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EMANUEL MARTINEZ

Denise Sartori
Pedro Goria
Rosemari Brack

REGÊNCIA CORAL
PRINCÍPIOS BÁSICOS
EMANUEL MARTINEZ
Denise Sartori
Pedro Goria
Rosemari Brack

REGÊNCIA CORAL
Princípios Básicos da Regência
Técnicas de Ensaio e Estudo
Exemplos Musicais
Análise dos diversos estilos e épocas
Macetes
Exercícios Práticos
Voz:
Cuidados e Exercícios Básicos

Curitiba, 2000
REGÊNCIA CORAL
PRINCÍPIOS BÁSICOS
Depósito legal junto à Biblioteca Nacional, conforme decreto n° 1823, de 20 de dezembro de 1907
Desenhos
PEDRO GÓRIA
Editoração Musical Eletrônica
ANTONIO MARIANO THOMAZINI
Correção Ortográfica
MARIA CECÍLIA ZARDO

Editora
DOM BOSCO
AV. DESEMBARGADOR HUGO SIMAS, 1220 - BOM RETIRO - CURITIBA-PR
CEP 80520-250 - FONE/FAX: (41) 331-5300

Desktop Publishing
GILBERTO SOARES DOS SANTOS
Diagramação
ANDRÉ DIAS
ADILSON GALVÃO
GILBERTO SOARES DOS SANTOS
Capa
ANDRÉ DIAS
Apoio
PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA
FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA
LEI DE INCENTIVO Á CULTURA DE CURITIBA
Patrocínio
COLÉGIO DOM BOSCO — CURITIBA-PR

Ficha catalográfica preparada pela


Index Consultoria em Informação e Serviços S/C Ltda.

Martinez, Emanuel
M385 Regência coral: princípios básicos / Emanuel Martinez; colaboradores
Denise Sartori, Pedro Goria, Rosemari Brack. — Curitiba:
COLÉGIO DOM BOSCO, 2000.
1ª edição - tiragem: 2000
222 p.

1. Regência de coros. 2. Música coral. 3. Voz.


I. Sartori, Denise. II. Goria, Pedro. III. Brack, Rosemari. IV. Título.

CDD (20. ed.) 784


CDU (2. ed.) 784
Dedico este trabalho aos meus pais, VITOR e MARIA EDITE MARTINEZ,
pelo carinho e amor que sempre dispensaram, tanto nos momentos gratificantes,
como nos momentos mais difíceis de minha vida.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................................ 11
Maestro Alceu Bocchino ................................................................................................................................. 11

TÓPICO 1 ........................................................................................................................................................ 13
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................. 13

TÓPICO 2 ........................................................................................................................................................ 16
UM BREVE CONCEITO HISTÓRICO ........................................................................................................ 16

TÓPICO 3 ........................................................................................................................................................ 20
ORGANIZANDO UM CORO ....................................................................................................................... 20
I - Coro ligado a algum tipo de instituição ........................................................................................ 21
II - Coro independente ........................................................................................................................ 24
III - Atividades paralelas ...................................................................................................................... 28
IV - Arquivo musical ........................................................................................................................... 29
V - Abreviaturas ................................................................................................................................. 30
VI - Teste seletivo ................................................................................................................................ 31

TÓPICO 4 ........................................................................................................................................................ 33
TIPOS DE CORAL ........................................................................................................................................ 33
I - Madrigal ....................................................................................................................................... 35
II - Coro de Câmera ............................................................................................................................ 36
III - Coral Sinfônico ............................................................................................................................. 36
IV - Coro Lírico .................................................................................................................................. 37

TÓPICO 5 ........................................................................................................................................................ 38
SER UM MAESTRO ..................................................................................................................................... 38

TÓPICO 6 ........................................................................................................................................................ 41
ESCOLHA DO REPERTÓRIO ..................................................................................................................... 41

TÓPICO 7 ........................................................................................................................................................ 44
ESTUDO DA PARTITURA .......................................................................................................................... 44
1. ANÁLISE EXTRUTURAL DO TECIDO MUSICAL ................................................................... 45
2. AUDIÇÃO INTERIOR DA OBRA MUSICAL ............................................................................. 56
TÓPICO 8 ........................................................................................................................................................ 58
ESTILO MUSICAL ...................................................................................................................................... 58
Considerações gerais .............................................................................................................................. 58
I - Período de 1400 – 1550 .......................................................................................................... 63
II - Período de 1550 – 1590 .......................................................................................................... 71
III - Período de 1590 – 1670 ......................................................................................................... 79
IV - Período de 1670 – 1760 ......................................................................................................... 86
V - Período de 1760 – 1820 .......................................................................................................... 94
VI - Período de 1820 – 1890 ......................................................................................................... 96
VII - Período após 1890 ................................................................................................................. 99

TÓPICO 9 ...................................................................................................................................................... 108


ACOMPANHAMENTO INSTRUMENTAL ............................................................................................... 108

TÓPICO 10 ....................................................................................................................................................... 110


COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL .............................................................................................................. 110
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 110
I - CONTATO VISUAL ................................................................................................................ 111
II - GESTUAL ............................................................................................................................... 112
Configurações Básicas do Gestual .......................................................................................... 113
1. Compassos Simples e Compassos Compostos ............................................................ 113
2. Compassos Simples e Compassos Compostos Subdivididos ...................................... 114
3. Compassos Irregulares ................................................................................................. 115
4. Anacruse e Ataque ....................................................................................................... 116
5. Corte ............................................................................................................................. 117
6. Fermata e Corte ............................................................................................................ 118
7. Fermata, Corte, Anacruse e Ataque ............................................................................. 119
III - POSTURA ............................................................................................................................. 120

TÓPICO 11 ......................................................................................................................................................... 121


TÉCNICAS DE ENSAIO ............................................................................................................................ 121
1. Relaxamento ................................................................................................................................. 121
2. Técnica vocal ................................................................................................................................ 121
3. Aquecimento ................................................................................................................................. 122
4. Ensaio ............................................................................................................................................ 122

TÓPICO 12 ...................................................................................................................................................... 130


LOCAL DE TRABALHO ........................................................................................................................... 130
I - Auditório ..................................................................................................................................... 130
II - Ar livre ........................................................................................................................................ 131
III - Sala de ensaios ............................................................................................................................ 131
TÓPICO 13 ...................................................................................................................................................... 133
O CONCERTO ............................................................................................................................................. 133
1. Coro a cappella ............................................................................................................................. 133
2. Coro com orquestra e/ou conjunto instrumental ........................................................................... 134
3. Considerações Finais .................................................................................................................... 138

TÓPICO 14 ...................................................................................................................................................... 141


REGENDO UM RECITATIVO ................................................................................................................... 141

TÓPICO 15 ...................................................................................................................................................... 148


VOZ ...................................................................................................................................................... 148
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 148
2. ARTICULAÇÕES ........................................................................................................................ 150
EXERCÍCIOS DE ARTICULAÇÃO – 1 ..................................................................................... 151
EXERCÍCIOS DE ARTICULAÇÃO – 2 ..................................................................................... 154
III - ANATOMIA E FISIOLOGIA DO SISTEMA VOCAL ............................................................. 155
Denise SARTORI .......................................................................................................................... 155
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 155
RESPIRAÇÃO .............................................................................................................................. 155
LARINGE ..................................................................................................................................... 165
RESSONÂNCIA E ARTICULAÇÃO .......................................................................................... 176
GLOSSÁRIO ................................................................................................................................ 182
IV - A PREPARAÇÃO VOCAL DE UM CANTOR ......................................................................... 185
Pedro GORIA ............................................................................................................................... 185
RESPIRAÇÃO .............................................................................................................................. 185
IMPOSTAÇÃO VOCAL .............................................................................................................. 186
CLASSIFICAÇÃO VOCAL ......................................................................................................... 189
VOCALIZES PRÁTICOS E ESPECÍFICOS PARA RECURSOS VOCAIS .............................. 193
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 196
V - O CANTOR E SUA PRECIOSA VOZ ...................................................................................... 197
Rosemari Magdalena BRACK ...................................................................................................... 197
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 197
APARELHO FONADOR ............................................................................................................. 197
HIGIENE VOCAL ........................................................................................................................ 199
DISFONIAS .................................................................................................................................. 202
SINAIS DE ALERTA ................................................................................................................... 203
FONOTRAUMAS ........................................................................................................................ 204
CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 205
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................... 206
TÓPICO 16 ...................................................................................................................................................... 207
DINÂMICA DE GRUPO PARA CORO .................................................................................................... 207
I - Introdução ................................................................................................................................. 207
II - Exercícios práticos .................................................................................................................... 208
1 - Conhecendo os colegas ........................................................................................................... 208
2 - Conhecimento do grupo .......................................................................................................... 209
3 - Relaxamento lombo – intercostal ........................................................................................... 210
4 - Relaxamento facial .................................................................................................................. 210
5 - Afinação I ................................................................................................................................. 211
6 - Afinação II .............................................................................................................................. 212
7 - Respiração ............................................................................................................................... 212

SUGESTÕES DE LEITURA E BIBLIOGRAFIA .......................................................................................... 214

INDICE REMISSIVO ....................................................................................................................................... 216

LISTA DE FIGURAS DE ANATOMIA ........................................................................................................... 220


Emanuel Martinez

APRESENTAÇÃO

Caro colega Emanuel Martinez,

Há alguns anos, o maestro Oscar Zander pediu-me que examinasse sua obra sobre Regência Coral.
Pareceu-me, na ocasião, tratar-se de um trabalho completo, ao qual não economizei palavras de louvor,
que ainda hoje sustento.
Percebo agora, ao examinar REGÊNCIA CORAL — Princípios Básicos, de sua autoria, com a
colaboração de Denise Sartori, Pedro Goria e Rosemari Brack, aquele algo mais que em outros tempos
faltava aos coralistas e aos professores de canto: a fisiologia vocal e sua aplicação no estudo dos canto-
res, sejam eles solistas ou não.
Mas vou além. Sua experiência na preparação de obras coral-sinfônico de vulto como, por exemplo,
a Nona Sinfonia de Beethoven e algumas óperas demonstrou cabal competência, que aprovei e aplaudi
sempre.
Levado pelo entusiasmo da leitura, recomendo Princípios Básicos da obra Regência Coral, de sua
autoria, como manual indispensável àqueles que se dedicam à nobre arte. Parabéns. Receba o abraço do

Maestro Alceu Bocchino

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Regência Coral: Princípios Básicos

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Emanuel Martinez

Tópico 1
INTRODUÇÃO

“Quando as pessoas tiverem aprendido a amar a música por elas próprias,


quando ouvirem com outros ouvidos,
o seu prazer será de ordem bem mais elevado e mais potente,
o que lhes permitirá então apreciar a música num outro plano
e lhes poderá revelar o seu valor mais intrínseco.”
Igor STRAWINSKY

N o Brasil, o maestro depara-se com um grande número de dificuldades. Entre elas estão a falta de
preparo dos maestros e a distância a que se encontram dos grandes centros onde existem cursos.
Para atenuar um pouco esses problemas, resolvi escrever este livro, e, para complementar bem o tema
relacionado à voz, solicitei a ajuda de alguns colegas que prontamente escreveram sobre seus temas. É
bom deixar claro que este exemplar não substitui a escola e muito menos os professores, mas é uma forma
de tentar ajudar o maestro a solucionar alguns problemas que possam surgir na aplicação de seu trabalho.
No dia-a-dia de meu trabalho e em cursos que ministro por todo o país, tenho observado as dificulda-
des que os regentes encontram para superar certos obstáculos e também tenho ouvido sendo que muitos
regentes levantam diversas questões sobre temas ligados ou não ao gestual do maestro.
Como hoje em dia a visão do maestro é mais abrangente, ele deve possuir outros conhecimentos além
do gestual. Dessa forma, ele poderá estabelecer critérios e normas, por exemplo, para um certo espetáculo
acontecer ao ar livre. Infelizmente, os livros disponíveis no mercado, tanto em língua portuguesa quanto
em outros idiomas, trazem abordagens muito específicas do gestual da regência, de técnica vocal, de

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Regência Coral: Princípios Básicos

assuntos médicos ligados à voz, etc., conhecimentos indispensáveis a qualquer maestro, mas não abordam
temas que, na vida real, também são tão importantes.
Na maior parte das vezes, o maestro aprende seu métier no dia-a-dia do trabalho; descobre como
fazer, fazendo. Comigo aconteceu assim em diversas áreas, e, com toda a certeza, isso acontece a todos os
maestros, inclusive maestros de orquestra.
Quando concluímos um curso de regência, achamos que sabemos tudo o que é necessário para dirigir
um coro ou uma orquestra, mas nesses anos de atividade como maestro profissional, cheguei à conclusão
de que não é bem assim. Há muitas áreas, como o palco e suas características, o tipo de iluminação
apropriada para uma apresentação musical, as técnicas variadas do canto para cada situação e para cada
voz, cuidados ligados às áreas médicas, entre outros temas, que fogem ao domínio do maestro, pelo me-
nos em parte.
Espero que este trabalho, além de trazer informações, possa facilitar sua atividade profissional e
despertar maior interesse pela pesquisa, com um único objetivo: melhorar o resultado final de seu traba-
lho. Ao final do livro e ao final dos textos de meus colegas, existe uma ampla bibliografia, que poderá ser
ponto de apoio para o maestro entender melhor os assuntos expostos e ampliar seu horizonte em outras
áreas.
A arte de dirigir não é só o “abanar das mãos” diante de um coro ou de uma orquestra. Hoje, o
trabalho é muito mais abrangente e exige do maestro talento, sensibilidade, cultura geral, conhecimento
musical, domínio das técnicas de regência e ensaio, conhecimento das principais técnicas de emissão
vocal, noções básicas de acústica, conhecimentos básicos de iluminação, cenários e utilização dos espa-
ços, entre muitos outros pontos.
Um outro aspecto essencial para o maestro e que se torna uma condição indispensável, sem a qual ele
não pode exercer sua atividade, é a arte de liderar. Entre todos os aspectos necessários ao bom desempe-
nho de sua atividade profissional, esse é um dos pontos mais importantes. Um maestro que não possui
essa qualidade está predestinado ao fracasso, pois a liderança é essencial para o trabalho do regente.
É indispensável ao maestro de coro possuir uma boa formação vocal. Mas por que o maestro deve ter
essa formação se ele não é cantor? A resposta é simples: como ele trabalha com cantores, deve conhecer
os principais mecanismos da emissão vocal. Além disso, o músico que ele dirige utiliza um instrumento
extremamente sensível, que não pode ser levado para um liutaio1 consertá-lo. Se o maestro não tiver
conhecimentos suficientes pode prejudicar a capacidade vocal de um cantor para sempre.
A atividade de regente também requer o domínio de um instrumento de teclado, como o piano ou o
órgão. Sem esse conhecimento, o profissional encontrará dificuldades em seu estudo pessoal e em seu
trabalho.

1Liutaio– também chamado de “lutier”, é um profissional especializado na manutenção e na construção artesanal de


instrumentos musicais, ou seja, não utiliza máquinas de produção industrial.

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Emanuel Martinez

O maestro também deve dedicar muitas horas à pesquisa e à atualização de seus conhecimentos.
Para avaliar as dificuldades próprias da profissão, seria interessante que o regente participasse de um
grupo como coralista. Muitos regentes que não possuem essa experiência tratam os coralistas de maneira
incorreta, exigindo deles o que muitas vezes ele não sabe e não conhece.
O relacionamento entre o maestro e os cantores deve aliar profissionalismo e cordialidade. Muitos
maestros acham que com humilhação conseguem obter os resultados esperados. Por vezes até conse-
guem, mas essa não é maneira correta de se trabalhar. O regente não deve perder de vista que os cantores
são colegas de trabalho dos quais ele depende e que, assim como ele, desejam atingir os melhores resulta-
dos. Isso quer dizer que o maestro deve permitir que aconteça tudo durante os ensaios e as apresentações?
Não, de forma alguma. O maestro deve ter pulso firme e chamar a atenção, com energia, sempre que
necessário ou até mesmo punir, mas sempre tendo como limite o respeito e a consideração a um colega,
um profissional, assim como ele. Muito se consegue com educação, respeito e profissionalismo. Tenho
certeza de que o maestro que consegue produzir um ambiente de respeito mútuo alcançará desempenhos
superiores aos daqueles que destratam seus companheiros de trabalho.
O material que segue foi baseado nos conhecimentos acadêmicos adquiridos ao longo de anos de
estudo e na experiência dos anos de atuação com diversas orquestras e diversos tipos de coro no país e no
exterior, em igrejas, empresas, universidades, escolas regulares, conservatórios e em teatros profissionais.
Essas informações, como já mencionei anteriormente, são apenas uma abertura para o início de um
interminável caminho. Ninguém deverá utilizar este material como um ponto final em seus conhecimen-
tos. Todos os tópicos tratados aqui são como um pequeno mapa que indica o caminho e ajuda o maestro
durante seu trabalho.

maestro Emanuel Martinez

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Regência Coral: Princípios Básicos

Tópico 2
UM BREVE CONCEITO HISTÓRICO

N ão existem muitas informações sobre o início da atividade do regente tal como a conhecemos hoje,
no entanto, podemos supor a existência desse “personagem” na antigüidade se observarmos os cos-
tumes dos povos antigos. Em cada povo, sempre existiu um líder, responsável por iniciativas como come-
çar uma dança ou ser o antifoneiro que entoava a primeira frase musical ou rítmica para os demais respon-
derem no mesmo tom e no mesmo ritmo. Infelizmente, pouco se sabe sobre os povos antigos, pois eles
não possuíam uma escrita. O que conhecemos hoje deve-se às descobertas obtidas em diversos sítios
arqueológicos e visualizadas por meio de figuras e esculturas.
Apesar disso, esse tipo de manifestação até hoje é muito comum entre tribos indígenas e alguns povos
orientais. Os chefes e os líderes tribais tinham a incumbência similar à que possuímos hoje: dirigir, reger
ou coordenar grupos de música ou dança.
Entre os povos antigos, os gregos foram os que deixaram o maior legado dentro das artes, da filosofia
e da ciência. Documentos antigos revelam a existência de fundamentos de regência e de direção: a marca-
ção ruidosa por meio de batidas de bastões, marcações precisas por meio de instrumentos musicais ou
comandos de voz. Esses procedimentos mantiveram-se por muitos séculos.
Um outro processo de regência que se tem notícia vem da antiga Índia. Trata-se do uso da mão
védica, que consistia na exteriorização do desenrolar rítmico ou melódico, por meio de movimentos da
mão, reforçados com a utilização de movimentos da cabeça e do corpo.
Na música dos gregos, havia uma união entre a poesia, a música e a dança, todas as artes das musas.
A música entre os gregos era usada com muitos objetivos, entre eles domar animais e provocar êxtase
psicológico, este último ainda buscado por povos do oriente. A música grega acompanhava as tragédias,
os recitados melodramáticos, os diálogos e a dança. O instrumental mais utilizado para o acompanhamen-
to eram as cítaras, os aulos e diversos instrumentos de percussão. As vozes tinham funções muito impor-

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Emanuel Martinez

tantes nesse contexto. Já que não havia harmonia como conhecemos hoje, o elemento melódico foi muito
desenvolvido. Utilizavam-se coros cujo diretor era chamado de Chóregos, uma espécie de coordenador
de música, que também podia atuar nos dramas e na dança. Era considerado o superior, o mais importante,
comparável ao maestro que rege uma ópera atualmente. Utilizava-se a batida dos pés como referencial.
Sabe-se que seus calçados possuíam lâminas de metal para aumentar o ruído. Sabe-se também que algu-
mas vezes o diretor regia com as mãos indicando o tempo forte do texto com movimentos descendentes.
O ritmo da música era sempre associado à palavra.
Na Idade Média, mantiveram-se os processos da antigüidade, no entanto, um novo pensamento pas-
sou a dominar as artes: a religião. O cristianismo dominou todas as manifestações artísticas. Essa atuação
da igreja provocou o surgimento de duas correntes: a oficial, dominada pela música religiosa e a não
oficial, considerada música profana. A música profana era desprezada pelos praticantes da música sacra,
que tentavam convencer todos os praticantes daquela música sobre os efeitos maléficos que poderia pro-
duzir no homem.
O maior referencial da música religiosa da Idade Média é o canto gregoriano, idealizado pelo papa
GREGORIO I (540—604). Sua música era monódica, ou seja, provida de uma só melodia, e o ritmo era
determinado pelo texto. Pode-se notar uma semelhança com a música antiga dos gregos, no entanto, um
novo elemento, a doutrina cristã, passava a influenciar essa música.
Com o aperfeiçoamento da música, sentiu-se a necessidade de um dirigente, que também integrasse o
coro e, com pequenos movimentos de cabeça, coordenasse a execução. Além disso, utilizava-se a mão
quirônica, ou seja, os movimentos da mão acompanhavam os movimentos neomáticos do texto. No canto
gregoriano, os neumas, figuras preestabelecidas, representavam as durações — valores longos e curtos
—, os movimentos ascendentes e descendentes dos sons musicais, etc. A dinâmica era determinada pela
acentuação do texto. O canto gregoriano, em sua origem, era baseado em movimentos melódicos por
graus conjuntos. As alturas eram indefinidas e, quando havia a necessidade de um salto de terça, por
exemplo, o condutor indicava-o com um movimento maior de sua mão.
A definição de ritmos e de alturas precisas foi estabelecida por Guido d’AREZZO (995—1050), e,
sem dúvida, esses novos elementos facilitaram a execução universal da música. Fruto do processo de
reformulações musicais, o novo sistema, a chamada notação mensural, tornaria alturas e durações muito
mais precisas.
Com esse novo sistema, a atuação do regente ficou mais definida. Quando surgiu a polifonia, a inde-
pendência musical das vozes veio associada à independência do texto. Obviamente, a pluralidade do texto
e a independência das vozes originaram uma gama de efeitos diferenciados e deslocados, desobrigando a
atuação do regente. Por esse motivo, a função do regente passou a ser secundária: restringia-se à manu-
tenção de movimentos, pelos quais todos se orientavam, à preparação e ao ensino de músicos e cantores.
Na Renascença e no Barroco, a tendência musical mudou radicalmente. A música tornou-se mais
individualista ao contrário do que era até então. As técnicas polifônicas já existentes incorporam-se à
música e a um novo sistema, a homofonia harmônica, que deu origem ao canto acompanhado e abriu a
possibilidade do improviso e da ornamentação.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Nessa época, surgiram dois caminhos distintos:


1. estilo concertante: nota-se uma polaridade entre o solista e o tutti da orquestra. Essa polari-
dade deu evidência e importância ao solista, surgindo daí um trio inseparável — o regente, o
solista e o tutti da orquestra.
2. individualismo: esse novo conceito insere elementos profanos na música, muitos deles fun-
damentados no folclore de cada região, rompendo com a música cristã.
A música tornou-se mais rítmica porque associou formas que até então eram próprias da dança. Além
disso, novos elementos eram adicionados: princípios harmônicos em contraste com o princípio linear da
polifonia, a imposição de um sistema tonal, princípios fraseológicos determinando o fundamento de uma
frase musical e o surgimento do baixo contínuo em que o tecladista (cravista ou organista) improvisava
sobre cifras.
A função do regente passou a ser mais clara. Inicialmente, o gestual do regente limitava-se a movi-
mentos ascendentes e descendentes, que indicavam apenas o tempo forte para baixo (tesis) e o tempo
fraco para cima (arsis), mesmo em compassos ternários. O tempo forte, o primeiro tempo, poderia se
prolongar sobre a segunda nota com um movimento descendente do braço. Mas se o segundo tempo
estivesse ligado a um tempo fraco, esse tempo e o terceiro seriam indicados para cima.
Vale ressaltar que a presença do regente nem sempre era necessária em apresentações de pequenos
conjuntos, mas era indispensável para grandes conjuntos vocais e instrumentais, como nas obras de Giovanni
GABRIELI (1557—1612). O compositor escreveu obras para múltiplos conjuntos vocais e instrumentais
com solistas. Como os grupos se posicionavam em lugares diversos nas igrejas, havia a necessidade de
mais de um regente, todos subordinados a um regente principal.
A direção, nessa época, também era feita pelo cravista ou pelo spalla da orquestra na falta de um
cravista. Quando o cravista dirigia uma apresentação, utilizava movimentos de cabeça, mão e corpo. Com
o declínio do baixo contínuo, a direção a partir do cravista ou do organista perdeu espaço e importância
para o spalla, o que era muito mais prático, pois com uma das mãos, com o arco ou com um leve movi-
mento de cabeça coordenava tudo.
Os sinais atuais baseiam-se nesse gestual. Com a ampliação da orquestra, proposta por Joseph
HAYDN (1732—1809), o aperfeiçoamento da regência foi inevitável e exigiu soluções cada vez mais
técnicas.
Com o surgimento da ópera francesa com Jean-Baptiste LULLY (1632—1687), houve o desdobramento
dos instrumentos de corda como recurso expressivo e artístico. Lully utilizava um bastão do tamanho de
um homem para reger. Evidentemente que esse bastão impossibilitava certos movimentos expressivos da
regência atual, limitando-se a movimentos ascendentes e descendentes. Com a soberania do primeiro
violino na condução melódica, esse tipo de marcação não fazia mais sentido. Os franceses iniciaram a
marcação dos tempos de compassos ternários e quaternários. A marcação de dois movimentos, ascendente
e descendente, nos compassos ternários, também já não era aceita. O discurso musical discorria e devia
haver um gestual que acompanhasse essa movimentação melódica com mais precisão.

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Emanuel Martinez

Os franceses passaram a adotar o seguinte critério, baseado no eixo do corpo humano: o compasso
quaternário teria o segundo tempo marcado na direção do corpo; o terceiro seria marcado para fora do
corpo de forma lateral; e o quarto tempo, para cima. No compasso ternário, o segundo tempo era marcado
na direção do corpo, e o terceiro tempo, para fora do eixo do corpo. Bem mais tarde, definiu-se que, no
compasso ternário, o segundo tempo seria marcado para fora do corpo e o terceiro tempo, para cima —
procedimento utilizado até hoje.
Os alemães durante muito tempo praticaram movimentos ascendentes e descendentes. O compasso
quaternário era marcado duas vezes para baixo e duas vezes para cima; no ternário, dependendo da acen-
tuação, marcava-se duas vezes para baixo e uma para cima, ou uma vez para baixo e duas para cima. Já os
italianos, além dos movimentos ascendentes e descendentes, utilizavam uma técnica diferente, chamada
de ondeggiando la mano, um tipo de regência que utilizava um movimento ondular das mãos. Mais tarde,
essa técnica foi empregada para marcar as subdivisões de tempos em andamentos lentos.
Com a escola de Mannheim e o surgimento de novas técnicas de composição, as partituras ficaram
mais detalhadas, com indicações precisas de andamentos e de dinâmica. A partir daí nasceu de forma
oficial a carreira de regente.
A regência com batuta logo foi absorvida por todos os países da Europa. Surgiram defensores desse
utensílio da regência, tais como Carl Maria von WEBER (1786—1826), Louis SPOHR (1784—1859),
Gaspare SPONTINI (1774—1851), Felix MENDELSSOHN-BARTHOLDY (1809—1847), Hector
BERLIOZ (1803—1869) e Richard WAGNER (1813—1883).
A batuta inicialmente não possuía o formato que hoje conhecemos; eram usados rolos feitos com
alguma partitura. Alguns regentes, como Luigi CHERUBINI (1760—1842), Gaspare SPOTINI (1774—
1851) e Carl Maria von WEBER (1786—1826) utilizavam um rolo de couro, que era seguro pelo meio.
Com o passar dos anos, o formato da batuta se alterou, e as técnicas de empunhadura evoluíram: o objeto
passou a ter uma das extremidades afilada e passou-se a segurá-lo pela ponta mais grossa e não mais pelo
meio. A batuta, agora muito mais leve e elegante, passou a desempenhar uma função metronômica e
tornou-se bem visível, como um prolongamento do braço do regente sobre o agrupamento musical.
Quando os maestros profissionais passaram a dirigir orquestras e coros por toda a parte, foi necessá-
rio padronizar o gestual para torná-lo universal. Dessa forma, em qualquer lugar do mundo, uma orques-
tra ou um coro poderia receber qualquer regente, pois a linguagem seria sempre a mesma.
Portanto, o regente, seja ele profissional ou amador, sua própria personalidade, seu estilo próprio de
dirigir, deve seguir um padrão básico e universal.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Tópico 3
ORGANIZANDO UM CORO

“Cantar é o fundamento da música


em todos os seus aspectos.”
G. F. TELEMAN.

C abe ao maestro, ao criar um coro, verificar quais são os objetivos a alcançar para determinar
quais caminhos seguir. O grupo está vinculado a alguma escola de música, universidade ou escola
regular de ensino (primeiro, segundo e terceiro graus) ou vai ser uma associação independente? É um
coro de clube, de igreja ou ligado a alguma empresa?
Depois de se estabelecer o tipo, deve-se definir quais são os objetivos desse grupo:
a) encontro social;
b) litúrgico;
c) diversão;
d) educacional;
e) atividades artísticas;
f) comercial, etc.
A seguir, passo alguns pontos importantes a serem observados no funcionamento e organização de
um coro.

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I — CORO LIGADO A ALGUM TIPO DE INSTITUIÇÃO


O maestro deve estar se perguntando se é só selecionar as vozes e começar a cantar. Se o coro já
existe e se é dependente de alguma instituição, quais são os objetivos desse grupo? Pode-se suprir as
necessidades ou o maestro assume o que já existe e aos poucos vai moldando de acordo com suas aspira-
ções e de acordo com sua visão?
Que problemas um coro ligado a alguma instituição pode trazer para o maestro?
O coro ligado a alguma instituição oferecerá problemas comuns que vão exigir do maestro certas
atitudes:
1. coro de empresa: o maestro deve manter um bom relacionamento com o diretor da empresa ou
com o gerente ao qual ele está subordinado. O diálogo deve se restringir à atividade profissional
para a qual ele está sendo contratado e ter o objetivo de melhorar a qualidade musical do grupo
ou de tentar resolver assuntos que contribuam para um melhor desempenho do coro.
A seguir, alguns aspectos importantes que o maestro deve observar para que o coro de empresa possa
ter um bom desempenho:
a) local de ensaios e/ou apresentações dentro e fora da empresa;
b) horários mais convenientes para conseguir reunir o máximo possível de cantores;
c) instrumento harmônico (piano ou órgão/teclado) para ensaios e apresentações;
d) iluminação adequada para a leitura da partitura;
e) cadeiras apropriadas para ensaios, etc.
Em um coro de empresa, freqüentemente, surgem dificuldades como:
a) a ausência aos ensaios de certos funcionários por diversos motivos, entre eles: reuniões no
horário dos ensaios, telefonemas inesperados, serviços urgentes etc.;
b) cantores “exibidos”, que não têm tempo para ensaiar porque estão irremediavelmente sem-
pre muito ocupados, mas que no dia da apresentação querem se mostrar participativos, can-
tando animadamente.
2. coro de igreja: tem por objetivo criar uma atmosfera propícia ao culto e à adoração. Deve estar
afinado com o oficiante para que a temática do coro complemente a temática do oficiante.
Em um coro de igreja, surgem desculpas como:
a) canto em um outro grupo, tive de ensaiar, vou me apresentar em “tal” lugar;
b) hoje tive de dar atenção à minha família;
c) precisei socorrer alguém necessitado;
d) estou muito cansado do meu trabalho semanal;
e) “a participação em um coro de igreja é voluntária”. Com essa frase tudo é permitido. Será?

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Ou estes problemas:
a) dificuldades para conciliar horários com todos os grupos vocais e/ou instrumentais da igreja,
dentro de um mesmo espaço;
b) muitos cantores estão sempre ocupados em reuniões inadiáveis na comunidade religiosa;
c) egocentrismo de cantores que, por se sentirem indispensáveis para o equilíbrio do coro, não
comparecem a todos os ensaios e sequer justificam a falta.
3. coro de escolas: tem finalidades pedagógico-educacionais, de lazer e participa de cerimônias
cívicas e culturais.
Em um coro de escolas, as desculpas são as mais variadas:
a) meu pai não pôde me trazer;
b) tinha muitos deveres para fazer;
c) tirei notas baixas, e meus pais me deixaram de castigo até recuperar as notas;
d) hoje não estava a fim;
e) estava conversando assuntos sérios com minha namorada;
f) tinha um assunto importante para resolver;
g) participar de um coro é coisa de “bicha”.
E surgem problemas como:
a) falta um local apropriado. Normalmente, a escola libera o ginásio de esportes. Esse local é
péssimo, pois possui grande reverberação, o que prejudica a concentração e a afinação dos
cantores. Às vezes, o local cedido é o melhor da escola: um auditório com cadeiras macias e
confortáveis. Em geral, o conforto excessivo também atrapalha os cantores;
b) falta de um instrumento harmônico disponível para os ensaios e as apresentações do coro;
c) em escolas de música, os alunos são obrigados a participar do coro porque essa disciplina faz
parte da grade curricular. Em muitos casos, essa obrigatoriedade gera inconvenientes. Cabe
ao maestro procurar a direção responsável e solicitar providências.
Em geral, os problemas de um coro não profissional ligado a alguma instituição são muito semelhan-
tes.
Um maestro, ao assumir um coro desse porte, tem de pensar em caminhos não muito ortodoxos para
manter o trabalho num bom nível. Seja qual for o objetivo proposto ao coro, o maestro deve ter em mente
o melhor nível musical que pode ser alcançado e traçar quais são os caminhos para se chegar a esses
objetivos.
Em muitos casos, a instituição, ao contratar um maestro, não quer investir nada. Quer apenas consti-
tuir um coro porque essa atividade cultural traz status para a entidade.

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Para enfrentar essas e outras dificuldades, o maestro deve possuir certas qualidades:
a) organização e visão para definir objetivos claros;
b) liderança e firmeza nas atitudes;
c) ter conhecimentos básicos de psicologia e comportamento humano para entender e ter meios
para contornar as atitudes dos cantores ou de seus chefes;
d) mostrar que seu trabalho é indispensável e de boa qualidade;
e) defender suas opiniões, educadamente, mas com determinação;
f) entender que podem existir dificuldades e tentar encontrar meios de superá-las;
g) convencer os coralistas de que os objetivos são nobres. Com isso, conquistará aliados entre
os cantores;
h) nunca ser unilateral. O maestro deve saber ceder, mas o ideal é que sua palavra seja sempre a
final;
i) ter “jogo de cintura”;
j) nunca esquecer que o diretor da instituição é quem paga seu salário e ele é quem manda na
empresa. O maestro é apenas contratado para realizar um trabalho, que deve ser o melhor
possível. Se o maestro não aceitar as regras da instituição, é preferível deixar esse coro;
k) apresentar um repertório que estimule a participação da maioria dos coralistas;
l) nunca trabalhar sozinho. Delegar tarefas a alguns coralistas. Algumas funções importantes
que podem ser delegadas:
• Arquivista: responsavel por providenciar cópia das partituras para todos os integrantes;
• Direção administrativa: ter sempre alguém do coro que possa fazer a “ponte” entre o
maestro e a direção da instituição para que se resolvam problemas de freqüência, por
exemplo;
• Direção social: alguém que organize festas e encontros para integrar cantores e maes-
tro, programe viagens para trocar experiência com outros coros e agende a participação
em algum festival. O ideal é que as programações do coro sempre estejam vinculadas a
atividades artísticas;
• Tesoureiro: a pessoa que arrecada a verba.
Delegar funções, além de unir o grupo em torno do maestro, facilita o trabalho dele. É importante
que, de tempos em tempos, várias pessoas, escolhidas pelo coro, exerçam tais funções. Essas pessoas
podem se tornar chaves na resolução de diversos obstáculos, ou na resolução de qualquer medida que o
maestro deseje implementar.

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Regência Coral: Princípios Básicos

II — CORO INDEPENDENTE
Existem dois aspectos a ser considerados:
1. o coro já existe, e o maestro está sendo convidado a dirigi-lo;
2. o coro não existe, e o maestro está criando um novo grupo.
Nos dois casos, dirigir um coro independente é muito mais fácil, pois o maestro implantará sua pro-
posta de trabalho, sua disciplina e seu repertório.
Se o coro já existir, o maestro deverá saber por que o coro o está convidando e quais são as reais
intenções da direção ao contratá-lo. Cabe ao maestro ponderar sobre os objetivos esperados e propor
novas metas para que nenhuma das partes se decepcione com os resultados.
A conversa com a diretoria do coro e com os cantores deve ser franca. Antes de aceitar uma incum-
bência definitiva, o maestro pode sugerir que se faça um concerto para sentir como é a acolhida e quais
são as principais dificuldades. Em contrapartida, a direção do coro e os coralistas terão uma melhor visão
dos métodos do maestro. Tem de haver empatia de ambos os lados; do contrário, o relacionamento poderá
ser efêmero.
O coro pode tentar manter um relacionamento artístico com outros maestros, convidados eventual-
mente para dirigir concertos. Em geral, o maestro titular fica desgastado, e o intercâmbio com outros
maestros enriquece o coro e dá maior consistência ao trabalho do titular. O ideal é que o maestro titular
dirija o coro, no máximo, cinqüenta por cento do tempo, e o restante seja dividido entre maestros convida-
dos. O maestro titular deve atuar como diretor artístico de seu coro, ou seja, direcionar a programação do
coral: determinar datas de concertos e sugerir ao maestro convidado o repertório que ele deva dirigir.
Há certas datas, porém, em que jamais o maestro titular deverá convidar outros maestros para dirigir
o coro: abertura e encerramento de temporada, aniversário do coro, datas comemorativas, especialmente
quando houver a presença de autoridades.
Seja qual for o tipo de coro, há a necessidade de enfocar racionalmente todas as atividades de um
grupo vocal. Isso envolve as funções administrativas e sociais, que poderão estar a cargo de uma comis-
são diretiva, sempre integrada por membros do grupo, e as funções artísticas, que são responsabilidade do
maestro ou dos maestros, quando houver mais de um.
Em todas as formas de responsabilidade, administrativas ou sociais, devem ser estabelecidos limites
em cada campo de atuação a fim de não prejudicar o principal objetivo de um coro, que é a atividade
artística em si.
As muitas atividades paralelas de um coro, por sua natureza, escapam às funções de maestro. Eviden-
temente, o maestro não precisa ficar alheio, mas não deve ter sobre si tais responsabilidades. Com toda a
certeza, a estabilidade do grupo depende de se delegar funções a outras pessoas em vez de centralizar as
responsabilidades nas mãos do maestro.

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Emanuel Martinez

Quando um coro é administrado por não coralistas, os maestros devem obrigatoriamente fazer sempre
parte das comissões e opinar, pelo menos sobre as decisões artísticas, pois muitas vezes essas pessoas não
compreendem as reais necessidades do coro e dos cantores.
O trabalho administrativo de um coro pode ser voluntário ou remunerado; isso dependerá da estrutura
do coro. Os principais cargos são os seguintes:
1. Secretário I: tem a função de realizar o registro de cada cantor em fichários ou cadastros em
computador, nos quais devem constar: atividade profissional, data e local de nascimento, RG,
CPF (caso haja salários ou cachês), endereços residencial e comercial, telefones convencionais e
celulares, pager, e-mail, ou seja, tudo o que for necessário e que facilite a localização do coralista;
2. Secretário II: tem a função de arquivar, encaminhar e redigir correspondências do coro;
3. Fiscal: tem a função de controlar a freqüência dos coralistas em ensaios e apresentações e, dessa
forma, disciplinar a participação nos concertos e a permanência no coro. Se houver remuneração,
desconta as faltas. Esse controle pode ser realizado por uma pessoa ou por meio de um livro de
ponto;
4. Chefes de naipe: devem ser coralistas que conheçam bem música, a fim de auxiliar o maestro
nos ensaios de naipes ou esclarecer dúvidas dos outros coralistas. A quantidade de chefes de
naipe dependerá da quantidade de naipes existentes no coro. Por exemplo, um coro composto de
três vozes iguais deve possuir três chefes de naipe;
5. Diretor administrativo: tem a função de coordenar todas as atividades administrativas do coro,
entre elas convocar reuniões da comissão ou do coro para resolver assuntos de interesse coletivo;
6. Diretor financeiro: deverá ser uma pessoa de confiança de todos, pois manipulará dinheiro.
Deverá realizar balancetes periódicos, nos quais constarão a arrecadação, os gastos, os saldos
bancários, etc. No entanto, é a assembléia geral que determinará a forma de utilizar o dinheiro e
estabelecerá limites dentro do estatuto do coro;
7. Diretor social: tem a função de promover reuniões sociais e o lazer;
8. Arquivista: trabalha diretamente com o maestro. Ele recebe as informações das obras a serem
ensaiadas, providencia as cópias, cataloga, distribui e recolhe a cada ensaio e apresentação. É
responsável pela manutenção e conservação de todo o acervo musical;
9. Bibliotecário: classifica livros, CDs, discos, fitas cassete, vídeos, programas, artigos de jornal,
críticas, fotografias e quaisquer documentos que contenham a memória do coro. Esses materiais
deverão ser arquivados em pastas fechadas, catalogadas por ano. Um outro trabalho importante é
a catalogação de material sobre diversos compositores. Dessa forma, quando houver necessidade
de se fazer um programa sobre algum compositor, haverá subsídios suficientes para montar co-
mentários, textos, etc.
Além das atividades acima mencionadas, outras podem ser criadas, como: cursos, seminários, con-
gressos, gravações em vídeo ou em CD, impressão de partituras, ou qualquer outra atividade que possa
promover o coro.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Outros profissionais devem ser contratados pelo coro, como:


a) Fonoaudiólogo: profissional responsável pela prevenção das rouquidões e da fadiga vocal,
além de ser responsável pela higiene vocal e por fornecer orientações médicas e terapêuticas
importantes para a manutenção do aparelho fonador;
b) Pianista: o ideal é se ter um pianista para cada naipe, no entanto, financeiramente isso pode
ser inviável. Recomenda-se que o coro possua, no mínimo, dois pianistas: um ensaiador e
outro correpetidor. O ensaiador limita-se a realizar os ensaios de um ou mais naipes. Já o
pianista correpetidor alia as duas funções: ensaia os naipes e toca todos os ensaios de conjunto;
c) Diretor de marketing: profissional responsável por divulgar as atividades do coro a empre-
sários com o intuito de angariar recursos e, dessa forma, viabilizar os projetos de concertos,
gravações, viagens, ou qualquer outra atividade importante para o coro. Em geral, esse pro-
fissional possui seu próprio escritório e recebe uma porcentagem, entre 10% e 20% depen-
dendo da sua estrutura empresarial, sobre o que o ele arrecadar;
d) Jornalista: profissional encarregado de noticiar as atividades do coro nos meios de comuni-
cação: rádio, TV, jornais, revistas, etc. Em muitos casos, o jornalista trabalha juntamente
com o diretor de marketing. Pode-se conseguir jornalistas conhecidos (que fariam o trabalho
gratuitamente) ou aproveitar os profissionais do próprio escritório de marketing;
e) Preparador vocal: um dos mais importantes profissionais a ser contratado. Sem ele, a qua-
lidade técnica do coro poderá ser comprometida. O preparador vocal realiza o aquecimento
das vozes antes de ensaios e apresentações e realiza um trabalho individual e/ou coletivo
com cada cantor e cada naipe para equalizar a massa sonora dos naipes, adequando-a ao
repertório. O maestro deve destinar pelo menos uma hora diária do seu ensaio para esse tipo
de trabalho.
É importante que se estabeleçam normas para que tudo funcione perfeitamente. Essas normas são
chamadas de ESTATUTO e REGIMENTO INTERNO.
O que deve constar em cada um desses documentos:
ESTATUTO: é difícil concentrar em um só modelo todas as disposições necessárias ao perfeito
funcionamento do grupo. O tipo de estatuto deve estar ligado ao tipo de organização administrativa e
jurídica de um coro. Certos pontos são fundamentais:
a) nome, domicílio e objetivos que norteiam a existência do coro ou da associação;
b) formação do patrimônio social: se possui sede própria e quais são os bens que possui;
c) condições para admissão ou exclusão de um membro;
d) explanação dos direitos e dos deveres de cada integrante;
e) as regras de organização e funcionamento da entidade;
f) as atribuições de cada função administrativa: estabelecer limites e áreas de atuação de cada
membro da comissão administrativa e técnica (pianistas, preparador vocal, fonoaudiólogo e
maestro) e especificar a duração dos mandatos;

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Emanuel Martinez

g) convocação de assembléias gerais, ordinárias e extraordinárias, quais são as regras para con-
vocação e qual é o quorum mínimo para primeira e segunda chamadas;
h) critério a ser adotado para o destino dos bens se houver a dissolução do coro ou da associação.
Esses itens podem orientar a elaboração do estatuto, que deverá ser registrado em cartório para que as
decisões tomadas em assembléia tenham amparo legal diante de uma possível contestação.
Estas são algumas das vantagens de se constituir, legalmente, um grupo vocal:
a) os membros da associação não são obrigados a cobrir eventuais rombos com seus patrimônios;
b) a pessoa jurídica pode adquirir bens móveis e imóveis, receber donativos e heranças;
c) é mais fácil contratar profissionais para exercer qualquer tipo de atividade comercial ou
artística;
d) facilita a obtenção de créditos financeiros com entidades bancárias ou similares;
e) podem beneficiar-se dos fundos de incentivo à cultura minicipais, estaduais ou nacional.
REGIMENTO INTERNO: devem constar normas gerais internas, que não estão estabelecidas nos
estatutos. A redação desse documento é muito importante, pois tudo o que estiver escrito deve viabilizar a
associação.
Um regimento interno pode basear-se nos seguintes tópicos:
a) regime de ensaios: local, quantidade, dias, tipo (naipe ou gerais), duração, obrigatoriedade
ou não de comparecimento aos trabalhos de técnica vocal, etc.;
b) porcentagem mínima de participação nos ensaios. Normas para os ensaios gerais;
c) condições para admissão à associação. Quais são os testes ou as condições mínimas necessá-
rias para participar da associação;
d) obrigações e direitos dos coralistas;
e) cotas sociais dos coralistas. Se os coralistas contribuem ou não mensalmente para a caixa da
associação e como isso será feito;
f) normas gerais para a participação em viagens, tournées, concertos, etc.;
g) vestimenta para concertos e viagens. Definição da roupa para cada tipo de apresentação ou
atividade da associação;
h) normas de uso e responsabilidades pela utilização das partituras ou outros bens da associação;
i) normas que regem dispensas, licenças ou permissões especiais;
j) normas que definem as condutas quando houver faltas a ensaios ou concertos, atrasos, etc.;
k) normas disciplinares diversas;
l) sanções pela violação às normas estabelecidas.
Outras normas, outros direitos, etc. podem ser adicionados. Cada associação tem peculiaridades que
devem ser respeitadas.

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III — ATIVIDADES PARALELAS


Sempre que possível, o coro, por meio da diretoria e do maestro, deve promover atividades paralelas,
tais como:
a) integração social: a vida social de um grupo não consiste apenas em ensaios e apresentações.
A vida social é composta de objetivos comuns que contribuem para melhorar o relacionamento
entre os integrantes. O resultado final de uma apresentação muitas vezes depende desse
relacionamento. Um grupo muito divergente socialmente consegue com muita dificuldade
atingir resultados musicais razoáveis. É extremamente benéfico incentivar laços de amizade
e companheirismo entre todos os integrantes. Esses laços podem ser adquiridos por meio de
viagens, intercâmbio com coros de outras cidades, festas e reuniões sociais informais de
qualquer tipo;
b) jornadas de estudo: projetar diversos cursos, simpósios, encontros ou jornadas. Esse tipo
de evento de alguns dias tem por objetivo aperfeiçoar os integrantes do coro. Nas jornadas
de estudo, serão abordadas técnicas para melhorar o desempenho do cantor e aperfeiçoar os
conhecimentos musicais, especialmente a leitura musical. Esse tipo de atividade contribuirá
para que o coro se desenvolva tecnicamente a cada dia. Em muitos casos, é possível conjugar
a atividade social com a atividade cultural em certos retiros, por exemplo, onde há tempo
para diversão e estudo;
c) apreciação musical: é muito importante realizar, de tempos em tempos, reuniões comenta-
das para ouvir discos e/ou assistir a vídeos. Também é muito importante assistir às próprias
gravações de concertos e apresentações, ou simplesmente ouvi-las, e comentar os pontos
positivos e negativos. Essa atividade melhora a autocrítica e amplia os horizontes artísticos;
d) atividades culturais: é muito importante estimular a freqüência a peças de teatro, balés,
exposições de artes plásticas, óperas e a concertos ao vivo (recitais, concertos instrumentais
e corais), e a todo tipo de manifestação artística. Esse hábito propiciará um aumento gradativo
da capacidade de apreciação artística de cada integrante do coro.

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IV — ARQUIVO MUSICAL
A formação do arquivo musical merece uma atenção especial.
As partituras devem ser acomodadas em pastas ou arquivos específicos para cada obra e colocadas
em estantes, de preferência obedecendo a uma ordem numérica, pois, cada vez que entrar uma nova
partitura, o arquivista não terá de remover todo o arquivo ou parte dele para encaixá-la numa ordem
alfabética. Vejamos um exemplo: o arquivo do coro “X” possui 200 partituras em ordem alfabética. O
maestro resolve incluir no próximo concerto um “Motette” de Johann Sebastian BACH (1685—1750).
Isso significa que, se o coro tiver 60 vozes, necessitará de aproximadamente três pastas para guardar as 60
partituras. Como todas as pastas estão encostadas umas nas outras, o arquivista terá de movimentar todas
as pastas depois de Bach para incluir as 60 partituras.
O ideal é que se use uma seqüência numérica, por ordem de registro de catalogação e independente
da ordem alfabética Deve-se ter um registro em fichas (armazenadas num arquivo ou no computador), em
ordem alfabética, que indiquem: nome do autor, datas de morte e nascimento, nome da obra e qual é a
composição das vozes e/ou dos instrumentos, a extensão de cada voz (indicando-se a nota mais aguda e a
mais grave de cada naipe), duração, idioma do texto, se a obra é polifônica ou homofônica, edição origi-
nal ou cópia, editora e onde está localizado no arquivo. Por exemplo, o “Motette” de Johann Sebastian
BACH (1685—1750) estaria indicado por um número (nº 118), com o qual a obra foi registrada. Dessa
forma, com uma olhada rápida nas estantes, as partituras poderão ser encontradas com facilidade.
Veja como foi cadastrado o “Motette Nº 8” de Bach:

BACH,
Johann Sebastian
(1685—1750)
Motette nº 8
“Sei Lob und preis mit Ehren”
(BWV 231) Duração: 5’
S — C — T — B — “a cappella” Idioma: alemão
Obra homofônica

Soprano — SOL 3 a SOL 4 Edição original


Contralto — LA 2 a RE 4 Edition Bretkopf nº 6298
Tenor — MI 3 a LA 4
Baixo — SOL 1 a RE 3 Pasta de Arquivo — Número: 0118

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V — ABREVIATURAS
Nos catálogos, o cadastramento e fichário de partituras utilizam diversas abreviaturas ou números
para representar instrumentos ou vozes.
Quando indicam, por exemplo, um (S) com letra maiúscula, referem-se ao naipe dos sopranos. Ao
indicar (S2) ou (SII), referem-se ao naipe de segundo soprano e assim por diante.
A indicação de um (s) — com letra minúscula refere-se à voz de solistas. Portanto, quando aparecem
(Ss.), eles se referem à partitura que possui um soprano solista.
A duração de uma obra é indicada desta forma: (5’) para indicar os minutos, e desta forma: (30”) para
indicar os segundos. Quando, em catálogos, aparecem indicações como esta: (5’30”), quer dizer que a
obra possui aproximadamente cinco minutos e trinta segundos de execução musical em concerto.
Existe também um padrão universal para indicar a orquestração de uma partitura.
Toda partitura possui uma ordem fixa, que é a seguinte: flauta, oboé, clarinete, fagote (para as madei-
ras) — trompa, trompete, trombone, tuba (para os metais) — instrumental de percussão e I violino, II
violino, viola, violoncelo e contrabaixo para as cordas. Baseado nessa seqüência que se estabeleceu a
fórmula abaixo. Essa seqüência não muda, o que pode mudar é o número, que indica a quantidade de
instrumentos a serem utilizados.
Como exemplo, será utilizada a orquestração completa da Nona Sinfonia de Ludwig von BEETHOVEN
(1770—1827)
2.2.2.2(Cfg). — 4.2.3.0 — Tno, cordas
Ss., Cs., Ts., Brs., — S, C, T, B.
A tradução da fórmula da partitura da Nona Sinfonia de Ludwig von BEETHOVEN (1770—1827),
de acordo com o esquema acima demonstrado, é a seguinte:
2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes e (um contrafagote) — 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones
e nenhuma tuba — tímpanos e cordas — todo o conjunto do quinteto das cordas (violino 1, violino 2,
viola, violoncelo e contrabaixo). Além desses instrumentos, aparecem vozes de soprano solo, contralto
solo, tenor solo, barítono solo, coro a quatro vozes formado por sopranos, contraltos, tenores e baixos.
Os instrumentos colocados entre parênteses sempre correspondem a instrumentos não muitos usuais,
por exemplo:
2(ott).2(CI).2(Bcl).2(Cfg) — 4.3.3.1 — Tno, cordas
Traduzindo, essa partitura possuirá as seguintes partes:
2 flautas (com piccolo/também chamado de ottavino), 2 oboés (com corne inglês), 2 clarinetes (com
clarone, também chamado de clarinete baixo), 2 fagotes (com contrafagote) — 4 trompas, 3 trompetes,
3 trombones, 1 tuba — tímpanos e cordas — (violino 1, violino 2, viola, violoncelo e contrabaixo).

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VI — TESTE SELETIVO
A realização de uma seleção é muito importante para que o coro tenha cantores de melhor qualidade
e, conseqüentemente, atinja resultados artísticos cada vez melhores. Além disso, testes seletivos dão cre-
dibilidade ao grupo.
O teste seletivo deverá ser feito perante uma banca, na qual estariam presentes, no mínimo, o maes-
tro, o professor de canto e o fonoaudiólogo. Podem-se convidar os pianistas do coro ou algum outro
maestro para que façam parte da banca. Essa é a maneira de o maestro dividir responsabilidades e ter
maior exatidão na escolha de seus candidatos. O maestro não é um expert em voz, a não ser que ele
também seja um cantor, mas ele conhece bem como tudo funciona, por isso visualiza o candidato como
um todo, enquanto os profissionais da voz (professor de canto e fonoaudiólogo) avaliam a parte vocal e
fornecem subsídios para uma escolha mais acertada.
Pode-se achar que é muita gente para avaliar um cantor e que por isso ele se sentiria inibido. Na
verdade, se a equipe souber colocar ao candidato as diversas perguntas com objetividade, ele não se
sentirá agredido. Os que chegam a fazer os testes seletivos são candidatos dispostos a enfrentar esse
desafio, o que já é um ponto positivo.
O ideal é que seja publicado um edital em pelo menos um jornal de grande aceitação pública e que as
rádios e emissoras de TV auxiliem na divulgação. Custa dinheiro? Depende. Se o coro possuir verba para
pagar o edital, será muito bom, mas se não possuir recursos, deverá encaminhar o edital em forma de
notícia, e com certeza todos os meios de comunicação divulgarão a notícia. Por isso é bom manter sempre
um bom relacionamento com a imprensa. Muitas vezes, repórteres comparecem no dia do teste seletivo,
entrevistam os candidatos e a banca e divulgam o fato de uma forma muito mais interessante. Em muitos
casos, é necessária a realização dos testes seletivos em mais de um dia.
Existem diversas maneiras de selecionar um candidato a uma vaga no coro, no entanto, é aconselhá-
vel que o teste seletivo seja feito pelo menos em duas etapas:
1. entrevista: essa etapa é muito importante. É por meio dela que se conhece melhor o candidato.
Ela deve ser rápida e objetiva.
Estas são sugestões de perguntas sobre alguns temas:
a) a experiência que possui como coralista. Saber em quais coros realmente cantou;
b) que voz canta. Essa pergunta é muito importante, pois a partir dela encaminha-se o teste
vocal. Em muitos casos, os cantores cantam outra voz que não é a sua por ter sido mal
selecionada em outro coro;
c) se possui estudos de música e quais são;
d) se já estudou canto com alguém e qual é o nome dessa pessoa;
e) se toca algum instrumento e qual é. Qual é o seu repertório atual no instrumento;
f) que idade possui. Se for menor, deverá possuir autorização escrita dos pais para participar de
espetáculos e viagens. Em muitos casos, a voz do adolescente não está formada. Já com
pessoas de idade mais avançada, poderá ocorrer dificuldade de entrosamento vocal se o coro

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tiver uma predominância jovem. Adolescentes e idosos possuem características vocais bem
diferentes;
g) verificar a disponibilidade para os horários de ensaios e o tipo de repertório que o maestro
deve trazer para o coro;
h) quais são os objetivos ao se candidatar a um coro como este. Muitas pessoas vêm participar
de um coro porque se sentem sozinhas ou para aliviar as tensões do dia-a-dia. Por esse moti-
vo, o maestro deve definir os objetivos de seu coro para saber se pode ou não aceitar certas
justificativas que os candidatos apresentam.
2. teste de aptidões musicais: é uma das partes mais importantes da avaliação, mas que muitos
maestros deixam de lado. É importante que se faça esse tipo de avaliação:
a) exercícios de afinação;
b) exercícios rítmicos;
c) conhecer a extensão vocal;
d) leitura musical. Não se exige do coro o nível de leitura musical que se exige de um
instrumentista. São referências diferentes. Em geral, um cantor, mesmo profissional, não é
muito dedicado ao estudo da música, preocupa-se especialmente com suas qualidades vo-
cais. Mas o cantor deveria obrigatoriamente conhecer música, afinal ele é um músico. No
teste de avaliação, ao se perguntar se toca algum instrumento, já se terá idéia dos conheci-
mentos musicais e do gosto musical. O teste deve utilizar exercícios preestabelecidos, por
escrito, para não demorar muito. Pode-se realizar da seguinte forma:
I solfejo por graus conjuntos num intervalo máximo de uma quinta justa, de preferência
em dó maior;
II ampliar o exercício para uma oitava, observando a extensão vocal de cada cantor;
III apresentar solfejos com diversos tipos de intervalo: terças, quintas, oitavas e outros que
achar conveniente, caso a caso;
IV nos exercícios mais simples, utilizar figuras simples, como semibreves, mínimas e semí-
nimas e, aos poucos, utilizar figuras compostas, alterações, etc.
Possivelmente não se encontrem muitos cantores com conhecimentos musicais para executar a leitura
de um trecho de ópera desconhecido ou uma ária de oratório. Se o coro já possui um certo nível musical,
no edital deverá constar que os candidatos terão de interpretar determinada ária como peça de confronto,
relacionando-se algumas árias de diversos períodos históricos para que o cantor possa escolher algumas
delas conforme especificação do edital. Entre as cláusulas, deve constar uma obra (Lied ou ária) de livre
escolha do candidato, a fim de que ele se sinta à vontade para cantar algo de que goste e demonstrar seu
nível musical e cultural.
Os resultados nunca deverão ser fornecidos imediatamente após o encerramento do teste, para que a
banca possa realmente refletir sem pressões e escolher os melhores candidatos. A listagem dos aprovados
deve ser publicada em um jornal ou afixada em algum edital previamente divulgado.

32
Emanuel Martinez

Tópico 4
TIPOS DE CORAL

E m primeiro lugar, o maestro precisa estabelecer algumas diretrizes de trabalho. Que tipo de coro está
dirigindo ou vai dirigir? Trata-se de um coro com finalidades artísticas, religiosas, ou de divertimen-
to? É constituído por diversos naipes de vozes mistas, iguais ou infantis?
Um coro, em sua formação como conjunto musical, pode ir do uníssono, como no canto gregoriano,
a uma infinidade de vozes2, como aconteceu em muitas obras provenientes da escola franco-flamenga.
Nos séculos XV — XVI, apogeu da polifonia, muitas obras foram escritas com vinte, trinta ou mais
vozes.
Cada voz de um coro pode representar um naipe específico.
Genericamente, quanto às vozes, existem duas categorias de coros:
vozes iguais (masculino, feminino ou infantil)
vozes mistas (vozes masculinas e femininas)
Os coros de vozes iguais podem ser formados pelos seguintes naipes:
vozes iguais masculinas
Tenores I e II, Barítono e Baixo
vozes iguais femininas
Sopranos I e II, Mezzo Soprano e Contralto
vozes infantis
Sopraninos e Contraltinos
2nestecaso, o termo voz/vozes significa uma linha musical escrita para um determinado naipe, por exemplo, um coro a
quatro vozes. Isso significa que o conjunto vocal é formado por quatro partes diferentes, mesmo que o conjunto seja
formado por quatro naipes de vozes iguais.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Os coros de vozes mistas podem ser formados pelos seguintes naipes:


Soprano I e II, Mezzo Soprano e Contralto
para as vozes femininas

Tenor I e II, Barítono e Baixo I e II


para as vozes masculinas

Existem diversas subdivisões para cada naipe, como: soprano ligeiro, spinto, dramático, baixo can-
tante, bufo, profundo, etc. No entanto, em obras para coro, não se levam em consideração essas subdivi-
sões.
Os naipes de um coro são, basicamente, divididos em três categorias:
vozes agudas
(femininas e masculinas)
Soprano e Tenor

vozes médias
(femininas e masculinas)
Mezzo Soprano e Barítono

vozes graves
(femininas e masculinas)
Contralto e Baixo

A classificação vocal é um ponto delicado que gera controvérsias. Primeiramente, a avaliação vocal
de um coro é feita basicamente segundo três critérios:
a) ponto de quebra do registro vocal;
b) constituição da massa sonora, partindo da região central da voz para os seus extremos;
c) extensão da voz3.
Em um certo período da história, utilizou-se uma série de recursos e características vocais que deter-
minaram condutas, consolidadas através dos tempos, e que caracterizam uma época e um contexto histó-
rico musical.

3na avaliação vocal, a extensão da voz é o menos importante. Muitos cantores não possuem adestramento vocal e, por
essa razão, não possuem extensão mínima para um certo naipe, como por exemplo: um soprano possui em geral uma
extensão de voz que vai do “do 3” ao “do 5”, mas muitos cantores iniciantes mal conseguem chegar ao “fa 4”.

34
Emanuel Martinez

Essas condutas diferentes vêm estabelecendo parâmetros na avaliação dos diversos tipos de coro e
determinando características e a dimensão dos grupos vocais.
Quanto à dimensão, os conjuntos corais são classificados comumente em: madrigal, coro de câmara,
coro sinfônico e coro lírico.
Abaixo, estão determinados alguns pontos característicos que fundamentam a classificação de um
coro em uma ou outra categoria do conjunto musical:
a) dimensões;
b) peculiaridades vocais;
c) repertório.

I — MADRIGAL
A palavra MADRIGAL possui duas conotações:
a) madrigal como forma poético-musical;
b) madrigal como conjunto vocal.
Ambas as formas originaram-se no século XVI, na Itália, mais especificamente em Florença, e torna-
ram-se muito populares nos séculos XVI e XVII.
O madrigal, como forma poético-musical, é um tipo de canção dramática profana, de aspecto descri-
tivo e pitoresco, de estrutura livre, ou seja, com capacidade de modelar-se ao texto. É uma obra vocal
criada basicamente para ser apresentada a cappella, ou seja, sem acompanhamento instrumental.
Com a decadência da polifonia, o madrigal manteve-se como uma composição para uma ou mais
vozes solistas com acompanhamento instrumental. Essas novas características deram origem a outras
formas musicais, tais como o concerto e a ópera italiana dessa época.
As classes dominantes, especialmente a intelectual e a nobre, promoviam encontros com músicos,
artistas, poetas e filósofos cujo objetivo era pesquisar, dar forma, compreensão e realidade aos textos
poéticos. Além disso, discutiam estética e problemas práticos da música para trazer maior clareza à
palavra dentro da dicção musical. No final do século XVI, em Florença, o grupo mais atuante foi o do
Conde Bardi, que ele chamou de Camerata Florentina. Dessas pesquisas e audições originou-se o embrião
da ópera.
Entre os muitos madrigais escritos na época e que serviram a esses objetivos, destacam-se os madrigais
amorosi e guerrieri de Claudio MONTEVERDI (1567—1643).
Vários compositores participavam dessas soirées e foram estimulados a escrever. Em muitas dessas
obras, além da participação de solistas, havia momentos dedicados aos ensembles, que se chamavam
corais. Como exemplo, “Orfeu” de Claudio MONTEVERDI (1567—1643), considerada uma das primei-
ras óperas da história musical.
A outra acepção de madrigal significa: conjunto vocal especializado em cantar madrigais. O madrigal,
por seu tamanho, é considerado um coro de câmara, ou seja, um coro de pequenas dimensões. Em geral,

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Regência Coral: Princípios Básicos

possui o tamanho da escrita musical, ou seja, escrita para três vozes, cantada por três cantores, etc. O
madrigal, nessa acepção, possui algumas características peculiares.
a) Quando se segue o estilo original do madrigal, as vozes deverão ser leves e brancas, ou seja,
com um vibrato natural e com um controle absoluto sobre ele.
b) Repertório a cappella.
c) Pequeno conjunto vocal, com formação em torno de 24 cantores.
Partindo de um estudo musicológico, os instrumentos musicais, especialmente os de arco, sempre
tiveram a voz humana como ponto de referência.
Ao se consultar os manuais de instrumentação e métodos de estudo da época, encontram-se as regras
de execução desses instrumentos, todas com as mesmas características utilizadas na emissão vocal.
Vale ressaltar que, através do séculos, sempre houve uma preocupação com o aprimoramento dos
cantores. Por exemplo, o papa GREGORIO I (540—604) estabeleceu a criação das chamadas SCHOLA
CANTORUM (590—604), que contribuíram para o surgimento de outras escolas em toda a Europa e
cujas técnicas de canto foram escritas em diversos manuais e perpetuadas até hoje.

II — CORO DE CÂMARA
Como o nome já indica, é um pequeno conjunto vocal com tamanho suficiente para ser introduzido
em uma câmara, ou seja, um quarto.
Esse formato de coro teve seu apogeu no final do século XVII e no século XVIII, com Jean-Baptiste
LULLY (1632—1687), Christoph Willibald GLUCK (1714—1787) e Johann Sebastian BACH (1685—
1750). Possui características um pouco diferentes das do madrigal: poderá ter em torno de 40 cantores, as
vozes são mais trabalhadas e as vozes femininas de soprano e contralto substituem gradativamente a
presença dos contra-tenores.
Essa evolução vocal aconteceu devido à necessidade de maior poderio vocal para apresentações em
grandes salas de ópera ou concertos. Os instrumentos musicais, por sua vez, também foram aperfeiçoados
e começaram a produzir sons mais fortes. Os cantores que não se adequassem a essas novas realidades
não poderiam cantar com grupos instrumentais do porte de uma orquestra, por exemplo. Nessa época, não
eram tão comuns coros a cappella, como nos madrigais. As vozes e os instrumentos passaram a ter uma
importância só.

III — CORAL SINFÔNICO


O coral sinfônico surgiu no século XVIII e firmou-se do século XIX em diante.
As preocupações com a voz eram as mesmas. A orquestra evoluiu, e o coro teve de acompanhar essa
evolução, pois, do contrário, seria encoberto pela massa sonora da orquestra.

36
Emanuel Martinez

Sempre se buscou o aperfeiçoamento conjunto dos instrumentos e da voz, por isso as coisas aconte-
ceram juntas, especialmente quando os compositores começaram a escrever obras cada vez mais densas e
de grandes proporções, o que obrigava a participação de conjuntos instrumentais e vocais cada vez maio-
res.
Essa época foi marcada por grandes sinfonias e grandes obras coral-sinfônicas, destacando as de
Ludwig von BEETHOVEN (1770—1827), Anton BRUCKNER (1824—1896) e Gustav MAHLER
(1860—1911), entre outros compositores da época.

IV — CORO LÍRICO
O coro lírico é o clímax da música coral. Esses coros, não obrigatoriamente de grande porte, necessi-
tam de grande poderio vocal e que seus integrantes possuam expressão corporal, o que o diferencia dos
demais coros. A necessidade da expressão corporal é exigida pela ópera, representação de uma novela ou
um épico de forma cantada. Aliada ao canto deve estar a representação, ou seja, o coralista lírico precisa
saber atuar como cantor e ator, o que demanda um esforço físico e vocal maior que o de cantores dos
outros coros.
O cantor lírico sofre grande desgaste emocional. Os fatores que contribuem para esse quadro são os
seguintes:
a) o tempo destinado aos ensaios musicais e aos ensaios cênico-musicais;
b) a longa duração dos espetáculos;
c) as vestimentas pesadas e a iluminação forte que provocam mal-estar;
d) as marcações e as movimentações cênicas muito rápidas ou complicadas;
e) o estresse provocado pela exigência severa do diretor, dos maestros e do público.
Além desses problemas, hoje, os cantores são obrigados a cantar em madrigais, coros de todos os
portes e até fazer ópera. Isso se deve, basicamente, a um motivo: pela falta de apoio de autoridades, quase
não há realizações artísticas que contemplem cantores especializados e, conseqüentemente, para se esta-
belecerem no meio, os cantores têm de fazer de tudo um pouco. Essa pluralidade vocal muitas vezes traz
conseqüências desastrosas para os cantores. Em muitos casos, os profissionais da voz não se preocupam
com a especialização.
Entre os compositores que escreveram para esse tipo de coro destacam-se: Giuseppe VERDI (1813—
1901), Giacomo PUCCINI (1858—1924) e Richard WAGNER (1813—1883).

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Regência Coral: Princípios Básicos

Tópico 5
SER UM MAESTRO

“Aqueles que trabalham com dedicação conseguem


superar todos os problemas.”
Johann Sebastian BACH

C omo já foi mencionado na introdução deste trabalho, é indispensável que um maestro seja um líder,
tenha vocação e possua conhecimentos técnicos necessários ao desempenho de suas funções. Muitas
vezes, alguns maestros acham que boa vontade é suficiente para liderar um grupo musical coral e instru-
mental, ou acham que ser regente de um coro não é tão importante quanto dirigir um grupo instrumental.
Ser regente requer grande responsabilidade, não importa que tipo de grupo dirija.
Para desempenhar corretamente sua atividade, o maestro deve possuir alguns atributos essenciais,
como:
a) percepção musical acurada;
b) discernimento auditivo de intervalos melódicos e harmônicos;
c) sentido rítmico firme e constante;
d) ser um comunicador e até certo ponto um pedagogo.

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Emanuel Martinez

Outros conhecimentos devem ser conjugados aos conhecimentos essenciais:


a) conhecimento das diversas técnicas do canto;
b) possuir conhecimentos musicais suficientes para ler, ouvir, analisar e interpretar uma partitu-
ra musical;
c) saber tocar um instrumento de teclado;
d) ter cultura geral.
O maestro de coro poderá se defrontar, em ensaios e apresentações, com situações novas e inespera-
das. Se ele possuir conhecimento em diversas áreas, poderá solucionar os imprevistos com mais facilida-
de. Em muitos casos, a falta de condições artísticas de um coro pode desanimar o maestro, mas essa pode
ser a oportunidade de provar sua competência ao transpor obstáculos técnicos.
Cabe ao maestro planejar a curto, médio e a longo prazo quais serão os estudos que deve realizar. A
atividade musical exige do maestro atualização, aperfeiçoamento, pois as técnicas de canto, de música e
de regência estão sempre evoluindo. É desse empenho, do acúmulo de conhecimentos e experiência que
vêm os resultados positivos de seu trabalho, portanto, quanto mais conhecimentos, melhor será o resulta-
do final.
Muitas vezes, as limitações do maestro fazem com que ele abandone certo repertório, que, sem dúvi-
da, poderia trazer novos conhecimentos.
O maestro deve se aprofundar sempre em alguns conhecimentos básicos:
a) harmonia;
b) contraponto;
c) percepção musical;
d) história da música;
e) história das artes;
f) as diversas técnicas de canto, adaptadas a cada repertório e período histórico;
g) idiomas estrangeiros. Ele deve contar ao menos com uma pessoa que possa orientar sobre a
pronúncia e o significado de cada palavra do texto;
h) técnicas de direção aprimoradas e claras;
i) estética artística, matéria que estuda os estilos e as épocas dentro das artes;
j) técnica pianística.
Além das aptidões musicais, o maestro deve ter preparo físico para suportar, em temporadas, o esfor-
ço que o ato de reger exige. Ele pode desenvolver resistência física se praticar algum tipo de esporte,
como natação ou qualquer outro esporte que trabalhe sua massa muscular.
A seguir, serão indicados alguns exercícios específicos que poderão auxiliar a prática da regência.
Esses exercícios podem ser realizados antes de ensaios e apresentações.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Flexibilização dos pulsos: existem alguns exercícios que propiciarão uma maior mobilidade do pul-
so do maestro. Com o braço flexionado: fazer movimentos ascendentes e descendentes com o pulso
relaxado. Com o braço esticado: seguir os mesmos procedimentos do exercício anterior. Fazer movimen-
tos circulares do pulso. Iniciar sempre de maneira lenta e aumentar progressivamente a velocidade dos
exercícios. Devem ser realizados primeiramente com mãos separadas e depois com ambas as mãos.
Respiração: em pé ou sentado, sem encostar-se. Respiração completa, com movimento intercostal
diafragmático, elevar e baixar os braços com movimentação ascendente e descendente do tórax. Fazer
sempre movimentos lentos e cadenciados. Esse exercício, além de aumentar a capacidade respiratória do
maestro, ajuda a relaxar.
Relaxamento dos braços: soltar os braços com impacto descendente.
Relaxamento da cabeça e região: com os olhos fechados, fazer movimentos circulares com a cabe-
ça, primeiro para um lado, depois para outro. Sempre com movimentos lentos.
Apoio dos braços: em pé, esticar os braços na altura dos ombros, na posição de regência, deixá-los
cair até a altura da cintura. Repetir o procedimento algumas vezes.
Resistência dos braços: movimento circular: movimentar os braços independentemente no sentido
horário e anti-horário. Depois, realizar os mesmos movimentos com ambos os braços. Abertura dos bra-
ços: realizar a abertura dos braços na altura do ombro com a ajuda de outra pessoa, que os puxará leve-
mente em direção às costas. Evitar tirar o corpo do lugar; limitar-se a movimentar apenas os braços.
Resistência das pernas: com apoio das mãos: com todo o solado do pé no chão, flexionar e esticar
os joelhos. Fazer o mesmo movimento ficando sobre a ponta dos dedos do pé, esticando-se ao máximo e
depois voltando para a posição original. Outro exercício consiste em levantar e baixar as pernas, para a
frente e para a lateral, subindo-as ao máximo, sem flexionar os joelhos. Sem apoio das mãos — os
mesmos exercícios acima mencionados.
Equilíbrio: de olhos fechados e pernas juntas, realizar movimentos com os braços em forma pendular
em todas as direções, forçando o movimento na altura da cintura. Pode-se fazer uma variante desse exer-
cício: fixar um pé no chão enquanto mantém o outro levantado. Todos esses exercícios devem ser realiza-
dos com tranqüilidade. Deve-se aumentar progressivamente a velocidade e alternar os pés.
Esses são apenas alguns exercícios que o maestro pode realizar. Todos eles darão resultado se forem
praticados com freqüência. Não há necessidade de se aumentar a velocidade dos exercícios num mesmo
dia.

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Emanuel Martinez

Tópico 6
ESCOLHA DO REPERTÓRIO

“A música abre possibilidades de uma comunicação direta, sem passar por intermediários,
que muitas vezes deformam a mensagem; é, pois, o meio mais rápido e eficaz de atender a um ser
humano na sua sensibilidade interior.”
DANY FANJAT

O trabalho do maestro inicia-se com a escolha do repertório, o que acontece muito antes do primeiro
ensaio.
Ao escolher um repertório, o maestro tem de levar em consideração pelo menos alguns pontos muito
importantes:
a) tamanho do coro — existem obras que necessitam de um grande coro. Essas obras, em geral,
possuem uma grande orquestração ou uma estrutura de escrita que exige uma grande sonori-
dade vocal. Um coro pequeno, ao interpretar esse tipo de repertório não consegue, por um
lado, superar a massa sonora da orquestra e, por outro, a estrutura musical da obra “engole”
o pequeno coro. O resultado é que não aparecem os efeitos desejados pelo compositor. Já o
inverso, ou seja, uma obra destinada a um pequeno coro não se torna tão estranha ao ser
cantada por um grande conjunto, no entanto pode-se perder um pouco da sensibilidade e da
leveza da obra quando isso acontece;
b) a que se destina ou quais são as características desse coro: é um coro informal, de escola,
igreja, empresa, teatro ou independente? Ao se estabelecerem os objetivos, a definição é
óbvia. Um grupo de cantores reunidos para fazer música com o único objetivo de diversão

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Regência Coral: Princípios Básicos

não precisa investir muito, afinal canta de vez em quando em algum lugar e reúne-se infor-
malmente. Diversos grupos musicais iniciaram seus trabalhos assim, mas aos poucos se en-
tusiasmaram por um trabalho mais sério e transformaram-se em um coro artístico. O coro de
igreja deve pensar, em primeiro lugar, que existe com a finalidade de compor a liturgia da
adoração, ou seja, sua música que é cantada em todas as cerimônias deve estar inteiramente
sintonizada com as palavras do oficiante. Os temas devem sempre se complementar, assim
haverá um único objetivo que será alcançado pela palavra e pela música. A escritora ameri-
cana Ellen G. White uma vez falou que “a música tem tanta importância na liturgia como a
palavra que é apresentada no púlpito”.
Já coros de empresa e de escola devem ser cuidadosamente elaborados. Como já foi dito no
início, deve-se ter claro se o objetivo da criação desse coro é apenas ocupar funcionários e
alunos, promover a escola ou a empresa. Embora possam surgir muitos contratempos, pode-
se fazer um excelente trabalho com esse tipo de coro;
c) a capacidade técnica do coro — existem obras no repertório coral que o coro não tem condições
de interpretar, pois exigem conhecimento musical e domínio de certas técnicas de canto. Mas
se o maestro deseja que essas obras sejam interpretadas pelo coro, deve iniciar um trabalho
de preparação a longo prazo para que seus cantores obtenham a capacitação necessária para
interpretá-las. O maestro nunca deve desprezar a capacidade de seus coralistas. A adequação
do repertório às condições levará a um resultado mais eficaz e de melhor qualidade;
d) a capacidade técnica e musical do maestro — o maestro obviamente deve se conhecer e
saber se pode ou não trabalhar determinada obra, se possui conhecimentos suficientes para
entendê-la. O simples fato de achar uma obra bela não é suficiente para ensaiá-la com seu
coro. Se ele não possuir as mínimas condições para entender a obra, não saberá resolver os
problemas que surgirem durante os ensaios;
e) a ocasião da apresentação. Numa festa junina, não se deve apresentar um repertório litúrgico-
religioso, assim como numa cerimônia religiosa não se deve apresentar obras de música
popular. Existe um grande conflito entre alguns dirigentes de música em igrejas. Mistura-se
muito o popular e o sacro, em nome do apelo popular. É importante ressaltar que cada oca-
sião e local exige um repertório adequado. A música sacra e litúrgica é, como o nome já o
diz, música sacra e litúrgica. Também acontece o contrário: em festivais ou festas, os maes-
tros levarem obras religiosas, o que, obviamente, não combina. Pode surgir a pergunta: se
não tiver nada adequado para essa ocasião, o que levar então? É preferível não participar da
cerimônia ou da festividade;
f) utilização de obras originais ou de arranjo. Esse item está muito ligado à cultura do maestro.
Utilizar ou não arranjos? Arranjos podem e devem ser utilizados, desde que sejam interes-
santes para o público e para o coral. Existem muitos arranjadores que, em vez de melhorar a
obra, a desvirtuam-na, pois tiram dela características importantes, arruínam a harmonia ori-
ginal e introduzem elementos que enfraquecem a obra. Por vezes, alguns maestros dizem:
“todos os corais aqui da região cantam essa obra”. É bem possível que isso aconteça. Exis-

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Emanuel Martinez

tem bons arranjadores que gentilmente fariam um arranjo bem mais interessante, o que entu-
siasmaria mais o coro e especialmente o público ouvinte. Para evitar esses problemas, é
preferível que se utilize, sempre que possível, obras originais. Quem escreve para coro ge-
ralmente conhece o que faz e sabe as características de cada naipe. Além disso, no Brasil,
existem diversas edições de obras brasileiras para coro. Fora do país, há editoras que possu-
em uma infinidade dessas obras e até alguns arranjos muito interessantes, não só de música
popular como de qualquer outro estilo musical. É verdade que isso pode se tornar um proble-
ma, uma vez que esses materiais custam dinheiro, mas se o coro estivar ligado a alguma
entidade (escola, igreja, universidade, empresa, etc.), o diretor pode se empenhar em gastar
alguns reais/dólares com obras que possam melhorar as apresentações de seu coro. Caso o
grupo seja totalmente independente, existem outros caminhos: patrocínio, dividir as despe-
sas com todos os coralistas ou o maestro pode se programar para desembolsar o valor. Com
certeza, não será uma aquisição inútil.
g) Se a obra é a cappella ou com acompanhamento, que tipo de acompanhamento utilizar? Esse
é um ponto crucial para o maestro. Em geral, os maestros não gostam de utilizar repertório a
cappella porque expõe demais o coro. Muitos chegam a dizer que “o instrumental encobre
muitas deficiências”. É verdade, mas essa afirmação é preocupante, afinal o maestro, quando
ensaia o coro, tem por objetivo eliminar todas as imperfeições que surgem nos ensaios para
que as apresentações sejam o mais próximo possível da perfeição. Existem muitas obras
escritas originalmente a cappella e muitas com acompanhamento de piano ou de outros ins-
trumentos. Dependendo do repertório a cappella, pode-se introduzir alguns instrumentos.
Na música antiga, da Renascença e em algumas do Barroco, essas obras também poderiam
ser tocadas ou acompanhadas por instrumentos (um órgão, instrumentos de sopro de bocal
ou madeiras, instrumentos de corda de arco ou dedilhados). O que e como utilizar fica a
critério do maestro, que deve estudar o período do qual faz parte a obra escolhida e verificar
o que era usual na ocasião. Nesses períodos, não se utilizava o piano, por esse motivo tal
instrumento não é recomendável. Em certas obras, violão, flautas doces ou violinos fazem
melhor efeito. O maestro em geral se pergunta: vale a pena despender tempo para ensaiar
“esta” obra? O coro e o público vão se interessar? Qual é o tipo de público, onde e qual será
o horário da apresentação?
Essas e muitas outras perguntas podem surgir quando se escolhe o repertório4. A decisão vai
revelar o grau de perspicácia, a formação do maestro, sua visão artística, seus critérios e sua
inteligência.
4Na dúvida, e como sugestão, no período da “Renascença”, (séc. XV e XVI) período áureo da música polifônica coral, o maestro encontrará com
absoluta certeza, obras profanas e religiosas com todos os níveis de dificuldade, que vão desde a forma mais simples à mais sofisticada, passando
por todos os estilos musicais disponíveis na época assim como diversos idiomas. Encontrará obras curtas e de fácil assimilação pelo coro e pelo
público. Muitas obras dessa época, embora não possuam acompanhamento escrito, podem ser acompanhadas. Os instrumentos duplicam as vozes.
Cabe ao maestro a escolha apropriada do instrumental (com certeza não será o piano), utilizando-se de seus conhecimentos históricos e dos instru-
mentos disponíveis. Vale ressaltar que o maestro deve conhecer bem os instrumentistas que acompanharão o grupo, a fim de não ser surpreendido
com péssimos músicos que possam prejudicar todo o trabalho realizado junto ao coral. Na dúvida, prefira apresentar-se a cappella.
Dentro da música brasileira, o maestro encontrará muitos arranjos e compositores que escrevem para coro, em diversas
linguagens (tradicional e moderna), com temáticas variadas, dentro do sacro e profano.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Tópico 7
ESTUDO DA PARTITURA

“Somente um trabalho minucioso contribuirá para a assimilação e a memorização do todo de uma obra
musical, não importa o tamanho dela e seu grau de dificuldade. A memorização é indispensável.
Somente dessa forma o maestro tem maior domínio da situação, podendo dedicar-se à arte de dirigir e
interpretar uma obra.”

O segundo passo após a escolha do repertório deverá ser o estudo detalhado da partitura.
De forma sintética serão demonstrados alguns itens importantes para o estudo de uma obra. Muitas
vezes, o maestro realiza uma interpretação subjetiva e refinada, no entanto não observa certas exigências
que surgem de sua estrutura.
Os compositores do fim do século XVIII facilitam esse trabalho, pois indicam todas as informações
necessárias, o que não acontece com compositores de períodos anteriores.
Uma boa interpretação não contempla apenas a observação técnica das diversas formas estilísticas,
nem a obediência a possíveis indicações do autor. Por trás de toda a superfície da obra musical, existe um
quebra-cabeças formado por notas, ritmos, melodias, harmonias, além de outras combinações que tornam
a obra interessante e produzem sensações de tensão e repouso, expansões e contrações e pontos de clí-
max. Para entender esse jogo, cabe ao maestro apoderar-se de todos os meios analíticos dos aspectos
construtivos da obra musical.

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Emanuel Martinez

O estudo da partitura deverá passar, no mínimo, por dois processos:


1. análise estrutural do tecido musical
2. audição interior da obra musical

1. ANÁLISE ESTRUTURAL DO TECIDO MUSICAL


Essa avaliação deve partir de alguns pontos que, indiscutivelmente, trarão subsídios para um bom
estudo e uma boa interpretação. Em primeiro lugar, deve-se partir de elementos que são predominantes
em um obra musical:
RITMO
Simplificadamente, pode-se dizer que RITMO é combinação de diversas durações, incluindo-se aí os
elementos “som” e “silêncio”.
A teia rítmica sempre está associada ao contexto e obedece sempre à proporcionalidade das durações.
Os ritmos podem ser tratados conforme o objetivo que se quer alcançar: tensão ou relaxamento.
Um outro fator importante do ritmo é a exatidão metronômica. Vale ressaltar que essa exatidão não
precisa representar o “ideal de uma interpretação”, mas funciona como umas das possibilidades. Isso
dependerá do contexto no qual se insere a obra musical.
MÉTRICA
Como o nome sugere, é o conjunto de agrupamentos rítmicos, ou seja, a divisão de um compasso em
valores iguais, as “unidades de tempo”. Ao se agrupar dois, três ou quatro tempos de forma repetida, por
exemplo, surgem os compassos, que podem ser binários, ternários ou quaternários, dependendo da carac-
terização de cada agrupamento. Os compassos possuem uma tensão natural, constituída por tempos fortes
e tempos fracos.
O que se aprende nas escolas de música é que a primeira nota, localizada na cabeça do compasso,
possui uma maior tensão e que, progressivamente, essa tensão vai se diluindo dentro do compasso. Essa
teoria pode gerar interpretações errôneas, pois nem sempre essa regra serve para todas as épocas e todos
os estilos. Ela pode ser aplicada a algumas formas de dança, no entanto o tactus do Renascimento não
requer acentuações mais fortes dentro de um compasso. Vale frisar que, nesse período e nos períodos
anteriores, não havia preocupação com a divisão métrica estabelecida por meio de barras de compasso.
Por esse motivo, revisores converteram os sinais antigos para os sinais modernos e introduziram as “bar-
ras de compasso”. As barras possuem apenas uma função: facilitar a visualização do contexto musical e
literário dentro dos padrões de avaliação modernos. Em muitos casos, a nota tônica encontra-se em qual-
quer tempo e não no tempo primo. A necessidade de se introduzir barras de compasso limita a visão
global da obra em muitos casos.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Encontram-se, especialmente na música antiga, formações rítmicas chamadas “HEMÍOLAS”5, o que


quer dizer que as seqüências rítmicas dos dois compassos juntos devem possuir uma nova leitura diferen-
ciada dos demais.
Exemplos:
MOTETTE Nº 3 — JESU MEINE FREUDE
J. S. Bach — BWV 227
escrita original

Exemplo 1 — Johann Sebastian BACH — Motette No. 3 — BWV 227 — “Jesu meine Freude” (verso 3) compassos 2 e 3.

Nesses compassos, existe uma indicação rítmica peculiar em todas as vozes, em que se percebe a
presença de três pontos de acentuação. Isso significa que, em vez de haver dois compassos de três tempos
cuja unidade de tempo é a semínima, há um compasso apenas, de três tempos, em que a mínima passará a
exercer a função de unidade de tempo. Dessa forma, o primeiro, o segundo e o terceiro tempos terão uma
nova leitura. Deve-se ler esses compassos da seguinte forma:

5Hemíola é a dilatação do compasso ternário, dobrando os seus valores.

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Emanuel Martinez

Interpretação:

regência correta

No exemplo a seguir, acontece o mesmo: há uma indicação rítmica, em todas as vozes, que estabelece
uma leitura diferenciada daquela utilizada nos primeiros compassos da obra. A unidade de tempo é a
mínima em dois compassos ternários. Com a utilização da hemíola, passa-se a ter como unidade de tempo
a semibreve e, em vez de haver dois compassos, haverá apenas um, cuja unidade de tempo será a semibreve.

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Regência Coral: Princípios Básicos

PSALM 111
Schütz — SWV 227
escrita original

Exemplo 2 — Heinrich SCHÜTZ — Psalm 111 — SWV 424 — “Ich danke dem Herren von ganzem Herzen” — compassos 5 e 6.

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Emanuel Martinez

Interpretação:
regência correta

Esse tipo de efeito rítmico é bastante característico na música do Renascimento e do Barroco, no


entanto compositores como Mozart e Brahms também o utilizam.
Deve-se observar também a predominância de determinadas unidades de tempo em certas épocas da
história da música. Por exemplo: na Renascença, houve predominância da mínima como unidade de tem-
po; nos últimos séculos, a unidade de tempo tem sido predominantemente a semínima e, atualmente, há
uma tendência de se utilizar como unidade de tempo a colcheia, no entanto a maioria das obras antigas
editadas atualmente tiveram suas unidades transpostas para a semínima.
Vale ressaltar que a unidade de tempo natural de qualquer época era baseada no pulso humano, entre
72 a 80 pulsos por minuto. Por esse motivo, deve-se prestar atenção para não interpretar obras do século
XV e XVI lentamente, pois não era exatamente isso que o compositor desejava. Algumas indicações eram
escritas quando se desejava uma mudança súbita de andamento.
A utilização da mínima como unidade de tempo nos séculos XIX e XX não está exatamente associada
a movimentos lentos, mas tem o objetivo de indicar o caráter solene de uma obra.
Os compositores que desejavam maior “fluidez” da linha melódica utilizavam a diferenciação rítmica
para provocar tensões, relaxamentos melódicos e harmônicos além de acompanhar as exigências textuais.

49
Regência Coral: Princípios Básicos

Em geral, na obra coral, com exceção de movimentos de dança, o tempo base não precisa utilizar
rigidez metronômica; momentos de impulso ou de retenção do discurso podem ocorrer em algumas par-
tes. Essa flexibilidade métrica é um dos elementos característicos de cada estilo e período musical. No
Romantismo — século XVIII em diante —, por exemplo, a flexibilização do tempo é inerente a quase
todas as obras. Ao se observar obras de Schubert, Schumann, e Mendelssohn, entre outros compositores,
percebe-se que não existe a tendência de observação metronômica do início ao fim. Dentro de uma frase,
ou um movimento, podem ocorrer diversas variações de movimento.
ALTURA
O sistema tonal foi aperfeiçoado através dos séculos, especialmente no mundo ocidental. Cada vez
mais se exigiram definições precisas de afinação e imagens reais gráficas dessas alturas, tanto para as
vozes como para os instrumentos. Daí surgiu o “sistema temperado”6, que, por um lado, define alturas
com precisão, mas, por outro, limita a possibilidade de outras sensibilizações sonoras no campo da afina-
ção. Com o “temperamento” dos intervalos, surgiu a “escala cromática”, na qual todos os semitons são
supostamente iguais.
Alguns instrumentos, como o piano, o órgão, a harpa, entre outros de afinação fixa, possuem alturas
dentro do sistema temperado de semitons. Outros instrumentos, como os de corda de arco, por exemplo,
possuem uma afinação mais flexível, pois podem modificar a relação dos semitons. Essa relatividade
cromática dos semitons também pode ser aplicada ao sistema de afinação vocal, que pode produzir outras
afinações fora do sistema temperado.
Existem obras que exigem maior flexibilização na afinação, ou seja, que se extrapole o sistema tem-
perado dos instrumentos de afinação fixa. Poderá surgir a pergunta: quando o coro ensaia obras a cappella,
deve-se utilizar, em ensaios, instrumentos de afinação fixa, como o piano? As obras que serão cantadas
sem o auxílio de instrumentos temperados devem ser ensaiadas a capella ou com instrumentos de afina-
ção flexível, a fim de atender às exigências da afinação não temperada. Quando se canta a cappella, a
afinação vocal não é temperada, evidentemente. Por isso, não é aconselhável ensaiar com instrumentos de
afinação fixa, pois isso provocará uma dependência desses instrumentos.
A seguir, serão dadas algumas informações importantes sobre afinação não temperada:
a) as notas sensíveis, tanto ascendentes quanto descendentes, devem aproximar-se da tônica, a
uma distância menor que um semitom temperado;
b) nas passagens modulatórias, a nota modulante deve aproximar-se ao máximo da nota da
nova tônica;
c) nas passagens cromáticas, as notas alteradas com sustenidos devem possuir uma entonação
mais alta, e as notas em bemóis devem possuir uma afinação mais baixa;
d) nas passagens enarmônicas, deve-se observar a função da nota no sistema harmônico. Por
exemplo: um sol sustenido e um lá bemol. Nos instrumentos temperados, essas notas são
exatamente iguais, no entanto nos instrumentos não temperados e nas vozes humanas, devem
possuir afinação diferenciada, ou seja, o sol sustenido deve soar mais alto que o lá bemol. Os
cuidados com essas modificações enarmônicas só vão enriquecer o sistema harmônico.
6Sistema temperado é a divisão equidistante dos semitons, ou seja, todos os semitons têm a mesma quantidade de comas.

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Emanuel Martinez

INTENSIDADE
Também neste item encontram-se diferenciações importantes. Em primeiro lugar, devem-se observar
as indicações expressas na partitura pelo próprio compositor. Quando não houver7, devem-se observar as
regras antigas de interpretação e as características da estrutura formal da obra. As obras anteriores ao
século XVII possuíam sutis oscilações e modificações de volume, o que dava uma vida a cada som e, por
sua vez, a toda uma idéia musical. Cada nota tinha vida e sua própria expressão dentro de cada duração e
dentro do contexto da frase.
Porém podem ocorrer diversas exceções como, por exemplo, na música dos séculos XVIII e XIX, na
qual os compositores podiam indicar um decrescendo em um lugar onde aparentemente seria um crescen-
do ou introduzir um piano súbito numa seqüência em crescendo, entre muitas outras modificações contra-
ditórias. Essas alterações, em geral, estão expressas na partitura com indicação do próprio compositor e
devem ser respeitadas. Quando não há indicações desse tipo, não cabe ao intérprete introduzir alterações
contraditórias ou bruscas. O texto musical e literário, normalmente, induz o que se pode ou se deve fazer.
Ainda destaca-se a tendência para três tipos de melodia: as melodias descendentes, ascendentes e as
estáticas. Para as descendentes e as ascendentes, não há grandes problemas para identificar as “dicas” de
dinâmica que poderão ser utilizadas. Já nas melodias estáticas, ou seja, sem grandes movimentos ascen-
dentes ou descendentes, o maestro deve organizar as partes dessas melodias para que cada trecho possua
uma forma específica de expressão, ou simplesmente realizar um crescendo até alcançar o clímax da
seqüência musical. Pode-se, porém, pensar no inverso, ou seja, determinar uma gradual extinção da frase
musical por um diminuendo.
Em caso de dúvida para determinar a real direção fundamental da melodia, cabe ao maestro eliminar
da melodia todos os ornamentos, as notas de passagem, etc.; deixá-la apenas no esqueleto para poder
determinar a melodia básica e definir sua movimentação.
Quando não houver indicações, algumas sugestões podem ajudar o maestro a decidir o que fazer:
a) em movimentações melódicas ascendentes, dependendo do conteúdo do texto literário, pode-
se realizar um sutil crescendo;
b) em movimentações melódicas descendentes, também dependendo do conteúdo literário, pode-
se realizar um sutil decrescendo;
c) terminação feminina pode ser feita com menor intensidade;
d) notas repetidas e notas longas, na escola italiana, por exemplo, podem receber um suave
crescendo no início das notas repetidas e das notas longas e um decrescendo ao final do desenho;
e) quando houver uma movimentação harmônica muito intensa que provoque dissonâncias,
pode-se dar uma ênfase de crescendo;
f) em movimentos contrapontísticos, em que há uma grande independência das vozes, deve-se
observar a movimentação temática. Os temas podem possuir características de intensidade
diferentes para realçá-los.

7Os compositores anteriores ao século XVIII não indicavam a dinâmica a ser utilizada. Havia regras, preestabelecidas
nos compêndios da época, que ajudavam o intérprete a decidir o que fazer.

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Até o século XVIII, o tratamento dos matizes estava estreitamente unido ao texto musical. Na música
barroca, deve-se observar também a estrutura formal da obra.
Essas diferentes texturas tinham por objetivo ressaltar o conteúdo e criar o efeito dramático apropria-
do para o conteúdo de cada obra musical. As partes melódicas mais importantes podem e devem, se não
forem indicadas pelo compositor, possuir um leve destaque. Essas considerações também são úteis para
passagens com notas de pequeno valor, que, em certos casos, devem receber um destaque especial.
As dissonâncias podem ser tratadas de duas maneiras. Quando a resolução acontecer por motivos
harmônicos, podem e devem ser atenuadas. Isso facilitará a absorção e a afinação. No entanto, quando
essas notas estão associadas a uma função, por exemplo, de modulação e/ou de sensível, podem ser um
pouco mais evidentes para que fique clara a sua real função dentro do contexto musical. No século XVI,
por exemplo, em repetições exatamente iguais (tanto vocais quanto instrumentais), em seções sucessivas,
podem aparecer como um efeito de eco, mudando-se inclusive o matiz sonoro. Essa regra não é válida
para obras escritas a partir do final do século XVIII, pois a maioria delas já possui indicações expressas
pelo compositor.
VIBRATO
O vibrato é um parâmetro de freqüência que consiste em uma modificação da altura.
Cantores solistas, coralistas e instrumentistas, especialmente os de corda de arco, devem saber que o
vibrato é um recurso técnico de ornamentação, logo não devem utilizá-lo de forma indiscriminada em
todos os momentos. Em muitos casos, utiliza-se essa técnica para encobrir deficiências técnicas e de
afinação. A escola italiana trouxe essa técnica para os cantores e para os instrumentistas apenas no século
XIX, com a ampliação das orquestras e com o aumento do tamanho das salas de concertos e dos teatros.
Também nas exigências expressivas do Romantismo tal técnica cabia. Por isso, é fundamental que se
observem as características estilísticas de cada época.
Até no Barroco, a utilização do vibrato por instrumentistas, coro e solistas era condicionada a orna-
mentos e aplicada a notas que necessitavam de uma ênfase específica como forma de enriquecimento
sonoro. As notas longas, por exemplo, eram atacadas sem vibrato. Podia-se utilizá-lo dentro de um cres-
cendo ou simplesmente ao final dessas notas. Nas notas em uníssono, também deve-se evitar a presença
do vibrato, obtendo-se dessa forma uma correta afinação.
TIMBRE
Pode-se dizer que o timbre é a “temperatura”, a “cor”, a “característica” de um som, de uma determinada
fonte sonora. O timbre deve ser explorado em toda a sua potencialidade, tanto nas vozes humanas como nos
instrumentos musicais, para que se transforme o momento musical em uma passagem mais dramática ou
menos dramática. Os efeitos timbrísticos podem ser obtidos pelo “escurecimento”, pelo “clareamento” sono-
ro das vozes e dos instrumentos, ou com modificações da posição de emissão sonora, utilizando, no canto,
por exemplo, certos tipos de ressoadores (peito, boca ou nasais), e com a aplicação seletiva da técnica do
vibrato. Esses efeitos são largamente exigidos na música folclórica e na música renascentista.
Quando houver a utilização de instrumentos e vozes simultaneamente, é conveniente observar as
respectivas distinções timbrísticas no contexto ideológico. Na textura musical homofônica, cantores e

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Emanuel Martinez

instrumentistas devem trabalhar um timbre geral homogêneo. Já em obras polifônicas, o tratamento deve
ser mais heterogêneo, visto que cada parte possui identidade própria.
ARTICULAÇÃO
Originalmente, a articulação era associada à linguagem. Hoje, porém, esse conceito é muito mais
abrangente, pois inclui também a linguagem musical, seja ela vocal ou instrumental.
O estudo da articulação deve abranger alguns pontos importantes:
a) como elementos de expressão: dar ênfase à palavra. Dessa maneira, é possível flexibilizar
com maior clareza sílabas, palavras e observar a correta pronúncia, as peculiaridades de cada
idioma — vogais, consoantes, etc;
b) como elemento de expressão: dar ênfase aos sinais musicais, como os diversos tipos de
staccato, portamento, acento, tenuta, ralentando, acelerando, non legato, legato e até a pre-
sença de pausas, como elementos expressivos, entre outros;
c) frase: no século XVI, a fraseologia estava ligada à estrutura sintática, o que permitia uma
correta frase musical quando o autor melodizava um texto em estilo silábico, por exemplo.
Devem-se tomar cuidados especiais com frases melismáticas, com suas características
coloraturas, em que poderão aparecer passagens com pequenos valores rítmicos. Quando há
a presença de longas passagens melismáticas, cabe ao maestro indicar subdivisões, combinar
staccato e legato, o que constitui um recurso importante de articulação. Veja-se, por exem-
plo, grandes movimentos melismáticos nos oratórios de Haendel e Mozart. Esse tipo de arti-
culação variada dá destaque aos contornos melódicos e a certos intervalos que, de outra
forma passariam despercebidos.
Abaixo, um exemplo da linha inicial do coro “And He Shall Purify” do “Messiah” de
Handel.
escrita original

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execução sugerida

( . . . . . . .

(
. . . . . )
(

d) Texturas “homofônicas” (verticais) e texturas “polifônicas” (horizontais) — Na


horizontalidade, destacam-se dois tipos de estrutura melódica: uma por graus conjuntos e
outra por graus disjuntos (saltos). Esses tipos de linha melódica correspondem a determina-
das formas articulatórias. Em princípio, em melodias por graus conjuntos, tende-se a uma
articulação em legato, já em melodias por graus disjuntos, tende-se à utilização do non legato
ao staccato.

FRASE
A frase musical é o fator ordenador de uma melodia e não se pode desvinculá-la dos demais aspectos
da obra musical, do seu contexto harmônico e formal.
A melodia é dividida em duas partes básicas:
a) Célula ou Motivo: movimento melódico ou rítmico característico e determinante de uma
melodia. Por exemplo: as quatro primeiras notas na Quinta Sinfonia de Beethoven.

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b) Frase: pode possuir diversos motivos e diversas subfrases. Indica uma seqüência melódica integral.
Por exemplo, o tema da Sexta Sinfonia de Beethoven que é constituído por cinco motivos.

Toda frase musical possui um início, um clímax e uma conclusão final.


Em princípio, a frase musical corresponde à frase da linguagem, mas nem sempre as frases são iguais
para todos os naipes. Pode ocorrer que cada naipe possua uma dinâmica fraseológica própria, o que quer
dizer que as respirações vão ser diferenciadas para cada naipe. Como regra geral, a respiração deve ocor-
rer ao final de cada frase e/ou nas pausas de relaxamento e tensão. Esse controle forma a unidade da obra.
Na música do século XVI, encontram-se obras cujas frases concluem com figuras como as “longas”
e as “breves”. Isso não quer dizer que se deva esperar todo o tempo expresso por essas figuras. Em muitos
casos, os compositores escreviam figuras maiores que os compassos indicados, determinando que o final
da frase deveria ter um prolongamento; isso era uma espécie de pontuação.
As fermatas nos coros de Bach não indicam sempre que se deva segurar a nota como se faz nos dias
de hoje, mas, sim, indicam um final de frase ou semifrase, local onde deve haver uma leve respiração.
Desde o final do século XIX, as frases podem ser indicadas com ligaduras que envolvem vários compassos.
Quando se encontram, em compositores dos séculos XVI e XVIII, longas frases melismáticas, deve-
se realizar uma respiração alternada para que não haja supressões de notas motivadas pela respiração
coletiva. Nos instrumentos de corda, por exemplo, pode-se solicitar a mudança de articulação alternada
de arco para que não se perceba a troca de arco. Por exemplo: quando alguns instrumentistas estão mu-
dando de arcada, outros ainda se encontram no meio do arco. Esse tipo de articulação é muito utilizada,
por exemplo, em notas longas e seqüências longas em legato, que obrigam a mudança de arcada em
algum lugar preestabelecido.
Algumas frases possuem séries de notas pontuadas ou ligadas (um valor maior ligado a um valor
menor). Nesse tipo de frase, também é possível pensar em respiração, no entanto cabe ao maestro deter-
minar qual é o melhor lugar para a respiração ou onde podem ou não ser realizadas as respirações
alternadamente.
escrita original execução sugerida

escrita original execução sugerida

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2. AUDIÇÃO INTERIOR DA OBRA MUSICAL


Depois de se fazer a análise estrutural da obra, um outro passo importante é a visualização e a audição
mental da partitura, ou seja, possuir a relação exata da realidade sonora da obra. Essa forma de estudo
abre os horizontes sonoros e amplia a acuidade visual e auditiva do maestro. O procedimento deve acon-
tecer sem o auxílio de instrumentos ou de gravações.
Se o maestro não possui essa facilidade, poderá seguir alguns destes caminhos:

FASE I
Os procedimentos de estudo abaixo devem ser seguidos nesta ordem.
1. Dividir a partitura em seções de acordo com a estrutura musical.
2. Ler cada parte (vozes e instrumentos), anotar as passagens musicais mais complicadas para
posteriormente estudar quais as possibilidades de solução. Esse processo vale para dificul-
dades rítmicas, passagens cromáticas difíceis de afinar, intervalos difíceis de entoar, articula-
ções, movimentos harmônicos complicado de juntar, dificuldades de prosódia e pronúncia,
dinâmicas, entre outros problemas gerais de interpretação e execução.
3. Ler cada parte (vozes e instrumentos) sempre relacionando-a com as demais. Por exemplo:
soprano e contralto, soprano e tenor, soprano e baixo, soprano e violoncelo, soprano e violi-
no, contralto e soprano, contralto e tenor, contralto e baixo, contralto e violino, contralto e
violoncelo, etc.
4. Ouvir internamente o conjunto das vozes, partindo da estrutura harmônica e contrapontística,
ou seja, visualizar cada acorde da seqüência, observando como o movimento melódico de
cada voz se processa dentro da harmonia.

FASE II
Caso o maestro não consiga realizar o estudo sem o auxílio do instrumento, poderá seguir um exercí-
cio que vai auxiliá-lo a desenvolver essa audição interna. Esse processo de aprendizado não será fácil,
mas com o tempo virá a automatização e ficará bem mais acessível.
1. Tocar a linha do baixo.
2. Tocar a linha do baixo e cantar a linha melódica de cada voz. Não utilizar instrumento para
tocar a segunda linha melódica.
3. Tocar a linha do baixo, ouvindo a linha melódica de cada voz.
4. Após ouvir cada voz, tocar duas vozes simultaneamente, cantando uma outra voz (esta últi-
ma sem auxílio de instrumento).
5. Após cantar todas as vozes, tentar ouvir duas vozes e tocar mais duas ao piano.
6. Fazer todas as combinações possíveis até conseguir ouvir mentalmente toda a partitura.

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Emanuel Martinez

O maestro poderá criar seu próprio método de estudo. O objetivo é, por meio desses artifícios, conhe-
cer completamente a obra.

FASE III
Segue-se agora uma nova fase do estudo.
1. Dividir a obra em partes, como foi realizado na primeira fase do estudo.
2. Observar a movimentação harmônica e contrapontística de cada voz intermediária, dando a
importância necessária para os principais movimentos.
3. No caso da música coral, cantar o texto de cada voz com objetivo de verificar possíveis
problemas de prosódia, pronúncia e dicção.
4. Realizar um estudo detalhado das respirações, observando sempre o sentido literário do tex-
to para que não se fira, com respirações em lugares desnecessários, a coerência do poema.
5. Fazer um estudo das possibilidades de expressão e interpretação tais como: dinâmica,
ralentandos, acelerandos, andamentos, ou quaisquer outras possibilidades que possam in-
fluir no resultado final da obra. Não se pode esquecer de observar a localização e o contexto
histórico de cada obra e autor. Deve-se levar em conta sempre o lado do intérprete, mas
nunca esquecer que existem características e regras peculiares de cada época que devem ser
preservadas e respeitadas.

FASE IV
O ato de dirigir uma apresentação de memória começa nos ensaios. Com treino, o maestro deverá
dirigir os ensaios sem o auxílio de partituras. Esse procedimento ajudará a consolidar a obra em sua
memória. Outra vantagem de realizar os ensaios de memória é que músicos e cantores vão conhecendo
seu gestual. Isso quer dizer que, durante a apresentação, não poderá haver surpresas na condução da obra.
Se o maestro não conseguir memorizar a partitura, ela poderá permanecer à sua frente, mas somente
para pequenas consultas e dúvidas.
A memorização da obra é condição fundamental para uma boa atuação, porque facilita a comunica-
ção durante o concerto, o que, com certeza, passará mais segurança e firmeza na condução da apresenta-
ção ou do espetáculo. A cabeça baixa, provocada pela leitura contínua da partitura, traz insegurança para
músicos e cantores e isso pode se refletir no resultado final.

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Tópico 8
ESTILO MUSICAL

CONSIDERAÇÕES GERAIS

A palavra “estilo”, em música, aparece com diferentes sentidos e, de acordo com o seu emprego,
associa-se a determinado ordenamento e classificação do acontecer musical.
A fidelidade estilística a uma obra musical é muito importante. Não se pode conceber que a foto de
um personagem tenha o rosto de outro indivíduo. Na prática, é o que acontece quando uma obra musical
de um compositor soa como música de outro.
O domínio do estilo musical é adquirido por meio do estudo detalhado de cada época e das caracterís-
ticas pessoais de cada compositor. Essas informações são adquiridas, no mínimo, por meio da leitura de
literatura especializada.
O “ESTILISTICAMENTE CORRETO”
O que é uma interpretação “estilisticamente correta”?
O importante é ter uma visão igualitária da obra. Aconselha-se uma interpretação natural e expressi-
va, por vezes até “estilisticamente incorreta“, mas nunca uma execução fria, “travada” por considerações
estilísticas. Será que existe tal pureza? O que se possui é uma quantidade de elementos históricos. O ser
humano tem se transformado ao longo do tempo e isso se reflete tanto na execução quanto na apreciação.
O apoio a essas teses vem dos teóricos e dos historiadores, por meio dos quais se obtêm informações
e técnicas, o que aproxima o executante do espírito de cada época, da forma e do compositor.
Por essa razão, esses dados, as características de determinados elementos expressivos e estruturais
são fundamentais para ressaltar os pontos da interpretação.

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Emanuel Martinez

A partir do século XVI, observa-se uma evolução na escrita musical e até uma fixação gráfica, com
algumas indicações fraseológicas, de intensidade, tempo e articulações. Isso ofereceu maior precisão, no
entanto certas indicações como matizes, instrumentação entre outras características possuem muitas vezes
um valor subjetivo, e esses dados devem se relacionar com o que precede e o que segue.
A seguir, serão analisados, de forma genérica, alguns pontos importantes para a avaliação do estilo de
uma obra:

I — Fatores implícitos do estilo:


1. no seu aspecto étnico: nacional ou regional. Representa a alma de um povo. Esse aspecto mani-
festa-se de uma maneira inconfundível na criação musical. Diversos compositores são influenci-
ados e/ou utilizam fontes do folclore ou de manifestações populares características de uma região
ou um país. No Brasil, por exemplo, temos diversos compositores, entre eles: Ernesto NAZARETH
(1863—1934) e Heitor VILLA-LOBOS (1887—1959); nos EUA — George GERSHWIN
(1898—1937) e Roy HARRIS (1898—1979); na Argentina — Luiz GIANNEO (1896—1968);
no México, Carlos CHAVES (1899—1978), entre muitos outros;
2. em conseqüência do destino para o qual a obra foi escrita: sacro ou profano (dança, teatro, cine-
ma, câmara, concerto, obras dramático-musicais);
3. em seu aspecto histórico: características da época e do autor (a vida, as etapas do compositor e os
fatores que envolveram a criação musical);
4. que designa as diversas técnicas de composição, incluindo o texto e as estruturas musicais tais
como harmonia, contraponto, polifonia, etc;
5. dentro de cada forma musical;
6. como fator sociológico — aspectos que influenciaram a escrita — folclore, popular e artístico.

II — Fatores não explícitos:


1. os andamentos não indicados. Em alguns períodos da história da música, não era usual8 indicar
os andamentos nas partituras;
2. fraseologia musical. É muito importante que o maestro verifique a construção fraseológica de
uma obra: determine o início e o fim de um motivo e as frases musicais. Somente essa avaliação
vai ajudar o maestro a definir andamentos, dinâmica e o tipo de articulação apropriada para cada
momento musical;
3. a dinâmica. Muitas obras não possuem qualquer indicação de dinâmica. O bom senso do maestro é
muito importante para a escolha da dinâmica, assim como o conhecimento técnico de cada época.
8Até aos séculos XVI — XVII, não era costume indicar os movimentos nas partituras. O andamento era estabelecido
pelo texto, quando ele existia, pelo tipo de compasso ou pela forma musical.
Todas essas informações estavam contidas em manuais e compêndios da época e eram do conhecimento de todos os
músicos de então.

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4. Emissão vocal. Cada época tem suas características peculiares de emissão vocal. Por essa razão
há a necessidade de o maestro conhecer as técnicas do canto. A emissão vocal da Renascença é
diferente da emissão vocal da música romântica, por exemplo.

III — Vícios generalizados:


a) portamento9 vocal não indicado na partitura. No Romantismo, essa técnica é utilizada com
muita freqüência em virtude das características vocais, especialmente quando associadas ao
repertório do bel canto.
b) Acentuações musicais erradas, não indicadas na partitura ou não usuais para a época.
c) respirações incorretas dentro do fraseado musical e/ou literário.
d) terminações incorretas. Cada época tem sua característica, e cada compositor suas peculiari-
dades que devem ser respeitadas, estudadas e observadas no momento da execução.
e) falta ou excesso de expressividade no fraseado ou em algumas notas ou figuras musicais.
f) descontrole na emissão do vibrato10. O vibrato é uma técnica que deve ser desenvolvida e
controlada. Não pode ser utilizado de forma indiscriminada, especialmente em repertórios
anteriores ao Barroco.
A presença desses e de outros vícios descaracterizarão a obra e o compositor, por isso, o maestro deve
ficar atento.
Os coros em geral executam obras de vários compositores, ignorando os diversos contextos históri-
cos em que estão inseridos, provocando do regente, leituras errôneas. Também muitos maestros deixam
de lado obras-primas de compositores brasileiros e sul-americanos para apresentarem obras de composi-
tores sobretudo europeus. É inevitável, obviamente, ter no repertório obras de compositores europeus,
afinal a Europa foi o berço da música universal ocidental, mas não se deve ignorar o que é nosso. Ao se
executar obras de compositores de outros continentes, é necessário um estudo e uma dedicação especiais.
A música brasileira, no entanto, faz parte do nosso dia-a-dia, e deve ser volorizada.

9 O portamento é uma técnica peculiar ao romantismo. Isto significa que a passagem de uma nota para a outra poderá ser
feita através de um glissando rápido do som. Em geral esta técnica é má utilizada por muitos cantores, que a introduzem
em qualquer lugar ou em qualquer obra. Vale ressaltar que em muitos casos esta técnica deve ser utilizada por indicação
do compositor, ou em muitos casos quando duas notas com a mesma sílaba estão ligadas, especialmente em passagens
dramáticas de extrema sensibilidade emocional e especialmente no repertório italiano. Portanto o uso deste técnica deve
ser parcimoniosa e com conhecimento.
10 O vibrato e o portamento são técnicas a serem desenvolvidas. Toda a voz pode possuir vibrato, aliás ela deve possuir,

mas a utilização do vibrato também deve ser realizada com técnica. Músicos e cantores devem saber utilizar esta técnica,
adequando-a às características de cada época. É um recurso ornamental e de ênfase dramática. Existem certas passagens
que necessitam de um som vibrado e em outras passagens o som deverá ser “branco”, ou seja sem vibrato. Nas técnicas
antigas de interpretação utilizava-se o ataque da nota sem o vibrato e aos poucos ele era adicionado. Já na música român-
tica o vibrato convencionou-se uma necessidade inclusive de projeção acústica e de embelezamento da emissão vocal.

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Emanuel Martinez

Música italiana
Caracteriza-se por uma sonoridade expressiva, apaixonada. Possui brilho, magnificência, vivacidade
e certa arbitrariedade que se manifesta tanto na execução como na preferência pelos timbres claros, res-
plandecentes e volumosos. O trágico é espetacular; o humor é fino sem ser grosseiro. Existe uma constan-
te preocupação em obter clareza e equilíbrio sonoro, os quais se manifestam nos desenhos rítmicos e nas
disposições formais da melodia, cuja expressão e cujo fraseado aparecem sempre controlados e extrema-
mente expressivos.
Música francesa
Distingue-se por domínio da forma e busca pela verdade. A expressão melódica nunca se perde;
requer precisão, delicadeza e finura. A elaboração é sempre rica e matizada pela dicção das palavras,
sutilezas rítmicas e abundância timbrística, elementos que revelam a alma francesa, à qual se associa a
uma fina elegância.
Essa descrição não deve impulsionar uma interpretação débil ou branda, pelo contrário, a interpreta-
ção deve ser vigorosa e enérgica, precisa como um relógio.
Música alemã
É caracterizada por dois contrastes: de um lado uma certa rudeza e por outro um profundo sentimento
religioso e até um certo misticismo, aliados a uma especulação e uma certa complexidade, tudo isso cul-
minando com a vertente espiritual. É importante ressaltar que os compositores alemães até meados do
século XVIII foram influenciados por estilos de outros países, como a França e a Itália.
Música inglesa
Chama a atenção por sua euforia e espontaneidade, é um tanto intimista, característica que predomina
desde o século XIII.
Música espanhola
A vitalidade do discurso musical se traduz por fatores rítmicos. Esses ritmos são encontrados nas
linhas melódicas e controlam o encadeamento harmônico. Certos contrastes envolvem os tempos e os
matizes. A polifonia foi sempre utilizada, mas foi na idade de ouro da polifonia que diversos composito-
res se destacaram. No entanto, a música espanhola atingiu rara beleza com a homofonia.
Música franco-flamenga
É integrada por compositores holandeses e belgas, especialmente no Renascimento. Possuíam uma
capacidade de combinar habilidades técnicas e buscar pureza e limpeza por sua transparência na expres-
são musical. Na interpretação de uma obra, faz-se necessária uma extrema pluralidade técnica, assim
como uma acurada percepção do tecido contrapontístico.

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Regência Coral: Princípios Básicos

ESTILO SACRO E PROFANO


A distinção entre os estilos está na finalidade a que se destinam.
Na música sacra, destaco dois estilos:
a) Música sacra ou litúrgica;
b) Música eclesiástica.
A música sacra caracteriza-se pela qualidade de expressão, e pela busca da objetividade dos senti-
mentos religiosos individuais ou coletivos. Utiliza-se de textos bíblicos.
A música eclesiástica destina-se aos espaços físicos religiosos. O compositor destina “tal” obra a um
determinado templo, preocupa-se com os aspectos religiosos para os quais a obra será destinada e obser-
va, em muitos casos, inclusive o aspecto físico e a ressonância desse templo.
Podem existir obras que se enquadram nas duas categorias.
A música sacra distingue-se da música profana tanto por sua concepção como por suas características
gerais.
Na música profana, pode-se enumerar pelo menos dois estilos diferentes da Renascença e do Barro-
co, por exemplo:
a) estilo teatral: obra variada, de caráter popular;
b) estilo de câmera: obra de estrutura elaborada.
Na música profana, ainda encontra-se um grande número de gêneros musicais.
Nem sempre as obras vocais em forma de dança, como balletti e villanelle eram destinadas a esse
objetivo, mas eram estilizações dessas danças populares. Isso significa que o elemento métrico dentro de
um tempo animado e inalterado deve ocupar o primeiro plano nas formações cadenciais, nos finais de
frases, e as demais subdivisões do tempo podem modificar-se quase que imperceptivelmente. Por essa
razão, aconselha-se suavizar as acentuações marcadas, o que se requer nos tempos fortes de danças. Essa
regra pode-se estender à música feita entre os séculos XVI e XIX e até por vezes à música moderna.
Em seguida, serão avaliadas algumas características gerais. A história será dividida em sete períodos
a partir de 1400, levando-se em consideração características gerais para facilitar a localização de uma
obra ou um compositor num mesmo contexto histórico temporal.

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Emanuel Martinez

I — PERÍODO DE 1400 — 155011

1) VISÃO GERAL
Durante esse período, o estilo de composição sofreu uma série de transformações. Diversos composi-
tores, no entanto, continuaram presos a vários aspectos técnicos e conceituais da tradição medieval.
A partir de Johannes OCKEGHEM (1430—1496), surgiram novas tendências que se manifestaram
em um tratamento diferenciado do material sonoro. Seu trabalho e o de seus compatriotas influenciaram
decididamente o estilo musical europeu até fins do século XVI.
As formas musicais estão sempre em constante modificação, demonstrando influências mútuas entre
os gêneros litúrgicos e profanos.

2) FORMAS MUSICAIS
Missa
Guillaume DUFAY (1400—1474) deu à “Missa” a forma cíclica de cinco partes, cujos movimentos
eram baseados no cantus firmus, melodia de origem gregoriana ou profana, geralmente disposta na voz de
tenor, na voz de soprano (discanto) ou que podia até passar de voz em voz. O tema do cantus firmus pode
aparecer da seguinte maneira:
a) figuras com valores de longa duração;
b) figuras ornamentadas;
c) figuras com variação rítmica diferenciada ou ornamentação melódica;
d) por inversão, retrógrado e movimento contrário.
Nas passagens em que havia o cantus firmus, mesmo fazendo parte da estrutura global do contexto
musical, essa voz devia ser levemente ressaltada.
Com Dufay, havia uma tendência de que o cantus firmus não se estabilizasse em uma única voz e,
sim, caminhasse por diversas vozes, conferindo ao trecho musical maior variedade e unidade.
No final do século XV, com a utilização de notas longas, o cantus firmus deixou de ser um elemento
meramente estrutural na composição musical para se tornar o centro das atenções como acontece, por
exemplo, na canção alemã Tenorlied — obra em que o cantus firmus se apresenta somente na parte do
tenor, transformando essa voz na principal, que deve ser levada a um primeiro plano sonoro.
Para que se consiga obter bons resultados em passagens contrapontísticas não imitativas, aconselha-
se que se ressaltem esses movimentos breves do contraponto. No entanto, no emprego de texturas musi-

11Exemplos de parte do texto (I ao VII período) foram baseados ou extraídos em parte do livro “El director de coro”,
capítulo III (La Interpretación) escrito por Guillermo Graetzer, — Editora Ricordi Americana — Buenos Aires (1979)

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Regência Coral: Princípios Básicos

cais de caráter imitativo, devem-se ressaltar os motivos temáticos, diminuindo um pouco a intensidade
das demais vozes. O maestro deve ter a preocupação de que a voz temática não se torne uma voz solista,
mas que se destaque um pouco mais que as demais vozes para que ela seja levemente reconhecida.
As partes da missa, gloria e credo, em geral, não iniciam com o texto latino litúrgico, mas requerem
uma “entonação gregoriana” realizada por um tenor solista.

Motete
O moteto12 representa uma das principais formas da música litúrgica. No século XV, diferiu de seu
antecessor gótico em muitos aspectos, entre eles o fato de apresentar um mesmo texto para todas as vozes.
Do ponto de vista técnico da composição, sofreu constantes transformações. A partir da segunda
metade do século XV, o moteto apareceu armado sobre uma estrutura do cantus firmus. Em alguns casos,
a voz de soprano entoava uma melodia gregoriana ornamentada. Segundo o destino, celebração ou fune-
ral, o moteto podia mudar seu caráter, o que implicava na mudança do tempo.
A partir do fim do século XV, Josquin des PRÉS (1450—1521) observou com maior cuidado a ex-
pressão da palavra. Operaram-se mudanças expressivas na trama contrapontística dos trechos polifônicos13,
o que abriu uma maior inter-relação entre as vozes.
Cada parte do moteto correspondia a subfrases do texto e apresentava um novo motivo que poderia
ser imitado e elaborado pelas demais vozes.
Nicolas GOMBERT (1505—1556) foi um dos primeiros compositores a abandonar o moteto basea-
do no cantus firmus e a substituí-lo por um sistema de imitação integral dos motivos iniciais de cada
seção, preparando, assim, o caminho para uma evolução que culminaria com a fuga no século XVII.

Chanson
A chanson, canção francesa, cuja melodia se distinguia por seu caráter cantabile e por suas frases
concisas, pertencia ao gênero profano. Sua textura era polifônica e imitativa, no entanto mais simples que
a forma do moteto. As cesuras entre as frases e as seções apareciam entrelaçadas por uma ou mais vozes,
dando a sensação de haver uma seqüência ininterrupta. O contexto poético era geralmente popular, o que
conferia à obra uma expressão delicada. Em muitas chansons, as palavras eram quase declamadas em
estilo silábico. Quando surgia a repetição da música, em geral, havia um novo texto, passando a ter um
caráter estrófico.
Existia também a chanson descritiva. Esse tipo de chanson traduzia diversos efeitos por meio das
vozes. “Les chants des oiseaux” e na “La Bataille de Marignan”, ambas de Clement JANEQUIN (1480—
560), são exemplos de chansons descritivas. Na primeira, intercalado ao texto, os cantores imitavam o
canto de diversos pássaros; na segunda, imitavam o andar dos soldados, entre outros efeitos.
12Moteto — transliteração da palavra “Motete”
13Polifonia— é a técnica de construção musical a diversas vozes, tratadas entre si com os mesmos direitos, transcorren-
do uma lateralmente à outra, e não ligadas harmonicamente umas às outras. As progressões de uma voz têm sempre uma
ligação com as demais. Essa técnica obedece a regras específicas.

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Emanuel Martinez

Frottola
A frottola, de origem italiana, estava enquadrada como música profana. Sua melodia principal ficava
na voz de soprano e sua estrutura se assemelhava muito à ária, forma popular estrófica. Sua estrutura
tendia para a homofonia. A temática dos textos referiam-se ao amor e à natureza, e a declamação do texto
era silábica.

Lauda
Embrião do oratório, a lauda a várias vozes surgiu no início do século XVI. Assemelhava-se, em sua
estrutura, à frottola, mas a temática era religiosa não litúrgica. Na época da contra-reforma, utilizava-se a
lauda em diálogos.

Lied
O Lied alemão, também chamado de Tenorlied, geralmente possuía a melodia principal tirada de
canções populares. Era cantado na parte do tenor, por isso recebeu esse nome. As demais vozes se contra-
punham no estilo de imitação, à maneira do moteto. A voz do tenor canta frases curtas e declamadas, as
quais devem ficar em destaque. Em alguns casos, a voz do tenor era solista e necessitava de acompanha-
mento instrumental.

Villancico
O villancico teve sua origem no canto popular espanhol, e sua textura podia ser homofônica. Por
volta do século XVI, surgiu uma versão religiosa popular. Atualmente, os villancicos estão associados a
cantos natalinos. A estrutura formal é composta de duas partes que se repetem. A melodia principal, em
geral, localiza-se no discanto (soprano), e as demais vozes podem ser tocadas ou cantadas. Geralmente,
nas partituras editadas, o texto da primeira estrofe é totalmente escrito debaixo da música, enquanto para
as demais vozes apenas indica-se a primeira palavra de cada estrofe. Por esse motivo, deve-se ter cuidado
ao adicionar as demais estrofes para não provocar erros. A forma musical corresponde ao seguinte:
a) estribilho com repetição;
b) cópola, repete-se várias vezes, mas sempre conclui com o estribilho
Segundo os tratados da época, os compositores escreviam suas obras corais a partir do tenor e adiciona-
vam, em seguida, o soprano e as demais vozes. Essas duas vozes (tenor e soprano) deveriam formar um
contraponto correto e completo, adicionando-se o contra-tenor e, posteriormente, a voz do baixo. Outras
vozes poderiam ser adicionadas sobre as vozes principais.
Esse conhecimento permite que o intérprete dê realce adequado às vozes principais e varie a combi-
nação vocal em cada uma das estrofes. Pode-se combinar, por exemplo: tenor com discanto; numa segun-
da vez, tenor, discanto e contralto, podendo-se omitir as demais vozes.

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3) MUSICA FICTA
A musica ficta ou música falsa era uma técnica muito utilizada pelos músicos da época. Muitas alte-
rações não eram colocadas nas notas, mas os músicos sabiam o que fazer, pois baseavam-se em regras
previamente estabelecidas.
Como recomendação sugere-se que o maestro procure edições modernas, que, em princípio, devem
ter esses problemas resolvidos, ou pelo menos trazem indicadas as alterações entre parênteses e/ou sobre
a nota correspondente. Dessa forma, o intérprete, conhecendo o texto original, reserva-se o direito de
aceitar ou não.

4) ORNAMENTAÇÃO
Para o músico de hoje é difícil saber com exatidão como se improvisava a ornamentação vocal e
instrumental nessa época. Evidentemente, a ornamentação improvisada simultaneamente a várias vozes
faz supor que as partes deveriam ser cantadas ou tocadas por solistas, exceto se a ornamentação tivesse
sido previamente estabelecida pelo maestro e ensinada a cantores ou instrumentistas para que todos exe-
cutassem o mesmo ornamento no mesmo local da partitura. Por se tratar de uma técnica específica, que
exigirá estudo e treinamento específicos, esse tema não será aprofundado no momento.

5) SONORIDADE VOCAL
Este estudo atém-se a técnicas e comentários de especialistas sobre a emissão vocal na música antiga.
Os especialistas sugerem que o timbre vocal deve ser dominado e modificado de acordo com a origem da
obra. Para a música francesa, recomenda-se uma sonoridade mais nasal e projeção sonora com uma resso-
nância bucal frontal. Pode-se eventualmente produzir-se um leve vibrato laríngeo sobre alguns sons, no
entanto para se tornar a música mais transparente, o ideal é a uma emissão sem vibrato. O timbre caracte-
rístico da música inglesa deve ser enriquecido por uma ressonância nasal. Já o canto italiano requer uma
certa agilidade e uma sonoridade pontuda frontal para a qual se utiliza a matização vocal sobre a vogal
“i”. Para o canto alemão, pode-se aplicar um sutil vibrato, tornando a ressonância laríngeo-peitoral.
Para se dominar essas técnicas, necessita-se de um trabalho técnico-vocal dirigido a cada obra e a
cada estilo, adequando o conjunto vocal do coro a cada situação.
Nos séculos XV e XVI, houve mudanças gradativas na entonação, provocadas pela hegemonia da
arte italiana do canto, levada a todos os cantos por maestros italianos.
A grande maioria das obras vocais dessa época era igualmente tocada e cantada, embora não se es-
quecesse do canto a cappella. Existem diversas citações de escritores da época, ao “estilo romano a
cappella”. Isso significa que as partes vocais eram dobradas por instrumentos, especialmente pelo órgão,
e em muitos casos algumas vozes eram substituídas por instrumentos.

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Por meio dessas observações, pode-se concluir que:


1. nem sempre as indicações de vozes (soprano, contralto, tenor e baixo) apresentadas nas edi-
ções de hoje correspondem à forma original;
2. seja qual for a forma autêntica, recomenda-se observar a tessitura da voz indicada. Assim, às
vezes, seria mais conveniente que uma parte indicada para a voz de contralto fosse feita
pelos tenores, e uma parte indicada para tenor, pelos contraltos.

6) NÚMERO DE PARTICIPANTES
O número de coralistas que participavam dos coros eclesiásticos eram em torno de oito a doze canto-
res. Para as obras profanas, cada naipe poderia ser composto de uma ou duas vozes.

7) DISTRIBUIÇÃO VOCAL
Como as mulheres não tinham participação nos coros litúrgicos, a voz do discanto (soprano), em
geral, era executada por meninos, e a parte de contralto, por tenorinos.
Na Inglaterra, surgiu uma voz diferente, que foi chamada de contra-tenor. É uma voz de tenor extre-
mamente aguda, mas que não era igual à dos contraltos, no entanto as partes de contralto passaram a ser
cantadas por essas vozes.

8) NOTAÇÃO MUSICAL
A escrita rítmica é complexa, e, sobre ela, existem poucas informações que orientem os músicos.
Em primeiro lugar, não se utilizavam as barras de compasso, como hoje, embora existisse uma escala
ampla de durações. O sistema baseava-se na subdivisão de um valor: binária (imperfeita) ou ternária
(perfeita). O maestro indicava, por meio do gesto chamado tactus, a unidade métrica que seria utilizada. O
movimento descendente era chamado tesis, e o movimento, ascendente, arsis. Num compasso ternário, a
tesis poderia corresponder ao dobro da arsis14.
A unidade de tempo, no século XV, era predominantemente a semibreve, o que corresponderia hoje à
mínima e, em muitas edições, à semínima. As edições modernas reduziram os valores a um quarto, ou
seja, as semibreves tornaram-se semínimas. Lamentavelmente, não existe um critério padronizado para a
transcrição métrica. Em algumas edições, observa-se que as semibreves foram transformadas em míni-
mas. Isso não significa que o tempo da obra deva ser modificado. Segundo alguns teóricos antigos
(Franchino GAFFORI (1451—1522) em sua obra: “Practica Musicae” de 1496), o tempo equivale ao
pulso de um homem tranqüilo, algo em torno de 70 a 80 pulsações por minuto.
Os autores da época aconselham manter o tempo de forma constante e regular. Era aceitável ceder o
tempo para a execução de alguns ornamentos. Ao final das frases, era comum colocar-se, sobre a última
nota, uma fermata, o que indicava um prolongamento dessa nota. Guillaume DUFAY (1400—1474) utili-
14Veja o tópico 2 — “Um breve conceito histórico”, no qual se aborda a história conceitual.

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Regência Coral: Princípios Básicos

zou, em alguns motetos, várias fermatas sobre diversas notas, indicando um provável molto ritardando.
Em alguns casos, encontram-se obras que eram concluídas com uma breve para indicar o final da frase
musical. Por esse motivo, não é necessário que a duração toda seja fielmente seguida.
A notação sincopada pode ser excepcionalmente separada em motivos rítmicos, com a troca de com-
passos, no entanto essa forma de escrita poderá provocar acentuações inconvenientes sobre os novos
tempos fortes. Essa nova versão facilita a compreensão fraseológica e propicia a valorização apenas do
que é necessário.

9) INTENSIDADE
Nos séculos XV e XVI, não existiam convenções para indicar a intensidade de uma frase musical.
Como já foi dito no início deste tópico, tanto nos dias de hoje como nos séculos XV e XVI, confiava-se no
critério de escolha do maestro ou do executante. A dinâmica não possuía uma importância vital.
Em geral, deve-se observar o desenrolar da seqüência melo-harmônica. O sentido de crescendo e
diminuendo pode, de alguma forma, estar atrelado às relações de tensão e repouso de uma frase musical
ou associado ao desenvolvimento do contexto. Por exemplo, um gloria de uma missa deve ser executado
com maior intensidade, com muito brilho. Se o acompanhamento instrumental não estiver indicado na
partitura, o que era muito comum na época, pode-se utilizar instrumentos mais sonoros, como os instru-
mentos de metal. O “Gloria in Excelsis Deo” de Guillaume DUFAY (1400—1474), escrito para duas
vozes e acompanhamento de instrumentos de metal, é um exemplo.

10) ARTICULAÇÃO
Nem compositores, nem teóricos deixaram muitas informações ou indicações sobre esse assunto.
Com base nas poucas informações escritas e em técnicas instrumentais, as linhas melódicas ágeis ou
de um perfil rítmico preciso e variado devem ser executadas com um legato marcato ou um non legato.
Essa técnica é recomendada especialmente para passagens melismáticas. As notas que possuem saltos
acima de graus conjuntos não devem ser executadas em legato.
Freqüentemente, encontra-se nas partituras uma forma cadencial formada por dois retardos consecu-
tivos, antecipando-se a resolução.
Exemplo nº 1

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Emanuel Martinez

A resolução requer um legato e a nota repetida, separada nitidamente da seguinte.


Ainda com relação às articulações, existe muita controvérsia, especialmente sobre passagens breves
com caráter de ornamento. Alguns sustentam que se deve executar o mais legato possível, com uma leve
flexibilização melódica; outros, por sua vez, aconselham um staccato levíssimo.
Exemplo nº 2

AGNUS DEI

Orlando di Lassus
Cabe ao maestro decidir o que e como fazer desde que mantenha um padrão em todo o contexto da obra.

11) MÚSICA E TEXTO


Até meados do século XVI, observava-se uma fusão entre a música e o texto, fosse a obra religiosa
ou profana.
Nesse período, a maioria dos autores não possuía grande preocupação em aliar texto e música para
que um desse sentido ao outro. Essa negligência diante da palavra também manifestava-se em descuidos
com a musicalização. Nem sempre havia precisão na combinação entre sílabas e notas, o que obriga o
maestro a organizar o texto sob a frase musical, no entanto, o compositor francês Josquin des PRÉS
(1450—1521) fez isso quando realçou o sentido da palavra e deu a ela mais sentido.
No caso da inexistência de indicações de qual palavra deva ser utilizada, sugere-se que, para os
villancicos, o romance e os madrigais, não se repitam palavras. Já na música litúrgica, essas repetições
são geralmente aceitas.
Outros problemas podem surgir, como a acentuação falsa. Em muitos casos, encontram-se trechos
musicais em que a sílaba tônica não coincide com o tempo forte. Um exemplo muito conhecido é o texto
da segunda parte do villancico “Oy comamos y bebamos” do compositor espanhol, Juan del ENCINA
(1468—1529). A sílaba tônica das palavras “onrra” e “paremonos” estão nos tempos fracos do compas-
so, e as sílabas fracas dessas mesmas palavras encontram-se sobre tempos fortes. Como resolver esse
problema? As sílabas “rra” e “mo” devem possuir menor intensidade que as demais sílabas. Dessa manei-
ra, a palavra manterá a acentuação correta.
Em obras mais elaboradas, como, por exemplo, nos Lied alemães, essas dificuldades não são encon-
tradas.

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Exemplo nº 3
OY COMAMOS Y BEBAMOS
Juan del ENCINA (1468-1529)

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II — PERÍODO DE 1550 — 1590

1) VISÃO GERAL
Entre as tendências desse período, deve-se mencionar o gradativo abandono às técnicas severas de
contraponto, criadas pela escola franco-flamenga, e a paulatina substituição pelo sistema harmônico. Uma
nova tendência de sentir se traduzia em expressividade intimamente relacionada à palavra, em contraste
com as demais possibilidades técnicas e formais.
As idéias humanísticas entraram tardiamente no pensar e no sentir dos músicos, o que determinou o
surgimento de novas formas de concepção artística. Esse tipo de manifestação buscava, por meio da
chamada “música poética”, uma relação mais íntima com o espírito que reinou na Antigüidade. Esse novo
conceito de música passou a percorrer os meios artísticos de então, ou seja, buscava-se inspiração nos
conceitos da antiga Grécia. O tratado “L’antica musica ridotta e da moderna prattica” — Roma, 1555, de
NICOLA VICENTINO (1511—1572), demonstra essa nova tendência. Em 1580, a Camerata Fiorentina
propõe a recriação da tragédia grega, cujos ensaios e apresentações foram estimulados pelo conde Bardi.
Carlos GESUALDO (1560—1613), compositor italiano, e Claude le JEUNE (1528—1600), compositor
francês, utilizaram o tretracorde cromático dos gregos; Roland de LASSUS (1532—1594), compositor
francês, e Claude le JEUNE (1528—1600), entre outros, escreveram música sobre versos da Antigüidade.
A técnica do cantus firmus foi abandonada, e a temática, por meio de imitações, e a utilização de
cadências harmônicas passaram a prosperar em todas as formas. Acentuava-se a importância da voz de
soprano como portadora da melodia principal, processo que culminou no século XVII.
As diversas seções de uma obra foram marcadas pelo texto, o que valeu para quase todas as formas.
Cada seção desenvolvia uma idéia melódica própria, que era marcada pelo que se chamou de “motivo”, e
que poderia aparecer diversas vezes, por um processo de imitação em todas as vozes.
Prevaleceu a tendência de se aumentar o número de vozes e de seções nas composições. Essa técnica
já tinha sido experimentada por diversos compositores, como Josquin des PRÉS (1450—1521), mas foi
cristalizada somente nos “Salmi Spezzati” de Adriaan WILLAERT (1480—1514), que aproveitou as ga-
lerias do órgão na igreja de S. Marcos de Veneza e compôs a obras para dois coros a quatro vozes cada
um. Esse procedimento foi desenvolvido por diversos compositores que formaram a escola veneziana,
entre eles: Cypriano de RORE (1516—1565), Baldassare DONATO (1530—1603), Giovanni CROCE
(1557—1609), Andrea GABRIELI (1520—1586), Giovanni GABRIELI (1557—1612) e Gioseffe
ZARLINO (1517—1590).

2) ESCOLA ROMANA
A chamada escola romana tornou-se totalmente independente do modelo da escola franco-flamenga.
Seu principal representante foi Giovanni-Pierluigi da PALESTRINA (1525—1594), cuja obra foi esco-

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lhida como arquétipo do estilo vocal do século XVI e tornou-se modelo para o ensino do contraponto.
Isso se deve à sua qualidade artística e à técnica apurada de sua composição.

3) IMPROVISAÇÃO
A improvisação, como adorno, parece ter sido praticada com abundância até o surgimento da música
polifônica. Sobre esse assunto encontram-se declarações de Charles BURNEY (1726—1814), teórico,
Wolfgang Amadeus MOZART (1756—1791) e Felix MENDELSSOHN-BARTHOLDY (1809—1847),
após terem escutado, na Capela Sixtina, obras dos séculos XVI e XVII, muito ornamentadas, o que ates-
tava a prática de improvisação da época.
O exemplo a seguir demonstra o que se pode fazer no madrigal de Cypriano de RORE (1516—1565).
A ornamentação é proveniente do tratado de “Dalla Casa — Le vero modo do diminuir”, 1584.
Exemplo nº 4
A LA DOLCE’OMBRA
Cipriano de Rore

4) TRANSPOSIÇÃO
Atualmente, existe muita controvérsia se as obras devem ou não ser interpretadas na tonalidade origi-
nal. Alguns maestros acham conveniente transpor; outros acham que deve ser mantida a tonalidade origi-
nal. A escrita até o século XVII concentrava ao máximo a parte de cada voz sobre o pentagrama a fim de
evitar a utilização de linhas suplementares e alterações na armadura de clave.
No entanto, pode-se tolerar, em obras a cappella, a transposição para tonalidades mais convenientes
caso a tonalidade original esteja nos limites ou fora do registro vocal. Hoje, os recursos vocais são muito
maiores que nesse período, o que permite uma maior capacidade de adaptação às tonalidades originais. A
maioria das edições modernas já está transposta. Essa prática só é tolerada para coros a cappella.

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Emanuel Martinez

5) ALTERAÇÕES
Para as alterações de notas não previstas na armadura de clave, vale o que foi dito para o período
anterior.
Cabe assinalar que existiu uma técnica, no mínimo curiosa, que perdurou até o século XVII: quando
o compositor marcava uma alteração diante de uma nota sensível, esse efeito poderia afetar as demais
notas de mesma altura.
Exemplo nº 5

Escrita Execução

6) FORMAS MUSICAIS

Missa
A técnica de composição da missa sobre um cantus firmus na parte do tenor foi abandonada
gradativamente. Em diversas obras, ainda existiam notas do cantus firmus completamente irreconhecíveis,
por estarem distribuídas dentro da melodia, o que era diferente do utilizado entre as várias vozes. Grande
parte das missas de Giovanni-Pierluigi da PALESTRINA (1525—1594) foi escrita segundo essa técnica.
A trama polifônica de certas partes da missa, especialmente o gloria e o credo, é freqüentemente
interrompida por texturas homofônicas15 e homorrítmicas16, com o objetivo de dar o máximo de clareza ao
texto.

Paixão
A forma paixão é a musicalização de textos bíblicos. Essa técnica foi utilizada em épocas anteriores,
mas é nesse período que cresce o interesse por essa forma.
Alguns compositores, como Roland de LASSUS (1532—1594), Tomas Luís de VICTORIA (1548—
1611) e Leonhard LECHNER (1553—1606), escreveram suas paixões para coro em forma de diálogo.
Todos os personagens, e também o evangelista, são interpretados pelo coral, algumas vezes em uníssono,
com a intervenção do público (turba). Em geral, esses trechos são homofônicos e homorrítmicos.

15Execução ritmo-harmônica igualitária e simultânea em todas as vozes e instrumentos.


16Execução rítmica igualitária e simultânea em todas as vozes e instrumentos.

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Moteto
No moteto, prevaleceu a técnica livre de composição contrapontística, com uma temática de cada vez,
porém mais densa e que flui através das vozes em constantes imitações. São notáveis os motetos de
Giovanni GABRIELI (1557—1612), em estilo concertante, que contrapõe a massa coral à orquestra e ao
órgão.

Villanella
Forma musical muito em voga na Itália, a villanella teve origem nas danças e nos cantos populares
escritos para coros a várias vozes. Caracteriza-se por uma harmonia sensível e por empregar freqüente-
mente seqüências de quintas seguidas e de terças paralelas, vestígio de uma antiga prática popular folcló-
rica.

Madrigal
O madrigal surgiu no século XIV. Sua forma renascentista floresceu extraordinariamente nas mãos de
Giovanni-Pierluigi da PALESTRINA (1525—1594) e Roland de LASSUS (1532—1594), assim como
nas obras de outros contemporâneos seus. É considerada a principal forma musical profana para coro,
resultante da poesia madrigalesca italiana e da técnica contrapontística flamenga. O madrigal foi direta-
mente influenciado pela frottola. Caracteriza-se pela liberdade no tratamento do material sonoro,
flexibilizado pelas exigências do conteúdo poético. A polifonia substitui a homofonia e introduzem-se
alterações e modulações harmônicas com o objetivo de ilustrar a palavra em suas mais requintadas inflexões.

Chanson
Nessa época, a canção francesa adquiriu maior agilidade e delicadeza, com motivos breves e decla-
mação silábica.

Balletto
O balletto italiano provém, como indica o nome, da dança. As partes vocais podiam ser dobradas por
instrumentos musicais.

Lied
O Lied alemão abandonou o cantus firmus no tenor e passou a utilizar, na melodia principal, a voz de
soprano ou a voz superior.

Coral
A forma coral teve sua origem na Reforma protestante, introduzida por Martinho LUTERO (1483—
1546), no serviço litúrgico, seguindo como modelo o Lied alemão. As melodias principais, em sua maio-
ria, provêm do canto gregoriano e de fontes seculares.

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Emanuel Martinez

O cantus firmus era, de certa forma, utilizado na linha do tenor com objetivo técnico-construtivo,
como um artifício contrapontístico.
O canto protestante do Oeste e do Norte da Europa, cuja forma era mais simples, era diferente do das
demais regiões européias. Clemens non PAPA (1500—1556) em seu “Souterliedeken” flamencos, can-
ções populares flamengas, elaborou, em forma homofônica, a estrutura do coral dessa região, conservan-
do a linha melódica na voz do tenor.
As versões do saltério de Claude GOUDIMEL (1510—1572) e de Claude le JEUNE (1528—1600)
são reformas, em parte, polifônicas no estilo antigo e, em parte, estruturas homorrítmicas, com a melodia
no tenor e no soprano. Essas técnicas influenciaram diversos compositores alemães, inclusive Johann
Sebastian BACH (1685—1750).
A forma coral tem seu correspondente italiano na lauda.

7) SONORIDADE VOCAL
Aos poucos, com a exigência de maior expressividade, que encontrou sua materialização com o canto
madrigalesco italiano, uma nova técnica de canto foi se estabelecendo: a utilização vocal em todos os
registros. ROSSETTUS (1529) aconselha que a voz deve ser bem trabalhada, com contínuos exercícios
para que a sonoridade vocal seja igual e bem acabada. Adrianus Petit COCLICUS (1500—1563) mani-
festa-se contra o hábito de levantar o dorso da língua, pois impede a fluidez da corrente de ar, a impostação
nasal da voz. Lodovico ZACCONI (1555—1627) valoriza a voz mista, pois permite uma entoação mais
doce. Já Heinrich FINCK (1445—1527), em seu método para canto (1556), pede uma voz doce e sonora
para a interpretação do discanto e, para o baixo, uma emissão mais volumosa e forte. Isso exige das vozes
intermediárias uma sonoridade idêntica, com uma suave adaptação às vozes extremas. Nenhuma das vo-
zes deve sobressair.
No final do século XVI, abandona-se o emprego do falseto nos grupos corais e em seu lugar entram
os castrati, cuja voz era mais flexível quanto à agilidade e à matização. Segundo Michael PRAETORIUS
(1571—1621), os castrati possuíam sonoridade idêntica a duas ou três crianças.
Deve-se procurar diferenciar a “cor” vocal de acordo com o respectivo idioma a ser cantado. A partir
da metade do século XVI, os idiomas europeus já possuíam características muito semelhantes às de hoje
em dia.

8) CORO A CAPPELLA
Saber se o coro no século XVI tinha ou não acompanhamento instrumental é um assunto polêmico.
Em alguns documentos, encontram-se relatos sobre obras cantadas por coros com acompanhamento ins-
trumental, no entanto encontram-se diversas críticas a esses acompanhamentos.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Michael PRAETORIUS (1571—1621) sugere várias formas de execução para os motetos de Roland
de LASSUS (1532—1594):
a) todas as partes podem ser executadas por cantores;
b) todas as partes podem ser executadas por cantores e instrumentistas;
c) algumas vozes podem ser executadas por cantores e outras, por instrumentistas;
d) algumas vozes, por cantores em uníssono aos instrumentistas e outras, somente por cantores
ou por instrumentistas;
e) os instrumentos harmônicos, como alaúde, cravo e órgão tocam o baixo e algumas outras
vozes ou tocam todas as vozes superiores.
O órgão tornou-se um instrumento obrigatório para o acompanhamento de coros eclesiásticos.

9) TIMBRE
O ideal timbrístico vem da perfeita fusão sonora entre as partes. Vem da interação entre cada naipe do
coro, entre as diversas famílias dos instrumentos e da homogeneização das vozes e dos instrumentos. Esta
é uma das funções primordiais do maestro: saber equilibrar essa sonoridade.
Em certas obras, onde há intervenção de solistas em contraste com os instrumentos que dobram as
partes solistas, pode-se diminuir a quantidade de instrumentos acompanhadores ou até reduzi-los a um ou
dois em cada parte.
Um outro fator timbrístico é a presença da voz feminina no coro eclesiástico, pois até então ela estava
excluída, exceto em conventos religiosos de freiras e monjas, que possuíam coros femininos. Também
existiam escolas de ensino musical exclusivamente para mulheres, sobretudo na Itália. Ambas as institui-
ções foram mantidas a partir do século XVI.

10) RITMO
Em termos gerais, o que segue é a continuidade das normas utilizadas no período anterior.
Nessa época, surgiu um problema métrico que poderá causar grandes dificuldades ao intérprete de
hoje. Trata-se de trechos escritos em compasso binário, intercalados por seções escritas em compassos
ternários.
Para ter maior segurança na mudança do compasso, deve-se recorrer ao original, pois a maioria das
edições recentes foi transcrita para a notação moderna. Contrariamente ao procedimento atual, no século
XVI, a duração da unidade de tempo dos compassos binários e ternários de um mesmo movimento deve
ser modificada. Se um movimento inicia em compasso binário, passando posteriormente a um compasso
ternário, deve-se observar a seguinte regra geral:

76
Emanuel Martinez

a) nos compassos em 3/1, tocam-se os três tempos de um compasso ternário no lugar de um do


compasso binário anterior, na proporção de três para um.
Exemplo nº 6

b) nos compassos em 3/2, tocam-se os três tempos de um compasso ternário no lugar de dois do
compasso binário anterior, na proporção de três para dois.
Exemplo nº 7

Se o maestro não dispuser de uma cópia do manuscrito original, aconselha-se a adotar o seguinte critério:
a) seguir o sentido natural da música;
b) equiparar a metade ou a totalidade de um compasso 4/4 ou a metade de um compasso 2/2
com a totalidade do compasso ternário 3/2 ou 3/4.
Isso representaria o seguinte:
Exemplo nº 8

Escrita ( h = w. ) Execução para ambos os casos

a)

( h = h .)
b) 4

Constituem uma exceção as edições modernas que possuem constantes mudanças de compasso, tentati-
vas de descobrir a riqueza rítmica oculta por trás de uma designação uniforme dos compassos da edição
original. É fácil reconhecer essa situação pela grande freqüência com que o revisor muda de compasso.

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Regência Coral: Princípios Básicos

11) INTENSIDADE
Nesse período da história, não se encontram indicações de matizes nas partituras. FINK, em seu
método de canto (1556), refere-se à intensidade vocal: “não é bom cantar ora com voz forte ora com voz
suave”. Já Stefano ROSSETTUS ( ? —1529) aconselha o canto forte em igrejas.
É evidente que na música do século XVI existiam diferenças de intensidade, que eram provocadas
pela própria textura musical:
a) muitas vozes contra poucas vozes;
b) tessitura aguda contra tessitura grave;
c) vozes com acompanhamento instrumental contra a sonoridade vocal a cappella;
d) sistema de imitação: ex.: “Ola, o che bon echo” de Roland de LASSUS (1532—1594). Esse
tipo de composição exige automaticamente uma diferença de intensidade;
e) repetições de frases breves semelhantes a um echo também pedem igualmente uma diminui-
ção de intensidade.

12) ARTICULAÇÃO
Para a música coral, não existem indicações gráficas de articulações. Em contrapartida, tanto na mú-
sica instrumental como na escrita para instrumentos de corda, existem indicações de articulações de arco
por meio de ligaduras.
Dentro de um estilo tradicional, a música sacra é caracterizada por legatos. Seqüências melismáticas
podem receber acentuações moderadas, como no período anterior. Na música profana, é bastante evidente
a utilização do staccato ou da forma leggiero em certas passagens, como, por exemplo, em sílabas
onomatopaicas ou em seqüências com os fonemas “lá, lá, lá”, por exemplo.

13) MÚSICA E TEXTO


A palavra, nesse período, adquire novo significado no contexto musical. O compositor a musicaliza
com exatidão para que possua o máximo de valor expressivo. Com essa finalidade, ampliam-se todos os
recursos da melodia, do ritmo, da textura, das progressões harmônicas e do timbre. Para atingir uma maior
inteligibilidade da palavra, recorre-se à homofonia ou a um tipo de parlando sobre uma mesma nota.
A acentuação e a declamação das palavras é, em geral, correta dentro de um compasso. No caso
surgirem dúvidas métricas e idiomáticas deve prevalecer a tendência idiomática.
Durante esse século, os idiomas europeus atingiram um muito idêntico ao atual, no que se refere à
estrutura e à fonética. Surgiram grandes obras gramaticais, testemunhando que o homem culto da época
tinha adquirido uma consciência da estrutura de seu idioma.
É lógico que, ao se estudar uma partitura, nem sempre se pode confiar na correta distribuição das
sílabas debaixo de cada nota, visto que as técnicas de impressão da época não eram tão avançadas quanto
são hoje. É por esse motivo que o maestro possui uma certa liberdade para realizar correções ou procurar
edições modernas de qualidade, que já foram corrigidas.

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Emanuel Martinez

III — PERÍODO DE 1590 — 1670

1) VISÃO GERAL
A mudança do século traz consigo alterações radicais para a produção musical.
Cristoph BERNHARD (1627 — 1692), em seu “Tractatus Compositionis”, refere-se a essas mudan-
ças da seguinte forma: “a música se divide em dois grandes grupos, o Stilus gravis ou Antiguus e o Stylus
luxurians ou Modernus. O estilo antigo é aquele constituído por notas demais, rápidas, com poucas vari-
ações na utilização das dissonâncias e que não leva em conta o texto com as harmonias, ou seja, todos os
recursos da harmonia dominam o texto. Por outro lado, o estilo moderno é constituído por notas bem mais
rápidas, intervalos estranhos, uma maior variedade no emprego das dissonâncias e outras licenças, procu-
rando uma boa melodia que se adapte ao texto. Aqui o texto prevalece sobre a harmonia.”
Giovanni BARDI (1534—1614) em uma carta para Giulio CACCINI (1545—1618) diz o seguinte:
“como estamos envolvidos com tanta obscuridade, o máximo que podemos fazer é dar um pouco de luz a
essa pobre música, já que, desde a sua degeneração até agora no transcurso de tantos séculos, não se
encontrou um único artista que haja refletido sobre as suas necessidades, sobre os caminhos do contraponto,
seu inimigo mortal.”
Ludovico ZACCONI (1555—1627), um tradicionalista, refere-se às mudanças nos seguintes termos:
“o que diriam os músicos antigos dessa situação, tais como Josquin des PRÉS (1450—1521), se ressusci-
tassem? Realmente, em nome de nossos modernos compositores, somente posso me ruborizar de vergo-
nha.”
Giovanni Maria ARTUSI (1540—1613) comenta o seguinte: “muitas composições modernas são
muito bonitas e chamativas no papel, mas pobres cantores! Colocam alterações onde querem, ou seja, sem
respeitar o sistema tradicional de tetracordes cromáticos. Os atuais compositores só nos trazem mais con-
fusão e grandes imperfeições, não de pouca importância, em vez de enriquecer, aumentar e enobrecer a
música com recursos variados como fizeram tantos outros, querem transformar a música de modo que o
belo não se distinguirá do bárbaro”.
Assim era o começo do Barroco, e, por isso, o intérprete moderno terá de levar em conta esse antago-
nismo estilístico. Observa-se uma tendência marcada pela homofonia, especialmente na música secular. A
necessidade de expressão do sentir individual tende mais para o solista. Na música religiosa, esse proces-
so é mais lento.
Em toda a época observa-se uma busca pelo extraordinário, pelo extravagante.
O sentido emocional domina toda a arte. O compositor inglês Thomas MORLEY (1557—1602) refe-
rindo-se ao emocional, aconselhava aos alunos: “vocês devem encontrar uma espécie de estado de paixão
(...) de tal maneira que movam internamente em vossa música, como um vento, ora furioso, ora manso,
ora severo, ora reservado e logo entregando-se a ela (...) vossa música será muito mais amada quando
mais variada ela seja.” A teoria da emoção já fora esboçada por compositores de séculos anteriores, no

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Regência Coral: Princípios Básicos

entanto somente se sistematizou a partir do filósofo Descartes, em sua obra “Les passions de l’ame” de
1649, quando apresentou seis formas fundamentais de emoção:
a) admiração;
b) amor;
c) ódio;
d) desejo;
e) alegria e
f) tristeza.
Athanasius KIRCHER (1602—1680), em seu livro “Musurgia universalis”, de 1650, relaciona al-
guns estados emocionais com representações musicais:
a) alegria: modo maior, com tempo rápido, intervalos consonantes e grandes, tessituras mais
agudas e brilhantes;
b) tristeza: modo menor, com tempo mais lento, intervalos pequenos (tons e semitons), tessituras
mais graves e escuras, dissonâncias e falsas relações.
Claudio MONTEVERDI (1567—1643) solicita, em seu VII livro de Madrigais (1638), que, para
algumas passagens, se substitua o tempo de la mano, ou seja, o tempo metronômico, por um tempo ex-
pressivo chamado de tempo del affetto del animo.
Durante o século XVII, produziu-se paulatinamente uma integração entre a melodia expressiva e o
contraponto.
A técnica do cantus firmus, abolida da prática musical, encontrou um reduto nas elaborações corais alemãs.
O baixo contínuo, em uso desde o século XVI, adquiriu maior importância como portador de harmonias.
A altura do diapasão variava de lugar para lugar segundo o gênero de música. Um número importante
de textos mostra, por exemplo, que, na França, a afinação poderia ser mais alta que em outros países da
Europa, e que o diapasão de igreja era mais alto que o diapasão de câmara, ou seja, da música profana.
Ao se examinar os instrumentos da época, percebe-se que alguns deles poderiam se adaptar a diver-
sas afinações, mas que outros não possuíam essas qualidades e, por essa razão, possuíam afinações fixas.
Alguns instrumentos da época de Claudio MONTEVERDI (1567—1643), por exemplo, utilizavam quase
todos o diapasão atual ou até um pouco acima.
Na voz humana, a extensão desejada para um baixo ia até o DO1, no grave, mas autores antigos
afirmavam que a maioria dos baixos alcançava apenas o SOL1 e que somente um baixo com muito boa
formação atingiria tal nota, o que não difere muito dos dias de hoje. É muito raro encontrar baixos que
alcancem o DO1. Isso permite concluir que o diapasão na Itália naquela época não poderia ser muito
diferente do atual.
Um outro fator discutível é a utilização de instrumentos autênticos ou não. Hoje, tem-se uma outra
realidade: as salas de concerto são bem maiores, as vozes humanas cantantes possuem uma outra postura
vocal, com maiores sonoridades, o que de uma certa forma põe em xeque o contraste entre instrumentos

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Emanuel Martinez

antigos e o poderio vocal dos cantores atuais. Um outro problema é a busca por afinações cada vez mais
altas, pois os instrumentos modernos já saem de fábrica com afinações mais altas, seguindo uma tendên-
cia das principais orquestras européias. Por outro lado, hoje, sopranos e tenores buscam notas mais agu-
das. Sentem-se frustrados quando não surgem passagens acima do RE4. Muitos cantores modernos não
gostam de cantar Claudio MONTEVERDI (1567—1643), por exemplo, sob a alegação de que sua música
é muito grave. Já Michael PRAETORIUS (1571—1621), em 1619, referia-se a essa tendência com as
seguintes palavras: “a voz humana é muito mais graciosa e agradável aos ouvidos nas regiões médias e
graves do que aquelas que são forçadas a gritar nos agudos”. Por isso, o uso ou não de instrumentos
originais é um assunto delicado, porém, existe uma regra que pode orientar o maestro: usar sempre o
instrumental apropriado à obra a ser executada:
a) havendo possibilidade, utilizar o instrumental de cada época, adaptando-se todo o conjunto
sonoro — cantores e instrumentos — a essa realidade técnica;
b) observar a acústica das salas de concerto, o que vai determinar a escolha final;
c) sistema de afinação, o que vai determinar o que é puro ou impuro, na relação entre as notas;
d) perguntar-se sempre: a linguagem será compreensível a tal ponto de transcender a qualquer
época?
A música barroca e renascentista foi redescoberta após a primeira guerra mundial. Antes desprezada,
agora parecia corresponder perfeitamente aos novos anseios: cantada ou tocada, oferecia poucas dificul-
dades técnicas e, pela ausência de dinâmica e tempo, prestava-se de forma ideal a uma prática “objetiva”.
Aos poucos, iniciou-se um distanciamento dos instrumentos convencionais, o que possibilitou a redescoberta
da flauta doce, da viola da gamba e do cravo, entre outros instrumentos de época. Devido à falta de
modelos apropriados e de tradição contínua, as sonoridades desses instrumentos eram inicialmente pouco
consistentes e ásperas, mas, mesmo assim, consideradas verdadeiras e belas. Alguns músicos profissio-
nais passaram a se interessar por tais instrumentos, mas, muitas vezes, não foram levados a sério. Essa
atividade paralela não era muito bem vista e era considerada um hobby. Hoje, essas manifestações musi-
cais com instrumental original já são reconhecidas e aceitas pelos artistas, mas para isso foram necessárias
décadas.
Qual é a diferença entre um violino antigo e um violino moderno? Basicamente não existe muita
diferença. Os instrumentos pouco evoluíram de um certo tempo para cá. Algumas características, no en-
tanto, podem ser notadas, como por exemplo: o violino de Stradivarius, de 1700, como ele o construiu,
com cordas de tripa, cavalete, alma e estandarte e o arco da mesma época, soará com muito menos volume
que um instrumento transformado do século XIX. Uma das principais peculiaridades desse Stradivarius é
a sonoridade, ou melhor, os sons harmônicos, o tipo de resposta, a maneira de ligar os sons e o equilíbrio
entre as cordas agudas e graves, o que o violino moderno não possui mais. Vale ressaltar que, atualmente,
nenhum desses instrumentos antigos mantém as reais características de seus criadores. Se um grande
violinista pegasse um Stradivarius original, tal qual mencionado anteriormente, estranharia muito, mas
certamente se o próprio Stradivarius escutasse e visse o que aconteceu com seus instrumentos ficaria tão
ou mais surpreso.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Um ponto muito importante deve ser levado em consideração pelo maestro ao escolher o instrumen-
to: o instrumento deve ser bom. Alguns maestros escolhem certos instrumentos antigos unicamente por-
que são antigos e se esquecem de verificar a qualidade deles. Entre um instrumento antigo ruim e um
instrumento moderno de qualidade, é melhor optar pelo instrumento moderno.

2) FORMAS
As formas e os gêneros musicais dessa época são os mesmos do período anterior, no entanto com
profundas transformações.
Madrigal
Para a música profana, o madrigal é uma das principais formas. Recebeu uma fisionomia muito parti-
cular na Inglaterra com Thomas MORLEY (1557—1602) e John DOWLAND (1563—1626). Na Ingla-
terra, surgem a “anthem”, nome que designa obras sacras não litúrgicas, geralmente sobre textos bíblicos,
e a ária, que corresponde ao Lied alemão, com a melodia principal na voz aguda.
Motete
O moteto experimentou, na Itália, com Giovanni GABRIELI (1557—1612), uma grande ampliação
de seus meios, entre eles a inclusão ao coro de um ou mais grupos instrumentais e órgão, que acompa-
nham de forma contrapontística as vozes cantadas.
Oratório
Em 1640, apareceu pela primeira vez o termo “oratório” para designar uma composição religiosa de
caráter moral e exemplificativo, como, por exemplo, um diálogo entre o bem e o mal.
Paixão
A paixão do século XVIII foi influenciada pelo o oratório e ambos devem muito à “ópera”, que
surgiu a partir dos ensaios do conde Giovanni BARDI (1534—1614), na Camerata Fiorentina, no final do
século XVI.
Fuga
Do moteto vocal, surgiram o ricercare, a canzona, etapas intermediárias, e a fuga monotemática, uma
das formas mais importantes da história musical, que encontrou o seu apogeu um século mais tarde.

3) SONORIDADE VOCAL
Em razão das sutilezas dos demais parâmetros da sonoridade, o tratamento do timbre tornou-se mais
refinado: o cantor passou a ter maior agilidade e maior capacidade de expressão, razão pela qual se dava
preferência aos castrati em vez dos falsetistas, que não sabiam cantar forte ou piano.
A quantidade de integrantes de um coro eclesiástico variava entre 30 a 35 vozes.
Informações precisas sobre o assunto são encontradas no “Syntagma musicum” de 1615, onde Michael
PRAETORIUS (1571—1621), em sua magnífica enciclopédia, aborda detalhadamente formas musicais pra-
ticadas na época: “os corais deveriam fazer-se acompanhar pelo órgão. O baixo deveria ser reforçado por um

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Emanuel Martinez

contrabaixo ou um fagote. As vozes intermediárias podem ser duplicadas em uníssono ou uma oitava acima.
Ao se interpretar um madrigal, deve-se variar a maneira de execução: uma vez somente as vozes, uma outra
vez somente com instrumentos e finalmente com ambos — vozes e instrumentos. Mesmo em outras obras
que aparentemente parecem ser a cappella, devem-se experimentar diferentes combinações timbrísticas”.
Possuem opiniões idênticas os alemães Johann Hermann SCHEIN (1586—1630) e Heinrich SCHÜTZ
(1585—1672), o inglês John COPERARIO (1575—1626) que adicionam baixos cifrados, baseados na
voz do baixo, a seus corais.

4) RITMO
Com a transcrição e a interpretação da notação rítmica dessa época, pode-se incorrer em erros pela
aparente semelhança gráfica com a música dos séculos anteriores.
Uma das principais confusões refere-se ao “C” e ao “C” (2/2). A teoria do século XVI ensina que, ao
utilizar em uma obra o “C”, dever-se-ia executar simplesmente mais rápido, mas em muitos casos isso não
ocorria. Por essa razão, os teóricos da época diziam que era aconselhável escrever apenas um “C” e
indicar o tempo com precisão por meio de expressões verbais.
Uma outra confusão refere-se à proporção da divisão ternária. Devem-se observar as doutrinas
renascentistas. As proporções entre os compassos binários e ternários também geram problemas. Apa-
rentemente, seguia-se a teoria renascentista. Na segunda metade do século XVII, porém, essa teoria foi
praticamente esquecida e por isso muitas interpretações ficaram assim:

Exemplo nº 9

( q = q)

Por vezes deve-se corrigir a última nota de uma frase que coincide com as demais vozes, diminuindo
o valor da maior figura:

Exemplo nº 10

Escrita Execução sugerida

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Regência Coral: Princípios Básicos

ou aumentando as figuras de menor valor


Exemplo nº 11
Escrita Execução sugerida

Desde o fim do século XVI, aparecem isoladamente sinais de respiração em texturas homofônicas,
que, por sua vez, constituem silêncios, proporcionando ao intérprete uma certa liberdade na dosagem da
pausa. Entre os que utilizam essa técnica estão Emilio de CAVALIERI (1550—1602) e Heinrich SCHÜTZ
(1585—1672).
A modificação do tempo é uma grande conquista dessa época. Michael PRAETORIUS (1571—1621)
manifesta-se a esse respeito: “confere-se aos motetos, concertos e madrigais uma graça singular quando
executados no seu início de forma lenta ou até patética, seguindo, após, alguns compassos em tempos
mais rápidos, voltando novamente ao lento, intercalando com um movimento mais rápido (...) cada qual
pode decidir onde colocar o tempo mais lento e onde retomar o mais rápido, considerando-se o texto e a
harmonia musical (...) Um Lied e um moteto perdem seu significado ao serem executados demasiadamen-
te rápidos (...) Ao final de cada peça, deve-se realizar um pequeno rallentando, acompanhando-se por um
suave esmorecimento”. Girolamo FRESCOBALDI (1583—1643) confirma essas sugestões: “não se deve
manter o tempo igual durante toda a peça, modificando-o como se fazem nos atuais madrigais”.
Deve-se observar que essas referências às mudanças de tempo e de matizes não devem ser encaradas
como se faz hoje. Para eles, uma diferença metronômica significa uma sutil mudança de poucos pontos na
indicação do metrônomo.
Giovanni Giacomo GASTOLDI (1556—1622) foi um dos primeiros a utilizar, em seus ballets (1591),
as diferentes escritas entre os tempos fortes e os suaves. Esse feito não implica na perda da liberdade
necessária para a utilização desses procedimentos em qualquer textura polifônica da época.

5) INTENSIDADE
Um dos maiores avanços do século XVII foi a exploração da riqueza expressiva da voz humana.
Entre tantas indicações para o manejo adequado da voz, deve-se dar atenção às referências de delicadeza
que podem modificar a intensidade.
Alguns autores pronunciaram-se a respeito disso:
Adriano BANCHIERI (1568—1634) indica em sua obra “Pazzia senile” (1598) expressões como:
cantate forte, cantate tutto il canto piano, além de utilizar as abreviaturas p (piano) e f (forte).
Ottavio DURANTE (? —1608) indica em suas partituras: esclamazione viva, messa di voce,
esclamazione, esclamazione languida.
Michael PRAETORIUS (1571—1621): piano p significa suave e lento.

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Emanuel Martinez

Claudio MONTEVERDI (1567—1643) na obra “Combatimento” de 1624 escreve: questa ultima


nota va in arcata morendo.
Pietro DELLA VALLE (1586—1652), em 1640, rechaçava os falsetistas com os seguintes argumen-
tos: “era-lhes estranha a arte de cantar piano e forte e estranho utilizar o crescendo e decrescendo gradativo
sobre uma nota”.
Heinrich SCHÜTZ (1585—1672) após sua viagem à Itália, em 1629, passou a adotar indicações de
matizes. Em algumas ocasiões, em vez do termo piano p, ele escreve “submisso”.
Giulio CACCINI (1545—1618) em seu livro “Nuove Musiche” Florência, 1602, comenta: “há al-
guns alunos que, ao executar a primeira nota, a entoam uma terça abaixo, como appoggiatura da primeira
nota; outros a executam com sua altura própria, iniciando-a suavemente e aumentando a intensidade
gradativamente. Essa é uma boa maneira para que a voz chegue com graça (...)”

6) ARTICULAÇÕES
A utilização de arcos por meio de ligaduras não era sempre muito clara. A ligadura também poderia
indicar uma frase ou a união de notas para uma única sílaba, o que também é chamado de melisma.
Embora houvesse poucas indicações de articulações nas partituras, nota-se um real esforço dos com-
positores em assegurar a melhor forma de expressão.
O que chamou muito a atenção de Heinrich SCHÜTZ (1585—1672), em 1629, em sua viagem a
Veneza, foi justamente a grande inovação no que se referia à interpretação e, a partir desse momento,
passou a escrever em suas composições indicações para a interpretação, o que o aproximava de seus
colegas contemporâneos.
Na música instrumental, os autores indicavam cada vez mais as articulações, como o legato, o non
legato e o staccato. Para a música vocal, o legato constitui um modo mais natural, por isso pode-se supor
que essa técnica tenha influenciado o legato na música instrumental. Nas obras dos compositores Luca
MARENZIO (1553—1599) e Claudio MONTEVERDI (1567—1643), percebe-se a influência das arti-
culações da música vocal sobre a música instrumental.

7) MÚSICA E TEXTO
“A palavra deve ser o âmago, e a música, o servo”, assim se exprimia o conde Giovanni BARDI
(1534—1614).
Giulio CACCINI (1545—1618) referia-se a uma lei base da música assim: “não deixar a poesia se
perder na música”.
Platão (427—347 a.C.), referindo-se à música, dizia: “a música não é outra coisa que: a palavra, o
ritmo e por último o som”.
A supremacia da palavra é tão importante que leva os compositores a refletir sobre a imagem gráfica
das notas quando se fala em: céu, terra, montes, vales, subir, descer, entre outras palavras, sentido esse
que perdura até o século XVIII.
A forma mais apropriada para a composição coral é a homofônica e a homorítmica. Os compositores
renunciaram definitivamente a essas formas de escrita, dedicando-se quase que exclusivamente à polifonia,
no entanto, em muitas obras eclesiásticas, cujo texto era de conhecimento geral, utilizavam-se a homofonia
e homorritmia

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Regência Coral: Princípios Básicos

IV — PERÍODO DE 1670 — 1760

1) VISÃO GERAL
No período anterior, deu-se início a uma revolução estilística que chegou ao limite da linguagem
tonal em uso. A nova época caracterizou-se pela consolidação de todos os meios que integram as obras de
arte e culminou com as gigantescas obras de Johann Sebastian BACH (1685—1750) e Georg Friedrich
HÄNDEL (1685—1759).
A linguagem tonal passou a ser expressa definitivamente dentro do sistema harmônico funcional,
cuja estrutura foi codificada por Jean-Philippe RAMEAU (1683—1764), assim como a sistematização
dos demais parâmetros utilizados na época.
A música coral a cappella praticamente deixou de existir, passando a ter o acompanhamento orques-
tral obrigatório. O canto coral profano fora da ópera foi quase esquecido, passando-se a utilizar o oratório
secular em seu lugar. Os principais compositores desse gênero foram: Georg Friedrich HÄNDEL (1685—
1759), que escreveu 15 oratórios profanos, entre cantatas e outras obras profanas para coro, solistas e
orquestra, e Georg Philipp TELEMANN (1681—1767), que escreveu cantatas profanas.
Neste período duas formas merecem um destaque especial:
a) a fuga;
b) o coral.
Basicamente, a fuga inicia com a exposição de um tema, que é repetido de forma sucessiva pelas
vozes. Numa fuga a quatro vozes, por exemplo, a primeira exposição é apresentada sobre o tom da tônica;
a segunda, sobre o tom da dominante; a terceira exposição voltará sobre a tonalidade da tônica; e a quarta,
sobre o tom da dominante. Terminada a exposição, inicia-se uma seção mais livre, chamada ponte, segui-
da pelo desenvolvimento, que reapresenta o tema em uma ou em diversas vozes. O ponto alto da fuga é o
processo de imitação canônica que acontece nas diversas vozes e que pode se repetir quantas vezes o
compositor desejar.
Em algumas fugas, aparece uma variação do tema, o contra-tema. Não se deve confundir esse sistema
com as fugas duplas, ou seja, aquelas que possuem dois temas distintos e independentes, que podem se
confrontar no transcurso da fuga em diversas combinações contrapontísticas.
A forma fugato inicia de forma semelhante a uma fuga, mas prossegue de uma maneira livre.
Uma outra forma que predominou nesse período foi o coral. Ao se falar nas derivações da forma, não
se fazem referências ao Lied eclesiástico evangélico (coral), como aparece freqüentemente nas cantatas
de Johann Sebastian BACH (1685—1750), mas a obras corais, por vezes de grandes dimensões, baseadas
em uma melodia tradicional. É interessante notar que, por meio dessa forma musical, o cantus firmus
renasceu.

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Emanuel Martinez

Na elaboração de um coral, utilizam-se várias técnicas:


a) as frases do coral, em geral, são separadas entre si por pausas, cantadas por uma voz, en-
quanto as demais formam um contraponto à melodia principal;
b) idem ao anterior, com a diferença que cada frase do coral é precedida de um fugato das três
vozes restantes;
c) a fantasia-coral é muito parecida com o item anterior, mas o material temático é desenvolvi-
do de forma livre.
Os grandes centros estilísticos, a Itália e a França, disputavam o domínio europeu, e a influência
italiana sobre todo o continente foi muito importante. A música coral alemã isolou-se das demais e seguiu
seu próprio caminho expressivo, baseado no coral evangélico, cujas características foram descritas acima,
enquanto a Inglaterra absorveu todas as influências européias.
Dentro dos estilos nacionalistas, destacam-se as principais características do estilo francês e do estilo
italiano, de acordo com as observações de George MUFFAF (1653—1704) e Johann Joachim QUANTZ
(1697—1773):
a) França: melodia natural, suave e fluída, que evita artifícios e saltos duros e freqüentes. Ex-
pressão terna, doce, nobre e delicada. Leviana vivacidade e clareza; pouca improvisação e
um caráter demasiadamente refinado;
b) Itália: estilo fogoso, apaixonado, impetuoso, penetrante e de grande sonoridade. Tendência à
exaltação e à excentricidade, contraste entre claro e escuro e grande tendência à improvisação.
Quanto à altura do diapasão, encontram-se sempre grandes diferenças de país para país, assim como
entre instrumentos destinados a diferentes gêneros.
Parece que, em 1711, foi inventado o diapasão na Inglaterra, mas somente em 1885, em Paris, estabe-
leceu-se uma unificação de altura, como base internacional, em cima do “lá” - 435 Hz. Atualmente, o “lá”
é de 440 Hz, com uma tendência a subir para 442 Hz em função de muitos instrumentos saírem de fábrica
com essa afinação e da maioria das orquestras modernas optarem por uma afinação mais alta.

2) IMAGEM SONORA
Em função da familiarização com a linguagem musical dessa época, cometem-se erros como querer
interpretar essa música dentro dos padrões sonoros modernos. Junta-se a esse erro o desconhecimento das
características dos principais estilos nacionais europeus.
Vale ressaltar que a sonoridade e o timbre de uma voz, cantada ou falada, de um povo é automatica-
mente projetada sobre sua música, seja ela popular ou artística. Para obter um timbre característico na
interpretação de uma determinada obra, é importante penetrar na sonoridade do idioma e nas peculiarida-
des geográficas do país.
Nesse período, surgiu na Europa uma consciência do belo e junto com ela muitos métodos italianos
que ensinavam passagens difíceis, solfejos e exercícios de canto sobre vogais. Pier Francesco TOSI (1646—
1732), por exemplo, escreveu, entre outras obras, um importante tratado de canto chamado “Opinioni di
cantori antichi e moderni”.

87
Regência Coral: Princípios Básicos

Segundo a tradição francesa, preferiam-se vozes pequenas, por serem mais flexíveis a ornamentos, que
deveriam ser executados avec douceur. Recomendava-se aos maestros uma entonação mais delicada e sutil.
Como já foi mencionado anteriormente, a maioria das obras corais requer acompanhamento instrumen-
tal. Quando for realizado por cravo ou órgão, o grave instrumental deve coincidir com a voz do baixo ou com
a voz mais grave. As vozes superiores da harmonia devem se realizar segundo a técnica do baixo cifrado.
Dentro dos principais métodos teóricos da época, evidencia-se o “Gradus ad Parnassum”, 1725, de
Johann Josef FUX (1660—1741) onde se apresentam técnicas apuradas de composiçõa e contraponto.
3) RITMO
Pode-se afirmar que a maioria das interpretações atuais, no que se refere ao aspecto rítmico, difere muito da
maneira com era realizada na época. Os compositores de então sabiam que a riqueza expressiva que se pode
transmitir está além de uma configuração rítmica ou de uma passagem marcada por alguns símbolos gráficos.
Estilo francês
Foram especialmente os franceses que conferiram uma grande sutileza à música instrumental e vocal
solista. Segundo essa tradição, a duração de certos valores sofreu delicadas modificações. (Esse tema é
muito complexo e não será abordado neste livro.)
Serão mostrados três exemplos escritos em movimentos lentos ou moderados, com figuras pontuadas:
Exemplo nº 10

a)

b)

c)

Figuras pontuadas e tercinas


Aparecem, ocasionalmente, as figuras rítmicas ternárias (em compassos 12/8, por exemplo) na mes-
ma voz ou no contraponto, valores pontuados ou outras formações que não se relacionam com o ritmo
geral. Para essas passagens, não existe uma regra definida, visto que os autores da época possuíam opini-
ões diferentes. Na maioria dos casos, os ritmos irregulares devem adaptar-se ao ritmo principal.
Exemplo nº 11

88
Emanuel Martinez

Um caso muito complexo aparece na “Paixão segundo S. João” de Johann Sebastian BACH (1685 —
1750) — II Parte, na ária com coro “Mein teurer Heiland”.
As partes do baixo solista e da orquestra estão escritas em 12/8, e as partes do coro, em 4/4. Ao se
observar o compasso 5, percebe-se que a voz do tenor canta um ritmo pontuado, que deve ser modificado
para ritmo de tercinas. Já no compasso 11, a voz de soprano e a voz do baixo do coro possuem uma
passagem com duas colcheias. Em ambos os casos, deve-se adaptar ao ritmo ternário tocado pelas partes
orquestrais.
Exemplo nº 12
ADAGIO

89
Regência Coral: Princípios Básicos

Essa diferença na notação não deve surpreender. Incongruências gráficas são muito comuns em obras
de compositores da época.
Estilo Italiano
O estilo de execução rítmica na música italiana não apresenta muitos problemas, já que ela respeitava
a notação escrita.
Para determinar o tempo, utilizavam-se indicações verbais ou numéricas, ou seja, cifras ou símbolos
correspondentes.
Quando se compara a música francesa à música italiana, observa-se que os tempos rápidos na Itália
eram mais rápidos que na França.
Esta é a escala dos andamentos mais utilizados no século XVIII, que obedece à ordem crescente de
velocidade:
Grave, Largo, Adagio, Lento, Andante, Maestoso, Sostenuto, Andantino, Affetuoso, Moderato, Tem-
po giusto, Vivace, Spirituoso, Allegretto, Allegro ma non tanto, Allegro molto, Allegro agitato, Allegro
assai, Presto e Prestissimo.
As indicações de tempo, feitas por meio de cifras ou símbolos, seguiam normas da época sintetizadas
abaixo:
C — indicava tempo ordinário, lento ou muito lento. A semínima era mantida como unidade de
tempo, a M.M. = 75, devendo-se marcar os quatro tempos.
C ou 2/2 — indicava uma velocidade mais rápida, com marcação em dois tempos.
C — Na França, indicava o dobro do tempo do C. Em aberturas, o tempo deve ser lento e expressivo.
3/2 — a mínima corresponde a uma semínima no compasso C. É uma indicação lenta para compassos
de três tempos, com exceção dos tempos rápidos escritos, como Vivace.
3/4 ou 3/1 — compasso de três tempos de velocidade média.
3 — indica que a unidade de tempo é a semínima. Compasso de três tempos.
3/8 — indica o dobro da velocidade de 3/4.
6/4 — compasso binário rápido.
6/8 — compasso binário mais rápido que o anterior.
9/8 — compasso ternário rápido.
12/8 — compasso quaternário rápido.

Carl Philipp Emanuel BACH (1714—1788), em seu livro “ Essay on the Tree Art of Playing Keyboard
Instruments” de 1753, indica ensinamentos considerados modernos. Ele escreve: “certos sons e pausas
devem ser prolongados acima do seu valor escrito, por razões expressivas”, ainda mais adiante: “em
geral, os ritenuti são mais apropriados aos tempos lentos ou moderados”. Ele refere-se ao fato de se
finalizar toda e qualquer peça com ritardando exagerado.

90
Emanuel Martinez

Uma nota sincopada não requer quase nenhuma acentuação, mas um ataque firme, sem que se dimi-
nua a intensidade. A nota anterior tem parte de seu valor cortado, e uma breve interrupção entre as notas
enfatiza a nota sincopada.

4) INTENSIDADE
Entre outros procedimentos, existiram, nessa época, meios de estabelecer intensidades das diversas
seções estruturais de uma peça musical. Isso significa que a intensidade não acompanhava a flexibilidade
do movimento melódico a não ser que se deixasse inalterada durante uma frase ou uma seção inteira,
modificando-a bruscamente na frase ou na seção seguinte. O procedimento acontece nos efeitos de eco e
nas passagens repetidas — f (forte) e p (piano).
Esse processo realça a estrutura da obra e encontra sua plena justificativa na música para órgão ou
cravo, pelas características técnicas desses instrumentos.
Esse sistema foi adaptado também a outros campos sonoros, como, por exemplo, no moteto III de
Johann Sebastian BACH (1685—1750), em que ele utiliza três planos de intensidade. O principal está em
forte, intercalado com um acorde piano quase como um eco. Segue-se a repetição da primeira frase em
piano, intercalada por um pianíssimo. Essa dinâmica é original de Bach.
Exemplo nº 13
f f

f f

f f

f f

f f

f f

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Regência Coral: Princípios Básicos

p p p
H
p p p

p p p

p p p

f f

Aconselha-se que o maestro do coro utilize recursos de dinâmica estrutural com certo cuidado e
nunca grosseiramente, ou seja, que ele permita uma flexibilização dentro de cada seção. Não se pode
conceber que, em uma época tão rica em sutis modificações em todos os parâmetros musicais, a matização
permaneça restrita a uma diferenciação tão rígida como é a dinâmica estrutural.
A dinâmica do crescendo e do decrescendo somente se consolidou na segunda década do século
XVIII. Esse tipo de expressão foi descrito por diversos autores como um dos efeitos mais comoventes, no
entanto ainda não se utilizavam esses movimentos em longas passagens. O movimento de crescendo e
decrescendo em longas frases seria utilizado definitivamente da metade do século XVIII em diante, como
se vê nas obras de Johann STAMITZ (1717—1757) e Niccolo JOMMELLI (1714—1774).
Como regra geral, pode-se estabelecer: sempre que não houver indicações expressas, o forte é o matiz
natural, e o piano, um efeito especial. Os movimentos, especialmente os rápidos, iniciam-se sempre em
forte enquanto as seções contrastantes exigem um piano.
Em relação à matização dos detalhes, pode-se citar Johann Joachim QUANTZ (1697—1773), em
1752, quando menciona: “é necessário introduzir um constante intercâmbio entre o forte e o suave”; já
Carl Philipp Emanuel BACH (1714—1788), em 1753, menciona: “aquelas notas de uma melodia que são
alheias à tonalidade devem ser enfatizadas, indiferentemente do fato de serem consonâncias ou
dissonâncias.”

92
Emanuel Martinez

5) ARTICULAÇÕES
Encontram-se, nas partituras instrumentais, indicações de staccato e non legato, no entanto essas
indicações quase não aparecem nas partes corais ou vocais. Deve-se observar a articulação adequada
provocada pelo texto em si mesmo.
Jean Baptiste BERARD, em seu livro “Art du chant” de 1755, recomenda: “para todas as passagens
marcadas pela paixão, articular muito bem as consoantes, duplicando-as (…) a arte de duplicar as conso-
antes é a alma da declamação e do canto.”
Em passagens melismáticas, obtém-se o realce dos motivos por meio das articulações em legato e
staccato.
Outro meio de obter algum subsídio para as articulações é transferir as indicações instrumentais para
o canto, entretanto deve-se observar as diferenças intrínsecas entre os instrumentos e a voz. Em alguns
casos, podem-se tomar certas articulações como referência. Nos movimentos lentos, tende-se a um legato,
enquanto passagens rápidas exigem um marcato ou, conforme o caso, um staccato, o que propicia uma
maior clareza à passagem.

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Regência Coral: Princípios Básicos

V — PERÍODO DE 1760 — 1820

1) VISÃO GERAL
Nesse período, observa-se que, paulatinamente, surgem mudanças no modo de pensar e de sentir da
burguesia culta da época, assim como surgem novas mudanças no sentido político social. A maioria das
obras sacras mostra uma mescla de estilos, o chamado stilus mixtus, entre o ser douto e ser galante, entre
o arcaico polifônico e o estilo homofônico, sensível e festivo dessa época.
Fora das igrejas e das cortes, realizavam-se reuniões sociais e pequenos concertos que incluíam o
canto comum e amigável dos assistentes. O resultado disso são os numerosos cânones compostos por
todos os compositores, com destaque para Joseph HAYDN (1732—1809), Wolfgang Amadeus MOZART
(1756—1791) e Ludwig van BEETHOVEN (1770—1827). Tem-se notícia de encontros musicais domi-
nicais realizados com a presença de Mozart e de seus amigos, que deram origem aos primeiros círculos
corais do final do século XVIII e princípio do século XIX.
As poucas obras para várias vozes, como o quarteto vocal, também chamadas de “Clássicos Vienenses”,
não foram concebidas para coro e sim para solistas, como, por exemplo, os quartetos vocais com piano de
Joseph HAYDN (1732—1809) e “Elegie” de Ludwig van BEETHOVEN (1770—1827) escrita para so-
prano, contralto, tenor, baixo e quarteto de cordas.
O movimento coral, que ressurgiu no século XIX, sofreu uma curiosa bifurcação entre o coro misto e
o coro para vozes iguais. Diversas associações corais de então dedicaram-se especialmente à apresenta-
ção de obras coral-sinfônicas, dedicadas a apresentações de oratórios sacros, oratórios profanos, música
eclesiástica e composições circunstanciais. Os coros de vozes iguais cultivaram o canto popular, incitan-
do sentimentos nacionalistas e a ânsia pela libertação política, sentimentos que comoviam os europeus.

2) IMAGEM SONORA
O ideal do canto italiano, o “canto do portamento”17, difundiu-se por toda a Europa. Não eram exigidas vozes
demasiadamente potentes, visto que as salas de concerto e de ópera de então eram bem menores que as de hoje.
Deve-se mencionar também a técnica de messa di voce, que consistia na emissão delicada do som com imediato
crescendo e conseqüente decrescendo. Este procedimento é utilizado especialmente sobre figuras com longas durações.
Ex:

3) RITMO
Leopold MOZART (1719—1787), pai de Wolfgang Amadeus MOZART (1756—1791), compositor e teórico,
em seu célebre método para violino, datado de 1756, assinala uma maior concordância entre a escrita rítmica e sua
17Também conhecido como glissando, deslizando. O som é transportado de uma nota grave a uma nota aguda, ou vice-
versa, sem que haja intervalos musicais definidos nesse intervalo sonoro.

94
Emanuel Martinez

execução em comparação com o período anterior. O esquema de compassos citado por ele corresponde efetivamente
ao que se utiliza hoje. Quanto ao tempo, ele admite que nem a mais precisa das indicações utilizadas na época poderia
determinar exatamente o tempo correto; sugere, então, que se associe essas indicações ao trecho musical.
Somente Johann Nepomuk MAELZEL (1772—1838), em 1816, resolve essa dificuldade, com a in-
venção do metrônomo, aparelho muito festejado por Ludwig van BEETHOVEN (1770—1827) e cantado
por ele em um conhecido cânone.
Se por um lado o metrônomo auxilia o trabalho do maestro, por outro, não substitui a experiência e a
sensibilidade do regente.
Os termos italianos para a indicação dos movimentos correspondem aos termos atuais. Uma ressalva
deve ser feita para o termo vivace, que sofreu uma significativa mudança até ao final do século XVIII.
Segundo Leopold MOZART (1719—1787), define-se esse movimento como um intermediário entre os
movimentos lentos e rápidos, igual ao que seria um spirituoso ou um animoso. Mais tarde, o termo vivace
passou a significar um tempo mais rápido que o allegro assai.
No caso dos compassos alla breve, é especialmente importante verificar a relação entre essa indica-
ção hoje e a indicação de tempo italiana na época.
Por exemplo, o célebre “Ave Verum”, de Mozart, que leva a indicação de adagio, deve ser dirigido
em dois e não em quatro como muitos fazem.
4) INTENSIDADE
É surpreendente o uso de sinais dinâmicos contrastantes e não esperados numa melodia, como piano subito,
assim como a utilização de crescendo e diminuendo sobre uma seqüência longa. O novo efeito do crescendo
prolongado atribui-se à célebre orquestra de Mannheim, dirigida por Johann STAMITZ (1717—1757). Um
contemporâneo relata que os ouvintes, ao escutarem a orquestra, diziam que tinham a sensação de se levantar
paulatinamente de seus assentos e, no diminuendo, voltavam a respirar, dando-se conta que o ar havia acabado.
Quando as texturas são preponderantemente homofônicas, deve-se ressaltar a voz que comanda a
melodia principal, considerando-se que as demais vozes desenvolvem um papel secundário. Deve-se no-
tar que a voz do baixo possui a mesma importância da voz que conduz a melodia principal.
5) ARTICULAÇÕES
A música instrumental era rica em indicações de articulação, mas faltavam informações para as partes
vocais. Elas apareciam, ocasionalmente, como pontos de staccato e sinais de acentuação.
A regra comum, com relação ao final da seção, era semelhante a do período anterior. Em geral, as
regras de interpretação estabelecidas até fins do século XVIII permanecem até parte do século XIX.
6) MÚSICA E TEXTO
Desde o início do século XVIII, vivia-se uma nova etapa, surgida da luta entre os fatores constituintes da
música vocal. Presenciava-se, agora, um contraste com o que os músicos da “Camerata Fiorentina” proclamavam.
Efetivamente, Wolfgang Amadeus MOZART (1756—1791), em uma carta a seu pai (1781), disse:
“em uma ópera, a poesia deve ser a filha obediente da música”.

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Regência Coral: Princípios Básicos

VI — PERÍODO DE 1820 — 1890

1) VISÃO GERAL
Uma das raízes do canto romântico a cappella, por volta de 1810—1850, foi o renascimento do que
se chamou de “o autêntico estilo eclesiástico”, que se referia ao estilo de Giovanni-Pierluigi da
PALESTRINA (1525—1594).
A música coral dessa época encontrou novos modos de expressão para o repertório a cappella: um
novo despertar religioso e o reencontro da alma nacionalista do povo, por meio de antigas melodias popu-
lares, e o surgimento de novas melodias em estilo popular. Essa nova arte de composição para coro a
cappella encontrou melhor acolhida entre os povos de língua alemã, não tendo muita repercussão entre os
povos latinos.
Monumentos do canto coral romântico são os coros para vozes masculinas de Franz SCHUBERT
(1797—1828), alguns dos quais possuem acompanhamento de piano ou instrumental. Além dessas obras,
Schubert escreveu obras para coro misto com acompanhamento de piano, originalmente concebidas para
solistas. Felix MENDELSSOHN-BARTHOLDY (1809—1847) e Robert SCHUMANN (1810—1856)
seguem a mesma linha de Schubert, dedicando-se especialmente ao coro misto. Nessas composições,
encontram-se diversas formas de Lied, tanto de forma estrófica como de composição geral. Algumas
delas mudavam a melodia e/ou o acompanhamento conforme o conteúdo literário. Nesse caso, o maestro
deve ter um bom conhecimento do conteúdo literário, pois a interpretação vai variar conforme o texto.
As obras de Franz SCHUBERT (1797—1828) e Robert SCHUMANN (1810—1856) exigem uma
interpretação de caráter íntimo.
O maestro deve ter cuidado, pois nem toda música desse século deve ser interpretada da mesma
maneira. Quando Schumann refere-se à música de Franz LISZT (1811—1886): “este mundo não é o
meu”, compreende-se que aqui iniciava um novo estilo de linguagem musical, encabeçado por Anton
BRUCKNER (1824—1896), Hugo WOLF (1860—1903) e Max REGER (1873—1916).
A arte de Johannes BRAHMS (1833—1897) deriva da de Schumann, com o aprofundamento da
técnica de escrita vocal, por meio de um exaustivo estudo dos compositores do século XVI e XVII, que
encontrou seu fruto na harmonização coral de numerosos cantos populares antigos como em seus gran-
diosos motetes. De forma idêntica, a maioria dos compositores da época dedica-se a esse tipo de com-
posição religiosa.
Nesse campo, Hector BERLIOZ (1803—1869), com seu “Requiem” e “Te Deum” César FRANCK
(1822—1890), com suas “Missas”, Camille SAINT-SAËNS (1835—1921), Giuseppe VERDI (1813—
1901) com seu majestoso “Requiem”, Felix MENDELSSOHN-BARTHOLDY (1809—1847), com seus
oratórios “Paulus” e “Eliajah”, Franz LISZT (1811—1886) com seu grandioso oratório “Christus” e
Johannes BRAHMS (1833—1897) com seu magnífico “Requiem”, buscam a renovação para alcançar
um estilo eclesiástico de autêntica expressão.

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Emanuel Martinez

Entre os compositores eslavos, destacam-se Antonin DVORAK (1841—1904), Bedrich SMETANA


(1824—1884), Leos JANÁCEK (1854—1928) e Piotr Ilyitch TCHAIKOWSKY (1840—1893), que cul-
tivaram o canto coral a cappella baseado em suas raízes populares.
A linguagem dos músicos do século XIX era especialmente em estilo homofônico e buscava a ex-
pressão por meio da interpretação da palavra. Karl LOEWE (1796—1869) mencionou o seguinte: “a
linguagem é o ritmo básico da música, e das infinitas possibilidades que oferece a harmonia com as
modulações e alterações reside o fator primordial da expressão por meio de tensões e relaxamentos que
refletem o conteúdo do texto poético.”

2) IMAGEM SONORA
A referência aqui foi apenas para coros a cappella e para coros acompanhados por piano ou por
pequenos grupos de instrumentos.
Durante esse período, desenvolveram-se as escolas de canto:
a) Alemanha — dava ênfase à expressiva promoção da palavra. A escola alemã surgiu como
conseqüência do sentimento patriótico, que, por sua vez, influenciou decididamente a ópera,
o oratório e o Lied alemão. A música germânica nutriu-se do Lied solista, cujo conhecimento
resultaria em um grande valor para o maestro do coro, em função da interpretação dos gran-
des compositores alemães. Na maioria das obras, a voz de soprano era a portadora da melo-
dia. As vozes secundárias apareciam tratadas com muito cuidado com a intenção de formar
melodias secundárias, o que as fazia emergir em algumas passagens de seu papel de acompa-
nhamento.
b) Italiana — promoveu a beleza do som e o virtuosismo vocal. O bel canto surgiu na Itália
depois de 1880, e o que atualmente muitos entendem por esse termo não corresponde à
técnica vocal que levou a Itália à perfeição nos séculos XVII e XVIII. Conservou alguns
elementos da arte antiga, mas se distinguiu desta pelo uso quase constante do vibrato de
diafragma e por exigir um grande volume. Sabe-se que o ideal vocal para o cantor operístico
do princípio do século passado, nas óperas de Gioacchino ROSSINI (1792 — 1868), por
exemplo, está distante da imagem atual e corresponde à técnica mais sóbria da antiga escola
italiana. No princípio do século XIX, ocorreu um fato interessante: os cantores de toda a
Europa estudavam principalmente com professores e maestros italianos.

3) RITMO
Em função da precisão atingida pela notação gráfica nessa época, a execução rítmica deve obedecer
fielmente à escrita.
O tempo indicado verbalmente ou por indicação metronômica depende sempre da expressão exigida
pelo texto literário. A velocidade nunca deve impossibilitar a percepção das palavras. Para mudanças de
tempo, os compositores utilizavam os termos convencionais.

97
Regência Coral: Princípios Básicos

Poucos sabem que Robert SCHUMANN (1810—1856) colocava a palavra ritardando exatamente
sobre as notas que deviam receber o efeito. Isso significa que, terminada a palavra, deve-se voltar automa-
ticamente ao tempo anterior. Lamentavelmente, muitos revisores descuidam-se desse detalhe.
O tempo, entretanto, deve ser sempre flexível, pois não existe nada pior que uma interpretação
metronômica. Isso não vale somente para as peças lentas; também as mais rápidas permitem sempre uma
sutil modificação.
Como proceder para manejar as mudanças de tempo?
1. Seguir a expressão da palavra e da frase.
2. Ter cuidado, ao preparar todo clímax de frase, com os acelerando e o ritardando.
3. Sempre que o tempo permita, deter-se, quase que imperceptivelmente, sobre acordes altera-
dos ou dissonantes como se estivesse em um clima harmônico.

4) INTENSIDADE
Com o avançar do século, intensificaram-se os extremos: ppp (pianissíssimo) por um lado e fff
(fortissíssimo) por outro.
Em geral, a matização sempre era bem detalhada pelos compositores. Apareceram acentos de diferen-
tes intensidades, como o símbolo gráfico sffz (sfforzando). Apareceu o fp - forte piano súbito, de difícil
execução para o cantor, no entanto de efeito extraordinário na massa coral.
Quando não houver intensidade escrita, compete ao maestro observar o círculo harmônico e o movi-
mento ascendente ou descendente de cada frase.

5) ARTICULAÇÃO
As formas de legato e non legato passaram a estar associadas à expressão da palavra.
Deve-se cuidar da articulação na dicção de cada palavra, segundo seu sentido e sua expressão.
A música responde minuciosamente ao clima promovido pela palavra. Cabe ao intérprete detectar a
expressão adequada, compasso por compasso.
A íntima relação entre a palavra e a música valoriza todo o conjunto: valores poéticos expressivos,
ritmos e plasticidade da linguagem.

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Emanuel Martinez

VII — PERÍODO APÓS 1890

1) VISÃO GERAL
Não é fácil sintetizar o que ocorreu desde o final do século XIX no campo da composição coral.
Os compositores do fim desse século continuaram a tradição coral herdada, mas introduziram um
elemento novo: o efeito timbrístico. Utilizaram esse efeito para evocar um certo clima em determinado
ambiente ou o empregaram como elemento de brilho.
Qualquer intenção de classificação violenta a realidade, que sempre foi fluente e multifacetada.

2) NOVAS TÉCNICAS
Impressionismo
Ao se observar a obra coral de Achille Claude DEBUSSY (1862—1918) “Trois Chansons” tem-se
um resumo do que aconteceu nessa época:
a) melodia fluente;
b) melodia doce e expressiva;
c) acompanhamento com caráter instrumental;
d) os baixos imitam o ritmo de um tambor e de um pandeiro: uma das vozes graves é rítmica
enquanto a outra metade é mantida em ritmo de dança;
e) a mistura de timbres provocada pelos contraltos e tenores ambienta o texto poético. Deviam
formar um timbre mais homogêneo, facilitado pela boca chiusa;
f) a harmonia surge apenas como um fator timbrístico;
g) as partes rítmicas exigiam uma execução precisa, bem articulada e impulsionada por uma
energia contida.
Expressionismo
Existem diversos autores e obras que caracterizam bem essa época, tais como:
a) Arnold SCHÖNBERG (1874—1951) — “Paz na Terra”
b) Charles IVES (1905—1963) — “Three Harvest Home Chorals
c) Anton von WEBERN (1883—1945) — “1ª cantata”
A música seguiu as tendências das demais artes:

“Em vez de reproduzir exatamente o que vejo diante de mim, faço exatamente o contrário com
a cor. Busco sempre uma forma de expressão mais forte.”
Vincent Van Gogh

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Regência Coral: Princípios Básicos

“Grita a miséria; o homem grita por sua alma, toda a época se faz ecoar por um único grito
de socorro. A arte também grita, há uma profunda obscuridade, grita pedindo socorro, grita
pelo espírito: isso é o Expressionismo”.
Hermann Bahr

As palavras do pintor e do poeta testemunham a tendência da época.


Exemplo nº 14
I. KANTATE
Opus, 29
Webern

100
Emanuel Martinez

ein

Observam-se nesta obra de Anton von WEBERN (1883—1945):


a) os saltos da voz têm um caráter instrumental, o que demonstra um estado de extrema excita-
ção;
b) os matizes surpreendem pelos contrastes que produzem entre as palavras pertencentes a uma
mesma idéia;
c) a frase schlug ein aparece com um sentido altamente dramático com os efeitos de sfz - p -
cresc. - f;
d) a tonalidade, os últimos vestígios de período métrico e a simetria das frases, características
do classicismo, foram abolidos;
e) atrás de uma aparente de desordem, surge uma forte agitação expressiva, construindo uma
trama muito bem consolidada.

Novos objetivos e o neoclassicismo


Serão mencionados, a seguir, alguns compositores e respectivas obras que fazem parte desse novo
movimento:
a) Paul HINDEMITH (1895—1963) — “Six Chansons”
b) Luigi DALLAPICCOLA (1904—1975) — “I cori do Michelangelo Buonarroti il Giovane”
c Igor STRAWINSKY (1882—1971) — “Ave Maria”
d) Benjamin BRITTEN (1913—1976) — “A cerimony of carols”

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Regência Coral: Princípios Básicos

Diante da explosão emotiva do Expressionismo, alguns artistas buscaram a medida, o cálculo e o


equilíbrio arquitetônico, fatores que se converteram em valores estéticos. Igor STRAWINSKY (1882—
971), em sua fase neoclássica, explica a música como mero jogo de formas sonoras, sem nenhum outro
significado que aquele inerente a ele mesmo.
Nesse processo de busca de novas maneiras, de novas tendências, destacaram-se o neoclassicismo e o
folclorismo. Percebe-se um equilíbrio melódico e rítmico entre as vozes do coro, que se tornam completa-
mente independentes entre si, dentro de um estilo puramente polifônico e, em muitos casos, aparece a
utilização de uníssonos, o que lembra um pouco o canto gregoriano.
Os compositores da época passaram a utilizar muitos textos arcaicos e esquemas de composição
idênticos aos que se utilizavam nos séculos XV e XVI, como as técnicas de contraponto e a utilização de
modos antigos e eclesiásticos.
Paralelamente a isso, mesclavam-se técnicas modernas, como a polimetria, ou seja, a superposição de
compassos diferentes, como no exemplo abaixo de Wolfgang FORTNER (1907—). O compositor utiliza
as raízes da música do século XVI: duas melodias diferentes e independentes onde não há a coincidência
de compassos.
Para que a audição seja clara, é necessário evidenciar bem as notas marcadas com acentos.
Exemplo nº 15
FORTNER: Canção Sagrada (extrato)

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Emanuel Martinez

Carl ORFF (1895—1982) também utilizou as mesmas fontes em ballets, oratórios e óperas de sua
autoria.
Orff utilizou como fundamento elementos rítmicos e harmônicos em ostinato, prática musical de
povos primitivos que cumpre uma função ritual e mágica em suas cerimônias. Orff utilizou esses efeitos
em sua obra não só para dar um sabor arcaico, mas para conseguir efeitos de êxtase e excitação. Outra
características dessas composições é que tudo circunda sobre motivos breves formados por poucas notas.
Pode-se notar ainda o emprego das técnicas do organo — utilizado por volta do século X, em muitas de
suas obras. Basta verificar as linhas das vozes superiores e inferiores e perceber como ele utilizou essa
técnica. No coro de “Catulli Carmina” — “Nunc iam illa non vult” — observe-se a voz do baixo e tam-
bém as três vozes superiores.
Exemplo: a)

Exemplo: b)

Folclore
Aqui enquadra-se uma série de compositores que utilizaram o folclore como fonte de inspiração para
suas obras. Entre os compositores da época, destacam-se:
a) Igor STRAWINSKY (1882—1971) — com suas canções camponesas russas para coro
feminino.
b) Bela BARTÓK (1881—1945) — em seus cantos eslavos e campestres.
c) Heitor VILLA-LOBOS (1887 — 1959) — em suas quase 1.500 obras sobre temas popula-
res, indígenas e folclóricos do Brasil.
d) Luiz GIANNEO (1896—1968) — compositor argentino, que utilizou o folclore e a música
popular como referência para sua criação.

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Regência Coral: Princípios Básicos

e) Alberto GINASTERA (1916—1983) — seu repertório é baseado em parte no folclore ar-


gentino. É considerado um dos maiores compositores da Argentina.
f) Manuel de FALLA (1876—1946) — compositor espanhol, grandemente influenciado pelo
folclore de seu país. É um dos mais importantes compositores da Espanha.
Os compositores dessa época realizavam muito a mudança de compassos para acompanhar o verda-
deiro sentido e dar uma correta declamação à palavra. Todas as músicas desses compositores nacionalis-
tas repousam sobre o vigor rítmico e sonoro do folclore ou da música popular de seus países.
Bela BARTÓK (1881—1945) referia-se à música folclórica da seguinte maneira: “a música pura do
povo pode contribuir e muito para o enriquecimento da chamada música artística (...) devemos nos entre-
gar ao estudo do significado e de todas as circunstâncias da vida de um povo e refletir sobre os efeitos
dessas impressões sobre uma obra musical”. Essas palavras refletem seu testemunho e sua atitude diante
de muitas de suas obras que se nutriram do folclore vivo de sua pátria.

Novos enfoques
No século XX, surgiu uma nova corrente de pesquisa musical, que adotou novas linguagens. Eis
alguns dos principais compositores desse século:
a) Krzysztof PENDERECKY (1933—) — compositor polonês — entre as obras para coro
destacam-se: “Stabat Mater” e “Agnus Dei”.
b) Luigi NONO (1924—) — compositor italiano — “ll canto sospeso”.
c) Gyorgy LIGETI (1923—) — compositor húngaro — entre as muitas obras para coro misto a
cappella, destacam-se: “Lux aeterna”, “Pápainé”, “Magány”, “Éjszaka” e “Reggel”, e para
vozes femininas: “Mátraszentimrei Dalok” e “Idegen földön”, entre muitas outras.
d) Jan NOVÁK (1920—) — compositor tcheco — “Exercitia Mythologica”.
Para que um coro amador possa cantar esse tipo de repertório, deve passar por um intenso treinamen-
to. Os cantores vão defrontar-se com grandes intervalos melódicos e dificuldades rítmicas que exigirão
uma grande firmeza. As obras desse período podem possuir diversas vozes por naipe, com ritmos e dese-
nhos melódicos totalmente diferentes. Em alguns casos, o compositor sugere a quantidade de coralistas.
Por exemplo: uma obra para quatro sopranos, quatro contraltos, quatro tenores, quatro barítonos e quatro
baixos deve ser cantada por apenas vinte coralistas — limitação estabelecida pelo próprio compositor.
Como já foi mencionado, algumas dessas obras podem possuir inclusive características de semelhança
estrutural melódica, muito parecidas com as de compositores como Giovanni-Pierluigi da PALESTRINA
(1525—1594 e Claudio MONTEVERDI (1567—1643).
A seguir, serão mostrados exemplos de obras recitadas, em que são utilizadas figuras musicais con-
vencionais, que podem estabelecer apenas seqüências rítmicas. A emissão vocal vai depender apenas do
conteúdo do poema.

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Emanuel Martinez

Exemplo: CANTO/CIRANDA (AO) CHÃO DE AYLTON ESCOBAR

Existem obras com sílabas soltas, sem qualquer sentido, apenas com efeito onomatopaico, em que o
som cantado por vezes não possui altura definida, misturando-se com voz falada ou com sussurros, por
exemplo.
Em geral, esse tipo de composição possui uma pequena “bula” onde estão explicados os diversos
sinais utilizados e como utilizá-los.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Exemplo: “CHORSTUDIEN” DE HERMANN REGNER

Um dos primeiros compositores a utilizar a linguagem para coros recitados foi Darius MILHAUD
(1892—1974).
Muitos compositores, ao escreverem para coro, esquecem que a maioria dos corais é composta de
amantes da música e não de músicos profissionais.
No entanto, há alguns compositores que escreveram obras destinadas a não profissionais:
a) Paul HINDEMITH (1895—1963) escreveu diversas obras para as escolas de música, visan-
do ao aperfeiçoamento dos jovens, como é o caso de “Jugend und Schulmusiken” (Treina-
mento elementar para músicos — edição Ricordi Brasileira).
b) Darius MILHAUD (1892—1974) — o compositor francês escreveu a obra “Da musique en
famille et à l’ecole” (A música em família e na escola).
c) Sir Michael TIPPETT (1905—) — compositor inglês.
d) Bela BARTÓK (1881—1945) — compositor húngaro, foi um dos compositores que mais
escreveu para crianças e jovens estudantes.
e) Zoltan KODALY (1882—1967) — compositor húngaro dedicou muitas de suas obras às
crianças. Além de desenvolver um método para o ensino da música para crianças, conhecido
como método Kodaly, harmonizou mais de mil músicas na forma de coro, entre outros temas
científicos e didáticos.

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Emanuel Martinez

f) Carl ORFF (1895—1982) — o compositor alemão dedicou todo o seu dinheiro e trabalho
para desenvolver um método de educação musical para crianças, jovens e adultos, método
chamado na Alemanha de “Schulwerk”.
g) Heitor VILLA-LOBOS (1887—1959) — entre as grandes obras sinfônicas para coro, Villa-
Lobos dedicou uma grande parcela de sua vida à composição de obras corais a cappella ou
com acompanhamento de piano, destinadas aos coros de escolas que ele mesmo dirigia, mo-
vimento que se iniciou no Rio de Janeiro e que aos poucos se propagou por todo o Brasil a
partir de 1930.
Nos dias de hoje, poucos compositores dedicam-se a escrever obras acessíveis a coros amadores. Por
esse motivo, é aconselhável que os maestros estimulem seus cantores a estudarem música, ou que reser-
vem algum dia de ensaio, ou dia extra, para ensinar a seus cantores a linguagem musical, tão importante e
tão necessária para melhor exercer a arte de cantar.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Tópico 9
ACOMPANHAMENTO INSTRUMENTAL

C omo já foi visto anteriormente, um coro pode se apresentar a cappella, ou seja, sem acompanhamen-
to instrumental, ou com acompanhamento instrumental, sejam conjuntos instrumentais de diversos
tamanhos ou simplesmente órgão, piano ou teclado.
O acompanhamento de um coro deve receber atenção especial do maestro, pois ou ele contribuirá
para o enriquecimento da obra ou poderá colocar todo o trabalho do maestro a perder.
Como trata-se de acompanhamento e não de solo, tanto o maestro como os músicos acompanhantes
devem ter bem clara sua função. Em muitos casos, quando se acompanha um coro com uma orquestra,
existe sempre a tendência de o músico seguir à risca a dinâmica escrita. É bom ressaltar que existe uma
diferença entre um forte de acompanhamento e um forte de instrumentos solistas.
O maestro deverá sentir as possibilidades vocais dos cantores e/ou dos solistas e saber equilibrar a
intensidade do acompanhamento. Jamais um solista ou um coro, seja ele vocal ou instrumental, deve ser
sobrepujado pelo acompanhamento.
É lógico que se os instrumentistas possuem alguma parte independente dentro da música, a qual lhes
pertence única e exclusivamente. Nesse caso, o forte pode ser instrumental, na conotação moderna de
hoje, no entanto ao entrarem as vozes, esse “forte” deve ficar subordinado à intensidade das vozes. É
importante que as vozes sejam trabalhadas vocalmente para poderem suportar o acompanhamento de
instrumentos. Quando alguns instrumentos necessitam tocar intensidades muito reduzidas, perdem suas
características, e, para alguns, é impossível reduzir tanto a dinâmica.
A dinâmica, nos instrumentos e nas vozes, é um problema técnico, que deve ser estudado pelo maes-
tro, pelos instrumentistas e pelos cantores.
Quando o acompanhamento é realizado por um piano, um órgão ou um teclado, cabe ao instrumentista
possuir o domínio suficiente sobre o instrumento para que não prejudique o acompanhamento, além de

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Emanuel Martinez

aceitar e respeitar as orientações do maestro sobre detalhes da interpretação do instrumento. Isso significa
que:
a) o acompanhamento não pode ser independente. Ele tem de estar em sintonia com a música
que está sendo feita, ou seja, todos os detalhes repassados para as vozes devem ser aplicados
também aos instrumentos;
b) o instrumento que vai acompanhar não pode tocar tão rápido ou tão forte que prejudique o
coro e/ou os solistas;
c) o acompanhamento não pode ser tão suave que o coro não ouça, o que prejudica a afinação
do coro.
d) o pianista, o organista ou o tecladista deve submeter-se às indicações dadas pelo maestro.
Em muitos casos, especialmente em coros amadores ou de igreja, certos acompanhadores, pianistas,
organistas ou tecladistas, não gostam de aceitar recomendações dos maestros, achando que o maestro não
deve interferir em seu toque. É bom frisar que é tão importante o maestro trabalhar o coro como trabalhar
o acompanhamento; do contrário, serão dois núcleos se digladiando até ao final da obra, um ignorando o
outro.
Nos coros amadores, pode ocorrer também um outro problema. Em muitos casos, o pianista possui
mais conhecimentos de música que o regente. O maestro precisa ter conhecimentos suficientes para diri-
gir. Dirigir não é só abanar os braços, mas ter a coordenação total do seu trabalho, passar todas as infor-
mações, fazer correções, equilibrar sonoridades e andamentos, etc.
Caso o pianista saiba mais do que o maestro, existem algumas opções:
a) o maestro se integra ao coro como cantor e deixa que o pianista dirija do piano;
b) o maestro tem uma conversa franca com o pianista, em particular, expõe o problema e ambos
trabalham o repertório em conjunto;
c) dispensa o pianista e resolve o problema de uma outra maneira;
d) o maestro “mete a cara” nos livros, nas partituras e estuda — uma das melhores soluções.
Se o maestro optar pela opção “b”, pianista e maestro devem trabalhar em perfeito entrosamento, sem
disputar o posto, o poder ou os conhecimentos. O pianista deve seguir o maestro, pois esse bom relaciona-
mento entre acompanhamento e maestro terá seus reflexos no resultado final do trabalho. O maestro deve
saber pedir e deve saber demonstrar o que pede.
Quando pianista ou grupo instrumental estão afinados com o regente, com toda a certeza o resultado
final será dos melhores.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Tópico 10
COMUNICAÇÃO NÃO-VERBAL

“A comunicação do maestro é sempre realizada


por meios explícitos e por meios não-verbais.”

INTRODUÇÃO

A comunicação com um grupo musical, seja ele vocal ou instrumental, é de extrema importância, e a
linguagem adotada deve ser “universal”. Por esse motivo, no início deste trabalho, foi feita uma
referência à internacionalização da regência. Todos os sinais que serão estudados a seguir estão previa-
mente estabelecidos há muito tempo. Também como já foi dito, o maestro não deixa de “ser ele” se tiver
de abandonar alguns gestos desnecessários ou incorretos; apenas estará se adequando a uma linguagem
universal e colocando sua personalidade e sua visão artística na obra.
A comunicação pode ser classificada em dois planos:
1. um novo sinal. Qualquer novo sinal utilizado pelo maestro deve ser sempre acompanhado
de uma explanação prévia. É importante que haja uma lógica para a criação do novo sinal.
2. automatização. A utilização sistemática desse sinal vai induzir uma resposta automática
dos cantores e instrumentistas.
O processo de automatização é consciente, forçado, mas a resposta é inconsciente. O mecanismo de
memorização de um sinal vem pela insistência e pela repetição, o que cria o hábito e o registro no sub-
consciente. Por esse motivo, há a necessidade de o maestro dedicar alguns minutos do ensaio para expli-
car as modificações até que todos tenham automatizado as mudanças.

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Emanuel Martinez

Existem diversos meios de comunicação não-verbal. Dependendo das circunstâncias, cabe ao maes-
tro desenvolver um gesto que represente a intenção do efeito desejado. Portanto, o ponto de partida é o
estudo desse gesto, que deve ser conciso, simples, coerente e atender aos objetivos.
A nitidez de um sinal ou de um gesto não está intimamente ligada à quantidade ou ao seu tamanho e
sim à sua eficácia. Vale lembrar que o maestro não fala com palavras, mas por meio de seus gestos. Um
gesto eficiente vale mais que muitas palavras. Muitos gestos que o maestro pode estar fazendo não signi-
ficam absolutamente nada. Tudo o que ele fizer deve ter uma justificativa. Se o maestro fala por meio de
sinais, então quem os vê precisa entendê-los para que possa responder a esse código. Somente assim
haverá diálogo. Quem não se comunica não será entendido. Quem se comunica mal receberá uma respos-
ta inadequada.
O segredo de uma boa comunicação entre o maestro e os músicos fundamenta-se em três pontos:
I — o contato visual: a comunicação pelo olhar;
II — o gestual: as técnicas básicas universais;
III — a postura física do maestro.
A seguir, serão analisados esses meios não-verbais de expressão.

I) CONTATO VISUAL
O contato visual é o meio de comunicação à disposição do maestro, mas, para que haja eficácia, esse
contato tem de ser direto e objetivo tanto nos ensaios como nas apresentações. Para conseguir a atenção
do músico e transmitir o máximo de informações, deve demonstrar autoridade, sinceridade, conhecimento
e objetividade, o que é obtido por meio de uma técnica apurada, da segurança e da tranqüilidade. Sem
esses pontos, a comunicação poderá ficar prejudicada.
O maestro não deve usar o recurso do canto para obter os efeitos que deseja. E é lógico que, quando
canta uma das vozes, não pode ouvir as demais vozes. O grupo deverá estar adestrado para responder a
cada sinal sem que ele precise utilizar palavras.
O maestro deve prestar atenção também a seus tiques nervosos, pois eles podem desviar a atenção de
todos, inclusive do público, prejudicando o resultado final.
As partituras devem servir apenas como guia para que haja um perfeito entrosamento entre músicos e
maestro. Muitas vezes, a obsessão por seguir a partitura pode criar obstáculos para o contato visual. O
maestro dependente abaixa a cabeça para ler e não olha para os músicos, ou então levanta demais a
estante, o que prejudica a clareza da comunicação.

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Regência Coral: Princípios Básicos

II) GESTUAL
O gesto é um dos meios mais importantes da comunicação não-verbal, que produz uma resposta
imediata quando os músicos estão adestrados para isso.
O gestual básico do maestro resume-se aos seguintes princípios:
a) generalidades do gestual
1. O tempo forte do compasso, ou seja, o primeiro tempo de um compasso, sempre será indica-
do para baixo.
2. Cabe ao maestro indicar os tempos e, não, os ritmos, ou outras subdivisões rítmicas.
3. O braço direito deverá funcionar como metrônomo. Por esse motivo, seu movimento não
poderá ser interrompido.
4. Cada movimento deve ser expresso com clareza, precisão e ser bem definido.
5. Em apresentações e ensaios gerais, o maestro não pode modificar nada do que foi
preestabelecido nos ensaios. No ensaio, definem-se as normas da apresentação para que se-
jam devidamente assimiladas pelo subconsciente.
b) princípios básicos da mão esquerda
1. A mão esquerda tem a função de indicar:
a) a dinâmica;
b) a entrada de vozes e instrumentos;
c) os fraseados;
d) os cortes;
e) as exortações;
f) as acentuações musicais e os outros efeitos;
g) fatos importantes da interpretação como mudança de andamentos.
2. Evitar que a mão esquerda funcione como espelho da mão direita, a não ser nos momentos
em que haja necessidade de enfatizar algum detalhe especial.
3. Quando não houver a necessidade de utilizar a mão esquerda, não se deve usá-la. O uso
incoerente ou inadequado pode prejudicar as informações preestabelecidas nos ensaios.
c) princípios básicos da mão direita
A função primordial da mão direita é o padrão métrico. Funciona como um metrônomo, mas
pode, eventualmente, reforçar alguma informação expressa pela mão esquerda. A independência
das mãos se desenvolve pelo estudo e pela prática diária.
O maestro pode realizar este teste para verificar a independência de suas mãos. Se não con-
seguir, deve usá-lo como exercício: a mão direita marca permanentemente um compasso (biná-
rio, ternário ou quaternário) sem perder o andamento, enquanto a mão esquerda realiza outras
tarefas, como pegar um lápis, fazer um círculo, cumprimentar pessoas. Depois disso, enquanto a

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Emanuel Martinez

mão direita marca o compasso, tente conversar com alguém sem perder o andamento. Todo gesto
deve ser claro e possuir o máximo de informações com um mínimo de esforço. Movimentos
desnecessários demonstram insegurança e desconhecimento técnico, nervosismo ou falta de do-
mínio da partitura, entre outras coisas.

CONFIGURAÇÕES BÁSICAS DO GESTUAL


1. COMPASSOS SIMPLES E COMPASSOS COMPOSTOS
O ponto de apoio de cada tempo deve ser nítido para que haja a correta interpretação do sinal.
O gestual da regência deve ser observado em planos verticais para que haja a correta definição do
plano de regência. Em tempos rápidos, os compassos simples e os compostos possuem indicações iguais,
conforme suas categorias.
Compassos rápidos em 1 (um)

Compassos binários

Compassos ternários

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Regência Coral: Princípios Básicos

Compassos quaternários

2. COMPASSOS SIMPLES E COMPASSOS COMPOSTOS SUBDIVIDIDOS


O gestual dos compassos lentos deve seguir os seguintes princípios: a cabeça do tempo possui maior
apoio, enquanto as subdivisões possuem indicações menores para que fique claro onde é o tempo e onde
é a subdivisão.
I) COMPASSOS SIMPLES
Compassos binário

Compassos ternário

Compassos quaternário

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Emanuel Martinez

II) COMPASSOS COMPOSTOS


O compasso composto caracteriza-se pela subdivisão ternária da unidade de tempo do compasso.
Compassos binário

Compassos ternário

Compassos quaternário

3. COMPASSOS IRREGULARES
O gestual nos compassos irregulares está intimamente ligado à composição rítmica do compasso.
Observe:
Compassos binários

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Regência Coral: Princípios Básicos

Compassos ternários

4. ANACRUSE E ATAQUE
A saída para um tempo real é feita sempre a partir da parte de um tempo ou do tempo anterior, como
preparação ou respiração. Por exemplo: se a obra inicia sobre o terceiro tempo, a preparação é indicada no
primeiro tempo, e a respiração, no movimento do primeiro para o segundo tempo.
Todos os compassos — entrada no 1º tempo Compassos binários — entrada no 2º tempo

Compassos ternários — entrada no 2º tempo Compasso ternário — entrada no 3º tempo

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Emanuel Martinez

Compasso quaternário Compasso quaternário Compasso quaternário


Entrada no 2º tempo Entrada no 3º tempo Entrada no 4º tempo

5. CORTE
Existem, basicamente, dois tipos de corte: primeiro, no início do tempo; segundo, no final ou em uma
parte do tempo. Esses exemplos servem de modelo para todos os compassos.
Todos os compassos Compasso binário
Corte no 1º tempo Corte no 2º tempo

Compasso ternário Compasso ternário


Corte no 2º tempo Corte no 3º tempo

Compasso quaternário Compasso quaternário Compasso quaternário


Corte no 2º tempo Corte no 3º tempo Corte no 4º tempo

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Regência Coral: Princípios Básicos

6. FERMATA E CORTE
O processo que engloba os dois movimentos deve ser bem claro. A fermata, uma suspensão provisó-
ria do andamento, com corte, deve ter seu trajeto bem claro, com um leve movimento ascendente do
braço, culminando com o sinal de corte.
Todos os compassos Compassos quaternário e binário
Fermata no 1º tempo Fermata no 2º tempo

Compasso ternário Compasso ternário


Fermata no 2º tempo Fermata no 3º tempo

Compasso quaternário Compasso quaternário


Fermata no 3º tempo Fermata no 4º tempo

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Emanuel Martinez

7. FERMATA, CORTE, ANACRUSE E ATAQUE


A fermata é uma suspensão provisória da marcação do tempo com subseqüente corte. Reinicia-se o
processo de preparação/respiração e ataca-se o tempo seguinte.
Compasso binário Compasso binário
Fermata no 1º tempo Fermata no 2º tempo
com reinício no 2º tempo com reinício no 3º tempo

Compasso ternário Compasso ternário Compasso ternário


Fermata no 1º tempo Fermata no 2º tempo Fermata no 3º tempo
com reinício no 2º tempo com reinício no 3º tempo com reinício no 1º tempo

Compasso quaternário Compasso quaternário


Fermata no 1º tempo Fermata no 2º tempo
com reinício no 2º tempo com reinício no 3º tempo

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Regência Coral: Princípios Básicos

Compasso quaternário Compasso quaternário


Fermata no 3º tempo Fermata no 4º tempo
com reinício no 4º tempo com reinício no 1º tempo

III) POSTURA
A postura do maestro revela traços de caráter e personalidade. Para que haja um bom desempenho
com bons resultados, serão abordados alguns aspectos primordiais da postura física e alguns exercícios
físicos que proporcionarão um melhor desempenho do maestro.
1. postura da cabeça
O porte físico influencia muito o desempenho profissional do maestro. Começa-se com a
cabeça erguida, postura importante para poder alcançar um melhor contato visual com os canto-
res e os instrumentistas, tanto em ensaios como em apresentações. A cabeça erguida revela domí-
nio da partitura e do grupo.

2. postura de comando
A liderança inicia-se com a postura. A posição ereta, com as pernas levemente afastadas, ou
com os calcanhares próximos, demonstra confiança e liderança.
Há muitos maestros que se posicionam à frente do grupo desalinhadamente, apoiados apenas
sobre uma das pernas, ou mesmo com as duas pernas muito afastadas, o que demonstra insegu-
rança e falta de liderança.

3. porte
O porte elegante durante a regência e os agradecimentos é importante. Um grande aliado
para corrigir a postura e o gestual é o espelho de corpo inteiro. Observar-se ao espelho ajuda a
controlar movimentos e dominar uma boa postura física.

4. postura do agradecimento
Para os agradecimentos, é usual a seguinte postura:
a) juntar os calcanhares, mantendo as pernas retas e firmes;
b) curvar-se para a frente, flexionando apenas a cintura;
c) não olhar o público quando estiver fazendo a reverência;
d) fazer sempre movimentos moderados;
e) os braços podem acompanhar a movimentação do tórax. Pode-se colocar os braços
atrás das costas.

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Tópico 11
TÉCNICAS DE ENSAIO

C omo proceder durante um ensaio? O que determina o tipo de ensaio?


Existem diversas maneiras de se realizar um ensaio. Tudo depende do maestro e da obra a ser ensaiada.
A seguir, serão sugeridos diversos procedimentos que poderão compor um ensaio:
1) RELAXAMENTO
O processo de relaxamento deve ser incluído na preparação do ensaio coral, anterior ao trabalho de
técnica vocal. Esse relaxamento é realizado por um fonoaudiólogo ou por um técnico específico, com o
intuito de preparar o cantor para o trabalho de técnica vocal e para o ensaio. Em geral, as pessoas chegam
tensas e precisam “sintonizar-se” numa nova atividade.

2) TÉCNICA VOCAL
É um procedimento muito importante para o desenvolvimento vocal de um grupo. Existem diversas
maneiras para se realizar esse trabalho:
a) todo o coro: não é o mais aconselhável, visto que não há um bom aproveitamento das vozes;
b) vozes agudas ou vozes graves: esse método já poderá trazer um melhor aproveitamento, uma
vez que os exercícios são idênticos;
c) vozes femininas ou vozes masculinas: conforme o caso, funciona, mas não é o ideal;
d) vozes independentemente: talvez o melhor método de trabalho para atender às necessidades
dos naipes (soprano, mezzo soprano, etc.). Cada naipe deverá possuir o seu dia específico de
trabalho para que se possa realizar um trabalho minucioso e até individual, durante pelo
menos uma hora, com exercícios específicos.

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Regência Coral:Princípios Básicos

3) AQUECIMENTO
Após o trabalho de técnica vocal com um determinado naipe, deve-se fazer o aquecimento para as
demais vozes. Não há necessidade de se prolongar demasiadamente essa atividade. Em torno de vinte a
trinta minutos é o suficiente. De qualquer forma, os cantores que não fizeram a técnica vocal devem
participar desse aquecimento, do contrário haverá um grande desequilíbrio entre o naipe que aqueceu e os
que não aqueceram. Por outro lado, ninguém deverá começar a cantar sem que tenha realizado pelo me-
nos o aquecimento da voz.

4) ENSAIO
O ensaio poderá se processar de diferentes maneiras, sujeitas ao maestro e às necessidades do reper-
tório ou do coro.
Quando se inicia um repertório novo, existem duas formas básicas de leitura:
a) ensaio de naipes. Esta é uma das maneiras mais eficazes de leitura: ou juntam-se as vozes
masculinas, ou as vozes femininas, ou as vozes agudas, ou as vozes graves. Tudo vai depen-
der das dificuldades de cada naipe. É ideal que naipes com dificuldades semelhantes ensai-
em juntos para um melhor aproveitamento.
b) ensaio de conjunto. Esse método é um pouco cansativo e, para o aprendizado de um reper-
tório novo, não é aconselhável, pois, quando se lê uma parte com um naipe, a tendência é
que os demais se dispersem. Se o maestro optar por essa maneira de ensaiar, poderá seguir o
seguinte critério; por exemplo:
1 — ler uma frase musical com o baixo.
2 — ler a mesma frase musical na parte do tenor.
3 — juntar as partes de tenor e baixo.
4 — ler a mesma frase na parte do contralto.
5 — juntar o contralto ao baixo.
6 — juntar o contralto ao tenor.
7 — juntar o contralto ao tenor e ao baixo.
8 — ler a mesma frase na parte do soprano.
9 — juntar o soprano ao baixo.
10 — juntar o soprano ao tenor.
11 — juntar o soprano ao contralto.
12 — juntar o soprano ao contralto, ao tenor e ao baixo.
Esse tipo de ensaio poderá ser muito eficaz se todo o coro acompanhar os demais naipes. Poderão
existir elementos semelhantes como ritmos, seqüências musicais, texto, etc. em todos os naipes e, ao
iniciar-se a leitura de um novo naipe, esta será bem mais rápida, e a fixação do conjunto será melhor. No

122
Emanuel Martinez

ensaio de conjunto, sempre que possível, juntar o acompanhamento (se houver) para firmar o conjunto
mais rapidamente. Quando se conclui uma leitura dessa forma, tem-se um maior aproveitamento final. Na
continuação do ensaio pode-se trabalhar:
c) finalização da obra: no trabalho de finalização, de aprimoramento de uma obra, o maestro
deve ser exigente: repassar o trecho com o naipe que apresentar maiores dificuldades quantas
vezes forem necessárias. Depois de algum tempo de ensaio, cabe ao maestro exigir que cer-
tas dificuldades que foram exaustivamente passadas sejam repassadas pelo chefe de naipe
correspondente em ensaio de naipe, do contrário todo o coro ficará dependendo de alguém
que não assimilou a dificuldade.
d) estudo do texto: em uma obra coral, o texto é tão importante quanto a música. Deve-se
entender a mensagem perfeitamente. O maestro deve dar evidência ao texto o máximo possí-
vel. A aplicação do texto na música pode ser:
— silábica: cada nota corresponde a uma sílaba;
— melismática: cada sílaba é prolongada sobre diversas notas.
Para o estudo do texto, sugere-se o seguinte procedimento:
1 — o maestro recita o texto de forma enfática, em pequenas frases, e o coro responde
até aprender a frase corretamente;
2 — repetir esse procedimento com todas as frases;
3 — cantar o texto sobre uma nota só, obedecendo ao ritmo original;
4 — aumentar a velocidade para dar maior flexibilidade à pronúncia;
5 — voltar à velocidade normal da partitura;
6 — em passagens musicais mais difíceis, repassar o texto diversas vezes com a música;
7 — caso a dificuldade persista, fazer com que cada naipe estude o trecho sozinho.
e) planificação do horário de ensaio: todo o trabalho do maestro, com relação às técnicas de
ensaio, deve ser devidamente planificado. Como já foi dito anteriormente, o maestro deve
escolher obras compatíveis com o coro e com ele mesmo.
Qual deve ser a duração de um ensaio?
Por exemplo:
19 horas — início do relaxamento e técnica vocal com um naipe. Neste horário o
preparador vocal, trabalha vocalmente o naipe, ajudando, por meio de exercícios, a suprir
dificuldades técnicas do repertório e de dificuldades técnicas de voz no cantor. O
preparador pode realizar um trabalho mais detalhado observando individualmente cada
cantor do naipe, aconselhando-o qual a melhor maneira de enfrentar suas dificuldades.
A escala de técnica vocal é previamente avisada. A título de exemplificação:
— Segunda-feira: sopranos
— Terça-feira: contraltos

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Regência Coral:Princípios Básicos

— Quarta-feira: tenores
— Quinta-feira: baixos
— Sexta-feira: ou programa-se um naipe que esteja demonstrando maior dificuldade
ou faz-se apenas um trabalho geral com todos os naipes juntos. Tudo vai depender
das dificuldades técnicas do repertório e das dificuldades de algum naipe.
20 horas — aquecimento geral: ou seja, os naipes que não participaram do trabalho
vocal das 19 horas. Exemplificando: na segunda-feira, os sopranos participam do trabalho
de técnica vocal, mas os demais naipes (contraltos, tenores e baixos) virão somente às
20 horas para um trabalho de relaxamento e aquecimento vocal coletivo. Por sua vez, no
tempo destinado ao aquecimento, os sopranos ficam descansando;
20:20 horas — início do ensaio: cabe ao maestro decidir que tipo de ensaio será este:
naipes ou de conjunto.
21:30 horas — intervalo. Aconselhar os cantores para não fumar ou tomar bebidas
geladas. Veja o texto da professora e fonoaudióloga Rosemari Brack sobre o assunto.
21:45 horas — reinício do ensaio. Em geral, nesta segunda parte, junta-se o que foi
ensaiado separadamente na primeira parte do ensaio de naipes.
22:30 horas — final do ensaio: aconselha-se sempre que os cantores evitem ficar
conversando na rua, especialmente em dias de frio e umidade.

É importante que se estabeleçam regras para os ensaios, especialmente os gerais. O en-


saio geral deve ser considerado como uma apresentação, ou seja, não é hora de fazer mudan-
ças. Deve ser feito no local da apresentação, com a iluminação de concerto, a sonorização, se
houver, no posicionamento correto e com todos os cantores presentes. Deve-se ensaiar a
entrada, a saída e os agradecimentos. Qualquer mudança de última hora poderá provocar
insegurança nos cantores e instrumentistas na hora da apresentação.
f) posicionamento do coral — são pelo menos dois aspectos que devem ser observados: o
posicionamento do cantor dentro do coro e a distribuição dos naipes dentro da sala de
ensaios. O posicionamento de cada cantor depende das condições musicais e vocais de
cada coralista. Em geral, não se deixam cantores suscetíveis a erros perto de um outro
naipe, ou perto de outros cantores suscetíveis a erros, pois todos eles seriam induzidos ao
erro, o que seria fatal. O maestro deve conhecer as aptidões musicais e vocais de cada
cantor e dispô-los de tal forma que o naipe possa projetar-se como um todo na direção do
público.

124
Emanuel Martinez

Ainda com relação aos cantores, existem diversas variantes que serão indicadas abaixo
como sugestão. Caberá ao maestro ver em qual situação está o seu coro e se essas sugestões
resolverão parte do seu problema de posicionamento:
I) existem certos maestros que preferem colocar as vozes mais fortes no alto dos estra-
dos para que a sonoridade delas chegue até a frente, o que daria segurança aos inde-
cisos induzindo-os ao canto com mais segurança;
II) uma outra opção é dispor os mais fortes nas primeiras fileiras, perto do público,
fazendo com que essas vozes se projetem com maior facilidade sobre a platéia;
III) outra possibilidade é colocar as vozes mais potentes em volta do naipe, (em cima,
em baixo e nas laterais), enquanto as demais ficariam no miolo;
IV) o melhor posicionamento é intercalar os cantores fortes18 e os mais fracos em todos
os níveis do estrado, ou seja:

FORTE — FRACO — FORTE — FRACO — FORTE


FRACO — FORTE — FRACO — FORTE — FRACO
FORTE — FRACO — FORTE — FRACO — FORTE
FRACO — FORTE — FRACO — FORTE — FRACO

Outra preocupação refere-se ao poderio sonoro de um cantor. Quando se fala em voz forte, está se
falando também de intensidade, em volume de voz. Dessa maneira, não existe a possibilidade de uma voz
fraca ficar perdida dentro do coro. Esse posicionamento também obrigará os “muletas”19 a se sentirem
mais seguros de sua função.
O posicionamento deverá ser fixo, no mínimo, a cada apresentação ou a cada obra, mesmo que,
dentro de uma apresentação, haja necessidade de o coro se movimentar para a troca de posições. Outro
ponto a se observar é o relacionamento dos coralistas entre si. Se existirem coralistas “inseparáveis”, é
bom verificar se vale a pena mantê-los juntos também durante os ensaios. Muitas vezes, essas pessoas
conversam muito durante os ensaios e atrapalham o rendimento global. Por essa razão, ao se determinar o
posicionamento, tentar separar os colegas sem, no entanto, se esquecer de colocar os coralistas perto de
pessoas em que eles confiem e que possam se ajudar mutuamente.
Além disso, o posicionamento dos naipes num coro vai depender do tipo de repertório, do tamanho
do coro, da quantidade de vozes por naipe, do local de ensaio e apresentação e da sonoridade que o
maestro deseja obter.

18Leia-se também como cantores fortes os cantores firmes musicalmente, e fracos aqueles que não possuem muita
segurança na hora de cantar, ou seja, os mais suscetíveis a erros por qualquer motivo.
19 muleta: é o adjetivo que se utiliza no meio coral para designar os cantores que dependem de outro para cantar.

125
Regência Coral:Princípios Básicos

Muitos são os formatos e os posicionamentos:


a) coro com desfalque de um naipe: se o coro possuir um naipe com menos número de canto-
res, por exemplo, 20 sopranos, 20 contraltos, 20 tenores e 8 baixos, é lógico que esses oito
baixos não poderão competir com as demais sessenta vozes do coro; primeiro porque é um
naipe que, pelas suas características vocais, não possui muita intensidade e, especialmente,
porque são apenas oito vozes contra sessenta. O problema pode ser resolvido da seguinte
forma: primeiramente, tenta-se, sempre que possível, abrir vagas para o naipe, com divulga-
ção nos meios de comunicação. Se mesmo assim não foi possível equiparar com os demais
naipes, então eles deverão ficar em um posicionamento estratégico. Por exemplo:
tenor — soprano — baixo ou contralto — contralto ou baixo

Note que a sugestão é posicionar o coro em colunas, em blocos, onde os baixos ficariam no centro ou
em uma extremidade. As demais vozes devem ser organizadas da seguinte forma: as vozes mais fortes dos
outros naipes podem ficar no fundo para que não encubram as vozes dos baixos, que estão em menor
número.
b) coro com naipes equilibrados: como foi mencionado anteriormente, esse posicionamento
dependerá de diversos fatores.
Em geral, segue-se o critério sonoro do posicionamento de uma orquestra e é também o critério
utilizado nas gravações, ou seja, as vozes agudas localizam-se à esquerda do maestro e as graves, à direi-
ta. São critérios que já se tornaram universais.
Algumas possíveis formações serão mostradas para que o maestro estude qual é a mais conveniente
para determinada obra ou concerto.
1. posicionamento — (tradicional)
tenores — baixos
sopranos — contraltos
maestro

2. posicionamento — (tradicional)
tenores — sopranos — contraltos — baixos
maestro

3. posicionamento — (tradicional)
sopranos — contraltos — tenores — baixos
maestro

126
Emanuel Martinez

4. posicionamento — (quando as vozes masculinas não são muito firmes/fortes)


soprano — tenor — baixo — contralto
maestro

5. posicionamento — (quando um dos naipes estiver em menor número)


baixo
soprano — tenor — contralto
maestro

Obs.: nesse caso, o naipe de tenor é o naipe que está em menor número. Vide também exemplo
do item (b) acima (coro com desfalque de um naipe).

6. posicionamento — (para coros duplos)


baixo 1 — baixo 2
tenor 1 — tenor 2
contralto 1 — contralto 2
soprano 1 — soprano 2
maestro

7. posicionamento — (para coros duplos)


tenor 1 — baixo 1 — tenor 2 — baixo 2
soprano 1 — contralto 1 — soprano 2 — contralto 2
maestro

8. posicionamento — (para coros duplos)


tenor 1 — soprano 1 — contralto 1 — baixo 1 — tenor 2 — soprano 2 — contralto 2 — baixo 2
maestro

Obs.: esses posicionamentos (no.7 e 8) podem ser feitos como o indicado, ou então pode-se locali-
zar um coro em cada lado do palco. Isso vai depender do efeito sonoro pedido na partitura ou
pretendido pelo maestro.

9. posicionamento — (coros a seis vozes)


tenor — barítono/tenor 2 — baixo
soprano — mezzo soprano/soprano 2 — contralto
maestro

127
Regência Coral:Princípios Básicos

10. posicionamento — (tradicional para coro masculino a quatro vozes)


tenor 1 — tenor 2 — barítono — baixo
maestro

11. posicionamento — (tradicional para coro masculino a quatro vozes)


barítono — baixo
tenor 1 — tenor 2
maestro

12. posicionamento — (tradicional para coro feminino a quatro vozes)


soprano 1 — soprano 2 — mezzo soprano — contralto
maestro

13. posicionamento — (tradicional para coro feminino a quatro vozes)


mezzo soprano — contralto
soprano 1 — soprano 2
maestro

14. posicionamento — (tradicional para coro feminino a três vozes)


soprano 1 — soprano 2/mezzo soprano — contralto
maestro

15. posicionamento — (coro feminino a três vozes)


contralto
soprano 1 — soprano 2/mezzo soprano
maestro

16. posicionamento — (coro feminino a três vozes)


soprano 1 — contralto — soprano 2/mezzo soprano
maestro

17. posicionamento — em quartetos — (mantendo-se o princípio das vozes graves juntas e vozes
agudas juntas)
soprano — tenor — contralto — baixo — soprano — tenor — contralto — baixo
contralto — baixo — soprano — tenor — contralto — baixo — soprano — tenor
tenor — soprano — baixo — contralto — tenor — soprano — baixo — contralto
baixo — contralto — tenor — soprano — baixo — contralto — tenor — soprano
maestro

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Emanuel Martinez

18. posicionamento — em quartetos — (intercalando os naipes graves e agudos)


soprano — contralto — tenor — baixo — soprano — baixo — tenor — contralto
baixo — soprano — contralto — tenor — contralto — soprano — baixo — tenor
tenor — baixo — soprano — contralto — tenor — contralto — soprano — baixo
contralto — tenor — baixo — soprano — baixo — tenor — contralto — soprano
maestro

Com criatividade, infinitas formas podem ser criadas para explorar as diversas sonoridades do reper-
tório. A melhor maneira de todas parece ser aquela em que se misturam todas as vozes. Para se fazer esse
tipo de coro, há necessidade de que todas as vozes estejam realmente firmes e que se possa dispor o coro
em qualquer posição. Todos têm de estar muito firmes e não depender um dos outros.
Para se chegar a essa perfeição, deve-se fazer testes em diversos ensaios até optar por uma forma
definitiva.
A vantagem desse posicionamento é que:
a) em primeiro lugar, obriga cada integrante do coro a estudar sua parte até não ter dúvidas;
b) em segundo lugar, para o público é melhor, visto que pode ouvir todas as vozes de qualquer
lugar da platéia.
Para manter vivo interesse de cantores e instrumentistas pela música, é importante estabelecer uma
programação constante e atraente para o ano todo.
Certas datas são importantes para a realização de um espetáculo especial, como por exemplo:
a) aniversário do coral;
b) Páscoa;
c) Finados;
d) Natal;
e) e outras datas importantes do calendário da comunidade ou do coral.

129
Regência Coral: Princípios Básicos

Tópico 12
LOCAL DE TRABALHO

Em geral, não se observam com muito cuidado os locais de apresentações e ensaios. Deve-se levar
em consideração o tamanho do grupo e o espaço que ele deve ocupar.
O local escolhido deve ter as seguintes características:
I) AUDITÓRIO
a) Iluminação adequada, ou seja, verificar se há “iluminação contra” para iluminar a partitura,
sem causar sombreamento sobre ela, e “iluminação frontal” para que os músicos não apare-
çam como silhuetas;
b) Ventilação suficiente para de manter um ambiente de temperatura amena, pois extremos de
temperatura podem indispor o músico e prejudicar a concentração, o que compromete rendi-
mento vocal;
c) Espaço suficiente para acomodar todos os músicos: estrados para os coralistas com suas
respectivas partituras, e espaço para acomodar os instrumentistas com suas respectivas es-
tantes;
d) Altura suficiente para a projeção sonora. Locais com “pé direito” baixo podem provocar a
mistura dos sons de uma tal forma que não se entenda o que se toca ou canta;
e) Posicionamento dos músicos, coralistas e instrumentistas, para que todos possam ter a me-
lhor visão do maestro;
f) Data e horário disponível para ensaio geral. Mesmo que os músicos já estejam acostumados
a se apresentar nesse auditório, pelo menos o ensaio geral deverá ser feito no local para que
se realizem as adaptações ou os ajustes necessários de qualidade sonora do grupo, na sua
disposição, e realizar os testes necessários de sonorização e de iluminação.

130
Emanuel Martinez

2) AR LIVRE
Apresentações ao ar livre requerem uma infra-estrutura especial:
a) Um palco que comporte todo o grupo vocal e/ou instrumental, o maestro e todo o equipa-
mento necessário para a apresentação;
b) A iluminação deve ser suficiente e adequada para a leitura das partituras, inclusive as do
maestro. Muitas vezes, os iluminadores se preocupam em iluminar os músicos mas se esque-
cem da iluminação do maestro. Se os músicos utilizarem arandelas para iluminar suas parti-
turas, providenciar iluminação direta sobre o maestro, assim todos os músicos o verão com
clareza;
c) Sonorização adequada. Um espetáculo ao ar livre requer bom equipamento de som, mesa
apropriada com microfones suficientes para cobrir todo o conjunto. Em geral, funciona da
seguinte maneira: um microfone para cada estante de violinos e violas e um microfone para
cada violoncelo, contrabaixo e instrumentos de sopro. Para o coro, costuma-se utilizar, de-
pendendo do seu tamanho, um microfone para cada duas vozes. Se for um grande grupo,
utilizam-se alguns microfones por naipe, por exemplo: quatro microfones para os sopranos,
quatro para os contraltos, quatro para os tenores e quatro para os baixos. Caso haja solistas,
cada solista possui o seu microfone. Sugere-se utilizar microfone suspenso sobre o coro e
sobre a orquestra;
d) Camarins com banheiros para que os músicos possam trocar de roupa e deixar os seus per-
tences. No caso de um coral, deve-se providenciar um local amplo para o aquecimento vo-
cal;
e) Cobertura. Toda a apresentação ao ar livre além de possuir as características acima descritas
deve ter cobertura de lona apropriada, visto que o sol e a umidade poderão provocar
descolamentos nos instrumentos de corda e sopro, e o vento arrancaria as partituras das
estantes dos instrumentistas. A cobertura ainda facilitará a sonorização do espetáculo. Tecni-
camente, com o palco coberto, cantores e instrumentistas terão melhores condições das refe-
rências sonoras e será mais fácil iluminar e sonorizar todo o espaço. O fundo do palco deve
ser fechado com placas de madeira.
É importante também que se destine um dia para fazer ao menos um ensaio geral, no qual deverão ser
utilizados todos os recursos de iluminação e sonorização.

3) SALA DE ENSAIOS
a) A sala de ensaios deverá ter local fixo e ter dimensões apropriadas para o tamanho do grupo
que a utilizará;
b) Boa acústica, pois uma sala com muita reverberação poderá causar danos à audição além de
provocar irritabilidade, instabilidade sonora e problemas de afinação. Espaços pequenos tam-
bém desgastam os músicos;

131
Regência Coral: Princípios Básicos

c) Ventilação apropriada para a quantidade de pessoas localizadas no ambiente. Locais sem


ventilação podem provocar mal-estar e outros problemas de saúde, além de prejudicar o
rendimento do ensaio;
d) Iluminação branca fria é ideal, pois não aquece em demasia o local de ensaio e ilumina as
partituras com mais eficiência;
e) Sala de naipe. É importante que o local de ensaios possua outras salas disponíveis com pia-
no, órgão ou teclado para que se possa realizar ensaios de naipe. Esses ensaios por vezes
podem parecer incômodos, mas são importantes para o rápido aprendizado das obras;
f) Arquivo musical: um local específico para guardar as partituras. Alguém deverá se encarre-
gar de arquivar cada partitura ao final dos ensaios e entregar ao início de cada ensaio. Essa
pessoa deverá manter um registro de todas as partituras do arquivo, em ordem alfabética de
autor, assim como outras coisas inerentes à função de arquivista. Veja tópico 3 — “organi-
zando um coro”;
g) O piano deverá ficar sempre em bom posicionamento para que o pianista e o maestro se
vejam, além de propiciar uma boa sonoridade para os cantores. Um ponto importante é man-
ter o piano sempre afinado e em boas condições de uso. Um instrumento desafinado contri-
buirá para que os cantores aprendam o repertório com a afinação errada, o que seria um
desastre. Os instrumentos deverão estar sempre afinados em 440 ou 442;
h) Cadeiras estofadas muito macias são inconvenientes para músicos e, especialmente, para
cantores, pois afundam nelas, o que impossibilita ou prejudica a qualidade sonora. Cadeiras
de assento e encosto reto, levemente estofadas, são ideais.

132
Emanuel Martinez

Tópico 13
O CONCERTO

Q uando chega o momento de dirigir um concerto, deve-se levar em consideração alguns pontos. Será
composto de obras para coro a cappella, coro com orquestra, coro e piano, coro e algum tipo de
conjunto instrumental, coro e solistas vocais ou instrumentais?
Quais são os procedimentos e as normas que se deve obedecer?
Cada situação acima descrita possui suas características próprias, que serão analisadas a seguir.

1) CORO A CAPPELLA
A regência de um coro a cappella não oferece muitas dificuldades na comunicação entre maestro e
grupo coral. O maestro convive diariamente com seus coralistas, o que facilita o entendimento e o
relacionamento entre eles. Em geral, essa intimidade não acontece com os músicos de uma orquestra, por
possuírem diversos maestros ou serem dirigidos freqüentemente por maestros convidados.
Como já foi mencionado, no ensaio geral ou no concerto, não é a hora de se realizar qualquer mudan-
ça, seja ela relacionada à partitura ou ao posicionamento dos coralistas no palco.
Os preparativos para o concerto devem começar com o planejamento das obras a serem ensaiadas
levando-se em consideração o local de apresentação, a iluminação, a acústica e o posicionamento do coro
e do maestro em relação ao público. É imprescindível que se faça, pelo menos, um ensaio geral no local
para se prever os problemas que poderão ocorrer durante a apresentação ou simplesmente para se ter
maior intimidade com o local da apresentação.
Outros detalhes tais como entrada e saída dos coralistas e do maestro e os agradecimentos do coro e
do maestro de forma individual e os agradecimentos em conjunto devem ser ensaiados.

133
Regência Coral: Princípios Básicos

Outro ponto estético importante é a movimentação dos cantores na hora da entrada e da saída de um
palco. Tanto uma quanto a outra devem ser cuidadosamente ensaiadas. Na entrada, o público já possui a
primeira impressão: se o coro é ou não organizado. Mesmo os coros mais informais devem possuir uma
organização para a entrada. Além da sensação estética, a organização favorece o desempenho do coro,
que se sente mais seguro. A entrada dependerá do tamanho do palco, se ele possui entradas de ambos os
lados, se possui escadas dos dois lados dos praticáveis, etc. A entrada, por vezes, pode se tornar um
momento muito ruidoso. Por esse motivo, o maestro ou o inspetor deve orientar, especialmente para um
grande grupo, que a entrada seja realizada por ambos os lados do palco, partindo das fileiras mais altas em
direção às fileiras mais baixas. Para a saída, o procedimento é inverso, ou seja, as fileiras mais baixas
saem primeiro, seguidas pelas mais altas.
Esse procedimento é válido para qualquer coro, seja ele a cappella, com conjunto instrumental ou
com orquestra.
Quando se trabalha com instrumentistas, o coro, por ser um grupo maior e que fica em geral atrás dos
músicos, deve entrar primeiro, e os músicos, por último. Na saída, é o inverso, os músicos saem primeiro,
e o coro, por último.
É extremamente importante ensaiar os agradecimentos. Muitas vezes, quando esses agradecimentos
não são devidamente combinados, o público não é estimulado a aplaudir. O reconhecimento do trabalho
do artista vem em parte pelo aplauso. O artista deve saber estimular o aplauso.

2) CORO COM ORQUESTRA E/OU CONJUNTO INSTRUMENTAL


A direção desse conjunto não é uma tarefa fácil porque o relacionamento com instrumentistas não é
exatamente igual ao relacionamento com cantores. Geralmente, o maestro de coro não tem muitas oportu-
nidades de dirigir um conjunto instrumental e, por essa razão, atrapalha-se para passar as informações
necessárias aos músicos. Quando o maestro tenta usar a mesma linguagem utilizada com o coro, na maio-
ria das vezes, o músico instrumentista não entende, pois não conhece essa linguagem.
O relacionamento entre maestro de coro e instrumentistas de orquestra pode ser facilitado quando
existe uma boa parceria com o spalla. Quando isso ocorre, ambos podem dialogar sobre problemas da
partitura e como o maestro gostaria de obter determinada sonoridade. O spalla, após isso, ficará encarre-
gado de marcar as arcadas, pensar nas articulações ou nos efeitos aos quais o maestro se referiu.
É importante também que o maestro mantenha um relacionamento mais próximo com os músicos de
sopro e de percussão e que solicite uma passada extra afim de indicar suas intenções.
Independentemente do ponto de vista musical, o tratamento cordial com os músicos antes, durante e
depois dos ensaios e das apresentações sempre propiciará um bom relacionamento entre as partes. O
maestro nunca deve ter dúvidas sobre o que deseja. Pode não utilizar a linguagem da orquestra, mas, se
for claro e decidido nas suas solicitações, os músicos saberão interpretar. Caso os músicos não estejam
obtendo a sonoridade que o maestro deseja, ele deve interromper o ensaio imediatamente, retomar suas
intenções e tentar novamente. Muitos maestros famosos de orquestra somente conseguem alcançar as
sonoridades com a repetição exaustiva de certas passagens.

134
Emanuel Martinez

Com relação à entrada e à saída, as orientações básicas contidas no item coro a cappella valem para
este tipo também.
Solistas e o maestro devem entrar após todos terem entrado, inclusive após o spalla. Os solistas vão
na frente do maestro. Por uma questão de deferência e educação, as cantoras solistas devem entrar na
frente dos cantores solistas, mesmo que elas fiquem na entrada, em colocação inversa às vozes masculinas
solistas. Quando as solistas chegam aos seus lugares, aguardam que os solistas e o maestro se posicionem
e, ao sinal do maestro, coro, solistas e orquestra se posicionam em seus lugares. O coro pode ser treinado
anteriormente para se levantar e sentar sem o sinal do maestro. Pode ocorrer que o maestro se esqueça de
dar os sinais, por esse motivo é preferível convencionar os momentos nos quais o coro e os solistas devem
levantar e sentar durante a obra.Tudo isso pode parecer muita “burocracia”, mas para o público demonstra
organização.
O maestro deve prestar a atenção também à disposição da orquestra sobre o palco. Existe uma forma-
ção tradicional, mas isso não impede que o maestro modifique-a para atender às necessidades do repertó-
rio.
Em geral, a formação da orquestra não muda durante o espetáculo. A formação inicial pode permane-
cer inalterável até o final da apresentação, mas, se o repertório exigir mudanças, deve-se evitar modificar
o posicionamento de uma massa orquestral durante a apresentação. Se houver necessidade, tentar organi-
zar o programa de tal forma que as mudanças sejam feitas durante o momento do intervalo. O problema de
mudanças na orquestra envolve transporte de cadeiras, estantes, instrumentos e partituras. Por essa razão,
essas mudanças devem ser devidamente combinadas e ensaiadas pelo menos no ensaio geral.
Outra informação importante diz respeito ao posicionamento dos instrumentos de sopro na orquestra.
O centro da orquestra é marcado pela presença dos primeiros instrumentistas de cada naipe de sopros, que
são colocados ao centro da orquestra e na direção do maestro, enquanto os segundos, para fora. Veja o
exemplo:
Percussão — Tímpanos — 1º Trombone — 2º Trombone — 3º Trombone — Tuba — 2ª Trompa —
1ª Trompa — 1º Trompete — 2º Trompete Clarone — 2º Clarinete — 1º Clarinete — 1º Fagote —
2º Fagote — Contrafagote Piccolo — 2ª Flauta — 1ª Flauta — 1º Oboé — 2º Oboé — Corne Inglês
maestro

Existem outras possibilidades para acomodar os metais e a percussão, aproveitando melhor o espaço
do palco; colocar as trompas, atrás dos II violinos (aconselhável) ou das violas. Caso a obra exija quatro
trompas, o mais aconselhável é que não se faça uma fila e sim agrupá-las no formato de quarteto, as duas
primeiras na frente e a terceira e a quarta logo atrás. Por sua vez, os trompetes, trombone e tuba ficariam
numa única fila ao lado da percussão. A percussão e os tímpanos tanto podem ficar do lado dos trompetes
como do lado da tuba. Cabe ao maestro ver o espaço disponível do palco.

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Regência Coral: Princípios Básicos

As formações básicas e tradicionais da orquestra com coro são as seguintes:


1. posicionamento — (tradicional)

CORO
PERCUSSÃO — TROMBONES E TUBA
TROMPAS — TROMPETES

CONTRABAIXOS
CLARINETES — FAGOTES
FLAUTAS — OBOÉS
II V
IO AS
LIN L
OS VIO
SOLISTAS

I VIOLINOS MAESTRO VIOLONCELOS

2. posicionamento

PERCUSSÃO
CO
RO
TROMBONES — TUBA
RO
CO
TROMPAS — TROMPETES
CLARINETES — FAGOTES
FLAUTAS — OBOÉS
CONTRABAIXO

II V
IO S
LIN LA
OS VIO
SOLISTAS

I VIOLINOS MAESTRO VIOLONCELOS

136
Emanuel Martinez

Esses posicionamentos vão depender do tamanho do coro e da orquestra e da obra a ser apresentada.
Para obras de grande coro, grande orquestra ou para coros múltiplos, sugere-se utilizar a seguinte
formação:
3. posicionamento — (tradicional)

MÚLTIPLOS COROS OU GRANDE CORO


PERCUSSÃO — TÍMPANOS
TROMPETES — TROMBONES — TUBA

CONTRABAIXOS
TROMPAS
CLARINETES — FAGOTES
II V FLAUTAS — OBOÉS
IO S
LIN
O LA
OS VI
SOLISTAS

I VIOLINOS MAESTRO VIOLONCELOS

Em caso de múltiplos coros, há um outro posicionamento usual: os coros podem se localizar em torno
da orquestra, ou seja, lateralmente como na segunda posição (coro um, lado direito – coro dois, lado
esquerdo e coro infantil ao fundo). Outros posicionamentos podem ser feitos de acordo com a concepção
sonora que o maestro deseja ou conforme solicitação da partitura. Cabe ao maestro estudar bem os deta-
lhes da sonoridade que deseja alcançar. Um outro fator importante a ser considerado é o espaço disponí-
vel para a acomodação de todo o contingente.
Em todos esses posicionamentos, o coro deve estar devidamente acomodado sobre os estrados, deve
haver espaço para cadeiras (se necessário) e espaço para o correto posicionamento da partitura, de tal
forma que o cantor possa ver o maestro ao mesmo tempo que lê a partitura.
Os degraus normalmente são utilizados para cada fila dos instrumentos de sopro, logo, o coro fica
acima do último degrau utilizado pela orquestra.
Vale ressaltar sempre a necessidade de haver aparadores, também chamados de conchas refletoras, na
retaguarda do coro para que facilite a projeção da sonoridade. Em locais onde não é possível haver os
aparadores, deve-se escolher um local que fique perto de uma grande parede ou, em palco coberto ao ar
livre, dos microfones. Solicitar, sempre que possível, o fechamento da parte de trás do palco com madeira
compensada.
A utilização de degraus (altura entre cada degrau em torno de 20cm), para coro e orquestra favorece
a projeção sonora e a visualização do maestro.

137
Regência Coral: Princípios Básicos

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existem ainda dois aspectos importantes para se analisar: o PALCO e a ILUMINAÇÃO.
PALCO
O palco, onde o artista recebe a recompensa do seu trabalho, é o local onde existe uma magia
singular inexplicável. É o primeiro lugar que as pessoas procuram conhecer quando entram num
teatro. Esse fascínio, no entanto, pode ser uma armadilha também, pois lá se encontram cenários,
elevadores do palco, varas de iluminação, cabos elétricos de alta tensão, além de outros fios
elétricos, bambolinas, suportes de iluminação, instrumentos musicais e uma parafernália de uten-
sílios indispensáveis ao funcionamento de um espetáculo, mas que podem provocar acidentes.
Seguem alguns dos termos mais conhecidos com suas respectivas definições:
a) CAIXA DE CENA: é o espaço que compreende o palco e os bastidores.
b) PALCO: tablado, estrado ou local destinado a representações artísticas. Em geral é
feito de madeira e pode ter diversos formatos: redondo, giratório, etc. Normalmen-
te, localiza-se, nos teatros modernos, de frente para a platéia. Em alguns teatros
antigos, o palco localizava-se no centro, circundado pela platéia.
c) BASTIDOR: também conhecido como “regulador”, é um equipamento móvel, cor-
rediço, localizado nas laterais internas da boca de cena, que tem por objetivo deter-
minar o âmbito que se quer dar ao espaço cênico.
d) BASTIDORES: também conhecido como coxias, é o espaço que se localiza depois
do bastidor, na parte interna, onde se organiza toda a movimentação. Não fica ao
alcance da visão do público.
e) BAMBOLINA: também chamada de perna. É uma faixa de pano vertical, em geral
preta, disposta em fileiras nas laterais do palco, cujo objetivo é delinear o espaço
cênico ao mesmo tempo que isola o público da movimentação das coxias.
f) URDIMENTO: é o travejamento do teto do palco e dos sótãos, onde se sustentam
as bambolinas e as varas de luz e cenário.
g) VARAS DE ILUMINAÇÃO E CENÁRIO: como o nome sugere, são varas longas
que atravessam o palco, paralelas à boca de cena, onde são fixados os canhões de
iluminação e os cenários que se movimentam verticalmente.
h) BOCA DE CENA: é a abertura do palco para a platéia.
i) PROSCÊNIO: espaço localizado entre a boca de cena e a platéia como prolonga-
mento do palco em direção à platéia. Geralmente, nesse local, encontram-se os ele-
vadores que abaixam esse espaço até o fosso da orquestra quando há acompanha-
mento de óperas e ballets.
j) CICLORAMA: equipamento que pode ser móvel, feito de tecido ou madeira. Loca-
liza-se no fundo do palco para delinear o espaço final. Esse equipamento pode ser
utilizado como tela de projeção de imagens na criação de efeitos especiais de cena.

138
Emanuel Martinez

l) VARANDA: balcão que circunda os urdimentos. Nele encontram-se mecanismos


de içamento e abaixamento das varas. Local destinado para o preparo de cenários
que serão descidos ou erguidos pelas varas.
m) CAMARIM: espaço localizado em torno do palco, onde os integrantes do espetácu-
lo trocam suas roupas e maquiam-se.
n) CENÁRIO: conjunto de diversos materiais, modelos, tamanhos, cores, tudo o que
possa auxiliar na criação da “fantasia” visual dos locais onde decorre a cena.
o) TORRE DE ILUMINAÇÃO: é o balcão localizado sobre a platéia, onde se locali-
zam os canhões frontais de iluminação.
p) CORTINA DE AÇO: é uma lâmina de aço localizada na boca de cena, cujo objetivo
é isolar a platéia do palco em caso de incêndio.
Diante de toda essa parafernália, conclui-se que o melhor local para uma apresentação musical é o
proscênio, pois é desprovido de todos esses equipamentos. Se possível, deve-se abaixar a cortina de aço/
incêndio para que ela atue como rebatedor do som para a platéia. O palco propriamente dito é muito
amplo e muito alto para que comporte as varandas, varas e cenários verticais, o que faz com que o som se
perca nesse espaço e não atinja o público com a qualidade e a nitidez necessárias. No caso de apresenta-
ção com coro e orquestra, sempre tentar acomodar todo o conjunto, no proscênio, no máximo, até a boca
de cena e colocar, atrás do coro, as conchas acústicas, rebatedoras de som, na direção da platéia. Já em
apresentações com orquestra, as cordas e os instrumentos de sopro de menor intensidade sonora, como as
madeiras, devem ficar sobre o proscênio, enquanto metais e instrumentos de percussão, que possuem
maior poderio sonoro, podem ficar nas imediações da boca de cena sem muito prejuízo para a sonoridade
final. Sempre que possível, localizar coro e instrumentos de sopro sobre estrados em forma de degraus.
ILUMINAÇÃO
Para apresentações musicais em forma de concerto, não se usa iluminação colorida em
nenhum posicionamento porque prejudica a leitura das partituras musicais, e as diversas gradua-
ções de intensidade provocadas pela gelatina20 provocam sombras nas partituras e a sensação de
deformação da escrita musical.
A iluminação ideal é a branca, pois não provoca sombras nem impede que o músico veja o
maestro, que deve estar sempre no ponto mais alto do palco.
A iluminação de concerto deve contar com luz de frente, que determina o contorno do músi-
co e a nitidez da imagem e que não seja exageradamente forte de modo que o maestro, quando se
movimentar, não seja visto nitidamente. Deve contar também com a iluminação contra: a ilumi-

20 Gelatina: lâminas coloridas colocadas à frente dos canhões de iluminação, para determinar a cor da iluminação a ser
utilizada no espetáculo.

139
Regência Coral: Princípios Básicos

nação colocada nas costas do músico de tal forma que a boca do canhão de iluminação não fique
à vista do público, pois, do contrário, a luz incidirá diretamente sobre o espectador e atrapalhará
sua visão. Essa iluminação é a mais importante, pois é ela que determina o nível de leitura dos
músicos. O maestro não enxergará os músicos e será obrigado a olhar unicamente para a partitura
se a iluminação contra estiver mal colocada.
Um outro tipo de iluminação não muito utilizada é a iluminação superior ou vertical, que
ajuda na dispersão de sombras nas partituras.
A iluminação exerce uma magia sobre o espetáculo. Por esse motivo, o iluminador deve
acompanhar os ensaios gerais para que ele faça o melhor plano de iluminação para o espetáculo.
Se o iluminador não tiver muita experiência nessa área, o maestro poderá dar as dicas que pos-
sam facilitar o trabalho desse profissional. O maestro deve verificar se sua partitura possui mui-
tas sombras provocadas por sua movimentação.
Não se pode esquecer de que a iluminação tem de atender aos seguintes objetivos:
a) iluminar os músicos para o público;
b) iluminar, sem sombras, as partituras; e
c) realçar o contorno dos músicos e do maestro sem que um ou outro fiquem ofusca-
dos pelo excesso ou pela má localização da iluminação frontal ou de contra.
Quanto à iluminação da platéia, o melhor parece ser a meia luz, ou seja, o suficiente para que o
público possa ler o programa. Se não houver programa escrito, o black out da platéia faz com que o
público se concentre integralmente no espetáculo.

140
Emanuel Martinez

Tópico 14
REGENDO RECITATIVO

A regência de recitativos é um estudo à parte na técnica de regência e deve merecer uma atenção toda
especial do regente.
Os recitativos podem ser acompanhados pelo baixo contínuo, que tanto pode ser integrado por um
instrumento, como o cravo, como por um conjunto instrumental, formado por cravo e/ou órgão, 1 violoncelo,
1 contrabaixo, 1 fagote, além de vários outros instrumentos harmônicos, tais como alaúdes e theorbas. É
importante ressaltar que o cravista, o organista ou o executante de instrumentos harmônicos deve saber
interpretar as cifras que compõem o baixo contínuo.
A regência de um recitativo requer do maestro muito domínio da partitura e presença de espírito. É
uma técnica precisa de movimentos, e qualquer erro pode resultar no fracasso da interpretação do recitativo.
Os recitativos podem ser divididos em três tipos:
1. — recitativo seco;
2. — recitativo mesurado;
3. — recitativo misto.

141
Regência Coral: Princípios Básicos

1. O recitativo seco: é composto de um texto que deve ser recitado, declamado, com acompanha-
mento do baixo contínuo. O cantor deve levar em conta o significado do texto para que possa dar a correta
interpretação. É bom ressaltar que, no recitativo seco, a coordenação dos instrumentos do baixo contínuo
é de responsabilidade do cravista, do organista ou do instrumento harmônico, que por sua vez deve indi-
car todas as entradas dos demais instrumentos que integram o baixo contínuo. A intervenção do regente
nesse tipo de recitativo deve acontecer quando o cravista não conseguir conduzir os demais músicos. Para
isso, tem de dominar o texto do recitativo com o objetivo de indicar corretamente as intervenções instru-
mentais. Com relação ao posicionamento, o baixo contínuo deve se acomodar de tal forma que todos os
instrumentistas fiquem juntos, ou até, dependendo do caráter da obra, em um posicionamento diferencia-
do, um pouco à parte do conjunto orquestral.

RECITATIVO

Recitativo da “J.J. Passio secundum Joannem” de Bach.

142
Emanuel Martinez

2. O recitativo mesurado: é um recitativo, como o próprio nome diz, de acompanhamento mesurado,


mas que possui ainda assim uma certa flexibilidade de interpretação, com a utilização de passagens em
rubato, dependendo estritamente da declamação do texto musical. Encontram-se dois tipos de recitativo:
a) accompagnato: esse tipo de recitativo é um texto mensural recitado, realizado com o acom-
panhamento instrumental. Em geral, esse termo está associado à participação da orquestra
como meio de acompanhamento e tem como característica a utilização de notas longas. O
solista possui, nesse tipo de recitativo, uma linha melódica mais expressiva submetida a uma
métrica explícita mais exata e não tão livre quanto a anterior.

ACCOMPAGNATO

Accompagnato do “Messiah” de Haendel

143
Regência Coral: Princípios Básicos

b) Arioso: esse tipo de recitativo assemelha-se à ária e tem como característica um acompanha-
mento mais elaborado, no entanto, também possui passagens na linha do canto e da orques-
tra em rubato; diferente da ária, cuja melodia e cujo acompanhamento, em geral, são total-
mente mensurados, a tempo. Não apresenta grandes dificuldades de regência.

ARIOSO ADAGIO

Arioso da “J.J. Passio secundum Joannem” de Bach.

144
Emanuel Martinez

O que Bach e Haendel denominam de arioso também pode ser chamado por Haydn e outros compo-
sitores de cavatina.

CAVATINE

Cavatina do oratório “Die Jahreszeiten” de Haydn

145
Regência Coral: Princípios Básicos

3. O recitativo misto: como a própria designação indica, é uma mescla dos dois primeiros tipos de
recitativo. Exige do maestro um domínio muito maior da técnica da regência e musical.
REZITATIV

Poca adagio a tempo.

Recitativo seco e arioso do oratório “Die Schöpfung” de Haydn

146
Emanuel Martinez

Em qualquer das hipóteses, é dever do regente conhecer o texto do recitativo de cor e indicar em sua
partitura os sinais necessários para a perfeita atuação da regência.
Em resumo, cabe ao regente nos recitativos:
a) indicar o início do recitativo para o cantor;
b) indicar as entradas do conjunto instrumental designado para a realização do baixo contínuo;
c) indicar, com clareza, com um movimento preparatório, todas as novas entradas orquestrais;
d) havendo contagem para toda a orquestra, o início de cada compasso de contagem deve ser
indicado com um movimento descendente da mão. Isso não quer dizer que o maestro deva
indicar a cabeça de cada compasso no momento exato em que ela aconteça, mas pode, por
exemplo, indicar por meio de quatro gestos descendentes consecutivos os quatro compassos
de espera. Num longo trecho de recitativo seguido de um accompagnato ou arioso, o maes-
tro deverá indicar a contagem e chamar a atenção para a orquestra quando faltarem alguns
compassos para o término do recitativo;
e) ao final da contagem, o maestro deve mostrar o sinal de atenção. É um alerta para dizer que
o recitativo está acabando e que a partir do próximo sinal a orquestra deverá tocar o que está
indicado em sua partitura;
f) quando o conjunto do baixo contínuo não possuir um responsável pela realização musical
(instrumento harmônico com a capacidade de liderança), as entradas do instrumental podem
ser dadas pelo maestro, com um sinal de atenção que antecede o movimento descendente do
braço para o momento exato do ataque instrumental.

147
Regência Coral: Princípios Básicos

Tópico 15
VOZ

“O canto é de uma vez por todas a linguagem pela qual o


homem se comunica musicalmente… o órgão musical mais antigo,
o mais verdadeiro e o mais belo.
É a esse órgão que a música deve sua existência.”
RICHARD WAGNER

1) INTRODUÇÃO

O desenvolvimento musical de um ser deveria ter início no ventre de sua mãe e prosseguir por toda a
vida.
Sabe-se que, na Antigüidade e durante toda a história da música, havia escolas que davam formação
vocal e musical para as crianças e que eram mantidas pela igreja com o objetivo de subsidiar os coros de
crianças nas grandes catedrais.
Quando se menciona a necessidade de um estudo de canto desde a infância, isso não quer dizer que
uma criança deva entrar numa escola de canto e estudar árias de óperas, oratórios, Lieds, etc., mas que
aprenda por meios específicos a entoar pequenas melodias, desenvolver a capacidade de percepção e
emissão vocal, sentir emoções por meio da música, entre outros aspectos inerentes ao aprendizado musi-
cal e vocal.
A vantagem desse tipo de trabalho é a preparação de futuros cantores, não só de ópera e câmara, mas
de corais, e de um público com um mínimo de informação artística.

148
Emanuel Martinez

VILLA LOBOS, Heitor (1887—1959) no Brasil, assim como outros em vários países, teve a preo-
cupação de levar às escolas o ensino musical, que vinha acompanhado pela prática coral nas séries funda-
mentais. Esse trabalho propiciou o surgimento de muitos cantores e de ouvintes que tivessem melhor
percepção, inteligência e compreensão das manifestações artísticas de um modo geral.
O trabalho com crianças deve seguir um critério específico de aprendizado porque elas possuem
limitações vocais impostas pela idade. Se o maestro tiver interesse em manter um coro infantil paralela-
mente ao adulto, deve especializar-se nesse tipo de trabalho. Aqui não serão abordadas essas técnicas.
Um dos primeiros passos tanto para adultos como para crianças é a educação do ouvido. Nesse pro-
cesso, a criança pode iniciar com a percepção, a identificação e a conscientização de tudo o que acontece
à sua volta até passar a identificar os sons musicais e poder cantá-los. Deve-se também desenvolver o
senso rítmico, tão importante quanto a educação do ouvido, uma vez que o mundo está repleto de ritmo,
independentemente de ser musical ou não.
A capacidade vocal pode e deve ser desenvolvida de forma gradativa e progressiva.
O preparador vocal deve dar uma atenção especial ao desenvolvimento da voz de cada cantor como
um todo. Não se pode ignorar que o cantor transporta o seu próprio e único instrumento. Não é um
instrumento que se possa trocar quando estragado. A má utilização do aparelho fonador poderá provocar
danos irreparáveis. Uma voz bem cuidada proporciona ao cantor longos anos de carreira, o que não acon-
tece, com certeza, para aqueles que não cuidam dela.
Outros órgãos do corpo humano devem ser igualmente cuidados, como os ressoadores, o aparelho audi-
tivo e o respiratório. Todos esses aparelhos são extremamente importantes para a vida musical do cantor.
Cabe a um professor especializado ou ao maestro orientar seus cantores sobre as técnicas especiais de
educação, reeducação, desenvolvimento e aperfeiçoamento desses órgãos. Mesmo no decorrer dos ensai-
os, o maestro deve corrigir qualquer tipo de emissão vocal incorreta. Quando o maestro pede algum efeito
vocal específico, deve ter certeza do que está pedindo. No estudo pessoal, o maestro tem de prever e se
certificar das principais e mais eficazes alternativas, que ajudarão o cantor a transpor determinadas dificul-
dades do repertório.
O trabalho vocal do cantor deve, preferencialmente, estar a cargo de um especialista da voz. Ao maes-
tro cabe resolver os problemas que impediriam a unidade do conjunto. É muito importante que a equipe de
trabalho do maestro possua, pelo menos, três profissionais da voz, mesmo que eles não sejam contratados:
1. Professor de técnica vocal: esse profissional conhece todas as técnicas de emissão vocal e deve
estar presente a cada ensaio. Tem a incumbência de realizar o aquecimento das vozes. É impor-
tante que todos os integrantes do coro façam os exercícios, mesmo que os julguem maçantes ou
desnecessários. Com um trabalho bem desenvolvido e consciente, esse profissional pode contri-
buir para aumentar a eficiência das vozes, preservar a vida útil das cordas vocais do cantor e
equilibrar a sonoridade do coro como um todo. Tome-se por exemplo um atleta: ele não inicia
exercícios ou competições sem um perfeito aquecimento, pois sabe que, se não fizer isso, poderá
ter conseqüências desastrosas. Aquecimento: os exercícios de aquecimento devem ser feitos du-
rante, pelo menos, meia hora antes do início dos ensaios. O preparador vocal determinará quais

149
Regência Coral: Princípios Básicos

exercícios serão utilizados. A escolha está ligada às necessidades do repertório e do coro. Nem
sempre é necessário realizar todos os exercícios todos os dias. Escolhem-se os que melhor vão
preencher as necessidades dos cantores e do repertório a ser estudado ou apresentado. Diversos
exercícios podem ser criados ou adaptados a cada circunstância. Os critérios sempre são as neces-
sidades e as dificuldades do repertório. Durante os ensaios, esse trabalho de aquecimento deverá
ser mais intenso, no entanto, nas apresentações não se deve trabalhar a voz e sim realizar o aque-
cimento necessário à apresentação. Os problemas vocais devem ser resolvidos apenas nos ensaios.
2. Fonoaudiólogo: não há necessidade de que esse profissional esteja presente a todos os ensaios.
Um trabalho sistemático uma vez por semana será suficiente. Sua função é muito importante:
detectar problemas nas cordas vocais, por exemplo, e orientar como resolvê-los ou encaminhar
para o médico os casos que estiveram fora da sua área de atuação. Também realiza exercícios
preventivos, os quais evitarão que o cantor adquira vícios de postura vocal.
3. Médico otorrinolaringologista: o médico não precisa ir aos ensaios. Ele pode atender em sua
clínica ou em local previamente combinado. A sua atuação está vinculada ao trabalho do
fonoaudiólogo. É um dos profissionais da área de voz mais importantes, pois é o único que
possui meios legais para receitar e fazer diagnósticos precisos.
A seguir, alguns dos mais conceituados profissionais da voz vão desenvolver assuntos de interesse e
apresentar subsídios importantes que vão contribuir para o aperfeiçoamento do maestro e do preparador
vocal de um coro.

2) ARTICULAÇÕES
Mantendo-se a boca em uma posição levemente aberta, relaxada, de forma natural e anatômica.
No início, até automatizar os exercícios, deve-se colocar o dedo polegar ou uma pequena rolha de
garrafa entre os dentes para manter uma abertura fixa entre os dentes.
Existem três tipos de vogal:
I. VOGAL NEUTRA — “a”
— a vogal neutra deverá ser emitida com o corpo da língua em repouso dentro da cavidade
bucal e com a mandíbula em completo relaxamento, ou seja, com a boca aberta.

II. VOGAIS LINGUAIS — “é”, “ê”, “i”


— as vogais linguais, como o próprio nome já diz, deverão ser emitidas com a movimentação
da língua, partindo da posição de relaxamento da vogal neutra e levantando o corpo da
língua gradativamente, mantendo-se a cavidade bucal aberta em posição de relaxamento.

III. VOGAIS LABIAIS — “ó”, “ô”, “u”


— as vogais labiais, também como o próprio nome sugere, são emitidas mediante a movimenta-
ção dos lábios e não da língua. A língua deverá ficar em posição de relaxamento, como na
“vogal neutra”, e apenas cerrar os lábios a cada vogal até o completo fechamento (vogal “u”).

150
Emanuel Martinez

EXERCÍCIOS DE ARTICULAÇÃO — 1
a) Combinações de articulações com três vogais
AÉÊ AÊI AIÉ AÓÔ AÔU AUÔ
AÉI AÊÓ AIÓ AÓU AÔÓ AUÓ
AÉÓ AÊÔ AIÔ AÓI AÔI AUI
AÉÔ AÊU AIU AÓÊ AÔÊ AUÊ
AÉU AÊÉ AIÊ AÓÉ AÔÉ AUÉ

ÉÊA ÉAÊ ÉIA ÉÔA ÉÓA ÉUA


ÉÊI ÉAI ÉIÊ ÉÔÊ ÉÓÊ ÉUÊ
ÉÊÓ ÉAÓ ÉIÓ ÉÔI ÉÓI ÉUI
ÉÊÔ ÉAÔ ÉIÔ ÉÔÓ ÉÓÔ ÉUÔ
ÉÊU ÉAU ÉIU ÉÔU ÉÓU ÉUÓ

ÊÉA ÊAÉ ÊIA ÊÓA ÊÔA ÊUA


ÊÉI ÊAI ÊIÉ ÊÓÉ ÊÔÉ ÊUÉ
ÊÉÓ ÊAÓ ÊIÓ ÊÓI ÊÔI ÊUI
ÊÉÔ ÊAÔ ÊIÔ ÊÓÔ ÊÔÓ ÊUÔ
ÊÉU ÊAU ÊIU ÊÓU ÊÔU ÊUÓ

IAÉ IÉA IÓA IÔA IÊA IUA


IAÊ IÉÊ IÓÊ IÔÊ IÊÊ IUÊ
IAÔ IÉÔ IÓÉ IÔÉ IÊÓ IUÉ
IAÓ IÉÓ IÓÔ IÔÓ IÊÔ IUÓ
IAU IÉU IÓU IÔU IÊU IUÔ

ÓAÉ ÓÉÊ ÓÊA ÓIA ÓÔA ÓUA


ÓAÊ ÓÉA ÓÊÉ ÓIÉ ÓÔÉ ÓUÉ
ÓAÔ ÓÉI ÓÊI ÓIÊ ÓÔÊ ÓUÊ
ÓAI ÓÉÔ ÓÊÔ ÓIÔ ÓÔI ÓUI
ÓAU ÓÉU ÓÊU ÓIU ÓÔU ÓUÔ

ÔAÉ ÔÉÊ ÔÊA ÔIA ÔÓA ÔUA


ÔAÊ ÔÉA ÔÊÉ ÔIÉ ÔÓÉ ÔUÉ
ÔAÓ ÔÉI ÔÊI ÔIÊ ÔÓÊ ÔUÊ
ÔAI ÔÉÓ ÔÊÓ ÔIÓ ÔÓI ÔUI
ÔAU ÔÉU ÔÊU ÔIU ÔÓU ÔUÓ

UAÉ UÉÊ UÊA UIA UÓA UÔA


UAÊ UÉA UÊÉ UIÉ UÓÉ UÔÉ
UAÓ UÉI UÊI UIÊ UÓÊ UÔÊ
UAI UÉÓ UÊÓ UIÓ UÓI UÔI
UAÔ UÉÔ UÊÔ UIÔ UÓÔ UÔÓ

151
Regência Coral: Princípios Básicos

b) Articulações com quatro vogais


AÊÉI AÉIÊ AIÉÊ AÓÊÔ AÔUÓ
AÊÉÓ AÉIÓ AIÉÓ AÓÊU AÔUÉ
AÊÉÔ AÉIÔ AIÉÔ AÓÊI AÔUÊ
AÊÉU AÉIU AIÉU AÓÊÉ AÔUÓ

ÉAÊI ÉÊIU ÉAIÊ ÉÓAÔ ÉAÓÔ


ÉAÊÓ ÉÊIÓ ÉAIÓ ÉÓAÊ ÉAÓÊ
ÉAÊÔ ÉÊIÔ ÉAIÔ ÉÓAI ÉAÓI
ÉAÊU ÉÊIA ÉAIU ÉÓAU ÉAÓU

ÊAÉI ÊAIÉ ÊUIÉ ÊIÓÔ ÊÓAÔ


ÊAÉÓ ÊAIÓ ÊUIÓ ÊIÓA ÊÓAÉ
ÊAÉÔ ÊAIÔ ÊUIÔ ÊIÓÉ ÊÓAI
ÊAÉU ÊAIU ÊUIA ÊIÓU ÊÓAU

IÉUA IÉÓÊ IUÉÊ IÊÓÔ IAÔÓ


IÉUÓ IÉÓA IUÉA IÊÓA IAÔÊ
IÉUÔ IÉÓÔ IUÉÓ IÊÓÉ IAÔU
IÉUU IÉÓU IUÉÔ IÊÓU IAÔÉ

ÓÊUA ÓÊIÉ ÓUÉÊ ÓÔÉA ÓIÔÉ


ÓÊUA ÓÊIÉ ÓUÉÊ ÓÔÉA ÓIÔÉ
ÓÊUA ÓÊIÉ ÓUÉÊ ÓÔÉA ÓIÔÉ
ÓÊUA ÓÊIÉ ÓUÉÊ ÓÔÉA ÓIÔÉ

ÔIÊA ÔÉÓÊ ÔUÊÉ ÔÊÓA ÔIÓÊ


ÔIÊÓ ÔÉÓA ÔUÊÓ ÔÊÓÉ ÔIÓA
ÔIÊÉ ÔÉÓI ÔUÊI ÔÊÓI ÔIÓÉ
ÔIÊU ÔÉÓU ÔUÊA ÔÊÓU ÔIÓU

UÉÔA UÊÉI UIÉÊ UAÊÓ UÓÔÉ


UÉÔI UÊÉÓ UIÉA UAÊÉ UÓÔA
UÉÔÓ UÊÉÔ UIÉÓ UAÊI UÓÔI
UÉÔÊ UÊÉA UIÉÔ UAÊÔ UÓÔÊ

152
Emanuel Martinez

c) Articulações com cinco vogais


AÓÉIÊ AÉIUÊ AÔIÉÊ AÔIÊÓ AÓUÊÓ
AÓÉIÔ AÉIUÔ AÔIÉÓ AÔIÊÉ AÓUÊÉ
AÓÉIU AÉIUÓ AÔIÉU AÔIÊU AÓUÊI

ÉÓAÊI ÉÊIUA ÉAÓIÊ ÉUÓAÔ ÉAUÓÔ


ÉÓAÊÔ ÉÊIUÔ ÉAÓIÔ ÉUÓAÊ ÉAUÓÊ
ÉÓAÊU ÉÊIUÓ ÉAÓIU ÉUÓAI ÉAUÓI

ÊAÓÉI ÊAUIÉ ÊUIÓÉ ÊIUÓÔ ÊÓIUÔ


ÊAÓÉÔ ÊAUIÔ ÊUIÓÔ ÊIUÓA ÊÓIUÉ
ÊAÓÉU ÊAUIÓ ÊUIÓA ÊIUÓÉ ÊÓIUA

IÊUÔA IÊÔAÉ IUÊÉÔ IÊUÔÉ IAÊÓÔ


IÊUÔÓ IÊÔAÓ IUÊÉÓ IÊUÔÓ IAÊÓÉ
IÊUÔÉ IÊÔAU IUÊÉA IÊUÔA IAÊÓU

ÓÊUÔA ÓÊUIÉ ÓUÊIÉ ÓÔIÊA ÓIAÔÊ


ÓÊUÔÉ ÓÊUIÔ ÓUÊIA ÓÔIÊU ÓIAÔU
ÓÊUÔI ÓÊUIA ÓUÊIÔ ÓÔIÊÉ ÓIAÔA

ÔIUÊA ÔUIÓÉ ÔAUÊÉ ÔÊÓIA ÔÊIÓÉ


ÔIUÊÓ ÔUIÓÊ ÔAUÊÓ ÔÊÓIU ÔÊIÓU
ÔIUÊÉ ÔUIÓA ÔAUÊI ÔÊÓIÉ ÔÊIÓA

UÊIÔA UÓIÊÉ UAIÉÊ UÉÔÊA UIÉÓA


UÊIÔÓ UÓIÊA UAIÉÔ UÉÔÊÓ UIÉÓÊ
UÊIÔÉ UÓIÊÔ UAIÉÓ UÉÔÊI UIÉÓÔ

153
Regência Coral: Princípios Básicos

EXERCÍCIOS DE ARTICULAÇÃO — 2
Ao pronunciar estas palavras, o cantor deverá articular cada sílaba sem mexer a mandíbula, utilizan-
do apenas os lábios e a língua, como nos exercícios anteriores.
Exercite-se com as palavras abaixo:
calo luar
órion canarinho
nelio galo
loiola tutu
carro alegria
anágua crina
rara clara
rua colar
gongo lagoa
narina larga
leilão careca
ralar canela
lua para
rolha aleluia
canoa guerra
corina glória
grana quilo
cueca gaiola
narigão algo
grilo alguém
qualquer arena
arlequim louca
cano colega
coral lunar
arara querer
largura lago
língua

154
Emanuel Martinez

III — ANATOMIA E FISIOLOGIA DO SISTEMA VOCAL15

Denise SARTORI16

INTRODUÇÃO
Desde que o homem tomou consciência de sua capacidade de cantar, iniciou pesquisas para aperfei-
çoar essa habilidade. Por muito tempo, pesquisadores têm procurado compreender melhor o mecanismo
vocal. Atualmente, essas pesquisas se intensificaram até porque, no competitivo mundo moderno, não há
mais lugar para o empirismo — a ciência e a tecnologia ditam as regras.
Dessa forma, tanto cantores quanto professores de canto devem ter conhecimentos básicos da anato-
mia e da fisiologia do complexo sistema vocal. Com esses conhecimentos, cantores podem evitar, por
exemplo, métodos de canto antinaturais que estejam em desacordo com a sinergia dos órgãos vocais. Já os
professores de canto podem corrigir as falhas de seus alunos e ensinar a eles a técnica vocal que se funda-
menta na natureza anatômica e fisiológica humana.
Atualmente, não se tem apenas um simples laringoscópio para observar a ação do sistema vocal. As
pesquisas no campo da emissão vocal têm fornecido material de estudo para aqueles que queiram conhe-
cer um pouco desse mecanismo. Por isso, é importante que se estude anatomia e fisiologia para que os
mistérios que envolveram a técnica do canto no passado, hoje, não passem de fenômenos naturais. O
conhecimento da anatomia e da fisiologia do sistema vocal pode fazer com que o cantor renda mais em
aulas e apresentações e melhore a qualidade de sua voz.

RESPIRAÇÃO
“Para compreender a respiração no canto, devemos compreender o mecanismo de respiração do ser
humano através do qual os sons são produzidos; também devemos estudar o funcionamento desse meca-
nismo à luz das informações científicas mais atualizadas.”17
A função básica da respiração é fornecer oxigênio às células do corpo e remover o dióxido de carbo-
no, processo vital para a manutenção da vida.

15 Tema extraído da tese de mestrado da professora Denise Sartori.


16Professora da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, solista das principais orquestras no Brasil, tendo atuado
também nos EUA e Europa, vencedora do concurso Pavarotti nos EUA e mestre pela Universidade de Manchester,
Inglaterra.
17 D R Appelman, The Science of Vocal Pedagogy: Theory and Application, p.24

155
Regência Coral: Princípios Básicos

Sistema Respiratório: é composto basicamente pelas cavidades nasais, pela faringe, laringe, tra-
quéia e pelos pulmões. Suas estruturas mais importantes localizam-se no tronco, que pode ser dividido em
duas diferentes cavidades: a cavidade superior ou tórax e a cavidade inferior ou abdome.
Tórax: o tórax abriga o coração, as vias respiratórias, os pulmões e a caixa torácica. Esta possui doze
pares de costelas que estão firmemente conectados, na parte posterior, à coluna vertebral e, na parte ante-
rior, ao esterno.
“A caixa torácica é composta pelo esterno, pelas costelas e
1
2
pelas vértebras. Os principais órgãos da respiração estão situa-
3 dos e protegidos pela caixa torácica. Ela tem a forma aproxima-
esterno 4 da de um cone, com a parte inferior mais larga (...)”18
5 Costelas: São estruturas curvas que se inclinam para baixo e
6 ao redor dos lados do tórax. O primeiro par de costelas conecta-
7 se, pelas suas cartilagens, à parte superior do esterno. Do segun-
8
9 do ao sétimo par, a conexão se dá diretamente no esterno por meio
10 de sua cartilagens. O oitavo, o nono e o décimo par unem-se pelas
11 suas cartilagens na frente do sétimo par. Eles não são conectados
12
diretamente ao esterno. (vide figura 1 — Tórax)
Figura 1 — Tórax

“O que os professores de canto freqüentemente chamam de falsas costelas são representadas pelo
oitavo, nono e décimo par, que estão fundidos com o esterno através da cartilagem do sétimo par, sem
estarem ligados diretamente com o esterno.”19
O décimo primeiro e o décimo segundo par de costelas também não são conectados ao esterno. Eles
permanecem livres e são conhecidos como costelas flutuantes. Esses pares de costelas dão à caixa torácica
uma grande capacidade de expansão.
“Os últimos dois pares de costelas são conhecidos como costelas flutuantes porque não estão
conectados diretamente ao esterno; eles não flutuam à deriva, mas estão firmemente ancorados na parede
abdominal por fáscia.”20
Abdome: o abdome contém a maior parte do sistema digestório, órgãos, glândulas e é cercado pela
parede abdominal, constituída pelos ossos pélvicos, pela coluna vertebral e pelos músculos abdominais,
que têm importante papel no processo respiratório.
O ar entra através do nariz e/ou da boca, passa através da faringe e da laringe para dentro da traquéia e
alcança os brônquios, os bronquíolos, os alvéolos e o pulmão.

18 R Miller, The Structure of Singing: System and Art in Vocal Technique, p.259.
19 R Miller, The Structure of Singing: System and Art in Vocal Technique, p.259.
20 M Greene, The Voice and its Disorders, p.20

156
Emanuel Martinez

Traquéia: é um tubo semi-rígido situado imediatamente abaixo


da laringe. É composto de 16 a 20 anéis cartilaginosos com formato de
cartilagens
da traquéia U. São interconectados por tecido fibroso e muscular, e o espaço for-
mado entre eles garante uma certa mobilidade. Essa estrutura é capaz
traquéia de aumentar a pressão do ar expirado.

brônquios

bronquíolos

pulmão

Figura 2 — Traquéia
Em sua parte inferior, a bronquíolos
traquéia divide-se em dois tubos semi-rígidos menores: o
brônquio direito e o brônquio esquerdo. Extensões tubulares
dos brônquios são chamadas de bronquíolos. Os sacos alveolares alvéolos
ou alvéolos, através dos quais ocorre o intercâmbio dos gases
respiratórios, estão situados na parte final dos bronquíolos.
Figura 3 — Traquéia
“Os pulmões estão repletos de minúsculas células de ar
(alvéolos). O ar entra pela traquéia, através do espaço glótico laríngeo, para dentro dos brônquios. De-
pois que os tubos bronquiais entram nos pulmões, eles se dividem e se subdividem. O tubo principal e as
primeiras divisões são chamadas de brônquios, e as menores e seqüentes divisões denominam-se
bronquíolos. É através dos bronquíolos que o ar alcança as células onde o oxigênio é trocado pelo dióxi-
do de carbono do sangue.”21
Pulmões: são estruturas pares em forma de cone. Situam-se na parte superior da superfície do diafrag-
ma e estendem-se acima até quase preencher as câmaras laterais da cavidade torácica.
“Os pulmões são compostos de tecido elástico não muscular cercado de alvéolos, os quais são abun-
dantemente supridos de vasos sangüíneos. Os pulmões têm capacidade de expansão e contração apenas
pela intervenção dos movimentos expiratórios ativados pelos músculos da respiração.22
Os pulmões estão divididos em lobos: dois lobos no pulmão esquerdo e três lobos no pulmão direito.
As partes interna e externa desse órgão estão revestidas por uma membrana delicada e fina chamada
pleura.
“(...) os pulmões são os órgãos básicos da respiração, seus movimentos são determinados principal-
mente por um tipo de pressão exercida sobre eles pela musculatura vizinha e pela ação da caixa torácica.”23
21 A Rose, The Singer and the voice — Vocal Physiology and Thechnique for Singers, p.73
22 M Greene, The Voice and its Disorders, p.20
23R Miller, English, French, German and Italian Techniques of Singing: a study in national tonal preferences and how
they relate to functional afficiency, p.7

157
Regência Coral: Princípios Básicos

A respiração vital ocorre quando o corpo tem o mínimo de atividade, e a energia física requerida é
pequena e é uma ação reflexa. Esse mecanismo é descrito por Meribeth Bunch:
“1. uma mensagem vinda do cérebro faz com que o diafragma se contraia, assim alargando o tórax;
2. esse alargamento do peito puxa os pulmões para dentro, o que causa uma queda de pressão nos
pulmões em relação à pressão atmosférica. Isso pode ocorrer porque os pulmões e as passagens aéreas
torácicas são formadas por tecidos elásticos, e o ar é sugado para dentro para impedir a tendência de se
formar vácuo.
3. durante a expiração, o diafragma relaxa, e os pulmões, as passagens elásticas das vias aéreas e
a parede do peito recuam.”24
inspiração Inspiração: nessa fase, o ar vem através das vias aéreas
até os pulmões. Durante a inspiração, o tórax se expande e o
contração do músculo
diafragma desce. Há uma contração dos músculos esternoclei-
esternocleidomastoideo domastoideo, pectoralis menor, parte externa do músculo inter-
costal e diafragma. A inspiração é um processo ativo e requer
ação muscular.
contração
do músculo

contração
do músculo
intercostal
externo

diafragma

Figura 4 — Inspiração

Diafragma: larga estrutura muscular em forma de cúpula


ou domo que separa a cavidade torácica da cavidade abdomi-
nal. Provavelmente, é o principal músculo da inspiração. Como
o diafragma se estende horizontalmente entre os pulmões, sua Figura 5 — Diafragma
ação não pode ser visualizada. O que é visível externamente é
a ação dos músculos abdominais.

24 M Bunch, Dynamics of the Singing Voice, p.31

158
Emanuel Martinez

“Um número de técnicas respiratórias (coordenação respiratória) para canto


são baseadas em falsas afirmações com relação à fisiologia. Às vezes, tenta-se forçar
grupos de músculos que não podem realizar o trabalho de respiração que lhes é atri-
buído. Por exemplo, muitos procedimentos para “controlar o diafragma” têm peque-
na ou nenhuma correlação com a função diafragmática durante o ciclo respiratório,
especialmente durante a fonação. A ação dos músculos abdominais e intercostais
durante a expiração com freqüência é equivocadamente atribuída ao diafragma. Até
mesmo o local onde se situa esse músculo é compreendido erroneamente: o diafrag-
ma situa-se muito mais acima que muitos cantores imaginam. O diafragma não pode
ser “fixado” quando a parede abdominal é puxada para dentro. Nem vai para baixo
para os tons agudos nem para cima, nos graves. Muitos investigadores confirmam
que o diafragma participa pouco ou não contribui diretamente para o “apoio” da voz
diafragma porque, durante a expiração, esse músculo (como registrado em eletromicrografias),
Figura 6 — Diafragma na maioria das vezes, permanece eletricamente inativo. Os movimentos do diafragma
são, em parte, dependentes da ação da mus-
culatura vizinha. Os intercostais e os múscu-
los do tronco ajudam a determinar a posição
manubrio do esterno
do diafragma. O professor que ensina o can-
tor a controlar o diafragma pode estar ape-
intercostais internos nas se referindo ao controle da musculatura
intercostais externos
corpo do esterno vizinha. Alguma atividade dos músculos da
processo xifóide parede abdominal e do tórax pode ser obser-
costelas vada externamente.”25
Músculos intercostais: eles consistem em
três grupos de músculos que se localizam en-
intercostais externos
intercostais internos
tre as costelas. Existe ainda muita controvér-
sia sobre sua função. É de consenso geral que
os músculos intercostais externos atuam du-
rante inspiração e os intercostais internos, du-
rante a expiração.
tendão central
região esternal
esôfago
região costal

região lombar
aorta

Figura 7 — Músculos intercostais


25 R Miller, Training Tenor Voices, p.15

159
Regência Coral: Princípios Básicos

“Esses músculos mantêm a estabilidade da parede do tórax e previnem que este seja sugado para
dentro quando a pressão decresce no interior da cavidade durante a inspiração. Antigamente (e ainda
hoje pode se observar em livros de anatomia), acreditava-se que a camada externa levantava as costelas,
atuando então como inspiratório, e que as camadas interna e medial abaixavam as costelas, tendo então
função expiratória. Para estabilizar o papel desses músculos, muito se tem debatido, mas ainda existem
controvérsias.”26
Músculos acessórios da inspiração: existem outros músculos que podem ajudar no processo inspiratório.
Eles são chamados de músculos acessórios da inspiração e participam em uma inspiração mais vigorosa.
São eles:
a) esternocleitomastoideo;
b) escalenos (anterior, médio e posterior);
c) peitoral maior;
d) peitoral menor;
e) subclávio;
f) serratus anterior;
g) levantador das costelas;
h) serratus posterior superior;
i) grande dorsal.

Expiração: nessa fase, o ar sai dos pulmões e é expelido para


expiração fora do corpo. Há contração dos músculos intercostais internos, mús-
culos abdominais e o diafragma relaxa. Durante a respiração vital, a
expiração é um ação passiva. Se a expiração for mais intensa ou con-
trolada, mais atividade muscular é requerida. Quatro músculos abdo-
minais — reto abdominal, oblíquo externo, oblíquo interno e trans-
verso do abdome — são considerados os mais importantes na expira-
ção. Esses músculos formam a parede abdominal, e sua função básica
é proteger o abdome.

contração dos
músculos
intercostais
internos diafragma
relaxa contração dos
músculos
abdominais

Figura 8 — Expiração

26 M Bunch, Dynamics of the Singing Voice, p. 37-3.

160
Emanuel Martinez

Transverso abdominal: é um músculo largo


e plano, situado na parte frontal e lateral do abdo-
me, abaixo do oblíquo interno. Suas fibras muscu-
lares correm horizontalmente ao redor do abdome.
É responsável pela compressão das vísceras abdo-
minais e pela contração abdominal.

Figura 9 — Músculo Figura 10 — Músculo


transverso abdominal transverso abdominal

Oblíquo interno: músculo plano e largo situado na parte


frontal e lateral das paredes da cavidade abdominal. Suas fibras
se irradiam a partir do quadril e cruzam-se com fibras do múscu-
lo oblíquo externo. Quando o oblíquo interno se contrai, ele diri-
ge a parede abdominal para dentro, e as costelas inferiores são
dirigidas para baixo.
Figura 11 — Músculo Figura 12 — Músculo
oblíquo interno oblíquo interno

Oblíquo externo: é um músculo plano muito


largo, que forma uma grande parede abdominal. Ele
atua como compressor da parede abdominal e é ca-
paz de ajudar no controle da expiração. Suas fibras
correm obliquamente para baixo e para frente.

Figura 13 — Músculo Figura 14 — Músculo


oblíquo externo oblíquo externo

“O músculo mais ativo do abdome é o oblíquo externo. Esse músculo mostra caracteristicamente
uma contração imediata antes da produção do som, especialmente na vocalização de notas em staccato.”27

27 R Miller, The Structure of Singing: System and Art in Vocal Technique, p.277.

161
Regência Coral: Princípios Básicos

Reto abdominal: longo músculo em forma


de fita que se estende verticalmente na parte fron-
tal da cavidade abdominal. Quando contrai, for-
ça as vísceras abdominais para dentro, sendo tam-
bém capaz de direcionar as costelas inferiores e
o esterno para baixo. É um dos músculos mais
fortes do corpo.

Figura 15 — Músculo reto Figura 16 — Músculo reto


abdominal abdominal

Existem outros músculos que também ajudam no processo expiratório. São eles:
a) transverso torácico;
b) subcostais;
c) serratus posterior inferior;
d) quadrado lombar;
e) grande dorsal.
Grande dorsal ou Latissimus dorsi: é um grande músculo situado na parte posterior do corpo (cos-
tas), que pode atuar tanto na expiração como na inspiração.
Pressão subglótica: é a pressão criada durante a fonação pelo ar expirado contra as pregas vocais
parcialmente aduzidas.
Cornelius Ried sugere algumas possíveis funções da pressão subglótica:
“1. uma força direcionada contra as pregas vocais para colocá-las em movimento;
2. reservatório para estocar o oxigênio essencial à vida;
3. fonte de autogeneração de energia, porque o ar foi comprimido dentro dos pulmões.
Cada uma dessas possibilidades tem seus defensores; a maioria acredita que as pregas vocais resis-
tem à pressão subglótica que é exercida diretamente contra elas para produção do som.”28
A ação de sustento constante do som vocalizado com a pressão do ar é definido como apoio. Para
melhor compreender o termo, Appelmann explica:
“(...) é a sensação de estar sempre ‘sob o tom com um baixo esforçomuscular’; é a sensação de
‘cantar sobre o ar’; é a sensação de estabelecer um esforço muscular abdominal coordenado com o som
vocalizado ou cantado. O cantor inexperiente falha em manter essa conexão durante a mudança de inter-
valos ou mais freqüentemente em passagens diatônicas nas quais a vogal é alterada (...) ele falha no
sustentar o som vocalizado com a pressão aérea.” 29
28 C L Reid, A Dictionary of Vocal Terminology - An Analisis, p.360-361.
29 C L Reid, A Dictionary of Vocal Terminology - An Analisis, p.360-361.

162
Emanuel Martinez

Mecanismo respiratório
É fundamental para o cantor compreender o mecanismo respiratório e suas aplicações para obter uma
emissão de qualidade.
No canto, a intensidade e o nível de pressão subglótica deve ter controle constante para o sustento do
som vocalizado. Isso também é verdadeiro em relação à afinação ou à duração da frase musical. Conse-
qüentemente, a compreensão de um processo respiratório eficiente e o sustento do som é essencial para o
cantor. Tanto a inspiração quanto a expiração devem ser controladas de forma consciente.
Na inspiração, o diafragma vai para baixo e os pulmões se expandem, o que causa um alargamento do
tórax. A inspiração é um processo ativo que requer contração de mais de uma dezena de músculos. A ação
dos músculos inspiratórios não acaba abruptamente no final da inspiração. Há uma redução ou um decrés-
cimo na tonicidade muscular no começo da expiração. Os músculos inspiratórios não relaxam completa-
mente durante a fase expiratória, apenas diminuem sua tensão. Isso acontece porque eles necessitam estar
preparados para aumentar a tensão novamente em uma nova tomada de ar.
Durante a expiração, o diafragma relaxa, ocorrendo um recuo dos pulmões expandidos e do tórax alarga-
do. A ação da gravidade pode direcionar as costelas para baixo e para dentro. A expiração é um ato passivo
em um processo de respiração vital. Entretanto, no canto, a expiração é uma ação controlada que exige atua-
ção muscular mais vigorosa. O grupo de músculos responsáveis pela expiração, particularmente os músculos
abdominais, inserem-se no perímetro externo do tórax, na coluna vertebral e na pélvis. A expiração pode ser
interrompida em qualquer momento para uma inspiração porque esta é predominante.
No canto, a pressão subglótica é mantida sob controle pelo comando voluntário dos movimentos mus-
culares. Os músculos responsáveis pela inspiração e pela expiração precisam estar contraídos para agir
com mais vigor ou energia. A direção do ar é controlada pelo grupo predominante de músculos, que
obedece ao comando consciente e ao comando reflexo. Dessa forma, em qualquer momento, é possível
fazer uma pausa ou continuar os movimentos respiratórios. Durante a respiração, a semicontração genera-
lizada que permanece não deve ser de modo algum mais tensa que o necessário. Quando se canta, os
músculos envolvidos nas ações respiratórias necessitam de períodos de relaxamento e descanso, que po-
dem ser obtidos durante pausas encontradas nas músicas.

Métodos de respiração
Em resposta a ações combinadas dos músculos respiratórios e de outras estrutu-
ras do sistema respiratório, existem três métodos mais conhecidos de respiração.
Respiração clavicular: é caracterizada por uma expansão da parte superior do
tórax, acompanhada pelos ombros e pela clavícula. Com levantamento das coste-
las, o diafragma é levantado também, e a parede abdominal é passivamente pres-
sionada para dentro. Esse método de respiração não é saudável, pois cria tensões A
no pescoço e nos ombros que podem afetar diretamente a emissão vocal, já que a
laringe tende a assumir uma posição alta. Figura 17 — Respiração
clavicular

163
Regência Coral: Princípios Básicos

“Geralmente, movimentos na parte superior do tórax devem ser evitados. Primeiro, porque são
ineficientes. É melhor não recorrer a esse tipo de respiração a não ser que isso torne-se absolutamente
necessário. Um bom cantor raramente necessita desse tipo de respiração.
Segundo, causa má impressão. Quando um cantor deixa cair seu peito e inclina seus ombros, sua
postura torna-se pobre. Na inspiração, ele retoma uma posição ereta. Esse movimento de sobe e desce e
desce e sobe pode distrair a atenção do público.
Terceiro, a respiração clavicular pode facilmente conduzir a uma tensão laríngea. Os músculos que
levantam o esterno têm ligações com a parte superior do pescoço (…) Em uma pessoa que respira dessa
forma, os músculos esternocleidomastoideos, que se estendem da parte posterior das orelhas até o esterno,
e trapézio são notavelmente proeminentes em cada inspiração. Esses músculos não estão diretamente
envolvidos no ato de cantar, mas eles estão próximos daqueles que estão, logo agem por simpatia e pare-
cem ter um efeito pouco saudável quando se tornam tensos.”30

Respiração abdominal: esse método pode ser identificado pela contração do


diafragma, sem que haja um levantamento significativo das costelas.

“(…) tipo de respiração no qual os intercostais não atuam ativamente, e o


diafragma age quase que exclusivamente, acompanhado por óbvios movimentos
simpáticos da parede abdominal.”31

Esse método de respiração não permite controle eficiente do movimento mus- B


cular e não produz suficiente pressão subglótica, tão necessária para um canto efi-
ciente e controlado. Figura 18 — Respiração
abdominal

Respiração intercostal diafragmática: é caracterizada pela expansão das costelas e pela


contração do diafragma. Para o canto, esse método é o mais eficiente, porque permite uma maior
circulação de ar e aumenta o controle da ação muscular.

Figura 19 — Respiração
intercostal diafragmática

30 W Vennard Singing - The Mechanism and the Technique.


31 M Greene, The Voice and its Disorders, p. 31.

164
Emanuel Martinez

LARINGE
A função primária da laringe é proteger as passagens aéreas superiores do sistema respiratório, du-
rante as trocas gasosas, contra elementos estranhos que talvez possam obstruir ou desabilitar o mecanis-
mo respiratório. Essa proteção acontece, também, por meio de ação esfinctérica de suas pregas muscula-
res. As pregas vocais e as bandas ventriculares fecham-se na deglutição, para prevenir a entrada de comi-
da dentro da traquéia e dos pulmões.
A comunicação oral aparece como função biológica secundária. Esse fator é de extrema importância
para o desenvolvimento completo dos seres vivos e de modo muito especial nos seres humanos, cujas
principais inter-relações são feitas por meio da fala. Embora não haja necessidade de se usar a fala para se
manter biologicamente vivo, a comuni-
cação oral pode assegurar, em boas pro- epiglote

porções, o balanço psicológico do qual osso hióide


se precisa.
O canto, uma extensão da voz fala-
da, é uma das inúmeras funções cartilagem
laríngeas, que também fazem parte do tireóide

comportamento humano.
“Pelo menos uma compreensão bá-
cartilagem cricóide
sica da fisiologia da laringe é essencial
para uma maior eficiência no canto.”32
A laringe é o órgão da voz. Situa-se
(posterior) (anterior)
no pescoço na altura da terceira à sétima
vértebra cervical. Na sua parte inferior,
liga-se com a traquéia, formando um tubo
contínuo, que se comunica acima com a cartilagem tireóide
faringe na base da língua. Seus lados são
protegidos pelos lobos laterais da glân-
dula tireóide e pelos músculos esterno- pregas vocais
cleidomastoideos.
cartilagem
aritenóide

cartilagem posterior

(posterior) (anterior)

Figura 20 — Laringe

32 R Miller, The Structure of Singing: System and Art in Vocal Technique, p242.

165
Regência Coral: Princípios Básicos

Suporte estrutural da laringe


A laringe compreende seis cartilagens divididas em: três simples ou ímpares — epiglote, tireóide e
cricóide — e três pares — aritenóides, corniculatas e cuneiformes. O osso hióide suspende a laringe no
pescoço.

osso hióide
osso hióide

epiglote

epiglote corno superior


cartilagem
cuneiforme
cartilagem tireóide
cartilagem cartilagem
corniculata tireóide

espaço cricoideo corno inferior


cartilagem cartilagem
cricóide aritenóide cartilagem cricóide

anel traqueal
anel traqueal

Figura 21 — Cartilagens da laringe: vista anterior Figura 22 — Cartilagens da laringe: vista posterior

cartilagem
Osso hióide: é o único osso do corpo cuneiforme cartilagem
tireóide
que não se articula com outro osso. Liga-
se a músculos da laringe, articula-se com cartilagem
corniculata
o chifre superior da cartilagem tireóide e
liga-se a esta por meio da membrana cartilagem
aritenóide
tireóide. O complexo de cartilagens e mús- processo vocal
culos da laringe é delimitado em sua parte processo muscular
superior pela borda do osso hióide.
junta cricoaritenoidea

junta cricotireoidea

Figura 23 — Laringe: articulações – vista lateral

166
Emanuel Martinez

Epiglote: é uma cartilagem em forma de folha, composta de cartilagem elástica, coberta de membra-
na mucosa que se situa entre a parte posterior da língua e a glote. Sua base é inserida na porção interna da
borda anterior da cartilagem tireóide.

Na deglutição, a epiglote, ao fechar a entrada da laringe, impede que fluidos e sólidos passem do
fundo da língua para a laringe. A epiglote é formada por cartilagem elástica, que não sofre calcificação,
por isso permanece flexível durante a vida. Isso assegura a abertura do espaço glótico e permite a passa-
gem de ar para os pulmões e de comida e bebida através do esôfago.

Cartilagem tireóide: é a maior cartilagem da laringe e que pode ser mais facilmente sentida pelos
cantores por causa de seu grande tamanho e de sua colocação frontal no pescoço.

A cartilagem tireóide é composta de cartilagem hialina, que sofre processo de ossificação com o tem-
po, o que limita a sua flexibilidade com a idade. Ela consiste em duas placas, em forma de quadrilátero,
que se unem na parte anterior, divergindo posteriormente como uma capa de livro ligeiramente aberta. O
ângulo anterior formado entre essas placas é de aproximadamente 90 graus em homens e 120 graus em
mulheres. Essa diferença significa pregas vocais maiores em homens e, conseqüentemente, vozes mais
graves. A junção das placas ocorre na linha mediana, formando uma proeminência conhecida como pomo-
de-adão. Ela tem projeções em forma de chifres em sua parte superior e inferior a partir de seus cantos. O
chifre superior — crista superior — liga-se ao osso hióide, e o chifre inferior — crista inferior — repousa
sobre a cartilagem cricóide, articulando-se com ela.

Cartilagem cricóide: das seis cartilagens que formam a laringe, a cricóide é a que se situa em
sua porção mais inferior. Seu formato é comparado com um anel de sinete. A cartilagem cricóide
forma a base da laringe, e sua circunferência forma a parte frontal inferior e grande parte de suas
paredes. Nas suas faces posteriores, encontram-se duas pequenas concavidade ovais, onde ocorrem
as articulações com os chifres inferiores da cartilagem tireóide. Abaixo da cricóide estão os anéis
traqueais e os pulmões.

Cartilagens aritenóides: de pequenas proporções, as cartilagens aritenóides têm forma de pirâmide


de três faces. A base de cada aritenóide é côncava para permitir uma articulação macia com a parte superi-
or da cartilagem cricóide.

167
Regência Coral: Princípios Básicos

Os ligamentos vocais e os músculos internos da laringe estão ligados às cartilagens aritenóides, as


quais são responsáveis por qualquer alteração de posição das pregas vocais. Os movimentos das cartila-
gens aritenóides são de rotação e deslizamento, responsáveis pela abdução e pela adução das pregas
vocais.

Cada cartilagem aritenóide tem dois processos: o vocal e o muscular. O processo vocal é uma projeção
anterior da cartilagem aritenóide, à qual se ligam as pregas vocais. O processo muscular é uma projeção
lateral da cartilagem aritenóide à qual se ligam outros músculos responsáveis pelo deslizamento e pela
rotação.

Cartilagens corniculatas: têm a forma de cone e são constituídas por tecido elástico. Cada uma
articula-se com o ápice de uma das cartilagens aritenóides por meio de junta sinovial. As cartilagens
corniculatas se projetam para dentro das pregas ariepiglóticas.

Cartilagens cuneiformes: são pequenas estruturas de formato circular.


“As cuneiformes atuam no suporte passivo e também ajudam a manter a posição vertical das fendas
ariepiglóticas quando puxadas ou alongadas pelo movimento das aritenóides.”33

“A função dessas pequeninas cartilagens ainda não é muito clara, mas pode acrescentar estabilidade
no movimento de abdução na proteção das vias aéreas.”34

Músculos da laringe
Os cantores que não têm formação específica na área biológica podem ter dificuldade para conhecer e
identificar os músculos da laringe, pois existe um número relativamente grande deles. Muitos de seus
nomes, entretanto, podem ser reconhecidos se forem relacionados com a sua localização.

Dois grupos de músculos são encontrados na laringe: os músculos extrínsecos e os músculos intrínse-
cos. Para a fala e para o canto, a laringe move-se verticalmente no pescoço. Esse movimento acontece pela
ação de músculos intrínsecos e extrínsecos. Ambos os grupos de músculos são compostos de fibras mus-
culares estriadas que asseguram a ação voluntária.

33 M Greene, The Voice and its Disorders, p. 33-34.


34 J Stample, L Glase e B Gerdeman, Clinical Voice Pathology - Theory and Management, p. 28.

168
Emanuel Martinez

Músculos extrínsecos da laringe


Esses músculos, cuja função é a movimentação laríngea, têm sua origem em estruturas ao redor da
laringe e se ligam a ela e a uma estrutura externa à laringe.
mandíbula

digástrico (ventre anterior)


milo-hioideo
digástrico (ventre posterior)
músculos estilo-hioideo
supra-hioideos levantador da escápula
osso hioide
longo da cabeça
omo-hioideo (ventre superior)
escalenos
cartilagem tireóide
músculos
infra-hioideos esterno-hioideo tiro-hioideo
cricotireoideo
esternocleidomastoideo

trapézio

omo-hioideo (ventre inferior) clavícula

glândula tireóide
clavícula
esternotireoideo

esterno traquéia

Figura 24 — Músculos extrínsecos da laringe

Os músculos extrínsecos da laringe compreendem os músculos supra-hioideos e músculos infra-


hioideos, que estão respectivamente localizados acima e abaixo do osso hióide.
Músculos supra-hioideos: são responsáveis pela elevação da laringe (vide figura 25).
Estilo-hioideo: sua função é levantar e retrair o osso hióide e levantar a base da língua. Sua inserção
é na junção do osso hióide com o chifre superior da cartilagem tireóide.
Milo-hioideo: atua como elevador do osso hióide, da base da língua e do assoalho da boca. Esse
músculo liga a mandíbula ao osso hióide.
Digástrico: desloca o osso hióide para frente e para trás e o eleva. Pode também levantar a base da
língua. É formado por duas partes carnudas ou ventres que se ligam entre si por um tendão intermediário.
O músculo digástrico tem sua origem em dois diferentes lugares: o ventre posterior, a partir do osso
temporal na altura do chanfro do mastóide; e o ventre anterior, a partir da fossa da mandíbula.
Ventre de um músculo: a mais larga porção de um músculo esquelético entre a sua origem e a sua
inserção.

169
Regência Coral: Princípios Básicos

Genio-hióideo: a função desse músculo é a elevação do osso hióide e da língua. Conecta a mandíbula à
superfície anterior do corpo do osso hióide.
MÚSCULOS
LIGAÇÕES FUNÇÃO
SUPRA-HIOIDEOS
Osso temporal ao osso Elevar o osso hióide
ESTILO-HIOIDEO
hióide posteriormente
Elevar o osso hióide
MILO-HIOIDEO Mandíbula ao osso hióide
anteriormente
Duas partes ou ventres: a
DIGÁSTRICO
anterior e a posterior
Elevar o osso hióide
Anterior Mandíbula ao osso hióide
anteriormente
Osso temporal ao osso Elevar o osso hióide
Posterior
hióide posteriormente
Elevar o osso hióide
GENIO-HIOIDEO Mandíbula ao osso hióide
anteriormente

Músculos infra-hioideos: são os músculos responsáveis pelo abaixamento da laringe. Eles são capa-
zes de puxar a laringe e o osso hióide para uma posição inferior no pescoço (vide figura 25).
Tiro-hioideo: esse músculo tem como função aproximar a cartilagem tireóide e o osso hióide. Está
situado na borda mais inferior do osso hióide. Liga a cartilagem tireóide ao osso hióide.
Esternotireoideo: abaixa a cartilagem tireóide. Quando essa cartilagem é puxada para baixo, a laringe
também assume uma posição baixa.
Esterno-hioideo: abaixa o osso hióide e a laringe. Ele está ligado à borda mais inferior do osso
hióide. O esterno-hióideo ajuda a elevar o esterno quando o osso hióide está em uma posição fixa. De
acordo com a sua denominação, o esterno-hioideo liga o esterno ao osso hióide.
Omo-hioideo: é responsável pelo abaixamento do osso hióide. Ele pode também retrair e abaixar a
laringe. Situa-se na borda mais inferior do osso hióide e liga a escápula ao osso hióide.

MÚSCULOS INFRA-HIOIDEOS LIGAÇÕES FUNÇÃO


Cartilagem tireóide ao osso Aproximar a cartilagem
TIRO-HIOIDEO
hióide tireóide ao osso hióide
Abaixar a cartilagem
ESTERNOTIREOIDEO Esterno a cartilagem tireóide
tireóide
ESTERNO-HIOIDEO Esterno ao osso hióide Abaixar o osso hióide

OMO-HIOIDEO Escapula ao osso hióide Abaixar o osso hióide

170
Emanuel Martinez

Músculos intrínsecos da laringe


Ligam-se à laringe no seu interior e exterior. São
músculos pares com exceção do interaritenoideo.
osso hióide

epiglote

cartilagem
tireóide
interaritenoideo
interaritenoideo oblíquo
epiglote transversal

cartilagem cricóide
cricoaritenoideo
corno superior
lateral

anel traqueal

cricoaritenoideo
posterior tiroaritenoideo Figura 25 — Laringe: visão posterior
cricoaritenoideo
junta cricoaritenoidea lateral
cricotireoideo cricoaritenoideo
(pars-oblíqua) (pars-recta)

anel traqueal

Figura 26 — Laringe: visão lateral

“Quando contraídos, os músculos aumentam sua tensão e encurtam, fazendo com que os ligamen-
tos das cartilagens sejam puxados. A relação entre a combinação da variedade, do tamanho e da ten-
são entre as contrações desses músculos cria dois efeitos: alteração da forma e configuração da glote,
a abertura entre as pregas vocais mudança de posição do arcabouço cartilaginoso onde se situam as
pregas vocais.”35

Cricotireoideo: esse músculo tem dois seguimentos: pars recta e pars oblíqua. A pars recta liga a
cartilagem cricóide à borda inferior da lâmina tireóide. A pars oblíqua liga a cricóide ao chifre inferior da
cartilagem tireóide.

35 (Hirano, Kiyokawa e Kurita, 1988).J Stample, L Glaze, e B Gerdeman, Clinical Voice Pathology - Theory and anagement, p. 29.

171
Regência Coral: Princípios Básicos

A respeito da função do músculo A B superior


lateral
cricotireoideo, Stample, Glaze Gardeman posterior
lateral
dizem o seguinte:
“O cricotireoideo tensiona e torna
delgada a borda vibratória das pregas
vocais, puxando a cartilagem cricóide
para cima e para trás, diminuindo o es- C D
superior superior
paço cricotireoideo e alongando as pre- lateral lateral
gas vocais. O músculo cricotireoideo
contribui grandemente para o controle
do som na afinação e especialmente na
produção das notas agudas.”36
superior superior
E F
posterior posterior

Figura 27 — Laringe

Tiroaritenoideo: esse largo músculo trançado complexamente, é tradicionalmente descrito como ten-
do duas diferentes partes: o tiroaritenoideo interno (vocal), que representa as próprias pregas vocais e o
tiroaritenoideo externo, que é lateral às pregas vocais. A origem de ambos é logo abaixo do chanfro da
cartilagem tireóide em direção à superfície inferior da cartilagem tireóide. O tiroaritenoideo interno inse-
re-se no processo vocal, e o tiroaritenoideo externo, no processo muscular. O efeito da contração das fibras
externas é encurtar e aduzir as pregas vocais, já que não participam diretamente na vibração delas.
O músculo tiroaritenoideo contribui para a produção dos sons graves e intensos (fortes). As cartila-
gens aritenóides são puxadas para frente, e as pregas vocais se engrossam pelo aumento da massa da borda
vibrante medial (vide figura 28).
Cricoaritenoideo posterior: esse músculo é o único abdutor das pregas vocais. Ele se contrai para
abrir as pregas vocais na respiração e também atua durante aberturas rápidas da glote (vide figura 28).
O cricoaritenoideo posterior liga a parte posterior da cartilagem cricóide à cartilagem aritenóide. Ori-
gina-se da superfície posterior da cartilagem cricóide. Insere-se no processo muscular das cartilagens
aritenóides. É o principal músculo responsável pelos movimentos dessas cartilagens.

36 J Stample, L Glaze, e B Gerdeman, Clinical Voice Pathology — Theory and Management, p. 29.

172
Emanuel Martinez

músculo cricoaritenoideo posterior

processo
muscular das
processo vocal aritenóides
músculo das aritenóides
cricoaritenoideo
posterior

processo
muscular das
aritenóides
chanfro da cartilagem
tireóide

Figura 28 — Cricoaritenoideo: ação posterior — abdução

processo
muscular
Cricoaritenoideo lateral: é um músculo largo em forma de leque.
Sua origem é na parte lateral superior da cartilagem cricóide. O
cricoaritenoideo lateral estende-se a partir da borda lateral da cartilagem
cricoaritenoideo
lateral
cricóide até a parte anterior do processo muscular da cartilagem aritenóide.
Sua função é a aproximação das pregas vocais. Quando contraído, age
como adutor por rodar as cartilagens aritenóides para dentro (vide figura
28).
processo vocal

Figura 29 — Cricoaritenoideo: ação lateral — adução

Esse músculo tem inúmeras funções importantes no processo da produção vocal.


“O cricoaritenoideo lateral é um importante adutor e também pode ter a função de relaxador da glote
(…) essas funções são importantes para a produção da voz. Sua forma é de um leque, localizado no fundo
da cartilagem tireóide na parede anterolateral da laringe. A superfície medial desse músculo está em
contato direto com o conus elasticus, e (…) do ponto de vista anatômico realmente aparenta ser uma
extensão de massa muscular a qual forma as pregas vocais.”37

37 R Miller, The Structure of Singing: System and Art in Vocal Technique, p. 253.

173
Regência Coral: Princípios Básicos

Interaritenoideo: segundo Stemple, Gaze e Gerdeman (vide figura 28):

“Os interaritenoi- ápice

deos também são múscu-


los adutores e responsá- processo músculo
veis pelo fechamento muscular da interaritenoideo
músculo aritenóide transverso
forçado da glote. Eles interaritenoideo
unem o processo muscu- oblíquo

lar esquerdo e direito


das aritenóides.”38
Figura 30 — Interaritenoideo: ação

São separados em duas partes: a parte transversa e a oblíqua:


A parte transversa (horizontal) aproxima as faces mediais das cartilagens aritenóides, enquanto a parte
oblíqua (cruzada) aproxima o ápice das cartilagens aritenóides.

MÚSCULOS INTRINSECOS
LIGAÇÕES FUNÇÃO
DA LARINGE

CRICOTIROIDEO Cricóide à tireóide

Cricóide à borda inferior da Embala a cricóide para frente e


Pars Recta
lâmina tireóidea para cima, mais perto da tireóide
Cricóide ao chifre inferior Puxa a cricóide
Pars Oblíqua
da tireóide posteriormente
Encurta e engrossa as
TIROARITENOIDEO Tireóide à aritenóide
pregas vocais
CRICOARITENOIDEO Parte posterior da cricóide
Abdutor das pregas vocais
POSTERIOR à aritenóide
CRICOARITENOIDEO Parte lateral da cricóide
Adução
LATERAL à aritenóide
Une o processo muscular esquerdo e direito
INTERARITENOIDEO
das aritenóides. Dividido em 2 partes
Une as faces médias das
Transverso
aritenóides
Aproxima os ápices das
Oblíquo
aritenóides
38 J Stemple, L Gaze e B Gerdeman OpCit., p. 31-32.

174
Emanuel Martinez

Conforme cita Stample Gaze e Gerdeman:


“Existem três exceções à regra aplicada aos músculos intrínsecos da laringe que ajudam a lembrar
similaridades e diferenças entre suas funções:
a) Primeiro, todos os músculos são pares, tendo o esquerdo e o direito, com exceção do
interaritenoideo transverso, cuja função, como ímpar, é aproximar as aritenóides.
b) Segundo, todos os músculos intrínsecos servem como adutores (aproximando as pregas vo-
cais), exceto o cricoaritenoideo, o único abdutor, que abre as pregas vocais.
c) Terceiro, todos os músculos são enervados pelo nervo recorrente, exceto o músculo
cricotireoideo, que é enervado pelo ramo externo do nervo laríngeo superior.”39
Pregas vocais: tradicionalmente chamadas de cordas vocais por cantores e músicos, na realidade, não
são cordas reais, mas, sim, pregas.

epiglote

processo
prega vocal vocal músculo
tiroaritenoideo
externo

músculo glote
músculo tiroaritenoideo
tiroaritenoideo externo
interno
músculo
ligamento tiroaritenoideo
vocal interno

chanfro da cartilagem tireóide

Figura 31 — Pregas vocais Figura 32 — Pregas vocais

Perkins a Kent definem as pregas vocais desta forma:


“Os tiroaritenoideos internos são as partes vibratórias das pregas vocais, também chamadas de cor-
das vocais. Esse músculo par, o qual está diretamente envolvido na vibração fonatória, é normalmente
chamado de vocalis. A ação desse músculo quando se contrai é puxar o processo vocal ao qual está
ligado, em linha reta, através do chanfro da cartilagem tireóide, o ponto de origem. Essa ação encurta
as pregas vocais e as aduz se elas estavam abduzidas. Provavelmente é antagônica à compressão medial,
sendo a razão disso que, puxando o processo vocal diretamente para frente, eles estão protegidos de
serem espremidos juntos.

39 J Stemple, L Gaze e B Gerdeman OpCit., p. 31-32.

175
Regência Coral: Princípios Básicos

Outro importante efeito da contração do vocal é tensionar as pregas vocais. Essa tensão independe
do comprimento das pregas vocais. Paradoxalmente, o bom senso diz que, quanto mais as pregas vocais
estão alongadas, mais estarão esticadas e, quanto mais esticadas estiverem, mais tensas se tornarão. De
fato, o efeito do alongamento é adelgar e esticar estas, mas não como uma corda de violino. Músculos são
tensos apenas quando contraídos, e, quando eles se contraem, eles se encurtam. Como se pode ver, outro
músculo alonga as pregas vocais e por meio deste elas tornam-se delgadas.”40
Falsas pregas vocais ou pregas ventriculares: elas estão acima das
epiglote
pregas vocais verdadeiras. Originam-se logo abaixo da junção da epiglote
falsa prega e de sua inserção na borda lateral das cartilagens aritenóides. Elas são com-
vocal falsa prega
vocal postas principalmente de grossas pregas de membrana mucosa que se pro-
jetam para dentro do caminho aéreo. As pregas ventriculares não estão lon-
ge das pregas vocais verdadeiras. Elas são compostas, também, de algumas
prega vocal
fibras do músculo tiroaritenoideo externo, o que as capacita de vibrar, mas
prega vocal
verdadeira verdadeira somente sob condições anormais.
cartilagem cartilagem
tireóide tireóide

cavidade nasal
Figura 33 — Pregas vocais: falsas

palato mole
RESSONÂNCIA E ARTICULAÇÃO
língua
Ressonância é um fenômeno acústico extremamente im-
portante para os cantores. É um fator que pode ajudar o cantor faringe
epiglote
a verificar constantemente se a emissão da voz está correta.
osso hióide pregas vocais
O som fundamental que é produzido na laringe é fraco, não
cartilagem esôfago
tem intensidade suficiente, por isso necessita ser ampliado. Essa tireóide
amplificação acontece por um sistema de ressonância. Figura 34 — Ressoadores

seio frontal
seio frontal
seio etmoidal
seio etmoidal

seio esfenoidal
seio esfenoidal

seio maxilar seio maxilar

Figura 35 — Ressoadores
40 W H Perkins e R D Kent, Functional Anatomy of Speech, Language and Hearing, p. 71.

176
Emanuel Martinez

O sistema de ressonância é dividido em ressoadores infraglóticos e ressoadores supraglóticos.


As estruturas infraglóticas envolvidas em ressonância são: a traquéia, os tubos bronquiais, os pulmões e
a caixa torácica.
As estruturas supraglóticas envolvidas em ressonância são:
Laringe: seu aspecto pregueado, está relacionada com a ressonância. É possível observar três cavida-
des distintas: a cavidade que se situa sobre as falsas dobras vocais, a cavidade entre as falsas e as verdadei-
ras dobras vocais e a cavidade abaixo das dobras vocais verdadeiras.
Faringe: a faringe é um tubo fibromuscular situado na porção posterior da boca, na frente da coluna
vertebral. Seu comprimento varia entre 13 cm e 14 cm. A faringe é uma estrutura muito flexível, que pode
encurtar ou alongar, alargar ou estreitar, de acordo com as exigências vocais do cantor ou do locutor.

MÚSCULOS DA FARÍNGE FUNÇÃO

Constrictor superior Atua como constritor da parte superior da faringe.

Constrictor mediano Constringe a porção mediana da faringe.

Constrictor inferior Constringe a parte inferior da faringe.


Este músculo é responsável pela elevação da faringe e
Estilofaríngeo
também pelo aumento de seu diâmetro.
Eleva a faringe e também é responsável pela abertura
Salpingofaríngeo
da tuba auditiva.

O constrictor superior e o constrictor médio são responsáveis ba-


seios:
etmoidal sicamente pelo ajuste da forma da cavidade faríngea, o que permite
frontal variações de qualidade vocálica, em particular, para vogais abertas.
maxilar
A faringe pode ser dividida em três partes distintas: a nasal, a oral
e as partes laríngeas.
cavidade Nasofaringe ou rinofaringe: situa-se acima do palato mole e é
nasofaringe nasal
uma extensão das cavidades nasais. É uma cavidade que permite a
orofaringe passagem de ar. Quando a distância entre o palato mole e a parede
posterior da faringe aumenta, o espaço entre o palato mole e a
laringofaringe
nasofaringe fica maior.
laringe
Orofaringe: situa-se na parte posterior da boca, abaixo do palato
mole.
Figura 36 — Ressoadores

177
Regência Coral: Princípios Básicos

Laringofaringe: situa-se atrás da laringe, entre a parte superior da epiglote e a base da cartilagem
cricóide (vide figura 37).
“A faringe é provavelmente a cavidade de ressonância mais importante(…)”41
Boca: também chamada de cavidade oral, é capaz de grande variação em forma e em tamanho. Esse
ajuste contínuo permite aos humanos cantar ou falar. A boca é formada por estruturas fixas — dentes,
maxila, palato duro — e estruturas móveis — língua e palato mole e mandíbula. A boca é uma cavidade
essencial para ressonância da voz (vide figura 35).
“A boca é a cavidade mais ajustável do trato vocal, por causa da mobilidade dos lábios, da língua, e
da mandíbula.”42
Cavidade nasal: essa cavidade é dividida em duas partes pelo septo nasal. Em sua parte posterior,
comunica-se com a nasofaringe. A cavidade nasal está separada da faringe pelo palato mole (vide figura 35).
A cavidade nasal desempenha um importante papel na ressonância da voz. Pode-se notar que, quando
o nariz está obstruído, há uma redução da ressonância vocal. Ela pode controlar a claridade e a beleza da
voz, o que pode ser alcançado quando se relaxa a musculatura oral e faríngea. As narinas têm uma abertu-
ra anterior que se alarga posteriormente, encontrando-se com a rinofaringe.
Seios paranasais: dividem-se em frontal, etmoidal, esfenoidal e maxilar.
Os seios maxilares localizam-se acima dos molares superiores, abaixo das órbitas dos olhos, em cada
lado da cavidade nasal. Eles são os mais importantes e também os maiores dos seios paranasais.
Com adaptações especiais para o canto e a fala, os órgãos responsáveis pela articulação também são
responsáveis pela mastigação e pela deglutição. A associação da atividade entre a língua, os lábios, a
mandíbula, os dentes e o palato acontece durante a articulação de vogais e consoantes.
Língua: é um órgão que participa de muitas funções como a mastigação, a deglutição, a fala e o
paladar. A língua é, provavelmente, o órgão mais importante da articulação. Também é um dos órgãos
mais móveis do sistema vocal. É formada por músculos intrínsecos e extrínsecos. Os músculos extrínsecos
comandam a forma da língua, encurtando-a, estreitando-a, tornando-a plana ou prolongando-a. Os mús-
culos intrínsecos podem elevar ou abaixar a língua na sua parte anterior, medial ou posterior. Eles também
podem estender a língua para frente e para trás.
Quando os músculos intrínsecos e extrínsecos da língua se contraem, pode-se produzir um número
incontável de posições da língua. Como resultado dessa ação muscular combinada, a cavidade oral é
capaz de mudar sua forma e seu tamanho.
Lábios: formam o orifício da boca. Os lábios são estruturas móveis que participam do mecanismo de
articulação: podem mudar o formato da boca e contribuir para a qualidade vocálica.
Mandíbula: também conhecida por maxilar inferior, é formada por duas partes simétricas, fundidas à
parte anterior. Liga-se à articulação temporo-mandibular (articulação entre o osso temporal e a cabeça da
mandíbula).
41 D. Boone, Voice and Voice Therapy, p. 38.
42 R. Miller, Op Cit. p. 283.

178
Emanuel Martinez

A principal função dos músculos da mandíbula é a mastigação, entretanto são também músculos
posturais que atuam para superar a ação da gravidade. Sem o trabalho desses músculos, a boca não se
manteria fechada.
“Uma mandíbula apertada é sintoma de uma garganta apertada. Se os músculos extrínsecos da
laringe se tensionam, essa tensão deve sofrer resistência dos músculos que erguem a mandíbula.”43

MÚSCULOS DOS LÁBIOS,


FUNÇÃO
DA MANDÍBULA E DAS BOCHECHAS
Músculo elevador do ângulo da boca eleva as comissuras da boca

Músculo zigomático maior e menor puxa as comissuras da boca para cima e para trás

Músculo risório retrai as comissuras da boca

Músculo orbicular da boca fecha a boca

Músculo depressor do ângulo da boca abaixa as comissuras da boca

Músculo do mento eleva e estende o lábio inferior

Músculo depressor do lábio inferior lateralmente, puxa o lábio inferior para baixo
abaixa os lábios e a mandíbula; tensiona
Músculo platisma
a pele do pescoço
Músculo temporal eleva a mandíbula

Músculo masseter eleva a mandíbula


eleva a mandíbula e é responsável pelo movi-
Músculo pterigoideo medial
mento de rotação na mastigação
Músculo pterigoideo lateral protrai a mandíbula e é responsável pelo movi-
mento de rotação da mandíbula na mastigação
Músculo bucinador altera a forma das bochechas

43 W Vennrd, Singing: the mechanism and the technique, p. 117.

179
Regência Coral: Princípios Básicos

orbicular do olho
temporal

elevador do lábio superior


zigomático menor
zigomático maior
masseter
bucinador

orbicular da boca
esternocleidomastoideo

trapézio

depressor do ângulo da boca

epicrânio
frontal

temporal
orbicular do olho

zigomático maior e menor


elevador do lábio superior

zigomático menor
zigomático maior
masseter

bucinador

depressor do ângulo da boca orbicular da boca

platisma

Figura 37 — Músculos da mandíbula e das bochechas

180
Emanuel Martinez

risório

músculo do mento

Figura 38 — Músculos da mandíbula e das bochechas

Palato: o palato é dividido em duas partes diferentes: o palato duro e o palato mole. O palato duro é
formado por uma estrutura óssea e ocupa dois terços da cavidade oral. O palato mole representa o terço
posterior e tem uma constituição fibromuscular.

A parte posterior do palato mole move-se livremente, como uma janela em sua dobradiça, próximo à
sua junção com o palato duro. Seu formato é como um arco com uma projeção cônica no meio, a úvula, e
localiza-se na extensão posterior do palato mole, formando uma divisão parcial entre as partes orais e
nasais da faringe.

181
Regência Coral: Princípios Básicos

GLOSSÁRIO
Abdome: nos vertebrados, é a parte do corpo localizada entre o tórax e a pélvis.
Abdução: movimento de abertura da glote, no qual as cartilagens aritenóides abrem as pregas vocais para
permitir a passagem de ar até os pulmões.
Adução: movimento de fechamento da glote. O movimento da cartilagem aritenóide que fecha as pregas
vocais.
Alvéolos: pequenos sacos de ar situados nos pulmões, na parte terminal de cada bronquíolo, onde ocor-
rem as trocas dos gases respiratórios.
Brônquios: as duas ramificações principais da traquéia por meio das quais o ar chega aos pulmões.
Bronquíolos: finas extensões tubulares dos brônquios. Medem menos que 1mm de diâmetro e não possu-
em nenhuma cartilagem em suas paredes.
Bucinador: um dos músculos das bochechas.
Cartilagens aritenóides: pequenas cartilagens pares, com aspecto piramidal, onde se ligam as pregas vocais.
Cartilagem: tecido conjuntivo fibroso, não vascularizado. É uma estrutura mais flexível que um osso.
Cone elástico: membrana elástica que se estende da borda lateral da cartilagem cricóide até o processo
muscular da cartilagem aritenóide.
Cartilagem cuneiforme: par de pequenas cartilagens em uma forma circular.
Cartilagem de hialina: tecido de cartilagem predominantemente hialino.
Cartilagem tireóide: maior cartilagem ímpar que constitui a laringe.
Diafragma: músculo ímpar e assimétrico que separa a cavidade abdominal da cavidade torácica.
Epiglote: cartilagem ímpar, coberta por membrana mucosa, situada entre a parte posterior da língua e a
entrada da laringe. Atua como uma válvula que se fecha durante a deglutição.
Esôfago: porção de área digestiva entre a faringe e o estômago.
Escalenos: são músculos acessórios da respiração, responsáveis por dobrar o pescoço e elevar as duas
costelas superiores na inspiração.
Esternotireoideo: músculo que une o esterno à cartilagem tireóide. É capaz de abaixar a laringe puxando
a cartilagem tireóide para baixo.
Esterno-hioideo: músculo que liga o esterno ao osso de hióide. Inserido borda inferior do osso de hióide,
esse músculo abaixa a laringe.
Esternocleidomastoideo: espesso músculo superficial localizado em cada lado do pescoço. Liga a claví-
cula ao esterno.
Estilo-hioideo: músculo que liga o osso temporal ao osso hióide. É responsável pela elevação do osso
hióide e da base da língua.
Fáscia: folha ou camada de tecido fibroso que cobre, apoia ou aproxima estruturas ou partes internas do
corpo. Tecido conjuntivo denso que envolve e separa estruturas musculares.
Fossa: depressão ou pequena cavidade de um osso.
Glote: espaço entre as pregas vocais.
Glândula tireóide: glândula endócrina localizada debaixo da laringe. É formada por dois lóbulos
conectados, que secretam os hormônios tiroideanos.

182
Emanuel Martinez

Grande dorsal: músculo grande, que pode participar tanto da inspiração como da expiração. Situa-se na
parte de trás do corpo.
Lâmina: uma camada delgada de qualquer tecido.
Laringofaringe: parte da faringe situada na parte posterior da laringe.
Laringe: órgão da voz. A laringe consiste em um arcabouço cartilaginoso, com membranas elásticas,
ligamentos e músculos. Localiza-se entre a faringe e a traquéia.
Ligamento: faixa ou camada de tecido forte que conecta dois ou mais ossos, cartilagens ou outras estruturas.
Músculo oblíquo externo: músculo expiratório. Suas fibras formam as camadas das paredes laterais do
abdome. Em geral, suas fibras dimensionam-se para baixo;
Músculos intercostais: músculos que estão localizados entre as costelas.
Músculo cricotireoideo: músculo par que estende para cima e para trás a partir da borda superior da
cartilagem cricóide para a borda inferior da cartilagem tireóide. Esse músculo tem dois segmentos,
pars reta e pars oblíqua.
Masseter: grande músculo facial responsável pela elevação da mandíbula. O masseter participa da
mastigação.
Milo-hioideo: músculo laríngeo par que forma o assoalho da boca. Esse músculo plano de aspecto trian-
gular liga-se à camada interna da mandíbula e ao osso hióide. Sua contração empurra o osso hióide
para frente.
Músculo cricoaritenoideo lateral: músculo par que se estende desde as bordas da cartilagem cricóide
até o processo muscular da cartilagem aritenóide, atuando como um músculo adutor da glote.
Músculo cricoaritenoideo posterior: músculo par localizado na parte posterior da cartilagem cricóide
que liga a parte posterior desta cartilagem à cartilagem aritenóide.
Músculos estriados: músculos que, em geral, agem sob controle voluntário. São compostos de longas
fibras transversais estriadas. Os músculos estriados se subdividem em esqueléticos ou voluntários,
e cardíaco ou involuntário.
Nasofaringe: parte da faringe localizada sobre o palato mole. Na sua parte anterior, comunica-se com a
cavidade nasal; e na sua parte posterior, comunica-se com a orofaringe.
Omo-hioideo: músculo da laringe que conecta a escápula ao osso hióide.
Orofaringe: parte da faringe localizada na parte posterior da cavidade oral. Conecta-se, em sua parte
superior, coma a rinofaringe e, na sua parte inferior, com a laringofaringe.
Osso hióide: osso em formato de “U”, localizado na base da língua, sobre a laringe, onde a cartilagem
tireóide é suspensa.
Oblíquo interno: músculo abdominal que forma as camadas das paredes laterais do abdome. Suas fibras
se irradiam a partir das costelas e correm, em geral, para cima.
Pulmões: órgãos respiratórios compostos de tecido elástico, não muscular. Localizam-se no tórax, remo-
vem o gás carbônico do sangue e o provêm de oxigênio.
Processo vocal: projeção anterior da aritenóide ao qual as pregas vocais se ligam.
Processo muscular: projeção lateral das cartilagens aritenóides à qual se ligam os músculos adutores e
abdutores.

183
Regência Coral: Princípios Básicos

Pars oblíqua: um dos dois segmentos do músculo do cricotireoideo. Liga a cartilagem cricóide ao chifre
inferior da cartilagem tireóide.
Pars recta: um dos dois segmentos do músculo de cricotireoideo. Une a cartilagem cricóide à borda
inferior do lâmina tireóide.
Peitoral maior: grande músculo em forma de leque localizado na parede dianteira superior do tórax. Pode
puxar as costelas e o esterno para cima.
Peitoral menor: músculo localizado abaixo do peitoral maior. Atua no levantamento das costelas.
Platisma: camada muscular larga localizada em ambos os lados do pescoço.
Pleura: série de membranas que envolvem cada um dos pulmões externamente e a cavidade torácica
internamente.
Processo: proeminência de osso ou cartilagem.
Processo estiloideo: processo ósseo que suspende músculos da faringe e da língua.
Pregas ventriculares: são as falsas pregas vocais. São formadas por grossas pregas de membrana mucosa
que se expandem em direção ao caminho aéreo. Estendem-se entre a cartilagem tireóide e a carti-
lagem de aritenóide sobre as verdadeiras pregas vocais. Ajudam no fechamento da glote.
Reto do abdome: grande e largo músculo que se estende verticalmente em toda a extensão frontal do
abdome. É responsável pela compressão das vísceras abdominais.
Septo nasal: porção óssea que separa a cavidade nasal em duas partes.
Seios paranasais: cavidades, situadas próximo ao nariz, que se comunicam com a nasofaringe. São eles:
etmoidal, frontal, maxilar e esfenoidal.
Serratus posterior inferior: localizado na parte inferior do tórax. Por direcionar as quatro costelas infe-
riores para baixo e para fora, esse músculo ajuda a estabilizar o diafragma.
Serratus posterior superior: localizado na parte superior do tórax, é responsável pela elevação das cos-
telas superiores.
Subclávio: músculo pequeno, estreito, localizado abaixo da clavícula.
Subglótico: abaixo da glote.
Supraglótico: sobre a glote.
Sinergia: ação conjunta de dois ou mais órgãos ou músculos (ou grupos) que alcançam um efeito melhor
pela soma dos seus efeitos individuais.
Tuba auditiva: par de tubos que conecta a nasofaringe com o ouvido médio.
Tórax: parte frontal superior do corpo, entre o pescoço e o abdome. Aloja os órgãos da respiração.
Traquéia: tubo de ar composto de 16 a 20 anéis de cartilagem de hialina. Estende-se da parte posterior da
laringe para dentro do tórax, onde se divide para formar os brônquios.
Transverso abdominal: músculo abdominal que circula o abdome horizontalmente e atua juntamente
com outros músculos no processo respiratório.
Trapézio: grande músculo par em forma triangular, localizado na parte superior do tórax. É responsável
pela elevação da cabeça e da escápula.
Úvula: pequena massa carnosa, em forma de cone, suspensa na margem central posterior do palato mole.
Vocal: é o músculo tiroaritenóideo interno.

184
Emanuel Martinez

IV — A PREPARAÇÃO VOCAL DE UM CANTOR

Pedro GORIA44

RESPIRAÇÃO
Exercícios específicos de respiração são essenciais para o estudo do canto. A respiração inadequada e
não direcionada ao canto pode resultar na insuficiência de apoio e num canto deficiente.
Muitas páginas têm sido escritas para definir e esclarecer a verdadeira identidade do “apoio”, como
elemento na arte do canto. Na verdade, pode-se definir o “apoio” como o perfeito funcionamento do
mecanismo da expiração durante o ato de cantar. A expiração, durante a fonação no canto, sempre é
intensificada conforme a necessidade. O domínio desse mecanismo, desde que usado de maneira adequa-
da, dará segurança e resultará, entre outras coisas, no domínio técnico da emissão vocal.
Durante a inspiração, o enchimento dos pulmões expande o diafragma que é uma membrana elástica.
Cria-se, neste instante, uma energia em potencial, pronta para produzir trabalho. No instante seguinte,
inicia-se a expiração com fonação e pode ocorrer o canto.
Cabe ao cantor controlar o esvaziamento do ar dos pulmões que é conseguido pelo retorno do dia-
fragma à posição de repouso, controle possível graças ao uso da musculatura abdominal.
Os músculos retos e oblíquos do abdome controlam indiretamente esse retorno diafragmático à posição
de repouso. Mas, para que esse processo ocorra, é necessário primeiramente que o cantor execute uma inspi-
ração profunda sem movimentação da clavícula, que somente ocasionaria uma tensão desnecessária.
Exercícios práticos
Primeiramente, o cantor deve realizar exercícios de respiração na posição horizontal, ou seja, deitado:
a) colocar um livro de capa dura sobre o peito e outro sobre o abdome (abaixo do umbigo);
b) colocar uma mão sobre cada um dos livros;
c) respirar lenta e profundamente, expandindo o abdome (o livro localizado sobre ele subirá).
A mão que está sobre o livro localizado no peito deverá permanecer sem qualquer movimen-
tação, ou seja, ele não deverá se elevar.
Este exercício ensinará o cantor a respirar profundamente, sem elevar a clavícula e o peito. Na inspi-
ração, ocorrerá uma expansão da região do abdome quando as costelas laterais efetuarem um movimento
de expansão. Quando o cantor estiver realizando este exercício, o ar deverá sair produzindo um som
sibilar, ou seja, som de “S”, prolongado e lento. Deve-se observar que o abdome volte à posição de
repouso.
44Professor do curso superior de canto da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, solista em diver-
sos teatros brasileiros e preparador vocal do Coral do Teatro Guaíra em Curitiba.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Podem-se executar algumas variações desse exercício, contando-se as pulsações de inspiração e de


expiração, sempre com o cuidado de manter a imobilidade do peito e a expansão da região abdominal e
torácica lateral.
— executar a inspiração em dois segundos e a expiração em oito, dez, doze, quatorze segundos
e assim sucessivamente. Essa progressão mostrará o aumento da capacidade de armazenar o
ar e controlar sua saída.

IMPOSTAÇÃO VOCAL
Ressonância e articulação
Muito se fala sobre a impostação vocal dos cantores de ópera, no entanto, a palavra impostar, se
analisada ao “pé da letra”, pode apenas dar uma idéia do seu verdadeiro sentido.
Impostar significa colocar ou dar postura a alguma coisa. No canto, ao se impostar a voz, coloca-se a
voz nos ressoadores da face, do crânio, etc.
A voz produzida pelas cordas vocais emitem um som chamado som fundamental, que deve ser ampli-
ado pelas caixas de ressonância naturais do crânio e da face. Mas, para que a voz do cantor encontre o
caminho correto, o orientador vocal deve passar para os cantores exercícios com os fonemas adequados
que naturalmente darão a verdadeira referência dos sons nesses ressoadores.
Os exercícios articulatórios, abaixo indicados, propiciarão a aquisição da maior quantidade possível
de vibração e ressonância da voz nas faces da máscara, ou seja, a região compreendida entre os dois
olhos.
O som produzido aí estará livre da emissão cansativa e danosa, produzida apenas na laringe (esse tipo
de emissão vocal, comum em cantores populares, é chamada voz de garganta). A busca do som correto
possibilitará ao cantor se apresentar num teatro sem aparato sonoro eletrônico, com relativa intensidade e,
nos melhores casos, com grande rendimento. Quanto melhor estiver direcionada uma voz para os
ressoadores da máscara, melhor será o resultado de intensidade e projeção vocal.

Exercícios práticos
1. Vi - Vi - Vi
Este exercício deverá ser executado de maneira leve e ligeira. Usa-se a vogal “i” pura, explodindo a
sonoridade a partir da consoante “v”, com o objetivo de buscar, na vogal “i”, o foco para a voz, sempre
imaginando um ponto entre os olhos.

vi vi vi vi vi vi vi vi vi

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Emanuel Martinez

2. Mei - Mai - Mei


Seguir as mesmas instruções do exercício anterior.

3. Zi - u, Zi - u, Zi - u
Este exercício explora a sonoridade da consoante “z”. Quando este exercício for feito, o orientador
vocal deverá se preocupar para que todos os fonemas sejam bem articulados, claros e naturais.

zi - u zi u zi - u zi - u zi - u zi - u zi - u zi - u zi

4. Vi - i - i - i, Vi
Exercício “leve e ligeiro” utiliza a autêntica sonoridade da vogal “i”, com o objetivo de propiciar
brilho à voz.

5. Brim, Brei, Brim


Este exercício deverá ser executado de maneira lenta, e o som “Br” deverá ser explosivo, porém leve
e bem articulado.

Todos esses exercícios devem ser executados diariamente. Aos poucos, eles contribuirão para que o
cantor desenvolva uma correta sensação de som sobre a máscara.
Os exercícios que se seguem darão continuidade à distribuição das ressonâncias nos ressoadores ao
redor do foco da voz.

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Regência Coral: Princípios Básicos

6. Vôi, Vôi, Vôi


Este exercício deve ser muito bem articulado. A consoante e as vogais devem ser claramente pronun-
ciadas.

Exemplo em quintas de arpejo — uma vez

7. Nau (exercício curto)


Propicia a maleabilidade do palato mole, pois funciona como uma massagem no interior da cavidade
bucal.

na - u - - - na - u - - - na - u - - - na - u - - - na

Exemplo de quintas em escala — duas vezes

8. Nau (exercício longo)


O mecanismo de apoio deste exercício deve receber uma atenção especial. As notas agudas serão
produzidas com maior dificuldade enquanto a laringe não estiver relaxada e os focos da voz e da resso-
nância de máscara não estiverem corretamente posicionados.

na - u - - na- u - - - na - u - - na-u - - - na- u - - na-u - - - na

Exemplo em quinta e nona

Para se articular fonemas, palavras e textos de músicas satisfatoriamente, a mandíbula deve estar
relaxada. Problemas de tensão, rigidez e a não maleabilidade de qualquer órgão articulatório — mandíbu-
la, língua, palato, etc. — deve levar o cantor a procurar orientação de um fonoaudiólogo. A articulação
deve se assemelhar a da voz falada. Deve-se manter a naturalidade, evitar caretas e mastigação forçada
durante a articulação.

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Emanuel Martinez

CLASSIFICAÇÃO VOCAL
A voz humana divide-se classicamente em três categorias vocais para o homem e três para a mulher:

TIPO DE VOZ VOZ FEMININA VOZ MASCULINA


Voz Aguda Soprano Tenor
Voz Média Mezzo soprano Barítono
Voz Grave Contralto Baixo

No entanto, para executar o repertório existente, cada divisão apresenta inúmeras subdivisões, princi-
palmente quando essas vozes são solistas. Assim, por exemplo, um soprano que cante o papel da “Rainha
da Noite” na ópera “A Flauta Mágica” de Mozart denomina-se soprano ligeiro, e um outro soprano que
cante o papel de “Pamina”, na mesma ópera, chama-se soprano lírico. No canto coral, essas divisões não
existem diretamente, porém encontram-se coralistas cujas vozes não são trabalhadas mas que executam
com facilidade notas agudas, passagens em pianos, etc.; e outros que não têm tanta facilidade para regis-
tros extremos. Estes últimos, porém, dão um “recheio” indispensável à sonoridade de seu naipe por pos-
suírem voz mais “encorpada”.
Essas características diferentes entre coralistas de um mesmo naipe ocorrem nos seis naipes básicos.
É indispensável que o orientador vocal de um coral classifique as seis categorias vocais básicas. Aqui
serão apresentados características e pontos importantes que devem ser observados para a correta classifi-
cação, embora somente um ouvido experimentado e com larga experiência possa dar um veredicto final.
Mesmo assim, às vezes, são necessários anos para que a classificação e a subclassificação de uma voz se
torne clara.
Algumas vozes são identificadas com facilidade por possuírem características incontestáveis; outras
são dúbias e indefinidas.

a) Classificação vocal pela extensão


Esse talvez seja o método menos seguro para classificar uma voz. Por vezes, vozes agudas
cantam com facilidade notas graves e com dificuldade notas agudas.
Isso ocorre por deficiência técnica e pelo fato de estarem comumente acostumados a cantar
de “modo popular”, deslocando o correto enquadramento dos registros de seu teclado vocal.
As vozes que, por natureza, sejam mais definidas, apresentarão um registro mais coerente
com sua classificação. Um soprano cantará com mais facilidade um “La 4” de passagem, e um
tenor, um “Sol 3” de passagem. O baixo cantará um “Sol grave” com sonoridade plena, e o
barítono, um “Si b grave” com a mesma intensidade sonora.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Abaixo, está uma tabela bastante “relativa” da extensão das vozes sem preparo técnico:

VOZES FEMININAS VOZES MASCULINAS


Soprano Re 3 a Sol 4 Tenor Re 2 a Sol 3
Mezzo Soprano Do 3 a Fa 4 Barítono Sib 1 a Mib 3
Contralto La 2 a Mib 4 Baixo Sol 1 a Reb 3

A classificação vocal pela extensão é válida apenas quando associada a outras formas de
classificar a voz, entretanto é a forma mais usual de classificar uma voz devido às necessidades
existentes em um coral.
Assim, maestros podem danificar vozes irremediavelmente por forçá-las a cantar em um re-
gistro não próprio apenas porque o cantor tem de executar notas mais graves ou mais agudas
exigidas pela partitura.

b) Classificação vocal pela cor e pelo timbre


Esta classificação é mais segura, no entanto o técnico vocal deve ter uma percepção bastante
sensível, pois alguns cantores “camuflam” um timbre e uma cor que não lhes pertence.
Vozes intermediárias, como mezzo soprano e barítono, muitas vezes apresentam a “cor vo-
cal” de seu superior ou inferior imediato, como soprano, contralto e tenor ou baixo. É comum um
verdadeiro barítono brilhante ter uma “cor” um tanto “atenorada” no início de seus estudos de
técnica vocal. Nesse caso, o técnico vocal deve não só observar a cor característica desta voz,
mas também a extensão que essa tal voz executa comodamente. De maneira geral, as vozes apre-
sentam sua verdadeira “cor” que caracteriza sua classificação. No início dos estudos, a voz de
soprano não possui muitos harmônicos, mas tem grande pureza (diz-se: voz cristalina), com um
som um tanto “reto” sem vibração, assemelhando-se, em vozes mais jovens, ao som de um silvo.
Geralmente, essas vozes cantam um “Sol 4” com bastante facilidade, apesar de o som produzido
ser um tanto estridente. No mezzo soprano, essa estridência não será tão acentuada, apesar de o
som produzido também ser um pouco “reto” e de cor mais escura. Nota-se, no entanto, um timbre
mais aveludado, “cor” acentuada nos registros mais graves. Nas vozes de mezzo soprano com
tendências a um registro mais agudo, é necessário que se tenha uma percepção bastante aguçada
para distingui-la do soprano, mas, com o tempo, esse “aveludado”, característico daquela voz,
começa a surgir. No contralto, todas essas características são bastante acentuadas numa região
mais grave. Entretanto, deve-se tomar cuidado, pois muitas mulheres “tornam-se” contralto quando
atingem uma certa idade ou com uso excessivo de álcool e cigarro. O verdadeiro contralto conti-
nua sendo uma voz rara e de grande beleza e apresenta essas características já na juventude, que
serão acentuadas pelo correto estudo do canto.

190
Emanuel Martinez

A voz de tenor, quando não tem tendência para uma “cor” muito escura (abaritonada), é fácil
de ser identificada.
A voz cantada e geralmente a voz falada têm características agudas. Apesar de não ser regra
geral, o tenor possui um biótipo bastante peculiar: baixa estatura, pescoço curto e laringe (pomo
de Adão) não tão saliente e de menor dimensão. No tenor com voz não culta, geralmente existe a
presença de um timbre um tanto gutural ou afalsetado.
O barítono brilhante (voz mais aguda de barítono) talvez seja uma das vozes mais difíceis de
se classificar. Facilmente confundida com a voz de um tenor, difere deste por não ter nem a sua
resistência nem a sua extensão vocal. É uma voz extremamente importante para cantar os corais
de óperas, que geralmente apresentam “divise” para barítonos e baixos; partes que jamais poderi-
am ser executadas por baixos ou baixos-barítonos, por serem escritas na região aguda. Também
possui uma sonoridade muito mais forte que a do tenor, “cor” mais escura e, quando impostada,
presta-se para interpretar papéis heróicos em peças líricas. Essa voz (no coral) nunca deve cantar
no naipe dos tenores; deve sempre dividir a responsabilidade com os baixos, sem, no entanto,
“engrossar” a voz nas passagens graves.
Os barítonos geralmente não camuflam seu timbre. A voz robusta, com harmônicos graves,
mostra a verdadeira classificação dessas vozes. Enquanto o tenor tem a tendência de apresentar a
voz gutural, o barítono mostra uma voz entubada (voz para traz). São defeitos difíceis de corrigir,
que exigirão paciência do professor de canto e sensibilidade do cantor.
O baixo, voz igualmente rara, possui as características citadas anteriormente, porém bastante
acentuadas. A “cor” é mais escura e com densidade e maior vibração nos graves. Também é
bastante comum os baixos apresentarem um som entubado principalmente se não educaram cor-
retamente a voz.

c) Classificação da voz pelas notas de passagem

REGIÃO DA FALA MASCULINA REGIÃO DA FALA FEMININA

Do 2 .Re 2 .Mi 2 .Fa 2 .Sol 2. .La 2 .Si 2 .Do 3 .Re 3 . Mi 3 .Fa 3. Sol 3 .La 3 .Si 3 . Do 4

... Região de passagem ...

Quando o homem ou a mulher canta na tessitura de sua voz falada, existe uma certa natura-
lidade na emissão do som, no entanto, quando o homem quer seguir para uma região mais aguda
ou a mulher descer para uma região mais grave do que a de sua voz falada, tais vozes encontram-
se na região de passagem.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Vozes Masculinas
Suponha-se que um baixo cante uma escala que comece no “Do 2” e siga até o “Do 3”.
Quando atingir essa nota, haverá um evidente clareamento na voz e uma tendência para a voz de
falsete (nas vozes não cultas). Isso se dá, além de outros fatores, pelo excessivo levantamento da
laringe. Por isso diz-se que o cantor está na sua região de passagem.
É necessário que o cantor execute uma “manobra vocal”: deve manter sua laringe numa
posição cômoda e requisitar do seu corpo um apoio extra para seguir cantando as notas mais
agudas da escala e retomar a cor de sua voz nas notas graves.
Essa nota de passagem varia conforme o cantor e a classificação vocal.
O baixo executou uma escala do “Do2” até o “Si 2” com certa naturalidade (região da fala), mas,
para executar o “Do 3,” sua voz muda abruptamente (conforme já foi mencionado, a voz fica mais
estridente). Diz-se, então, que o baixo possui o “Do 3” como nota de passagem. Esse fenômeno é
claramente observado nas vozes não cultas e pode auxiliar na classificação de vozes masculinas.

NOTAS DE PASSAGEM DAS VOZES MASCULINAS


Tenor Mi 3 a Fa 3
Barítono Re 3 a Mib 3
Baixo Do 3 a Reb 3

Vozes Femininas
As notas de passagem nas vozes femininas acontecem quando descem para o grave. Assim,
se um soprano canta uma escala descendente atacando, inicialmente, o “Do 4”, quando chegar
aproximadamente o “Mi 3”, ocorrerá um fenômeno bastante comum. A voz, como não consegue
mais soar nos registros de cabeça e tem sua intensidade sonora bastante diminuída, de forma
natural, recorrerá a uma mudança de registro (registro de peito) para que continue soando e possa
continuar descendo sua escala. A cantora terá então duas vozes completamente distintas: a voz
acima do “Mi 3” e a voz abaixo dessa nota. Dessa forma, o “Mi 3” é a nota de passagem do
soprano.
Não serão abordados nesse segmento os recursos técnicos para reparar esse problema. Serão
dadas, apenas, as notas de passagem de cada voz para que o técnico vocal possa classificá-las. As
notas serão iguais às categorias masculinas e mantidas na mesma oitava, pois as vozes masculi-
nas têm as notas de passagem no agudo, e as vozes femininas, no grave.

NOTAS DE PASSAGEM DAS VOZES FEMININAS


Soprano Mi 3 a Fa 3
Mezzo Soprano Re 3 a Mib 3
Contralto Do 3 a Reb 3

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Emanuel Martinez

VOCALIZES PRÁTICOS E ESPECÍFICOS PARA RECURSOS VOCAIS

a) EXTENSÃO PARA O REGISTRO AGUDO

Devem-se executar exercícios mais rápidos e longos:

I) Exercícios realizados num intervalo de oitava, sobre: “Vi” e “Nô”

II) Exercícios realizados num intervalo de décima sobre: “Vi” e “Nô”

III) Exercícios realizados num intervalo de décima segunda sobre: “Vi” e “Nô”

vi - i - i - i - i - i - i - i nô - ô - ô - ô - ô - ô - ô - ô - nô

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Regência Coral: Princípios Básicos

Os exercícios “2” e “3” devem ser executados de maneira rápida e leve, com um sutil toque
de apoio intensificado ao se atingir a nota mais aguda. O preparador vocal deve cuidar também
da extensão máxima de cada voz quando semitonar ao piano as tonalidades para as vozes execu-
tarem esses exercícios, pois eles possuem uma extensão grande e podem ultrapassar facilmente o
limite das vozes.

IV) Exercícios de AGUDO SUSTENTADO, realizados sobre “Nô”

.
3 3 3
nô - nô

Esse exercício auxilia a aquisição do agudo sustentado, pois dá segurança para os saltos.
Deve-se executar esse exercício até a tonalidade do sexto grau, não ultrapassando o limite agudo
de cada voz.

b) AGILIDADE

I) Exercícios realizados num intervalo de sexta sobre: “Vi”, “Nô” e “Ná”

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Emanuel Martinez

II) Exercícios realizados numa décima segunda sobre: “Vi”, “Nô” e “Ná”

Para aquisição de agilidade, também podem-se pegar trechos de peças com desenhos rápidos
e executá-los como exercícios, semitonando até as tonalidades desejadas. As obras de Haendel,
por exemplo, possuem muitos trechos adequados para essa finalidade.

c) NOTAS GRAVES
Se uma voz feminina apresentar um registro nas notas graves com características de timbre
muito diferentes ao registro agudo, (voz de peito e voz de cabeça), o técnico vocal poderá recor-
rer a esse tipo de exercício para equalizar tais registros. O exercício tem como objetivo auxiliar a
resolução do problema quando houver extremas mudanças do registro vocal.
O preparador vocal pode criar outros exercícios descendentes usando sempre vogais puras,
(“Á”, “É” e “Ó”) tais como o que se apresenta a seguir.
Esse exercício deve ser executado lentamente à medida que se desce para as notas graves.
Deve-se sustentar a mesma ressonância com um bom suporte de apoio e dar continuidade à mes-
ma sonoridade das notas mais agudas.

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Regência Coral: Princípios Básicos

d) DINÂMICA: sons pianos


A sustentação dos sons pianos só é possível graças ao relaxamento da garganta, ao livre fluir
da corrente de ar supra-glótica (acima das pregas vocais) e ao controle da corrente expiratória
sonorizada por meio dos músculos intrínsecos da expiração — abdominais, etc.
Ataca-se a vogal “A” em som forte e em seguida diminui-se a intensidade até um piano;
neste momento, sem perder o sentido de apoio, cortar o som de maneira não abrupta.

e) AFINAÇÃO
Deve-se executar escalas cromáticas para resolver problemas de afinação, no entanto esses
problemas podem ser provenientes de um apoio insuficiente; de uma emissão “reta” e de um
“achatamento” sem folga para a presença de harmônicos. Esses problemas sempre resultarão em
uma emissão calante (ligeiramente mais baixa) durante a execução da peça. Vozes sem foco na
máscara tenderão também a ser “calantes” por faltar brilho penetrante, que produz a perfeita
afinação.

f) VOZES OPACAS
Devem-se executar exercícios e escalas com a vogal “i” e fonemas com as consoantes “Z”,
“V”, “M”, “BR”, etc. Somente a insistência na execução desses exercícios trará brilho às vozes.
Os harmônicos agudos (brilho da voz) são conseguidos por meio de exercícios com sonori-
dade brilhante. Seu efeito é gradativo e cumulativo, logo não são obtidos da noite para o dia. A
sonoridade da vogal “i” é extremamente importante e é a mais indicada para conseguir tal brilho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O regente deve estar ciente que a voz humana possui recursos quase ilimitados, no entanto, esses
recursos só serão conseguidos graças ao correto estudo da técnica vocal, num processo de aprendizado
gradativo e consciente. O regente também deve conhecer as limitações das vozes com as quais trabalha.
Por isso, a escolha do repertório é de extrema importância no que diz respeito à extensão da escrita musi-
cal, às dificuldades técnicas, tais como a presença de um “longo fraseado”, excessiva dramaticidade na
inflexão (geralmente repertório lírico), agilidades na execução de melismas e articulação das palavras.
Ao se repetir inúmeras vezes as melodias das vozes para que os coralistas aprendam, evitar pedir
grande sonoridade ao coro, pois a resistência vocal dos cantores geralmente não é grande, o que ocasiona-
rá uma fadiga vocal. Isso poderia resultar em cantores afônicos e vozes foscas no dia da apresentação.
Os ensaios e, é claro, as apresentações sempre devem ser precedidos de aquecimento vocal, utilizan-
do-se exercícios de ressonância como os apresentados no início deste capítulo (quando se falou em
impostação), associados com alguns de extensão e agilidade, como os do final da série de exercícios.
Problemas específicos de cada cantor podem ser resolvidos, segundo as indicações do preparador
vocal, por um fonoaudiólogo e, em alguns casos, por um otorrinolaringologista.

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Emanuel Martinez

V — O CANTOR E SUA PRECIOSA VOZ

Rosemari Magdalena BRACK45

“Flauta e harpa tornam agradável o canto, mas acima


dos dois está a voz melodiosa.”
Eclesiástico 40:21

INTRODUÇÃO
Quando o homem surgiu, não veio com um aparelho fonador, isto é, não havia nenhuma parte do seu
corpo especializada na fala ou no canto. No decorrer do seu desenvolvimento filogenético, surgiu a neces-
sidade da comunicação e pressupõe-se que o homem “descobriu” então a possibilidade de produzir sons
com significado. Para isso, ele usou partes do seu corpo cuja função primeira era a respiração e a alimen-
tação para formar um “aparelho fonador”. Surgiram, então, os primeiros sinais de linguagem.
Num segundo momento, a espécie descobriu o canto e usou essas mesmas partes do seu corpo para
isso. Pode-se dizer que cantar é antinatural. Cantar é uma habilidade aprendida e que requer um corpo
treinado.

cavidade nasal
APARELHO FONADOR
cavidade oral
As principais partes do corpo que foram adaptadas para
laringe
falar e cantar e que compõem o aparelho fonador são:
Diafragma: músculo localizado abaixo dos pulmões e traquéia

que, quando se contrai, consegue controlar a corrente de ar pulmões


expiratória, formando assim o apoio respiratório.
Pulmões: é por meio da expiração do ar realizada por diafragma
esses órgãos que as pregas vocais começam a vibrar e pro-
duzir som. A respiração intercostal diafragmática é a
indicada para os cantores.
Figura 39 — Aparelho fonador
45Fonoaudióloga especialista em voz. Professora de Expressão Vocal no curso superior de teatro na
Faculdade de Artes do Paraná, clínica e fonoaudióloga do Coral do Teatro Guaíra em Curitiba.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Laringe: é a estrutura onde estão localizadas as pregas vocais. As pregas vocais são duas, uma de
cada lado e localizam-se paralelamente ao solo. Aproximam-se ao falar e cantar e afastam-se para a respi-
ração e enquanto há ausência de fonação.
Cavidade oral: para a articulação das palavras, utilizam-se predominantemente os lábios, os dentes e
a língua. Além disso, a cavidade oral é importante fonte de ressonância, principalmente para a voz falada.
Cavidade nasal: caixa de ressonância significativa para a voz falada e cantada. As cavidades orais e
nasais equivalem à caixa de um violão: elas ampliam e difundem o som emitido pelas pregas vocais no
ambiente. Para compreender melhor o efeito da caixa de ressonância, basta imaginar que na sua ausência
o som emitido pelas pregas vocais não seria ampliado. Seria como ter uma corda de um violão esticada
entre duas hastes, mas sem a caixa de ressonância do instrumento. Ao se tocar essa hipotética corda, o
som seria extremamente diferente do ouvido quando emitido pelo violão. Pessoas que falam ou cantam
sem utilizar adequadamente suas caixas de ressonâncias, não usam de sua real potencialidade vocal, além
de ficarem sujeitas a alterações vocais.
Cavidades supra-nasais: fundamentais para a colocação da voz cantada.
Cantar é como falar? Não, cantar é diferente de falar. Neste capítulo, o canto clássico será enfocado.
O canto popular em muitos casos aproxima-se da voz falada, portanto, para falar e cantar usam-se as
mesmas partes do corpo, porém de forma diferente. A começar pelo cérebro, cujas camadas corticais são
diferenciadas nas duas funções. A fala e tudo mais que é automatizado está armazenado em camadas mais
profundas do córtex cerebral. O que é mais elaborado, como tocar piano e cantar, por exemplo, está
armazenado nas camadas mais superficiais.
No canto, necessita-se de um trabalho respiratório muito mais refinado e controlado do que na fala.
Para o cantor emitir certa nota durante um determinado tempo, é necessário um controle refinado da pres-
são e do tempo de saída do ar para manter a qualidade vocal imutável. Para isso, usa-se o apoio, que é um
domínio exercido sobre o diafragma para que ele con-
trole a saída do ar dos pulmões de acordo com a neces-
sidade da música. Esse controle somente é possível se
for utilizado um padrão respiratório intercostal
diafragmático. É importante ressaltar que o ar fica nos
pulmões e que vários músculos controlam o diafragma
para que ele “libere” a expiração conforme a necessi-
pregas vocais
dade de tempo e pressão.
em abdução —
padrão utilizado
na respiração.
O contato das pregas vocais também é diferen-
ciado. No canto, ele acontece antes e se prolonga du-
rante mais tempo do que na fala. Pode-se dizer que, ao pregas vocais em
cantar, as pregas vocais trabalham mais, com maior adução — padrão
utilizado durante
energia e maior eficiência do que na fala. a fala e o canto.
Figura 40 — Laringe

198
Emanuel Martinez

Quando, ao falar, se coloca a voz da mesma forma que para cantar, isso soará artificial e causará fadiga.
Diferentes escolas de canto propõem diferentes formas de colocação de voz. É importante que o cantor respeite
sua escolha. A voz deve ser colocada de tal forma que traga a ele conforto e boa qualidade vocal. Quando isso
acontece, não deve experimentar outras formas. Se o cantor mudar de professor ou começar a seguir outra escola
de canto, deve parar de cantar até que tenha aprendido e dominado a nova proposta. Já houve cantores que
saíram de determinada escola de canto e começaram a praticar outra linha sem interromper suas atividades e que
desenvolveram alterações vocais. Isso ocorre porque o aparelho fonador não pode fazer a mesma coisa de duas
formas diferentes simultaneamente.
Não se deve utilizar simultaneamente a voz falada e a cantada profissionalmente. São ajustes motores
diferentes e são necessárias prática e maturidade vocal para administrar o uso profissional concomitante dessas
duas modalidades. O volume da voz ou intensidade do som também é diferente, e o próprio mecanismo de
projeção vocal é distinto na voz falada e na cantada. Ao cantar, o músico dissocia variação de intensidade da
variação de tonalidade. Ele pode cantar agudos ou graves em pianíssimo ou fortíssimo. Já na voz falada, deixa-
se mais agudo o som ao elevar o volume de voz e mais grave ao abaixar a intensidade do som.

HIGIENE VOCAL
Higiene vocal são as medidas necessárias para a conservação da saúde e a manutenção da boa qualidade
vocal durante mais tempo para retardar os sinais de “envelhecimento” da voz. Serão abordados, em seguida,
alguns pontos indispensáveis para uma boa higiene vocal.
O aquecimento vocal é imprescindível, e o cantor, mesmo que de coral pequeno, jamais deve cantar ou
ensaiar sem aquecer sua voz, pois é no aquecimento que o corpo faz os ajustes motores necessários para a
produção da voz cantada. O vocalize tem essa função e nunca pode ser deixado de lado. O inverso também é
verdadeiro: ao final de ensaios ou apresentações, o corpo está com um ajuste motor para o canto e, se o músico
passar a falar dessa forma, poderá sentir-se cansado. Assim sendo, é necessário que se faça um desaquecimento
para que o corpo volte a produzir a voz falada.
As pregas vocais são as estruturas responsáveis pela produção do som. Ambas ficam no meio do pescoço e
paralelamente ao chão. Por isso é importante falar e cantar com a cabeça reta, sem inclinações laterais ou ântero-
posteriores. Além disso, deve-se observar que nada como óculos ou cabelo, por exemplo, provoquem ajustes
posturais negativos para a produção vocal.
Para cantar, a laringe (porção do pescoço onde se encontram as pregas vocais) precisa estar solta e convém
não apertá-la com gravatas, lenços ou colares justos. O mesmo ocorre com o diafragma. Durante o ciclo respira-
tório, ele contrai e relaxa e, se estiver preso por um cinto apertado por exemplo, não poderá trabalhar adequada-
mente. O diafragma está unido à musculatura responsável pelo equilíbrio, por isso o uso de saltos altos pode
provocar tensão diafragmática e dificuldades para realizar o apoio diafragmático durante o canto. Caso seja
imprescindível a utilização de sapatos de salto alto, costumamos indicar que o cantor utilize tais sapatos o maior
tempo e número de ensaios possível, a fim de preparar o corpo.
O estômago está logo acima do músculo diafragma e por trás dos pulmões. Se ele estiver cheio de alimen-
tos a função respiratória ficará prejudicada, além de o cantor sentir azias ou outros desconforto do gênero.
Para evitar tal situação recomenda-se a ingestão de alimentos leves e de fácil digestão antes de cantar.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Alimentos como leite e seus derivados, bem como chocolates e refrigerantes podem aumentar a viscosidade do
muco, dificultando assim a vibração das pregas vocais. Tem havido uma incidência grande de cantores com
a doença do “refluxo gastresofágico” que por sua vez causa o refluxo laríngeo-faríngeo. Nessas situações,
a voz costuma estar alterada. Seus usuais sintomas são: sensação de bola na garganta, azia freqüente,
pigarro, ardência e/ou queimação no pescoço, gosto ruim na boca ao acordar e mudança na qualidade
vocal sem causa aparente. Se sentir alguns desses sinais, o cantor deve procurar um médico otorrinolarin-
gologista que avaliará a situação e encaminhará ao gastroenterologista se necessário.
As pregas vocais são compostas de músculo recoberto por mucosa. Essa mucosa é uma estrutura extrema-
mente elástica que vibra durante a passagem do ar. Quanto mais hidratada ela estiver, mais mobilidade terá.
Portanto, beber muita água ou suco de fruta natural em temperatura ambiente é muito bom para a qualidade
vocal. Outra opção ainda mais eficiente é a vaporização, somente com água, sem qualquer produto, salvo se por
orientação médica. A vaporização provoca um efeito imediato de hidratação da mucosa das pregas vocais. Na
prática, o cantor pode inalar ou aspirar o vapor de água fervente. O efeito é de pequena duração. Portanto,
se a necessidade é grande, tal inalação deve ocorrer antes e durante o ensaio e as apresentações.
Conforme já foi citado, as pregas vocais são músculos e, durante o canto, existe um aquecimento dessa
musculatura comprovado cientificamente. Se o músculo estiver aquecido e o cantor beber algo gelado ocorrerá
um choque térmico cujo principal sintoma é o pigarro. Isso é uma tentativa de a laringe se defender do frio; ela
tenta se revestir de muco para não “sofrer”. O calor de uma bebida fervente, como um cafezinho, por exemplo,
provoca a mesma reação, principalmente se o cantor vai ensaiar. Assim sendo, é melhor evitar bebidas geladas
ou ferventes antes, durante e logo após o uso vocal.
O mesmo raciocínio se aplica a mudanças bruscas de temperatura: elas também alteram o trato vocal. Por
isso, é importante usar, em dias frios, um cachecol após o ensaio. Da mesma forma, é aconselhável respirar pelo
nariz, pois o ar é aquecido, filtrado e umedecido.
Quando se engole, a laringe eleva-se para, em seguida abaixar-se. Se a pessoa falar durante a refeição de
uma forma rápida e não esperar a deglutição terminar, poderá estar falando com a laringe alta, o que gera tensão.
O café e alguns tipos de chá (preto e mate por exemplo) possuem cafeína, que é estimulante e atua princi-
palmente na respiração. É conveniente reduzir o consumo dessas bebidas, pois além do choque térmico e da
cafeína, o café e esses chás ressecam as pregas vocais.
A fumaça do cigarro aumenta a produção do muco (pigarro) como uma tentativa de defesa. Mas, além
disso, também reduz o movimento ciliar da mucosa das pregas vocais, o que prejudica a qualidade do som. As
pregas vocais são o último anteparo antes dos pulmões, absorvendo toda a fumaça.
As bebidas alcoólicas ressecam as pregas e, como um mecanismo de defesa, ocorre uma retenção de
líquidos (edema). Nesse caso, as pregas vocais ficam inchadas, e o contato ocorre antes e com mais atrito. Além
disso, o álcool anestesia esses tecidos e a pessoa não sente que está se machucando.
Mulheres em final de gestação ficam sem condições de exercer o apoio respiratório, isto é, elas não contro-
lam a pressão e o tempo de saída do ar. Além disso, o edema que a gestação provoca pode afetar as pregas vocais.
Nesse caso, é indicado que elas deixem de cantar nos últimos meses.

200
Emanuel Martinez

A interferência hormonal também pode aparecer durante o período menstrual da mulher, pois ocorre
uma retenção de líquidos, e a voz conseqüentemente pode ficar mais grave. Se isso acontecer, não há nada
a ser feito a não ser não forçar para cantar e esperar alguns dias. Na menopausa, uma alteração hormonal
torna a voz mais grave. A cantora deve então adaptar seu repertório para essa nova realidade.
A tosse ocorre quando o cérebro percebe que tem algo obstruindo a passagem do ar. Pode ser desde
uma tensão, um catarro ou algo mais complexo. Conclui-se então que a tosse constante é sinal de que algo
está acontecendo e, nesse caso, é melhor procurar um médico especializado. A rouquidão também é sinal
de que algo está errado. Qualquer rouquidão ou outras alterações em vias aéreas superiores (nariz, faringe
ou laringe) que gerem desconforto ao falar ou cantar e que perdurem por mais de duas semanas devem ser
analisadas por um médico otorrinolaringologista.
Para o cantor, a voz é instrumento de trabalho ou de satisfação. Falar e cantar demais ou sobre um ruído
de fundo, com certeza, poderá causar fadiga ou cansaço vocal. Nota-se que a fadiga vocal costuma aparecer
primeiro na voz cantada, pois, ao cantar, consome-se quatro vezes mais energia do que quando se está em
repouso. O resultado poderá ser simplesmente cansaço ou redução da tessitura e/ou do volume vocal.
Alergias, mesmo rinites e outras manifestações nasais, em vias aéreas superiores afetam diretamente a
voz e devem ser tratadas.
Cuidado especial deve ser dado em relação a cosméticos e perfumes. Eles podem desencadear reações
alérgicas. Por esse motivo, aconselha-se a não usar um perfume ou cosmético novo em dia de espetáculo.
É sempre conveniente testá-los durante os ensaios. Lembrando-se que a reação alérgica pode ocorrer tanto
em quem usa o produto, quanto em quem sente seu cheiro.
Ao respirar pelo nariz, a pessoa filtra, aquece e umedece o ar, por isso a respiração nasal é importante.
Sabemos que ao cantar não há tempo necessário para esse tipo de respiração, logo nesse momento é permi-
tida a respiração oral.
O ar-condicionado também resseca as vias aéreas superiores. Se seu uso for inevitável, recomenda-se
a ingestão de muita água e, em casos extremos, o uso de vaporizadores.
Estudos recentes comprovam que a maioria dos medicamentos tem efeitos nocivos sobre as pregas
vocais. Se o cantor tiver de fazer uso de medicamentos, é indispensável que o médico, único profissional
capacitado para isso, analise o caso para ver se é realmente necessário e qual é a medicação indicada.
Azias freqüentes podem ser sinal de “refluxo gastresofágico”. O estômago está logo acima do múscu-
lo diafragma e por trás dos pulmões. Se ele estiver cheio de alimentos, a função respiratória ficará prejudi-
cada, e o cantor poderá sentir azias ou outros desconfortos do gênero são alterações do sistema digestivo
que devem ter acompanhamento de um gastroenterologista. Em cantores, podem aparecer em função do
intenso uso dos pulmões com o estômago cheio. Convém tomar alguns cuidados como não se deitar após
comer e não exagerar na refeição antes de cantar. É preferível tomar sucos de fruta adoçados com mel ou
comer uma fruta antes do canto. Alimentos como leite e seus derivados, chocolates e refrigerantes podem
aumentar a viscosidade do muco e dificultar a vibração das pregas vocais.
O repouso vocal antes de ensaios e apresentações ainda é uma medida adequada que produz excelen-
tes resultados.

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Regência Coral: Princípios Básicos

Aulas de canto são muito importantes, pois é por meio delas que o cantor passará a ter domínio sobre a
produção da voz cantada. Em um coral, o maestro e o preparador vocal não podem dar esse subsídio aos canto-
res, pois o trabalho é em grupo e isso impede que se dê a atenção individualizada que a aula de canto possibilita.
É indicado que o maestro também realize o aquecimento vocal, pois é prática comum que ele mostre
o efeito que deseja. Ao fazer isso, deve tomar cuidado para não realizar abusos vocais, principalmente
forçar notas completamente fora de sua tessitura.
O professor de canto também pode tornar-se vítima de excessos vocais. Ele também, antes das aulas,
deve fazer um aquecimento. Quando o professor não dispõe de um pianista que o acompanhe nas aulas,
deverá tomar muito cuidado com a postura de cabeça, pois cantar com a cabeça virada para um dos lados, ao
tocar e dar aula simultaneamente, sobrecarrega as pregas vocais. É importante que não fale e cante enquanto
está olhando para o lado. Quando isso for extremamente impossível, recomenda-se que os alunos ocupem ora
um lado ora outro lado do piano a fim de que a cabeça não fique girada todo o tempo para o mesmo lado.
A audição é primordial para quem está envolvido no mundo musical. O cantor deve observar qual-
quer alteração e procurar um médico otorrinolaringologista se necessário.
A voz é produzida pelo corpo de uma pessoa. Isso parece óbvio, mas ao se aprofundar nessa reflexão
percebe-se que todo o corpo está envolvido na produção vocal e muito mais do que isso, toda a vida é envol-
vida também. Percebe-se claramente o quanto a voz se altera de acordo com os estados emocionais. Além de
estados emocionais passageiros, há também características de personalidade ou traumas emocionais que po-
dem deixar marcas na voz. Portanto, procurar manter uma boa saúde emocional traz benefícios vocais.
Enfim, cuidar de si mesmo e conseqüentemente de sua voz evita problemas e garante melhor qualida-
de vocal ao longo da vida. A voz também envelhece, porém, se a pessoa tratou-a com atenção, a qualidade
vocal permanecerá por mais tempo. As pessoas reagem de forma e intensidades diferentes diante de deter-
minados estímulos. Diante disso, vale lembrar que o que afeta um cantor pode ser absolutamente inofen-
sivo para outro. É importatne que cada um conheça profundamente seu corpo e suas reações vocais para
tomar as medidas adequadas e necessárias.

DISFONIAS
Disfonia é o nome técnico dado aos distúrbios da voz cujo principal sintoma é a rouquidão. Qualquer
alteração na qualidade vocal pode ser sinal de que algo não está “funcionando” direito e, especificamente
no caso do cantor, o quanto antes ele verificar menos prejuízos isso trará. Utiliza-se o termo disfonia para
denominar as alterações em voz falada, e “disodeas”, as alterações em voz cantada.
O profissional competente para realizar o diagnóstico e encaminhar o tratamento indicado é o médico
otorrinolaringologista. Comumente utiliza-se tratamento medicamentoso e/ou a terapia fonoaudiológica.
As alterações da voz estão classificadas como:
a) Orgânicas: lesões em pregas vocais que independem do uso vocal.
b) Funcionais: ocorrem como conseqüência do uso da voz; nenhuma alteração em prega vocal
além de fendas ou mecanismos de tensão é encontrada no exame laríngeo.
c) Orgânico-funcionais: é uma evolução da disfonia funcional; nesse caso, já é encontrada
alguma lesão secundária como nódulos por exemplo.

202
Emanuel Martinez

O quanto antes o cantor procurar auxílio especializado, melhor será a resposta ao tratamento proposto.
Convém lembrar que a realidade vocal de um cantor é diferente da de um falante comum. Portanto, o que para
uma pessoa comum é praticamente insignificante, como a perda de alguns tons agudos de sua tessitura, para o
cantor é relevante. A escolha dos profissionais que o auxiliem deve levar isso em consideração. É necessário que
sejam médicos e fonoaudiólogos que saibam entender o universo do cantor e que compreendam que toda queixa
vocal de um cantor deve ser considerada, mesmo quando não causa impacto vocal perceptível.
Hoje, a tecnologia oferece exames deta-
lhados e precisos. São esses exames a que o
cantor deve recorrer. A videolaringoscopia,
realizada pelo otorrinolaringologista, possibi-
lita a filmagem das pregas vocais e sua análi-
se posterior em qualquer videocassete. Dessa
forma, pode-se registrar a recuperação vocal
num processo de patologia de forma objetiva.
O fonoaudiólogo dispõe, hoje, de progra-
mas computadorizados que possibilitam a aná-
lise vocal, mesmo quando auditivamente a voz
parece estar bem. Esses recursos fornecem um
diagnóstico fonoaudiológico mais objetivo e ci-
entífico e dados detalhados para que o cantor
Figura 41 — Vibrato. Análise espectrográfica de um vibrato emitido por um mezzo
acompanhe a evolução do tratamento. Ao lado,
soprano. Analisado por meio do programa Dr. Speech da Tiger Electronics, Inc. está a reprodução da análise espectrográfica de
um vibrato emitido por um mezzo soprano.
SINAIS DE ALERTA
Quais são os sinais vocais que o cantor deve reconhecer como alerta de que algo diferente está acon-
tecendo? Existem vários deles que podem aparecer de forma isolada ou conjunta. O conforto ao final do
ensaio é um sinalizador importante. Uma voz aquecida e trabalhada deve estar confortável ao final de um
ensaio bem direcionado. Se, em vez disso, surgirem cansaço e rouquidão freqüentes, deve-se investigar.
A qualidade vocal no dia seguinte ao ensaio ou ao espetáculo também é um ótimo sinalizador. Se,
após o uso vocal, o cantor teve uma alimentação regular e uma boa noite de sono, sua voz deve estar bem,
sem nenhum sinal de estresse vocal.
Conforme já foi visto, as alterações costumam aparecer antes na voz cantada que na voz falada.
Comumente, observam-se alterações de tessitura, com variações na qualidade ou mesmo perda de tons
graves, agudos ou médios.
Entre os problemas mais comuns e que devem ser considerados estão a perda de intensidade nos tons
e/ou “ar na voz”, isto é, uma certa soprosidade ao cantar ou falar. Além disso, o aumento de intensidade
também pode ser uma tentativa de compensar alguma dificuldade de emissão. É importante salientar que,
ao desenvolver sua técnica vocal, o cantor acaba naturalmente desenvolvendo maior volume e “corpo” de
voz, mas esse volume difere auditivamente e provoca sensações distintas das provocadas pelos mecanis-
mos compensatórios. Não se devem confundir essas duas realidades.

203
Regência Coral: Princípios Básicos

Qualquer regressão na técnica vocal, como desafinar e quebrar a voz na passagem, pode ser indício
de alterações. Rouquidão e sinais em voz falada costumam denunciar um estágio mais avançado de altera-
ção vocal. Dores no pescoço e na laringe ao cantar e/ou falar podem significar desde tensão até refluxo
gastresofágico que o médico deve investigar e orientar devidamente.

FONOTRAUMAS
Fonotraumas são os mecanismos de abuso e mau uso vocal que podem provocar alterações de voz, as
chamadas “disfonias” quando se referem à voz falada e “disodeas”, à voz cantada.
Além dos fonotraumas mais comuns como gritar e falar demais em intensidade e/ou tons inadequa-
dos, por exemplo, serão enfocados aqueles próprios da vida e da carreira de um cantor.
No Brasil, usualmente, a pessoa inicia seu contato com o canto pelos corais, usualmente em escolas ou
igrejas. Somente após alguns anos, o “cantor” vai procurar aulas de canto, porém já está cheio de vícios e
ajustes motores inadequados e muitas vezes nesse momento já pode apresentar alterações laríngeas. O
professor de canto no lugar de ensinar a cantar passa a assumir um papel de “reparador” do canto.
Cantar é muito prazeroso e por isso é muito comum o cantor não ter a paciência necessária para
construir conhecimento e habilidade necessários para um canto adequado e amadurecido. Muitas vezes o
professor de canto ou o maestro desaconselham determinada música, mas a vontade de cantar é maior e a
incompreensão do motivo da solicitação é grande e isso faz com que cante mesmo assim. Encontram-se
com bastante freqüência jovens alunos de canto interpretando obras próprias para uma voz amadurecida e
“pronta”. A médio prazo, com a sobrecarga contínua, o aparelho fonador se ressente de tal prática. Quando
começa a sentir o prazer de cantar, é bastante freqüente que o cantor se empolgue comece a cantar todas as
músicas que lhe agradam, durante o maior tempo possível e em qualquer lugar. Isso provoca uma sobre-
carga vocal, mesmo porque, em grande parte das vezes, o cantor não está muito concentrado em como está
cantando e em como cuidar da projeção de sua voz em relação ao espaço físico onde se encontra.
A classificação vocal é um processo bastante criterioso que deve ser muito bem analisado pelo profes-
sor de canto. Quando alguém começa a cantar ainda não tem domínio técnico. Nesse momento, a voz se
apresenta de determinada forma com características próprias de um estágio inicial. Após desenvolver al-
guma técnica, a pessoa começa a cantar “diferente” e é muito comum rever-se a questão da classificação
vocal. O que ocorre é que, quando alguém procura um coral, o maestro necessita enquadrá-lo dentro de
algum naipe e faz isso com a referência do som apresentado naquele momento. No coro, é muito difícil o
maestro ouvir individualmente cada voz, mesmo porque sua função não é essa. O cantor, então, acaba
amadurecendo sua voz, mas continua cantando no registro inicial. É importante salientar que quem tem o
papel de acompanhar o desenvolvimento vocal e classificar a voz é o professor de canto.
Nota-se, nos corais, a fuga dos cantores ao vocalize. Como já foi explicado anteriormente, o vocalize
é muito importante porque é o momento em que o corpo faz o ajuste da voz falada para a voz cantada.
Cantar sem vocalize é arriscado, a voz não flui ao cantar, e o cantor desenvolve mecanismos de compensa-
ção danosos. O desaquecimento também é importante, sem isso o cantor fala com a voz colocada para o
canto e sempre numa intensidade vocal maior do que a necessária.

204
Emanuel Martinez

Com solistas acontece ocasionalmente alguma negligência no preparo de suas obras. O ensaio com a
orquestra é sempre marcado para uma ou duas semanas antes da estréia. Quando o solista confia na sua
capacidade e deixa para ensaiar a obra perto do prazo final, muitas vezes não consegue atingir qualidade e
fica tenso por isso. Desenvolve mecanismos de tensão e em alguns casos perde a voz. A melhor forma de
evitar isso é assumir uma postura profissional que o conscientize de que cada apresentação é única, e mesmo
quando já cantou essa obra junto com a orquestra, o público presente a está ouvindo pela primeira vez.
O cantor muitas vezes assume obras inadequadas para sua voz ou para seu preparo técnico somente
para mostrar sua capacidade ou conseguir um impulso em sua carreira. A chance de insucesso é grande e,
além disso, a possibilidade de sobrecarregar a musculatura com um trabalho para o qual ela não está
preparada é enorme. Como conseqüência, vêm as alterações vocais. Houve casos em que vários membros
de determinado coral vieram com queixa vocal durante os ensaios de determinada obra. Nesses casos,
quando se constata que é falta de condições desses cantores, muitas vezes novos no coral, costuma-se
sugerir que procurem reforço individual com um professor de canto.
Por falta de informação, alguns cantores tentam falar com a mesma colocação da voz cantada. O
efeito disso, como já foi visto, é nocivo. Alguns cantores tentam ensinar atores, empresários e professores
entre outros como falar com a voz cantada. Isso, na prática, se revela um problema, pois os cantores
dominam a técnica do canto que não se aplica à fala.
Uma grande distância entre a tonalidade de voz falada e a de voz cantada é comprometedora. Se uma
cantora canta como soprano e ao falar utiliza a voz grave, sugerindo ser contralto, algo está errado. É
necessário uma avaliação para se definir a questão. De qualquer forma, um abuso vocal está acontecendo.
Para os cantores a voz é extremamente importante. A preocupação e o sofrimento que os mesmo apresen-
tam diante dos mínimos problemas vocais é grande. Vale a pena investir na prevenção. Além dos cuidados
indicados, é muito importante um bom professor de canto. Mesmo quando a voz e a técnica de canto estão
amadurecidos é bom para o cantor ser ouvido e aconselhado por alguém de sua confiança.
O médico otorrinolaringologista tem um papel relevante para o cantor. Aconselho aos cantores que
tenham um médico de confiança para aconselhar em eventuais dúvidas e procurar em alguma emergência.
Se o médico acompanha o cantor ao longo do tempo, tem melhores condições de conhecê-lo em todos os
aspectos. A vida profissional de um cantor, principalmente solistas, envolve viagens e se ele tem “seu
médico” pode telefonar para ele se houver necessidade.
É comum em algum momento de sua carreira, o cantor procurar um fonoaudiólogo. Nesse caso, existem
os fonoaudiólogos especialistas em voz. São profissionais que se aprofundaram no estudo da voz e receberam
o título profissional concedido pelo Conselho de Fonoaudiologia. Assim como ocorre com os médicos, se o
cantor tem um fonoaudiólogo de confiança, pode receber alguma ajuda mesmo durante viagens.

CONCLUSÃO
O ato de cantar é maravilhoso, pois envolve o homem como um todo e exige dele a consciência de si
mesmo. Por isso, é importante que o cantor conheça como funciona esse mecanismo, ainda pouco desven-
dado até mesmo por cientistas, e aja com profissionalismo para desenvolver plenamente a voz. É funda-
mental que o cantor avalie a importância do canto em sua vida para destinar os cuidados de que seu
instrumento de trabalho, a voz, necessita. Enfim, pela importância do canto e por tudo o que essa arte
inspira nos homens, os cuidados com a voz são absolutamente imprescindíveis.

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Regência Coral: Princípios Básicos

BIBLIOGRAFIA
1 BACOT — FACAL — VILLAZUELA: “El uso adequado de la voz” — BFV 1996.

2 BEHLAU, Mara; PONTES, Paulo: “Higiene Vocal. Informações Básicas” — Editora Lovise Ltda,
1993.

3 BEHLAU, Mara; PONTES, Paulo: “Avaliação e tratamento das disfonias” — Editora Lovise Ltda,
1995.

4 BEHLAU, Mara; REHDER, Maria Inês: “Higiene vocal para o canto coral” — Revinter, 1997.

5 BROWN, Oren L.: “Discover your voice” — Singular Publishing Group Inc. 1996.

6 BENNINGER, Michael S.; JACOBSON, Barbara H.; JOHNSON, Alex F.: “Vocal arts medicine”
— Thieme Medical Publishers, Inc. 1994.

7 BOONE, Daniel R.: “Is your voice telling on you?” — Singular Publishing Group Inc. 1991.

8 COSTA, Henrique Olival; SILVA, Marta Assumpção de Andrada: “Voz cantada. Evolução, avaliação
e terapia fonoaudiológica” — Editora Lovise Ltda, 1998.

9 DINVILLE, Claire: “A técnica da voz cantada” — Enelivros, 1989.

10 FERREIRA, Léslie P.; OLIVEIRA, Iara Bittante de; QUINTEIRO, Eudosia Acuña; MORATO,
Edwiges Maria: “Voz profissional: O profissional da voz” — Pró-Fono Departamento Editorial,
1995.

11 MENALDI — JACKSON: “La voz normal” — Editorial Médica Panamericana, 1992.

12 PELA, Sandra Maria: “Análise de parâmetros pré e pós aquecimento e desaquecimento vocal em
coralistas” — Monografia de Especialização do Curso de Pós-Graduação da Disciplina de Dis-
túrbios da Comunicação Humana: Campo Fonoaudiológico da Universidade Federal de São Paulo,
1996.

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Emanuel Martinez

Tópico 16
DINÂMICA DE GRUPO PARA CORO

I) INTRODUÇÃO
O trabalho de dinâmica de grupo não deve ser encarado como uma brincadeira ou mesmo como um
momento de diversão. Nesse momento, o trabalho pode ser descontraído, mas desde que traga aprendiza-
do para o grupo.
A dinâmica de grupo pode ser realizada em cada trabalho do coro.
Os objetivos que devem ser alcançados com esse tipo de trabalho são:
a) entrosamento entre os cantores;
b) assimilação de novas técnicas necessárias e específicas com mais eficiência;
c) descoberta de novas lideranças;
d) desenvolver maior dinamismo.
Cada participante deve aceitar as regras da atividade, empenhar-se e ter atitudes bem determinadas,
mesmo que possam parecer estranhas à primeira vista.
O líder, que pode ser o maestro ou qualquer outra pessoa designada para esse fim, deve ter claros em
sua mente os objetivos de cada exercício. Todas as orientações devem ser claras e objetivas. O líder deve
demonstrar segurança, conhecimento, firmeza e especialmente muita paciência.
Cada participante deve estar bem motivado e entender claramente os objetivos do exercício.
Quando o líder elabora um exercício, deve observar os seguintes pontos:
a) objetivo a ser alcançado;
b) desenho do encontro (disposição espacial dos cantores);
c) tema;

207
Regência Coral: Princípios Básicos

d) Procedimento;
e) Tempo necessário para realizar o exercício ou cada fase dele;
f) Cronograma das diversas etapas;
g) Avaliação final do grupo.
O líder, ao organizar os grupos de trabalho, deverá fazer um rodízio entre os integrantes, para que
eles se relacionem entre si. Somente dessa forma o exercício poderá alcançar os objetivos previstos.
Sempre que possível, a disposição espacial dos cantores deve ser em círculo. O líder da dinâmica
deverá permanecer em lugar bem visível e estratégico.
O cronograma do programa deverá ser rigorosamente cumprido para que se possam alcançar os obje-
tivos esperados.
É ideal que esse tipo de atividade seja realizado em todos os ensaios. À medida que o aprendizado for
se consolidando, realizar exercícios apenas uma ou duas vezes por semana e posteriormente a cada quinze
dias. Sempre que possível criar novos exercícios.
Muitas vezes os resultados não são imediatos, mas surgem gradativamente à medida que eles vão
sendo repetidos e à medida que os participantes vão entendendo os exercícios.

II) EXERCÍCIOS PRÁTICOS


1 — CONHECENDO OS COLEGAS
a) TEMA — Conhecendo os colegas
b) OBJETIVOS — Conhecer os colegas em diversos aspectos. Aproximar todos os integrantes.
c) DESENHO — Um grande círculo. Todos os participantes devem estar sentados, e o líder
deve ficar em lugar que possa acompanhar a todos.
d) PROCEDIMENTO — O líder deverá escolher aleatoriamente uma pessoa do grupo e fazer
uma série de perguntas (ver abaixo). Após responder, a pessoa deverá escolher outra e assim
por diante até que todos tenham participado.
e) CRONOGRAMA — Fazer as seguintes perguntas:
1 — nome completo
2 — por que se chama assim?
3 — local de origem
4 — quem são e o que fazem seus pais?
5 — data de nascimento
6 — atividade profissional/estudantil
7 — por que está cantando no coro?
8 — que planta, animal ou árvore prefere e por quê?
9 — que planta, animal ou árvore gostaria de ser?

208
Emanuel Martinez

10 — pontos positivos do caráter


11 — pontos negativos do caráter
12 — o que deseja ter, ser ou fazer?
f) DURAÇÃO — O tempo necessário para completar o exercício.
g) AVALIAÇÃO — Inicialmente, cada um deverá fazer sua avaliação; por fim, o orientador
dará sua avaliação.

2 — CONHECIMENTO DO GRUPO
a) TEMA — Conhecimento do grupo.
b) OBJETIVOS — A discussão visa a apontar os fatos positivos e negativos de todo o grupo e
tentar achar possíveis soluções. Dessa forma, sabe-se quais são as intenções dos coralistas e
o que pensam sobre diversos assuntos. Esse exercício traz muita união.
c) DESENHO — De preferência, círculos compostos de oito pessoas: duas de cada naipe.
d) PROCEDIMENTO — Estabelecer, com a devida antecedência, todos os temas que serão
abordados, escrevê-los em folha avulsas, colocar em envelopes fechados e distribuir aleato-
riamente a cada grupo. Os grupos deverão se reunir em lugares distantes uns dos outros, e a
discussão deve ser privada.
e) CRONOGRAMA — O grupo, ao receber o envelope, deverá dirigir-se ao lugar escolhido e,
somente lá, abri-lo. Estabelece-se um relator que lerá e anotará as observações e os comentá-
rios sobre o assunto em pauta. Após o término do tempo estabelecido para essa etapa, todos
deverão reunir-se em assembléia geral, e o relator de cada grupo apresentará as conclusões.
Sugestão para temática:
1) disciplina em ensaios, apresentações e viagens;
2) o maestro;
3) a equipe técnica e de apoio;
4) o repertório;
5) programação de concertos, viagens, atividades sociais e demais atividades do coro;
6) a vestimenta;
7) a diretoria do coro;
8) as técnicas e a expressividade do coro: técnica vocal e teoria, assim como o relacio-
namento com o público, entre outros aspectos.
f) DURAÇÃO — Trinta minutos para o estudo dos grupos. Quinze minutos para a apresenta-
ção das conclusões.
g) AVALIAÇÃO — Individual, ao final comentários do líder.

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Regência Coral: Princípios Básicos

3 — RELAXAMENTO LOMBO-INTERCOSTAL
a) TEMA — Relaxamento lombo-intercostal
b) OBJETIVOS — Obter o máximo de relaxamento da musculatura lombar e intercostal.
c) DESENHO — Sentados em duplas e em bancos sem encosto. Um dos integrantes da dupla
deverá ficar de costas para o colega para que possa ser massageado.
d) PROCEDIMENTO — Massageamento leve, com os dedos e o dorso da mão sobre a coluna
vertebral e toda a área lombar.
e) CRONOGRAMA
I FASE
Cada integrante deverá massagear levemente com os dedos o dorso do colega: iniciar
pelo pescoço e descer, com pequenos movimentos circulares, massageando toda a coluna
vertebral. Após concluir essa fase, realizar um pequeno descanso.

II FASE
Com o dorso da mão em movimentos de vaivém, massagear levemente as costas em
todas as direções. Após concluir essa fase, realizar um pequeno descanso.

III FASE
Inverter o companheiro. Quem massageou passa a ser massageado. Seguir os mesmos
procedimentos da I FASE e da II FASE.

f) DURAÇÃO — Quatro minutos para a execução de cada fase. Dois minutos para o descanso
entre as fases.
g) AVALIAÇÃO — Cada integrante deverá relatar suas sensações.

4 — RELAXAMENTO FACIAL
a) TEMA — Relaxamento facial.
b) OBJETIVOS — Obter o máximo de relaxamento da musculatura facial.
c) DESENHO — Sentados em duplas, um de frente para o outro.
d) PROCEDIMENTO — Fazer uma massagem leve com os polegares para obter o máximo de
relaxamento.
e) CRONOGRAMA — Um dos integrantes iniciará a massagem com os dedos sobre a testa, e,
com movimentos suaves, massageará toda a face do companheiro. As pessoas que estiverem
com maquiagem devem retirá-la.
Após completar o procedimento, trocam-se as posições.

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Emanuel Martinez

f) DURAÇÃO — Cinco minutos por pessoa.


g) AVALIAÇÃO — Cada um falará sobre o resultado.

5 — AFINAÇÃO I
a) TEMA — Afinação.
b) OBJETIVOS — Conseguir ouvir e ajustar a afinação ao colega.
c) DESENHO — Em duplas e em pé.
d) PROCEDIMENTO — Encostar cabeça com cabeça ou costas com costas. Escolhe-se uma
nota comum. Os participantes devem entoá-la suavemente com a boca fechada, ajustando a
afinação até que se eliminem as vibrações causadas pela falta de sintonia.
É indispensável a absoluta concentração. De preferência, deve-se realizar o exercício de
olhos fechados.
O líder deverá realizar o exercício sobre diversas alturas, mantendo-se sempre na região
média das vozes e comum a todos os naipes.
A cada nota escolhida, a entonação deve ser comandada por um dos integrantes da du-
pla. É importante que o exercício seja ouvido apenas pelos dois participantes.
e) CRONOGRAMA
I FASE
As duplas deverão ser formadas por integrantes do mesmo naipe.
II FASE
As duplas deverão ser formadas por integrantes de naipes diferentes, mas do mesmo
sexo — S + C e T + B.
III FASE
As duplas deverão ser formadas por integrantes de naipes e sexos diferentes — S + B e
C + T.
IV FASE
As duplas deverão ser formadas entre a mesma região vocal, naipes e sexos diferentes
— S + T e C + B.
V FASE
Efetuar a troca de parceiros e seguir todo o procedimento das FASES I a IV.
f) DURAÇÃO — Dez minutos por fase
g) AVALIAÇÃO — Individual e coletiva.

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Regência Coral: Princípios Básicos

6 — AFINAÇÃO II
a) TEMA — Afinação
b) OBJETIVOS — Conseguir ouvir e ajustar a afinação ao colega do coro e do seu naipe.
Desenvolver a sensibilidade auditiva.
c) DESENHO Em círculo e sentados o mais próximo possível, no máximo em grupos de seis
pessoas
d) PROCEDIMENTO — Cada grupo deverá possuir um líder musical, com firmeza vocal,
regular e afinado.
Todo o exercício deve ser realizado o mais suave possível.
O grupo, disposto em círculo, aproxima-se o máximo, tentando encostar as cabeças para
que possam ouvir sem precisar ver.
O líder emite um som e todos devem repetir esse som o mais afinado possível, tentando
eliminar toda e qualquer vibração.
e) CRONOGRAMA
I FASE
O grupo deverá ser formado por pessoas do mesmo naipe.
II FASE
O grupo deverá ser formado por pessoas de naipes diferentes, mas do mesmo sexo —
S + C e T + B.
III FASE
O grupo deverá ser formado por pessoas de naipes diferentes, mas da mesma região
vocal — S + T e C + B.
IV FASE
O grupo deverá ser formado por pessoas de naipes diferentes e sexos diferentes — S + B
e C + T.
V FASE
À medida que os integrantes do coro assimilarem as técnicas, os diversos grupos deve-
rão se fundir até criarem um só grupo.
f) DURAÇÃO — Vinte minutos para cada fase.
g) AVALIAÇÃO — Individual e coletiva.

7 — RESPIRAÇÃO
a) TEMA — Respiração.
b) OBJETIVOS — Conscientizar e automatizar a respiração intercostal.

212
Emanuel Martinez

c) DESENHO — Em pé e em duplas.
d) PROCEDIMENTO — O professor de técnica vocal ou o maestro deverá ministrar uma pe-
quena palestra na qual explicará o funcionamento da musculatura ligada à respiração inter-
costal-diafragmática.
e) CRONOGRAMA — Os integrantes de cada dupla devem se revezar no estudo. Um respira e
o outro acompanha o processo, avalia o desempenho do colega e orienta-o todo o tempo.
Após o tempo determinado, invertem-se as posições.
f) DURAÇÃO — Dez minutos para cada integrante da dupla.
g) AVALIAÇÃO — Individual.

213
Regência Coral: Princípios Básicos

SUGESTÕES DE LEITURA E BIBLIOGRAFIA

1. SHAW, Robert. “Choral Conducting” — EUA


2. GALLO, José Antonio; GRAETZER, Guillermo; NARDI, Hector; RUSSO, Antonio. “El director
de coro” — Ricordi Ameriana — Buenos Aires (1979)
3. ZANDER, Oscar. “Regência coral” — Editora Movimento — Porto Alegre (1979)
4. CANDÉ, Roland de. “Dictionnaire des Musiciens” — Microcosme Edition — Paris (1964)
5. BAS, Julio. “Tratado de la Forma Musical” — Ricordi Americana — Buenos Aires (1977)
6. BACH, C. Ph. Emanuel. “Essay on the True Art of Playing Kyboard Instruments” — Ernst Eulenburg
— London (1985)
7. GRAUMAN, Helen G. .”Música em minha Bíblia” — Casa Publicadora Brasileira — Sto. André
(1968)
8. ROSE, Irmã Marie. “Canto Gregoriano I” — Agir — Rio de Janeiro (1958)
9. ROSE, Irmã Marie. “Canto Gregoriano II” — Agir — Rio de Janeiro (1960)
10. VALOIS, Jean de. “El Canto Gregoriano” — Editorial Universitaria de Buenos Aires (1965)
11. PISTON, Walter . “Orquestación” — Real Musical — Madrid (1984)
12. BERLIOZ, Louis Hector. “Grande Trattato di Strumentazione e D’Orchestrazione” — Ricordi Milano
(1977)
13. DRUILHE, Paule. “Histoire de da Musique” — Librarie Hachette — Paris (1949)
14. DUMESNIL, René. “Histoire Illustrée de da Musique” — Librarie Plon — Paris (1934)
15. PRUNIÉRES, Henry. ”La Renaissance Musicale en Italie” — La Revue Musicale no. 139 — Paris
(1933)
16. JARDILLIER, Robert. “La chanson populaire en Bas Berry” — La Revue Musicale no. 138 —
Paris (1933)
17. PAQUE, Désiré . “Musique pur, libre et disciplinée” — La Revue Musicale no. 138 — Paris (1933)
18. MACHABEY, A. . “La musique das les Tallemant des Réaux” — La Revue Musicale no. 127 —
Paris (1932)
19. RACEK, Jan. “Les Madrigaux a voix seul” — La Revue Musicale no. 139 — Paris (1933)
20. HARNONCOURT, Nikolaus. “O discurso dos sons” — Jorge Zahar — Rio de janeiro (1988)
21. HARNONCOURT, Nikolaus. “O diálogo musical” — Jorge Zahar — Rio de janeiro (1993)
22. REICH, Willi . “Cartas de Mozart” — Secretaria da Cultura do Estado do Paraná — Curitiba (1992)
23. MARIZ, Vasco. “Dicionário Biográfico Musical” — Philobiblion — Rio de Janeiro (1985)
24. BOULEZ, Pierre. “A Música Hoje” — Editora Perspectiva — S. Paulo (1972)
25. STUCKENSCHMIDT, H. H. “La música del siglo XX” — BHA — Madrid (1960)

214
Emanuel Martinez

26. SALZMAN, Eric. “Introdução à música do século XX” — Zahar Editores — Rio de Janeiro (1970)
27. PAZ, Juan Carlos. “Introdução à música de nosso tempo” — Livraria Duas Cidades — S. Paulo (1977)
28. HALPERN, Steven. “Som Saúde” — Telbox — Rio de Janeiro (1985)
29. RIBAS, J. Carvalhal. “Música e Medicina” — Edigraf — S. Paulo (1957)
30. WEBER, Max. “Os fundamentos racionais e sociológicos da música” — Edusp (1995)
31. MOUNIER — KUHN; Pierre, LAFON, Jean — Claude — “Les Rythmes” — Institut
D’Audiophonologie — Simep Editions — Lyon (1968)
32. SALZER, Felix. “Audición Estructural” — Editorial Labor — Barcelona (1990)
33. KIEFER, Bruno. “História e significado das formas musicais” — Editora Movimento — Porto
Alegre (1976)
34. LEIBOWITZ, René. “Schoenberg” — Editora Perspectica — S. Paulo (1981)
35. BOULEZ, Pierre. “Apontamentos de aprendiz” — Editora Perspectica — S. Paulo (1995)
36. BARRAUD, Henry. “Para compreender as músicas de hoje” — Editora Perspectica — S. Paulo
(1975)
37. HODEIR, André. “As formas musicais” — Biblioteca Arcádia — Lisboa (1970)
38. ZAMACOIS, Joaquín. “Curso de formas musicais” — Editorial Labor — Barcelona (1985)
39. HABA, Alois. “Nuevo tratado de armonia” — Real Musical — Madrid (1984)
40. PERSISHETTI, Vincent. “Armonia del siglo XX” — Real Musical — Madrid (1985)
41. ANTUNES, Jorge. “Notação na música contemporânea” — Sistrum — Brasília (1989)
42. BERTUCCI, José Torre. “Tratado de contrapunto” — Ricordi Americana — Buenos Aires (1984)
43. SCHAEFFER, Pierre. “À la recherche d’une musique concrète” — Aux Éditions du Seuil — Paris
(1952)
44. PINCHARD, Max. “À la recherche de la Musique Vivante” — Les Éditions Ouvrières — Paris
(1967)
45. NEUNZIG, Hans A. “Uma nova música européia” — Inter Nactiones — Bonn (1985)
46. COTTE, Roger J. V. “Música e Simbolismo” — Editora Cultrix — S. Paulo (1988)
47. SCHOENBERG, Arnold. “Tratado de armonía” — Real Musical — Madrid (1979)
48. SCHERCHEN, Hermann. “El arte de dirigir la orquestra” — Editorial Labor — Barcelona (1933)
49. LINDE, Hans — Martin. “Pequeno guia para a ornamentação do barroco” — Ricordi/Musicalia —
S. Paulo (1979)
50. NEUMANN, Frederick. “Ornamentation in Baroque and Post — Baroque Music” — Princeton
University Press — New Jersey (1983)
51. MASSIN, Jean e Brigitte. “História da Música Ocidental” — Editora Nova Fronteira — Rio de
Janeiro (1997)

215
Regência Coral: Princípios Básicos

ÍNDICE REMISSIVO

BACH, Carl Philipp Emanuel (1714—1788), 104, 106


BACH, Johann Sebastian (1685—1750), 29, 39, 41, 83, 98, 99, 101, 104
BANCHIERI, Adriano (1568—1634), 95
BARTÓK, Bela (1881—1945), 119, 121
BEETHOVEN, Ludwig von (1770—1827), 30, 39, 108, 109
BERLIOZ, Hector (1803—1869), 15, 111
BRAHMS, Johannes (1833—1897), 111, 112
BRITTEN, Benjamin (1913—1976), 117
BRUCKNER, Anton (1824—1896), 39, 111
CHERUBINI, Luigi (1760—1842), 15
CHAVES, Carlos (1899—1978), 63
CAVALIERI, Emilio de (1550—1602), 95
CACCINI, Giulio (1545—1618), 89, 96
CROCE, Giovanni (1557—1609), 79
COPERARIO, John (1575—1626), 94
DALLAPICCOLA, Luigi (1904—1975), 117
DEBUSSY, Achille Claude (1862—1918), 115
DOWLAND, John (1563—1626), 93
DVORAK, Antonin (1841—1904), 112
DONATO, Baldassare (1530—1603), 79
D’AREZZ, Guido (995—1050), 12
DUFAY, Guillaume (1400—1474), 69, 75, 76
ENCINA, Juan del (1468—1529), 78
FALLA, Manuel de (1876—1946), 119
FRESCOBALDI, Girolamo (1583—1643), 95
FRANCK, César (1822—1890), 111
FORTNER, Wolfgang (1907— ), 118
GOMBERT, Nicolas (1505—1556), 71
GREGORIO, papa I (540—604), 12, 38

216
Emanuel Martinez

GINASTERA , Alberto (1916—1983), 119


GABRIELI, Andrea (1520—1586), 79
GLUCK, Christoph Willibald (1714—1787), 39
GOUDIMEL, Claude (1510—1572), 83
GESUALDO, Carlos (1560—1613), 79
GERSHWIN, George (1898—1937), 63
GIANNEO, Luiz (1896—1968), 63, 119
GABRIELI, Giovanni (1557—1612), 14, 79, 82, 93
GASTOLDI, Giovanni Giacomo (1556—1622), 95
HÄNDEL , Georg Friedrich (1685—1759), 98
HAYDN, Joseph (1732—1809), 14, 108
HINDEMITH, Paul (1895—1963), 117, 121
HARRIS, Roy (1898—1979), 63
IVES, Charles (1905—1963), 116
JEUNE, Claude le (1528—1600), 79, 83
JANEQUIN, Clement (1480—1560), 71
JOMMELLI, Niccolo (1714—1774), 106
JANÁCEK, Leos (1854—1928), 112
KODALY, Zoltan (1882—1967), 121
LISZT, Franz (1811—1886), 111, 112
LOEWE, Karl (1796—1869), 112
LULLY, Jean—Baptiste (1632—1687), 14, 39
LECHNER, Leonhard (1553—1606), 82
LASSUS, Roland de (1532—1594), 79, 82, 84, 88
LIGETI, Gyorgy (1923 — ), 120
LUTERO, Martinho (1483—1546), 83
MONTEVERDI, Claudio (1567—1643), 38, 90, 91, 96, 120
MILHAUD, Darius (1892—1974), 120, 121
MORLEY, Thomas (1557—1602), 90, 93
MOZART, Wolfgang Amadeus (1756—1791), 80, 108, 109, 110
MOZART, Wolfgang Amadeus (1757—1791), 110
MENDELSSOHN—BARTHOLDY, Felix (1809—1847), 15, 80, 111, 112
MUFFAF, George (1653—1704), 99

217
Regência Coral: Princípios Básicos

MAHLER, Gustav (1860—1911), 39


MOZART, Leopold (1719—1787), 109
MARENZIO, Luca (1553—1599), 96
NONO, Luigi (1924 — ), 120
NOVÁK, Jan (1920 — ), 120
NAZARETH, Ernesto (1863—1934), 63
ORFF, Carl (1895—1982), 118, 119, 121
OCKEGHEM, Joannes (1430—1496), 69
PUCCINI, Giacomo (1858—1924), 40
PRÉS, Josquin des (? —1521), 70, 77, 79, 89
PENDERECKY, Krzysztof (1933 — ), 120
PAPA, Clemens non (1500—1556), 83
PRAETORIUS, Michael (1571—1621), 84, 91, 94, 95
PALESTRINA, Giovanni—Pierluigi da (1525—1594), 80, 81, 82, 111, 120
QUANTZ, Johann Joachim (1697—1773), 99, 106
RORE, Cypriano de (1516—1565), 79, 80
ROSSINI, Gioacchino (1792—1868), 112
RAMEAU, Jean—Philippe (1683—1764), 98
REGER, Max (1873—1916), 111
SCHÖNBERG, Arnold (1874—1951), 115
SMETANA, Bedrich (1824—1884), 112
SAINT—SAËNS, Camille (1835—1921), 112
SCHUBERT, Franz (1797—1828), 111
SCHUMANN, Robert (1810—1856), 111, 113
SCHÜTZ, Heinrich (1585—1672), 94, 95, 96
SPONTINI, Gaspare (1774—1851), 15
STRAWINSKY, Igor (1882—1971), 7, 117, 119
SCHEIN, Johann Hermann (1586—1630), 94
SPOHR, Louis (1784—1859), 15
STAMITZ, Johann (1717—1757), 106, 109
TELEMANN, Georg Philipp (1681—1767), 98
TOSI, Pier Francesco (1646—1732), 100
TIPPETT, Sir Michael (1905 — ), 121

218
Emanuel Martinez

TCHAIKOWSKY, Piotr Ilyitch (1840—1893), 112


VERDI, Giuseppe (1813—1901), 40, 112
VILLA—LOBOS, Heitor (1887—1959), 63, 119, 121
VICTORIA, Tomas Luís de (1548—1611), 82
WEBER, Carl Maria von (1786—1826), 15
WEBERN, Anton von (1883—1945), 116, 117
WILLAERT,Adriaan (1480—1514), 79
WOLF, Hugo (1860—1903), 111
WAGNER, Richard (1813—1883), 15, 40
ZARLINO, Gioseffe (1517—1590), 79

219
Regência Coral: Princípios Básicos

LISTA DE FIGURAS DE ANATOMIA

Figura 1 — Tórax .............................................................................................................. 156


Figura 2 — Traquéia .......................................................................................................... 157
Figura 3 — Traquéia .......................................................................................................... 157
Figura 4 — Inspiração ....................................................................................................... 158
Figura 5 — Diafragma ....................................................................................................... 158
Figura 6 — Diafragma ....................................................................................................... 159
Figura 7 — Músculos intercostais ..................................................................................... 159
Figura 8 — Expiração........................................................................................................ 160
Figura 9 — Músculo transverso do abdominal ................................................................. 161
Figura 10 — Músculo tranverso abdominal ........................................................................ 161
Figura 11 — Músculo oblíquo interno ................................................................................ 161
Figura 12 — Músculo oblíquo interno ................................................................................ 161
Figura 13 — Músculo oblíquo externo ............................................................................... 161
Figura 14 — Músculo oblíquo externo ............................................................................... 161
Figura 15 — Músculo reto abdominal................................................................................. 162
Figura 16 — Músculo reto abdominal................................................................................. 162
Figura 17 — Respiração clavicular ..................................................................................... 163
Figura 18 — Respiração abdominal .................................................................................... 164
Figura 19 — Respiração intercostal diafragmática ............................................................. 164
Figura 20 — Laringe ........................................................................................................... 165
Figura 21 — Cartilagens da laringe: vista anterior ............................................................. 166
Figura 22 — Cartilagens da laringe: vista posterior............................................................ 166
Figura 23 — Laringe: articulações – vista lateral ............................................................... 166
Figura 24 — Músculos extrínsicos da laringe ..................................................................... 169
Figura 25 — Laringe: visão posterior ................................................................................. 171
Figura 26 — Laringe: visão lateral ...................................................................................... 171
Figura 27 — Laringe ........................................................................................................... 172
Figura 28 — Cricoaritenoideo: ação posterior — abdução .............................................. 173
Figura 29 — Cricoaritenoideo: ação lateral — adução ..................................................... 173

220
Emanuel Martinez

Figura 30 — Interaritenóideo: ação ..................................................................................... 174


Figura 31 — Pregas vocais .................................................................................................. 175
Figura 32 — Pregas vocais .................................................................................................. 175
Figura 33 — Pregas vocais: falsas....................................................................................... 176
Figura 34 — Ressoadores .................................................................................................... 176
Figura 35 — Ressoadores .................................................................................................... 176
Figura 36 — Ressoadores .................................................................................................... 177
Figura 37 — Músculos da mandíbula e das bochechas ...................................................... 180
Figura 38 — Músculos da mandíbula e das bochechas ...................................................... 181
Figura 39 — Aparelho fonador ........................................................................................... 197
Figura 40 — Laringe ........................................................................................................... 198
Figura 41 — Vibrato. Análise espectrográfica de um vibrato emitido por um mezzo
— soprano. Analisado por meio do programa Dr. Speech da Tiger
Electronics, Inc. .............................................................................................. 203

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Regência Coral: Princípios Básicos

Para cursos ou contatos com o maestro


EMANUEL MARTINEZ
Tel.:(41) 225 6610 — 9997 4381 — Fax: 324 4718
e-mail: martinezemanuel@hotmail.com

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