por isso, a lista de antropónimos que vamos apresentar, contém vocábulos

176
com dupla grafia. A grafia entreparêntesis representa a tentativa do aportuguesamento
dos antropónimos.

4.2.7. Alguns antropónimos e o seu valor semântico

Convém, observar, como também o referiu Costa (2015: 104) que, as culturas
em Angola, na sua maioria, para a onomástica antroponímica apresentam sempre um
parâmetro padrão; ou seja, dispõem de uma norma padrão. Os nomes são dados de
acordo com os acontecimentos, as circunstâncias, os contextos e os lugares de
nascimento. Dentre os factores que concorrem para isso estão os filhos que nascem
depois dos outros não sobreviventes, os nascimentos em tempo de fome, de frio, de
chuva, os nascimentos de gémeos, nascimentos em tempos de guerra, de epidemias, etc.
Estes factores e tantos outros determinam e podem condicionar a atribuição dos nomes.
Por isso, um angolano culturalmente genuíno, isto é, cujos pais ainda observam e
respeitam, com rigor, as tradições culturais do povo a que pertencem, tem sempre o
primeiro nome português e o segundo ou os outros nomes em Umbundu ou noutra
língua bantu afro-angolana da cultura dos seus pais.

Naturalmente, hoje, com os ventos da modernidade que invadem a África, as


culturas e as suas tradições tendem a desaparecer. A globalização, com as suas
tendências de criação duma cultura global é, para as culturas africanas uma arma de
destruição cultural e, por conseguinte, identitária. Hoje, nas cidades angolanas, é quase
difícil encontrar jovens que ainda ostentem nomes com um padrão onomástico
antroponímico que obedeça ao sistema clássico da sua cultura. Em muitos casos, até há
repugnância e resistência a estes valores culturais, por causa da cultura moderna que
tende a uma monocultura, o que empobrece a sua própria identidade. Em seguida
apresentamos alguns antropónimos, recorrentes nos corpora, com o seu respectivo valor
semântico.

- Kamuku (Camuco). O nome vem do vocábulo umbundu omuku que significa rato. O
prefixo ka- indica o diminutivo. Assim, kamuku vem significar ‘ratinho’.

177
- Kandimba (Candimba). Da forma nominal umbundu ondimba que significa coelho.
Kandimba significa coelhinho, considerando que o ka- é, neste caso, prefixo que marca
a posição do diminutivo.

- Kandjaya (Canjaia). O antropónimo é diminutivo da forma nominal ondjaya, que


significa o azar. Kandjaya significaria, assim, pequeno azar.

- Kandumbu (Candumbo). É o diminutivo de ondumbu que é uma espécie de árvore sem


ramificação que cresce a grandes alturas nos bairros. O tronco que pode chegar a medir
de 8 a 10 m de altura, é utilizado, na construção dos tectos das casas, para vigas que
sustentam por dentro as chapas, o rosalite ou o capim. Kandumbu significa, portanto,
um ondumbu pequeno, que ainda não atingiu a altura própria. Na província do Huambo
existe a zona denominada, neologicamente, Pedra-Kandumbu, que é uma área
historicamente referenciada, local-símbolo da resistência contra a ocupação colonial e
onde estão localizados os akokoto.

- Kapoko (Capoco). É um antropónimo cujo étimo é o verbo umbundu okupokola que


significa ‘ser obediente, ser submisso ou submeter-se’. Kapoko é aquele que obedece, é
uma pessoa que se submete à outra, o obediente.

- Kasandji (Cassanji. É um diminutivo de osandji, isto é, galinha. Kasandji designa


uma galinha de tenra idade, quase pintainho ou uma galinha que, apesar de ‘adulta’ é de
tamanho pequeno.

- Kwata-Kanawa. Em vários textos, este antropónimo aparece tal como é aqui


apresentado. Apesar de não ser muito comum na tradição antroponímica angolana
umbundu, ele apresenta características muito interessantes. É composto de uma forma
verbal e de uma forma nominal. Kwata é o imperativo do verbo umbundu okukwata,
que significa pegar, segurar. E Kanawa é diminutivo do nome umbundu onawa que
significa cunhado ou cunhada.

- Ngandu (Gando). Ongandu significa jacaré. O antropónimo Ngandu é, geralmente,


atribuído ao recém-nascido do sexo masculino, cujo (s) irmão (s) que, imediatamente,
veio antes dele, tenha tido uma morte em águas, por afogamento ou por outro modo.

- Savihemba (Saviemba). Etimologicamente, savihemba vem da forma nominal


umbundu ovihemba, utilizado somente no plural e significa medicamento, remédio que
cura. O prefixo sa- indica o valor aumentativo no masculino, equivalente ao prefixo

178
otchi-, tendo como correlativo feminino o prefixo na-. Exemplo: Savita/Navita;
Savihemba/Navihemba. Os dois prefixos têm um valor semântico aumentativo que
indica a afeição a, estar afeiçoado a. Neste sentido, o Savihemba é o homem afeiçoado
na ciência dos medicamentos. É o perito da medicina tropical.

- Sendje (Senje). Em geral, na tradição cultural dos Povos Ovimbundu, este é um nome
atribuído somente às meninas. Ou seja, é um antropónimo com valor semântico
feminino. Etimologicamente, deriva de esendje, que significa pedra, rocha. O
antropónimo designa também um tipo de ervas grossas que se encontram nas margens
dos rios em zonas tropicais.

- Sukwakwetche (Sukuakuetche). O antropónimo significa, literalmente “que Deus te


entregue”, isto é, que sejas, realmente, um dom de Deus que nos foi dado. De modo
geral, o nome é sempre atribuído ao recém-nascido que segue nascimentos falhados, por
razões variadas, ou porque nasceram nado-mortos ou porque vieram à vida, mas não se
mantiveram por muito tempo. O filho seguinte que nasce vivo e se mantém é
considerado dom de Deus. Daí, o rogo pela possibilidade manifesta no conjuntivo
(akwetche).

Neste processo cultural tradicional do sistema nominal, nas culturas bantu afro-
angolanas, principalmente, dos Povos Ovimbundu, encontra-se um aspecto muito
interessante relacionado com o nascimento dos gémeos. Todos os gémeos que nascem
na cultura umbundu, em quaisquer circunstâncias que tenham nascido, têm o seu quadro
onomástico-antroponímico bem delimitado. Este quadro-fixo antroponímico, axiológico
e referencial na cultura, é constituído por nomes de animais de grande simbolismo nas
referências socioculturais. Estas referências são sempre as que têm a ver com a
natureza, o significado, o comportamento e as características dos animais. O ondjamba
(elefante) mais caracterizado pelo simbolismo da corpulência e da força; o hosi (leão) é
o animal da ferocidade, inquietude e agressividade; ongeve (hipopótamo) é o animal
aquático, caracterizado pela sua calma e quietude, embora, amiúde, também agressivo.

Estes antropónimos entraram no uso comum do Português, fazendo já parte


duma cultura antroponímica veiculada pela língua e vivida no quotidiano das
comunidades, no âmbito das próprias relações interpessoais e mesmo ao nível
intercultural. A adaptação destes antropónimos para a Língua Portuguesa, enquanto

179
novas unidades lexicais no Português, é do ponto de vista da inovação lexical, assaz
interessante, pois evidencia, de modo muito clarividente, concreto e contextualizado a
importância da lexicultura para a adaptação, renovação e enriquecimento das línguas em
contacto. Os onomásticos que se apresentam em baixo, que, neste contexto, já possuem
valor antroponímico, são do quadro antroponímico fechado, reservado para os casos
especiais de nascimentos, os gémeos.

- Ndjamba (Jamba). Se, originariamente, este onomástico indica um animal, o elefante,


no contexto cultural dos nascimentos designa o nome que qualquer gémeo recebe
quando nasce. No entanto, o antropónimo é sempre um apanágio do primeiro gémeo a
nascer quer seja do sexo masculino ou do sexo feminino. É considerado o mais forte,
porque é o que primeiro que abriu caminho para o outro.

- Hosi (Hossi). É o antropónimo que se dá ao segundo gémeo que nasce; se for do sexo
masculino, é-lhe atribuído o nome de Hosi, isto é, leão. Provavelmente, pelo facto da
sua inquietude e agressividade, na procura e na busca do modo como pode ir ao
encontro do outro gémeo que o deixou no ventre da mãe.

- Ngeve (Gueve). É antropónimo atribuído ao segundo gémeo que nasce; se for do sexo
feminino. Gueve (Ngeve) significa hipopótamo. A designação de hipopótamo, quiçá
tenha a ver com as características do animal, agressivo na calma que pode significar
também ternura e afeição, um pouco mais de amor, pois a figura feminina está também
muito ligada a estes valores.

- Kasinda (Cassinda). É o antropónimo que se atribui a quem, imediatamente, segue os


gémeos quer seja do sexo masculino ou feminino. A forma nominal Kasinda vem do
verbo umbundu okusinda que significa “empurrar”. No entanto, a sua etimologia não é
muito transparente, porque o ka- insinua à primeira vista, a um enquadramento clássico
prefixal do Umbundu. Todavia, ka- não parece aqui um prefixo, pois que em Umbundu
não existe sinda como nome, mas sim, como imperativo de okusinda, empurrar. Daí que
se torne difícil caracterizar ou explicar o nome Kasinda. As hipóteses mais prováveis,
mas não muito plausíveis são as que lhe dão um significado de “aquela ou aquele que
foi empurrado (a)”, neste caso pelos gémeos. Quer dizer, quem foi impulsionado pelo
nascimento dos gémeos. Kasinda wa sindiwa (o/a Kasinda foi empurrado/a).

180
4.2.8. Alguns topónimos e o seu valor semântico

Diversamente do que se passa com os onomásticos antroponímicos, os


onomásticos toponímicos, a sua atribuição, culturalmente, não segue um padrão
tradicional homogéneo. Este indicador revela a necessidade e a urgência de estudos
nesta área. A toponímia na Zona Linguística Umbundu (ZLU) apresenta factores
aleatórios de designação. Por isso, é frequente deparar com topónimos em que é difícil
distinguir a sua etimologia e, sobretudo fixar o seu valor semântico. A seguir,
apresentam-se alguns topónimos extraídos dos corpora analisados.

- Akongo

À primeira vista, parece um nome plural, derivado do nome singular ekongo que
significa ‘caçador’. Todavia, aqui, trata-se de um topónimo, nome de um bairro da
província de Benguela. Provavelmente, o nome terá a ver com a actividade dos
habitantes da região, caçadores (akongo).

- Wambu (Huambo). Originariamente é um antropónimo. Actualmente tem também o


uso muito generalizado de um topónimo a indicar uma cidade e província da zona
Centro-Sul de Angola em honra ao seu primeiro chefe da primeira família que aí viveu,
o senhor Wambu Kalunga.

- Luimbale [olondwi vivali] (Londuimbali). Município localizado na parte noroeste da


província do Huambo, a sua designação é devida à sua localização geográfica
mesídrica: entre dois rios (p’olondwi vivali), os rios Kulova e Kusangãyi.

- Mbalundu (Bailundo). Município da província do Huambo, localizado a norte da


província.

- Tchicala Tcholohanga (Chicala Cholohanga). Localidade a leste da província do


Huambo. Topónimo formado por dois nomes Tchikala [otchikala = campo] e
Tcholohanga [olohanga, plural de ohanga] (das avestruzes). O prefixo tch- indica neste
caso, o genitivo determinativo.

- Ekunha (Ecunha). Localidade a Oeste da província do Huambo. A forma nominal


ekunha, em Umbundu, designa um pedaço de madeira ou de metal que se coloca na

181
abertura da extremidade do cabo da enxada para reforçar a área do encaixe do seu
orifício. Provavelmente, originariamente terá sido um portuguesismo e mais tarde
passou para umbundismo.

- Olongondjo (Longonjo). A sua etimologia é ambígua, pois a unidade lexical umbundu


olongondjo, da qual provavelmente deriva, é, homógrafa e polissémica. Dependendo da
sua entoação fónica olongondjo pode significar pernas de uma ave ou plural da forma
nominal singular ongondjo (recipiente feito de tronco de uma árvore escavado no centro
em cuja zona côncava se colocam os alimentos, como farelo, milho, etc para a
alimentação dos porcos). O Ongondjo é também conhecido como instrumento que se
levava à cabeça pelos escravos para o transporte de pedras e asfalto para a construção de
estradas e pontes no tempo da escravatura em Angola no período da colonização.

- Ukuma (Ucuma). Localidade situada a Oeste da cidade do Huambo. O seu nome


parece ter vindo da forma verbal umbundu okukuma, que significa aborrecer, tornar-se
fatídico. Exemplo: Pamwe la pamwe, ungende ukuma (às vezes, a viagem é fatídica).

- Tchinjenje [Tchindjendji] (Chinjenje). Localidade situada a Oeste da cidade do


Huambo. O topónimo, não sendo muito transparente, parece dever a sua etimologia à
forma nominal ondjendje que designa um feixe de pequenos fios biológicos situado na
extremidade da espiga da maçaroca. Geralmente, em Umbundu, vem sempre aplicado
no plural olondjendje. Provavelmente, Tchindjendji terá vindo dali, colocado num certo
contexto histórico-cultural.

- Kaquelewa [Kakelewa] (Caqueleua). É designação de um bairro situado na cidade do


Huambo. Kakelewa, etimologicamente, vem da forma nominal do vocábulo umbundu
ekelewa que significa uma pedra (habitualmente de sal). O prefixo ka- tem valor
semântico de partícula diminutiva. Neste sentido, Kakelewa significa uma pequena
pedra (de sal). O seu contexto cultural de origem ainda é desconhecido.

- Kalombilingu (Calombringo). Designa um dos bairros da cidade do Huambo. Este


vocábulo apresenta um comportamento linguístico assaz estranho. Há indicadores que
apontam para o facto de originariamente ter sido um umbundismo através do fenómeno
linguístico de umbundização. A unidade lexical brinco ficou umbundizada para
ombilingu (olombilingu, o plural que é a forma mais usual, talvez por se tratar de um
par de brincos) conservando a mesma semântica. Dali, houve, de novo, o processo
linguístico do aportuguesamento, resultando no umbundismo calombringo (o prefixo

182
ka-, apesar de aportuguesado é, claramente, um prefixo umbundu assumido pelo
Português em todos os seus valores de significação, incluindo o semântico manifesto na
indicação da sua função diminutiva), sem que o Português reconhecesse a sua forma
antiga duma unidade lexical que já tinha sido um seu empréstimo. Deste modo,
Calombringo significa ‘pequenos brincos’, ‘brinquinhos’. Ainda não é conhecido o
contexto sociocultural da sua génese.

- Tchisãlã (Quissala). Localidade situada a Oeste da cidade do Huambo. O forte da


Tchisãlã teve uma grande famigeração durante o tempo de resistência colonial. Este
onomástico toponímico parece derivar do nome umbundu osãlã que significa a coroa.
Neste sentido, Tchisãlã terá derivado de otchisãlã, sendo o prefixo otchi- com função de
referencial aumentativo. Otchisãlã significaria então ‘a grande coroa’ e, por
conseguinte, ‘o grande forte’. Pela sua importância histórica no passado, como um forte
de referência na zona do Planalto Central, este sentido afigura-se o mais aproximado, se
se tiver em consideração este elemento histórico. Contudo, o onomástico pode ainda ser
procedido a partir da forma verbal do verbo okusala que significa ‘ficar’, ‘permanecer’.
Neste sentido, o topónimo Tchisãlã (Quissala) seria a forma verbal do indicativo
presente com significado de fica: etchi tchisala (isso fica). No entanto, o argumento que
pode ligar esta última significação encontra uma ténue ligação com o ambiente e a
posição régia ostentada pelo forte. Entretanto, pode ser uma possibilidade.

- Ndulu (Andulo). Geograficamente, Andulo é uma localidade pertencente à província


do Bié. Etimologicamente, este onomástico toponímico deriva, através do processo
linguístico de aportuguesamento, de ondulu, vocábulo umbundu que designa fel ou
bílis.

- Tchingwali (Chinguar). Topónimo que designa uma localidade da província do Bié. A


sua designação deriva do vocábulo umbundu ongwali que significa perdiz. O prefixo
tchi-, na Língua Umbundu, no geral, é partícula referencial aumentativa. Assim,
tchingwali significa ‘grande perdiz’, ‘uma perdiz de grande estatura e tamanho físico’.

- Nhalehã (Nharea). Localidade da província do Bié. O topónimo parece derivar do


verbo umbundu okunhalehã que significa ‘estender’, ‘expor aos raios solares’. Assim,
Nharea viria do imperativo nhalehã, que significa ‘estende’, ‘expõe ao sol’.
Desconhece-se o contexto sociocultural da génese da sua aplicação.

183
- Kuvale (Cubal). Um dos municípios da Província de Benguela que fica situado a Sul
da cidade de Benguela. O topónimo, provavelmente, terá vindo da forma verbal do
vocábulo umbundu okuvala que significa ‘marcar possessão’, ‘delimitar fronteiras de
um terreno’, ‘apropriar-se de alguma coisa que ainda não tem proprietário’. Com este
sentido, kuvale designaria aquele que marca possessão, que se apropria de alguma coisa.

- Kandjala (Canjala). Esta é uma localidade pertencente à província de Benguela.


Kandjala etimologicamente deriva de ondjala, fome. O prefixo ka-, como noutros casos
que já foram analisados, indica o referencial diminutivo. Okandjala significa, portanto,
pequena fome, fome miúda.

- Katombela (Catumbela). Apesar da sua opacidade etimológica, esta unidade lexical


parece proceder do étimo verbal umbundu okutomba que significa desrespeitar,
desconsiderar, desprezar, menosprezar, não dar valor a. O prefixo derivacional,
diversamente da sua semântica comum nas formas nominais (referencial de valor
morfológico diminutivo), neste caso pontual, tem função de negação (ka- + - tombela,
de ka- + -tombelwa), isto é, que ou o que não se deixa desrespeitar ou menosprezar.
Esta unidade lexical mostra claramente, como o aportuguesamento manipula e encobre
o seu real semanticismo, perdendo o seu real significado original. Esta perda de sentido
próprio é originada e manifesta pela alternância vocálica, ou mais precisamente, pela
oposição vocálica o/u (Katombela vs Catumbela) – fenómenos fonológicos da
metafonia e assimilação (Willians, 1975: 106-114) - o que muda, substancialmente, o
significado da unidade lexical na língua de chegada.

- Kaponde (Caponte). É um dos bairros da cidade costeira do Lobito. O vocábulo vem


da forma nominal umbundu ‘eponde’, que designa um tipo de peixe grande, da família
dos peixes teleósteos tropicais de água doce, com o corpo sem escamas e com barbilhos.
O prefixo referenciador ka- caracteriza a natureza do animal, pequeno bagre deste tipo,
havendo, entretanto, uma metafonia, evidenciada na alternância consonântica da
oclusiva vozeada dental [d] e da oclusiva não-vozeada dental [t]. No entanto, o
vocábulo permite a polissemia. Outra possibilidade é de a unidade lexical ter sofrido
uma alternância de processos morfo-fonológicos. Neste sentido, caponte, insinua um
étimo do vocábulo português ponte (estrutura de argamassa e betão colocada numa
determinada posição sobre um rio, funcionando como meio de comunicação terrestre,
em ligar dois lados ou localidades separados pelo rio) ao qual se antepôs o referenciador
prefixal umbundu ka- com o valor morfológico e semântico diminuitivo (kaponte -
184
caponte). Só o conhecimento da sua origem histórico-cultural pode, certamente, elucidar
a sua verdadeira etimologia.

4.3. O fenómeno de adaptação

Em coocorrência com o fenómeno de aportuguesamento de vocábulos do


Umbundu no Português, para a formação de umbundismos, está um outro fenómeno que
passamos a chamar transposição lexical (o transposicionismo). Chamamos assim este
processo, para caracterizar um fenómeno e comportamento linguísticos que apresentam
uma característica relativamente diferente, se entendermos o aportuguesamento como
«processo que consiste em dar forma portuguesa às palavras estrangeiras» (Chicuna
2000:45).

Este processo, diversamente daquilo que acontece habitualmente, em que o


empréstimo toma a grafia da língua de chegada, tal como tem sido testemunhado até
aqui, o que pode ser chamado “transposicionismo” é um fenómeno que se tem vindo a
registar nos corpora, que aparecem como umbundismos não adaptados, mas
transpostos. Ou seja, são unidades lexicais oriundas da Língua Umbundu, que vão
entrando no Português sem modificação da grafia, da língua de origem para a língua de
chegada, ou seja, usando a terminologia de Costa (2015), os que não sofrem «a
deformação gráfica» na sua passagem do Umbundu para o Português.

O fenómeno consiste no facto de que, há uma tendência de se fazer uma


transposição de unidades lexicais do Umbundu para o Português, preservando a grafia.
Há uma série delas como segue no quadro abaixo. As unidades lexicais que se
encontram entre parêntesis rectos evidenciam o modo ‘clássico’ da sua escrita, sendo a
primeira unidade lexical, expressão da suposta nova proposta ortográfica do Umbundu
ainda em discussão.

185
Tabela 8: Número de ocorrências de alguns umbundismos

Ocorrências nos corpora


Unidade
lexical

Referências
Cikata [tchikata] 2 GP 1

Cikolotola [tchikolotola] 2 GP 1

Evamba 5 HD

Kanekulu 2 GP 1

Katumalela 2 GP 1

Kunga 2 GP 1

Kupapata 5 GP1

kwata-kwata 3 GP 1, CP

Maka 15 GP 1,GP 2, GP 3, CP, JPAb

Makulu 2 GP 1

mbwale 3 GP 2

Mwata 3 GP 1, GP 3

Ngweta 2 GP 3

Njenjekulu 2 GP 1
[ndjendjekulu]

Okulomba, 5 GP 1

Okulumbula 5 GP 1

okutambela 6 GP 1

Okutiuka 2 JO 9-14, DAngblog

olombangalãlã 1 JO 9-14

omeyeko 2 GP 1

186
Onawa 2 HD

Ondongo 2 GP 1

ongungu 1 JO 9-14

Onjuluka [ondjuluka] 2 GP 1

Otjilima [otchilima] 1 HD

Otjilombo [otchilombo] 2 HD

Otjilombola 1 HD
[otchilombola]

Otjilue [otchiluwe] 2 HD

Ovangangela 1 HD

Ovimbundu 26 Em todos

Ovongu 1 JO 9-14

Ovyenye [ovyenhe]

Tjindanda [tchindanda] 5 HD

Ukongo 5 GP 1

Ulonga 1 GP 1

- okutambela ^
(f.v.i)
O vocábulo okutambela é a forma do verbo umbundu. Tem duas acepções. A primeira
tem a ver com a linguagem comum corrente que significa ostentar, mostrar
orgulhosamente, fazer ver. Talvez seja este o sentido da segunda acepção cultural que o
define como um acto de apresentação oficial aos parentes e familiares e
comprometimento amoroso mútuo do futuro casal.

187
Na tradição cultural dos Povos Ovimbundu encontra-se um acontecimento que
marca os que se preparam para o noivado. Passado o tempo do namoro, relativamente
discreto, os futuros cônjuges oficializam a sua relação junto das respectivas famílias. A
família do rapaz, juntamente com este, num dia combinado, vai à casa dos pais da
rapariga. Levam consigo várias ofertas, como por exemplo, um fato para o pai da
menina, um ou vários panos, missangas ou colares para a mãe da menina, alguma
quantia monetária, dependente dos costumes locais e outros utensílios exigidos pela
tradição da zona.

É uma cerimónia nupcial que marca a segunda instância do percurso para o


casamento, orientado para a oficialização da relação entre os jovens (homem e mulher),
exprimindo um sinal de comprometimento na relação e de mútua pertença marcada quer
para as famílias dos dois quer para o resto das pessoas que os conhecem. A partir de
então, a menina e o rapaz estão ocupados, não sendo mais disponíveis para quaisquer
solicitações amorosas. O.m.q alambamento. «Okutambela e okulomba em simultâneo.
Óleo de palma, garrafão de kaporroto e outro de vinho tinto, dois panos, camisa e fato
completo para o sogro, caixa de fósforos, maço de cigarros e cabaça de ocisangua.
Estavam arrumadas as ongandalas» (GP 1, p. 51).

- okulomba ^
(f.v.i)
O vocábulo é um verbo umbundu okulomba. Designa, dentro do âmbito cultural dos
Povos Ovimbundu, a cerimónia que marca a última etapa dum percurso relativamente
longo de namoro, que consiste no pagamento da última parte do ónus tributário
requerido, passo importante para se levar a noiva ao casamento e, por conseguinte, para
o lugar definitivo de convívio com o seu noivo. «Trazemos nas ongandalas o
necessário para okulomba e okutambela e levar a nossa mulher» (GP 1, p. 52).

- cikata [tchikata] ^
(n. f. s.)
Otchikata é a designação que se dá ao tipo de doença venérea purulenta, provocada por
gonococos que, de início, se aloja na uretra, tendo grandes probabilidades de se alastrar
aos órgãos genitais femininos ou masculinos, atacando fortemente, o aparelho urinário.
188
O.m.q gonorreia. «Estava instruído o processo. Qualificação: homicídio voluntário.
Motivo: o autor confessou, e citamos, «não aturei uma mulher me dar cikata, ainda por
cima uma albina», fim de citação» (GP 1, p. 81).

- cikolotola [tchikolotola] ^
(n. f. s.)
A forma nominal tchikolotola vem do étimo verbal umbundu okukolotola que significa
escavar violentamente, utilizando algum instrumento. Provavelmente, com esta acepção,
o nome derivado da forma verbal, passou a designar a evacuação e mal-estar intestinal
que se tem de forma irregular e anormal de excrementos em forma muito líquida ou
semilíquida. O.m.q diarreia, disenteria. «Tinha cikolotola. Tinhas cólicas, pá! Qual
«cikolotola» esse?» (G1, p.72).

- evamba ^
(n. f. s.)
Esta unidade lexical é um nome cuja carga semântica cultural faz parte da tradição
cultural dos Ovimbundu e, certamente, de outros povos de Angola. É uma prática que
marca, culturalmente, o início da puberdade dum adolescente. Consiste no corte do
prepúcio que cobre a extremidade do órgão genital masculino, um acto associado ao rito
de iniciação masculina, num ambiente de isolamento durante algum tempo, no geral, em
tempo de cacimbo. O.m.q circuncisão. «… denomina-se por Evamba ou Ekwendje,
dependendo das áreas e, é uma prática sagrada e obrigatória. Trata-se de um rito que
serve de transição da infância para a adolescência» (HD, 19 Abril, 2008).

- kanekulu ^
(n. m. e f. s)
Esta forma nominal é o diminutivo de onekulu que significa, neto/a. Neste sentido,
kanekulu significa netinho/a. «Não, kanekulu. Avó vem comer só natal!» (GP 1, p. 61).

189
- katumalela ^
(n. f. s)
O vocábulo provém da forma verbal okutumalela que significa estar na companhia de
alguém (sentados algures), geralmente, para dar alguma repreensão ou conselho. Porém,
culturalmente, a katumalela é uma pessoa, nunca um homem, mas sim, uma senhora
enviada como embaixadora, designada por cada família, para os cumprimentos dos
rituais de okutambela (pedir em noivado) e de okulomba (ritual da busca da noiva para a
sua casa de vida conjugal). É assim designada, talvez por fazer a reunião sentada entre
outras pessoas também sentadas. «A comissão saiu rumo à casa dos pais da moça. Um
njenjekulu, uma katumalela. Mais parecia um grupo de refugiados, de tão volumosas
que eram as ongandalas» (GP 1, p. 51).

- kunga ^
(n. f. s)
A sua etimologia em Umbundu não é tão transparente. Contudo, a hipótese mais
provável é a sua origem do verbo okukunga que significa “esfregar”. Daí, o nome
okunga, que designa qualquer trabalho ou exercício difícil de se realizar a que alguém é
submetido, geralmente, por ordenação de um superior ou chefe ou mandatário.
«Inexperiente e sem passar pela kunga da recruta, ficou na equipa da retaguarda onde
aprendeu o trabalho de radista» (GP 1, p. 17).

- kupapata ^
(n. m. s)
O vocábulo procede da forma verbal umbundu okupapata que significa apalpar (em
circunstâncias de incapacidade visual quer de cegueira quer por razões ambientais, por
exemplo, a escuridão da noite). Deste modo, kupapata, um nome de uso muito corrente
em todo o território nacional angolano, designa qualquer pessoa cuja profissão é o
mototaxismo para a sua sobrevivência. São assim designadas por andarem de
motorizadas, em serviços de táxi, tendo capacidade de penetrar em áreas, às vezes, de
difícil acesso, como se estivessem a andar às apalpadelas, em busca de clientela. «John
Spall conviveu e entrevistou quatro grupos de veteranos, actualmente a trabalhar nos
mercados e como kupapatas, na cidade do Huambo» (JO 9-14).

190
- kwata-kwata ^
(advérbio de modo)
O étimo desta unidade lexical pode ser localizado na forma verbal umbundu okukwata,
isto é, pegar, apanhar, agarrar. Nesta forma verbal, é muito frequente a expressão kwata,
kwata (apanha, apanha), forma imperativa de exigir alguém a apanhar alguém,
especialmente, em contextos de fuga de um delinquente que tenha cometido algum
delito, ou alguma coisa em situações em que alguma coisa esteja a cair ou a escapar das
mãos para o chão. O vocábulo formado por justaposição funciona como advérbio de
modo. Apesar de a sua estabilização não ser muito visível, ele é já muito antigo.
Aparece nos manuais de História de Angola do Ensino secundário (no sistema antigo do
ensino da República de Angola, actual segundo ciclo de ensino). Refere-se à guerra de
luta contra a ocupação colonial no Reino de Ombalundu. É uma táctica de guerra usada
pelos Povos de Ombalundu para impedir a acção de invasão dos inimigos, numa acção
de caça-homem «E antes do meio-dia, já muitos suspeitos tinham sido capturados
sumariamente. Um atrás do outro, como se de guerra de kwata-kwata se tratasse» (GP
1, p. 71).

- maka/maca +
(n. f. s)
Esta unidade lexical, o neologismo com mais frequência, no uso normal e corrente dos
angolanos, está dicionarizada apenas pelo GDHLP. O vocábulo maka vem,
etimologicamente, dum étimo de sentido polissémico. Trata-se do vocábulo umbundu
omaka que pode significar problema, dificuldade, desafio – que é o sentido próprio
neste nosso contexto; significa também a cama móvel, utilizada pelos agentes
hospitalares de socorro urgente e casual para o transporte dos pacientes graves ou com
mobilidade reduzida. Geralmente, é um meio almofadado, suportado por uma armação
sustentada por quatro rodas que facilitam a mobilidade. «A maka nunca mais acabava e
eu estava já a ficar cansada» (GP 2, p.71); «A maca começa com o irmão do esposo em
visita aos familiares e amigos» (JO 9-14).

191
- makulu ^
(n. m. s)
Este vocábulo encerra uma polissemia. O primeiro sentido refere-se à idade das pessoas.
makulu designa uma pessoa de idade, é a avó. Neste sentido, makulu é diferente de
pakulu, avô. Observe-se que, o género é marcado pela oposição ou alternância
consonântica da oclusiva oral não vozeada bilabial [p] e da oclusiva oral nasal bilabial
[m] em sílabas iniciais ma- (para o feminino) e pa- (para o masculino) conservando o
mesmo radical -akulu numa posição dextral. Designa também, e este é o sentido que
surge no corpus, a doença, geralmente, dos mais jovens que em Português se designa
por oxiúro: «Resolver a maka da roupa suja, dos piolhos, das bitacaias, do ranho e do
makulu» (GP 1, p.45).

- mbwale ^
(n. m. e f. s)
A unidade lexical Mbwale é, claramente, um vocábulo umbundu, e significa senhor,
irmão, companheiro, colega: «O Mbwale Simbwokemba vai cuidar da ordem» (GP 2,
p.37).

- mwata +
(n. m. e f. s)
O vocábulo está dicionarizado apenas pelo DHLP. A unidade lexical mwata é
problemática, pois a sua origem, não é menos opaca. Há quem o faça derivar do
Kimbundu e outros do Tchokwe. No entanto, a proposta mais possível é aquela que
encontra o seu étimo no vocábulo umbundu omwata, visto que, entre os Ovimbundu, o
vocábulo é muito comum e frequente, e também, pelo facto de que, segundo o DHLP,
outrora, este vocábulo designou um povo do interior de Angola. Em Umbundu o nome
omwata significa homem rico, homem de alto estatuto social, uma entidade, pessoa
importante ao nível social: «E saltava à vista o brilho oleoso no rosto do mwata,
indicador de que a vida lhe corria bem» (GP 3, p.70).

192
- ngweta +
(n. m. s)
A forma nominal ngweta tem a origem não muito clara. Alguns dicionários referem
simplesmente como sendo um africanismo (cfr. DHLP). No entanto, na Língua
Umbundu, é utilizado com frequência. No seu uso corrente significa homem
economicamente rico, homem abastado, pessoa com muitas posses: «Já vi bué que quer
ser ngweta» (GP 3, p.29).

- njenjekulu [ndjendjekulu] ^
(n. m. s)
O vocábulo é, etimologicamente, procedente da Língua Umbundu. Significa uma pessoa
adulta, madura e sabedora, pessoa adulta e experiente da vida, pessoa de respeito. Pode
designar também uma pessoa do sexo masculino indicada por cada uma das famílias
como embaixadora nos rituais de okutambela e okulomba (rituais tradicionais afro-
angolanos do casamento tradicional) que vai como perita no assunto: «A comissão saiu
rumo à casa dos pais da moça. Um njenjekulu, uma katumalela» (GP1, p.51).

- okulumbula ^
(f.v.i.)
É o infinitivo da forma verbal umbundu okulumbula. Designa o acto, essencialmente,
feminino de engravidar. Okulumbula é, assim, um acto de engravidar fora do casamento
ou do Matrimónio. É a designação do acto de engravidar sem que a rapariga coabite
com o seu namorado ou futuro esposo: «Só o sogro, o velho- Kutalika, é que parecia
não ver mérito algum para tanto carisma. Viu sempre no genro um ser inferior, sujo
pelo erro de okulumbula» (GP 1, p. 53).

- okutiuka ^
(f.v.i. e s. m)
É a forma do infinitivo do verbo umbundu okutiuka que significa voltar, regressar
(dalgum lugar). Designa também uma Organização Não-Governamental (ONG)
angolana: «O Projecto vai beneficiar 2000 crianças nas escolas 28 de Agosto, 111, 102,

193
1 e 34, na cidade de Huambo e 300 crianças e jovens vulneráveis que irão participar
pela organização Okutiuka» (JO 9-14).

- olombangalãlã ^
(n. m. pl.)
É um nome plural que designa insectos típicos das anharas durante o tempo de cacimbo,
principalmente, no período da transição desta época para o tempo chuvoso. São
distinguidos por terem um som bastante estridente, que passam durante todo o dia, a
partir das árvores com novos rebentos, sobretudo, quando o sol estiver muito ardente. É
um insecto hemíptero da família dos cicadídeos, mais frequentes em regiões mais
quentes e mediterrânicas, detentores de uma armadura sugadura e picadora por meio da
qual extraem a seiva das árvores para seu alimento e cujos machos possuem um órgão
próprio do lado inferior do abdómen, através do qual, no cacimbo, produzem um som
muito estridente. O.m.q cigarra: «… como por exemplo ratos, topeiras, ovongu,
olombangalãlã, ongungu, ovyenye, mel …» (JO 9-14).

- omeyeko ^
(n. m. s)
Etimologicamente, o vocábulo deriva do verbo umbundu okumeyeka, que significa
limar, cerrar, tornar liso. A forma nominal omeyeko indica o acto de embelezar
cerrando, limando ou lizando alguma coisa: «Mas como o Soba não podia surpreender
a aldeia com um dente meio partido, foi feita uma operação de estética chamada
omeyeko, aplicando um «chanfro em V» aos dois dentes incisivos como símbolo de
nobreza» (GP 1, p. 32).

- onawa ^
(n. m. e f. s)
O vocábulo onawa designa duas realidades culturais diferentes: no âmbito do casamento
tradicional afro-angolano, indica o cunhado (a), irmão ou irmã de um dos cônjuges em
relação ao marido ou à esposa e aos irmãos de cada um deles. Nos ambientes culturais
dos ritos tradicionais de iniciação masculina ou feminina, designa um tutor que

194
acompanha e cuida do neo-circunciso durante 90 dias. «Cada criança faz-se
acompanhar do seu farnel que entregará ao seu tutor Onawa com habilidades para
solucionar todas as questões durante o período de circuncisão que por norma dura 90
dias» (HD, 19 de Abril de 2008).

- ondongo ^
(n. m. s)
O vocábulo umbundu designa um tipo de caniço que se desenvolve em rias, em
ambiente de muita água, com o qual se fazem as esteiras. É da família de oluneva (outro
tipo de caniço): «… assentando a seguir o corpo numa esteira de ondongo» (GP 1, p.
69).

- ongungu ^
(n. m. s)
Designa uma espécie de insectos da família das cigarras: «… pois que eles
alimentavam-se de comidas cheias de vitaminas e proteínas como por exemplo ratos,
topeiras, ovongu, olombangalãlã, ongungu…» (JO 9-14).

- onjuluka [ondjuluka] ^
(n. m. s)
É, etimologicamente, procedente do verbo transitivo okuyulula que significa ‘abrir’. O
onjuluka [ondjuluka] é a acção de abrir ou mais precisamente, uma abertura. No
entanto, o nome designa uma realidade muito específica. Indica um trabalho voluntário
para ajudar um membro da comunidade no meio rural. É um acto de solidariedade em
meios rurais entre os Povos Ovimbundu. Neste sentido o ondjuluka é uma abertura para
os outros, para a solidariedade, para o bem: «Quando velho-Kutalika decidiu arranjar
mais uma ndona, a quarta mulher diga-se, contou com onjuluka para construir e cobrir
a casa com o melhor capim que havia» (GP 1, p. 53).

195
- otjilima [otchilima] ^
(n. m. s)
Vocábulo que, dentro da tradição cultural tradicional dos Povos Ovimbundu, designa
uma pessoa do sexo masculino não circuncidada. O. m. q incircunciso: «Ainda aprende-
se o código de identificação pessoal para descobrir quem é circuncidado (Otjilombola)
e quem ainda não o fez (Otjilima)» (HD, 19 de Abril de 2008).

- otjilombo [otchilombo] ^
(n. m. s)
O vocábulo designa o recinto preparado para acolher e albergar os garotos candidatos ao
rito tradicional da circuncisão. «No Otjilombo [otchilombo], nos dias que antecedem o
regresso à sanzala, antigamente, era sacrificada a vida do jovem que apresentasse um
comportamento indecoroso aos mais velhos ou que se mostrasse durante as actividades
de muito lento» (HD, 19 de Abril de 2008).

- otjilombola [otchilombola] ^
(n. m. s)
É um vocábulo umbundu que designa um garoto ou um adulto já circuncidado e já
iniciado na ‘doutrina’ dos ovingandji (dos palhaços). «Ainda aprende-se o código de
identificação pessoal para descobrir quem é circuncidado (Otjilombola)» (HD, 19 de
Abril de 2008).

- otjilue [otchiluwe] ^
(n. m. s)
O vocábulo designa o ‘mestre da cerimónia’ no ritual tradicional da circuncisão. Este é
o homem que dá indicações e instruções precisas para que o momento processional da
cisão das extremidades dos órgãos genitais dos candidatos seja feita sem algum
obstáculo: «Os mestres Otjilue [otchiluwe] orientam aos Onawa para tocar batuques,
apitos e canções com o propósito de impedir que os gritos sejam captados pelos outros
que aguardam pela sua vez» (HD, 19 de Abril de 2008).

196
- ovangangela ^
(n. m. e f. pl.)
Nome gentílico que designa os Povos da tribo Ngangela na zona Sul de Angola: «…
Ovangangela, entre outros, onde cada um possui a sua cultura, tradição, mitos,
organização social e política…» (HD, 19 de Abril de 2008).

- ovimbundu**
(n. m. e f. pl.)
Este é um vocábulo que, praticamente, já faz parte duma tradição dicionarística
alargada. Entrou no sistema linguística do Português de forma erudita, até ao nível de
aspectos sintáctico-morfológicos. A sua aplicação é já muito estabilizada. É um
gentílico que designa os Povos do grupo etnolinguístico Umbundu da zona Centro-Sul
de Angola que têm em comum, como património, além dos costumes, a Língua
Umbundu: «A origem dos Ovimbundu tem sido motivo de estudos apaixonados por
parte de vários historiadores. Uma das razões tem a ver com o facto de se tratar de um
grupo étnico que marcou (e continua a marcar), de modo profundo, a história
económica, social, política e cultural do território que hoje se chama Angola» (GPb).

- ovongu ^
(n. m. pl.)
Nome umbundu que designa um tipo de bichos ou insectos da família dos lepidópteros
cuja maturação resulta numa nova espécie animal, as borboletas: «… pois que eles
alimentavam-se de comidas cheias de vitaminas e proteínas como por exemplo ratos,
topeiras, ovongu …» (JO 9-14).

- ovyenye [ovyenhe] ^
(n. m. pl.)
Nome umbundu plural de otchenhe. Designa um tipo de bicho ou de insecto da família
do embangalãlã, que diversamente deste último insecto, vive nas covas por ele
escavadas. É um insecto muito mais frequente na época de transição para o tempo
chuvoso: «… ovyenye, mel e uma grande variedade de frutas silvestres …» (JO 9-14).

197
- tjindanda [tchindanda] ^
(n. m. s)
É um nome umbundu. Designa uma pessoa, isto é, um rapaz recém-circuncidado. Esta
designação mantém-se desde o acto da cisão até à cicatrização completa do órgão. «No
dia da saída da Evamba, estes perfilam-se com um chicote de folhas de bananeira ou de
pele de gado na mão e vão dando chicotadas aos Tjindanda [tchindanda] que passam
entre as pernas dos mesmos» (HD, 19 de Abril de 2008).

- ukongo ^
(n. m. s)
Este vocábulo umbundu designa o caçador. Ou seja, um homem que, vive quase,
profissionalmente, da caça de animais selvagens ou homem que pratica a caça furtiva.
No geral, a carne resultante desta actividade, serve para o consumo próprio ou para a
venda. Pode designar também um tipo de dança na tradição dos Povos Ovimbundu. No
entanto, esta dança não teve um ambiente favorável à sua generalização, a razão do seu
desaparecimento nos ambientais culturais festivos e celebrativos dos Povos Ovimbundu:
«Os aldeões cantavam, dançavam, choravam ao mesmo tempo. E, para tão distinta
figura, a dança teve de ser diferente. Ali inventou-se a dança Ukongo, que veio mais
tarde ser também o nome da aldeia» (GP 1, p.56).

- ulonga ^
(n. m. s)
O nome umbundu designa o ritual tradicional de saudação dos hóspedes ou de quaisquer
viajantes que chegam de longe. Geralmente, quando alguém chega de viagem, seja ele
hóspede ou membro da família de casa, depois de pousar as suas malas ou mercadoria,
antes de tudo, narra, oralmente e, de modo detalhado, a sua viagem, enquanto os
encontrados o escutam com atenção. O conteúdo desta narração designa-se por ulonga.
É a partilha mais alargada e pormenorizada da viagem feita: «E ao notar que os
anfitriões nunca mais iniciavam o ulonga, como costuma iniciar a parte da mulher, que
é o lado inferior, os visitantes sujeitaram-se à humilhação e romperam o silêncio» (GP
1, p.54).

198
4.4. Neologismos derivados do fenómeno de umbundização

O contacto do Português com o Umbundu traz consigo alguns desafios a esta


última língua. Assim como o Português no terreno do Umbundu, por razões de factores
geográficos e culturais precisa de inserção e adaptação, assim também o Umbundu
precisa de fazer um aggiornamento de certas realidades de que o Português Europeu é
portador, devidas ao ambiente geográfico e à cultura da população portuguesa, aos
novos dinamismos das sociedades ocidentais, num mundo de total globalização. O
Português beneficia ainda da sua internacionalização o que lhe permite uma exigência
ainda maior de inovação, para responder aos desafios do mundo moderno à escala
internacional.

Por isso, no âmbito da sua internacionalização, a Língua Portuguesa cruza e


dialoga com muitos sectores da vida política, económica, militar, cultural e até religiosa.
É natural que ela tenha mais contributo a dar às línguas bantu, sobretudo, no âmbito da
economia e da técnica, dois motores da sociedade moderna nas suas macro e
microestruturas. Neste caso, o Umbundu acaba por não conseguir nomear, sobretudo se
o ‘ser’ representado pelo conceito não existe no seu plano geográfico ou cultural.

Estamos perante um processo de umbundização das unidades lexicais. Deste


modo, assume-se que umbundização é um processo linguístico que permite a adaptação
duma unidade lexical do Português padrão à realidade gráfica do sistema linguístico de
chegada, neste caso do Umbundu e transpor o conceito do Português para o Umbundu
tal como se encontra no Português. No geral, o neologismo resultante é sempre um
neologismo formal que funciona como empréstimo do Português ao Umbundu.

Tabela 9: Lista de alguns portuguesismos

Portuguesismos Unidades lexicais portuguesas


umbundizadas

akovi As couves
Ekãlu O carro
elalandja A laranja

199
elami O arame
elimãu O limão
elivulu O livro
ematya/etumate O tomate
etandje A tangerina
okalapau O carapau
okalikatole O carregador
okambu O cabo
Okatana /otana A catana
Okavalu O cavalo
okombutatole O computador
olalyu O rádio
olapi O lápis
olata A lata
olonokolo Os óculos
olusu A luz
omanga A manga
omasa A massa
omatele A madre
ombakasisi O abacaxi
ombakate O abacate
ombalãu O avião
ombataliya A bateria
Ombatata # otchitina A batata
omboyo O comboio
ombulasya A bolacha
omeya A meia
omoto A moto
onanasi O ananás

200
ondiyelo O candeeiro
Ondjanelã A janela
ongato O gato
Opalata A prata
opatele O Padre
opela A pera
opeseku O pêssego
opikaleta A picareta
osapato O sapato
osapola A cebola
osikaleta A bicicleta
osikola A escola
osimolã A esmola
Osindu / uvya O cinto
osinõlã A cenoura
osipata A espada
otchikalasãu As calças
Otchimãmã O mamão (a papaia)
Otchimbulu O burro
otelemove O telemóvel
otembo O tempo
Owulu O ouro
uklistãu O cristão

4.5. Neologismos derivados do processo de bantuização

As interferências ou o intercâmbio do léxico no Português de Angola, mesmo na


Zona Linguística Umbundu (ZLU), não se circunscrevem apenas a uma língua, o
Umbundu; são sempre mais extensas. Certamente, os corpora evidenciam casos de

201
unidades lexicais que ocorrem nos textos em análise, que são resultantes do processo de
aportuguesamento, cujo empréstimo não vem da Língua Umbundu. É o caso das línguas
Kimbundu, Kikongo, Ngangela, línguas angolanas bantu com uma certa influência de
interferência no Português de Angola. Neste ponto, trataremos, por isso, de seleccionar
e analisar as unidades lexicais que ocorrem nos corpora e que sejam relativamente
analisáveis quanto à sua origem. O Kimbundu, apesar de, aparentemente, só ter falantes
na zona norte de Angola, tem tido uma grande influência no Português em Angola.

- axiluanda ^
(n. m. e f. pl.)
A sua etimologia não é muito clara, pois o afixo prefixal axi- que antecede a base
nominal -luanda não traduz uma realidade concreta. No entanto, o seu conteúdo
semântico aponta, em Kimbundu, para a ideia de “nativo”, como pode ser atestado nas
expressões múkua’-xi ou mon’a xi (cf. Maia, 1994: 438), cuja tradução literal é filho de
X, isto é, natural de Y. Deste modo, axiluanda é a designação com que se denominam
os habitantes da ilha de Luanda ou os nativos da província de Luanda, apesar,
ultimamente, o vocábulo designar, restritivamente, os nativos e os habitantes da Ilha de
Luanda. O.m.q luandenses. «…mas hoje recebe o nome de Ilha de Luanda, seus
habitantes, são os axiluanda…» (DAngblog).

- Bassula **
(n. f. s.)
De acordo com os dicionaristas, etimologicamente, o vocábulo deve o seu étimo ao
Kimbundu, e provém da formal nominal kimbundu bassula que significa técnica
golpista de derrubamento do adversário. «são os axiluanda, povo com fortes tradições,
como a bassula» (DAngblog).

- bazar**
(f. v. i)

Etimologicamente, procede da forma verbal kimbundu ku baza que significa ir, ir-se
embora. O verbo bazar tem o mesmo significado. «Ok. Podem bazar. Tchau» (GPb).

202
- bessangana ^
(n. f. s)
O nome cuja etimologia não é muito transparente, na tradição dos ambundu, indica os
costumes que se cumprem em contextos festivos. «…os axiluanda, povo com fortes
tradições, como a bassula, a bessangana, grandes festejos para a Kianda que em
português pode ser traduzido como sereia…» (DAngblog).

efiko ^
(n. m. s)
O vocábulo efiko é um lexema da Língua Nhaneka. Procede do étimo nhaneka efiko. É o
nome que se dá ao conjunto de ritos e de cerimónias de iniciação cultural feminina à
vida social e adulta, que se realiza no ombelo (local típico para a iniciação feminina) na
tradição cultural dos Povos Nhaneka (cfr. DILP). «… em algumas regiões da Huila, a
igreja católica ter-se apropriado do ritual de efiko (ritual de iniciação feminino),
alegadamente para depurar aspectos vistos como desumanos…» (GPb).

- kalunga +
(n. m. s.)
Esta unidade lexical é um bantuismo de grande significado cultural, quer para os
Ambundu, quer para os Ovimbundu e para os Ngangela. Nas línguas bantu como
Umbundu, Kimbundu e Ngangela e noutras, este bantuismo é comum a todas elas e com
o mesmo significado o que levanta algum questionamento do ponto de vista
antropológico, histórico e sobretudo linguístico. Kalunga significa mar, morte
(Umbundu), Deus (Kimbundu e Ngangela). Portanto, é um vocábulo polissémico.
Kalunga ao mesmo tempo que significa mar, significa também morte (por exemplo em
Umbundu). Está ligado ainda à ideia de uma entidade divina. Por isso, kalunga está
também relacionado com o inferno, com o reino da morte eterna. Estas línguas mantêm
o significado dalgumas culturas orientais que ligam o mar à morte, às forças negativas e
ao mal: «Sim, mas tem que ficar atento, porque kianda não tem paciência, fica uns
segundos à tua frente, e se não vê sorriso, acha desprezo e volta no fundo do kalunga»
(GP 3, p.30).

203
- kamanga ^
(n. m. s.)
A unidade lexical kamanga é de origem duvidosa; significa garimpo, actividade ilegal
de extracção e comercialização de diamantes. Nalguns casos, designa o próprio
diamante: «Portanto, com a classe de kamanga, todo o cuidado era pouco» (G 3, p.24)

- kianda ^
(n. f. s)
Esta unidade lexical faz parte das tradições culturais dos Povos Kimbundu. Kianda é,
culturalmente, um vocábulo que integra a expressão mitológica destes povos. O.m.q
sereia: «Rei da Lunda jogou no alto mar quatro navios cheios de diamante para
conquistar kianda» (GP 3, p.29).

- kilapi ^
(n. m. s.)

O vocábulo kilapi faz parte daqueles vocábulos com uma etimologia caracterizada pela
opacidade. Pode ser considerado um africanismo. Contudo, esta unidade lexical
neológica, apesar de ainda não ser um vocábulo dicionarizado, a sua vulgarização é
muito alargada nos linguajares correntes dos angolanos. Ela designa a prática que, no
mundo da economia e de negócios se denomina de crédito ou empréstimo financeiro.
No entanto, tal como o empréstimo bancário, o kilapi compreende também o pagamento
de juros durante o tempo que o empréstimo durar: «o angolano não faz crédito, faz
kilapi» (DAngblog).

- kinguilas^

(n. m. e f. pl.)
Esta unidade lexical, como o neologismo kumbú, também apresenta uma origem opaca.
Não vem dicionarizado nem no DLPCACL, nem no DHLP e nem sequer no GDHLP.
Muito generalizado no uso corrente dos angolanos, designa pessoas de uma profissão
voltada para o negócio, que trabalham no mercado informal, encontradas, no geral, nas
praças públicas das ruas. A principal actividade desta profissão de sobrevivência
consiste nos actos transacionais do câmbio da moeda estrangeira, especialmente, o dólar
norte-americano. Entretanto, é também possível, entre eles, encontrar quem faça o

204
câmbio de outras moedas estrangeiras como, o euro, o rand namibiano e, muito
recentemente, o yen chinês: «Quem ganha com a escassez de dólares são as kinguilas»
(PAb, Quinta feira, 19 de Março de 2015).

- kumbú ^
(n. m. s)
A unidade lexical kumbú, de uso muito generalizado quer na oralidade quer na escrita,
embora faça mais parte do discurso da gíria, apesar da sua aparente transparência entre
os falantes do Português e das línguas locais angolanas, a determinação do seu étimo,
não é uma tarefa fácil. A opacidade que ela apresenta é agravada, sobretudo, pelo facto
de que, os principais dicionários que foram utilizados (o DLPCACL, o DHLP e o
GDHLP) não conhecem o neologismo. Não há, neles, nenhuma entrada desta unidade
lexical. Este silêncio não deixa de ser uma preocupação para um linguista lexicólogo e
lexicógrafo, uma vez que não se compreende que um vocábulo, supostamente muito
generalizado em Angola, tenha passado despercebido pelos dicionaristas. Aquilo que se
pode dizer, um aspecto evidenciado pela própria forma do vocábulo, é que ele não
encontra nas línguas bantu afro-angolanas o seu étimo, uma vez que, para designar a
realidade expressa por ele, o Umbundu usa olombongo, o Kimbundu usa kitadi, o
Kikongo usa ntadi. Portanto, não pode provir de nenhuma destas línguas. No entanto,
no seu uso corrente, significa dinheiro: «há mulher na casa, mas com kumbú na mão»
(GP 3, p.52).

- jisabu +
(n. m. s)
É um portuguesismo do Kimbundu. Na tradição cultural dos kimbundu significa adágio,
provérbio. A sabedoria africana está condensada em fórmulas mais ou menos fixas que
sintetizam um conjunto de ensinamentos para a vida. Por esta razão, muitas vezes, ela é
expressa por meio de provérbio ou adágio. Os jisabu são a designação, no Kimbundu,
destas expressões.

- jinongonongo **
(n. m. s)
Bantuismo de etimologia não muito evidente. No seu uso corrente, significa enigma.
Alguns lexicógrafos fazem-no derivar do vocábulo kimbundu nongongo que significa

205
‘adivinhas’. Neste sentido, o afixo em posição e função prefixal ji- funciona como
prefixo aumentativo qualitativo ou quantitativo. «A sexta e última categoria é formada
pelas adivinhas, chamadas ji-nongonongo. Têm como função principal exercitar o
pensamento e a memória» (DAngblog).

- muxima **
(n. f. s.)
Esta unidade lexical, já relativamente estabilizada, tem um uso assaz generalizado entre
os ambundu. É um kimbundismo que significa coração: «Omakamba ma Muxima»
(JCAL, 11 de Maio de 2015).

- xinguilar**
(f. v. i)
Do Kimbundu kuxingila (corresponde em Umbundu a okusingila) que significa estar
sob a influência das forças sobrenaturais manifesta na agitação emocional nervosa do
corpo; estar em possessão, entrar em êxtase: «Filho, depois deste banho, como você não
conseguiu xinguilar, duas horas de batuque, é esperar pente da kianda» (GP 3, p.29).

- zumbi**
(n. m. s)
Do Kimbundu nzumbi (otchilulu, seu correlativo em Umbundu) significa fantasma:
«zumbi, alma do outro mundo» (GP 1, p.89).

- zunga ^
(n. f. s)

No Kimbundu, ku zunga é forma verbal que significa deambular. Daí, deriva o


portuguesismo ‘zunga’ que significa deambulação, andar sem direcção certa: «Ora, se
ku zunga quer dizer em Kimbundu deambular, vendedor ambulante transgride em caso
de instalar montra nas bermas e passeios …» (GP 1, p.85).

- Zambi (Ngana) ^
(n. m. s)
A unidade lexical Zambi (cujo correlativo em Umbundu é Suku) aparece, geralmente,
em fraseologias combinadas com ngana em forma de interjeição. Ai, Ngana Zambi! (ai

206
Senhor Deus!) Zambi e ngana, em Kimbundu, significam Deus e senhor,
respectivamente: «Ngana Zambi num mi deu filho homem» (GP 3, p. 29).

4.6. Outros tipos de neologismos. Estrangeirismos

A definição de estrangeirismos, neste âmbito, é muito peculiar. Consideram-se


estrangeirismos todos os empréstimos que não procedam das línguas afro-bantu ou
africanas. Neste caso exacto, os empréstimos do inglês, do francês, do italiano e do
russo.

Tabela 10: Lista de alguns estrangeirismos ocorrentes nos corpora

Estrangeirismo Tradução contextual

blogue Espaço eletrónico virtual pessoal de


armazenamento e partilha de dados

Bluff Jogo (de interesses)

Books Livros

Bulldozer Fanfarrão

check in Dar entrada para embarcar (em viagens)

Chipes [chips] Cartão interno do telemóvel

Cracks Designação dum dos Clubes desportivos


do Huambo: os Cracks da Alta

dread locks Tranças dos rastas mais velhos (no


Rastafarianismo)

dread talk A linguagem dos rastas

fast food Refeição rápida

fire-lancer/ free lancer Bombeiro/trabalhador autónomo

flipchart Designação de uma folha de papel,


maleável, utilizada em vez da cartolina

imbroglio Trapalhada, confusão

207
Inputs Entradas

Kalashnikov Tipo de arma de marca AKM de fabrico


russo

Kamakovi Nome de um tipo de locomotiva a carvão

Kutushú Género de artes marciais

Motocross Corrida de velocipedes motorizados

plafón Fundo, reserva no cofre monetário

Spray Substância líquida deodorizante

Workshop Workshop, conferência

4.7. Problemáticas decorrentes da análise dos dados

A lista apresentada, resultante do processo de selecção das unidades lexicais


novas e da sua respectiva análise no âmbito deste estudo, evidencia vários desafios
linguísticos. O primeiro deles é saber se o fenómeno da interferência utiliza um
processo mais ou menos linear no encontro dialogante entre duas línguas distintas.
Outro desafio está relacionado com a problemática da diversidade de processos
linguísticos que intervêm nas formações neológicas das unidades lexicais de cada
sistema linguístico.

Esta observação dos dados tratados e analisados, pela sua própria índole, exigem
também uma outra análise muito mais ainda aprofundada, capaz de ilustrar o resultado
da observação e da verificação, ao longo do processo da individualização das novas
unidades lexicais, mostrando o comportamento do PE (Português Europeu) no contexto
do seu contacto com o PA (Português Angolano) na Zona Linguística Umbundu (ZLU).

Não obstante isso, no ponto que segue, tratar-se-á destes problemas e desafios
linguísticos, incindindo sobretudo na apresentação dos processos linguísticos neológicos
mais frequentes nos processos de formação de unidades lexicais.

208
4.8. Resultados da análise dos corpora textuais

O estudo dos corpora textuais deste trabalho, se por um lado teve o objectivo de
individualizar as unidades lexicais neológicas, por outro lado, pretendeu chegar a este
ponto da apresentação dos resultados da análise, sem o qual, o trabalho parecia
incompleto. O resultado da análise é sempre um trabalho de uma observação atenta dos
textos e das unidades lexicais estudadas. No decurso da análise, foram verificando-se
vários aspectos que merecem detalhes, no âmbito do processo da renovação lexical da
língua. Por isso, neste ponto, queremos, antes de tudo, centrarmo-nos nos processos de
formação das unidades lexicais decorrentes nos corpora estudados e analisados.

4.8.1. Processo neológico do ‘transposicionismo’

A observação do comportamento linguístico do Português no contexto


geográfico angolano, mais concretamente, na Zona Linguística Umbundu (ZLU), exigiu
a criação deste vocábulo, para a caracterização de uma tendência muito frequente do
processo neológico do Português daquilo que alguns autores chamam empréstimo
interlinguístico tal como foi definido no capítulo segundo.

No contexto do contacto do PE com a Língua Umbundu e no processamento do


fenómeno da interferência linguística, verificou-se a integração pelo PE de unidades
lexicais sem transformação nem ao nível morfológico, nem semântico. Muitos autores
dos textos, jornalistas e antropólogos esforçam-se por introduzir novas unidades lexicais
oriundas do Umbundu com a mesma grafia, inclusive o k e os dígrafos que não são
usuais no PE ou então unidades lexicais terminadas pela vogal u, também não muito
comum no PE, mesmo quando se trata de estrangeirismos.
Pode observar-se este comportamento linguístico nas unidades lexicais como
Ovimbundu (designação dos Povos habitantes da Zona Centro-Sul de Angola), maka
(problema) e kupapata (profissional do mototaxismo), cuja frequência nos corpora
analisados é de 26, 15 e 5, respectivamente.

209
No entanto, em todas estas ocorrências manteve-se a mesma grafia.
Relativamente à interpretação deste fenómeno, existem dois argumentos. Este fenómeno
pode ser favorecido pelo esforço dos jornalistas, redactores e escritores em manter as
unidades lexicais de pendor lexicultural; este pode ser o caso dos antropólogos que,
geralmente, tentam ser mais conservadores das tradições e dos costumes, inclusive das
tradições linguísticas. Daí, a oscilação ou mesmo a resistência ao aportuguesamento das
novas unidades lexicais que entram no léxico do Português.

Esta dificuldade é verificável nos dicionários consultados como principais fontes


(DLPCACL, DHLP e GDHLP). Estes dicionários, na apresentação das “entradas”,
quanto aos umbundismos, oscilam entre o aportuguesamento e a introdução por via
erudita ou original. Por isso, algumas unidades lexicais estão escritas na forma erudita e
na forma aportuguesada. Efectivamente, este é um desafio para um linguísta e,
especialmente, para um lexicógrafo, lexicólogo ou mesmo terminólogo.

4.8.2. Processo linguístico da sufixação

Já ficou dito no capítulo segundo que, na formação das novas unidades lexicais
do PE, um dos processos mais frequentes ou de grande produtividade é o processo
morfossintático da sufixação. De facto, a análise de unidades lexicais dos corpora
evidencia, de modo efectivo, esta constatação. Assim como acontece com os
estrangeirismos, novas unidades lexicais, do Português Europeu, tweetar, retweetar,
facebucar, blogar, digitalizar e com racializar, beijoqueirismo, obstacularização (as
quatro últimas unidades lexicais, cf. Alves, 2010: 152-153), link, ferry-boat, insight,
high-tec, light, background (Vilalva, 2008: 71), também a inovação lexical do PE no
contexto umbundu segue o mesmo processo.

4.8.2.1. Sufixo –ar

Para o processo da verbalização, o sufixo -ar é um dos afixos de elevada


produtividade. No contexto angolano, até na gíria ou no calão, a produtividade deste
sufixo é assaz forte e elevada. No quadro seguinte, em que se apresentam os

210
neologismos, as unidades lexicais marcadas com um asterístico são do uso corrente na
gíria de jovens.

Tabela 11: Algumas unidades lexicais neológicas através da sufixação em -ar

Unidade lexical (suf. em -ar) Significado

Ajindungar Condimentar o alimento com jindungo


Bazar* Ir-se embora
Bumbar* Trabalhar
Capanicar* Amedrontar, causar susto a
Catanar* Diminuir-se a idade, atribuir-se idade falsa
Cuiar* Ser aprazível, dar gozo
Desbundar* Roubar, gozar a vida (em noitadas)
Laifar* Viver (neologia fonológica- do inglês life)
Matabichar Tomar pequeno-almoço (vulgarizado)
Mbaiar* Bater, dar chapadas, fazer ultrapassagem
na via em viagem
Paiar * Vender, estar em problemas
Panicar* Ter medo, estar amedrontado
Patar* Ir à festa sem ser convidado
Pinar* Mergulhar, atirar-se à água
Pitar* Comer
Smashar * Afundar-se
Tarrachar Dançar tarrachinha
Tchilar Dançar
Trumunar Jogar futebol num forte embate desportivo
Truquiar Ameaçar
Xinguilar Estar em êxtase por possessão dalguma
força sobrenatural

211
4.8.2.2. Sufixo –eiro

Este tipo de sufixo aparece na formação das novas unidades lexicais no processo
morfossintáctico de adjectivalização e, nalguns casos, de nominalização.

- cavaqueiro ^

(n. m. s)

Unidade lexical cuja formação neológica procede de um processo de adjectivalização


(adjectivalização denominal). De Cavaco (nome do rio na zona sul da província de
Benguela) + -eiro (sufixo nominalizador). Designa o agricultor, cujo terreno agrícola
ocupa uma extensão que banha o rio Cavaco; aquele que cultiva nas margens do rio
Cavaco: «Cavaqueiro, agricultor do perímetro pertencente ao Vale do Cavaco» (GP 3,
p. 119).

- batuqueiros ^

(n. m. s)

Aparentemente, o seu étimo pode ser considerado batuque + -eiro (sufixo nominal).
Batuqueiros é, aqui, um neologismo semântico cuja formação segue o processo
morfossintáctico de nominalização denominal. Em vez de designar os tocadores de
batuques (significado mais comum), significa “os ladrões de viaturas”: «Segundo a
polícia, Lucky Philip Dube, de 43 anos, foi assassinado por supostos ladrões de carros,
ou “batuqueiros” como são conhecidos entre nós» (DAngblog).

- candongueira**

(n. f. s)

Deriva, sufixalmente, de candonga- + -eira. De formação sufixal mediante o processo


morfossintáctico de nominalização denominal, o vocábulo é de origem controversa (cf.
GDHLP), apesar de alguns lexicógrafos o fazerem derivar do Kimbundu ka- (prefixo
diminutivo) + -ndong-, amor (cfr. DLPCACL). Esta última hipótese parece ser menos

212
provável e o seu significado é menos próximo que aquele que o vocábulo tem no uso
corrente. Candongueiro (a), no contexto geral angolano, designa uma pessoa que se
dedica ao mundo dos negócios no mercado informal (vendedor de mercadorias nas
chamadas ‘praças’) e não necessariamente no mercado negro, como sugere o
DLPCACL. No entanto, amiúde, o vocábulo tem uma conotação negativa ou
depreciativa, pois, muitas vezes, designa comerciantes que vendem, perfidamente,
produtos num preço mais alto do que o preço praticado pelo mercado normal: «A
candongueira achou tentador o juro de quinhentos mil kwanzas para uma questão de
pouco menos de doze horas» (GP 3, p. 23). Contudo, o mesmo nome no masculino
também designa o meio de transporte para passageiros.

- motoqueiro**

(n. m. pl.)

A sua origem é controversa. Para alguns linguistas o vocábulo vem do francês motard,
motociclista (cf. DLPCACL), para outros ele vem de motoca, motociclista (cf.
GDHLP). No uso corrente, em Angola, esta unidade lexical, formada pelo processo
morfossintáctico de nominalização denominal, designa o agente policial regulador de
trânsito motorizado: «Para a Associação dos Motoqueiros, Amontrang, no Huambo, a
operação contribuiu para a afluência massiva dos motociclistas às escolas de formação
em todo território da província» (JO 9-14).

- quitandeira**

(n. f. s)

Procede de otchitanda (Umbundu) ou kitanda (Kimbundu), resultando no étimo


quitanda)+- eira (sufixo nominalizador, nominalização denominal) designa a vendedora
de mercadorias e produtos alimentares; a mulher que possui uma quitanda: «Castigadas
pela guerra, herdaram da mamã quitandeira a arte de vender» (DAngblog).

213
- requerimenteiro^

(adj.)

De requerimento (petição por escrito) + - eiro (sufixo). Neste caso, o sufixo -eiro, um
adjectivalizador (adjectivalização denominal), formaria um adjectivo. Assim, o
vocábulo designa o que é de natureza do requerimento: «Autorizar por despacho
requerimenteiro a ocupação do espaço frente aos bares» (JCP).

- sanzaleiro +

(adj.)

Etimologicamente, vem de sanzala (aldeia). Forma o adjectivo mediante a partícula


sufixal -eiro pelo processo morfossintáctico de adjectivalização (adjectivalização
denominal): «ManToy não passava de “sanzaleiro” para a maioria de seus colegas
inferiores hierárquicos» (GP 3, p. 17).

zungueiras**

(adj.)

Deriva, sufixalmente, de zunga- + -eira + -s (cfr. zungueira no ponto 4.1.2.3).

4.8.2.3. Sufixo -ismo

- cabeçaquentismo ^

(n. m. s)

Unidade lexical formada de dois vocábulos: cabeça- + -quente- (+ -ismo, sufixo


nominalizador, nominalização denominal). Designa o estado emocional de uma pessoa
muito zangada. «Eu é que conheço bem o cabeçaquentismo dele então …» (GP 3, p.35).

214
- kalupetekismo ^

(n. m. s)

O étimo desta nova unidade lexical é um antropónimo: Kalupeteka (aquele que enverga
alguma coisa) + -ismo (sufixo de nominalização (nominalização denominal),
designando doutrina ou ideologia). Kalupetekismo é uma designação jornalística dada à
“doutrina” religiosa de uma seita fundada pelo cidadão angolano José Julino
Kalupeteka. A explicação do vocábulo vem expresso no exemplo que segue: «Não nos
parece ser fácil definir o kalupetekismo expressão criada pelo economista Maurício
Munene. Ora fala-se em seita religiosa, ora em Igreja (a Luz do Mundo), havendo
ainda quem fale de movimento fundamentalista cristão. Ao que parece, as definições
não param por aqui, porém, limitamo-nos a estas por serem as mais conhecidas.Com
base em alguns dados que têm sido publicados, relativos à biografia de Julino
Kalupeteka, definimos o kalupetekismo como um movimento religioso saído da Igreja
Adventista do Sétimo Dia. Esta confissão religiosa, de onde saiu Julino Kalupeteka,
fundamenta a sua doutrina no Advento de Cristo e, alguns estudos feitos até ao presente
(cf. Os Jovens perguntam; Seitas e Heresias) apontam a datação do regresso de Cristo
como um dos elementos da doutrina adventista nos primeiros anos da sua existência»
(JCAL, 23 de Junho de 2015).

- rangelismo ^

(n. m. s)

Esta unidade lexical deve o seu étimo ao antropónimo Rangel (Dumilde). De Rangel +
-ismo (sufixo de nominalização, designando uma doutrina ou uma ideologia).
Rangelismo é uma unidade lexical da criatividade jornalística. Formado por um
processo morfossintáctico de nominalização denominal, designa uma “teoria” ou
“ideologia” de Dumilde Rangel, antigo governador da província de Benguela. A sua
definição é evidenciada no seguinte exemplo: «E o que significa o Rangelismo? Trata-
se de uma teoria que penaliza todos os funcionários que foram fiéis ao governo
liderado por Dumilde Rangel, e nega espaço no executivo de Armando da Cruz Neto,
que é liderado por ele, Agostinho Estêvão Felizardo» (JCP, Sexta-feira, 12 Fevereiro
2010).

215
4.8.2.4. Sufixo -mento

- xinguilamento**

(n. m. s)

Neste contexto, o afixo -mento é o sufixo nominalizador (no processo de formação de


unidades lexicais de nominalização deverbal) com menos produtividade e frequência
nos textos, no âmbito dos neologismos. Do étimo verbal xinguilar- + -mento (sufixo de
nominalização): «Os axiluanda, também cultuam com muita coragem e determinação
os espíritos dos seus antepassados, através do ato de xinguilar ou xinguilamento, que é
o ritual que envolve essa tradição» (DAngblog).

4.8.2.5. Sufixo -ção

- guetização ^

(n.m.f)

Esta nova unidade lexical não procede de um processo de bantuização nem de


africanização. O seu étimo parece proceder de um anglicismo “ghetto” que, na língua
inglesa, numa perspectiva mais sociológica, significa ‘uma parte de uma cidade,
especialmente uma área de favela habitada por um grupo ou grupos minoritários’.
Guetização procede, deste modo, de um processo de inserção de um estrangeirismo, e
este, uma vez adaptado, mediante o processo morfossintáctico de nominalização,
através do sufixo modificador -ção, formou, por meio da nominalização denominal, um
outro nome em que temos gueto- + -i-za- + -ção. Portanto, até chegar ao nome que
temos, esta unidade lexical passou por um processo morfossintáctico complexo: «Se
continuarmos a agravar a vida do povo corremos o risco de invocar os males da
densificação e da guetização» (JCP, 30 de Abril de 2010).

216
4.8.2.6. Outros casos de sufixação

Além destes casos acabados de referir no processo de formação de novas


unidades lexicais, os corpora integram outros neologismos. Estas formas de processos
neológicos estão muito manifestas em certos gentílicos ou denominações de grupos que,
tomando o acrónimo, sigla ou nome de uma personalidade de referência, formam, pelo
processo de nominalização, um nome.

4.8.2.6.1. Alguns gentílicos

Tabela 12: Lista de alguns onomásticos gentílicos

Gentílicos Designação
Benguelenses (Benguela-, topónimo + - Natural ou habitante de Benguela
ense + -s) **
Camundongo**34 Natural de Luanda; o.m.q Kaluanda
Catetes^ Naturais ou habitantes de Catete - Bengo
Kaliapuenses (Kalyapu-+-ense-+-s) ^ Habitantes do município de Kalyapu
Kaluanda^ O.m.q Camundongo
Kamutangres O.m.q Benguelenses
Lobitangas^ Naturais do Lobito
Macocolenses (Macocola-+-ense-+-s) ^ Natural ou habitantes da comuna de
Macocola-Uíge
Magrebinos^ Os Povos do Magreb
Sumbense (Sumbe-+-ense) ^ Natural ou habitante do Sumbe

34
Apesar da confusão que existe entre os dicionaristas, com tendência de fazer derivar camundongo do
Umbundu kamundongo (tipo de rato) ou ainda do Kimbundu kamundongo, indíviduo civilizado, ou
citadino (cfr. GDHLP), o uso corrente do vocábulo consagra o significado de “aquele que é natural de
Luanda, o kalwanda”.

217
4.8.2.6.2. Outras formas

As unidades lexicais que seguem abaixo têm uma formação peculiar. A primeira,
formou-se a partir do acrónimo MPLA, acrescentando-se-lhe à base, os infixos -an-, -e-
e o sufixo modificador -s (do número). Deste modo, passou-se do acrónimo que designa
um movimento político, para um nome que designa os membros desta agremiação
política. «Por paternalismo, os manpelas passaram a tratar o voluntário pequenote por
Caçule» (GP 1, p.18).

A segunda unidade lexical formou-se por meio da adjectivalização denominal, a


partir de um antropónimo: Savimbi. Ele procede do nome completo de Savimbi (Jonas
Malheiro, o líder histórico da UNITA). Savimbista designa, aqui, um modo de operar
segundo os ideiais do Presidente Jonas Malheiro Savimbi; proceder à Savimbi; à
maneira do Presidente Jonas Malheiro Savimbi: «Uma governação semelhante àquela
que se apregoa savimbista» (JCP, 12 de Fevereiro de 2010).

Tabela 13: Formação de “Manpelas” e “savimbista”

Unidade lexical Designação


Manpelas (M- an- P-e- LA-s) Membros ou militantes do Partido
MPLA. Antigamente, designou os
guerrilheiros das FAPLA (Forças
Armadas de Libertação de Angola)
Savimbista (Savimbi- + - ista) Segundo os ideais do Presidente Jonas
Malheiro Savimbi; à maneira de Savimbi

4.8.3. Neologismos semânticos

As tipologias neológicas dos neologismos semânticos já foram tratadas no


capítulo segundo (ponto 2.1.6). Neste ponto do quarto capítulo é apresentada a lista de
algumas unidades lexicais que, não sendo formalmente novas, ganharam um novo
sentido, em função dos contextos em que ocorrem nos enunciados textuais. São
neologismos semânticos.

218
- caraças: Encontra-se em expressões de coloquialidade com o sentido de “grande”:
«Olha que eu mando uma garganta do caraças!» (GP 1, p. 18); ou que não tem valor:
«já um ano tinha ido pro caraças» (GP 1, p.40).

- garganta: Aqui, é sinónimo de capacidade de persuasão. «A execução da estratégia


militar dependia muito da sua garganta» (GP 1, p.19).

- gasosas: No contexto angolano, significa pagamento (em dinheiro) em troca de algum


favor recebido (este tipo de linguagem entra nos esquemas de corrupção em que, quem
tiver poder de conceder algum favor numa instituição pública ou privada faz do seu
cargo um “balcão de clientela” com a devida cautela para não ser detectado) [cfr. DP]:
«Se a polícia implicar contigo mesmo que sem motivo, já sabes o que ele quer, dá-lhe
gasosa, se tiveres qualquer assunto para resolver na administração pública não te safas
se não deres gasosa. A “gasosa” está de tal maneira institucionalizada em Angola que
parece impossível viver sem ela. Dizem que teve origem no pedido de dinheiro para
beber uma coca-cola ou um sumo, vulgo gasosa» (WP, 29 de Março de 2011).

- hortelã: Esta unidade lexical, aqui, funciona como neologismo semântico resultante da
ambiguidade semântica do vocábulo umbundu otchimbumba, no contexto dum falante
do Português como L2 que, em vez de traduzir o vocábulo otchimbumba por viúva,
traduziu-o por ‘hortelã’. De facto, em Umbundu, o vocábulo otchimbumba é
polissémico, tanto pode significar viúva, como pode denominar a ‘hortelã’ (planta
herbácea da família das labiadas, muito odorífera que se utiliza na gastronomia). Em
situação discursiva, na Língua Umbundu, só o contexto de ocorrência pode indicar o
verdadeiro significado semântico desta unidade lexical. «A minha mãe é hortelã» (GP 2,
p. 14). Na verdade, este exemplo é um pseudo-neologismo.

- manter: É uma forma verbal que, diversamente, do seu significado originário, é


utilizado, no contexto angolano, não raras vezes, para designar uma outra realidade. O
vocábulo, no contexto angolano, encontra-se inserido num quadro situacional do
casamento. Significa viver maritalmente com alguém: «… queria manter kianda,
porque é bonita» (GP 3, p.30).

219
- maremoto político: No contexto de ocorrência é uma metáfora. Neste sentido, indica a
agitação política da situação angolana comparada com a agitação violenta das águas do
mar: «Angola está no meio de um maremoto político, com a fome e a miséria
galopantemente a tomarem posições muito sérias no solo angolano» (JCP, 29 de abril
de 2007).

- povo: Unidade lexical cujo sentido peculiar ocorre em contexto textual, significando
“gente de classe baixa”. Ocorre como neologismo semântico. «Uáá virou povo!...»:
(JCP, 12 de Fevereiro de 2010).

4.8.4. Neologismos fono-morfológicos

Os corpora textuais analisados evidenciam também outros processos de formação de


unidades lexicais, através de processos morfo-fonológicos, cujas formações resultantes,
denominam-se neologismos fono-morfológicos.

Tabela 14: Lista de alguns neologismos fono-morfológicos

Unidade lexical (forma própria) Exemplos


Camá prussó (camarada professor) «Não tenho, camá prussó, a minha mãe é
hortelã» (GP 2, p. 13)
matía (matei) «Não, Chefe, eu não matía» (GP 1, p. 72)
Mazé (mas é) – funciona aqui como um «Já vi que sabes mazé falar» (GP 1, p.
‘quase-advérbio’ 20)
Sinhô (senhor) «Me prende já, sinhô agente» (GP 2,
p.31)
Sô (senhor) «Eu perdi o controlo, Sô Padre» (GP 3, p.
64)

220
4.8.5. Formas onomatopaicas e interjeições

As unidades lexicais em formas onomatopaicas e ou de interjeições que em


baixo são apresentadas têm ocorrência efectiva nos corpora. As formas onomatopaicas
são a imitação de animais, no caso da forma “huim! huim! huim!”, da imitação do
barulho resultante da queda de objectos, principalmente, metálicos relativamente leves,
no caso de “puapualakatá”, ou sonorização do barulho e do modo de alguém que se
levanta da cama, no caso de “tátrakaça!”. As interjeições são frequentes em conversas
coloquiais de amigos ou de famílias.

Tabela 15: Lista de algumas novas unidades lexicais onomatopaicas

Unidade lexical Exemplos

Huim! (forma onomatopaica) «…lá vem o cabelo de porco… huim,


huim, huim!!!» (GP 1, p. 48)
Puapualakatá! (forma onomatopaica) «De repente… - puapualakatá, pumbas! -
» (GP 1, p. 63)
Tátrakaça! (forma onomatopaica) «As pessoas só acordaram… (tátrakaça!)
caminho fechou!» (GP 2, p. 85)
Uéon! (forma onomatopaica) «Uéon, uéon, uéon, retinia a viatura» (GP
1, p. 78)
Huó! (interjeição de zombaria) «Huó, olhem só os sorrisos de esguelha!»
(JCP, 12 de Fevereiro de 2010)
Nhõ! (interjeição de cólera) «"Nhõ! Caiu"» (12 de Fevereiro de 2010)
Uáá! (interjeição de mofa) «Uáá, virou povo!...» (JCP, 12 de
Fevereiro de 2010)

4.8.6. Acrónimos, Siglas e Abreviaturas

Como já ficou referido, uma das formas da inovação lexical das línguas é
mediante o siglário e abreviaturas. A lista dos acrónimos e siglas em baixo resulta da
selecção e recolha de alguns acrónimos e siglas que ocorrem nos corpora textuais.
Foram excluídos, à partida, os acrónimos e as siglas já muito consagrados pelo uso
corrente dos falantes angolanos ou estrangeiros.

221
Tabela 16: Lista de algumas siglas e de acrónimos

Acrónimo / Sigla Descrição


ADPP Ajuda de Desenvolvimento de Povos
para Povos
ADRA Acção para o Desenvolvimento Rural e
Ambiente
AJPD Associação Justiça, Paz e Democracia
AKM Автомат Калашникова
Модернизированный (Automático
Kalashnikov Modernizado)
ANA-KUIMA Associação dos Naturais do Kuima
ANAPHUA Associação dos Naturais e Amigos da
Província do Huambo
BPV Brigada Popular de Vigilância
CAN Campeonato Africano das Nações
CANFEU Campo Nacional de Férias dos
Estudantes Universitários
CASA-CE Convergência Ampla de Salvação de
Angola – Coligação Eleitoral
CODESPA Conselho de Desenvolvimento do
Pártenon
CPEE Comissão para a Eficácia das Execuções
CPP Comando Provincial da Polícia
DNVT Direcção Nacional de Viação e Trânsito
DPOTU Direcção Provincial do Ordenamento do
Território Urbanismo
DTPN Desenvolvimento Territorial Participativo
e Negociado
DW Development Workshop
FLEC Frente de Libertação do Enclave de
Cabinda
FLEC-FACU Frente de Libertação do Enclave de
Cabinda-Forças Armadas Cabindesas
Unificadas
FLEC-PM Frente de Libertação do Enclave de
Cabinda-Posição Militar
FORDU Fórum Regional para o Desenvolvimento
Universitário
HABITEC Habitação e Tecnologia (Mobiliária)
IECA Igreja Evangélica Congregacional em
Angola
INOTU Instituto do Ordenamento do Território e
Urbanismo
GIPAC Grupo Intergovernamental de Peritos em
Alterações Climáticas
ISCED Instituto Superior de Ciências de
Educação
SME Serviço de Migração e Estrangeiros

222
Zip Zona de Intervenção Pedagógica
Angonet Internet de Angola
Angop Angola Press
Amotrang Associação dos Motoqueiros
Transportadores de Angola

4.8.7. Algumas considerações

Depois desta análise dos corpora, feita a devida individualização de novas


unidades lexicais que evidenciam o dinamismo da inovação lexical do Português na
Zona Linguística Umbundu (ZLU), qualquer nota resultante da observação deste
tratamento afigura-se como consequência lógica. Por isso, este ponto trata dos aspectos
linguísticos verificados ao longo da análise.

Uma das primeiras considerações que se pode fazer é de que, as unidades


lexicais analisadas, extraídas dos corpora trabalhados, evidenciam as afirmações e
constatações de muitos linguistas, dos quais, Vilalva (2008: 51) quando sublinhou que

«não existe uma só maneira de gerar neologismos: alguns são palavras


inventadas ou criadas, de forma mais ou menos aleatória, a partir de palavras já
existentes; outros são palavras introduzidas na língua por empréstimo a outras
línguas; outros são palavras formadas a partir de recursos morfológicos
disponíveis na língua».

A análise das unidades lexicais realizada mostra, efectivamente, esta observação


linguística. Constata-se que o desenvolvimento de uma língua opera-se de diversas e
variadas maneiras. Neste percurso de busca da sua inovação ou da auto-recriação, a
língua utiliza vários mecanismos, diversos instrumentos e um conjunto de processos ao
seu alcance, para realizar o “seu ideal” de manter a sua vitalidade. Todo este
funcionamento, em situação de “viagem” para terras desconhecidas, com novos padrões
culturais, a língua tem de proceder, necessariamente, o processo de adaptação à
realidade cultural local. É este fenómeno da adaptação que deverá ter como exigência
imprescindível a utilização de todos os instrumentos e mecanismos que lhe ajudam a se
inserir no novo contexto cultural.

223
Todavia, a própria língua também age com cuidado para não perder a sua
própria originalidade, ou seja, os seus aspectos característicos fundamentais
idiossincráticos. Neste sentido, a língua é um «organismo vivo» mais aberto à novidade
e ao diferente, e, concomitantemente, mais conservador. É esta característica da língua
que permite falar em «palavras possíveis, existentes e atestadas» (Vilalva, 2008:29).

A análise evidencia que, no seu contacto com a Língua Umbundu, o Português


tem vindo a assumir e a assimilar várias unidades lexicais do Umbundu, integrando-as
no seu repertório lexical. Neste processo, o campo mais fértil é o da cultura. Por isso,
pode afirmar-se que a lexicultura aparece na zona linguística umbundu e,
provavelmente, noutras zonas linguísticas, como o campo mais dinâmico. Por isso, é o
campo que mais e muito evidencia o fenómeno linguístico da interferência linguística
do Umbundu no Português e vice-versa. Esta constatação conduz-nos também a
inferência de que, sociologicamente falando, o mundo da cultura é o mais resistente à
mudança e, ao mesmo tempo, é o que mais exige da “língua hóspede”.

Ao aceitar a interferência, a língua pretende responder a esta exigência da


cultura em questão. Daí, a verificação de que, na Zona Linguística Umbundu, são
sobretudo os campos culturais da iniciação à vida (desde o nascimento de uma criança,
o ritual da sua nomeação até à morte), nascimento, iniciação juvenil, casamento, e morte
que mais exigem do Português, a sua adaptação.

Na formação das novas unidades lexicais, nas línguas naturais, principalmente,


em unidades lexicais complexas, tem-se tido em conta a questão da composicionalidade
como elemento de distinção das estruturas léxico-morfológicas. Esta é entendida como
«uma propriedade das palavras cujas forma e interpretação são funções directas da
forma e da interpretação dos seus constituintes» (Vilalva, 2008: 29). Este princípio, à
partida, está patente nas novas unidades lexicais analisadas. Aparece, por exemplo, em
formas como quitanda (de otchitanda ou kitanda) para quitandeira, Kalyapu (topónimo)
para kaliapuenses (gentílico).

Do lado oposto do princípio da composicionalidade está o outro princípio de


lexicalização. Este é definido como «processo de perda de composicionalidade, que
actua de forma aleatória e imprevisível, sempre que pelo menos um dos constituintes

224
morfológicos sofre alterações semânticas ou formais ou é desconhecido para os
falantes» (Vilalva, 2008: 30).

Entre os processos morfológicos de inovação, a derivação sufixal tem maior


presença e dinamismo.

A interferência do Umbundu no Português é mais produtiva nos nomes. Por


conseguinte, a nominalização denominal ocorre com maior frequência.

A verbalização, seja ela denominal, deadjectival ou mesmo deverbal, é escassa e


quando aparece confirma a tese de que, o sufixo –ar é o mais produtivo (Cunha e Cintra
1984, Bechara 1991, Alves 2002; Caetano 2003). O afixo derivacional -ar é o mais
produtivo e abunda nas formações de verbos na gíria e no calão. Ex.: bumbar, bazar,
catanar, smashar, tchilar, tarrachar, pinar, pitar, patar, mbaiar, paiar, cuiar, laifar,
disbundar, chiar.

Para a formação de unidades lexicais denominais, diversamente do que acontece


no PE em que o sufixo -eiro é, de vez em quando, disponível para o processo da
adjectivalização (cf. por exemplo Coutinho, 1958: 183-184), os corpora mostram a
disponibilidade do afixo quase, exclusivamente, para o processo de nominalização
(denominal). Ex.: motoqueiro, zungueira, quitandeira. Contudo, encontram-se também
algumas unidades lexicais resultantes do processo de adjectivalização denominal:
cavaqueiro, fofoqueiro, sanzaleiro.

A par dos processos neológicos morfossintácticos que ocorrem e concorrem para


a formação de novas unidades lexicais, há outros processos denominados «não-
morfológicos» (Caetano 2003; Vilalva, 2008). Entre estes processos, sublinham-se:

- A eponímia, que consiste na formação de um nome ou adjectivo a partir de um


topónimo ou antropónimo. Ex.: Kalupetekismo (do antropónimo Kalupeteka),
Rangelismo (do antropónimo Rangel), Kaliapuenses (do topónimo Kalyapu);

- A onomatopeia: puapualakata, tatlakata;

- O truncamento, que consiste, basicamente, na redução, eliminação de uma sequência


fónica: TB (tuberculose), conterra (conterrâneo), pió (pioneiro), man- + -pelas (mano do
MPLA);

225
- Acronímia, que, como o truncamento, consiste também no processo da redução, mas
formando uma unidade lexical que se realiza foneticamente como um contínuo sonoro,
resultante da selecção dos grafemas iniciais de cada vocábulo: AJAPRAZ (Associação
dos Jovens Angolanos Provenientes da Zâmbia), IESA (Igreja Evangélica Sinodal em
Angola),

- Siglas: QCM, IPCC (cfr. ponto 4.2.1.7).

Contudo, na sua realização linguística, o PE assumiu, consideravelmente, o


processo não-morfológico do empréstimo no dinamismo da sua revitalização. Ou seja, o
empréstimo, enquanto processo de inovação lexical, embora não seja morfológico,
aparece nos corpora em maior proporção. Este processo é o que mais possibilita a
adaptação de uma unidade lexical de uma língua para outra.

A unidade lexical que funciona como empréstimo pode inserir-se ou adaptar-se


de vários modos: entrando de maneira erudita (forma e semântica): kota (do Umbundu
kota), sekulu (do Umbundu sekulu), Epalanga (antropónimo Umbundu Epalanga ou
função na corte real: epalanga, isto é, o secretário do Osoma), Kalunga (do Umbundu,
mar ou morte), Kianda (do Kimbundu Kianda), ombala (do Umbundu ombala), Kanata
(topónimo Umbundu Kanata, isto é, lodo, ‘pequeno’ barro), kupapata (profissional do
mototaxismo) ou com algumas alterações fonético-fonológicas: Soba (do Umbundu
Soma), Quitanda (do Umbundu otchitanda, ou do Kimbundu kitanda), Quipungo
(topónimo Umbundu, kipungu, isto é, zona de milho), Jamba (antropónimo Umbundu,
Ndjamba, elefante), Cassinda (antropónimo Umbundu Kasinda), caningiri (onomástico
passerifórmico de kaniñgili, uma espécie de pássaros da classe dos ovíparos, de
tamanho muito pequeno, localizada nas zonas planálticas de Angola).

Outra atestação importante que se pretende referir, muitas vezes deixada no


olvido pelos linguistas angolanos falantes do Umbundu L1 é a formação dos nomes dos
meses e dos dias em Umbundu. Embora não seja um assunto totalmente neológico, ele
pode ser importante para compreender o fenómeno linguístico da interferência e da
inovação lexical entre as duas línguas em estudo, o Português e o Umbundu, no
contexto da Zona Linguística Umbundu.

226
Chama atenção de qualquer linguista atento a este fenómeno, o facto de que,
para os nomes dos meses, o Umbundu assumiu a terminologia própria. Ou seja, apesar
de acompanhar o denominado calendário gregoriano (ocidental) não integrou no seu
sistema os umbundismos, mas procede do seu próprio jeito, para a denominação dos
meses do ano civil, recorrendo à dimensão cultural da observação dos acontecimentos e
dos fenómenos naturais quotidianos.

Diversamente do que acontece com os nomes dos meses, a denominação dos


dias procede doutro modo. Esta apresenta um procedimento diferente, no seu processo
de denominação hebdomadária, recorrendo ao processo linguístico de umbundização.
Para ilustrar estes procedimentos, apresentam-se os quadros que seguem:

Tabela 17: Meses do ano

Nomes dos meses em Português Nomes dos meses em Umbundu


Janeiro Susu: significa extremidade de um
objecto. Janeiro é o mês situado na
extremidade inicial do ano. É o primeiro
mês do ano. O nome pode vir ainda da
forma verbal “okususuluhã”, que significa
tirar parte do que havia. O mês de Janeiro
é o mês em que, em termos de
mantimentos, está entre o que já se
consumiu e o que ainda resta do
armazenamento nos celeiros, enquanto se
espera o amadurecimento do que se
cultivou nos campos: osãyi y’esusuluhõ (é
o mês da escassez - alimentar).
Fevereiro Kayovo: literalmente, significa micro-
salvador. É o mês que começa a salvar da
fome, pois ele marca o início do
amadurecimento dos produtos da lavoura,
como o feijão, a maçaroca… A escassez
começa a desaparecer e aparece a salvação
dos lares e das famílias.
Março Elombo: é o primeiro mês das “águas
vivas”, porque chove aos cântaros e é o
mês das colheitas nas nakas (zonas de
lavouras nas margens dos rios). Colhe-se,
mas enfrentando a água e o lodo em

227
profundidade (elombo).
Abril Kupupu: vem do étimo verbal umbundu
okupupula que significa malhar, debulhar.
É o mês do debulho do feijão
amadurecido e colhido durante o mês do
elombo.
Maio Kupemba: procede do étimo verbal
umbundu okupemba que significa soar,
expelir para fora o muco formado pela
acção da gripe ou da constipação. É o
terceiro e o último mês das “águas vivas”.
É o mês de transição do tempo chuvoso
para o cacimbo, época fria. Por isso, é o
mês do início das constipações, que
desencadeiam o acto de okupemba.
Junho Kavambi: é o mês do frio. Contudo, como
é o mês em que o frio começa, este ainda
não é tão intenso. Daí, a denominação Ka-
vambi, isto é, frio ‘miúdo’ (diminutivo de
ombambi, frio)
Julho Evambi linene: mês de muito frio.
Literalmente, é o mês de grande frio, com
atestação de ocorrência de geada nas
manhãs.
Agosto Kanhenhe: literalmente, significa pequena
seca, pequena estiagem. Há falta de água
neste mês, pois já não chove desde o mês
de Kupemba (Maio).
Setembro Nhenhe-vava ou Nhenhe: literalmente,
significa estiagem de água (apesar de ser
um pleonasmo). O mês em que há sinais
da iminência do tempo chuvoso,
manifestos em chuviscos que, por sua vez,
originam um grande calor o que torna os
campos e as fontanelas ainda mais secos.
Outubro Mbala Vipembe: procedente de dois
étimos: mbala, do étimo verbal okuvala
que significa, demarcar, delimitar, marcar
fronteira; e vipembe, do étimo nominal
ovipembe que significa campos baldios,
florestas, planícies. Outubro é o mês da
decruagem dos terrenos para o lançamento
das sementeiras.
Novembro Kuvala Kwapupulu: etimologicamente,
provém de okuvala, isto é, doer, e de

228
epupulu, inflamação originada pela picada
do mosquito, abelha, etc. Literalmente,
significa a dor da inflamação da picadela
de insectos (mosquitos…). É o mês de
muita humidade, por causa das chuvas e,
por conseguinte, o mês de muito
mosquito.
Dezembro Tchemba-Nhima, literalmente, significa
voltado para trás. Etimologicamente,
procede do étimo verbal okwimba, lançar
e onhima, as costas, as traseiras. Trata-se
do mês em que se vê retardado todo o
esforço feito nos meses de decruagem,
pois as fortes chuvas que fazem brotar a
erva dos campos, parecem tolher as
sementeiras. Daí, o sentimento de
retrocesso e de aparente perda.

Como se pode verificar, para a designação dos meses do ano, a Língua


Umbundu leu os acontecimentos naturais de cada época e, a partir deles, designou-os
com estes nomes, adaptando-os às formas mais fáceis de serem empregues no uso
linguístico quotidiano.

Contudo, para a onomástica do hebdomadário, a língua já procede de modo


diferente. Senão, veja-se:

Tabela 18: Dias da semana

1ª forma em Umbundu 2ª forma em Umbundu


Português
Em

Domingo Tchalumingu ---------------


Segunda-feira Vali (segundo) dia Tcha sikunda; sikunda
Terça-feira Tatu (terceiro) dia ----------------
Quarta-feira Kwãlã (quarto) dia -----------------
Quinta-feira Talõ (quinto) dia Vo kinda
Sexta-feira Sesa ------------------
Sábado Tcha Sapalo ------------------

229
Olhando para este quadro da denominação hebdomadária, constatam-se dois
problemas linguísticos que, vistos sob o ângulo do processo de inovação lexical da
língua (neste caso, do Umbundu), suscita outros problemas de natureza histórico-
cultural. O que se verifica é que, o Umbundu tem designação própria para os dias
segunda-feira, terça-feira, quarta-feira e (quinta-feira?) servindo-se de numerais ordinais
empregados também no Português. Porém, nos dias domingo, sexta e sábado teve de
fazer o recurso ao processo de umbundização. Por outro lado, nos dias segunda-feira e
quinta-feira, além de ter a forma própria, a comunidade dos falantes recorre ainda à
umbundização de vocábulos do Português.

Como se pode entender que, para um povo tão antigo com a sua língua
igualmente antiga, não tenha denominações hebdomadárias consuetudinais, à
semelhança do que se passa com as denominações dos meses do ano? Do ponto de vista
da lexicultura, o que de novo trouxe o Português no contexto cultural dos Povos
Ovimbundu relativamente aos aspectos da noção do tempo? A noção de tempo, na sua
asserção hebdomadária, é uma realidade da presença portuguesa nas comunidades dos
Ovimbundu?

Estas são algumas questões que se podem levantar, se se tiver em conta o


fenómeno do contacto linguístico das duas línguas, Umbundu e Português.
Provavelmente, as respostas a estas questões possam ser dadas pelo estudo da história
da língua. Daí, o contributo que a própria História de Angola possa dar à Lexicologia
neste âmbito da inovação lexical do Umbundu. No entanto, este é um outro domínio que
exigiria uma discussão à parte.

Portanto, o desempenho do Português como PE, na Zona Linguística Umbundu,


é assegurado por vários processos de inovação lexical. Estes processos vão desde os
morfológicos mais comuns, sufixação e prefixação aos não-morfológicos que foram
apresentados e atestados. No entanto, este dinamismo comporta os seus desafios e
dificuldades do ponto de vista lexicográfico. Esta problemática vem exposta no item
que segue.

230
4.8.8. Alguns fenómenos fonético-fonológicos observáveis no processo

do empréstimo interlinguístico do Umbundu para o Português

Como tem sido observado neste trabalho, a adaptação das unidades lexicais
duma língua à outra, mediante o empréstimo, ou seja, o processo linguístico do
aportuguesamento, formando portuguesismos, realiza-se, não somente com processos
linguísticos morfológicos e não-morfológicos, mas também através de fenómenos
linguísticos fonéticos. O PE, ao assumir uma unidade lexical de uma língua bantu,
necessita de a ‘legitimar’ dentro do seu repertório lexical. Para tal, ele precisa de fazer
alguns ‘ajustamentos’ da nova unidade lexical, para não parecer estranha ao sistema
linguístico. Por isso, por exemplo, na Zona Linguística Umbundu, o PE tem tomado
vários comportamentos de ajustamento. As medidas de ‘ajustamento’ mais frequentes
são:

- A primeira medida que tem sido tomada, neste sentido, é ajustar ao sistema linguístico
os grafemas não existentes no ordenamento alfabético do PE. Por isso, o K que é muito
comum na Língua Umbundu e aparece como grafema idiossincrático da língua, passa
para C quer no início ou no interior do vocábulo, já que ele nunca está realizado no fim
do vocábulo, ou passa para -q-, sobretudo quando ocorre em posição interior e for
seguido, na sequência fónica, por um grafema vocálico -e-, -i-. Exemplo: Kalukembe
(topónimo) Caluquembe; Kakelewa (topónimo) Caquereua; Kimbo, quimbo; Kakonda
(topónimo) Caconda, etc.

- Outra medida é a transformação ou mudança do [v] para [b]. Por exemplo, Viye
(topónimo) Bié; Ovitakaya, bitacaias. Há aqui alguma excepção do portuguesismo
“soba” cujo étimo é soma. O que significa que, o fonema [m] passou para [b]. As razões
fonéticas desta mudança não são claras, uma vez que, o alfabeto do PE tem o grafema
/m/.

- Em termos de dígrafos, verifica-se com frequência, a passagem de tch- inicial,


sobretudo se seguido das vogais -e-, -i- em qui-. Por exemplo, quitanda (otchitanda);
quimbanda (otchimbanda); quimbombo (otchimbombo); quissangua (otchisangwa);
Quipeio (Tchipeyio, topónimo); Quissala (do topónimo Tchisãlã). No entanto, observa-
se que este dígrafo, nem sempre tem o mesmo comportamento, na sua adaptação.
Vejam-se os casos de Cachiungo (de topónimo Katchiungo); Chicala Cholohanga (de

231
Otchikala Tcholohanga, topónimo que significa, o campo das avestruzes); Chinguar (de
O-Tchingwali, topónimo que significa o perdigão).

- Os dígrafos /ndj/, /mb/, que passam para /j/ [ʒ] e /b/ [b]: onjango ou jango (de
ondjango); Chinjenje (de O-Tchindjendji, topónimo); Canjaia (do antropónimo
Kandjaya, que significa pequeno azar); Bailundo (do topónimo Ombalundu); Balombo
(do topónimo O- Mbalombo). Entretanto, o dígrafo -nh- mantém a mesma posição:
Nhara (do étimo umbundu enhãlã), designação das zonas tropicais com planícies;
Nharea, topónimo (do étimo verbal umbundu Okunhalehã).

- E, finalmente, os grafemas semi-vocálicos w e y que passam sempre para -u- e -i-,


respectivamente; os grafemas /l/, /s/, que passam para -r-/-rr- e -ss-, -ç-: O-Kalombilingu
(topónimo) Calobringo; Olama (rama); O-Kapoloto (de okupolotota, mastigar, moer
com os dentes) Kaporroto; Kasinda (antropónimo) Cassinda; Kwasula (do étimo verbal
“okusula” que significa terminar, acabar) caçule (o último filho da actividade
procriativa de um casal). O grafema vocálico /u/, sobretudo em posição final, sofre
sempre uma mudança para /o/.

4.8.9. Alguns casos complexos

Um olhar às primeiras páginas do corpus analisado dá conta de que, além dos


mecanismos de intercâmbio lexical do Português para Umbundu e do Umbundu para o
Português, observa-se ainda um outro mecanismo de unidades lexicais que entram na
língua, cuja origem não é muito óbvia, e é, por isso, menos transparente. E há outros
casos em que a leitura do processo de formação da unidade lexical não é facilmente
reconhecível, ainda que os étimos sejam conhecidos. Neste item abordar-se-ão questões
deste tipo.

Um primeiro caso mais paradigmático que tem vindo a chamar a nossa atenção é
a formação lexical do topónimo Ndombe-Grande que é designação duma das vilas da
província de Benguela. Este topónimo, no contexto angolano, é uma unidade lexical
praticamente estabilizada. No entanto, tem uma formação estranha que passa
despercebida à comunidade dos falantes. A unidade lexical é um composto (composição

232
justaposta). É difícil explicar que dois vocábulos que se podem realizar e ocorrer
autonomamente, vindos de sistemas linguísticos diferentes, se juntem e formem um
onomástico. Pois que Ndombe é um nome do étimo umbundu, ondombe, o bagre.

Observando o que é comum, no processo da interferência, seria ter uma


formação de tipo “Ndombe-Yinene” ou então “Bagre-Grande”. Contudo, o dinamismo
intralinguístico e, certamente, coadjuvado pelos factores extralinguísticos, processou-se
e definiu-se como “Ndombe-Grande” como resultado final de um processo de formação
da unidade lexical. Um tal tipo de formação lexical do género é invulgar.

Diversamente da unidade lexical Ndombe-Grande é o comportamento de Ekulã-


Ndombe, designação, na zona sudoeste da província de Benguela, de um ritual de
iniciação dos adolescentes ou dos jovens, equivalente no Umbundu do Ombalundu e do
Viye a evamba. É uma unidade lexical mais ou menos estabilizada. Mas a sua
circulação no sistema do Português é feita sem qualquer mudança formal ou semântica.

Alambamento +
(n. m. s.)
Vocábulo de origem ainda obscura, pois supostamente teria sido formado pelo processo
gramatical de sufixação alamba- + -mento (sufixo nominalizador). Todavia, não se
conhece a origem da base ‘alamba (ou alemba) ‘. Contudo, no contexto geral das
culturas e das tradições mais recentes de Angola, a unidade lexical goza de uma grande
influência. Funciona como um angolanismo/bantuismo. Designa o ritual matrimonial
em que o jovem pretendente oficializa junto da família da sua futura esposa e da sua
própria família, a sua relação de namoro. Corresponde ao vocábulo umbundu
‘okutambela’: «Sim. Fazer pedido, alambamento, essas coisas com a tua família» (GP 3,
p.112). A complexidade aumenta quando se nota que, não só não se conhece o étimo
nominal de alambamento, como também a forma verbal de onde teria derivado não é
usual em Angola. Não existe, legitimada, a forma alambar* como verbo. Estas
dificuldades tornam complexa a análise desta nova unidade lexical.

233
Cuiar ^

Esta unidade lexical, apesar da sua não dicionarização, é muito comum na gíria
angolana. Aparece utilizada pela comunidade dos falantes significando “ser bom”,
“aprazer”, “estar saboroso”: «Se era salgado, se era amargo, ou se mesmo cuiava, primo
Ndulu ainda não sabia» (GP 2, p. 15).
Apesar da sua generalização em ambientes coloquiais angolanos, não é fácil encontrar o
seu étimo, pois, diversamente do que se passa com a unidade lexical “alambamento” em
que temos a forma nominal sem possibilidades de fazer uma derivação sufixal
regressiva para a obtenção da forma verbal (alambar-*), a unidade lexical “cuiava”
(pretérito imperfeito do indicativo do verbo da primeira conjugação ‘cuiar’) não
apresenta, de modo transparente, a sua base derivacional. Suposta e logicamente viria de
“cuia”. Todavia, embora atestada a forma nominal (cfr. GDHLP e DLPCACL) a ideia
semântica de “cuia” nada tem a ver com o significado da forma verbal, igualmente
atestada nestes ambientes coloquiais angolanos.
Convém observar que o comportamento linguístico de “cuiar” é extensivo a
várias novas unidades lexicais da gíria, atestadas na língua corrente oral e escrita, pelo
menos numa das suas formas nominal ou verbal. São disto exemplos as unidades
lexicais desmatar (lavrar, tirar o carácter de mato a um campo, trabalhar um mato),
maiar (não dar conta do recado, distrair-se), paiar (vender alguma coisa ou alguém),
pelar (jogar, geralmente, futebol), salar (trabalhar de modo empenhado), sapar (estar
em grande velocidade de automóvel, fazer ultrapassagem, para os automobilistas), tarla
(simplório, indolente), yula (oportunidade de se conseguir alguma coisa sem esforço
pessoal, roubo, aquisição ilícita de um bem que não nos pertence, oportunidade de
negócio fácil, mas com maior rendimento).

No entanto, “salar” tem um comportamento diferente das demais unidades


lexicais. Ela tem uma base nominal “salu”, que significa mesmo trabalho, ideia presente
na forma verbal. Contudo, da forma nominal “salu”, supondo que a forma verbal “salar”
procede de um processo derivacional sufixal, esperava-se uma forma de tipo “salu-ar”*
e não “salar”. Porém, este é o comportamento inesperado desta unidade lexical.

234
Chitembo ^.

É um topónimo. O seu comportamento linguístico é complexo, do ponto de vista da


inovação lexical. Este lexema parece proceder de um processo ou fenómeno de
aportuguesamento do lexema umbundu tchitembo que significa “um grande período de
tempo”. O processo do aportuguesamento teria transformado a partícula tchi- (afixo
responsável pelo processo neológico de prefixação) em chi-, o que é estranho, pois, no
geral, para o aportuguesamento, o tchi- quase sempre passou a qui-, tal como já ficou
referido em cima. Contudo, mais estranho ainda é o facto de que, o nome tchitembo é já
um umbundismo, pois terá procedido, provavelmente, do umbundismo otembo (o
tempo), nome que resulta do processo linguístico de umbundização do vocábulo
português tempo. O que significa que, o Português, inicialmente, admitiu fazer um
empréstimo linguístico ao Umbundu do vocábulo tempo para a sua umbundização em
otembo. Posteriormente, o português aceitou o vocábulo que tinha sido emprestado e
que ficou umbundizado, adquirindo uma marca de prefixação e, por isso, já com alguma
mudança semântica no significado e formal parcial no Umbundu, transformando o
umbundismo num portuguesismo.

Em resumo, o lexema chitembo fez o seguinte percurso lexical e morfológico:

Tempo (lexema do Português - PE) – [otembo (umbundização) – tchitembo


(umbundização – uma nova criação lexical dentro da própria Língua Umbundu)] –
chitembo (lexema neológico do Português - PA). O comportamento linguístico desta
unidade lexical configura uma situação de estranheza, do ponto de vista dos processos
de inovação lexical da língua.

4.9. Algumas dificuldades decorrentes da análise das novas unidades


lexicais

A análise às novas unidades lexicais mostra um problema bastante frequente. Se


de um lado, os autores tendem a “forçar” a introdução, por força e exigência do uso, no
PE, dos vocábulos novos vindos do Umbundu, por outro lado, eles e a própria língua
estão condicionados pelo aspecto fonético e fonológico da língua de destino, o PE.

235
Neste sentido, um dos grandes desafios dos jornalistas, redactores, escritores
ovimbundu do Português é a grafia do empréstimo, uma vez que, o Umbundu e o
Português não têm todos os grafemas em comum, como por exemplo o k, q, r, w, y, x, z,
- embora no Português contemporâneo existam no alfabeto português os grafemas k, w e
y.

Na Língua Umbundu existem as sequências fónicas ou dígrafas da, como por


exemplo o ñg, omb-, -tch-, e na Língua Portuguesa temos os dígrafos -lh-, -ch-.

Não obstante isso, a maior problemática em todos estes processos é a questão do


empréstimo das unidades lexicais do Umbundu ao Português. O problema da grafia,
muito desafiante no interior da própria Língua Umbundu é um grande repto.

Outra dificuldade que merece atenção é a questão dos instrumentos de trabalho


ou ferramentas. Trata-se da questão dos dicionários-base utilizados para a atestação e
análise das novas unidades lexicais. O Dicionário da Língua Portuguesa
Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (DLPCACL) e o Grande
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa são, sem dúvidas, a maior fonte e as
melhores ferramentas para o estudo lexicológico e lexicográfico das novas unidades
lexicais do Português que se vão formando nas suas variedades fora do território
português. No entanto, em relação ao Português falado em Angola, do ponto de vista
lexical, a dificuldade reside no facto de que, entre os colaboradores e consultores
linguísticos, nota-se o seu domínio do Kimbundu. O que nos leva a inferir que, os dois
dicionários tenham tido um défice de participação de representantes de outras línguas de
que sejam conhecedores ou falantes nativos. Isto levou a que, muitas definições não
estejam em conformidade com o significado e, às vezes, houve alguma confusão na
definição do étimo de um determinado neologismo-empréstimo.

Uma outra dificuldade tem a ver com o fenómeno do aportuguesamento. Os


dicionários supracitados têm a maior parte dos seus neologismos-empréstimos
aportuguesados. Em muitos casos, este processo linguístico contribui para o
ofuscamento da própria semântica da unidade lexical; em muitos casos, a deformação
gráfica, além das mudanças fonético-fonológicas, a unidade lexical perde a sua forma
inicial idiossincrática.

Se este processo é relativamente pacífico no contacto do Português com as


outras línguas europeias, o mesmo parece não acontecer no caso do Português em

236
situação de contacto com as línguas afro-angolanas bantu. O exemplo mais chocante é o
antropónimo umbundu “Sukwakwetche” (de Suku, Deus + akwetche, que te entregue,
isto é, que Deus te entregue verdadeiramente a nós, que nos sejas um presente de Deus).
Aportuguesado passa a “*Sucuacueche”. Esta forma aportuguesada ofusca por
completo, a leitura do antropónimo na língua de chegada, mas com maior incidência na
língua de origem. Por conseguinte, fica completamente perdida a sua etimologia.

Por último, a questão da marcação do género e do número nas novas unidades


lexicais na língua de chegada. Esta dificuldade agrava-se na Língua Umbundu com o
facto de não existir marcação do número (feita através de afixos, geralmente prefixais:
olo-, ovi-, ova-, i-, a-, por exemplo, ondjila (o pássaro ou o caminho) ol-(o)-ndjila, (os
pássaros ou os caminhos); enhãlã (a anhara, o campo), (a)- nhãlã (as anharas, os
campos) etc.). Contudo, nela, não há marcação do género, excepto nos casos
gramaticais morfológicos designados por Cunha e Cintra (1987: 196-197) por
substantivos epicenos e sobrecomuns, como por exemplo, ombwa y’ulume/ ombwa
y’ukãyi (o cão/a cadela), omõlã ulume/omõla ukãyi (o menino/a menina) e nos casos em
que a marca do género é distinta pelos próprios lexemas, como por exemplo, ukãyi/
ulume (a mulher/ o homem), ûkwendje/ûfeko (o rapaz/a rapariga).

Estes aspectos desafiam o processo do empréstimo. A Língua Umbundu, para a


marcação do número, procede, amiúde, como no Latim que, por exemplo, o plural de
corpus é corpora. Em Umbundu existe este tipo de plural. Temos por exemplo, o
neologismo ekokoto, cujo plural é akokoto. No entanto, em relação ao Latim, o
Português assume corpora como plural de corpus, sem necessidade do morfema -s para
a marcação do número.

Todavia, em relação ao Umbundu, os exemplos extraídos dos corpora mostram


que o Português (PA) tende a marcar o plural com o morfema do plural -s do PE as
novas unidades lexicais que, na língua de origem já são plurais: akokoto-s; neste caso,
estamos perante dois morfemas de plural: o morfema afixo prefixal a- (modificador,
marcador do número na língua de origem) e o morfema afixo sufixal -s (modificador,
marcador do número na língua de chegada). Este caso é semelhante ao dos lexemas já
estabilizados bantu (em que temos o singular ntu, a pessoa, e o plural bantu, as
pessoas); Ovimbundu (em que temos o singular otchimbundu, pessoa pertencente à tribo
dos Ovimbundu ou ainda pessoa da cor negra, e o plural ovimbundu, designação de uma

237
tribo do Centro-Sul de Angola ou ainda pessoas de cor negra). Este é, sem dúvida, um
impasse linguístico que precisa de ser discutido e aprofundado.

238
CAPÍTULO QUINTO

UMA PROPOSTA PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM


DA NEOLOGIA DO PORTUGUÊS EM ANGOLA

O tema que temos vindo a tratar é o da neologia. Enquanto nova área da ciência
linguística, a neologia constitui uma das facetas de grande proficuidade para a
linguística em virtude de ser o processo da revitalização das línguas naturais. É-o
também pelo facto de que ela tem a função de alimentar o léxico de uma língua, pois
como já ficou referido nos capítulos anteriores, para muitos linguistas, todas as unidades
lexicais de uma língua natural, no seu início foram neologismos.

A neologia é o processo das línguas do mundo que contribui para a sua


renovação e enriquecimento. Este processo tão natural quanto omniglótico, sendo
fenómeno universal é para as línguas e para as comunidades linguísticas um τόπος de
grande relevância, pois dele depende a sobrevivência destas línguas e a possibilidade de
mais e melhor comunicação entre os membros das comunidades.

Foi-nos objecto de reflexão e ‘provocação’, no caminho da nossa investigação, a


observação feita por Bertinetti (2013) em relação ao léxico e à neologia no âmbito da
didáctica do Português como língua materna nos programas escolares em Portugal.
Bertinetti sublinhou que

«dos estudos relacionados com o léxico (LEIRIA, 2006; LINO et alii, 2007;
LINO et alii, 2010; ALVES, 2007, 2010; PINTO, 2012, entre outros) emerge o
papel relevante que este assume na construção da gramática interna do falante de
qualquer língua natural, pelo que consideramos de toda a pertinência
debruçarmo-nos sobre a aplicação de conceitos do domínio da lexicologia no
ensino e aprendizagem do português. Desta forma, importa averiguar a
transposição desses conceitos para a área didático-pedagógica, problematizá-los
à luz das orientações curriculares, incluindo a Terminologia Linguística para os
Ensinos Básico e Secundário, com especial enfoque nas alterações mais
recentemente introduzidas (2008) através do Dicionário Terminológico para
consulta em linha» (Bertinetti, 2013: 1730).
Esta observação veio reforçar a atenção para aquilo que tem sido o nosso enfoque neste
trabalho.

239
Os estudos da neologia, em Angola, são muito recentes. Surgem com alguma
visibilidade nestas primeiras décadas do século XXI. A descoberta desta área por parte
dos jovens linguistas angolanos foi à mercê do contacto com as áreas da Linguística
aplicada em grande ascensão nos últimos anos, nomeadamente, da Lexicologia, da
Lexicografia e da Terminologia. A imersão no conhecimento das áreas deu viabilidade à
descoberta não somente do dinamismo das línguas, mas também das possibilidades que
oferece ao estudo das línguas nas variadas componentes.

No entanto, os primeiros trabalhos de linguistas angolanos neste domínio


(Mudiambo 2013; Chicuna 2014, 2015; Costa 2015; Benvindo 2016) e outros trabalhos
no âmbito de mestrados deram prioridade na área do léxico e da neologia à actividade
lexicográfica. Ou seja, os primeiros trabalhos de linguística no campo da neologia têm
sido dedicados à Lexicografia. No entanto, o trabalho de Quivuna (2014) já aparece, não
como um estudo da Lexicologia aplicada à neologia, mas algo aproximado, pois o seu
esforço de investigação como contributo à actividade de pesquisa na área da
Lexicologia, no contexto angolano, incidiu sobre a Lexicologia aplicada ao ensino do
léxico do Português, língua não materna. A sua proposta pode ajudar como um ponto de
partida que pense o ensino da neologia do Português em Angola. Se se pode falar de
neologia do Português em Angola e se é possível postular argumentos para o ensino do
léxico em Angola, então não é menos exequível a concepção de um conjunto de
postulados que sustentem a actividade didáctica da neologia do Português em Angola.

Como se pode verificar, os contributos científicos de linguistas angolanos, quer


sobre o léxico, quer sobre a neologia do Português em Angola ainda não são suficientes
para criar um ambiente de diálogo sobre esta temática.

Foi esta a razão fundamental que nos levou a enveredar pelo estudo da neologia
aplicada à didáctica neste capítulo. Com ele, pretende-se dar um contributo ao estudo da
neologia mais voltado para a consciencialização dos estudantes angolanos para a
importância do conhecimento desta área e da sua aprendizagem para o desenvolvimento
do conhecimento linguístico explícito no domínio do léxico, particularmente da
neologia. No entanto, queremos esclarecer, a priori, que este capítulo visa exclusiva e
essencialmente, a construção de uma proposta do ensino/aprendizagem da neologia.
Não é de todo um trabalho sobre a didáctica da língua. Por isso, julgou-se não ser
necessário um estudo de campo. A proposta deste trabalho é produto do trabalho com os
corpora textuais formados a partir dos manuais de Língua Portuguesa em uso em
240
Angola no Ensino Primário e no Primeiro Ciclo do Ensino Secundário vigentes em
Angola. A proposta foi possível graças à utilização, nos corpora textuais, dos métodos
como a observação e análise dos textos sob o ângulo lexical que permitiram a
verificação das novas unidades lexicais e dos arquilexemas e a sua evolução nos
manuais.

5.1. Sistema educativo actual em Angola

O ensino e a aprendizagem requerem uma acção coordenada de entidades


tutelares. Em vários países do mundo, os ministérios da educação desempenham esta
função. A gestão dos assuntos de educação e ensino, sendo da competência dos
governos dos respectivos países, pressupõe políticas administrativas que sejam capazes
de possibilitar o acompanhamento e a leitura permanente da actividade educativa. A
administração destas políticas passa também por garantir a actualização dos modelos
dos sistemas educativos.

Em virtude disto, o Governo angolano, desde 2008, monitoriza a educação e o


ensino mediante o sistema educativo que tem sido denominado por «Reforma
educativa». O primeiro sistema educativo pós-independência em Angola foi aprovado
em 1977, tendo-se tornado efectivo a partir de 1978. Em 1986, o Ministério da
Educação angolano, mediante um estudo feito para avaliar a eficiência do sistema
educativo aprovado em 1977, tinha chegado à conclusão de que, oitos anos depois, o
sistema vigente já não respondia aos desafios do tempo. Tinha-se tornado débil e
insuficiente para o conjunto das necessidades e reptos.

Esta consciência ficou mais patente na passagem de Angola em 1990 do


monopartidarismo para a democracia multipartidária. A mutação do regime político
exigiu a mudança paradigmática na gestão política do modelo do sistema da educação e
ensino. Um dos maiores problemas com que Angola se estava a confrontar era o
crescente número de crianças, jovens e adolescentes que entre os anos de 1995-1996
estava fora do sistema de ensino. Naquela altura, até 1996, o índice de analfabetismo em
Angola foi estimado em cerca de 60% (Altunaga 2013; Cabral 2013; Octávio 2013).

241
A incapacidade de resposta do então sistema em vigência era devida à
impotência da rede escolar poder abranger mais alunos. Para minimizar os efeitos deste
desafio no sistema, foram feitas algumas pequenas reformas, nomeadamente, o
alargamento das turmas e dos horários. No entanto, estas medidas não eram suficientes
para fazer frente ao grande problema da inserção da população em idade estudantil no
país.

No intuito de fazer transformações e mudar de rumo no sistema de ensino em


Angola foi aprovada em 2001 pela Assembleia Nacional da República de Angola, a lei
de bases do Sistema de Educação em Angola (Lei 13/01 de 31 de Dezembro). Com a
criação desta Lei, estavam lançadas as bases para a preparação da transição para a 2ª
Reforma do Sistema Educativo em Angola. Portanto, o ano de 2001 marca uma nova
etapa no Sistema de Educação em Angola. O novo Sistema de Educação conhecido até
então por “Reforma educativa ou Reforma curricular” entrou em vigor em 2002.

O novo sistema, pretendendo superar os desafios neste domínio, apresentou a


sua política de gestão do assunto e o novo paradigma de funcionalidade. O paradigma
da sua organização está centrado na reorganização do sistema de educação em
subsistemas. Assim, o sistema foi dividido em cinco subsistemas: Subsistema da
Educação Pré-Escolar (creches e jardins de infância); Subsistema do Ensino Geral (da 1ª
à 12ª Classes); Subsistema do Ensino Técnico-Profissional (formação profissional
básica e formação média técnica); Subsistema da Formação de Professores (magistério
primário e escolas de formação de professores do 1.º Ciclo do Ensino Secundário) e,
finalmente, o Subsistema da Educação de Adultos (Ensino Primário, isto é, a
alfabetização e a pós-alfabetização e o Ensino Secundário). O segundo subsistema, o
Ensino geral, por sua vez, está subdividido em dois ciclos de estudos: da 7ª a 9ª Classe,
1º Ciclo do Ensino Secundário; da 10ª a 12ª Classes, 2º Ciclo do Ensino Secundário
(Octávio 2013: 8-13; Altunaga 2013: 8-12; Cabral 2013: 7-15).

Relativamente aos subsistemas, cada um deles pretende atingir um determinado


grupo social e tem objectivos fundamentais bem delineados do ponto de vista teórico e
concepcional. Para o ensino da Língua Portuguesa, L1 ou L2, ou seja, língua materna ou
língua não materna, quer o Ensino Primário quer o Secundário contemplam objectivos,
meios e metas. Quanto aos objectivos, o novo paradigma epistemológico-educacional
pretende nos dois subsistemas:

242
«desenvolver um instrumento de comunicação e expressão oral e escrita, que
permita uma integração social e uma participação consciente no processo de
desenvolvimento do país; permitir uma compreensão do conteúdo das outras
disciplinas, que exigem do aluno um domínio cada vez mais alargado do
vocabulário; desenvolver o gosto pela leitura e permitir o acesso a obras
literárias que poderão desenvolver a sensibilidade e criatividade dos alunos; usar
correctamente a Língua Portuguesa para comunicar de forma adequada e para
estruturar o pensamento próprio» (Cabral 2013:13).

5.2. O ensino-aprendizagem das línguas: aspectos teóricos

A actividade cognitiva do ser humano é um acto-pressuposto de qualquer


processo de aprendizagem. Esta, por sua vez, realiza-se mediante o processo do ensino.
Desde o berço, a vida humana concretiza-se numa atmosfera de aprendizagem. O
binómio ensino/aprendizagem cobre a existência humana. O primeiro acto activo é o
ensino. Podemos considerar dois modos da existência da experiência do ensino: o
ensino a partir da vida e o ensino a partir dos estabelecimentos educativos.

No primeiro caso, o ensino é um processo natural, um acto inato ou uma prática


congénita, pois quando o ser humano nasce, a própria natureza encarrega-se de ensinar
ao neonato os actos básicos de sobrevivência. Com o tempo, há necessidade de aprender
outras coisas básicas da vida, como falar, andar, comer, etc. Todos estes actos são
aprendidos mediante um ensino protagonizado ou pelos outros homens que rodeiam o
novo ser no mundo ou pelo próprio dinamismo da natureza. No segundo caso, o ensino
é um processo mais formal e mais personalizado, porquanto, tem objectivos muito
precisos, espaços bem determinados e um método que contempla a presença de um tutor
do processo (o professor ou educador).

O segundo acto activo na actividade cognitiva é a aprendizagem. Todo o


processo de ensino tem como objectivo levar o aprendente à aquisição de
conhecimentos e de determinadas competências do ponto de vista gnosiológico. O acto
de aprendizagem, uma vez que pressupõe um sujeito (o aprendente) e um objecto (o que
se aprende), por sua própria índole, exige um terceiro elemento, o professor ou
educador. Se a própria vida é um processo de ensino, pois por ela muito se aprende, ela
é, ao mesmo tempo, um espaço de aprendizagem de noções básicas da vida. No entanto,

243
quando se trata de assuntos mais complexos, o processo de aprendizagem é mediado por
educadores ou professores. Neste sentido, aprender é conhecer; é conhecer o mundo que
nos rodeia; é penetrar na realidade do mundo real. Esta característica torna o processo
de aprendizagem um acto complexo, porque pressupõe vários outros factores.

Contudo, a razão mais importante da complexidade do processo de


aprendizagem
«resulta não só dos mecanismos cognitivos que lhe são inerentes, mas de
diversos factores, aparentemente a ela exteriores: a diversidade de conteúdos
programáticos e objectivos propostos ao longo da estrutura curricular do
aprendente, as recontextualizações diversas a que os conteúdos programáticos
são sujeitos na prática pedagógica, as estratégias diversas implementadas pelos
professores» (Lamas, 2000: 33).

Por isso, para Lamas o processo geral da aprendizagem situa-se num quadro
operacional dinamizador quadripartido: o processo de aprendizagem é constituído por
um momento de percepção, de compreensão, de assimilação e de praxis (2000: 33).
Estes factores, apesar de metodologicamente ocorrerem em momentos diferentes,
formam um todo do processo de aprendizagem.

O acto cognitivo tem como finalidade possibilitar a abertura do sujeito


aprendente ao novo mundo ou ao mundo real. É ele que justifica a mútua implicação
que existe entre o processo do ensino e o da aprendizagem. Estes dois processos andam
em total união no acto cognitivo. São dois aspectos de uma mesma realidade. No
entanto, a sua relação não é assim tão pacífica. Reis e Adragão (1989) sublinharam que
«a relação ensino/aprendizagem tem sido um dos cavalos de batalha da maior parte das
reflexões didácticas nos últimos tempos». Por isso, a relação ensino/aprendizagem é
sustentada pela didáctica. Uma vez que a aprendizagem supõe o ensino tendo este como
finalidade a aprendizagem, era necessária uma instância intermediária que sustentasse
esta relação tornando-a mais fecunda. Esta função é desempenhada pela didáctica vista
como o ponto da transversalidade de diversos saberes ou conhecimentos e que tem
como finalidade a criação de um ambiente propício para a aprendizagem de um
determinado assunto.

Pode dizer-se que a didáctica é a ciência que estabelece princípios e métodos que
viabilizam o processo ensino/aprendizagem e que facilitam a predisposição dos

244
ambientes educativos para que os aprendentes consigam aproveitar, dentro das suas
possibilidades cognitivas. Nesta relação ensino/aprendizagem, aprendente/professor-
educador, a didáctica desempenha um papel pertinente «na medida em que só através
dela o ensino resulta mais eficiente, servindo, desse modo e ao mesmo tempo, aluno e
sociedade – as duas realidades que nela e por ela se confrontam» (Lamas 2000: 126).
Por esta razão, a didáctica pode ser definida como a ciência que estuda os modos, os
meios, as formas e a sua interacção no diálogo aprendente/professor-educador ou na
relação ensino/aprendizagem.

5.2.1. O léxico no processo da socialização do individuo

Convém observar que o acto cognitivo na sua globalidade (processo de ensino e


de aprendizagem) pretende atingir o conhecimento e a comunicação. Para comunicar é
preciso conhecer. O conhecimento é veiculado pela língua. A língua, por sua vez, utiliza
conceitos cujas noções estão significadas nos vocábulos. Qualquer que seja o
destinatário da acção educativa ou do processo ensino/aprendizagem, qualquer que seja
o assunto a ensinar ou a aprender, tudo passa pelo léxico como porta de entrada para o
mundo real. Nesta linha de ideias, pode afirmar-se que o léxico ao mesmo tempo que
traduz a intencionalidade humana ou o pensamento do homem sobre o real, ele é o
pressuposto de qualquer acto cognitivo humano. Daí radica a importância do léxico para
o conhecimento humano e para o processo de socialização de qualquer ser humano
(Amor, 1993).

O mundo em que vivemos é uma realidade concreta. Porém, ele é também um


mundo conceptual. Aliás, muitas vezes, antes de se conhecer o mundo real, concreto,
isto é, a realidade na sua dimensão mais empírica, conhece-se o conceito, tem-se
primeiro a noção do real. Deste modo, o conhecimento do léxico, ou seja, o léxico
constitui o factor da comunicação e da ciência. Se o homem é, por natureza, um ser
cognoscente, e uma vez que o saber é plurifacetado, pois são tantas as áreas quanta
diversidade de saberes, a sua cognoscibilidade está dependente do seu índice lexical. Ou
seja, o conhecimento humano está, em certa medida, condicionado pela quantidade de
unidades lexicais presentes no repositório mental do sujeito cognoscente. O léxico
determina a visão do homem e, por conseguinte, condiciona o seu conhecimento e o seu

245
posicionamento diante de si mesmo, da realidade que o cerca e do mundo. Estamos
diante da realidade da comunicação.

Estar no mundo é também comunicar. A interacção social pressupõe a


comunicação. A inserção de um ser numa comunidade social de fala exige a
comunicabilidade como pressuposto de uma possibilidade da construção de um
caminho de aproximação e de relação utilizando o código linguístico como o sinal
intermédio e veicular de relação e de convívio. Por isso, o processo
ensino/aprendizagem pressupõe antes de tudo a aquisição e o domínio do léxico, porque
nele se privilegia a comunicação. Neste sentido, comunicar é também formar. A
cosmovisão de qualquer sujeito cognoscente e a sua mundividência são resultantes de
um processo que capacitou o sujeito do conhecimento para um armazenamento
significativo de unidades lexicais de uma língua. Por conseguinte, pode-se dizer que
conhecer o mundo é conhecer o léxico de uma língua, é dominá-lo.

5.2.2. Ensino do léxico

Acabou de se afirmar a importância do léxico quer no acto cognitivo quer na


comunicação numa comunidade social. Entendido como «conjunto das palavras que têm
o valor de denominação e que formam a língua de uma comunidade, de uma actividade
humana ou de um escritor» (Botelho 2000: 270), o léxico é factor e elemento essencial
de conhecimento e de comunicação.
Para Rey (2008: 7) «le lexique des linguistes, composante du système abstract de
la langue, est un modèle théorique cohérent, mais dérisoire par rapport au lexique réel et
actif, objet historique et anthropologique énorme et confus». Para Kocourek (1991 : 91)
o léxico é «l’ensemble des unités lexicales, c’est-à-dire des mots et des syntagmes
lexicaux». No entanto, a definição de léxico está dependente da cosmovisão das
correntes linguísticas na história do estudo das línguas como bem o sublinha Rey (2008:
149-154).
Vilela define o léxico num duplo sentido. Reconhece nele uma perspectiva
cognitivo-representativa e outra comunicativa. Na primeira perspectiva, o léxico é uma
«codificação da realidade extralinguística interiorizada no saber de uma dada
comunidade linguística». Na segunda perspectiva, o léxico «é o conjunto das palavras

246
por meio das quais os membros de uma comunidade linguística comunicam entre si»
(Vilela, 1995: 13). Em suma, para o autor, o léxico é a representação do que ele designa
por «codificação do saber partilhado (=shared knowledge)” (1995: 13).

No entanto, o léxico de uma língua também tem sido ainda definido através de
outras polissemias: pode designar virtualmente, um conjunto aberto de unidades lexicais
pertencentes a um sistema de uma determinada língua natural; embora se distinga do
vocabulário, algumas vezes parece confundir-se com ele; muitas vezes, o léxico é
tomado como sinónimo de vocabulário. Contudo, eles distinguem-se claramente, pois
enquanto para o léxico as unidades lexicais são os lexemas, os vocábulos estão
realizam-se em discurso. Em outras palavras, assim como os lexemas estão para o
léxico, assim os vocábulos estão para o vocabulário.

A perspectiva de Vilela (1995: 13) neste domínio sublinha que «distinguimos


vocabulário de léxico: vocabulário é uma subdivisão do léxico, como, por exemplo, o
léxico de um autor, o léxico de um texto, o léxico de uma escola, de uma área do saber,
etc». No entanto, o autor acrescenta a esta afirmação a explicação de que,
«ao distinguir-se vocabulário e léxico, não se trata tanto de uma diferenciação
entre “parte” e “todo”, pois:

- o léxico é o conjunto das palavras fundamentais, das palavras ideais duma


língua; o vocabulário é o conjunto dos vocábulos realmente existentes num
determinado lugar e num determinado tempo, tempo e lugar ocupados por uma
comunidade linguística;

- o léxico é o geral, o social e o essencial; o vocabulário é o particular, o


individual e o acessório».

Estas definições ajudam a compreender a complexidade da delimitação do conceito de


léxico. No entanto, elas também ajudam o movimento de partida para encontrar uma
redefinição ou redefinições que expliquem ainda melhor o conteúdo deste conceito.
O léxico pode ser encontrado e classificado em categorias como léxico geral ou
léxico comum, léxico de língua corrente e léxico de especialidade. A história da
Linguística como disciplina autónoma registou o momento inicial de uma caminhada
que continua na linguística contemporânea. Este momento foi marcado pela ascensão da
fonemática nos estudos linguísticos. Desde Ferdinand Saussure (1857-1913) com o seu
Cours de Linguistique générale (1916) até Bloomfield (1933), nesta fase da história da

247
Linguística, o predomínio de modelo fonológico tinha atingido o seu nível mais
elevado. Via-se na fonética e na fonologia a parte mais importante das línguas naturais.
Esta visão linguística viria a alterar-se com o impulso dado por Chomsky no âmbito do
seu contributo à Gramática Generativa em que nasceu o modelo das designadas
gramáticas transformacionais (cfr. Marques 1995).

Bronkart (1985) em Las ciencias del lenguaje: un desafio para la enseñanza?


apresenta o quadro da situação da Lexicologia no conjunto dos estudos linguísticos. É
visível a lamentação do linguista em relação ao esquecimento do léxico nos estudos
linguísticos. Relativamente a isto afirma que «o vocabulário e o léxico não interessaram
grandemente nem aos pedagogos nem aos linguistas. Muitos gramáticos clássicos e
modernos ignoram deliberadamente este aspecto da língua». Bronkart não hesitou em
avançar nomes de gramáticos cujas obras ou não fazem nenhuma menção ao estudo ou
aos trabalhos do léxico ou a menção que fazem é de passagem. Entre estes gramáticos, o
autor sublinha Wagner e Pichon (1962). Contrariamente a estes gramáticos, Bronkart
elogia os trabalhos de Besson Genoud, Lipp e Nussbaum (1979) que, apesar de estarem
contra a corrente da época desenvolveram-no integrando as perspectivas lexicais,
distinguindo as práticas pedagógicas em matérias de vocabulário das actividades
gramaticais, priorizando como instrumento de trabalho o dicionário entendido como
«repertório do conjunto dos itens lexicais da língua» (Bronkart, 1985: 56).

Na verdade, a história da Linguística revela o esquecimento dos estudos sobre a


componente lexical.

Relativamente a esta problemática, Bronkart (1985) caracterizou


justificadamente o argumento de base dos gramáticos que prescindiram nos seus
trabalhos linguísticos. De acordo com esta perspectiva, a questão fundamental está
relacionada com o método no ensino do vocabulário. Por isso, ele mesmo propõe que
«una introducción a la complejidad de los fenómenos de sentido es un elemento
indispensable para la formación de cualquier docente primario ou secundario, aunque
solo sea para impedir la reproducción de lugares comunes o de la concepciones
escolasticas del sentido, que es manifestamente falsa» (1985: 68-69).

248
Robert Galisson (1991) em De la langue à la culture par les mots é defende que
é necessário

«réhabiliter le vocabulaire dans l’enseignement/apprentissage des langues… et


des cultures, de restaurer son image de marque, d’établit que la
didactologie/didactiques des langues/cultures a tort de le négliger sous la
fallacieux pretexte qu’il ne serait pas structurable comme la phonétique, la
morphologie et la synctatique donc pas susceptible d’une mise en forme
didactique réglée» (Galisson, 1991: 3).

Aqui, o autor destaca também que durante muitos anos, considerou-se apenas a
fonética, a morfologia e a sintaxe como pontos de entrada nas línguas naturais. Ele
contesta esta visão. Para Galisson as unidades lexicais (les mots) são factores no
processo de aquisição de qualquer conhecimento. Deste modo, o autor argumenta
sublinhando que «les mots sont des facteurs premiers dans l’acquisition de la maîtrise
d’une langue… et d’une culture ; - que rien d’essentiel ne peut être fait sans eux, aussi
bien aux niveaux de l’information que de la communication, du culturel que du
cultivés» (1991 :3).

Esta reivindicação galissoniana para o léxico é uma demonstração da tentativa


de salvar uma parte dos estudos linguísticos. Ao considerar o léxico como a primeira
instância de acesso a qualquer língua natural, Galisson devolveu ao léxico o seu lugar
natural.
Na verdade, se não contestável a atestação de que a criança quando aprende a
falar vai aprendendo frases soltas, ainda é muito menos contestável a experiência de que
a criança, antes de aprender frases, aprende vocábulos. Por conseguinte, a obtenção do
conhecimento explícito por parte do aluno ou da criança realiza-se, embora não com
exclusividade, pela aquisição do léxico. Este é o pressuposto de qualquer construção ou
análise linguística do ponto de vista do argumento comunicativo.
O armazenamento das regras e normas gramaticais quer na gramática descritiva
quer na gramática normativa pressupõe um conhecimento e um índice considerável das
unidades lexicais de uma língua.

A importância do léxico do ponto de vista da articulação de qualquer língua é


muito mais evidente se se tomar o vocabulário enquanto entidade integrante do léxico
no seu sentido mais amplo. O conhecimento explícito da língua em qualquer

249
componente da gramática acontece de acordo com o grau de desenvolvimento do léxico
que o sujeito falante possui.

Por isso, autores como Nation e Chung (2009) distinguem metodológica e


epistemologicamente, uma estruturação dum vocabulário em níveis (levels). Assim de
acordo com esta perspectiva, no vocabulário podem ser distintos quatro níveis: o nível
de unidades lexicais de alta-frequência (high-frequency words), o nível de unidades
lexicais académicas (academic words), o nível de unidades lexicais técnicas (technical
words) e o nível de unidades lexicais de baixa-frequência (low-frequency words) (2009:
543-559). Esta caracterização taxonómica talvez ajude a interiorizar o léxico.

5.2.3. O léxico no contexto escolar

Por tudo o que se disse em cima, deduz-se logicamente a necessidade de uma


actuação linguística que considere o léxico não somente do ponto de vista da construção
de um saber lexicográfico ou dicionarístico, mas também sob o ângulo da didactologia
ou da didáctica. A experiência escolar demonstra que a estruturação do saber humano é
também consequência da lógica do armazenamento do léxico na mente humana. Por
esta razão, o estudo e o ensino do léxico, ou seja, a aplicação da Lexicologia à
Didactologia ou à Didáctica favorece o desenvolvimento do bom armazenamento das
‘estruturas lexicais’ nas estruturas mentais.

Vários linguistas reivindicam este direito ao léxico. Pauliukonis (2005: 103) em


relação ao ensino do léxico, partilhando a experiência do Brasil neste domínio, sublinha
que
«os PCN [Parâmetros Curriculares Nacionais] apregoam que a Escola deve
incentivar práticas linguísticas que propiciem o aumento do repertório lexical do
aluno, de modo a permitir que se realize: a escolha da palavra mais apropriada
ao contexto, o emprego produtivo de sinônimos – palavras genéricas e
específicas -, de acordo com o referente pretendido e a organização das palavras,
consoante o tema escolhido, o acontecimento ou o gênero textual».

Esta exigência das instâncias educativas do Brasil denota duas informações


importantes para o ensino do léxico. Em primeiro lugar, depreende-se que, hoje, o

250
léxico já começa a ocupar o seu lugar. As propostas do seu ensino são uma
demonstração de que, não são somente os linguistas que reconhecem a pertinência de
educar os alunos (tratando-se de ambientes académicos), como até os próprios governos
dos países, representados pelos seus ministérios de educação, sabem a importância do
ensino do léxico nas instituições escolares. Em segundo lugar, depreende-se o
nascimento e expansão dum novo paradigma epistemológico linguístico que, durante
vários anos não foi reconhecido e nem foi estimulado pelo padrão linguístico clássico
como paradigma operativo e necessário para o aumento da consciência linguística nos
alunos ou nos aprendentes das línguas naturais.

Na verdade, nos nossos dias, esta consciência parece ser irreversível, sobretudo
se se compreender que «o léxico desempenha um papel essencial na comunicação de
qualquer indivíduo. Assim sendo, na época das literacias de comunicação, de
informação, digital, é inevitável que os usos vocabulares espelhem o dinamismo que
lhes é inerente e que se vivencia à entrada do século XXI; ora substituindo, ora
rejeitando, umas vezes acrescentando, outras adaptando e até criando» (Alves, Lino,
Teixeira 2013: 1692).

Hoje, este processo está facilitado com a criação pelos linguistas de dicionários
especializados para o efeito, os chamados dicionários académicos e dicionários
escolares. Estes, ao mesmo tempo que são ferramentas são também instrumentos de
trabalho numa aula de ensino do léxico.
Hoje, o ensino do léxico é uma exigência intrínseca do processo
ensino/aprendizagem das línguas.

5.2.4. O léxico no panorama das relações internacionais

Todos nascemos para o encontro com o processo de socialização. A vida em


sociedade é uma cordilheira encadeada de processos sucessivos de sociabilidade como
exigência do nosso contacto com os outros e com o resto da natureza nas suas mais
variadíssimas especificidades do seu ecossistema. O nascimento de um novo ser é
sempre a entrada de um recém-chegado no novo mundo no processo da interacção

251
social. Este processo tem o início já desde o seio materno onde o novo ser interage com
a sua progenitora e estende-se pela vida inteira do indivíduo.

Se as famílias são o primeiro adro de socialização, pois é nelas que os novos


seres encontram a sua primeira nutrição intelectiva, psicológica e mental, a escola, a
seguir à rua, é o outro espaço de grande consideração para a abertura do indivíduo ao
mundo. A primeira missão da escola é possibilitar por meio da língua o acesso a um
conjunto de saberes e a técnicas linguísticas para a aquisição da consciência e
competências linguísticas no âmbito da discursividade, da leitura e interpretação de
enunciados e da produção autónoma de enunciados elaborados com a exercitação e
destreza intelectual resultantes do processo ensino/aprendizagem posto a um labor
intelectual autocrítico e reflexivo.
Este trabalho orienta-se para aquilo que se tem vindo a designar por
competência comunicativa35, enquanto novo paradigma em políticas linguísticas,
postulado pelo Conselho Europeu (Bertinetti e Osório 2015: 212).

Desta consciência, resulta que as

«abordagens comunicativas, nas quais se considera que apenas a competência


linguística não permite ao ser humano comunicar no seio de uma determinada
comunidade. Com efeito, é necessário mobilizar outras competências
(sociolinguística, discursiva, estratégica, social e sociocultural), para que se
realize plenamente a comunicação. Neste percurso, considera-se fundamental a
componente cultural na aprendizagem da língua segunda (L2 ou LS) e da língua
estrangeira (LE) (…). A insistência em formar cidadãos plurilingues num espaço
multicultural é recorrente numa vasta panóplia de documentos que refletem as
preocupações das políticas educativas europeias em matéria de línguas. A
diversidade linguística é assim reconhecida como fazendo parte de um
património cultural que importa preservar e defender. O referencial para o
ensino-aprendizagem e avaliação das línguas, o Quadro Europeu Comum de
Referência, (…) (Conselho da Europa, 2001), sustentáculo axial de uma política
europeia, apresenta como principal finalidade, no ensino-aprendizagem, o
desenvolvimento de uma competência plurilingue e pluricultural» (Bertinetti e
Osório 2015: 212).

Deste modo, as competências linguísticas estão orientadas para as competências


comunicativas (Fonseca - Fonseca, 1977) e essas, por sua vez, estão ao serviço da
socialização do homem. Bronkart reconhece, neste sentido, o papel fundamental da

35
Para a compreensão da origem da noção terminológica da expressão «competência comunicativa»
pode-se ler Dell H. HYMES (1984), Vers la compétence de communication, Hatier-Paris: Credif.

252
língua na socialização do indíviduo (Bronkart 1977, 1980: 59-72). As descobertas das
abordagens multiculturais e plurilingues iniciadas no mundo anglo-saxónico (Bertinetti
e Osório 2015: 11) são uma exigência do processo de socialização num mundo marcado
pelo novo paradigma das sociedades modernas, a poderosa e tão generalizada
Globalização.

O ritmo impresso por este novo paradigma tornou o mundo mais célere nas
relações. Por conseguinte, as competências linguísticas são cada vez mais uma
necessidade, pois o novo mundo é um mundo da informação e da comunicabilidade.
Saber falar tornou-se, no mundo globalizado, uma bandeira para uma relação
transfronteiriça no domínio da economia, das relações políticas e comerciais bilaterais,
da cultura e até mesmo do ensino.
Em tudo isto, a competência lexical é fundamental e desempenha uma função
particular na construção do homem aberto ao mundo global. Sem ela, não é possível a
competência comunicativa.

5.3. O ensino da neologia

As palavras que formam o léxico de uma língua, se não todas, pelo menos a
maioria delas, sobretudo aquelas que pertencem às classes gramaticais abertas,
resultaram de processos neológicos. Por esta razão considera-se, como já se viu nos
capítulos anteriores, a neologia como processo de enriquecimento do léxico de uma
língua. Se é esta a condição da neologia, então o seu estudo é uma necessidade e uma
urgência por parte dos linguistas. A compreensão que se tiver do léxico dependerá da
compreensão resultante do fenómeno da neologia e do seu produto. Parece ousado
tomar por objecto de estudo o ensino do léxico e ainda mais da neologia numa altura em
que a problemática do ensino do léxico, ainda continua a ser esquecida.

A questão do método do ensino do vocabulário e do sentido das unidades


lexicais continuam um espaço escorregadiço no debate pluralista dos linguistas na
Linguística contemporânea. Estes reptos condicionam, em grande medida, a proposta de
um processo ensino/aprendizagem da neologia como área autónoma no âmbito dos
estudos linguísticos.

253
No entanto, num mundo de tantas mutações sociais e grandes transformações,
negar a neologia é negar o léxico e negar o léxico é negar a própria língua. Se esta
afirmação se afigurar razoável, então o estudo da neologia é legítimo e necessário e, por
conseguinte, como área de investigação, afigura-se necessário o seu ensino.

O ensino da neologia como componente complementar ao ensino da gramática


podia reger-se pelos mesmos pressupostos de base subjacentes ao ensino da gramática e
do léxico. O ensino da gramática nas suas diversas componentes (oralidade, leitura –
aspectos fonológicos, morfologia e sintaxe) tem como finalidade introduzir o aluno na
manipulação da língua seja ela materna, L2 ou estrangeira.
Esta operação linguística possibilitará a chamada consciência linguística
(linguistic awareness) que é um conhecimento ganho quando o aluno junto da
consciência implícita adquire a capacidade de olhar para a língua e compreender que ela
é um sistema a explorar em várias dimensões: fonológicas, morfológicas, sintácticas,
semânticas, pragmáticas e por diante (Vilela, 1994).
Os alunos adquirem a consciência linguística quando «evidenciam capacidades
metalinguísticas, uma vez que assumem já uma perspectiva distanciada e não holística
do conhecimento da língua» (Duarte, 2010: 12).

De acordo com este pressuposto, o conhecimento linguístico que acaba por ter
uma grande relação com a literacia tem, por finalidade, desenvolver mecanismos de
tratamento de textos (sua identificação, compreensão, manipulação do vocabulário,
identificação das novas unidades lexicais, a exploração dos seus vários sentidos, etc).
Por isso, para Duarte a consciência linguística «envolve (algum) controlo cognitivo do
sujeito sobre a forma dos seus enunciados o qual se concretiza na capacidade de: (i)
selecionar os itens lexicais, as formas e as estruturas mais apropriadas ao que pretende
exprimir; (ii) avaliar alternativas e (iii) adequar o estilo ao contexto e ao objectivo»
(2010: 12). A consciência linguística funciona assim como resultante do funcionamento
de cada uma das suas tipologias: consciência fonológica e morfológica, sintáctica e
lexical, semântica e pragmática.

A consciência linguística conduz à competência linguística que representa para o


aluno o estádio mais elevado na manipulação, reflexão e juízo crítico e produção de
enunciados mais especializados para uma contribuição profícua para qualquer

254
comunidade linguística. Em outras palavras, a consciência linguística articula-se com a
competência linguística, e, por sua vez, esta conduz à competência comunicativa
(Galisson, 1980) que é expressão de uma maturidade linguística que permite ao aluno
ou ao aprendente manipular a língua, trabalhá-la e até divertir-se com ela.

O conceito de competência pertence à teoria linguística e nasceu e insere-se no


quadro teórico da Gramática generativa. Em tal contexto, ele descreve ou indica a
obtenção de um conjunto de regras que se encontram interiorizadas num falante de uma
língua e que constituem um saber linguístico que lhe permite fazer construções,
produções de um número infinito de enunciados e o seu respectivo reconhecimento e
compreensão. A competência na língua permite ainda ao falante identificar enunciados
orais ou escritos que se apresentam com correcção linguística e lhe capacita ainda para
as técnicas de reformulações, reinterpretações e produção de novos enunciados (Lyons
1970; Crystal 1980; Abraham (1981); Botelho (2000); Lamas (2000)).

A competência linguística, designação muito frequente na linguística moderna,


indica as capacidades de um ouvinte/falante de uma língua em articular a sua língua nas
suas variadas dimensões fonética e fonológica, morfológica e sintáctica, lexical e
semântica e pragmática. O aluno ou o ouvinte/falante chega a este estádio graças à
«sistematicidade e consistência» (Freitas et alii 2007) da língua que ele adquiriu, no
âmbito da consciência linguística.

Se o estudo do léxico abre perspectivas para outras subestruturas da gramática


da (s) língua (s), o estudo da neologia dá as mesmas possibilidades. Como alguns
linguistas o sublinharam, as unidades lexicais da língua que um falante utiliza,
aprendeu-os no quotidiano, num processo de escuta/fala (Duarte 2010; Correia e
Almeida 2012). O mesmo acontece com a neologia. Ela é perceptivel e detectável, como
afirmam Correia e Almeida (2012: 25) «no nível da fala, ao qual pertencerão durante
algum tempo».

Numa era da informação, da informática e da expansão de uma consciência


multicultural em que as unidades lexicais das línguas facilmente viajam de uma língua
para outra, considerada a capacidade da sua ‘imposição’ no meio (internacional,
nacional ou regional) do seu uso, a percepção, o reconhecimento, a identificação, o

255
estudo e o ensino da neologia é uma tarefa que a Linguística moderna não pode
prescindir. Neste processo, tem grande responsabilidade a actividade para a feitura de
dicionários gerais e académicos ou escolares actualizados, o trabalho de um estudo
permanente de localização de neologismos que sejam a base do trabalho didáctico numa
aula de neologia. A criação destas condições viabiliza o trabalho do docente na
leccionação da neologia.

É uma necessidade e uma urgência o trabalho com os neologismos pois o nosso


mundo é cada vez mais criativo e, por conseguinte, também mais exigente em termos de
comunicação. A percepção de elementos novos na língua depende do conhecimento
explícito desta mesma língua por parte do falante. Um dos instrumentos didácticos que
contribui para esta consciência linguística é o dicionário.
A didáctica da neologia, ao mesmo tempo que se serve dos dicionários para a
confirmação da natureza de uma unidade lexical com ocorrência nalgum texto, pode ser
também um grande auxílio na observação, percepção, detecção da neologia da língua; a
colecção de novos textos, as várias tipologias de textos, quer em contextos escolares,
quer em contextos extra-escolares, servem para a observação de novas unidades
pertencentes à língua corrente, ou pertencentes a um nível de especialização,
banalização ou vulgarização (estes últimos conceitos tomados tal como são entendidos
por Robert Galisson (1978) e por Teresa Lino (1990)).

A problemática do ensino da neologia parece hoje estar dependente da questão


do método. Assim, surgem questões como: porque ensinar a neologia, para quem
ensinar a neologia, o que ensinar sobre neologia, porque ensinar a neologia e,
finalmente, como ensinar a neologia. Por outro lado, ela está entre o método e o
desconhecimento deste fenómeno, o que parece esvaziar o seu conteúdo e o seu modus
operandi nas línguas. Em relação ao método, pode dizer-se que o ensino da neologia
enquadra-se não apenas no âmbito do ensino da morfologia, mas também da fonologia,
da semântica e da pragmática das línguas.

O neologismo é uma entidade linguística que não surge aleatoriamente; apesar


de ser um elemento novo na língua, ele aparece mediante processos específicos e
diversificados na língua.

256
A neologia sendo parte importante do estudo das línguas reclama por um estudo
sistemático e por uma didactização em meios académicos. O neologismo sendo uma
unidade lexical nova na língua inscreve-se num conjunto de normas e estratégias
linguísticas de cada língua natural. Por isso, todo o neologismo pode ser uma base
importante de aprendizagem das problemáticas linguísticas que têm o léxico como base
sobre o qual delineiam os seus pressupostos teóricos e base material de reflexão e de
labor heurístico.

5.3.1. Análise dos corpora textuais didácticos

Antes de tudo, informa-se que o corpus que vai agora ser objecto de observação
é constituído exclusivamente por manuais de Língua Portuguesa do Ensino Primário ao
Primeiro Ciclo do Ensino Secundário de estudos vigentes, actualmente, na República de
Angola. Deles constam: os manuais da 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª (1º Ciclo do Ensino Primário), 7ª
e 9ª classes (1º Ciclo do Ensino Secundário).
Por razões metodológicas foram excluídas, desde o início, o manual da 1ª
Classe, por ser um manual bastante elementar e o manual da 8ª Classe, cuja natureza
dos seus conteúdos lexicais, à partida, não satisfazem o nosso objectivo.

Com a análise dos manuais, pretendeu-se a observação da evolução da riqueza


lexical e, muito em especial, as realizações neológicas nos corpora textuais. A análise
teve como suporte de trabalho os softwares Hyperbase e o AntConc que nos ajudaram
no processo de localização de lexemas e das novas unidades lexicais, permitiram extrair
os seus contextos de ocorrência. No entanto, o processo inicial foi de observação e de
identificação das novas unidades lexicais em contexto.

5.3.2. Trabalho com os corpora informatizados

Os corpora que foram objecto de análise estão codificados com o nome de


CORNEODIDAC - ANGOLA.
Estes corpora estão assim codificados: SEGclas (textos da 2ª classe); TERclas
(textos da 3ª classe); QUAclas (textos da 4ª classe); QUINclas (textos da quinta classe);

257
SEXclas (textos da 6ª classe); SETIclas (textos da 7ª classe) e NOVIclas (textos da 9ª
classe).
A análise destes corpora foi possível com a ajuda do hipertexto Hyperbase,
utilizando as variadíssimas funções que oferece para a análise dos corpora textuais.

5.3.2.1. A ferramenta de base: o HYPERBASE

Ilustração 19: Página inicial do software HYPERBASE

5.3.2.2. Ocorrências e frequências de vocábulos

No processo de identificação quer de vocábulos quer das novas unidades lexicais


foi importante ter presente o cômputo geral de formas da totalidade dos corpora
CORNEODIDAC-ANGOLA.
A totalidade geral dos vocábulos nestes corpora é de 21.218, dos quais 2134
para o corpus SEGclas, 3792 para o corpus TERclas, 3844 para o corpus QUAclas,

258
3862 para o QUINclas, 7790 para SEXclas, 7617 para o SETIclas e, finalmente, 11106
para o corpus NOVIclas.

Tabela 19: Número total de vocábulos por corpus

Classes Total de vocábulos


2ª Classe 2134
3ª Classe 3792
4ª Classe 3844
5ª Classe 3862
6ª Classe 7790
7ª Classe 7617
9ª Classe 11106
TOTAL 21218

Ilustração 20: Total de ocorrências

5.3.2.3. O processo da hierarquização dos índices vocabulares

O objectivo deste procedimento é de, depois da informação da totalidade de


vocábulos dos corpora, fazer a observação, sob o ângulo comparativo, dos índices de
ocorrências e sobretudo de frequências nos diversos corpora.

259
Ilustração 21: hierarquização de frequências

5.3.2.4. Especificidades dos corpora

A compreensão da evolução lexical de cada um dos corpora exigiu uma


individualização no processo de análise.
Foi preciso individualizar os corpora para uma observação particular da
evolução das unidades lexicais em cada um deles.

260
Ilustração 22: SEGclas

Ilustração 23: TERclas

261
Ilustração 24: QUAclas

Ilustração 25: QUINclas

262
Ilustração 26: SEXclas

Ilustração 27: SETIclas

263
Ilustração 28: NOVIclas

5.3.2.5. Riqueza lexical, frequências, ocorrências e hápax

Vistas as especificidades de cada corpus e feita a devida comparação, era


necessário observar que corpora apresentam o maior enriquecimento lexical e quais são
as suas frequências em cada corpus.
Foi também exigência deste ponto, a observação dos hápax sobretudo para a
individuação das novas unidades lexicais.

264
Ilustração 29: Observação da riqueza lexical e dos hápax nos corpora

Ilustração 30: Observação da distribuição das frequências nos corpora

265
Ilustração 31: Desníveis comparados do número total de unidades lexicais por cada corpus

Ilustração 32: Desníveis comparados do número total de unidades lexicais por cada corpus

266
Ilustração 33: Desníveis comparados do número total de unidades lexicais por cada corpus

5.3.2.6. As concordâncias

Foi sobretudo para o processo de individualização das novas unidades lexicais


que o recurso às concordâncias foi útil. Elas deram-nos um conjunto de ocorrências e o
modo como ocorrem as unidades lexicais em questão.

Por esta razão, as concordâncias indicam um estado muito avançado de


observação, análise e verificação. Pressupõem o conhecimento aprofundado dos
corpora e daquilo que constitui o objecto da investigação. Exigem que sejam já
individualizadas as unidades lexicais que vão ser objeto de estudo.

No esquema que segue, seleccionámos os neologismos SOBA e SÔ para


observação das suas concordâncias.

267
Ilustração 34: Observação das ocorrências do neologismo fonológico “Sô”

Ilustração 35: Observação das ocorrências do neologismo formal “Soba”

268
5.3.2.7. Contextos de ocorrências e de coocorrências

Vilela (1985), a respeito do estudo e ensino do léxico, criticou qualquer método


na aprendizagem das línguas que privilegiasse uma aprendizagem mecânica das
unidades lexicais e sublinhou o facto de que, os vocábulos que constituem o léxico das
línguas não são um conjunto estático. Cada vocábulo tem o seu dinamismo em função
do seu lugar no conjunto textual e das suas combinações com as outras unidades
lexicais.
Estas combinações podem ser observadas nas concordâncias e nos contextos de
cada unidade lexical.

A definição de um vocábulo em ocorrência num corpus está dependente do seu


contexto de ocorrência. Por isso, a extracção dos contextos é assaz profícuo, pois seria
mais difícil definir um neologiamo em ocorrência no corpus, sem estes dados
linguísticos. Tratando-se de neologismos, esta operação é muito necessária, porquanto é
ela que nos indica o (s) sentido (s) de cada nova unidade lexical registada (s).
Para a ilustração do processamento dos contextos seleccionámos os neologismos
BAMBI, QUIMBOS e REI-KIBALA (em formas não lematizadas).

Ilustração 36: Os contextos de ocorrências do neologismo formal “Bambi”

269
Ilustração 37: Contextos das ocorrências do neologismo formal “quimbos”

Ilustração 38: Contextos de ocorrências do neologismo formal “Reis-Kibala”

270
5.3.2.8. Ocorrências de novas unidades lexicais nos corpora

Esta foi a última fase da observação e de análise e verificação das novas


unidades lexicais.
Para um olhar razoavelmente global das novas unidades lexicais seleccionadas e
registadas nas nossas listas, foi pertinente uma leitura de algumas unidades lexicais para
se observar a sua ocorrência, não apenas do ponto de vista dos seus contextos, mas
também sob o ângulo do cômputo percentual.

O esquema que segue é uma exemplificação deste processo, utilizando os


neologismos NASSA e MAKA (formas lematizadas).

Ilustração 39: Observação da ocorrência da nova unidade lexical “Nassa”

271
Ilustração 40: Observação da ocorrência da nova unidade lexical “Maka”

5.3.3. Verificação da evolução lexical (vocabular) nos manuais

O objectivo deste ponto é de apresentar um quadro situacional dos textos em


análise relativamente à evolução ou involução gradual do vocabulário. O conceito de
vocabulário que aqui se tomou foi considerado no seu sentido mais restrito e muito
específico. Considerou-se vocabulário as unidades lexicais ou lexemas tomados pelos
autores dos manuais como vocábulos. Ou seja, foi definido como vocabulário todas as
unidades lexicais ocorrentes e até coocorrentes nos textos que pela sua novidade, não
porque neologismos, mas pela natureza dos seus destinatários, encontram-se
predefinidos nos próprios manuais pelos seus autores. Só os lexemas pré-definidos no
final de cada texto, designados vocabulários, é que foram objecto da nossa recolha para
a verificação da evolução vocabular dos manuais.

272
O esquema que em baixo se apresenta é um procedimento que nos permite
verificar a evolução do léxico numa ordem alfabética (Progressão de frequências das
formas e regressão das frequências das formas não lematizadas).

Ilustração 41: Observação da evolução lexical por ordem alfabética

Este método permitiu uma abordagem não aleatória, mas precisa, objectiva e
muito direcionada na observação, selecção e recolha das unidades lexicais pretendidas.
Deste modo, se o objectivo dos manuais é, além, naturalmente, dos outros, desenvolver
a consciência e competências linguísticas por meio do aumento do acervo lexical no
armazenamento mental dos alunos, então é suposto e é deduzível que o vocabulário que
apresentam no final de cada texto obedeça a um critério que pretenda desenvolver nos
alunos a competência lexical através do desenvolvimento da consciência lexical. Esta
tem como objecto o progressivo aumento do enriquecimento lexical com grande
expressão não somente no contexto escolar, mas também no quotidiano
comunicacional. A seguir, são apresentados os gráficos vocabulares comparativos da
evolução do vocabulário dos textos nos manuais.

273
Gráficos 3: Gráfico de lexemas seleccionados e registados

Gráfico 4: Gráfico dos neologismos seleccionados e registados

274
5.3.4. Resultados da verificação e de análise dos textos

A observação, verificação e individualização quer da evolução vocabular quer


dos neologismos permitiu obter resultados susceptiveis de algumas inferências. A tabela
e o gráfico que a seguir se apresentam são a ilustração dos resultados obtidos.

Tabela 20: Quadro comparativo dos manuais por classe

Classes Novas unidades Lexemas Totais comparados


lexicais recolhidos (neologismos/lexemas)
recolhidas (vocabulário)
2ª Classe 27 8 27 / 8

3ª Classe 90 72 90 / 72

4ª Classe 47 106 47 / 106

5ª Classe 64 88 64 / 88

6ª Classe 136 134 136 / 134

7ª Classe 120 37 120 / 37

9ª Classe 109 60 109 / 60

Gráfico 5: Número total de lexemas e unidades lexicais neológicas por manual

275
5.3.5. Ensino do léxico e da neologia em Angola: a evidência dos
manuais em análise

O trabalho de observação e de verificação das ocorrências de neologismos e da


localização dos vocábulos pré-definidos pelos autores para o desenvolvimento,
consciência e competência lexicais deu a possibilidade de observarvários aspectos. Em
primeiro lugar, os manuais evidenciam uma atitude tímida no ensino do léxico.
Considera-se tímida a atitude, porquanto, se de um lado parece haver uma consciência
da importância do léxico para os alunos, por outro lado, esta consciência parece ser
simplesmente implícita. Há alguma preocupação na definição de vocábulos que ocorrem
nos textos. No entanto, isto não é feito de modo sistemático.

O exemplo disto é a observação da evolução dos vocábulos pré-definidos nos


manuais. Se no manual da 2ª classe estão pré-definidos 8 vocábulos, na 3ª classe 72
vocábulos, na 4ª classe 106, na 5ª classe estão pré-definidos 88 e na 6ª classe 134, na 7ª
classe 37, na 9ª classe 60. Esta ondulação quantitativa pode ser a demonstração da
assistematicidade dos manuais na elaboração da política vocabular. Contudo,
compreende-se, pois como ficou dito, os manuais não apresentam uma consciência
lexical clara, isto é, explícita.

Em segundo lugar, a partir da verificação dos manuais não é possível inferir a


consciência neológica dos autores. Na verdade, há uma utilização em grande escala dos
neologismos, especialmente aqueles que apresentam marcas de lexicultura. E,
diversamente, daquilo que se poderia esperar, embora predominem neologismos vindos
do Kimbundu, porém, verifica-se a presença, ainda que muito ténue, da bantuização. Já
é possível localizar um ou outro neologismo em Nhaneka ou Nhaneka-humbi, em
Kikongo, em Umbundu e Tchokwe.

Paradoxalmente, se os manuais evidenciam em termos comparativos que, a


média dos neologismos supera a dos vocábulos pré-definidos, são pouquíssimos os
neologismos pré-definidos pelos autores. O quadro comparativo em cima mostra
claramente a diferença média da ocorrência dos neologismos e dos lexemas ou
vocábulos. O manual da 9ª classe no seu final apresenta o que está designado em todos
os manuais por «bloco gramatical». Neste bloco há uma referência explícita à

276
Lexicologia, apresentando a sua definição e definindo, ao mesmo tempo, o que é o
«léxico geral» e «léxico individual», «neologismo» e «estrangeirismo», «arcaísmo» e
outros processos neológicos. No entanto, esta lição funciona como apêndice, não tem
relação com o conjunto dos textos dos manuais.

Portanto, os manuais que foram analisados demonstram um défice na tomada de


consciência da importância do léxico e com maior incidência da neologia. A grande
preocupação dos autores dos manuais parece estar muito voltada para a questão da
gramática, em especial, no cultivo da competência da escrita e da morfologia sem
grande referência ao léxico e á neologia, apesar de abundante. Quase todos os exercícios
estão direccionados para o saber escrever e saber diferenciar textos do ponto de vista
das suas tipologias. Em todas as classes, há a preocupação em demostrar, por exemplo,
o que é um texto argumentativo, apelativo, informativo, etc.
Assim, julgamos que há uma grande necessidade de sublinhar a importância do
léxico na construção da competência da escrita ou da leitura e doutras competências.

5.4. Dificuldade de elaboração de um modelo do processo ensino-

aprendizagem das novas unidades lexicais do Português em Angola

O contexto social angolano é marcado por uma história que, mais do que ajudar
a construção de um sistema educativo eficiente e proficiente, lança grandes desafios ao
processo educacional em curso. Um destes factores é a guerra que, em décadas de
persistência, “descentralizou” em sentido negativo várias famílias angolanas. A
desestabilização das redes familiares deu origem a deslocações das identidades
culturais. Se, como temos vindo a afirmar, a cultura exprime-se no léxico e o léxico, por
sua vez, veicula a cultura num movimento binómico de indissociabilidade entre os dois
elementos (Zarate 1995; Bertinetti e Osório 2015), então as deslocações culturais
originadas por um processo progressivo forçado duma ‘desestruturação mecânica’ não
só são nocivas ao próprio progresso social, mas também impeditivas do processo de
desenvolvimento ao nível da escola.

Este argumento que acabámos de expor fundamenta-se num outro que quiçá seja
o mais importante e o mais problemático. Trata-se da realidade angolana do

277
multiculturalismo e do respectivo plurilinguismo ou bilinguismo. Estas problemáticas já
foram objecto de exploração no primeiro capítulo, onde foram abordadas questões
relacionadas com a situação linguística de Angola. O multiculturalismo ao mesmo
tempo que significa, e, é sem dúvida, uma grande riqueza nacional é também um grande
desafio na definição das políticas linguísticas do país.

O artigo de Irene Guerra Marques em 1985 intitulado Algumas considerações


sobre a problemática linguística em Angola já tinha definido alguns desafios com que
se confronta a política linguística em Angola. A sua análise apresentava como questões
problemáticas a divisão, linguisticamente falando, da sociedade angolana em duas: a
sociedade dos que têm o Português como L2 (são a maioria e vivem nas zonas
suburbanas e rurais) e a sociedade para quem o Português é língua materna (L1). Em
segundo lugar, apontava como desafiante a questão da integração da criança angolana
que aprende o Português na escola como L2 e a sua integração num mundo conceptual
totalmente novo face à novidade da língua. Em terceiro lugar, o facto de em Angola não
haver o ensino das línguas nacionais e/ou em línguas nacionais (Marques 1985: 205-
224).

Estas questões levantam outros problemas decorrentes da própria dinâmica


social linguística de Angola. A questão não é nova. Contudo, ela é assaz crucial para os
linguistas angolanos. Trata-se do resultado de um olhar sociolinguístico actual do país
que apresenta um contexto já referido por Irene Marques e que ainda hoje parece
prevalecer. Ou seja, a dificuldade está em perceber como se pode classificar
linguisticamente a sociedade angolana em relação ao Português. Pode afirmar-se que o
Português em Angola é L1? Do mesmo modo, pode afirmar-se em justa medida que o
Português em Angola é L2?

Sabe-se que as duas realidades existem no país. Não é menos verdade afirmar-se
que, ainda hoje, em muitos meios sociais o aluno vai à escola para começar a aprender e
falar Português. Nem é menos verdade que muitos angolanos já nascem a falar
Português. No entanto, é verdade que a maioria dos angolanos nascida em meios que
utilizam o Português como L1 não sabe as línguas nacionais. Portanto, embora vivam
num país multilingue estes angolanos não vivem, na prática, o bilinguismo. Deste
modo, esta situação cria uma ‘terceira sociedade’ em Angola. Feita a análise

278
sociolinguística, temos: um grupo social com domínio da sua língua local e detentor do
Português como L2; o segundo grupo social constituído por angolanos que têm o
Português como L1 e que embora não tenha grande consciência e competência
linguística da língua local tem dela pelo menos um conhecimento elementar; por fim,
um grupo social que, em virtude de ter nascido em meio que não favoreceu a aquisição
do conhecimento linguístico elementar da sua língua local, não sabe a língua da sua
zona ou da sua tribo. E, por esta razão, na comunicação hebdomadária utiliza somente o
Português.

Esta complexidade da realidade sociolinguística angolana desencadeia nos


linguistas angolanos um grande desafio para um debate que ainda está no seu início e
que precisa, por isso, de ser estimulado e ser levado a sério, um debate franco e
responsável para se poder preconizar aquela fecundidade intelectual da investigação que
venha dar a sua contribuição no caminho da (re) definição da importância da Língua
Portuguesa e das línguas nacionais no contexto dos Povos na sociedade angolana. Este
caminho é, certamente, íngreme e penoso, pois exige um esforço da parte dos linguistas
angolanos de trabalhar na investigação, não somente na área da linguística, mas também
da sociolinguística, da própria sociologia e antropologia que podem ser ciências
auxiliares à Linguística bantu.

Na conjuntura dinâmica destes problemas há um outro desafio sociolinguístico


em Angola. O repto está relacionado com a própria condição do aluno ou do aprendente
angolano em relação ao seu ambiente social. Todo o falante do Português em Angola,
no uso quotidiano do Português está condicionado por um factor determinante na
formação da sua identidade linguística. O aluno ou o aprendente angolano está na zona
de ‘interface’ entre o Português Europeu (PE) e o Português do Brasil (PB). Este
condicionalismo envolve o plano fonético-fonológico, morfológico, sintáctico e
semântico-pragmático. Hoje, em Angola, por causa dos mídia, a influência dos falares
do Brasil tem uma forte presença. Quotidianamente, os alunos são confrontados com
novos problemas e novas dificuldades originadas da variação linguística do Português.
Do ponto de vista didáctico estas dificuldades colocam um grande repto ao aluno e ao
docente.

279
O que se disse até aqui diz respeito ao sujeito destinatário do processo do
ensino/aprendizagem. O aluno deste tipo vive situações e circunstâncias que não podem
ser olvidadas pelos linguistas muito menos pela autoridade que superintende a educação
de qualquer país. No entanto, outro repto que impõe restrições ou estorva o processo
ensino/aprendizagem em Angola é a condição do professor. Os reptos mencionados em
cima encontram uma grande implicação na actividade didáctica do docente.

Quer dizer, diante de um ambiente académico multicultural e, por conseguinte,


multilingue, considerando as três tipologias de alunos que se possam encontrar nas
escolas angolanas, emergem alguns condicionalismos que podem determinar o êxito ou
o insucesso do professor. Por exemplo, um professor de Língua Portuguesa em Luanda
pode ser, muitas vezes, confrontado com novas realidades linguísticas no estudo do
léxico ou da neologia do Português. A razão de tal situação deve-se ao facto de que, um
estudo sobre o léxico e sobre a neologia de Angola exigiria, em parte, do docente
noções elementares das línguas nacionais angolanas.

Hoje, a neologia do Português em Angola vem maioritariamente dos fenómenos


de contacto e de interferência linguística entre o Português Europeu (PE) e as línguas
nacionais. Esta constatação permite observar que a neologia do Português em Angola é,
acima de tudo, uma neologia resultante do encontro do Português Europeu (PE) com o
mosaico das culturas angolanas.
A neologia encontra na lexicultura o seu ambiente fértil. O encontro do PE com
as 41 línguas que compõem o xadrez linguístico angolano, do mesmo modo que é um
grande desafio para o Português é também um encontro transformador, pois o falante
dumas destas áreas linguísticas, ao assumir os conceitos em Português e ao traduzir em
Português os conceitos da sua língua, protagoniza um produto de um processo que é
algo que, sem dúvida, sofreu transformações.

Neste encontro de concepções do mundo transmitidas pelo léxico presente nas


duas culturas – a do aprendente e a portuguesa – opera-se, certamente, o que se pode
chamar “choque cultural”. Por isso, em tal contexto académico o professor tem a
exigência da verificação da diversidade cultural e linguística numa sala de aulas. No
entanto, não se pode pensar que um trabalho deste tipo seja menos importante; é um

280
labor acrescido à actividade da docência do professor. Contudo, ele é uma exigência da
índole própria do seu labor.

Daí que, a concepção de um modelo do processo educativo ensino/aprendizagem


do léxico e da neologia em Angola esbarra-se com a exigência do contexto
sociolinguístico.
O desafio lançado pelo multilinguismo coloca a exigência de uma abertura ao
plurilinguismo por parte do docente e reenvia para um trabalho permanente de
investigação sobre as línguas nacionais que deve estar sempre actualizado sobre os
resultados publicados e sobre os estudos mais recentes sobre a situação das línguas
bantu angolanas.

Por isso, levanta-se uma questão: que modelo educativo do processo didáctico
ensino/aprendizagem das (novas) unidades lexicais do Português em Angola adoptar
que seja capaz de manter a autonomia ou o esforço do professor de Português na sua
actividade e que ao mesmo tempo tenha possibilidade de se dar conta de aspectos que
dizem respeito ao aprendente ou ao aluno, como, por exemplo, a sua proveniência
linguístico-cultural, para melhor fazer frente às barreiras linguísticas quer do lado do
docente quer do lado do aluno ou aprendente da língua?
Na verdade, não é sem dificuldades que se pode responder a esta questão, pois
diante de um texto que contenha algumas unidades lexicais de várias línguas nacionais,
não é fácil exigir do docente o domínio de todas elas. E, logo à partida, se tal acontecer,
é um desafio para o docente.

5.5. Os desafios da didactização dos neologismos

Do que ficou exposto em cima, conclui-se que o desenvolvimento do processo


ensino/aprendizagem do léxico não é uma tarefa linear. É um processo que comporta
vários reptos e é envolvido por factores muito diferenciados que o condicionam ou
podem condicionar. Os primeiros factores são os elementos do jogo ou do processo: o
professor e o aluno. Da relação destes dois elementos depende também o seu sucesso.
No entanto, tal como acontece com o léxico, o maior desafio da didactização da
neologia é a questão do método.

281
Relativamente a esta problemática, Ferreira pô-la num contexto de
problematização, na moderna pedagogia do léxico. Uma das razões que têm sido
evocadas para negar a exequibilidade da didactização do léxico é uma concepção que o
considera um conjunto destruturado e desordenado de palavras e de carácter ilimitado.
Tomando os pressupostos e últimos resultados da Lexicologia contemporânea e
partindo da afirmação de que

«le lexique, même s’il est pratiquement illimité, répond à des lois d’organisation
structurale et que la connaissance de ces lois permet de mettre au point un
enseignement systématique. Les mots, en effet, ne sont pas les éléments épars
d’un inventaire désordonné : ils se situent les uns par rapport aux autres par le
jeu de relations et d’oppositions qui seules leurs confèrent une fonction
linguistique, au niveau de l’organisation du signifié» (Debyser, 1972 : 5),

Ferreira conclui que, de facto,

«um dos principais objectivos do ensino de uma língua quer materna quer
estrangeira é o desenvolvimento da competência lexical do aluno, aumentando o
conhecimento que ele possui das estruturas fundamentais da língua e
desenvolvendo o seu campo expressivo. A necessidade de ensinar o vocabulário
é, pois, um facto incontestável (…)» (Ferreira, 1985: 35).

Nesta linha de ideias, a didactização do léxico passa, não mais pelo aprendizado
através da memória ou memorização desordenada das novas unidades lexicais, mas pela
sua gradual estruturação desde as estruturas de campos lexicais. Esta prática de
sistematização possibilita uma assimilação que se processa de modo coerente e pouco
penoso. Uma linha assim delineada descentraliza a sua atenção na retenção do
vocabulário, privilegiando o aspecto quantitativo e passa para uma abordagem
qualitativa que evidencia mais a aquisição pelo aluno da competência lexical em função
da competência linguística (Ferreira, 1985: 36).

Esta perspectiva vem de Galisson que, segundo Debyser (1972: 6)

«a mis au point une pédagogie de l’enrichissement méthodique essentiellement


fondée sur un apprentissage rationnel des synonymes. Grâce à ce travail, les
étudiants étrangers et les professeurs, et pourquoi pas les maîtres de classes
françaises, disposeront d’une méthode nouvelle pour clarifier des ambigüités que
les dictionnaires usuels, même les dictionnaires de synonymes, ne lèvent pas
toujours».

282
Em todas estas afirmações e perspectivas está evidenciado o problema do
método. Contudo, para a realidade nacional angolana esta questão é originada pelo
problema já exposto relacionado com o bilinguismo nacional e a diversidade cultural.
Marques (1985: 212) já tinha identificado o problema, quando afirmou em termos de
proposta, que
«todo o trabalho ao nível da problemática linguística no nosso país deve ser
orientado a partir de, e em função de uma situação de plurilinguismo nacional e
pluri ou bilinguismo individual. O reconhecimento e tratamento adequado desta
realidade constituem a base para a promoção e utilização das línguas nacionais
em todos os domínios e situações (de comunicação) e para o ensino mais eficaz
da língua portuguesa».

Julgamos que, relativamente à didactização dos neologismos no Português falado em


Angola, é um grande desafio.

O primeiro desafio, se se enquadrar a questão nesta perspectiva, está no facto de


que, quando se fala da neologia do Português em Angola, não se fala de uma realidade
linguística homogénea, mas de uma ‘realidade acidentada’ que exige do professor
competências variadas. No fundo da questão está aquilo que constou das propostas de
Marques para o ensino do Português.
Marques sugeriu que – esclarecendo o seu método de análises contrastivas no
ensino da língua – os professores de Língua Portuguesa, por inerência da exigência do
seu trabalho, se esforçassem pela obtenção de um conhecimento básico das
características das línguas bantu angolanas (1985: 214).

A nosso ver, aqui reside o problema. A questão tem a ver com o facto de que,
em Angola, a maioria dos professores de Língua Portuguesa, não tem um domínio das
línguas nacionais. E, por vezes, nem sequer da sua língua local. Nestas circunstâncias,
como se poderá ensinar o léxico ou a neologia, principalmente, aquela neologia
proveniente da língua em contacto e de marcas de lexicultura? E o desconhecimento da
língua é acompanhado, em muitos casos, do desconhecimento da própria cultura local.

O acesso àquilo que Bordieu (1977, 1984) chamou « cultural capital » (Swann –
Deumert – Lillis – Mesthrie, 2004: 68) entendido como «diferent forms of knowledge,
values, language and meaning that individuals come to possess through their everiday
living in specific social contexts», é feito pela língua.

283
A didactização da neologia exige aspectos concretos de uma “comunicação
endógena e exógena”. Este tipo de comunicação requer a abertura a um conjunto de
saberes linguísticos, ainda que elementares, mas que capacitem os professores de
práticas heurísticas no estudo das línguas e da neologia em particular.

O outro repto pode estar localizado na estruturação dos materiais e nos métodos
de ensino do Português em Angola. O estudo do Português em Angola nos ensinos
primário e secundário em todos os seus ciclos está centrado no uso de manuais de
leitura. Coloca-se a questão da elaboração dos manuais. Quem os elabora? Que grau de
competências, em termos de conhecimento do capital cultural angolano, possui quem
elabora os manuais? Que conhecimento tem do destinatário destes manuais? Ou seja,
que tipo de competências se pretende atingir, em relação aos alunos, com estes
manuais? Este é um factor determinante para que o processo ensino/aprendizagem não
só da neologia, como também do léxico seja um processo com resultados preconizáveis
e auguráveis. Pois sendo os manuais o suporte primeiro do professor, o seu modelo tem
de conceber as várias sensibilidades e contemplar as diversas realidades nacionais das
línguas e das culturas nacionais angolanas.

5.6. Um contributo para o processo ensino-aprendizagem da neologia


do Português em Angola

As dificuldades são inúmeras, vários são os desafios que confrontam o processo


ensino/aprendizagem do léxico ou da neologia do Português em Angola, tal como já foi
exposto nos itens anteriores. Todavia, se de um lado se sentem as barreiras que
condicionam tal actividade ou processo, por outro lado cresce a consciência da
imprescindibilidade do estudo da neologia e da sua didactização nos currículos
académicos em Angola.

A consciência deste procedimento nasce dos factores já evocados anteriormente


que convocam os linguistas angolanos a um trabalho de investigação que localize os
campos de actuação da neologia do Português em Angola e, ao mesmo tempo, os
fenómenos a ela subjacentes e os processos linguísticos que presidem à sua realização.
Estes trabalhos estão a ser feitos embora estejam ainda no seu limiar. A complexidade

284
linguística angolana caminha em paralelo com a complexidade cultural, mas é urgente
este trabalho para as línguas angolanas na sua relação com o PE.

5.6.1. Análise dos currículos do Ensino Primário e do Primeiro Ciclo


do Ensino Secundário

Uma análise aos currículos dos ensinos primário e secundário nos três ciclos (um
do primário e dois do secundário) constata que o ensino do Português está totalmente
virado para o cultivo no aluno das competências de leitura e escrita da língua. Há uma
grande insistência nestas componentes. Assim, por exemplo, para o Ensino Primário,
em relação à disciplina de Português, o currículo colocou como objectivos gerais:

«desenvolver um instrumento de comunicação e expressão oral e escrita, que


permita uma integração social e uma participação consciente no processo de
desenvolvimento do país; permitir uma compreensão do conteúdo das outras
disciplinas, que exigem do aluno um domínio cada vez mais alargado do
vocabulário; desenvolver o gosto pela leitura e permitir o acesso a obras
literárias que poderão desenvolver a sensibilidade e criatividade dos alunos; usar
correctamente a Língua Portuguesa para comunicar de forma adequada e para
estruturar o pensamento próprio» (Cabral, 2013: 13).

Em relação ao Primeiro Ciclo do Ensino Secundário, o currículo traçou como


objectivos gerais para todas as disciplinas o seguinte:

«desenvolver harmoniosamente as capacidades físicas, estéticas, laborais,


intelectuais e cívicas da jovem geração; dominar competências científicas a fim
de intervir na vida activa da sociedade; relacionar os conhecimentos técnico-
científicos com a resolução dos problemas nacionais, possibilitando uma melhor
reflexão sobre o meio onde vive; formar o indivíduo, a fim de o capacitar para
uma melhor análise e compreensão dos problemas a nível nacional, regional e
internacional; conhecer e respeitar os valores e símbolos nacionais, pela
dignidade humana, pela tolerância e cultura da paz e unidade nacional; formar
um indivíduo capaz de compreender os problemas do País, participando na vida
social à luz dos princípios democráticos» (Octávio, 2013: 11).

Em ambos os currículos existem dois objectivos facilmente apreensíveis: a


preocupação pela língua (com maior ênfase na competência da discursividade,
comunicação e escrita) e pelo conhecimento da realidade nacional angolana. Quanto ao
currículo do Ensino Primário é digna de observação o facto de incluir nos programas de
Português a preocupação pelo vocabulário. No seu segundo objectivo, reconhece-se que

285
uma maior compreensão do conjunto de disciplinas previstas para este ciclo de estudos
depende totalmente do acervo lexical do aluno. Esta observação pode ser um ponto de
partida para a concepção de um modelo educativo que trabalhe para uma metodologia
que inclua no ensino do Português a didáctica do léxico e da neologia do Português de
Angola uma vez reconhecida a sua importância no desenvolvimento intelectual do
aluno.

5.6.2. A questão dos manuais para o ensino

Para a exequibilidade dos programas previstos de Língua Portuguesa no ensino


do Português em Angola, o Ministério de Educação adoptou, como sempre o fez, a
utilização dos manuais. Como meio instrumental referencial de trabalho professor-aluno
é pertinente o seu uso, pois tem sido observado pelos investigadores da didáctica das
línguas que

«a importância e a centralidade do manual e dos materiais didáticos no processo


de ensino e aprendizagem do português têm vindo a ser largamente
equacionadas nos últimos tempos, em grande parte devido à emergência das
novas tecnologias. A sua relevância e os usos em função dos contextos têm sido
objeto de reflexão por parte de investigadores que remetem recorrentemente para
o seu papel central como instrumento impulsionador no desenvolvimento de
competências e saberes. Mesmo numa época em que todos assistimos ao
poderoso impacto de suportes de ensino informatizados que pareciam pôr em
causa o papel do manual, este continua a ser o suporte de aprendizagem mais
utilizado em muitos contextos (incluindo o espaço geográfico português).
Instância mediadora e intérprete, o manual revela um exercício de
interdiscursividade, em que estão subjacentes quadros conceptuais e teóricos,
traduzindo e filtrando orientações no domínio das políticas linguísticas e
referenciais, uma vez que incorporam uma leitura dos textos curriculares. A
organização global dos materiais assenta em pressupostos de teorias e de
métodos, que refletem as exigências de programas e as opções dos seus autores
por uma determinada conceção» (Bertinetti, 2015: 32-33).

A importância dos manuais fundamenta-se na qualidade dos resultados na


aplicação dos seus conteúdos. Não obstante isso, a programação tem a exigência de
adequar os conteúdos ao contexto cultural e linguístico em que se realiza o processo
educativo. De facto, como bem sublinha Cabral (2013: 16)

286
«a educação escolar é, antes de tudo, uma prática social imbuída de forte função
socializadora e personalizadora. Isto significa que a escola e a educação
alicerçam todo o seu programa numa determinada forma de entender as relações
entre o desenvolvimento humano e o contexto social e cultural no qual, sempre e
necessariamente, este desenvolvimento tem lugar. Não há pessoa alguma à
margem de uma sociedade e de uma cultura. Os processos de individualização (a
construção de uma identidade pessoal) e a socialização (a incorporação activa
numa sociedade e numa cultura) são processos inter-relacionados e
interdependentes; por outras palavras, duas vertentes de um mesmo processo:
aquele pelo qual nos formamos como pessoas. O desenvolvimento é uma
construção evolutiva, social e culturalmente mediado, realizado e traduzido
segundo uma aprendizagem progressiva».

5.6.2.1. Proposta do ensino do léxico e da neologia do Português em


Angola: um desafio

A reflexão sobre o ensino do léxico em Angola é muito recente. E mais recente


ainda ou quase inexistente é a reflexão sobre o ensino da neologia. Na exiguidade de
trabalhos lexicológicos, maior atenção tem sido dada à investigação e à prática
lexicográfica. A ausência desta reflexão, a nosso ver, além do facto de ser uma área
nova para os linguistas angolanos, ela enfrenta um grande desafio do método. Se o
ensino do léxico é confrontado com o mesmo problema não só para os linguistas
angolanos como também para muitos linguistas envolvidos no estudo das línguas
naturais do mundo, o estudo da neologia aplicada ao ensino embate constantemente
nesta problemática.
No entanto, no conjunto dos problemas, um outro estudo tem tido a coragem de
estar defronte da questão e confrontá-la com determinação. Assim, podemos citar, por
exemplo, Quivuna (2014) em A Lexicologia aplicada ao Ensino do Léxico em
Português Língua não materna, um trabalho de investigação que é um estudo do
Português no seu contacto com o Kikongo.

5.6.2.2. A proposta do método no ensino do léxico

É originariamente Galisson (1983) que propôs que qualquer tipo de


aprendizagem do vocabulário não corresponderá às expectativas dos intervenientes no
processo se não englobar a dimensão da autoaprendizagem. De facto, Robert Galisson

287
em Des mots pour communiquer procura expor, no primeiro capítulo, o lugar do
vocabulário na aprendizagem duma competência comunicativa (Galisson 1983: 7-42).

Robert Galisson, o conhecido linguista nesta matéria do ensino do léxico, na


obra em cima referida, apresenta várias estratégias que concorrem para a compreensão
da problemática do estudo da lexemática e do seu lugar na Linguística Aplicada. O
autor entende que a problemática coloca, antes de tudo, uma posição de consideração de
duas questões pontuais: que léxico ou vocabulário a ensinar ou aprender e como o fazer
(Quoi/Comment). Neste sentido, Galisson considera que estas questões podem ser
respondidas se considerados os níveis metodológicos para uma acção pragmática. Deste
modo, no primeiro caso, é preciso atender aos níveis pré-metodológicos e
metodológicos. No segundo caso, os níveis teóricos e pragmáticos ou práticos
(Galisson, 1983: 15-19).

Estes dois eixos pragmáticos orientam a acção educativa do léxico. É partir desta
exposição ou proposta que o autor propõe, por exemplo, a aprendizagem do
vocabulário/léxico através da elaboração progressiva de tabelas de concordância; a
exploração da função metalinguística através de enunciados definitórios; o recurso
designado por interréfentialité que, segundo o autor, dá sentido à acção pedagógica
(Galisson, 1983: 20-21).
A par destas técnicas de aprendizagem, que dizem respeito mais ao docente,
Galisson evidenciou também a importância do sujeito aprendente.

Neste sentido, ele entende que


«une seule contrainte dans tout cela: la constance. Pour apprivoiser les mots, il
faut entretenir avec eux une longue convivialité, les pratiquer quotidiennement et
considérer leur commerce comme une hygiène mentale indispensable. Il est bien
évident, par ailleurs, que si l’apprentissage d’une langue seconde hors du milieu
où elle fonctionne nécessite une persévérante pratique solitaire, elle ne dispense
pas d’une véritable pratique sociale» (Galisson, 1983 : 82).

Assim, a consideração social do aprendente de uma língua está bem sustentada.


A interacção social, como suporte de aprendizagem fora da aula, é o meio que contém
inúmeras potencialidades e, em consequência, potenciam o sujeito da educação.

288
5.6.2.3. O método “self-learning”

O nosso conceito de “self-learning” inspira-se no conceito de “Language-


focused learning” de Paul Nation e Teresa Chung (2009) em relação ao ensino e
aprendizagem do vocabulário. Com este conceito, pretende-se designar a atitude
dirigida do aluno na aprendizagem do léxico ou da neologia, que evidencia uma
perspectiva mais autónoma do aluno no processo de aprendizagem numa habituação
para a aquisição da cultura da autoaprendizagem. O acto do ensino compreende dois
elementos cuja actividade e interacção são essenciais tanto para o aluno quanto para o
docente, o mestre. Esta dinâmica tem um movimento não linear, mas circular, pois, a
influência do docente tem um grande significado no aluno; e a autodeterminação e a
interacção deste ajude a percepção e a tomada de consciência do professor no impacto
da sua actividade didáctica.

Galisson insiste neste método que designa de “autoaprendizagem”. O “self-


learning” parte dum pressuposto de que a utilização de técnicas e de instrumentos de
trabalho numa actividade didáctica da língua sobretudo, quando não é materna, constitui
um procedimento metodológico que melhor assegura o sucesso de um processo de
aprendizagem e a construção de um ambiente ‘ecologicamente’ aberto e favorável ao
desenvolvimento da componente lexical no aluno.
A par da utilização destes mecanismos está o próprio sujeito aprendente. Assim,
o acto de aprendizagem de uma língua obedece a um critério trinómico funcional:
docente-método-aprendente. Estes três factores são determinantes para que o processo
ensino/aprendizagem seja bem sucedido.

5.6.2.4. O método “self-learning” e os seus submétodos

Se a actividade do docente da língua é importante porque incita o aprendente ao


esforço de aprendizagem e lhe mostra as suas vias, é fundamental a atitude e o
posicionamento do próprio aprendente face ao acto da aprendizagem na sala de aula. O
aprendente terá de cultivar a autonomia no acto da aprendizagem. O ambiente autónomo

289
poderá exigir responsabilidade e consciência do papel do aluno e do docente neste
processo.

5.6.2.5. 1. O “self-request”

Entenda-se este conceito no sentido de uma atitude tomada por um aluno que
tendo atingido a sua autonomia impulsionada pelo “self-learning”, este exige do mesmo
aluno um sentido crítico no estudo do léxico ou da neologia. Esta estratégia ajuda a
orientar os aprendentes para uma visão que privilegie actividades que os conduzam ao
desenvolvimento das capacidades heurísticas e de criatividade que deverão ser
potenciadas no encontro com os textos.

5.6.2.5.2. A “aprendizagem cooperativa”

Esta é uma proposta de Quivuna. É uma estratégia didáctica que privilegia, no


acto ou processo de aprendizagem, a componente «interacção». Deste ponto de vista, se
a sala de aula é um espaço privilegiado para o crescimento intelectual da componente
lexical do indivíduo e se este ainda se desenvolve com um autocultivo a partir das
experiências da aula, há um factor não menos profícuo no desenvolvimento do seu
capital lexical. Trata-se da interacção com os outros (Quivuna, 2014: 219-222).
Relembra-se aqui que, o tema da interacção é uma constante na proposta de Galisson no
que diz respeito ao ensino do léxico.

Sociologicamente falando, a filosofia da vida é totalmente relacional. O homem


não é uma mónada, não é uma estrutura monádica fechada em si mesma. O homem é
um “ser-em-relação” de acordo com a perspectiva filósofica de abordagem
existencialista. É esta dimensão vital que o realiza como homem intelectual, espiritual e
corpóreo. A sua corporeidade é uma exigência do tacto, da interacção, da presença física
que lhe permite a troca de experiências da vida, o que faz crescer e desenvolver as suas
capacidades cognitivas e o potencia para novas imaginações e criações.

290
Os ambientes de trabalho de lazer, de convívio e tantos outros de que o homem
for capaz de criar e de imaginar são os espaços que desempenham a função de
correlação com a aprendizagem escolar. Aliás, o processo de aprendizagem integra o
processo de socialização. Esta não só realiza a inserção do indivíduo no meio social,
mas também abre caminhos para que tal processo seja possível e se faça sem
constrangimentos. Por isso, se a escola garante as bases de aprendizagem, o ambiente
social mais alargado, a rua, tem todas as potencialidades que ajudam o alargamento e
desenvolvimento do capital lexical e vocabular. Neste sentido, a interacção é um dos
tópicos que devem orientar um professor de língua na sua actividade de docência.

5.7. Proposta de um modelo do processo ensino-aprendizagem da


neologia do Português em Angola

Se se considerar que um dos escopos do Português em Angola é garantir aos


estudantes competências lexicais para a construção da competência comunicativa,
considerando que a natureza do acto comunicativo está dependente não somente de
factores internos como também de factores externos, então afigura-se que a
contextualização dos manuais de Português e a sua adequação à realidade nacional
angolana seja um factor decisivo para o êxito dos seus conteúdos. Este ponto parece não
oferecer muitos obstáculos, pois os manuais analisados evidenciam este cuidado,
embora ainda não em grau augurável.

Por isso, o nosso desafio da elaboração de uma proposta de um modelo do


ensino da neologia do Português em Angola está centrado na proposta do método de
elaboração dos manuais para o ensino da Língua Portuguesa em Angola. Este
pressuposto julgamo-lo importante e fundamental porque, a realidade dos manuais
vigente para o ensino do Português no país evidencia maioritariamente o conhecimento,
por parte dos seus autores, do ambiente cultural Kimbundu. Deste modo, a maioria das
novas unidades lexicais provenientes de outras línguas nacionais são de difícil
compreensão.

Esta dificuldade é visível na definição de unidades lexicais, em certos


dicionários, que pretendem incorporar as diversas significações do espaço lusófono

291
angolano: algumas unidades lexicais são confundidas com as do Kimbundu. Nestes
casos, os dicionários definem essas unidades lexicais a partir do Kimbundu.
Provavelmente, os autores das definições conhecem melhor esta língua bantu angolana e
não têm conhecimento das outras línguas.

Os manuais didácticos são nacionais, isto é, não há manuais regionais. Diante de


um aluno que conheça bem a sua língua e se confronte com uma informação de outra
língua, duas alternativas se colocam: ou assume o erro ou fica confundido. Para o
professor, o repto consiste em saber que procedimento metodológico deve tomar diante
de tal situação, se for capaz de detectar o erro. Ele também tem duas possibilidades: ou
corrigir o erro ou deixá-lo passar. O mesmo acontece na consulta de um dicionário.

Por esta razão, a nossa proposta de um modelo teórico do processo


ensino/aprendizagem da neologia do Português no país está alicerçada sobre uma
perspectiva centrada no método de elaboração dos manuais de Língua Portuguesa e na
preparação dos professores para o ensino do Português quer seja L1 ou L2 em relação às
línguas nacionais.
Deste modo, advoga-se a aplicação de uma metodologia na elaboração dos
manuais de Português que consiga realizar, mediante uma mais ampla participação de
peritos, não somente em questões de Língua Portuguesa, mas também em questões das
nossas línguas e culturas nacionais. Esta possibilidade permite a maior abrangência no
estudo do léxico e da sua inovação nas diversas sensibilidades linguísticas existentes no
país. Além disso, ela pode ser um estímulo à investigação nesta área. Deste modo, a
política linguística do Português no ensino devia fazer-se pela reconsideração da
proposta da elaboração de manuais mais participada.

Este procedimento metodológico, na actualidade, em Angola, já é possível, se


atendermos ao número de trabalhos que se têm vindo a elaborar na área da Lexicologia,
Lexicografia e Terminologia, sobretudo nos estudos de Mestrado. Compreende-se que
os trabalhos existentes ainda não são suficientes para garantir um conjunto de
exigências que requeira o ensino da neologia. Contudo, eles, uma vez que têm vindo a
ter alguma cobertura sob o ponto de vista das áreas linguísticas, no mapa linguístico de
Angola, podem ser um ponto de partida de consideração e também de incentivo para
novos trabalhos.

292
Neste sentido, é pertinente a criação de uma tradição que estabeleça uma estreita
relação entre os linguistas lexicólogos, lexicógrafos ou terminólogos e principalmente
os elaboradores de manuais de ensino não só de Língua Portuguesa, como também de
outras áreas, e os professores do Português.
Esta ideia está subjacente na proposta de Bronkart (1985 e 2007). Para este
autor, o ensino da língua deve fazer-se sobre a base de um conhecimento descritivo
desta mesma língua. O autor entende que a didáctica da língua deve ter em consideração
dois aspectos fundamentais: a adequação e a especificidade da língua (Bronkart 1985:
48). Segundo o autor, «a didáctica da língua depende das concepções acerca do estatuto
da língua nas suas relações com a representação do mundo e com as práticas verbais e
comunicativas» (Bronkart 2007: 134).
A relação entre os linguistas e os professores angolanos do Português é
fundamental, pois, o trabalho dos linguistas, além de ser uma base essencial para os
professores do Português, também pode ser um factor determinante na relação
produção-consumo do ‘produto’ linguístico elaborado pelos linguistas no seu empenho
e desempenho na investigação das línguas nacionais angolanas e do Português.

O estudo da neologia em Angola é uma necessidade. Além de possibilitar o


desenvolvimento e o alargamento do capital lexical dos dicionários, dos alunos e de
outros utentes da língua, ele pode funcionar também como um incentivo e um reforço
para o gosto para o estudo e conhecimento das línguas nacionais e das tradições das
culturas nacionais angolanas.
Por isso, uma vez que o ensino por meio de manuais de leitura tem por obejctivo
favorecer a maturidade intelectual ao aluno, a fim de que chegue a atingir uma
consciência linguística que lhe permita adquirir competências lexicais e outras, é
indispensável a visibilidade da interacção entre as culturas nos manuais.
Esta metodologia, além da sua proficuidade para o acto didáctico da língua, pode
ser também, do ponto de vista sociológico, um princípio de unidade nacional; pode ser
um reforço da unidade na diversidade linguística e cultural de Angola, pois todos
passam a conhecer um pouco de todos através do estudo da inovação lexical do
Português.

293
Uma segunda proposta neste âmbito é a formação dos professores. Como já
ficou afirmado anteriormente, o sucesso da actividade da docência depende, em grande
medida, da relação professores-investigadores. Se esta componente é funcional para
todas as áreas do saber humano, ela é muito mais exigência do ensino das línguas. Por
conseguinte, o ensino do léxico do Português, em Angola, vai exigir um maior
envolvimento dos professores do Português. A este respeito, Figueiredo (2004: 17)
sublinha justamente que
«se o ensino e aprendizagem da língua materna [ou não materna] é uma
actividade sistémica, a análise das actividades, dos seus objectivos, dos seus
processos de realização, dos seus resultados requer a elaboração de modelos
heurísticos que permitam, por um lado, actuar e, por outro, fazer perguntas e
formular hipóteses que conduzam à investigação das acções que se levam a
cabo, com a finalidade de buscar os melhores caminhos possíveis. Por outro
lado, estas mesmas práticas, baseadas em modelos explícitos que permitem a
reflexão e a investigação, poderão ser também o ponto de partida não só da
formação inicial, mas também da formação contínua e continuada».

Por isso, faz sentido a proposta que defende a criação de um instrumento auxiliar aos
manuais de leitura para o ensino do Português, apoiando a actividade didáctica das
novas unidades lexicais.

A consciência e competência linguísticas do aluno no processo


ensino/aprendizagem, se de um lado depende do próprio aluno, por outro lado o docente
é a fonte e o canal de transmissão deste saber. Tem sido um lugar-comum neste trabalho
a afirmação da proficuidade do léxico para o desenvolvimento intelectual e social do
aluno ou de qualquer utente da língua. Esta pertinência imprime um carácter de
utilidade do ensino da Lexicologia. Por esta razão, a actividade didáctica do ensino do
léxico não pode ser considerada um acto secundário ou dispensável, mas uma
componente em estreita correlação com o ensino da gramática.

Em consequência, entendemos que uma proposta que convide e incentive os


professores do Português em Angola à aquisição de competências no ensino das línguas
passa também pela formação em Lexicologia. No entanto, visto que a maior parte das
novas unidades lexicais do Português em Angola tem origem no quotidiano da
população e no ritmo das suas culturas e tradições, os professores devem também
adquirir competências na área da antropologia cultural angolana.

294
Assim, a competência linguística do professor do Português deve estar sensível à
competência multilinguística das línguas nacionais angolanas. Para tal, é necessário – e
esta pode ser uma terceira proposta – que haja, durante os concursos para manuais de
leitura, um maior esforço de localização de obras (manuais) que melhor traduzam ou
evidenciem a riqueza do pluralismo linguístico nacional e que integrem uma visão
neológica da língua e o fenómeno do dinamismo do Português no país como contributo
de novas descobertas linguísticas ou culturais.

5.8. A questão do método no ensino da neologia

A proposta metodológica que apresentamos é estritamente teórica. Não é nossa


pretensão tratar de uma aplicação pragmática do método. Tem-se como objectivo re
(pensar) que contributo pode ser dado ao processo ensino/aprendizagem do Português,
no domínio do léxico e, mais especificamente, no domínio da neologia. Pretende-se
contribuir para a construção de um ambiente de debate sobre uma problemática que,
embora ainda seja de uma abordagem não muito comum em Angola, é, efectivamente,
uma necessidade e uma urgência.
Pela proficuidade da neologia no contexto das línguas e das culturas nacionais
no seu encontro com o Português (PE) em Angola, foi afirmada nos capítulos anteriores
a necessidade do estudo da neologia do Português em Angola. O empenho necessário
neste domínio não é um trabalho sem objectivos. Já nos debruçámos sobre a relação
professor da língua-investigador das línguas e da relação produto-consumo. (Re) pensar
o (s) método (s) do ensino da neologia do Português L2 ou L1 é contribuir para o
enriquecimento da actividade pedagógica e educativa do professor de Língua
Portuguesa em Angola.

A questão dos métodos em todas as áreas do saber tem sido uma problemática
constante. Não obstante a sua pertinência para a exequibilidade, quer da acção educativa
quer no campo da investigação, a sua definição tem sido das mais complexas e cruciais.
A sua complexidade radica do facto de que ela varia de área para área e, por vezes, de
temática para temática. No caso da Linguística, mais particularmente da Lexicologia, da
Lexicografia ou da Terminologia, ela impõe-se também com grande força, pois dela

295
depende, em grande medida os seus resultados. O estudo da neologia e o seu ensino não
estão isentos desta preocupação.

A nossa proposta teórico-metodológica do ensino da neologia em Angola define-


se como um complemento ao método clássico do uso dos manuais. O nosso ponto de
partida é baseado na proposta de Galisson (1983), de Ferreira (1985), de Vilela (1995) e
de Quivuna (2014).

Galisson preconiza um processo ensino/aprendizagem que considere uma


perspectiva teórica e outra prática. De facto, todo o pragmatismo repousa sobre uma
base teórica. Deste modo, o ensino/aprendizagem da neologia pressupõe uma
componente teórica que assegure o seu trabalho pragmático.

Segundo Ferreira (1985: 74), «a aprendizagem do léxico deve ser, assim, uma
caminhada até ao interior da estrutura lexical. [Assim], a magia do desconhecido, o
delírio da descoberta do cerzido interno das estruturas lexicais prendem a atenção do
aluno e fazem-no correr, com encanto, a aventura de descobrir os traços mínimos
distintivos dos elementos lexicais».
Julgamos esta perspectiva fundamental pois o trabalho com a neologia exige
uma frequente busca do interesse dos alunos. Neste sentido, um conteúdo capaz de
suscitar alguma curiosidade que oriente os aprendentes para a descoberta da
complexidade da estrutura lexical pode ajudar a programação ou planificação duma
sessão de interesse dos alunos.

Vilela (1995) privilegia uma perspectiva mais pragmática que leve os alunos a
aprender através do contacto com os textos e na interacção com os outros. Esta linha
metodológica é, sem dúvida, muito profícua para a aprendizagem e, sobretudo, para o
desenvolvimento do acervo lexical no vocabulário do aprendente. Um procedimento
metodológico deste tipo foi também proposto por Quivuna (2014) no trabalho de
aprendizagem do léxico.

A pedagogia da neologia encontra o seu enquadramento nestas perspectivas que


acabámos de descrever. A neologia pode ser encontrada nos textos oficiais de
aprendizagem. Por isso, uma metodologia alicerçada sobre esta prática possibilita o

296
trabalho com a neologia e, ao mesmo tempo, encontra um conjunto de possibilidades de
trabalho para a aula da neologia.
Assim como o texto, instrumento de trabalho, abre inúmeras possibilidades
numa aula de língua, assim também o trabalho com o neologismo dá acesso a uma
multiplicidade de desenvolvimentos e de análise em todas as componentes da Semântica
lexical e da gramática. Não é somente o trabalho com os dicionários que confere a sua
exequibilidade. Pode-se estudar a gramática a partir do trabalho desenvolvido com os
neologismos. Por exemplo, a partir do neologismo formal Wanditombi é possível
encontrar possibilidades concretas de trabalho desde as fonético-fonológicas até às
semânticas pragmáticas. Com os neologismos é possível o trabalho de determinação dos
campos semânticos. Um neologismo encerra em si mesmo um trabalho de gramática
assaz diversificado. Por isso, Vilela (1985: 13-16) considera que a ciência do léxico é
bastante contígua à disciplina da gramática.

Assim, entendemos que, embora o trabalho com a neologia numa aula possa ser
feito por meio do uso de instrumentos de trabalho, como, por exemplo, os manuais, ele
deve ser desenvolvido de forma mais alargada. Hoje, a neologia está presente não
somente no livro, mas também e, sobretudo na rua. Os painéis publicitários, as várias
actividades comerciais que se desenvolvem online, os blogues são uma grande fonte de
observação das novas unidades lexicais da língua. Por isso, a internet é, hoje, um
suporte indispensável para uma actividade de observação de novos dados ou novos
elementos da língua (Miyaki, 2003: 215-238). Neste sentido a ‘rua’ (painéis
publicitários, jornais, revistas, placas de sinalização, etc) e a rede (Morita 2003: 267-
276) são dois factores que podem contribuir para a dinamização de uma aula de
neologia. Deste modo, podemos evocar a proposta de Quivuna que defende um
processo de aprendizagem que privilegie também o trabalho individual do aluno (a
autoaprendizagem).

Por isso, é importante que um estudo da neologia e o seu ensino privilegie não
somente os manuais, mas também a internet. Os alunos têm de ser estimulados a
protagonizar a cultura da cibercultura. Quer se trate de neologia especializada ou de
neologia de língua corrente, o recurso à internet pode ser um factor indispensável para a
dinamização do processo ensino/aprendizagem. Hoje, grande parte das ‘novas

297
linguagens’ da interacção social de grupos que, por vezes, evidenciam o dinamismo das
línguas estão alocadas na nuvem da internet.

Em 1993, Dília Ramos Pereira apresentou no IV Colóquio da AFIRSE um artigo


intitulado Inovação lexical e didáctica do Português. O seu objectivo foi perspectivar
para os estudos linguísticos, na sua dimensão gramatical, a proposta que ela mesma
designou por “processo de investigação” como um dos métodos inovadores do processo
didáctico ensino/aprendizagem da língua. Esta proposta defende a ideia dum processo
ensino/aprendizagem que privilegie a promoção de um trabalho de investigação para os
professores e para os alunos na aula de língua. A proposta fundamenta-se no resultado
da observação feita pela autora, resumida nos seguintes agrumentos:
«1. A importância do domínio do léxico para a compreensão e produção de
significações intencionadas nas mais diversas interacções comunicativas; 2. O
facto de quando se aprende uma nova palavra estar-se ao mesmo tempo a
aprender múltiplos aspectos da gramática da língua, tanto mais que o significado
preciso de uma dada unidade lexical só pode ser satisfatoriamente aprendido
através das relações com outras unidades lexicais presentes no contexto frásico
ou mesmo apenas no textual; 3. O contributo do alargamento do vocabulário
para a reestruturação cognitiva do adolescente possibilitadora de uma nova
abordagem (…); 5. O facto de o léxico ser uma componente particularmente
aberta à criação, à inovação e à renovação permitindo o alargamento do
pensamento incluindo hipóteses, ideias, e perspectivas descentradas (…)»
(Pereira 1993: 361-362).

O processo de aprendizagem da neologia requer investigação contínua e


criatividade quer para os professores quer para os alunos. Assim, é importante que o
docente crie nos alunos a consciência clara de que a criatividade é um factor
fundamental e elementar para a aprendizagem quer do léxico em geral quer da neologia.
O desenvolvimento desta consciência nos alunos dará possibilidade de uma habituação
não somente da interacção do aluno com o professor para confrontar o resultado da
curiosidade e a confirmação ou infirmação do docente, no que diz respeito aos
resultados da pesquisa do aluno em tempos extra-escolares pedidos pelo professor ou
devidos à sua própria curiosidade, mas também de um trabalho autónomo e orientado
metodologicamente para o alcance de uma meta concreta. Este percurso no seu todo
prepara e potencia o aluno para um conjunto dinâmico de várias e novas abordagens e
para uma heurística de novos campos de acção. Neste sentido, o aluno deve ser
considerado «agente activo na construção do conhecimento» lexical (Figueiredo 2004:
17).

298
Hoje, as técnicas de fichas e visualizações têm tido uma grande presença e um
grande impacto nas actividades didácticas das escolas de línguas (Gantier 1974). O seu
uso permite a captação da atenção e da concentração do aluno em ambiente académico.
Permite também a estimulação do interesse e o gosto pelo trabalho, um factor
fundamental para o sucesso do aluno.
O uso de fichas laboratoriais, de acordo com os ciclos de estudos, pode estimular
a capacidade de manipulação linguística de estruturas lexicais complexas; levar à
descoberta das estruturas internas dos neologismos e, podendo assim fazer a promoção
da consciência linguística e do desenvolvimento do vocabulário; e estabelecer uma
relação entre os neologismos de diversos tipos e a sua distinção de acordo com a sua
estrutura interna e a sua semântica contextual em ocorrência textual (Correia e Lemos,
2005: 57-81; Correia e Almeida, 2012: 75-100).

299
CONCLUSÃO

A história social e etnológica da África é também uma história linguística. O


próprio decurso do fluir histórico da África demonstra os contornos linguísticos sofridos
pelo Continente berço. Se em termos sociais a África pré-colonial difere
consideravelmente da África colonial, esta situação é plenamente aplicável às línguas
africanas. O encontro das línguas africanas com novas culturas e mentalidades
europeias, o diálogo que elas fizeram com as línguas africanas originou uma grande
transformação linguística das línguas africanas, mesmo antes do fenómeno da
Globalização. Neste sentido, podemos afirmar, quiçá ousadamente, que a África foi o
primeiro Continente a viver a Globalização: a Globalização linguística e cultural.

Este pressuposto torna-se assaz profícuo, se se considerar que o ambiente


africano das línguas não resistiu à surpresa da colonização. Os Povos africanos foram
confrontados com novas realidades, novos cenários e novas línguas. Esta experiência é,
sem dúvida, forte e, por conseguinte, muito marcante. No entanto, este “choque cultural
e linguístico” abriu portas. A abertura permitiu a entrada de novos ventos que abalaram
os vários fundamentos culturais, inclusive linguísticos. Por esta razão, o estudo e o
discurso sobre as línguas africanas é um assunto que encerra uma grande complexidade
e impõe várias restrições metodológico-epistemológicas.

A história de Angola num enquadramento geral é a história de África. Em


consequência, entendemos que quaisquer estudos que se façam sobre a África, inclusive
os linguísticos, precisam sempre de uma (re) contextualização. Este procedimento
permite o acompanhamento do devir histórico africano em todas as suas dimensões e,
concomitantemente, oferece a possibilidade de maior compreensão dos acontecimentos
sociais, políticos, económicos e linguísticos do nosso tempo.

O trabalho cuja conclusão se apresenta foi o resultado de um longo percurso


heurístico centrado na neologia do Português de Angola com uma grande referência
histórico-linguística e cultural. A história linguística das línguas angolanas é uma
realidade complexa. O enquadramento na história linguística das línguas africanas e na
realidade histórica da África é um factor dos limites impostos pelos desafios
epistemológicos no estudo das línguas africanas. No entanto, na África contemporânea,

300
a preocupação pelo estudo das línguas africanas tem vindo a ser um compromisso a
assumir da parte dos próprios africanos. O movimento para um tal compromisso tem
sido originado pela necessidade de estabelecer um diálogo fecundo entre as línguas
europeias e as línguas africanas. Os primeiros a sentirem esta necessidade foram os
próprios países colonizadores, pois era de interesse que as línguas africanas fossem
estudadas.

Deste modo, um ponto de partida foi desenhado. Hoje, estes estudos servem para
o prosseguimento e compreensão de muitos fenómenos linguísticos das línguas
africanas. Em Angola, a década de sessenta foi determinante para se pensar a
proficuidade de um estudo comparado e contrastivo das línguas afro-bantu angolanas
com o Português Europeu (PE). Este momento marca uma tomada de consciência mais
alargada da influência do encontro das línguas e do significado deste fenómeno no
contexto sociolinguístico. Em virtude disto, encontramos vários linguistas europeus
imersos no estudo das línguas angolanas. Hoje, o estudo destas línguas começa a ter um
rumo diferente com a assunção da parte dos próprios angolanos da consciência da
pertinência do estudo das suas línguas e da Língua Portuguesa. Estas transformações no
modo de pensar do Povo angolano constitui um passo significativo para o desejado
contributo que dele se espera na resolução dos diversos problemas que a linguística das
línguas angolanas levanta, se considerada na sua relação de contacto com o Português
Europeu (PE).

Foi neste âmbito e com esta perspectiva que trabalhámos sobre a neologia e,
muito particularmente, sobre a neologia do Português na Zona Linguística Umbundu
(ZLU). Uma excursão e incursão pela neologia do Português nesta área linguística fez-
nos mergulhar no manancial da riqueza linguística protagonizado pelo encontro do
Português Europeu (PE) com a Língua Umbundu. Contudo, este encontro das duas
línguas, ao mesmo tempo que significa benefício e mútuo enriquecimento é também
portador de um conjunto de reptos não de menor dimensão. É um encontro que lança
grandes desafios às línguas nacionais angolanas e aos linguistas.

A investigação em fase final que não é nenhum final, pois esta vai ser apenas
uma estação, visto que ela vai continuar num estado duma busca permanente de
elementos de compreensão e de contributos que sejam valiosos para a comunidade
científica e académica em Angola e fora dela, evidenciou vários aspectos do dinamismo

301
do Português Europeu (PE) na Zona Linguística Umbundu (ZLU). Os textos que
serviram de instrumentos de trabalho para a observação e verificação de uma realização
da neologia nesta zona linguística demonstraram clarividentemente a sua existência e
realização efectiva.

Constatou-se que, de facto, ao nível do léxico, o Português Europeu (PE) tem


vindo a ter necessidade de inovação. Concomitantemente, ele tem sabido, mediante os
seus processos intralinguísticos, fazer a sua integração naquele meio linguístico e
protagonizar a integração de todo o material linguístico de que precisa para se realizar
como língua de comunicação. Verificou-se também que a inovação lexical do Português
nesta zona não é propriamente aquela tipologia que a literatura linguística sobre os
processos neológicos tem vindo a denominar de criação ex nihilo; nem é tanto aquela
inovação cuja realização é decorrente das áreas como a informática, a medicina ou
economia ou outras que, no geral, têm sido as áreas que mais neologismos fornecem às
línguas.

A constatação não é estranha, porque a nossa investigação ficou focalizada na


neologia da língua corrente. Por isso, a neologia atestada nos corpora constituído
(PORUMBUNEO) manifesta nuances específicas e muito claras que permitem
inferências concretas. Deste modo, foi possível verificar que um dos campos de maior
fertilidade é o da cultura. Esta apresenta-se sensível perante uma realidade nova.
Quando falamos de cultura, estamos a referir-nos a ambas as culturas (cultura
portuguesa e cultura umbundu). Por isso, verificámos que a língua absorve a cultura e a
cultura tem necessidade de acolher novidades linguísticas no campo do léxico. Em
primeiro lugar o Português. No contexto do seu encontro com a Língua e a cultura
Umbundu, o Português não tem encontrado outra via de enquadramento a não ser a da
adaptação. Em virtude disto, face à necessidade de comunicação, diante da diferença de
factores culturais e sociais, o que se torna evidente e em maior escala é o processo de
inovação lexical realizado e expresso através de elementos da lexicultura.

Os postulados linguísticos de Robert Galisson, Teresa Lino, Guillén Cármen


Díaz, Alexandre Chicuna, Teresa Costa e outros linguistas encontram aqui realmente a
sua confirmação. A lexicultura é, sem dúvida, um dos campos de grande e maior
produtividade da neologia. Em Angola e mais especificamente na Zona Linguística
Umbundu (ZLU), a tradição cultural é a que mais oferece desafios ao Português,

302
porquanto, muitas realidades linguísticas do Português Europeu (PE) são realidades da
cultura portuguesa que, às vezes, a cultura umbundu desconhece. Por sua vez, o
Português Europeu (PE) defronta-se com traços novos, não poucos, da cultura umbundu
que desconhece por completo. A inovação lexical é exigência dos contextos socio-
culturais em que o Português se realiza como língua de comunicação do Povo angolano.
Em consequência, uma das exigências deste factor socio-cultural é a inevitabilidade da
assunção e da respectiva incorporação de certas unidades lexicais do Umbundu no
léxico português. A vida quotidiana do povo imprimiu ao Português uma exigência
como pressuposto do desempenho da sua função de língua de comunicação e de língua
oficial de Angola.

A investigação atestou também que a inovação lexical por criação ex nihilo


parece ser um apanágio da gíria e do calão. Ao longo do trabalho, poucas unidades
lexicais pertencentes a estas formas de linguagem foram analisadas. Contudo, começou
a constituir motivo de uma grande preocupação a quantidade de novas unidades lexicais
da gíria que são produzidas no quotidiano angolano sobretudo nas esferas sociais
juvenis que foram observadas no corpus. Neste sentido, constatou-se que há um índice
elevado da criação e do emprego destas linguagens. Elas apresentam-se como estruturas
linguísticas que, por conveniência, designamo-las ‘intermédias’ entre o Português e as
línguas nacionais, porque algumas destas unidades lexicais são um mixing de estruturas
lexicais das duas línguas (Português + língua nacional).

Hoje, em Angola, embora seja muito mais em ambiente e conversas informais,


não é menos frequente ouvir até da boca de pessoas cultas, vocábulos como pax
(passageiro), papoite (mais velho), mamoite (mais velha), jajão (ameaça ou mentira),
sapar (estar em alta velocidade), paiado (aflito), mboa/dama (esposa ou namorada),
trapar (vestir-se bem). O estudo destas unidades lexicais pelo índice da sua utilização
no dia a dia, julgamos que deve merecer uma certa atenção da parte dos linguistas
angolanos.

Entretanto, uma percepção de imediato dá nota de que o seu estudo não é fácil,
pois a sua origem nem sempre é transparente do ponto de vista da sua formação. Para a
atestação desta dificuldade, damos como exemplo, o vocábulo mambo que em Angola
pertence à gíria, apesar de ser uma unidade lexical muito frequente na oralidade. Este
vocábulo, no contexto angolano, tem o significado de “objecto, coisa, assunto ou

303
problema”. Tentámos investigar a sua origem para chegarmos ao seu étimo. Foi difícil.
Todavia, notou-se que é uma unidade lexical da Língua Kiswahili que significa nesta
língua “problema, assunto” e é uma unidade lexical que integra o léxico kiswahili. Este
tipo de estudo é assaz penoso pois leva muito tempo. Contudo, no contexto angolano,
ele tem de ser feito porque cresce, em Angola, cada vez mais este fenómeno.

Diante de estruturas lexicais vindas da cultura e da vida hebdomadária ou


consuetudinal do povo, como mbeta-mbeta, se-se, okulumbula, wanditombi, okulomba,
olundongo, okatita e de tantas outras já devidamente analisadas ao longo do trabalho, é
imprescindível que o PE as incorpore no seu léxico. O processo de incorporação
obedece a certos critérios e parâmetros intralinguísticos e extralinguísticos. Entre estes
critérios estão os processos de formação de palavras que presidem e regulam qualquer
processo de formação e incorporação de uma certa unidade lexical nova no novo
sistema linguístico.

A incorporação de uma entidade nova num novo sistema linguístico está


condicionada por vários factores. Sofre um reajustamento pelo menos em três níveis : o
nível fonético-fonológico, o nível morfológico, o nível sintáctico-semântico.

O nível mais problemático, pelo menos para as línguas afro-angolanas bantu, é o


fonético-fonológico e morfológico. O maior desafio está relacionado com a grafia ou
ortografia.

No primeiro capítulo, o último ponto tratou da actual problemática derivada da


nova proposta de política linguística do Governo de Angola em relação às línguas
nacionais. Para isso, criou-se no Instituto das Línguas Nacionais o departamento que
está a trabalhar num plano denominado “harmonização da grafia das Línguas
Nacionais”. Para a Zona Linguística Umbundu (ZLU) este plano de acção tem trazido
inúmeras dificuldades que tentámos expor e dar o nosso contributo no capítulo já
referido.

Em relação ao Português, a problemática está também relacionada com a grafia


das unidades lexicais resultantes da interferência da Língua Umbundu na Língua
Portuguesa. A primeira dificuldade tem a ver com a realização dos fonemas [k] e [w] no
Português, onde não são frequentes e dos diversos dígrafos em Umbundu. Uma unidade
lexical como “maka”, “wanditombi”, “kupapata”, “ondjango”, “otchimbundu”,

304
“Tchisala”, “Kalukwakwela”, “Ndjamba”, etc, a sua grafia coloca grandes desafios se se
quiser incorporá-las no léxico do Português. Até que ponto a integração pode ‘proteger’
a forma e o seu sentido originário.

A dificuldade, embora não de forma muito explícita, é sentida pelos escritores e


jornalistas. O corpus analisado evidencia isto mesmo.

A consciência neológica de jornalistas e escritores que criam unidades lexicais


por necessidade vêm quase sempre grafadas com vírgulas altas, fazendo transparecer
uma grande oscilação na grafia destes neologismos vindos do Umbundu. Este
procedimento hesitante e oscilante é muito visível na realização no Português do
grafema -k-. Portanto, os desafios são enormes e, provavelmente, serão proporcionais
aos benefícios. Por esta razão, o estudo da neologia reveste-se de uma grande
proficuidade no contexto angolano e deve ser estimulado.

Um outro ponto pertinente é o ensino da neologia. Foi difícil debruçarmo-nos


sobre este tema. Contudo, entendemos importante um estudo da neologia não apenas
numa óptica lexicológica (ou lexicográfica), mas que pretenda dar um contributo à
reflexão sobre a questão da neologia, do léxico e do seu ensino, muito particularmente
da neologia em Angola.

Não obstante as variadíssimas dificuldades e cruciais limites na abordagem desta


problemática no contexto angolano, foi possível imergir no assunto, individualizar os
seus desafios e fazer uma proposta que venha a contribuir para o impulsionamento do
debate público entre os linguistas angolanos e tantos outros linguistas que pelo mundo
trabalham na Linguística bantu.

O estudo empreendido neste domínio constatou um conjunto de situações. Uma


primeira observação é de que, se o estudo da neologia compreende muitos reptos, muito
mais ainda desafiante é o discurso sobre o seu ensino. Duas razões tornam complexa a
abordagem da questão. Em primeiro lugar, a novidade da área. O estudo da neologia
afigura-se uma área muito recente, de modo peculiar em Angola. Em segundo lugar,
este carácter de novidade da área revela também que a sistematização dos estudos está
em constante construção e actualização no universo de contributos da comunidade
científica internacional comprometida com esta área.

305
Relativamente à neologia em Angola observou-se, através do estudo dos
manuais de Língua Portuguesa vigentes no Ensino Primário e no Primeiro Ciclo do
Ensino Secundário, compreendendo a 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 9ª classes, que ela é um
domínio incontornável na elaboração de conteúdos dos manuais. A neologia está
presente em todos os textos. Contudo, esta presença não significa desde já uma
consciência neológica. Esta observação funciona se se considerar que, apesar das várias
ocorrências nos manuais, não há alguma preocupação explícita de se definir ou pelo
menos de se explicar os neologismos ocorrentes em cada texto. As definições dos
neologismos que aparecem e que entram no conjunto do vocabulário são esporádicas e
‘acidentais’.

Esta falta da consciência neológica explícita no trabalho dos cultores e autores


dos manuais de ensino do Português é, em si mesma, uma questão pertinente que
precisa de ser explorada e discutida.

Por isso, o ensino da neologia em Angola confronta-se com vários desafios. O


primeiro deles é o facto do aparente e provável desconhecimento da importância do
domínio da neologia da parte de quem elabora os manuais ou de quem coordena o
ensino do Português no país. O segundo está relacionado com a própria complexidade
social do ensino das línguas condicionado muitas vezes pelo contexto sociolinguístico
marcado pelo bilinguismo.

Este factor parece ser decisivo para qualquer estudo que se faça no domínio do
léxico e da neologia. Uma vez que Angola é um jardim linguístico, os estudos
linguísticos no campo do léxico e da neologia não podem olvidar esta diversidade
linguística que, certamente, tem uma grabde interferência no Português Europeu (PE).
Compreende-se a dificuldade na elaboração dos manuais de leitura em relação à
cobertura desejável na representação da neologia do Português de Angola oriunda dos
vários ambientes ou contextos linguístico-culturais. Contudo, o momento actual que
insere cada país num movimento incontornável da modernidade em que a comunicação
é tão privilegiada quanto a própria relação humana, é pertinente que, em Angola, este
passo seja dado.

306
Não obstante isso, a nossa proposta de modelo do processo de
ensino/aprendizagem da neologia como contributo ao estímulo quer dos linguistas
angolanos quer dos professores de Língua Portuguesa em Angola está voltada para a
elaboração participada dos manuais de leitura, para a preparação dos professores de
Língua Portuguesa e sobretudo seguindo uma perspectiva que privilegie uma relação
interactiva entre professores do Português e investigadores.

Uma vez que os manuais de leitura em toda a extensão do país são homogéneos,
a elaboração de novos manuais deve ser mais participada, recolhendo textos
representativos da diversidade linguística e cultural de Angola; esta iniciativa
contribuirá para uma maior riqueza dos próprios manuais e será uma resposta aos
desafios do professor do Português na sala de aula. E em consequência, o estudo e o
ensino do léxico e da neologia serão mais fáceis.

A preparação dos professores de Língua Portuguesa e a sua relação com o


mundo da investigação das línguas africanas bantu angolanas é de total importância,
porque a aula de língua não só supõe um conhecimento linguístico, mas também o
domínio de certos aspectos culturais, geográficos, literários, históricos, etc. Esta
exigência é muito mais forte no ensino do léxico e da neologia, porque a análise das
novas unidades lexicais implica definir os étimos, explicar os contextos, situar os
lugares e os acontecimentos. Por isso, só um professor devidamente preparado para isso
estará à altura de dar uma resposta significativa e ser um verdadeiro estímulo aos alunos
ou aprendentes da língua.

Este princípio evoca o maior desafio da didáctica da neologia: o método. Ele é


um factor crucial, mas particularmente necessário. Apesar das inúmeras dificuldades
existentes na concepção de um modelo metodológico que assegure o ensino seja do
léxico, em geral, seja da neologia, em particular, ele é um elemento imprescindível. Por
isso, a nossa proposta nesta questão está fundamentada e segue a proposta de Galisson e
de Quivuna no ensino do léxico. Os lexicólogos, lexicógrafos e terminólogos estão de
acordo que o léxico é a base de qualquer análise linguística.

Contudo, o processo ensino/aprendizagem da neologia, em virtude da sua


própria índole, não se pode cingir unicamente à sala de aula, ele deve funcionar também

307
como processo-estímulo aos alunos. É também um trabalho de cultivo da curiosidade
dos alunos. Por esta razão, deve ser um processo que privilegie o método proposto por
Robert Galisson e por Quivuna. Este método consiste na compreensão de que, o aluno
vive em ambientes sociais variados (casa, rua, escola), onde procura realizar e satisfazer
o seu processo de socialização. Por isso, as actividades didácticas sobre neologia
precisarão do recurso ao método de autoaprendizagem.

A neologia das línguas é um fenómeno do quotidiano. Todos os dias nascem


novas unidades lexicais. Mais do que o ambiente escolar, vários areópagos sociais são
potenciais alimentadores da curiosidade de cada aluno.

Por isso, a autoaprendizagem é um caminho complementar, mas fundamental à


actividade de qualquer docente da língua. No entanto, este processo metodológico não
pode cair numa situação de aprendizagem descuidada. A autoaprendizagem que
propomos deve ser aquela que consiste num processo e percurso orientados,
acompanhados e responsabilizados. Portanto, neste sentido, falamos da
autoaprendizagem dirigida que é capaz de estimular, de ensinar, de cativar, de
acompanhar, de percepcionar e que seja capaz de criar novas dinâmicas didácticas em
situação.

Em suma, a nossa proposta do modelo do processo ensino/aprendizagem da


neologia fundamenta-se em três pressupostos principais que funcionam numa unidade
interactiva:

- a elaboração mais participada dos manuais de leitura a utilizar nos estabelecimentos de


ensino no Ensino Primário e nos dois ciclos do Ensino Secundário para melhor
abrangência da riqueza lexical do Português de Angola proveniente de factores
lexiculturais;

- a defesa de que o ensino da neologia, em particular, e do léxico, em geral, pressupõe


uma contínua preparação dos professores de língua (neste caso dos professores do
Português) e a sua estreita ligação com os investigadores desta área;

- e, finalmente, a explicitação de que, na globalidade deste processo existe um factor


decisivo, o método. Este é determinante na actividade didáctica do professor. Para a

308
neologia, este factor consistirá, particularmente, no trabalho do professor na sala de
aulas, mas também no trabalho de autoaprendizagem dirigida para o aluno. O professor
é o elemento impulsionador da responsabilidade pessoal do aluno.

A relação do trinómio professor – método – aluno pode ser a chave do sucesso quer do
trabalho do professor quer da aprendizagem do aluno.

309
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Jornal online ChelaPress (2012-2015)
Jornal online Portal de Angola – Benguela (2012-2015)
Jornal online Portal de Angola – Huíla (2012-2015)
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330
Listas de figuras e tabelas, gráficos e ilustrações

Figuras e Tabelas

Figura 1 …..……………………………………………………………………………………. 29
Tabela 1 …………………………..…………………………………………………………… 44
Tabela 2 ………………..…………..………………………………………………………….. 45
Tabela 3 ………………………………………………….……………………………………. 46
Tabela 4 .……………………………………………….……………………………………… 84
Tabela 5 ..…………………………………………….………………………………………. 102
Tabela 6 …………………………….……………………………………………………..…. 114
Tabela 7 ……………………………………………………………………………………… 153
Tabela 8 ……………………………………………………………………………………… 186
Tabela 9 ………………………………………………………….…………………………... 199
Tabela 10 …………………………………………………….………………………………. 207
Tabela 11 …………………………………………………………….………………………. 211
Tabela 12 …………………………………………………………….………………………. 217
Tabela 13 …………………………………………………………….………………………. 218
Tabela 14 …………………………….………………………………………………………. 220
Tabela 15 ………………………………….…………………………………………………. 221
Tabela 16 …………………………………………………………………………………….. 222
Tabela 17 …………………………………………………………………………………….. 227
Tabela 18 ……………………………………………………………………………………. 230
Tabela 19 …………………………………….………………………………………………. 259
Tabela 20 ……………………………………..……………………………………………… 275

331
Gráficos e Ilustrações

Gráficos

Gráfico 1 ……….……………………………………………………..……………………… 154


Gráfico 2 ……….………………………………………………………………………….…. 154
Gráfico 3 ………………………………………………………………………………………274
Gráfico 4 ………………………………………………………………………………………274
Gráfico 5 …………….……………………………………………………………………….. 275

Ilustrações

Ilustração 1 ………...………………………………………………………………………… 140


Ilustração 2 ……...…………………………………………………………………………… 140
Ilustração 3 …………...……………………………………………………………………… 141
Ilustração 4 …………………………………….……….……………………………………. 141
Ilustração 5 ……………………………………….………………………………………….. 142
Ilustração 6 ………………………………….……………………………………………….. 143
Ilustração 7 …………………………………….…………………………………………….. 144
Ilustração 8 ………………………………………………………….……………………….. 145
Ilustração 9 ……………………………………………….………………………………….. 145
Ilustração 10 ………………………………….……….…………………………………….. 146
Ilustração 11 …………………………….……….………………………………………….. 146
Ilustração 12 …………………….………….……………………………………………….. 147
Ilustração 13 ………………………….………………….………………………………….. 148
Ilustração 14 ………………….……………………………..……………………………….. 148
Ilustração 15 …………………….………………………..…………………………………. 149
Ilustração 16 ……………………….………………..………………………………………. 149
Ilustração 17 ………………………….………………..……………………………………. 151
Ilustração 18 ……………………………….…………………..…………………………….. 153
Ilustração 19 …………………………………………………………………………………. 258
Ilustração 20 ………………………………………..…………..……………………………. 259

332
Ilustração 21 ………………………………..………..……….……………………………… 260
Ilustração 22 ……………………………….………..……………………………………….. 261
Ilustração 23 …………………………………………………………………………………. 261
Ilustração 24 …………………………………………………………………………………. 262
Ilustração 25 ………………………………….……………………………………………… 262
Ilustração 26 …………………………………………………………………………………. 263
Ilustração 27 ……………………………………….………………………………………… 263
Ilustração 28 ………………………………...……………………………………………….. 264
Ilustração 29 ………………………….………..…………………………………………….. 265
Ilustração 30 …………………………………………………………………………………. 265
Ilustração 31 …………………………………….…………………………………………… 266
Ilustração 32 ………………………………….……………………………………………… 266
Ilustração 33 ………………………………….……………………………………………… 267
Ilustração 34 …………………………………………………………………………………. 268
Ilustração 35 …………………………………………………………………………………. 268
Ilustração 36 …………………………………………………………………………………. 269
Ilustração 37 …………………………………………….…………………………………….270
Ilustração 38 ……………………………………….………………………………………… 270
Ilustração 39 …………………………………….…………………………………………… 271
Ilustração 40 ……………………………….………………………………………………… 272
Ilustração 41 …………………………………………………………………...…………….. 273

333

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