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Entrevista de Guilherme à avó: Como foi a sua infância?

Para tarefa escolar: Guilherme Gonçalves, de sete anos, entrevista a avó, Fernanda
Gonçalves, que beira os setenta anos?

- Vovó, como foi sua infância?

- Na minha família, éramos cinco irmãos, nossos pais e a nossa avó. Morávamos numa
grande casa de três andares, além do sótão em parte da área. Tínhamos um jardim bem
cuidado, um pátio e um grande quintal, onde havia muitas frutíferas, grandes e
pequenas: mangueira, jaqueira, sapotizeiro, jambeiro, limoeiro, mamoeiro, romãzeira,
limeira, goiabeira, bananeira de banana maçã, e um canteiro redondo com cana-de-
açúcar.

Vivíamos subindo nas árvores, sobretudo no sapotizeiro, para colher os frutos e,


frequentemente, caíamos dele, até as crianças da geração seguinte faziam o circuito e
levavam tombos – Pedro que o diga, sofreu a queda mais grave. Eu só caí da acácia,
ficando dias com o braço muito inchado. Mas, todos nós sobrevivemos. Nós, irmãos, e
as outras crianças da rua, pois a casa era aberta. Melhor dizendo: era como não tivesse
porta, pois tanto os amigos entravam para brincar como estendíamos as brincadeiras à
rua.

- E do que vocês brincavam?

- A maior parte das brincadeiras era ao ar livre. Esconde-esconde, jogos com bola, pega-
pega, chicotinho queimado, batatinha frita, bang-bang... Nessa última, meus irmãos
meninos eram sempre os cawboys e eu e minha amiga holandesa, Querine, éramos os
bandidos, que, claro, sempre terminavam mal, caídas mortas no chão. Interessante, era
que achávamos que, para morrer, precisávamos cair com os braços abertos, formando
uma cruz. Quando explicaram que podíamos adotar outra posição, ficamos muito
surpresas com essa possibilidade. Acho que porque era uma postura costumeira nos
filmes de faroeste que assistíamos. E, quando chovia, aquelas chuvas fortes, íamos
brincar de qualquer coisa na chuva ou, simplesmente, tomar um belo banho debaixo da
bica.

Uma vez, eu muito pequena, estava brincando com minha bola na rua, quando uns três
ou quatro meninos maiores tomaram minha bola e começaram a jogar. Eu pedia que a
devolvessem e eles riam. Mas, fui salva pelo carteiro, que, naquele tempo, usava um
uniforme azul escuro e quepe. Ele passou, e pensei que era um policial, pedi a ele que
interviesse. E ele assim o fez: foi até o grupo de machinhos, deu uma bronca e me
trouxe a bola de volta.
É esse outro ponto: nós conhecíamos todos os vendedores e prestadores de serviço que
transitavam pela rua. Havia o verdureiro, Sr. Valdemar, que vinha com seu burrinho,
diariamente, vender frutas e verduras. Costumávamos montar no burrinho e ele dava
uma volta conosco. Também a mulher que vendia fígado e tinha uma forma tão
diferente de anunciar seu produto, que só depois de grande entendi do que se tratava,
porque ela gritava assim: fi-guêêêê!!! Fi-guêêê!!! Para mim, era um mistério o que ela
levava no tabuleiro. O peixeiro também vinha todos os dias, além do baleiro e do
carteiro, de quem me tornei próxima, desde que resgatou minha bola.

Mas, o melhor de tudo vinha lá pelas 17:00, quando se anunciava a caminhonete do


Sorvete Primavera, tocando seu sino, desde a esquina. Havia, então, uma correria
desenfreada das crianças, descendo a escada, saindo pela porta, correndo pela rua, atrás
das delícias geladas. Nunca encontrei sorvete mais gostoso. É verdade! Pode perguntar a
qualquer um da minha idade sobre os sabores da Sorveteria Primavera.

- E o sorveteiro, vendo todas aquelas crianças saindo pela porta da sua casa, pensava
que vocês eram todos irmãos?

- Boa pergunta... Não sei o que ele pensava. Eram mais de dez crianças e de todos os
tipos: negros, morenos, brancos, branquelos. Tinha de tudo.

- E de noite, o que vocês faziam?

- Minha avó lia histórias para nós, geralmente do Sítio do pica-pau amarelo. Ou contava
as histórias orais do Sertão Nordestino: do lobisomem, da serpente-negra, da moura
torta. Acho que é por isso que eu e meus irmãos adoramos livros.

Na hora de dormir, para propiciar o relaxamento, ela cantava lindas canções de Castro
Alves, Chiquinha Gonzaga, Carlos Gomes... mas a preferida era O meu lindo
jangadeiro, todos nós adorávamos essa.

Também, havia noites, quando nossos pais iam para o cinema, e nós, em liberdade
absoluta, chamávamos todas as crianças da rua, apagávamos as luzes e íamos brincar de
esconde-esconde no escuro.

- E sua avó, deixava, não reclamava?

- Não. Acho que ficava de plantão, para consertar alguém que se machucava, mas, não
me lembro de muita quebradeira.

- Vovó, eu queria ir para o passado.

- Esse passado, Guilherme, também está dentro de você, quando a gente pára para
brincar ou para contar histórias. Foi lá que aprendi e de lá trouxe para você.

Salvador, 17 de setembro de 2020.

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