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Tudo o que se sabe sobre Abrão, o mago, alquimista, teólogo e filósofo do século XIV é diretamente

derivado do manuscritos de posse da Bibliotheque de l'Arsenal em Paris, um arquivo, deve-se dizer, rico
em fontes originais do ocultismo medieval. O título completo da obra é em português "O Livro da
Sagrada Magia de Abramelim, conforme passado por Abrão, o Judeu para seu filho Lamech."
Inteiramente escrito em francês, este documento alega ser a tradução de um manuscrito ainda mais
antigo em hebraico, e o estilo da caligrafia sugere um escriba que viveu no século dezoito ou no final do
século dezessete. A grafia e gramática do texto sugerem que o autor era ou semiletrado ou pouco
cuidadoso, possivelmente não tendo o francês como lingua nativa.

Abraão, (doravente chamado de Abraham para maior acuidade histórica) foi ao que tudo indica nativo
de Mayence, nascido em cerca de 1362. Seu pai, Simon, também foi adepto das investigações ocultistas
e da prática mágica e desde cedo guioi seu filho nos estudos. Numa certa fase da vida, a tutotia do pai da
lugar a um outro professor indetificado com o nome Moses. Abraham no entando ao crescer,
rapidamente supera seu segundo mestre ao ponto de o descrever por fim como "um bom homem, mas
inteiramente ignorante do Verdadeiro Mistério e da Verdadeira Magia."
Sem um guia a sua altura, a fase sgeuinte da sua vida é dedicada a numerosas viagens educacionais ao
redor do mundo conhecido. Com seu amigo Samuel, boemio por natureza, ele visita a Austria, a Hungria,
a Grécia até chegar a Constantinopla (atual Istambul) onde fixou-se por aproximadamente dois anos.
Após isso Abraham viajou para a Arabia, em sua época talvez o maior centro de aprendizagem mística do
mundo onde dedicou mais alguns anos de vivência. Em seguida dirigiu-se para a Palestina e então para o
Egito onde aprendeu uma grande quantidade de segredos ocultos.

Foi nas terras do Egito que Abraham conheceu Abra-Melin, célebre filósofo da região, a esta altura já
com idade avançada em uma pequena cidade chamada Arach próxima ao Rio Nilo. Lá ele vivia em uma
casa modesta no topo de um pequeno monte coberto de árvores. Um homem gentil e educado, levando
uma vida simples e regrada, apóstolo do Temor a Deus e evitando qualquer acúmulo de riquezas. Ele
concordou em ensinar sua sagrada arte a Abraham com a promessa de que ele abandonaria seus falsos
fogmas e passaria a viver no caminho e sob a lei de Deus.

Pelo presso de dez florins de ouro, que foram distribuidos aos pobres da cidade, Abra-Melin confiou a
Abraham certos documentos contendo uma grande variedade de operações e segredos acumulados
durante sua vida. Este conhecimento parece emergir de um cenário ocultista especificamente, mas não
exclusivamente judaico. Um exemplo claro disso são as receitas que ele lega para a confecção do óleo e
o incenso, que podem ser encontradas de forma idêntica no Pentateuco. Em Êxodo 30:23-25, temos a
receita para o Óleo de Abramelim: "Também toma das principais especiarias, da mais pura mirra
quinhentos siclos, de canela aromática a metade, a saber, duzentos e cinqüenta siclos, de cálamo
aromático duzentos e cinqüenta siclos, de cássia quinhentos siclos, segundo o siclo do santuário, e de
azeite de oliveiras um him." Pouco adiante em Êxodo 30:34-36, temos a receita para o Incenso de
Abramelim: "Toma especiarias aromáticas: estoraque, e ônica, e gálbano, especiarias aromáticas com
incenso puro; de cada uma delas tomarás peso igual; e disto farás incenso, um perfume segundo a arte
do perfumista, temperado com sal, puro e santo e uma parte dele reduzirás a pó e o porás diante do
testemunho, na tenda da revelação onde eu virei a ti; coisa santíssimá vos será."

Após isso Abraham deixa o Egito e segue para a Europa onde eventualmente fixa morada em Würzburg,
na Alemanha, tornando-se profundamente envolvido com o estudo da Alquimia. Nesta época ele se casa
com uma mulher, provavelmente sua própria prima, que lhe dá três filhas e dois filhos. O filho mais velho
foi chamado Joseph e o mais novo recebeu o nome de Lamech.

Assim como seu pai, e provavelmente o pai de seu pai antes dele, Abraham instruiu seus filhos homens
nos assuntos ocultos, enquanto que para suas filhas deixou dotes de 100,000 florins de ouro. Esta
considerada soma de riqueza, assim como suas muitas viagens demonstram que Abraham foi um
homem de posses, a quem nunca faltou sustento e recursos. Tesouro estes que o próprio mago atribuiu
aos seus talentos como magista.

Ele também tornou-se célebre ao final da vida ao produzir impressionantes atos de magia na presença
de pessoas famosas e importantes de sua época como o próprio Imperador Sigismund da Alemanha, o
bisco de Würzburg, Henrioque VI da Inglaterra, o duque da Bavária e o papa João XXII. Aqui a narrativa
se encerra e não existe detalhes sobre o final da vida de Abraham, sendo que a data e circustancias de
sua morte são incertas, embora seja estimada como ocorrida em meados de 1460.

A Sagrada Magia de Abra-Melin

O documento mencionado, que é a origem destas informações biográficas foi traduzido em 1896 por
Samuel Liddell MacGregor Mathers, um dos fundadores da Hermetic Order of the Golden Dawn e
tornou-se um dos tomos mais importantes da magia cerimonial. As traduções mais recentes para o
inglês feita por Georg Dehn e Steven Guth atribuem a autoria e e identidade histórica de Abraham com a
de Rabbi Yaakov Moelin ‫יעקב בן משה מולין‬. Diversos fatores nos levam a crer que Abraham, o Judeu é o
pseudônimo ou o nome iniciático deste Rabbi, pois muitos dados biográficos deles se encaixam como
uma luva na narrativa acima passada.

A primeira parte desta obra conta a própria história de vida de Abraham, tal como aqui mencionada. A
segunda parte é baseada nos documentos entregues por Abra-Melin durante sua viagem ao Egito. Nesta
seção do manuscrito são expostos os princípios gerais da magia, incluindo o capítulos como "Quais são e
quais são as classes da Verdadeira Magia"? "O que deve ser levado em consideração para uma operação
mágica", "Como convocar os Espíritos" e "De que maneira devem ser feitas as operações"

A terceira parte do documento é bem menos teórica e o autor supões que seu leitor sabe a base do que
está sendo exposto. Aqui são tratadas a parte prática da operação mágica. São técnicas com vários
propósitos como: provocar visões, reter espíritos familiares, dominar tempestades, transformar coisas e
pessoas em diferentes formas e figuras, voar através dos ares, destruir edifícios, curar doenças, descobrir
objetos roubados e caminhar debaixo d`agua. O autor ainda trata da cura taumaturgica de males como a
lepra, a paralisia, a febre e o mal estar geral. Ele também oferece conselhos sobre como fazer-se amado
por uma mulher e como conseguir o favor de papas, imperadores e pessoas influêntes. Muitas dessas
façanhas são realizadas pelo emprego adequado de quadrados e signos cabalísticos. Com eles o autor
ensina como causar visões específicas como a de homens armados, ou mesmo como evocar "Comédias,
Operas e todo tipo de Música e Dança". Diferentes símbolos representam diferentes resultados nas
operações.

O temperamento e personalidade de Abraham é revelado nas entrelinhas da obra. Nela há um evidênte


pouco caso de quase todos os magistas de sua época e um quase desprezo de todas as obras ocultas que
não as dele mesmo ou de seu mestre Abra-Melin. Abraham critica abertamente todos aqueles que se
contentam com os dogmas das religiões em que nasceram e aponta que ninguém culpado desta falha
jamais atingirá qualquer sucesso nas práticas da magia. A doutrina fundamental do livro é que o cosmos
é povoado por HOSTES de anjos e demônios. Os demônios trabalham em última instância, sob a direção
dos anjos O homem situa-se entre as forás angélicas e demoniacas. E a cada homem é designado um
anjo protetor e um demônio tentador. O objetivo dos grandes iniciados é controlar seu demônio e atingir
o contato e conversação com seu sagrado anjo guardião. Uma vez que tenha atigido este grau elevado o
magista tem ao seu controle todos os espíritos infernais, e portanto grande poder sobre a criação.
Apesar dos claros benefícios materiais e pessoas óbvios, em seus escritos existe uma fé bastante forte de
que isso pode e deve ser feito não apenas para o benefício imediato do mago, mas sim como uma
conquista que afeta imediatamente a posição da humanidade no cosmos.

O impacto no ocultismo posterior

Após a tradução de MacGregor Mathers, este sistema ganhou um lugar de destaque no ocultismo
ocidental igualavel ao sistema enoquiano e as chaves de Salomão. Sua herança direta pode ser
encontrada no Hermetismo, no Rosicrucianismo, na Thelema e mesmo no Neopaganismo. Sem muita
procura pode ser visto nas obras ocultistas posteriores encabeçadas pelo próprio Mathers, assim como
nos trabalhos de Aleister Crowley e Dion Fortune. O primeiro obstáculo desta nova geraçao foi tentar
sobreviver diante do forte monoteísmo abraamico que permeia todo o sistema de Abra-melin. O temor a
Deus é o primeiro e mais necessário requisito da obra e a todo tempo lembrada. Orações incessantes e
leitura constante dos textos bíblicos fazem parte do processo que leva ao contato do Sagrado anjo
Guardião. De fato, todos os outros tipos de operações mágicas são tidas por Abraham como falsas e
inúteis, verdadeiras armadilhas dos demônios para afastar os adeptos do caminho da Grande Obra. Foi
necessária uma releitura histórica de todo o manuscrito para que ele pudesse ser usado em uma época
tão mais laica como os século XIX e XX.

O grimório de Abramelim passou a ser visto então como uma coletânea de conhecimentos mágicos
muito mais antigos, na mesma medida em que Plotino e Agostinho de Hipona fizeram os ensinamentos
de Platão atravessarem a Idade Média, Abramelim foi o responsável por apresentar os mistérios Egípcios
e Babilônicos numa roupagem monoteísta. Na perspectiva do ocultismo renascente do período de
Crowley e compania, o judeu Abraham aproveitou o trabalho de magistas mais antigos e dos sacerdotes
da antiguidade e encharcou com toda a submissão e servidáo própria de sua religião.

Na mão dos autores modernos, o Anjo Guardião de Abraham desdobrou-se em equivalentes como o
Gênio da Golden Dawn, ao Augoeideis de Iamblichus, ao Atman do Hinduismo e ao Daemon dos
gnósticos. É Cristo em Jesus e Budha em Sidarta. A roupagem judaica foi portanto eliminada em prol de
uma imersão com a egrégora mais antiga, mais primal e atávica.

Na magia cerimonial o objetivo é portanto conseguir uma conexão com esta realidade intima superior.
Em Magick Without Tears, Crowley é enfático ao dizer: "Nunca se deve esquecer nem por um momento
que o trabalho central e essencial do magista é atingir o Conhecimento e Conversação com o Sagrado
Anjo Guardião. Uma vez que seja atingido ele deve é claro se inteiramente deixado nas mais deste Anjo,
que pode ser invariavelmente e inevitavelmente levá-lo ao grande passo seguinte - atravessar o Abismo
e obter o grau de Mestre do Templo."

Depos da edição de Mathers uma nova edição foi publicada em 1970 reapresentando a história de
Abraham e o sistema de Abra-Melin a uma nova geração de magistas, muit mais acostumados com a
experimentação e muito menos dada a dogmatismos de qualquer tipo. Apesar do respeito histórico pelo
autor, existe uma tendência na maioria dos magistas contemporâneos em afirmam que em realidade o
"Anjo da Guarda" de Abraham é o arquétipo profundo do Eu Superior, o Kia de Austin Spare ou do Self,
para usar termos psicológicos atualizados. Ao atingir este estado de integração o adepto se torna
consciênte de sua Verdadeira Vontade. Sua vida então é esclarecida com seu propósito. Com isso em
mente, a operação de Abra-Melin se torna uma exploração do Eu Interior em direção a natureza divina
que existe em potencial dentro de cada um. No Brasil, a editora Madras publicou uma edição sob o título
"Santo Anjo Guardião - A Magia Sagrada de AbraMelin, o Mago Atribuída a Abraão, o Judeu".

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