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Gandavo, Pero Magalhães de (1576): História da Província de Santa Cruz

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História da prouincia Sãcta Cruz que vulgarme[n]te chamamos Brasil / feita por Pero
Magalhäes de Gandauo. Em Lisboa: na officina de António Gonsaluez: vendense em casa de
Ioão Lopez, 1576. 48 f. : 1 est. ; 4º (18 cm) - Assin: A-F//8. - Anselmo 709. - Faria - BN Rio de
Janeiro p. 38. - B. MUseum 150 coln 204 [http://purl.pt/121]

Capit. Primeiro, De
como ſe deſ- | cobrio esta prouincia , & a razam porque ſe deue | chamar Sancta Cruz,
e nam | Braſil . |
REINANDO aquelle muy catho- | lico & ſereniſsimo Principe elRey Dom | MANVEL , fezſe hũa
frota pera a India | de que hia por capitam mór Pedralua- | rez Cabral:
que foy a ſegunda nauega- | çam que fezeram os Portugueſes pera aquellas par- | tes do Oriente.
A qual partio da cidade de Lixboa a | noue de Março no anno de 1500. E ſendo ja entre | as ilhas
do Cabo verde (as quaes hião demandar pera | fazer ahi agoada ) deulhes hum temporal,
que foy cau | ſa de as nam poderem tomar, & deſe apartarem algũs | nauios da companhia. E
depois de auer bonança jun | ta outra vez a frota, empegaranſe ao mar, aſsi por fo- | girem das
calmarias de Guiné, que lhes podiam eſtro- | uar sua viagem, como por lhes ficar largo
poderem do | brar o cabo de boa Eſperança .
E auendo jahum mes , | quehião naquella volta nauegando com vento pros- | pero , foram dar
na coſta deſta prouincia : ao longo | da qual cortáram todo aquelle dia, parecendo a | todos que
era algũa grande ilha que ali eſtaua , ſem | auer Piloto, nem outra peſſoa algũa que teueſſe |

noticia della , nem que preſumiſſe que podia eſtar ter- | ra firme pera aquella parte Occidental . E
no lugar | que lhes pareceo della mais accomodado , ſurgiram a- | quella tarde, onde
logo teueram viſta da gente da terra: | de cuja ſemelhança nam ficáram pouco
admirados, | porque era differente da de Guiné, & fora do comum | parecer de toda outra que
tinham viſto . Eſtando aſsi | ſurtos nesta parte que digo, ſaltou aquella noite com | elles tanto
tempo, que lhes foy forçado leuarem as an- | coras , & com aquelle vento que lhes era largo
por a- | quelle rumo, foram correndo a coſta ate chegarem a | hum porto limpo & de
bom ſurgidouro onde entra- | ram : ao qual poſeram entam eſte nome, que hoje em | dia tem de
Porto ſeguro , por lhes dar colheita & os | aſſegurar do perigo da tempeſtade que leuauam .
Ao | outro dia ſeguinte , ſahio Pedralvarez em terra com | a mayor parte da gente: na
qual ſe diſſe logo Miſſa can | tada , & ouue pregaçam : & os Indios da terra que
ali ſe | ajuntáram ouuião tudo com muita quietaçam , vſan- | do de todos
os actos & cerimonias que vião fazer aos | noſos . E aſsi ſe punham
de giolhos & batião nos pei- | tos , como ſe teueram lume de Fé, ou que por algũa | via lhes
fora reuelado aquelle grande & ineffabil myſte | rio do Sanctiſsimo Sacramento. No
que moſtrauam | claramẽte eſtarẽ diſpoſtos pera receberẽ a doctrina Chri | ſtaã a
todo tẽpo ~q lhes foſſe denũciada comogẽte ~q não | tinha impedimẽto de idolos ,
nem profeſſaua outra ley | algũa que podeſſe contradizer a eſta noſſa , como a
di- | ante ſe vera no capitulo que trata
de ſeus coſtumes . En | tam deſpedio logo Pedraluarez hum nauio cõ a noua a | elRey Dom
Manuel, a qual foy delle recebida com | muito
prazer & contentamento: & dahipor diante co- | meçou logo de
mandar algũs nauios a eſtas partes, & | aſsi ſe foy a terra deſcobrindo pouco a
pouco & conhe- | cendo de cada vez mais, ateque depois ſe veo toda a re- | partir em
capitanias & a pouoar da maneira que agora | eſtá . E tornando
a Pedralvarez ſeu deſcobridor , paſſa- | dos algũs dias
que alli eſteue fazendo ſua agoada & eſpe | rando por tempo que lhe ſeruiſſe , antes de ſe partir,
por | deixar nome aquella prouincia , por elle nouamẽte des- | cuberta , mandou alçar hũa Cruz
no mais alto lugar de | hũa arvore , onde foy aruorada com grande ſolennida- | de & benções de
Sacerdotes que leuaua em ſua compa | nhia , dando a terra eſte nome de Sancta Cruz:
cuja fe- | ſta celebraua naquelle mesmo dia a ſancta madre Igreja | (que era aos tres de Mayo ). O
que nam parece carecer | de myſterio , porque aſsi como neſtes Reinosde Portu | gal trazem a
Cruz no peito por inſignia da
ordem & | cauallaria de Chriſtus , aſsiprouue a elle que eſta terra | ſe descubriſe a tempo, que o tal
nome lhe podeſe ſer | dado neſte ſancto dia, poisauia de ſer poſuida de Por | tugueſes , & ficar por
herança de patrimonio ao meſtra | do da mesma ordem
de Chriſtus . Poronde nam pare | ce razão, que lhe neguemos eſte nome, nem que nos |

esqueçamos delle tam indiuidamente por outro que | lhe deu o vulgo mal conſiderado , depois
que o pao da | tinta começou de vir a eſtes Reinos. Ao qual chama- | ram braſil por ser
vermelho & ter ſemelhança de bra- | ſa , & daqui ficou a terra com eſte nome de Braſil .
Mas | pera que neſta parte magoemos ao Demonio , que tan | to trabalhou & trabalha por
extinguir a memoria da | SanctaCruz , & deſterrala dos corações dos homẽs ( me | diante a qual
fomos redemidos & liurados do poder
de | ſua tyrannia ) tornemoslhe a reſtituir ſeu nome, & cha- | memoslhe prouincia de Sancta Cruz
como em princi | pio (que aſsi o amoeſta tambem aquelle illustre & fa- | moſo eſcritor Ioão de
Barros na ſua primeira Década, | tratando deſte mesmo descobrimento). Porque
na ver | dade mais he deſtimar & milhor ſoa nos ouuidos da gẽ | te Chriſtaão nome dehum pao
em que ſe obrou o my | ſterio de noſa redempçam , que o doutro que nam ſer | ue de mais que de
tingir panos ou couſas ſemelhantes . |

[...]

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