Você está na página 1de 15

Voce E Meu

ILUSTRADO POR SERGIO MARTINE Z

IAXLUCADO

THOMAS NELSON
BRASI L'
c

Marcinelo vivia na Aldeia dos Xulingos. Como


qualquer outro xulingo, ele era feito de madeira e
cinha sido esculpıdo por Eli, o fabricante da aldeia.
Como todos os xulingos, de vez em quando, ele

fazia coisas bobas. Como aquela vez em que


Começou a colecionar caixas e bolas.

As coisas passaram a ficar estranhas quando um


xulingo chamado Tuck comprou uma caixa nova,
Outros tinham caixas, mas a de Tuck era nova,

Tuck gostava muito de sua nova caixa. Ele


achava que ela era a melhor caixa da aldeia, Ela era

colorida por dentro e por fora, e ele estava orgulhoso

dela. Talvez até orgulhoso demais. Andava para cima


e para baixo, exibindo sua caixa,

- Já viu minhanova cixa? perguntava aos

xulingos que passavam. – Gostaria de pegar em


mınha nova caxa?
Tuck foi dureto a Marcinclo:

- Você nãoquerter umacaixanova? provocouele.


Marcinelo achou que a caixa de Tuck cra maravlhosa, E passou a querer

ter uma caixa para cle também,

Tuck continuou mostrando a sua caixa, achando que cle era melhor do

que os outros xulingos, só porque tinha uma caixa nova.

Nıp, outro xulingo, discordou:


- Mnha caixa é tão boa quanto a de Tuck - dizia ele, enquanto
mostrava a sua caxa, no outro lado da rua, A caixa de Nip não era nova, mas

era um pouco maior e um pouco mas brilhante e... nela cabiam maisCOISAS

do que na de Tuck.

Tuck ficou quieto e olhou com raiva para Nip. E então teve uma ideia.

Correu até a loja e comprou uma bola, Agora ele tinha mais coisas do que

Nip. Tinha uma caixa e uma bola.

Nip olhou com desagrado para a bola de Tuck. Ele poderia fazer
melhor do que aqulo. E comprou duas bolas., Com um sorriso na face, duas
bolas e uma caixa nas mãos, foi falar com Tuck e soriu malicioso:

- Agora, tenhomausdo quevocê!

7
M

Antes que percebesse, Tuck estava na loja,

comprando outra caixa. Então Np correu, para

comprar outra bola. Então Tuck comprou uma


bola, e Nıp comprou uma caixa.

Bola. Cauxa Bola, Caixa.

L
Tuck. Nıp. Nip. Tuck... Eassimpordiante.
Alguém poderia ter interrompıdo toda a

confusão ali, E foi o que o prefeito tentou fazer.

- Vocêscstãosendotolos - dissecle a Nip e


a Tuck. - Quem é que vai se umportar com quem
tem mais ou com quem tem menos brinquedos?

Você estáả com nveja replıcarameles -,


porquc você não tem ncnhum brinquedo.

- Inveja?Devocês?Ah!

Mas, dentro de poucos instantes, o prefeito


estava na loja comprando uma braçada de caixas e

bolas,
Outos aulingoscomeçarama fzer o mesmo. O açouguero, O padeiro. O

marceneiro. O médıco, de uma ponta da rua, e o dentista, da outra,

Logo, cada xulingo queria ser o que possuisse o muor número de caixas
e bolas.

Algumas caixas eram grandes e outras, brilhantes, Algumas bolas eram

pesadas e outras, leves, Pessoas altas carregavam caixas e bolas, Pessoas baixas

também. Todos carregavam esses brinquedos. E todos pensavam a mesma

coisz Os bors alnges posuam muts brnquedes. Os que não são mauto bors, pessen

poucs bringados.

Quando um xulngo caminhava pelo centro da aldeia com una piha de

caixas e bolas que ulrapassava a sua cabeça, o povo parava.

At vai um bom xulingo-, aprovavameles,


Porém quando um xulingo passava com apenas uma bola ou uma caixa,
os outros balançavam a cabeça e pensavam, talvez até cochichando: "Pobre

xulingo! Pobre, pobre xulıngo!"


M

E claro que Marcinelo não queria ser chamado de pobre xulingo.

Entăo, decidıu ter tantas caixas e bolas quantas pudesse. Examinou o seu

quartinho e encontrou uma pequena bola. Remexeu no bolso e encontrou

dinhero para uma pequena caixa,

-Já sei o que vou fazer- dissecle. - Vou venderos meuslivros para
conseguir mais dınhero e comprar mus caLxas e mais bolas.

E assim ele fez, Comprou uma caixa aul e verde com nuvens pntadas

nos lados. Mas ele ainda quena mais.

Vou trablhar à noiteparaganhar dnheiro extra - resolveuconsigo


mesmo.

Fez isso, e comprou uma bola, E, porquc estava rabalhando à noite,

achou que não precisaria mais de sua cama Então, decidu:

- Vou venderamınhacama,
Vendeu- ae comprou mais duasbolas.

Logo, Marcinelo estava com os braços cheios de caixas e bolas, Tantas

quantas ele podia carregar, Mas outros xulıngos possuiam mais brinquedos do

que ele. Alguns, tinham tantas caixas e bolas que mal consoguiam andar.

- Não é facl carregartodasestasbolas ecaixas - cziam cles, como se


estivessem reclamando, mas, na verdade, cles estavam se gabando.

3
Marcinclo querna ser como esses xulingos, Então, vendeu mais coisas e fez

mais horas extras no trabalho. Seus olhos estavam cansados por não domit.

Seus braços, cansados por carregar tantos brinquedos. Ele nem se lembrava

mais da última vez que havia deitado para descansar. E, pior de tudo, seus

amigos não se lembravam da última vez que cle tinha vindo para brncar.

- Não vernosvocê há tanto tempo! queixou- se sua amiga Lúcia,

um dua.

- Por quevocê não vem brincar denovo? perguntou seu companhero

Splnt.
Nem todos se preocupavam com caixas e bolas, Os amigos de Marcinelo

não se importavam com isso. Entretanto, Marcinelo estavanmaas preocupado

em ter caixas e bolas do que em ter amigos,

Eu tenho me esforçado para consegui-las - explicava ele. E seus

amigos sIspravam.
Marcinelo nem ligava.. Preocupava-se apenas como que os outros
"bolas-e- caixas" pensavam, E, por mais que se estorçasse, ele não conseguia
chamar a atenção deles. Finalmente, teve uma ideiz:

-Vou vender a minhacasa.

- Estámaluco!- gitouLúcia.
-Onde vocêvai morar?- perguntouSplint.
Marcınelo não sabia, mas não se importava,

Ele só pensava nas caixas e bolas que poderia

comprar com todo aqucle dınheiro. Então, ele


vendeu a casa, E comprou caixas e caixas e mais

caixas e bolas e bolas e mais bolas. Ele carregava

tantos brinquedos, que não consegunaenxengar por


onde andava. Sua pılha de caixas e bolas

ulrapassava a sua cabeça.

Porém, ele não ligava Mas, e se os scus braços

doessem? Ese cle contnuasse batendo nasparedes?

E se não tivesse mais amıgos? Ele tinha caixas e

bolas e, quando passava, os xulingos se voltavam e

Comentavam:

- Puxa, cle deve ser um bom xulingo.


Marcinelo ouvia o que eles dıziam. Nio podia

vê- los, mas escutavao que cles falavam e se sentia

muito bem. Sou um bom xlgo, pensava ele.

17
M

Mas então alguém mudou as regras. Foi a

mulher do prefeito. Ela era muito orgulhosa de


suas caixas e bolas, Ela não só possuia uma grande

quantidade desses brinquedos, como suas caixas e

bolas eram de um tipo todo especıal. Ela as

comprava nas lojas mais esquisitas, que tinham

nomes dıvertidos, e deixava os nomes das lojas nas

caixas para que todos pudessem vê-los, Ela queria

ser a melhor xtulinga. Um da, ela teve uma ideia:

- Eu não só terei uma pilha mas alta de


caixas e bolas, como também conseguirei ir mais

alto do que todos.

Então ela subiu em uma de suas caixas e

gritou:
-Olhem paramim!
Imediatamente, todos os "caixas -e- bolas
tentaram ultrapassá-la, Um, subiu no chafariz,
outro, na sacada e outro, no telhado. Mas foi o

prefeito quem descobriu a montanha,


A
E

Atrás da aldeia dos xulingos ficava o Pico de Xulingue.

-Vou parao ume da montanha'grıtou o prefeito,esperandochegar


lá prmeiro.
A competıção era para ver qual xulingo possuia mais caixas e bolas e

subiria mais alto. Xulıngos carregados desses brinquedos começaram a subir a

montanha, coendo.
Era uma loucura. Uma louca competição. Como as pessoas de madera

não podıam ver onde estavam indo, topavam umas nas outras,E como estavam

muito cansadas, caíam sem para. Algumas, caíam ao lado da trilha, porque era

muito estreita, Mas, continuavamavançando.


Por ilumo, subia Marcinclo. Para cle, estava sendo dificil subr, mais dificil

do que para os demais. Afinal, ele tinha sido um "bom xulıngo apenas por um

pouco de tempo. Ele não estava acostunado a carregar tantas caixas e bolas.

Mesmo assim, estava deciido. Prosseguiu, pondo um pequeno pé de madeira


à frente do outro. Mas como ele nåo podia enxergar, também não podia saber

que estava andando ao lado da mlha e não pela próprna trilha.

E como não podia ver, não percbeu que havia sado da triha, Tudo o
que ele notou foi que - de repente estava completamente só. Devo ter
passado a frente de todo mundo! - pensou consigo mesmo. E continuou
subindo, subindo e subindo. - Devo estarbem perto do topo. Sou mesmo um bom

xulıngo, estarei mais alto do que todos eles!

21
Naqucle momento, os pés de Marcnclo esbarraram na borda de alguma

coIsa, Ele tentou manter o equilbrno - seus brinquedos tombaram para a


dreita e, depoıs, para a esquerda Ele inclınou-se para trás e, depous, para a

frente, mas não conscguna parar. Marcinelo ia cair. O que ele não sabia,

porém, é que havia subıdo a trlha na dıreção da casa de ElL Tropcgou no

dograu da varanda e cauu bem na porta da oficna de Elı.

Quando vu onde estava, Marcinelo ficou perturbado. Por um longo


tenpo, ficou al, com o rosto no cho, cercado por suas caixas e bolas. Uma
das bolas rolou pelo assoalho e parou junto à banca de rabalho de Elh Foi

quando o escultor se virou.

- Marcinelo, - A vozde Eli sooucalma,profundaebondosa.


O xulingo ainda não tunha se mexıdo. Ele podia sentir sua face de

madera fcando vemelha.

- Parccequevocêvem caregando um peso muito grande!


O cansado xulingo ficou de joelhose levantou-se, mas continuou de

cabeça baixa

- Estas sãoas mınhascaixase bolas - explıcou, semsemover.


-Você brinca com as caixas e bolas) -
Cguntou Eh,
Marcinclo sacudu a cabeça.

-Você gosta de caixas e bols?

- Gosto do que cu sinto quando cu penso


que clas slo minhas,

-Eo quevocêscntequandopensaqueclas
são suas?

- Eu me sinto nmportante- respondeu


Marcinclo, ainda com a voz faca,

- Humm!-obscrvouEli, entãovoce
deve estar se sentindo conno os outros xulngos,

Deve estar achando que quanto mais voce tem,

mclhor você &, e mais fez você será,

- Achoquesin,
-Venha cáM, arcinclo.Querole
mostrar
ma coisa,

25
Marcinclo levantou sua cabeça de madeira e olhou, pela primera vez,

para ElL Ficou alıviado ao notar que o cscultor não estava zangado com ele.

Mrcinclo seguiu El até ajanela.


-Olhe paraeles - flou ElL.
Através da jancla, Marcinclo olhou para o enxame de xulingos escalando
a montanha, Eles estavam tropeçando, caindo, lutando uns com os outros,

empurrando-se para chegar na frente.

- Elesparecemfelzes?-indagouEl.
Marcinelo apenas negou com acabeça.

-Parecemmportantes?
- De jeitonenhum - respondeuMarcineloo, bservandoo
prefeitoe
stua csposa, O prefeito estava no chåo, e cla, pisando en suas costas, Ela tinha

uma caxa na cabeça, e cle, uma bola na boca,

- Você acha que criei xulingospara agremdessemodo? -


interogou El.
-Não.
oC

Marcınclo sentru uma grande mão em scu ombro.

-Você sabe quanto lhe custaram suas caixas e bolas?

Mcus Ivtos c mnha cama, Meu dunhero e munha casa.

- Meu amiguinho, clas lhe custaram muito mausque isso.


Marcınclo estava tentando lembrar o que mais ele havia vendıdo,

quando Eli continuou:


Elas Ihe custaram suafelkcadade. Você não tem sido felz, tem?

Marcinelo hesitou:

- Não.
- Elas Ihe custaram scus amıgos. E acima de tudo, clas Ihe custaram a

confiança. Você não confiou em mim para fazê-lo feliz, confiou nessas
caixas e bolas.

Marcinelo olhou para a pilha de brnquedos. De repente, eles já não

pueciam tão valıosos.

-Eu cainessabobagem
-Tudo bem- replicou El. -Você aindaéespecial.
Mrcnclo abaixou a cabeça e sormiu.

- Você é especıal, não pelo que você tem. Você é especial pelo que

você é. Você é meu. Eu amo você. Não se esqueça disso, amiguinho.

29
E

-Nãoesquecerei- sorriuMarcinelo.
Após uma pequena pausa, charmou:
Eli?

Sm.
-O que devo fazer comessascaixas e bolas?

- Talvez você possa dar a alguém que


realmente precise delas,

Marcinelo virou- se para sair, mas parou


novamcnte:

- Eli?
Sum?

-Não tenhoonde domir.


Eli sorriueofereceu:
Gostaria de donir aqui estanotte?
Sum, gostaria muito. Estou muito cansado,
E assim, naquela noite, Marcinelo dormiu
numa cama de serragem. Domiu bem, Era bom
domır na casadaquele que o havia feito.

Você também pode gostar