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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

RESENHA

SOROMENHO, Castro. Terra Morta. Lisboa: Sá da Costa.

Fernando Monteiro de Castro Soromenho nasceu em 1910, em Chinde,


Moçambique, mas ainda pequeno foi morar em Angola. O pai português vivia a
serviço da Corte portuguesa, já sua mãe era caboverdiana. Castro Soromenho
trabalhou ainda jovem, como recrutador de mãe de obra para o exército
português e em minas de exploração de diamantes. Ao exercer o trabalho de
chefe do posto em Lunda, passou a investigar a vida dos povos locais, tema este
recorrente em suas obras. Aos 27 vai para Lisboa se dedicar ao jornalismo e
inicia sua carreira como escritor. Possui diversas obras em ter elas destacam-se
Terra Morta, Viragem, Chaga, Nhári- o drama da gente negra, Rajadas e outras
histórias, Histórias da terra negra. Abordaremos aqui o romance Terra Morta,
escrito pelo autor em 1949, considerado parte da trilogia de Camaxilo (Terra
Morta, Viragem e Chaga), local onde se passa o romance.
“Quando os brancos fardados, primeiro os militares e muito mais tarde os
administrativos, chegaram à vila, já a terra estava morta” 1. É assim que a negra
Francisca se recorda da sua vida em Camaxilo, ao partir da vila. Lembra do
tempo próspero onde os homens brancos comiam peixes e carnes, e sua casa era
visitada por amigos de seu branco, que abria garrafas de champanhe para brindar
a visita. Essa Camaxilo não existia mais, somente nas memórias dos moradores.
Os tempos eram outros, a borracha já não valia tanto, o comércio havia decaído,
o lucro dos diamantes era tomado pelas companhias. Em Terra Morta o autor
aborda essa Camaxilo decadente, onde negros, brancos e mulatos disputam seu
espaço na sociedade colonial. O autor mostra como o projeto colonial procede

1
SOROMENHO, Castro. Terra Morta. Lisboa: Sá da Costa. p. 224.
em decadência. Percebe-se isso nas falas dos moradores da vila, ao recordarem,
como a negra Francisca, dos “bons” tempos, ou ao partirem tentando fugir da
vida desgraçada na vila, como faz Américo. Vasconcelos, um dos moradores da
vila de Camaxilo, a descreve como um buraco.
Em Terra Morta as injustiças cometidas com negros são expostas, o
trabalho árduo nas enxadas, para a manutenção das ruas, nas minas de diamantes.

“Todos os negros sabiam que aquele que pusesse o pé dentro da zona


mineira, onde só haviam autoridades administrativas e empregados da
Companhia de Diamantes, só se podia livrar do trabalho depois de um
ano de internato, sob disciplina mais dura que a militar, sem licenças de
qualquer natureza, a não ser por doença grave, cujo tempo era descontado
nos salários, caso os braços não pudessem de todo voltar a manejar a
picareta, até se cumprir todo o tempo do contrato. Licença só de morte.”2

A Companhia comandava o comercio e o trabalho dos negros, e fazia sua


própria lei dentro da zona mineira. Explorava diamantes, comércio e negros,
como comenta Américo, um dos funcionários da administração. Ao relatar a
experiência dos negros nas minas o autor narra “muito aprenderam os homens
que foram trabalhar no Nordeste. Ficavam a saber de muitas coisas e ganhavam
uma grande experiência, mas que só lhes servia para passar a vida a lamentarem-
se e a contar histórias”3. Do trabalho nas minas restavam aos negros apenas
doenças, pouco dinheiro e terríveis histórias. Nas arrecadações dos impostos
feitas pela administração outras injustiças: mulheres e filhos dos negros que não
pagavam seus impostos eram presos e as mulheres muitas vezes abusadas pelos
funcionários da administração.
Terra Morta além de aborda o choque do contato social entre negros e
brancos (oriundos da metrópole, mas que a muito tempo já desconhecem a vida
em Portugal, assim acabam a se relacionar com a nativas), mostra o resultado
desse contato: os mulatos. Este “grupo” não se insere em nenhuma das duas
civilizações. O mestiço desconhece a vida tribal dos negros, e não participa e não
se insere na civilização européia. No romance, este choque pode ser representado
com a relação da mulata Maria que troca um mulato, pelo branco Sampaio, este

2
Ibid.,p. 82.
3
Ibid.,p. 85.
que ao descobrir que Maria estava grávida, a abandona. Alguns europeus faziam
promessas de levar os filhos mulatos para Portugal, para estudar e se trona
doutor. “Mas foram poucos os que compraram a quinta na terra e menos os que
levaram os filhos. A maioria morreu e os filhos andavam agora pelas vilórias do
sertão. Alguns ficaram com as mães nas senzalas e tornaram-se tão selvagens
como os homens de tanga e amuletos.” 4
Os sipaios, negros que trabalham para os brancos na arrecadação de
impostos e na manutenção da colônia, vivenciam de alguma forma também uma
“exclusão social”, pois são vistos com indiferença pelos brancos, que não
permitem acesso dos sipaios em sua sociedade, por serem negros. Os negros
também os vêem como traidor, por participarem da manutenção dos interesses
dos brancos.
A perpetuação dos costumes dos negros, também aparece em Terra Morta.
A perca dos valores dos costumes locais é mostrado quando o soba Xá-Mucuari
se suicida, e os mais novos enfrentam os mais velhos da aldeia, pois estes
pretendem seguir os costumes e tocar os tambores para chorar a morte do soba.
Contudo, outros argumentam que o barulho dos tambores chamará atenção dos
brancos, que irão até a aldeia e verão o sipaio morto por Xá-Mucuari.

“O mais velho dos três velhos que estiveram naquele dia no alpendre
como soba, arrastou um grande tambor para o meio do terreiro e começou
a tocar, avisando os povos vizinhos que tinha morrido o soba Xá-
Mucuari, o ultimo grande chefe das terras de Camaxilo. Um homem alto
e espadaúdo, dos lábios grossos e carapinha aos tufos, saltou para o meio
do terreiro e tirou o tambor ao velho.5”

A interrupção da cerimônia pelo jovem é vista como atrevimentos pelos


mais velhos, que decidem mais tarde sair em busca de um novo local para a
aldeia, não querem mais viver com brancos e sipaios. A cultura oral aparece na
personagem de Monteiro que ouvia as histórias dos griôs. “Veja lá esse chefe do
Caluango, o Monteiro, que, em vez de cobrar os impostos e mandar gente para as
minas, anda metido nas senzalas a ver como os pretos vivem e a ouvir histórias.”6
4
Ibid.,p. 225.
5
Ibid.,p. 148.
6
Ibid.,p. 247.
Monteiro se assemelha com Castro Soromenho, pois o autor, durante seu trabalho
pela Lunda nas senzalas, colhia informações sobre as tradições orais e as
histórias dos negros, e registrava no seu diário.

Terra Morta evidencia a decadência do plano colonial, a vida monótona


dos brancos que foram abandonados e esquecidos pelo Governo da metrópole,
pela sua pátria. Os sonhos de prosperidade dos brancos que viviam na colônia,
serem destruídos. A exploração e o abuso do trabalho do negro, que viva numa
sociedade escravocrata mesmo com o fim da escravidão. A relação dos nativos
com os novos moradores, Castro Soromenho nos narra o cotidiano da vida dos
moradores de uma terra já destruída, de uma terra morta.

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