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Maio de 2011
Rio de Janeiro - RJ - Brasil
Resumo
O presente artigo apresenta uma análise sobre o lugar dos governos estaduais na
federação brasileira, mais especificamente no que diz respeito ao papel que lhes cabe no
âmbito da produção de políticas públicas. Para empreender essa discussão, os objetivos
específicos do artigo se desdobram na análise de uma determinada política pública – a
política social de habitação. Parte-se do pressuposto de que, embora o peso das
transformações ocorridas em nível nacional impacte significativamente o conjunto dos
estados, suas respostas a tais impactos, o curso de suas instituições e suas formas de
atuação têm se dado de maneira muito heterogênea. Em síntese, busca-se mostrar como os
estados têm buscado seu lugar na federação brasileira no que diz respeito à execução de
uma determinada política pública e como este papel é diferenciado e heterogêneo no plano
horizontal.
Tanto a escala de grandeza do déficit por novas moradias, assim como as diversas
formas de precariedade distribuídas ao longo do território exigem grandes esforços dos
entes governamentais. A promoção de habitações e de urbanizações beneficiando famílias
de baixa renda demanda, além de capacidades administrativas e institucionais, vultosos
montantes de recursos. No entanto, os estados também apresentam expressivas
desigualdades em termos de riquezas econômicas e, no que diz respeito às suas
características fiscais, expressivas diferenças em termos de arrecadação e capacidade de
gasto.
Com relação ao tema das capacidades financeiras dos estados, embora existam
poucas informações para a compreensão do volume dos recursos e dos mecanismos de
financiamento envolvidos na área de habitação, os dados existentes permitem análises
sobre as tendências de gastos dos governos estaduais na área, especialmente em termos
comparativos entre políticas e entre as unidades da federação. Segundo Araújo (2006), no
período entre 1998 e 2004, houve uma tendência decrescente nos gastos com habitação e
urbanismo. No total de gastos agregados dos estados brasileiros com habitação, destaca-se
a pequena importância dos gastos no setor em relação ao orçamento da esfera estadual –
no período entre 2000 a 2006, representou apenas 0,50% dos orçamentos estaduais,
enquanto 0,69% e 0,73% nos orçamentos da União e dos municípios, respectivamente
(MCIDADES, 2008c) – e a grande volatilidade dos gastos, de um ano para outro do período
analisado, em determinado estadosvi.
É possível identificar, no contexto atual, que o financiamento federal vem reativando
as políticas e programas habitacionais nos estados que, acessando os recursos federais,
vêm executando diversos programas e políticas em seus estados, entrando com
contrapartidas. Embora diversos estados tenham programas próprios, como se verá mais
adiante, verifica-se que a maioria deles segue o ‘guarda-chuva’ das linhas de financiamento
federal, buscando, entretanto, imprimir sua ‘marca própria’, alterando e criando novas
denominações para os programas.
Contudo, é preciso considerar que a predominância dos financiamentos federais não
implica, diretamente, uma homogeneização das políticas, uma vez que as capacidades
técnica e gerencial nos órgãos gestores estaduais são muito desiguais. Cabe destacar
também que a heterogeneidade, nas unidades estaduais, das políticas financiadas com
recursos federais se coloca sobretudo porque o federalismo atual apresenta contornos muito
distintos daqueles existentes no contexto do antigo BNH. Como as capacidades financeiras
dos estados são sobremaneira desiguais, verifica-se também que, além de implementarem
os programas federais, alguns estados contam com linhas programáticas próprias e
diversificadas e, ainda, alguns estados têm lançado mão de recursos próprios para o
desenvolvimento de iniciativas próprias.
Figura 2. Percentual de municípios que não possui estrutura específica na área de habitação.
Fonte: Elaboração a partir de dados IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2008.
100,00
90,00
80,00
Em associação com
o Governo Federal
70,00
60,00
50,00
Em associação com
40,00
o Governo Estadual
30,00
10,00
0,00
MT MS SP TO PR RN GO RJ BA SC PB ES CE MG AC SE MA AM PE RS RO PA AL PI AP RR DF
Em associação com o Governo Estadual Em associação com o Governo Federal Iniciativa exclusiva da Prefeitura
Fonte: Elaboração a partir de dados IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2008.
Fonte: Elaboração a partir de dados da pesquisa encomendada pelo Ministério das Cidades ao
CEM/Cebrap em 2007, entrevistas e sítios eletrônicos dos governos estaduais, 2008 e 2009.
CGFEHIS
PEHIS
FEHIS
Nível Órgãos 2 3 com 5
1 COHABs Sistema Programas Adesão
estadual estaduais significativa
4
autonomia
AC
AL
AM
AP
BA
CE
DF
ES
GO
MA
MG
MS
MT
PA
PB
PE
PI
PR
RJ
RN
RO
RR
RS
SC
SE
SP
TO
Notas:
Indicador de ausência.
Indicador de presença.
FEHIS e CGFEHIS: existência de Lei aprovada na AL. PEHIS: Plano apresentado.
FEHIS e CGFEHIS: aguardando ajustes. PEHIS: em andamento.
Fonte: Elaboração a partir de:
1. BONDUKI, 1998. 2. ARRETCHE, 1996; 1999. 3. ARRETCHE, 1996; 1999 e consultas em sítios eletrônicos em 2008.
4. Pesquisa encomendada pelo Ministério das Cidades ao CEM/Cebrap e coordenada por Marta Arretche, mimeo, 2007.
5. Dados fornecidos pelo Ministério das Cidades, correspondentes à situação (ago./dez./2010) dos estados no SNHIS.
Conclusões
No caso da política habitacional, verificou-se que, no plano horizontal da federação
que abrange os governos estaduais, a apontada indefinição da atuação do conjunto dos
estados oculta enormes heterogeneidades. Estas heterogeneidades, como demonstrado por
meio das principais variáveis explicativas presentes na literatura, se materializam em
distintos tipos de ação, que vão desde a inação a um conjunto robusto de ações. Foi
possível observar, por um lado, que a trajetória da política tem resultado, de modo geral, em
uma maior participação deste ente federativo na política habitacional e, por outro, que as
particularidades dos desenvolvimentos institucionais dos estados refletem uma
heterogeneidade que se expressa, em diferentes tempos, na manifestação de diferentes
formas e graus – ou possibilidade/ capacidade de assunção – da política habitacional por
este ente federativo.
Na trajetória da política habitacional, bem como em outras áreas de políticas, o peso
da atuação do governo federal teve, em determinados momentos, forte influência na
atuação dos demais entes federativos. Na área da habitação, em particular, a presença
centralizadora da União deixou profundas marcas na trajetória da política habitacional no
país, sobretudo devido à herança do antigo modelo do BNH. A partir do movimento de
descentralização de políticas, fortemente inspirado pela Constituição Federal de 1988 e no
contexto democrático atual, em que se colocam novos marcos institucionais estabelecidos
na política habitacional, o sucesso das políticas públicas que visem universalizar o acesso à
moradia torna-se ainda mais desafiador. Embora a atuação dos estados, em particular,
tenha sofrido influência, seja da ação ou mesmo da inação da União no tocante à política de
habitação, seus impactos e respostas não podem ser generalizados de maneira homogênea
para todos os estados; uma vez que as conjunturas críticas ocorridas no plano nacional têm
tido impactos diferenciados no plano estadual e isso se reflete, como se procurou explicitar,
em respostas e cursos distintos.
Bibliografia
i
Como condicionalidade para receberem as transferências de recursos da União, ao
aderirem ao SNHIS, estados, DF e municípios deverão empreender medidas de âmbito
institucional, comprometendo-se a constituir um Fundo Local de Habitação de Interesse
Social, criar um Conselho Gestor do Fundo Local – que deverá ter um modelo similar
adotado pelos entes subnacionais – e elaborar um Plano Local Habitacional de Interesse
Social.
ii
Há que se lembrar, ainda, que o rombo do Fundo de Variação de Compensações Salariais
(FCVS) fora herdado pelos estados e a negociação das dívidas estaduais incluiu a
assunção, por parte dos estados, das dívidas relativas às carteiras de crédito imobiliário das
companhias de habitação, das quais muitas entram em liquidação e são extintas na década
de 1990.
iii
Embora na década de 1990 tenham ocorrido avanços nas áreas de educação e saúde,
certamente tanto a coordenação federal, por um lado, como o ativismo estadual, por outro,
se inviabilizavam em um período de maior imobilismo na política habitacional.
iv
Embora certamente esse movimento não reflita posições ou formas de atuação
homogêneas entre os estados, no plano das relações intergovernamentais mostra-se como
uma tendência de articulação desse nível de governo, com maior organização e disposição
para atuar no setor, que interfere e se manifesta através de uma instituição representativa
de seus interesses no plano federativo.
v
Ver ARRETCHE, 1999; SOUZA, 2004; SOUZA e CARVALHO, 1999; ALMEIDA, 2005.
vi
Não apenas a função habitação tem merecido pouco destaque no orçamento estadual,
como também as demais rubricas que compõem o que denominou de gestão urbana
(ARAÚJO, 2006).
vii
Os dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2008 também trazem
informações sobre outros programas e ações realizados pelos municípios em 2007 e/ou
2008. Para exemplificar a participação dos demais entes federativos junto aos municípios,
especialmente dos governos estaduais, optou-se por selecionar a modalidade ‘programas
ou ações de construção de unidades habitacionais’.
viii
Aqueles que não conseguiram contar com recursos próprios, do orçamento estadual,
ficaram sujeitos às possibilidades de transferência de recursos do governo federal, via
emendas orçamentárias, ou ao acesso aos recursos do FGTS, os quais foram fortemente
restringidos a partir de 1994, quando se enrijeceram os critérios de capacidade financeira de
endividamento para o repasse (CARDOSO et alli, 2007).