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BRASILEIRAMENTE

1. A COSMOVISÃO DO HERÓI BRASILEIRO: O MUNDO É DOS ESPERTOS

Introdução – algo que nos chama atenção


• Metáfora raiz – o mundo é dos espertos!
• Ditados populares – ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão!
• Golpes financeiros baseados nessa lógica de esperteza: “invista 1000.00 e tenha
o dobro em dois meses”
• Furar a fila, guardar o lugar na fila e ficar sentado esperando chegar a vez.
• Trânsito: furar sina vermelho, avançar preferencial, cortar outros carros.
Simplesmente parar o carro, numa via movimentada para resolver seus
problemas particulares.
• Política: corrupção e leis que favorecem a bandidagem
• Educação: ato de colar ou pescar, copiar ou fazer download de trabalhos já
prontos na internet.
• Esporte: futebol – simular uma falta, dopping
• Jeitinho: aluno perdeu a data de entrega da prova e argumenta “poderia dar um
jeitinho? Minha internet caiu, minha esposa adoeceu, ....”
• A carteirada – “Você sabe com quem está falando?”

A. A Esperteza e a Malandragem – será intrínseca a nós?


• Definição: Malandragem equivale a um conjunto de artimanhas
utilizadas para se obter vantagem em determinada situação (vantagens
estas muitas vezes ilícitas). Por exemplo, usar da esperteza para não
trabalhar. Caracteriza-se pela engenhosidade e sutileza. Sua execução
exige destreza, carisma e quaisquer características que permitam a
manipulação de pessoas ou resultados, de forma a obter o melhor destes,
e da maneira mais fácil possível. Contradiz a argumentação lógica, o
labor e a honestidade, pois a malandragem pressupõe que tais métodos
são incapazes de gerar bons resultados.1
• Há uma lógica, um raciocínio baseado na artimanha
• Alvo: obter vantagem, foco no EU.
• Vantagens: lícitas ou ilícitas. Tem-se uma ética e moralidade precárias.
• Manipulação das pessoas: o outro é visto como um meio/instrumento
para um alvo. Não visa o bem do próximo.
• Contradiz a honestidade - contra a ética cristã
• Espera-se bons resultados: visa somente o EU. Lógica intensamente
antropocêntrica e egoísta.

Será que somos malandros por natureza?

1
https://pt.wikipedia.org/wiki/Malandragem. Acesso em 12.11.2021.
Alguns afirmam que sim. Isso com base em nossas raízes coloniais ibéricas.
Somos um herói sem caráter, como o Macunaíma. Com uma mentalidade
baseada no pragmatismo, oportunismo, e no aceitar moralmente o inaceitável.

Lei de Gérson –
A expressão nasceu em meados da década de 80 quando o jornalista Mauricio
Dias entrevistava o professor e psicanalista pernambucano Jurandir Freire
Costa para a revista Isto É por ocasião de seu artigo "Narcisismo em tempos
sombrios". Foi nesta entrevista que Dias batizou como "Lei de Gérson" o desejo
que grande parte dos brasileiros tem de levar vantagem em tudo. Mais tarde,
em 1992, na edição 18 da revista Teoria e Debate, o termo "Lei de Gérson" foi
novamente lembrado por Maria Rita Kehl em entrevista com o mesmo Jurandir
Freire da Costa.[1]
Ao cunhar a expressão "Lei de Gérson", Maurício Dias fez alusão à propaganda
televisiva de 1976 criada pela agência Caio Domingues & Associados, que havia
sido contratada pela fabricante de cigarros J. Reynolds, proprietária da marca
de cigarros Vila Rica, para a divulgação do produto. O vídeo apresentava o
meia-armador Gérson, jogador da Seleção Brasileira de Futebol, como
protagonista.[2][3]
O vídeo tem início com a afirmação de que Gérson foi o "cérebro do time campeão
do mundo da Copa do mundo de 70". A narração é feita pelo entrevistador, que se
apresenta de terno, gravata e microfone à mão. A cena se passa em um sofá de
uma sala de visitas.
O entrevistador pergunta por que Gérson escolheu os cigarros Vila Rica. Ao
iniciar a resposta, Gérson saca um maço de Vila Rica e oferece um cigarro ao
entrevistador. Enquanto o entrevistador fuma seu cigarro Vila Rica, Gérson
explica os motivos que o fizeram preferir aquela marca.
"Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo que eu quero de um bom
cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também,
leve Vila Rica!".
Mais tarde Gérson se disse arrependido por ter associado sua imagem ao
anúncio, visto que qualquer comportamento pouco ético foi sendo aliado ao seu
nome nas expressões Síndrome de Gérson ou Lei de Gérson2

Teólogo Lourenço Stelio Rega:


O brasileiro é, por natureza, um transgressor da lei, seja no trânsito, no
contrabando, no quilo de 900 gramas, no metro de 90 cm, nas falsificações e nas
mutretas ... A estes fatos somam-se outros que, divulgados por meios de
comunicação, vão criando no povo brasileiro ojeriza contra as autoridades,
estimulando, assim, a desobediência às leis.3

Não penso que nosso dna é 100% malandragem. Ou que a malandragem está
no nosso sangue. Ou que somos malandros por natureza.

2
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Gérson
3
REGA, Lourenço S. Dando um Jeito no Jeitinho. São Paulo: Mundo Cristão, 2000, p.16.
Contudo, também não acredito, como alguns (SOUZA, 2008, p.16) que a
malandragem não seja uma regularidade social, mas uma singularidade social,
uma prática que ocorre ocasionalmente. Penso que a malandragem, a lógica da
esperteza é uma prática social que aprendemos a aceitar desde nossa infância.
Ela existe, é real entre nós. Realmente pensamos que o mundo é dos espertos,
em maior ou menor grau.

Mas isso não quer dizer que somos malandros por natureza. Pensemos em
outros povos. Eles todos são honestos e santos e nós somos os corruptos do
mundo?
• Todos os seres humanos são pecadores – Rm 3.23
• Todas a nações e povos têm a sua lógica da esperteza e malandragem. O
ser humano, devido ao pecado, quer uma vida centrada em si mesmo.
Ele quer passar a perna no seu próximo. Ele quer tirar vantagem em
tudo.
• Entretanto, cada país, nação e povo teve uma construção histórica
diferente. Devido aos diferentes fatores históricos, sociais, culturais,
econômicos, políticos e religiosos, umas nações se estruturaram para
conter, proibir, e ver como nocivo à sociedade esse aspecto da nossa
natureza pecaminosa. Já outras nações acabaram por favorecer e até
desenvolver esse aspecto. Penso que esse é o nosso caso brasileiro.

B. Pedro Malazartes: nosso herói malandro

Pensando na identidade social brasileira, DaMATTA (1997, p.261) oferece 3


tipos para se pensar: o caxias, o renunciador e o malandro. “Somos todos e cada
um desses elementos, apesar das distâncias que possam existir entre eles”
(p.262)
Caxias:
• Oposto ao malandro
• Refere-se ao duque de Caxias – ordem e hierarquia
• Leitura do mundo definido por regras, leis e decretos,
regulamentos.
• Está dentro da ordem e se preocupa com a defesa e a
implementação das regras sociais mais explícitas.
• Policarpo Quaresma.
• Complexidades e gradações – quadrado, palhaço e otário
• Homem comum, crédulo, sempre pronto a obedecer,
constituindo-se na eterna e predileta vítima dos malandros.
• O risco dos caxias – entrar totalmente na ordem e reifica-la. Perder
a noção de que tal ordem é historicamente situada e pode mudar
para melhor.
• Como cristãos – cremos num mundo ordenado por Deus. não é
otário seguir regras sociais. Contudo, não podemos permitir que a
ordem se transforme num ídolo para nós. Nem podemos ser
ingênuos e crédulos na sociedade humana. Somente o Reino de
Deus trazido por Jesus Cristo é a perfeita ordem social. Cuidado
com lulismo ou bolsonarismo.

Renunciador-
• É aquele que por meio de instrumentos diversos e em níveis
diferentes, rejeitam o mundo social como ele se apresenta.
• Deseja realmente outra realidade
• Não quer mandar (caxias) nem sobreviver (malandro). Mas criar
outra realidade.
• Utiliza a reza e a procissão. Caxias usa decretos e o malandro o
samba. Procura um lugar para viver seus ideais de justiça e paz
social.
• Antônio Conselheiro, Lampião
• Verdadeiro revolucionário, no universo hierarquizante brasileiro
• Abre mão de tudo pelo seu Millenium
• Segue o caminho dos santos, de Cristo
• Também é o caminho dos ditadores facistas e nazistas – perigo de
políticos – messias.
• Fiel, peregrino, romeiro
• O renunciador pode virar um santo
• Pode porém virar um tirano e impor seu millenium a todos.
• Como cristãos – renunciamos a mentalidade e valores do mundo.
Oramos para que chegue o reino de Deus e seu milênio. Qualquer
projeto milenista humano é satânico.
• É perigosa a atração do povo por messias políticos.

Malandro – o mito de Malazartes na narrativa popular e difundida em todo o


Brasil.

Pedro Malazartes: um personagem cuja marca é saber converter todas as


desvantagens em vantagens. Sinal de todo bom malandro e de toda e qualquer
malandragem.
É um perseguidor dos poderosos, para quem sempre leva a dose de
vingança e destruição que denuncia a falta de um relacionamento mais justo
entre o rico e o pobre, além de revelar o código moral que deve pautar o
relacionamento entre fortes e fracos, fundado sobretudo no envolvimento e
respeito moral entre os ricos e os pobres. (p. 274).
O Conto:

Um casal de velhos possuía dois filhos homens, João e Pedro.


Este último era tão astucioso, vadio e inteligente que todos o chamavam de PEDRO
MALAZARTES.
Como era gente pobre, o filho mais velho, João, saiu para ganhar a vida e empregou-se
numa fazenda onde o proprietário era rico e cheio de velhacaria, não pagando aos
empregados porque fazia contratos impossíveis de serem compridos.
Os Contratos impossíveis definiam o seguinte: Primeiro, não enjeitar serviço e segundo,
quem ficasse zangado primeiro tirava uma tira de couro do outro.

João trabalhou quase um ano e voltou para casa quase morto. O patrão tirara-lhe uma
tira de couro desde o pescoço até o fim das costas e nada mais lhe dera.

Pedro, o Malazartes, ficou furioso e saiu para vingar o irmão.

Procurou o mesmo fazendeiro e pediu trabalho.

• Situação de pobreza: pais de João e Pedro


• João vai trabalhar na fazenda de alguém rico e velhaco
• João era honesto, por isso acaba sendo vitimado pela lógica cruel do rico
velhaco – a honestidade não vencerá nesse sistema.
• Porém, Pedro é astucioso e vadio:
Astucioso – jeitinho, modo estruturalmente definido de utilizar as regras
vigentes na ordem em proveito próprio, mas sem destruí-las ou coloca-las em
causa. (p.291).
Vadio – não quer fazer parte do sistema de trabalho. Fica flutuando na
ordem social.
• A motivação de Pedro: furioso e vai vingar o irmão. O malandro entra
em cena como uma demanda do próprio sistema injusto.
• Como Malazartes realiza sua vingança?

Pedro Malazartes, não pensou duas vezes, de pronto aceitou as condições


impostas pelo patrão.

No primeiro dia foi trabalhar numa plantação de milho. O patrão mandou


que uma cachorrinha o acompanhasse. E disse: Só pode voltar pra casa
quando a cachorra voltar. Pedro meteu o braço no serviço até meio-dia. A
cachorrinha deitada na sombra nem se mexia. Vendo que a cachorra era
treinada e que aquilo era uma artimanha do Patrão, Malazartes deu uma
grande paulada na cachorra que saiu ganindo e correndo até o alpendre
da casa. O Malazartes, para surpresa do velho patrão, voltou e almoçou. A
tarde ele nem precisou bater na cachorra, fez só o gesto e a cachorra com
medo voou pelo caminho em direção a casa do fazendeiro.

No outro dia o fazendeiro escolheu uma outra tarefa e o mandou limpar a


roça de mandioca. Malazartes arrancou toda a plantação, deixando o
terreno completamente limpo. Quando foi dizer ao patrão o que fizera
este ficou com a cara feia e Malazartes perguntou: Zangou-se, meu amo e
senhor? O Patrão a contragosto pra não perder a aposta respondeu: De
jeito nenhum, meu caro.

No terceiro dia o patrão acordou Malazartes bem cedinho e disse: Pegue o


carro de boi e me trago mil estacas de um pau liso, linheiro e sem nó.
Malazartes não contou conversa, cortou todo o bananal, explicando ao
patrão que bananeira era o pau que liso, linheiro e sem nó. O patrão fez
uma careta de raiva e Malazartes perguntou:
Zangou-se, meu amo e senhor? O patrão, para não perder a aposta disse:
De jeito nenhum, meu caro.

No dia sequinte, quarto dia de trabalho do Malazartes na Fazenda, o


patrão mandou que ele levasse o carro e a junta de bois, para dentro de
uma sala numa casinha bem perto, sem passar pela porta. E para
atrapalhar ainda
mais, fechou a porta e escondeu a chave. Malazartes agarrou um machado
e fez o carro em pedaços, em seguida matou e esquartejou os bois e os
sacudiu, carnes e madeiras, pela janela, para dentro da sala. O patrão
quando viu fez uma careta de raiva e Malazartes perguntou: Ficou com
raiva, meu amo e senhor? O patrão, mais uma
vez, para não perder a aposta respondeu: De jeito nenhum, meu caro.
A noite o patrão ficou pensando como pegar aquele cabra tão vivo.
Levantou-se de supetão, foi até a rede onde Malazartes estava dormindo, o
acordou, ordenando: Você vai agora mesmo vender meus porcos lá na
feira. Malazartes não contou duas vezes e levou mais de quinhentos porco
para vender na feira. Antes porém de fazer o grande negócio, cortou todos
os rabos dos porcos. Vendeu os porcos bom um preço muito bom, além do
preço que pagavam no mercado, dizendo ser aqueles porcos de uma raça
muito especial. Voltando para casa, enterrou todos os rabos num lamaçal
e chegou na casa do fazendeiro aos gritos de desespero dizendo que a
porcada toda estava atolada no lameiro. O patrão desesperado correu
para ver a desgraça. Malazartes sugeriu cavar com duas pás. Correu para
a casa e pediu a mulher do fazendeiro para lhe entregar duas notas de
dinheiro
para comprar as pás. A velha, que também era tão ruim quanto o marido,
não queria dar mas Malazartes para mostrar a ela que era verdade
perguntava através de gestos ao patrão se devia levar uma ou duas pás, e
o patrãoaos gritos respondia. Traga duas e entregue logo velha rabugenta.
Obedecendo as ordens a velha deu as duas
notas para Malazartes que tratou de esconde-las nos bolsos que trazia
dentro das calças escondidos. Voltou para o lameiro, reclamou da surdez
da velha mulher do patrão que não lhe entregou as pás, entrou no lameiro
e
começou a puxar os rabos dos porcos que dizia estar enterrado, e ia
ficando com todos nas mãos. O Patrão fez uma careta horrível de raiva e
Malazartes perguntou: Esta zangado, meu amo e senhor? E o patrão, fulo
de
raiva, mas sem querer perder a aposta, respondia: De jeito nenhum, meu
caro, de jeito nenhum.

De noite, sozinho, pensando no que estava ocorrendo e vendo que a cada


dia aquele empregado o deixava mais pobre, o fazendeiro resolveu o matar
o mais rápido possível, de um modo que ninguém desconfiasse e que ele
não tivesse problemas com a justiça. Pensou, rolou na cama, e pronto, já
tinha o golpe certo, tão certo que Malazartes nunca vai descobrir, pensou
erradamente o patrão assassino. Levantou-se aos gritos chamando
Malazartes e esse como um raio entrou pela porta e já estava bem na
frente do patrão. Pois não, meu amo e senhor. O patrão olhou bem para o
seus olhos e disse: Meu filho, como seu que você é muito eficiente e como
estou muito satisfeito com o seu trabalho, vou lhe incumbir de uma tarefa
muito difícil e árdua. Malazartes respondeu. Diga logo, meu amo e senhor,
estou pronto a lhe servir da melhor maneira possível, como sempre
fiz. O patrão quase morreu com um acesso de tosses. Respirou e disse a
Malazartes. Ultimamente anda rondando a minha casa e me roubando um
ladrão desconhecido. Tome aqui essa arma. Eu fico vigiando primeiro, já
tô sem sono, quando for de madrugada, antes do galo cantar, você vem me
render. A idéia do derrotado patrão, era atirar em Malazartes e dizer a
polícia que tinha se enganado, pensando que era o ladrão.

De madrugada, assim como tava combinado, Malazartes olhou pelo


buraco da fechadura e viu encostado na cerca, armado até os dentes, o
patrão. Deu volta pelo oitão da casa grande, entrou pela porta da cozinha,
subiu
para o quarto do velho e começou a acordar a velha, dizendo que o seu
marido a esperava lá fora no curral, e que era melhor ela levar a
espingarda dele, que tava bem carregada, pois se ela visse o ladrão botia
plantar
chumbo nele. A velha pegou a espingarda e saiu. Quando chegou bem
perto da cerca do curral, o patrão pensando que era o Malazartes
começou a atirar na velha, acertando um tiro bem nos peitos. Pensando
que
tinha matado o Malazartes e só para se certificar da conclussão do
trabalho, foi chegando para perto para olhar.
Qual não foi o seu espanto ao ver a sua velha mulher estatalada
agonizando no chão. Naquela hora, Malazartes chegou por traz dele,
chorando e o acusando de Ter matado a mulher e dizendo: Vou agora
mesmo contar a
polícia que o senhor é um assassino. O patrão num aperreio danado, não
sabia se acudia a mulher ou se tentava convencer a Malazartes para não o
denunciar. Malazartes, olhou pra ele e perguntou com uma cara chorosa e
safada. Tá com raiva, meu amo e senhor. O patrão respondeu: De forma
alguma, meu caro, porém me diga logo quanto quer pra ficar calado e
quanto quer pra sumir da minha fazenda e da minha vista? Malazartes
cobrou muito caro, pegou muito dinheiro, deixou o fazendeiro liso e pobre
e voltou rico, vingado e satisfeito para casa de seus pais, cantado: Sou
mala sem ser maleiro/ sou ferro sem ser ferreiro/ sou nordestino e
brasileiro,
eternamente herdeiro/ do meu passado estrangeiro.

• Observe a lógica da esperteza de Malazartes


• Segue o contrato ao pé da letra, levando até as últimas consequências as
ordens do seu patrão. Pedro assim, torna em vantagem o que antes era
desvantagem.
• Pedro segue uma hermenêutica das relatividades e das brechas da lei
para tirar vantagem disso. Pedro vence ao realizar uma “obediência
malandra”, oportuna e sagaz. (p.294).
• Poder dos fracos (p.294) – o fraco não tem prestigio, nem dinheiro. Qual
é o seu poder? São suas qualidades intrínsecas, são poderes internos que
não podem ser roubados. Sua capacidade de ser esperto.
• Curiosidade – Pedro destrói moral e economicamente o fazendeiro, mas
não toma o seu lugar. Por quê? Ele quer vingança, mas não a reprodução
do sistema.
• Pedro é um herói diferente: ele não mata o bandido, vilão. Ele busca a
destruição do fazendeiro num nível mais sofisticado, na sua moral
perante a sociedade. Esta é a sua vingança – saber que encontrou alguém
mais esperto do que ele.
• Pedro não busca destruir o sistema, como seria o caso do renunciador em
busca do seu millenium. Nem tampouco é um caxias que pretende
manter a ordem inatingível. Pedro busca sempre tirar vantagens pessoas
do sistema. Ele vive o presente.
• Diante de uma sociedade altamente hierarquizada e hierarquizante,
Pedro é perigoso. Ele não joga conforme as regras, e por isso é sem
caráter. Ter caráter significa que ele não pode desafiar a injusta ordem
social. Significa que ele está preso e que é um perdedor como seu irmão.
• Entretanto, percebo não apenas 1 malandro nesta história, mas 2. E aqui
as coisas ficam mais complexas. Na lógica da esperteza, temos:
• Malandro: imerso em fatalidades, adversidades, infortúnios impostos
pelas circunstâncias sociais, e por isso usam de sua astúcia para driblar
essas adversas situações.
• Velhaco: alguém que já nasce rico, ou já está em condição social
favorável, mesmo assim utiliza da esperteza para oprimir o
desfavorecido.
• Citação de Coleone (2018, p.12).
• O velhaco tem má consciência que calcula, pondera, reflete e delibera a
natureza das suas ações. Ele racionaliza o logro, o engano, e a esperteza
segundo seus interesses pessoais de ambição, desejo de poder, glória ou
reconhecimento que o distinga socialmente, como Brás Cubas.
• Temos os políticos corruptos, empresários gananciosos e fazendeiros
velhacos.
C. É Possível Redimir a Lógica da Esperteza?
1. Como o crente deve viver?
2. Malandragem na Bíblia – 2 Sm 1.1-16 (tirar vantagem da morte de
Saul); At 5.1-11 (Usou de mentira em busca de ganho pessoal).
3. À luz da moralidade e da ética bíblica não podemos agir como
malandros:
a. não podemos mentir
b. não podemos viver em busca de nossos próprios interesses – 2
Co 5.19
c. não podemos buscar vingança – Rm 12.17-19
4. entretanto, podemos:
a. transformar desvantagem em vantagem – Gn 50.20
b. incentivo à esperteza bíblica: Rm 16.17-19
c. Mt 10.16 – contexto de lobos astutos, ovelhas tolas. É
necessário ser prudente e sagaz como as serpentes. Capaz de
avaliar as circunstâncias e agir de forma correta. Também ser
como a pomba a fim de manter a pureza e não se corromper na
lógica da serpente.
d. O cristão não precisa ser um crédulo, abestado, facilmente
enganado por todo mundo.
e. O cristão deve ter a astúcia suficiente para perceber a lógica da
esperteza do malandro.
f. Ao lidar com a constante lógica da malandragem que existe
em nossa sociedade e em nós já socializado, temos que manter
a pureza e não nos contaminar com o mal. Porém, também
precisamos ser astutos e espertos o suficiente para perceber o
engodo, a cilada e a artimanha do inimigo.
g. 2 Co 11.3, 13-15 – perigo
h. 2 Co 2.11-12 – não ser ingênuo e ignorar as intenções
i. Ef 6.10-11 – métodos e estratégias do Diabo
j. Cl 2.18, Ef 4.14 – engano e astúcia dos incrédulos
k. Devemos ser astutos e não ser facilmente enganados.
5. Entretanto, nem sempre ganharemos neste mundo. Como o irmão de
Pedro Malazartes, um dia seremos pegues. Ou traídos, como Jesus.
Iremos padecer e sofrer por recusar mentir, enganar, trapacear, tirar
vantagem ilícita.
6. Exemplos: Dn 6 – cova dos leões; 1 Pe 2.20-25 – é ser esperto sofrer
por fazer o que é certo.
7. Ser verdadeiramente esperto é perceber que este mundo não é o fim
de tudo. É ter a convicção de que algo infinitamente melhor nos
aguarda.
2. O MUNDO É MEU: A CONFUSÃO ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO

1. Já vimos a lógica do mundo é dos espertos.


2. Nas sociedades ocidentais da modernidade há uma clara separação entre
o que pertence ao poder público e o que pertence ao poder privado. As
funções do poder público são separadas e distintas das funções da esfera
privada.

Isso gera toda uma ordenação social de igualdade perante a lei, produz
menos corrupção e tudo fica mais claro para todos. Entretanto, no Brasil
nossa história foi diferente. Entre nós houve um embaralhamento dos
papeis dessas duas esferas, o que resultou em muitos problemas sociais,
políticos, econômicos e religiosos que vemos ainda hoje e que parecem
difíceis de se solucionar.
Isso afeta nossa visão de mundo. Começamos a achar que determinadas
áreas nos pertencem, quando na realidade esse não é o fato, realidade.
Vemos o mundo público como se fosse nosso quintal.
Isso nos afeta nos nossos relacionamentos pessoais na igreja e fora da
igreja. Achamos que a vida no corpo de Cristo deve seguir nossas
determinações particulares. Afeta nosso entendimento e comportamento
no trânsito, nas filas, no lidar com a política, etc.
Pensamos apenas nos nossos interesses e temos dificuldade de pensar
nos interesses de outros, no interesse público.

3. O Escravo é Meu! – sec XVI- XIX


Concordo com Lilian Schwarcz (2019, p.27) quando ela afirma que no
Brasil ...
Não se escapava da escravidão. Aliás, no caso brasileiro ela deixou
de ser um privilégio de senhores de engenho. Padres, militares,
funcionários públicos, artesãos, taverneiros, comerciantes, pequenos
lavradores, grandes proprietários, a população mais pobre, e até libertos
possuíam cativos. E, sendo assim, a escravidão foi bem mais que um
sistema econômico: ela moldou condutas, definiu desigualdades sociais,
fez da raça e cor marcadores de diferença fundamentais, ordenou
etiquetas de mando e obediência, e criou uma sociedade condicionada
pelo paternalismo e por uma hierarquia muito estrita.

Temos assim uma sociedade hierárquica e violenta


A liberdade é negra, mas a igualdade é branca.
Desde o século XVI até o século XVIII podemos perceber um tipo de
formação social que incluía mão de obra escrava numa grande
propriedade rural, “o personalismo dos mandos privados e (quase)
ausência da esfera pública e do Estado” (p.42).

4. Paternalismo
Surge da figura do Senhor que dominava e administrava uma realidade
social na qual o poder publico pouco atuava. As esferas publico e
privado se coincidiam com a vontade do senhor. Ao povo restava
obedecer a dominação pessoal deste senhor. Surge uma elite que lidera o
país mas que não consegue e não quer separar o público do privado.

Como viver uma república (res publica) quando a própria liderança


política só pensa na coisa privada, nos seus interesses?
Isso não fica confinado somente entre as elites. Cria-se uma sociedade
baseada num sistema de reciprocidade, também chamado de
clientelismo.

Patrão: status, prestígio, honra, influência, controle, poder e quer


lealdade política.

Cliente: quer segurança, empréstimos, intercessão, identidade, dinheiro,


emprego, acesso, e recursos.
Isso afeta arena econômica (recursos para a vida), social (lealdade e
proteção que o Estado não oferece) e política (votos).

Dessa forma, uma relação de interesses e de reciprocidade se formou. O


povo como cliente e os coronéis como patrões. Estes precisariam do voto
do povo, e em troca ofereceriam boas refeições, proteção, favores,
empréstimos e sua boa vontade.
Cabia aos seus protegidos a lealdade. Aqui havia um forte
elemento de honra envolvido. Trair a confiança de um coronel, apesar de
ter recebido benefícios, era um crime punido com a morte ou sérios
ferimentos.

Essa “amizade instrumental” ou lógica de reciprocidade permeou e


ainda permeia a mentalidade e visão de mundo do brasileiro, que
sempre raciocina: o que eu ganho com isso?

Essa lógica da reciprocidade não é coisa do passado e está presente e


influente no nosso sistema político e nas nossas instituições públicas. Tal
lógica é uma ameaça à nossa república pois não pensa no interesse
coletivo, somente no interesse próprio e privado.

Tal lógica gera, ou pelo menos incentiva, o patrimonialismo e a


corrupção. No patrimonialismo, temos o patrimônio, o bem público
sendo usado, apropriado de forma privada. É o entendimento de que o
publico, o Estado é um bem pessoal e privado. Chamamos isso também
de corrupção.

É um comportamento destituído de ética ou moral, onde os interesses


pessoais se apossam de bens e meios públicos.
Ainda hoje, vemos verbas públicas sendo utilizadas em troca do apoio
do eleitor, que por sua vez executa a manutenção da logica clientelista e
de reciprocidade em pleno sec XXI.
Essa mentalidade é extremamente nociva para nossa sociedade e gera
cada vez mais corrupção política, social e moral.

5. Hierarquia

• Senhor, coronel – pessoas saudavam tirando o chapéu


• Era comum clientes de um coronel poderoso tomar emprestado
esse prestígio
• “cada macaco no seu galho” – cada um deve saber o seu lugar na
hierarquia social.
• Com a vinda da democracia republicana – hierarquia e igualdade
tiveram que aprender a viver juntas. Dois sistemas antagônicos
começaram a operar aqui no Brasil.
• Você sabe com quem está falando? Quem você pensa que é? Vê se te
enxerga! – lógica usada para o reestabelecimento da ordem e da
hierarquia. Queremos nos sentir importantes, mostrar nossa
posição social.
• Exemplos: pastor não quer ser chamado pelo nome; policial estava
coordenando espaço público na pandemia, pedindo que todos
usassem suas máscaras. Uma das pessoas não gostou de receber
tal ordem e disse: você sabe com quem está falando? Sou juiz.
• Já o princípio democrático é diferente: who do you think you are?
Usado para pessoas que furam a fila nos EUA, para mostrar a
pessoa que ela é igual às outras na fila e não superior a elas. É
uma forma de rito igualitário, mostra a norma da democracia.
Independente da sua posição social.
• Duas éticas: hierarquia – quer ser importante, melhor do que o
outro. Igualdade – queremos a igualdade, mas somente quando
saímos perdendo.
• Fila – lógica da igualdade – ordem de chegada.
• Fila – lógica da hierarquia – ordem de importância: policial,
conhecido do caixa passa a frente de todos
• Transito – igualdade – obedecer às regras
• Transito – hierarquia – acha que a rua é sua. Pode fazer o que bem
entender
• Igualdade temos o indivíduo.
• Hierarquia temos a pessoa conhecida.
• Não gostamos de obedecer às leis – isso é porque os inferiores é
quem obedecem as leis. Todos nós queremos ser superiores,
mandões, um lugar elevado na hierarquia.
6. O MUNDO NÃO É MEU! O MUNDO É DE DEUS! EU SOU DE DEUS!

• Relação vertical: 1 Co 6.18-20 – vc não é dono de si mesmo; Rm 6.18, 22 –


somos escravos de Deus.
• Relação horizontal: Rm 12.10 – preferir os outros
• Fp 2.1-4 – não buscar o seu próprio interesse, 5.11 – ter a mente de Cristo
• 1 Co 9.12 -mente de Cristo no ministério de Paulo
• 2 Co 8.1-5 – mente de Cristo na vida da igreja
• Fp 2.19-22- Timóteo como exemplo, 2.25-30 – Epafrodito como exemplo
• Não busque ser melhor do que o seu próximo. Resista à mentalidade
hierarquizante.
• Vá além da democracia e igualdade – considere os outros superiores a si
mesmo. Aprenda a não buscar o seu próprio interesse, mas o do outro.
• Seja cordial no trânsito, dê a vez para outro carro.
• Trate alguém inferior socialmente com respeito, cuidado, e interesse por
sua vida.
• Cristo lavou os pés dos inferiores a ele – Jo 13.
3. O MUNDO É UMA FESTA
4. O MUNDO É TRISTE
5. E AGORA JOSÉ? SOBRE COMO VIVER NESTE MUNDO

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