Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
José Cambuta
Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau
de Doutor em Lexicologia, Lexicografia e Terminologia, realizada sob a orientação
José Cambuta, A neologia do Português em Angola. A inovação lexical do Português
Outubro, 2018
Neologia do Português em Angola
A inovação lexical do Português na Zona Linguística Umbundu
José Cambuta
2
Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção
do grau de Doutor em Lexicologia, Lexicografia e Terminologia,
3
4
Dedicatória
5
Agradecimentos
O percurso académico que conduz a uma etapa de doutoramento que hoje se cumpriu
foi marcado por realidades variadas, momentos diversos e acontecimentos sucessivos. A meta é
sinónimo de satisfação. O fim airoso é sinónimo de trabalho. Não há labor sem forças, como
não há força sem união. Com estas palavras desejo manifestar o meu reconhecimento e gratidão
a tudo que me fez chegar até a esta fronteira, outrora ‘ininteligível’ e hoje uma evidência.
Dou graças a Deus que, com a Sua Mão poderosa e através do Seu Espírito tem vindo a
fazer-me caminhos, por mim, jamais imaginados, permitindo fazer nascer um dia, hoje, e um
acontecimento, o fim de um percurso.
A minha gratidão vai para a Profª Doutora Maria Teresa Rijo da Fonseca Lino, figura
tão admirada quanto respeitada nesta Faculdade de Ciências Sociais e Humanas pelo seu
compromisso com a ciência, academia e com a instrução das novas gerações no campo dos
estudos da Linguística, particularmente, no domínio da Lexicologia, Lexicografia e
Terminologia cuja voz e trabalho são uma das primícias nesta área, cá em Portugal, por ter
aceitado o desafio que lhe lancei de me acompanhar neste percurso do trabalho conducente ao
grau de Doutor. Não é só isto. É digna de reconhecimento, a mestria, sabedoria, pedagogia e
proximidade com que fez o seguimento da minha investigação até à redacção final da Tese.
Finalmente, uma palavra de gratidão à minha família, aos meus queridos Pais Justina
Katumbu e Feliciano Bapolo, a quem o Senhor se dignou já chamar deste mundo, às minhas
irmãs Amélia Tchilonga, Rosa Ndembeleke, Mariana Rita, Ana Luís, aos meus sobrinhos
Agostinho Leonardo, Justina Raquel Vicente, Isabel Nambila e Paula Feliciana, pelas suas
orações, aos meus colegas no ministério sacerdotal e na formação em Lisboa, Pe. Henrique
Simão Mutali e Pe. Adelino Prata pela amizade e proximidade, a minha mais elevada gratidão.
6
Neologia do Português em Angola
José Cambuta
7
Resumo
Por esta razão, este trabalho que apresentamos é uma reflexão sobre a neologia do
Português em Angola. Uma vez que Angola é um complexo de línguas e culturas, este estudo
sobre neologia circunscreveu-se à Zona Linguística Umbundu (ZLU). O objectivo deste estudo
é a reflexão sobre o fenómeno da neologia, as suas tipologias, os processos subjacentes à sua
realização e as problemáticas decorrentes de todo este conjunto funcional. Em seguida, reflectir
sobre o fenómeno da interferência quer do Português nas línguas nacionais, em especial na
Língua Umbundu, quer das Línguas nacionais e, particularmente, do Umbundu no Português
Europeu (PE). Finalmente, a observação, verificação e atestação da neologia do Português
resultante da situação de contacto do Português Europeu (PE) com a Língua Umbundu. Desta
constatação veio a reflexão sobre a didáctica da neologia. Esta reflexão terminou com uma
proposta de um modelo teórico do processo ensino/aprendizagem da neologia.
8
Abstract
Today, the societies in world live the modernity phenomenon where the communication
among peoples became a privileged reality. The communication joins people, shortens
distances, manages the business, passes the culture, lead politic and made the world a “global
village”. Therefore, the nature language study is, nowadays, a claim and an idiosyncratic
urgency of new world. And because the lexicon of one language is a dynamic structure which
also accompanies the rhythm of the social and civilizational changes, which we can call
“Linguistic Globalization”, the study of language while an entity which renews itself to adjust
to the rapid dynamic of this globalized world in its dimension of lexical innovation, it is, indeed,
a fundamental topic.
A cause of this, this scholar work is a reflection about the Portuguese neology in
Angola. Seeing that Angola is a language and culture mosaic, this study about neology is
circumscribed to Umbundu Linguistic Zone (ULZ). The aim of this study is the reflection about
neology phenomenon, its typologies, the underlying processes to its dynamism and the
problematic of whole of this functional conjunct. After this, we reflected about interference
phenomenon of Portuguese in angolan national languages, in special, in Umbundu Language
and particularly the interference of Umbundu in European Portuguese (EP). Finally, we
proceded the observation, verification and certification of neology of Portuguese proceeded
from context of contact of European Portuguese (EP) with Umbundu Language. From this
confirmation, came the reflection about neology didactics. This reflection finished with a
proposal of a theoretic model of teaching/learning process of neology.
Key words: Neology, neologism, Portuguese Language, Umbundu Language, didactics, Angola
9
Índice
Dedicatória .................................................................................................................................... 5
Agradecimentos............................................................................................................................. 6
Resumo .......................................................................................................................................... 8
Abstract ......................................................................................................................................... 9
Índice ........................................................................................................................................... 10
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 18
4. Plano do trabalho..................................................................................................................... 22
de sistematização ................................................................................................................. 34
10
1.3.2.3. Que dificuldades? ............................................................................................... 43
1.3.2.4. Os dígrafos ou sequências fónicas dígrafas complexas ...................................... 46
1.3.2.5. Problemática actual em Umbundu: o desafio linguístico dos dígrafos TCH, CH e
TY ................................................................................................................................... 50
1.3.2.6. Antroponímia e toponímia na Zona Linguística Umbundu ................................ 55
1.4. Caracterização dos Povos Ovimbundu ............................................................................. 59
11
2.1.6.9.1. Dificuldades .............................................................................................. 104
2.1.6.9.1.1. Dificuldades fonético-fonológicas...................................................... 104
2.1.6.9.1.2. Dificuldades morfossintácticas........................................................... 107
2.1.6.9.1.3. O estrangeirismo e as suas equivalências na língua de chegada ........ 110
2.1.6.9.1.5. Hibridismo .......................................................................................... 114
2.2. A lexicultura: a língua e a cultura .................................................................................. 115
12
4.2.1. Campo lexicossemântico sociocultural ................................................................... 159
13
4.8.8. Alguns fenómenos fonético-fonológicos observáveis no processo do empréstimo
interlinguístico do Umbundu para o Português ................................................................. 231
4.9. Algumas dificuldades decorrentes da análise das novas unidades lexicais .................... 235
5.3.5. Ensino do léxico e da neologia em Angola: a evidência dos manuais em análise .. 276
14
5.6. Um contributo para o processo ensino-aprendizagem da neologia do Português em
Angola ................................................................................................................................... 284
5.6.1. Análise dos currículos do Ensino Primário e do Primeiro Ciclo do Ensino Secundário
........................................................................................................................................... 285
15
Siglas, abreviaturas e acrónimos
Cap...……………………….………….…………………………………………………. capítulo
Cf.………………………………….……………………………………………………. conferir
DP ………...………………….……………….…………………………….Dicionário Priberam
f……………………………………….……………………..…………………… feminino/forma
I…………..……………………………….…………………………………………….. infinitivo
m.…………………….…..……..….….………………………………………………..masculino
p. …………………………….……..…….……..…..…………………………………….. página
pp...………………….……………..…….……………………………………………….. páginas
Pl...………………………………………..…..……………………………………………. plural
s. ……………………………..…...……………………………………………………… singular
UNESCO ……………….…… United Nations for Education, Science and Culture Organization
16
UNITA ……………...…………………. União Nacional para a Independência Total de Angola
V…...………………………………………………………………………………………. Verbo
17
INTRODUÇÃO
Contudo, há que se reconhecer que tem havido, nos últimos anos sobretudo dos
primeiros decénios do século XXI, algum esforço, vontade e coragem da parte dos
estudantes angolanos em abordar esta temática no âmbito da área da Lexicologia,
Lexicografia e Terminologia. Os poucos estudos que existem sobre o Português de
Angola (Mingas (1998, 2000), Inverno (2004, 2006), Mudiambo (2013), Quivuna
(2014), Adriano (2014), Chicuna (2014, 2015), Costa (2015), Benvindo (2016)) e
outros, principalmente no âmbito de Mestrados ou Doutoramentos, podem ser o
exemplo desta vontade e determinação no trabalho de investigação neste domínio.
Julgamos que o estudo das novas unidades lexicais que entram na língua é de grande
importância, pois qualquer sociedade ou comunidade, para comunicar, precisa de
compreender os enunciados e os conceitos neles contidos (cf. ISO 1087-1).
18
Concomitantemente, não é de menor interesse o ensino dos processos de criação de
novas unidades lexicais.
1. Objecto da investigação
19
Por esta razão, decidimos abordar o tema da neologia no contexto do Português,
em situação de contacto, não somente com outras línguas nacionais, mas também com
novas culturas. Deste modo, o nosso trabalho incidiu sobre este processo linguístico na
Zona Linguística Umbundu que doravante designaremos por ZLU.
2. Objectivos da investigação
20
c) verificar as mútuas interferências nas duas línguas;
d) individualizar e analisar os processos neológicos resultantes do contacto e da
interferência linguística;
e) e, por fim, reflectir sobre a neologia aplicada à didáctica no contexto do Português de
Angola. Neste último ponto, o nosso objectivo é específica e estritamente contribuir
para uma reflexão que chegue a uma proposta de modelo teórico do processo
ensino/aprendizagem da neologia e que estimule a reflexão sobre a didáctica da
neologia do Português naquele contexto linguístico-cultural específico;
f) oferecer algum contributo à problemática tão debatida da neologia e da sua
pertinência no âmbito da renovação lexical das línguas naturais e muito concretamente
da Língua Portuguesa em Angola e contribuir para a reflexão dos desafios lançados
pelas línguas nacionais, levantando assim mais questões e interrogações que estimulem
os linguistas angolanos e as novas gerações angolanas a assumir o compromisso do
estudo das línguas africanas bantu e não bantu que é uma tarefa difícil, mas muito
profícua no contexto actual e conjuntural da África e de Angola em particular.
3. Metodologia do trabalho
21
processamento semiautomático, disponibilizando diversas possibilidades, não só
facilitaram o estudo, como também tornaram esta investigação mais rigorosa na
extracção e observação dos dados.
4. Plano do trabalho
22
estado de arte da questão. É um capítulo sobre a definição de neologia e de neologismo
e de toda a problemática dela decorrente. É ainda o segundo capítulo que aborda a
questão da interferência linguística, a variedade da tipologia neológica e os diversos
processos linguísticos que presidem ao fenómeno da neologia. Foi também tratada a
problemática das dificuldades inerentes à análise dos processos neológicos. E, por fim, a
questão da lexicultura amplamente exposta por Robert Galisson, Teresa Lino, Maria
Mateus, Alexandre Chicuna, Fernanda Bertinetti e Guilléz Cármen Díaz entre outros
linguistas.
O quarto capítulo tem como objecto a neologia resultante da análise dos corpora
em observação neste estudo. Este capítulo é o mais amplo, porque é nele que se
concentrou todo o trabalho de observação, verificação e análise das novas unidades
lexicais previamente seleccionadas. É o capítulo que compende as metas estabelecidas
para esta investigação. Descreve o processo da selecção das novas unidades lexicais,
individualiza-as e define-as. Termina com a descrição de algumas dificuldades sobre os
neologismos, observadas no decurso da análise das novas unidades lexicais.
23
Por isso, ao longo deste último capítulo, procurou-se propor um modelo de
ensino-aprendizagem da neologia em regime de auto-aprendizagem e/ou de
aprendizagem colaborativa.
24
CAPÍTULO PRIMEIRO
25
mais fácil caracterizar o Chinês que o Inglês, pelo facto de o Chinês ser falado por
cidadãos chineses que o utilizam na comunicação quotidiana. Portanto, geograficamente
pode ser mais facilmente caracterizado, enquanto a caracterização geográfica do Inglês,
nos tempos hodiernos, pode apresentar-se difícil devido ao universo dos seus utentes.
26
Esta perspectiva geográfico-linguística do Umbundu compreende-se dentro do
espírito da divisão administrativa da época em que Benguela era uma circunscrição
distrital que compreendia as circunscrições de Benguela, Lobito, Huambo, Bailundo,
Ganda, Caconda, Quilengues, Luimbale (cf. Magalhães, 1922: XLV).
27
Haco: Outras formas: Ako, Haku, Hacu, Acos, Muhaco.
Sende: Outras formas: Mussendes.
Entretanto, seja qual for a interpretação que se possa dar a estas propostas, a
verdade é que, delimitar a área geográfica do Umbundu é uma tarefa difícil. Numa
reedição da obra de António da Silva Maia sob o título Dicionário Complementar
Português-Kimbundu-Kikongo, na introdução do reeditor, aparece uma referência à
localização geolinguística do Kimbundu e do Kikongo. O autor sublinha que «a área
linguística natural do grupo Kimbundo cobre as regiões administrativas de Luanda,
Bengo, Malanje, Kwanza-Norte e uma parte do Kwanza-Sul, enquanto o grupo Kongo
abarca as Províncias de Cabinda, Uíge e Zaire» (Maia, 1994: V).
1
Nesta classificação, são considerados elementos étnicos umbundos de menor vulto, os Chipeios, os
Quibulas, os Galangas, os Surabis (Novo Redondo), os Andulos, os Tundas, os Capelongos, os
Quibandas, os Soques (a norte do rio Econgo), os Ecumbiras, os Mbovas, os Ngoias, os Sela, os
Cassongues e os Lembas e Gambas (cfr. Redinha, 1962:16).
28
Figura 1
Mapa geolinguístico da Zona Linguística Umbundu (ZLU)
Fonte : INSTITUTO NACIONAL DE LINGUAS DE ANGOLA (1980), Histórico sobre a criação dos
alfabetos de línguas nacionais, Lisboa : Edições 70, 98.
29
país que tem possibilitado a formação de grupos de pessoas, com origem comum, que se
encontram na diáspora das suas regiões por situações de guerra ou em busca de
melhores condições de vida ou ainda por outras situações.
Embora seja difícil, numericamente, fazer uma estimativa dos falantes da Língua
Umbundu, apesar de o Etnologue apontar para os 4.000.000 de falantes, segundo a
World Almanac 1995, a experiência sociolinguística da Língua Umbundu manifesta a
sua vitalidade no território nacional. Este seu dinamismo tem sido traduzido numa
experiência científica que tem convidado os linguistas, desde o tempo colonial aos
nossos dias, a um profundo trabalho de investigação sobre esta língua Niger-Congo,
como amiúde é chamada.
30
esforço dos linguístas, principalmente europeus, ainda há poucos estudos sobre a Língua
Umbundu. Tal facto deve-se a uma certa estagnação na investigação sobre esta língua
assim como das outras línguas nacionais angolanas de origem bantu, nas últimas
décadas.
Não obstante isso, podemos dizer que, ostentando a origem bantu ou mais
especificamente, o ramo Niger-Congo, a Língua Umbundu beneficia de uma
concentração geográfica e populacional considerável e de uma importância estável por
firmar o seu estatuto nacional no mundo das transacções comerciais, económico-
financeiras, nas regiões em que é falada, que são potencialmente agrícolas e comerciais.
Todavia, apesar da estagnação de investigação, nos últimos anos, começamos a
encontrar alguma bibliografia de conteúdo científico sobre esta língua.
31
Dubois et alii 1973: 507). Assim, variedade de uma língua ou variedade linguística é
muitas vezes entendida como «expressão linguística sistematicamente controlada por
variáveis situacionais» (Crystal 1980: 372; Xavier e Mateus 1990: 395). Este controlo
implica operações linguísticas de diferenciação e de distinção. É neste sentido que o
termo variedade pode compreender, os conceitos de dialecto, registo e fala, como
sublinham Xavier e Mateus.
O termo dialecto, nos tempos modernos, é rejeitado por muitos linguistas.
Coutinho (1973: 326), na década de 70, tinha feito referência à dificuldade da utilização
deste termo. A questão está relacionada com uma certa concepção linguística que
considera que o uso deste termo apresenta um aspecto depreciativo, reflectindo “uma
ideia de dependência e incultura”.
Os estudos mais recentes (cf. Segura 2013: 85-142), dum modo geral,
apresentam o conceito de variedade mais amplo e que se enquadra em qualquer língua
natural, para lhe servir de agente diferenciador, tendo em conta a função de diversos
factores, especialmente, os socioculturais e geográficos. Daí a designação
sociolinguística de variedades nacionais e variedades dialectais.
32
variados em relação ao léxico e muito fortemente em relação à fonologia (fonemas e
prosódia): o mesmo vocábulo pode ser pronunciado com entoações muito diferentes e,
por vezes, com significados diferentes, de acordo com a localização geográfica; são
casos de variação dialectal do Umbundu.
33
A questão do alfabeto e da grafia é, em África, uma velha luta intelectual que
vem desde o século XIX, quando os países colonizadores, para facilitar a sua actividade,
quiseram conhecer as línguas locais, para aumentar e acelerar o contacto e a interacção
social com os povos indígenas. Era necessário encontrar algum atalho de acesso às
línguas locais. Foi, certamente, com este intuito que, no caso das colónias ultramarinas
portuguesas, o governo português criou a Junta de Investigações do Ultramar, cuja
finalidade era assegurar a investigação, nas colónias, nas diversas áreas científicas,
especialmente, na Etnologia, Etnografia e na Linguística Bantu. Em Angola, em finais
do século XIX, aparecem os primeiros sinais desta preocupação através da investigação
científica das línguas.
Toda a língua é complexa, pois nunca a sua sistematização esgota a riqueza que
contém. A sua complexidade radica no facto de que, a par do estudo e do esforço de
sistematização feita pelo homem, as línguas possuem um dinamismo que assegura a sua
adaptação, renovação e realização significativa.
de sistematização
34
dependente do Departamento de Cultura e Desportos. O organismo foi sido criado ad
hoc em 1979 para a resolução e incremento dos resultados do I Congresso do MPLA,
realizado em 1977 (Instituto Nacional de Línguas, 1980:10).
35
impreterível a reflexão sobre os símbolos gráficos das nossas línguas nacionais e a sua
representação gráfica. Este é um debate que, como já o referimos, é quase bicentenário.
36
Neste estudo, a “harmonização da grafia” das línguas pode ser uma proposta
importante do ponto de vista da discussão teórica e de uma metodologia prática.
Mateus (1988: 8), num discurso de apresentação do livro de Martins, afirma que
«a fala humana é um fenómeno apaixonante». No entanto, a esta afirmação, pode
acrescentar-se que é também uma realidade complexa. Talvez esta percepção ajude na
tipificação das nossas línguas e no respeito pela sua estrutura fonológico. Muitos
linguistas, hoje, de modo especial, os fonólogos admitem sem reservas que os fonemas
de uma língua natural são produzidos numa sequência lógica pelo sujeito emissor
(Malmberg 1974: 109-128; Tiffany - Carrell 1987: 66-94; Clark – Yallop 1990: 10-205;
Macken 1995: 671-696; Ohala 1995: 713-723; Real Academia Española 2011: 26-42).
Por esta razão, a estrutura do elemento simbólico do som, o sinal gráfico, sua
realização material, está dependente da articulação fónica deste mesmo som. Por sua
vez, a articulação sonora deste som está em estreita conexão e dependência com
algumas disposições fisiológico-biológicas do articulante do som. A estrutura
fisiológico-biológica sofre uma grande influência e dependência da posição geográfica
em que se encontra o sujeito emissor ou articulador. Este é um dos factores que
justificam a existência de variedades de uma mesma língua. A posição geográfica,
condiciona ou pode condicionar o nosso aparelho fonador e este, por sua vez,
condiciona o próprio comportamento linguístico do utente ou utilizador da língua.
37
dinâmicas da articulação dos sons (fonemas) de uma determinada língua dentro de uma
comunidade linguística.
Talvez seja pertinente, aqui, relembrarmos Bronkart que afirma que o ensino da
língua deve seguir os trabalhos descritivos dessa mesma língua, observando dois
critérios: “a adequação e a especificidade da língua” (Bronkart 1985: 47-54). Julgamos
que, para o estudo das línguas bantu angolanas, estes critérios são fundamentais, pois
colocam cada língua, no âmbito da sua realização e das suas propriedades e
características idiossincráticas.
38
plano fonético-fonológico. Neste campo, faz sentido a afirmação de alguns linguistas
portugueses quando dizem que «o conhecimento do funcionamento de uma língua exige
o estudo objectivo e despreconceituado das diferentes áreas linguísticas» (Mateus et alii
2005: 25). Um estudo no domínio da grafia tem que ter em conta os factores que estão
na base da produção do fonema, pressuposto de base da sua grafia.
Por outro lado, este processo tem de ser feito com um espírito de total
compreensão de que o processo de “harmonização da grafia das línguas nacionais”, não
pode significar processo de destruição de um passado longínquo do qual somos
devedores; harmonizar é, antes de mais, um acto de procurar a unidade, é conservar de
modo criativo e inteligente o legado que vem do passado. Só assim, este processo
poderá ter um estatuto credível ao nível sociocultural.
39
1.3.3.1. Uma breve história do IPA2
Antes de tudo, convém sublinhar que não se pretende aqui fazer uma história da
escrita, embora fosse interessante, dado o espaço que se quer dedicar a este trabalho.
Contudo, dado que o IPA é uma consequência da constatação da complexidade das
línguas, uma brevíssima referência a esta temática pode ajudar a estabelecer o elo entre
esta temática e o IPA.
2
Para uma maior compreensão deste tópico sugerimos a leitura de Maria Helena Mira MATEUS et alii
(2005), Fonética e Fonologia do Português, Lisboa: Universidade Aberta, pp. 43-64; PULLUM,
Geoffrey K. – LADUSAW, William (1996), Phonetic Symbol Guide, 2 ed., Chicago-London: The
University of Chicago Press.
40
primeiros aspiram a uma universalidade dificilmente alcançável, são sempre subjectivos
na sua prática (…) e o seu valor é sempre aproximado; só os segundos, que não aspiram
a tal universalidade e são sempre função do sistema de cada língua particular, são
aceitáveis por um rigoroso critério científico»3.
Estas dificuldades na abordagem dos alfabetos deram origem à sua diversidade.
Assim, surgiram, na história dos alfabetos, diversos modelos alfabéticos, dentre eles, os
alfabetos fonéticos que «surgiram como resposta à necessidade de solucionar as
ambiguidades causadas pela utilização de sistemas ortográficos» (Mateus et alii 2005:
50). O objectivo foi registar de modo sistemático e coerente o contínuo sonoro de fala
(cf. Mateus et alii 2005).
3
Jorge MORAIS-BARBOSA (1998), «Alfabeto» in Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura – Verbo,
Lisboa/São Paulo: Editorial Verbo, 1352-1356.
4
Este, de todos, é o sistema de transcrição fonética mais utilizado e, ao mesmo tempo, mais expandido
nas comunidades científicas internacionais. A sua primeira edição foi publicada em 1888 pela Associação
Internacional de Fonética. Convém observar que nem este tem conseguido superar de forma completa as
dificuldades dos outros sistemas. Por isso, na sua história, este novo sistema de transcrição fonética
também já sofreu e, provavelmente, tem vindo a merecer alterações, rectificações e ajustes, apesar de se
ter o ano de 1996 como o ano da sua revisão completa, definitiva e da sua exposição para a comunidade
científica. Para leituras complementares remetemos para DELGADO-MARTINS, Maria Raquel (1978),
Linguagem Oral e Ortografia, Lisboa: INIC; FARIA, Isabel Hub et alii (Org.) (1996), Introdução à
Linguística Geral e Portuguesa, Lisboa: Editorial Caminho, Caps. II e III; SEGURA, Luísa –
SARAMAGO, José (2001), «Variedades dialectais portuguesas» in MATEUS, M. H. (Coord.), Caminhos
do Português: Exposição Comemorativa do Ano Europeu das Línguas (Catálogo), Lisboa: Biblioteca
Nacional, 221-237.
41
operação, porém, não anula a realização idiossincrática das próprias línguas5 e dos seus
sistemas linguísticos. Para ilustrar a situação, apenas dois exemplos:
Por outro lado, pode encontrar-se um mesmo símbolo do IPA [f] para um
fonema de unidades lexicais de diferentes línguas, sem alteração do grafema ou do
dígrafo:
[f] farinha7 português
phonation francês
farm inglês
5
Heffner apresenta também esta perspectiva em HEFFNER, R-M. S., General Phonetics (1964),
Madison: The University of Wisconsin Press, 69-72.
6
Estes dois exemplos foram extraídos de Mateus et alii (2005: 51)
7
Ibid., 50.
42
Angola é um recôncavo de línguas o que faz a sua riqueza, mas existe uma
unidade nesta diversidade. Do ponto de vista da vivência cultural, a diversidade quer de
culturas ou de línguas, não pode ser vista como expressão da negatividade ou de um
repto obstativo do desenvolvimento comunitário nacional.
Assim como cada língua angolana é perceptível aos ouvidos de quem a fala seja
ele utente como L1 ou como L2, assim também, a grafia das línguas tem de estar de
acordo com os fonemas desta mesma língua. Do Português ao Espanhol, do Inglês ao
Francês, do Japonês ao Mandarim, do Latim ao Grego, do Árabe ao Tchokwe, cada uma
das línguas realiza-se dentro das possibilidades idiossincráticas do seu próprio sistema
linguístico.
É difícil fixar o número completo das letras dos alfabetos das línguas nacionais
angolanas. Sabe-se que vários linguistas da década de 60 do século XX apresentaram
um número que oscilou entre 21 a 24 letras.
No Umbundu constam 22 letras, sendo cinco vogais (a, e, i, o, u) e duas
semivogais (w, y) e 15 consoantes (b, c, d, f, g, h, j, k, l, m, n, p, s, t, v,). Há também
quem considere, o que não nos parece muito razoável, os dígrafos como letras
alfabéticas (cf. INAL 1980: 118). Esta proposta parece carecer de fundamento
científico, pois não se pode confundir os grafemas, considerados em si mesmos e a sua
combinação para efeitos da sua funcionalidade para a formação das unidades lexicais. O
mesmo seria inserir, no alfabeto do Português Europeu (PE) as sequências fónicas
dígrafas /lh/, /nh/, que não são mais que combinações de grafemas.
43
No entanto, a grande dificuldade, na língua Umbundu, reside naquilo que se
segue nestes quadros:
Tabela 1
C
Grafemas
K
b) O /k/ parece ser a nota distintiva das línguas, não somente angolanas, mas de quase
toda a África (da África que utiliza o alfabeto fonemático). A representação do grafema
/c/ do alfabeto português e de outras línguas realiza-se sempre como [k] em todas as
línguas angolanas. As hipóteses que apontam para o seu aparecimento na década de 60,
por via inglesa, tal como se pode ler nos trabalhos do V Encontro sobre as línguas
nacionais em 2014, não tem fundamento científico e é ilógico, pois nas nossas línguas,
desde os tempos de investigações científicas mais remotos, foi sempre utilizado, como
se verá mais adiante. É mais provável que tenha a ver com as línguas orientais que, na
8
António Miranda MAGALHÃES (1920), Manual de línguas indígenas de Angola. Segundo o programa
oficial para exames administrativos, Loanda: Imprensa Nacional de Angola.
9
António da Silva MAIA (1957), Lições de Gramática de Quimbundo. Português e Banto (dialecto
Omumbuim), Cucujães: Escola Tipográfica das missões.
10
António da Silva MAIA (1961), Dicionário Complementar Português-Kimbundu-Kikongo (Línguas
nativas do centro e do norte de Angola), Cucujães: Tipográfica Missões (2ª ed. Luanda: Cooperação
Portuguesa, 1994).
11
José Francisco VALENTE (1964), Gramática Umbundu. A língua do centro de Angola, Lisboa: Junta
de investigações do Ultramar.
12
João Vicente MARTINS (1990), Elementos de Gramática de Utchokwe, Lisboa: Instituto de
Investigação Científica.
13
Charles MITTELBERGER (1968; 1991), Poesia Pastoral do Cuanhama (Cunene-Angola), Lisboa:
LIAM.
44
sua maioria, o utilizam. Por isso, a transformação do /k/ em /c/ quer, na toponímia, quer
na antroponímia pode constituir um comportamento de violência à língua sem algum
fundamento científico. O que se diz do /k/ é também válido para o /w/.
14
Cf. J. Almeida SANTOS (1962) (Perspectiva de) Gramática Comparada dos falares bantos
angolanos: 1. Umbundu, 2. Musele, 3. Olunaneka, 4. Kwanama, 5. Kimbundu, 6. Omumbwi, 7. Kikongo,
8. Tchokwe, Nova Lisboa: obra dactilografada por JAS.
15
Cf. Ibid.
16
Cf. João Vicente MARTINS (1990), Elementos de Gramática de Utchokwe, 38 e 45;
17
Cf. J. Almeida SANTOS (1962) (Perspectiva de) Gramática Comparada dos falares bantos angolanos.
18
Cf. José de Queirós ALVES (1997?) (Coord.), O mundo cultural dos Ganguelas. Estudos de
Antropologia Cultural do Povo Ganguela, Tomo I, Secretariado de Pastoral, Diocese de Menongue,
Porto: Editorial Perpétuo Socorro, pp. 196, 208, 210, 218.
19
Cf. D. V. PERROTT (1965), Teach yourself Swahili, London: The English Universities Press, 7;
Machozi Tshopo MBANGELE (2006), Dicionário Português-Suahíli / Suaíli-Português, Lisboa: Gráfica
Manuel Barbosa & Filhos.
20
Exemplos retirados de Mafalda MENDES et alii (2002), Dicionário Prático Português/ Caboverdiano.
Variante de Santiago, Lisboa: Verbalis.
21
Exemplos extraídos em Luigi SCANTABURLO (1981), Gramática e Dicionário da Língua Criol da
Guiné-Bissau (GCr), Bologna: Editrice Missionaria Italiana.
22
Língua do grupo Tshwa-Ronga que segundo Sitoe (1996: VII) é falada em Moçambique nas províncias
de Maputo e Gaza. Estende-se também às províncias de Inhambane, Manica e Sofala. É ainda falada na
África do Sul e no Zimbwabwe.
45
1.3.2.4. Os dígrafos ou sequências fónicas dígrafas complexas
Kimbundu
Umbundu
kwanyama
Ngangela
Tchokwe
Kikongo
Língua
1. Em relação aos dígrafos /ng/ e /ñg/, pelas conclusões do último Encontro sobre as
línguas nacionais, pode depreender-se algum consenso alcançado na questão, uma vez
que a sua existência explica-se, recorrendo à natureza idiossincrática da própria língua.
Basta referir alguns exemplos:
O som em /ñg/ é típico em Umbundu; representa o som nasal gutural, além de
evitar a confusão com outras palavras:
Os dois fonemas existem na língua, mas a sua compreensão só pode ser dada
pelo estudo fonético;
46
2. A sequência /ndj/
Neste ponto, parece difícil concordarmos com estes autores, pois o som da
sequência nj não preserva a palatalização ou melhor, não conserva o som palatal
mediano entre a nasal (oclusiva23 ou alveolar24) n e a consoante fricativa vozeada j25.
O exemplo mais claro é o da forma Ndjongole (de ondjongole): Ndjongole
wamwile ofeto = o prémio vem da (boa) vontade. No lexema ondjelo, a sequência ndj
ilustra também a sua importância; esta palavra pode ser pronunciada o-ndj- e- lo ou on-
je-lo / on-ge-lo (sendo esta última, uma variante dialectal muito utilizada na zona
Ngalanga-Kumbila-Kasonge).
Se comparado com o som dos lexemas ingleses angel (anjo), Jesus (Jesus),
verificar-se-á que o Umbundu faz a operação inversa daquilo que acontece no Inglês.
Para esta última língua, na pronúncia, um grafema equivale a dois ou mais fonemas
fonéticos. A Língua Umbundu, pelo contrário, representa ou faz equivaler vários
grafemas a um único fonema, o que simplifica a complexidade fonética da língua,
sobretudo para quem a aprende, apesar da não conformidade com o estabelecido pelo
AFI (IPA). Um dos exercícios mais difíceis na aprendizagem do Inglês é descobrir, sem
dicionário com pronúncia, as várias equivalências fónicas do grafema /g/. Senão veja-
23
Maria Helena Mira MATEUS (1990), Fonética, Fonologia e Morfologia do Português, Lisboa:
Universidade Aberta, 48.
24
Lindley CINTRA (1984), Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa: Edições João Sá da
Costa, 43.
25
Lembra-se que, mesmo no Português Europeu e no Português do Brasil, a representação do j não tem
sido fácil. Veja-se, por exemplo, CUNHA – CINTRA (1984: 42); MATEUS (1990: 48-49).
47
se: edge, aigle, language, Greenberg, singular, niger; estes vocábulos não são
homogéneos na sua pronúncia, dificultando a aprendizagem de um beginner.
Depois desta breve análise em relação a este dígrafo, pode concluir-se que, do
ponto de vista da escrita e da pronúncia, não pode haver ambiguidades. Quer a escrita
quer a pronúncia do dígrafo, na sua forma mais original, orientam-se pela natureza
própria do sistema da língua.
3. O fonema [ɲ]
De facto, os exemplos dados por Valente (1964: 19) são assaz elucidativos:
Onha, aversão / [oku-] onya, defecar26
Onhañgi, boeirinha / onyangi, enganador
Nhula, visitar / [oku-] nyula, restituir a mim
Oito anos mais tarde, Le Guennec e Valente (1972: XVI) apresentam outros
exemplos relativos ao dígrafo /ñg/:
Omunga, mensageiro / [oku-] -muñga, embrulhar
Omange, fêmea / emañge, nódoa
26
As traduções são conforme o original. Não as adaptamos, apesar de precisarem, por razões
metodológicas.
48
Epingilo, pedido / eliñgilo, entrada
Ongongo, sofrimento / oñgoñgo, giba
Por isso, o autor chega a conclusão de que, «NY e NI, com o som de [ɲ] NH em
bundo, é inadmissível, visto haver os dois sons NHE e NY, ou seja o N seguido de Y-I
breve» (Valente 1964: 19). Deste modo, «o emprego do NH Português, admitido por P.
Lecomte e empregado pela maior parte dos missionários, deve manter-se em Angola»,
concluía o linguista na sua abordagem em relação ao fonema [ɲ], relativo ao dígrafo /nh/.
Se se observar o comportamento linguístico do Kwanyama, os dígrafos /ny/ e /dy/ são-
lhe específicos:
O-nyofi, a estrela27
O-nyiki, a abelha
O-ndyaba, o elefante
O-ndye, o escorpião
O-dyila, o caminho
4. A sequência [tʃ]
27
Os exemplos são de J. Almeida SANTOS (1962) (Perspectiva de) Gramática Comparada dos falares
bantos angolanos: 1. Umbundu, 2. Musele, 3. Olunaneka, 4. Kwanama, 5. Kimbundu, 6. Omumbwi, 7.
Kikongo, 8. Tchokwe, Nova Lisboa: obra dactilografada por JAS, 25.
49
“C – que é considerado um som importado do italiano que está mais presente nos livros
veiculados no Dondi e Bela Vista.
CH – que é apresentado como som do Português e equiparado ao som português [tʃ]
existente em “atchim”.
CI – é afecto aos que diferenciam a pronúncia portuguesa para A-O-U, com uma
intercalação do I, que venha antes de uma destas vogais, com o fim de se preservar o
som [tʃ] relativo à sequência /TCH/.
KI – é apresentada como a forma corrente em Kimbundu, que, provavelmente
influenciou o Umbundu.
QUI – em algumas gramáticas, diz-se, aparece esta grafia à portuguesa.
SH – é sobretudo na Gramática de Kiswahili de Delaunay que aparece esta forma.
TK – é localizado na grafia fonética do Norte de Angola.
TSH – aparece na Gramática intitulada Le Tshiluba du Kassayi.
Tx- Maia utiliza esta grafia na Gramática do dialecto Omumbuim, que já referimos
acima.
Tȷ- segundo Valente, este dígrafo foi uma introdução de Albino, o autor do Dicionário
Etimológico do Umbundu.
TY- este som, segundo os testemunhos, apareceu com frequência e admitido em vários
livros, inclusive no Planalto Central do Huambo.
TCH- o som tch- aparece em escritos, além de outros tantos, de Lecomte, Le Guennec,
Keiling, somente para sublinhar alguns mais antigos e mais imersos na investigação das
línguas afro-angolanas bantu”.
50
claramente que houve uma imitação e uma produção dos sons mal ajustada. Pois no
Italiano o uso do /C/é distinta e objectivamente diferenciada:
Antes do /a/: casa, cana, capella, musica, vacanza, o C não tem pronúncia de [tʃ]
/tch/, mas de [k] quer ocorra na posição inicial, média ou interior ou na final;
Antes do /o/: colore, come, piccolo, cosa, capiscono;
Antes do /u/: qualcuno, cugino, documento, scuola, curiositá;
Antes das vogais /e/ e /i/ a gramática italiana e o uso dos falantes da língua
italiana consagra o fonema [tʃ] -tch-.
28
Cfr. M. REGULA – J. JERNEJ (1965), Grammatica Italiana descritiva. Su basi storiche e
psicologiche, Switzerland: A. Francke AG Verlag Bern, 15.
51
exemplo, no vocábulo chouriço (tchouriço). E não somente em Português. Nas outras
línguas românicas, persiste somente no Italiano.
O aportuguesamento das palavras das línguas nacionais mostra claramente o
tipo de som seguido pelos primeiros teóricos foneticistas das nossas línguas e, por
conseguinte, tira fundamento ao argumento segundo o qual o som tomado na grafia de
algumas das nossas línguas nacionais é o som latino. Pelo menos, as investigações
mostram-nos que, os foneticistas tentaram sempre captar os sons da pronúncia dos seus
interlocutores, estudaram-no e puseram-no por escrito conforme o som que ouviam e
fizeram-se auxiliar das regras fonético-fonológicas das suas línguas.
29
Texto de Jorge Kapitango ‘Mwenyo-Wongombe, no V Encontro sobre as Línguas Nacionais decorrido
em Menonge de 8-10 de Setembro de 2014, sobre o título Reflexão sobre a complexidade de alguns
signos gráficos em Linguas Bantu de Angola, p. 6.
52
Portanto, pelo que se pode inferir, o som /TY/ foi introduzido por Albino com a
finalidade de evitar o h aspirado. O seu uso, para assinalar o som oclusivo-palatal-
fricativo, não faz nenhum sentido.
O fonema [tʃ] TCH, além de ser o mais difundido entre os linguistas das línguas
afro-angolanas bantu, facto que não pode ser minimizado, pois isto tem as suas
implicações e relevância científicas, teve momentos de intermitência: aparecia,
desaparecia e voltava a aparecer. Esta insistência da sua emergência, provavelmente,
indicará a razoabilidade e a eficiência linguística do seu uso nas comunidades
linguísticas de expressão Umbundu. Somente para exemplificar, é usado em 1919 e
1937 por João de Deus; é usado por Valente em 1964; desaparecido em Valente e Le
Guennec em 1972; reaparecido e adoptado nas décadas subsequentes.
a) Crioulo da Guiné-Bissau30
30
Exemplos extraíados de Mafalda MENDES et alii (2002), Dicionário Prático Português/
Caboverdiano, op. cit.
31
Exemplos extraídos de Luigi SCANTABURLO (1981), Gramática e Dicionário da Língua Criol da
Guiné-Bissau (GCr), op. cit.
53
c) Chisena32
otcha, assar (forma infinitiva), otcheka, poder ser assado, poder assar-se, otchiwa ou
otchwa, ser assado ou grelhado, otchambo, assar do mesmo modo…
Estas sequências fónicas que foram apresentadas mais do que tornarem mais
complexo o sistema linguístico, enriquecem-no. Aliás, muitas línguas do mundo,
incluindo as europeias, trazem no seu repertório fónico as sequências consonânticas
muito mais complexas, mas ajustadas à índole própria da língua.
Exemplos:
Alemão
Schwarz, preto; Abschlag, baixa, desconto; absatzfähig, de venda fácil; abschreckend,
exemplar; Lichtdurlässig, translúcido; Lichtempfindlich, sensível à luz;
Leuchtspurgeschoß, projéctil de trajectória luminosa; holzschnitzerei, escultura em
madeira.
Inglês
Phone, telefone; phonology, fonologia, strength, força; roughness, rudeza; scotching,
acção de colocar um calço; scotchman/scotchwoman, escocês/escocesa; naphthaline,
naftalina…
- Swahili
- Changana
-mpsha, novo, jovem; -mpshìmpshà, caminhar vergado; mpfùmù, explosão; ndzhènga,
a tarde; ndzhoho, grão, semente; ndzhòndzhòmètà, afundar…
32
Língua falada em Moçambique (nas províncias de Manica, Sofala, Tete e Zambézia) e no Malawi (nas
zonas de Nsanje e Chiromo): cfr. Dionísio SIMBE (2004), Dicionário Chisena-Português, Maputo:
Rádio Moçambique.
54
Deste modo, afigura-se que a protecção da idiossincrasia de qualquer língua de
uma comunidade é um dever de todos os seus membros, e é um acto de cidadania, pois
a língua é um dos primeiros tesouros da cultura de qualquer cidadão. Os ventos da
modernidade inserem o mundo numa época em que a língua escrita veicula quase tudo.
Desde os padrões culturais até à informação tecnológica, a língua é, na modernidade,
um factor decisivo na afirmação de um povo.
Sobre estes tópicos, pretende-se fazer uma brevíssima incursão e exposição dos
seus problemas, pois a complexidade do assunto obriga a tratá-lo à parte, nos próximos
trabalhos. Contudo, sabe-se que, a Linguística das línguas angolanas atravessa, no
âmbito da questão da onomástica, alguns desafios, designadamente, na antroponímia e
na toponímia. Estes reptos são consequência do debate mais ou menos alargado sobre a
grafia das línguas nacionais. Conscientes da importância da problemática, cônscios da
55
responsabilidade e seriedade que esta temática exige, decedimos terminar a proposta
acabada de apresentar com uma brevíssima reflexão sobre a antroponímia e a
toponímia. Esta consciência ficou mais clara, ao longo das leituras onde obtivemos o
cruzamento de posições de muitos autores, cujas afirmações esclarecem a riqueza que
os topónimos encerram em si mesmos. A riqueza dos topónimos coexiste com a dos
antropónimos. Cada nome escreve um ser, e cada ser reclama um nome.
56
dirimição dos desafios com que se confrontam as comunidades angolanas de fala. É
clarividente a proficuidade de um nome e do seu significado, seja ele locativo ou
antropológico. Sabe-se também o que ele implica do ponto de vista do seu uso no fórum
interno ou externo.
Esta maneira de olhar a realidade dos topónimos é a mesma que repousa sobre
os antropónimos. Quer uns quer outros são o sustentáculo da representação cultural de
um povo e são o ser do mesmo povo (Cislaru 2008: 53-64). Os povos são sempre
identificados pelos nomes dos seus países, das suas terras, das suas cidades, vilas ou
aldeias. Pelo antropónimo chega-se a conhecer a origem da pessoa, se não de maneira
acertada, ao menos de forma aproximada. Assim como a bandeira de um país
representa, simbolicamente, este país em qualquer parte do mundo onde estiver, assim
também os nomes apontam para a localização geográfica dos povos. Eles não só
representam, simbolicamente, o que indicam, indicam culturalmente o que significam.
57
muitos casos, não somente ofuscador, como também demolidor da natureza identitária
da onomástica, principalmente, da antroponímia e da toponímia. Esta crise identitária
que pode ser aberta pelo processo do aportuguesamento dos antropónimos e topónimos,
em Angola, não se restringe apenas à língua, mas alarga-se à identidade nacional e
cultural dos indivíduos, de lugares e dos povos e, por esta razão, não reflecte nenhum
sentido patriótico nem a deferência pelos aspectos idiossincráticos das próprias culturas
nacionais tão ricas no seu próprio interior.
58
produz a língua, pode inferir-se que se está num processo inicial do esvaziamento
deliberado das culturas angolanas: é a morte das culturas.
59
simples grupo etnolinguístico, é um povo, pois desde sempre, o grupo apresentou
matizes de homogeneidade e características de diferenciação.
60
aldeias têm a marca sanguínea, isto é, em geral, a aldeia é composta pelos membros
ligados familiarmente pelos laços sanguíneos (Henderson, 1990: 22-23). A vida
familiar, a iniciação masculina e feminina, o casamento, o fim da vida, tudo é celebrado
na aldeia.
Nos nossos dias, as expressões da modernidade arrasam com a sua força todas as
culturas e ameaçam-nas com a mentalidade do monoculturalismo. Estes desafios, como
noutras partes da terra, não deixaram de abalar as estruturas da cultura e da identidade
dos Povos Ovimbundu. Contudo, a cultura nunca desaparece, enquanto existirem os
seus utentes que dinamizam as suas micro e macroestruturas. A identidade cultural dos
Povos Ovimbundu e o dinamismo de muitas das suas macroestruturas sociais continua a
persistir no dia-a-dia dos Ovimbundu.
61
O ondjango é um local situado na Ombala, cuja jurisdição pertence ao osoma. A
educação do infante umbundu, um cidadão novo, é começada na família e prolongada
no ondjango e estendida mais tarde à escola. O ondjango é o espaço de educação cujos
encontros são presididos por um ancião (osekulu) para os rapazes e pela “mais-velha”
para as raparigas. Estes anciãos são e devem ser conhecedores da língua, dos costumes e
das tradições que são passadas através dos contos, das adivinhas, dos provérbios e
outros ditos. Contudo, o elemento fundamental é a língua. No ondjango não se
aprendem apenas os costumes e as tradições, aprende-se também a correcção
linguística. O chamado ‘otchimbali’ é aquele que não conhece bem a sua língua, não
tem domínio dela.
Uma outra influência linguística da Língua Umbundu é aquela que pode ser
registada no ensinamento da moralidade. Neste sentido, Childs (1949: 101) apresenta a
consagrada expressão etchi tchikola (eci ci kola, na escrita do autor), o que significa,
‘isto é sagrado’. Esta é uma expressão da consagração da normatividade moral da
comunidade que um recém-nascido deve conhecer e saber, quando se ensina a boa
conduta ou se lhe repreende de alguma má conduta. A utilidade do Umbundu não se
restringe nem à família nem ao ondjango. Ela estende-se até à escola. Neste sentido, a
Língua Umbundu foi sempre uma língua de escolaridade auxiliar da Língua Portuguesa.
Pois, o facto de muitas crianças e adultos terem o Português como L2 faz com que,
muitas vezes, o educador na escola seja forçado a utilizar a Língua Umbundu para
explicar alguns elementos.
Portanto, o Umbundu é também uma língua de escolarização, se não o é na
exposição, surge como uma necessidade para o esclarecimento dos aprendentes.
Para os alunos que têm o Português como L2, a compreensão de certos
enunciados do Português passa pelo exercício da tradução para a língua nativa. É,
certamente, o aspecto que Marques (1985: 7-20) se referia, quando propunha
“o estudo de novos métodos e técnicas didácticas no ensino da Língua
Portuguesa que não olvidassem a língua materna do aluno. De facto, num
ambiente de bilinguismo, um ensino que não tenha em linha de consideração a
língua nativa do aprendente, se não conhece fracassos, tem, no entanto, poucos
frutos”.
62
escolaridade ou escolarização e a outros valores socio-antropológicos e culturais mais
alargados para lá da sua comunidade.
Há uma iniciação dos rapazes, cujo rito central é a circuncisão, que implica o
isolamento do candidato (otchiluwe) durante algumas semanas, geralmente, um mês.
Este é o tempo calculado para a preparação, execução e cicatrização da cisão feita no
acto da circuncisão. Mas é também o tempo estimado para a aprendizagem de toda uma
realidade e estrutura inerentes a este mundo ‘oculto’ que só os iniciados compreendem e
têm o seu segredo. Um dos aspectos muito interessante neste processo é a conservação
da tradição, inclusive linguística, que mais nos interessa. O palhaço do Centro de
Angola, segundo a tradição dos antigos, veio de Vunonge (actual Menongue). Apesar
desta migração, a tradição cultural levou consigo toda a sua estrutura, o código
linguístico que sustenta o seu mundo axiológico. Este tradicionalismo cultural permitiu
a passagem do mundo oculto do palhaço, conservando a sua língua original. Os ritos
63
culturais de iniciação, através da circuncisão na região dos Povos Ovimbundu,
conservam os códigos de identificação do grupo como, por exemplos, os vocábulos
wahenu, nahinduka, cuja tradução obedece muito ao significado dado naquele preciso
contexto.
O Tchokwe é das línguas que menos influência tem na Língua Umbundu, apesar
de ser a que mais próxima do Umbundu está, em termos de grafia e de semântica
lexical. Esta exiguidade de influência ou interferência, provavelmente, terá sido
favorecida por esta sua proximidade com o Umbundu. Muitas unidades lexicais do
Tchokwe, na escrita e, mesmo no significado, amiúde apresentam semelhanças e
convergências, como se pode verificar em Barbosa 1989: 359:
64
serviu comercialmente, como língua de contacto entre os reis e povos vizinhos. Os
Povos Ovimbundu dedicaram-se durante séculos ao comércio, inclusive comércio de
escravos (Neto, 2012: 34-139). No tempo colonial, a construção do CFB (Caminho de
Ferro de Benguela), uma das iniciativas mais importantes no país do ponto de vista
estratégico-económico, intensificou a actividade comercial do litoral de Lobito-
Benguela para o Leste (Moxico). Este factor contribuiu para os colonos portugueses
começarem uma profunda investigação em relação à Língua Umbundu.
65
1.4.4.1. O multilinguismo em Angola
66
Qualquer que seja a linha do debate sobre este fenómeno persiste sempre a
referência à coexistência das línguas (Clyne 1997; Edwards 2004; Romaine 2004).
Quando se fala de multilinguismo ou bilinguismo, fala-se da coabitação de duas ou mais
línguas numa determinada região ou país. A realidade linguística angolana é
multilingue. Nela, o fenómeno do multilinguismo apresenta uma grande complexidade,
pois não se fala apenas da coexistência do Português com uma outra língua local, mas
também duma coabitação do Português com dezenas de línguas locais.
Segundo os últimos dados do estudo do Ethnologue (2009: 50), Angola
contabiliza 42 línguas locais, das quais, 41 vivas e uma cujos falantes não são
conhecidos. Esta realidade linguística angolana torna complexo qualquer estudo a seu
respeito.
67
1.4.4.3. Uma situação de bilinguismo: o caso Português-Umbundu
68
Contudo, apesar destas ameaças linguísticas, vê-se um renascimento vigoroso
que parece já não assentar tanto na tradição oral dos contos, advinhas e lendas, mas
numa tradição literária de conservação da língua. No entanto, a tradição oral constitui
para a África um memorial que estará sempre presente, pois faz parte da própria
idiossincrasia cultural do Povo africano e, por conseguinte, dos Povos Ovimbundu.
69
CAPÍTULO SEGUNDO
DE UM FENÓMENO LINGUÍSTICO
70
Quisemos, intencionalmente, reproduzir as palavras de Boulanger, apesar da
amplitude do texto, que nos parecem fundamentais para se compreender o dinamismo
do estudo da neologia que teve o seu início em França, que podemos considerar quase
como sua terra natal. A reflexão sobre a génese desta realidade ajuda a redesenhar o
caminho já percorrido pela investigação em neologia até aos nossos dias.
Estas duas realidades, com um ritmo social galopante, exigem das línguas
mecanismos de aceleração dos fenómenos que as presidem, para poderem acompanhar
os acontecimentos e sobretudo os factos tecnológicos e científicos (Biderman 2001).
Este conjunto de factores resultantes das dinâmicas sociais e da condição do homem em
sociedade, na sua definição mais existencialista de “ser-em-relação”, justifica e
fundamenta a necessidade da criatividade lexical das línguas naturais.
71
2.1.1. Definição de neologia
72
de neologismo não pode ser visto como uma invenção dos linguistas (Rey 1976), como
também defende Alves (2002); ele é uma consequência da interacção do ser humano
com o seu meio social, político, cultural e religioso.
A neologia aparece no contexto da civilização humana em contínua evolução e
em consequência da necessidade por da parte do homem, da conceptualização, da
definição e designação das realidades que advêm deste movimento civilizacional
dinâmico.
Guilbert (1975), para definir o que é a neologia, toma os conceitos de créativité
lexicale / néologie lexicale. Estes conceitos compreendem a possibilidade que toda a
língua tem de criar novas unidades lexicais de acordo com as virtualidades do seu
sistema lexical (cf. Desmet 2002: 81).
73
Não obstante a dificuldade de definir com exactidão o conceito de ‘neologia’, a
maioria dos linguistas reconhece-a e define-a como um processo de formação de novas
unidades lexicais numa determinada língua (Dubois et alii 1973; Guilbert 1975;
Rondeau 1984; Rey 1988; Boulanger 1989; Cabré 1993; Ramos 1995; Lino 1998;
Biderman 2001; Desmet 1990, 1995, 1996, 1998, 2002; Alves 2002, 2010; Pruvost e
Sablayrolles 2003 e tantos outros).
75
2.1.3. Neologia bíblica das origens
76
Neste sentido, existencialmente falando, a necessidade de inovação linguística não é
somente humana, pois até na origem, houve essa necessidade. O universo exprime-se a
si mesmo. Esta propriedade exige do mundo existente uma capacidade neológica. Neste
sentido, a neologia bíblica é produto desta exigência existencial do mundo na sua
conjuntura estrutural.
Na verdade, o facto de que, até as religiões procuram o fundamento que está por
trás de um fenómeno que confere nomes aos seres ou entes, constitui também uma fonte
de reflexão, cuja resposta é sempre difícil de dar.
77
No entanto, para Adamo «un neologismo designa una palavra o expresión nueva,
acuñada siguiendo las reglas de formación propiás del sistema léxico de una lengua, y
que no se encuentra aún registrara en los dicionários» (2003: 37).
Para Beccaria (1994; 1996: 506), o termo neologismo «indica le parole nuove
che entrano in una lingua o si formano in essa, e quindi anche i prestiti o forestierismi».
Dubois et alii (1994: 322), na sua definição do termo ‘neologismo’, introduz as
categorias semânticas de ‘significante e significado’, pondo-os numa relação de mútua
correspondência e como intervenientes a ter em consideração na conceptualização do
termo. O autor define neologismo como «une unité lexicale (nouveau signifiant ou
nouveau rapport significant-signifié) fonctionnant dans un modèle de communication
déterminé, et qui n’était pas réalisée antérieurement».
78
Nos tempos modernos, com a grande revolução social em todos os domínios,
desencadeada pelo homem contemporâneo, o ‘nomear’ tornou-se um imperativo para o
próprio homem. Hoje, encontramos neologismos na língua corrente, mas eles são mais
abundantes nas línguas de especialidade, relativas a determinadas áreas do
conhecimento. Muitos neologismos científicos e técnicos vulgarizam-se na língua
corrente.
79
Não é fácil definir o termo interferência. Antes da segunda metade do século
XX, este termo está ausente em muitos dicionários de Linguística. No entanto, o
linguista italiano Pei (1966: 128) no seu Glossary of linguistic terminology define a
interferência como «the negative effect of one speech habit on the learning of another;
the transfer of the speaker’s own features of sound, structure or vocabulary to the target
language». Esta definição, se por um lado reconhece o fenómeno, por outro lado
introduz a sua problematização, quando considera um efeito negativo nas línguas
naturais.
Para Dubois et alii (1973 : 264) «on dit qu’il y a interférence quand un sujet
bilingue (…) utilise dans une langue-cible A un trait phonétique, morphologique, lexical
ou syntaxique B caractéristique de la langue B.». Estes autores admitem que os
exemplos mais claros da interferência linguística são o empréstimo e o decalque, ou
seja, todo o empréstimo e todo o decalque, inicialmente, resultaram da interferência.
Todavia, distinguem a interferência destes processos.
A interferência é um fenómeno linguístico individual e involuntário e o
empréstimo e o decalque são processos que se verificam na integração de uma unidade
lexical na língua de chegada (1973: 264-265).
80
Jota (1981:177) apresenta uma definição muito genérica e alargada do fenómeno
da interferência. Para este linguista, a interferência está manifesta sempre que há algum
facto linguístico numa comunidade diferente da do locutor.
81
podemos chamar “interno” ou seja, a própria situação interna de Angola evidencia a
coexistência de um conjunto diferenciado de línguas de acordo com a distribuição
cultural de cada povo; por outro lado, assiste-se ao bilinguismo resultante do encontro
do Português com as línguas locais.
82
diálogo mediante alguns mecanismos, muitos deles decorrentes das próprias dinâmicas
idiossincráticas das línguas e outros forjados do contexto social.
Deste modo, o estudo e a aprendizagem das línguas locais por parte dos
emigrantes portugueses implicava lidar com o fenómeno linguístico do contacto das
línguas. Por outro lado, a obrigação muitas vezes imposta pelos portugueses aos
autóctones de aprender a falar o Português favoreceu o mesmo ambiente. A partir daí,
estava-se claramente diante de uma situação de bilinguismo que, por conveniência
passamos a designar por “bilinguismo híbrido” ou “hibridismo bilinguistíco”.
83
invariavelmente as diversas características das línguas faladas nas diferentes regiões». O
conhecimento da língua materna dá uma grande margem de possibilidades de
identificação para o Português das suas interferências naquela língua materna.
84
possibilidade de distinção do que é candidamente neológico e do que é influência doutra
língua, até o estudo e a aprendizagem da própria Língua Portuguesa tornam-se um
desafio para todos, inclusive para os investigadores.
85
apresentar um quadro geral, totalmente englobante de todos os processos intervenientes
nos processos de inovação lexical num único trabalho.
86
quatro categorias sintácticas: os adjectivos, os nomes, os verbos e os advérbios (Mateus
1990: 428-429; Mateus et alii 2003: 325-326; Vilalva 2008: 82-84). Por exemplo, em
kalupetekismo o morfema -ismo, afixo sufixal, seleciona nomes (Bechara 1992: 177) e,
na formação de uma nova unidade lexical, mediante o processo da nominalização
denominal, o significado do novo lexema depende do semantema a que o morfema
afixal se associou. Este passo determina a estrutura em que a nova unidade lexical
kalupetekismo pode ocorrer (pois enquanto nome, a sua ocorrência só pode ser como
núcleo de uma projecção nominal feita pela selecção mórfica sufixal).
87
c) Kapoko [Ka-] poko (antropónimo de étimo nominal upoko, obediência). O
morfema prefixal ka- como afixo modificador é responsável pela comunicação
da dimensão semântica.
88
A reflexão sobre os vocábulos de uma língua em termos de significação e de
sentido é uma percepção muito antiga. Contudo, a leitura e a compreensão desses
processos nem sempre foram muito fáceis para os linguistas.
Para Sablayrolles (2010: 97) o problema consiste no facto de que
«il est nécessaire de faire la distinction entre l’histoire des mots, leur évolution
de sens et les néologismes sémantiques qui s’installent d’une part, et, d’autre
part, la perception synchronique des membres de la communauté linguistique».
89
sublinhava que «multa renascentur quae iam cecidere, cadentque quae nunc sunt in
honore vocabula, si volent usus, quem penes arbitrium est et ius et norma loquendi»
(muitos vocábulos que já morreram, renascerão e aqueles vocábulos que agora estão em
consideração, se o uso o quiser, no qual está, totalmente, o arbítrio, o direito e a regra do
discurso). Antes dele, Homero, já tinha afirmado: «ágil no linguajar é a língua dos
homens; e discursos há muitos, de todos os géneros: grande é o alcance das palavras»
(Ilíada, XX, 248-249).
90
distinção «entre des évolutions de sens et des néologismes sémantiques proprements
dits» (Sablyarolles 2010: 93).
91
Entre os processos semânticos, encontram-se ainda os denominados de extensão
ou restrição de sentido que segundo Pruvost e Sablayrolles (2003: 112) consistem
2.1.6.5. A metáfora
Nesta divisão, a metáfora fez sempre parte dos tropos que se entendem como «a
‘volta’ da seta semântica indicativa de um corpo de palavra, o qual, de um conteúdo
92
primitivo, passa para um outro conteúdo» (Lausberg 1966: 143). Por sua vez, dentro dos
tropos, a metáfora, para a retórica clássica, faz parte daquilo que os antigos teorizadores
da retórica chamaram “tropos de salto” que, outra coisa não são que o procedimento de
substituição na relação significado-vocábulo substituído, ou ainda na relação de
semelhança (metáfora), ou na relação de contrários (Lausberg 1966: 161).
Normand (1976) mostrou como foi sempre profícuo o papel desempenhado pela
metáfora em vários domínios do saber humano ao longo da história humana. Esta
realidade é confirmada pelo interesse manifestado por filósofos como Nitzsche,
Schlegel, Schleicher, M. Müller, Humbolt, Whitney, Bopp, Marx, por psicólogos como
Freud, por epistemólogos como Brugmann, Osthoff, Whitney e por linguistas que
tentaram compreender este mecanismo linguístico e retórico não somente na articulação
do discurso, como também na visão do mundo. Assim, a metáfora é uma visão do
mundo a partir do mundo.
93
conceptualizamos. A metáfora “não é apenas uma questão de linguagem, mas
também uma estrutura conceptual” (G. Lakoff et M. Johnson 1985: 247); é um
mecanismo fundamental para a compreensão das experiências humanas. O papel
da metáfora pode ser interpretado como a percepção de correlações entre vários
domínios de experiência» (Lino et alii 2010: 189-190).
94
desafiar as nuvens” (GP 2), demonstram o dinamismo e a presença deste processo
linguístico.
2.1.6.6. A composição
95
Hoje, relativamente à inovação lexical, muitos linguistas propõem a ideia de que
uma das propriedades da composição é a autonomia dos seus elementos constituintes,
distinguindo-se da derivação por não operar através dos afixos (Aronoff (1994: 11-16) e
Anderson (1992: 292-319).
Por esta razão, a maioria dos linguistas admite que, não se pode ver apenas a
composição no âmbito da formação das unidades lexicais. Daí, a generalizada distinção
entre composição morfológica e composição sintagmática (Vilalva (1994, 2008; Rio-
Torto, 2006; Santos, 2009). A questão está na constatação de que, num composto, quer
seja numa estrutura N + N ou em N + V há, nalgumas formações, principalmente em
compostos endocêntricos, um elemento que desempenha a função de núcleo e que
influencia toda a estrutura de formação da nova unidade lexical.
96
systèmes linguistiques de langues étrangères vivantes ou anciennes. L’emprunt
constitue un procédé universel d’enrichissement des langues dont il n’y a pas
lieu de s’offusquer : on emprunte la dénomination en même temps qu’on
importe une nouvelle réalité concrète ou abstraite».
97
traço linguístico que existia antes num sistema linguístico B e que A não possuía». Esta
talvez seja a maneira mais simples de explicar e definir a noção de empréstimo.
98
Na mesma perspectiva, Pagliaro (1983: 154) sustenta a mesma proposta quando
diz que «as línguas de cultura não são, pois, nem podem ser, línguas puras (…). Todas
as grandes civilizações são sincréticas, e resulta inevitavelmente num sincretismo
linguístico». Pagliaro e vários linguistas sustentam esta posição, acrescentando:
«nenhuma comunidade pode obrigar-se a subtrair a sua língua às influências
estrangeiras, pela razão evidente de que ela própria não poderá nunca fugir à
necessidade de relações com outras sociedades suas congéneres. Contudo, a
admissão de elementos estrangeiros num sistema pode perturbar vivamente a
consciência que os falantes dele possuem e até provocar em certo momento uma
reacção de defesa» (Pagliaro 1983: 155).
Na verdade, estas formas, em Umbundu falado, têm uma existência real, isto é,
são atestáveis. E, em consequência, exercem uma grande influência sobre o Português
falado e escrito nesta zona linguística. Como exemplos, temos a mimesis do som ou
ruído produzido pela arma de fogo (como por exemplo, tá-tá-tá-tá ou tátátátátá….),
pelos sinos ou campainha (ndelém-ndelém-ndelém-ndelém ou nguelém-nguelém-
nguelém-nguelém….), pelos veículos (drim-drim-drim-drim ou tuku-tuku-tuku-tuku,
para indicar um veículo com o motor a trabalhar), pelos instrumentos musicais (kutu-
kutu-kutu-kutu, para indicar o ritmo de uma batucada numa dança de olundongo, dança
tradicional dos Povos Ovimbundu), pelas vozes de animais (mon-mon-mon-mon,
imitação do mugido do boi).
99
Os exemplos apresentados mostram que, a onomatopeia, apesar do ponto de
vista da escrita ter pouca visibilidade, é um processo neológico razoavelmente produtivo
(cf. Alves 2002: 12), principalmente, no discurso oral. Infere-se, concomitantemente
que, a produtividade deste processo está dependente da geografia cultural dos povos.
Apesar de haver unidades lexicais onomatopaicas quase universais, reconhecíveis não
somente pelos membros de uma determinada comunidade, mas até por comunidades
linguísticas diferentes, como acontece com a unidade lexical onomatopaica tic-tac que
pode ser reconhecido por um falante do Inglês, do Francês, do Espanhol, do Português,
etc, encontram-se outras que praticamente se circunscrevem a uma zona mais restrita.
De facto, como afirmam Correia e Almeida (2012: 34) «apesar do seu carácter
aparentemente icónico, elas [as onomatopeias] são, como os demais signos da língua,
signos arbitrários, convencionais, de tal forma que, para o som produzido pelo mesmo
animal, encontraremos onomatopeias diferentes em línguas diferentes e até em
variedades diferentes da mesma língua».
100
2.1.6.9. Estrangeirismos
101
A perspectiva de Haugen tem influenciado alguns linguistas, principalmente, os
tradutores. Deste modo, os conceitos de importation e substitution têm sido tomados
para diferenciar ou distinguir o empréstimo de um estrangeirismo.
102
Tabela 5: Alguns estrangeirismos (anglicismos)
Este quadro responde à questão que, justamente, podia ser colocada de saber se
os estrangeirismos são necessários ou indispensáveis à língua. De facto, a coexistência
de duas formas na mesma língua com um mesmo significado podia protagonizar a
exigência de uma resposta negativa, pois, à primeira vista, parece desnecessário, por ter
formas correspondentes na língua de chegada. Contudo, a língua tem os seus
mecanismos, muitas vezes imprevisíveis. Por isso, justamente, se diz que o fenómeno
do estrangeirismo é incontornável e imprescindível para a renovação de uma língua
natural.
103
No entanto, é preciso compreender que, se o fenómeno do estrangeirismo resulta
do contacto de povos e culturas com as suas consequentes relações económicas e
comerciais, é um processo linguístico, cuja complexidade não exige somente
conhecimento linguístico, exige também um conhecimento extralinguístico e, quiçá,
metalinguístico. O debate linguístico sobre esta realidade deve inserir-se num campo
mais alargado, pois a problemática dos estrangeirismos envolve um conjunto de factores
pluridimensionais. Qualquer debate sobre o assunto, mesmo o da “naturalização” dos
estrangeirismos, em grande discussão nos nossos dias, deve ter presente vários aspectos,
como por exemplo, os psicológicos e socioculturais.
2.1.6.9.1. Dificuldades
104
regem e harmonizam as línguas naturais. Por exemplo, a estrutura segmental fonético-
fonológica do lexema português “muito”, supõe a segmentação “m-u-i-t-o” e não “*m-
u-i-n-t-o” embora esta última seja insinuada pela pronúncia. Estas características
fonético-fonológicas próprias da língua estão presentes em todas as línguas.
Não obstante isso, a “emigração” de qualquer lexema de uma língua natural para
outra implica reajustamentos fonético-fonológicos. Este procedimento que, à partida,
deve pressupor algum princípio ou princípios gerais de actuação é um grande desafio. A
língua de chegada (LC) integra uma nova unidade lexical no seu sistema fonético-
fonológico. Esta operação não é tão complexa para o Português em relação às outras
línguas europeias, como o Inglês, mas as línguas africanas e, mais especificamente, as
línguas bantu, apresentam ao Português um conjunto de dificuldades no âmbito
fonético-fonológico.
Uma das grandes dificuldades levantadas pelo Português, no seu contacto com o
Umbundu, assunto que será mais desenvolvido no capítulo quarto, é a ortografia das
unidades lexicais, por razões de diferença de segmentação nas formações de lexemas
decorrente, em parte, de algumas diferenças no alfabeto.
Como se poderá ver mais adiante, a grande dificuldade neste campo consiste, no
caso de Angola, sobretudo na onomástica (antroponímia e toponímia). Nestas áreas, o
empréstimo ao Português, em termos da sua articulação no que diz respeito aos seus
grafemas, fica entre a recepção da nova unidade lexical na sua integridade fonético-
fonológica e a tentativa de reajustamento fonético-fonológico. Esta é uma zona de
conflito. Em relação à antroponímia ou toponímia na ZLU são vários os exemplos que
ilustram este problema:
105
fonológica, localizada na zona intermédia, existe um grande abismo, quer de forma,
quer de sentido entre a língua de origem (LO) e a língua de chegada (LC). Esta situação
é grave do ponto de vista sociolinguístico e sociocultural, pois há uma estreita ligação
entre a língua e a cultura; a língua veicula a cultura e a cultura “faz” a língua (Galisson
1991), então qualquer tentativa de viciação de uma das partes funciona como uma
‘infidelidade’ ao pacto língua-cultura.
106
Por isso, na análise do corpus constituído para esta investigação, verificamos o
fenómeno de oscilação na realização gráfica de certos empréstimos interlinguístcos. Por
exemplo, a unidade lexical ondjango (palácio de justiça da máxima autoridade
tradicional da aldeia) tem uma ocorrência, nos corpora, de 7 vezes representada
graficamente por onjango. O mesmo lexema ocorre também com a forma jango ou
mesmo ondjango. Esta dificuldade por parte de escritores, jornalistas e redactores de
textos demonstra as dificuldades de ajustamento fonético-fonológico e gráfico de alguns
estrangeirismos-empréstimos do Umbundu ao Português.
Este ajustamento morfológico que, na maior parte das vezes está relacionado
com certos aspectos gramaticais, como por exemplo, os aspectos flexionais do género e
do número, nos nomes, adjectivos e pronomes, das pessoas gramaticais, nos verbos,
pressiona a nova unidade lexical, o empréstimo interlinguístico, a uma integração em
classes e categorias gramaticais que lhe permitam a flexão e a sua articulação no interior
de uma frase que seja correcta dentro dos princípios estabelecidos pela gramática
tradicional normativa.
107
Por esta razão, este processo linguístico é designado pelos linguistas como um
processo morfossintáctico. Ou seja, este processo evidencia que, não basta a entrada da
unidade lexical na nova língua, a língua de chegada. É fundamental que ela se posicione
bem na língua, para que a sua realização linguística em discurso seja exequível e
totalmente gramatical. Em relação à neologia na ZLU, os empréstimos do Umbundu ao
Português lançam, neste âmbito, grandes reptos. Pelo que se verifica, a integração das
novas unidades lexicais no Português é feita obedecendo,
108
No entanto, na Língua Umbundu, como acontece com vários sistemas
linguísticos do mundo, a marcação do género é fraca. Aproxima-se um pouco à
marcação do género na língua alemã em que, o que é feminino pertence ao género
feminino e o que é masculino pertence ao género masculino. Para reduzir os efeitos
desta necessidade da marcação do género, o sistema linguístico do Umbundu utiliza as
formas epicenas. E são muitos, em Umbundu, os nomes epicenos que ajudam a marcar
o género. A dificuldade consiste nas unidades lexicais que não têm a marca gráfica, que
no Português, signifique ou indique o género. Em Umbundu, a maioria dos lexemas tem
a terminação muito variada: (o) ndombe, o bagre; (o) mbambi (cabra do mato); (o)
ovongu, bicho; (o) ekongo (o caçador) ….
- Por outro lado, a par desta dificuldade da marcação do género, está a marcação do
número. Pois as línguas nacionais angolanas têm a marcação do número muito diferente
da do Português. Em Umbundu, a marcação do número é realizada através da
anteposição de um afixo prefixal modificador. Por isso, em muitos casos, ter-se-á o
mesmo problema que o Português e as outras línguas românicas têm em relação a
alguns empréstimos do Latim.
Nos empréstimos latinos como corpora, annuaria, o Português reconhece-lhes
o número e realiza esta exigência linguística dentro do seu próprio sistema, não
aplicando os seus princípios idiossincráticos, mas recorrendo e reconhecendo o contexto
de formação na língua de origem (LO). Daí que se tenha, em Português, expressões
como os corpora (plural neutro do nome latino neutro corpus, oris, o corpo), em vez de
109
os *corporas, os annuaria (plural neutro do nome latino neutro annuarium, ii, o
anuário), em vez de os *annuarias.
A arte da equivalência de unidades lexicais, como refere Nida (2001) não tem
sido uma tarefa fácil. É um labor que ao longo dos tempos tem vindo a chamar a
atenção dos linguistas a ponto de se terem formado várias teorias sobre a problemática
da equivalência e da tradutibilidade.
110
Para este linguista, o problema da equivalência e da tradução, a sua complexidade evoca
o saber filosófico.
111
Do ponto de vista da Lexicologia e da Lexicografia, a questão coloca-se ao nível
dos lexemas, muito especificamente, os estrangeirismos que entram numa língua de
chegada (LC). É aqui onde se pode levantar os mesmos problemas acima formulados
sobre qual é, diante de um estrangeirismo, na língua de chegada, o tratamento que um
linguista lexicólogo ou terminólogo pode dar a um empréstimo. Ou seja, no caso
concreto da actividade do lexicólogo, lexicógrafo ou terminólogo, que procedimentos
metodológicos devem ser observados para a inserção de uma determinada unidade
lexical que ocorra nos corpora ? Em termos mais sintéticos, podemos perguntar se será
necessário encontrar um equivalente para um empréstimo interlinguístico ou se convém
aceitá-lo na sua forma e sentido de origem (Reichmann – Sträter 2013).
2.1.6.9.1.4. A gramaticalidade
112
um dos primeiros procedimentos que toma é a sua inserção naquilo que Pruvost e
Sablayrolles (2003) chamam “séries” de palavras.
Segundo estes autores, André Martinet estabeleceu uma classificação que divide
os lexemas em palavras gramaticais e palavras lexicais em que
«d’une part, les mots grammaticaux appartenant à des “séries fermées” et,
d’autres part, les mots lexicaux appartenant aux “séries ouvertes”. Les mots
grammaticaux les mots-outils font partie des séries fermées parce qu’il est pour
ainsi dire impossible, à l’échelle d’une vie, d’inventer par exemple de nouvelles
conjonctions de coordination et encore moins d’imaginer d’autres pronoms
personnels, seule la longue histoire d’une langue autorise une évolution
marquante dans le domaine du vocabulaire grammatical. Diversement, les mots
lexicaux appartiennent à des séries ouvertes parce qu’ils doivent pouvoir être
fabriqués au fur et à mesure de besoins qui, par définition, sont constants,
illimités et imprévisibles» (2003 : 10).
113
realmente, importante para a melhor compreensão desta questão da gramaticalidade ou
gramaticalização. Ei-lo :
Esquema extraído de Béatrice LAMIROY – Michel CHAROLLES (2005) «Utilisation du corpus pour l’évaluation d’hypothèses
linguistiques : étude de autrement» in Anne CONDAMINES, La sémantique du corpus (2005: 110).
2.1.6.9.1.5. Hibridismo
114
mesmo vernáculo do PE. No contexto do Português em contacto com as línguas afro-
angolanas bantu, este procedimento é, habitualmente, feito através de afixos
morfológicos do Português. É também visível em unidades lexicais compostas.
Estas formas são recorrentes nos corpora analisados. Não obstante isso, a
atenção em relação a este processo linguístico afigura-se importante, porquanto ajuda a
prevenir as dificuldades de exemplos mais complexos que se apresentam com esta
marca morfossintáctica.
A relação língua-cultura levou à inferência de que elas são elementos que andam
combinados. Daí, o aparecimento do termo ‘lexicultura’ para designar um processo de
criação lexical ou neologização em que o fenómeno da neologia aparece dentro de um
ambiente cultural que se vive ou que se conhece. O termo lexicultura é um neologismo
115
da autoria de Robert Galisson, nos finais da década de 80 do século XX e, segundo Lino
et alii (2010: 188) «designa os elementos de cultura presentes no léxico, quer no
subsistema da língua corrente, quer nos subsistemas das línguas de especialidade». Para
Galisson (1995: 6), a lexicultura é «la culture mobilisée et actualisée dans et par les
mots de tous les discours dont le but n´est pas l´étude de la culture pour elle-même».
De facto, Galisson (1991: 118-119) quatro anos antes, já tinha considerado que
116
Uma vez que «os fenómenos da lexicultura estão presentes nas macro e micro-
estruturas do dicionário de especialidade, instrumento indispensável aos especialistas
das diferentes áreas do conhecimento, aos tradutores e ao ensino-aprendizagem da
língua materna e das línguas estrangeiras para fins específicos» (Lino et alii 2010: 118)
resulta o reconhecimento da importância da lexicultura no campo da criação lexical ou
da renovação linguística.
O estudo da neologia não pode olvidar esta dimensão, pois ela pode
proporcionar ao lexicólogo, lexicógrafo ou terminológo, um ambiente favorável ao
estudo das novas entidades linguísticas que entram na língua, no âmbito do dinamismo
cultural de um povo, civilização ou sociedade humana.
Neste sentido, a lexicultura é uma exigência da Socioterminologia e da
Terminologia Cultural.
117
Deste modo, reconhece-se uma relação estreita entre cultura e língua e é reconhecida a
sua indissociabilidade na experiência social do ser humano. Quer a cultura quer a
língua, ambas estão ao serviço da organização estrutural do ambiente social humano e
do mundo.
118
CAPÍTULO TERCEIRO
Em qualquer área que se trabalhe, para que se possa fazê-lo com eficiência e
rigor, é fundamental o conhecimento ou o domínio do seu quadro teórico. A
Linguística, hoje, trabalha com corpora textuais escritos ou orais, mas preocupa-se
também e, antes de tudo, com o esclarecimento dos seus conceitos. E um dos conceitos
119
fundamentais é o conceito de corpus. Deste modo, antes de se passar à descrição dos
corpora constituídos, julga-se de interesse dizer alguma palavra sobre este conceito.
Não obstante isso, a Linguística, nas últimas décadas, tem dedicado, na área da
Lexicologia, Lexicografia e Terminologia, uma grande atenção ao estudo aprofundado
dos corpora textuais orais ou escritos no estudo das línguas naturais. Tem sido notória a
reflexão sobre este conceito e sobre a utilização do corpus textual ou linguístico. Na
verdade, como o observaram McEnery-Xiao e Tono (2006: 4) «nowadays, the corpus
methodology enjoys widespread popularity. It has opened up or foregrounded may new
areas of research».
120
especialistas de várias áreas (Leech 1992; Francis 1992; Atkins – Clear - Ostler 1992;
Aston – Burnard 1998; McEnery – Xiao – Tono 2006) têm tentado definir este conceito
e têm sublinhado a dificuldade de delimitação do conceito.
Isto permitirá o que ele mesmo designa por “des invariants de situation” que se
definem pela sua exigência de que, em qualquer corpus, a amostra deve ser inteligível
121
para os interlocutores da língua em questão ou da língua em que o corpus se apresenta;
deve ser igualmente, resultante ou de um único locutor-informador ou de um grupo
social específico e bem definido ou doutras localizações sociais, contanto que haja
homogeneidade. Uma outra questão é consequência do primeiro postulado que diz
respeito ao problema dos riscos que a homogeneidade pode criar.
Este ponto de vista é uma herança da gramática generativa, pois, como ele
mesmo o sublinha «le corpus, en grammaire générative, n’est donc qu’un point de
départ, rapidement modifié par l'addition d’autres énoncés, puisque, à la limite, il doit
être constitué de l’ensemble des phrases grammaticales de la langue ; il apparaît donc
essentiellement comme un procédé de vérification des diverses grammaires construites»
(Pottier 1973 : 74).
122
desafios da multiplicidade de processos e fenómenos linguísticos a que as línguas do
mundo estão sujeitas.
Como se pode observar e verificar, quer Pottier (1973), quer Mounin (1974)
colocam o problema do método da constituição do corpus para qualquer estudo
linguístico ou textual de qualquer texto do ponto de vista da sua representatividade. O
corpus, para ser um suporte credível tem de ser, em termos de propriedades,
representativo. No entanto, a problematização de Pottier é bastante forte e merece maior
atenção a nosso ver, pois ainda hoje, este é um ponto nevrálgico na literatura linguística
dos linguistas contemporâneos.
No entanto, um dos aspectos que têm sido muito referidos pelos autores (Leech
1991, 1992; Atkins-Clear e Ostler 1992; Biber 1993; Sinclair 1995; Berber – Sardinha
1998; McEnery – Wilson 2001; Hunston 2002; Otlogetswe 2004; McEnery-Xiao e
Tono 2006) e que tem constituído um grande repto à definição e à compreensão do
conceito de corpus textual ou corpus linguístico, é ainda a questão da representatividade
123
(representativeness). Esta problemática tem mobilizado linguistas e não linguistas cujo
debate continua ainda vivo.
Assim, considere-se que o corpus tem sempre uma existência a priori à análise
do investigador; a constituição de um corpus é em ordem à representação de uma língua
ou do estado da língua; a constituição do corpus está orientada para o estudo, análise e
posterior descrição de um fenómeno da língua.
Estas são os diversos aspectos que o corpus pode apresentar, circunscritos aos
objectivos pretendidos pelo investigador. A segunda possibilidade tem sido muito mais
polémica. O problema tem consistido em saber se um corpus pode ser considerado
representativo de uma língua ou do estado de uma língua. A problemática evoca outras
questões, as de diacronia e sincronia. Muitos argumentos em desfavor da utilização do
124
corpus para a investigação linguística ou para qualquer outra investigação científica têm
encontrado nesta questão um caminho para a crítica.
Lino et alii (2010: 197) distinguem, nos tipos de corpora, os corpora escritos e
os corpora orais na linha de outros linguistas. Esta distinção dá azo à emergência do
conteúdo da definição de um corpus textual escrito. Deste modo, pode dizer-se que um
corpus textual é um corpus escrito, constituído por um texto ou textos de língua
corrente ou de língua de especialidade. Um corpus textual é o que Sinclair (1991: 24-
26) chama «monitor corpus». A sua importância decorre do facto de que, é a partir deste
(s) texto (s) que o investigador-linguista desenvolve o seu trabalho, aplicando as suas
técnicas, conforme a metodologia que deseja adoptar, para alcançar o resultado que
pretende: confirmar ou infirmar alguma hipótese, ter algum parecer em relação a algum
fenómeno linguístico de uma determinada língua (Coutinho 2002, 141-142;
Condamines, 2005: 26).
126
formulada de maneira radical e bem vincada. O grande debate entre estes três linguistas
vem publicado na Revista Applied Linguistics (2000 e 2001).
«between these two poles are many milder (positive or negative) reactions to
data to corpus (…). Nevertheless, the discussion in this unit clearly shows that
while some reservations remain about the use of corpus data, corpora have
generally been accepted as valuable linguistic resources (…). The usefulness of
a corpus is typically dependent on the research question researchers intend to
address using the corpus. Also, corpora do not necessarily provide explanations
for what we see. This remains the task of human analyst, drawing upon a wide
range of resources and methodologies. Nevertheless, corpora are undoubtedly
valuable resources in linguistics analysis and language teaching».
Do mesmo modo, afirmar a proposta segundo a qual um corpus não pode ser
representativo de uma língua, mas do estado de uma língua e que, por isso, o
investigador tem de ter alguma atenção em relação à representatividade, também é
compreensível.
127
Justamente defende-se o corpus com variados argumentos, entre eles, os que
sublinham que a leitura e a análise da problemática do corpus têm de ser feitos sob
diversos ângulos no ambiente da sua abordagem. Há que ter em consideração que o uso
do corpus não é homogéneo. Ou seja, os resultados da análise a partir de um corpus
estão dependentes do escopo do investigador que, por sua vez, dita o método a seguir
em função do que ele pretende atingir.
128
McEnery-Xiao e Tono (2006: 59-70) classificam e descrevem os corpora
segundo o seu uso potencial. Assim, os autores consideram um conjunto de pares de
corpora. Nesta perspectiva, os corpora podem ser gerais ou especializados, escritos ou
orais, sincrónicos ou diacrónicos, learner corpus ou monitor corpus.
129
Os corpora textuais constituíram o principal suporte de observação e de
verificação e uma grande ajuda na extracção de neologismos do Português com marcas
de lexicultura ou com outras características nesta zona linguística. Eles permitiram
ainda a verificação da influência a que o Português está submetido em situação de
contacto com o Umbundu, a língua local da região e vice-versa.
2) A segunda fonte foi constituída por uma trilogia literária das obras do escritor
angolano Gociante Patissa: A última ouvinte (2009); Não tem pernas o tempo (2013)
Fátussengóla. O homem do rádio que espalhava dúvidas (2014); foram seleccionados
textos com características de língua corrente.
3) a terceira fonte foi composta por alguns textos escritos que foram recolhidos e
tratados e que evidenciam e transmitem a cultura dos Povos Ovimbundu: cantigas,
cantilenas, anedotas, contos. E, finalmente, integraram a terceira fonte a obra do
historiador angolano Moisés Malungu (2005) intitulado Os Ovimbundu de Angola:
tradição-economia e cultura organizativa.
131
priori, embora seja um olhar ainda muito superficial em relação ao que se pretende
atingir. Estes critérios permitem classificar os textos, de acordo com as suas
características internas: léxico, neologia, tipologia… Os critérios externos são
essencialmente não linguísticos. Segundo esta proposta, «the initial selection of texts for
inclusion in a corpus will inevitably be based on external evidence primarily» (1992:
129).
A constituição dos corpora utilizados neste trabalho seguiu este método na sua
dupla funcionalidade de critérios (internos e externos). Neste sentido, o objectivo
pretendido desde o início, isto é, o tratamento da neologia na Zona Linguística
Umbundu, foi determinante para a individualização do método para a constituição dos
corpora.
132
Em seguida, a aplicação dos critérios externos para a constituição dos corpora
não eram, em si mesmos, suficientes para a verificação, ao menos em termos de
probabilidades, daquilo que se pretendia, para a localização dos neologismos do
Português que resultem, ou de processos linguísticos normais de formação de novas
unidades lexicais, isto é, os mais frequentes, ou do fenómeno do contacto do Português
com a Língua Umbundu.
Para a realização desta exigência metodológica, foi aplicado o método de
critérios internos que permitiu a verificação, embora ainda muito incipiente, nos
corpora constituídos, da possibilidade ou probabilidade da existência daquilo que se
pretendia individulizar e analisar.
Mais uma vez, temos aqui os critérios internos a funcionar em consonância com
os critérios externos. Este princípio, apesar de não ter tido uma aplicação directa no
processo da constituição dos corpora usados, pois o objectivo que se pretendeu não
foram generalizações sobre a língua, mas a confirmação ou a infirmação de uma
probabilidade da existência do fenómeno de neologismo na ZLU no que diz respeito à
realização do Português nesta zona linguística; ele foi de uma inspiração determinante
para o estabelecimento da relação entre os textos dos corpora e a população alvo (target
population), neste caso, a população da ZLU.
133
que estão relacionados com a limitação geográfica do nosso estudo. Como já ficou
referido, esta investigação circunscreve-se à Zona Linguística Umbundu (ZLU). Uma
vez localizada a zona linguística a estudar, julgou-se que a melhor maneira de se
empreender a investigação e de se obter resultados desejados seria a do procedimento da
pesquisa por meio de jornais locais editados quer a nível local ou noutros lugares, como
acontece, por exemplo, com a maioria de jornais diários e revistas semanais que têm
artigos elaborados noutras províncias e que noticiam acontecimentos aí ocorridos ou
realidades socioculturais aí vividas, mas são impressos na capital do país, ou então
jornais ou revistas online.
Optou-se pelos jornais produzidos na região, pois julgou-se que são estes que
podem captar mais facilmente a sensibilidade linguística dos utentes da língua em
questão e que talvez sejam o objecto mais seguro do estudo que se pretende fazer. Os
jornais pelo facto de tratarem e informarem questões relacionadas com a sociedade
(tecnologia, ciência, política, economia, cultura, religião) em termos de informação,
veiculam o modus vivendi de um povo e podem ser, por esta razão, um dos meios
privilegiados para o estudo do dinamismo da língua e da sua constante e progressiva
renovação. Portanto, quanto aos jornais locais, o critério foi o da consideração de que
eles estão envolvidos na dinâmica quotidiana dos utentes da língua naquela região e
acompanham a evolução e as mutações ou transformações sociológicas, civilizacionais
e culturais daquele povo.
Contudo, não é suficiente que se tome uma obra literária para a verificação. É
preciso que se tenha em atenção quem escreve, isto é, a identidade literária do autor e
para quem o faz, ou seja, é necessária uma averiguação da população alvo (target
population) do autor. No caso em que estão em questão duas línguas, é importante
verificar o domínio ou pelo menos o conhecimento que o autor tem dessas línguas.
Foi por esta razão que se escolheu o jovem escritor angolano Gociante Patissa.
Apesar de ser jovem escritor, tem-se mostrado muito interessado no estudo do
134
Umbundu, enquanto sua língua materna e do Português, sua L2. Através de obras
impressas (cujos PDF foram-nos concedidos directamente pelo autor) e do seu blog, tem
apresentado um grande interesse pela língua do seu povo. Este interesse manifesta-se
sobretudo no seu esforço de tentar escrever quase sempre textos bilingues, traduzir
cantigas, canções populares e provérbios da cultura tradicional Umbundu.
Gociante Patissa é um escritor que, apesar de não olvidar outros possíveis seus
leitores, escreve, principalmente, para os seus irmãos Ovimbundu que têm, como ele, o
Umbundu como língua materna, têm o domínio dela e nela se exprimem sempre que tal
se afigure necessário. Por isso, julgou-se que este jovem escritor estivesse envolvido
também na transmissão da cultura do seu povo aos angolanos e às pessoas de todo o
mundo que desejem conhecer a cultura do povo angolano e, mais especificamente, a
cultura dos Povos Ovimbundu.
Portanto, este foi o critério que presidiu à escolha das obras de Gociante Patissa
para serem objectos de trabalho no estudo da neologia do Português na Zona Linguística
Umbundu (ZLU). São textos redigidos por um jovem escritor, mas que têm como
público-alvo a população de Língua Umbundu; seleccionámos textos que apresentam
características de língua corrente.
135
Em relação ao corpus da parte da didáctica aplicada ao ensino da neologia em
Angola, o critério que ficou observado para a escolha foi a convicção de que, os
primeiros anos da escolaridade são, no geral, os anos da aquisição do léxico, embora
este processo se estenda por toda a vida do aluno. Os primeiros passos da organização
do léxico começam nesta fase. As crianças, nesta etapa da sua vida, são mais curiosas
para conhecer objectos, factos, e são mais sensíveis ao armazenamento de
conhecimentos; por isso, os manuais, principalmente, os de leitura, estão elaborados (ou
deviam ser elaborados), de tal modo que, não contemplassem somente o ensino da
leitura, da gramática e da escrita às crianças, mas também o desenvolvimento do seu
vocabulário, a organização do léxico da sua língua e a aquisição de novas unidades
lexicais, incluindo neologismos que, efectivamente sejam resultantes da lexicultura. Por
isso, escolheram-se os manuais referidos no item anterior (cfr. 3.2.1).
Como foi definido no ponto anterior (3.2.1), com a aplicação do método para a
constituição dos corpora e com a aplicação dos critérios da sua selecção para o trabalho,
os instrumentos de trabalho estavam localizados.
Tinha ficado ainda a questão da quantidade de textos que se requer para que os
resultados da investigação sejam, embora não exaustivos, pelo menos aproximados. É
aqui onde entra a problemática da representatividade e da exaustividade. A proposta de
vários linguistas, como por exemplo, Galisson & Coste (1976), Leech (1991), Sinclair
(1996), Aston (1997), é que qualquer corpus seja o mais representativo possível.
Contudo, pretende-se que este corpus seja representativo para que se possa obter
um resultado significativo. A noção de ‘representativo’ não se confunde com a noção de
quantidade, pois como diz Costa (2002) - apesar de se referir a um contexto da
terminologia e que talvez tenha a mesma ressonância no âmbito da Lexicologia ou
136
Lexicografia - a noção de representatividade não implica necessariamente a de
quantidade e neste sentido o valor do tamanho do corpus pode ser relativo.
137
Os textos em PDF não protegidos sofreram uma operação de tipo ‘copy paste’
que deu a possibilidade sobretudo de ‘limpar’ os textos e libertá-los de imagens, tabelas
e figuras que constituiriam obstáculos de obstrução ao processamento informático dos
corpora. Em seguida, foi necessário fazer uma correcção dos textos copiados.
138
3.2.4.3. Análise dos corpora
A segunda etapa compreendeu a fase da análise das novas unidades lexicais. Por
razões metodológicas, houve necessidade de efectuar uma nova codificação que se
tornou definitiva descrita no capítulo quarto. Por esta razão, nesta primeira etapa, no
capítulo terceiro, o registo dos textos codificados foi como segue:
Textos jornalísticos
139
Seguidamente, procedeu-se às fases de análise e de observação dos corpora.
140
O gráfico das ocorrências foi utilizado para observar as assimetrias dos corpora e do
índice lexical (formas lematizadas) de cada corpus. Este procedimento foi possível
graças a uma primeira operação de observação das unidades lexicais por ordem
alfabética e por ordem hierárquica.
Uma vez que o objectivo da análise dos corpora foram as novas unidades lexicais, a
observação das frequências afigurou-se um procedimento completamente necessário.
Através deste processo foi possível individualizar as unidades lexicais, verificar a
frequência das ocorrências de cada uma delas e o seu índice de frequências.
Esta operação permitiu ainda verificar, no cômputo geral, os lexemas mais frequentes
nos corpora.
141
Ilustração 4: Tabela-imagem da distribuição das frequências nos corpora
Se por um lado, a observação das frequências ajudou a ter uma visão global do corpus
PORUMBUNEO, esta observação tornou-se mais importante com a operação
“distribuição das frequências” que permitiu a observação das frequências em cada um
dos corpora.
142
Ilustração 5: Observação da riqueza lexical e dos hápax no conjunto dos corpora
143
verificar a riqueza lexical dos corpora. Todavia, a parte mais importante deste
procedimento foi a localização dos hapax (unidades lexicais com uma única ocorrência
no corpus). Os hapax são frequentemente neologismos, mas neste trabalho, porém, não
foi o caso. Foram poucas as vezes em que os hapax foram neologismos.
Foi também pertinente, além da observação geral dos hapax, fazer a sua
individualização em cada um dos corpora, o que permitiu verificar os corpora que
continham hapax e em que quantidade e de que modo estes hapax poderiam contribuir
para a selecção de neologismos.
144
A seguir a esta multiplicidade de procedimentos semiautomáticos os passos
seguintes foram os seguintes: estabelecer as concordâncias e observar os contextos das
ocorrências ou de coocorrências das novas unidades lexicais, como apesentam as
imagens em baixo.
145
Ilustração 10: Contextos de ocorrências da nova unidade lexical não lematizada
ongandalas
146
Ilustração 12: Contextos da nova unidade lexical não lematizada kisangwa
147
Ilustração 13: Observação da frequência da nova unidade lexical kupapata na sua
forma não lematizada
148
Ilustração 15: Apresentação no HYPERBASE das correlações a partir do
neologismo ombala
Ilustração 16: Lista dos índices de frequência do neologismo soba em quatro textos
pré-seleccionados
149
CAPÍTULO QUARTO
Contudo, dado que nos últimos anos, o HYPERBASE tem sido o software de
tratamento de dados mais utilizado pelos linguistas, tendo em consideração a grande
diversidade de possibilidades que oferece para o trabalho, este foi, certamente, o nosso
instrumento de base para o trabalho de tratamento semiautomático dos dados. Este
software desempenha um papel fundamental no trabalho do linguista. Para além de
permitir a importação e/ou inserção de uma grande quantidade de textos, a organização
de formas e/ou de unidade lexicais e a sua devida listagem, conforme o objectivo que se
pretende, possibilita o estabelecimento de concordâncias, a extracção dos contextos das
ocorrências; facilita, ao mesmo tempo, o controlo dos dados; verifica a estrutura do
vocabulário, possibilitando a comparação interna do vocabulário e permitindo
150
individualizar as suas especificidades e referências externas. O software permite ainda a
lematização do vocabulário, a extracção de “mots-clés” ou “phrases-clés”, a construção
de árvores a partir de lexemas, o que possibilita a determinação de campos lexicais,
permite ainda, enfim, a verificação da evolução do vocabulário, as correlações e
associações.
152
Ilustração 18: Vocábulos e ocorrências
2 JCAL 1838
3 HD 1113
4 JPAb 1669
5 JPAh 803
6 CP 5963
7 GP123 11542
8 GPb 836
9 DAngblog 3332 36181 (23041)
O momento que se seguiu à selecção geral das unidades lexicais foi reservado ao
processo da extracção e novamente selecção das unidades lexicais, graças à primeira
selecção. Esta última etapa de selecção teve como objectivo proceder à individualização
dos possíveis neologismos ou candidatos a neologismo. Ao mesmo tempo, pretendeu
captar, por meio duma observação atenta, as características neológicas dos lexemas
neológicos, tendo em vista a sua tipologização.
153
Num primeiro momento foram seleccionadas 548 novas unidades lexicais.
Destas, foram seleccionadas, extraídas e individualizadas definitivamente para a análise
305, das quais 125 umbundismos aportuguesados, 21 estrangeirismos, 18 bantuismos
aportuguesados e 141 neologismos da língua corrente. Os umbundismos foram
agrupados em campos semânticos sendo 41 vindos do campo da cultura, 19 da
toponímia, 16 da culinária, 16 da antroponímia, 12 gentílicos, 9 das relações humanas, 7
da vida social, 2 do vestuário e 1 do âmbito doméstico, num total de 125. Os gráficos
que seguem são o resumo ilustrado desta distribuição.
154
4.1.2. Considerações metodológicas
- Pruvost e Sablayrolles (2003: 63) para quem o simples facto de um neologismo ter
alguma entrada no dicionário não lhe retira o seu carácter neológico;
156
esteja ainda tão generalizado, o critério utilizado serviu para distinguir os neologismos
estabilizados e os não estabilizados, dicionarizados e não dicionarizados.
Por razões metodológicas, cada neologismo foi colocado como “entrada”, numa
listagem pré-lexicográfica, seguido por uma breve definição, onde consta a informação
morfológica, semântica, etnolinguística e se urgir, alguma nota explicativa e, por fim, o
exemplo ilustrativo.
Para a identificação das unidades lexicais neológicas foram tomados como
instrumentos de trabalho, entre outros, cinco dicionários (corpus de exclusão): dois
dicionários online de Língua Portuguesa (DILP - Dicionário Infopédia da Língua
Portuguesa, DP - Dicionário Priberam), DHLP (Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa), GDHLP (Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa) e DLPCACL
(Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de
Lisboa). No entanto, três foram as fontes principais: o DHLP, o GDHLP e o
DLPCACL.
Como nem todos continham as unidades lexicais analisadas, houve necessidade
de se utilizar alguns símbolos que indicassem a informação se um certo lexema
neológico estava dicionarizado por um dos dicionários ou por todos eles ou ainda se por
nenhum deles. Cada um destes sinais ou símbolos está colocado à direita, na parte
superior do neologismo. Assim, eis os símbolos utilizados e os seus significados:
** Significa que o neologismo está dicionarizado pelos três dicionários tomados como
fontes principais de consulta;
157
Cada lexema neológico é acompanhado, em baixo, antes doutras informações
definitórias, de algumas siglas que indiquem a informação morfossintáctica: n. m. s
(nome masculino singular); n. m. pl. (nome masculino plural); n. f. s (nome feminino
singular); n. m. e f. s. (nome masculino e feminino singular); f. v. i (forma verbal,
infinitivo).
Algumas entradas têm duas ou três formas para o mesmo lexema. A questão é
somente de grafia. A primeira forma corresponde à grafia extraída dos corpora. A
segunda forma entre parêntesis corresponde à forma da entrada no (s) dicionário (s).
Havendo a terceira forma, apresentada, em geral, dentro de parêntesis rectos,
corresponde à maneira gráfica “correcta” na língua de origem.
158
Entende-se aqui aportuguesamento, o processo linguístico exigido por uma
necessidade dos falantes que aprendem o Português como L2, que estejam limitados em
nomear um conceito existente na sua língua materna e que não encontram um
equivalente conceptual na outra língua. Neste caso, o mecanismo de aportuguesamento
permite-lhes a transposição do vocábulo da língua materna para a L2, havendo ou não
uma mudança fonética ou fonológica na estrutura do termo.
Deste modo, pela concorrência dos variados processos de formação de palavras,
a língua materna adquire uma nova unidade lexical que integra no seu sistema
linguístico. Localiza-se, neste processo, o fenómeno da interferência do Português no
sistema linguístico umbundu ou no sistema de qualquer outra língua em contacto com
Português.
- alumbo ^
(n. m. s)
Deriva do nome umbundu alumbu, plural de elumbu. Significa magia, artimanhas que
pretendem agir e dominar a natureza mediante ritos mais ou menos secretos para efeitos
de demonstração do poder invulgar do mágico sobre a natureza. Os alumbu são uma
prática muito presente nalguns rituais da cultura umbundu, geralmente, em grupos
culturais muito fechados, e, por isso, a entrada nestes grupos requer uma iniciação
própria. «Neste período, aprende-se algumas magias como Alumbo, uma arte de
enfeitiçar ou matar mesmo alguém» (HD, 19 de Abril de 2008).
159
- Epalanga ^
(n. f. s)
Provém do nome umbundu epalanga. Do ponto de vista cultural, no âmbito das
tradições dos Povos Ovimbundu, o ‘epalanga’ é, na prática, o secretário do Osoma; é o
assistente do Osoma em negócios de administração e tratamento dos assuntos da
comunidade da Ombala. Aparece também muito frequentemente como antropónimo:
«…para o lugar do vice-governador E. Epalanga…» (CP, 30 de abril 2010). É ainda
atestado como topónimo: «O professor que dá aulas na aldeia de Calikandula-II vive
na aldeia de Epalanga» (JO 9-14).
- olundongo ^
(n. m. s)
Esta unidade lexical deve o seu étimo do umbundu olundongo. Designa uma tipologia
coreográfica típica dos Povos Ovimbundu, utilizada em ambientes culturais e
celebrativos. Talvez uma das mais antigas tradições de dança dos Povos Ovimbundu. O
olundongo usa-se, tradicionalmente, em cerimónias de entronização, em óbitos, em
despedidas de luto das dançarinas, dos caçadores e dos soberanos e em circuncisões. A
dança consiste em os executantes vestirem-se de panos amarrados com cintos e usarem
o batuque: «A dança tradicional ``olundongo´´ e os palhaços rechearam o programa»
(JO 9-14).
- ombala**
(n. s. f)
Unidade lexical relativamente estabilizada, pois o seu uso na oralidade e na escrita é já
muito generalizado, a ombala é o “Palácio da justiça” do Osoma (soba). É a sede
tradicional de trabalhos do Osoma, o grande chefe da aldeia. É neste lugar onde recebe
todos aqueles que querem solucionar os seus problemas na aldeia, como por exemplo,
160
problemas de justiça (na sua acepção mais cultural e mais tradicional), problemas de
âmbito mais tradicional e outros negócios referentes à dinâmica vital comunitária da
aldeia: «— Mas ele não é só meu patrão. É também regedor da Ombala» (GP1, p. 31).
- ongandalas ^
(n. p. f)
Plural do nome umbundu ongandala. É uma unidade lexical com uma grande carga
simbólico-cultural e tradicional. Trata-se de alguns preparativos para o ritual tradicional
do casamento. Na tradição umbundu, o casamento é preparado pela noiva e pelo noivo.
A noiva prepara o que diz respeito aos utensílios domésticos. A ongandala é constituída
por estes utensílios, como algumas panelas para cozinhar os alimentos, pratos, lemos,
conchas, gamelas, talheres, etc. Trata-se dum gesto sério, mas simbólico, que marca o
início de uma nova vida da noiva. No dia da passagem definitiva para a sua casa, as
duas famílias saindo da casa do marido, sem a noiva, chegam à casa da noiva; levando-a
e levando o seu embrulho já preparado, dirigem-se à casa, onde com o marido, a noiva
morará durante a sua vida esponsal. «Mais parecia um grupo de refugiados, de tão
volumosas que eram as ongandalas» (GP1, p. 52).
161
promovem diálogos e trocas de impressão sobre os factos sociais, políticos,
económicos, da aldeia e da vizinhança». E, por esta razão, «o ondjango constitui uma
escola rural institucionalmente reconhecida dentro da estrutura da família alargada. Aí,
as crianças aprendem a respeitar a hierarquia etária e social». O ondjango é, por isso,
notabilizado pela sua força e significado cultural de espaço de encontro comunitário e
de educação social, moral e cívica da comunidade: «O chefe está a ver aquele onjango
[ondjango] da sentada do soba para resolver problemas se um gajo dormir com a
ndona do outro?» (GP 1, p. 84).
- Kesongo ^
(n. m. s)
Procede do étimo umbundu Kesongo que, na tradição cultural umbundu é o conselheiro
do Osoma, do chefe tradicional da aldeia ou do bairro. É o homem do conhecimento e
do saber, cuja cultura é conhecida por todos. É o sábio da aldeia, o homem das soluções
rápidas e acertadas. Malungu faz derivar este nome da forma verbal umbundu
“okusongola”, que quer dizer, conduzir, dirigir, guiar, orientar. Deste modo, o
“kesongo” «exerce as funções de conselheiro do rei e de Comandante ou general do
exército. A ele compete anunciar a chegada do rei numa aldeia ou localidade. A ele
compete também soprar a buzina do chifre de um animal sagrado para anunciar a morte
do rei» (2005: 179): «Depois deste acto, começa a marcha de volta à sanzala e os
“Kesongo” (cicerones) levam o grupo para as suas respectivas casas seguindo-se de
um coro que enlouquece os palhaços» (HD, 19.04.2008).
162
- Kaley ^
No uso cultural comum dos Ovimbundu funciona como antropónimo. A sua etimologia
está relacionada com o verbo okuleya que significa falhar, não conseguir mirar. O
prefixo -ka- indica a negação. Deste modo, kaley significa aquele que não falha. No
entanto, a sua asserção mais cultural tem a ver com a realidade dos poderes tradicionais
nos círculos dos sobados. É uma função da estrutura organizacional do sobado ou do
reino. Neste sentido, kaley é o homem da ombala, responsável pelos momentos de
divertimentos nos tempos livres do casal real. É ele que anima a vida familiar da
ombala, palácio real do soba.
- Kalondwiya ^
Alguns antropólogos (cfr. Malumbu, 2005: 181) fazem derivar este lexema do nome
owuliya que quer dizer mensagem. Tomando esta asserção do vocábulo, kalondwiya
designa o homem da ombala responsável pela comunicação pública dos negócios
públicos do osoma; é porta-voz do osoma e da ombala. No entanto, as suas funções
diferem das do Kesongo e das do Ukwatchali.
- Kapitango ^
No dinamismo funcional e estrutural da administração da ombala, o Kapitango é o
guarda-protector da casa real. É o encarregado da vigilância e protecção do palácio do
rei ou do Osoma.
- Kativa ^
O Kativa é o homem da corte real, responsável pela direcção dos discursos nos
processos jurídicos de julgamentos. É a ele que cabe falar nos processos judiciais
deliberativos, apesar de não ser o sentenciador. Algumas vezes, desta forma nominal
faz-se derivar o nome do verbo umbundu okutiva que quer dizer, ser moderador da
palavra ou do discurso.
163
- Mbetatela ^
O seu étimo é o verbo umbundu okuvetatela que significa proteger judicialmente
alguém. O nome umbundu mbetatela indica a função de um funcionário da ombala que,
além de exercer a advocacia junto da família real, é também uma espécie de vice-rei e
‘ministro sem pasta’ cuja função é suprir a ausência dalgum ‘ministro’ que falte ao
trabalho. E ainda, não somente a suplência dos ministros do rei, como até as ausências
do próprio rei.
- Mwekalya ^
Segundo Edwards (1962: 12-13) o Mwekalya é o homem da corte que funcionando
como uma espécie de ministro da cultura é o porta-voz, o advogado do povo junto do
rei. No entanto, a função fundamental do mwekalya é muito mais patrimonial e cultural.
Ele é o responsável pela conservação da tradição cultural do povo, é o responsável pela
preservação dos usos e costumes dos Povos Ovimbundu dentro do quadro legislativo e
institucional da ombala.
- Mwele-ndaka ^
Uma tradução ad literam designá-lo-ia como o homem “da própria palavra ou o dono da
palavra” ou o homem da discrição. O Mwele-ndaka é o funcionário do rei ou do osoma,
seu porta-voz, o homem dos segredos da ombala ou da corte real, principalmente dos
assuntos relacionados com a beligerância. Está sempre em estreita união com o
Kesongo.
- Mwele-tchalo ^
Como o nome o indica mwele, dono + tchalo, cadeira, poltrona, sede, o Mwele-tchalo é
o responsável da sede do osoma. Tutela a cadeira do rei ou do osoma em viagens, pois a
sua importância real e por razões de segurança, não lhe permite, dentro ou fora do seu
palácio, usar qualquer cadeira. O Mwele-tchalo é o transportador e zelador da poltrona
real.
164
- Mukulu ^
Segundo Childs (1942: 20) e Edwards (1962: 42), o ritual das exéquias do osoma
terminam nos akokoto na tradição cultural dos Ovimbundu. O osoma, quando morre, o
seu corpo é mumificado e é-lhe retirada a cabeça com técnicas apropriadas, permitindo
deixá-la separada do corpo para a sua dissecação. O crânio é conservado num sarcófago
em akokoto que, a partir de então, se torna objecto de veneração para todos os que por aí
passarem. O vocábulo talvez tenha ligação com forma nominal umbundu ukulu (mais
velho) com um prefixo mu- que não é muito comum na Língua Umbundu. No círculo
dos poderes estruturais da ombala, o Mukulu é o funcionário real cuja responsabilidade
é mumificar o corpo do osoma no momento da sua morte. Por isso, é o homem,
supersticiosamente, temido pelo osoma.
- Tchisiyilo ^
A tradição cultural umbundu contempla uma cláusula que dá muita importância à saliva
do osoma. Os poderes que lhe conferem fazem com que ela não seja expelida da boca
para qualquer lugar, pois teria o risco de alguém se apropriar dela e manipulá-la
magicamente. Por isso, o Tchisiyilo (do verbo okusiya, cuspir) ou Ukwavate (da forma
nominal ovate, saliva) é funcionário da ombala que trata da recolha da saliva do osoma.
- Ukwasapi ^
O nome vem, etimologicamente, de osapi (a chave) + -u- (prefixo). Designa o homem
que detém as chaves da casa real, não somente as chaves físicas, como também as
chaves, enquanto poder simbólico que designam o detentor, preservador e protector de
todos os segredos da casa real. É uma espécie de chanceler ou procurador da corte real.
Na ausência do rei desempenha a função de juiz sentenciador nos julgamentos em
representação do rei.
- Ukwahama ^
Isto é, o homem da cama. Enquanto o Mwele-tchalo é o responsável pela sede real, o
Ukwahama é o funcionário da ombala, responsável pela cama do osoma.
165
- Ukwatchali ^
Uma tradução literal designá-lo-ia como «o módico, o generoso, o homem de mãos
largas, ou mais concretamente, o que dá de graça». Pode ser encontrado como
antropónimo, designando alguém que nasceu em condições e situações especiais dos
pais. Neste sentido, significa alguém que foi dado de graças pelo Criador, é um presente
do Criador. No contexto régio, o nome indica a função de um ministro do osoma
responsável pelos negócios sociais: a recepção das benesses dadas ao rei, o cuidado
pelos mais necessitados do reino ou da ombala, etc.
- Uyalwi ^
Vem do verbo okwalula que quer dizer achar, encontrar. Uyalwi significa o acto de
encontrar, de achar. Designa a função do homem encarregue de cobrar os impostos e
taxas no reino ou na ombala, para a caixa comum do reino. É um homem em total
sintonia com o Ukwatchali.
- Wongo ^
O vocábulo provém de owongo ou ovyongo que quer dizer a coluna ou as costelas. O
wongo ou owongo é o funcionário da ombala cujas principais funções são: receber o
novo rei e introduzi-lo na sua nova morada, levando-o às costas, tal como uma mãe traz
o filho às costas, ou no owanda (tipóia) auxiliado por alguns membros da corte; e
colocar o osoma na urna no dia da sua morte. O wongo está presente no início e no
termo da vida real do osoma.
- seculos/sekulus ^
(n. m. pl)
Aparece, algumas vezes, aportuguesado em sekulos. Plural do nome masculino sekulu.
Na tradição cultural dos Povos Ovimbundu, indica, originariamente, uma autoridade
tradicional, não equiparada ao osoma, mas mais como um chefe de família, em geral
muito reputado no bairro ou na aldeia pela sua sabedoria e probidade de costumes; é o
ancião. No uso quotidiano, passou a designar qualquer pessoa de idade, mas sempre
homem (varão), nunca uma mulher. «Velho Jaime revelou por exemplo a morte de
166
Tjambala Kasinda que foi sacrificado por manifestar atitudes que irritaram os Seculos
(autoridades tradicionais) no acto da Evamba» (HD, 19.04.2008).
- sobas **
(n. m. pl)
É um umbundismo aportuguesado do vocábulo umbundu Osoma ou Soma, cujo plural é
olosoma. É a autoridade real tradicional. É a autoridade tradicional máxima da aldeia
dentro da organização sociopolítica e sociocultural dos Povos Ovimbundu cuja sede é a
Ombala: «O governo, se quer levar jovens na tropa, tem que falar com sekulus e sobas,
nós é que sabemos onde moram» (GP1, p. 21).
- quimbanda**/quimbanda
(n. m. s)
Apesar de vários dicionários fazerem derivar este vocábulo do Kimbundu kimbanda, ele
está também presente na Língua Umbundu. Nesta, o vocábulo é tchimbanda. Não
admira a passagem do tchi- a qui-, no Português, pois este processo linguístico é muito
comum na interferência do Língua Umbundu no Português. Geralmente, a maioria dos
vocábulos da Língua Umbundu que começam ou terminam em tchi-, a forma
aportuguesada equivalente é sempre o qui-. Ex: otchimbombo, o quimbombo;
otchisangwa, a quissangua; otchipembe, o quipembe, etc. Não dicionarizado pelo
DLPCACL, é traduzido pelo DHLP por ‘chefe religioso, sacerdote, feiticeiro’. Contudo,
em Umbundu, otchimbanda não significa propriamente, chefe religioso nem feiticeiro,
mas ‘aquele que cura’. Porém, umbanda significa, realmente, feitiço. No entanto, não é
razoável derivar otchimbanda de umbanda, pois a Língua Umbundu distingue o
curandeiro, otchimbanda (geralmente, o mais velho da aldeia que cura utilizando a
medicina natural ou tradicional) e feiticeiro, onganga (este é o mágico, o homem muito
temido na aldeia, manipulador de forças e de poderes mágicos, o detentor de umbanda).
Portanto, o quimbanda é aquele que cura as doenças do corpo e, aparentemente, do
espírito. Talvez por causa desta última acepção, traduz-se, algumas vezes, por
‘sacerdote, chefe religioso’: «Esse kimbanda, que certamente não sabe ler, devia ser
levado a tribunal por asfixiar lentamente os books» (GP 3, 30).
167
- quimbo**/kimbo
(n. m. s)
É um umbundismo aportuguesado oriundo do nome umbundu imbo que significa
“aldeia, povoação, zona rural”. Apesar de o DLPCACL considerar o neologismo
quimbo ter vindo do Kimbundu ko imbo, traduzido por ‘no povoado’, quimbo parece
estar mais próximo da mesma forma na Língua Umbundu, pois nesta, o caso do ablativo
locativo é, exactamente, kimbo, que se traduz, na povoação/na aldeia ou à povoação/ à
aldeia. O DHLP apresenta a etimologia umbundu, embora o exemplo dado não seja o
mais próximo da derivação do nome. Por isso, a origem mais provável do umbundismo
‘quimbo’ é kimbo do Umbundu. «Tinha chovido a noite inteira. No kimbo, depois da
chuva, aos olhos do velho de chapéu, as gaivotas são outras crianças, com a vantagem
apenas de andarem mais perto do céu» (GP 2, p. 39).
- akokoto ^
(n. m. s)
À primeira vista, o vocábulo parece insinuar uma etimologia a partir da forma nominal
umbundu ekokoto que significa ‘plástico’. Todavia, o vocábulo akokoto está distante
deste significado. Tem uma forte carga cultural. Na tradição cultural dos Povos
Ovimbundu, designa a instituição de poder da autoridade tradicional umbundu com
forte componente ritual religiosa. É o local onde se conservam os crânios de todos os
sobas que morrem. Após a morte do Osoma, passado o tempo necessário e previsto para
completar os preparativos da sua sepultura, a sua cabeça é decepada e, em seguida,
levada para este local onde permanece conservada. É o espaço sagrado das autoridades
tradicionais dos Povos Ovimbundu onde é feita a memória dos Olosoma falecidos. «A
diferença substancial entre a ekula e os Akokoto deve-se ao facto da primeira ser
ndombe e eles ovimbundu» (JCAL, 04 de Outubro de 2012).
- ekula ndombe ^
(n. f. s)
O neologismo é formado por justaposição, embora não tenha o hífen. É formado por
dois vocábulos: ekulã (vala de drenagem) e ndombe (topónimo). Semanticamente,
significa o mesmo que akokoto. A única diferença é aquela descrita pelo exemplo dado
168
em akokoto. Indica, na tradição dos Ovimbundu da zona Ndombe, o espaço sagrado de
conservação dos crânios dos olosoma tal como acontece com os akokoto. «Só assim se
percebe porque a Ekula e os Akokoto se hermetizam e porque estão acima de toda
autoridade comunitária» (JCAL, 04 de Outubro de 2012).
- mbeta-mbeta ^
(n. m. s)
O vocábulo vem do verbo umbundu ‘okuveta’ que significa ‘bater’ em alguém ou em
algo. Provavelmente, desta etimologia terá tirado o nome mbeta-mbeta (que
aproximadamente significaria tenho vindo a bater) que indica uma atitude de bater as
portas das casas do bairro e batendo (tocando) os instrumentos musicais, como
batuques, zagaias, etc.
- À chegada: "se-se, se-sa", etu tweya, yululako (se-se, se-sa, nós vimos, abre a porta).
- À saída (quando a casa visitada corresponde com alguma oferta): "Twapandula tchiwa
weh, etali ulima wapwa" (Estamos bem agradecidos, hoje, o ano terminou).
- À saída (quando a casa visitada não corresponde a este acto de socialização): "Ove ku
kwete tchimwe weh nhe watungila ondjo?" (Tu que nada tens, porque construíste a
casa?) "Handjala ko, tutchipangela Onatale, handjala ko, tutchipangela ombowanu”
169
(não é por razões de fome, é só em virtude da celebração do Natal. Não é por razões de
fome, é só em virtude da celebração do Bom Ano): «Até há pouco menos de 15 anos,
ainda se via nas principais cidades do litoral de Benguela o saudável "assalto" à meia-
noite com o Mbeta-mbeta» (GPb).
- kalúndus ^
(n. m. pl.)
O vocábulo kalundu designa, geralmente, os que já partiram deste mundo. O kalundu é
aquele que está no kalundu (no cemitério). No singular, tanto pode designar o defunto
(que habita a região dos mortos), quanto pode denominar esta mesma região (o
okalundu, isto é, a região da morte) «Assim quando é percebida a presença dos
Kalúndus, é logo dado o início a uma iniciação ritual para que o espírito possa
manifestar-se e ser agraciado, deixar seu recado para depois voltar para o seu
universo» (DAngblog).
- wanditombi ^
(n. m. s.)
É o nome atribuído a um tipo de gerador de energia elétrica, de pequeno tamanho, muito
utilizado em Angola para uso doméstico. O nome vem das suas características de
tamanho pequeno. Daí, designação nominal de wanditombi, do verbo umbundu
‘okutomba’ ou ‘okutombiwa’ que significa desrespeitar/desconsiderar, ser respeitado/ser
desconsiderado. Wanditombi vem, assim, significar ‘vós desrespeitais-me; vós
desconsiderais-me’. «Ao longo das estradas estão a ser edificadas pequenos "núcleos"
de comércio informal, de aglomerado humano permanente, estruturas físicas,
geradores de electricidade, também chamados de "wanditombi", que significa, "não me
respeitam" na língua umbundo» (Cruzeiro do Sul, 26 de Janeiro de 2008)
170
4.2.3. Campo lexicossemântico das relações humanas
- cota**/kota
(n. m. s)
Do umbundu kota, o mais velho. É uma designação de respeito e de proximidade e
familiaridade com que se designam as pessoas mais velhas, isto é, qualquer pessoa que
tenha idade superior à da pessoa que se lhe dirige. «…passou a chamar-se doçura por
causa de umas makas, liderada pelo cota Russo» (CP, 28 de Janeiro de 2010).
- camba**/ kamba
(n. m. s)
Do vocábulo umbundu ekamba ou kamba, traduzível por amigo. Os dicionários que o
descrevem fazem-no derivar ora do Kimbundu ora do Umbundu. Contudo, segundo o
Dicionário de Maia 1994 (ver a entrada ‘amigo’ em Kimbundu) o kamba do Kimbundu
não corresponde exacta e frequentemente a ‘amigo’. Pois o Kimbundu, para designar
‘amigo’ orienta-se pelos contextos: ex. amigo da ciência = ndongoxi; amigo de dar =
uba; amigo de lutar = mitonge (cfr. ibid.). Por esta razão, a proposta etimológica do
umbundu parece ser a mais razoável, como também defende Barbosa (1989: 156), pois
nesta língua, para a designação de ‘amigo’, em qualquer contexto que o vocábulo
ocorrer, na oralidade e na escrita, utiliza-se o vocábulo kamba/ekamba, sendo as duas
formas existentes e recorrentes na língua falada e escrita. «Que ideia mais agora, ó
kamba?!» (GP 3, p.75).
- Quimone**
(n. m. s)
Deve o seu étimo linguístico ao vocábulo umbundu otchimoni, que é uma peça de roupa
de uso feminino, em forma de túnica longa e larga, de mangas largas, feita da mesma
peça, geralmente, com pregas no peito, semelhante ao que os japoneses designam por
kimono. É muito provável que seja uma unidade lexical vinda do oriente em
171
circunstâncias por conhecer. «…salientavam a ligação entre o lenço e o quimone,
ambos de tecido azul- escuro de pintas brancas» (GP 1, p. 61).
- olondindi ^
(n. m. pl.)
Procede da forma nominal umbundu olondindi, sandálias artesanais feitas de borracha,
habitualmente, borrachas de pneus de carro já usados. «Para enganar o tempo, Dr.
Luhaku calçava os olondindi e saía então a caminhar» (GP 1, p. 68).
- cacusso**
(n. m. s)
Procede do vocábulo umbundu kakusu. Tipo de peixe de lagoa, assemelhado a pércidas.
A entrada no DLPCACL é cacuço e é apresentado como derivado do Kimbundu kikusu.
Porém, a origem mais lógica do vocábulo é kakusu. «… com destaque para o apetitoso
cacusso, àquela zona se tornou, aos olhos de muitos (abutres), local de cobiça, a
começar pelas Cachoeiras da Binga…» (CP, Sexta-feira, 30 de Abril de 2010).
172
- gindungo**
(n. m. s)
É um vocábulo que pode ser considerado um neologismo estabilizado, apesar de a sua
origem ser controversa. O DLPCACL tem a sua entrada na forma gindungo, enquanto o
DHLP dá-lhe entrada na forma jindungo. Quanto à sua etimologia, o primeiro faz
silêncio, o segundo fá-lo derivar do plural kimbundu jindungu, o que será mais
provável. Porém, podem ser encontradas formas que podem sugerir outra origem:
Umbundu, olundungu; Kimbundu, ndungu/jindungu; Kikongo, lundungu. É um
condimento utilizado nos alimentos. O.m.q piri-piri ou picante. Neste sentido, supondo
que, o neologismo tenha vindo do Kimbundu - o que é mais razoável - é interessante o
processo da sua formação: recorre-se ao kimbundismo plural para se buscar a
designação jindungo que nunca é empregue no plural em português. «… ginguba
torrada com bombó assado; kitaba com jindungu; doce serrado…» (JCAL, 11 de Maio
de 2015).
- gindungo-kaniania ^
(n. m. s)
É um tipo de gindungo muito pequeno, mas dum paladar assaz picante e quase
agressivo. Kaniania aparece junto de gindungo como adjectivo, a fim de caracterizar a
forma nominal. Deve o seu étimo à 3ª pessoa do singular na forma perifrástica do verbo
umbundu okunya que significa defecar. Kanyanya significaria então, ele não tem
defecado. Provavelmente, estará associado ao gindungo, para indicar o seu efeito.
Todavia, kaniania pode estar relacionado com uma circunstância ou situação difícil. Ex.
wamolã onyanya (viu-se à rasca). «Gindungo kaniania, pimenta conhecida pelo
contraste entre o tamanho e a intensidade» (G 1, p.91).
- ginguba**
(n. f. s)
Neologismo formal muito estabilizado. O.m.q amendoim. Parece haver consenso dos
dicionaristas que lhe reservam uma entrada com uma explicação de que o vocábulo
deve ter a sua origem no plural Kimbundu de ngûba (pl. jinguba); em Umbundu,
olongupa. No entanto, segundo Parreira (1990: 94) a ginguba é originária da América.
173
Isto suporia que a língua angolana tivesse alguma relação com alguma língua
americana: «enquanto com os filhos partilhava a saborosa ginguba que estalava na
frigideira de barro» (GP 1, p. 46).
- kaporroto*
(n. m. s)
Possui uma entrada no DLPCACL, grafado como caporroto e não está dicionarizado no
DHLP. Do nome umbundu okapoloto, indica uma espécie de bebida alcoólica, usada
como bebida tradicional e caseira sobretudo nas zonas Centro-Sul de Angola.
Geralmente, o caporroto é feito de milho ou batata-doce fermentados na água ou, o mais
usual, de cana-de-açúcar cujas barras são fatiadas e moídas e postas a fermentar no
interior de um tambor fechado por três, quatro ou cinco dias. No final destes dias, é
obtida a bebida, mediante o processo químico de destilação. O produto final é o
caporroto classificado de acordo com a sua percentagem de álcool em “primeira,
segunda, terceira e matchatcha (este último produto é assim chamado por possuir ínfima
percentagem de álcool): «Okutambela e okulomba em simultâneo. Óleo de palma,
garrafão de kaporroto e outro de vinho tinto, dois panos, camisa e fato completo para o
sogro, caixa de fósforos, maço de cigarros e cabaça de ocisangua. Estavam arrumadas
as ongandalas» (GP 1, p. 51).
- kapuka ^
(n. m. s)
Esta forma nominal deriva do étimo umbundu epuka. No seu sentido original significa
bichinho (de epuka, bicho + o prefixo - ka- com o valor diminutivo). É utilizado para
designar o tipo de bebida alcoólica tradicionalmente caseira. O.m.q kaporroto.
«Kaporroto (ou kapuka) aguardente confecionada em casa» (GP 2, p.111).
- lombí **
(n. m. s)
Forma nominal derivada do vocábulo umbundu olombi, que é um cozido de folhas
verdes e tenras de aboboreira ou de feijoeiro, utilizado na culinária, típico das zonas
174
Centro-Sul de Angola. Habitualmente, o lombí é usado para acompanhar o pirão ou o
funji. «Os piôs ajudavam no tempero dos ratos que, depois de bem assados, serviam de
acompanhante para o lombí» (GP 1, p. 54).
- quissangua*/ kisangwa
(n. f. s)
Unidade lexical não dicionarizada em DHLP, mas com entrada em DLPCACL, grafada
como quissângua ou quiçângua. Vem da forma nominal umbundu otchisangwa, bebida
tradicional dos Povos Ovimbundu, utilizada como bebida caseira, feita de milho ou de
batata-doce fermentados na água, moídos e postos a cozer no fogo, sobre os quais se
junta o ombundi (uma espécie de raízes silvestres doces) que lhe confere uma singular
doçura, ou acrescido de açúcar ou de sumo de cana-de-açúcar para o adocicamento: «…
pelo cachoar de um competente kitoto, para uns, kisangwa para quem entendesse ser
esse o termo apropriado» (JCAL, 11 de Maio de 2015).
- quimbombo**/ocimbombo [otchimbombo]
(n. m. s)
Dentro dos costumes tradicionais alimentares dos Povos Ovimbundu, o quimbombo é
uma kisangwa fermentada. Cumprido o processo acima descritivo para a obtenção da
kisangwa, esta é mantida fechada durante alguns dias (geralmente, a duração é de três a
7 dias) numa cabaça (ombendje) ou numa panela de barro (ombya y’otuma). No último
dia, aberto o recipiente, a kisangwa apresenta-se cheia de gás e, por conseguinte, a
ferver e, por isso, se torna espumante, o que a leva a ser definida como «cerveja de
milho», por parecer-se com o espumante da cerveja. A sua etimologia é controversa. O
DHLP fá-la derivar do Kikongo, quimbombo; porém, o DLPCACL faz derivar a
unidade lexical, directamente, do Umbundu otchimbombo. Esta última hipótese parece
ser a mais razoável, pois, primeiro, o quimbombo é, culturalmente, uma tradição
alimentar muito típica dos Povos Ovimbundu; em segundo lugar, no âmbito dos
processos fonéticos mais observados no fenómeno da interferência linguística, é comum
no processo do aportuguesamento, isto é, na formação dos umbundismos, a
transformação do prefixo umbundu -otchi-/-tchi- em -qui-. «As meninas preparavam a
comida e ocisangua [otchisangwa] e ocimbombo [otchimbombo]» (GP 1, p. 54).
175
- rama*
(n. f. s)
Trata-se da ramagem da planta rastejante da batata-doce, cujas folhas verdes servem, na
culinária das zonas angolanas do Centro-Sul, para cozido simples ou misto com peixe
seco ou fresco para acompanhar, nas refeições, o pirão ou o funji. Diz-se da planta e do
cozido. Provém do étimo umbundu, olama. «… capaz de deixar amarga a rama e o
bananal sem vida, como se das queimadas fossem alvos» (G 3, p. 116).
176
com dupla grafia. A grafia entreparêntesis representa a tentativa do aportuguesamento
dos antropónimos.
Convém, observar, como também o referiu Costa (2015: 104) que, as culturas
em Angola, na sua maioria, para a onomástica antroponímica apresentam sempre um
parâmetro padrão; ou seja, dispõem de uma norma padrão. Os nomes são dados de
acordo com os acontecimentos, as circunstâncias, os contextos e os lugares de
nascimento. Dentre os factores que concorrem para isso estão os filhos que nascem
depois dos outros não sobreviventes, os nascimentos em tempo de fome, de frio, de
chuva, os nascimentos de gémeos, nascimentos em tempos de guerra, de epidemias, etc.
Estes factores e tantos outros determinam e podem condicionar a atribuição dos nomes.
Por isso, um angolano culturalmente genuíno, isto é, cujos pais ainda observam e
respeitam, com rigor, as tradições culturais do povo a que pertencem, tem sempre o
primeiro nome português e o segundo ou os outros nomes em Umbundu ou noutra
língua bantu afro-angolana da cultura dos seus pais.
- Kamuku (Camuco). O nome vem do vocábulo umbundu omuku que significa rato. O
prefixo ka- indica o diminutivo. Assim, kamuku vem significar ‘ratinho’.
177
- Kandimba (Candimba). Da forma nominal umbundu ondimba que significa coelho.
Kandimba significa coelhinho, considerando que o ka- é, neste caso, prefixo que marca
a posição do diminutivo.
178
otchi-, tendo como correlativo feminino o prefixo na-. Exemplo: Savita/Navita;
Savihemba/Navihemba. Os dois prefixos têm um valor semântico aumentativo que
indica a afeição a, estar afeiçoado a. Neste sentido, o Savihemba é o homem afeiçoado
na ciência dos medicamentos. É o perito da medicina tropical.
- Sendje (Senje). Em geral, na tradição cultural dos Povos Ovimbundu, este é um nome
atribuído somente às meninas. Ou seja, é um antropónimo com valor semântico
feminino. Etimologicamente, deriva de esendje, que significa pedra, rocha. O
antropónimo designa também um tipo de ervas grossas que se encontram nas margens
dos rios em zonas tropicais.
Neste processo cultural tradicional do sistema nominal, nas culturas bantu afro-
angolanas, principalmente, dos Povos Ovimbundu, encontra-se um aspecto muito
interessante relacionado com o nascimento dos gémeos. Todos os gémeos que nascem
na cultura umbundu, em quaisquer circunstâncias que tenham nascido, têm o seu quadro
onomástico-antroponímico bem delimitado. Este quadro-fixo antroponímico, axiológico
e referencial na cultura, é constituído por nomes de animais de grande simbolismo nas
referências socioculturais. Estas referências são sempre as que têm a ver com a
natureza, o significado, o comportamento e as características dos animais. O ondjamba
(elefante) mais caracterizado pelo simbolismo da corpulência e da força; o hosi (leão) é
o animal da ferocidade, inquietude e agressividade; ongeve (hipopótamo) é o animal
aquático, caracterizado pela sua calma e quietude, embora, amiúde, também agressivo.
179
novas unidades lexicais no Português, é do ponto de vista da inovação lexical, assaz
interessante, pois evidencia, de modo muito clarividente, concreto e contextualizado a
importância da lexicultura para a adaptação, renovação e enriquecimento das línguas em
contacto. Os onomásticos que se apresentam em baixo, que, neste contexto, já possuem
valor antroponímico, são do quadro antroponímico fechado, reservado para os casos
especiais de nascimentos, os gémeos.
- Hosi (Hossi). É o antropónimo que se dá ao segundo gémeo que nasce; se for do sexo
masculino, é-lhe atribuído o nome de Hosi, isto é, leão. Provavelmente, pelo facto da
sua inquietude e agressividade, na procura e na busca do modo como pode ir ao
encontro do outro gémeo que o deixou no ventre da mãe.
- Ngeve (Gueve). É antropónimo atribuído ao segundo gémeo que nasce; se for do sexo
feminino. Gueve (Ngeve) significa hipopótamo. A designação de hipopótamo, quiçá
tenha a ver com as características do animal, agressivo na calma que pode significar
também ternura e afeição, um pouco mais de amor, pois a figura feminina está também
muito ligada a estes valores.
180
4.2.8. Alguns topónimos e o seu valor semântico
- Akongo
À primeira vista, parece um nome plural, derivado do nome singular ekongo que
significa ‘caçador’. Todavia, aqui, trata-se de um topónimo, nome de um bairro da
província de Benguela. Provavelmente, o nome terá a ver com a actividade dos
habitantes da região, caçadores (akongo).
181
abertura da extremidade do cabo da enxada para reforçar a área do encaixe do seu
orifício. Provavelmente, originariamente terá sido um portuguesismo e mais tarde
passou para umbundismo.
182
ka-, apesar de aportuguesado é, claramente, um prefixo umbundu assumido pelo
Português em todos os seus valores de significação, incluindo o semântico manifesto na
indicação da sua função diminutiva), sem que o Português reconhecesse a sua forma
antiga duma unidade lexical que já tinha sido um seu empréstimo. Deste modo,
Calombringo significa ‘pequenos brincos’, ‘brinquinhos’. Ainda não é conhecido o
contexto sociocultural da sua génese.
183
- Kuvale (Cubal). Um dos municípios da Província de Benguela que fica situado a Sul
da cidade de Benguela. O topónimo, provavelmente, terá vindo da forma verbal do
vocábulo umbundu okuvala que significa ‘marcar possessão’, ‘delimitar fronteiras de
um terreno’, ‘apropriar-se de alguma coisa que ainda não tem proprietário’. Com este
sentido, kuvale designaria aquele que marca possessão, que se apropria de alguma coisa.
185
Tabela 8: Número de ocorrências de alguns umbundismos
Referências
Cikata [tchikata] 2 GP 1
Cikolotola [tchikolotola] 2 GP 1
Evamba 5 HD
Kanekulu 2 GP 1
Katumalela 2 GP 1
Kunga 2 GP 1
Kupapata 5 GP1
kwata-kwata 3 GP 1, CP
Makulu 2 GP 1
mbwale 3 GP 2
Mwata 3 GP 1, GP 3
Ngweta 2 GP 3
Njenjekulu 2 GP 1
[ndjendjekulu]
Okulomba, 5 GP 1
Okulumbula 5 GP 1
okutambela 6 GP 1
olombangalãlã 1 JO 9-14
omeyeko 2 GP 1
186
Onawa 2 HD
Ondongo 2 GP 1
ongungu 1 JO 9-14
Onjuluka [ondjuluka] 2 GP 1
Otjilima [otchilima] 1 HD
Otjilombo [otchilombo] 2 HD
Otjilombola 1 HD
[otchilombola]
Otjilue [otchiluwe] 2 HD
Ovangangela 1 HD
Ovimbundu 26 Em todos
Ovongu 1 JO 9-14
Ovyenye [ovyenhe]
Tjindanda [tchindanda] 5 HD
Ukongo 5 GP 1
Ulonga 1 GP 1
- okutambela ^
(f.v.i)
O vocábulo okutambela é a forma do verbo umbundu. Tem duas acepções. A primeira
tem a ver com a linguagem comum corrente que significa ostentar, mostrar
orgulhosamente, fazer ver. Talvez seja este o sentido da segunda acepção cultural que o
define como um acto de apresentação oficial aos parentes e familiares e
comprometimento amoroso mútuo do futuro casal.
187
Na tradição cultural dos Povos Ovimbundu encontra-se um acontecimento que
marca os que se preparam para o noivado. Passado o tempo do namoro, relativamente
discreto, os futuros cônjuges oficializam a sua relação junto das respectivas famílias. A
família do rapaz, juntamente com este, num dia combinado, vai à casa dos pais da
rapariga. Levam consigo várias ofertas, como por exemplo, um fato para o pai da
menina, um ou vários panos, missangas ou colares para a mãe da menina, alguma
quantia monetária, dependente dos costumes locais e outros utensílios exigidos pela
tradição da zona.
- okulomba ^
(f.v.i)
O vocábulo é um verbo umbundu okulomba. Designa, dentro do âmbito cultural dos
Povos Ovimbundu, a cerimónia que marca a última etapa dum percurso relativamente
longo de namoro, que consiste no pagamento da última parte do ónus tributário
requerido, passo importante para se levar a noiva ao casamento e, por conseguinte, para
o lugar definitivo de convívio com o seu noivo. «Trazemos nas ongandalas o
necessário para okulomba e okutambela e levar a nossa mulher» (GP 1, p. 52).
- cikata [tchikata] ^
(n. f. s.)
Otchikata é a designação que se dá ao tipo de doença venérea purulenta, provocada por
gonococos que, de início, se aloja na uretra, tendo grandes probabilidades de se alastrar
aos órgãos genitais femininos ou masculinos, atacando fortemente, o aparelho urinário.
188
O.m.q gonorreia. «Estava instruído o processo. Qualificação: homicídio voluntário.
Motivo: o autor confessou, e citamos, «não aturei uma mulher me dar cikata, ainda por
cima uma albina», fim de citação» (GP 1, p. 81).
- cikolotola [tchikolotola] ^
(n. f. s.)
A forma nominal tchikolotola vem do étimo verbal umbundu okukolotola que significa
escavar violentamente, utilizando algum instrumento. Provavelmente, com esta acepção,
o nome derivado da forma verbal, passou a designar a evacuação e mal-estar intestinal
que se tem de forma irregular e anormal de excrementos em forma muito líquida ou
semilíquida. O.m.q diarreia, disenteria. «Tinha cikolotola. Tinhas cólicas, pá! Qual
«cikolotola» esse?» (G1, p.72).
- evamba ^
(n. f. s.)
Esta unidade lexical é um nome cuja carga semântica cultural faz parte da tradição
cultural dos Ovimbundu e, certamente, de outros povos de Angola. É uma prática que
marca, culturalmente, o início da puberdade dum adolescente. Consiste no corte do
prepúcio que cobre a extremidade do órgão genital masculino, um acto associado ao rito
de iniciação masculina, num ambiente de isolamento durante algum tempo, no geral, em
tempo de cacimbo. O.m.q circuncisão. «… denomina-se por Evamba ou Ekwendje,
dependendo das áreas e, é uma prática sagrada e obrigatória. Trata-se de um rito que
serve de transição da infância para a adolescência» (HD, 19 Abril, 2008).
- kanekulu ^
(n. m. e f. s)
Esta forma nominal é o diminutivo de onekulu que significa, neto/a. Neste sentido,
kanekulu significa netinho/a. «Não, kanekulu. Avó vem comer só natal!» (GP 1, p. 61).
189
- katumalela ^
(n. f. s)
O vocábulo provém da forma verbal okutumalela que significa estar na companhia de
alguém (sentados algures), geralmente, para dar alguma repreensão ou conselho. Porém,
culturalmente, a katumalela é uma pessoa, nunca um homem, mas sim, uma senhora
enviada como embaixadora, designada por cada família, para os cumprimentos dos
rituais de okutambela (pedir em noivado) e de okulomba (ritual da busca da noiva para a
sua casa de vida conjugal). É assim designada, talvez por fazer a reunião sentada entre
outras pessoas também sentadas. «A comissão saiu rumo à casa dos pais da moça. Um
njenjekulu, uma katumalela. Mais parecia um grupo de refugiados, de tão volumosas
que eram as ongandalas» (GP 1, p. 51).
- kunga ^
(n. f. s)
A sua etimologia em Umbundu não é tão transparente. Contudo, a hipótese mais
provável é a sua origem do verbo okukunga que significa “esfregar”. Daí, o nome
okunga, que designa qualquer trabalho ou exercício difícil de se realizar a que alguém é
submetido, geralmente, por ordenação de um superior ou chefe ou mandatário.
«Inexperiente e sem passar pela kunga da recruta, ficou na equipa da retaguarda onde
aprendeu o trabalho de radista» (GP 1, p. 17).
- kupapata ^
(n. m. s)
O vocábulo procede da forma verbal umbundu okupapata que significa apalpar (em
circunstâncias de incapacidade visual quer de cegueira quer por razões ambientais, por
exemplo, a escuridão da noite). Deste modo, kupapata, um nome de uso muito corrente
em todo o território nacional angolano, designa qualquer pessoa cuja profissão é o
mototaxismo para a sua sobrevivência. São assim designadas por andarem de
motorizadas, em serviços de táxi, tendo capacidade de penetrar em áreas, às vezes, de
difícil acesso, como se estivessem a andar às apalpadelas, em busca de clientela. «John
Spall conviveu e entrevistou quatro grupos de veteranos, actualmente a trabalhar nos
mercados e como kupapatas, na cidade do Huambo» (JO 9-14).
190
- kwata-kwata ^
(advérbio de modo)
O étimo desta unidade lexical pode ser localizado na forma verbal umbundu okukwata,
isto é, pegar, apanhar, agarrar. Nesta forma verbal, é muito frequente a expressão kwata,
kwata (apanha, apanha), forma imperativa de exigir alguém a apanhar alguém,
especialmente, em contextos de fuga de um delinquente que tenha cometido algum
delito, ou alguma coisa em situações em que alguma coisa esteja a cair ou a escapar das
mãos para o chão. O vocábulo formado por justaposição funciona como advérbio de
modo. Apesar de a sua estabilização não ser muito visível, ele é já muito antigo.
Aparece nos manuais de História de Angola do Ensino secundário (no sistema antigo do
ensino da República de Angola, actual segundo ciclo de ensino). Refere-se à guerra de
luta contra a ocupação colonial no Reino de Ombalundu. É uma táctica de guerra usada
pelos Povos de Ombalundu para impedir a acção de invasão dos inimigos, numa acção
de caça-homem «E antes do meio-dia, já muitos suspeitos tinham sido capturados
sumariamente. Um atrás do outro, como se de guerra de kwata-kwata se tratasse» (GP
1, p. 71).
- maka/maca +
(n. f. s)
Esta unidade lexical, o neologismo com mais frequência, no uso normal e corrente dos
angolanos, está dicionarizada apenas pelo GDHLP. O vocábulo maka vem,
etimologicamente, dum étimo de sentido polissémico. Trata-se do vocábulo umbundu
omaka que pode significar problema, dificuldade, desafio – que é o sentido próprio
neste nosso contexto; significa também a cama móvel, utilizada pelos agentes
hospitalares de socorro urgente e casual para o transporte dos pacientes graves ou com
mobilidade reduzida. Geralmente, é um meio almofadado, suportado por uma armação
sustentada por quatro rodas que facilitam a mobilidade. «A maka nunca mais acabava e
eu estava já a ficar cansada» (GP 2, p.71); «A maca começa com o irmão do esposo em
visita aos familiares e amigos» (JO 9-14).
191
- makulu ^
(n. m. s)
Este vocábulo encerra uma polissemia. O primeiro sentido refere-se à idade das pessoas.
makulu designa uma pessoa de idade, é a avó. Neste sentido, makulu é diferente de
pakulu, avô. Observe-se que, o género é marcado pela oposição ou alternância
consonântica da oclusiva oral não vozeada bilabial [p] e da oclusiva oral nasal bilabial
[m] em sílabas iniciais ma- (para o feminino) e pa- (para o masculino) conservando o
mesmo radical -akulu numa posição dextral. Designa também, e este é o sentido que
surge no corpus, a doença, geralmente, dos mais jovens que em Português se designa
por oxiúro: «Resolver a maka da roupa suja, dos piolhos, das bitacaias, do ranho e do
makulu» (GP 1, p.45).
- mbwale ^
(n. m. e f. s)
A unidade lexical Mbwale é, claramente, um vocábulo umbundu, e significa senhor,
irmão, companheiro, colega: «O Mbwale Simbwokemba vai cuidar da ordem» (GP 2,
p.37).
- mwata +
(n. m. e f. s)
O vocábulo está dicionarizado apenas pelo DHLP. A unidade lexical mwata é
problemática, pois a sua origem, não é menos opaca. Há quem o faça derivar do
Kimbundu e outros do Tchokwe. No entanto, a proposta mais possível é aquela que
encontra o seu étimo no vocábulo umbundu omwata, visto que, entre os Ovimbundu, o
vocábulo é muito comum e frequente, e também, pelo facto de que, segundo o DHLP,
outrora, este vocábulo designou um povo do interior de Angola. Em Umbundu o nome
omwata significa homem rico, homem de alto estatuto social, uma entidade, pessoa
importante ao nível social: «E saltava à vista o brilho oleoso no rosto do mwata,
indicador de que a vida lhe corria bem» (GP 3, p.70).
192
- ngweta +
(n. m. s)
A forma nominal ngweta tem a origem não muito clara. Alguns dicionários referem
simplesmente como sendo um africanismo (cfr. DHLP). No entanto, na Língua
Umbundu, é utilizado com frequência. No seu uso corrente significa homem
economicamente rico, homem abastado, pessoa com muitas posses: «Já vi bué que quer
ser ngweta» (GP 3, p.29).
- njenjekulu [ndjendjekulu] ^
(n. m. s)
O vocábulo é, etimologicamente, procedente da Língua Umbundu. Significa uma pessoa
adulta, madura e sabedora, pessoa adulta e experiente da vida, pessoa de respeito. Pode
designar também uma pessoa do sexo masculino indicada por cada uma das famílias
como embaixadora nos rituais de okutambela e okulomba (rituais tradicionais afro-
angolanos do casamento tradicional) que vai como perita no assunto: «A comissão saiu
rumo à casa dos pais da moça. Um njenjekulu, uma katumalela» (GP1, p.51).
- okulumbula ^
(f.v.i.)
É o infinitivo da forma verbal umbundu okulumbula. Designa o acto, essencialmente,
feminino de engravidar. Okulumbula é, assim, um acto de engravidar fora do casamento
ou do Matrimónio. É a designação do acto de engravidar sem que a rapariga coabite
com o seu namorado ou futuro esposo: «Só o sogro, o velho- Kutalika, é que parecia
não ver mérito algum para tanto carisma. Viu sempre no genro um ser inferior, sujo
pelo erro de okulumbula» (GP 1, p. 53).
- okutiuka ^
(f.v.i. e s. m)
É a forma do infinitivo do verbo umbundu okutiuka que significa voltar, regressar
(dalgum lugar). Designa também uma Organização Não-Governamental (ONG)
angolana: «O Projecto vai beneficiar 2000 crianças nas escolas 28 de Agosto, 111, 102,
193
1 e 34, na cidade de Huambo e 300 crianças e jovens vulneráveis que irão participar
pela organização Okutiuka» (JO 9-14).
- olombangalãlã ^
(n. m. pl.)
É um nome plural que designa insectos típicos das anharas durante o tempo de cacimbo,
principalmente, no período da transição desta época para o tempo chuvoso. São
distinguidos por terem um som bastante estridente, que passam durante todo o dia, a
partir das árvores com novos rebentos, sobretudo, quando o sol estiver muito ardente. É
um insecto hemíptero da família dos cicadídeos, mais frequentes em regiões mais
quentes e mediterrânicas, detentores de uma armadura sugadura e picadora por meio da
qual extraem a seiva das árvores para seu alimento e cujos machos possuem um órgão
próprio do lado inferior do abdómen, através do qual, no cacimbo, produzem um som
muito estridente. O.m.q cigarra: «… como por exemplo ratos, topeiras, ovongu,
olombangalãlã, ongungu, ovyenye, mel …» (JO 9-14).
- omeyeko ^
(n. m. s)
Etimologicamente, o vocábulo deriva do verbo umbundu okumeyeka, que significa
limar, cerrar, tornar liso. A forma nominal omeyeko indica o acto de embelezar
cerrando, limando ou lizando alguma coisa: «Mas como o Soba não podia surpreender
a aldeia com um dente meio partido, foi feita uma operação de estética chamada
omeyeko, aplicando um «chanfro em V» aos dois dentes incisivos como símbolo de
nobreza» (GP 1, p. 32).
- onawa ^
(n. m. e f. s)
O vocábulo onawa designa duas realidades culturais diferentes: no âmbito do casamento
tradicional afro-angolano, indica o cunhado (a), irmão ou irmã de um dos cônjuges em
relação ao marido ou à esposa e aos irmãos de cada um deles. Nos ambientes culturais
dos ritos tradicionais de iniciação masculina ou feminina, designa um tutor que
194
acompanha e cuida do neo-circunciso durante 90 dias. «Cada criança faz-se
acompanhar do seu farnel que entregará ao seu tutor Onawa com habilidades para
solucionar todas as questões durante o período de circuncisão que por norma dura 90
dias» (HD, 19 de Abril de 2008).
- ondongo ^
(n. m. s)
O vocábulo umbundu designa um tipo de caniço que se desenvolve em rias, em
ambiente de muita água, com o qual se fazem as esteiras. É da família de oluneva (outro
tipo de caniço): «… assentando a seguir o corpo numa esteira de ondongo» (GP 1, p.
69).
- ongungu ^
(n. m. s)
Designa uma espécie de insectos da família das cigarras: «… pois que eles
alimentavam-se de comidas cheias de vitaminas e proteínas como por exemplo ratos,
topeiras, ovongu, olombangalãlã, ongungu…» (JO 9-14).
- onjuluka [ondjuluka] ^
(n. m. s)
É, etimologicamente, procedente do verbo transitivo okuyulula que significa ‘abrir’. O
onjuluka [ondjuluka] é a acção de abrir ou mais precisamente, uma abertura. No
entanto, o nome designa uma realidade muito específica. Indica um trabalho voluntário
para ajudar um membro da comunidade no meio rural. É um acto de solidariedade em
meios rurais entre os Povos Ovimbundu. Neste sentido o ondjuluka é uma abertura para
os outros, para a solidariedade, para o bem: «Quando velho-Kutalika decidiu arranjar
mais uma ndona, a quarta mulher diga-se, contou com onjuluka para construir e cobrir
a casa com o melhor capim que havia» (GP 1, p. 53).
195
- otjilima [otchilima] ^
(n. m. s)
Vocábulo que, dentro da tradição cultural tradicional dos Povos Ovimbundu, designa
uma pessoa do sexo masculino não circuncidada. O. m. q incircunciso: «Ainda aprende-
se o código de identificação pessoal para descobrir quem é circuncidado (Otjilombola)
e quem ainda não o fez (Otjilima)» (HD, 19 de Abril de 2008).
- otjilombo [otchilombo] ^
(n. m. s)
O vocábulo designa o recinto preparado para acolher e albergar os garotos candidatos ao
rito tradicional da circuncisão. «No Otjilombo [otchilombo], nos dias que antecedem o
regresso à sanzala, antigamente, era sacrificada a vida do jovem que apresentasse um
comportamento indecoroso aos mais velhos ou que se mostrasse durante as actividades
de muito lento» (HD, 19 de Abril de 2008).
- otjilombola [otchilombola] ^
(n. m. s)
É um vocábulo umbundu que designa um garoto ou um adulto já circuncidado e já
iniciado na ‘doutrina’ dos ovingandji (dos palhaços). «Ainda aprende-se o código de
identificação pessoal para descobrir quem é circuncidado (Otjilombola)» (HD, 19 de
Abril de 2008).
- otjilue [otchiluwe] ^
(n. m. s)
O vocábulo designa o ‘mestre da cerimónia’ no ritual tradicional da circuncisão. Este é
o homem que dá indicações e instruções precisas para que o momento processional da
cisão das extremidades dos órgãos genitais dos candidatos seja feita sem algum
obstáculo: «Os mestres Otjilue [otchiluwe] orientam aos Onawa para tocar batuques,
apitos e canções com o propósito de impedir que os gritos sejam captados pelos outros
que aguardam pela sua vez» (HD, 19 de Abril de 2008).
196
- ovangangela ^
(n. m. e f. pl.)
Nome gentílico que designa os Povos da tribo Ngangela na zona Sul de Angola: «…
Ovangangela, entre outros, onde cada um possui a sua cultura, tradição, mitos,
organização social e política…» (HD, 19 de Abril de 2008).
- ovimbundu**
(n. m. e f. pl.)
Este é um vocábulo que, praticamente, já faz parte duma tradição dicionarística
alargada. Entrou no sistema linguística do Português de forma erudita, até ao nível de
aspectos sintáctico-morfológicos. A sua aplicação é já muito estabilizada. É um
gentílico que designa os Povos do grupo etnolinguístico Umbundu da zona Centro-Sul
de Angola que têm em comum, como património, além dos costumes, a Língua
Umbundu: «A origem dos Ovimbundu tem sido motivo de estudos apaixonados por
parte de vários historiadores. Uma das razões tem a ver com o facto de se tratar de um
grupo étnico que marcou (e continua a marcar), de modo profundo, a história
económica, social, política e cultural do território que hoje se chama Angola» (GPb).
- ovongu ^
(n. m. pl.)
Nome umbundu que designa um tipo de bichos ou insectos da família dos lepidópteros
cuja maturação resulta numa nova espécie animal, as borboletas: «… pois que eles
alimentavam-se de comidas cheias de vitaminas e proteínas como por exemplo ratos,
topeiras, ovongu …» (JO 9-14).
- ovyenye [ovyenhe] ^
(n. m. pl.)
Nome umbundu plural de otchenhe. Designa um tipo de bicho ou de insecto da família
do embangalãlã, que diversamente deste último insecto, vive nas covas por ele
escavadas. É um insecto muito mais frequente na época de transição para o tempo
chuvoso: «… ovyenye, mel e uma grande variedade de frutas silvestres …» (JO 9-14).
197
- tjindanda [tchindanda] ^
(n. m. s)
É um nome umbundu. Designa uma pessoa, isto é, um rapaz recém-circuncidado. Esta
designação mantém-se desde o acto da cisão até à cicatrização completa do órgão. «No
dia da saída da Evamba, estes perfilam-se com um chicote de folhas de bananeira ou de
pele de gado na mão e vão dando chicotadas aos Tjindanda [tchindanda] que passam
entre as pernas dos mesmos» (HD, 19 de Abril de 2008).
- ukongo ^
(n. m. s)
Este vocábulo umbundu designa o caçador. Ou seja, um homem que, vive quase,
profissionalmente, da caça de animais selvagens ou homem que pratica a caça furtiva.
No geral, a carne resultante desta actividade, serve para o consumo próprio ou para a
venda. Pode designar também um tipo de dança na tradição dos Povos Ovimbundu. No
entanto, esta dança não teve um ambiente favorável à sua generalização, a razão do seu
desaparecimento nos ambientais culturais festivos e celebrativos dos Povos Ovimbundu:
«Os aldeões cantavam, dançavam, choravam ao mesmo tempo. E, para tão distinta
figura, a dança teve de ser diferente. Ali inventou-se a dança Ukongo, que veio mais
tarde ser também o nome da aldeia» (GP 1, p.56).
- ulonga ^
(n. m. s)
O nome umbundu designa o ritual tradicional de saudação dos hóspedes ou de quaisquer
viajantes que chegam de longe. Geralmente, quando alguém chega de viagem, seja ele
hóspede ou membro da família de casa, depois de pousar as suas malas ou mercadoria,
antes de tudo, narra, oralmente e, de modo detalhado, a sua viagem, enquanto os
encontrados o escutam com atenção. O conteúdo desta narração designa-se por ulonga.
É a partilha mais alargada e pormenorizada da viagem feita: «E ao notar que os
anfitriões nunca mais iniciavam o ulonga, como costuma iniciar a parte da mulher, que
é o lado inferior, os visitantes sujeitaram-se à humilhação e romperam o silêncio» (GP
1, p.54).
198
4.4. Neologismos derivados do fenómeno de umbundização
akovi As couves
Ekãlu O carro
elalandja A laranja
199
elami O arame
elimãu O limão
elivulu O livro
ematya/etumate O tomate
etandje A tangerina
okalapau O carapau
okalikatole O carregador
okambu O cabo
Okatana /otana A catana
Okavalu O cavalo
okombutatole O computador
olalyu O rádio
olapi O lápis
olata A lata
olonokolo Os óculos
olusu A luz
omanga A manga
omasa A massa
omatele A madre
ombakasisi O abacaxi
ombakate O abacate
ombalãu O avião
ombataliya A bateria
Ombatata # otchitina A batata
omboyo O comboio
ombulasya A bolacha
omeya A meia
omoto A moto
onanasi O ananás
200
ondiyelo O candeeiro
Ondjanelã A janela
ongato O gato
Opalata A prata
opatele O Padre
opela A pera
opeseku O pêssego
opikaleta A picareta
osapato O sapato
osapola A cebola
osikaleta A bicicleta
osikola A escola
osimolã A esmola
Osindu / uvya O cinto
osinõlã A cenoura
osipata A espada
otchikalasãu As calças
Otchimãmã O mamão (a papaia)
Otchimbulu O burro
otelemove O telemóvel
otembo O tempo
Owulu O ouro
uklistãu O cristão
201
unidades lexicais que ocorrem nos textos em análise, que são resultantes do processo de
aportuguesamento, cujo empréstimo não vem da Língua Umbundu. É o caso das línguas
Kimbundu, Kikongo, Ngangela, línguas angolanas bantu com uma certa influência de
interferência no Português de Angola. Neste ponto, trataremos, por isso, de seleccionar
e analisar as unidades lexicais que ocorrem nos corpora e que sejam relativamente
analisáveis quanto à sua origem. O Kimbundu, apesar de, aparentemente, só ter falantes
na zona norte de Angola, tem tido uma grande influência no Português em Angola.
- axiluanda ^
(n. m. e f. pl.)
A sua etimologia não é muito clara, pois o afixo prefixal axi- que antecede a base
nominal -luanda não traduz uma realidade concreta. No entanto, o seu conteúdo
semântico aponta, em Kimbundu, para a ideia de “nativo”, como pode ser atestado nas
expressões múkua’-xi ou mon’a xi (cf. Maia, 1994: 438), cuja tradução literal é filho de
X, isto é, natural de Y. Deste modo, axiluanda é a designação com que se denominam
os habitantes da ilha de Luanda ou os nativos da província de Luanda, apesar,
ultimamente, o vocábulo designar, restritivamente, os nativos e os habitantes da Ilha de
Luanda. O.m.q luandenses. «…mas hoje recebe o nome de Ilha de Luanda, seus
habitantes, são os axiluanda…» (DAngblog).
- Bassula **
(n. f. s.)
De acordo com os dicionaristas, etimologicamente, o vocábulo deve o seu étimo ao
Kimbundu, e provém da formal nominal kimbundu bassula que significa técnica
golpista de derrubamento do adversário. «são os axiluanda, povo com fortes tradições,
como a bassula» (DAngblog).
- bazar**
(f. v. i)
Etimologicamente, procede da forma verbal kimbundu ku baza que significa ir, ir-se
embora. O verbo bazar tem o mesmo significado. «Ok. Podem bazar. Tchau» (GPb).
202
- bessangana ^
(n. f. s)
O nome cuja etimologia não é muito transparente, na tradição dos ambundu, indica os
costumes que se cumprem em contextos festivos. «…os axiluanda, povo com fortes
tradições, como a bassula, a bessangana, grandes festejos para a Kianda que em
português pode ser traduzido como sereia…» (DAngblog).
efiko ^
(n. m. s)
O vocábulo efiko é um lexema da Língua Nhaneka. Procede do étimo nhaneka efiko. É o
nome que se dá ao conjunto de ritos e de cerimónias de iniciação cultural feminina à
vida social e adulta, que se realiza no ombelo (local típico para a iniciação feminina) na
tradição cultural dos Povos Nhaneka (cfr. DILP). «… em algumas regiões da Huila, a
igreja católica ter-se apropriado do ritual de efiko (ritual de iniciação feminino),
alegadamente para depurar aspectos vistos como desumanos…» (GPb).
- kalunga +
(n. m. s.)
Esta unidade lexical é um bantuismo de grande significado cultural, quer para os
Ambundu, quer para os Ovimbundu e para os Ngangela. Nas línguas bantu como
Umbundu, Kimbundu e Ngangela e noutras, este bantuismo é comum a todas elas e com
o mesmo significado o que levanta algum questionamento do ponto de vista
antropológico, histórico e sobretudo linguístico. Kalunga significa mar, morte
(Umbundu), Deus (Kimbundu e Ngangela). Portanto, é um vocábulo polissémico.
Kalunga ao mesmo tempo que significa mar, significa também morte (por exemplo em
Umbundu). Está ligado ainda à ideia de uma entidade divina. Por isso, kalunga está
também relacionado com o inferno, com o reino da morte eterna. Estas línguas mantêm
o significado dalgumas culturas orientais que ligam o mar à morte, às forças negativas e
ao mal: «Sim, mas tem que ficar atento, porque kianda não tem paciência, fica uns
segundos à tua frente, e se não vê sorriso, acha desprezo e volta no fundo do kalunga»
(GP 3, p.30).
203
- kamanga ^
(n. m. s.)
A unidade lexical kamanga é de origem duvidosa; significa garimpo, actividade ilegal
de extracção e comercialização de diamantes. Nalguns casos, designa o próprio
diamante: «Portanto, com a classe de kamanga, todo o cuidado era pouco» (G 3, p.24)
- kianda ^
(n. f. s)
Esta unidade lexical faz parte das tradições culturais dos Povos Kimbundu. Kianda é,
culturalmente, um vocábulo que integra a expressão mitológica destes povos. O.m.q
sereia: «Rei da Lunda jogou no alto mar quatro navios cheios de diamante para
conquistar kianda» (GP 3, p.29).
- kilapi ^
(n. m. s.)
O vocábulo kilapi faz parte daqueles vocábulos com uma etimologia caracterizada pela
opacidade. Pode ser considerado um africanismo. Contudo, esta unidade lexical
neológica, apesar de ainda não ser um vocábulo dicionarizado, a sua vulgarização é
muito alargada nos linguajares correntes dos angolanos. Ela designa a prática que, no
mundo da economia e de negócios se denomina de crédito ou empréstimo financeiro.
No entanto, tal como o empréstimo bancário, o kilapi compreende também o pagamento
de juros durante o tempo que o empréstimo durar: «o angolano não faz crédito, faz
kilapi» (DAngblog).
- kinguilas^
(n. m. e f. pl.)
Esta unidade lexical, como o neologismo kumbú, também apresenta uma origem opaca.
Não vem dicionarizado nem no DLPCACL, nem no DHLP e nem sequer no GDHLP.
Muito generalizado no uso corrente dos angolanos, designa pessoas de uma profissão
voltada para o negócio, que trabalham no mercado informal, encontradas, no geral, nas
praças públicas das ruas. A principal actividade desta profissão de sobrevivência
consiste nos actos transacionais do câmbio da moeda estrangeira, especialmente, o dólar
norte-americano. Entretanto, é também possível, entre eles, encontrar quem faça o
204
câmbio de outras moedas estrangeiras como, o euro, o rand namibiano e, muito
recentemente, o yen chinês: «Quem ganha com a escassez de dólares são as kinguilas»
(PAb, Quinta feira, 19 de Março de 2015).
- kumbú ^
(n. m. s)
A unidade lexical kumbú, de uso muito generalizado quer na oralidade quer na escrita,
embora faça mais parte do discurso da gíria, apesar da sua aparente transparência entre
os falantes do Português e das línguas locais angolanas, a determinação do seu étimo,
não é uma tarefa fácil. A opacidade que ela apresenta é agravada, sobretudo, pelo facto
de que, os principais dicionários que foram utilizados (o DLPCACL, o DHLP e o
GDHLP) não conhecem o neologismo. Não há, neles, nenhuma entrada desta unidade
lexical. Este silêncio não deixa de ser uma preocupação para um linguista lexicólogo e
lexicógrafo, uma vez que não se compreende que um vocábulo, supostamente muito
generalizado em Angola, tenha passado despercebido pelos dicionaristas. Aquilo que se
pode dizer, um aspecto evidenciado pela própria forma do vocábulo, é que ele não
encontra nas línguas bantu afro-angolanas o seu étimo, uma vez que, para designar a
realidade expressa por ele, o Umbundu usa olombongo, o Kimbundu usa kitadi, o
Kikongo usa ntadi. Portanto, não pode provir de nenhuma destas línguas. No entanto,
no seu uso corrente, significa dinheiro: «há mulher na casa, mas com kumbú na mão»
(GP 3, p.52).
- jisabu +
(n. m. s)
É um portuguesismo do Kimbundu. Na tradição cultural dos kimbundu significa adágio,
provérbio. A sabedoria africana está condensada em fórmulas mais ou menos fixas que
sintetizam um conjunto de ensinamentos para a vida. Por esta razão, muitas vezes, ela é
expressa por meio de provérbio ou adágio. Os jisabu são a designação, no Kimbundu,
destas expressões.
- jinongonongo **
(n. m. s)
Bantuismo de etimologia não muito evidente. No seu uso corrente, significa enigma.
Alguns lexicógrafos fazem-no derivar do vocábulo kimbundu nongongo que significa
205
‘adivinhas’. Neste sentido, o afixo em posição e função prefixal ji- funciona como
prefixo aumentativo qualitativo ou quantitativo. «A sexta e última categoria é formada
pelas adivinhas, chamadas ji-nongonongo. Têm como função principal exercitar o
pensamento e a memória» (DAngblog).
- muxima **
(n. f. s.)
Esta unidade lexical, já relativamente estabilizada, tem um uso assaz generalizado entre
os ambundu. É um kimbundismo que significa coração: «Omakamba ma Muxima»
(JCAL, 11 de Maio de 2015).
- xinguilar**
(f. v. i)
Do Kimbundu kuxingila (corresponde em Umbundu a okusingila) que significa estar
sob a influência das forças sobrenaturais manifesta na agitação emocional nervosa do
corpo; estar em possessão, entrar em êxtase: «Filho, depois deste banho, como você não
conseguiu xinguilar, duas horas de batuque, é esperar pente da kianda» (GP 3, p.29).
- zumbi**
(n. m. s)
Do Kimbundu nzumbi (otchilulu, seu correlativo em Umbundu) significa fantasma:
«zumbi, alma do outro mundo» (GP 1, p.89).
- zunga ^
(n. f. s)
- Zambi (Ngana) ^
(n. m. s)
A unidade lexical Zambi (cujo correlativo em Umbundu é Suku) aparece, geralmente,
em fraseologias combinadas com ngana em forma de interjeição. Ai, Ngana Zambi! (ai
206
Senhor Deus!) Zambi e ngana, em Kimbundu, significam Deus e senhor,
respectivamente: «Ngana Zambi num mi deu filho homem» (GP 3, p. 29).
Books Livros
Bulldozer Fanfarrão
207
Inputs Entradas
Esta observação dos dados tratados e analisados, pela sua própria índole, exigem
também uma outra análise muito mais ainda aprofundada, capaz de ilustrar o resultado
da observação e da verificação, ao longo do processo da individualização das novas
unidades lexicais, mostrando o comportamento do PE (Português Europeu) no contexto
do seu contacto com o PA (Português Angolano) na Zona Linguística Umbundu (ZLU).
Não obstante isso, no ponto que segue, tratar-se-á destes problemas e desafios
linguísticos, incindindo sobretudo na apresentação dos processos linguísticos neológicos
mais frequentes nos processos de formação de unidades lexicais.
208
4.8. Resultados da análise dos corpora textuais
O estudo dos corpora textuais deste trabalho, se por um lado teve o objectivo de
individualizar as unidades lexicais neológicas, por outro lado, pretendeu chegar a este
ponto da apresentação dos resultados da análise, sem o qual, o trabalho parecia
incompleto. O resultado da análise é sempre um trabalho de uma observação atenta dos
textos e das unidades lexicais estudadas. No decurso da análise, foram verificando-se
vários aspectos que merecem detalhes, no âmbito do processo da renovação lexical da
língua. Por isso, neste ponto, queremos, antes de tudo, centrarmo-nos nos processos de
formação das unidades lexicais decorrentes nos corpora estudados e analisados.
209
No entanto, em todas estas ocorrências manteve-se a mesma grafia.
Relativamente à interpretação deste fenómeno, existem dois argumentos. Este fenómeno
pode ser favorecido pelo esforço dos jornalistas, redactores e escritores em manter as
unidades lexicais de pendor lexicultural; este pode ser o caso dos antropólogos que,
geralmente, tentam ser mais conservadores das tradições e dos costumes, inclusive das
tradições linguísticas. Daí, a oscilação ou mesmo a resistência ao aportuguesamento das
novas unidades lexicais que entram no léxico do Português.
Já ficou dito no capítulo segundo que, na formação das novas unidades lexicais
do PE, um dos processos mais frequentes ou de grande produtividade é o processo
morfossintático da sufixação. De facto, a análise de unidades lexicais dos corpora
evidencia, de modo efectivo, esta constatação. Assim como acontece com os
estrangeirismos, novas unidades lexicais, do Português Europeu, tweetar, retweetar,
facebucar, blogar, digitalizar e com racializar, beijoqueirismo, obstacularização (as
quatro últimas unidades lexicais, cf. Alves, 2010: 152-153), link, ferry-boat, insight,
high-tec, light, background (Vilalva, 2008: 71), também a inovação lexical do PE no
contexto umbundu segue o mesmo processo.
210
neologismos, as unidades lexicais marcadas com um asterístico são do uso corrente na
gíria de jovens.
211
4.8.2.2. Sufixo –eiro
Este tipo de sufixo aparece na formação das novas unidades lexicais no processo
morfossintáctico de adjectivalização e, nalguns casos, de nominalização.
- cavaqueiro ^
(n. m. s)
- batuqueiros ^
(n. m. s)
Aparentemente, o seu étimo pode ser considerado batuque + -eiro (sufixo nominal).
Batuqueiros é, aqui, um neologismo semântico cuja formação segue o processo
morfossintáctico de nominalização denominal. Em vez de designar os tocadores de
batuques (significado mais comum), significa “os ladrões de viaturas”: «Segundo a
polícia, Lucky Philip Dube, de 43 anos, foi assassinado por supostos ladrões de carros,
ou “batuqueiros” como são conhecidos entre nós» (DAngblog).
- candongueira**
(n. f. s)
212
provável e o seu significado é menos próximo que aquele que o vocábulo tem no uso
corrente. Candongueiro (a), no contexto geral angolano, designa uma pessoa que se
dedica ao mundo dos negócios no mercado informal (vendedor de mercadorias nas
chamadas ‘praças’) e não necessariamente no mercado negro, como sugere o
DLPCACL. No entanto, amiúde, o vocábulo tem uma conotação negativa ou
depreciativa, pois, muitas vezes, designa comerciantes que vendem, perfidamente,
produtos num preço mais alto do que o preço praticado pelo mercado normal: «A
candongueira achou tentador o juro de quinhentos mil kwanzas para uma questão de
pouco menos de doze horas» (GP 3, p. 23). Contudo, o mesmo nome no masculino
também designa o meio de transporte para passageiros.
- motoqueiro**
(n. m. pl.)
A sua origem é controversa. Para alguns linguistas o vocábulo vem do francês motard,
motociclista (cf. DLPCACL), para outros ele vem de motoca, motociclista (cf.
GDHLP). No uso corrente, em Angola, esta unidade lexical, formada pelo processo
morfossintáctico de nominalização denominal, designa o agente policial regulador de
trânsito motorizado: «Para a Associação dos Motoqueiros, Amontrang, no Huambo, a
operação contribuiu para a afluência massiva dos motociclistas às escolas de formação
em todo território da província» (JO 9-14).
- quitandeira**
(n. f. s)
213
- requerimenteiro^
(adj.)
De requerimento (petição por escrito) + - eiro (sufixo). Neste caso, o sufixo -eiro, um
adjectivalizador (adjectivalização denominal), formaria um adjectivo. Assim, o
vocábulo designa o que é de natureza do requerimento: «Autorizar por despacho
requerimenteiro a ocupação do espaço frente aos bares» (JCP).
- sanzaleiro +
(adj.)
zungueiras**
(adj.)
- cabeçaquentismo ^
(n. m. s)
214
- kalupetekismo ^
(n. m. s)
O étimo desta nova unidade lexical é um antropónimo: Kalupeteka (aquele que enverga
alguma coisa) + -ismo (sufixo de nominalização (nominalização denominal),
designando doutrina ou ideologia). Kalupetekismo é uma designação jornalística dada à
“doutrina” religiosa de uma seita fundada pelo cidadão angolano José Julino
Kalupeteka. A explicação do vocábulo vem expresso no exemplo que segue: «Não nos
parece ser fácil definir o kalupetekismo expressão criada pelo economista Maurício
Munene. Ora fala-se em seita religiosa, ora em Igreja (a Luz do Mundo), havendo
ainda quem fale de movimento fundamentalista cristão. Ao que parece, as definições
não param por aqui, porém, limitamo-nos a estas por serem as mais conhecidas.Com
base em alguns dados que têm sido publicados, relativos à biografia de Julino
Kalupeteka, definimos o kalupetekismo como um movimento religioso saído da Igreja
Adventista do Sétimo Dia. Esta confissão religiosa, de onde saiu Julino Kalupeteka,
fundamenta a sua doutrina no Advento de Cristo e, alguns estudos feitos até ao presente
(cf. Os Jovens perguntam; Seitas e Heresias) apontam a datação do regresso de Cristo
como um dos elementos da doutrina adventista nos primeiros anos da sua existência»
(JCAL, 23 de Junho de 2015).
- rangelismo ^
(n. m. s)
Esta unidade lexical deve o seu étimo ao antropónimo Rangel (Dumilde). De Rangel +
-ismo (sufixo de nominalização, designando uma doutrina ou uma ideologia).
Rangelismo é uma unidade lexical da criatividade jornalística. Formado por um
processo morfossintáctico de nominalização denominal, designa uma “teoria” ou
“ideologia” de Dumilde Rangel, antigo governador da província de Benguela. A sua
definição é evidenciada no seguinte exemplo: «E o que significa o Rangelismo? Trata-
se de uma teoria que penaliza todos os funcionários que foram fiéis ao governo
liderado por Dumilde Rangel, e nega espaço no executivo de Armando da Cruz Neto,
que é liderado por ele, Agostinho Estêvão Felizardo» (JCP, Sexta-feira, 12 Fevereiro
2010).
215
4.8.2.4. Sufixo -mento
- xinguilamento**
(n. m. s)
- guetização ^
(n.m.f)
216
4.8.2.6. Outros casos de sufixação
Gentílicos Designação
Benguelenses (Benguela-, topónimo + - Natural ou habitante de Benguela
ense + -s) **
Camundongo**34 Natural de Luanda; o.m.q Kaluanda
Catetes^ Naturais ou habitantes de Catete - Bengo
Kaliapuenses (Kalyapu-+-ense-+-s) ^ Habitantes do município de Kalyapu
Kaluanda^ O.m.q Camundongo
Kamutangres O.m.q Benguelenses
Lobitangas^ Naturais do Lobito
Macocolenses (Macocola-+-ense-+-s) ^ Natural ou habitantes da comuna de
Macocola-Uíge
Magrebinos^ Os Povos do Magreb
Sumbense (Sumbe-+-ense) ^ Natural ou habitante do Sumbe
34
Apesar da confusão que existe entre os dicionaristas, com tendência de fazer derivar camundongo do
Umbundu kamundongo (tipo de rato) ou ainda do Kimbundu kamundongo, indíviduo civilizado, ou
citadino (cfr. GDHLP), o uso corrente do vocábulo consagra o significado de “aquele que é natural de
Luanda, o kalwanda”.
217
4.8.2.6.2. Outras formas
As unidades lexicais que seguem abaixo têm uma formação peculiar. A primeira,
formou-se a partir do acrónimo MPLA, acrescentando-se-lhe à base, os infixos -an-, -e-
e o sufixo modificador -s (do número). Deste modo, passou-se do acrónimo que designa
um movimento político, para um nome que designa os membros desta agremiação
política. «Por paternalismo, os manpelas passaram a tratar o voluntário pequenote por
Caçule» (GP 1, p.18).
218
- caraças: Encontra-se em expressões de coloquialidade com o sentido de “grande”:
«Olha que eu mando uma garganta do caraças!» (GP 1, p. 18); ou que não tem valor:
«já um ano tinha ido pro caraças» (GP 1, p.40).
- hortelã: Esta unidade lexical, aqui, funciona como neologismo semântico resultante da
ambiguidade semântica do vocábulo umbundu otchimbumba, no contexto dum falante
do Português como L2 que, em vez de traduzir o vocábulo otchimbumba por viúva,
traduziu-o por ‘hortelã’. De facto, em Umbundu, o vocábulo otchimbumba é
polissémico, tanto pode significar viúva, como pode denominar a ‘hortelã’ (planta
herbácea da família das labiadas, muito odorífera que se utiliza na gastronomia). Em
situação discursiva, na Língua Umbundu, só o contexto de ocorrência pode indicar o
verdadeiro significado semântico desta unidade lexical. «A minha mãe é hortelã» (GP 2,
p. 14). Na verdade, este exemplo é um pseudo-neologismo.
219
- maremoto político: No contexto de ocorrência é uma metáfora. Neste sentido, indica a
agitação política da situação angolana comparada com a agitação violenta das águas do
mar: «Angola está no meio de um maremoto político, com a fome e a miséria
galopantemente a tomarem posições muito sérias no solo angolano» (JCP, 29 de abril
de 2007).
- povo: Unidade lexical cujo sentido peculiar ocorre em contexto textual, significando
“gente de classe baixa”. Ocorre como neologismo semântico. «Uáá virou povo!...»:
(JCP, 12 de Fevereiro de 2010).
220
4.8.5. Formas onomatopaicas e interjeições
Como já ficou referido, uma das formas da inovação lexical das línguas é
mediante o siglário e abreviaturas. A lista dos acrónimos e siglas em baixo resulta da
selecção e recolha de alguns acrónimos e siglas que ocorrem nos corpora textuais.
Foram excluídos, à partida, os acrónimos e as siglas já muito consagrados pelo uso
corrente dos falantes angolanos ou estrangeiros.
221
Tabela 16: Lista de algumas siglas e de acrónimos
222
Zip Zona de Intervenção Pedagógica
Angonet Internet de Angola
Angop Angola Press
Amotrang Associação dos Motoqueiros
Transportadores de Angola
223
Todavia, a própria língua também age com cuidado para não perder a sua
própria originalidade, ou seja, os seus aspectos característicos fundamentais
idiossincráticos. Neste sentido, a língua é um «organismo vivo» mais aberto à novidade
e ao diferente, e, concomitantemente, mais conservador. É esta característica da língua
que permite falar em «palavras possíveis, existentes e atestadas» (Vilalva, 2008:29).
224
morfológicos sofre alterações semânticas ou formais ou é desconhecido para os
falantes» (Vilalva, 2008: 30).
225
- Acronímia, que, como o truncamento, consiste também no processo da redução, mas
formando uma unidade lexical que se realiza foneticamente como um contínuo sonoro,
resultante da selecção dos grafemas iniciais de cada vocábulo: AJAPRAZ (Associação
dos Jovens Angolanos Provenientes da Zâmbia), IESA (Igreja Evangélica Sinodal em
Angola),
226
Chama atenção de qualquer linguista atento a este fenómeno, o facto de que,
para os nomes dos meses, o Umbundu assumiu a terminologia própria. Ou seja, apesar
de acompanhar o denominado calendário gregoriano (ocidental) não integrou no seu
sistema os umbundismos, mas procede do seu próprio jeito, para a denominação dos
meses do ano civil, recorrendo à dimensão cultural da observação dos acontecimentos e
dos fenómenos naturais quotidianos.
227
profundidade (elombo).
Abril Kupupu: vem do étimo verbal umbundu
okupupula que significa malhar, debulhar.
É o mês do debulho do feijão
amadurecido e colhido durante o mês do
elombo.
Maio Kupemba: procede do étimo verbal
umbundu okupemba que significa soar,
expelir para fora o muco formado pela
acção da gripe ou da constipação. É o
terceiro e o último mês das “águas vivas”.
É o mês de transição do tempo chuvoso
para o cacimbo, época fria. Por isso, é o
mês do início das constipações, que
desencadeiam o acto de okupemba.
Junho Kavambi: é o mês do frio. Contudo, como
é o mês em que o frio começa, este ainda
não é tão intenso. Daí, a denominação Ka-
vambi, isto é, frio ‘miúdo’ (diminutivo de
ombambi, frio)
Julho Evambi linene: mês de muito frio.
Literalmente, é o mês de grande frio, com
atestação de ocorrência de geada nas
manhãs.
Agosto Kanhenhe: literalmente, significa pequena
seca, pequena estiagem. Há falta de água
neste mês, pois já não chove desde o mês
de Kupemba (Maio).
Setembro Nhenhe-vava ou Nhenhe: literalmente,
significa estiagem de água (apesar de ser
um pleonasmo). O mês em que há sinais
da iminência do tempo chuvoso,
manifestos em chuviscos que, por sua vez,
originam um grande calor o que torna os
campos e as fontanelas ainda mais secos.
Outubro Mbala Vipembe: procedente de dois
étimos: mbala, do étimo verbal okuvala
que significa, demarcar, delimitar, marcar
fronteira; e vipembe, do étimo nominal
ovipembe que significa campos baldios,
florestas, planícies. Outubro é o mês da
decruagem dos terrenos para o lançamento
das sementeiras.
Novembro Kuvala Kwapupulu: etimologicamente,
provém de okuvala, isto é, doer, e de
228
epupulu, inflamação originada pela picada
do mosquito, abelha, etc. Literalmente,
significa a dor da inflamação da picadela
de insectos (mosquitos…). É o mês de
muita humidade, por causa das chuvas e,
por conseguinte, o mês de muito
mosquito.
Dezembro Tchemba-Nhima, literalmente, significa
voltado para trás. Etimologicamente,
procede do étimo verbal okwimba, lançar
e onhima, as costas, as traseiras. Trata-se
do mês em que se vê retardado todo o
esforço feito nos meses de decruagem,
pois as fortes chuvas que fazem brotar a
erva dos campos, parecem tolher as
sementeiras. Daí, o sentimento de
retrocesso e de aparente perda.
229
Olhando para este quadro da denominação hebdomadária, constatam-se dois
problemas linguísticos que, vistos sob o ângulo do processo de inovação lexical da
língua (neste caso, do Umbundu), suscita outros problemas de natureza histórico-
cultural. O que se verifica é que, o Umbundu tem designação própria para os dias
segunda-feira, terça-feira, quarta-feira e (quinta-feira?) servindo-se de numerais ordinais
empregados também no Português. Porém, nos dias domingo, sexta e sábado teve de
fazer o recurso ao processo de umbundização. Por outro lado, nos dias segunda-feira e
quinta-feira, além de ter a forma própria, a comunidade dos falantes recorre ainda à
umbundização de vocábulos do Português.
Como se pode entender que, para um povo tão antigo com a sua língua
igualmente antiga, não tenha denominações hebdomadárias consuetudinais, à
semelhança do que se passa com as denominações dos meses do ano? Do ponto de vista
da lexicultura, o que de novo trouxe o Português no contexto cultural dos Povos
Ovimbundu relativamente aos aspectos da noção do tempo? A noção de tempo, na sua
asserção hebdomadária, é uma realidade da presença portuguesa nas comunidades dos
Ovimbundu?
230
4.8.8. Alguns fenómenos fonético-fonológicos observáveis no processo
Como tem sido observado neste trabalho, a adaptação das unidades lexicais
duma língua à outra, mediante o empréstimo, ou seja, o processo linguístico do
aportuguesamento, formando portuguesismos, realiza-se, não somente com processos
linguísticos morfológicos e não-morfológicos, mas também através de fenómenos
linguísticos fonéticos. O PE, ao assumir uma unidade lexical de uma língua bantu,
necessita de a ‘legitimar’ dentro do seu repertório lexical. Para tal, ele precisa de fazer
alguns ‘ajustamentos’ da nova unidade lexical, para não parecer estranha ao sistema
linguístico. Por isso, por exemplo, na Zona Linguística Umbundu, o PE tem tomado
vários comportamentos de ajustamento. As medidas de ‘ajustamento’ mais frequentes
são:
- A primeira medida que tem sido tomada, neste sentido, é ajustar ao sistema linguístico
os grafemas não existentes no ordenamento alfabético do PE. Por isso, o K que é muito
comum na Língua Umbundu e aparece como grafema idiossincrático da língua, passa
para C quer no início ou no interior do vocábulo, já que ele nunca está realizado no fim
do vocábulo, ou passa para -q-, sobretudo quando ocorre em posição interior e for
seguido, na sequência fónica, por um grafema vocálico -e-, -i-. Exemplo: Kalukembe
(topónimo) Caluquembe; Kakelewa (topónimo) Caquereua; Kimbo, quimbo; Kakonda
(topónimo) Caconda, etc.
- Outra medida é a transformação ou mudança do [v] para [b]. Por exemplo, Viye
(topónimo) Bié; Ovitakaya, bitacaias. Há aqui alguma excepção do portuguesismo
“soba” cujo étimo é soma. O que significa que, o fonema [m] passou para [b]. As razões
fonéticas desta mudança não são claras, uma vez que, o alfabeto do PE tem o grafema
/m/.
231
Otchikala Tcholohanga, topónimo que significa, o campo das avestruzes); Chinguar (de
O-Tchingwali, topónimo que significa o perdigão).
- Os dígrafos /ndj/, /mb/, que passam para /j/ [ʒ] e /b/ [b]: onjango ou jango (de
ondjango); Chinjenje (de O-Tchindjendji, topónimo); Canjaia (do antropónimo
Kandjaya, que significa pequeno azar); Bailundo (do topónimo Ombalundu); Balombo
(do topónimo O- Mbalombo). Entretanto, o dígrafo -nh- mantém a mesma posição:
Nhara (do étimo umbundu enhãlã), designação das zonas tropicais com planícies;
Nharea, topónimo (do étimo verbal umbundu Okunhalehã).
Um primeiro caso mais paradigmático que tem vindo a chamar a nossa atenção é
a formação lexical do topónimo Ndombe-Grande que é designação duma das vilas da
província de Benguela. Este topónimo, no contexto angolano, é uma unidade lexical
praticamente estabilizada. No entanto, tem uma formação estranha que passa
despercebida à comunidade dos falantes. A unidade lexical é um composto (composição
232
justaposta). É difícil explicar que dois vocábulos que se podem realizar e ocorrer
autonomamente, vindos de sistemas linguísticos diferentes, se juntem e formem um
onomástico. Pois que Ndombe é um nome do étimo umbundu, ondombe, o bagre.
Alambamento +
(n. m. s.)
Vocábulo de origem ainda obscura, pois supostamente teria sido formado pelo processo
gramatical de sufixação alamba- + -mento (sufixo nominalizador). Todavia, não se
conhece a origem da base ‘alamba (ou alemba) ‘. Contudo, no contexto geral das
culturas e das tradições mais recentes de Angola, a unidade lexical goza de uma grande
influência. Funciona como um angolanismo/bantuismo. Designa o ritual matrimonial
em que o jovem pretendente oficializa junto da família da sua futura esposa e da sua
própria família, a sua relação de namoro. Corresponde ao vocábulo umbundu
‘okutambela’: «Sim. Fazer pedido, alambamento, essas coisas com a tua família» (GP 3,
p.112). A complexidade aumenta quando se nota que, não só não se conhece o étimo
nominal de alambamento, como também a forma verbal de onde teria derivado não é
usual em Angola. Não existe, legitimada, a forma alambar* como verbo. Estas
dificuldades tornam complexa a análise desta nova unidade lexical.
233
Cuiar ^
Esta unidade lexical, apesar da sua não dicionarização, é muito comum na gíria
angolana. Aparece utilizada pela comunidade dos falantes significando “ser bom”,
“aprazer”, “estar saboroso”: «Se era salgado, se era amargo, ou se mesmo cuiava, primo
Ndulu ainda não sabia» (GP 2, p. 15).
Apesar da sua generalização em ambientes coloquiais angolanos, não é fácil encontrar o
seu étimo, pois, diversamente do que se passa com a unidade lexical “alambamento” em
que temos a forma nominal sem possibilidades de fazer uma derivação sufixal
regressiva para a obtenção da forma verbal (alambar-*), a unidade lexical “cuiava”
(pretérito imperfeito do indicativo do verbo da primeira conjugação ‘cuiar’) não
apresenta, de modo transparente, a sua base derivacional. Suposta e logicamente viria de
“cuia”. Todavia, embora atestada a forma nominal (cfr. GDHLP e DLPCACL) a ideia
semântica de “cuia” nada tem a ver com o significado da forma verbal, igualmente
atestada nestes ambientes coloquiais angolanos.
Convém observar que o comportamento linguístico de “cuiar” é extensivo a
várias novas unidades lexicais da gíria, atestadas na língua corrente oral e escrita, pelo
menos numa das suas formas nominal ou verbal. São disto exemplos as unidades
lexicais desmatar (lavrar, tirar o carácter de mato a um campo, trabalhar um mato),
maiar (não dar conta do recado, distrair-se), paiar (vender alguma coisa ou alguém),
pelar (jogar, geralmente, futebol), salar (trabalhar de modo empenhado), sapar (estar
em grande velocidade de automóvel, fazer ultrapassagem, para os automobilistas), tarla
(simplório, indolente), yula (oportunidade de se conseguir alguma coisa sem esforço
pessoal, roubo, aquisição ilícita de um bem que não nos pertence, oportunidade de
negócio fácil, mas com maior rendimento).
234
Chitembo ^.
235
Neste sentido, um dos grandes desafios dos jornalistas, redactores, escritores
ovimbundu do Português é a grafia do empréstimo, uma vez que, o Umbundu e o
Português não têm todos os grafemas em comum, como por exemplo o k, q, r, w, y, x, z,
- embora no Português contemporâneo existam no alfabeto português os grafemas k, w e
y.
236
situação de contacto com as línguas afro-angolanas bantu. O exemplo mais chocante é o
antropónimo umbundu “Sukwakwetche” (de Suku, Deus + akwetche, que te entregue,
isto é, que Deus te entregue verdadeiramente a nós, que nos sejas um presente de Deus).
Aportuguesado passa a “*Sucuacueche”. Esta forma aportuguesada ofusca por
completo, a leitura do antropónimo na língua de chegada, mas com maior incidência na
língua de origem. Por conseguinte, fica completamente perdida a sua etimologia.
237
tribo do Centro-Sul de Angola ou ainda pessoas de cor negra). Este é, sem dúvida, um
impasse linguístico que precisa de ser discutido e aprofundado.
238
CAPÍTULO QUINTO
O tema que temos vindo a tratar é o da neologia. Enquanto nova área da ciência
linguística, a neologia constitui uma das facetas de grande proficuidade para a
linguística em virtude de ser o processo da revitalização das línguas naturais. É-o
também pelo facto de que ela tem a função de alimentar o léxico de uma língua, pois
como já ficou referido nos capítulos anteriores, para muitos linguistas, todas as unidades
lexicais de uma língua natural, no seu início foram neologismos.
«dos estudos relacionados com o léxico (LEIRIA, 2006; LINO et alii, 2007;
LINO et alii, 2010; ALVES, 2007, 2010; PINTO, 2012, entre outros) emerge o
papel relevante que este assume na construção da gramática interna do falante de
qualquer língua natural, pelo que consideramos de toda a pertinência
debruçarmo-nos sobre a aplicação de conceitos do domínio da lexicologia no
ensino e aprendizagem do português. Desta forma, importa averiguar a
transposição desses conceitos para a área didático-pedagógica, problematizá-los
à luz das orientações curriculares, incluindo a Terminologia Linguística para os
Ensinos Básico e Secundário, com especial enfoque nas alterações mais
recentemente introduzidas (2008) através do Dicionário Terminológico para
consulta em linha» (Bertinetti, 2013: 1730).
Esta observação veio reforçar a atenção para aquilo que tem sido o nosso enfoque neste
trabalho.
239
Os estudos da neologia, em Angola, são muito recentes. Surgem com alguma
visibilidade nestas primeiras décadas do século XXI. A descoberta desta área por parte
dos jovens linguistas angolanos foi à mercê do contacto com as áreas da Linguística
aplicada em grande ascensão nos últimos anos, nomeadamente, da Lexicologia, da
Lexicografia e da Terminologia. A imersão no conhecimento das áreas deu viabilidade à
descoberta não somente do dinamismo das línguas, mas também das possibilidades que
oferece ao estudo das línguas nas variadas componentes.
Foi esta a razão fundamental que nos levou a enveredar pelo estudo da neologia
aplicada à didáctica neste capítulo. Com ele, pretende-se dar um contributo ao estudo da
neologia mais voltado para a consciencialização dos estudantes angolanos para a
importância do conhecimento desta área e da sua aprendizagem para o desenvolvimento
do conhecimento linguístico explícito no domínio do léxico, particularmente da
neologia. No entanto, queremos esclarecer, a priori, que este capítulo visa exclusiva e
essencialmente, a construção de uma proposta do ensino/aprendizagem da neologia.
Não é de todo um trabalho sobre a didáctica da língua. Por isso, julgou-se não ser
necessário um estudo de campo. A proposta deste trabalho é produto do trabalho com os
corpora textuais formados a partir dos manuais de Língua Portuguesa em uso em
240
Angola no Ensino Primário e no Primeiro Ciclo do Ensino Secundário vigentes em
Angola. A proposta foi possível graças à utilização, nos corpora textuais, dos métodos
como a observação e análise dos textos sob o ângulo lexical que permitiram a
verificação das novas unidades lexicais e dos arquilexemas e a sua evolução nos
manuais.
241
A incapacidade de resposta do então sistema em vigência era devida à
impotência da rede escolar poder abranger mais alunos. Para minimizar os efeitos deste
desafio no sistema, foram feitas algumas pequenas reformas, nomeadamente, o
alargamento das turmas e dos horários. No entanto, estas medidas não eram suficientes
para fazer frente ao grande problema da inserção da população em idade estudantil no
país.
242
«desenvolver um instrumento de comunicação e expressão oral e escrita, que
permita uma integração social e uma participação consciente no processo de
desenvolvimento do país; permitir uma compreensão do conteúdo das outras
disciplinas, que exigem do aluno um domínio cada vez mais alargado do
vocabulário; desenvolver o gosto pela leitura e permitir o acesso a obras
literárias que poderão desenvolver a sensibilidade e criatividade dos alunos; usar
correctamente a Língua Portuguesa para comunicar de forma adequada e para
estruturar o pensamento próprio» (Cabral 2013:13).
243
quando se trata de assuntos mais complexos, o processo de aprendizagem é mediado por
educadores ou professores. Neste sentido, aprender é conhecer; é conhecer o mundo que
nos rodeia; é penetrar na realidade do mundo real. Esta característica torna o processo
de aprendizagem um acto complexo, porque pressupõe vários outros factores.
Por isso, para Lamas o processo geral da aprendizagem situa-se num quadro
operacional dinamizador quadripartido: o processo de aprendizagem é constituído por
um momento de percepção, de compreensão, de assimilação e de praxis (2000: 33).
Estes factores, apesar de metodologicamente ocorrerem em momentos diferentes,
formam um todo do processo de aprendizagem.
Pode dizer-se que a didáctica é a ciência que estabelece princípios e métodos que
viabilizam o processo ensino/aprendizagem e que facilitam a predisposição dos
244
ambientes educativos para que os aprendentes consigam aproveitar, dentro das suas
possibilidades cognitivas. Nesta relação ensino/aprendizagem, aprendente/professor-
educador, a didáctica desempenha um papel pertinente «na medida em que só através
dela o ensino resulta mais eficiente, servindo, desse modo e ao mesmo tempo, aluno e
sociedade – as duas realidades que nela e por ela se confrontam» (Lamas 2000: 126).
Por esta razão, a didáctica pode ser definida como a ciência que estuda os modos, os
meios, as formas e a sua interacção no diálogo aprendente/professor-educador ou na
relação ensino/aprendizagem.
245
posicionamento diante de si mesmo, da realidade que o cerca e do mundo. Estamos
diante da realidade da comunicação.
246
por meio das quais os membros de uma comunidade linguística comunicam entre si»
(Vilela, 1995: 13). Em suma, para o autor, o léxico é a representação do que ele designa
por «codificação do saber partilhado (=shared knowledge)” (1995: 13).
No entanto, o léxico de uma língua também tem sido ainda definido através de
outras polissemias: pode designar virtualmente, um conjunto aberto de unidades lexicais
pertencentes a um sistema de uma determinada língua natural; embora se distinga do
vocabulário, algumas vezes parece confundir-se com ele; muitas vezes, o léxico é
tomado como sinónimo de vocabulário. Contudo, eles distinguem-se claramente, pois
enquanto para o léxico as unidades lexicais são os lexemas, os vocábulos estão
realizam-se em discurso. Em outras palavras, assim como os lexemas estão para o
léxico, assim os vocábulos estão para o vocabulário.
247
Linguística, o predomínio de modelo fonológico tinha atingido o seu nível mais
elevado. Via-se na fonética e na fonologia a parte mais importante das línguas naturais.
Esta visão linguística viria a alterar-se com o impulso dado por Chomsky no âmbito do
seu contributo à Gramática Generativa em que nasceu o modelo das designadas
gramáticas transformacionais (cfr. Marques 1995).
248
Robert Galisson (1991) em De la langue à la culture par les mots é defende que
é necessário
Aqui, o autor destaca também que durante muitos anos, considerou-se apenas a
fonética, a morfologia e a sintaxe como pontos de entrada nas línguas naturais. Ele
contesta esta visão. Para Galisson as unidades lexicais (les mots) são factores no
processo de aquisição de qualquer conhecimento. Deste modo, o autor argumenta
sublinhando que «les mots sont des facteurs premiers dans l’acquisition de la maîtrise
d’une langue… et d’une culture ; - que rien d’essentiel ne peut être fait sans eux, aussi
bien aux niveaux de l’information que de la communication, du culturel que du
cultivés» (1991 :3).
249
componente da gramática acontece de acordo com o grau de desenvolvimento do léxico
que o sujeito falante possui.
250
léxico já começa a ocupar o seu lugar. As propostas do seu ensino são uma
demonstração de que, não são somente os linguistas que reconhecem a pertinência de
educar os alunos (tratando-se de ambientes académicos), como até os próprios governos
dos países, representados pelos seus ministérios de educação, sabem a importância do
ensino do léxico nas instituições escolares. Em segundo lugar, depreende-se o
nascimento e expansão dum novo paradigma epistemológico linguístico que, durante
vários anos não foi reconhecido e nem foi estimulado pelo padrão linguístico clássico
como paradigma operativo e necessário para o aumento da consciência linguística nos
alunos ou nos aprendentes das línguas naturais.
Na verdade, nos nossos dias, esta consciência parece ser irreversível, sobretudo
se se compreender que «o léxico desempenha um papel essencial na comunicação de
qualquer indivíduo. Assim sendo, na época das literacias de comunicação, de
informação, digital, é inevitável que os usos vocabulares espelhem o dinamismo que
lhes é inerente e que se vivencia à entrada do século XXI; ora substituindo, ora
rejeitando, umas vezes acrescentando, outras adaptando e até criando» (Alves, Lino,
Teixeira 2013: 1692).
Hoje, este processo está facilitado com a criação pelos linguistas de dicionários
especializados para o efeito, os chamados dicionários académicos e dicionários
escolares. Estes, ao mesmo tempo que são ferramentas são também instrumentos de
trabalho numa aula de ensino do léxico.
Hoje, o ensino do léxico é uma exigência intrínseca do processo
ensino/aprendizagem das línguas.
251
social. Este processo tem o início já desde o seio materno onde o novo ser interage com
a sua progenitora e estende-se pela vida inteira do indivíduo.
35
Para a compreensão da origem da noção terminológica da expressão «competência comunicativa»
pode-se ler Dell H. HYMES (1984), Vers la compétence de communication, Hatier-Paris: Credif.
252
língua na socialização do indíviduo (Bronkart 1977, 1980: 59-72). As descobertas das
abordagens multiculturais e plurilingues iniciadas no mundo anglo-saxónico (Bertinetti
e Osório 2015: 11) são uma exigência do processo de socialização num mundo marcado
pelo novo paradigma das sociedades modernas, a poderosa e tão generalizada
Globalização.
O ritmo impresso por este novo paradigma tornou o mundo mais célere nas
relações. Por conseguinte, as competências linguísticas são cada vez mais uma
necessidade, pois o novo mundo é um mundo da informação e da comunicabilidade.
Saber falar tornou-se, no mundo globalizado, uma bandeira para uma relação
transfronteiriça no domínio da economia, das relações políticas e comerciais bilaterais,
da cultura e até mesmo do ensino.
Em tudo isto, a competência lexical é fundamental e desempenha uma função
particular na construção do homem aberto ao mundo global. Sem ela, não é possível a
competência comunicativa.
As palavras que formam o léxico de uma língua, se não todas, pelo menos a
maioria delas, sobretudo aquelas que pertencem às classes gramaticais abertas,
resultaram de processos neológicos. Por esta razão considera-se, como já se viu nos
capítulos anteriores, a neologia como processo de enriquecimento do léxico de uma
língua. Se é esta a condição da neologia, então o seu estudo é uma necessidade e uma
urgência por parte dos linguistas. A compreensão que se tiver do léxico dependerá da
compreensão resultante do fenómeno da neologia e do seu produto. Parece ousado
tomar por objecto de estudo o ensino do léxico e ainda mais da neologia numa altura em
que a problemática do ensino do léxico, ainda continua a ser esquecida.
253
No entanto, num mundo de tantas mutações sociais e grandes transformações,
negar a neologia é negar o léxico e negar o léxico é negar a própria língua. Se esta
afirmação se afigurar razoável, então o estudo da neologia é legítimo e necessário e, por
conseguinte, como área de investigação, afigura-se necessário o seu ensino.
De acordo com este pressuposto, o conhecimento linguístico que acaba por ter
uma grande relação com a literacia tem, por finalidade, desenvolver mecanismos de
tratamento de textos (sua identificação, compreensão, manipulação do vocabulário,
identificação das novas unidades lexicais, a exploração dos seus vários sentidos, etc).
Por isso, para Duarte a consciência linguística «envolve (algum) controlo cognitivo do
sujeito sobre a forma dos seus enunciados o qual se concretiza na capacidade de: (i)
selecionar os itens lexicais, as formas e as estruturas mais apropriadas ao que pretende
exprimir; (ii) avaliar alternativas e (iii) adequar o estilo ao contexto e ao objectivo»
(2010: 12). A consciência linguística funciona assim como resultante do funcionamento
de cada uma das suas tipologias: consciência fonológica e morfológica, sintáctica e
lexical, semântica e pragmática.
254
comunidade linguística. Em outras palavras, a consciência linguística articula-se com a
competência linguística, e, por sua vez, esta conduz à competência comunicativa
(Galisson, 1980) que é expressão de uma maturidade linguística que permite ao aluno
ou ao aprendente manipular a língua, trabalhá-la e até divertir-se com ela.
255
estudo e o ensino da neologia é uma tarefa que a Linguística moderna não pode
prescindir. Neste processo, tem grande responsabilidade a actividade para a feitura de
dicionários gerais e académicos ou escolares actualizados, o trabalho de um estudo
permanente de localização de neologismos que sejam a base do trabalho didáctico numa
aula de neologia. A criação destas condições viabiliza o trabalho do docente na
leccionação da neologia.
256
A neologia sendo parte importante do estudo das línguas reclama por um estudo
sistemático e por uma didactização em meios académicos. O neologismo sendo uma
unidade lexical nova na língua inscreve-se num conjunto de normas e estratégias
linguísticas de cada língua natural. Por isso, todo o neologismo pode ser uma base
importante de aprendizagem das problemáticas linguísticas que têm o léxico como base
sobre o qual delineiam os seus pressupostos teóricos e base material de reflexão e de
labor heurístico.
Antes de tudo, informa-se que o corpus que vai agora ser objecto de observação
é constituído exclusivamente por manuais de Língua Portuguesa do Ensino Primário ao
Primeiro Ciclo do Ensino Secundário de estudos vigentes, actualmente, na República de
Angola. Deles constam: os manuais da 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª (1º Ciclo do Ensino Primário), 7ª
e 9ª classes (1º Ciclo do Ensino Secundário).
Por razões metodológicas foram excluídas, desde o início, o manual da 1ª
Classe, por ser um manual bastante elementar e o manual da 8ª Classe, cuja natureza
dos seus conteúdos lexicais, à partida, não satisfazem o nosso objectivo.
257
SEXclas (textos da 6ª classe); SETIclas (textos da 7ª classe) e NOVIclas (textos da 9ª
classe).
A análise destes corpora foi possível com a ajuda do hipertexto Hyperbase,
utilizando as variadíssimas funções que oferece para a análise dos corpora textuais.
258
3862 para o QUINclas, 7790 para SEXclas, 7617 para o SETIclas e, finalmente, 11106
para o corpus NOVIclas.
259
Ilustração 21: hierarquização de frequências
260
Ilustração 22: SEGclas
261
Ilustração 24: QUAclas
262
Ilustração 26: SEXclas
263
Ilustração 28: NOVIclas
264
Ilustração 29: Observação da riqueza lexical e dos hápax nos corpora
265
Ilustração 31: Desníveis comparados do número total de unidades lexicais por cada corpus
Ilustração 32: Desníveis comparados do número total de unidades lexicais por cada corpus
266
Ilustração 33: Desníveis comparados do número total de unidades lexicais por cada corpus
5.3.2.6. As concordâncias
267
Ilustração 34: Observação das ocorrências do neologismo fonológico “Sô”
268
5.3.2.7. Contextos de ocorrências e de coocorrências
269
Ilustração 37: Contextos das ocorrências do neologismo formal “quimbos”
270
5.3.2.8. Ocorrências de novas unidades lexicais nos corpora
271
Ilustração 40: Observação da ocorrência da nova unidade lexical “Maka”
272
O esquema que em baixo se apresenta é um procedimento que nos permite
verificar a evolução do léxico numa ordem alfabética (Progressão de frequências das
formas e regressão das frequências das formas não lematizadas).
Este método permitiu uma abordagem não aleatória, mas precisa, objectiva e
muito direcionada na observação, selecção e recolha das unidades lexicais pretendidas.
Deste modo, se o objectivo dos manuais é, além, naturalmente, dos outros, desenvolver
a consciência e competências linguísticas por meio do aumento do acervo lexical no
armazenamento mental dos alunos, então é suposto e é deduzível que o vocabulário que
apresentam no final de cada texto obedeça a um critério que pretenda desenvolver nos
alunos a competência lexical através do desenvolvimento da consciência lexical. Esta
tem como objecto o progressivo aumento do enriquecimento lexical com grande
expressão não somente no contexto escolar, mas também no quotidiano
comunicacional. A seguir, são apresentados os gráficos vocabulares comparativos da
evolução do vocabulário dos textos nos manuais.
273
Gráficos 3: Gráfico de lexemas seleccionados e registados
274
5.3.4. Resultados da verificação e de análise dos textos
3ª Classe 90 72 90 / 72
5ª Classe 64 88 64 / 88
275
5.3.5. Ensino do léxico e da neologia em Angola: a evidência dos
manuais em análise
276
Lexicologia, apresentando a sua definição e definindo, ao mesmo tempo, o que é o
«léxico geral» e «léxico individual», «neologismo» e «estrangeirismo», «arcaísmo» e
outros processos neológicos. No entanto, esta lição funciona como apêndice, não tem
relação com o conjunto dos textos dos manuais.
O contexto social angolano é marcado por uma história que, mais do que ajudar
a construção de um sistema educativo eficiente e proficiente, lança grandes desafios ao
processo educacional em curso. Um destes factores é a guerra que, em décadas de
persistência, “descentralizou” em sentido negativo várias famílias angolanas. A
desestabilização das redes familiares deu origem a deslocações das identidades
culturais. Se, como temos vindo a afirmar, a cultura exprime-se no léxico e o léxico, por
sua vez, veicula a cultura num movimento binómico de indissociabilidade entre os dois
elementos (Zarate 1995; Bertinetti e Osório 2015), então as deslocações culturais
originadas por um processo progressivo forçado duma ‘desestruturação mecânica’ não
só são nocivas ao próprio progresso social, mas também impeditivas do processo de
desenvolvimento ao nível da escola.
Este argumento que acabámos de expor fundamenta-se num outro que quiçá seja
o mais importante e o mais problemático. Trata-se da realidade angolana do
277
multiculturalismo e do respectivo plurilinguismo ou bilinguismo. Estas problemáticas já
foram objecto de exploração no primeiro capítulo, onde foram abordadas questões
relacionadas com a situação linguística de Angola. O multiculturalismo ao mesmo
tempo que significa, e, é sem dúvida, uma grande riqueza nacional é também um grande
desafio na definição das políticas linguísticas do país.
Sabe-se que as duas realidades existem no país. Não é menos verdade afirmar-se
que, ainda hoje, em muitos meios sociais o aluno vai à escola para começar a aprender e
falar Português. Nem é menos verdade que muitos angolanos já nascem a falar
Português. No entanto, é verdade que a maioria dos angolanos nascida em meios que
utilizam o Português como L1 não sabe as línguas nacionais. Portanto, embora vivam
num país multilingue estes angolanos não vivem, na prática, o bilinguismo. Deste
modo, esta situação cria uma ‘terceira sociedade’ em Angola. Feita a análise
278
sociolinguística, temos: um grupo social com domínio da sua língua local e detentor do
Português como L2; o segundo grupo social constituído por angolanos que têm o
Português como L1 e que embora não tenha grande consciência e competência
linguística da língua local tem dela pelo menos um conhecimento elementar; por fim,
um grupo social que, em virtude de ter nascido em meio que não favoreceu a aquisição
do conhecimento linguístico elementar da sua língua local, não sabe a língua da sua
zona ou da sua tribo. E, por esta razão, na comunicação hebdomadária utiliza somente o
Português.
279
O que se disse até aqui diz respeito ao sujeito destinatário do processo do
ensino/aprendizagem. O aluno deste tipo vive situações e circunstâncias que não podem
ser olvidadas pelos linguistas muito menos pela autoridade que superintende a educação
de qualquer país. No entanto, outro repto que impõe restrições ou estorva o processo
ensino/aprendizagem em Angola é a condição do professor. Os reptos mencionados em
cima encontram uma grande implicação na actividade didáctica do docente.
280
labor acrescido à actividade da docência do professor. Contudo, ele é uma exigência da
índole própria do seu labor.
Por isso, levanta-se uma questão: que modelo educativo do processo didáctico
ensino/aprendizagem das (novas) unidades lexicais do Português em Angola adoptar
que seja capaz de manter a autonomia ou o esforço do professor de Português na sua
actividade e que ao mesmo tempo tenha possibilidade de se dar conta de aspectos que
dizem respeito ao aprendente ou ao aluno, como, por exemplo, a sua proveniência
linguístico-cultural, para melhor fazer frente às barreiras linguísticas quer do lado do
docente quer do lado do aluno ou aprendente da língua?
Na verdade, não é sem dificuldades que se pode responder a esta questão, pois
diante de um texto que contenha algumas unidades lexicais de várias línguas nacionais,
não é fácil exigir do docente o domínio de todas elas. E, logo à partida, se tal acontecer,
é um desafio para o docente.
281
Relativamente a esta problemática, Ferreira pô-la num contexto de
problematização, na moderna pedagogia do léxico. Uma das razões que têm sido
evocadas para negar a exequibilidade da didactização do léxico é uma concepção que o
considera um conjunto destruturado e desordenado de palavras e de carácter ilimitado.
Tomando os pressupostos e últimos resultados da Lexicologia contemporânea e
partindo da afirmação de que
«le lexique, même s’il est pratiquement illimité, répond à des lois d’organisation
structurale et que la connaissance de ces lois permet de mettre au point un
enseignement systématique. Les mots, en effet, ne sont pas les éléments épars
d’un inventaire désordonné : ils se situent les uns par rapport aux autres par le
jeu de relations et d’oppositions qui seules leurs confèrent une fonction
linguistique, au niveau de l’organisation du signifié» (Debyser, 1972 : 5),
«um dos principais objectivos do ensino de uma língua quer materna quer
estrangeira é o desenvolvimento da competência lexical do aluno, aumentando o
conhecimento que ele possui das estruturas fundamentais da língua e
desenvolvendo o seu campo expressivo. A necessidade de ensinar o vocabulário
é, pois, um facto incontestável (…)» (Ferreira, 1985: 35).
Nesta linha de ideias, a didactização do léxico passa, não mais pelo aprendizado
através da memória ou memorização desordenada das novas unidades lexicais, mas pela
sua gradual estruturação desde as estruturas de campos lexicais. Esta prática de
sistematização possibilita uma assimilação que se processa de modo coerente e pouco
penoso. Uma linha assim delineada descentraliza a sua atenção na retenção do
vocabulário, privilegiando o aspecto quantitativo e passa para uma abordagem
qualitativa que evidencia mais a aquisição pelo aluno da competência lexical em função
da competência linguística (Ferreira, 1985: 36).
282
Em todas estas afirmações e perspectivas está evidenciado o problema do
método. Contudo, para a realidade nacional angolana esta questão é originada pelo
problema já exposto relacionado com o bilinguismo nacional e a diversidade cultural.
Marques (1985: 212) já tinha identificado o problema, quando afirmou em termos de
proposta, que
«todo o trabalho ao nível da problemática linguística no nosso país deve ser
orientado a partir de, e em função de uma situação de plurilinguismo nacional e
pluri ou bilinguismo individual. O reconhecimento e tratamento adequado desta
realidade constituem a base para a promoção e utilização das línguas nacionais
em todos os domínios e situações (de comunicação) e para o ensino mais eficaz
da língua portuguesa».
A nosso ver, aqui reside o problema. A questão tem a ver com o facto de que,
em Angola, a maioria dos professores de Língua Portuguesa, não tem um domínio das
línguas nacionais. E, por vezes, nem sequer da sua língua local. Nestas circunstâncias,
como se poderá ensinar o léxico ou a neologia, principalmente, aquela neologia
proveniente da língua em contacto e de marcas de lexicultura? E o desconhecimento da
língua é acompanhado, em muitos casos, do desconhecimento da própria cultura local.
O acesso àquilo que Bordieu (1977, 1984) chamou « cultural capital » (Swann –
Deumert – Lillis – Mesthrie, 2004: 68) entendido como «diferent forms of knowledge,
values, language and meaning that individuals come to possess through their everiday
living in specific social contexts», é feito pela língua.
283
A didactização da neologia exige aspectos concretos de uma “comunicação
endógena e exógena”. Este tipo de comunicação requer a abertura a um conjunto de
saberes linguísticos, ainda que elementares, mas que capacitem os professores de
práticas heurísticas no estudo das línguas e da neologia em particular.
O outro repto pode estar localizado na estruturação dos materiais e nos métodos
de ensino do Português em Angola. O estudo do Português em Angola nos ensinos
primário e secundário em todos os seus ciclos está centrado no uso de manuais de
leitura. Coloca-se a questão da elaboração dos manuais. Quem os elabora? Que grau de
competências, em termos de conhecimento do capital cultural angolano, possui quem
elabora os manuais? Que conhecimento tem do destinatário destes manuais? Ou seja,
que tipo de competências se pretende atingir, em relação aos alunos, com estes
manuais? Este é um factor determinante para que o processo ensino/aprendizagem não
só da neologia, como também do léxico seja um processo com resultados preconizáveis
e auguráveis. Pois sendo os manuais o suporte primeiro do professor, o seu modelo tem
de conceber as várias sensibilidades e contemplar as diversas realidades nacionais das
línguas e das culturas nacionais angolanas.
284
linguística angolana caminha em paralelo com a complexidade cultural, mas é urgente
este trabalho para as línguas angolanas na sua relação com o PE.
Uma análise aos currículos dos ensinos primário e secundário nos três ciclos (um
do primário e dois do secundário) constata que o ensino do Português está totalmente
virado para o cultivo no aluno das competências de leitura e escrita da língua. Há uma
grande insistência nestas componentes. Assim, por exemplo, para o Ensino Primário,
em relação à disciplina de Português, o currículo colocou como objectivos gerais:
285
uma maior compreensão do conjunto de disciplinas previstas para este ciclo de estudos
depende totalmente do acervo lexical do aluno. Esta observação pode ser um ponto de
partida para a concepção de um modelo educativo que trabalhe para uma metodologia
que inclua no ensino do Português a didáctica do léxico e da neologia do Português de
Angola uma vez reconhecida a sua importância no desenvolvimento intelectual do
aluno.
286
«a educação escolar é, antes de tudo, uma prática social imbuída de forte função
socializadora e personalizadora. Isto significa que a escola e a educação
alicerçam todo o seu programa numa determinada forma de entender as relações
entre o desenvolvimento humano e o contexto social e cultural no qual, sempre e
necessariamente, este desenvolvimento tem lugar. Não há pessoa alguma à
margem de uma sociedade e de uma cultura. Os processos de individualização (a
construção de uma identidade pessoal) e a socialização (a incorporação activa
numa sociedade e numa cultura) são processos inter-relacionados e
interdependentes; por outras palavras, duas vertentes de um mesmo processo:
aquele pelo qual nos formamos como pessoas. O desenvolvimento é uma
construção evolutiva, social e culturalmente mediado, realizado e traduzido
segundo uma aprendizagem progressiva».
287
em Des mots pour communiquer procura expor, no primeiro capítulo, o lugar do
vocabulário na aprendizagem duma competência comunicativa (Galisson 1983: 7-42).
Estes dois eixos pragmáticos orientam a acção educativa do léxico. É partir desta
exposição ou proposta que o autor propõe, por exemplo, a aprendizagem do
vocabulário/léxico através da elaboração progressiva de tabelas de concordância; a
exploração da função metalinguística através de enunciados definitórios; o recurso
designado por interréfentialité que, segundo o autor, dá sentido à acção pedagógica
(Galisson, 1983: 20-21).
A par destas técnicas de aprendizagem, que dizem respeito mais ao docente,
Galisson evidenciou também a importância do sujeito aprendente.
288
5.6.2.3. O método “self-learning”
289
poderá exigir responsabilidade e consciência do papel do aluno e do docente neste
processo.
5.6.2.5. 1. O “self-request”
Entenda-se este conceito no sentido de uma atitude tomada por um aluno que
tendo atingido a sua autonomia impulsionada pelo “self-learning”, este exige do mesmo
aluno um sentido crítico no estudo do léxico ou da neologia. Esta estratégia ajuda a
orientar os aprendentes para uma visão que privilegie actividades que os conduzam ao
desenvolvimento das capacidades heurísticas e de criatividade que deverão ser
potenciadas no encontro com os textos.
290
Os ambientes de trabalho de lazer, de convívio e tantos outros de que o homem
for capaz de criar e de imaginar são os espaços que desempenham a função de
correlação com a aprendizagem escolar. Aliás, o processo de aprendizagem integra o
processo de socialização. Esta não só realiza a inserção do indivíduo no meio social,
mas também abre caminhos para que tal processo seja possível e se faça sem
constrangimentos. Por isso, se a escola garante as bases de aprendizagem, o ambiente
social mais alargado, a rua, tem todas as potencialidades que ajudam o alargamento e
desenvolvimento do capital lexical e vocabular. Neste sentido, a interacção é um dos
tópicos que devem orientar um professor de língua na sua actividade de docência.
291
angolano: algumas unidades lexicais são confundidas com as do Kimbundu. Nestes
casos, os dicionários definem essas unidades lexicais a partir do Kimbundu.
Provavelmente, os autores das definições conhecem melhor esta língua bantu angolana e
não têm conhecimento das outras línguas.
292
Neste sentido, é pertinente a criação de uma tradição que estabeleça uma estreita
relação entre os linguistas lexicólogos, lexicógrafos ou terminólogos e principalmente
os elaboradores de manuais de ensino não só de Língua Portuguesa, como também de
outras áreas, e os professores do Português.
Esta ideia está subjacente na proposta de Bronkart (1985 e 2007). Para este
autor, o ensino da língua deve fazer-se sobre a base de um conhecimento descritivo
desta mesma língua. O autor entende que a didáctica da língua deve ter em consideração
dois aspectos fundamentais: a adequação e a especificidade da língua (Bronkart 1985:
48). Segundo o autor, «a didáctica da língua depende das concepções acerca do estatuto
da língua nas suas relações com a representação do mundo e com as práticas verbais e
comunicativas» (Bronkart 2007: 134).
A relação entre os linguistas e os professores angolanos do Português é
fundamental, pois, o trabalho dos linguistas, além de ser uma base essencial para os
professores do Português, também pode ser um factor determinante na relação
produção-consumo do ‘produto’ linguístico elaborado pelos linguistas no seu empenho
e desempenho na investigação das línguas nacionais angolanas e do Português.
293
Uma segunda proposta neste âmbito é a formação dos professores. Como já
ficou afirmado anteriormente, o sucesso da actividade da docência depende, em grande
medida, da relação professores-investigadores. Se esta componente é funcional para
todas as áreas do saber humano, ela é muito mais exigência do ensino das línguas. Por
conseguinte, o ensino do léxico do Português, em Angola, vai exigir um maior
envolvimento dos professores do Português. A este respeito, Figueiredo (2004: 17)
sublinha justamente que
«se o ensino e aprendizagem da língua materna [ou não materna] é uma
actividade sistémica, a análise das actividades, dos seus objectivos, dos seus
processos de realização, dos seus resultados requer a elaboração de modelos
heurísticos que permitam, por um lado, actuar e, por outro, fazer perguntas e
formular hipóteses que conduzam à investigação das acções que se levam a
cabo, com a finalidade de buscar os melhores caminhos possíveis. Por outro
lado, estas mesmas práticas, baseadas em modelos explícitos que permitem a
reflexão e a investigação, poderão ser também o ponto de partida não só da
formação inicial, mas também da formação contínua e continuada».
Por isso, faz sentido a proposta que defende a criação de um instrumento auxiliar aos
manuais de leitura para o ensino do Português, apoiando a actividade didáctica das
novas unidades lexicais.
294
Assim, a competência linguística do professor do Português deve estar sensível à
competência multilinguística das línguas nacionais angolanas. Para tal, é necessário – e
esta pode ser uma terceira proposta – que haja, durante os concursos para manuais de
leitura, um maior esforço de localização de obras (manuais) que melhor traduzam ou
evidenciem a riqueza do pluralismo linguístico nacional e que integrem uma visão
neológica da língua e o fenómeno do dinamismo do Português no país como contributo
de novas descobertas linguísticas ou culturais.
A questão dos métodos em todas as áreas do saber tem sido uma problemática
constante. Não obstante a sua pertinência para a exequibilidade, quer da acção educativa
quer no campo da investigação, a sua definição tem sido das mais complexas e cruciais.
A sua complexidade radica do facto de que ela varia de área para área e, por vezes, de
temática para temática. No caso da Linguística, mais particularmente da Lexicologia, da
Lexicografia ou da Terminologia, ela impõe-se também com grande força, pois dela
295
depende, em grande medida os seus resultados. O estudo da neologia e o seu ensino não
estão isentos desta preocupação.
Segundo Ferreira (1985: 74), «a aprendizagem do léxico deve ser, assim, uma
caminhada até ao interior da estrutura lexical. [Assim], a magia do desconhecido, o
delírio da descoberta do cerzido interno das estruturas lexicais prendem a atenção do
aluno e fazem-no correr, com encanto, a aventura de descobrir os traços mínimos
distintivos dos elementos lexicais».
Julgamos esta perspectiva fundamental pois o trabalho com a neologia exige
uma frequente busca do interesse dos alunos. Neste sentido, um conteúdo capaz de
suscitar alguma curiosidade que oriente os aprendentes para a descoberta da
complexidade da estrutura lexical pode ajudar a programação ou planificação duma
sessão de interesse dos alunos.
Vilela (1995) privilegia uma perspectiva mais pragmática que leve os alunos a
aprender através do contacto com os textos e na interacção com os outros. Esta linha
metodológica é, sem dúvida, muito profícua para a aprendizagem e, sobretudo, para o
desenvolvimento do acervo lexical no vocabulário do aprendente. Um procedimento
metodológico deste tipo foi também proposto por Quivuna (2014) no trabalho de
aprendizagem do léxico.
296
trabalho com a neologia e, ao mesmo tempo, encontra um conjunto de possibilidades de
trabalho para a aula da neologia.
Assim como o texto, instrumento de trabalho, abre inúmeras possibilidades
numa aula de língua, assim também o trabalho com o neologismo dá acesso a uma
multiplicidade de desenvolvimentos e de análise em todas as componentes da Semântica
lexical e da gramática. Não é somente o trabalho com os dicionários que confere a sua
exequibilidade. Pode-se estudar a gramática a partir do trabalho desenvolvido com os
neologismos. Por exemplo, a partir do neologismo formal Wanditombi é possível
encontrar possibilidades concretas de trabalho desde as fonético-fonológicas até às
semânticas pragmáticas. Com os neologismos é possível o trabalho de determinação dos
campos semânticos. Um neologismo encerra em si mesmo um trabalho de gramática
assaz diversificado. Por isso, Vilela (1985: 13-16) considera que a ciência do léxico é
bastante contígua à disciplina da gramática.
Assim, entendemos que, embora o trabalho com a neologia numa aula possa ser
feito por meio do uso de instrumentos de trabalho, como, por exemplo, os manuais, ele
deve ser desenvolvido de forma mais alargada. Hoje, a neologia está presente não
somente no livro, mas também e, sobretudo na rua. Os painéis publicitários, as várias
actividades comerciais que se desenvolvem online, os blogues são uma grande fonte de
observação das novas unidades lexicais da língua. Por isso, a internet é, hoje, um
suporte indispensável para uma actividade de observação de novos dados ou novos
elementos da língua (Miyaki, 2003: 215-238). Neste sentido a ‘rua’ (painéis
publicitários, jornais, revistas, placas de sinalização, etc) e a rede (Morita 2003: 267-
276) são dois factores que podem contribuir para a dinamização de uma aula de
neologia. Deste modo, podemos evocar a proposta de Quivuna que defende um
processo de aprendizagem que privilegie também o trabalho individual do aluno (a
autoaprendizagem).
Por isso, é importante que um estudo da neologia e o seu ensino privilegie não
somente os manuais, mas também a internet. Os alunos têm de ser estimulados a
protagonizar a cultura da cibercultura. Quer se trate de neologia especializada ou de
neologia de língua corrente, o recurso à internet pode ser um factor indispensável para a
dinamização do processo ensino/aprendizagem. Hoje, grande parte das ‘novas
297
linguagens’ da interacção social de grupos que, por vezes, evidenciam o dinamismo das
línguas estão alocadas na nuvem da internet.
298
Hoje, as técnicas de fichas e visualizações têm tido uma grande presença e um
grande impacto nas actividades didácticas das escolas de línguas (Gantier 1974). O seu
uso permite a captação da atenção e da concentração do aluno em ambiente académico.
Permite também a estimulação do interesse e o gosto pelo trabalho, um factor
fundamental para o sucesso do aluno.
O uso de fichas laboratoriais, de acordo com os ciclos de estudos, pode estimular
a capacidade de manipulação linguística de estruturas lexicais complexas; levar à
descoberta das estruturas internas dos neologismos e, podendo assim fazer a promoção
da consciência linguística e do desenvolvimento do vocabulário; e estabelecer uma
relação entre os neologismos de diversos tipos e a sua distinção de acordo com a sua
estrutura interna e a sua semântica contextual em ocorrência textual (Correia e Lemos,
2005: 57-81; Correia e Almeida, 2012: 75-100).
299
CONCLUSÃO
300
a preocupação pelo estudo das línguas africanas tem vindo a ser um compromisso a
assumir da parte dos próprios africanos. O movimento para um tal compromisso tem
sido originado pela necessidade de estabelecer um diálogo fecundo entre as línguas
europeias e as línguas africanas. Os primeiros a sentirem esta necessidade foram os
próprios países colonizadores, pois era de interesse que as línguas africanas fossem
estudadas.
Deste modo, um ponto de partida foi desenhado. Hoje, estes estudos servem para
o prosseguimento e compreensão de muitos fenómenos linguísticos das línguas
africanas. Em Angola, a década de sessenta foi determinante para se pensar a
proficuidade de um estudo comparado e contrastivo das línguas afro-bantu angolanas
com o Português Europeu (PE). Este momento marca uma tomada de consciência mais
alargada da influência do encontro das línguas e do significado deste fenómeno no
contexto sociolinguístico. Em virtude disto, encontramos vários linguistas europeus
imersos no estudo das línguas angolanas. Hoje, o estudo destas línguas começa a ter um
rumo diferente com a assunção da parte dos próprios angolanos da consciência da
pertinência do estudo das suas línguas e da Língua Portuguesa. Estas transformações no
modo de pensar do Povo angolano constitui um passo significativo para o desejado
contributo que dele se espera na resolução dos diversos problemas que a linguística das
línguas angolanas levanta, se considerada na sua relação de contacto com o Português
Europeu (PE).
Foi neste âmbito e com esta perspectiva que trabalhámos sobre a neologia e,
muito particularmente, sobre a neologia do Português na Zona Linguística Umbundu
(ZLU). Uma excursão e incursão pela neologia do Português nesta área linguística fez-
nos mergulhar no manancial da riqueza linguística protagonizado pelo encontro do
Português Europeu (PE) com a Língua Umbundu. Contudo, este encontro das duas
línguas, ao mesmo tempo que significa benefício e mútuo enriquecimento é também
portador de um conjunto de reptos não de menor dimensão. É um encontro que lança
grandes desafios às línguas nacionais angolanas e aos linguistas.
A investigação em fase final que não é nenhum final, pois esta vai ser apenas
uma estação, visto que ela vai continuar num estado duma busca permanente de
elementos de compreensão e de contributos que sejam valiosos para a comunidade
científica e académica em Angola e fora dela, evidenciou vários aspectos do dinamismo
301
do Português Europeu (PE) na Zona Linguística Umbundu (ZLU). Os textos que
serviram de instrumentos de trabalho para a observação e verificação de uma realização
da neologia nesta zona linguística demonstraram clarividentemente a sua existência e
realização efectiva.
302
porquanto, muitas realidades linguísticas do Português Europeu (PE) são realidades da
cultura portuguesa que, às vezes, a cultura umbundu desconhece. Por sua vez, o
Português Europeu (PE) defronta-se com traços novos, não poucos, da cultura umbundu
que desconhece por completo. A inovação lexical é exigência dos contextos socio-
culturais em que o Português se realiza como língua de comunicação do Povo angolano.
Em consequência, uma das exigências deste factor socio-cultural é a inevitabilidade da
assunção e da respectiva incorporação de certas unidades lexicais do Umbundu no
léxico português. A vida quotidiana do povo imprimiu ao Português uma exigência
como pressuposto do desempenho da sua função de língua de comunicação e de língua
oficial de Angola.
Entretanto, uma percepção de imediato dá nota de que o seu estudo não é fácil,
pois a sua origem nem sempre é transparente do ponto de vista da sua formação. Para a
atestação desta dificuldade, damos como exemplo, o vocábulo mambo que em Angola
pertence à gíria, apesar de ser uma unidade lexical muito frequente na oralidade. Este
vocábulo, no contexto angolano, tem o significado de “objecto, coisa, assunto ou
303
problema”. Tentámos investigar a sua origem para chegarmos ao seu étimo. Foi difícil.
Todavia, notou-se que é uma unidade lexical da Língua Kiswahili que significa nesta
língua “problema, assunto” e é uma unidade lexical que integra o léxico kiswahili. Este
tipo de estudo é assaz penoso pois leva muito tempo. Contudo, no contexto angolano,
ele tem de ser feito porque cresce, em Angola, cada vez mais este fenómeno.
304
“Tchisala”, “Kalukwakwela”, “Ndjamba”, etc, a sua grafia coloca grandes desafios se se
quiser incorporá-las no léxico do Português. Até que ponto a integração pode ‘proteger’
a forma e o seu sentido originário.
305
Relativamente à neologia em Angola observou-se, através do estudo dos
manuais de Língua Portuguesa vigentes no Ensino Primário e no Primeiro Ciclo do
Ensino Secundário, compreendendo a 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 9ª classes, que ela é um
domínio incontornável na elaboração de conteúdos dos manuais. A neologia está
presente em todos os textos. Contudo, esta presença não significa desde já uma
consciência neológica. Esta observação funciona se se considerar que, apesar das várias
ocorrências nos manuais, não há alguma preocupação explícita de se definir ou pelo
menos de se explicar os neologismos ocorrentes em cada texto. As definições dos
neologismos que aparecem e que entram no conjunto do vocabulário são esporádicas e
‘acidentais’.
Este factor parece ser decisivo para qualquer estudo que se faça no domínio do
léxico e da neologia. Uma vez que Angola é um jardim linguístico, os estudos
linguísticos no campo do léxico e da neologia não podem olvidar esta diversidade
linguística que, certamente, tem uma grabde interferência no Português Europeu (PE).
Compreende-se a dificuldade na elaboração dos manuais de leitura em relação à
cobertura desejável na representação da neologia do Português de Angola oriunda dos
vários ambientes ou contextos linguístico-culturais. Contudo, o momento actual que
insere cada país num movimento incontornável da modernidade em que a comunicação
é tão privilegiada quanto a própria relação humana, é pertinente que, em Angola, este
passo seja dado.
306
Não obstante isso, a nossa proposta de modelo do processo de
ensino/aprendizagem da neologia como contributo ao estímulo quer dos linguistas
angolanos quer dos professores de Língua Portuguesa em Angola está voltada para a
elaboração participada dos manuais de leitura, para a preparação dos professores de
Língua Portuguesa e sobretudo seguindo uma perspectiva que privilegie uma relação
interactiva entre professores do Português e investigadores.
Uma vez que os manuais de leitura em toda a extensão do país são homogéneos,
a elaboração de novos manuais deve ser mais participada, recolhendo textos
representativos da diversidade linguística e cultural de Angola; esta iniciativa
contribuirá para uma maior riqueza dos próprios manuais e será uma resposta aos
desafios do professor do Português na sala de aula. E em consequência, o estudo e o
ensino do léxico e da neologia serão mais fáceis.
307
como processo-estímulo aos alunos. É também um trabalho de cultivo da curiosidade
dos alunos. Por esta razão, deve ser um processo que privilegie o método proposto por
Robert Galisson e por Quivuna. Este método consiste na compreensão de que, o aluno
vive em ambientes sociais variados (casa, rua, escola), onde procura realizar e satisfazer
o seu processo de socialização. Por isso, as actividades didácticas sobre neologia
precisarão do recurso ao método de autoaprendizagem.
308
neologia, este factor consistirá, particularmente, no trabalho do professor na sala de
aulas, mas também no trabalho de autoaprendizagem dirigida para o aluno. O professor
é o elemento impulsionador da responsabilidade pessoal do aluno.
A relação do trinómio professor – método – aluno pode ser a chave do sucesso quer do
trabalho do professor quer da aprendizagem do aluno.
309
Bibliografia
ALVES, Ieda Maria (2002), Neologismo. Criação lexical, SP: Editora Ática.
310
DESMET, I. (1990) «A propósito da neologia terminológica do português. O caso do
empréstimo» in Actas do Colóquio de Lexicologia e Lexicografia (26 e 27 de Junho de
1990), Universidade Nova de Lisboa: INIC, pp. 182-187.
311
__________ (coord.) (2007) «Rede de Neologia e de Terminologia em Língua
Portuguesa (em situação de contacto de Línguas)» in Actas do encontro da Associação
das Universidades de Língua Portuguesa, Praia, Cabo Verde.
2. Geral
312
ALMEIDA, José Miguel Pinto (2001), A transferência linguística e a tradução:
barreira à tradução ou eficaz solução comunicativa (?), Dissertação de Mestrado
apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto no âmbito do Mestrado em
Estudos de Tradução, Porto.
ALVES, José de Queirós (1997?) (Coord.), O mundo cultural dos Ganguelas. Estudos
de Antropologia Cultural do Povo Ganguela, Tomo I, Secretariado de Pastoral, Diocese
de Menongue, Porto: Editorial Perpétuo Socorro.
ASTON, G. (1997), Small and large corpora in language learning. Paper apresentado
em PALC Conference, Polónia: Universidade de Lódz, Abril 1997.
313
BIBER, D. (1993) «Representativeness in corpus design» in Literary and Linguistic
Computing 8/4, pp. 243-257.
314
CHOMSKY, Noam (1965), A linguistic theory of translation, Cambridge: MIT Press.
CISLARU, Geogerta (2008) «Le nom de pays comme outil de représentation sociale» in
BOYER, Henri - PAVEAU, Marie-Anne (Dir.) Mots. Les langages du politique 86
(Mars 2008) 53-64.
COELHO, Maria da Conceição (Coord.) (2001), Programa de Português, 10º, 11º e 12º
anos - Cursos Científico-Humanísticos e Cursos Tecnológicos, Lisboa: Ministério da
Educação/Departamento do Ensino Secundário.
DARMESTETER, Arsène (1950 [1897]), La vie des mots étudiée dans leurs
significations, Paris : Delagrave.
315
DOMINGUES, José António (Org.), Currículo e cidadania. Contributos para pensar a
educação do cidadão no mundo globalizado, Rio de Janeiro: Dialogarts, 211-246.
FARIA, Isabel Hub et alii (Org.) (1996), Introdução à Linguística Geral e Portuguesa,
Lisboa: Editorial Caminho.
316
FIRMINO, Gregório (2002 [2005]) A «Questão linguística» na África pós-colonial. O
caso do Português e das línguas autóctones em Moçambique, Maputo: Textos Editores.
GALISSON, Robert et alii (1982), D’autres voies pour la didactique des langues
étrangères, Paris : Hatier-Credif.
317
HEINE, Bernd – KUTEVA, Tania (2005), Language Contact and Grammatical
Change, Cambridge: Cambridge University Press.
HEYWOOD, Linda (2000), Contested power in Angola. 1840s to the Present, New
York: The University of Rochester Press.
ISO 1087-1 (E/F). Terminology work - Vocabulary, Part 1: theory and application /
Travaux terminologiques - Vocabulaire - Partie 1: théorie et application. Genève:
International Standard Organization, 2000.
318
LEECH, G. (1991) «The state of the art in corpus linguistics» in AIJMER, K. &
ALTENBERG, B. (Org.), English corpus-linguistcs – Studies in honour of Jan Svartvik,
London: Longman.
LEIRIA, Isabel (2006), Léxico, aquisição e ensino do Português Europeu língua não
materna, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
319
MARQUES, Maria Emília Ricardo (2001), Introdução aos estudos linguísticos, Lisboa:
Universidade Aberta.
MCENERY, Tony (2003) «Corpus Linguistics» in MITKOV, Ruslan (ed.), The Oxford
Handbook of Computational Linguistics, Oxford: Oxford University Press, pp.448-463.
320
MOUNIN, Georges (1963), Les problèmes théoriques de la traduction, Paris : Éditions
Gallimard.
NETO, Maria (2012), In Town and Out of Town: A Social History of Huambo (Angola)
1902-1961. Thesis submitted for the degree of PhD in History, London: Department of
History School of Oriental and African Studies University of London.
NIDA, Eugene – CHARLES, R. Taber (1969), The theory and practice of translation,
Leiden: Brill.
NINGUÉM, Padre João (1919 (1920)), O ABC dos Vimbundus nas escolas indígenas
das Missões Católicas. Método de leitura segundo os princípios de João de Deus
(adaptado ao ensino dos indígenas da língua mbundu nas escolas ruraes das Missões
Católicas), Huambo: Tipografia da Missão.
321
OCTÁVIO, Maria Julieta (2013), Currículo do 1º Ciclo do Ensino Secundário. Reforma
curricular, Luanda: Editora Moderna.
PAGLIARO, Antonio (1983 [original, 1922]), A vida do sinal. Ensaios sobre a Língua
e outros símbolos, tradução do original italiano de Aníbal Pinto de Castro, Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian.
322
REY, Alain (1970), La Lexicologie. Lectures, Paris : éditions Klincksieck.
SANTOS, Antónia Vieira dos (2009), Compostos sintagmáticos nominais VN, NN, NA,
AN e NprepN no português arcaico (sécs. XIII-XVI), Dissertação de doutoramento
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüistica do Instituto de
Letras da Universidade Federal da Bahia.
SANTOS, Victor Marques dos (2005) «Portugal, a CPLP e a Lusofonia Reflexões sobre
a Dimensão Cultural da Política Externa» in Negócios Estrangeiros, N.º8 Julho de
2005, 71-91.
SAPIR, Edward (1921), Language. An introduction to the study of speech, New York:
Harcourt.
323
SEGURA, Luísa – SARAMAGO, José (2001) «Variedades dialectais portuguesas» in
MATEUS, M. H. (Coord.), Caminhos do Português: Exposição Comemorativa do Ano
Europeu das Línguas (Catálogo), Lisboa: Biblioteca Nacional, 221-237.
SIM-SIM, Inês, DUARTE, Inês e FERRAZ, Maria José (1997), A Língua Materna na
Educação Básica, Lisboa: Ministério da Educação.
324
VILALVA, Alina (1994), Estruturas morfológicas. Unidades e hierarquias nas
palavras do português. Tese de Doutoramento. Lisboa: FLUL (publicada em 2000 pela
Fundação Calouste Gulbenkian / FCT).
WINFORD, Donald (2010) «Contact and borrowing» in HICKEY, Raymond (Ed.), The
Handbook of Language Contact, Malden-Oxford-Sussex: Wiley-Blackwell Publishing.
3. Gramáticas
325
LE GUENNEC, Grégoire – VALENTE, José Francisco (1972), Gramática de
Umbundu, Luanda: Instituto de Investigação Cientifica de Angola.
326
SEGURA, Luísa (2013) «Variedades dialetais do Português Europeu» in Eduardo
RAPOSO et alii (Org.), Gramática do Português, vol., Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 85-142.
SILVA, Inês & MARQUES, Carla (2011), Estudar Gramática no Ensino Secundário,
Porto: Asa.
4. Enciclopédia e Dicionários
CRYSTAL, David (ed.) (1980, 1), A First Dictionary of Linguistics and Phonetics,
Cambridge: Cambridge University Press.
327
HARTMANN, R. R. K. – STORK, F. C., (1972), Dictionary of Language and
Linguistics, London: Applied Science Publishers.
JOTA, Zélio dos Santos (1981), Dicionário de Lingüística, 2ª edição, Rio de Janeiro:
Presença.
328
SITOE, Bento (1996), Dicionário Changana-Português, Maputo: Instituto Nacional do
Desenvolvimento da Educação-INIDE.
5. Outras obras
6. Jornais
329
7. Websites
http://www.letras.ufmg.br/vivavoz/data1/arquivos/cantosafricanos2ed-site.pdf
http://angodebates.blogspot.com/
http://ombembwa.blogspot.com
http://mwangole-angola.blogspot.pt/2009/08/dicionario-angolano.html
http--www.mazungue.com-angola-index.phppage
330
Listas de figuras e tabelas, gráficos e ilustrações
Figuras e Tabelas
Figura 1 …..……………………………………………………………………………………. 29
Tabela 1 …………………………..…………………………………………………………… 44
Tabela 2 ………………..…………..………………………………………………………….. 45
Tabela 3 ………………………………………………….……………………………………. 46
Tabela 4 .……………………………………………….……………………………………… 84
Tabela 5 ..…………………………………………….………………………………………. 102
Tabela 6 …………………………….……………………………………………………..…. 114
Tabela 7 ……………………………………………………………………………………… 153
Tabela 8 ……………………………………………………………………………………… 186
Tabela 9 ………………………………………………………….…………………………... 199
Tabela 10 …………………………………………………….………………………………. 207
Tabela 11 …………………………………………………………….………………………. 211
Tabela 12 …………………………………………………………….………………………. 217
Tabela 13 …………………………………………………………….………………………. 218
Tabela 14 …………………………….………………………………………………………. 220
Tabela 15 ………………………………….…………………………………………………. 221
Tabela 16 …………………………………………………………………………………….. 222
Tabela 17 …………………………………………………………………………………….. 227
Tabela 18 ……………………………………………………………………………………. 230
Tabela 19 …………………………………….………………………………………………. 259
Tabela 20 ……………………………………..……………………………………………… 275
331
Gráficos e Ilustrações
Gráficos
Ilustrações
332
Ilustração 21 ………………………………..………..……….……………………………… 260
Ilustração 22 ……………………………….………..……………………………………….. 261
Ilustração 23 …………………………………………………………………………………. 261
Ilustração 24 …………………………………………………………………………………. 262
Ilustração 25 ………………………………….……………………………………………… 262
Ilustração 26 …………………………………………………………………………………. 263
Ilustração 27 ……………………………………….………………………………………… 263
Ilustração 28 ………………………………...……………………………………………….. 264
Ilustração 29 ………………………….………..…………………………………………….. 265
Ilustração 30 …………………………………………………………………………………. 265
Ilustração 31 …………………………………….…………………………………………… 266
Ilustração 32 ………………………………….……………………………………………… 266
Ilustração 33 ………………………………….……………………………………………… 267
Ilustração 34 …………………………………………………………………………………. 268
Ilustração 35 …………………………………………………………………………………. 268
Ilustração 36 …………………………………………………………………………………. 269
Ilustração 37 …………………………………………….…………………………………….270
Ilustração 38 ……………………………………….………………………………………… 270
Ilustração 39 …………………………………….…………………………………………… 271
Ilustração 40 ……………………………….………………………………………………… 272
Ilustração 41 …………………………………………………………………...…………….. 273
333