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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

Lauro Eustáquio Guirlanda de Moura

RELIGIOSIDADE E SAÚDE MENTAL:


evolução da depressão em pacientes segundo o nível de envolvimento religioso

Belo Horizonte
2017
Lauro Eustáquio Guirlanda de Moura

RELIGIOSIDADE E SAÚDE MENTAL:


evolução da depressão em pacientes segundo o nível de envolvimento religioso

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Ciências da Religião.
Orientador Prof. Dr. Márcio Antônio de Paiva

Belo Horizonte
2017
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Moura, Lauro Eustáquio Guirlanda de


M929r Religiosidade e saúde mental: evolução da depressão em pacientes segundo
o nível de envolvimento religioso / Lauro Eustáquio Guirlanda de Moura. Belo
Horizonte, 2017.
139 f. : il.

Orientador: Márcio Antônio de Paiva


Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

1. Significação (Psicologia). 2. Crise (Filosofia). 3. Psicologia religiosa. 4.


Psiquiatria. 5. Religiosidade. 6. Saúde mental. I. Paiva, Márcio Antônio de. II.
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Religião. III. Título.

CDU: 2:159.9
Lauro Eustáquio Guirlanda de Moura

RELIGIOSIDADE E SAÚDE MENTAL:


evolução da depressão em pacientes segundo o nível de envolvimento religioso

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Ciências da Religião.

___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Márcio Antônio de Paiva – PUC Minas (orientador)

Prof. Dr. Roberlei Panasiewicz – PUC Minas

Prof. Dr. Marco Heleno Barreto - FAJE

Belo Horizonte, 29 de março de 2017


A Bernardo (in memoriam)
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus orientadores, Márcio e Anete, que com paciência e cuidado me
conduziram através dessa jornada do Mestrado.
Agradeço à minha esposa Symone, pelo amor e por suportar minhas ausências nesse
período, e ao meu filho vindouro Benjamin, por dar sentido a tudo.
Agradeço também à minha mãe, Iara, pela força e a meu pai, Hélio, pelo exemplo de
persistência.
Agradeço aos meus irmãos, pelo carinho.
Agradeço especialmente a Fernando Madalena, Fernando Nobre e Alexandre Aguiar
e aos residentes de psiquiatria do Instituto Raul Soares, que contribuiram para a realização e
a conclusão desse trabalho.
Aos amigos, pelo apoio nos momentos difíceis.
Aos pacientes da pesquisa, que se dispuseram a falar de tema tão íntimo. Aprendi
muito com eles.
A São Sebastião e São Tomás de Aquino, que foram fonte de resistência diante das
dificuldades e de inspiração.
Por fim, agradeço a Deus, que me conduziu por essa estrada acidentada, dando
sentido à caminhada, mostrando que lá longe, havia uma luz a ser encontrada.
Por que chora o homem?
Que choro compensa
O mal de ser homem?

(Carlos Drummond de Andrade)


RESUMO

A presente dissertação tem como objetivo principal estudar as relações entre a depressão
moderada a grave e a religiosidade nos sujeitos da contemporaneidade. Para isso, foram
entrevistados e colhidos dados de onze pacientes através de instrumentos padronizados e
validados de pesquisa (escalas). O nível de depressão também foi medido 60 a 90 dias depois,
para se fazer correlações com o nível de melhora da depressão e o nível de religiosidade
intrínseca. Os resultados mostraram que maior nível de envolvimento religioso medido pela
escala de religiosidade intrínseca não esteve implicado em maior melhora da depressão, nem
em piora. Porém, constatou-se que maior nível de envolvimento religioso foi associado a
menores níveis de depressão no início do estudo, de forma significativa. A partir de alguns
referenciais da psicologia da religião, conclui-se que a religiosidade possui pouco ou nenhum
efeito na melhora de pessoas com depressão moderada a grave. Entende-se que isso ocorre
porque a religiosidade perdeu muito de sua força na contemporaneidade, além de fatores
biológicos e psicológicos que tornam a depressão, depois que atinge certa gravidade, imune aos
efeitos da religião. No entanto, como os sujeitos mais religiosos tenderam a ter menores níveis
de depressão no início do estudo, conclui-se que se a religião não melhora pelo menos ela tem
um efeito atenuante no surgimento do quadro, que se não fosse a religiosidade seria bem mais
grave. Assim, a religiosidade de fato proporcionou aos sujeitos uma maneira eficaz de diminuir
os sintomas depressivos, através do enfrentamento (coping) do estresse e fazendo com que a
experiência depressiva tenha algum significado no crescimento espiritual do sujeito, através da
sua ressignificação. Termina-se enfatizando a dimensão do cuidado espiritual, que poderá trazer
mais qualidade no atendimento dos profissionais de saúde.

Palavras-chave: Crise de sentido. Depressão. Psicologia da religião. Psiquiatria. Religiosidade.


ABSTRACT

The main objective of this dissertation is to study the relationship between moderate to severe
depression and religiosity in contemporary subjects. For this, eleven patients were interviewed
and collected through standardized and validated research instruments (scales). The level of
depression was also measured 60 to 90 days later to correlate with the level of depression
improvement and level of intrinsic religiosity. The results showed that a higher level of religious
involvement measured by the intrinsic religiosity scale was not implicated in greater
improvement in depression nor in worsening. However, it was found that a higher level of
religious involvement was associated with lower levels of depression at the beginning of the
study, in a significant way. From some references in the psychology of religion, it is concluded
that religiosity has little or no effect on the improvement of people with moderate to severe
depression. It is understood that this happens because religiosity has lost much of its force in
the contemporaneity, in addition to biological and psychological factors that make depression,
after reaching a certain severity, immune to the effects of religion. However, as more religious
subjects tended to have lower levels of depression at the beginning of the study, it is concluded
that if religion does not improve at least it has an attenuating effect on the appearance of the
disorder, that if it were not religiosity would be much more serious. Thus, religiosity in fact
provided the subjects with an effective way to reduce depressive symptoms by coping with
stress and making the depressive experience have some meaning in the spiritual growth of the
subject, through its re-signification. It ends by emphasizing the dimension of spiritual care,
which may bring more quality in the care of health professionals.

Keywords: Crisis of meaning. Depression. Psychology of religion. Psychiatry. Religiosity.


LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Anamnese espiritual. ......................................................................................45

QUADRO 2 - Índice de Religiosidade da Universidade Duke ............................................46

QUADRO 3 - Escala de religiosidade intrínseca de Hoge de 10 itens ................................47

QUADRO 4 - inventário de religiosidade intrínseca (IRI). ................................................49

QUADRO 5: escala de coping religioso-espiritual. ..............................................................50

QUADRO 6: inventário de depressão de Beck (BDI). .........................................................55

QUADRO 7 – Critérios diagnósticos de transtorno depressivo maior pelo DSM-5 .........66

QUADRO 8 – Sinais utilizados na transcrição. ...................................................................77


LISTA DE TABELA

TABELA 1: Compilação dos dados numéricos da pesquisa de campo. ............................99


LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 - correlação IRI x BDI inicial. .............................................................................99

GRÁFICO 2 – correlação IRI x variação do BDI ....................................................................104


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BDI Beck Depression Inventory (Inventário de depressão de Beck)


CRE coping religioso-espiritual
DSM-IV Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais, quarta edição
DSM-V Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais, quinta edição
FHEMIG Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais
IRI Inventário de religiosidade intrínseca
IRS Instituto Raul Soares
OMS Organização Mundial de Saúde
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................27

CAPÍTULO 1: RELIGIOSIDADE E DEPRESSÃO...........................................................31


1.1 Religiosidade e depressão: considerações iniciais ..........................................................31
1.1.1 Delimitação conceitual ...................................................................................................31
1.1.2 Relações conturbadas entre a psiquiatria e a religiosidade ..........................................35
1.1.3 O coping religioso-espiritual: onde a psiquiatria e a religiosidade se encontram .......39
1.1.4 Religiosidade e depressão: aspectos psicopatológicos ...................................................40
1.2 Estudos sobre religiosidade, espiritualidade, depressão e saúde mental .....................43
1.2.1 Conceitos e instrumentos usados nos estudos de religiosidade e saúde mental ...........43
1.2.2 Instrumentos de avaliação de religiosidade (escalas)....................................................45
1.2.3 Estudos científicos sobre religiosidade e saúde mental .................................................58
1.2.3.1 Estudos transversais sobre depressão e religiosidade .................................................60
1.2.3.2.1 Estudo 1 .....................................................................................................................61
1.2.3.2.2 Estudo 2 .....................................................................................................................62
1.2.3.2.3 Estudo 3 .....................................................................................................................63
1.2.3.2.4 Estudo 4 .....................................................................................................................63
1.2.3.2.5 Estudo 5 .....................................................................................................................64
1.2.3.2.6 Estudo 6 .....................................................................................................................64
1.2.3.2.7 Resumo dos estudos transversais e longitudinais de religiosidade e depressão ........65
1.3 Aspectos diagnósticos e epidemiológicos da depressão..................................................65
1.3.1 Depressão: da tristeza normal à doença incapacitante .................................................65
1.3.2 O fardo global da depressão ...........................................................................................69
1.3.3 Conclusões.......................................................................................................................71

CAPÍTULO 2: TRABALHO DE CAMPO: EVOLUÇÃO DE PACIENTES COM


DEPRESSÃO SEGUNDO O NÍVEL E O TIPO DE ENVOLVIMENTO RELIGIOSO 73
2.1 Da psicologia da religião...................................................................................................73
2.2 Os sujeitos deprimidos e sua religiosidade .....................................................................75
2.2.1 Casos clínicos em psiquiatria e religiosidade ................................................................75
2.2.2 Metodologia .....................................................................................................................76
2.2.3 Entrevistado A - “falaram que era demônio”. ...............................................................79
2.2.4 Entrevistado B - “eu neguei Deus e ele não me destruiu”. ...........................................81
2.2.5 Entrevistado C - “não consigo ter fé em nada”. ............................................................83
2.2.6 Entrevistado D - “Deus castiga”. ...................................................................................84
2.2.7 Entrevistado E - “nada dá certo para mim”. .................................................................85
2.2.8 Entrevistado F - “vai vir coisa melhor para mim”. .......................................................87
2.2.9 Entrevistado G - “tenho vergonha”. ..............................................................................88
2.2.10 Entrevistado H – “uma gotinha de certeza”. ...............................................................90
2.2.11 Entrevistado I - “uma energia positiva”. .....................................................................92
2.2.12 Entrevistado J - “ó Deus, tem misericórdia de mim, tira a minha vida, abrevia o meu
tempo aqui, porque eu estou cansado, não estou aguentando...” ..........................................93
2.2.13 Entrevistado K – “se não fosse a religião, eu estaria bem pior”. ................................96
2.3 Considerações preliminares sobre as entrevistas ...........................................................97
2.3.1 Visão prévia dos resultados ............................................................................................97
2.3.2 O cientista da religião e o médico .................................................................................101
CAPÍTULO 3: OS SUJEITOS DEPRIMIDOS E A CONTEMPORANEIDADE:
LEITURAS A PARTIR DAS PSICOLOGIAS DA RELIGIÃO ......................................103
3.1 Crise de sentido ...............................................................................................................103
3.1.1 A situação espiritual do nosso tempo: visões de alguns autores .................................103
3.1.2 Secularização e depressão ............................................................................................108
3.1.3 Crise de sentido e depressão .........................................................................................112
3.2 O coping religioso-espiritual e seu papel na depressão................................................113
3.2.1 Coping e depressão........................................................................................................113
3.2.2 A teoria de atribuição de causalidade ..........................................................................115
3.3 A religiosidade como meio de ressignificação ................................................................117
3.3.1 A individuação na psicologia analítica de Carl Gustav Jung .....................................117
3.3.2 O telos da depressão na individuação ..........................................................................122
3.3.3 Tendências da religiosidade nos sujeitos da pesquisa .................................................124
3.3.4 A dimensão do cuidado espiritual ................................................................................127

4 CONCLUSÕES ..................................................................................................................129

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................133
27

INTRODUÇÃO

A saúde mental é uma das principais preocupações do nosso tempo, e talvez o problema
de saúde mais urgente da humanidade. (WOLF, 2014). A depressão, especificamente, afeta em
torno de 350 milhões de pessoas no mundo segundo dados mais conservadores (FIOCRUZ,
2017), e já é a segunda doença que mais provoca incapacidade, em termos de anos vividos com
incapacidade. (FERRARI, 2013, p. 1). Há a perspectiva de que seja, já nos próximos 15 anos,
a doença mais comum do mundo e “será também a doença que mais gerará custos econômicos
e sociais para os governos, devido aos gastos com tratamento para a população e às perdas de
produção”. (BBC BRASIL, 2009).
Além disso, a humanidade vive uma crise espiritual que se acentua de forma
significativa desde a modernidade, com a queda da importância dos valores tradicionais,
culminando, na contemporaneidade, com a sensação falta de sentido vivida pelas pessoas.
(FRANKL, 2007, p. 87).
Há também a queda da importância das religiões institucionalizadas (JUNG, 2008,
p.107), que se refletiu no último censo brasileiro, em que houve aumento expressivo das pessoas
que se denominaram “sem religião”. (DECOL, 2014, p. 1054).
Suspeitamos de que os três fatos estão relacionados: o aumento da incidência da
depressão e sua pior evolução clínica, a queda da importância das religiões institucionalizadas
(com aumento dos “sem-religião”) e a crise de sentido da contemporaneidade. Não sabemos,
efetivamente, se é a depressão leva as pessoas à crise espiritual e a perda de sentido e também
ao abandono das igrejas, ou, partindo do pressuposto de que a religião ajuda na construção do
sentido, podemos aventar que o baixo nível de envolvimento religioso gera uma sensação de
falta de sentido que culmina, em alguns casos, com a depressão clínica.
É importante salientar que a religiosidade é um fator de aumento da resiliência
psicológica aos eventos negativos da vida. Ou seja, pessoas com maior nível de envolvimento
religioso tem menos depressão quando submetidas a estresse, problemas pessoais ou perdas.
(MOREIRA-ALMEIDA, 2006, p. 242). Em uma revisão sistemática de 850 artigos publicados
no século XX, o mesmo autor supracitado (2006, p. 242) concluiu que “há evidência suficiente
disponível para se afirmar que o envolvimento religioso habitualmente está associado a melhor
saúde mental”.
Para corroborar ou não esses dados de pesquisas anteriores, e, principalmente, para
investigar como a depressão e a religiosidade se relacionam dentro da história de vida dos
sujeitos, resolvemos fazer o presente estudo. Ele foi realizado de forma empírica e hipotético-
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dedutiva. Consistiu em entrevistas e acompanhamento de pacientes com diagnóstico de


depressão, relacionando a gravidade e a evolução do quadro com o nível de envolvimento
religioso, bem como a qualificação da relação dessa pessoa com a religiosidade considerando-
se a sua história de vida e de adoecimento.1
Dessa forma, pretende ser uma contribuição para o entender como a depressão, a
religiosidade e crise espiritual da contemporaneidade se correlacionam, ajudando assim a
sociedade e as pessoas com depressão. A pergunta principal a ser respondida é se os pacientes
com maior nível de envolvimento religioso (maior religiosidade intrínseca) evoluem melhor
(ou seja, melhoram mais) da depressão. Se encontrarmos uma correlação positiva, poderemos
valorizar a religiosidade dessas pessoas, como meio de ajudar na promoção de melhor qualidade
de vida e melhor saúde mental. Ou, por outro lado, caso não encontremos correlação ou
encontremos correlação negativa, pensar que o papel da religiosidade no mundo contemporâneo
já está enfraquecido e seu papel na saúde mental de deprimidos moderados a graves já não
possui muita significância.
O resultado a que chegamos foi que nos pacientes do grupo estudado maior religiosidade
não teve influência na melhora ou na piora dos pacientes. Ou seja, nos pacientes com depressão
moderada a grave a religiosidade não teve efeito significativo.
O referencial que será utilizado para a interpretação dos resultados será a psicologia da
religião, em algumas de suas vertentes. Uma vertente será a psicologia existencial, com as
hipóteses de Karl Jaspers sobre a crise de sentido da contemporaneidade, bem como algumas
considerações sobre a secularização do mundo contemporâneo. Outras chaves de leitura serão
a psicologia analítica de Carl Gustav Jung e a psicologia do coping religioso-espiritual de
Kenneth Pargament (de estilo cognitivo-comportamental).
No primeiro capítulo, será feito um diálogo entre diversos autores sobre os conceitos de
religião, religiosidade e espiritualidade. Depois, uma revisão sobre os aspectos psicopatológicos
da depressão. Por fim, um resumo dos principais estudos que relacionam saúde mental,
depressão e religiosidade.
No segundo capítulo, após uma breve consideração sobre a psicologia da religião e as
ciências da religião, explica-se com detalhes a metodologia da pesquisa de campo. Em seguida,
os dados colhidos na pesquisa são apresentados. Esses dados são as pontuações das escalas que
medem religiosidade, depressão e coping religioso, e também as transcrições de parte das

1
A pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa da PUC (CAAE: 51407615.4.0000.5137) e da
FHEMIG (CAAE: 51407615.4.3002.5119).
29

entrevistas que foram gravadas. Somente as partes que evidenciam aspectos importantes da
psicologia da religião é que foram transcritos. Logo em seguida, faz-se considerações
preliminares sobre as entrevistas realizadas. Faz-se também a análise dos dados quantitativos,
utilizando-se do referencial estatístico.
No terceiro capítulo, relacionam-se os dados quantitativos e qualitativos obtidos na
pesquisa de campo com os referenciais teóricos da psicologia da religião já citados acima.
Primeiro, investiga-se o papel que teve a religiosidade nos sujeitos da pesquisa, relacionando
os dados encontrados com a chave da psicologia existencial e da crise de sentido. Depois,
utiliza-se a teoria do coping religioso-espiritual para se tentar compreender porque alguns
sujeitos melhoraram e outros nem tanto, ou até mesmo pioraram na segunda avaliação. Por fim,
procura-se explicar o processo de individuação na psicologia de Jung, e como esse processo
pode se utilizar da religiosidade e da experiência depressiva, aplicando-se essas ideias para os
sujeitos da pesquisa. De acordo com os resultados e as evoluções dos casos, faz-se uma
separação dos casos por tendências da religiosidade e da relação do sujeito com Deus.
Encerramos com conclusões gerais a respeito da pesquisa, e tentando apontar novos
caminhos e possibilidades para a abordagem do paciente deprimido e de sua espiritualidade.
31

CAPÍTULO 1: RELIGIOSIDADE E DEPRESSÃO

Nesse primeiro capítulo, inicialmente analisaremos os conceitos de religião,


espiritualidade e religiosidade dentro do referencial teórico da psicologia da religião. Em
seguida, investigaremos as relações instáveis, mas sempre próximas, entre a psiquiatria como
especialidade médica e a religiosidade, inclusive os aspectos psicopatológicos da religiosidade
na depressão. A segunda parte será dedicada a revisão da literatura médica e psicológica sobre
religiosidade, saúde mental e depressão. Por fim, farei um panorama sobre a depressão, seus
aspectos diagnósticos, epidemiológicos e sua importância como transtorno de crescente
prevalência no mundo atual.

1.1 Religiosidade e depressão: considerações iniciais

Nessa primeira parte do capítulo, conceitos de religiosidade, religião e espiritualidade


de diversos autores são colocados em diálogo, especialmente dentro de um referencial
psicológico. Depois, apresento diversos aspectos da relação da religiosidade com a psiquiatria
e psicanálise freudiana, focando na mudança de paradigma que aconteceu nos últimos anos, no
sentido de um relacionamento mais contributivo.

1.1.1 Delimitação conceitual

Em primeiro lugar, é necessário esclarecer os termos religião, espiritualidade e


religiosidade, que serão usados ao longo dessa dissertação.
Começaremos com a definição clássica de Clifford Geertz (2008, p. 67), para quem
uma religião é

(1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e
duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de
conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal
aura de fatualidade que (5) as disposições e motivações parecem singularmente
realistas.

Escolhi tal definição pois ela enfatiza que a religião é “um sistema de símbolos”, de
forma que isso amplifica o alcance do significante “religião”. Além disso, Geertz, com essa
definição, esboça algum efeito da religião sobre a psique, pois para ele, a religião estabelece
“poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens”.
32

Dando mais ênfase ao aspecto ético e comportamental, Gilberto Safra (2005, p. 210) diz
que religião é “o sistema representacional de crenças e dogmas consciente, por meio do qual
uma pessoa procura modelar sua vida e conduta, de maneira espiritual ou de modo
antiespiritual”. A semelhança com a definição de Geertz é que as duas definições enfatizam o
aspecto cognitivo da religião, ou seja, da crença.
Outra aproximação do conceito de religião de Geertz é a de Rodrigues e Gomes (2013,
p. 334), porém eles acrescentam um elemento transcendental: “a religião é uma instituição
social que discute a realidade que transcende a humana, repetindo-se dinamicamente em
diferentes signos, símbolos, mitos e ritos nas diversas organizações humanas”.
Outros autores, como o psicólogo norte-americano Kenneth Pargament, enfocam o
aspecto institucional da religião, fazendo uma clara oposição em relação à espiritualidade:
“mais e mais, entretanto, nos estamos considerando a espiritualidade definida em contraste com
a religião […]. Primeiramente, religião está sendo definida como o organizacional, o ritual e o
ideológico (itálico nosso). Para a religião, substitua por “religião institucional”.
(PARGAMENT, 1999, p.5).
Adentrando mais no campo da psicologia da religião, um dos autores de maior destaque
é Antonio Ávila (2007, p. 13). Ele divide a definição da religião em substantiva e funcional. Na
definição substantiva, mais restritiva e precisa, a religião se refere ao que envolve deuses,
divindades e forças transcendentais. Já na definição funcional, a religião é entendida como algo
que está envolvido na teleologia da vida, na busca de sentido, na explicação das coisas (ÁVILA,
2007, p. 13). Essa última definição é marcadamente mais ampla, podendo inadvertidamente
englobar sistemas de crenças humanas não religiosas, como o marxismo, a psicanálise e outras
ideologias. Ávila então sugere que partamos da definição substantiva, para delimitar melhor o
campo, para depois entrarmos na definição funcional.
Quanto à espiritualidade, muitos autores focam no seu aspecto transcendental e
teleológico, como por exemplo, Safra, para quem a espiritualidade seria o “sair de si em direção
a um sentido último e o sustentar a transcendência ontológica do indivíduo”. (SAFRA, 2005,
p. 210). Já outros autores acentuam a dimensão da experiência na descrição da espiritualidade,
como Pargament (1999, p. 6), para quem a espiritualidade é “o pessoal, o afetivo, o
experimental e o thoughtful2”.
É difícil, na definição e na explicação do que é a espiritualidade, fugir de uma descrição
psicológica. Edênio Valle (2005, p. 104) já começa pela psicologia: “[…] antes de tudo […]

2 A tradução do termo thoughtful é difícil: uma aproximação seria “contemplativo, meditativo”.


33

uma necessidade psicológica (itálico nosso) constitutiva de todo ser humano. É algo tão básico
e elementar como a necessidade de desenvolver a autoconsciência ou estabelecer relações
saudáveis com outros seres humanos”.
Ele continua e enfatiza a necessidade de sentido da psique, que a espiritualidade fornece
tão bem:

Ela [a espiritualidade] consiste essencialmente em uma busca pessoal de sentido para


o próprio existir e agir. Acha-se, por isso, unida à motivação profunda que nos faz
crer, lutar, amar. Orienta-se para o porquê último da vida, mas sem fugir dos
questionamentos e compromissos que a vida nos impõe, ajudando-nos a ter forças
para nos comprometermos com eles. (VALLE, 2005, p. 104).

Freud, em O Futuro de uma ilusão, já falou sobre o “sentimento oceânico”, bem como
Rudolf Otto no livro O Sagrado. Ancona-Lopez usa esse sentimento para dar sua definição de
espiritualidade:

A espiritualidade reflete-se em um sentimento oceânico, não tem limites, contornos,


causas, lógica. Abre um vórtice infinito de possibilidades e interpretações. A religião
é estruturada, organizada, tem conceitos e linguagem definidos, estabelece
pressupostos, atribui sentidos e valor, define horizontes espaciais e temporais, insere-
se no tempo e na história. (ANCONA-LOPEZ, 2005, p. 156).

Outros autores não consideram que a espiritualidade necessariamente envolva um


aspecto transcendental, como Giovanetti (2005, p. 137), para quem a espiritualidade é “uma
atividade de nosso espírito, e não necessariamente implica a fé em algum ser transcendente”.
Nesse ponto, segundo o autor, ela se distingue da religiosidade, que precisa de algum ser
transcendente. Para ele, cultivar a espiritualidade significa ouvir o nosso espírito, e nosso
espírito é que dá significado e profundidade às nossas vivências.
Alguns autores usam o termo religião e espiritualidade intercambiavelmente
(PARGAMENT, 1999, p. 5). Segundo o mesmo autor, em pesquisa realizada por ele, 74% dos
participantes se definiram como ao mesmo tempo religiosos e espirituais, não vendo
necessidade de escolher um ou outro.
Nos Estados Unidos o termo mais usado é espiritualidade, pois muitos americanos se
definem como não religiosos, mas “espirituais” (PAIVA, 2005, p.34). Muitos psicólogos norte-
americanos adotaram o termo “espiritualidade” pois ele soa menos sectário e mais científico do
que “religião” (WULFF apud PAIVA, 2005, p.35).
Vemos que a tendência atual é de opor a religião e a espiritualidade. A espiritualidade é
cool (legal, “massa”), a religião é uncool (nada legal) (MARTY, 1996 apud PARGAMENT,
34

1999, p. 6). O movimento em direção à espiritualidade consiste, então, “de uma tendência
sociocultural no sentido de desinstitucionalização e individualização” (PARGAMENT, 1999,
p. 7) e no sentido da própria perda da importância da religião no mundo pós-moderno.
Não seria possível, então, unificar esses conceitos, o de religião e espiritualidade? Pois
alguma coisa há em comum, que seria o sagrado (no sentido de sagrado de Rudolf Otto).
Pargament, tentando resolver essa questão (PAIVA, 2005, p. 36) diz que a religião se baseia na
busca de significado por maneiras relacionadas ao sagrado (1999, p. 11) enquanto a
espiritualidade é a própria busca pelo sagrado.
Para Pargament, então, a espiritualidade, é a “função mais central da religião” (1999, p.
12), ou seja, ela está dentro da religião. Mas a religião também pode ser vista como uma forma
específica e compartilhada socialmente de viver a espiritualidade. O que faz algum sentido, pois
a religião envolve aspectos não-espirituais, a saber: convívio social, instituições, cargos,
edificações e outras coisas “fora da espiritualidade”, mas que também podem ser entendidas
como “fora da religião” e daí vem a confusão.
E por fim como definiríamos o termo “religiosidade”? Para Gilberto Safra (2005, p.
210), a religiosidade seria “a espiritualidade que ocorre em meio a concepções sobre o divino”.
Antonio Ávila (2007, p. 69) aplica o termo “religiosidade” a “todo comportamento, atitude,
crença que tenha um caráter religioso, independentemente de sua origem”. Outra definição é “a
religiosidade se refere ao quanto um indivíduo acredita, segue e pratica uma determinada
religião”. (KOENIG apud TAUNAY, 2012b, p. 131). Assim, para Koenig a religiosidade está
intimamente ligada a uma religião, e essa é a visão do autor dessa dissertação.
Nesse momento, uma síntese dos conceitos seria bastante interessante, apesar de não
conseguir, evidentemente, esgotar o assunto. Não há definições precisas e estáveis de religião,
religiosidade e espiritualidade, mas através do diálogo entre os diversos autores citados acima
conseguimos ter uma visão do assunto. De qualquer forma, apresento o resumo de Clarissa de
Franco (2013, p. 401):

a) religião: rituais, doutrinas, mitos, símbolos, cultos, orações, crença/fé.


b) religiosidade: vivência e experiência religiosas, inquietação ou senso religioso,
campo ou fenômeno religioso, desenvolvimento religioso, adesão e comprometimento
religiosos, crença/fé.
c) espiritualidade: busca pessoal de sentido, autorrealização, autonomia em relação às
instituições, autenticidade, espontaneidade, criatividade, liberdade, mal-estar em
relação à materialidade do mundo, crença/fé.

Dessa forma, a espiritualidade é termo mais amplo, que engloba religião e religiosidade.
Assim, não há religião sem religiosidade e sem espiritualidade, não há religiosidade sem
35

espiritualidade, mas há espiritualidade por si só. Essa visão, porém, não é compartilhada por
todos os autores. Pargament (1999, p.6) tem outra visão, para ele “um indivíduo pode ser
espiritual sem ser religioso, ou religioso sem ser espiritual”.
Nessa dissertação, quando usarmos a palavra “religião” estaremos mais próximos da
definição de Pargament, definição essa que enfatiza o lado comportamental da religião. Usarei
essa definição por se aplicar melhor à psicologia da religião e por deixar de forma evidente
certa oposição ao conceito de espiritualidade. Devo esclarecer, entretanto, que apesar do fato
desses conceitos serem opostos (no sentido comportamental) há algo que pode uni-los, que é a
noção de sagrado da fenomenologia da religião.
Optarei, entretanto, por usar com maior frequência o termo “religiosidade”, pois é um
termo bastante frequente nos estudos na área da saúde mental. (SMITH, MCCULLOGH e
POLL, 2003). É um conceito que serve mais para a nossa proposta de estudo, pois não é tão
restritivo como “religião” e nem tão amplo como “espiritualidade”.

1.1.2 Relações conturbadas entre a psiquiatria e a religiosidade

A área de estudos sobre a relação da religiosidade com a saúde mental é uma das áreas
mais promissoras do campo epistemológico da psiquiatria e das ciências da religião3. Essa
mudança de paradigma vem corrigir um erro histórico da medicina ocidental, especialmente da
psiquiatria, “que vinha tendo duas posturas principais em relação ao tema: negligência, por
considerar esses assuntos sem importância ou fora da área de interesse principal; ou oposição,
ao caracterizar as experiências religiosas dos pacientes como evidência de psicopatologias
diversas”. (SIMS, 1994 apud PANZINI, 2007b, p. 105).
Essa postura mais opositiva da religião está dentro da perspectiva iluminista e freudiana
que rondava a psiquiatria. Freud, em sua obra “O Futuro de uma Ilusão” (1974), postula que a
religião não passaria de uma espécie de neurose obsessiva coletiva, cuja única função seria
impedir que a humanidade se autodestruísse, através da contenção das pulsões violentas. Com
o progresso (conceito caro aos iluministas) da humanidade, a religião seria eliminada, pois ela
não seria mais necessária. Esse progresso da humanidade seria feito através da própria
psicanálise, inventada por Freud. Assim, Freud se coloca como um salvador da humanidade,

3 É importante destacar a relevância que tem sido dada ao tema pela Associação Brasileira de Psiquiatria. No
último congresso da entidade (Congresso Brasileiro de Psiquiatria), realizado em Florianópolis de 4 a 7 de
novembro de 2015, várias mesas redondas e conferências foram dedicadas ao tema da espiritualidade e saúde
mental. É de se destacar a conferência do psicólogo norte-americano Kenneth Pargament, intitulada “avanços
nos estudos do coping religioso/espiritual: implicações para a saúde mental”.
36

livrando-a do peso e do atraso que seria a religião.


Já na obra O Mal-Estar na Civilização, Freud não é tão esperançoso com o fim da
religião e o futuro da humanidade sem a religião. Ele aprofunda as reflexões sobre o papel da
religião para a humanidade, e termina o livro de forma pessimista, sombria mesmo:

Os homens adquiriram sobre as forças da natureza um tal controle, que, com sua ajuda,
não teria dificuldades em se exterminarem uns aos outros, até o último homem. Sabem
disso, e é daí que provém grande parte de sua atual inquietação, de sua infelicidade e
de sua ansiedade. Agora só nos resta esperar que o outro dos dois ‘Poderes Celestes’,
o eterno Eros, desdobre suas forças para se afirmar na luta com seu não menos imortal
adversário. Mas quem pode prever com que sucesso e com que resultado? (FREUD,
1974, p. 170-171).

A última frase foi acrescentada em 1931, quando a ameaça de Hitler já começava a se


evidenciar. O próprio Freud teve que recorrer à ajuda de Marie Bonaparte, em 1938, para
conseguir sair da perseguição nazista em Viena e fugir para Londres. A Segunda Grande
Guerra, que se iniciaria alguns anos depois, confirmaria o pessimismo de Freud, ou seja, o
progresso da humanidade até aquele momento não tinha levado a mesma para uma evolução no
sentido de conter os instintos de agressão e autodestruição, ela só fez com que esses instintos
ficassem ainda mais destruidores. O capítulo final seriam as bombas atômicas em Nagasaki e
Hiroshima, que jogaram a humanidade no mais profundo medo e na mais profunda crise de
sentido. Evoluímos tanto para nos autodestruir?
Podemos dizer que a visão de mundo psicanalítica predominou aproximadamente até a
década de 1970, especialmente a forte influência da psicanálise na psiquiatria, desde o
surgimento da primeira. Com o nascimento e a evolução da psicofarmacologia e das terapias
cognitivas e comportamentais, além de vários outros tipos de psicoterapias, a psicanálise
começou a perder posição, e a união entre a psiquiatria e a psicanálise começou a declinar.
Soma-se a isso o fato de vários revisionistas americanos começarem a questionar a eficácia e o
custo-benefício da psicanálise. Ao mesmo tempo, devido à queda da importância da psicanálise,
a psiquiatria e a psicologia voltaram a se aproximar da religiosidade, tanto do ponto de vista
científico, como também não científico, através dos movimentos conhecidos como “Nova Era”.
Essa citação de Moreira-Almeida (2006), evidencia a mudança de orientação:

Nas duas últimas décadas, as coisas começaram a mudar. Literalmente, milhares de


artigos têm sido publicados sobre a relação entre a religião e a saúde na literatura
acadêmica médica e psicológica. De fato, muitas escolas médicas integraram a
espiritualidade no currículo. Nos Estados Unidos, 84 de 126 escolas médicas
37

4
acreditadas estão oferecendo cursos sobre a espiritualidade na medicina.
(MOREIRA-ALMEIDA, 2006, p. 43, tradução nossa).

No Brasil, aparentemente, a situação ainda não começou a mudar. Não consegui


encontrar estudos sobre a presença de matérias relacionadas à saúde e à espiritualidade no
currículo dos cursos de medicina e de psicologia brasileiros. Tenho sido frequentemente
convidado para dar palestras sobre o tema, e em todos os casos ouvi reclamações sobre a
inexistência de qualquer matéria que aborde espiritualidade no currículo, a não ser nas
disciplinas de psicanálise que abordam o tema com viés negativo. As palestras têm sido
otimamente recebidas, de forma que talvez alguma coisa já tenha começado a mudar, fato com
o qual concorda Valle:

Só bem aos poucos esse cenário tenso foi progressivamente sendo substituído por
outro mais aberto, dando origem a novas aproximações e movimentos dentro da
psicologia […]. É inegável, contudo, que o viés antirreligioso militante de alguns
decênios atrás é coisa do passado. Reinam hoje mais objetividade e mais tolerância.
Os sinais da abertura são evidentes. (VALLE, 2005, p. 86).

A psiquiatria norte-americana, já livre da influência psicanalítica desde a década de


1980, também gradualmente percebe os ventos da mudança:

Nos últimos 30 anos, entretanto, a psiquiatra americana evoluiu para uma atitude mais
positiva e receptiva em direção à espiritualidade e a religião. Isso é devido em parte a
uma aumentada consideração para a o significado da cultura dos pacientes, como
também a evidência crescente que a religião e a espiritualidade podem ter efeitos
saudáveis na saúde mental. 5 (PARGAMENT, 2014, p. 359, tradução nossa).

Apesar do relato de Moreira-Almeida que as coisas começaram a mudar após os anos


1980, já em 1972 Nancy Andreasen (hoje uma das principais pesquisadoras da psiquiatria
biológica do mundo) já alertava para a importância da integração entre psiquiatras e sacerdotes.
Segundo a autora:

Sacerdotes de vários tipos têm preenchido o papel que psiquiatras agora preenchem
por literalmente milhares de anos, e seria de fato presunção de nossa parte assumir
que não podemos aprender nada de sua experiência. […] O muro esfarelante entre a
psiquiatria e a religião, construído pela tradição analítica, não deve ser remendado.

4 In the last two decades, things begun to change. Literally, thousands of papers have been published on the
relationship of religion and health in the medical and psychological academic literature. Indeed, many medical
schools have integrated spirituality into the curriculum. In the US, 84 out of 126 accredited medical schools are
offering courses on spirituality in medicine.
5 In the last 30 years, however, American psychiatry has evolved toward a more positive and receptive stance
toward religion and spirituality. This is due in part to an increased appreciation for the significance of patients'
culture, as well as increasing evidence that religion and spirituality can have salutary effects in mental health.
38

Ele serviu bem no seu tempo, sem dúvida. (ANDREASEN, 1972, p. 165, tradução
nossa)6.

Destaco na citação acima a referência clara que o “muro” entre a psiquiatria a


religiosidade foi construído pela tradição psicanalítica. Hoje, o “muro esfarelante” (crumbling
wall) entre a psiquiatria e a religiosidade já se esfarelou muito mais desde a época do artigo
acima citado (1972), está bem mais baixo, sendo possível um diálogo tranqüilo na maioria da
extensão do muro. É possível até mesmo pular de um lado a outro, sem grande dificuldade. Não
é desejável, no entanto, que o muro seja completamente destruído, como acontece na chamada
psiquiatria espírita, onde não há limites entre o que é psiquiátrico e o que é religioso, afinal são
ciências de campos epistemológicos bastante diferentes. Pelo menos um muro baixinho deve
ser mantido.
O sinal mais evidente de que o “muro” foi “rebaixado”, permitindo um diálogo entre os
dois lados deles, é o aumento exponencial do número de artigos científicos publicados sobre as
relações entre religiosidade, saúde mental e psiquiatria.
A antiga editora do American Journal of Psychiatry, um dos mais importantes
periódicos de psiquiatria do mundo, já mostrava sua sabedoria na década de 1970, ao perceber
a relação entre a crise de sentido da modernidade e a perda da importância da religião, e que
um diálogo entre a medicina, a psicologia e a religião é altamente benéfico aos pacientes. Ela
enfoca também a propriedade da religião em dar sentido à vida das pessoas:

Mas em uma era quando a maré da fé está baixa, quando pessoas cometem suicídio
por falta de uma causa para morrer, quando o autoritarismo moral foi sucedido pela
ética situacional, e quando a sociopatia é talvez mais comum que a histeria, clero e
clínicos fariam bem em pedir e receber uma mão amiga por entre o muro.
(ANDREASEN, 1972, p.165, tradução nossa). 7

Outro sinal importante do “esfacelamento do muro” é a inclusão, em 1994, no Manual


Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais na sua quarta edição (DSM – IV), a condição
de “problema religioso ou espiritual”, como um aspecto que pode ser foco de atenção clínica:

6 Priests of various sorts have fulfilled the role that psychiatrists now fill for literally thousands of years, and we
should indeed be presumptuous to assume that we can learn nothing from their experience. […] The crumbling
wall between psychiatry and religion, built by analytic tradition, should not be mended. It served well in its time,
no doubt.
7 But in an era when the sea of faith is at an ebbtide, when people commit suicide for lack of a cause to die for,
when moral authoritarianism has been succeeded by situational ethics, and when sociopathy is perhaps more
common than hysteria, clergyman and clinician would often do well to ask for and to receive a helping hand
across the wall.
39

Essa categoria pode ser usada quando o foco da atenção clínica é um problema
religioso ou espiritual. Exemplos incluem experiências estressantes que envolvem
perda ou questionamento da fé, problemas associados à conversão a uma nova fé, ou
questionamento dos valores espirituais, relacionados, ou não, a uma igreja organizada
ou instituição religiosa. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1994, p.
685, tradução nossa)8.

Em suma, podemos dizer com bastante certeza que atualmente existe um diálogo
bastante produtivo entre a psiquiatria, a psicologia e a espiritualidade, de acordo com as
evidências citadas acima.

1.1.3 O coping religioso-espiritual: onde a psiquiatria e a religiosidade se encontram

Podemos afirmar que o diálogo entre as ciências psi (psiquiatria e psicologia) e a


religiosidade se dá com mais facilidade através do coping religioso.
A palavra coping vem do inglês e sua tradução é difícil, por isso geralmente se opta por
escrevê-la no original. Coping é um termo psicológico que se refere a formas de enfrentar, de
lidar com uma situação difícil, a estratégias de adaptação, de resiliência. O coping religioso
constitui-se, assim, dos pensamentos que o sujeito tem para lidar com situações difíceis da vida
através dos efeitos da religião.
O coping religioso pode ser positivo ou negativo. O coping religioso positivo consiste
em pensamentos que melhoram a forma de lidar com a situação, evitando ou minimizando o
adoecimento mental e o sofrimento. Já o coping religioso negativo está relacionado a
pensamentos disfuncionais, que não auxiliam o sujeito a lidar com a situação estressante, ou
que até mesmo contribuem para originar transtornos mentais.
Como a religião funciona no sentido de melhorar a maneira com a qual se lida com uma
situação difícil? Através de cinco aspectos: sendo fonte de sentido, senso de identidade e senso
de comunidade, de conforto emocional, de controle de impulsos e finalmente, de
empoderamento e senso de controle (mastery) (PARGAMENT, 2015). E mais religião ou
espiritualidade tem sido associado com menores níveis de sintomas depressivos.
(PARGAMENT, 2014, p. 359).
A religião possibilita uma ressignificação dos eventos negativos ou dos estressores, no
sentido de que sejam compreendidos dentro de uma lógica maior (a lógica de Deus, no caso)

8 This category can be used when the focus of clinical attention is a religious or spiritual problem. Examples
include distressing experiences that involve loss or questioning of faith, problems associated with conversion to
a new faith, or questioning of spiritual values that may not necessarily be related to an organized church or
religious institution.
40

ou no sentido de um mal menor, ou seja, ajuda a relativizar as situações. Também possibilita


um convívio social que muitas vezes é o único que a pessoa tem, ou é o convívio de melhor
qualidade, no caso de a pessoa conviver em famílias que passam por problemas sociais e de
convívio.
O coping religioso-espiritual será amplamente discutido nos capítulos 2 e 3.

1.1.4 Religiosidade e depressão: aspectos psicopatológicos

A depressão é um transtorno que pode ser aliviado, não se alterar e até mesmo piorar
dependendo como o sujeito se relaciona com a religião. Se a religiosidade é fonte de sentido,
aceitação, laço social e transcendência, e se Deus é visto como amoroso, misericordioso e
compreensivo, ela (a religiosidade) pode contribuir muito para uma evolução favorável da
depressão. Por outro lado, se a religiosidade é fonte de angústia, culpa e isolamento social, e se
Deus é visto como irascível, punitivo e severo, ela vai muitas vezes contribuir para a piora da
depressão. (PARGAMENT, 1999). A isso chamamos de coping religioso negativo. Não é
possível definir se o coping religioso negativo é que ocasionou a depressão, ou a depressão que
ativou sentimentos disfuncionais para lidar com a depressão. Pois não podemos negar que a
religiosidade faz parte do ethos e da moral do sujeito, e da cultura da sociedade, influenciando
como a depressão se manifesta e em como ela é percebida.
Vemos aqui um campo de complexidade e efeitos mútuos, pois a própria depressão
altera o modo de pensar do sujeito, levando-o a ter mais ideias de culpa e mais angústia do que
normalmente teria se estivesse com o humor normal. A depressão afeta o modo como o sujeito
vive a própria religiosidade. E a religiosidade afeta o modo como o sujeito experimenta a
depressão.
Dalgalarrondo (2008, p. 155) comenta, citando Kurt Schneider, que os depressivos
podem ter ruminações religiosas dos mais variados tipos, sendo que é comum que a
autoconsciência religiosa “torture” o paciente, que se autoacusa por ter cometido pecados
imperdoáveis aos olhos de sua religião e de sua consciência, influenciado pelo estado
depressivo grave. O psiquiatra de Campinas completa, por fim, que muitos pacientes entram
numa religiosidade penosa, numa procura frenética por padres, pastores, confissões, missões e
peregrinações, que só produzem um alívio transitório.
Voltamos aqui ao que disse Pargament (1999, p.5) ao afirmar que “a maioria de nós irá
concordar com a noção que o relacionamento entre a religiosidade e o bem-estar depende do
41

tipo de religião de que estamos falando” (tradução nossa)9.


Sorenson e colaboradores (1995), citados por Dalgalarrondo (2008, p.155), encontraram
que em mães adolescentes, quanto mais religiosas elas eram (no sentido de frequência aos
cultos), mais tinham sintomas depressivos. A explicação para isso é que naquele grupo
específico, a religião fomentava sentimentos de vergonha e culpa.
Percebemos então que se a religião é vista somente como ética normativa, culpabilizante
e punitiva, isso pode gerar sintomas depressivos. Se ela é vista como acolhimento, compreensão
e auxílio em momentos difíceis, ela pode aliviar esses mesmos sintomas.
Em outro estudo, realizado por Strawbridge e colaboradores, e também citado por
Dalgallarondo (2008, p. 189), aponta que os autores perceberam que a religiosidade ajudava
em alguns tipos de situações estressantes, mas atrapalhava em outras. Por exemplo, em
dificuldades financeiras e problemas de saúde a religiosidade se mostrou benéfica; porém, nos
problemas familiares, “internos” à pessoa, a religiosidade acentuou os sofrimentos e os
conflitos.
Há outro aspecto, muito importante, e pouco estudado, é que algumas religiões
desestimulam os seus fieis a fazerem tratamento (especialmente medicamentoso) para a
depressão (DALGALLARONDO, 2008), por vários motivos (não só para a depressão, mas para
os diversos transtornos mentais, e em alguns casos para doenças médicas graves, como epilepsia
e câncer). O principal motivo é que a depressão não é vista como doença médica, e sim como
ação de alguma força sobrenatural, e dessa forma não há tratamento fora da religião. Essa falta
de incentivo ao uso dos medicamentos (às vezes até mesmo sua retirada) naturalmente contribui
para a piora do quadro depressivo. O fiel, quando não melhora só com a abordagem religiosa,
sente-se muitas vezes culpado por isso, piorando ainda mais sua depressão. Esse tema, o
abandono do tratamento medicamentoso para depressão motivado por crenças religiosas, carece
de pesquisas mais aprofundadas.
Outro fato que acontece é que a depressão afasta o paciente da própria religiosidade
(DALGALARRONDO, 2008, p. 155). Isso acontece pelos próprios sintomas do transtorno,
como desânimo, falta de energia e desesperança. O afastamento da religião acaba levando a
uma piora ainda maior dos sintomas depressivos, conforme será amplamente explorado no
decorrer dessa dissertação, criando um círculo vicioso de rebaixamento do humor. Segundo
Dalgallarondo, “alguns se queixam de que 'agora, estando em plena depressão, não conseguem

9 Most would agree with the notion that the relationship between religiousness and well-being depends on the kind
of religion we are talking about.
42

mais crer, não conseguem rezar ou confessar-se.' Eles não sabem mais o que é pecado, a imagem
do Cristo na parede não lhes diz mais nada...”
Dentro da visão junguiana, a depressão é uma experiência de isolamento, de perda de
sentido, de sofrimento, de deserto, de alienação do ego, como a descrita pelos pacientes acima.
O ego vive até certa época da vida identificado com o Self, centro da psique onde há a imagem
de Deus (imago Dei). Em determinado momento, ocorre a separação (alienação) do ego, o que
causa sofrimento a esse último, e isso é a depressão do ponto de vista junguiano. (EDINGER,
1972). Ou seja, a alienação do ego significa que o ego foi separado do seu centro, perdeu a
conexão com o centro da psique, o que dá a sensação de perda de sentido. Em um estágio
ulterior, o ego poderá voltar a se comunicar com o Self, mas somente através de uma conexão,
de uma religação (religio). A identificação nesse estágio não cabe mais, porque gera sensação
de que se é Deus. A religação gera o sentimento de que estou ligado a Deus, mas não sou ele.
Kierkegaard (apud EDINGER, 1972, p.48) afirma que o ganho do infinito [pelo ser
humano] nunca será conseguido a não ser através do desespero (itálico nosso). Jung (apud
EDINGER, 1972, p. 49) afirma que a experiência do Self é sempre uma derrota para o ego, e a
depressão representa uma derrota para o ego. Ambos falam da experiência de alienação do ego.
É conhecido o fato de que vários santos e beatos católicos também passaram por essa
fase de alienação do ego. Um dos mais conhecidos é São João da Cruz, que no século XVI
escreveu o poema A noite escura da alma, onde relata a experiência de não sentir mais Deus
em sua vida, estado esse que teria durado 45 anos. Também passaram por tal estado Madre
Teresa de Calcutá e Santa Teresa de Lisieux.
É notável a capacidade de um símbolo de expressar conceitos aparentemente
inconciliáveis. Segundo Edinger (1972, p. 50), a imagem do deserto (wilderness10) é o símbolo
clássico da alienação, da sede, do isolamento; ao mesmo tempo, é lá que acontece o encontro
com Deus. Quando aquele que está no deserto está quase morrendo, Deus aparece para
alimentá-lo (“chamado ou não, Deus aparece”11):

10 A palavra wilderness é de difícil tradução. Ela tem sido tradicionalmente traduzida como “deserto”, apesar de
não ser exatamente isso. O conceito mais próximo é o de um lugar selvagem, intocado pelo homem, que permite
o isolamento do sujeito. De forma interessante, em italiano o termo equivalente é “solitudine” que significa ao
mesmo tempo solidão e um lugar ermo, solitário. Em hebraico, língua em que o livro do Êxodo foi escrito, a
palavra deserto se diz “midbar”, que vem da palavra “dabar” que significa “falar”, que por sua vez vem da
palavra “dabyr” que significa “santuário” ou “lugar de ordem”. Assim, a palavra “midbar” em hebraico pode ser
traduzida como “deserto” ou “lugar de colocar em ordem”. (LOPEZ, 2011). Isso que se relaciona bastante com
o fato analisado aqui que o deserto tem teleologicamente a função de religar o ego ao Self (ou a Deus).
11 Jung esculpiu em pedra esse adágio de Erasmo na entrada de sua casa, em latim: “Vocatus atque non vocatus,
Deus aderit”.
43

Os Israelitas no deserto são alimentados por maná do céu (Êxodo 16:4) [...], Elias no
deserto é alimentado por corvos (Reis 17: 2-6) […]. Psicologicamente isso significa
que a experiência da função apoiadora da psique arquetípica é mais provável de
ocorrer quando o ego está exaurido de seus próprios recursos e está consciente de sua
essencial impotência por ele mesmo. “A extremidade do homem é a oportunidade de
Deus”.12(EDINGER, 1972, p. 50, tradução nossa).

Se amplificarmos essa visão de Edinger, podemos pensar que simbolicamente a


experiência de Jesus no deserto, onde foi tentado pelo Mal, equivale à experiência humana
arquetípica da wilderness, descrita acima. Jesus, no entanto, sai mais fortalecido da experiência,
e vencendo as tentações, sinaliza para um enfraquecimento do ego, e naturalmente, um
fortalecimento do Self. Jesus Cristo, para Jung, é o próprio símbolo do Si-mesmo e do ser
humano individuado.
Desta forma, como o ego pode restaurar a comunicação como o Self, livrando-se da
alienação e tirando o sujeito da depressão? Precisamos entender que a alienação já foi
“planejada” pelo Self, para que, a certa distância dele, o ego consiga “enxergá-lo”, e nesse
papel, de “religar” o ego ao Self, uma atitude religiosa diante da vida assume aspecto
fundamental. Isso será assunto a ser analisado no capítulo 3.

1.2 Estudos sobre religiosidade, espiritualidade, depressão e saúde mental

Primeiramente, faremos uma introdução sobre os principais conceitos e parâmetros


utilizados nos estudos sobre religiosidade, espiritualidade e saúde mental. Em seguida,
descreveremos os principais estudos realizados sobre o tema, dando destaque, no final, para os
estudos realizados sobre a evolução da depressão de acordo com o nível de religiosidade do
paciente.

1.2.1 Conceitos e instrumentos usados nos estudos de religiosidade e saúde mental

Nos primeiros estudos sobre religiosidade e saúde mental, chamava a atenção o fato de
os resultados serem muito contraditórios. Em alguns, a religiosidade melhorava a saúde mental,
e em outros piorava ou não alterava. A compreensão da causa dessa discrepância foi
parcialmente solucionada a partir dos conceitos de religiosidade de Gordon Allport.

12 The Israelites in the wilderness are fed by manna from heaven (Exodus 16:4) […] Elijah in the wilderness is
fed by ravens (Kings 17: 2-6). […] Psychologically this means that the experience of the supporting aspect of
the archetypal psyche is most likely to occur when the ego has exhausted its own resources and is aware of its
essential impotence by itself. “Man's extremity is God's opportunity.”
44

Segundo Allport (1967) a orientação religiosa de uma pessoa pode ser extrínseca ou
intrínseca. A orientação extrínseca marca a frequência a um determinado culto religioso:

Pessoas com essa orientação são dispostas a usar a religião para seus próprios fins.
[...] Pessoas com essa orientação podem achar a religião útil de diversas maneiras -
para promover segurança, sociabilidade e distração, status e auto-justificação. O credo
abraçado é superficialmente mantido, ou melhor, seletivamente moldado para atender
necessidades primárias. (ALLPORT, 1967, p. 434, tradução nossa).13

De certa forma, Allport vê a orientação extrínseca de forma utilitária e aparentemente


egoísta e superficial. Ele prossegue, fazendo a definição da orientação intrínseca,
diametralmente oposta à extrínseca:

Pessoas com essa orientação encontram sua motivação principal na religião. Outras
necessidades, fortes como elas podem ser, são vistas como de menos significância
última, e elas são, na medida do possível, trazidas em harmonia com as crenças
religiosas e as prescrições. Tendo abraçado um credo, o indivíduo procura internalizá-
lo e segui-lo plenamente. (ALLPORT, 1967, p. 434, tradução nossa).14

Naturalmente os indivíduos podem apresentar características das duas orientações ao


mesmo tempo, porém sempre tenderá mais para uma ou para outra. Pargament reforça essa
afirmativa, questionando essa divisão estanque entre a religiosidade intrínseca e extrínseca:

Mortais que somos, a maioria de nós está envolvida em ao mesmo tempo viver e usar
a nossa religião. Procuramos por Deus e procuramos satisfazer nossas necessidades
humanas. I [intrínseca] versus E [extrínseca], religião versus espiritualidade – essas
polarizações são sedutoras. Elas oferecem maneiras fáceis de pensar sobre o mundo e
soluções fáceis. Mas elas não são particularmente bem moldadas para um mundo
complexo que pede mais soluções bem integradas do que simplistas. (PARGAMENT,
1999, p. 10, tradução nossa).15

O mais significativo é que os estudos mostram que o impacto positivo da religião na


saúde mental vem principalmente das características da religiosidade intrínseca. Segundo
Moreira-Almeida (2006, p. 244), “a orientação intrínseca é associada com personalidade e

13 Persons with this orientation are disposed to use religion for their own ends. […] Persons with this orientation
may find religion useful in a variety of ways – to provide security and solace, sociability and distraction, status
and self-justification. The embraced creed is lightly held or else selectively shaped to fit more primary needs.
13 Persons with this orientation find their master motive in religion. Other needs, strong as they may be, are
regarded as of less ultimate significance, and they are, so far as possible, brought into harmony with the religious
beliefs and prescriptions. Having embraced a creed the individual endeavors to internalize it and follow it fully.
15 Mortals that we are, most of us are engaged in both living and using our religion. We search for God and we
search to satisfy our human needs. I versus E, religion versus spirituality – these polarizations are seductive.
They offer easy ways to think about the world and easy solutions. But they are not particularly well-suited to a
complex world that calls for well-integrated rather than simplistic solutions.
45

estado mental mais saudável, enquanto a orientação extrínseca é associada com o oposto”.

1.2.2 Instrumentos de avaliação de religiosidade (escalas)

Existem diversas escalas usadas para se medir a religiosidade de um sujeito, do ponto


de vista quantitativo e qualitativo.
Do ponto de vista qualitativo, a maneira mais estruturada de proceder à coleta desses
dados é a anamnese espiritual (quadro 1):

Quadro 1 - Anamnese espiritual.


a) Você é religioso, espiritualista, ou uma pessoa de fé? A religião é importante em sua vida?
b) Você faz parte de uma comunidade religiosa? Você frequenta as reuniões? De quais atividades participa? Com
que frequência?
c) Você faz práticas individuais como prece, meditação, lê textos religiosos, ouve programas religiosos ou escuta
músicas? Com que frequência?
d) A religião ou a espiritualidade influencia a maneira com que você vive sua vida e lida com seu problema atual?
Como? Como a sua comunidade religiosa vê o seu problema e o seu tratamento?
e) Há algum outro aspecto da sua vida religiosa ou espiritual que gostaria de dividir? Tem outra necessidade
espiritual que gostaria que fosse abordada?

Fonte: Moreira-Almeida, 2014, p. 180 (tradução nossa)16

Essas perguntas nos permitem investigar, de forma razoavelmente completa, a relação


do sujeito com a sua religiosidade, e como a religiosidade influencia no modo de lidar
(coping) com o transtorno mental.
Do ponto de vista quantitativo, existem várias escalas. Uma das mais utilizadas no Brasil
é a Escala de religiosidade de Duke, também conhecida como DUREL (Duke University
Religiosity Index) (quadro 2), que foi traduzida para o português (MOREIRA-ALMEIDA,
2008) e posteriormente validada em amostra brasileira (TAUNAY, 2012b).

16 a) Are you religious, spiritual, or a person of faith? Is spirituality (or religion) important in your life?
b) Are you part of a religious / spiritual community? Do you attend R/S (religious/spiritual) meetings? Which
activities? How often?
c) Do you perform some private such as prayer, meditation, reading religious texts, or watching/ listening to R/S
programs or songs? When? How often?
d) Does your R/S influence the way you live your life and deal with your current problem? How? […] How do
your faith and religious community see your problem and treatment? Do they support it, oppose it, or are they
neutral?
e) Are there other aspects or your life you would like to share? Do you have any other spiritual need that needs to
be addressed?
46

O índice de religiosidade de Duke apresenta 3 subíndices: religiosidade organizacional


(RO) religiosidade não-organizacional (RNO) e religiosidade intrínseca (RI). Os subíndices não
devem ser somados entre si. Pontuações abaixo de 3 para RO e RNO indicam alto nível de
envolvimento religioso, e acima de 3 baixo nível de envolvimento. Pontuações acima de 7,5
para RI indica baixo nível de envolvimento religioso, e abaixo de 7,5 alto nível de
envolvimento.
O índice DUREL apresenta adequada consistência interna (alfa de Cronbach > 0,80) e
confiabilidade teste-reteste. Correlações significantes entre os escores da DUREL com o escore
geral da WHOQOL- SRPB17 bem como medidas de sintomas psicológicos foram observadas
nas amostras utilizadas para validar a escala. (TAUNAY, 2012b, p. 130).

Quadro 2 - Índice de Religiosidade da Universidade Duke


(1) Com que frequência você vai a uma igreja, templo ou outro encontro religioso?
1. Mais do que uma vez por semana
2. Uma vez por semana
3. Duas a três vezes por mês
4. Algumas vezes por ano
5. Uma vez por ano ou menos
6. Nunca
(2) Com que frequência você dedica o seu tempo a atividades religiosas individuais, como preces, rezas,
meditações, leitura da bíblia ou de outros textos religiosos?
1. Mais do que uma vez ao dia
2. Diariamente
3. Duas ou mais vezes por semana
4. Uma vez por semana
5. Poucas vezes por mês
6. Raramente ou nunca

A seção seguinte contém três frases a respeito de crenças ou experiências religiosas. Por favor, anote o quanto
cada frase se aplica a você.

(3) Em minha vida, eu sinto a presença de Deus (ou do Espírito Santo).


1. Totalmente verdade para mim

17 O WHOQOL – SRPB (World Health Organization – spirituality, religiosity and personal beliefs) é o
instrumento de avaliação da qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde – módulo espiritualidade,
religiosidade e crenças pessoais. Moreira-Almeida e Koenig criticam tal instrumento, alegando que ele mede
bem-estar psicológico e não religiosidade intrínseca. (TAUNAY, 2012b, p. 133). Por isso não incluí tal
instrumento nas escalas de avaliação de religiosidade.
47

2. Em geral é verdade
3. Não estou certo
4. Em geral não é verdade
5. Não é verdade
(4) As minhas crenças religiosas estão realmente por trás de toda a minha maneira de viver.
1. Totalmente verdade para mim
2. Em geral é verdade
3. Não estou certo
4. Em geral não é verdade
5. Não é verdade
(5) Eu me esforço muito para viver a minha religião em todos os aspectos da vida.
1. Totalmente verdade para mim
2. Em geral é verdade
3. Não estou certo
4. Em geral não é verdade
5. Não é verdade

Fonte: Moreira-Almeida, 2008, p. 32.

As limitações do índice de religiosidade de Duke são que as perguntas, principalmente


as sobre religiosidade intrínseca, são muito superficiais. Essas últimas perguntas foram
baseadas na escala de 10 itens de religiosidade intrínseca de Hoge. (HOGE, 1972).
Hunt e King (apud HOGE, 1972, p. 369) argumentam que as definições de Allport sobre
religiosidade extrínseca x intrínseca eram muito instáveis e difusas, e além disso não diziam
sobre comportamentos religiosos, mas motivações.
Hoge concorda com as colocações de Hunt e King, e elabora um questionário composto
de 30 itens. Destes, seleciona 10 itens (quadro 3) que apresentaram maior validade,
confiabilidade (reliability), correlação item-item e item-escala.

Quadro 3 - Escala de religiosidade intrínseca de Hoge de 10 itens


1 Minha fé envolve toda a minha vida.
2 Devemos procurar guiar-nos por Deus quando tivermos que fazer qualquer decisão importante.
3 Na minha vida eu experimento a presença do Divino.
4 Minha fé às vezes restringe minhas ações.
5 Nada é mais importante para mim do que servir a Deus da melhor maneira que eu souber.
6 Eu tento esforçadamente colocar a religião sobre todos os aspectos da minha vida.
7 Minhas crenças religiosas estão por trás de toda a minha abordagem à vida.
8 Não importa o quanto eu creia desde que eu leve uma vida moral.
48

9 Embora eu seja uma pessoa religiosa, eu me recuso a deixar a religião influenciar meus assuntos do dia a dia.
10 Embora eu acredite na minha religião, sinto que há muitas outras coisas importantes na vida.

Fonte: HOGE, 1972, p. 372-373 (tradução nossa)18

Koenig sugere utilizar a escala da seguinte maneira: o paciente deve marcar de 1 a 5, 1


se a afirmativa for totalmente falsa para ele, e 5 se for totalmente verdadeira, permitindo uma
pontuação de 10 a 50. Para os três últimos itens, a pontuação deve ser invertida, visto se tratarem
de itens que falam de baixa religiosidade intrínseca, mas de forma diferente.
Essa escala, segundo Koenig (1998, p. 538), tem alta confiabilidade teste-reteste (com
91,3% de concordância depois de um intervalo de 6 semanas). Ela foi validada em dois estudos,
um pelo próprio Hoge e outro pelo próprio Koenig.
É importante salientar que a escala não foi traduzida e nem validada para o português,
mas tem muita importância nos estudos sobre religiosidade e depressão realizados por Koenig,
e é muito sensível para diversos níveis de religiosidade intrínseca.
Vamos comparar a escala de Hoge com o inventário de religiosidade intrínseca (IRI)
(quadro 4), desenvolvido em português e validado por Taunay et. al. (2012a). Essa escala foi
baseada na revisão da literatura disponível e depois discutida por especialistas em um grupo,
que no final elaborou uma escala de 10 itens. Cada afirmativa tem 5 respostas possíveis, do tipo
Likert, de modo bastante semelhante à pontuação da escala de Hoge. A escala foi então validada
em uma amostra de 323 estudantes universitários e 102 pacientes psiquiátricos. A escala
apresentou fortes correlações com a subescala de religiosidade intrínseca da DUREL (r de
Spearman de 0,87 a 0,73 nas amostras 1 e 2, respectivamente, p < 0,001) e boa validade teste-
reteste (coeficientes de correlação intraclasse > 0,70). Os autores não sugerem uma
classificação categórica (alta/média/baixa religiosidade intrínseca) de acordo com a pontuação.
Isso sugere uma classificação dimensional (um continuum) entre os níveis de religiosidade. Isso
não impede a correlação estatística do índice com os outros índices.

18 1 My faith involves all of my life.


2 One should seek God's guidance when making every important decision.
3 In my life I experience the presence of the Divine.
4 My faith sometimes restricts my actions.
5 Nothing is as important to me as serving God as best I know how.
6 I try hard to carry my religion over into all my other dealings in life.
7 My religious beliefs are what really lie behind my whole approach to life.
8 It doesn't matter só much what I believe as long as I lead a moral life.
9 Although I am a religious person, I refuse to let religious considerations influence my everyday affairs.
10 Althougy I believe in my religion, I feel there are many more importants things in life.
49

Quadro 4 - inventário de religiosidade intrínseca (IRI).


1 Você acredita na existência de um (a) Deus/entidade superior? 1 2 3 4 5
2 Sua crença religiosa é extremamente importante para você? 1 2 3 4 5
3 Sua crença religiosa é uma fonte de conforto para você? 1 2 3 4 5
4 Sua crença religiosa provê sentido e propósito para sua vida? 1 2 3 4 5
5 Sua crença religiosa é uma importante parte de você enquanto pessoa? 1 2 3 4 5
6 Sua crença religiosa é fonte de inspiração para sua vida? 1 2 3 4 5
7 Seu relacionamento com um (a) Deus/entidade superior é extremamente importante para você? 1 2 3 4 5
8 Você acredita na força da sua oração? 1 2 3 4 5
9 Você acredita na ocorrência de milagres? 1 2 3 4 5
10 Deus/entidade superior é fonte de benefícios em sua vida e dos outros? 1 2 3 4 5

1 Nunca / nada
2 Raramente / pouco
3 Ocasionalmente / médio
4 Freqüentemente / muito
5 Sempre / extremamente

Total:______

Fonte: TAUNAY, 2012a, p. 81.

Notamos que o inventário de religiosidade intrínseca é mais abrangente que a escala de


Hoge, e por isso menos específico. O inventário de Hoge foca muito sobre a influência da
religião sobre as condutas morais. O IRI é, assim, mais adequado para a realidade brasileira
mais plural em termos de religiosidade do que os Estados Unidos.
Os estudos mais recentes sobre a relação da religiosidade com a saúde mental têm
identificado que o que medeia essa relação não é tanto o nível de religiosidade, mas sim de que
forma a religiosidade é utilizada como meio de manejo do estresse. Esse é o conceito de coping
religioso, do qual falaremos mais adiante e no capítulo 3. Acrescento a escala de Coping
Religioso-espiritual que foi traduzida e validada por Panzini (2004), sendo que existem 66 itens
da escala que são de coping religioso positivo, e 21 itens são de coping religioso negativo
(totalizando 87 itens). Os itens positivos e negativos foram misturados na elaboração da escala.
Os itens 4, 6, 7, 9, 15, 18, 23, 32, 35, 36, 44, 45, 50, 51, 53, 59, 64, 73, 78, 83 e 84 são itens de
coping negativo. Os itens restantes são de coping positivo. Essa escala gera assim, alguns
scores: a média dos itens de coping positivo; a média dos itens de coping negativo; e a razão
entre o índice de coping negativo e o índice de coping positivo. Essa última razão revela, em
50

porcentagem, a utilização do coping religioso negativo em relação ao positivo; isto é, quanto


menor a porcentagem mais coping positivo o sujeito utiliza, o que segundo estudos já realizados
mostra melhores desfechos em saúde mental, especialmente na depressão.

Quadro 5: escala de coping religioso-espiritual.


PANZINI E BANDEIRA (2005) - VERSÃO BRASILEIRA DA RCOPE SCALE (PARGAMENT, KOENIG &
PEREZ, 2000)
DESENVOLVIDA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE PSICOLOGIA - CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO

Estamos interessados em saber se e o quanto você utiliza a religião e a espiritualidade para lidar com o estresse
em sua vida. O estresse acontece quando você percebe que determinada situação é difícil ou problemática, porque
vai além do que você julga poder suportar, ameaçando seu bem-estar. A situação pode envolver você, sua família,
seu trabalho, seus amigos ou algo que é importante para você.
Neste momento, pense na situação de maior estresse que você viveu nos últimos três anos. Por favor, descreva-a
em poucas palavras:
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
As frases abaixo descrevem atitudes que podem ser tomadas em situações de estresse. Circule o número que
melhor representa o quanto VOCÊ fez ou não o que está escrito em cada frase para lidar com a situação estressante
que você descreveu acima.
Ao ler as frases, entenda o significado da palavra Deus segundo seu próprio sistema de crença (aquilo que você
acredita).
Exemplo:
Tentei dar sentido à situação através de Deus.
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
Se você não tentou, nem um pouco, dar sentido à situação através de Deus, faça um círculo no número (1)
Se você tentou um pouco, circule o (2)
Se você tentou mais ou menos, circule o (3)
Se você tentou bastante, circule o (4)
Se você tentou muitíssimo, circule o (5)
Lembre-se: Não há opção certa ou errada
Marque só uma alternativa em cada questão.
Seja sincero (a) nas suas respostas e não deixe nenhuma questão em branco!
1. Orei pelo bem-estar de outros
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
2. Procurei o amor e a proteção de Deus
51

(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
3. Pedi a ajuda de Deus para perdoar outras pessoas
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
4. Revoltei-me contra Deus e seus desígnios
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
5. Procurei uma ligação maior com Deus
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
6. Questionei o amor de Deus por mim
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
7. Não fiz muito, apenas esperei que Deus resolvesse meus problemas por mim
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
8. Procurei uma casa religiosa ou de oração
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
9. Imaginei se o mal tinha algo a ver com essa situação
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
10. Procurei trabalhar pelo bem-estar social
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
11.Supliquei a Deus para fazer tudo dar certo
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
12. Busquei proteção e orientação de entidades espirituais (santos, espíritos, orixás, etc)
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
13. Procurei em Deus força, apoio e orientação
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
14. Tentei me juntar com outros que tivessem a mesma fé que eu
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
15. Senti insatisfação com os representantes religiosos de minha instituição
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
16. Li livros de ensinamentos espirituais/religiosos para entender e lidar com a situação
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
17. Pedi a Deus que me ajudasse a encontrar um novo propósito na vida
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
18. Tive dificuldades para receber conforto de minhas crenças religiosas
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
19. Procurei por amor e cuidado com os membros de minha instituição religiosa
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
20. Tentei parar de pensar em meus problemas, pensando em Deus
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
21. Fui a um templo religioso
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
22. Fiz o melhor que pude e entreguei a situação a Deus
52

(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
23. Fiquei imaginando se Deus estava me castigando pela minha falta de fé
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
24. Pratiquei atos de caridade moral e/ou material
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
25. Senti que Deus estava atuando junto comigo
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
26. Roguei a Deus para que as coisas ficassem bem
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
27. Pensei em questões espirituais para desviar minha atenção dos meus problemas
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
28. Através da religião entendi porque sofria e procurei modificar meus atos para melhorar a situação
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
29. Procurei me aconselhar com meu guia espiritual superior (anjo da guarda, mentor, etc)
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
30. Voltei-me a Deus para encontrar uma nova direção de vida
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
31. Tentei proporcionar conforto espiritual a outras pessoas
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
32. Fiquei imaginando se Deus tinha me abandonado
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
33. Pedi para Deus me ajudar a ser melhor e errar menos
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
34. Pensei que o acontecido poderia me aproximar mais de Deus
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
35. Não tentei lidar com a situação, apenas esperei que Deus levasse minhas preocupações embora
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
36. Senti que o mal estava tentando me afastar de Deus
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
37. Entreguei a situação para Deus depois de fazer tudo que podia
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
38. Orei para descobrir o objetivo de minha vida
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo

39. Realizei atos ou ritos espirituais (qualquer ação especificamente relacionada com sua crença: sinal da cruz,
confissão, jejum, rituais de purificação, citação de provérbios, entoação de mantras, psicografia, etc.)
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
40. Agi em colaboração com Deus para resolver meus problemas
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
41. Imaginei se minha instituição religiosa tinha me abandonado
53

(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
42. Focalizei meu pensamento na religião para parar de me preocupar com meus problemas
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
43. Procurei por um total re-despertar espiritual
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
44. Procurei apoio espiritual com os dirigentes de minha comunidade religiosa
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
45. Rezei por um milagre
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
46. Segui conselhos espirituais com vistas a melhorar física ou psicologicamente
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
47. Confiei que Deus estava comigo
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
48. Busquei ajuda espiritual para superar meus ressentimentos e mágoas
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
49. Procurei a misericórdia de Deus
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
50. Pensei que Deus não existia
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
51. Questionei se até Deus tem limites
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
52. Assisti a programas ou filmes religiosos ou dedicados à espiritualidade
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
53. Convenci-me que forças do mal atuaram para tudo isso acontecer
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
54. Busquei ajuda ou conforto na literatura religiosa
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
55. Ofereci apoio espiritual a minha família, amigos...
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
56. Pedi perdão pelos meus erros
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
57. Participei de sessões de cura espiritual
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo

58. Agi em parceria com Deus, colaborando com Ele


(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
59. Imaginei se Deus permitiu que isso me acontecesse por causa dos meus erros
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
60. Assisti cultos ou sessões religiosas/espirituais
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
54

61. Tentei fazer o melhor que podia e deixei Deus fazer o resto
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
62. Envolvi-me voluntariamente em atividades pelo bem do próximo
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
63. Ouvi e/ou cantei músicas religiosas
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
64. Sabia que não poderia dar conta da situação, então apenas esperei que Deus assumisse o controle
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
65. Avaliei meus atos, pensamentos e sentimentos tentando melhorá-los segundo os ensinamentos religiosos
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
66. Recebi ajuda através de imposição das mãos (passes, rezas, bênçãos, magnetismo, reiki, etc.)
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
67. Procurei auxílio através da meditação
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
68. Procurei ou realizei tratamentos espirituais
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
69. Tentei lidar com a situação do meu jeito, sem a ajuda de Deus
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
70. Tentei encontrar um ensinamento de Deus no que aconteceu
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
71. Tentei construir uma forte relação com um poder superior
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
72. Comprei ou assinei revistas periódicas que falavam sobre Deus e questões espirituais
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
73. Senti que meu grupo religioso parecia estar me rejeitando ou me ignorando
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
74. Participei de práticas, atividades ou festividades religiosas ou espirituais
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
75. Montei um local de oração em minha casa
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
76. Tentei lidar com meus sentimentos sem pedir a ajuda de Deus
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
77. Procurei auxílio nos livros sagrados
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
78. Imaginei o que teria feito para Deus me punir
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
79. Tentei mudar meu caminho de vida e seguir um novo – o caminho de Deus
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
80. Procurei conversar com meu eu superior
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
55

81. Voltei-me para a espiritualidade


(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
82. Busquei ajuda de Deus para livrar-me de meus sentimentos ruins/negativos
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
83. Culpei Deus pela situação, por ter deixado acontecer
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
84. Questionei se Deus realmente se importava
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
85. Orei individualmente e fiz aquilo com que mais me identificava espiritualmente
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
86. Refleti se não estava indo contra as leis de Deus e tentei modificar minha atitude
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo
87. Busquei uma casa de Deus
(1) nem um pouco (2) um pouco (3) mais ou menos (4) bastante (5) muitíssimo

Fonte: PANZINI, 2004, p.234-238.

Por último, é importante descrever o inventário de depressão de Beck (quadro 6),


instrumento amplamente utilizado em pesquisas para se verificar a gravidade da depressão,
segundo o modelo cognitivo. O inventário de depressão de Beck foi traduzido e validado por
Gorenstein e Andrade (1998), sendo sua pontuação feita da seguinte forma: 0 a 13 pontos: sem
depressão ou depressão mínima; 14 a 19 pontos: depressão leve; 20 a 28 pontos, depressão
moderada; 29 a 63 pontos: depressão grave.

Quadro 6: inventário de depressão de Beck (BDI).


1)
0.Não me sinto triste.
1.Eu me sinto triste.
2.Estou sempre triste e não consigo sair disto.
3.Estou tão triste ou infeliz que não consigo suportar.

2)
0.Não estou especialmente desanimado quanto ao futuro.
1.Eu me sinto desanimado quanto ao futuro.
2.Acho que nada tenho a esperar.
3.Acho o futuro sem esperança e tenho a impressão de que as coisas não podem melhorar.
3)
56

0. Não me sinto um fracasso.


1.Acho que fracassei mais do que uma pessoa comum.
2.Quando olho para trás, na minha vida, tudo o que posso ver é um monte de fracassos.
3.Acho que, como pessoa, sou um completo fracasso.
4)
0.Tenho tanto prazer em tudo como antes.
1.Não sinto mais prazer nas coisas como antes.
2.Não encontro um prazer real em mais nada.
3.Estou insatisfeito ou aborrecido com tudo.
5)
0.Não me sinto especialmente culpado.
1.Eu me sinto culpado grande parte do tempo.
2.Eu me sinto culpado na maior parte do tempo.
3.Eu me sinto sempre culpado.
6)
0.Não acho que esteja sendo punido.
1.Acho que posso ser punido.
2.Creio que serei punido.
3.Acho que estou sendo punido.
7)
0.Não me sinto decepcionado comigo mesmo.
1.Estou decepcionado comigo mesmo.
2.Estou enjoado de mim.
3.Eu me odeio.
8)
0.Não me sinto, de qualquer modo, pior que os outros.
1.Sou crítico em relação a mim por minhas fraquezas ou erros.
2.Eu me culpo sempre por minhas falhas.
3.Eu me culpo por tudo de mau que acontece.
9)
0.Não tenho quaisquer idéias de me matar.
1.Tenho idéias de me matar, mas não as executaria.
2.Gostaria de me matar.
3.Eu me mataria se tivesse oportunidade.
10)
0.Não choro mais do que o habitual.
1.Choro mais agora do que costumava.
2.Agora, choro o tempo todo.
3.Costumava ser capaz e chorar, mas agora não consigo, mesmo que o queira.
11)
57

0.Não sou mais irritado agora do que já fui.


1.Fico aborrecido ou irritado mais facilmente do que costumava.
2.Atualmente me sinto irritado o tempo todo.
3.Não me irrito mais com as coisas que costumavam me irritar.
12)
0.Não perdi o interesse pelas outras pessoas.
1.Estou menos interessado pelas outras pessoas do que costumava estar.
2.Perdi a maior parte do meu interesse pelas outras pessoas.
3.Perdi todo o meu interesse pelas outras pessoas.
13)
0.Tomo decisões tão bem quanto antes.
1.Adio as tomadas de decisões mais do que costumava.
2.Tenho mais dificuldade em tomar decisões do que antes.
3.Não consigo mais tomar decisões.
14)
0.Não acho que minha aparência esteja pior do que costumava ser.
1.Estou preocupado por estar parecendo velho ou sem atrativos.
2.Acho que há mudanças permanentes na minha aparência que me fazem parecer sem atrativos.
3.Acredito que pareço feio.
15)
0.Posso trabalhar tão bem quanto antes.
1.Preciso de um esforço extra para fazer alguma coisa.
2.Tenho que me esforçar muito para fazer alguma coisa.
3.Não consigo mais fazer trabalho algum.
16)
0.Consigo dormir tão bem como o habitual.
1.Não durmo tão bem quanto costumava.
2.Acordo um a duas horas mais cedo que habitualmente e tenho dificuldade em voltar a dormir.
3.Acordo várias horas mais cedo do que costumava e não consigo voltar a dormir.
17)
0.Não fico mais cansado do que o habitual.
1.Fico cansado com mais facilidade do que costumava.
2.Sinto-me cansado ao fazer qualquer coisa.
3.Estou cansado demais para fazer qualquer coisa.
18)
0.Meu apetite não está pior do que o habitual.
1.Meu apetite não é tão bom quanto costumava ser.
2. Meu apetite está muito pior agora.
3.Não tenho mais nenhum apetite.
19)
58

0.Não tenho perdido muito peso, se é que perdi algum recentemente.


1.Perdi mais de dois quilos e meio.
2.Perdi mais de cinco quilos.
3.Perdi mais de sete quilos.
Estou tentando perder peso de propósito, comendo menos: Sim Não
20)
0.Não estou mais preocupado com minha saúde do que o habitual.
1.Estou preocupado com problemas físicos, tais como dores, indisposição do estômago ou prisão de ventre.
2.Estou muito preocupado com problemas físicos e é difícil pensar em outra coisa.
3.Estou tão preocupado com meus problemas físicos que não consigo pensar em qualquer outra coisa.
21)
0.Não notei qualquer mudança recente no meu interesse por sexo.
1.Estou menos interessado por sexo do que costumava estar.
2.Estou muito menos interessado em sexo atualmente.
3.Perdi completamente o interesse por sexo.

Fonte: Gorenstein; Andrade, 1998.

Optei por usar no estudo, a ser descrito no capítulo 2, a escala de religiosidade intrínseca
de Taunay, a escala de coping-religioso espiritual, o inventário de depressão de Beck e a
anamnese espiritual.
Sabemos de antemão que escalas são instrumentos incompletos para se avaliar
fenômeno tão complexo e pessoal. Porém, é o que temos disponível até agora, e por isso a
importância de um estudo qualitativo.

1.2.3 Estudos científicos sobre religiosidade e saúde mental

Na busca realizada no Medline19 com os termos religiosity e mental health, ou


spirituality e mental health, ou religion e mental health, encontramos 139 artigos, quando
restringimos esses termos ao título do artigo. Se expandirmos um pouco e incluirmos os
abstracts encontramos 961 artigos. Nessa última busca, o artigo mais antigo é de 1969.
Notamos também que a quantidade de artigos vem apresentando crescimento significativo a
partir do ano de 2011. Até o presente momento de 2015, contamos 106 artigos, maior que toda
a quantidade de 2014 (96 artigos).
Em busca realizada no Portal de Periódicos da CAPES, em 18 de março de 2016, com

19 Busca realizada em 23/10/2015.


59

os termos booleanos religion OR spirituality AND mental health OR depression, foram


encontrados 26.926 artigos! Devido à quantidade de artigos, foram selecionados então apenas
artigos de três autores já consagrados nesse campo de estudo, Harold Koenig, Alexandre
Moreira-Almeida e Kenneth Pargament, reduzindo a quantidade para 271 artigos (muitos
aparecendo de forma repetida, pois o programa de busca da CAPES conta como 2 artigos
distintos se o mesmo artigo aparece em diferente base de dados). Os títulos desses artigos foram
lidos, sendo então pré-selecionados apenas os que, na interpretação do autor dessa dissertação,
se relacionavam ao tema da mesma. Dessa pré-seleção, os abstracts foram lidos, e selecionados
apenas os de maior relevância, em especial as revisões sistemáticas da literatura e os artigos
relacionados à evolução da depressão de acordo com o nível de envolvimento religioso. Com a
leitura desses artigos, bem como de suas referências bibliográficas, foram encontrados outros
artigos que se relacionavam ao tema da dissertação.
Primeiramente será analisada a relação entre religiosidade e saúde mental de forma
geral. Para isso, destaco aqui a revisão sistemática realizada por Bonelli e Koenig (2013), que
selecionaram 43 artigos de alta qualidade publicados de 1990 a 2010, nas revistas de psiquiatria
e neurologia de maior destaque. Uma relação entre maior nível de envolvimento religioso e
menor incidência ou prevalência de transtornos mentais foi encontrada em 31 dos artigos
(72,1%). O autor deixa claro que preferiu usar o termo “envolvimento religioso” a “crenças
espirituais” e reconhece as dificuldades implicadas nisso, pois os dois termos são usados nos
estudos.
Ainda de acordo com a revisão sistemática citada no parágrafo anterior, destaco os
resultados para cada grupo de transtornos mentais (transtornos mentais segundo a classificação
da CID - 10). Para os transtornos mentais orgânicos (por exemplo, demências), nos 2 artigos
analisados maiores níveis de religiosidade foram relacionados a menor declínio cognitivo. Para
abuso de substâncias, 6 dos 9 artigos revisados encontraram evidências de que maior
religiosidade está associada a menor prevalência de abuso de substâncias psicoativas. No caso
da esquizofrenia, 4 dos 5 artigos da revisão encontraram uma correlação entre a alta
religiosidade e maior adesão ao tratamento, bem como maior bem-estar. No caso do transtorno
bipolar, nos 2 artigos estudados, os resultados são inconclusivos ou até mesmo negativos. No
caso do suicídio, no entanto, a religiosidade teve um importante papel protetor nas atitudes,
pensamentos e comportamentos relacionados ao suicídio.
60

1.2.3.1 Estudos transversais sobre depressão e religiosidade

Para a depressão, ainda citando a revisão sistemática de Bonelli; Koenig (2013), os


resultados foram que 16 dos 19 artigos encontraram menos depressão nos sujeitos mais
religiosos. Em 3 estudos, os resultados foram inconclusivos, e entre esses 3 estudos, 2 deles
encontraram uma associação em “U”, ou seja, os muito religiosos, ou os muito pouco religiosos
tinham mais depressão (BONELLI; KOENIG, 2013, p. 667). Isso sugere, segundo o mesmo
autor (p. 669), que “a vida religiosa para ser verdadeiramente saudável (como o amor) precisa
de uma certa quantidade de liberdade interior e flexibilidade20”.
McCullogh e Larson também publicaram, em 1999, uma revisão da literatura sobre
religião e depressão.
De acordo com essa revisão, quanto à relação da depressão com a filiação religiosa, os
resultados foram que judeus (vivendo nos Estados Unidos) e pessoas sem religião definida tem
maior risco para desenvolver transtornos depressivos. No caso dos judeus, um risco duas vezes
maior que membros de outros grupos religiosos (MCCULLOGH & LARSON, 1999, p. 127).
Para os católicos, os estudos têm resultados inconsistentes, o que leva o autor a concluir que
não há relação entre as duas variáveis, ou seja, os católicos têm a mesma quantidade de
depressão que as outras denominações religiosas. Os resultados para os pentecostais também
são inconsistentes, de modo que não é possível tirar nenhuma conclusão definitiva.
Ainda de acordo com a revisão de McCullogh e Larson (1999), analisaremos os
resultados encontrados para a relação entre nível e qualidade de envolvimento religioso e
depressão. Quanto à religiosidade organizacional (por exemplo, frequência a cultos), os autores
citam que a maioria dos estudos encontra uma pequena relação negativa entre depressão e
religiosidade, ou seja, menos depressão nos sujeitos que frequentam mais os cultos. Quanto ao
efeito longitudinal da religiosidade organizacional na depressão, os estudos sugerem que para
cristãos norte-americanos e europeus a religiosidade tem um efeito protetor no risco de
desenvolver depressão. Para judeus americanos, entretanto, a religiosidade organizacional
aumenta (itálico meu) o risco de ter depressão. Quanto ao efeito da prece e atividades religiosas
privadas, o efeito tanto na prevalência de depressão quanto na velocidade de remissão da
depressão foi insignificante. Por fim, o efeito da religiosidade intrínseca na depressão foi
bastante significativo, com uma correlação substancial entre altas medidas de religiosidade
intrínseca e baixos índices de depressão. Ainda segundo os mesmos autores citados no início

20 Religious life to be truly healthy (like love) needs a certain amount of inner freedom and flexibility.
61

desse parágrafo, esses sujeitos “ […] também parecem recuperar mais rapidamente de episódios
depressivos e são menos propensos a se tornarem deprimidos ao longo do tempo”. 21
Posteriormente, outra metanálise sobre depressão e religiosidade foi realizada por
Smith, McCullogh e Poll em 2003.
Foram analisados 147 estudos, totalizando 98.975 participantes, chegando a um
tamanho de efeito geral de – 0,096 (p <0,000001, intervalo de confiança de 95% = - 0,11 a –
0,08). Um tamanho de efeito pequeno, de forma que se pode concluir que a religiosidade influi
em apenas 1% na variância da gravidade dos sintomas depressivos na população (SMITH;
MCCULLOGH; POLL, 2003, p. 626). Apesar de pequeno, foi um efeito que se aplicou a toda
a população, independente do gênero, etnia ou idade, e estatisticamente muito significativo.
Quando o efeito da religiosidade na depressão foi medido apenas nas populações que estavam
vivendo estresse moderado a grave, o efeito foi bem maior (-0,141 e -0,152, respectivamente).
Esse efeito da religiosidade em reduzir o impacto do estresse na saúde mental é conhecido como
“efeito tampão”. Em um estudo citado na metanálise, que analisou o efeito da religiosidade em
pais que perderam filhos recentemente, o efeito foi ainda maior (-0,33).
Destaco também, ainda citando a metanálise acima, que a orientação religiosa extrínseca
e o coping religioso negativo foram associados a maior risco de depressão, com tamanhos de
efeito bastante grandes (0,239 e 0,230, respectivamente).

1.2.3.2 Estudos longitudinais sobre depressão e religiosidade

No tema específico dessa dissertação, que é a evolução da depressão de acordo com o


grau de religiosidade, destacarei os poucos estudos realizados até o momento.

1.2.3.2.1 Estudo 1

No primeiro estudo realizado sobre o tema (segundo os autores), publicado por Koenig
et. al. em 1998, foram acompanhados 111 pacientes com mais de 60 anos, internados em um
centro médico universitário por motivos clínicos (ou seja, não devido a uma doença
psiquiátrica). Esses pacientes fizeram um screening para depressão. Dos 111 pacientes que
marcaram mais que 16 pontos na escala de depressão do Centro para Estudos Epidemiológicos

21 They also appear to recover more quickly from depressive episodes and are less likely to become depressed
over time.
62

(CES-D), 94 foram diagnosticados com depressão por um psiquiatra usando uma entrevista
estruturada. Na alta hospitalar, os pacientes foram seguidos por telefone, por 4 vezes, em
intervalos de 12 semanas.
Durante o seguimento, 47 pacientes tiveram remissão da depressão. A religiosidade
intrínseca foi significante e independentemente relacionada ao tempo para remissão, mas a
frequência à igreja e atividades religiosas privadas (ou seja, religiosidade extrínseca) não foram.
Os pacientes deprimidos com maiores scores de religiosidade intrínseca tiveram remissão mais
rápida que os pacientes com baixos scores (risco relativo = 1,54, intervalo de confiança de 95%
= 1,0 – 2,39, p = 0,05). Os autores então concluíram que maior religiosidade intrínseca predisse
de forma independente tempo mais curto de remissão. É importante destacar que a religiosidade
intrínseca não é limitada por problemas de saúde, eles podem até mesmo aumentá-la.
Outros fatores também predisseram menor tempo de remissão para a depressão nesse
estudo: maior qualidade de vida, menor prejuízo das atividades de vida diária e ausência de
história familiar de doença psiquiátrica. O tratamento não teve efeito no desfecho da depressão,
seja nos pacientes com depressão maior seja nos pacientes com quadros subsindrômicos.

1.2.3.2.2 Estudo 2

Em 1997, Braam et. al.22 publicaram estudo realizado na Holanda com 177 idosos
vivendo na comunidade, sobre a influência da religiosidade na incidência e evolução da
depressão. A depressão foi medida através da Escala de Depressão do Centro para Estudos
Epidemiológicos (CES-D). A religiosidade foi medida através de um construto que os autores
chamaram de “saliência religiosa”, ou seja, a importância relativa da fé em relação a outros
aspectos da vida. O sujeito tinha que escolher 3 de 8 domínios, a saber, 1, uma boa renda, 2,
uma família harmoniosa, 3, boa saúde, 4, memórias cheias de significado, 5, uma boa vida
conjugal, 6, uma fé forte, 7, muito amigos e 8 uma boa casa. Se “uma fé forte” estivesse entre
as escolhidas, a religião era considerada de grande importância na vida do sujeito.
Destaco que o método descrito acima para avaliar o grau de religiosidade é muito
superficial, mas esse foi um dos primeiros estudos longitudinais sobre depressão e religiosidade
e na época não havia muitas escalas validadas, de forma que os autores tiveram que inventar
um método próprio de medição.

22 Se verificarmos o ano de publicação (1997), na realidade esse é o primeiro estudo publicado sobre influência
da religiosidade na evolução da depressão, e não o estudo do Koenig de 1998, mérito que foi relatado por ele no
seu estudo.
63

Os resultados foram que a presença da saliência religiosa não foi associada a menor
incidência de depressão. Porém, ela foi muito significativa no que refere a melhora da
depressão. Nos sujeitos com má saúde física, a associação foi ainda mais proeminente.
(BRAAM et. al., 1997, p. 199).

1.2.3.2.3 Estudo 3

Em 2003, Bosworth et. al. publicaram estudo que acompanhou 114 pacientes geriátricos
com depressão. Eles fizeram medidas de religiosidade pública, privada e de coping religioso
positivo e negativo (através de escala elaborada por Pargament em 2000). Também fizeram
medidas de depressão através da escala de Montgomery-Asberg (MADRS) na entrada no estudo
e após 6 meses.
Os resultados foram que a religiosidade pública foi associada a menores pontuações na
MADRS ao final do estudo, mas a religiosidade privada não. Além disso, maiores pontuações
de coping religioso positivo foram relacionados a menores pontuações na MADRS ao final do
estudo.
Esse estudo não usou o construto tradicional da maioria dos estudos em religiosidade e
depressão, que é religiosidade extrínseca x intrínseca. Ao invés disso, ele usou religiosidade
privada x pública (ou seja, formas extrínsecas na DUREL) e coping religioso (que está
relacionado diretamente à religiosidade intrínseca).

1.2.3.2.4 Estudo 4

Koenig publicou em 2007 estudo que acompanhou 839 pacientes internados com
insuficiência cardíaca congestiva e/ou doença pulmonar crônica, também portadores de
depressão. Ele encontrou que a combinação de frequentar atividades religiosas, prece, estudo
da Bíblia e alta religiosidade intrínseca (medida pela escala de Hoge) predisse um aumento de
53% na velocidade da remissão da depressão (hazard-ratio 1,53, intervalo de confiança de 95%
1,2 – 1,94, p = 0,0005). Quando se controlou para apoio social, o efeito se manteve
estatisticamente significante (apesar de inferior: hazard-ratio = 1,45, p = 0,003).
O autor conclui que a gravidade da depressão não fez diferença no efeito da
religiosidade. Ele também recomenda que os profissionais devem encorajar seus pacientes a
procurarem apoio na religião que eles já frequentam. Outro dado importante que a pesquisa
concluiu é que os pacientes que não se envolvem em atividades religiosas ou não são religiosos
64

têm maior risco de ter depressão persistente. No entanto, eles não devem ser incentivados a
“virarem” religiosos, pois não há suporte na literatura para isso. (KOENIG, 2007, p. 394).

1.2.3.2.5 Estudo 5

Em 2010, Dew et. al. publicaram estudo que acompanhou 145 adolescentes de 12 a 18
anos, portadores de depressão, durante 6 meses, fazendo medidas de depressão pela BDI no
início e no término do acompanhamento. Em termos longitudinais, o único achado significativo
foi que os adolescentes que relataram “perda da fé” no início do estudo tiveram pior evolução
da depressão, fazendo dessa característica um fator de mau prognóstico para a depressão em
adolescentes.

1.2.3.2.6 Estudo 6

Miller et. al. publicaram em 2012 estudo que acompanhou 114 crianças dos 10 anos aos
20 anos de idade, cujos pais tinham ou não depressão. A religiosidade dessas crianças foi
medida, através de três perguntas: qual a importância da religiosidade/espiritualidade para
você? Qual a frequência que vai a cultos? Você faz parte de alguma organização religiosa? Elas
foram divididas em 2 grupos: o de alto risco (cujos pais tinham depressão) e os de baixo risco
(cujos pais não tinham).
O grupo de alto risco teve o dobro de incidência de depressão do grupo de baixo risco,
durante o acompanhamento. E o grupo que declarou alta importância da religião/espiritualidade
teve um quarto do risco de ter depressão comparado aos outros participantes (com baixa
importância da religião/espiritualidade). No grupo de alto risco com episódio prévio de
depressão, os que relataram alta importância da religiosidade/espiritualidade tiveram 5 vezes
menos risco de ter uma recorrência da depressão. Quando se comparou os dois grupos de alto
risco, os que relataram alta importância da religião/espiritualidade tiveram um décimo da
incidência de depressão em relação aos que declararam baixa importância. São resultados muito
expressivos.
Chegamos a uma conclusão com esse estudo: relatar alta importância da
religião/espiritualidade pode ter um efeito protetor forte sobre a recorrência da depressão, efeito
ainda maior nos adultos com história paterna ou materna de depressão.
Esse estudo também explica por que a religião funciona muito para prevenir depressão
em algumas pessoas e em outras o efeito é estatisticamente insignificante. Talvez porque ela
65

funcione bem mais naquelas pessoas com alta tendência familiar à depressão.

1.2.3.2.7 Resumo dos estudos transversais e longitudinais de religiosidade e depressão

Analisando todos os estudos sobre religiosidade e depressão, chegamos a alguns pontos


em comum:
a) as amostras de pacientes utilizadas nos estudos são muito heterogêneas;
b) as escalas para medir religiosidade são muito diferentes entre os estudos, de forma
que é necessário que haja um instrumento de mais ampla utilização;
c) pessoas com mais religiosidade tem menor prevalência de depressão, mas a mesma
incidência; esse efeito é maior para religiosidade intrínseca, mas também existe para a
religiosidade extrínseca;
d) para todas as pessoas, a religiosidade parece ter um efeito protetor fraco tanto na
prevalência quanto na evolução da depressão, tornando-se um fator de bom prognóstico. Para
os idosos esse efeito é mais pronunciado. Para os idosos com doença física, ou que estão
passando por algum tipo de estresse, ou tem pouco apoio social, esse efeito da religiosidade na
depressão é ainda mais pronunciado;
e) para as pessoas com alta tendência familiar à depressão, a religiosidade também tem
um efeito protetor significativo;
f) os mecanismos pelos quais a religiosidade atenua a depressão ainda não estão
totalmente esclarecidos, faltam pesquisas qualitativas sobre o tema.

1.3 Aspectos diagnósticos e epidemiológicos da depressão

Nessa seção, começaremos analisando a depressão do ponto de vista do diagnóstico


oficial pelo DSM – 5. Depois, descreveremos seus principais aspectos epidemiológicos,
enfatizando a sua relevância em termos de geração de incapacidade, especialmente laborativa.

1.3.1 Depressão: da tristeza normal à doença incapacitante

A depressão está presente na história da humanidade desde os tempos mais remotos. A


própria Bíblia, no Antigo Testamento, contém um dos mais antigos e impressionantes relatos
de sintomas depressivos: “sempre que o espírito mandado por Deus se apoderava de Saul, Davi
apanhava sua harpa e tocava. Então Saul sentia alívio e melhorava, e o espírito maligno o
66

deixava. (1Sm, 16:23). No entanto, Saul acabou cometendo autoextermínio:

1 E aconteceu que, em combate com os filisteus, os israelitas foram postos em fuga e


muitos caíram mortos no monte Gilboa. 2 Os filisteus perseguiram Saul e seus filhos,
e mataram Jônatas, Abinadabe e Malquisua, filhos de Saul. 3 O combate foi ficando
cada vez mais violento em torno de Saul, até que os flecheiros o alcançaram e o
feriram gravemente. 4 Então Saul ordenou ao seu escudeiro: “Tire sua espada e mate-
me com ela, senão sofrerei a vergonha de cair nas mãos desses incircuncisos”. Mas
seu escudeiro estava apavorado e não quis fazê-lo. Saul, então, pegou sua própria
espada e jogou-se sobre ela. (BÍBLIA SAGRADA, 1Sm, 31:1-4). (Itálico nosso).

Mais de trinta séculos se passaram e a depressão acompanhou a humanidade. Vamos


diretamente à sua definição pelo Manual Diagnóstico e Estatísticos dos Transtornos Mentais
(DSM - 5), cuja quinta edição foi lançada em 2014.

Quadro 7 – Critérios diagnósticos de transtorno depressivo maior pelo DSM-5


A. Cinco ou mais dos sintomas seguintes presentes por pelo menos duas semanas e que representam mudanças
no funcionamento prévio do indivíduo; pelo menos um dos sintomas é: 1) humor deprimido ou 2) perda de
interesse ou prazer (Nota: não incluir sintoma nitidamente devido a outra condição clínica):

1. Humor deprimido na maioria dos dias, quase todos os dias (p. ex.: sente-se triste, vazio ou sem esperança)
por observação subjetiva ou realizada por terceiros (Nota: em crianças e adolescentes pode ser humor irritável);
2. Acentuada diminuição do prazer ou interesse em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia,
quase todos os dias (indicado por relato subjetivo ou observação feita por terceiros);
3. Perda ou ganho de peso acentuado sem estar em dieta (p.ex. alteração de mais de 5% do peso corporal em
um mês) ou aumento ou diminuição de apetite quase todos os dias (Nota: em crianças, considerar incapacidade
de apresentar os ganhos de peso esperado);
4. Insônia ou hipersônia quase todos os dias;
5. Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observável por outros, não apenas sensações subjetivas
de inquietação ou de estar mais lento);
6. Fadiga e perda de energia quase todos os dias;
7. Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada (que pode ser delirante), quase todos os dias
(não meramente autorrecriminação ou culpa por estar doente);
8. Capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se ou indecisão, quase todos os dias (por relato subjetivo ou
observação feita por outros);
9. Pensamentos de morte recorrentes (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano
específico, ou tentativa de suicídio ou plano específico de cometer suicídio;

B. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional


ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo;
C. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex.: droga) ou outra condição
médica.
67

(Notas: 1. Os critérios de A-C representam um episódio depressivo maior; 2. Respostas a uma perda significativa
(luto, perda financeira, perda por um desastre natural, uma grave doença médica ou invalidez) podem incluir
sentimentos de tristeza intensa, reflexão excessiva sobre a perda, insônia, falta de apetite e perda de peso
observado no critério A, que pode assemelhar-se a um episódio depressivo. Embora estes sintomas possam ser
compreensíveis ou considerados apropriados para a perda, a presença de um episódio depressivo maior em adição
a uma resposta normal a uma perda significativa, deve também ser considerado cuidadosamente. Esta decisão,
inevitavelmente, requer o exercício de julgamento clínico baseado na história do indivíduo e as normas culturais
para a expressão de angústia no contexto de perda);
D. A ocorrência de episódio depressivo maior não é melhor explicada por transtorno esquizoafetivo,
esquizofrenia, transtorno delirante ou outro transtorno especificado ou não do espectro esquizofrênico e outros
transtornos psicóticos;
E. Não houve nenhum episódio de mania ou hipomania anterior (Nota: esta exclusão não se aplica se todos os
episódios tipo maníaco ou hipomaníaco forem induzidos por substância ou atribuíveis aos efeitos fisiológicos
de outra condição médica).

Fonte: American Psychiatric Association, 2014.

É importante tecer alguns comentários sobre os critérios diagnósticos para depressão,


no que se refere às mudanças ocorridas do DSM – IV (de 1994) para o DSM – 5. A principal
delas, que tem sido muito criticada, é que o DSM possibilita o diagnóstico de depressão mesmo
em caso de luto, desde que se cumpram os critérios diagnósticos. Antes o luto no DSM – IV
durava 4 meses, hoje com mais de 2 semanas já se permite o diagnóstico. É importante frisar
que há uma nota (já citada nos critérios acima), que explica bem como se deve proceder:

Respostas a uma perda significativa (p. ex., luto, ruína financeira, perdas por um
desastre natural, uma doença médica grave ou incapacidade) podem incluir
os sentimentos de tristeza intensos, ruminação acerca da perda, insônia, falta de apetite
e perda de peso observados no critério A, que podem se assemelhar a um episódio
depressivo. Embora tais sintomas possam ser entendidos ou considerados
apropriados à perda, a presença de um episódio depressivo maior, além da resposta
normal a uma perda significativa, também deve ser cuidadosamente considerada.
(Itálico nosso). Essa decisão requer inevitavelmente o exercício do julgamento clínico
baseado na história do indivíduo e nas normas culturais para a expressão de sofrimento
no contexto de uma perda. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p.
161).

Depois, há outra nota que explica que os sintomas de depressão tendem a ser mais
persistentes ao longo do dia, enquanto os de luto são mais episódicos, vindo em ondas
conhecidas como “dores do luto”, geralmente associadas a pensamentos ou lembranças do
falecido.
O autor considera infundadas as críticas ao DSM – 5 nesse aspecto, pois o Manual deixa
68

claro que para diferenciar o luto normal do patológico é imprescindível o julgamento clínico, o
compreender a história do indivíduo, deixando a arte do diagnóstico e da diferenciação na mão
do psiquiatra. Sabemos que muitos pacientes iniciam um episódio depressivo após uma perda
significativa e isso não pode ser desprezado, pois o paciente precisa iniciar o tratamento o
quanto antes.
As criticas ao DSM, vindas principalmente da psicanálise freudiana e lacaniana, se
baseiam na premissa que os psiquiatras estariam “medicalizando a tristeza”. Antonio Quinet,
psicanalista lacaniano, resume a sua visão:

A medicalização da tristeza […] não impediu seu tratamento como manifestação do


ser pela filosofia […]. A psicanálise é atualmente o que se inscreve contra o
mainstream comandado pela psiquiatria e pela indústria farmacêutica. Triste destino
transformar a dor da perda em enfermidade a ser tratada! (QUINET, 2009, p. 221).

Acusar a psiquiatria de “medicalização da tristeza” é uma estratégia psicanalítica que


visa a uma demarcação de posições, através de rotulagem. A psiquiatria e o DSM reconhecem
que a tristeza é um sentimento normal quando acontece uma perda, e não deve ser medicada.
Mas não podemos também deixar de nos atentar para o fato de que vários pacientes iniciam um
quadro depressivo que necessitará de tratamento, às vezes medicamentoso, em seguida a uma
perda, e que a psicanálise poderá optar por não “medicalizar”. A diferenciação dos dois quadros
é o ponto de maior dificuldade, que envolve experiência, técnica e intuição por parte dos
profissionais.
A psiquiatria também reconhece a importância da psicoterapia, de qualquer orientação,
no papel de ajudar o paciente a ressignificar sua perda, tenha ele depressão ou tristeza normal.
O psicólogo pós-junguiano James Hillman (1993) elabora interessante teoria sobre o
assunto. Segundo o autor, as posições da psiquiatria e da psicologia são inconciliáveis, pois elas
têm missões diferentes. A discussão acima, dessa forma, não faz muito sentido na visão de
Hillman.
Para ele, a missão da psiquiatria, como parte da medicina, é salvar vidas. Nesse ponto,
fará de tudo para classificar e curar o seu doente. A depressão, como quadro clínico, se for
diagnosticada deverá ser tratada. A psicologia profunda, na figura do analista, deve ocupar-se
com a metáfora da psique ou alma (HILLMAN, 1993, p. 59). Faz parte da psique a experiência
da tristeza, é a sua linguagem, o analista não deve eliminá-la, deve entender o seu significado.
E psique, segundo Jung, é naturalmente religiosa, de forma que um sujeito com uma atitude
religiosa perante a vida poderá conseguir entender o significado da sua depressão.
69

1.3.2 O fardo global da depressão

Ao longo da história, as doenças mentais nunca foram prioridade no planejamento da


saúde, sofrendo com falta de recursos e segregação (WHITEFORD, 2013, p. 1575). Porém nos
últimos anos a comunidade científica tem se preocupado mais com o impacto das doenças na
saúde e na qualidade de vida, ou seja, sua morbidade, e não se pode deixar as doenças mentais
de lado devido à sua alta morbidade (WHITEFORD, 2013, p. 1575).
É assunto controverso na literatura se a incidência de depressão tem aumentado ao redor
do mundo. Diversas metanálises analisaram o assunto, chegando a resultados díspares. Alguns
estudos mostram um aumento da depressão no mundo, especialmente entre os mais jovens,
resultado contestado por outras análises (SPIERS, 2012; JAMA, 1992).
Sua prevalência, porém, aumenta sem dúvida alguma, constituindo importante
contribuição a esse aumento o crescimento da expectativa de vida da população. E
comparativamente com sua alta prevalência, a depressão é uma doença com baixa mortalidade
diretamente devido à doença.
Os estudos chamados “o fardo global da doença” são realizados desde 1990, de dez em
dez anos. Eles avaliam a prevalência de diversas doenças ao redor do mundo, calculando
também medidas que dizem a respeito do impacto das doenças na sociedade. Algumas doenças
são muito prevalentes, mas tem pouco impacto, como a cárie dental, já outras são pouco
prevalentes mas geram afastamentos do trabalho, má qualidade de vida e as vezes invalidez,
como a esclerose múltipla. O estudo avalia esses dois fatores, gerando uma estimativa do fardo
da doença. A depressão é uma doença muito prevalente, atingindo em torno de 10% das
mulheres e 5 % dos homens, e também com grande taxa de gerar incapacidade.
Para se avaliar esse fardo, esses estudos se utilizam de três medidas. A primeira são os
“anos de vida perdidos devido a mortalidade prematura” (YLLs – years of life lost to premature
mortality): esse cálculo é feito multiplicando-se o número de mortes devido determinada doença
pela expectativa de vida padrão para aquela idade em que a morte ocorre. Dessa forma, maior
impacto na medida será causado quanto mais jovem a pessoa morrer, e quanto mais prevalente
for a doença. (OMS, 2006).
A segunda medida é chamada de “anos vividos com invalidez” (YLDs – years lived
with disability), ou seja, quantos anos a pessoa “perdeu” devido ao fato de estar em mau estado
de saúde. (OMS, 2006).
A terceira medida é chamada de “anos de vida ajustados a invalidez” (DALYs –
disability adjusted life years). Chega-se a essa medida somando-se as duas medidas anteriores,
70

de forma a dar a quantidade de anos de vida saudável perdidos. (INSTITUTO DE MÉTRICA


E AVALIAÇÃO EM SAÚDE, 2013). Essa medida é que proporciona a melhor estimativa do
fardo de determinada doença.
No primeiro estudo de fardo global, em 1990, a depressão foi a doença mais
incapacitante no mundo inteiro, medida em YLDs, e a quarta maior causa de fardo de doença
medida em DALYs. (WHITEFORD, 2013, p. 1575).
No último estudo, feito em 2010, foram estudadas diversas doenças mentais. “As
doenças mentais e relacionadas ao abuso de substâncias foram a maior causa do fardo de
doenças não-fatais”, ou seja, maior número de YLDs. (WHITEFORD, 2013, p. 1579). A
depressão (envolvendo transtorno depressivo maior e distimia), foi o transtorno responsável por
42% do fardo das doenças mentais, e ficou em segundo lugar geral em termos de YLDs.
(FERRARI, 2013, p.1). A depressão ficou em décimo-primeiro lugar quando se avalia o seu
impacto em termos de DALYs.
Porém, nas projeções para 2020, a depressão será a segunda maior causa de invalidez
(medida em DALYs), perdendo apenas para as doenças cardiovasculares. Já nos países em
desenvolvimento se tornará a primeira. (MURRAY, 1997, p. 1502). Nas projeções para 2030,
a depressão se tornará a primeira causa de invalidez ao redor do mundo, sendo um peso ainda
maior nos países em desenvolvimento. (BBC BRASIL, 2009).
Se a incidência de depressão não está aumentando nos últimos anos, como explicar o
aumento do seu impacto como causa de invalidez? Em primeiro lugar, isso vem do fato da
prevalência de depressão estar aumentando, para isso contribuindo o aumento da expectativa
de vida da população, que também se aposenta cada vez mais tarde, aumentando o número de
pessoas que não conseguem trabalhar devido à depressão. Em segundo, vem o fato da evolução
rápida da medicina, especialmente na área da medicina cardiovascular, levando à reduzida
mortalidade e morbidade dessas doenças, historicamente responsáveis pela maior
morbimortalidade. Por último, o fato de poucos pacientes fazerem tratamento da depressão (em
torno de um terço), contribuindo para o impacto da depressão na saúde pública, em detrimento
de outras doenças.
Por outro lado, se considerarmos que a incidência da depressão está de fato aumentando,
especialmente na população jovem e mais produtiva, chegamos mais facilmente à explicação
do aumento do fardo da depressão como causa de invalidez.
A região metropolitana de São Paulo é a maior das Américas, e a quinta maior do
mundo, abrigando 10% da população brasileira, o que equivale a 20 milhões de habitantes.
Em um grande estudo realizado por Laura Andrade e diversos outros pesquisadores
71

nacionais e internacionais, foram entrevistados 5037 adultos, a partir de 18 anos, residentes na


região metropolitana de São Paulo. Os dados encontrados foram alarmantes. Na amostra
avaliada, 29,6 % dos participantes tinha pelo menos um transtorno mental, com uma
distribuição igualitária entre três graus de gravidade (1/3 leve, 1/3 moderado e 1/3 grave)
(ANDRADE, 2012, p. 4), e dessa forma, 10% dos habitantes da região metropolitana de São
Paulo têm algum transtorno mental grave.
Os transtornos de ansiedade foram os mais comuns (19,9% da amostra), seguidos pelos
transtornos de humor (11%). Desses 11%, aproximadamente 10% são transtornos depressivos
(transtorno depressivo maior e distimia) e 1% transtorno afetivo bipolar. Isso equivale a dizer
que 2 milhões de pessoas da região metropolitana de São Paulo têm algum grau de depressão.
Para os transtornos de humor, especificamente, não houve diferenças significativas da
prevalência entre as diferentes classes sociais. (ANDRADE, 2012).
Ainda citando os dados de tal pesquisa, São Paulo é a cidade com maior prevalência de
transtorno mentais no mundo, superior a estimativa dos Estados Unidos (26,2%), e duas vezes
as estimativas para os outros países com renda intermediária participantes da pesquisa. A
depressão também foi mais frequente do que nos outros países da América Latina que
participaram da pesquisa (Colômbia e México). (ANDRADE, 2012, p. 9).
Desses portadores de doenças mentais, dois terços não receberam nenhum tipo de
tratamento no último ano, número bastante alto em comparação com países de renda mais alta,
onde esse número cai pela metade. (ANDRADE, 2012, p. 9).

1.3.3 Conclusões

As doenças mentais, especialmente a depressão, são um grave problema de saúde


pública no Brasil. Nas grandes cidades, como São Paulo, a prevalência é bastante alta. Seu
impacto na qualidade de vida das pessoas tem aumentado ao longo dos anos, de forma que
medidas urgentes são necessárias. No âmbito da saúde em geral, campanhas esclarecedoras,
que informem a população sobre a depressão, ajude a diminuir o preconceito e aumente a
procura por tratamento. No âmbito da saúde pública, aumento da capacitação das equipes de
atenção básica para reconhecer, orientar e tratar a depressão. Sobre isso um dado preocupante:
a minoria dos portadores de depressão (um terço) faz tratamento, seja por preconceito ou por
falta de acesso.
Vimos anteriormente que a religiosidade (especialmente na sua forma intrínseca) é um
fator de proteção para os transtornos depressivos, bem como contribui para sua melhor evolução
72

e bom prognóstico. Mas de que maneira a religiosidade influi na evolução da depressão? As


depressões têm sido mais graves devido à secularização da sociedade? Como se relaciona o
sujeito deprimido com a sua transcendência? São perguntas que tentarei responder nos
próximos capítulos.
73

CAPÍTULO 2: TRABALHO DE CAMPO: EVOLUÇÃO DE PACIENTES COM


DEPRESSÃO SEGUNDO O NÍVEL E O TIPO DE ENVOLVIMENTO RELIGIOSO

Nesse capítulo, farei uma breve introdução sobre a psicologia da religião e sua relação
com as ciências da religião. Depois, apresentarei os conceitos e instrumentos utilizados nas
pesquisas sobre religiosidade e saúde mental. Por fim, apresentarei os casos clínicos
acompanhados por mim na pesquisa de campo e farei interpretações a partir da perspectiva da
psicologia da religião.

2.1 Da psicologia da religião

Nessa seção, discutiremos algumas problematizações dentro do estudo da psicologia da


religião, que forneceu a base teórica para a análise dos casos que serão apresentados a seguir.
Começo com uma definição de psicologia da religião:

A Psicologia da Religião é o estudo do comportamento religioso pela aplicação dos


métodos e teorias dessa ciência a este fenômeno, quer pelo aspecto social, quer pelo
aspecto individual. Nesse sentido, seu objeto de estudo não se refere à prova da
existência ou inexistência de um ser ou de seres supramundanos nos quais se crê, nem
se trata da defesa ou crítica de alguma religião ou expressão religiosa específica; antes,
é o estudo científico, descritivo e objetivo, do fenômeno religioso no que se refere ao
comportamento humano – por excelência, o objeto e trabalho da Psicologia.
(RODRIGUES; GOMES, 2013, p. 333).

Como ainda citado pelos mesmos autores, a Psicologia da Religião ainda não desfruta
de alta respeitabilidade acadêmica, por dois motivos principais: a complexidade e a
subjetividade da experiência religiosa e a pluralidade de referencial teórico e metodológico da
própria psicologia.
Mesmo assim, a Psicologia da Religião é um campo que vem ganhando grande
vitalidade dentro das Ciências da Religião (FILORAMO, 1999, p. 188). Essa relação,
entretanto, nem sempre é livre de conflitos e controvérsias. Para Hock (2010, p. 161), a
psicologia da religião desempenha um papel de subordinação frente às outras disciplinas das
Ciências da Religião. Para ele, há uma desconfiança entre os psicólogos e os cientistas da
religião:

Psicólogos, não raro indiferentes em questões de fé ou até críticos em relação à


religião, possuem frequentemente um certo ceticismo diante do empreendimento de
tornar objeto de pesquisa psicológica algo que tem a ver com religião. De modo
inverso, pesquisadores da religião nutrem ocasionalmente uma desconfiança diante de
74

questões e perspectivas psicológicas, julgadas por eles reducionistas ou insensíveis a


dimensões religiosas. (HOCK, 2010, p. 162).

Porque acontece a situação relatada por Hock? Do lado dos psicólogos e, por extensão,
dos psiquiatras, ainda há grande dificuldade em se abordar e estudar de modo (pelo menos
parcialmente) isento o tema da religião. Isso está relacionado a diversos fatores.
O primeiro, e talvez o mais importante, se deve à influência da psicanálise freudiana na
maioria dos psicólogos e psiquiatras, especialmente no Brasil, na Argentina e na França. Mesmo
os que não usam tal abordagem como método terapêutico (cuja eficácia nos transtornos mentais
tem sido cada vez mais questionada), receberam alguma influência do neurologista vienense.
Para Sigmund Freud, “a religião é totalmente supérflua, e a religiosidade uma expressão de
infantilidade. O ser humano pode se libertar dessa infantilidade, mas não o precisa
necessariamente – é deixado à sua própria decisão se quer ou não permanecer infantil”. (HOCK,
2010, p. 173). Freud era um médico positivista, que compartilhava a visão comum do final do
século XIX e início do século XX: de que a ciência seria a salvação da humanidade. Nesse
aspecto, não haveria lugar para a religiosidade, vista como uma forma primitiva e atrasada de
ciência.
O segundo fator é que os psicólogos e psiquiatras são em geral pessoas que tem baixa
religiosidade. (CURLIN, 2007, p. 1193). Isso faz com que seja mais provável que não
compreendam a vivência religiosa do paciente, e a importância que isso tem na vida do mesmo.
Porém, em um estudo feito nos Estados Unidos (MCCORD, 2004, p. 356), até 83% dos
pacientes de médicos em geral queriam que o tema fosse abordado nas consultas. Essa baixa
religiosidade se choca com as crenças dos clientes, já que “[...] na clínica psicológica, 'a maioria
dos clientes é religiosa', e que 'as pessoas pertencem a filiações religiosas cada vez mais
diversificadas', o que implica a necessidade de conhecimento e investigação do modo de ser
religioso dos pacientes”. (ANCONA-LOPEZ apud FRANCO, 2013, p. 403).
O terceiro fator, talvez mais secundário, é a convivência dos profissionais psi com
quadros psiquiátricos e psicológicos em que a religião faz parte da psicopatologia, como por
exemplo nos delírios místico-religiosos e nas alucinações com vozes de entes religiosos. A
religião então é vista mais como patologia do que como contribuinte para boa saúde mental.
E por que os cientistas da religião têm tanta reserva com as abordagens psicológicas? A
minha hipótese, a partir da afirmativa de Hock que os cientistas da religião acham as abordagens
religiosas insensíveis às dimensões religiosas, é que boa parte dos cientistas da religião veio da
Teologia e/ou são sacerdotes ou pastores. Dessa forma, talvez vejam a psicologia como uma
ameaça à religião, principalmente na sua forma institucionalizada. Não é possível negar que
75

estão parcialmente certos, em vista da psicologia da religião, na maioria das abordagens, focar
na imanência da religião, em detrimento da transcendência.

2.2 Os sujeitos deprimidos e sua religiosidade

Na presente seção, descreverei a pesquisa qualitativa e quantitativa que realizei com


pacientes portadores de depressão, analisando como a depressão melhora ou piora de acordo
com o nível de envolvimento religioso. Após descrever os resultados, analisaremos como a
relação entre a depressão e a religiosidade se insere na história de vida dos pacientes, com
transcrições dos relatos dos mesmos e a posterior interpretação desses relatos, à luz da
psicologia da religião. Discutiremos também as limitações do estudo realizado, bem como as
contribuições que o mesmo pode dar à psicologia da religião.

2.2.1 Casos clínicos em psiquiatria e religiosidade

Quando comecei meu trabalho como psiquiatra clínico, há aproximadamente 14 anos,


sempre me chamou a atenção a importância que a religiosidade tinha na vida dos pacientes.
Muitos tentavam conversar sobre o assunto comigo, porém devido à falta de formação na
residência médica sobre como abordar esse tema eu encerrava o assunto. Na realidade, nos
únicos momentos da minha residência médica em que a religião foi estudada, esse estudo foi
feito de forma enviesada, pois consistiu na leitura e discussão da obra O mal-estar na civilização
(1974), de Freud, em que a religião é colocada como neurose obsessiva da humanidade. Durante
anos, conversar sobre religião com um paciente era uma espécie de tabu, um assunto particular
que deveria ser respeitado, mas não falado. Confesso que isso me provocava grande
inquietação, porém não sabia como ir contra essa corrente tão forte. Ao estudar o assunto,
percebi que a religiosidade não era um tema que devia “ficar de fora” da consulta psiquiátrica,
e nem da abordagem dos profissionais de saúde em geral.
Tal afirmativa é corroborada pelo estudo de McCord (2004, p. 356), que encontrou que
83% dos pacientes gostariam que seu médico perguntasse sobre suas crenças religiosas pelo
menos em certas circunstâncias. As situações em que os pacientes mais desejariam que o
questionamento fosse realizado são as situações de perda de ente querido e nos casos de doenças
letais ou graves. Resultado similar foi encontrado por Esperandio (2014, p. 822), que realizou
pesquisa com profissionais de saúde, e encontrou que 53% desses profissionais consideram que,
em sua opinião, os pacientes gostariam de ser abordados quanto a questões espirituais. Nessa
76

mesma pesquisa, 68% dos profissionais relataram ser importante reconhecer as necessidades
espirituais dos pacientes, porém apenas 18,1 % abordam essas questões com frequência. De
forma surpreendente, 83% desses mesmos profissionais relataram que utilizam da
espiritualidade para lidar com seus próprios sofrimentos. A autora finaliza dizendo que os
profissionais reconhecem a importância da espiritualidade na prática clínica, mas talvez por
falta de treinamento específico não o fazem. (ESPERANDIO, 2014, p. 822).

2.2.2 Metodologia

A proposta do trabalho de campo do presente estudo é pesquisa eminentemente


qualitativa. Entrevistei 11 (onze) pacientes, que já estavam em acompanhamento com outros
médicos no ambulatório de transtornos do humor do Instituto Raul Soares (IRS) da Fundação
Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), que antes de concordarem com a pesquisa
assinaram termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Os nomes foram mantidos em
sigilo.23
Quanto ao trabalho quantitativo, dentro de um universo estimado de 40 pacientes que
acompanham no ambulatório do IRS com quadro de depressão unipolar sem sintomas
psicóticos, a seleção de 11 pacientes implicou numa margem de erro de 20% para mais ou para
menos nos resultados, dentro de um intervalo de confiança de 87% (cálculo feito pela
calculadora de amostras do site Netquest). Isso significa que em 87% das vezes em que a
pesquisa for realizada ela produzirá um resultado que estará dentro da margem de erro de 20%
para mais ou para menos.
Essas entrevistas se justificam já que na área da relação da espiritualidade com o
transtorno depressivo faltam estudos qualitativos (SMITH; MCCULLOGH; POLL, 2003, p.
630; MOREIRA-ALMEIDA; KOENIG; LUCCHETTI, 2014, p. 181). A anamnese espiritual
(MOREIRA-ALMEIDA; KOENIG; LUCCHETTI, 2014, p. 180) foi utilizada para guiar a
coleta de dados sobre a relação pregressa e atual do paciente com sua religiosidade e como ele
usa a religiosidade para lidar com seus problemas (incluindo a depressão). A anamnese
espiritual é uma entrevista semiestruturada (MANZINI, 2016). Outras perguntas que julguei
necessárias foram realizadas.
O referencial teórico para a interpretação das entrevistas é a psicologia da religião.

23
O presente estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da PUC – Minas
(CAAE:51407615.4.0000.5137) e da FHEMIG (CAAE: 51407615.4.3002.5119).
77

Dentre as correntes da psicologia da religião que utilizarei, destaco a psicologia do coping


religioso-espiritual de Kenneth Pargament (PARGAMENT, 1999; 2000; 2015), a psicologia
analítica de Carl Gustav Jung (JUNG, 1990; 1993; 2008; 2011a; 2011b), a teoria de atribuição
da causalidade de Spilka, Kirkshaver e Fitzpatrick (SPILKA; SHAVER; KIRKPATRICK,
1985), a psicologia evolucionária e a psicologia existencial. Essa última faz suas interpretações
a partir da ideia da crise de sentido da contemporaneidade.
As entrevistas foram gravadas através de um celular, sendo no mesmo dia transferidas
para um programa de guarda de dados (Evernote) e protegidas através de senha, sendo então
apagadas do programa de gravação do celular. Depois, as entrevistas foram transcritas
integralmente, utilizando alguns símbolos que dizem a respeito de tonalidade e outros detalhes
da linguagem oral. (MANZINI, 2016).

Quadro 8 – Sinais utilizados na transcrição.


SINAL SIGNIFICADO

+ ou (2,0 s). + pausa breve, ou indicativo de tempo (2,0


segundos).

Palavras escritas em MAIÚSCULAS. Ênfase ou acento forte na palavra.

((dois parênteses)) Comentários do analista.

[Colchetes] Explicações que foram necessárias quando a


pergunta ou a resposta ficou subentendida em
perguntas anteriores que não foram transcritas.
São necessários para quem está lendo só um
fragmento da entrevista.
Fonte: Manzini, 2016, p. 8.

Tentei fazer com a que a entrevista refletisse o mais fielmente possível a fala do
paciente, de forma que elas contêm algumas expressões coloquiais e da linguagem falada. No
entanto, é impossível fazer transcrição perfeita: algo inevitavelmente se perde. Procurei
transcrever em pouco tempo após a realização da entrevista, para manter um (possível)
sentimento do momento da entrevista.
A totalidade da transcrição não foi utilizada nos resultados e no texto da dissertação, e
nem optei por colocá-lo no apêndice, por motivos éticos. A transcrição integral encontra-se em
78

minha posse e será destruída após a defesa da dissertação. Apenas trechos que destacaram e
exemplificaram pontos importantes da relação do sujeito com a religiosidade foram publicados
nessa seção. Os nomes e os gêneros24 dos pacientes são mantidos em sigilo, bem como fatos e
características que poderiam de alguma forma identificar os sujeitos por terceiros que
eventualmente viessem a ler essa dissertação.
Apresento as entrevistas caso a caso, pois ao longo da pesquisa percebi que a relação do
sujeito com a sua religiosidade é única, de forma que se eu apresentasse como grupo
prejudicaria o objetivo do trabalho, que é apresentar o como a religião funciona25
individualmente a princípio, mas depois em grupo.
Depois, o paciente respondeu a três escalas: ao inventário de religiosidade intrínseca, ao
inventário de depressão de Beck e à escala de coping religioso-espiritual, já descritas no
primeiro capítulo.
No final do estudo, depois de 60 a 90 dias da entrada do paciente, medi novamente o
grau de depressão pelo BDI. Faço correlação do grau de melhora da depressão com o grau de
religiosidade intrínseca e com a forma como o sujeito se relaciona com a religiosidade (ou a
ausência dela).
Os critérios de inclusão para a pesquisa foram:
a) pacientes ambulatoriais, maiores de 18 anos, portadores de episódio depressivo,
transtorno depressivo recorrente ou distimia pelo DSM-5;
b) pacientes com crítica de morbidade preservada, ou seja, tinham a capacidade de
reconhecer que estavam deprimidos;
c) pacientes portadores de quadro moderado a grave através do Inventário de Depressão
de Beck (BDI), ou seja, 20 pontos ou mais;
d) pacientes capazes de entender a realização da pesquisa e que concordaram em assinar
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Os critérios de exclusão para a pesquisa foram:
a) pacientes com grave lentificação psicomotora ou estado avançado de desnutrição
devido à depressão;
b) pacientes com sintomas psicóticos não congruentes com o humor deprimido.

24
Optei, para dar maior fluência ao texto, em padronizar todos os pacientes para o gênero masculino. É verdade
que questões de gênero, que influenciaram a evolução de alguns casos, tiveram que ser colocadas de lado em
nome do sigilo.
25
Faço referência aqui ao livro de Ilkka Pyysiainen, How religion works.
79

2.2.3 Entrevistado A - “falaram que era demônio”.

BDI inicial = 27. BDI final = 29. Variação absoluta= -2. IRI = 36 (alto). CRE: 136 %
negativo.
Médico (M): qual a sua religião?
Paciente (P): ((risos)) evangélica, mas eu não estou indo em nenhuma…
M: você não está frequentando?
P: não, nada...eu era da Assembleia…
M: Assembleia de Deus, não é?
P: isso.
M: tem muito tempo que você não frequenta, que você não participa?
P: tem. Muito tempo né? Mais de 8 anos…Mais do que 8…
I (irmão): porque de 8 anos você pelo menos ia uma vez por semana, agora nem isso!
Oito para cá é nenhuma! […]
M: [a religião] influencia na maneira como você vive seus problemas?
P: (4,0) influencia na maneira como você vive seus problemas...como assim? Me
ajuda a entender…
M: a religiosidade te ajuda por exemplo a lidar com a depressão, ou te atrapalha ou
não tem nada a ver?
P: as vezes eu estou tão para baixo que + não penso em nada né, nem em Deus mesmo.
Mas eu acredito que ele faz milagres, eu acredito. Mas tem vez que não, que eu estou
totalmente fora assim do contexto de igreja, de nada, de tudo, de mim mesmo...de
tudo...nem penso em Deus, não penso em nada, nem em mim, entendeu? Se a pergunta
for basicamente sobre isso…[...]
M: por que? [Sobre parar de ir na igreja após ter depressão]
P: ++ ah é porque foi ++ tem dia que não dá vontade nem de levantar da cama, aí
como você vai em outro lugar? Aí quando te pergunta assim: por que você não está
indo na igreja? Ah, é porque eu não tenho força para ir. Mas não quer dizer que eu
não esteja acreditando em Deus...eu penso em Deus, às vezes né, porque tem vez que
que está tão forte que nem não penso em nada. É um pouco contraditório isso né?
M: é, é sim!
P: mas tem vez que eu acredito assim fielmente, mesmo não estando lá, indo lá na
igreja, ouvindo a palavra, mas eu creio né, mas tem vez que eu não quero saber de
nada, nem de mim, nem de nada, nem de mim mesmo, de nada, nada, nada, só quero
ficar no meu quarto trancado, com a porta fechada, a janela fechada, sem televisão,
sem som, sem nada, e quanto menos pessoa parar para vir conversar comigo é melhor,
que eu não quero conversar com ninguém, entendeu? Eu fico assim. Tem vez que
estou mais aberto, aí quando estou mais aberto, de vez em quando ainda vou na igreja.
M: você ficou muito tempo sem ir?
P: sim, tem muito tempo ((risos))
M: como que a sua igreja vê o seu problema atual da depressão, seu tratamento?
P: eu não sei. Não estou indo...
I: ((o irmão interrompe imediatamente)) não tem nem como ver, que você não está
indo!
P: ninguém está indo me visitar, então não tem como. Mas eu posso falar de quando
eu comecei. Quando eu comecei o tratamento, parecia uma escadaria lá em casa, de
oração. Um monte de gente ia, orava, orava, orava, descia, aí vinha um monte de
gente, orava, orava, orava, descia, aí no início tive muito apoio da igreja, mas embora
algumas pessoas acreditavam que aquilo era demônio, que não é doença. Eu já cheguei
brigar várias vezes por esse motivo. Porque eu estava doente, não quer dizer que era
demônio, e as pessoas acreditavam que é demônio. Sendo que é uma doença, não é
uma coisa que é demoníaco. Então isso na minha cabeça mexia muito, eu ficava muito
nervoso, aí chegou com um fim que eu já não queria receber ninguém mais, de igreja
nenhuma. Aí que eu me afastei totalmente. Aí então eu não tenho como dizer assim o
que a igreja pensa...porque eu me afastei totalmente, eu não quis saber mais de nada.
M: então na experiência que você teve te deram apoio, mas também alguns falavam
que era demônio.
80

P: isso, aí eu fui ficando irritado, chateado e aí eu fui me afastando, hoje eu não vou
em lugar nenhum, ninguém vai lá em casa e se for ainda é possível eu ainda não
receber ((risos)). (Fim da entrevista).

Esse caso foi peculiar, pois o irmão do paciente pediu para participar da entrevista, e
durante todo o tempo fazia comentários a respeito das respostas do paciente. Se por um lado
pode ter inibido algumas respostas, por outro mostrou ao pesquisador um pouco do ethos em
que vive o paciente. Alguns comentários mais relevantes do irmão foram colocados no texto.
O irmão demonstrou atitude carinhosa e presente, porém cobrava que o paciente deveria
frequentar mais a igreja.
Transcrevi quase a totalidade da entrevista desse paciente, pois demonstra na prática
diversos aspectos da psicologia da religião.
O primeiro é que o sujeito quando está muito deprimido abandona as atividades
religiosas, o que, frequentemente, faz com que ele piore seu nível de energia, aumente seu
isolamento social e consequentemente piore seu humor deprimido (dentro de uma visão
puramente behaviorista), criando assim um ciclo vicioso.
O segundo é relacionado com as crenças religiosas do grupo sobre a depressão e o
comportamento desse grupo. No caso, o grupo religioso do paciente (no caso, Assembleia de
Deus) deu-lhe apoio no início do quadro, visitando-o e fazendo orações, mas dentro desse grupo
alguns falaram que o problema dele estava relacionado ao demônio. Isso lhe causou certa
revolta, por não concordar com essa alegação, e o paciente acabou abandonando o convívio
religioso (o que, naturalmente, levou à piora da depressão).
Ao se reunir os dados de sua anamnese espiritual com as suas características de
personalidade (algo pueril, e muito ligado à figura do irmão, a quem espontaneamente fala que
é como um pai), pensamos numa ligação superficial com a religiosidade. Quando ele estava
bem, a ligação era forte, mas bastou vir a depressão que ele parou até mesmo de pensar em
Deus. Ele demorou a entender as perguntas “como a religiosidade influencia na sua vida?”,
“como a religiosidade te faz lidar com a depressão?”, pois talvez nunca tinha parado para refletir
nesses pontos. Nessa lógica, a entrevista pode ter sido até benéfica para o paciente, pois o levou
a refletir sobre a sua depressão e a sua religiosidade.
No entanto, o dado empírico é que o paciente apresentou piora do quadro depressivo na
segunda avaliação, com queda de 2 pontos na escala BDI. Apresenta padrão de coping religioso-
espiritual bastante polarizado para o coping negativo (136%) e escores baixos de coping tanto
negativo (1,57 em 5) quanto positivo (1,15 em 5). Isso na prática significa que o paciente se
utiliza pouco dos recursos da sua religiosidade, e quando os usa, há uma predominância de
81

crenças negativas e disfuncionais (que não o ajudam a lidar melhor com o estresse).

2.2.4 Entrevistado B - “eu neguei Deus e ele não me destruiu”.

BDI inicial = 47. BDI final = 29. Variação absoluta: 18. IRI 11/50 (muito baixo).
CRE = 144 % negativo (escore de coping negativo 2,09/5, escore de coping positivo 1,45/5).

Médico (M): você acredita em Deus?


Paciente (P): já...quando eu era mais novo eu acreditava, sempre assim né...desde
pequeno eu meio que testava hipóteses em algumas coisas...eu ia quebrando a cara, e
causava muito sofrimento, aí as vezes eu tinha a sensação de abandono, de ser
abandonado por Deus sabe...já tive umas coisas assim na infância...e tinha pessoa lá
na minha família, e minha avó apontava muita coisa, coisa bíblica assim para mim, e
acho que eu me interessava muito, escutava, e acho que ficava pensando, tipo
comparando a minha vida com as coisas espirituais que ela pelo menos me falava. E
tinha muita diferença de uma coisa para outra...tinha muita hipocrisia também, dela
mesma como pessoa...muita coisa não fazia sentido. O meu desgosto da religião deve
ter vindo daí...
M: você se lembra quando você parou de acreditar em Deus?
P: eu lembro mais ou menos quando eu estava com uns 23, 24 anos, que resolvi tomar
uma posição, que era negar Deus, eu estou revoltado com a vida mesmo, vou negar
Deus e ele vai me destruir. Se ele for verdadeiro mesmo, todo mundo tem medo de
negar Deus, e de ir para o inferno, essa coisa, e dar uma desgraça toda na vida da
pessoa...eu vou negar a Deus e foda-se... Que ele me destrua. Nisso eu estava com uns
colegas, com essa coisa na cabeça, eu bebi, a gente festejou. Estava fazendo uma
zoeira, uma coisa assim...No dia seguinte acordei de ressaca, e olhei, estava a mesma
coisa...ele não me destruiu nada...estava tudo como era mesmo...
M: isso de certa forma lhe provou que ele não existia?
P: isso. Isso para mim ficou muito claro. Senão ele tinha me destruído...conforme a
crença que eu tinha né...todo mundo faz aquele terrorismo...você não pode falar mal
porque senão vai acontecer alguma coisa com você...você não pode fazer isso, você
não pode deixar de acreditar...sempre vai acontecer alguma coisa ruim se você negar
a existência desse Deus...porque tem vários deuses...a gente está mais ligado nesse
Deus cristão mas na verdade tem vários. Esse dia foi tipo um divisor de águas, eu
neguei Deus e sobrevivi...então ele não existe né...Sempre desconfiei a vida inteira,
Deus não gosta de mim mesmo...devido às coisas esquisitas que acontecem toda hora,
as coisas não fazerem sentido...você fica sempre esperando Deus ajudar...Deus não
está vendo as coisas ruins que estão acontecendo comigo e com os outros...está sempre
acontecendo essa merda, o pessoal sempre arrumando desculpa...ou que faltou fé da
sua parte...coisa nesse sentido assim...
M: tem mais alguma coisa da sua relação com a religião que você queria colocar?
P: não, tirando que Deus era usado para fazer eu comprar pão...Vai comprar pão senão
você vai para o inferno...Tinha muito a imagem do inferno...era criança né? Pelo
menos eu quando criança tinha muito a imagem do inferno...Devo ter escutado muita
coisa sobre o fim do mundo...Era sempre atormentado por essas visões né...o fim do
mundo...Era um Deus punitivo...o cara que joga a desgraça no mundo para te salvar
dela...desculpa, eu não sei se você é religioso, mas eu fico falando essas coisas
assim...++ (inaudível) […] Eu não sou muito ligado nessa coisa de religião não...eu
deixei de lado sabe...acho que não faz diferença mais para mim. Eu passei muito
tempo tentando negar essa coisa né, essa coisa de Deus, de religião, buscando o
ateísmo, li muita coisa, cheguei à conclusão que eu também não ia conseguir negar
né...e que não vai fazer diferença assim para mim...e acho que religião tem um lugar
no mundo, ruim com ela mas é pior sem ela também né... Eu ia entender essa coisa de
religião né...Tem a consequência que eu tenho na minha vida até hoje...essa parte de
culpa, de sofrimento...mas aí é uma coisa que eu não sei...acho que a mitologia ela é
82

mais interessante. A mitologia é tipo uma religião que você não acredita mais né...eu
até gosto dela. Ela é até reconfortante... Nesse lado assim eu parei de pensar um
pouco...estou dando um tempo...talvez eu volte dar uma lida na mitologia...não por
acreditar que ela seja real...mas aquele lance dos arquétipos...eu acho interessante...os
arquétipos da mitologia. Não sei se ajudou não, mas...” (fim da entrevista).

O paciente citado mostra, desde a infância, uma relação inadequada com a religião,
sendo que os primeiros contatos com a religiosidade se deram de forma traumática, com certa
violência psíquica. Segundo o relato do mesmo, a família usava a religiosidade como meio de
amedrontamento, forma de controle e contenção. O paciente relata sintomas depressivos desde
a adolescência, e devido à sua visão desadaptativa da religiosidade como coisa punitiva, sentiu-
se abandonado por Deus. Podemos assim aventar a hipótese que uma tendência inata à
depressão somada a experiências negativas da religiosidade levou o paciente a experimentar
sintomas depressivos mais intensos. Se a religiosidade fosse apresentada como possibilidade de
acolhimento e sentido, talvez a depressão do paciente não teria chegado ao patamar inicial de
gravidade.
O paciente então faz um ato de certa hybris, que também parece um experimento
científico: vou desafiar Deus a me destruir, vou negá-lo, como para testar a hipótese se ele
existe ou não. Ele não suportou a tensão da linha que liga o crer e o não crer, decidindo por
cortá-la. Chegou à conclusão que Deus não existe, e pronto. Isso, no entanto, não lhe trouxe
nenhum alívio.
Percebemos que o paciente oscila entre o crer e o não crer. Não parece de fato haver
uma descrença total, mas sim uma revolta com Deus, como se Deus estivesse propositalmente
lhe causando sofrimento. Depois ele chega à conclusão que não vai conseguir negar Deus. Por
fim, notamos alguma ponta de esperança: a mitologia faz certo sentido para o paciente.
Notamos como a religiosidade e a depressão estão intimamente ligadas: o humor
deprimido se projeta em um Deus mau. A crença em um Deus mau justifica os sintomas
depressivos. A imago Dei do paciente é de um Deus punitivo, e isso de certa forma dificulta a
melhora da sua depressão, pensando no poder curativo da imago Dei, do arquétipo do Si-
mesmo.
Qual a saída psicoterapêutica para esse impasse? Talvez seja, para os pacientes que têm
essa relação abalada com a Divindade, reforçar o seu espírito científico, focando nos aspectos
cognitivos, comportamentais e biológicos da depressão. Sabemos que a religiosidade, em
estudos prévios, melhora a evolução da depressão, mas não há estudos mostrando que o paciente
não religioso passar a sê-lo melhora a evolução da depressão.
O paciente obteve alguma melhora da depressão, mas continuou muito sintomático,
83

relatando importante prejuízo tanto nas relações pessoais, no trabalho e principalmente, por não
ver muito sentido na vida. Continuou com quadro considerado grave. Mas, ao mesmo tempo,
apresentou queda importante na pontuação da escala. Apresentou padrão de coping religioso-
espiritual bastante polarizado para o coping negativo (144%), e baixos escores de uso do coping,
tanto positivo quanto negativo.

2.2.5 Entrevistado C - “não consigo ter fé em nada”.

BDI inicial = 44. BDI final = 27. Variação absoluta = 17. IRI = 35 (alto). Dados de CRE
não disponíveis.

[...] M: você faz parte de uma comunidade religiosa, frequenta as reuniões?


P: se ir à missa é uma comunidade religiosa, sim, mas atualmente estou afastado.
M: o que te levou a afastar?
P: estou muito desanimado, talvez esteja sem fé, ou então querendo ficar sozinho, e
eu acho que para a gente reunir com um grupo, você tem que estar em sintonia com
esse grupo, como estou ensimesmado, eu prefiro ficar quieto sozinho, não vou no
culto para não ter que conversar com ninguém, se eu saio na rua eu quero ir
embora...por isso. […]
M: como você acha que a religião te ajuda ou te atrapalha a lidar com a depressão?
P: ajuda, por exemplo, se eu estiver com fé, independente da religião, seja qual for a
religião, eu ter fé, ajuda a gente a melhorar, mas se você não tiver fé, pode vir Jesus
na sua frente, se você não tiver fé você não cura. E nesse momento eu não consigo ter
nenhuma, não consigo ter fé em nada.
M: você acha que a religião atrapalha alguma coisa na depressão?
P: eu acho que não. Creio que não. Pode até ajudar, eu já vi muito depoimento,
sobretudo desse pessoal crente, que chamam de crente, esses depoimentos que passa
na televisão, não sei se é encenação, fala de fé que cura, pode ser... Eu acho que não
atrapalha não...
M: mais alguma outra coisa que você queria falar a respeito da sua religiosidade?
P: [...] religião eu acho que é só rituais, quando você tem a questão da fé, fazer a
oração, o ritual é muito interessante, legal, vamos dizer assim, mas não é necessário,
aí quando você está bem você vai lá, naquele ritual, ouve uma música, vê as pessoas,
mas eu por exemplo quando eu não estou bem, quando a minha fé está baixa, aquele
ritual para mim meramente é uma encenação teatral. Aí eu não vou gastar meu tempo,
nervoso, ansioso, ((inaudível)), ficar vendo teatro sendo que eu não quero ver a peça.
(Fim da entrevista).

Percebemos nesse paciente uma tendência a uma religiosidade mais profunda e


engajada, no sentido de uma frequência religiosa, e também uma alta religiosidade intrínseca
pelo IRI. Nesse caso também é explícito o fato já relatado na literatura de que a maior gravidade
da depressão faz com que o paciente abandone a prática religiosa extrínseca, mas não a
intrínseca. Para o paciente deprimido, especialmente o mais grave, a prática religiosa deixa de
ter sentido e deixa de trazer sentido. O paciente perde a capacidade de sentir o numinoso na
religião. A religião é vista simplesmente como um teatro, cuja peça não mais interessa. A
84

depressão faz com que a pessoa tenha uma visão mais ácida e crítica da realidade, caminhando
em direção a um certo niilismo como posição filosófica. Perde-se, temporariamente, qualquer
otimismo com relação ao mundo.
A depressão foi tão grave que fez o paciente abandonar a religiosidade, e parece que
isso interferiu em uma melhora mais significativa do quadro. Podemos dizer que houve uma
melhora importante, tanto na redução de pontuação quanto subjetivamente (pois apresentava
um quadro bastante grave), porém não chegou perto da remissão. Assim, nesse caso específico,
podemos dizer que sua alta religiosidade esteve associada a uma redução dos sintomas
depressivos, mas não à sua remissão. Precisaríamos de mais tempo para verificar a evolução
desse paciente.

2.2.6 Entrevistado D - “Deus castiga”.

BDI inicial = 31. BDI final = 29. Variação absoluta = 2. IRI: 31. Dados de CRE não
disponíveis.

M: você é religioso, espiritualista ou uma pessoa de fé? A religião é importante em


sua vida?
P: é importante...a religião não, acho que Deus é importante em minha vida,
(inaudível) a questão religiosa de uma religião pronta assim tipo católica, protestante
eu não acredito muito não...eu acredito mais em Deus mesmo, e ajuda um pouco.
M: você faz parte de uma comunidade religiosa? Frequenta as reuniões?
P: não. Eu não gosto.
M: você faz práticas individuais como prece, meditação, lê textos religiosos, escuta
músicas?
P: não. Eu oro, rezo, quase todos os dias, peço ajuda, agradeço algumas coisas, porém
é só isso assim que eu faço. Mas eu tenho fé. Mas isso não é o norte da minha vida
não, sabe, é como se a direção e tal... (inaudível) As vezes eu fico um pouco com
medo de não ter tanta fé assim porque eu tive essa criação religiosa, isso fica assim
muito intrínseco na minha cabeça...no meu cérebro […] ...se eu não tivesse tido essa
criação católica...lá na escola eles colocavam muito medo na gente...’Deus castiga’,
essas coisas...eu acho que isso ficou muito enraizado em mim, muito […].
M: depois que você começou a ter depressão, acha que sua religiosidade mudou? Você
falou que ficou ateu, mas e depois?
P: depois foi mudando, conforme eu fui melhorando, foi parecendo que eu fui fazendo
as pazes com Deus, tive muitos amigos meus, pessoas que falaram comigo, me
ajudaram, falaram sobre Deus...eu fui reconciliando. Hoje eu já tenho a mesma de
quando eu saí da escola. Eu não acreditava mais, mas acredito um pouco.
M: a religião ou espiritualidade influencia a maneira como você vive a sua vida e lida
com a sua depressão?
P: não...não muito assim...eu creio que não…eu sou quem eu sou por questão de índole
e caráter...isso não é muito porque eu sigo uma religião e tenho temor de fazer pecado,
essas coisas não, sabe? [...]
M: há algum outro aspecto da sua vida religiosa que você queria falar? Algo que você
ache interessante?
P: tem uma coisa interessante, eu acredito em Deus, mas não é igual fala na Bíblia
não...tanto que lá em casa a gente tem Shiva, tem um Buda, e eu acredito também
assim, não é que eu acredito, eu acho que algumas coisas, algumas representações de
85

Deus assim, Buda assim, eu acredito, o que for para o bem faz bem para mim, mas eu
não tenho aquela bitolação de ficar é só um Deus, o pai de Jesus, tem essas outras
coisas que eu também acho bom, que é meio para o bem eu acho bom assim, quando
a gente trouxe o Shiva várias coisas aconteceram…de destruição e depois de
calmaria...de realocar coisas e tal...aconteceram coisas ruins mas depois foram coisas
boas...eu acredito muito, […] eu acredito muito em Shiva também... em Deus, em
tudo...mas eu não tenho essa coisa de só ah é católico e ponto final, budista, mas eu
gosto muito e me faz bem assim… (fim da entrevista).

Existem alguns pontos a se considerar nesse caso: seu trauma religioso na infância e
adolescência, quando foi habituado e amedrontado por uma imagem de Deus punitivo e terrível
(imagem essa que introjetou, e hoje diz claramente que acredita em Deus pois tem medo de que
aconteça alguma coisa). Assim, acaba criando uma espécie de Deus alternativo, na figura do
deus indiano Shiva, que para ele representa destruição, mas também reconstrução (ou seja,
Shiva tem relação com uma certa teleologia, mas o Deus católico não: ele é apenas punição).
O paciente não faz nenhuma relação da sua religiosidade com a sua depressão. Ele é um
bom exemplo de religiosidade contemporânea: oscila entre a crença e a descrença e acredita em
deuses e figuras orientais (Shiva e Buda). Em termos de propor uma solução psicoterapêutica,
uma possível saída seria focar na figura de Shiva, fazendo uma certa analogia com a depressão.
Shiva representa arquetipicamente uma força de destruição para se construir o novo, de forma
que o paciente poderia ver a depressão dessa forma e assim dar um sentido para o transtorno.
A melhora desse paciente foi praticamente inexistente pela pontuação da escala, mas foi
clinicamente (subjetivamente) muito significativa na segunda avaliação. Ele falou que estava
bem melhor, apesar de persistir com sintomas importantes.
Essa religiosidade flexível e questionadora pode ter tido um papel importante nessa
melhora. De fato, o paciente apresentou uma religiosidade intrínseca média. Isso nos leva a
aventar a hipótese de que esse tipo de religiosidade (BONELLI; KOENIG, 2013, p. 669) está
associada a melhor saúde mental.

2.2.7 Entrevistado E - “nada dá certo para mim”.

BDI inicial = 41. BDI final: 17. Variação absoluta = 24. IRI = 20. Dados de CRE não
disponíveis.
M: você é religioso, espiritualista, ou uma pessoa de fé? A religião é importante em
sua vida
P: não muito. Eu sempre acreditei em Deus. Nunca fui de frequentar igrejas...minha
família sempre foi católica, mas nunca fui de frequentar, nunca tive esse costume. Só
que de uns anos para cá fui ficando triste, triste então deixei de acreditar. As coisas na
minha vida sempre deram errado. Eu sempre fiz bem para todo mundo e não sei
porque dá tudo errado. Então com isso eu deixei de ir acreditando em Deus. Não sei
86

se é uma vida passada, eu fiz alguma coisa que estou pagando agora... Sendo punido
por alguma coisa. Mas hoje a minha fé está bem abalada. Não consigo acreditar que
existe um Deus capaz de me ajudar hoje. Acredito um pouco...tenho dúvidas se existe
mesmo. As vezes a gente vê alguma coisa e a gente fala ‘foi Deus’. Na minha
experiência de vida eu nunca tive nada assim que pudesse falar assim: ‘foi Deus que
me ajudou nisso’. Pelo contrário. Eu sempre começo alguma coisa, acho que vai dar
certo, dá errado. Não sei, se Deus existisse mesmo, porque aconteceu isso comigo?
Deus existe, quer o nosso bem, por que estou sofrendo? Por que a minha vida está
assim hoje? Por que eu não consigo ser uma pessoa alegre? Por que eu não consigo o
que eu quero? Por que as coisas dão errado para mim? Então isso me faz duvidar da
existência de Deus.
M: você acredita que a religião é importante em sua vida?
P: não, não é.
M: você faz parte de alguma comunidade, as vezes vai em alguma reunião?
P: raramente eu vou à missa na Igreja Católica, mas não é frequente, e quando eu vou
eu não me sinto bem, estou sendo bem sincero, eu não me sinto representado por
aquela religião. Algum tempo atrás eu frequentei Centro Espírita e me sentia melhor
lá, nas reuniões públicas, nas palestras, sentia que era mais coerente, assim...as
histórias, palestras, assim, mas assim, tem um tempo que não vou, não fui mais.
Apesar de eu ter ido no centro espírita, assim, também tenho um pouco de dúvida se
realmente existe espíritos. Essa dúvida me levou a não ir mais. Lá tinha os médiuns,
você pegava uma receita, você dava seu nome lá, eles psicografavam para você, no
final você recebia, e lá falava se você tinha que tomar um passe, um passe individual,
se era um passe na sua casa, então assim eu não sei, comecei a duvidar daquilo...apesar
de que uma vez tudo o que eu fiquei pensando na palestra veio nessa receita…veio a
resposta de tudo o que eu pensei...nesse dia eu fiquei meio encucado com isso…falei
assim ‘nossa!’...a pergunta que eu fiz na minha cabeça, a primeira linha da receita era
a resposta da pergunta. Nossa, como que pode isso? Mas daí fui me afastando e não
voltei [...].
M: a religião ou a espiritualidade influencia a maneira como você vive sua vida?
P: Não. [...]
M: eu estava perguntando se a religião influencia na sua depressão.
P: influencia de forma negativa. Me faz duvidar da existência de Deus. Se existe um
Deus, por que para mim não dá certo as coisas, será que existe mesmo? Eu deixo de
acreditar que existe um Deus pelas coisas que me acontecem. Acho que se existisse
um Deus mesmo, eu me considero assim uma pessoa tão boa, que ajuda todo mundo,
por que eu não tenho um retorno bom da vida. Por que que as coisas que acontecem
comigo nunca dão certo? No estado que estou, triste, não consigo ver uma figura de
Deus bom que vai me ajudar a sair dessa. [...]
M: quando deixou de acreditar em Deus?
P: quando a gente é mais novo, a gente tem muitos sonhos. E acha que quando for
mais velho vai realizar. E aí os anos vão passando, não vai acontecendo o que você
espera, isso foi quando começou esse sentimento de desacreditar em Deus. Quando
eu era mais novo eu acreditava, eu tinha fé, eu esperava muitas coisas, mas de uns
anos para cá e que não acontece...quando a gente crescer, tiver a profissão e tudo vai
acontecendo... Hoje na minha vida eu não sou satisfeito no trabalho, não tenho um
relacionamento assim...Muitas coisas que eu achei que estaria resolvida na minha
idade e não estou, me fez não acreditar em Deus, não ter fé. (Fim da entrevista)

Novamente, vemos uma pessoa que oscila entre o crer e o não crer, já que às vezes fala
que tem dúvida, às vezes fala que não acredita. Desde a infância tinha uma religiosidade baixa.
E quando veio a depressão, a religiosidade diminuiu ainda mais. Apresenta um quadro
depressivo de início mais recente, que evoluiu relativamente bem. No segundo contato que tive
com o paciente, elogiou o tratamento recebido pelo médico assistente, dizendo que ele o escutou
bastante. Isso parece ter desempenhado um importante papel na melhora.
87

Nesse caso, a hipótese que podemos aventar é que a baixa religiosidade desde a infância
foi um fator de proteção a menos para a sua depressão, dado esse que foi encontrado em estudo
realizado por Miller (2012), citada no capítulo 1.
Destaco também o comentário do paciente sobre a palestra e a receita que recebeu no
kardecismo, que lhe impressionou bastante. Cito aqui Bernardo Lewgoy:

A eficácia simbólica das palestras espíritas deve-se, em grande parte, à sua


legibilidade descontínua, ou seja, à capacidade dos enunciados das máximas sempre
se encaixarem no tema geral escolhido ao acaso, mas também às múltiplas chances de
uma audiência heterogênea identificar-se e construir um sentido geral com pequenos
segmentos da palestra (itálico nosso), sem a necessidade de tê-la compreendido por
inteiro. (LEWGOY, 2004, p. 278).

O kardecismo foi a única religião que conseguiu construir um sentido para o paciente.
Mas mesmo assim não produziu uma adesão duradoura.
Mas, se considerarmos a evolução do quadro depressivo, houve uma resposta bastante
significativa ao tratamento, tanto na escala quanto clinicamente. Paciente saiu de um quadro
grave para um quadro leve a moderado. Sua religiosidade é questionadora, está ainda buscando
algo que dê sentido e significado, e tem certa flexibilidade. A relação com o outro curativo (o
médico) foi satisfatória.

2.2.8 Entrevistado F - “vai vir coisa melhor para mim”.

BDI inicial = 25. BDI final = 22. Variação absoluta = 3. IRI = 47. Dados de CRE não
disponíveis.

M: a religião ou a espiritualidade influencia na maneira com que você vive sua vida e
lida com seu problema atual, ou seus problemas atuais?
P: eu queria que fosse mais. Tem hora que eu faço umas coisas para depois pensar no
que que eu fiz. Tem horas que eu tomo umas atitudes que eu falo assim, gente, se
fosse seguir a religião eu não teria feito dessa forma, tem hora que a gente faz as coisas
no impulso, e parece que você está fazendo por vingança, ou porque o outro fez aquilo
e vou fazer também, se você for seguir a risca não tem que ser assim sabe, eu queria
ter isso mais intrínseco dentro de mim, mais arraigado, para eu poder fazer as coisas
com mais naturalidade, dentro do que Deus prega, dentro do que tudo prega, então eu
acho… estou muito longe do que a espiritualidade, do que Deus manda...eu queria
que fosse mais, mas quando eu faço alguma coisa que está muito longe eu sei
exatamente onde que eu fiz errado e onde que tinha de ser...então assim...eu estou
muito longe de fazer as coisas da maneira correta dentro do que Deus prega…[...]
M: como a religião ou a espiritualidade faz você lidar com seus problemas?
P: faz eu lidar assim: se eu estou com esse problema, Deus com certeza vai fazer com
que eu aprenda alguma coisa, vai vir coisa melhor para mim, se eu estou passando
por isso é porque ele vai me ajudar, eu vou sair disso aqui fortalecido, eu vou ficar
bem, aí o coração da gente parece que fica mais leve, aí a gente vai dormir parece que
88

tá bem... chega no outro dia vem outra traulitada ((sic))...meu Deus, está difícil demais
essa carga...aí você começa a conversar com ele de novo né...eu sei que você tem
algum propósito, mas que propósito é esse? Quando que vai chegar coisa boa? E você
vai tentando colocar não é a culpa, mas a responsabilidade do que está acontecendo e
a forma como está acontecendo em cima dele, se está acontecendo alguma coisa boa
para mim tem que vir depois...ou então você tenta dividir isso com Ele, que é a bendita
da culpa né, se está vindo, onde que eu tenho a responsabilidade nisso também? Ele
fala: ‘faça a sua parte que eu te ajudarei’...Onde que eu fiz a minha parte errada? Aí
você fica nesse dilema, você não sabe até que parte você fez, para caminhar para
aquilo, e até que parte que é Ele, mas se você pensar que Ele está acima de tudo, que
está vendo tudo que você está passando, que Ele não te deixa, Ele fala que te carrega,
aí aquilo te conforta, que ele está do seu lado. Aí você fica nessa dicotomia o tempo
inteiro. Então quando você está sofrendo muito, você põe a responsabilidade em cima
dele, e fala assim, Ele está do meu lado, ele está aqui comigo e não vai me deixar.
M: de alguma forma você também atribui o seu sofrimento, a responsabilidade, a
Deus?
P: não é atribuir a Ele, mas é que Ele está comigo, e eu vou suportar aquilo. Uma hora
vai aliviar e que vai chegar coisa boa. Se ele fala que está do meu lado ele não vai me
largar, que não vai acontecer coisa pior do que está acontecendo…então eu vou
suportar aquilo. […]

O entrevistado vive situação estressante na sua vida, da qual não conseguiria se


desvencilhar muito facilmente. Sua religiosidade é alta e bastante saudável, de forma que a
ajuda a lidar com os problemas e ver algum sentido neles. Percebemos pelas suas falas que
mesmo passando por muitos problemas, não perde a fé e a esperança. Seu discurso mostra
vários pontos de coping religioso positivo, no sentido de coping colaborativo.
Sua depressão evoluiu com pequena melhora, não muito significativa, mas o
entrevistado já entrou no estudo com pontuação baixa na escala de depressão. Isso fala a
respeito da necessidade de termos um acompanhamento mais longo para se chegar a uma
conclusão.
Podemos aventar a hipótese que a sua alta religiosidade previne o quadro depressivo de
atingir maiores patamares de gravidade. A remissão, no entanto, dependeria de diversos outros
fatores adicionais para ocorrer: medicamentos, psicoterapia, atividade física, melhora da
problemática social. A religiosidade é um dos pés no qual a melhora da depressão se apoia, mas
ela sozinha não se constitui em fator com efeito muito intenso.

2.2.9 Entrevistado G - “tenho vergonha”.

BDI inicial = 35. BDI final = 16. Variação: 19. IRI = 41. CRE: 53% negativo (escore
de coping negativo 1,90 e de coping positivo 3,56).

M: você é religioso ou espiritualista?


P: sou religioso. Evangélico. Batista Peniel. A religião é tudo para mim. Faço
seminário, eu vou nas aulas do seminário terça e quinta-feira, e vou aos cultos na
segunda e no domingo. Leio a Bíblia em casa, eu oro. Escuto músicas. Leio a Bíblia
todos os dias.
M: a religião ou a espiritualidade influencia a maneira como você vive sua vida?
P: influencia.
M: a religião ou a espiritualidade influencia a maneira como você lida com a sua
depressão?
89

P: Não, não tem nada a ver.


M: por exemplo, a religião te ajuda quando você está triste? ((tive que ser bem claro
e concreto, pois o paciente deu a entender que não tinha compreendido o sentido da
pergunta)):
P: NÃO... me ajuda… ((ele quis dizer que ajuda sim, como veremos abaixo))
M: como assim?
P: quando eu estou triste, estou muito para baixo, eu leio a Bíblia, eu oro, eu canto e
Deus me remove ((sic)), me restaura…eu me sinto aliviado.
M: como a sua comunidade vê o problema da sua depressão? Ou você não fala?
P: são pouquíssimas pessoas que sabem. Não contei para ninguém que eu fazia esse
tratamento. São pouquíssimas pessoas, pouquíssimas mesmo. Porque eu tenho
vergonha.
M: você acha que seria reprovado?
P: não...a gente não pode prever o sentimento da outra pessoa né? A gente não sabe
como a outra pessoa vai olhar para a gente...se vai olhar como coitado, se vai olhar
como doido...ou como dependente. A igreja, assim como o mundo, tem pessoas de
tudo quanto é jeito...de tudo quanto é tipo. Então é difícil prever uma reação. Mas eu
sinto vergonha.
M: você teria vontade de contar?
P: não, eu tenho vontade de ter alta. Muita vontade. (Fim da entrevista).

Durante a entrevista realizada, mostrou pouca capacidade de elaboração e de


simbolização. Falou pouco, mesmo sendo estimulado para tal. Tem uma religiosidade muito
alta e pouco questionadora. É uma religiosidade que se funda muito no coletivo. Não é uma
religiosidade contemporânea, íntima, que tem dúvidas, que aceita a ciência e convive bem com
ela. O sentimento de angústia vem da vergonha de ter depressão perante o grupo, tanto que seu
maior desejo é “se livrar” da depressão. A depressão, para o seu grupo, é uma doença
estigmatizante, o que contribuiria para o seu pior prognóstico.
Fazem parte da microcultura evangélica algumas máximas que ouvimos a todo
momento no consultório: “crente não tem depressão”; “depressão é falta de fé, falta de Deus”;
“depressão é doença do inimigo”. Uma jornalista chamada Fabiana Bertotti, que tem um canal
no Youtube com mais de 300.000 seguidores e é ligada à Igreja Adventista, teve que fazer um
vídeo chamado “ Crente tem depressão? ”, com o objetivo de esclarecer que depressão é uma
doença e não é causada por forças do mal. (BERTOTTI, 2014). Ou seja, há uma ampla crença
de que há uma causa sobrenatural para a depressão. Nos comentários do vídeo (que são mais
interessantes que o próprio vídeo) percebemos que várias pessoas se identificam e relatam que
sofreram algum tipo de preconceito na sua igreja pelo fato de terem depressão. De fato, é
frequente, na prática médica e psiquiátrica, que os pacientes (especialmente os evangélicos
neopentecostais) nos relatem que pararam de tomar medicação e de fazer o tratamento,
incentivados pelo pastor da sua comunidade ou pelos outros membros.
Para o complexo do ego que está ligado ao arquétipo do heroi, ter depressão é uma
derrota. Se o complexo do ego se liga de forma direta ao arquétipo do Si-mesmo, isso causa
inflação do ego. A cura para a inflação do ego muitas vezes só se dá através do seu oposto, a
90

depressão.
Paciente apresenta polarização para o coping positivo, com apenas 53% de uso de
coping negativo, o que indica um bom prognóstico para a depressão, e de fato foi o que ocorreu.
Paciente apresentou melhora significativa do quadro na segunda avaliação.

2.2.10 Entrevistado H – “uma gotinha de certeza”.

BDI inicial = 41. BDI final = 50. Variação absoluta = -9. IRI = 22. CRE: não disponível.

[...]
M: você acha que Deus não te escuta?
P: não me escuta...aí você fala para mim: é importante para você? É
importante, mas eu não sei quando que ele vai me escutar.
M: mas você acha que sua crença é importante? Você continua acreditando?
P: eu acredito que Ele existe para os outros, mas para mim não.
M: você tem dúvida?
P: eu tenho certeza.
M: certeza de que ele não existe para você?
P: QUE ELE NÃO ME ESCUTA. Ele existe, mas ele não me escuta, não
consegue me tirar do meu sofrimento. […]
M: você acredita na força da sua oração?
P: tem hora que parece que eu estou orando feito um papagaio. Como eu não
consigo atingi-lo, a minha oração também não vai para ele.
M: [...]você acha que o seu relacionamento com ele é importante para você?
Mesmo que parece que seja ruim, é importante?
P: eu acho que se eu não tivesse absolutamente nada, nada, nada, por
exemplo, se você me perguntasse “ Deus existe? ”, eu falasse para você “não
existe” seria pior. Mesmo que ele não exista, mesmo que eu sinta que ele
não me ame, mas eu sei que ele existe. Se eu acreditasse que ele não existisse
seria pior. Mesmo que ele exista para o outro, já é importante.
M: você acha que ele existe para o outro, e não para você? Mas como isso é
possível?
P: eu queria sentir que ele me ame, que ele está cuidando de mim, mas como
eu posso estar passando por tanta coisa ++ ((fortes barulhos)) como eu
posso estar passando por tanta coisa e não consigo ver um movimento dele?
Mesmo eu clamando por ele? ((fala com voz embargada, quase
chorando)).
M: sei...você acredita em milagres? Que milagres podem acontecer?
P: para o OUTRO, sim.
M: para você não. ++ Agora, seu relacionamento com ele é importante? Você
sente que tem um pouco de importância para você?
P: tem...se eu não tivesse essa gota, essa gotinha...de certeza que ele existe,
fosse uma pessoa completamente descrente da presença dele, seria muito
pior.
M: você faz parte de alguma comunidade religiosa, frequenta alguma
reunião?
P: não...já fui em tudo quanto é lugar...eu fui evangélico durante muito tempo,
tinha as questões lá de que existia profecia, que Deus falava para as pessoas, e
elas davam recado para mim, e eu ...você tem que fazer assim, DEUS TÁ ME
DIZENDO QUE VOCÊ TEM QUE FAZER ASSIM! , aí eu agia com a
fidelidade acreditando que Deus estava falando através daquela pessoa uma
coisa para mim fazer, e na minha vida muita coisa deu errada, muitos caminhos
eu peguei contrários por eu acreditar nisso. [...]
91

M: tem alguma outra coisa que você acha importante dizer sobre a sua
depressão, sua relação com a religiosidade, alguma outra coisa que está
te preocupando, está te angustiando?
P: a coisa que é ruim assim, é a vontade de não levantar. Um desejo que você
tem de não existir mais. Que você não vê outro caminho, a não ser ir
embora. A esperança ela não existe mais... ((voz embargada)) ((opto por
encerrar, pois o paciente começa a ficar muito abalado)). (Fim da entrevista).

O entrevistado mostrou muito desejo de falar sobre a sua relação com a religiosidade,
de forma que antes de eu começar formalmente a entrevista ele já começou a falar sobre o fato
de Deus não o escutar. Assim, guiei a entrevista pelo desejo do paciente e não segui tanto o
roteiro da anamnese espiritual.
De todas as minhas entrevistas, esse é o paciente que considerei mais grave. Seu afeto
(expressão emocional) é muito deprimido, provocando sentimentos similares em quem a
atende. Ao escutá-lo, senti um certo niilismo em sua fala, uma falta de esperança, uma baixa
autoestima, a ponto de acreditar que Deus só existe para os outros. Para ele, o "silêncio de
Deus". "Deus não me escuta." Houve uma procura por ajuda em diversas religiões, e todas as
tentativas foram malsucedidas. Algumas formas de religiosidade até pioraram seu humor, ao
dizer que ele estaria com "maus espíritos".
O tratamento medicamentoso para esse paciente também não tem surtido muito efeito,
segundo o mesmo, não apresentou melhora do quadro depressivo na minha segunda avaliação.
Necessita fazer psicoterapia, mas não tem condições econômicas. O que lhe resta? Talvez, um
auxílio da religiosidade, porém uma religiosidade acolhedora, que aceite a sua vivência.
Essa paciente mostra como existe um grave despreparo de alguns sacerdotes e fieis de
algumas religiões ao lidar com pacientes com depressão. Esse despreparo pode gerar graves
danos, chegando a ser uma forma de violência psíquica. Alguém diria para um paciente com
câncer que a culpa é dele, pois atraiu 'maus espíritos'? Certamente que não. Por que com a
depressão é diferente?
Uma visão de ego traz essa percepção: o deprimido é um derrotado, um preguiçoso, está
assim porque quer. Uma visão de alma propõe algo diferente: acolher o sofrimento do outro,
sem julgamentos, ajudando-o a encontrar um sentido para o que está vivendo, não um sentido
imediato e causal (por exemplo, 'espíritos maus'), mas um sentido teleológico, no sentido de
que a depressão possa levar a algum aprendizado.
Outra conclusão relevante ao analisar esse caso: mesmo um mínimo de religiosidade
("uma gotinha" nas palavras do paciente) pode salvar uma vida, evitando o suicídio. Essa fala
do paciente vai ao encontro de diversos estudos, em que o tamanho de efeito da religiosidade
em prevenir o suicídio é bastante robusto.
92

2.2.11 Entrevistado I - “uma energia positiva”.

BDI inicial = 41. BDI final = 32. Variação absoluta = 9. IRI = 36. CRE: 47% de coping
negativo (baixo), com escores de coping negativo 1,28 e positivo 2,72.

M: você é religioso, espiritualista ou uma pessoa de fé? A religião é importante em


sua vida?
P: sim, eu acredito que sim, sempre quando estou com alguma dificuldade, quando eu
estou angustiado, eu sempre me coloco diante de Deus, o que eles chamam de Deus
né, que a gente não sabe assim ao certo...se é uma energia...para mim eu considero
Deus como uma energia positiva, acho que no mundo existe uma energia positiva, e
uma energia negativa, como se fosse dois polos mesmo, eu sempre tento apoiar minha
vida de modo positivo, eu sempre busco essa energia positiva para mim. Quando eu
estou com alguma dificuldade eu me apoio nisso. Eu faço minhas orações e acredito
que fazendo, eu penso que posso estar atraindo coisas positivas para mim. Eu não
acredito numa figura, de Deus assim, como se fosse algo concreto, eu acredito numa
coisa mais abstrata mesmo.
M: você faz parte de uma comunidade religiosa? Frequenta as reuniões?
P: não, isso não. Eu já fui à Missa, quando eu era mais jovem eu ia sempre com meu
pai, eu acho que mais para agradar ele que por uma questão própria voltada para a
religião mesmo. Ele gostava de ir, ele sempre me convidava e eu ia também, mas aí
depois eu me casei na Igreja Católica, minha família toda é católica, eu fui batizado
na Igreja Católica, mas eu não frequento, eu não sou frequentador assíduo da igreja
não…[…]
M: mas de que forma a sua religiosidade ajuda a lidar com a sua depressão?
P: a depressão em si...igual eu te falei assim, quando estou muito para baixo, eu peço
a Deus para me ajudar, a me colocar no eixo assim, a voltar ao meu equilíbrio
mesmo...acho que mais dessa forma...eu acho que quando eu busco assim, quando eu
estou muito deprimido, eu leio a Bíblia , me ajuda um pouco a entender determinadas
coisas, determinados modos...é difícil explicar... estou passando por um momento
muito difícil, que eu julgo muito difícil, mas eu sei que aquilo é um momento que vai
passar, depois isso vai ser um aprendizado para mim...como se fosse uma questão de
uma evolução sabe? Eu acredito nisso também, uma evolução espiritual, eu já fui em
alguns Centros espíritas kardecistas, então alguma coisa da filosofia kardecista
também eu acredito, e eu me pauto também, eu falo assim, eu sou católico e fui
batizado, e não pratico, mas depois que eu fiquei mais velho algumas coisas do
princípio do espiritismo também me chamou um pouco a atenção, essa questão de
evolução, eu acho que determinadas coisas a gente tem que passar, que faz parte de
uma evolução espiritual, também acredito nisso. Da parte da depressão é isso, eu não
acredito que possa ser alguma coisa de obsessão, igual algumas pessoas falam: “ah,
você tem que ir para a igreja porque você está obsedado! Tem um espírito que está te
atrapalhando”. Isso eu não acredito muito não... Mas eu acredito que possa fazer parte
de uma evolução espiritual, mas que a gente tem que passar por aquilo para a gente
poder crescer, um certo sofrimento para poder evoluir, e ver que aquilo passa para
depois ficar melhor. Eu acredito nisso […]. (Fim da entrevista).

Percebemos no entrevistado acima uma tendência bastante comum na


contemporaneidade: há uma religiosidade e uma crença em Deus, porém isso se dá na prática
de forma imprecisa. Não há no paciente descrito uma identidade religiosa forte, e sim uma
crença diluída em princípios do catolicismo e do espiritismo kardecista (algo também
extremamente comum no Brasil). Ele reforça várias vezes que acredita em uma “energia
93

positiva”. Isso, no entanto, não tem lhe trazido muita melhora do quadro depressivo, segundo
os seus relatos da história pregressa da depressão.
Fico, assim, com dois questionamentos. O primeiro é que o paciente possui alta
religiosidade intrínseca, pelo IRI, que está associado, em estudos anteriores, com melhor
prognóstico da depressão. Porém não obteve melhora importante. Parece que não há uma busca
do paciente por mais profundidade, por uma experiência mais intensa do Sagrado.
O segundo questionamento decorre do primeiro: será que o IRI mede com fidedignidade
a religiosidade desse paciente, em nível mais profundo? Pelo menos nesse caso, não. O que nos
leva a uma conclusão preliminar: o IRI não é capaz de medir com precisão a relação do sujeito
com sua religião, o que reforça a necessidade de mais pesquisas qualitativas no campo da
relação entre a religiosidade e a saúde mental.
Houve alguma melhora na segunda avaliação do paciente, mas ainda continuava muito
sintomático. Apresenta polarização significativa para o coping religioso-espiritual positivo,
com o uso de apenas 47% de coping negativo, o que lhe traz um bom prognóstico.

2.2.12 Entrevistado J - “ó Deus, tem misericórdia de mim, tira a minha vida, abrevia o meu
tempo aqui, porque eu estou cansado, não estou aguentando...”

BDI inicial = 47 (muito grave). BDI final = 54. Variação absoluta = -7. IRI = 13 (muito
baixo). CRE não disponível.

M: [Fulano], você é religioso, espiritualista, tem alguma fé? A religião é importante


em sua vida?
P: não.
M: Você acredita em Deus, ou você se definiria como ateu?
P: ((3,0)) as vezes eu acredito em Deus, mas não é em todo o tempo não…
M: você diria que na maior parte do tempo você não acredita?
P: na maior parte do tempo eu não acredito.
M: então você não faz parte de nenhuma comunidade, não frequenta?
P: não.
M: você sempre foi ateu, assim?
P: não, eu fui criado na igreja evangélica, quando eu era criança, depois de adulto eu
frequentei um tempo kardecismo, foi muito bom na época, gostei demais, depois não
sei como acabei me envolvendo com o candomblé, frequentei candomblé alguns anos,
depois eu larguei tudo, não quis mais nada, nem missa, nem candomblé, nem
kardecismo…
M: tem quanto tempo que você largou tudo?
P: já tem uns 4 ou 5 anos.
M: e foi por algum motivo que você largou?
P: não, foi porque eu não tinha vontade mesmo de ir, não estava numa fase muito boa,
então não tinha ânimo para arrumar, para sair de casa para ir...e não tinha vontade
também, não sentia vontade no meu coração de ir…
M: tem alguma coisa a ver com a depressão o fato de você ter parado de frequentar?
P: acho que em parte tem porque eu fiquei muito tempo assim só em casa, não saía
94

para lugar nenhum, não atendia telefone, não falava com ninguém, eu não queria ver
ninguém, conversar com as pessoas eu evitava, então assim evitava todo mundo,
evitava ver gente, evitava sair na rua, evitava sair do portão para fora, então nesse caso
eu acho que sim porque eu não queria ter contato com mais ninguém, com mundo lá
fora. Eu ficava só no meu quarto, no meu canto, sozinho.
M: você tem depressão tem quantos anos?
P: eu comecei a tratar em 2003.
M: então quando sua depressão começou você ainda tinha um pouquinho, frequentava
algumas coisas…
P: frequentava, frequentava, e gostava de ir, sentia bem, no espiritismo, no
kardecismo, depois eu simplesmente perdi o interesse, tomei antipatia das pessoas,
assim, comecei a sentir menor do que elas, sabe, elas sendo superiores, eu sendo
inferior, elas conseguindo aprender, atingir um grau daquilo que a gente tava ali para
conseguir, superar, aprender, crescer, eu sempre ficando para trás, então eu fui me
sentido diminuído, e eu, por isso eu falei, não vale a pena, não faz sentido continuar
[…].
M: você se sentiu diminuído frente às outras pessoas da sua comunidade religiosa?
Qual religião que era?
P: todas elas eu senti diminuído...porque o kardecismo por exemplo, eu gostava muito
de ler, Allan Kardec, esses livros, Zíbia, gostava muito ((ininteligível)) então assim às
vezes a gente pegava um livro para ler, enquanto eu estava lendo um livro a pessoa já
tinha lido dois, três livros na minha frente, já estava dando assim meio que uma
palestra, já estava participando de um grupo, de alguma forma, e eu não conseguia
sair daquele lugar que eu queria ser e ficava ali o tempo todo […]. Por exemplo no
kardecismo chegou uma certa parte que a gente começa a ir nos lares, pedir ajuda,
mantimentos, roupas, essas coisas, aí era no sábado, onde a gente ajuda a distribuir
cesta básica, e nem isso eu conseguia chegar, aí eu ficava indo lá, tomando passe, água
fluidificada, indo nas reuniões, nas músicas e tudo, mas assim ninguém nunca falou
assim, hoje Fulano você vai participar de tal coisa, eles nunca viram que eu tinha
capacidade de fazer alguma coisa, e isso me desanimou, me deixou desanimado…
M: ainda hoje você conversa com Deus?
P: quando eu estou muito triste, quando eu estou muito assim desacreditado mesmo,
quando eu vejo que não tem mais saída, eu falo “ó Deus, tem misericórdia de mim,
tira a minha vida, abrevia o meu tempo aqui, porque eu estou cansado, não estou
aguentando...”, mas por exemplo eu hoje eu não consigo orar Pai-Nosso, Ave-Maria,
sabe, eu começo a rezar, mas foge da minha cabeça, não lembro um pedaço, tento
voltar de novo…então assim …
M: mas também você não desacreditou totalmente em Deus…
P: não, não desacreditei totalmente em Deus não, porque eu acho que se Deus não
existisse eu acho que eu já teria feito coisas muito piores, sabe? E de alguma forma
ele colocou filhos na minha vida, ele colocou pessoas que eu amei, ele colocou
trabalho, então eu acho que de alguma forma assim Ele...eu não sei se Ele me
abandonou temporariamente, se eu que me afastei dele, não sei, mas assim antes eu
tinha uma fé muito viva, para mim Deus era tudo, tudo, independente da religião, da
conversa, da doença, de tudo, era Deus, Deus, Deus, hoje eu já não tenho essa... Ah
se acontecer alguma coisa, eu vou pedir a Deus, hoje eu ah ‘deixa acontecer’, sabe,
tem que acontecer, vou esperar né?
M: alguma outra coisa que você queria falar a respeito da sua história com a religião?
P: ((3,0)) ah a respeito da minha história com a religião, eu vejo, por exemplo, pessoas
kardecistas com um canceroso na cama morrendo, ele sofrendo, e a pessoa não pode
fazer nada, eu vejo evangélico, minha mãe é evangélica, minha mãe tem quatro filhos
viciados em crack, e ela vive dentro da igreja 24 h, então eu vejo pessoas do
candomblé, por exemplo, aí aparece na Internet, ah tacaram fogo, atearam fogo no
candomblé de fulano de tal, quebrou as imagens, ah bateu, matou o pai-de-santo
fulano de tal, a mãe-de-santo fulana de tal, então assim eu acho que não me acrescenta
em nada, eu acho que se realmente tivesse ali uma força maior, eu não sei, eu acho,
evitaria muita coisa, eles seriam avisados antes sabe, alguma coisa desse tipo, por isso
que hoje em dia eu penso assim, se vai acontecer alguma coisa, deixa acontecer para
ver o que vai dar...eu não vou recorrer por exemplo, ah eu vou na benzedeira, ah eu
vou lá na igreja rezar para São Judas, ah eu vou lá na igreja, ah meu Deus, eu não faço
95

isso, eu deixo acontecer…(Fim da entrevista).

Depois que encerrei a entrevista, o paciente se mostrou bastante aliviado e sorridente,


eu lhe agradeci a participação na pesquisa, e me disse que ele é que tinha que me agradecer.
Existem diversas considerações a se fazer sobre esse entrevistado. O primeiro e mais
evidente é que o próprio ato de conversar com o paciente sobre religiosidade já é um ato
terapêutico. O paciente se sente aliviado ao falar com alguém que não o julga, alguém que só
quer ouvir e ajudar.
Outra constatação vem dos comentários do paciente sobre o espiritisimo. O espiritismo
Kardecista desde as suas origens se constituiu religião de letrados, em que a leitura e
interpretação dos seus textos sagrados é prerrogativa de todos os seus adeptos (LEWGOY,
2004, p. 256). Fato também muito valorizado no grupo de estudos espírita, segundo Lewgoy
(2004, p. 265), é a expressão gramaticalmente correta, sem gírias ou maneirismos. Na literatura
espírita, é perceptível o uso de palavras difíceis ou incomuns, além de sinônimos raros. Não só
o conteúdo da linguagem é importante, a forma também é tão importante quanto o conteúdo.
Essa capacidade hermenêutica também é motivo de posicionamentos sociais no grupo espírita,
de forma que os mais eruditos são mais valorizados. As pessoas que têm um menor talento para
tais atividades muitas vezes são sutilmente “colocadas de lado” e se sentem inferiorizadas. Essa
é a “sombra” (o lado escuro) do kardecismo, que apesar de valorizar muito a evolução espiritual,
às vezes se esquece de acolher as dificuldades intrínsecas dos seus próprios fieis.
A terceira constatação é que o paciente muito deprimido abandona as atividades
religiosas, o que contribui para a piora da depressão.
A quarta constatação é que notamos, no final da entrevista, uma certa postura niilista,
mas fincada na sua realidade prática: como pode a sua mãe que “fica na igreja 24h” ter quatro
filhos viciados em crack? Como pode um kardecista vir a ter um familiar com câncer e sofrer
com isso? Suas constatações finais nos levam para um dos grandes dilemas filosóficos: se Deus
é bom, porque o Mal existe? Mas de modo semelhante aos outros pacientes já descritos, o
paciente percebe que “se Deus não existisse, já teria feito coisa pior”.
A quinta constatação é o fato do paciente ter se declarado ateu no início da entrevista,
fato ratificado pela sua baixa religiosidade intrínseca ao IRI, mas ao longo da entrevista foi
mostrando um lado intensamente religioso, principalmente nos momentos de maior angústia e
depressão. Sua religiosidade, no entanto, é permeada por ceticismo, dúvidas angustiantes e
niilismo. Paciente na segunda avaliação apresentava piora importante do quadro depressivo, o
que mostra que sua baixa (e angustiada) religiosidade de fato não tem contribuído para a
96

melhora do seu quadro.

2.2.13 Entrevistado K – “se não fosse a religião, eu estaria bem pior”.

BDI inicial = 32. BDI final = 31. Variação = 1. IRI = 30. Escala de CRE: 79% negativo.

Médico: Fulano, você é religioso, espiritualista, ou uma pessoa de fé? A religião é


importante em sua vida?
Paciente: é importante, porque se não fosse a religião, eu acredito que eu estaria bem
pior do eu estou agora.
M: qual é a sua religião?
P: Eu sou evangélico, Batista Rema. [...]
M: a sua religião, ou a sua espiritualidade influenciam na maneira como você lida com
a depressão?
P: influencia, eu através de eu ser evangélico, eu tenho mais esperança, sabe, de que
eu vou melhorar, que eu voltar a ser normal tudo de novo um dia...
M: você acha que fica mais fácil?
P: fica mais fácil, se não fosse a religião, eu não sei o que seria de mim...
M: o que você acha que seria?
P: ah, eu já tinha até morrido...[...]
M: os mais próximos [da sua comunidade], eles entendem a doença, deixam você
tomar remédio?
P: entendem...é...tem alguns que falam para mim parar né...((muda o toma da fala
como se fosse uma terceira pessoa falando)): “você está tomando remédio demais,
você tá ganhando peso por causa desses remédios, para de tomar...” Umas duas vezes
eu até tentei parar mesmo entendeu? Mas aí eu passei mal demais, e eu voltei a tomar.
Fiquei um dia ou dois sem remédio e quase morri.
M: mas você parou porque o pessoal da igreja falou?
P: eles ficam falando para mim parar, que eu ia melhorar, eu pensei assim, vou parar
para ver se eu melhoro, né? [...]
M: você tem depressão tem quanto tempo?
P: deve ter uns 13 anos.
M: você sempre teve essa religiosidade assim, sempre teve contato?
P: não, uns 10 atrás que eu passei a ir. Mas que eu vou mesmo, é agora, de uns tempos
para cá. Antes eu não ia não, falava que era evangélico mas não ia na igreja, não orava,
nem nada. Mas de uns tempos para cá que eu estou indo.
M: você acha que o fato de você ter tido depressão te estimulou a frequentar a igreja?
P: estimulou e muito. Foi depois da depressão que eu comecei realmente a ir e levar
mais a sério.
M: por quê?
P: porque eu achava que eu indo na igreja eu ia melhorar sabe? Aí eu vou indo.
M: e você acha que está te ajudando?
P: ah, não muito né? Porque eu não vejo muito assim melhora. Um mês atrás eu estava
bem pior. Eu melhorei depois que o doutor passou essa injeção para mim, eu vi que
essa injeção é muito boa. Até há um mês atrás eu estava ruim, estava chorando. Agora
estou melhorando. Aí hoje vou tomar outra. [...] (fim da entrevista).

Nessa entrevista, aparecem temas recorrentes da psicologia da religião. O entrevistado


diz espontaneamente que a religiosidade é fonte de esperança e que teve um papel importante
na sua melhora (relativa) do quadro. O tema recorrente e comum da comunidade evangélica
incentivando o paciente a parar a medicação também foi relatado nessa entrevista. Por fim, há
um fato interessante: o paciente passou a frequentar a comunidade religiosa depois que
97

começou a apresentar sintomas depressivos. Percebemos que na totalidade dos entrevistados


anteriores a depressão gerou um afastamento da fé. Nesse paciente aconteceu justamente o
contrário. Nesse caso podemos pensar a depressão de forma teleológica, no sentido de que o
quadro depressivo pode ter sido um meio da psique de encaminhar o paciente para maior
autoconhecimento e crescimento como pessoa. E o paciente relata que a religiosidade tem sido
muito importante para ele.
Quanto à evolução do quadro, paciente não apresentou melhora significativa, mas já
entrou no estudo com um quadro moderado (paciente reforçou nas duas entrevistas que ele já
apresentou um quadro bem pior do que o atual, e que atualmente está bem melhor do que antes).
Não houve melhora além disso, no sentido de caminhar para a remissão.

2.3 Considerações preliminares sobre as entrevistas

Nessa seção, comentarei sobre as limitações do presente estudo e os seus resultados


mais diretos. Depois, comentarei, a partir da minha experiência no campo, sobre o papel do
cientista da religião.

2.3.1 Visão prévia dos resultados

O presente estudo apresenta diversas limitações. A principal, e mais evidente, é a


pequena amostra de pacientes, de forma a não se conseguir produzir um resultado
estatisticamente muito relevante, com margem de erro relativamente alta e intervalo de
confiança fora dos padrões estatísticos mais exigentes (que é de 95%). Qualitativamente, não é
um problema tão sério, pois percebemos que existem tantas tendências na relação da
religiosidade com a depressão quanto existem pessoas.
O tempo entre a primeira entrevista e a reavaliação também foi um fator limitador, já
que alguns pacientes poderiam ter melhorado mais caso fossem acompanhados por mais tempo,
mas por outro lado outros que melhoraram poderiam em um tempo mais distante ter piorado.
Outra limitação é que o estudo foi realizado em hospital público, com pacientes de nível
socioeconômico médio e baixo. Seria interessante entender a relação da religiosidade com a
depressão em pessoas de classes econômicas mais altas. Os fatores econômicos e sociais em
diversos casos tiveram bastante interferência na melhora dos pacientes, seja na dificuldade de
acesso a medicamentos mais modernos e de custo mais alto, seja na impossibilidade de estarem
realizando psicoterapias empiricamente validadas, seja no próprio estresse que a falta de
98

dinheiro provoca. Os pacientes acompanhados no serviço são em sua maioria casos mais
difíceis, graves e com algum grau de resistência ao tratamento.
As escalas empregadas, apesar de amplamente utilizadas, validadas há vários anos e
traduzidas para o português, são instrumentos limitados, especialmente para um assunto tão
complexo como a religiosidade e a depressão.
O inventário de depressão de Beck apresenta boa sensibilidade, mas especificidade
reduzida (apesar de adequada). Pacientes com níveis de depressão clinicamente não tão graves
pontuam muito na escala de Beck. Isso pode ter levado ao viés de que numericamente alguns
pacientes não melhoraram muito, mas clinicamente sim. Tive o cuidado de descrever esse fato
caso ele tenha acontecido.
O inventário de religiosidade intrínseca sofre de problema semelhante: pontua muito em
pessoas que clinicamente (subjetivamente) percebemos que tem religiosidade baixa e
superficial. No entanto, quando ele pontua baixo, parece ser mais confiável.
A escala de coping religioso-espiritual é extremamente extensa, e sua aplicação em
populações de baixa renda (exatamente a população do estudo) é difícil. (CURCIO;
LUCHETTI; MOREIRA-ALMEIDA, 2016, p. 173). Apenas metade dos pacientes
conseguiram respondê-la completamente. Alguns pacientes começaram a responder e devido à
irritabilidade ou o cansaço dos mesmos tive que interromper o preenchimento no meio do
processo. Outros pacientes estavam muito deprimidos, e resolvi deixar esse preenchimento para
a avaliação posterior. Alguns conseguiram, mas outros persistiam muito deprimidos, de forma
que para não os prejudicar acabei abrindo mão desse dado.
Assim, mais estudos são necessários sobre o tema, tanto para elaborar instrumentos de
pesquisa mais precisos e práticos, tanto com a utilização de amostras maiores e de condições
socioeconômicas diversas.
Os dados quantitativos do estudo são apresentados na tabela abaixo.
99

Tabela 1: Compilação dos dados numéricos da pesquisa de campo.


Variáveis/ BDI inicial BDI final Variação IRI CRE negativo (%)
Entrevistado BDI
A 27 29 -2 36 136%
B 47 29 18 11 144%
C 44 27 17 35 Indisponível
D 31 29 2 31 Indisponível
E 41 17 24 20 Indisponível
F 25 22 3 47 Indisponível
G 35 16 19 41 53%
H 41 50 -9 22 Indisponível
I 41 32 9 36 47%
J 47 54 -7 13 Indisponível
K 32 31 1 30 79%
Fonte: elaborada pelo autor.

Apresento um gráfico que relaciona a religiosidade com o nível de depressão na primeira


entrevista.

Gráfico 1: correlação IRI x BDI inicial.

50
45
40
35
30
BDI inicial

25
20
15
10
5
0
0 10 20 30 40 50
IRI

Fonte: elaborado pelo autor.


100

O gráfico apresenta coeficiente de correlação entre as duas variáveis (r) = - 0,74, o que
indica que no estudo realizado maior religiosidade intrínseca representou 74% de chance de o
sujeito ter no início do estudo uma depressão de menor intensidade.
Nesse momento, urge responder uma pergunta: os pacientes com maior religiosidade
apresentaram maior melhora da depressão? Para responder essa pergunta, vamos primeiro
analisar o gráfico 2.

Gráfico 2: correlação IRI x variação do BDI.

30

25

20

15
Variação do BDI

10

0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
-5

-10

-15
IRI

Fonte: elaborado pelo autor.

O gráfico apresenta coeficiente de correlação das duas variáveis (r) = 0,04, ou seja,
maior religiosidade implicou em apenas 4% de chance de o paciente ter tido maior melhora da
depressão. Tal valor está dentro da margem de erro da pesquisa.
Assim, a resposta para a pergunta: “os pacientes mais religiosos melhoraram mais da
depressão?” , de acordo com os dados colhidos na pesquisa, é não. Não, na maioria dos
pacientes maior religiosidade medida pelo IRI não esteve associada a maior melhora da
depressão, de forma significativa.
Essa resposta se relaciona com um fato bastante significativo nessa pesquisa: a maioria
dos pacientes (64% dos entrevistados) não apresentou melhora muito significativa (mais do que
10 pontos na escala de BDI) do quadro depressivo, apesar do tratamento de razoável qualidade,
feito por residentes de psiquiatria e orientado por um psiquiatra experiente e especialista em
101

transtornos do humor.
O que nos leva à consideração que o que importa na melhora da depressão não é a alta
religiosidade intrínseca, mas sim a qualidade dessa religiosidade, o como o sujeito se relaciona
com sua transcendência.
Assim, podemos tecer diversas conclusões preliminares sobre esses resultados:

a) Pacientes com depressão moderada e grave apresentam, em geral, mau prognóstico,


especialmente se tiverem tido início precoce do quadro. A religiosidade intrínseca
teve pouco efeito na melhora desses pacientes.
b) Paciente com maior religiosidade intrínseca tiveram, no início do estudo, depressões
de menor intensidade.
c) A escala de religiosidade intrínseca ainda é um instrumento falho na avaliação da
qualidade da religiosidade.
d) Religiosidade muito baixa e declarar-se ateu esteve associada com quadros graves.

2.3.2 O cientista da religião e o médico

Ao fazer esse estudo de campo, um fato me chamou muito a atenção, em quase todas as
entrevistas: é muito difícil separar o papel de cientista da religião do papel de médico. Se o
cientista da religião estuda a religião empiricamente, o médico, especialmente o psiquiatra
(médico da alma) tem como objetivo aliviar e curar o sofrimento psíquico.
A dificuldade de separar o cientista da religião do médico aconteceu por dois motivos
principais: muitos pacientes se sentiram aliviados ao falar de sua religiosidade para uma pessoa
que estava ali apenas para ouvi-las, sem fazer juízos de valor. Falas contraditórias e
ambivalentes surgiram, e me preocupei em reforçar para os autores dessas colocações que isso
dentro da religiosidade é perfeitamente normal. Além disso, o médico contém um simbolismo
de cura e de confiança. Assim, a própria pesquisa teve um valor terapêutico intrínseco.
Minha constatação vai ao encontro das recomendações de Hefti e Esperandio (2016, p.
33) que afirmam que “a anamnese espiritual é um ato poderoso em si mesmo, e abre uma nova
dimensão na relação médico-paciente, pois envia ao paciente a mensagem de que esse aspecto
da sua identidade é reconhecido e respeitado”. Assim, abordar as necessidades espirituais,
especialmente do paciente com depressão, é uma parte importante da anamnese médica e traz
melhores resultados para o paciente. Esse dado é essencial para se combater o preconceito que
existe na comunidade médica quando se fala em integração da espiritualidade na prática clínica.
102

O segundo motivo é decorrente do primeiro: muitos pacientes, ao final da entrevista,


pediram a minha opinião, como pesquisador do assunto, sobre o efeito da religiosidade na saúde
mental. E naturalmente eu os orientei sobre esse efeito, tentando ser o mais científico (e
humano) possível. Nesse momento, temos que ter o cuidado de não “catequizar” o paciente.
Não podemos incentivá-los a passar a ter uma religião, pois não seria ético, mas podemos
incentivá-los a voltar a frequentar a religião que abandonaram devido à depressão. Assim como
podemos (e devemos) incentivá-los a fazer atividades físicas, de lazer e similares.
Pensando nos resultados imediatos da pesquisa no campo, ou seja, que a religiosidade
em si teve pouco impacto na melhora da depressão moderada a grave, propomos algumas
chaves de leitura para uma interpretação global dos resultados:

a) A psicologia existencial, a crise de sentido da contemporaneidade e o fenômeno


associado a ela, que é a secularização, que desempenham apenas um papel “a
jusante” nos sujeitos com depressão;
b) A psicologia evolucionária, que nos ajudará a entender porque nós humanos,
enquanto espécie, estamos desenvolvendo quadros depressivos cada vez mais
frequentes e mais graves, em que a religião tem pouco efeito;
c) A psicologia analítica de Jung, que vê na depressão uma teleologia para que o sujeito
se volte para a sua transcendência, e assim se “previna” de crises de sentido, ou
encontre o sentido de sua vida de volta;
d) A teoria do coping religioso-espiritual de Pargament e de atribuição de causalidade
de Spilka, Shaver e Kirkpatrick que explicam o “como” a depressão e a
espiritualidade se influenciam mutuamente, de um ponto de vista cognitivo e
comportamental.

Essas teorias serão apresentadas no próximo capítulo e serão relacionadas ao resultado


da pesquisa empírica.
103

CAPÍTULO 3: OS SUJEITOS DEPRIMIDOS E A CONTEMPORANEIDADE:


LEITURAS A PARTIR DAS PSICOLOGIAS DA RELIGIÃO

Nesse capítulo analisaremos os dados obtidos na pesquisa empírica, através da


contribuição de diversas correntes da psicologia da religião, que gerou várias possibilidades de
interpretação e nos permitiu chegar a algumas conclusões. Destaco que a discussão se dará a
partir de um fato bastante significativo e atual, que consiste no crescimento da prevalência e da
incidência de pessoas com quadro clínico de transtorno depressivo maior, ou simplesmente
depressão. Segundo Hidaka (2013, p. 3), existem diversas evidências na literatura, através de
estudos retrospectivos e longitudinais, de que os quadros depressivos estão bem mais comuns
nas pessoas mais jovens, e isso tem aumentado a cada geração. Isso leva à conclusão alarmante
que “estamos de fato no meio de uma epidemia de depressão” (itálico nosso). (HIDAKA, 2013,
p. 3).

3.1 Crise de sentido

Nessa seção, tecemos considerações sobre a relação entre depressão e religiosidade


através da chave de leitura “crise de sentido” e como a própria crise de sentido interfere na
evolução dos pacientes com depressão. A pesquisa revelou que é possível estabelecer um nexo
entre religiosidade, crise de sentido e depressão. É o que vamos esclarecer nas próximas
páginas.

3.1.1 A situação espiritual do nosso tempo: visões de alguns autores

O que é a crise de sentido da contemporaneidade? Karl Jaspers, filósofo e psiquiatra


alemão, no seu livro “A situação espiritual do nosso tempo” nos dá importantes contribuições
sobre isso. Para ele, existe sim uma crise de sentido para a humanidade, que se inicia
aproximadamente no século XVI, coincidente com a secularização da existência humana e com
o surgimento da consciência epocal, que fazia com que a partir dessa época, as gerações
ficassem presas umas às outras (JASPERS, 1968, p. 14). Antes disso, para o homem o mundo
era relativamente estável, sem um sentido histórico, longitudinal, e o sentido da vida estava no
Divino, na transcendência.
104

Épocas houve em que o homem pressentia o seu mundo como uma constante, como
momento preciso entre o meridiano transcurso de uma longínqua época de oiro e um
próximo fim do mundo sujeito à hora marcada pela divindade. [...] A sua atividade ia
no sentido de melhorar a sua posição no invariável condicionalismo em que se sabia
em agasalho, preso à terra e cativo do céu [...] na transcendência era que o ser ganhava
inteligibilidade. (JASPERS, 1968, p. 10).

Carlos Alberto Steil (1994, p. 36) confirma o marco temporal de Jaspers, relatando que
essa crise de fato teria se iniciado a partir dos séculos XVI e XVII.
Na visão do filósofo e psiquiatra alemão, a situação do mundo moderno mudou: “em
comparação com tais épocas encontra-se o homem, hoje, desenraizado, certo apenas da sua
inserção num fluxo historicamente determinado da humanidade”. (JASPERS, 1968, p. 10).
Jaspers prossegue, explicando que o homem põe seu sentimento de idealismo na Terra:

Porque o mundo é algo de indefinido, a esperança do homem, em vez de matar na


transcendência a sua sede, fixa-se no mundo passível de transformação, crente na
possibilidade de uma plenitude terrestre. Mas dado que o indivíduo, mesmo nas mais
propícias situações só pode produzir limitados efeitos é levado a admitir que os
resultados de facto da sua acção mais dependem das circunstâncias gerais que da sua
própria noção de objetivo, tornando-se assim consciente da estreiteza das suas forças
[…]. (JASPERS, 1968, p. 11).

Essa constatação de Jaspers nos remete a algo típico da modernidade, que são as
ideologias sem divindade, como o Positivismo, o Marxismo e a Psicanálise. Tais ideologias
colocam na própria Terra a sua transcendência, no sentido da transformação do mundo em um
lugar igualitário e sem classes (no caso do Marxismo) e em um mundo sem religião, imbuído
apenas do espírito científico (tal como Freud descreve no “Futuro de uma ilusão”), e tal como
o Positivismo26. Destaco também o fato, comentado por Jaspers, de que o indivíduo quase
sempre se decepciona quando se apega à crença da possibilidade de transformação do mundo,
o que gera, segundo o autor, um sentimento de impotência.
No século XVIII a consciência do progresso atinge o seu apogeu, há um otimismo
reinante, já que o caminho que antes levava ao juízo final agora levava à plenitude da
civilização. A Revolução Francesa fez com que o homem, usando a razão, assumisse seu
próprio destino (ele não estava mais nas mãos de Deus), provocando uma onda de júbilo.
(JASPERS, 1968, p. 15-16).
Ainda segundo Jaspers, de forma anacrônica, Kierkegaard e Nietzsche são os primeiros
a fazer uma crítica da sua própria época, mas não foram muito levados a sério, só tardiamente

26 É necessário destacar que na cidade do Rio de Janeiro há um templo dedicado ao Positivismo, localizado na
rua Benjamin Constant, 74, no bairro da Glória.
105

se tornando atuais. Esses dois filósofos, já no século XIX, anteveriam que a dessacralização do
mundo conduziria ao nada.
Diversos autores contemporâneos, nos últimos anos, concordam, em maior ou menor
grau, com a perspectiva de Jaspers.
Marco Heleno Barreto, em seu livro “Pensar Jung”, faz interessantes correlações entre
a crise de sentido da contemporaneidade e as contribuições do psiquiatra suíço Carl Gustav
Jung. Para ele, a falta de sentido tornou-se um elemento estrutural da sociedade contemporânea,
manifestada como niilismo, numa civilização regida pela técnica e pelo consumo. (BARRETO,
2012, p. 119; p. 123). Segundo o mesmo autor, Jung chamava isso de “neurose contemporânea
generalizada”. Barreto prossegue na sua argumentação, dizendo que a cisão entre a razão e a fé
se iniciou na Idade Média, mas na nossa era tecnológica, ela se acentua bastante, produzindo
um dilaceramento que causa muito sofrimento psíquico.
Por que se inicia na humanidade o processo da crise de sentido? Na interpretação de
Barreto da obra de Jung (2012, p. 156), a origem do mal-estar da subjetividade moderna está
em dois pontos: no cisma protestante com sua iconoclastia e nos efeitos da revolução científica.
O cisma protestante originou uma religiosidade com muito menos símbolos e rituais, e
muito mais intelectualidade e hermenêutica, baseada somente nas escrituras (sola scriptura 27).
Segundo a perspectiva junguiana, os rituais e os símbolos facilitam o contato do sujeito com
elementos irracionais do inconsciente coletivo: esses elementos possuem uma energia psíquica
muito intensa, no sentido de “arrebatar” o praticante da religião.
Quanto à revolução científica, são inegáveis os benefícios que ela tem trazido à
humanidade, no entanto algo que falta à ciência é trazer sentido e significado para a vida das
pessoas. Nisso, a religião tem a primazia.
Jacques Lacan, psiquiatra e psicanalista francês, é conhecido por propagar, nos meios
psicológicos e psiquiátricos, um “retorno a Freud”. Porém, ele acaba reconhecendo, de alguma
forma, que a religião traz sentido à vida das pessoas. Há um texto (propositalmente?) não muito
difundido pelos próprios lacanianos, talvez por admitir a persistência da força de religião,
chamado “O triunfo da religião”.

Eles [os religiosos] gastaram um tempo, mas de repente compreenderam qual era sua
chance com a ciência. Vão precisar dar um sentido a todas as reviravoltas introduzidas
pela ciência. E, no que se refere ao sentido, eles conhecem um bocado. São capazes
de dar sentido um sentido realmente a qualquer coisa. Um sentido à vida humana, por
exemplo. São formados nisso. Desde o começo, tudo o que é religião consiste em dar

27 “Somente na escritura”. Tudo na religião deve ser construído a partir do que diz a Bíblia.
106

um sentido às coisas que outrora eram as coisas naturais. (LACAN, 2005, p. 65).

Lacan prossegue e dá suporte à ideia de Jung que o cisma protestante em parte causou a
crise de sentido da modernidade, quando é perguntado o que significa ‘a verdadeira religião’.
Lacan responde que a verdadeira religião é a “romana”, ou seja, a Católica Apostólica Romana.
(LACAN, 2005, p.67). Ele prossegue, dizendo que a humanidade será “curada” da psicanálise,
devido ao “mergulho” que a religião promoverá no sentido, o que acabará causando um
“recalque” da psicanálise, que para Lacan é o próprio sintoma do mal-estar da humanidade.
Essa é uma posição diametralmente oposta à posição de Freud em O Futuro de uma Ilusão
(1974). Para Freud, o mal-estar é o sintoma, e a psicanálise a cura.
É interessante (para não dizer surpreendente) como Jung e Lacan concordam, de alguma
maneira, nesses aspectos. Para ambos, a religião tem algum papel em ser uma saída eficaz para
o mal-estar da modernidade. Lacan até mesmo teria visitado Jung na sua casa na Suíça, e ficado
impressionado com o fascínio que ele provocava nos pacientes que o visitavam.
(ROUDINESCO, 2008, p. 360). Porém nunca se divulgou qual foi o tema da conversa.
Com relação à posição de Jung sobre a função da psicologia, Barreto (2012, p. 153),
afirma que “Jung não alimentava quaisquer ilusões a respeito da difícil situação espiritual em
que o homem moderno está enredado. […] Consequentemente, ele compreendeu e
conscientemente reconheceu que o seu projeto psicológico era endereçado à mente moderna”.
Ou seja, o projeto psicológico de Jung, e de certa forma, também a psicanálise freudiana e
lacaniana, só floresceram por uma intrínseca necessidade de ajuda do ser humano afundado na
crise de sentido.
Essa perda do enraizamento religioso gerou uma busca pela então nascente psicoterapia
(BARRETO, 2012, p. 132). Ele diz que

Jung vê na ruptura com a tradição, e em especial com a tradição religiosa, um dos


mais graves problemas com que se defronta a consciência moderna, responsável por
seu mal-estar espiritual e psicológico, interpretado segundo a noção de
desenraizamento (Entwurzelung). (BARRETO, 2012, p. 135).

Sobre isso, podemos destacar as palavras do próprio Jung:

A consciência moderna abomina a fé e consequentemente as religiões que nela se


baseiam. Só as admite na medida em que o conteúdo de seu conhecimento estiver
aparentemente de acordo com fenômenos experimentados no pano de fundo psíquico.
Ela quer saber, isto é, experimentar originalmente por si mesma. (JUNG, OC 10, §
171).
107

A transcendência não tem lugar na consciência lógica moderna, e a consequência disso


é a sua dissolução nos limites da imanência. (BARRETO, 2012, p. 160). Não podemos deixar
de reconhecer que a noção de Deus proposta por Jung é um Deus imanente.
E aqui, a situação se torna um pouco mais complexa. Parece, à primeira vista, que Jung
é um psiquiatra e psicólogo “amigo da religião”. Essa é uma noção bastante simplista, e quando
analisamos mais profundamente a questão, podemos considerar que o golpe que Jung deu na
religião pode ter sido muito mais destruidor do que o de Freud. De acordo com Rodrigues e
Gomes (2013, p. 340), Jung passou a

Afirmar a religiosidade como uma experiência fundamental numinosa, que põe o


indivíduo em contato com o inconsciente coletivo – então, podendo favorecer o
processo de saúde mental humana. Nesse sentido, diverge de Freud: não vê o fato
religioso como infantil ou patológico, mas aponta a experiência religiosa como fator
de fundamental importância para o processo de individuação humana. Contudo,
aceitar que Jung seja 'amigo' da religião pode ser uma ingenuidade. […] Jung pode
reduzir 'Deus' a uma experiência subjetiva pessoal, psicologizando a ideia de 'Deus'.
(RODRIGUES; GOMES, 2013, p. 340).

Se Jung “psicologiza” a ideia de Deus, então não seria a religião, no fundo, apenas um
sistema psicoterapêutico? Galimberti (apud BARRETO, 2012, p. 133) afirma que quando Jung
coloca que a religião é um sistema psicoterapêutico, ele se torna muito mais perigoso do que
Freud para a Igreja Católica, pois é como se ele tivesse acertado o alvo e retirado todas as
máscaras do nome de Deus.
Assim, a partir da perspectiva de Jaspers, Barreto e Jung, proponho um conceito para a
crise de sentido da época atual: sentimento coletivo, vago e difuso de tédio, angústia, ansiedade
e falta de sentido para a vida. As manifestações dessa crise de sentido se dão na forma de perda
dos ideais, na fluidez e superficialidade dos relacionamentos, na descrença na política, no
aumento do consumo de drogas lícitas e ilícitas, e, por fim, no aumento significativo dos
quadros psiquiátricos ligados às crises de sentido: depressão, ansiedade e dependência de
substâncias psicoativas.
Edgar Morin concorda em maior ou menor grau com os autores citados anteriormente.
Para ele, a crise da modernidade surge no momento em que a problematização do mundo deixou
de se voltar para Deus e passou a se voltar para a própria modernidade (MORIN, 2011, p. 23).
A ciência teria um papel fundamental nesse contexto, pois ao mesmo tempo que ela produz
soluções e felicidade para os seres humanos, também produz a capacidade de autodestruição da
espécie humana. (MORIN, 2011, p. 23).
Isso causaria grande angústia, com aumento significativo da infelicidade. Segundo
108

Morin, “o mito da felicidade também está em crise. Começa-se a compreender hoje que, se os
produtos positivos da felicidade permanecem, os subprodutos negativos aparecem igualmente:
fadiga, abuso de psicotrópicos, drogas...”. (MORIN, 2011, p. 27).
De fato, os laboratórios farmacêuticos nunca venderam tantos psicotrópicos
(especialmente os antidepressivos e ansiolíticos). O medicamento ansiolítico e hipnótico
clonazepam (Rivotril®) foi o segundo remédio mais vendido no Brasil em 2009 (SEGATTO;
MARTINS, 2009). O laboratório Roche já parou de fazer propaganda médica desse
medicamento, possivelmente porque ele já faz parte da cultura popular. Hoje ele não figura
mais na lista dos mais vendidos, mas o motivo é que o princípio ativo se esfacelou em diversas
marcas de remédios genéricos e similares.
Paiva e Tomé (2014, p. 117) resumem as mudanças que a modernidade promoveu:

A modernidade, ao romper com a tradição, institui as bases de uma mudança radical


concernente aos esquemas de interpretação da história, a saber, o rompimento com a
tradição metafísica; a emancipação do sujeito como centro do conhecimento; a ideia
de que a religião deve ser orientada pela razão; a autoafirmação do humano; o
rompimento com o passado no que se refere à verdade e à realidade das coisas.
(PAIVA; TOMÉ, 2014, p. 117).

O rompimento com a tradição metafísica na filosofia também rompe com a


transcendência, o que, segundo o mesmo autor, leva à mudança no estatuto do homem. Essa
mudança de paradigma leva ao colapso da razão e consequentemente à crise do sujeito.
(PAIVA; TOMÉ, 2014, p. 118).

3.1.2 Secularização e depressão

O processo de secularização vivido pela sociedade contemporânea é, como já vimos,


parte integrante e associada do processo de crise de sentido, especialmente do mundo ocidental.
Há um movimento bilateral no sentido de a secularização contribuir para a crise de sentido e
vice-versa. Mas o mais provável, de acordo com os argumentos já citados nesse capítulo, é que
o movimento maior seja no sentido da secularização levando à crise de sentido. Porém, é
também possível que a crise de sentido leve também ao “abandono” da religião, por não se
considerar mais que ela seja uma saída eficaz. São fatores associados, em que é difícil afirmar
a causalidade de um ou de outro de forma simplificada. Sobre isso, nos diz Edin Sued
Abumanssur:

A religião, que antes se impunha como um dossel sagrado sobre todas as dimensões
109

da vida e funcionava como a fonte de legitimação da ordem instituída e como uma


espécie de cimento social, agora precisa se contentar em ser apenas mais uma das
inumeráveis esferas de ação e vivência dos indivíduos. Isso é a modernidade.
(ABUMANSSUR, 2013, p. 619).

Abumanssur utiliza a mesma expressão de Peter Berger ("dossel sagrado"). A religião


de fato continua exercendo grande influência na sociedade, porém ela é apenas uma dessas
influências. O ser humano moderno a escuta, mas ela representa apenas uma das vozes no
grande coral de influências que é a contemporaneidade.
Sobre a secularização, nos diz Peter Berger (2005, p.47):

Resumidamente, a tese básica dessa concepção, solidamente estabelecida na


sociologia da religião como “teoria da secularização”, diz que a modernidade leva
invariavelmente à secularização, no sentido de um dano irreparável na influência das
instituições religiosas sobre a sociedade, em como de uma perda de credibilidade da
interpretação religiosa na consciência das pessoas. Assim nasce uma nova espécie
histórica: “o ser humano moderno” que acredita poder se virar muito bem sem religião
tanto na vida privada como na existência em sociedade (BERGER, 2005, p. 47).

Essa nova espécie histórica, "o ser humano moderno", deixou a religião de lado
acreditando no logos e na felicidade terrena, mas a partir da crise de sentido e do crescimento
da incidência e da prevalência da depressão, poderíamos dizer que até o momento essa mudança
não foi bem sucedida. A própria crença ingênua no logos foi catastrófica:

A supremacia do logos convive com a extrema irracionalidade que acompanhou a


civilização ocidental e provocou as grandes catástrofes das guerras, massacres,
violação e destruição da natureza, o que leva Armstrong a afirmar que, depois do
período axial, não avançamos espiritualmente, e até regredimos, devido à supressão
dos mitos. (ARMSTRONG, 2005, p. 132 apud QUEIROZ, 2013, p. 503).

Já citamos no primeiro capítulo diversos estudos que mostram que pessoas mais
religiosas tem melhor saúde mental, incluindo-se nisso menor risco de depressão e menor risco
de suicídio. Mas, repito, é difícil delimitar a secularização como causa da crise de sentido, pois
poderíamos também pensar que ela é até mesmo consequência. Nesse caso falamos em
associação: os fatos estão relacionados de tal forma que não se é possível dizer qual é a causa
e qual a consequência.
Na pesquisa empírica realizada, a maioria dos sujeitos tinha alguma religiosidade, e
mesmo assim desenvolveram depressões, algumas graves, e a maioria (64%) com pouca
melhora, independente da religião. A religiosidade teve algum efeito em prevenir ou atenuar o
quadro de depressão (como foi comprovado na pesquisa, pois os sujeitos mais religiosos
tiveram 74% de chance de ter um quadro depressivo menos intenso). Mas quando ela (a
110

depressão) se desenvolve e atinge certo patamar de gravidade, ela (a religiosidade) tem pequeno
efeito na sua evolução. O pequeno efeito que teve a religiosidade na melhora da depressão foi
devido ao fato de que no sujeito contemporâneo a relação com a religiosidade é mais fraca do
que era no passado, como já foi colocado por Jaspers e Abumanssur. A religiosidade, entretanto,
não desapareceu, ela persiste de alguma forma. Diferente, enfraquecida, mas persiste, com
novas roupagens e novas funções.
Dentro dessa linha de pensamento, diversos pesquisadores questionam se está de fato
havendo uma secularização na contemporaneidade. A religião institucionalizada sem dúvida
alguma está perdendo o seu poder, mas será que isso se reflete na espiritualidade particular dos
sujeitos? Percebemos, na pesquisa, que mesmo os sujeitos que se declararam ateus na verdade
tinham algum tipo de espiritualidade, como o entrevistado B e o entrevistado J. É notável que
o próprio Peter Berger tenha revisto sua tese sobre a secularização, dizendo depois que a religião
continua com o mesmo poder de antes na sociedade ocidental, principalmente no Terceiro
Mundo. Na Europa, entretanto, o autor continua afirmando que a secularização de fato está
acontecendo:

Observadores da situação religiosa europeia (entre os quais um dos autores do


presente livro) chamaram a atenção há muitos anos para o fato de que a
“desigrejização” não deve ser confundida com a perda da religiosidade. […] Fora da
Europa e dos Estados Unidos ela [a tese da secularização] é simplesmente descabida.
O chamado Terceiro Mundo estremece literalmente sob o ímpeto dos movimentos
religiosos. (BERGER, 2005, p. 48).

O filósofo francês Marcel Gauchet, em seu diálogo com Luc Ferry no livro “Depois da
religião” (2008, p. 41), afirma que a questão da secularização tem dois lados e ambos devem
ser considerados:

Por um lado, com base num fato indiscutível – o recuo da empresa organizadora do
religioso sobre a vida das sociedades - conclui-se sobre a perda da função da religião
e, portanto, sobre seu desaparecimento inevitável (que seria somente uma questão de
tempo). (FERRY; GAUCHET, 2008, p. 41).

Esse é o lado que a ampla maioria dos autores concordam: está havendo uma perda da
influência da religião. Mas

Por outro lado, parte-se de dois fatos também indiscutíveis: em primeiro lugar, a
permanência da fé e, em segundo, a revivescência periódica dessa fé […]. A partir
desses fatos, anuncia-se o retorno iminente do religioso, procedendo a uma mesma
extrapolação profética. A saída moderna da religião não terá sido, então, nada além
de um eclipse temporário e superficial. (FERRY; GAUCHET, 2008, p. 41).
111

Assim, são dois movimentos que ocorrem ao mesmo tempo: uma saída e uma
permanência da religião, sendo que há um ponto em comum entre as sociedades que
permanecem muito religiosas, como os Estados Unidos, e as sociedades que estão de fato
entrando na secularização (como a Europa): o fato religioso em ambas não mais estrutura a
sociedade ou a comunidade; se ele persiste, é apenas ao nível do indivíduo. (FERRY;
GAUCHET, 2008, p. 42). A religião passou a ser uma escolha do sujeito. Até mesmo não ter
nenhuma religião ou não acreditar em Deus tornou-se apenas uma questão de opção. A pesquisa
comprova esse fato: na maioria (80%) dos sujeitos entrevistados, a religião é uma questão de
foro íntimo. Podemos fazer exceção aos entrevistados A e J, em que a comunidade religiosa
ainda desempenha um papel estruturante em suas vidas.
Continuando o diálogo com Gauchet, Luc Ferry propõe que não haverá o “fim da
religião”. O que já está acontecendo é uma “reinterpretação do religioso” na relação com a Lei.
(FERRY; GAUCHET, 2008, p. 71). Os autores explicam que atualmente a religião está
posicionada “a jusante” da Lei, enquanto antes ela era localizada “a montante”. Se imaginarmos
o fluxo de um rio, antes a religião vinha primeiro, e depois a Lei era produzida. Atualmente, as
Leis são baseadas em preceitos humanos (e não divinos), e só depois passam pela religião. A
religião, então, dará sua posição a respeito dessa ou daquela lei. Para dar um exemplo bastante
claro desse posicionamento, podemos dizer sobre o aborto. Na Lei brasileira, ele é permitido
em casos de estupro, porém a Igreja Católica se posiciona abertamente contra, mesmo nas
situações supracitadas. A Lei católica, assim, está “a jusante” do Direito. Nas teocracias, como
no Irã, a religião continua a montante do Direito, de forma que é esse último que tem que se
adaptar à religião (na prática, a Religião e o Direito se confundem nas Teocracias).
Outro autor que considera que a secularização não está acontecendo de fato, somente a
religião é que está mudando de forma, é Vilhena: “na modernidade superativada, ofertar aos
deuses, aos espíritos ancestrais, aos seres da natureza, aos orixás, aos santos protetores, às
entidades continua em voga”. (VILHENA, 2013, p. 523). Em Manhattan, Nova York, um pastor
luterano montou uma “barraquinha” do lado de fora, em frente à sua igreja, onde oferece “ajuda
espiritual” para quem estiver passando pelo local. A iniciativa obteve grande sucesso, atraindo
cristãos, judeus e aqueles que há anos não compareciam à igreja. (KIS, 2016, p. 4).
Concluímos que a “saída da religião” de que Gauchet fala não representa o “fim” da
religião. O que aconteceu é que a religião tomou outro sentido. Ela virou uma parte tão íntima
da vida que ela representa muitas vezes aquilo de que não queremos falar. (GAUCHET, 2016).
Para Camurça (2016), sim, o ser humano moderno está livre e autônomo. Mas o preço
que ele pagou foi a solidão e a perda de Deus.
112

3.1.3 Crise de sentido e depressão

A crise de sentido da modernidade é algo subjacente à sociedade, não diretamente ao


sujeito. Porém, essa crise de sentido limita os recursos que o sujeito teria para lidar com os seus
problemas, perdas e decepções. A crise de sentido passou a atuar no sentido de que a
religiosidade nem sempre seja um recurso disponível (ready-to-use) para o sujeito. A
religiosidade também deixou de ser um recurso que se apresenta mesmo quando não chamada.
Explico: antes, a religião institucionalizada buscava ativamente o sujeito em crise, oferecendo-
lhe orações e sacrifícios. Hoje, fazer isso pode ser considerado uma atitude invasiva, até mesmo
ofensiva. O sujeito em crise é que tem que escolher. Mas as vezes a crise é tão intensa (como
na depressão) que ele não tem nem mesmo vontade de fazer escolhas! Relembro o fato de que
o entrevistado A teve bastante apoio de seu grupo religioso quando entrou em depressão,
mesmo não pedindo. No entanto, a medida que não foi melhorando, o grupo também o foi
deixando de lado. Podemos certamente dizer que o comportamento desse grupo é uma exceção,
dentro do modus operandi contemporâneo.
Dessa forma, dentro de uma perspectiva multifatorial para a depressão, a saber:
tendências genéticas e inatas, influência ambiental na forma de estresse e recursos de que o
sujeito dispõe, podemos inferir que a epidemia de depressão está indiretamente ligada à
limitação de recursos de que um sujeito poderia se utilizar para lidar com a tristeza, com as
perdas ou com os problemas. Em suma, a crise de sentido da modernidade, acompanhada e
caracterizada pelo declínio da importância da religiosidade, por esse raciocínio, está ligada ao
aumento da depressão típica de nossos tempos.
Porém, esse efeito da crise de sentido na depressão é, para usar um termo de Gauchet,
“a jusante”. Ou seja, a crise de sentido desempenha um papel bastante precoce na depressão,
no sentido de facilitar a depressão em sujeitos já com tendências depressivas. Vimos que a
religiosidade ou a espiritualidade desempenhou pouco efeito de melhora nos sujeitos da
pesquisa, e daí aventamos a hipótese, baseada em outros estudos prévios, que a religiosidade
de alguma forma previne sim crises de sentido e daí teria algum efeito na prevenção da
depressão ou eventualmente na melhor evolução de pacientes com quadros mais leves. O
sujeito, no entanto, para que tenha algum benefício da religiosidade ou da espiritualidade, deve
ser introduzido a ela ainda na infância ou adolescência, e essa religiosidade deve ser acolhedora.
Corroboram minhas afirmações os estudos de Miller (2012) e de Dew (2010). Vimos que o
entrevistado D teve contato com a religião na infância, mas foi uma religiosidade punitiva e um
Deus que castiga os maus comportamentos: essa religiosidade não o ajudou.
113

Um dado importante da pesquisa é que os sujeitos que tinham mais religiosidade


intrínseca tenderam a apresentar um nível inicial mais baixo de depressão (gráfico 1, p. 92). Os
sujeitos com baixa religiosidade e ateus foram os que tiveram as depressões mais graves. Por
esses dados concluímos que a religiosidade desempenha um certo papel de “freio”, de
buffering28 na instalação do quadro depressivo, ou seja, a religiosidade não deixa que o sujeito
“afunde” na tristeza.

3.2 O coping religioso-espiritual e seu papel na depressão

Nessa seção, utilizarei a teoria do coping religioso-espiritual na interpretação dos


resultados da pesquisa empírica.

3.2.1 Coping e depressão

O coping religioso-espiritual é um termo criado pelo psicólogo norte-americano


Kenneth Pargament, e se refere ao uso de técnicas cognitivas e comportamentais baseadas na
religião e espiritualidade para manejar (atenuar) eventos estressantes da vida (PANZINI, 2007a,
p. 128). É o colchão que amortiza a queda: alguns tem um bom colchão, outros nem tanto.
Alguns tem um colchão tão bom que mesmo grandes quedas não os levam a se machucar, e
outros mesmo com pequenos tombos se machucam bastante.
É fato já estabelecido na literatura médica que o estresse crônico está ligado ao
surgimento de quadros depressivos, através do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, e também o
estresse agudo pode funcionar como gatilho para quadros depressivos, principalmente em
pessoas com tendências familiares e pessoais à depressão. Conforme foi explicado acima, a
genética da depressão aos poucos está ficando mais frequente, pois não representa uma
desvantagem evolutiva tão grande quanto antes da contemporaneidade. Assim, também por essa
visão biológica, o coping teria um papel importante na prevenção da depressão, por atenuar os
efeitos do estresse agudo e crônico sobre os indivíduos.
Segundo estudos já citados no capítulo 1, o coping religioso-espiritual seria uma das
explicações da relação entre a secularização e o aumento da depressão. A religiosidade, segundo
esses estudos, constitui meio eficaz, através do coping religioso, de prevenção de crises de

28
A palavra buffering é traduzida em português por “tampão” e significa uma solução que mantém o pH
estabilizado mesmo quando se acrescenta a ela um ácido ou uma base.
114

sentido e da forma mais extrema dessas crises de sentido, a depressão. O dado encontrado na
pesquisa foi que os sujeitos mais religiosos iniciaram com quadro depressivos mais leves. Ou
seja, a religiosidade de fato desempenhou seu papel de ser um mecanismo de lidar com o
estresse e a depressão, prevenindo quadros mais graves.
Para Pargament (2000, p. 521), a religião tem cinco funções principais:

a) significado: a religião fornece frameworks29 para o entendimento e a interpretação de


diversas situações da vida;
b) controle: a religião dá um senso de que se pode de alguma forma controlar alguns
eventos;
c) conforto/espiritualidade: a religião promove uma conexão com uma força que vai além
do indivíduo, além de uma sensação de proteção;
d) intimidade/espiritualidade: no sentido da coesão social de Durkheim;
e) transformação da vida: abandonar antigos valores e encontrar novas fontes de significado.

Na pesquisa de campo realizada, percebemos que diversos pacientes referiram


espontaneamente as funções da religião (que descrevi acima) na sua vida. O entrevistado F disse
que quando acontece algo de ruim, é sinal de que alguma coisa boa deve estar vindo
(significado). O entrevistado D diz que tem medo de deixar de ser religioso e alguma coisa ruim
acontecer (controle). O entrevistado G relata que quando se sente angustiado, canta ou faz
orações a Deus, e isso o alivia (conforto).
Os estilos de coping religioso foram definidos, segundo Pargament (2000, p. 521), de
acordo com cada uma das cinco funções da religião, descritas acima, e são cinco
(PARGAMENT apud PANZINI, 2007a, p. 130):

a) autodireção: Deus dá liberdade às pessoas para dirigirem as suas próprias vidas;


b) delegação: o indivíduo espera passivamente Deus resolver seus problemas;
c) colaboração: Deus e o indivíduo colaboram na resolução dos problemas;
d) súplica: o indivíduo tenta influenciar a vontade de Deus através de orações e pedidos;
e) renúncia: o indivíduo decide renunciar à sua vontade em favor da vontade de Deus
(parecido com o estilo colaboração).
Os estilos autodireção, colaboração e renúncia são considerados coping religioso

29 Tradução aproximada: enquadramentos, explicações prontas.


115

positivo, e os estilos delegação e súplica são considerados coping religioso negativo. Conforme
já citado no capítulo 1, estudos mostram que pacientes que usam mais o coping religioso
positivo tem melhor saúde mental, principalmente após eventos estressantes da vida,
desenvolvem menos depressão e caso a desenvolvam, melhoram mais rapidamente e atingem
taxas mais altas de remissão.
A religiosidade oferece recursos prontos (ready-to-use) de coping religioso positivo
(mas também de negativo). Para definir o motivo pelo qual alguns sujeitos se utilizam
majoritariamente de um ou outro estilo de coping, é necessário se investigar a história de vida
desse sujeito, a sua relação com a religião e suas tendências de personalidade e temperamento.
Na pesquisa que realizei, de fato a religiosidade desempenhou esse papel de coping, pois
os sujeitos mais religiosos se apresentaram, em um corte transversal, bem menos deprimidos
que os menos religiosos.

3.2.2 A teoria de atribuição de causalidade

Há uma relação bastante próxima da teoria do coping religioso de Pargament com a


teoria da atribuição da causalidade de Spilka, Shaver e Kirkpatrick, especialmente no que se
refere à primeira função da religião descrita acima, o “significado”. No artigo publicado no
Journal for the Scientific Study of Religion, em 1985, os 3 autores frequentemente citam a
própria palavra coping.
Tal teoria é baseada na premissa de que a religião é, antes de tudo, uma tentativa de
explicação da realidade. “Explicação causal é o aspecto fundamental da religião”. (SPILKA;
SHAVER; KIRKPATRICK, 1985, p. 1).30
Transcrevo aqui o axioma n.6, que é específico da religião:

Os sistemas de conceitos religiosos oferecem aos indivíduos uma variedade de


explicações dos eventos reforçadoras de sentido – em termos de Deus, pecado,
salvação etc. - bem como uma gama de conceitos e procedimentos para reforçar os
sentimentos de controle e autoestima (por exemplo, fé pessoal, prece, rituais, etc)
(SPILKA; SHAVER; KIRKPATRICK, 1985, p. 7) (tradução nossa)31

Dessa forma, a religião dá respostas àquilo que de outra forma não seria possível. Ou

30 Causal explanation is a hallmark of religion.


31 Systems of religious concepts offer individual a variety of meaning-enhancing explanations – in terms of God,
sin, salvation, etc – as well as a range of concepts and procedures for enhancing feelings of control and self-
esteem (e.g. personal faith, prayer, rituals, etc.).
116

seja, é fonte de significado, especialmente nas situações de eventos trágicos e crises (SPILKA;
SHAVER; KIRKPATRICK, 1985, p. 7). A partir do sexto axioma, decorrem os seguintes
corolários:

C6.1. Os sistemas de conceitos religiosos fornecem aos indivíduos um sistema de


sentido compreensivo e integrado, bem preparado para acomodar e explicar os
acontecimentos no mundo. [...]
C6.2. Os sistemas de conceitos religiosos satisfazem à necessidade ou desejo do
indivíduo de predizer e controlar os acontecimentos […]
C6.3. Os sistemas de conceitos religiosos oferecem aos indivíduos uma variedade de
meios para a manutenção e o reforço da autoestima […] (SPILKA; SHAVER;
KIRKPATRICK, 1985, p. 8). (tradução nossa)32

As semelhanças com a teoria do coping religioso de Kenneth Pargament são bastante


notáveis, e provavelmente o psicólogo americano, em maior ou menor grau, baseou sua teoria
na teoria de Spilka e seus coautores. Esses últimos basearam suas teorias em evidências
empíricas bastante significativas, principalmente entrevistas realizadas com pacientes
portadores de câncer e pacientes vítimas de acidentes de automóveis, perguntando-lhes o papel
da religião no lidar com tais acontecimentos tão difíceis na vida dessas pessoas.
Essa seria uma maneira de entender como a religião, como estratégia cognitiva e
comportamental, contribui para prevenir a depressão. Entretanto, depois que se desenvolve a
depressão, os recursos do coping parecem ter pouco efeito.
Não há dúvida de que existe também um lado negativo em se utilizar a religiosidade
para explicar eventos da vida não facilmente explicáveis. Muitas explicações religiosas podem
reforçar sentimentos de baixa autoestima e de tristeza, se empregarem conceitos de pecado, de
culpa e de punição. Ao mesmo tempo, esses conceitos podem ser utilizados de forma positiva:
um indivíduo que tem depressão pode pensar que está sendo punido porque cometeu algum
pecado específico, mas pode pedir perdão a Deus e se sentir livre do pecado. Isso então lhe dá
um certo senso de controle e de responsabilidade.
Quando o sentimento de pecado e culpa é difuso, a situação fica um pouco mais difícil,
e nesse caso, parece ser um sentimento causado pela depressão. O indivíduo tem a crença
(disfuncional) que Deus não irá perdoá-lo, não importa o que ele faça. O tratamento então, seja
com medicamentos ou psicoterapia, visará a restaurar o pensamento realista e funcional do

32 C6.1 Systems of religious concepts provide individuals with a comprehensive, integrated meaning-belief
system that is well adapted to acomodate and explain events in the world […].
C6.2 Systems of religious concepts satisfy the individual’s need or desire to predict and control events […].
C6.3 Systems of religious concepts offer individuals a variety of means for the maintenance and enhancement of
self-esteem […].
117

indivíduo, melhorando a sua relação com a religiosidade.

3.3 A religiosidade como meio de ressignificação

Nessa parte, sustentaremos a ideia da depressão como movimento teleológico da psique


e da religiosidade como meio de sustentação do sentido da depressão para o sujeito, através da
ressignificação da experiência depressiva. A depressão, por essa perspectiva, deixa de ser o
desfecho final de um problema para ser parte de um processo maior que leva ao crescimento e
ao desenvolvimento do indivíduo. A depressão deixa de ser problema para se tornar, na
realidade, a solução. Mas a solução para quê? Para a própria crise de sentido.

3.3.1 A individuação na psicologia analítica de Carl Gustav Jung

Para Jung, a psique (ou a alma) é um sistema autorregulatório, e assim, como o corpo,
sempre estará buscando seu equilíbrio. O equilíbrio da psique é condição indispensável para o
processo de individuação, que inevitavelmente acontecerá, quer o sujeito (o ego) colabore com
ele ou não. A depressão, vista como movimento da alma e não simplesmente como doença
cerebral, é dessa forma parte de um processo maior de desenvolvimento da psique, o processo
de individuação.
Mas, segundo Jung, em que consiste o processo de individuação? E qual o papel da
religiosidade nesse processo?
Jung faz uma definição utilizando-se de um exemplo:

Em minha clínica particular sempre tenho um número considerável de pessoas muito


cultas e inteligentes, de individualidade marcante, que por motivos éticos resistiram
fortemente a qualquer tentativa séria de mutação. Em todos esses casos, o médico
deve deixar aberto o caminho individual da cura, e nesse caso o processo terapêutico
não acarreterá nenhuma transformação da personalidade, mas será um processo,
chamado de individuação (grifo do autor). Isto significa que o paciente se torna aquilo
que de fato ele é (grifo nosso). (JUNG, OC 16, § 11).

Essa outra definição também nos ajuda a compreender o conceito: “A individuação é o


‘tornar-se um’ consigo mesmo, e ao mesmo tempo com a humanidade toda, em que também
nos incluímos." (JUNG, OC 16, § 227). No caminho da individuação, o encontro com o
arquétipo do Si-mesmo (ou Self), que na psique equivale à imagem de Deus, é parte essencial
do processo.
Vernant, citado em Paiva e Dias (2010, p. 58), nos dá um exemplo que essa ideia de um
118

deus interior já vem desde Sócrates:

Para o oráculo de Delfos, “Conhece-te a ti mesmo” significava: fica ciente de que não
és deus e não cometas o erro de pretender tornar-te um. Para o Sócrates de Platão, que
retoma a frase a seu modo, ela quer dizer: conhece o deus que, em ti, és tu mesmo
(itálico nosso). Esforça-se por te tornares, tanto quanto possível, semelhante a deus.
(VERNANT, 2006, p. 88 apud PAIVA; DIAS, 2010, p. 58).

O Si-mesmo é o arquétipo central da psique, que organiza toda a vida psíquica e é capaz
de curar o indivíduo. Assim como o corpo tem a capacidade de se defender de doenças, através
do sistema imunológico, e até mesmo de curá-las, o mesmo acontece com a psique. O arquétipo
do Si-mesmo contém todo o potencial do indivíduo, assim como uma semente contém todo o
potencial de uma árvore. O trabalho da individuação seria então dar condições dessa semente
se desenvolver, afastando os eventuais obstáculos para o crescimento individual. E assim como
a videira produz as melhores uvas (e por consequência, os melhores vinhos) quando é forçada
a viver em um ambiente com pouca água, muitas vezes o processo de individuação joga o
indivíduo em situações de estresse, dificuldades, perdas e depressão. Conseguir ter uma visão
que pode haver um objetivo final nessas situações pode ser de grande alívio para o indivíduo.
Dentro da perspectiva junguiana, a figura de Cristo nos facilita a compreensão do
arquétipo do Self: “[…] logo, aquilo que o indivíduo identifica em Cristo é o arquétipo que
exprime sua própria necessidade psíquica interior de integralidade e unidade: isto é, Cristo
‘exemplifica o arquétipo do Self’”. (PALMER, 2001, p. 174). Assim, no processo de
individuação, o indivíduo projeta em Cristo a imagem do seu Self, de forma que ao olhar para
Cristo, ele percebe o próprio Self: ele antevê a possibilidade de sua completa autorrealização,
completude e significação. No entanto, o indivíduo percebe também que poderá haver grandes
dificuldades para a realização desses objetivos. Numa perspectiva de individuação, Cristo não
é um exemplo a ser imitado literalmente, mas uma imagem com forte conteúdo simbólico e
transcendente, através da qual podemos compreender e aceitar o processo de individuação, com
suas dificuldades, renúncias e a sua constante tensão ética.
E qual o papel da religiosidade nesse processo de individuação? Jung diz que a atitude
religiosa (itálico nosso) não deve e não pode ser descartada no processo de individuação. A
atitude religiosa é uma função psíquica, como qualquer outro instinto. No prefácio de
“Psicologia e alquimia” vejamos o que ele diz, sobre a função religiosa da alma:

Não fui eu que atribuí uma função religiosa à alma; simplesmente apresentei os fatos
que provam ser a alma "naturaliter religiosa", isto é, dotada de uma função religiosa:
função esta que não inventei, nem coloquei arbitrariamente nela, mas que ela produz
119

por si mesma, sem ser influenciada por qualquer idéia ou sugestão. (JUNG, 1990, p.
25).

Quando Jung diz que nossa alma é naturaliter religiosa (“naturalmente religiosa”),
somos conduzidos, de forma heurística, à psicologia evolucionária. Se algo é natural, significa
uma tendência que está presente desde o nascimento, está nos nossos genes, e se está nos nossos
genes isso foi carregado ao longo dos milhões de anos da evolução humana (e, naturalmente,
representou algum tipo de vantagem evolutiva). Essa é a tese central de Pascal Boyer: nossa
mente foi preparada pela evolução para criar a religião (BOYER, 2001, p. 4). A evolução não
criou a religião, mas criou um cérebro capaz de adquirir ideias religiosas. Nesse ponto, a teoria
junguiana se aproxima da psicologia evolucionária.
O filósofo Luiz Felipe Pondé, que se declara “ateu não militante”, diz que falta a ele “o
órgão da fé” (PONDÉ, 2014), ou seja, amplificando o seu raciocínio, existe alguma parte na
maioria de nós que já está “preparada” para crer.
Para Jung, as religiões expressam, de forma organizada e protetora, conteúdos do
inconsciente coletivo. O contato com esses conteúdos faz parte do processo de individuação,
principalmente após o confronto com o inconsciente pessoal. Os conteúdos do inconsciente
coletivo, de acordo com a teoria junguiana, têm muita energia psíquica, de forma que se se
expressarem diretamente no sujeito, podem levá-lo a uma crise ou até mesmo à dissolução do
ego, na forma de psicose. A religião, dessa forma, é um meio através do qual é possível se ter
contato com o inconsciente coletivo com o mínimo risco de desintegração da personalidade.
Para Jung, a força do inconsciente coletivo e do empuxo à individuação é tamanha que eles irão
se manifestar, queira o sujeito ou não, e caso tenha a religião ou a religiosidade como recurso,
esse processo será facilitado. Em um estágio mais avançado da individuação, a religião
institucionalizada poderá ser questionada, de forma que ela não mais responda às necessidades
do sujeito em seu processo de se “tornar ele mesmo”. Assim, para Jung a religião é vista como
um meio, não como uma finalidade. A experiência religiosa pode ser um meio de se atingir a
individuação.
Toda tentativa de negar a significação da experiência religiosa vai levar à perda do
equilíbrio psíquico e à neurose. (PALMER, 2001, p. 181). Há uma passagem de Jung bastante
famosa, em que ele explicita isso:

Entre todos os meus pacientes na segunda metade da vida – isto é, que tinham mais
de trinta e cinco anos – não houve um único cujo problema, em última análise, não
era a descoberta de uma perspectiva religiosa com relação à vida. É seguro dizer que
cada uma dessas pessoas adoeceu por ter perdido aquilo que as religiões vivas de todos
os tempos têm dado aos seus seguidores, e nenhum dos que de fato se curaram
120

deixaram de recuperar sua perspectiva religiosa. É claro que isto nada tem a ver com
um credo particular ou o pertencimento a uma igreja”. (JUNG, OC 11, § 334, tradução
nossa). 33

O que seria para Jung “aquilo que as religiões vivas de todos os tempos têm dado aos
seus seguidores”? Imagens, símbolos e textos sagrados que permitem trazer sentido à vida e
alívio para os problemas e tensões que a humanidade enfrenta. Sobre isso, cito a opinião de
Michael Palmer:
[Para Jung] a experiência religiosa é uma experiência numinosa dos fundamentos
arquetípicos e eternos da própria humanidade e, nessa medida, capacita o indivíduo a
elevar-se acima de seus problemas pessoais e a se relacionar em vez disso com a
dimensão indestrutível e primordial de seu próprio ser psíquico (PALMER, 2001, p.
182).

Jung, além disso, não concorda com Freud no que diz respeito à natureza da religião.
Para ele, a religião não é uma neurose sexual: para começar, a neurose para Jung nem sempre
é sexual, então já é uma falácia dizer “neurose sexual”; e, além disso, a religião nem sempre é
uma neurose, a não ser quando ela seja disfuncional para o sujeito. Por fim, para Jung a neurose
pode ser um passo necessário no sentido da individuação. (PALMER, 2001, p. 142). Freud
descartou a religião caracterizando-a como infantil, e assim também ignorou sua qualidade de
tentar integrar conteúdos conscientes e inconscientes do indivíduo e de dar sentido prospectivo
às experiências. (PALMER, 2001, p. 144).
Ana Maria Rizzuto, citada em Palmer (2001, p. 102) também discorda da posição de
Freud sobre a religião:

Freud considera Deus e a religião uma ilusão infantil irreal...Tenho de discordar […].
Após a resolução edipiana, Deus é um objeto potencialmente adequado, e, se
atualizado no curso de cada crise do desenvolvimento, pode permanecer como tal na
maturidade e no resto da vida. Pedir a um indivíduo maduro e funcional que renuncie
a seu Deus equivaleria a pedir a Freud que renunciasse à sua própria criação, a
psicanálise, bem como à promessa “ilusória” quanto àquilo que o conhecimento
científico pode fazer. (RIZZUTO apud PALMER, 2001, p.102).

Jung também fala da perda da importância da religião no mundo atual, para o homem
moderno: “Nenhum espírito supraterrestre é capaz de prendê-lo com uma revelação interior.
Ao invés, ele se esforça por escolher religiões e convicções e veste uma delas, como se veste
uma roupa de domingo, desfazendo-se finalmente dela como se faz com uma roupa usada”.

33 Among all my patients in the second half of life - that is to say, over thirty-five - there has not been one whose
problem in the last resort wras not that of finding a religious outlook on life. It is safe to say that every one of
them fell ill because he had lost what the living religions of every age have given to their followers, and none of
them has been really healed who did not regain his religious outlook. This of course has nothing whatever to do
with a particular creed or membership of a church.
121

(JUNG, OC 10, §168)


Se o indivíduo não desenvolve o ego, não o colocando em comunicação com o Self, e
com conteúdos do inconsciente coletivo, o inconsciente responde, gerando conteúdos
arquetípicos, e nessa medida, é o próprio inconsciente que está propondo a terapia e a resolução
do problema (PALMER, 2001, p. 205). Acontece que é na aproximação com essas imagens
arquetípicas que muitas vezes o sujeito encontra o sentido para a sua vida (PALMER, 2001, p.
207).
Outras vezes, o contato do ego com conteúdos do Inconsciente Coletivo causa uma
identificação do ego com esses conteúdos, gerando uma “inflação do ego”. Isso pode chegar
até o ponto da criação de sistemas de crenças cujo centro é o próprio ser humano, agora
deificado, como por exemplo o comunismo (PALMER, 2001, p. 206). Sobre isso, Jung vai
dizer que um sujeito com inflação do ego é “incapaz de aprender com o passado, de
compreender o que acontece no presente e de tirar conclusões válidas para o futuro”, de forma
que não se é possível ter uma discussão com essa pessoa, pois ela está hipnotizada por si mesma.
(JUNG, OC 12, § 563).
É importante ressaltar que Michael Palmer, no fim do seu livro "Freud e Jung sobre a
religião" (citado algumas vezes até agora), o autor faz uma avaliação crítica da teoria junguiana
dos arquétipos, chegando a conclusão que não há evidências empíricas de que eles de fato
existem. Ou seja, sobre a teoria de Jung não se pode dizer que seja rigorosamente científica,
dentro da visão popperiana de ciência, que é a capacidade de uma teoria científica ser falseável.
De fato, dificilmente a teoria de Jung sobre os arquétipos poderá um dia ser comprovada
experimentalmente. Ela persiste, no entanto, como uma chave de leitura para se compreender a
psique, o comportamento humano, e a sociedade, pertencendo, desde a sua origem, às
Geisteswissenschaften (ciências do espírito).
Para Barreto (2012, p. 55), a psicologia analítica de Jung se encaixa naquilo que se
chama de “sabedoria prática” (phronesis), dentro dos moldes da filosofia antiga. O objetivo
dessa sabedoria prática era a eudamonia, que se pode traduzir como plena realização humana,
ou mais numa tradução mais livre, como felicidade. Dificilmente podemos dizer o mesmo da
proposta da psicanálise de Freud, que nasceu do positivismo e do cientificismo do século XIX,
e assim sempre teve como intenção a aplicação do método das Naturwissenchaften (ciências da
natureza) à psique, e com isso, literalizou as imagens da psique e os mitos da história da
humanidade (como o Édipo). Também devido a isso, a psicanálise patologizou a religião.
122

3.3.2 O telos da depressão na individuação

A palavra grega para “fim, finalidade” é telos. Assim, temos a palavra “teleologia”, que
diz respeito aos fins últimos de um processo. Uma atitude religiosa perante a vida permite um
contato do sujeito com seu arquétipo do Self, que assim se abre para a possibilidade de uma
sabedoria, de um aprendizado que pode estar fora dele mesmo. Esse aprendizado pode vir até
mesmo de uma experiência difícil ou estressante, ou até mesmo de uma depressão. Dessa forma,
a depressão passa a ter sentido para o sujeito, que assim pode suportá-la melhor. “O homem é
um ser de transcendência, tendo sua vivência plena caracterizada pela busca do significado
último de sua existência”. (PAIVA; DIAS, 2010, p. 50). Precisamos dar sentido e significado
às nossas experiências e às nossas vivências.
A teoria de atribuição de causalidade de Spilka, Shaver e Kirkpatrick também dá suporte
teórico ao fato de que a religião funciona para os sujeitos porque lhes traz sentido. Citamos seu
corolário 6.1: “os sistemas de conceitos religiosos fornecem aos indivíduos um sistema de
sentido compreensivo e integrado, bem preparado para acomodar e explicar os acontecimentos
no mundo. [...]”. (SPILKA; SHAVER; KIRKPATRICK, 1985, p. 7). Muitos críticos da
religiosidade dirão que a religião traz explicações para os acontecimentos que não
correspondem à verdade científica; é claro que às vezes a religião traz explicações inverídicas
e disfuncionais. Porém muitos acontecimentos não são facilmente explicáveis sem que se
recorra a uma compreensão teleológica. Por exemplo, acontecimentos trágicos como perda de
um ente querido ou uma doença grave como o câncer não tem uma explicação imediata. A
religiosidade poderá ajudar o sujeito a tecer uma rede de sentidos que “envolva” a tristeza e lhe
alivie, dando-lhe certa sensação de controle.
A depressão, a neurose, na maioria das vezes não é facilmente explicada ou
compreendida pelo sujeito em crise. Sobre esse assunto, cito novamente Barreto (2012, p.66):
“a neurose é entendida como uma espécie de corretivo para uma falsa atitude do eu consciente,
e ela brota da totalidade de um ser humano, que é compreendida na psicologia analítica pela
categoria do si mesmo”.
Ou seja, a neurose (a depressão) é uma criação intencional do arquétipo do Si-mesmo
(ou Self) para corrigir o caminho do sujeito até a individuação. A maioria, evidentemente,
projeta em Deus o arquétipo do Si-mesmo (e ele realmente representa a imago Dei dentro de
nós). A depressão é uma doença, mas segundo Barreto (2012, p. 66), “uma neurose não deveria
ser encarada apenas como uma doença, mas como um evento psicologicamente intencional”.
Sobre isso, cito também o próprio Jung, que em poucas palavras resume com
123

sensibilidade literária grande parte de sua teoria:

Não se deveria procurar saber como liquidar uma neurose, mas informar-se sobre o
que ela significa, o que ela ensina, qual o sua finalidade e sentido. Deveríamos
aprender a ser-lhe gratos, caso contrário teremos um desencontro com ela e teremos
perdido a oportunidade de conhecer realmente quem somos. Uma neurose estará
realmente "liquidada" quando tiver liquidado a falsa atitude do eu. Não é ela que é
curada, mas é ela que nos cura. A pessoa está doente e a doença é uma tentativa da
natureza de curá-la. (JUNG, OC 10, § 361).

Há que se reconhecer: como deve ser difícil para um sujeito com depressão ser grato a
ela! Naturalmente, o paciente só conseguirá desenvolver essa atitude após uma melhora
significativa do quadro. Cabe aos profissionais de saúde fazer todos os tratamentos baseados
em evidências científicas para a melhora do quadro depressivo: medicamentos, psicoterapias
empiricamente validadas e a prescrição de exercícios físicos. A simples compreensão
intelectual de que a depressão tem um sentido nem sempre contribuirá para uma melhora do
paciente. Mas, após uma melhora, a depressão poderá ser ressignificada. E daí podemos extrair
ricos e sábios ensinamentos sobre a dinâmica psicológica do sujeito, os padrões, mitos e
esquemas que governam sua vida e as mudanças de atitude que ele deve tomar na vida, para
prevenir novas crises de depressão.
A depressão funciona como uma espécie de alarme psicológico. O arquétipo do Si-
mesmo quer dizer: alguma coisa está errada, e você precisa ser derrubado para perceber!
Assim, o sofrimento muitas vezes é necessário para o desenvolvimento do sujeito.
Desenvolvimento significa abrir mão de velhas atitudes, e isso de forma geral não é fácil para
o sujeito. Sobre isso, diz Barreto:

Jung percebia na relação com o sofrimento um componente fundamental da


existência, sempre presente na individuação, sendo pois problema inevitável para a
ação terapêutica, que inclui entre seus objetivos possibilitar à pessoa adquirir ‘firmeza
e paciência filosóficas para suportar o sofrimento’ já que ‘a plenitude e a realização
da vida exigem um equilíbrio entre sofrimento e alegria. (BARRETO, 2012, p. 99).

Uma vida sem nenhum sofrimento poderia até possibilitar crescimento ao sujeito, no
sentido econômico, social, ou puramente intelectual. Entretanto, desenvolvimento só é
adquirido com a destruição de atitudes inadequadas e tomada de consciência de partes não
agradáveis. Ainda citando Barreto: “para Jung, portanto, o sofrimento é um mal necessário,
atuando como uma espécie de motor na realização humana, vale dizer, na individuação”.
(BARRETO, 2012, p. 100).
A psicóloga Lisa Miller, em um pungente relato pessoal no Youtube, resume de forma
124

alegórica tudo o que foi dito nessa seção: para ela, a depressão é uma porta que possui dois
lados. Um de fato se volta para um canto escuro; o outro, no entanto, se volta para um lado
iluminado, que é o despertar espiritual do sujeito34. (MILLER, 2014).
Finalizo com Kierkegaard, um filósofo anacrônico, citado por Pondé (2011), que diz
que toda forma de autoconhecimento começa com um profundo entristecimento consigo
mesmo.
Podemos fazer algumas conexões com os sujeitos da pesquisa, já que a grande maioria,
em torno de 64%, não apresentou melhora significativa da depressão. Esses sujeitos ainda não
apresentaram seu despertar espiritual, que talvez virá somente depois de um longo percurso que
esses indivíduos deverão percorrer, seja através do contato com a religiosidade ou a
espiritualidade, seja através de uma psicoterapia. Destaco o fato, bastante significativo, que um
dos poucos entrevistados que apresentou melhora importante (entrevistado E) foi o único, em
toda a amostra, que estava realizando psicoterapia.
Por outro lado, a partir do dado que os pacientes mais religiosos tiveram menores níveis
iniciais de depressão, podemos dizer que nesses pacientes a depressão começou a aparecer, mas
o “órgão da fé”, a crença em algo superior, a crença de uma “teleologia dos sintomas” contribuiu
para amenizar o quadro. Assim, esses sujeitos não ficaram tão deprimidos, e o seu quadro seria
muito pior se eles não tivessem a religiosidade. Essa aliás foi uma das frases espontaneamente
relatadas pela entrevistada K: “seria muito pior se não fosse a religião”.

3.3.3 Tendências da religiosidade nos sujeitos da pesquisa

Tendo abordado o telos da depressão e estabelecido a leitura dos dados que a pesquisa
de campo revelou, agora vamos fazer uma classificação das tendências da religiosidade dos
pacientes deprimidos entrevistados e das tendências da depressão em cada tipo de religiosidade
descrita.
Tenho consciência de que tal tarefa é árdua e sujeita a críticas. Afinal, o encontro da
pessoa e sua religiosidade com a depressão é sempre uma reação química. A religiosidade sai
modificada depois da experiência depressiva, assim como a depressão se modifica de acordo
com a religiosidade que a pessoa tem.
Pensando em graus de evolução e de processo de individuação, dividi a religiosidade,

34 And so we continued and I found myself in community with those who for generations have known it:
depression is one side of the door and spiritual awakening is the other.
125

qualitativamente, em três tipos:

a) religiosidade vaga;
b) relação inadequada com Deus;
c) relação saudável com Deus.
Reitero que “Deus” pode ser pensado psicologicamente como o arquétipo do Si-mesmo,
a imago Dei em nós.
a) Religiosidade vaga: essa foi a tendência de 30% dos entrevistados, que mostram um
discurso vago e pouco reflexivo sobre a religiosidade, embora possam ter grande religiosidade
extrínseca, e as vezes até mesmo alta religiosidade intrínseca. Essas pessoas acreditam em Deus,
mas diante do estresse e das dificuldades ficam perdidas. Não sabem direito como a
religiosidade pode ajudá-las. Assim, abandonam a religiosidade. É como na parábola do
semeador: a planta que cresce com raízes superficiais é facilmente destruída pelo vento. Falta-
lhes um arrebatamento pela religiosidade, falta-lhes a busca de um sentido maior da vida. Penso
que os entrevistados A, G e I apresentaram tal tendência predominante. Não houve uma clara
tendência de melhora ou piora nesses sujeitos, com resultados dispersos.
b) Relação inadequada com Deus: o grupo mais comum, atingindo 40% dos
entrevistados. Também podemos dizer que foi o grupo que apresentou quadros depressivos
mais graves. Para elas Deus é um ser punitivo, que provoca medo. Alguns desse grupo
declararam-se ateus, mas na entrevista revelaram que vivem angústias religiosas, oscilam entre
o crer e o não crer. O não crer, nesses casos, é mais uma atitude de revolta com Deus do que
propriamente um ceticismo intelectual. O não-crer vem da emoção, da raiva, do fato de Deus
não os escutar. Essa é a posição principal dos entrevistados B, D, H e J. A grande maioria desses
entrevistados (75%) não melhorou do quadro depressivo ou até mesmo piorou.
c) Relação saudável com Deus: na amostra, 30% dos entrevistados apresentaram tal
tendência. Foi o grupo mais heterogêneo, sem dúvida. As dificuldades estão aí, mas eles não
perdem a fé, continuam buscando, questionando, caindo e levantando. Mas quanto ao nível de
envolvimento religioso pelo IRI, os números são irregulares, um com alta, outro com média,
outro com média-baixa. São as tendências dos entrevistados C, E e F. Todos esses entrevistados
apresentaram alguma melhora ou tiveram sintomas depressivos mais leves do que o restante
da amostra. Dois entrevistados melhoraram bastante, reduzindo mais que 10 pontos na escala
BDI. Assim, a avaliação subjetiva do entrevistador que o sujeito tem uma relação saudável com
Deus esteve associada a melhor evolução da depressão. Como já foi relatado por Jung, o Si-
mesmo é um arquétipo com grande poder curativo. A psique aciona mecanismos de cura e de
126

melhora, e a religiosidade saudável facilita o acionamento desses mecanismos.


Se o sujeito irá desenvolver ou não uma religiosidade saudável, isso dependerá muito
de suas relações com os outros sujeitos, tanto na infância e adolescência, quanto na idade adulta.
Causou-me grande preocupação vários relatos de pacientes que abandonaram a sua
religião pois quando ficaram deprimidos foram julgados por sua comunidade religiosa. Não
sentiram acolhimento por parte do outro da sua religião.
Emanuel Lévinas propõe uma nova forma de se pensar a experiência de Deus, que seria,
na sua visão, uma proposta para a crise de sentido da contemporaneidade: “o cenário da crise
de sentido […] faz irromper no filósofo lituano um esforço de pensar o sentido a partir do qual
a ética encontre seu in-fundado fundamento na ‘significação sem contexto’ da relação com o
Rosto35 que é traço de Deus”. (PAIVA; TOMÉ, 2014, p. 123).
Assim, o paciente com depressão necessita de alguém que veja em seu Rosto a
experiência do transcendente. Alguém que não o julgue ou o rotule, dizendo que “está com o
demônio” (entrevistado A) ou que “está faltando fé”. Na visão de Lévinas, “o Desejo do outro,
que nós vivemos na mais banal experiência social, é o movimento fundamental, o elã puro, a
orientação absoluta”. (PAIVA; TOMÉ, 2014, p. 123). Até mesmo na falta de desejo do outro
(característica típica desse outro deprimido) podemos ter a experiência do transcendente, se
tivermos essa atitude de acolhimento.
É difícil para os sujeitos das religiões institucionalizadas acolherem o deprimido, pois
ele é diferente, ele parece preguiçoso, ele abandonou a religião, ele até mesmo pode ter negado
Deus. Para isso, a atitude levinasiana nos propõe: “O novo enfoque cognitivo propicia um
acolhimento do Outro, respeitado em sua diferença (itálico nosso), significando uma não-
indiferença, já responsabilidade, que constitui uma aproximação verdadeira”. (PAIVA; DIAS,
2010, p. 54).
Tentar entender o deprimido puramente de forma intelectual, conceituando-o,
rotulando-o, na visão de Lévinas, é uma violência. Já se o acolhermos, se o escutarmos,
poderemos ter a experiência do infinito. “É através do rosto do outro que Deus vem à ideia. O
rosto do outro é vestígio do Infinito”. (PAIVA; DIAS, 2010, p. 56). O rosto do deprimido,
assim, pode nos trazer o traço do Infinito, e o sentido da vida.

35 Relação com o Rosto do Outro.


127

3.3.4 A dimensão do cuidado espiritual

Não conseguimos estabelecer uma relação positiva entre maior religiosidade e maior
melhora da depressão moderada a grave. No entanto, o percurso da pesquisa de campo e as
entrevistas com os pacientes nos fizeram concluir que conversar sobre religiosidade e
espiritualidade com os pacientes deprimidos melhora substancialmente a qualidade do cuidado
que lhes prestamos. Foram bastante frequentes os agradecimentos ao pesquisador por poder
falar desse tema. Algumas vezes, pacientes que nem me conheciam, mas que sabiam que eu ia
conversar sobre religiosidade nem esperaram eu fazer a primeira pergunta, e já foram contando
a sua história. Assim, conversar sobre religiosidade e espiritualidade na consulta médica
melhora muito a relação médico-paciente.
Essa é a dimensão do chamado cuidado espiritual. Para Hefti e Esperandio (2016, p.
25), essa dimensão está fundamentada em uma visão holística (biopsicossocioespiritual) tanto
da pessoa quanto da doença. Isso é importante porque a doença não é apenas um processo
biológico no organismo, “ela separa famílias e locais de trabalho, quebra padrões preexistentes
de coping (enfrentamento) e levanta questões sobre a relação do sujeito com o transcendente.
(SULMASY, 2002, p. 26 apud HEFTI; ESPERANDIO, 2016, p. 25).
Se Jung reduz a religiosidade à imanência e retira as “máscaras de Deus”, Viktor Frankl
(2007, p.19) com o seu conceito de inconsciente espiritual devolve a transcendência à
religiosidade. Para ele, o espiritual é a quarta dimensão do ser humano, ao lado do biológico,
do psicológico e do social. Na prática médica, especialmente a psiquiátrica, o espiritual não
pode ser deixado de lado.
Hefti e Esperandio (2016, p. 31) enfatizam que os médicos, como líderes das equipes de
tratamento, são os responsáveis por certificar de que as necessidades espirituais dos pacientes
estão sendo bem atendidas e os conflitos espirituais estejam sendo avaliados, pois são fatores
que interferem bastante na evolução do tratamento.
A medicina evoluiu enormemente no século XX e trouxe tecnologias e exames antes
inimagináveis. Ao mesmo tempo, alguns pacientes reclamam que os médicos estão muito
técnicos e desumanos. Trazer a dimensão do cuidado espiritual para a medicina é requalificar a
relação médico-paciente, com ganhos em satisfação de todos os lados envolvidos no processo
doença-cura.
129

4 CONCLUSÕES

Após o percurso do levantamento bibliográfico, da pesquisa de campo e da elaboração


da dissertação, nos resta concluir nosso trabalho. Retomo brevemente os pontos principais da
presente dissertação.
Os conceitos de religião, religiosidade e saúde mental aplicados ao estudo da saúde
mental se resumem a:
a) Religião: sistema simbólico e institucionalizado;
b) Religiosidade: a vivência do indivíduo em determinada religião;
c) Espiritualidade: abertura para uma dimensão transcendental, que não depende,
necessariamente, de nenhuma religião.
O muro que existia entre a psiquiatria/psicologia e a religiosidade está cada vez menor,
hoje é possível um diálogo epistemológico entre as duas áreas. A maior evidência disso é o
número crescente de artigos nos últimos 15 anos.
Os estudos que relacionam depressão e religiosidade mostram que de forma geral maior
religiosidade intrínseca e maior uso de coping religioso-espiritual positivo estão associados a
prevenção de quadros depressivos, especialmente em pessoas que estão vivendo fortemente sob
estresse, agudo ou crônico. Crianças e adolescentes mais religiosos também têm menos
depressão quando adultos. Estudos sobre a influência da religiosidade na melhora da depressão
são escassos, mas mostram algum efeito de melhora.
A psicologia da religião é uma área das ciências da religião em franco crescimento,
apesar da histórica resistência dos cientistas da religião (outrora teólogos) e dos psicólogos (sob
a influência antirreligiosa de Freud).
A pesquisa de campo abordou sujeitos com depressões moderadas a graves, para fazer
correlações da evolução da depressão com o nível e qualidade de religiosidade.
Feito o percurso da dissertação, é necessário relacionar os resultados da pesquisa de
campo com a bibliografia estudada. Isso nos permitiu chegar a diversas conclusões.
A maioria dos sujeitos (64%) não chegou a diminuir os sintomas de forma a atingir uma
remissão ou um quadro leve. A maior religiosidade medida pelo IRI e coping religioso-
espiritual positivo predominante não estiveram associados a melhora, nem a piora. Esses
resultados provavelmente aconteceram devido ao fato de que o critério de inclusão envolveu
pacientes com quadros moderados a graves, população que parece imune aos efeitos da
religiosidade. O critério para o paciente entrar e permanecer no ambulatório do Instituto Raul
Soares é justamente ser um paciente mais grave, pois os mais leves têm alta mais rapidamente.
130

A principal limitação quantitativa do estudo de campo foi a baixa amostra, que não nos
permitiu chegar a conclusões estatísticas muito significantes.
As chaves de leitura para a interpretação dos resultados foram a teoria do coping
religioso espiritual de Pargament, a psicologia existencial e a crise de sentido da
contemporaneidade e a psicologia analítica de Jung.
A crise de sentido da contemporaneidade associada a secularização pode ter um efeito
“a jusante” na origem de quadros depressivos, ou seja, estar na base social da epidemia de
depressão dos nossos tempos, já que a religiosidade em diversos estudos prévios mostrou efeito
na prevenção de quadros depressivos. A religiosidade proporciona sentido, conforto,
explicações e colaboração da comunidade religiosa, o que alivia o estresse do sujeito e pode
prevenir que desenvolva quadro depressivo, ou atenuar a gravidade desse quadro, caso ele surja.
Nos sujeitos da pesquisa isso ficou evidenciado, pois os sujeitos mais religiosos
mostraram alguma tendência a ter quadros depressivos menos graves. No entanto, a
religiosidade não esteve associada à melhora, no período do acompanhamento do estudo. Parece
que quando a depressão se inicia, e atinge certo grau de gravidade, a religiosidade já não
apresenta muito efeito.
As entrevistas nos permitiram classificar os sujeitos da pesquisa em três grupos:
religiosidade vaga, relação inadequada com Deus e relação saudável com Deus.
O único critério que esteve associado à melhora clínica foi o paciente ter sido
classificado em “relação saudável com Deus”, e o paciente estar fazendo algum tipo de
psicoterapia (apenas 10% estavam).
Alguns sujeitos relataram acolhimento inadequado de suas comunidades religiosas
quando adoeceram, o que nos leva a concluir que os dirigentes das religiões teriam que ter maior
preparo para lidar com sujeitos deprimidos, e orientar os fieis de um modo geral a também fazê-
lo. Lévinas nos propõe uma religiosidade baseada no acolhimento do Outro, mesmo com todas
as suas diferenças. Esse acolhimento também deveria ser realizado ativamente pelos
profissionais de saúde, especialmente médicos, pois conversar sobre religiosidade com os
pacientes, especialmente os deprimidos, lhes traz grande conforto além de melhorar bastante a
relação médico-paciente.
Elaboradas as conclusões, chega a hora de finalizar. Os objetivos da pesquisa foram
alcançados? Sim.
Consegui atingir o objetivo geral, que era responder à pergunta: maior nível de
envolvimento religioso significa melhor evolução da depressão? Consegui, e a resposta a essa
pergunta, de acordo com as entrevistas realizadas e dados coletados, foi não.
131

Os objetivos específicos também foram alcançados. A revisão bibliográfica chegou à


conclusão que de fato há uma relação entre religiosidade e depressão, mais no sentido de a
religiosidade prevenir e atenuar a depressão, mas bem menos no sentido de melhorar pessoas
com quadros mais graves.
Na prática clínica, concluímos que crenças inadequadas sobre Deus e a religiosidade
estiveram associadas a piora, e crenças saudáveis, que produzissem conforto ao sujeito,
estiveram associadas a melhora.
De fato, a depressão está aumentando de forma alarmante na modernidade, e de acordo
com os resultados de nossa pesquisa bibliográfica e de nossa pesquisa empírica, a crise de
sentido da contemporaneidade e a secularização podem estar ligadas ao aumento expressivo da
prevalência de depressão, já que o estresse está associado ao aparecimento da depressão, e a
religiosidade, ao promover sentido e transcendência para as pessoas, pode ser um mecanismo
eficaz de prevenção de crises de sentido e de depressão.
133

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