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PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA
ÍNDICE
1 É Uma Maldição!
2 A Decisão
3 Sheba
4 Uma para Sonhar
5 Sustos
6 Descobertas Macabras
7 Terrores Noturnos
8 Enfrentando a Verdade
9 A Arca Esculpida
10 Quatro Almas
11 Os Cegos São Sábios
12 A Fonte
13 A Subida
14 A Caverna
15 Sombras
16 O Bosque
17 O Desagradável Torna Belo
18 Antes do Amanhecer
19 Decisões
20 O Trovão Dirigido à Terra
21 A Escada
22 A Fome
23 Vida e Morte
24 Encontros
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É UMA MALDIÇÃO!
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Já era dia claro quando chegaram ao fim dos detri-
tos, um local onde a face do penhasco se curvava para a
direita. Quando dobraram a esquina e chegaram, aliviados,
a um terreno mais suave, viram-se no meio de uma con-
fusão de pegadas de bukshah.
— Ali! Estão a ver? — exclamou Zeel, apontando.
E, de fato, as pegadas dirigiam-se diretamente para uma
mancha verde... um bosque aninhado contra a face do
penhasco.
Começaram todos a dirigir-se para o bosque o mais
depressa que conseguiam. O verde vivo, surpreendente de
encontro ao cinzento, preto e branco mortos do resto da
paisagem, parecia chamá-los. Mas Rowan depressa perce-
beu que, mesmo que quisessem evitar o bosque, não con-
seguiriam fazê-lo. O terreno à esquerda deles começara a
formar um declive íngreme. Ao fim de pouco tempo, eles
tinham a parede negra da face do penhasco num dos lados
e um abismo no outro. Tal como os bukshah antes deles,
não tinham outra opção a não ser seguir em frente.
E as árvores atravessavam-se no caminho, preen-
chendo-o de um lado ao outro.
Rowan começou a sentir um formigamento no es-
tômago. A situação trazia-lhe a desagradável lembrança da
trilha no meio das rochas antes do vale dos horrores. Ele
via que Zeel, Norris e Shaaran também estavam a começar
a sentir-se pouco à vontade. A pouco e pouco, o seu pas-
so rápido foi abrandando e eles começaram a arrastar os
pés.
Ao fim de algum tempo, quando tinham as árvores
mesmo à sua frente, os quatro pararam. Instintivamente,
levaram as mãos ao nariz, pois um cheiro estranho, desa-
gradável, semelhante ao de ovos podres, pairava no ar.
— Eu sinto que fui empurrada para este lugar —
disse Zeel em voz baixa. — Não estou a gostar nada disto.
— Eu também não — concordou Norris, esprei-
tando por entre as árvores. — Mas não parece haver pe-
rigo. É óbvio que os bukshah entraram sem qualquer hesi-
tação. Podemos ver isso pelas pegadas.
— Os bukshah também atravessaram o vale dos
horrores — recordou-lhe Shaaran. — Só porque um lugar
é seguro para os animais, não significa que seja seguro pa-
ra nós.
— Pode nem sequer ser seguro para os animais —
disse Zeel, olhando para Rowan. — Os bukshah entraram
no bosque, mas não sabemos se saíram de lá. Aquele
cheiro...
— Não é o cheiro da morte — interrompeu-a Ro-
wan rapidamente. Mas a sensação de medo era cada vez
maior. Ele tinha a certeza de que os bukshah estavam
muito perto. Sentia a presença deles. Mas o bosque estava
totalmente silencioso.
— Estrela! — chamou.
O grito ecoou, triste, em volta dos penhascos, e
morreu sem obter resposta.
— Eles podem ter saído do bosque há muito tem-
po e já não conseguirem ouvir — murmurou Shaaran,
puxando-lhe pela manga.
Rowan compreendeu que ela estava a tentar conso-
lá-lo, mas não lhe pôde responder. Sentia-se ansioso por
avançar imediatamente para o meio das árvores. Mas ele
sabia que os seus companheiros o seguiriam. Ele não po-
dia arrastá-los atrás de si numa imprudente precipitação
para o perigo. Embora a espera fosse agonizante, ele tinha
que ser cauteloso e descobrir tudo o que pudesse antes de
seguir em frente.
Era impossível ver muito longe no interior do bos-
que. Muitas árvores mortas tinham caído do topo do pe-
nhasco, emaranhando-se nos ramos das árvores vivas e
formando um dossel baixo e espesso que não deixava en-
trar a luz.
Porém, as primeiras filas de árvores eram visíveis, e
Rowan observou-as atentamente. Certamente que não
pareciam perigosas, nem se pareciam nada com as árvores
demoníacas de Unrin.
Eram todas do mesmo tipo — grossas, embora não
muito altas, com ramos bem espalhados e folhas brilhan-
tes. A única diferença entre elas era a casca. As árvores
que cresciam nas orlas exteriores do bosque tinham uma
casca áspera, cinzenta, peluda. Mas, nas árvores mais pró-
ximas do centro, a casca cinzenta só aparecia em manchas,
e os troncos e os ramos das árvores mesmo no meio, de
cada lado da trilha dos bukshah, eram lisos e brancos.
Talvez as árvores exteriores precisassem de mais
proteção do que as interiores, pensou Rowan. Talvez o
bosque gere o seu próprio calor. Porque ele tinha repara-
do que ali o ar era mais quente, e que havia pouca neve no
chão à sua volta.
E isso era muito estranho.
— Nós temos vindo a subir a manhã inteira —
disse Zeel, colocando os pensamentos dele em palavras.
— Estamos a uma altitude mais elevada. Aqui devia ser
mais frio, não mais quente.
Fez-se um silêncio breve, ansioso.
— O que havemos de fazer? — exclamou Norris.
E Rowan sentiu instantaneamente o medalhão a ficar
quente como fogo.
16
O BOSQUE
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O caminho foi longo e difícil, mas os companheiros
sentiam-se muito felizes. A sua volta, a neve estava a der-
reter, e a terra despertava de novo depois do Inverno
longo e frio.
Quando chegaram ao local onde a água corria até
Rin vinda do topo da Montanha, eles encontraram três
figuras ajoelhadas a encher os seus cantis no lago.
Jonn. Jiller. Allun.
Rowan ficou a olhar para eles, incrédulo.
Os três que estavam à beira do lago ergueram os
olhos, e sorrisos de alegria pura espalharam-se pelos seus
rostos. Jiller atirou-se, com um grito, para os braços de
Rowan. Allun e Jonn fizeram o mesmo e, ao fim de pouco
tempo, os quatro companheiros faziam parte de um alegre
círculo.
— Como é que podem estar aqui? — exclamou
Rowan. — Como é que podiam saber que era seguro re-
gressar?
— Não sabíamos — respondeu Allun alegremente.
— Pelo contrário. Na verdade, nós pensávamos que está-
vamos a entrar na boca da morte.
— Quando o Allun nos disse que tinha visto a Zeel
lá em cima, a dirigir-se apressadamente para Rin, receamos
que algo de novo e muito grave tivesse acontecido — dis-
se Jonn. — Não podíamos prosseguir a viagem. Tivemos
que voltar para trás.
— A Marlie e a Annad também voltaram — disse
Jiller. — Elas estão na aldeia, com a Lann e a Bronden.
Nós viemos à sua procura... para os ajudar, se pu-
déssemos. Embora agora seja óbvio que não precisam de
qualquer ajuda.
— A Lann? A Bronden? — perguntou Rowan an-
siosamente. — Elas estão...?
— Estão as duas bem — disse Allun. — A Bron-
den ainda está muito fraca, mas está a recuperar... embora
seja possível que venha a ter uma recaída quando des-
cobrir que a Lann fez fogueiras com toda a mobília da
aldeia. Ela tem uns dias muito ocupados à sua frente.
Rowan olhou para Zeel.
— Madeira velha, inútil? — murmurou ele.
Zeel encolheu os ombros. Mesas e cadeiras não
significavam nada para ela.
— E, a propósito, Rowan — prosseguiu Allun. —
A Sheba diz que o medalhão que te deu pode parecer um
metal vil, mas ele é feito de ouro puro, e ela está a contar
que o devolva assim que regressar. Ela diz que, inde-
pendentemente do que possas pensar, você nunca poderia
ocupar o seu lugar.
— Folgo muito em ouvir isso — disse Rowan com
sinceridade.
— Como pode perder tempo com disparates a res-
peito de mobílias e da Sheba, Allun! — repreendeu-o Jil-
ler. — O Tempo Frio está a chegar ao fim! Podemos ver a
prova disso por todo o lado à nossa volta! Estes jovens
corajosos conseguiram salvar-nos a todos. Mas como?
Como?
Ela virou-se para Rowan, e o seu rosto manchado
de lágrimas irradiava felicidade e orgulho.
— Conte-nos! — suplicou ela. — O que aconteceu
na Montanha? O que descobriram que alterou tanta coisa,
tão depressa? Onde estão os bukshah?
Rowan sentia-se demasiado emocionado para con-
seguir falar. E, em todo o caso, ele mal sabia por onde
começar.
— Sem dúvida que, a seu tempo, eles nos contarão
tudo — disse Jonn calmamente, colocando a mão no om-
bro de Rowan. — Já sabemos o mais importante. Estas
quatro almas estão salvas. O longo Inverno terminou. E
os habitantes de Rin podem voltar para casa.
Os olhos de Rowan cruzaram-se com os de Norris,
Shaaran e Zeel. Ele pensou em tudo o que eles tinham
para contar. Pensou na pequena e triste trouxa que trazia e
no local onde a enterraria, com honra, debaixo da grande
árvore de Rin. Pensou no sofrimento, na dor, nos erros e
no desperdício de séculos.
Depois pensou no futuro e sorriu.
— Sim — disse ele. — Os habitantes de Rin po-
dem finalmente voltar para casa.
Digitalização: Yuna