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Por que romper o tabu que cerca o suicídio e falar sobre ele é importante... https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2023/09/15/por-que-romper-o-tabu...
“Para os que Ficam”, documentário de Marcia Disitzer e Susanna Lira, não carece de
ambição, nem de beleza. Filme de alta inteligência emocional, destina-se a ajudar
familiares de pessoas que se mataram a entender o sofrimento existencial que leva
alguém a esse desfecho. E a lutar por um caminho diferente para suas próprias
vidas. A escolher “ficar do lado do Sol”, nas palavras de Disitzer, 56 anos de vida e
quatro décadas de convivência com o trauma.
“O resultado do suicídio para a pessoa que vive o luto é fragmentação, é viver uma
dor sem nome, é viver uma travessia sem pedir”, diz a psicóloga paulista Karina
Okajima Fukumitsu, de 52 anos, PhD em suicidologia, consultora de escolas e
empresas, que acaba de lançar o livro “Luto por suicídio e posvenção - A outra
margem” (Summus Editorial).
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Por que romper o tabu que cerca o suicídio e falar sobre ele é importante... https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2023/09/15/por-que-romper-o-tabu...
É disso que se trata: limpar o terreno dos estilhaços que voam quando a granada é
acionada. E fazer esse trabalho de forma árdua e denodada, porque o suicídio é um
tema rodeado de falsos clichês: o raio cai, sim, duas vezes no mesmo lugar, na
mesma família. E cão que ladra pode morder.
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“O papel do documentarista é falar de temas que são tabu, temas que as pessoas
não querem discutir. Como jornalista, sempre fui orientada a não divulgar a causa da
morte em casos de suicídio. Se não falarmos disso, só vai piorar a epidemia de
depressão, de doença mental, principalmente entre os jovens. A gente não está
evitando nada com o silêncio”, afirma Lira.
O roteiro de “Para os que Ficam” tem como ponto de partida a pergunta feita por
Marcia aos 12 anos, um clássico entre parentes de alguém que escolhe tirar a
própria vida: “Como assim!?”. A mais nova de três irmãs de uma família de classe
média carioca implodida pelo gesto paterno, ela não se conformava: “Como assim o
amor de três filhas não foi suficiente!?”.
Repórter da revista “Ela”, que circula aos domingos com o jornal “O Globo”, Disitzer
levou 30 anos até ser convencida, pela editora Marina Caruso, a revelar, em artigo
em primeira pessoa publicado em 2021, que havia perdido dessa forma trágica o pai,
inconformado com um pedido de separação, e a mãe, após 11 anos de culpa
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dilacerante.
Entre os méritos de Marcia Disitzer estão a coragem de expor sua história familiar, a
habilidade para montar uma equipe de rara sensibilidade e o emprego de extrema
delicadeza ao entrevistar os seis sobreviventes, todos com traumas recentes. Houve
múltiplas interrupções nas gravações porque a emoção era avassaladora.
“Eu os abracei. Falar não é fácil. Falar para o mundo não é nada fácil”, diz Disitzer.
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campus da Universidade de São Paulo (USP) e que levaram o irmão dela a desistir de
viver.
“A vida de uma pessoa não pode ser definida pelo ato final. O que eu mais quis fazer,
minha missão neste filme, foi levar luz e amor a esses familiares, acender uma luz
para tanta gente que se sente só”, diz Costa. Mãe de um rapaz de 16 anos e grávida
de uma menina, ela trabalhou em cima das fotos familiares de casamentos, férias,
viagens, formaturas, como a mostrar que aquelas pessoas poderiam ser você.
Em comum, além da expressão de dor, os parentes dos que se foram têm uma
acuidade absoluta no recordar a hora do dia, a luz do amanhecer ou entardecer, o
local exato onde se encontravam e a pessoa em quem se apoiaram quando
receberam a notícia inimaginável. Eles também partilham uma evidente necessidade
de se explicar, enumerando providências tomadas e profissionais contatados na
obstinação de evitar o temido desenlace.
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“A culpa é um dos sentimentos que são trazidos por especificidade do luto por
suicídio, por se tratar de uma morte violenta, impactante, uma morte em que a
gente começa a questionar as nossas ações”, diz Fukumitsu. “Todas as vezes que
questionamos nossas ações, principalmente quando o resultado deu ruim, deu
errado, a gente começa a viver essa emoção chamada culpa. A palavra culpa deriva
de um termo no alemão que significa dívida. A culpa é uma imaginação que essa
pessoa tem de que poderia mudar o desfecho desse suicídio. É uma lamentação
onipotente para dar conta da impotência”, explica Fukumitsu, que orientou a linha
argumentativa do filme.
“A raiva escancara que a necessidade da gente não foi satisfeita. Porque nós
gostaríamos que essa pessoa tivesse ficado conosco, que não tivesse nos deixado no
breu, sem respostas”, afirma a psicóloga, líder de grupos online de apoio aos
enlutados que chegam a reunir 150 pessoas.
Para os que ficam, viver é a melhor resposta. Mas como? Muitas vezes, há uma
ruminação, um repassar de decisões que poderiam ter sido diferentes, que se
aproxima de novo da areia movediça da culpa.
Para muitos enlutados, é necessário buscar um novo propósito de vida, que pode
estar no ativismo, no trabalho voluntário ou até no estudo de psicologia.
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Só há um caminho: crescer. “Essa dor não passa, nem diminui de tamanho. A gente é
que tem que crescer em volta dela.” Et voilà.
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