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GRUPO III.

Lê o excerto de “Natal”, de Miguel Torga. Se necessário, consulta as notas de vocabulário.

De sacola e bordão1, o velho Garrinchas fazia os possíveis por se aproximar da terra. A


necessidade levara-o longe de mais. Pedir é um triste ofício, e pedir em Lourosa, pior.
Ninguém dá nada. Tenha paciência, Deus o favoreça, hoje não pode ser – e beba um
desgraçado água dos ribeiros e coma pedras! Por isso, que remédio senão alargar os
5 horizontes, e estender a mão à caridade de gente desconhecida, que ao menos se
envergonhasse de negar uma côdea a um homem a meio do padre-nosso. Sim, rezava
quando batia a qualquer porta. Gostavam.... Lá se tinha fé na oração, isso era outra
conversa. As boas ações é que nos salvam. Não se entra no céu com ladainhas 2, tirassem
daí o sentido. A coisa fia mais fino! Mas, enfim.... Segue-se que só dando ao canelo 3 por
muito largo conseguia viver.
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E ali vinha de mais uma dessas romarias, bem escusadas se o mundo fosse doutra maneira.
Muito embora trouxesse dez réis no bolso e o bornal4 cheio, o certo é que já lhe custava
arrastar as pernas. Derreadinho5! Podia, realmente, ter ficado em Loivos. Dormia, e no dia
seguinte, de manhãzinha, punha-se a caminho. Mas quê! Metera-se-lhe em cabeça consoar à
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manjedoira nativa... E a verdade é que nem casa nem família o esperavam. Todo o calor
possível seria o do forno do povo, permanentemente escancarado à pobreza. Em todo o caso,
sempre era passar a noite santa debaixo de telhas conhecidas, na modorra 6 dum borralho de
estevas e giestas7 familiares, a respirar o perfume a pão fresco da última cozedura... Essa
regalia ao menos dava-a Lourosa aos desamparados. Encher-lhes a barriga, não. Agora
20 albergar o corpo e matar o sono naquele santuário coletivo da fome, podiam. O problema
estava em chegar lá. O raio da serra nunca mais acabava, e sentia-se cansado. Setenta e
cinco anos, parecendo que não, é um grande carrego. Ainda por cima atrasara-se na jornada
em Feitais. Dera uma volta ao lugarejo, as bichas pegaram, a coisa começou a render, e
esqueceu-se das horas. Quando foi a dar conta, passava das quatro. E, como anoitecia cedo,
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não havia outro remédio senão ir agora a mata-cavalos 8, a correr contra o tempo e contra a
idade, com o coração a refilar. Aflito, batia-lhe na taipa9 do peito, a pedir misericórdia. Tivesse
paciência. O remédio era andar para diante. E o pior de tudo é que começava a nevar! Pela
amostra, parecia coisa ligeira. Mas vamos ao caso que pegasse a valer? Bem, um pobre já
está acostumado a quantas tropelias a sorte quer. Ele então, se fosse a queixar-se! Cada
30 desconsideração do destino! Valia-lhe o bom feitio. Viesse o que viesse, recebia tudo com a
mesma cara. Aborrecer-se para quê?!
Não lucrava nada! Chamavam-lhe filósofo... Areias10, queriam dizer. Importava-lhe lá.
Miguel Torga, Novos Contos da Montanha, 5.a ed.

1 bordão: pau que serve de apoio para quem caminha.


2 ladainhas: orações.
3 dando ao canelo: andando muito.
4 bornal: saco.
5 derreadinho: muito cansado, exausto.
6 modorra: sonolência.
7 estevas e giestas: arbustos.
8 mata-cavalos: a toda a pressa.
9 taipa: parede.
10 areias: alguém que diz tolices.
1.Apresenta três estratégias que Garrinchas adotava para conseguir esmolas.
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2. Justifica a opinião que Garrinchas tem dos habitantes de Lourosa.
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3. Seleciona, com um X, as opções que justificam a decisão de Garrinchas de não ficar em Loivos
naquela noite.

(A) Queria passar a consoada na sua terra.

(B) Queria passar a consoada com a sua família.

(C) Queria passar a consoada em sua casa.

(D) Queria passar a consoada num local conhecido.

(E) Queria passar a consoada no espaço do forno do povo.

4. Explica, por palavras tuas, o significado da afirmação “E ali vinha de mais uma dessas romarias, bem
escusadas se o mundo fosse doutra maneira.” (linha 10)
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5. Refere as dificuldades que a idade trazia a Garrinchas, na viagem de regresso a Lourosa.


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6. Refere uma característica física e uma característica psicológica de Garrinchas.
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7. Identifica os recursos expressivos:
7.1 “De sacola e bordão.... “ l.1 ________________________________________________
7.2 “com “...mais uma dessas romarias” l.10 ______________________________________
7.3 “o coração a refilar...” l.24_________________________________________________
8. Retira do texto um exemplo que comprove a subjetividade do narrador.
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IV. Gramática
1. Associa as palavras sublinhadas, na coluna À, à sua função sintática, na coluna B

Coluna A Coluna B

A) Entrou, dirigiu-se ao altar. 1. Sujeito

B) Tirou a navalha do bolso. 2. Predicado

C) A Santa parecia amigável. 3. Predicativo do Sujeito

D) Garrinchas perguntou à Santa se era servida. 4. Predicativo do Complemento Direto

E) Garrinchas foi acolhido pela Santa e pelo Menino. 5. Complemento Direto

F) A fogueira aqueceu e secou Garrinchas. 6. Complemento Indireto

G Garrinchas considerou a Santa cordial. 7. Complemento Oblíquo


)

H) A madeira seca do palanquim ardia bem. 8. Complemento Agente da Passiva

I) Cortou um pedaço de broa, vagarosamente. 9. Modificador do Grupo Verbal

2. Substitui as expressões destacadas pelos pronomes pessoais adequados.

a. Garrinchas não perguntou ao Menino se era servido.


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b. Garrinchas apreciou o silêncio da serra. _____________________________________________

c. Garrinchas perguntará à Santa se é servida. _________________________________________

d. Garrinchas atravessaria a serra cheia de neve, se não se abrigasse. ______________________

e. Todos negariam uma esmola a Garrinchas, em Lourosa.


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f. Garrinchas passará a noite ao frio.


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g. Os habitantes de Lourosa darão um pedaço de pão a Garrinchas. ________________________

3. Os pronomes pessoais, que usaste no exercício anterior, desempenham as funções sintáticas de:
(A) Complemento Indireto e Predicativo do Complemento Direto.

(B) Complemento Direto e Complemento Oblíquo.

(C) Complemento direto e complemento indireto.

(D) Complemento Indireto e Predicativo do Sujeito.

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