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Resumo
O objetivo deste estudo foi adaptar uma escala de afetos positivos e negativos para adolescentes. Participaram 425 estudantes
com idades entre 14 e 19 anos. As escalas foram respondidas pelos estudantes em sala de aula. A análise de componentes prin-
cipais revelou uma solução bifatorial satisfatória. O primeiro componente referente a afetos positivos apresentou eigenvalue
de 8,1 e explicou 29% da variância total. O segundo fator, referente a afetos negativos, apresentou eigenvalue de 3,6 e expli-
cou 12,4% da variância total. A consistência interna medida pelo alfa de Cronbach foi de 0,88 para as ambas as subescalas.
Foram verificadas correlações positivas de afeto positivo com autoestima e satisfação de vida, e negativas de afeto negativo
com essas variáveis. Ademais, verificaram-se escores de afetos positivos mais elevados em meninos e escores de afetos nega-
tivos mais elevados em meninas. Normas regionais para interpretação desses escores são fornecidas.
Palavras-chave: bem-estar subjetivo; escala de satisfação de vida; autoestima; psicometria.
1
Endereço para correspondência:
Endereço: Rua Ramiro Barcelos, 2600
Bairro Santa Cecília, Porto Alegre, RS, CEP 90035-003.
Fone: (51) 3308-5352
E-mail: jsegabinazi@gmail.com
Agradecimentos: aos integrantes do Laboratório de Estudos, Medidas e Avaliação Psicológica da Universidade Federal de Santa Maria
(LEMAP-UFSM) pelas fases de coleta e digitação dos dados.
Apoio financeiro: Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) da Universidade Federal de Santa Maria.
2 Segabinazi, Zortea, Zanon, Bandeira, Giacomoni & Hutz
Na virada do milênio, com o estabelecimento afetos em adultos jovens e encontrou entre os mais
da Psicologia Positiva (Seligman & Csikszentmi- utilizados, internacionalmente, a Affect Balance
halyi, 2000) organizou-se uma perspectiva mais Scale, o General Well-being Schedule, o Affectome-
otimista do potencial e das capacidades humanas. ter 2 e a Escala de Afeto Positivo e Negativo (Positive
Apresentando precursores nas ideias da Psicologia and Negative Affect Schedule – PANAS). No Brasil,
Humanista e nos estudos sobre qualidade de vida, a PANAS foi adaptada para a população adulta por
essa abordagem proporcionou uma ampliação da Giacomoni e Hutz (1997). Esses autores também
área de atuação no âmbito da pesquisa e da prática construíram a Escala de Afeto Positivo e Negativo
na promoção e intervenção em saúde. É nessa ver- para crianças (Giacomoni & Hutz, 2006). Os pro-
tente que os trabalhos sobre bem-estar subjetivo cedimentos de construção dessa última seguiram a
(BES) podem ser inseridos (Diener, 2000). opção de outros pesquisadores que investigaram o
O BES refere-se à satisfação da pessoa com afeto por meio de adjetivos marcadores (Watson e
a própria vida e inclui os julgamentos cognitivos e cols., 1988; Laurent e cols., 1999). Para tanto, além
reações emocionais frente a eventos e à experiência da consulta à literatura infantil, com o objetivo de
destes. Diener, Suh, Lucas e Smith (1999) definem identificar os adjetivos utilizados com maior fre-
BES como uma categoria de fenômenos na qual se quência, selecionaram-se itens-adjetivos presentes
encontram as respostas emocionais, as satisfações em 200 entrevistas com crianças de cinco a doze
referentes a domínios específicos da vida e os jul- anos sobre o conceito de felicidade. A composição
gamentos globais de satisfação de vida. A dimensão final da Escala de Afeto Positivo e Negativo para
afetiva do BES inclui dois tipos de afeto. O afeto Crianças possui 34 itens, 17 itens em cada subes-
positivo (AP) diz respeito ao quanto uma pessoa cala. Os coeficientes alfa de Cronbach obtidos para
está se sentindo entusiasmada, ativa e alerta. O afeto as subescalas de AP (0,88) e de AN (0,84) apontaram
negativo (AN) é formado por estados de humor evidências de confiabilidade. Análises Fatoriais con-
aversivos, tais como raiva, culpa e medo (Watson, firmaram a estrutura da escala por meio da solução
Clark & Tellegen, 1988). A presente pesquisa expõe de dois fatores. A Escala também apresentou evi-
estudos de adaptação, características psicométricas dências de validade concorrente, demonstradas por
(validade e fidedignidade) e normas regionais de correlações significativas (p < 0,01) e de magnitude
interpretação para um instrumento de avaliação de e em sentidos esperados, entre AP e AN com ins-
afeto positivo e negativo em adolescentes. trumentos que avaliaram autoestima (0,48 e -0,35),
Na adolescência, pode ser alta a ocorrên- depressão (-0,40 e 0,41), ansiedade-traço (-0,24 e
cia de dificuldades de aprendizagem, transtornos 0,39), ansiedade-estado (-0,51 e 0,49), e satisfação
afetivos e de conduta, baixos níveis de motivação de vida global (0,59 e -0,31), entre outras medidas
e realização, além de envolvimento com álcool e (Giacomoni & Hutz, 2006).
drogas ilícitas (Damon, 2004). Nesse sentido, des- Um aspecto controverso no que diz respeito
taca-se que determinadas características do BES às relações entre AP e AN é a independência entre os
nessa idade podem atuar como fatores de proteção dois fatores. Conforme a proposta de Costa e McCrae
para o desenvolvimento (Furr & Funder, 1998). A (1980), nos estudos realizados com a PANAS, AP e
revisão realizada por Park (2004) sobre o papel do AN poderiam ser interpretados como polos opostos
BES no desenvolvimento saudável durante a ado- do mesmo construto. Contudo, a hipótese de que AP
lescência constatou que a alta satisfação de vida, e AN referem-se a dimensões diferentes também foi
incluindo altos índices de afeto positivo, está rela- investigada (Diener & Emons, 1984; Watson e cols.,
cionada à maior saúde física, menos problemas de 1988). Algumas pesquisas (Crawford & Henry,
violência, baixos níveis de ansiedade e neuroticismo 2004; Terracciano, McRae & Costa, 2003; Tuccitto,
e mais altos níveis de autoestima e motivação intrín- Giacobbi, & Leite, 2010) utilizaram análises fato-
seca. Portanto, deve ser de interesse às políticas de riais confirmatórias para testar modelos que supõem
promoção e prevenção de saúde em adolescentes o uma relação entre AP e AN e modelos que suportam
entendimento dos componentes do BES. a independência dos dois tipos de afeto. Os resulta-
Diversas escalas e questionários para a ava- dos foram controversos. Crawford e Henry (2004)
liação dos afetos têm sido desenvolvidos. Giacomoni encontraram em adultos (M = 42,9 anos de idade)
(2004) revisou os instrumentos de avaliação dos melhores índices de ajuste para o modelo em que
Como pode ser visto na Figura 1 (scree dos 17 aos 19 anos), sexo (masculino e feminino) e
plot), a solução de dois fatores é satisfatória para tipo de escola (pública ou privada). Realizaram-se
esse conjunto de itens. Os resultados da análise duas ANOVAs 2x2x2 tendo como variáveis indepen-
componencial mostraram que o índice KMO foi de dentes grupo etário, sexo e escola e como variáveis
0,89 e o teste de esfericidade de Bartlett foi signifi- dependentes os escores de AP e AN.
cativo (p < 0,001). A solução bifatorial produziu o Em relação a AP, não se verificou intera-
primeiro fator com eigenvalue de 8,1 que explicou ção estatisticamente significativa entre grupo etário,
29% da variância total e o segundo fator com eigen- sexo e escola [F (1,405) < 1], grupo etário e tipo
value de 3,5 que explicou 12,4% da variância total. de escola [F (1,405) = 1,4; p > 0,05], tipo de escola
A consistência interna da escala, avaliada por meio e sexo [F (1,405) = 1,2; p > 0,05] e grupo etário e
do alfa de Cronbach foi de 0,88 para AP e também sexo [F (1,405) = 2,7; p > 0,05]. Tampouco houve
para AN. As comunalidades dos itens variaram de efeito principal de grupo etário [F (1,405) < 1] e de
0,23 a 0,63. Os itens com as respectivas cargas fato- tipo de escola [F (1,405) < 1]. Contudo, verificou-
riais utilizando a rotação Varimax são apresentados -se efeito principal de sexo [F (1,405) = 16,1; p <
na Tabela 1. 0,001]. Como pode ser visto na Tabela 3, meninos
Em consideração ao segundo objetivo deste apresentaram médias superiores de AP que as meni-
estudo, foram efetuadas correlações de Pearson de nas, com um tamanho de efeito moderado (d = 0,4),
AP e AN com as medidas de satisfação de vida glo- conforme Cohen (1988).
bal e autoestima. Como apresentado na Tabela 2, AP Em relação a AN, não se verificou interação
apresentou correlações positivas e moderadas com estatisticamente significativa entre grupo etário, sexo
autoestima e satisfação de vida global, enquanto AN e escola [F (1,408) < 1], grupo etário e tipo de escola
apresentou correlações negativas e moderadas com [F (1,408) < 1], tipo de escola e sexo [F (1,408) <
essas variáveis. 1] e grupo etário e sexo [F (1,408) = 3,7; p > 0,05].
Para responder ao terceiro objetivo, verifica- Igualmente, não houve efeito principal de grupo etá-
ram-se possíveis diferenças entre médias de AP e AN rio [F (1,408) < 1] e de tipo de escola [F (1,408) <
entre diferentes faixas etárias (dos 14 aos 16 anos e 1]. Porém, assim como para o AP, verificou-se efeito
Tabela 1. Cargas fatoriais e características psicométricas das escalas de afeto positivo e negativo.
Itens Fator 1 Fator 2
Afeto positivo Afeto negativo
Alegre 0,70
Amoroso 0,65
Animado 0,65
Carinhoso 0,63
Competente 0,54
Contente 0,70
Corajoso 0,53
Decidido 0,51
Disposto 0,59
Feliz 0,65
Interessado 0,50
Divertido 0,63
Satisfeito 0,64
Valente 0,60
Amedrontado 0,63
Assustado 0,62
Chateado 0,66
Culpado 0,52
Deprimido 0,61
Desanimado 0,49
Furioso 0,60
Humilhado 0,38
Impaciente 0,58
Irritado 0,68
Magoado 0,69
Perturbado 0,60
Preocupado 0,63
Triste 0,64
Eigenvalues 8,18 3,61
Alfa de Cronbach 0,88 0,88
% Variância Explicada 27,26 12,04
Média 53,3 28,1
Desvio-padrão 8,4 9,2
Nota: foi aplicado o ponto de corte de 0,35 para as cargas fatoriais. Nenhum item apresentou carga em ambos os fatores utilizando esse
ponto de corte.
de sexo [F (1,408) = 16,5; p < 0,001], de modo que Devido às diferenças significativas encontra-
meninas apresentaram médias mais elevadas de AN das para AP e AN, e tendo em vista o quarto objetivo
do que meninos, com um tamanho de efeito de d = deste estudo, decidiu-se por apresentar normas
0,4 (Cohen, 1988). separadas por sexo. Nas Tabelas 3 e 4 encontram-se
Tabela 2. Correlações de afeto positivo e afeto negativo com autoestima e satisfação de vida global
Variáveis (1) (2) (3)
(1) Afeto positivo -
(2) Afeto negativo -0,39 -
(3) Autoestima 0,57 -0,45 -
(4) Satisfação de vida global 0,66 -0,43 0,64
Nota: todas as correlações foram significativas (p < 0,01).
normas regionais para interpretação dos escores de crianças (Giacomoni & Hutz, 2006). Já a análise
AP e AN em meninos e meninas de componentes principais mostrou uma solução
de dois fatores, sendo que os descritores relaciona-
Discussão dos semanticamente aos fatores de AP e AN, após
a eliminação de alguns itens, carregaram conforme
Este estudo demonstrou aspectos da vali- esperado (Watson e cols., 1988).
dade de construto da Escala de Afetos Positivo e No que se refere à relação entre os fatores, a
Negativo para Adolescentes a partir de diferentes rotação Varimax e a Oblimim apresentaram a mesma
fontes de evidências. A escala apresentou índices precisão quanto aos indicadores de ajuste e quanto à
de consistência interna adequados, similares aos interpretação dos mesmos. Esse resultado corrobora
encontrados na versão da escala para adultos os estudos de Tuccitto e cols. (2010) e Terracciano e
(Watson e cols., 1988) e na versão brasileira para cols. (2003), que propuseram uma relação ortogonal,
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Aceito em janeiro de 2012
Sobre os autores:
Joice Dickel Segabinazi, Psicóloga. Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS).
Cristian Zanon, Psicólogo. Doutor em Psicologia pela UFRGS com estágio de doutoramento sanduíche na Uni-
versity of Massachusetts, USA.
Cláudia Hofheinz Giacomoni, Psicóloga. Doutora em Psicologia pela UFRGS. Professora do Departamento de
Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade da UFRGS.
Denise Ruschel Bandeira, Psicóloga. Doutora em Psicologia pela UFRGS. Professora dos Cursos de Graduação
e Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS.
Claudio Simon Hutz, Psicólogo. Doutor em Psicologia pela University of Iowa, USA. Bolsista 1A do CNPq e
Professor Titular da UFRGS.