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CIRCULAR TÉCNICA

Nº44 / 2019

Agosto de 2019
Publicação periódica
de difusão cientí-
fica e tecnológica
editada pelo Instituto
Mato-grossense do
Algodão (IMAmt) e
dirigida a profissio-
nais envolvidos com
o cultivo e beneficia-
mento do algodão.

Diretor executivo
Álvaro Salles

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www.imamt.com.br

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Tiragem
2000 exemplares

Mortalidade do bicudo-do-
-algodoeiro após contato
em resíduo seco de inseticidas
utilizados na cotonicultura –
Safra 2018/2019
Guilherme Gomes Rolim1, Jacob Crosariol Netto1

O controle de pragas na cultura do algo- vida e comportamentos sobre uma cultu-


doeiro tem sido fundamentado no uso de ra anual, porém de fenologia relativamen-
inseticidas, muitos deles de largo espec- te longa (~150 dias) e com modo de culti-
tro, devido a um complexo de mais de 30 vo próprio em áreas neotropicais durante
espécies consideradas pragas, que podem o verão quente e úmido.
(1) Entomologistas ocasionar significativas perdas de produ- Esses fatores favorecem a herbivoria
do Instituto Mato-
Grossense do tividade. Este complexo de espécies inclui pela contínua disponibilidade de alimen-
Algodão. E-mail: diferentes hábitos alimentares (sugador, to e clima favorável. Dentre as espécies
guilhermerolim@ desfolhador, broqueador etc.), histórias de herbívoras que causam injúrias e perdas
imamt.org.br
de produtividade do algodoeiro destaca-se de gaiolas (30x45x50cm) até a emergên-
o bicudo-do-algodoeiro, Anthonomus gran- cia dos adultos. A criação e os bioensaios
dis Boh. (Coleoptera: Curculionidae). Esta foram realizados em condições de labo-
praga está presente em todas as regiões ratório de 25 ± 1,0 ºC, fotofase de 12h e
produtoras de algodão do Brasil, sendo umidade relativa entre 50 e 70%. No dia
responsável por metade das pulverizações da emergência, os adultos foram transferi-
com inseticidas de amplo espectro, espe- dos para potes plásticos transparentes de
cificamente durante a fase reprodutiva da 500mL, onde foram criados até o momen-
planta, período que se estende do início da to de montagem dos bioensaio. Os bioen-
emissão dos botões florais até a abertura saios foram realizados utilizando adultos
total dos capulhos. de cinco a dez dias de idade sem distinção
Além disso, o bicudo-do-algodoeiro se de sexo, e durante este período foram ali-
destaca devido ao comportamento de ovi- mentados “ad-libtum”.
posição, que ocorre no interior das estrutu-
ras reprodutivas. Isso confere proteção par- Eficiência dos Inseticidas. A eficácia de
cial durante as fases de larva e pupa contra cada inseticida empregado na formulação
inimigos naturais, condições adversas do comercial (Tabela 1) foi determinada me-
meio ambiente e ação de contato dos inse- diante exposição de adultos de bicudo ao
ticidas. Por isso, as técnicas de controle são resíduo seco dos inseticidas separadamen-
direcionadas principalmente para a fase te. A exposição foi feita sobre discos de fo-
adulta. lhas de algodão mergulhados na calda in-
Com a colonização da lavoura e oviposi- seticida de acordo com método do IRAC n.
ções por vários dias, ocorrem subsequentes 7 (IRAC 2014).
emergências de adultos, o que requer apli- Os inseticidas foram diluídos em água
cações seriadas de inseticidas em interva- empregando a dosagem recomendada
los de aproximadamente cinco dias, visan- para o controle do bicudo-do-algodoeiro.
do a redução populacional do inseto. Isso Para cada tratamento foram utilizadas 12
impacta em várias aplicações ao longo do repetições contendo 10 adultos. Cada repe-
ciclo da cultura, dependendo da pressão de tição foi composta por uma placa de Petri
infestação. de vidro (90mm x 15mm) forrada com pa-
Porém, o uso excessivo de inseticidas, pel de filtro levemente umedecido de mes-
em especial os de largo espectro, geral- mo diâmetro. Sobre o papel de filtro foi co-
mente resulta em seleção de indivíduos locado o disco de folha de algodão tratado
resistentes e surtos de pragas secundárias, ou não. Botões florais de aproximadamente
em virtude da pressão de seleção exercida 6mm de diâmetro e sem brácteas também
pela baixa rotatividade de grupos químicos foram tratados ou não e ofertados sobre os
com diferentes modos de ação, bem como discos de folhas.
a destruição da entomofauna benéfica. A mortalidade dos insetos foi contabili-
No entanto, mesmo sendo evidente a zada 48h após o confinamento. A avaliação
dependência de inseticidas como princi- consistiu na retirada do material vegetal re-
pal método curativo, há poucos estudos manescente e do papel de filtro, enquanto
práticos sobre a eficiência dos inseticidas a placa de Petri contendo apenas os insetos
utilizados na cotonicultura. Desta forma, foi colocada sobre uma chapa aquecedora
o presente trabalho, que constitui a conti- (Fisatom modelo 752A, Rio de Janeiro-RJ,
nuação do monitoramento anual realizado Brasil) à temperatura de aproximadamente
pelo IMAmt desde a safra 2015/2016, tem 37ºC para estimular a movimentação dos
por objetivo verificar a eficiência dos prin- insetos devido ao comportamento de “ta-
cipais inseticidas utilizados para o controle natose” apresentado pelos adultos quando
do bicudo-do-algodoeiro. manipulados. Os bicudos foram conside-
rados mortos quando não conseguiram se
MATERIAL E MÉTODOS mover ou não demonstraram coordena-
ção motora para caminhar por pelo menos
Obtenção dos insetos. Estruturas repro- duas vezes a extensão do seu corpo. A por-
dutivas (botões florais e maçãs) com sinais centagem de mortalidade foi submetida
de oviposição foram coletadas em campo. aos testes de normalidade e a mortalidade
Estas estruturas foram acondicionadas em entre inseticidas foi comparada pelo teste
bandejas plásticas e deixadas no interior de Scott-Knott (α = 0,05).
Tabela 1. Nome comercial, ingrediente ativo e grupo químico dos inseticidas utilizados no ensaio de
mortalidade do bicudo-do-algodoeiro.

NOME COMERCIAL INGREDIENTE ATIVO GRUPO QUÍMICO

Bulldock 125 SC Beta-ciflutrina Piretroide

Connect 112,5 SC Beta-ciflutrina + Imidacloprido Piretroide + Neonicotinoide

Curbix 200 SC Etiprole Pirazol

Decis 25 EC Deltametrina Piretroide

Engeo Pleno 247 SC Tiametoxam + Lambda-cialotrina Neonicotinoide + Piretroide

Fastac 100 CE Alfa-cipermetrina Piretroide

Fipronil Nortox 800 WG Fipronil Pirazol

Fury 200 EW Zeta-cipermetrina Piretroide

Hero 380 EC Zeta-cipermetrina + Bifentrina Piretroide

Kaiso 250 CS Lambda-cialotrina Piretroide

Malathion 1000 EC Malationa Organofosforado

Marshall Star 700 EC Carbosulfano Metilcarbamato de benzofuralina

Mustang 350 EC Zeta-cipermetrina Piretroide

Pirate 240 SC Clofenapir Análogo de pirazol

Pirephos 840 EC Feniltrotiona + Esfenvarelato Organofosforado + Piretroide

Polytrin 440 EC Profenofós + Cipermetrina Organofosforado + Piretroide

Safety 300 EC Etofenproxi Éter piretroide

SingularBR 600 SC Fipronil Pirazol

Sperto 500 WG Acetamiprido + Bifentrina Neonicotinoide + Piretroide

Suprathion 400 EC Metidationa Organofosforado

Piretroide + Metilcarbamato de
Talisman 200 EC Bifentrina + Carbosulfano
benzofuralina

Talstar 100 EC Bifentrina Piretroide

Voliam Flexi 300 EC Clorantraniliprole + Tiametoxam Antranilamida + Neonicotineoide


RESULTADOS E DISCUSSÕES inseticidas de maior eficiência nas condições
em que o teste foi realizado (Figura 1) .
Desde a safra 2015/2016 o IMAmt vem Os inseticidas Talisman, Sperto e Engeo
realizando testes para aferir a eficiência dos Pleno diferiram dos inseticidas anterior-
principais produtos comerciais utilizados mente citados e foram classificados como
para o controle do bicudo-do-algodoeiro moderadamente eficientes, causando mor-
em condições de laboratório. No presen- talidades que variam de 73 a 84%. Já os
te trabalho, a mortalidade dos insetos va- inseticidas Talstar, Hero e Safety, que cau-
riou em função do tratamento (inseticida), saram mortalidades que variaram de 28 a
ocorrendo diferença significativa entre os 48%, compuseram o grupo dos tratamen-
inseticidas (p < 0,0001). Através da análise tos com baixa capacidade de causar morta-
de agrupamento (Scott-Knott) foi possível lidade à praga alvo.
separar os tratamentos em grupos distintos, No caso dos tratamentos Fury 200, Bull-
sendo os inseticidas Malathion, Marshal Star, dock, Kaiso, Connect, Decis, Mustang e
Pirephos, Singular BR, Curbix, Suprathion Fastac, quando utilizados nas doses reco-
(com mortalidade de 100%) e os inseticidas mendadas, não ultrapassaram 25% de mor-
Pirate, Actara, Voliam Flexi, Fipronil Nortox e talidade, podendo ser considerados como
Polytrin que ocasionaram mortalidades va- ineficientes para o controle do bicudo-do-
riando de 89 a 99% compondo o grupo dos -algodoeiro (Figura 1).

Figura 1.
Mortalidade do
bicudo-do-algo-
doeiro após 48
horas de expo-
sição a diferen-
tes inseticidas
utilizados no
sistema algo-
doeiro. Safra
2018/2019.
Figura 2. Eficiência de quatro piretroides ao longo das safras.

Como visto nos resultados, todos os inseticidas Tal fato pode ter impactos diretos sobre o manejo
pertencentes ao grupo dos piretroides ou as mistu- de pragas na cultura, tanto pelo fato de serem de bai-
ras de dois piretroides apresentaram eficácia inferior xo custo, baixa toxicidade, largo espectro e participar
a 50%. Vale ressaltar que essa baixa eficiência vem de várias misturas recomendadas para pulverização
sendo observada pelos levantamentos toxicológicos em algodoeiro, como por aumentarem a pressão de
realizados pelo IMAmt desde a safra 2015/2016 (ver seleção das populações de bicudo-do-algodoeiro a
publicações anteriores: http://www.imamt.com.br/ outros ingredientes ativos, uma vez que a redução do
home/outraspublicacaos/). Além disso, é possível no- uso de piretroides irá contribuir para o uso mais fre-
tar redução na performance ao longo do tempo de quentes de grupos químicos que ainda permanecem
alguns princípios ativos pertencentes ao grupo dos eficientes (Rolim, 2018).
piretroides, usados nos testes durante os anos em Desta forma, o monitoramento da suscetibili-
que o estudo vem sendo realizado (Figura 2). dade nas diferentes regiões produtoras de Mato
A redução da eficiência desse grupo químico pode Grosso, o uso racional e rotacionado de ingredien-
estar relacionada a seu uso constante, uma vez que os tes ativos de modos de ação distintos, bem como o
piretroides são amplamente utilizados para controle controle cultural da praga são fundamentais para
de outras pragas na cotonicultura, o que, por sua vez, a conservação de ingredientes ativos e, suposta-
pode estar contribuindo para seleção de populações mente, o restabelecimento da suscetibilidade para
de bicudo-do-algodoeiro capazes de tolerar as doses os inseticidas que estão ocasionando baixa morta-
recomendadas destes inseticidas. lidade.
CONSIDERAÇÕES

1. Os inseticidas Malathion, Marshal Star, Pirephos, Singular BR, Curbix, Suprathion, Pirate, Voliam Flexi,
Fipronil Nortox e Polytrin causaram mortalidade acima de 85% e foram classificados como de alta efi-
ciência para a população e condições adotadas neste estudo.
2. A baixa eficiência dos ingredientes ativos pertencentes ao grupo dos piretroides, pode estar relaciona-
da com a seleção de indivíduos capazes de tolerar as doses recomendadas dos produtos usados neste
estudo.
3. O uso contínuo de inseticidas com o mesmo modo de ação vem contribuindo para as falhas de controle
do bicudo-do-algodoeiro, daí a importância de rotacionar o uso dos inseticidas.
4. O monitoramento da suscetibilidade das populações mato-grossenses do bicudo-do-algodoeiro é es-
sencial para a manutenção da eficácia das ferramentas disponíveis (inseticidas), bem como evitar pos-
síveis casos de resistência.
5. Destruição adequada dos restos culturais, respeito ao período de vazio sanitário, utilização de ferra-
mentas como tubo-mata-bicudo e armadilhas, participação dos grupos técnicos de discussão (GTA) e
realização de ações conjuntas. Estas são ações muito importantes que auxiliam no controle e facilitam
a boa convivência com a praga, evitando, em muitos casos, a necessidade de elevado número de apli-
cações.

*** O IMAmt realiza este ensaio sob condições laboratoriais, sendo resultados de pesquisa e não uma recomen-
dação de produtos para o controle do bicudo-do-algodoeiro. Ressalta-se que qualquer inseticida utilizado para
o controle de Anthonomus grandis deve ser previamente registrado pelo Ministério da Agricultura Pecuária e
Abastecimento (MAPA).

Figura 7. Armadilha com atrativo alimentar (Noctovi).


REALIZAÇÃO

APOIO FINANCEIRO

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