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JANAINA KLINKO
SÃO PAULO
2010
E quando ele chegou aonde vivem os monstros eles rugiram
seus terríveis rugidos e arreganharam seus terríveis dentes e
reviraram seus terríveis olhos e mostraram suas terríveis garras
até que Max disse “quietos!” e amansou todos eles com o
truque mágico de olhar nos olhos amarelos deles sem piscar
nenhuma vez e eles ficaram com medo e disseram que mais
monstruoso do que ele não havia.
Maurice Sendak
RESUMO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................5
2 OBJETIVOS.....................................................................................................7
3 METODOLOGIA................................................................................................8
4 APRESENTAÇÃO DO CASO...........................................................................9
4.1 Queixa................................................................................................................9
5 UM GAROTO AMEAÇADO............................................................................13
5.3 Onipotência......................................................................................................16
6.1 Psicose?..........................................................................................................21
7 MANEJO CLÍNICO..........................................................................................26
7.1 O Outro inexistente..............................................................................................27
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................32
REFERÊNCIAS..........................................................................................................34
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1 INTRODUÇÃO
1
Foi escolhido um nome fictício para o paciente por uma questão de sigilo.
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do analista na relação terapêutica como aquele que encarna o grande Outro, e suas
possibilidades de intervenção a partir deste lugar.
Desenvolveremos, nos capítulos a seguir, o percurso teórico acima
mencionado, explorando mais demoradamente os conceitos utilizados durante a
reflexão e ilustrando-os com vinhetas clínicas do referido atendimento.
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2 OBJETIVOS
Este trabalho tem como objetivo realizar uma reflexão teórica a partir de um
caso clínico que se desenvolveu durante o Aprimoramento Profissional em
Psicologia Clínica no Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), com o intuito de
ampliar a discussão sobre o estabelecimento de uma hipótese diagnóstica e a
direção do tratamento decorrente desta.
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3 METODOLOGIA
4 APRESENTAÇÃO DO CASO
4.1 Queixa
Douglas é trazido pelos pais que relatam estar preocupados com seu
desempenho escolar. Dizem que é bom em matemática, porém tem dificuldades
com a disciplina de português. Além desta questão, os pais relatam que o garoto
tem o comportamento infantilizado, medo de dormir sozinho, medo do escuro,
poucos amigos – todos mais novos, além do hábito de “inventar histórias absurdas”.
Os pais contam então que aos seis anos de idade Douglas teria sido abusado
por um garoto de 12. Consideram que todo transtorno posterior ao abuso – o boletim
de ocorrência feito na delegacia, os procedimentos médicos realizado no hospital,
etc. – foi mais traumático do que o fato em si. Relatam que eles próprios ficaram
muito abalados com a situação, orientando o filho a não fazer amizade com garotos
mais velhos, além de “tomar cuidado ao usar o banheiro da escola”. Ambos afirmam
que ainda têm medo de deixar Douglas sozinho, pois “se aconteceu uma vez, pode
acontecer de novo”.
O primeiro elemento que Douglas traz é o quanto se sente sozinho. Diz que
não tem amigos, repetindo algo trazido na fala dos pais. Desta forma denuncia sua
solidão. Em seguida mostra rapidamente sua fragilidade e a necessidade de
escondê-la, criando uma justificativa onipotente – “Eles têm medo de mim. Eles
queriam bater em mim, mas eles têm medo de mim”. No entanto, Douglas encontra
a seguinte explicação “deve ser porque eu sou pequeno”, escancarando uma
ambiguidade que será trabalhada daqui pra frente – a questão do forte/fraco,
ataque/defesa, grande/pequeno, adolescente/criança.
Segue dizendo que toca muitos instrumentos musicais, e que possui muitos
deles (cinco violões), além de possuir muitos cachorros. Aqui podemos identificar o
que os pais chamaram de “hábito de inventar histórias absurdas”. Em outras
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sessões, Douglas cria histórias em que têm muitas coisas, muito dinheiro, é muito
forte, tem muita habilidade, sabe muito. E essas criações parecem cumprir uma
função compensatória e ser reflexo direto do lugar de fragilidade vivenciado pelo
garoto.
Mais pra frente, nesta mesma sessão, peço pra ele fazer um
desenho. Douglas faz um homem, e diz que “só sabe desenhar
os maus”, diz que é um “menino da escola que enche o saco”.
“Ele vai cair na lava”. Então escreve “Douglas”, com letra de
forma e traçado leve. Depois escreve outra vez, agora com
letra de mão caprichada e me mostra. Em seguida diz que vai
desenhar ele próprio, para bater no menino. Faz uma nova
figura humana de tamanho pequeno e a circula, pintando o
interior do círculo de amarelo.
Mais uma vez Douglas se apresenta fraco, em seguida refaz seu nome, dessa
vez caprichado, sem fragilidades. Então desenha um círculo ao redor da pequena
figura que diz lhe representar. Denunciando assim, o isolamento e a necessidade de
proteção.
5 UM GAROTO AMEAÇADO
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Realidade entendida aqui como o registro do compartilhado, referente ao mundo externo ao qual Douglas
pertence.
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assaltar lugares, etc. Então diz que certa vez, enquanto tentava
realizar uma missão, ele acabou sendo atropelado. Intervenho
dizendo “ainda bem que foi no jogo, né?”. Douglas se
surpreende, reflete um pouco e afirma que também já foi
atropelado “na realidade”, mostrando pequenas cicatrizes e
manchas pelo corpo dizendo que “o carro passou por cima”.
Neste sentido, podemos afirmar que Douglas constrói outra realidade a fim de
reparar uma lacuna criada a partir do afastamento do mundo externo. Assim como
ocorre na formação delirante que “presumimos ser o produto patológico, é, na
realidade, uma tentativa de restabelecimento, um processo de reconstrução”
(FREUD, 2006a, p. 78). Fantasiar a realidade ou “criar histórias absurdas”, neste
caso, é uma forma de ainda manter algum contato com este mundo, de não romper
completamente. E neste jogo fantasia/realidade que encontramos os alicerces para
dar continuidade ao atendimento e trabalhar outras questões.
No entanto, chama a atenção que, por ser tão constante e presente, temos
grande dificuldade em encontrar mais exemplos de elucidação. Nossa hipótese é
que sejam também as construções onde as defesas operam com maior rigor e força.
Douglas mostra-se fragilizado constantemente ao longo das sessões, porém as
fantasias exercem a função de encobrir tais fragilidades, na tentativa de criar a
imagem de um garoto forte e invencível, como veremos no capítulo seguinte.
5.3 Onipotência
Douglas conta que já havia sido perseguido por uma onça, mas
que havia conseguido escapar. E que agora é peão, mas não
monta em cavalo, só em touro. Diz que já foi chifrado quatro
vezes. Pergunto como foi, ele diz que doeu, coloca a mão nas
costas. Pergunto como ele faz para se defender da chifrada do
touro, e ele imediatamente responde “eu coloco uma cueca de
ferro. Pego as cordas fortes, o chicote e a cueca de ferro”. Diz
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Lo que nos interessa del trauma es, antes que el acontecimiento efectivo, su
valor de experiencia; vale decir, no el hecho em sí, sino la participación del
sujeto em lo vivido, el modo em que se halla concernido por ello, lo que há
hecho a partir de él.)
de Douglas e de seus pais, sem nunca poder ser nomeado, uma presença que todos
fingem não ver, mas que anunciam a todo momento.
Assim, podemos supor que este não-dito, ou melhor, esta (im)possibilidade de
lembrar e compartilhar a experiência, afastam Douglas e seus pais, isolando-os e
impedindo-os de elaborar a presença deste fantasma. Cabe dizer que o trabalho
analítico foi principalmente pensado como a possibilidade de representar este não-
dito, de constituir um ambiente seguro onde Douglas poderia não ser tão
amedrontador – “todos têm medo de mim, menos você”.
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6.1 Psicose?
7 MANEJO CLÍNICO
posição do sujeito frente ao Outro que será trabalhada, mas também a posição dos
pais que fazem a função deste para a criança.
Sendo assim, entendemos que, na análise de Douglas foi possível identificar
três momentos da transferência, nos quais o garoto atribuía ao Outro lugares
distintos: um Outro inexistente, um Outro aterrorizador e, por final, um Outro barrado.
O manejo clínico foi pensando a partir de cada uma dessas situações
transferenciais, como veremos a seguir.
Nas primeiras sessões com Douglas, foi possível identificar momentos onde
não havia espaço para o Outro exercer a sua função. A sensação de impotência
vivida pela analista também denunciava esta ausência de uma alteridade. O garoto
estava completamente envolvido com suas fantasias e mergulhado em seu mundo
próprio, deixando raras brechas para a intervenção. No entanto, foi a partir dessas
pequenas fissuras que começamos o trabalho analítico.
bater, me ajuda. Ora ele ganha, ora eu. Diz “nunca nenhuma
mulher ganhou de mim antes, e olha que eu já ganhei de um
gigante”. Pontuo que ele está me ensinando e me ajudando
bastante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
DOLTO, F.; NASIO, J.D. A criança do espelho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
SENDAK, M. (1963) Onde vivem os monstros. São Paulo: Cosac Naify, 2009.