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HISTÓRIA e HISTORIOGRAFIA da ARQUITETURA e URBANISMO

Docentes: Ricardo Paiva e Beatriz Diógenes


Discente: Sâmia de Paulo Farrapo

A pertinência por designers para um mundo complexo

Livro Design para um mundo complexo - Ricardo Cardoso


Historiador de arte, professor e pesquisador de estudos na área de design, tem PhD
em história da arte pelo Courtauld Institute of Art (Universidade de Londres).
Atualmente leciona no Ensino Superior de Desenho Industrial da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro. Publicou diversas obras, como: O design brasileiro
antes do design (2005) e Art and the Academy in the Nineteenth Century (2000).

Ficha técnica:
Título: Design Para um Mundo Complexo
Autor: Rafael Cardoso
Editora: COSAC NAIFY
Cidade: São Paulo
Ano: 2012
Número de páginas: 264 páginas
ISBN-10: 658649799X
ISBN-13: 978-6586497991

Resumo
A importância da maturidade profissional do designer, na prática interdisciplinar,
comprometida com as questões ambientais e sociais.

Abstract
The importance of the designer's professional maturity, in interdisciplinary practice,
committed to environmental and social issues.

Resumen
La importancia de la madurez profesional del diseñador, en una práctica
interdisciplinaria, comprometida con las cuestiones ambientales y sociales.
Foto: Arcos da Lapa (Rio de Janeiro)

Fonte: Cardoso (2012)

Como ser designer nessa era da informação e imaterialidade? Design não é


uma matéria escolar. A profissão iniciou com a responsabilidade de resolver a
qualidade e a beleza dos produtos nas indústrias dos Estados Unidos e da Europa
em meados do séc. XVIII. Gerou a elevação do consumo e diminuição dos preços,
nunca as pessoas tiveram tanto poder de compra. Isso resultou no declínio do gosto
pela qualidade e beleza dos produtos recebendo intervenções nos campos
comerciais e profissionais, museus e instituições de ensino na intenção de melhorar
o gosto das pessoas.
O mundo segue evoluindo sobre uma rugosidade carecendo de maturidade
profissional para atuar. Essa relevância é abordada por Cardoso (2012) onde afirma
que a responsabilidade está na colaboração profissional dos designers com outras
profissões. O livro aqui abordado é produto de um curso ocorrido em Recife, São
Luís, Rio de Janeiro, São Paulo e na cidade do México entre 2007 e 2009.
A obra é uma homenagem e crítica ao “mundo real” do designer e arquiteto
Victor Papanek no livro Design for the Real World: Human Ecology and Social
Change (1971). Este atuou como professor no Canadá, Suécia, Dinamarca e Reino
Unido e após a publicação foi perseguido, atacado e ridicularizado por seus colegas
pelas duras críticas à falta de responsabilidade social e ambiental dos designers.
Sua segunda edição publicada no Reino Unido, em 1985, foi uma atualização da

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obra, alcançando tradução para 23 idiomas, difundindo-se pelo mundo. Por seus
temas persistirem, CARDOSO (2012) retoma esse debate onde os tempos são
outros e as novas demandas devem ser percebidas e atendidas, pois esse mundo
real agora é o mundo complexo.
Dividido em cinco capítulos dedicando a introdução, três para abordar
conceitos e a conclusão sem conexão cronológica. O recorte temporal parte do
surgimento intrínseco aos desafios da crise industrial (1850) levando a terceira
geração de designers em 1930 a fusão do fitness for purpose [adaptação ao
propósito] (inglês) e Zweckmässigkeit [a condição de estar na medida do propósito]
(alemão) no lema do arquiteto Louis Sullivan, a forma segue a função, que ecoa no
Brasil até 1980.
A introdução contextualiza a influência na adaptação da forma e sua
complexidade. Exemplificando, o autor cita a cidade como microcosmo para analisar
esse mundo complexo. A princípio cita Sócrates (o belo é todo aquele propósito
para o qual é bem adaptado) dando ênfase ao uso e Immanuel Kant (a condição de
estar na medida do propósito no livro Crítica da faculdade do Juízo). Desta
colaboração os autores Friedrich Wilhelm Schelling e Augusto Schlegel discutiam
estética e Karl Friedrich Schinkel aplicou-os à arquitetura. A obra Der Stil in del
technischen und tektonischen Kunsten [O estilo nas artes técnicas e tectônicas]
descreve que para cada material demanda uma técnica específica, diferente de
Bötticher - Werkform (forma operacional) e Kunstform (forma artística) em que
“tectônica” defere-se ao movimento dialético do processo de significado formal.
Após as citações alerta-nos o perigo de tropeçarmos em tantos significados.
A “forma” tem pelo menos três aspectos interligados: aparência: perceptível
ao olhar; configuração: de arranjo das partes; estrutura: construtiva ou constitutiva.
E o significado do artefato está entre sua materialidade e seu potencial explorado
nas experiências e a forma concretizando o conceito projetual. O geógrafo David
Harvey é referenciado para esclarecer a "compreensão de tempo-espaço" acelerado
com advento tecnológico. A agilidade da imaterialidade impacta na transformação
múltiplas e rápidas no campo do Design. Nesse universo as inter-relações entre
elementos, camadas e estruturas condicionando e redefinindo constantemente o
desenvolvimento do conjunto. O resultado é a globalização iniciada no século XVI
com as navegações europeias, e agora ocorre de forma digital.
Para alçar especialistas e leigos os capítulos de desenvolvimento apresenta a
contextualização da produção da memória e formação da identidade. Os Arcos da
Lapa foram construídos de pedra e cal por volta de 1740 seria o artefato mais antigo
no Brasil que sobreviveu. De aqueduto para viaduto. Compara-se essa troca de uso
a frase de Shakespeare, em Romeu e Julieta, “se a rosa tivesse outro nome ainda
teria o mesmo perfume”. Já visto como grande, imponente, sólido e regular em suas
proporções. Porém grande e imponente são relativos por comparação. Destacou
que as evidências e vestígios devem contribuir para esclarecer aquilo que não
podemos presenciar. Porém o problema é encontrar dados diversos e dispersos
para compilar e interpretar.

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Em uma época sem fotografia, valeu-se da aquarela do inglês William
Alexander, The Aqueduct at Rio de Janeiro (1792). Ela inspirou representações
estrangeiras ganhando outras cores. Porém o significado está ligado a três
situações materiais: uso, entorno e duração, e três de percepção: ponto de vista,
discurso e experiências.
O uso mudou, seu entorno já foi ocupado ao ponto de ter sua vista
fragmentada perdendo sua imagem imponente. A duração vem perpetuando através
das gerações resistindo a destruição. O olhar atual não compartilha o mesmo “ponto
de vista” de sua inauguração. A vista no passeio do bondinho só foi possível com a
mudança de uso. As mudanças colaboram na percepção construída dessa
experiência cultural que já carrega outra percepção de mundo criando novos
discursos e experiência exclusiva pelo contato direto com artefatos.
A “era da informação” traz repertório virtual sobre quase tudo moldando a
visão do mundo material e determinando nossa relação com os artefatos. O olhar
está contido na especificidade histórica no contexto da construção social e cultural.
A experiência do usuário desenvolve-se dessa bagagem pelo contato direto ou por
empréstimo. Quando dizemos o ditado “recordar é viver” está ligado à nossa
“memória corporal”. Cardoso fala da “síndrome da falsa memória”, que seria lembrar
de algo que não vivemos por misturar nossas vivências com outras pessoas.
As categorias de “mementos” e “memorabilia” são artefatos que guardamos
de nossos ancestrais, geralmente fotografias. Esses são suportes para relembrar os
bons momentos, “os anos dourados”, “nos bons tempo”, “éramos felizes e não
sabíamos” - o chamado retrô. Exemplos apresentados dessa instrumentalização dos
bons tempos é expressada no cartaz, de Shepard Fairey em 2008, para a
campanha de Barack Obama. Empresas como Light, Mococa, Royal, Petrobras
realizaram a atualização das logo para trazer em sua identidade visual o traço
moderno e original.
A vida e fala das formas, funções e valores pontua as aparências a partir da
multiplicidade de significados e a linguagem das formas persistentes dos artefatos e
seu ciclo de vida. O “valor agregado” é explorado pelo mercado de luxo, pois quem
usa automóvel Mercedes-Benz, caneta Mont Blanc e bolsas Louis Vuitton buscam
por sua função psicológica. O “valor afetivo” ou o “valor simbólico” são aportes para
justificar o alto preço.
A forma-tipo ou produto padronizado é um modelo relegada a um modelo de
fabricação falho sendo este incapaz de suprir demandas. A aparência estética de
um elemento do artefato pode ter o mecanismo falho, mas é certeiro no efeito
psicológico. Essa associação gera o comportamento acessando as memórias
filtrando afetos e emoções. É citado a Poltrona Mole(1957) do design Sergio
Rodrigues posando de forma despojada declarando ser esse o suposto jeito
brasileiro. A bombinha de asma recebe a forma de um personagem, transformando
de vergonha ao desejo infantil.
Na abordagem da multiplicidade de significados menciona-se a produção do
designer Philippe Starck com intrigante artefato que pode ser uma banqueta,

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escultura ou ambas. O sociólogo Herri-Pierre Jeudy analisa-a e elogia. Pois tem
objetos que podem nunca ser usados para sua função original, gerando uma noção
desgastada da função. Pierre usa a cadeira como referência, quando usada para
apoiar livros, pendurar roupas, virá-las de ponta a cabeça para expulsar os boêmios
seria violação de sua função? Condenar que seja feita para sentar é bitolar o
pensamento.
Dependemos de nossas memórias para interpretar o mundo, pois se
descrever algo que nunca tenha visto só será capaz de representar diante as
referências a formas e cores já compreendidas anteriormente. Isto é o desafio
encontrado pela robótica e cibernética.
O ciclo de vida descrito aqui é que um objeto não morre, seja lixo ou resíduo.
O princípio da ressignificação pelo uso traz questões de pós-uso. O método de
design for disassembly (design para o desmonte) e o sistema modular possibilita
múltiplas possibilidades de uso e novas combinações. Será contraditório comparar
durabilidade com reversibilidade, manutenção ou aproveitamento, visto que é uma
conexão mais afetiva. Está ligado ao quantum de valor simbólico. Qual será o
segredo das canetas-tinteiro?
O poeta e filósofo, Samuel Taylor (1772-1834) exemplifica em sua literatura
uma viagem no tempo onde existiria uma navegação ilimitada entre as pessoas,
ocorrendo em um sítio múltiplo de páginas sobre uma mesma denominação. E que
nesse debate o mais importante não é se o virtual irá ou não ocorrer um dia. A
intenção, da suspensão da fé poética, é provocar descrença em prol da sombra da
imaginação. Não conseguimos mais escapar dessa onipresença virtual da internet
transformando-a em uma metáfora para o mundo complexo.
Há 100 anos atrás “o corpo é uma máquina humana”,já trezentos anos “a
nação é o corpo político”. Hoje falamos de network, “trabalhar em rede”, para
construir uma rede de relacionamentos. A internet (com i maiúsculo) decorre ao
final dos anos 1980 coisificando-a como entidade governamental (como um
ministério) ou transnacional (como a ONU). O consagrado trabalho de Harry Beck
na produção do mapa do metrô de Londres é uma contribuição realizada entre os
anos 1931 e 1933.
A possibilidade de desmaterializar uma coisa e transmiti-las em anexos:
fotos, vídeos e áudios por meio de qualquer veículo de comunicação digital. Michael
Benedikt cunha a frase: “a informação no espaço é o espaço da informação”, para
referir a “paisagem informacional”.A linguagem do mundo virtual imita o mundo real.
Concluindo o abaixo ao ensino atrasado, é preciso que o designer viva o
aprendizado transformando-se em design pensante. Tendo uma constante evolução
do crescimento dessa complexidade nos obrigando a repensar velhos conceitos e
buscar novas respostas. O filósofo Maurice Merleau-Ponty (1940) aponta a
volatilidade dos estados líquidos modernos da modernidade. A Bauhaus,
Vkhutemas, Hochschule für Gestaltung-Ulm, Royal College of Art, Cranbrook e
várias outras instituições explanaram o ensino no século XX a partir de suas
experiências.

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No Brasil os primeiros professores em sua maioria eram jovens e
inexperientes na docência quando abriram cursos como Instituto de Arte
Contemporânea/Masp, Escola Técnica de Criação/MAM-RJ, Escola Superior de
Desenho Industrial entre 1950 e 1960. Resultou em um exacerbamento do que seria
verdades recebidas, resistência a mudanças, hostilidade à reflexão e
questionamento. Isso custou as patentes “royalties” pela influência estrangeira, são
citadas em “A Esdi e o Brasil” contido em um folheto de 1964 publicado pela
Secretaria da Educação de Design Industrial. O senso da “artesania”, essa
produção artesanal em que o mestre ensina o fazer.
Não é possível alcançar um nível maior de erudição cumprindo o mínimo de
briefing. Entender a complexidade do artefato é ultrapassar a necessidade do hoje
atendendo as possibilidades para ser ressignificado perpetuando-o. O ensino deve
ocorrer em meio a criatividade e inovação integrada ao mercado, indústria e a
cultura, oportunizando a contribuição interdisciplinar. Ao público leitor, docentes e
mestrandos, cabe a missão de quebrar com essa rigidez no compromisso de
promover a prática para o amadurecimento profissional dos alunos.

Referência Bibliográfica
CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify,
2012. Acesso em: 06 de junho de 2022. Disponível em:
https://www.academia.edu/34354076/Design_Para_um_Mundo_Complexo_Rafael_
Cardoso.

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