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COMO

ESTRUTURAR
UMA AULA QUE
FAÇA SENTIDO?
Nathan Willig Lima

COMO
ESTRUTURAR
UMA AULA QUE
FAÇA SENTIDO?

Porto Alegre
“Caminhante, não há caminho, o caminho
se faz ao caminhar”

Antônio Machado
SOBRE O AUTOR

Nathan Willig Lima é bacharel (PUCRS) e licenciado (Avantis) em física, especialista


em psicologia positiva (PUCRS), mestre em engenharia de materiais (PUCRS) e
doutor em ensino de física (UFRGS). É professor do Departamento de Física da
UFRGS, onde tem lecionado, principalmente, em disciplinas da Licenciatura em
Física. É docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física (PPGEnFis)
da mesma universidade, pesquisando sobre História, Filosofia, Sociologia e Ensino
de Física. Foi coordenador substituto do PPGEnFis de 2020 a 2022 e será seu
coordenador de 2022 a 2024. É membro do núcleo docente estruturante da
Licenciatura em Física da UFRGS (2020-2022), editor adjunto do Caderno Brasileiro
de Ensino de Física e editor assistente da HPS&ST Newsletter, um boletim
internacional da comunidade de pesquisa de História, Filosofia, Sociologia e Ensino
de Ciências. Em 2020, foi pesquisador visitante na Universidade de Copenhague,
realizando pesquisa sobre História da Teoria Quântica e implicações para o Ensino
de Física.
Sumário

INTRODUÇÃO: Os difíceis quarenta e cinco minutos ........................................................ 7


Capítulo 1: Você ensina ou educa? ................................................................................. 10
Capítulo 2: Co-criação Didática ....................................................................................... 15
Capítulo 3: Quando devemos planejar uma aula? ........................................................... 18
Capítulo 4: Defina seus objetivos. .................................................................................... 21
4.1. Objetivos Disciplinares ou Técnicos ...................................................................... 22
4.2. Objetivos Educacionais ......................................................................................... 23
Capítulo 5: Estude diferentes materiais ........................................................................... 28
Capítulo 6: Estude trabalhos da área de Ensino e Educação........................................... 30
Capítulo 7: Diversifique o material didático a ser disponibilizado aos (as) educandos (as)
........................................................................................................................................ 32
Capítulo 8: Métodos de Ensino ........................................................................................ 35
Capítulo 9: Avaliar ou não avaliar: eis a questão. ............................................................ 39
Capítulo 10: Conclusão - Uma proposta de Fluxo da preparação didática ....................... 42
Referências ..................................................................................................................... 45
ANEXO ............................................................................................................................ 49
7

INTRODUÇÃO:

Os difíceis quarenta e cinco minutos

O que é possível fazer em quarenta e cinco minutos? Esse intervalo


corresponde a um tempo de uma partida de futebol. Você pode celebrar se seu time
estiver ganhando, ou se arrastar angustiado (a), caso o placar esteja contra a sua
torcida. Pode ser também a duração de um episódio de sua série favorita, que pode
fazê-lo (a) rir, se emocionar, e até chorar. Em quarenta e cinco minutos, é possível
ter uma experiência que seja marcante, que sensibilize e que seja significativa. Você
pode se lembrar desse acontecimento por semanas, meses ou anos. Por outro lado,
quarenta e cinco minutos podem demorar uma eternidade quando somos obrigados
a prestar atenção em algo que não nos interessa, para o qual não vemos valor, e
que para nós não faz sentido.
Quarenta e cinco a cinquenta minutos é tipicamente o tempo que dura um
período de aula (ou uma hora aula). Nesse breve intervalo, podemos oferecer uma
experiência significativa, vívida, marcante, que faça sentido para a vida de quem
está presente, ou podemos fazer com que o tempo se arraste sem significado
algum, sendo apena mais um dever burocrático a ser cumprido.
Podemos nos questionar o que diferencia uma aula burocrática, sem sentido,
de uma aula com sentido, marcante e que seja significativa para a vida dos sujeitos
que se engajam nela. Certamente, essa pergunta é complexa e para ela não há
uma só resposta. Como todo campo de atividade humana, a Educação é um
processo que demanda “engenho e arte”, como diria Camões.
A prática docente demanda arte no sentido de que é um ato criativo. O (A)
professor (a) criar sua aula, dependendo dos objetivos a serem alcançados e do
8

contexto concreto em que se encontra (o que chamarei de contexto de


implementação didática). Dependendo das demandas e necessidade de sua
turma, o (a) professor (a) adapta sua proposta, muda de rumos, volta alguns passos
atrás ou avança em outras direções. Essas decisões demandam uma certa
sensibilidade, uma abertura do (a) professor (a) para ouvir, para reconhecer
necessidades não-atendidas; e, também, uma disponibilidade para estar vulnerável
diante da turma, assumindo sua incompletude e sua vontade de, coletivamente,
construir aquilo que será o processo didático. Nesse sentido, cada aula é única,
singular e impossível de ser repetida.
Por outro lado, a prática docente também demanda “engenho”, técnica, teoria,
rigor metódico, como aponta Freire (2013a). As teorias de ensino e aprendizagem
que tradicionalmente encontramos nos cursos de Educação estão aí justamente
para discutir, profundamente, a partir da Psicologia da Educação e da Filosofia e
Política da Educação, como se deve estruturar o processo educativo.
O objetivo do presente texto é muito mais simples e mais prático. Não pretendo
discutir os detalhes teóricos, tampouco as diferentes visões de filosofia e política da
educação. O objetivo deste texto é, simplesmente, fornecer algumas reflexões
iniciais sobre como uma aula deve ser estruturada para que seja potencialmente
capaz de ter sentido para os sujeitos que fizerem parte dela. Muitas dessas
discussões são provenientes dos meus estudos de teorias de ensino e
aprendizagem; mas, sobretudo, de minha própria elaboração sobre minha
experiência docente. Diferentes teorias pedagógicas possuem diferentes
compromissos filosóficos e políticos. Entretanto, alguns elementos fundamentais de
uma aula com sentido podem ser elencados. São justamente eles que pretendo
apresentar.
Ao longo do texto, serão disponibilizadas referências para que o leitor
interessado possa se aprofundar em detalhes teóricos e discussões filosóficas mais
elaboradas. Aqui, tentarei apresentar apenas algumas sugestões e indicações
gerais sobre que características podem contribuir para que se alcance o objetivo de
ministrar uma aula que faça sentido para os (as) educandos (as) e que supere a
didática burocrática, típica do chamado ensino tradicional.
9

Assim, esse texto não deve ser encarado como um manual, ou uma proposta
acabada em si mesma. Ele é um ponto de partida para quem quer refletir sobre a
prática docente, para quem está iniciando no processo de ministrar aulas, para
quem sente falta de uma estrutura inicial mais clara e objetiva. Nada do que será
apresentado é mandatório, ou compulsório, mas é uma recomendação a partir de
minha própria vivência, é a estrutura básica que uso para minhas aulas. Uma vez
dominada essa estrutura simples, o (a) professor (a) pode se arriscar a avançar em
outras direções e dominar outras técnicas.
Devo ressaltar, também, que as sugestões são apresentadas pensando em
um cenário ideal, em que o (a) professor (a) tem um ambiente de trabalho propício
para desenvolver sua aula com autonomia, e com o tempo necessário. Infelizmente,
nem sempre a realidade é essa. Por isso, o texto também pode ser encarado como
uma sugestão ideal que cada um pode adaptar dentro de seu contexto concreto.
Certamente, muitas discussões importantes da área de Educação ficarão de
fora. Entretanto, reforço, o objetivo neste texto é ser simples e objetivo, apresentar
o que há de mais fundamental (mas que, muitas vezes, é esquecido), introduzir uma
primeira reflexão sobre o tema. O processo de ser professor (a) é um eterno
processo de aprendizagem e de autorreflexão. Não deve acabar nunca. Nenhum
texto jamais poderá dizer de forma definitiva como se dar uma aula ou esgotar o
tema sobre a docência. Mesmo assim, acredito que as orientações incluídas aqui
podem ser úteis para ajudar a organizar alguns pontos fundamentais da didática
contemporânea. Para aqueles que sentem falta de um texto introdutório e de
orientações práticas objetivas para estruturação da aula, entendo que esse texto
pode ser útil.
10

Capítulo 1:

Você ensina ou educa?

Sempre que inicio uma disciplina do curso de Licenciatura em Física,


questiono: qual a diferença entre ensino e educação? As respostas são as mais
variadas. Muitas vezes, os (as) educandos (as) apontam para uma diferença entre
campo de atuação. Mencionam, por exemplo, que educador é quem trabalha com
Educação Infantil; ensino, por outro lado, se referiria ao Ensino Médio ou Superior.
Educação parece também ter uma conotação mais relacionada a algo social, como
na expressão “pessoa educada”, que é usada para designar alguém gentil.
Gosto, entretanto, de pensar sobre isso a partir da origem etimológica das
palavras. Como diz Bakhtin (2016), as palavras carregam consigo uma auréola
estilística. Elas são preenchidas por tonalidades e sentidos que transcendem o
significado do dicionário. Ao estudar a etimologia de cada palavra, podemos refletir
sobre suas origens e quais sentidos adicionais e contextuais elas carregam consigo.
Educar vem do latim ex ducere. O prefixo ex remete a um movimento para fora
(como em exterior). Já ducere está relacionado com cominho, como em conduzir.
Assim, educar é conduzir para fora, desenvolver um potencial que há dentro de
cada um. A palavra educação, portanto, traz consigo uma concepção de natureza
humana. Não somos uma tábula rasa. Não somos uma folha em branco em que
conhecimento pode ser depositado.
Segundo essa concepção de humanidade, cada ser traz consigo
potencialidades, virtudes, traços positivos, que devem ser desenvolvidos. Educação
é, portanto, um processo de se construir e formar de dentro para fora. Sempre que
penso sobre isso recordo de discussões sobre a filosofia de Aristóteles.
Para Aristóteles, cada ser humano possui um conjunto de virtudes, seu dimon,
a ser desenvolvido. Aquele que realiza e amadurece seu dimon tem uma vida feliz
e com sentido. Essa busca de uma realização existencial é o que se chama de
eudaimonia. Por outro lado, a busca da felicidade por meio de prazer sensorial seria
11

o hedonismo. Ambos não são opostos, mas complementares. A visão aristotélica


foi resgatada recentemente por um movimento da psicologia denominada
Psicologia Positiva (PETERSON; SELIGMAN, 2004), a qual preconiza o
desenvolvimento de virtudes e forças de caráter.
Deve-se ressaltar, ainda, que, para Aristóteles, o ser humano é um ser político.
Político, nesse contexto, é aquilo que se refere à polis, o espaço comum da cidade,
em oposição aos espaços privados. Assim, temos uma natureza política porque
formamo-nos na polis. Isso é semelhante a dizer que a cidadania (exercício de
cuidado da cidade – a polis) faz parte de nossa natureza.
Se educação é o processo de desenvolvimento do nosso dimon, nossa
natureza intrínseca, é natural que esse processo seja político, uma vez que se dá
no espaço coletivo, a polis. Educação é sempre social, política e cidadã. Mas o que
é ser cidadão? Ou, melhor, um bom cidadão? Não há somente uma resposta para
essa pergunta. Dependendo do compromisso político assumido, há uma definição
diferente de bom cidadão (PINHÃO; MARTINS, 2016). Assim, a educação é um
campo em que se forma sujeitos para serem (existirem) como determinada
concepção de cidade gostaria que eles fossem. É um processo de ontologia1
política. Por isso, o currículo deve ser entendido sempre como um documento de
identidade (SILVA, 2010).
A palavra ensino tem uma raiz completamente diferente da origem da palavra
educação. Talvez, possa se dizer, até oposta. Ensino vem de signo. Ensinar é
colocar signos. Quem ensina fica apontando para elementos da natureza e
representando-os em signos para os alunos (a palavra aluno, por sua vez, envolve
o prefixo “a” que indica negação e a palavra lumini, luz – o aluno é um ser sem luz).
A concepção atada à etimologia da palavra ensino é a de uma prática que deposita
informações – próximo ao que Freire (2013b) chamou de ensino bancário.
Diferentemente da visão de educação, a etimologia da palavra ensino parece
supor o aluno como uma tábula rasa, uma folha em branco, em que informações

1
Ontologia é a área da filosofia que fala sobre o estudo do ser.
12

podem ser depositadas. Parece, pelo menos do ponto de vista etimológico, que
educar e ensinar são práticas completamente distintas, possivelmente, até opostas.
Desafiando essa distinção etimológica, entretanto, Herbart, há mais de um
século, propôs a noção de um “ensino educativo” ou “instrução educativa”
(HILGENHEGER, 2010)2. A ideia é que, por meio do ensino, isto é, de instrução, de
discussão sobre conhecimentos técnicos, específicos e disciplinares, possamos
também desenvolver as virtudes dos (as) educandos (as).
Trazendo essa reflexão para nossa realidade contemporânea, podemos, em
uma aula de ciências, por exemplo, promover reflexões sobre a sociedade atual,
sobre questões ambientais, sobre a relação da tecnologia com a sociedade, sobre
o desenvolvimento da ciência, sobre o papel da ciência em nossa sociedade. Pode-
se, ainda, fazer com os (as) educandos (as) pensem sobre problemas
contemporâneos locais concretos e, até mesmo, tomem ações ao final da disciplina
(HODSON, 1994). Ao longo desse processo, os (as) educandos (as) aprendem os
temas técnicos, as especialidades disciplinares, mas também desenvolvem uma
reflexão mais ampla sobre nossa sociedade. Nesse sentido, temos o
desenvolvimento de uma prática cidadã, e, portanto, um ensino educativo.
Deve-se ter clareza que nem todo ensino é educativo. Precisa-se que a prática
pedagógica se direcione em relação a algo que seja significativo, a uma reflexão
que transcenda a própria dimensão disciplinar em si. Por outro lado, não deve se
abandonar de forma alguma o ensino disciplinar. É por meio do ensino que se chega
à educação.
Para quem, assim como eu, atua no campo da educação em ciências e
matemática (Física, Química, Biologia, Ciências, Matemática) esse desafio é ainda
mais substancial. Historicamente, nossas disciplinas são bastante associadas a
uma prática instrucional e tecnicista, principalmente após a segunda guerra mundial
(KAISER, 2006). O grande desafio é usar essas instruções a serviço da educação,
do desenvolvimento de virtudes, de forças de caráter, do engajamento cidadão, e
da reflexão social.

2
Mais sobre Herbart pode ser encontrado em (DALBOSCO, 2018).
13

Como mencionado, cidadania e política são duas palavras com sentido muito
próximos. Historicamente, entretanto, pensa-se em política como algo que se refere
à relação apenas dos humanos entre si. Assim, como seria possível um ensino de
Física cidadão?
Alguns filósofos e sociólogos contemporâneos têm proposto a expansão do
conceito de política para o de cosmopolítica (LATOUR, 2004; STENGERS, 2018)3.
Segundo essa visão, não é só a organização humana que faz parte de um processo
coletivo, mas a própria realidade natural. Humanos e não-humanos interagem para
que se forme a concepção sobre o que é a realidade natural e social. Na sociedade
contemporânea, tal hibridização entre o natural e o social é tão grande que entes
naturais, como um vírus, estão no centro do debate político, enquanto a legislação
(um aparato humano) é usada para proteger, por exemplo, a camada de ozônio, um
ente natural (LATOUR, 2013).
Nesse sentido, a ciência é um ator fundamental da sociedade contemporânea.
As ações que são necessárias para mitigar o aquecimento global antropogênico, e
para combater a pandemia de covid-19, entre tantos outros casos, são orientadas
pela ciência. Ao mesmo tempo, elas afetam aspectos econômicos e sociais, sendo
alvo de disputa. Isso tem criado uma tensão sobre o discurso da ciência e
fomentado o desenvolvimento de movimentos antagônicos à ciência e de narrativas
alternativas à ciência e aos fatos – o que alguns chamam de período de pós-verdade
(LIMA et al., 2019b).
Assim, todo ensino de ciências ou educação em ciências faz parte desse
processo cosmopolítico – uma vez que tensiona o debate público sobre a realidade
natural e social. Stengers (2018) defende, ademais, que, na proposição
cosmopolítica, não se defender a priori um tipo específico de organização social. A
realidade e o contrato social são justamente o resultado do processo cosmopolítico.
Ou seja, segundo essa visão, não cabe a um indivíduo específico advogar por uma
solução específica para os problemas reais, mas apresentar os problemas, as

3
Para mais textos sobre o pensamento de Latour, ver (LIMA; OSTERMANN; CAVALCANTI, 2018)
14

possibilidades de solução, abrir o debate e ouvir os diferentes atores envolvidos,


para que se possa chegar a uma solução factível e concreta de forma coletiva4.

Algumas questões para reflexão:

1 - Por que ensinamos o que ensinamos? Qual a importância das disciplinas


que lecionamos para a realidade atual?
2 - A aula que você está acostumado a elaborar é mais comprometida com um
ensino tecnicista ou com uma visão de educação como processo de
desenvolvimento humano?
3 - Como podemos desenvolver uma aula que contribua para formação
cidadã? O que é ser um bom cidadão? Quais compromissos sociais isso traz?
Explicitamos isso em nossa aula?
4 - A aula que você está acostumado a elaborar tem que visão de cidadania
subjacente?
5 - Como você gostaria que sua aula contribuísse para formação dos(as)
educandos(as)?

4
Devo ressaltar que essa visão cosmopolítica não é hegemônica dentro da área de Educação em Ciências.
Outras concepções sobre a relação entre ensino de ciências e política são possíveis; mas tal discussão foge ao
escopo desse texto.
15

Capítulo 2:

Co-criação Didática

O que é um (a) professor (a)? Ou que ideia fazemos sobre o que um (a)
professor (a) faz? Eu diria que a maioria das pessoas pensa no trabalho do (a)
professor (a) como o de simplesmente expor ou transferir um certo conhecimento já
estabelecido em uma linguagem fácil e acessível. Nesse sentido, o (a) professor
(a) seria um (a) transmissor (a). Ele (Ela) não teria nenhuma ingerência sobre quais
tópicos deveria ensinar, nem teria muita liberdade para discutir e ampliar esses
tópicos. Tipicamente, o que está definido no currículo e que aparece no livro didático
é o que o (a) professor (a) tem que explicar.
Uma visão diferente e nada usual seria supor que o (a) professor (a) é um (a)
criador (a) livre. Ele (Ela) chega na sua sala e expõe qualquer tópico que tiver
interesse com qualquer abordagem a partir de qualquer material. Liberdade total e
criatividade total seriam permitidas a professores (as) como a de um pintor
contemporâneo diante de um quadro branco.
Essas duas visões são justamente visões extremas que se pode ter sobre o
próprio processo de comunicação (LIMA et al., 2019a). Podemos imaginar que a
fala do (a) professor (a) é totalmente determinada pelo sistema institucional ou que
ela é totalmente livre. Na verdade, ela sempre fica no meio desses dois extremos
(podendo estar mais próximo de um ou de outro).
Quando ministramos uma aula, de fato, temos que nos atentar ao currículo (na
maioria das escolas, mas há exceções), e ao que é esperado antecipadamente
naquele contexto escolar. Nesse sentido, a fala do (a) professor (a) já está
delimitada. Por outro lado, abordagens, reflexões, textos, atividades, discussões,
isso está no campo de liberdade do (a) professor (a). Como ele (ela) organiza a
aula, sua própria fala, a sequência de atividades, que perguntas faz, nada disso está
prescrito em lugar algum. Isso tudo é criação do (a) professor (a). Cada aula é um
ato único. Não existe uma aula igual à outra.
16

Dependendo do interesse e da disponibilidade do (a) professor (a), bem como


do contexto concreto em que a aula vai ser ministrada (contexto de
implementação didática), ele (ela) tem mais ou menos liberdade nesse processo.
Ainda assim, sempre há alguma liberdade.
Por isso, eu gosto de chamar o processo de elaboração de aulas de processo
de co-criação didática. Ao elaborar uma aula, o (a) professor (a) está criando algo
novo, inédito, singular, único. Por outro lado, esse seu enunciado, sua aula, é
pautado nos livros, artigos, textos, teorias que vai ministrar. Por isso, é uma co-
criação. Ele (Ela) cria conjuntamente com o que está culturalmente estabelecido,
acrescentando suas reflexões, elaborações e críticas.
É, nesse sentido, que podemos entender que o (a) professor (a) é um
intelectual crítico (CONTRERAS, 2012). Ele (Ela) é alguém que estuda sua
disciplina, lê sobre o contexto social atual, reflete, escreve, pesquisa, traça
reflexões. Sua aula é fruto desse processo de estudo e debate. Na verdade, sua
própria aula também é objeto de suas reflexões, análises e críticas. O (A) professor
(a) intelectual crítico é alguém que ao mesmo tempo se vale de profundo estudo e
rigor metodológico enquanto se permite ser criativo (a) e autônomo (a) em suas
reflexões.
Tornar-se um (a) professor (a) intelectual crítico é um trabalho para vida toda.
O pressuposto básico dessa concepção é justamente que nunca estamos
acabados. Nunca haverá o momento em que diremos “agora eu sei tudo”, ou “agora
eu desenvolvi todas minhas capacidades docentes”. A nossa elaboração sobre a
realidade é virtualmente infinita e, por esse motivo, o (a) professor (a) intelectual
crítico se põe sempre como um (a) estudioso (a), um (a) constante pesquisador (a),
que compartilha suas reflexões e contribuir no percurso de outros sujeitos, que
também se tornarão estudiosos autônomos e críticos.
17

Questões para reflexão:

1 - Você costuma conectar os temas da sua disciplina com questões da sociedade


contemporânea?

2 - Nas aulas que você já elaborou, você percebe que foi mais criativo ou seguiu
um caminho mais rígido, próximo aos textos didáticos?

3 - Como podemos trazer mais criatividade para elaboração de nossas aulas?

4 - Que características você gostaria que sua aula tivesse? Como você gostaria que
sua aula fosse?
18

Capítulo 3:

Quando devemos planejar uma aula?

Sempre! Antes, durante e depois da aula!


Um outro equívoco comum é pensar que planejamento é algo que fazemos
no início do semestre ou do ano e, depois, temos que segui-lo rigidamente. Essa é
uma visão muito dura do processo educativo e que, se cumprida à risca, leva a um
ensino sem sentido, um ensino burocrático.
Antes de ministrar uma aula ou mesmo de começar um curso (o ano ou o
semestre), precisamos planejar as atividades que serão realizadas. Idealmente,
seria bom termos algum material sobre os (as) educandos (as) para decidir algumas
questões importantes. Então, por exemplo, você pode estruturar toda a sequência
de aulas de um ano, antes de o ano começar. Na primeira aula, você aplica um
questionário para saber sobre a compreensão dos (as) educandos (as) sobre alguns
tópicos básicos que são necessários para o desenvolvimento da disciplina e
descobre que há muitas lacunas. O que você faz?
Em uma aula sem sentido, burocrática, o (a) professor (a) segue seu
planejamento inicial e é dever dos (as) educandos (as) correr atrás do que está
faltando. Se eles não conseguem alcançar o conteúdo em tempo, é problema deles.
Em uma perspectiva de educação com sentido, o (a) professor (a) negocia com os
(as) educandos (as) e reorganiza o calendário de forma que consiga trabalhar com
eles as lacunas e retomar o cronograma ao longo da disciplina. Não há nenhum
problema em revisar o planejamento inicial para que ele atenda aos objetivos
esperados. Assim, planejamos a disciplina antes de ela começar. Durante o
processo, revisamos e modificamos o planejamento conforme necessário. Ao final,
podemos rever o processo como um todo e usar essa experiência para planejar as
aulas do ano seguinte.
19

De forma mais específica, devemos planejar cada aula. Dependendo da que


acontece em uma aula, entretanto, o que iria ser feito nas aulas seguintes pode ser
modificado. Mas o que significa exatamente planejar?
Apresento na sequência uma lista de itens que entendo que deve haver em
um plano de aula. No anexo A, disponibilizo um pequeno modelo de plano de aula
que costumo disponibilizar para os (as) educandos (as).

Plano de Aula
Disciplina:
Nome do (a) Professor (a):
Contexto de implementação didática:
Tema da Aula:
Objetivo técnico geral:
Objetivos técnicos específicos:
Objetivo educacional geral:
Objetivos educacionais específicos:
Material de Consulta do (a) professor (a):
Material de consulta para os (as) educandos (as):
Desenvolvimento:
Avaliação:

Em um plano de aula, considero que é fundamental expressar claramente


quais são os objetivos da aula (e eu divido esses objetivos em técnicos e
pedagógicos, como discutiremos no próximo capítulo), as fontes de consulta do (a)
professor (a) e dos (as) educandos (as), o desenvolvimento da aula (os métodos
empregados, a sequência da apresentação, bem como a justificativa teórica para
isso), e, por fim, a avaliação. Cada um desses elementos será discutido nos
capítulos seguintes. Deve constar no plano, também, o contexto de implementação
didático, isto é, em que série, de que escola, com quais especificidades, a aula será
implementada.
20

O planejamento é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento


de uma aula com sentido e que traga algum engajamento com os (as) educandos
(as). Se pensarmos em filmes ou séries cativantes, podemos perceber que cada
elemento é introduzido de forma orgânica, e a obra se completa de forma natural.
O roteiro tem início, meio e fim. Os desafios ou conflitos iniciais são todos resolvidos
ao final da trama. Uma aula também precisa ser bem estruturada. Precisa ter início,
meio e fim. Precisa ter objetivos claros. Precisa ser avaliada de uma forma que
contribua para o próprio processo de aprendizagem. E tudo isso precisa estar
estruturado de forma orgânica.
Em uma aula burocrática, os objetivos não são claros nem para o (a)
professor (a) nem para o (a) educando (a). O material didático às vezes não
corresponde ao que está na aula. A avaliação também não é coerente. Muitas
vezes, uma aula burocrática não envolve nenhuma motivação inicial. Ou, se
envolve, o problema inicial não é respondido de forma satisfatória. Todos esses
problemas podem ser resolvidos com um bom planejamento. Nos próximos
capítulos, vamos discutir cada elemento do planejamento em detalhe.
21

Capítulo 4:

Defina seus objetivos.

Fala-se muito sobre métodos e metodologias de ensino (o que, sem dúvidas,


é muito importante – conforme discutiremos mais adiante nesse texto). Vejo pouca
discussão, entretanto, sobre quais são os objetivos do ensino. Como diz o velho
ditado, para quem não sabe aonde quer chegar qualquer caminho serve. Ou seja,
não faz sentido pensar em método (que, na origem, remete à meio) se não temos
clareza de qual é a finalidade (o fim do que estamos fazendo).
Novamente, resgatando a concepção de comunicação de Bakhtin (2016),
todo enunciado (ato de comunicação) tem intencionalidade. O locutor sempre tem
alguma intenção, um objetivo, procura alcançar certo efeito em sua audiência.
Quando não estabelecemos com clareza quais são os nossos objetivos em uma
aula, possivelmente, estamos apenas reproduzindo de forma irreflexiva os objetivos
que outras pessoas estabeleceram, os autores do livro didático, os responsáveis
por escrever o currículo.
Em uma perspectiva de docência como intelectual crítico, entretanto, é
fundamental que o (a) professor (a) tenha consciência de quais são seus objetivos
com determinada aula. Conforme discutimos no capítulo anterior, entretanto, o fato
de um objetivo ser estabelecido antecipadamente não significa que ele precisa ser
estático. O (A) professor (a) pode ter estabelecido objetivos iniciais, mas, em contato
com a turma, esses objetivos podem ser modificados.
Assim, os objetivos dependem tanto da intencionalidade do (a) professor (a)
como do contexto de implementação didático em que a aula está sendo ministrada.
O (A) mesmo (a) professor (a) pode estabelecer objetivos distintos para uma mesma
aula em contextos diferentes. Inclusive, em uma perspectiva que valorize a
participação dos (as) educandos (as), o (a) professor (a) pode ter alguns objetivos
pré-definidos e ter uma margem de liberdade para estabelecer objetivos
conjuntamente com a turma (ROSENBERG, 2021).
22

Nesse texto, gostaria de propor a divisão dos objetivos em objetivos técnicos


(ou disciplinares) e objetivos educacionais (que contribuem para a formação cidadã
– no sentido de educação que discutimos anteriormente). Além disso, cada objetivo
é dividido em objetivo geral e específicos.

4.1. Objetivos Disciplinares ou Técnicos

O objetivo disciplinar é aquele a que estamos habituados. Por exemplo, “Ao


final desta aula, o (a) educando (a) deve entender o significado da primeira lei da
Termodinâmica”. Ou seja, o objetivo disciplinar se refere ao domínio de determinado
conceito ou técnica que pretendemos ensinar ou instruir em determinada unidade.
É extremamente importante que dividamos os objetivos em objetivo geral e
objetivos específicos. Isso será crucial para o bom desenvolvimento da aula e para
que a avaliação possa fazer sentido. O objetivo geral pode ser enunciado de forma
ampla e genérica, como no exemplo acima. Ele apenas dá uma ideia geral sobre o
tema e foco da aula. Por outro lado, os objetivos específicos devem ser enunciados
de forma precisa e concreta. É preciso expressar exatamente o que se espera, ao
final da aula, que o (a) educando (a) consiga fazer (atividade) e com que
instrumentos (por exemplo, palavras, equações, diagramas, desenhos, etc.).
Vamos enunciar alguns possíveis exemplos específicos para a aula cujo objetivo
geral enunciamos acima.
Ao final desta aula o (a) educando (a) deve ser capaz de
- Enunciar a primeira lei da termodinâmica de forma verbal
- Escrever a equação que relaciona variação da energia interna, calor e trabalho.
- Explicar por escrito o significado da equação e da primeira Lei,
- Resolver problemas algébricos simples de conservação de energia, envolvendo
trabalho e calor.
Observe que em todos os objetivos enunciados acima uma atividade foi
descrita: enunciar, escrever, explicar, resolver. Todos esses verbos envolvem uma
ação. Isso é diferente do verbo usado no objetivo geral “entender”. Entender remete
a um processo introspectivo, enquanto os verbos usados nos objetivos específicos
23

remetem ações externas que podem ser observadas. Ao ser capaz de executar
essas ações, podemos inferir que o (a) educando (a) entendeu a primeira lei.
Além disso, em todos os objetivos específicos, determinamos o instrumento
(nesse caso um instrumento simbólico), que o estudante deve usar: forma verbal,
equação, escrita, álgebra. Sabemos exatamente para cada objetivo que tipo de
material devemos coletar para avaliar se o objetivo foi alcançado ou não.
É muito comum que estabeleçamos objetivos genéricos demais, ou muito
abstratos. Embora isso não seja “proibido”, por outro lado, também não parece
benéfico. A importância de estabelecer os objetivos de forma precisa é justamente
para que possamos determinar quais métodos e instrumentos usar bem como que
procedimentos de avaliação são adequados. Se os objetivos não estão precisos,
fica muito mais difícil determinar a metodologia da aula e o instrumento avaliativo a
ser empregado.

4.2. Objetivos Educacionais

Diferentemente dos objetivos disciplinares, o que estou chamando de


objetivos educacionais transcendem o limite da instrução e se referem ao
desenvolvimento das potencialidades e virtudes humanas. Mais especificamente,
o desenvolvimento da cidadania é um objetivo importante a ser almejado, conforme
preconizado pelas discussões teóricas contemporâneas e pela legislação vigente
(PINHÃO; MARTINS, 2016).
No caso do ensino de ciências, mais especificamente, considero que
entender a relação entre ciência, sociedade e tecnologia é uma dimensão
fundamental da prática educativa. Existem várias formas de se fazer isso, uma delas
é por meio das propostas CTS (AULER; BAZZO, 2001), outra é por meio de
abordagens que tragam História, Filosofia e Sociologia da Ciência (LIMA, 2021), por
meio de modelagem científica (HEIDEMANN; ARAUJO; VEIT, 2016) e ensino por
investigação (SASSERON, 2018). Essas abordagens serão brevemente discutidas
ao longo desse texto.
24

Novamente, o objetivo educacional geral pode ser expresso de forma mais


genérica e ampla, enquanto os objetivos específicos devem tratar de atividades e
especificar instrumentos (simbólicos) específicos. Um exemplo de objetivo
educacional geral poderia ser: “Ao final da aula, o (a) educando (a) deve entender
as relações entre o desenvolvimento da termodinâmica e a revolução industrial”. A
partir desse objetivo geral podemos estabelecer os seguintes objetivos específicos.
Ao final da aula o(a) educando(a) deve ser capaz de
- Ler e interpretar textos históricos que discutam a relação entre o
desenvolvimento da termodinâmica e a revolução industrial.
- Escrever pequenos textos explicando a relação entre interesses
econômicos e desenvolvimento científico.
- Debater com colegas sobre a relação entre a ciência e a economia
contemporânea.
Embora separemos os objetivos disciplinares dos educacionais a fim de
termos clareza dos objetivos propostos, na aula, isso tudo deve aparecer de forma
integrada. Podemos, em uma aula sobre as leis da termodinâmica, por exemplo,
trazer um texto que discuta o papel da revolução industrial ao longo da história
dessa teoria. Assim, em uma mesma aula, os (as) educandos (as) desenvolvem os
objetivos disciplinares e educacionais.
25

Questões para reflexão

A. Analise as afirmações abaixo e indique se elas são objetivos disciplinares (D)


ou Educacionais (E):

( ) 1. Aprender a usar a Lei de Coulomb.


( ) 2. Resolver a equação de Schrödinger.
( ) 3. Entender o papel dos experimentos no desenvolvimento de uma teoria
científica.
( ) 4. Discutir as relações entre ciência e arte.
( ) 5. Investigar o papel estruturante da matemática no pensamento científico
( ) 6. Resolver problemas com capacitores.
( ) 7. Analisar o papel dos meios de comunicação para o desenvolvimento da
ciência.
( ) 8. Reconhecer o apagamento de certos atores no desenvolvimento científico.
( ) 9. Comparar as propriedades dos campos elétricos e magnéticos.
( ) 10. Reconhecer o papel das metáforas no pensamento científico.

B. Analise as afirmações abaixo e indique quais objetivos específicos estão bem


definidos.

( ) 1. Entender as três leis de Newton


( ) 2. Resolver problemas de equilíbrio estático.
( ) 3. Interpretar gráficos de posição versus tempo, identificando qualitativamente a
velocidade, aceleração, pontos de velocidade nula.
( ) 4. Redigir textos críticos sobre reportagens jornalísticas que tenham tema
científico.
( ) 5. Entender um texto histórico de Física.
( ) 6. Ler um texto histórico e explicar por escrito suas principais ideias.
26

Respostas:
A
1. Se você marcou (D), estamos de acordo.
2. Se você marcou (D), estamos de acordo.
3. Se você marcou (E), estamos de acordo. Entender o papel do experimento
no desenvolvimento da ciência não é um objetivo disciplinar, ultrapassando
o limite da instrução tradicional. Pode-se, por exemplo, ao ensinar a Lei de
Coulomb trazer essa discussão para o ensino.
4. Se você marcou (E), estamos de acordo. Ao entender as relações entre
ciência e arte, o (a) educando (a) pode entender a ciência como parte da
Cultura.
5. Se você marcou (E), estamos de acordo. Discutir a interrelação entre
matemática e física extrapola a instrução tradicional e permite que o (a)
educando (a) reflita sobre a natureza da ciência.
6. Se você marcou (D), estamos de acordo.
7. Se você marcou (E), estamos de acordo. Ao discutir o papel dos meios de
comunicação, o (a) educando (a) pode refletir sobre o papel das mídias
digitais na propagação de informações hoje.
8. Se você marcou (E), estamos de acordo. Essa discussão histórica permite
que haja reflexão e debate sobre possíveis práticas estruturais que moldaram
a sociedade e o desenvolvimento da ciência apagando e desvalorizando
grupos específicos.
9. Se você marcou (D), estamos de acordo.
10. Se você marcou (E), estamos de acordo. Ao reconhecer o papel das
metáforas, pode-se perceber e entender o papel da linguagem no
desenvolvimento científico e como é possível estabelecer formas de
compreensão da realidade que sejam criativas.

B
27

1. Se você não marcou essa afirmação, estamos de acordo. Entender é um


verbo que indica um estado introspectivo e não uma atividade. Da mesma
forma nenhum instrumento é mencionado. Um objetivo específico poderia ser
explicar por escrito o quais são as leis de Newton e qual o seu significado.
2. Se você não marcou essa afirmação, estamos de acordo. Embora resolver
seja uma atividade, o objetivo ainda pode ser mais específico. Pode se
subdividir esse problema em “desenhar diagramas de força.” “Descobrir o
valor das forças resultante em um problema de equilíbrio usando álgebra”.
3. Se você marcou essa afirmação, estamos de acordo.
4. Se você marcou essa afirmação, estamos de acordo.
5. Se você marcou essa afirmação, não estamos de acordo, pelo mesmo motivo
apontado na afirmação 1.
6. Se você marcou essa afirmação, estamos de acordo.
28

Capítulo 5:

Estude diferentes materiais

Uma vez que você tenha o tema da aula que deve ministrar, o próximo passo
é estudar o assunto de forma aprofundada. Antes de se debruçar sobre o material
de estudo, você já pode imaginar e esboçar alguns objetivos iniciais para sua aula.
Depois que você estudar o tema da aula, você deve rever os objetivos propostos,
melhorá-los, retirar alguns objetivos que não façam sentido e acrescentar outros. O
processo de preparação da aula é dinâmico e orgânico. Ao longo do processo de
elaboração da aula podemos sempre voltar a revisitar os passos anteriores.
Que materiais, então, um (a) professor (a) deve usar para estudar o tema de
sua aula? Tipicamente, o primeiro material é o livro didático. Foge ao escopo desse
trabalho discutir o papel do livro didático na educação contemporânea. O (A)
professor (a) deve estar consciente, entretanto, de que há sérios problemas
epistemológicos, historiográficos e políticos na elaboração de muitos livros atuais
(LIMA et al., 2017; MARTINS, 2006). Tendo esse alerta em mente, o (a) professor
(a) pode consultar diferentes livros didáticos do nível para qual vai lecionar (ensino
médio, por exemplo). Sugiro olhar pelo menos três livros para comparar diferentes
abordagens, definições, problemas, etc. Sugiro, também, que o (a) professor (a)
olhe dois livros de ensino superior, para que possa relembrar como os conceitos
são apresentados em um nível mais formal.
A leitura desse material ajuda principalmente no estabelecimento dos
conceitos a serem apresentados e na definição dos objetivos disciplinares.
Tipicamente, os livros didáticos atuais adotam uma perspectiva tecnicista e
instrumentalista (certamente, há exceções), reduzindo-se a apresentar uma
instrução, sem um caráter educativo mais amplo como temos discutido nesse livro.
Portanto, não se deve esperar que esse material seja suficiente para
estabelecer uma discussão educacional mais profunda. Não somente isso, muitas
vezes os livros apresentam visões ingênuas sobre a natureza da ciência ou sobre
29

a relação entre ciência e sociedade. Por isso, o (a) professor (a) deve fazer um
estudo crítico desses materiais, não adotando de forma despreocupada os
discursos epistemológicos e políticos subjacentes.
A discussão educacional, por outro lado, pode ser consultada em outros
materiais que não os livros didáticos. Em especial, há bons trabalhos da área de
educação e ensino que trazem reflexões sobre o ensino de diferentes disciplinas.
Por isso, no próximo capítulo, vamos discutir como encontrar trabalhos acadêmicos
na área de ensino e educação.
30

Capítulo 6:

Estude trabalhos da área de Ensino e Educação

Para elaborar sua aula e, principalmente, para refletir sobre quais objetivos
educacionais podem ser propostos, para buscar materiais históricos, ou discussões
sobre a interação entre ciência, sociedade e tecnologia, é muito proveitoso procurar
trabalhos acadêmicos da área de ensino e educação que tratem do tema da sua
aula.
Devemos pensar, também, que, entendendo o (a) professor (a) como
intelectual crítico (a), ele (ela) deve ler diferentes autores e reflexões para, a partir
de sua análise e experiência, formar a sua visão sobre o assunto e traçar suas
reflexões. Mas onde encontrar esses trabalhos?
Primeiramente, você pode procurar por trabalhos em buscadores acadêmicos
como o google scholar (https://scholar.google.com/). Você pode encontrar artigos,
teses, dissertações, trabalhos publicados em eventos. Além disso, você pode
pesquisar revistas especializadas da sua área de ensino.
Por exemplo, se você é da área de ensino de Física, os periódicos Caderno
Brasileiro de Ensino de Física
(https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/issue/view/3147) e Revista Brasileira de
Física (http://www.sbfisica.org.br/rbef/) são fontes fundamentais de pesquisa. Ainda
existem outros periódicos tradicionais da área de Ensino de Ciências, como Revista
Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências
(https://periodicos.ufmg.br/index.php/rbpec) , Ciência & Educação
(https://www.scielo.br/j/ciedu/) , Investigações em Ensino de Ciências
(https://www.if.ufrgs.br/cref/ojs/index.php/ienci/index) , Ensaio
(https://periodicos.ufmg.br/index.php/ensaio) , Alexandria
(https://periodicos.ufsc.br/index.php/alexandria) , entre tantos outros.
No portal de cada uma dessas revistas, existe um mecanismo de busca.
Você pode colocar o assunto que pretende estudar, ou o nome de algum autor que
31

você já conheça. A partir dessa busca, você encontrará os artigos da revista que
trazem os termos procurados.
Caso você não seja da área de ensino de ciências ou queira procurar em
outros periódicos, a melhor forma de busca, na minha opinião, é por meio de
pesquisa nos periódicos considerados A1, A2 e B1 no Qualis Capes (um sistema
de classificação de periódicos da CAPES, sendo A1 o mais alto extrato). Você pode
acessar o portal do Qualis capes
(https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/veiculoPublicacaoQ
ualis/listaConsultaGeralPeriodicos.jsf) . Você deve colocar a classificação do último
quadriênio, selecionar “Ensino” ou “Educação” na área de classificação e marcar
classificação: “A1” ou “A2” ou “B1” (sugiro começar pesquisando A1, e depois ir para
os próximos extratos). Ao clicar em buscar, serão listadas todas as revistas da área
no extrato que você selecionou. Você pode, então, entrar no portal das revistas que
lhe interessam e pesquisar o seu tema no próprio portal do periódico.
Embora o objetivo desse texto se refira à elaboração de aulas
especificamente, considero que é proveitoso investir algum tempo para, sempre que
possível, ler artigos da área de Ensino e Educação. A ideia é formar uma cultura
pedagógica. Isso demora uma vida inteira, é um processo infinito. De tempos em
tempos, busque passar os olhos nos últimos artigos publicados, leia os que mais
chamam sua atenção.
Alguns autores, como Latour (1997), apontam que uma característica
fundamental da prática científica é justamente a leitura e a escrita. Por isso, é
importante que o (a) professor (a) e os (as) educandos (as) também se engajem
ativamente no processo de leitura de textos didáticos e acadêmicos, formando
uma espécie de rede ou comunidade de leitura e escrita (LIMA; OSTERMANN;
CAVALCANTI, 2018).
32

Capítulo 7:

Diversifique o material didático a ser

disponibilizado aos (as) educandos (as)

O que os (as) educandos (as) costumam ler em uma aula? Usualmente, no


máximo, o livro didático. Não é estranho como o ensino pode reforçar um costume
pouco intelectual? Se queremos formar educandos autônomos, pensadores críticos,
cidadãos ativos é necessário ler e estudar muito mais do que uma só obra e de um
só gênero.
Em sua proposta de aprendizagem significativa crítica, Moreira (2010) defende
a necessidade de se variar os materiais didáticos usados em uma aula. O livro
didático pode ser uma fonte de consulta importante, mas não é a única. Além disso,
é importante ressignificar o espaço didático de forma que o (a) educando (a) possa
ele (a) mesmo(a) ler, investigar, estudar, se posicionar, e não somente receber
informações de forma inerte. Quais materiais podem, então, ser utilizados? São
alguns deles:

- Livro didático

-Textos históricos (artigos, cartas, diários)

- Livros de divulgação

- Imagens (como obras de arte)

- Notícias de jornais

- Filmes

- Músicas
33

O livro didático é o texto didático por excelência. Em princípio, ele já está


estruturado para que o(a) educando(a) possa lê-lo e compreendê-lo. As demais
fontes precisam ser escolhidas e preparadas pelo (a) professor (a). Por exemplo,
textos históricos podem ser muito difíceis, ou usar uma linguagem muito diferente
da atual. Não é qualquer texto histórico que será útil no contexto pedagógico. Por
isso, Karam (2021) discute alguns cuidados metodológicos necessários a usar
fontes históricas.
Em linhas gerais, o (a) professor (a) precisa selecionar o trecho de uma fonte
histórica ou de um texto histórico que sirva aos objetivos pedagógicos
estabelecidos. Nem sempre é fácil encontrar esse material, de forma que a
preparação demanda trabalho de pesquisa e elaboração pelo docente intelectual
crítico. É nesse sentido também que a aula é criativa. O material selecionado,
adaptado ou criado pelo (a) professor (a) é totalmente novo naquele contexto em
que será aplicado. O (A) professor (a) tem também a opção de, a partir de seus
estudos, escrever um texto que sirva como material de consulta para seus
educandos.
As mesmas observações valem para os demais tipos de texto apresentados.
O (A) professor (a) deve selecioná-los pensando nos objetivos a serem alcançados
e no contexto concreto dos(as) educandos(as). O material apresentado precisa
fazer sentido para os sujeitos que se envolverão com eles. Se o material é muito
difícil, ou muito confuso, ou foge aos objetivos propostos, ele não deve ser usado.
Use somente o que for pedagogicamente útil!
Algumas reflexões sobre uso de arte na aula de ciências podem ser
encontradas em (REIS; BRAGA; GUERRA, 2005; REIS; GUERRA; BRAGA, 2006);
sobre notícias, em (GARCÍA-CARMONA; ACEVEDO DÍAZ, 2016); e sobre música,
em (LIMA, 2020).
Mais especificamente sobre uso de história e filosofia no ensino, podem-se
encontrar excelentes artigos nas revistas especializadas, conforme explicado no
capítulo anterior. Podem-se selecionar trechos desses artigos que sejam úteis na
sala de aula, ou o (a) professor (a) pode elaborar um novo texto a partir de suas
leituras. Em especial, a Revista Brasileira de Ensino de Ciências e Matemática
34

publicou um número especial sobre história e filosofia no ensino de Física com


artigos que podem contribuir muito para preparação de aulas física e de ciências
em geral (http://seer.upf.br/index.php/rbecm/issue/view/753).

Algumas questões para reflexão

1 - Quais são os materiais que você usualmente sugere para seus educandos
estudarem?

2 - Quais livros de divulgação científica você conhece? Sobre o que tratam? Procure
algumas sugestões de livros de divulgação. Quais você poderia usar em suas
aulas?

3 - O que arte tem a ver com ciências? É possível introduzir discussões em uma
aula de ciência por meio da arte (quadros, filmes, fotos, músicas)? Você se lembra
de exemplos que poderiam ser usados em suas aulas?

4 - Quais episódios históricos da ciência você conhece? Onde poderia consultar


mais episódios históricos? Como esses episódios podem contribuir em sua aula?
35

Capítulo 8:

Métodos de Ensino

Uma vez definidos os objetivos, escolhidos os materiais para estudo do (a)


professor (a) e dos (as) educandos (as), finalmente chega-se no momento de
elaborar como se dará a dinâmica da aula. Mais uma vez, não existe uma receita
pronta e definitiva para estruturar uma aula, e o que será apresentado aqui são
apenas diretrizes gerais. Escolhas mais detalhadas dependem do contexto
concreto de cada professor (a), de seus objetivos, e de suas concepções sobre o
processo de ensino e aprendizagem.
Em primeiro lugar, sugiro que a aula seja estruturada de forma a ter três
momentos distintos: início, meio e fim (ou apresentação, desenvolvimento e
conclusão). A ideia básica é seguir a estrutura que temos em um enunciado, como
uma reportagem, um texto argumentativo, ou até mesmo um filme ou episódio de
uma série. Existem também teorias na área de ensino que tratam de forma teórica
os três momentos de uma aula (DELIZOICOV; ANGOTTI, 1990a, 1990b)
O primeiro momento da aula envolve a apresentação do tópico a ser
estudado, a justificativa da importância desse tópico para os (as) educandos (as) e
a combinação sobre os objetivos que devem ser alcançados. O início da aula
tipicamente pode envolver a apresentação de um problema que desperte o
interesse dos (as) educandos (as), ou uma questão reflexiva para debate. O (A)
professor (a) pode trazer um trecho de um filme ou uma reportagem de um jornal.
O ponto principal desse primeiro momento é permitir que os (as) educandos (as)
gerem interesse, se engajem com o tópico a ser estudado e fiquem disponíveis para
o processo que virá a seguir. Novamente, não há fórmula para isso. Cada professor
(a) terá seu jeito próprio de introduzir e problematizar determinado conteúdo, o que
também varia com a necessidade e interesse da turma. Nesse primeiro momento,
ainda, o (a) professor (a) pode trabalhar com questões ou problemas iniciais para
verificar as concepções iniciais dos estudantes sobre os temas a serem abordados.
36

Na sequência, entramos no desenvolvimento da aula. Em linhas gerais, há


dois grandes grupos de propostas sobre como uma aula deve ser conduzida: há os
métodos diretivos (centrados no (a) professor (a)) e os métodos não diretivos
(centrados no (a) educando (a)). Isso deve ser entendido como dois polos distintos.
Toda proposta pode estar mais próxima de um polo ou do outro. Isso é representado
na figura 1.

Método Método
centrado no (a) centrado no (a)
Professor (a) educando (a)

Método que
combina
ambas vises

Figura 1. Os métodos de ensino se posicionam entre dois polos extremos, os


métodos centrados no (a) professor (a) e os métodos centrado no (a) educando (a).

Assim, você pode escolher por uma aula que combine diferentes métodos.
Ou, em uma aula específica, você pode ser mais direito (aula centrada no (a)
professor (a)). Em outra aula, pode-se fazer uma atividade centra no (a) educando
(a).
Uma aula centrada no (a) professor (a) é uma aula expositiva. Idealmente,
deve ser uma aula expositiva-dialogada, em que os (as) educandos (as) respondem
a perguntas do (a) professor (a) e, a partir dessas respostas, o diálogo vai se
construindo. O (A) professor (a) pode trazer, ao longo de sua fala, elementos de
37

história, filosofia e sociologia da ciência, ou pode trazer discussões sobre a


interação entre ciência, tecnologia e sociedade, pode apresentar um estudo de
caso, ou ajudar os (as) educandos (as) a modelar determinado fenômeno.
Em uma aula centrada no (a) educando (a), por outro lado, pode-se fazer,
por exemplo, o uso de métodos ativos (ESPINOSA; ARAUJO; VEIT, 2020), ensino
por pesquisa ou investigação, ensino por projetos e resolução de problemas abertos
(OLIVEIRA; ARAUJO; VEIT, 2017; PASQUALETTO; VEIT; ARAUJO, 2017;
SASSERON, 2018). A abordagem histórica também pode ser adotada a partir de
uma perspectiva investigativa (BRICCIA; CARVALHO, 2011).
Sobre o desenvolvimento da aula, algumas observações e sugestões podem
ser feitas. Primeiramente, em aulas de ciências que usem algum formalismo
matemático para descrição do fenômeno (como é usual em Física), Piaget (1976)
recomenda que a introdução da matemática seja precedida por uma discussão
conceitual ou fenomenológica aprofundada. O objetivo de se fazer isso é garantir
que o (a) educando (a) sinta necessidade de adotar o formalismo matemático para
avançar na descrição do fenômeno. Ou seja, se introduzimos diretamente a
descrição matemática – o (a) educando (a) pode achar a apresentação muito
abstrata, sem sentido, não conseguindo conectá-la com o mundo concreto. Por
outro lado, se apresentamos o fenômeno, um experimento, por exemplo, pedimos
para os (as) educandos (as) explicarem o que está acontecendo e, a partir de suas
respostas, apresentamos uma construção sobre aquele assunto, naturalmente
surgirá a necessidade de representar as grandezas com a linguagem matemática.
Portanto, de uma forma geral, em uma aula, não inicie pela descrição matemática,
ao menos que os (as) educandos (as) já estejam em um nível de abstração elevado
e consigam dar sentido àquelas equações imediatamente.
Outra orientação importante advém da Teoria da Aprendizagem Significativa,
proposta por Ausubel (MOREIRA, 2010). Deve-se iniciar a exposição com conceitos
mais genéricos e, progressivamente, deve-se avançar em direção a tópicos mais
específicos, detalhes, e casos particulares (o que Ausubel chama de diferenciação
progressiva). Ao final da aula, pode-se fazer o caminho inverso, retomando os casos
38

particulares em sua relação com os conceitos mais genéricos (o que Ausubel chama
de reconciliação integrativa).
Com isso, chega-se ao final da aula, sua conclusão. Seguindo a orientação
de Ausubel, na conclusão, o (a) professor (a) deve fazer uma reconciliação
integrativa, retomando o que foi feito e conectando os conceitos particulares a
conceitos mais genéricos. Considerando ainda que, no início da aula, o (a) professor
(a) trouxe uma questão motivadora, ou problemas iniciais, ou uma reportagem, ou
um episódio histórico, a finalização da aula é um momento para retomar a questão
inicial e refletir de forma mais elaborada. Ou seja, após o (a) educando (a) passar
por toda a discussão ao longo da aula, agora ele é capaz de pensar sobre a questão
inicial de forma mais profunda e reflexiva. É importantíssimo que o (a) professor (a)
faça esse fechamento, para que a aula tenha uma conclusão e o tema estudado
ganhe sentido.
Resumindo, no início, o (a) professor (a) traz um tema inicial, uma questão
ou problema, algo que mobilize os (as) educandos (as), que os instigue, que os
desestabilize, como diria Piaget. Na perspectiva que temos trabalhado nesse texto,
esse momento inicial envolve tanto a motivação do objetivo disciplinar como
educacional. Na sequência, temos então o desenvolvimento da aula que pode
seguir métodos mais centrados no (a) professor (a) ou no (a) educando (a). Por fim,
tem-se o encerramento da aula com a reflexão sobre as perguntas ou proposições
iniciais de forma que o(a) educando(a) possa usar o que aprendeu para amadurecer
seu entendimento sobre o problema proposto.
39

Capítulo 9:

Avaliar ou não avaliar: eis a questão.

Em alguns nichos da área educacional, a avaliação parece ter virado um


tabu. De fato, a avaliação burocrática, sem sentido, é motivo de angústia, tensão,
apreensão e medo. Para alguns, pode até ser traumatizante. Por outro lado, dentro
de um processo educacional com sentido, que tenha significado para os sujeitos
que participam dele, a avaliação é mais uma ferramenta que auxilia no processo
educacional. Nesse capítulo, somente serão apresentadas algumas ideias gerais
sobre avaliação. Uma visão mais profunda pode ser encontrada na pesquisa
especializada (DANTAS; MASSONI; FLAVIA, 2017).
Se, ao elaborar uma aula, estabelecemos objetivos, precisamos também
estabelecer os métodos e instrumentos que nos ajudarão a saber se os objetivos
foram alcançados. Por isso, os objetivos devem ser expressos em termos de
atividades e caracterizar os instrumentos que os (as) educandos (as) devem usar.
Com isso, podemos avaliar justamente se as atividades e os instrumentos estão
sendo praticados de forma esperada. Caso não estejam, não se deve punir o sujeito,
mas verificar por que o objetivo não foi alcançado e, então, agir para que o(a)
educando(a) consiga alcançar o objetivo. A avalição é uma aliada do (a) professor
(a) e do (a) educando (a).
Quando se deve avaliar? No meu entendimento, o tempo todo. Avaliar não é
fazer prova (embora a prova possa ser um instrumento de avaliação). Avaliar é
observar, constatar e analisar se a turma está alcançando os objetivos propostos
para que as próximas ações possam ser planejadas. Se pensarmos na estrutura da
aula que comentamos no capítulo anterior, podemos também pensar em uma
avaliação inicial, uma avaliação durante o processo, e uma avaliação ao final.
No início da aula, quando o (a) professor (a) apresenta um tema inicial, ou
questões iniciais, as respostas dos (as) educandos (as) podem ser recolhidas pelo
(a) professor (a), ou ele (ela) pode apenas dialogar com os (as) educandos (as) e
40

anotar em seu diário de aula. Pode-se, também, entregar um questionário de


questões prévias para mapear as concepções dos (as) educandos (as). Esse
material tem como finalidade dar uma ideia para o (a) professor (a) sobre as
concepções iniciais dos(as) educandos(as), rever se os objetivos propostos estão
adequados e planejar possíveis ações que sejam necessárias.
Durante a aula, o (a) professor (a) segue avaliando. Em uma aula expositiva
dialogada, o (a) professor (a) avalia a interação dos (as) educandos (as), a
coerência das respostas e seu engajamento. Ele pode anotar isso posteriormente
em seu diário para acompanhar o desenvolvimento da turma. Se a aula é mais
centrada nos (as) educandos (as), o material desenvolvido por eles (elas) pode ser
recolhido para uma avaliação mais aprofundada do (a) professor (a).
Por fim, ao final da aula, o (a) professor (a) pode fazer questões finais para
serem respondidas oralmente ou por escrito. Alternativamente, pode-se passar
perguntas ou questões para serem respondidas em casa e entregues
posteriormente.
Todos os materiais entregues pelos(as) educandos(as), os diálogos em aula,
a participação, tudo isso é material de avaliação. A partir desses, dados o (a)
professor (a) tem indícios de que métodos estão funcionando e quais não estão.
A prova, usualmente conhecida como avaliação, é uma forma de avaliar. O
(A) professor (a) ainda pode avaliar os(as) educandos(as) com as seguintes
atividades (FREITAS et al., 2008):
- Resolução de listas exercícios
- Redações
- Participação em debates e júri-simulados
- Desenvolvimento de investigações e resolução de problemas abertos
- Desenvolvimento de projetos
- Apresentação de seminários
- Apresentação de estudos de caso.

Todos esses materiais são instrumentos que ajudam o (a) professor (a) a
avaliar o (a) educando (a). Pode-se, nessas avaliações, atribuir uma nota, um
41

número ou um conceito. Entretanto, entendo que a avaliação qualitativa,


complementarmente à nota, apontando os problemas, lacunas, incoerências e
sugerindo alternativas para que o (a) educando (a) possa superar suas dificuldades,
é muito mais importante.
42

Capítulo 10:

Conclusão - Uma proposta de Fluxo da preparação

didática

Vimos, ao longo desse breve texto, os elementos que compõe um plano de


aula, conforme exposto no capítulo 2, e que contribuem para a elaboração de uma
aula que faça sentido. Para finalizar, devemos integrar esses elementos em um
processo de estruturação da aula. Como dito anteriormente, a aula é um todo único
e orgânico. Todos os elementos devem ser integrados de forma a compor a unidade
de forma harmônica. O processo de elaboração da aula, assim, não pode ser
entendido como linear. É um processo complexo, recursivo e que demanda reflexão,
autocrítica e elaboração. Na figura 2, proponho uma sugestão sobre como esse
processo pode se desenvolver.
A primeira etapa envolve definir o tema da aula. Usualmente, isso é
estabelecido pelo currículo escolar. Em algumas escolas, o (a) professor (a) tem
mais liberdade para decidir os temas abordados; mas essa é uma situação
excepcional. Uma vez definido o tema da aula, o (a) professor (a) deve também
estar atento ao contexto social em que se encontra. De uma forma mais geral, é
importante conhecer a turma, saber seus interesses, necessidades, condições. De
forma mais específica, pode-se buscar conhecer a turma com relação ao tema a ser
abordado. Assim, por exemplo, se uma determinada aula demandará o uso de uma
ferramenta matemática, o (a) professor (a) pode fazer um questionário inicial ou
atividade inicial para verificar os conhecimentos dos(as) educandos(as). Deve se
planejar se isso será feito antes da aula ou no primeiro momento da aula.
Tendo em vista o conhecimento do tema e do contexto concreto, o (a)
professor (a) pode definir seus objetivos disciplinares e educacionais. Na sequência,
ele (ela) procura materiais de consulta para si e para os (as) educandos (as) –
elaborando materiais quando necessário. Ao longo de seu aprofundamento no tema
43

a ser apresentado, ele deve voltar a seus objetivos modificando-os e lapidando-os


conforme necessário.
Uma vez estabelecidos os objetivos, passa-se então a definir o
desenvolvimento da aula. A aula deve ser estruturada de forma a ter início meio e
fim.

Figura 2. Proposta de fluxo para estruturação da aula.

Ao preparar o início da aula, o (a) professor (a) define qual será o problema
ou situação motivadora, define quais questões passará para os (as) educandos (as)
e como motivará o tema a ser abordado. Na sequência, define-se o andamento da
aula. Haverá discussão histórica e filosófica? Haverá uma discussão CTS? Em que
momento o formalismo matemático entrará? A aula será centrada no (a) professor
(a) ou no (a) educando (a)? Ao longo dessa atividade, o (a) professor (a) deve
avaliar a atividade dos (a) educandos (a) e seu engajamento. Por fim, planeja-se o
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encerramento. O (A) professor (a) deve prever como retomará as questões e


situações iniciais. Nessa etapa, novamente, pode-se pedir algum tipo de elaboração
dos (as) educandos (as) para que o (a) professor (a) possa avaliar se a atividade
atendeu os objetivos ou não.
Como disse no início do texto, esse é o fluxo que considero ideal. Nem todos
(as) têm o tempo para fazer todos os passos sugeridos. Cada um pode adaptar e
flexibilizar o fluxo conforme seu contexto permitir. A propósito, algumas das
sugestões apresentadas podem não fazer sentido para alguém que está lendo esse
texto. Esse é um fluxo que funciona para mim e que faz sentido para mim a partir
de meus estudos, reflexões e vivências. Entendo que cada professor (a), ao longo
de sua trajetória, deve desenvolver seus próprios fluxos, métodos, valores e
propósitos.
A formação docente, assim como a formação humana, é um projeto de toda
vida. Cada aula é um evento único, mas seus resultados nos apresentam novas
fontes de reflexões para as próximas aulas e cursos. Nossos objetivos e métodos
jamais deveriam ser rígidos e fixos. Como educadores, devemos estar sempre
engajados no processo de desenvolvimento humano, nosso e dos outros,
procurando definir melhor quais são as virtudes e forças que devemos desenvolver
e como podemos contribuir para a formação de um mundo melhor e mais justo. Não
há resposta simples ou rápida. Porém, abster-se de buscar a resposta também não
nos levará a lugar nenhum. Como diz o poeta Antonio Machado, “Caminhante, não
há caminho, o caminho se faz ao caminhar.”
Boa caminhada para todos (as) nós!
45

Referências

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ANEXO
PLANO DE AULA
Data: Disciplina: Nome do Professor (a):
Contexto de implementação didática:
Tema da aula:
Obj. Disc. Geral Obj. Tec. Obj. Pedag. Obj. Pedag. Material Material Desenvolvimento Avaliação Observações
Específicos Geral Específicos Consulta Prof. Consulta (Métodos de Ensino)
Educando
Enunciado de Deve Deve, além da Deve, além da Livro Didático; Livro didático; Início, meio e fim (ou “Inicial, ao
forma ampla e expressar instrução, instrução, fazer apresentação, longo, e
genérica. exatamente o fazer referência, Trabalhos Textos desenvolvimento e ao final”.
que se espera, referência, também, ao Acadêmicos na conclusão);
Uma ideia geral área de históricos; Observar,
ao final da também, ao desenvolvimento
sobre o tema e aula, que o desenvolvime das educação e Início: apresentação constatar
foco da aula ensino; Livros de do tópico a ser e analisar
educando nto das potencialidades e
consiga fazer, potencialidade virtudes humanas divulgação; estudado, a
e com quais s e virtudes (o desenvolvimento justificativa da
instrumentos humanas (o da cidadania) de Imagens; importância;
utilizados desenvolvime forma direta Meio: os métodos
nto da Notícias de diretivos e os
cidadania) de jornais; métodos não
forma diretivos;
genérica e Filmes;
ampla Fim: momento para
retomar a questão
Músicas
inicial e refletir de
forma mais
elaborada

Verbos podem Verbos Verbos


envolver um envolvem uma Ler e interpretar
processo ação externa: textos;
introspectivo: enunciar, Escrever pequenos
entender escrever, textos;
explicar, Debater com
resolver, etc colegas

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